ESPECIAL DE NATAL – O que fazer quando tudo dá errado e seu maior adversário parece ser a sua própria vida? O multicampeão Rodrigo Aparecido Pereira, de 34 anos, optou por nocauteá-lo. Superou a rejeição dos pais, a violência nas ruas, o desamor e a falta de oportunidades.
Nesta semana, o acidade on Araraquara publica o especial NATAL DO reNASCIMENTO, com histórias de quem renasceu, e renasce, diante dos obstáculos da vida e, hoje, são exemplos de superação.
“Achei que ia ficar louco. Eu falava: ‘não é possível um cara ser tão desgraçado que nem eu’”, lembra o lutador de kickboxing ao olhar para a própria história.
Quando ainda nem tinha consciência, Rodrigo Pereira enfrentou o seu primeiro adversário. Ainda aos nove meses de vida, foi rejeitado pelos pais e acolhido pela avó materna, Maria, que o criou até os quatro anos, quando morreu vítima de um câncer na medula.
Meses depois, ele encarou o primeiro episódio de violência e a sua segunda perda: o assassinato do pai, Elias, em 1995, em Matão, onde morava e tinha diversos problemas relacionados à criminalidade.
“Para não parar num orfanato, minha tia-avó [Madalena] me criou, me educou. Ela era bem brava mesmo. Mas não fui adotado no papel”, conta.
Rodrigo foi criado por tia Magdalena até a pré-adolescência, quando a família começou a enfrentar uma situação financeira difícil. Por não trabalhar, ele sentia que poderia ser um gasto a mais dentro de casa. Então, decidiu ir embora e, por alguns meses, morou na ruas, entre elas, na cidade de Bauru.
“Aprendi bastante coisa lá, a viver, na verdade. Mas nunca passei fome, nada. Eu pedia e as pessoas sempre me ajudavam. Quando voltei para cá de novo, minha tia ficou brava para caramba”, lembra.
Como a situação ainda estava complicada financeiramente, o lutador decidiu viver com outras pessoas até que as coisas melhorassem na casa da tia-avó. Ele passou um período com a mãe biológica, que reencontrou anos depois do abandono, e com gente que sequer tinha algum parentesco.
Aos 17 anos, Rodrigo encarou a segunda e mais cruel situação de violência: tia Madalena foi morta pelo próprio filho. Seu irmão de criação ficou preso por 11 anos pelo crime e tempos depois também morreu.
O ESPORTE
Foi na casa da rigorosa tia-avó que Rodrigo se apaixonou pelo universo da luta ao assistir aos filmes de Jean-Claude Van Damme, esporte que só foi colocar em prática mais tarde, aos 21 anos, em um projeto social de capoeira.
“Conheci o mestre Nildão [Ronildo Soares dos Santos], que acabou me ajudando bastante. Eu fazia capoeira e conheci o meu dom, comecei a fazer o kickboxing e aquilo ajudou para caramba. Minha vida está no eixo porque por me afastou da droga, me afastou da bebida, de várias coisas ruins. Sem contar o sonho pessoal de estar competindo, de estar trabalhando”, afirma.
Por meio do esporte, Rodrigo foi tricampeão brasileiro e bicampeão panamericano, além de outros títulos importantes, como o cinturão do SFT Combate, conquistado em março deste ano.
“No começo, ele não tinha muita confiança, às vezes, ficava muito ansioso. Ele é um exemplo de persistência porque perdeu bastante luta no começo da carreira e foi evoluindo tanto dentro do ringue como fora”, comenta mestre Nildão.
FÉ EM DEUS
Com a vida entrelaçada com a violência, Rodrigo encontrou na fé a força necessária para não seguir este caminho. Além de atleta, ele é professor de um projeto social em Gavião Peixoto e dá aulas em uma academia em Araraquara.
“É Deus, não tem outro caminho. Graças a ele, sou professor e consigo passar minha experiência para os jovens que treinam comigo”, afirma.
A FAMÍLIA
O recomeço do lutador foi ao lado da mulher, Márcia, 40. Com ela, terminou os estudos, se formou técnico em química e constituiu a sua família. O casal é pai de Matheus, 15, e Miguel, 7, além de Gabriel, 20, filho de outro relacionamento da esposa.
“Quando você não é amado, quando você é meio jogado na vida, demora a ter confiança em tudo, desde se impor, conseguir um emprego a conversar com as pessoas. Sempre ficava muito encolhido, mais recuado. Então, eu acho que foi a falta de ter um pai presente”, comenta. “Mas eu consigo compensar tudo isso com meus filhos, tento ser o mais presente possível”, completa.
Ele diz que só se sentiu importante pela primeira ao vencer a primeira competição, na época com 22 anos, em uma academia de luta no bairro Selmi Dei, e aprendeu com todas as derrotas que sofreu até ter o seu trabalho reconhecido.
“Nunca deixei nada de ruim me abalar, sempre continuei, nunca desanimei, nunca. Passei por muita coisa na vida. Mas se você acreditar, tudo passa, as coisas ruins e as coisas boas também. Tenta seguir seu coração, que as coisas dão certo”, finaliza.