ESPECIAL DE NATAL – As cicatrizes estão no corpo da arte-educadora Rafaela Berto Pucca, de 45 anos. Algumas foram embora com o tempo e outras talvez nunca desapareçam por completo. Marcas de um acidente doméstico e que ganharam um novo significado em sua pele.
Nesta semana, o acidade on Araraquara publica o especial NATAL DO reNASCIMENTO, com histórias de quem renasceu, e renasce, diante dos obstáculos da vida e, hoje, são exemplos de superação.
“Olhar para o meu corpo, que é o corpo que eu tenho e cuidar dele com amor”, diz a professora, ainda se recuperando do acidente com uma lareira ecológica, que ocorreu no quintal da sua casa, no Parque Igaçaba, em Araraquara, em janeiro deste ano.
Rafaela teve 40% do corpo queimado. O seu braço esquerdo, parte mais atingida pelas chamas, sofreu queimaduras de terceiro grau e precisou de procedimentos cirúrgicos e enxertos.
Somente agora, praticamente depois de um ano, ela consegue falar sobre aquele dia. “O fogo veio na minha direção e, por mais que tentasse apagar, continuava ardendo na minha pele. Então, uma amiga pegou um tecido que estava em cima da cadeira, jogou em cima de mim, me abraçou e conseguiu abafar e parar o fogo”, lembra.
Rafaela foi levada para um hospital particular, mas precisou ser transferida para uma unidade de vítimas de queimaduras, em Sertãozinho, e permaneceu internada por mais de 30 dias, sendo cinco deles em UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
Além da dor das feridas, ela encarou ainda a dor da solidão, com a distância do companheiro e da filha pré-adolescente, 12. “Eu fiquei muito tempo sozinha e queria sair do hospital a todo custo”, lembra emocionada.
A alta, porém, não foi acompanhada por sua pronta recuperação. Rafaela precisou ser novamente hospitalizada, desta vez em Araraquara, por conta do excesso de secreção nos ferimentos, que dificultavam a cicatrização tão esperada.
Foi neste momento que viu de perto a solidariedade: amigos se organizaram em uma vaquinha virtual e, com o dinheiro arrecado, ela pode custear o seu tratamento na cidade, sem precisar voltar a Sertãozinho e ficar novamente distante da família.
“Veio primeiro essa ideia: ‘O que eu fiz para merecer isso?’ Mas sempre estive no caminho da espiritualidade e, então, o baba [babalorixá] falou para mim: ‘Você não tem que pensar desse jeito, a gente não tem dimensão dos desígnios da espiritualidade e tem que aprender aqui nesse universo. Então, isso que você acha que é um grande castigo, daqui alguns anos vai te libertar de muitas coisas que você era prisioneira.’ Eu cheguei a pensar que se era para ficar desse jeito, quando as cicatrizes ainda eram muito ruins, que eu fosse embora”, desabafa.
Hoje, ainda em recuperação e fazendo sessões de fisioterapia, ela resgatou a autonomia para se vestir, se cuidar, voltou a dirigir e está se preparando para retomar o trabalho. Acima de tudo, com a ajuda de uma antiga aliada: a dança.
Professora da Escola Iracema Nogueira e das Oficinas Culturais, ela passou a ver a dança com outro olhar após o acidente. “Essa coisa de exigir técnica, de colocar às vezes num lugar de competição. A experiência que a dança está trazendo para mim nesse processo é que não importa o resultado. Se você deixa um pouco de lado o resultado e foca na experiência, é muito mais intenso. O que achei incrível é que na hora que estou dançando, esqueço do meu braço, de tudo o que passei. Quando estou dançando, consigo fazer tudo. Então, a dança cura mesmo”, afirma.
Por meio da dança, ela também resgatou a autoestima, passou a se encarar no espelho e a ressignificar suas cicatrizes. “A dança trouxe a ideia de que eu sou mulher, de voltar a me reconhecer como mulher, me arrumar e olhar para o meu corpo”, afirma.
Hoje, Rafaela faz parte de um grupo de mulheres que compartilham suas dores e experiências, algumas com histórias mais graves que a sua, outras menos, mas todas com algo a ensinar e a aprender.
Por muitos anos movida pelo trabalho, ela pensa em desacelerar daqui para frente. “Eu vi que não era legal o estilo de vida que eu tinha e quero de todo meu coração mudar. Que 2025 venha ameno, num processo de transição que está sendo para mim. Eu sofri muito em 2024, então, que 2025 venha me resgatar. Acho que a gente não precisa de tanta pressa para as coisas”, conclui.