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REVISTA de MARINHA, 1025, Janeiro-Fevereiro, 2022

2022, Revista de Marinha

Marinha de Guerra

JANEIRO FEVEREIRO 2022 www.revistademarinha.com Marinha Guerra de Diretor: Alexandre da Fonseca Nº 1025 - janeiro/fevereiro 2022 - Preço Continente - 6,50 € - PERIODICIDADE BIMESTRAL FICHA TÉCNICA ANO: 85 Nº 1025 FUNDADOR MAURÍCIO DE OLIVEIRA ANTERIORES DIRETORES MAURÍCIO DE OLIVEIRA GABRIEL LOBO FIALHO EDITOR/DIRETOR ALEXANDRE DA FONSECA DIRETOR ADJUNTO JOÃO RODRIGUES GONÇALVES LUÍS MIGUEL CORREIA SÍTIO NA INTERNET JOÃO RODRIGUES GONÇALVES COLABORADORES PERMANENTES ANTÓNIO BALCÃO REIS ANTÓNIO PETERS ARMANDO MARQUES GUEDES ARTUR PIRES (Setúbal/Sesimbra) AUGUSTO SALGADO CARLOS ALBERTO TIAGO (Peniche) ÉLVIO LEÃO (Porto Santo) FERNANDO PAIVA LEAL (Leixões) ISABEL PAIVA LEAL (Leixões) ISABEL PEREIRA (Faro) JOÃO BRITO SUBTIL (S. Miguel/Açores) JOÃO FERNANDES ABREU (Madeira) LUIS FILIPE MORAZZO (Sotavento/Alg.) LUIS MONTEIRO (Barlavento/Alg.) MANUEL OLIVEIRA MARTINS (Viana do Castelo) MIGUEL VIEIRA DE CASTRO (Sines) ORLANDO TEMES DE OLIVEIRA PAULO GAMA FRANCO REINALDO DELGADO (Póvoa de Varzim/Vila do Conde) RUI MATOS Os artigos publicados na Revista de Marinha e assinados refletem as perspetivas dos seus autores. Os artigos e fotografias incluídos nesta edição não podem ser reproduzidos sem autorização. Capa: O N.R.P. SETÚBAL a navegar na barra do porto de Setúbal, junto ao forte do Outão, numa feliz aguarela do pintor de arte e nosso estimado assinante, Sr. Fernando Lemos Gomes. ÍNDICE DE ANUNCIANTES LISNAVE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CAPA CASA DA SENHORA DO OUTEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04 TECNOVERITAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05 MUSEU DE MARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 INDRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 BENSAÚDE MARÍTIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 TERNER MARITIME . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 GRUPO SOUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 APL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 UAVISION . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 HEMPEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 FOR-MAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 CONFORNAULUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 PROMARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 ARSENAL DO ALFEITE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 GRUPO ETE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 EID . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 WEST SEA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 VERA NAVIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 LIDERANÇA & ALTO RENDIMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 A4S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 PLANETÁRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 GALP-MARINE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 SEAVENTY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 MOBILIFT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 REPSOL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 INDUMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 REBOPORT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 MYSTIC CRUISES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 AVG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 SUNCONCEPT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 LINDLEY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 BOATS4SALE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 LOJA DO MUSEU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 EDIÇÕES REVISTA DE MARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 RADIO HOLLAND . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA IH . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA NEPTUNE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CONTRA-CAPA Prefácio Neste primeiro número do ano abordamos o tema “Marinhas de Guerra”; vamos hoje focar-nos na nossa Briosa. No passado dia 27 de dezembro teve lugar a mudança na chefia da Marinha, o Almirante Gouveia e Melo rendeu o Almirante Mendes Calado, que passou à reserva. Ambos excelentes Oficiais, que conheci quando com eles me cruzei no decorrer da minha vida profissional na Armada. Uma transição envolta nalguma polémica, desnecessária e negativa, para todos os envolvidos e para a nossa Marinha. Uma palavra de louvor para o Almirante Mendes Calado que no seu mandato … manteve firme o leme; que na fase da sua vida que agora inicia encontre mares calmos e ventos bonançosos e de feição! Ao Almirante Gouveia e Melo desejo muitos sucessos, que serão também os sucessos da Marinha; as dificuldades, como se sabe, são muitas e os recursos escassos. Uma primeira questão que importa resolver é definir qual o organismo entre nós responsável pelas atividades de Guarda Costeira (combate aos ilícitos no mar, fiscalização da pesca e busca & salvamento). A lancha BOJADOR evidencia a necessidade de uma definição clara de atribuições; por outro lado, em nossa opinião, o seu recente encalhe mostra que a vocação da GNR não é andar no mar. Depois, as magnas questões do recrutamento de pessoal, da manutenção e do reequipamento da Esquadra, para as quais importa encontrar recursos e soluções inovadoras, fazendo algum benchmarking com outras Marinhas. No reequipamento há que terminar o upgrade das fragatas e iniciar os estudos do navio que as substituirá (já) na próxima década; o que talvez possa ser feito em conjunto com outras Marinhas aliadas como as da Holanda, Bélgica e Dinamarca. A capacidade de reabastecimento é fulcral; enquanto não se constrói um navio de apoio logístico, que demora alguns anos, talvez seja possível encontrar um navio disponível noutra Marinha ou mesmo adquirir e converter um navio mercante. A 3ª série de seis navios de patrulha oceânica está a fazer o seu caminho, que necessita de ser vigiado e aplainado. Por outro lado, as lanchas de fiscalização classes ARGOS e CENTAURO terão em breve de ser substituídas. Neste âmbito, NPO’s e LFR’s, haverá que tentar a exportação, designadamente para o mercado da CPLP. Afigura-se-nos que a Indústria Nacional deverá ser envolvida tanto quanto possível nestes programas; tem provas dadas em anteriores construções e tem mostrado capacidade de inovação de que os drones aéreos e a robótica submarina são exemplo. A terminar, noutro registo, recordar que há dois séculos, Portugal deixou ao Brasil uma área equivalente a cerca de metade da América do Sul, o que constitui uma herança valiosa. Afinal, nas palavras do Barão do Rio Branco, território é poder… Alexandre da Fonseca [email protected] Estatuto Editorial A Revista de Marinha é uma publicação cujo título é propriedade da firma “Editora Náutica Nacional, Lda”, sociedade por quotas, sendo seus únicos sócios o presente editor e diretor e sua mulher. O tema central da revista é o Mar, cuja importância na economia, na segurança, na cultura e na identidade nacional é por demais evidente. Este tema será abordado nas suas múltiplas facetas, com destaque para os assuntos relativos às ciências do mar, às atividades portuárias e às Marinhas de Guerra, de Comércio, de Pesca e de Recreio, quer de Portugal, quer dos outros Estados lusófonos. A Revista de Marinha é uma publicação periódica, bimestral, independente, que se rege por critérios jornalísticos rigorosos. Os artigos e as notícias que insere terão uma análise factual, a procura do contraditório e quando aplicável, farão uma crítica construtiva. Os autores dos artigos serão diversificados, acolhendo-se sobre o mesmo tema opiniões diversas, que possibilitem aos nossos leitores – a nossa verdadeira razão de ser – formarem eles próprios a sua opinião. Na orientação geral dos conteúdos da revista, no seu equilíbrio e no relevo dado aos vários assuntos será tida em conta a opinião do Conselho Editorial. Revista de Marinha (ERC nº 104351): Endereço da Sede e Redação - Av. Elias Garcia, Nº 20, 4º Esq. 1000 -149 Lisboa. Propriedade da ENN – Editora Náutica Nacional, Lda., NIPC 501 700 536. Tm. 91 996 47 38, Tel. 21 580 98 91, e-mail: [email protected], www.revistademarinha.com; a ENN está inscrita no registo das empresas jornalísticas sob o nº 211781; Depósito legal nº 18 573/87. O capital desta empresa está repartido por duas quotas iguais, de 50% cada, pertencentes a Henrique Alexandre Machado da Silva da Fonseca e Maria de Fátima Rueda Cabral Sacadura Alexandre da Fonseca. Paginação, Impressão e Acabamento: Estria, Produções Gráficas, S.A., Rua Torcato Jorge, Nº 1, Sub-Cave, 2675-359 Odivelas, Tel. 21 938 56 69, E-mail: [email protected]; Site: estria.wix.com/estria; Tiragem deste número: 2700 exemplares; Distribuição: VASP, Tel. 21 439 85 07. 85.O Ano Sumário ATUALIDADE NACIONAL TIAGO PITTA E CUNHA GALARDOADO COM O “PRÉMIO PESSOA” .............................................. 5 REGATA ASSINALA A ROTA DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO ....................... 18 PORTUGAL NA CONFERÊNCIA ”CRESCENDO AZUL”, EM MOÇAMBIQUE .................... 19 CONSTRUÇÃO & REPARAÇÃO NAVAL O EMPREGO DE UM NOVO CONCEITO DE DOCAGEM ............................................................... 42 EXPORTAR NAVIOS VERDES ........................................ 61 GOUVEIA E MELO EM ALMOÇO-DEBATE NO ICPT ....... 6 APRESENTAÇÃO DE “MEMÓRIAS DA GUERRA E DO MAR” ................................................. 6 HISTÓRIA MARÍTIMA ESTRATÉGIA & GEOPOLÍTICA PORTO DE SETÚBAL COM NOVA LINHA REGULAR ...... 6 PRIMEIRA TRAVESSIA AÉREA DO ATLÂNTICO SUL ..... 20 Iº SIMPÓSIO MARÍTIMO DA ZOPACAS .......................... 48 PASSAGEM DO ANO NO FUNCHAL ............................... 7 O BLOQUEIO DO PORTO DA BEIRA ............................. 46 INDRA EQUIPA O SUBMARINO KSS III DA COREIA DO SUL ........................................................ 8 “INCRÍVEL ARMADA”, A HISTÓRIA DA TG 24.1 – PARTE III .................................................. 56 AQUÁRIO VASCO DA GAMA ......................................... 52 MEIO CONTINENTE COMO HERANÇA .......................... 66 O ARMADOR JOSÉ ROQUE .......................................... 62 UMA OBRA NOTÁVEL ................................................... 68 O NOSSO NAVIO ........................................................... 64 CONFRARIA MARÍTIMA RETOMA AS SUAS ATIVIDADES ..................................................... 8 APRESENTAÇÃO PÚBLICA DA “ASSOCIAÇÃO 4SHIPPING” ............................................ 9 LAGOS, RIOS E CANAIS NAUTICAMPO 2022 ....................................................... 10 MARINHA DE GUERRA APDL E A NOS APRESENTAM O PRIMEIRO PORTO 5G ................................................ 10 A 3ª SÉRIE DE NAVIOS DE PATRULHA OCEÂNICOS ......................................... 23 DIA NACIONAL DO MAR DE 2021 ................................. 11 O NRP ZAIRE EM MISSÃO NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE ................. 26 COMEMORAÇÃO DOS 35 ANOS DO PROGRAMA BANDEIRA AZUL ................................. 12 CAMISOLA POVEIRA, UMA ORGULHOSA NOVIDADE ANTIGA! ....................................................... 12 PORTO DE LISBOA MARCA POSIÇÃO NO MERCADO DE CITRINOS ........................................ 12 SURF CLUBE DE VIANA, O PRIMEIRO CERTIFICADO DO MUNDO ............................................ 14 OBRAS NO PORTO DA ERICEIRA DECORREM A BOM RITMO ........................................... 14 IT'S NOW OR NEVER! – É AGORA, OU NUNCA! ........... 54 A CAPACITAÇÃO DA GUARDA COSTEIRA DE CABO VERDE ........................................................... 34 A CONFERÊNCIA INTERNACIONAL IMDEC 21 .............. 36 FLEET TACTICS – UMA OBRA DE REFERÊNCIA ........... 49 PORTO DE SETÚBAL CRIA ACADEMIA PORTUÁRIA .... 16 LIVRO APRESENTADO EM VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO ..................................................... 17 CRÓNICAS TRANSPORTES & LOGÍSTICA ....................................... 72 SEGURANÇA MARÍTIMA ................................................ 74 O MAR E AS LEIS .......................................................... 76 MERGULHO ................................................................... 78 ENERGIAS RENOVÁVEIS MARINHAS ............................ 80 MODELISMO .................................................................. 82 DESPORTOS NÁUTICOS ............................................... 84 PATRIMÓNIO MARÍTIMO ............................................... 86 SEGURANÇA MARÍTIMA CIBERATAQUES NO MAR – UMA QUESTÃO NÃO DE COMO, MAS DE QUANDO .............................. 29 O HMS DRAGON EM LEIXÕES ...................................... 15 APDL PROMOVEU UM EXERCÍCIO DE COMBATE À POLUIÇÃO NO DOURO ................................................. 16 CULTURA MARÍTIMA ESCAPARATE 2034 – UM ROMANCE DA PRÓXIMA GUERRA MUNDIAL ........................................................ 88 IDENTIDADE NACIONAL: A CONCLUSÃO PORTUGUESA E A NOSSA LÍNGUA PÁTRIA ................. 90 DIREITO MARÍTIMO ATAQUE A CONAKKY .................................................... 91 O REGIME JURÍDICO DA SEGURANÇA PRIVADA ARMADA A BORDO DE NAVIOS DE BANDEIRA PORTUGUESA ....................................... 32 MEMÓRIAS DE FOZ CÔA .............................................. 92 REVISTA GENERAL DE MARINA .................................... 92 MEMÓRIAS DA GUERRA E DO MAR ............................. 93 CHEMICAL MASTER À DERIVA COM INCÊNDIO A BORDO ............................................ 17 MARINHA DE COMÉRCIO ARQUIVO HISTÓRICO REFORÇADAS AS REGRAS PARA O CONTROLO DO ENXOFRE ....................................................................... 18 SHIPPING: DA ECONOMIA GLOBAL AO INTERESSE NACIONAL ........................................... 38 A Revista de Marinha HÁ MAIS DE OITENTA ANOS… Nº 79 ........................................... 94 Apartamentos Turísticos TO N O C S DE OS A % 0 2 DE S 4 Casa da Senhora do Outeiro NTE A N I S AS ISTA V E R DA INHA R A M DE revistademarinha.com • ALGARVE • COLARES • BEIRA ALTA · Outeiro de Matados Chãs de Tavares – 3330-034 Mangualde E-mail: [email protected] Tel.: Janeiro/Fevereiro 215 809 891 / 2022 Tlm.: ·919 964 738 1025 Revista de Marinha Atualidade Nacional Tiago Pitta e Cunha galardoado com o “Prémio Pessoa” prestigiado “Prémio Pessoa” foi em 2021 atribuído a Tiago Pitta e Cunha, um jurista de 54 anos bem conhecido por quem se interessa pelo mar e que há cerca de um ano resumiu assim o seu percurso de vida numa entrevista a um semanário … a minha paixão é o mar. Francisco Pinto Balsemão, Presidente do Júri e fundador do prémio, uma iniciativa do semanário Expresso e da Caixa Geral de Depósitos, sublinhou a importância de … estimular todos aqueles que colocam o seu saber e talento ao serviço de causas públicas de valor universal. Integram o júri deste prémio, para além de Francisco Pinto Balsemão, várias personalidades da sociedade civil de muito prestígio; Rui Vilar é o Vice-Presidente e Ana Pinho, António Barreto, Clara Ferreira Alves, Diogo Lucena, Eduardo Souto de Moura, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Pedro Norton, Rui Magalhães Baião, Rui Vieira Nery e Viriato Soromenho Marques são os vogais. Após ter terminado o curso de direito na Universidade Católica, em Lisboa, Tiago Pitta e Cunha concluiu um mestrado em Direito Marítimo na London School of Economics, após o que desempenhou funções nas Nações Unidas, em Nova Iorque, no âmbito do mar, designadamente representante de Portugal na Convenção do Direito do Mar, na Autoridade Internacional dos Fundos Marítimos e no Processo Consultivo das Nações Unidas sobre o Oceano e o Direito do Mar. Em seguida, em 2003, foi chamado pelo Governo a que presidia Durão Barroso, para Coordenador da Comissão Estratégica dos Oceanos, encarregue de redigir uma política nacional para o mar. Posteriormente integrou em Bru- O Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · revistademarinha.com xelas o Gabinete do Comissário Joe Borg (Malta), responsável pelos Assuntos Marítimos e Pescas, e de novembro de 2004 a fevereiro de 2010 coordenou a nova Política Marítima Integrada da Comissão Europeia. Durante a Presidência do Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva foi o seu consultor para os assuntos do mar. Administrador Executivo da Fundação Oceano Azul desde o seu arranque em 2020, foi um dos principais responsáveis pela campanha internacional pela sustentabilidade dos mares Rise Up – a blue call to action, um movimento da sociedade civil que junta já mais de meio milhar de organizações e de personalidades por todo o mundo. O objetivo deste movimento é procurar travar a crise dos oceanos, e a adoção de políticas públicas nesse sentido, a nível global. O júri do Prémio Pessoa, quando da divulgação da personalidade premiada, na semana anterior ao Natal, sublinhou … o rigor e a persistente coerência de mais de duas décadas e meia dedicadas integralmente a trazer a importância do mar para a agenda política e cultural nacional, europeia e global; a unidade entre o pensamento e a ação; uma liderança baseada no exemplo e na partilha de responsabilidades. Atribuído desde 1987, Tiago Pitta e Cunha tornou-se em dezembro de 2021 no 35º vencedor do Prémio Pessoa. A Revista de Marinha congratula-se vivamente com a justa atribuição deste galardão a Tiago Pitta e Cunha; um veemente BRAVO ZULU, o nosso caloroso aplauso para o premiado, mas também para o júri, que com a sua escolha assinalou publicamente a importância do Mar para Portugal. 5 85.O Ano GOUVEIA E MELO EM ALMOÇO-DEBATE NO ICPT salientado que se tratou de um trabalho de equipa e sumarizou as mais importantes “lições aprendidas”. Referiu então … julgo que só se chegou à conclusão de que os 85 ou 86% da população com a vacinação completa não foram suficientes. O importante, nesta altura é saber que “a guerra global não está vencida” e que é preciso dar vacinas a quem precisa e não voltar a vacinar quem já não precisa. Não há seres humanos descartáveis. Depois da intervenção do orador, saudada pelos presentes com calorosos aplausos, seguiu-se um período de perguntas e respostas. O V/Alm. Henrique Gouveia e Melo, que coordenou recentemente o processo de vacinação em Portugal, participou como orador convidado no almoço-debate do ICPT – International Club of Portugal, realizado no passado dia 28 de outubro, no Hotel Sheraton, em Lisboa. Na comunicação “O processo de vacinação contra a COVID 19 em Portugal”, o então Adjunto para o Planeamento e Coordenação do Estado-Maior General das Forças Armadas, perante cerca de duas centenas de participantes, referiu os pontos mais importantes do complexo processo de vacinação que liderou, tendo APRESENTAÇÃO DE "MEMÓRIAS DA GUERRA E DO MAR” Dando continuidade à sua missão de divulgação dos assuntos relacionados com o Mar, a Academia de Marinha promoveu no dia 2 de dezembro uma sessão cultural de apresentação do livro “Memórias da Guerra e do Mar”, da autoria de um dos seus académicos, o Prof. Doutor João Moreira Freire, da responsabilidade das “Edições Revista de Marinha”. Para além das palavras do editor, Académico Alexandre da Fonseca, a obra contou com as apresentações do Prof. Doutor Nuno Severiano Teixeira e do Académico José António Rodrigues Pereira, que relevaram ser uma obra que amplifica os horizontes culturais e transmite conhecimentos de grande importância para a memória da cultura marítima portuguesa. As palavras finais desta apresentação foram proferidas pelo coordenador e compilador literário da obra, Prof. Doutor João Moreira Freire, que assinalou este livro como sendo uma antologia de textos narrativos de memórias de acontecimentos no mar. De facto, na sua maioria, são textos relativos a episódios de guerra, a naufrágios que comoveram o mundo, a casos de motins de marinheiros e questões de natureza jurídico-diplomática, viagens de exploração e diferentes aventuras ocorridas à superfície das ondas e nas suas profundidades. Todos os relatos ocorreram durante a primeira metade do século XX, tendo sido provavelmente a … última vi- vência das grandes armadas e das quase-decisivas batalhas navais. No final da apresentação foi servido um vin d’honneur com os sempre apreciados vinhos da Quinta de Chocapalha, permitindo aos presentes obter uma dedicatória do autor nos seus livros e alguns momentos de agradável confraternização. Santos Maia PORTO DE SETÚBAL COM NOVA LINHA REGULAR O grupo CMA CGM reforça a sua presença no Porto de Setúbal com a nova linha regular de contentores "AGPOME 2021”, agenciada pela CONTAINERSHIPS - CMA CGM PORTUGAL. Uma linha que fortalece a posição do Porto de Setúbal nas ligações rápidas e diretas nas rotas da CMA CGM entre os portos atlânticos de Portugal e Espanha, o Mediterrâneo Oeste, a Argélia, as costas mediterrânicas francesa e espanhola e os portos hubs de Tanger e Algeciras, 6 que oferecem ligações a todo o mundo. Este serviço, com escalas semanais e três navios atribuidos, serve os portos de Marselha, Barcelona, Valência, Mostaganem, Tanger, Algeciras, Vigo, Leixões, Setúbal e Ghazaouet e tem um transit time curto entre os portos que escala, aumentando a rapidez do fluxo de tráfego da carga. É mais uma solução que reforça a otimização dos movimentos das cargas dos clientes que escolhem o Porto de Setúbal. revistademarinha.com · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Atualidade Nacional Passagem do Ano no Funchal a passagem do ano de 2021 para 2022, foram onze os navios de cruzeiro que marcaram presença na baía do Funchal. Retoma – se assim esta tradição, tendo em conta que no ano anterior, devido à pandemia, apenas dois navios assistiram ao espetáculo pirotécnico, embora permanecendo ao largo e fora das 3 milhas do porto. De referir que inicialmente estavam previstas treze escalas para este último fim de ano, mas infelizmente o AMERA e o AIDA NOVA foram forçados a cancelar devido a surtos de COVID 19 que surgiram a bordo, entre os passageiros e a tripulação. O primeiro navio a chegar para esta grande concentração de paquetes, foi o SEA CLOUD SPIRIT, um navio de cruzeiros original, um moderno veleiro de três mastros, logo na noite do dia 29 de dezembro. No dia seguinte juntou-se-lhe o navio de bandeira portuguesa e registado na Madeira, o VASCO DA GAMA, do armador português Mystic Cruises, mas fretado ao operador alemão Nicko Cruises, do mesmo Grupo de Mário Ferreira, e também o AMADEA, da Phoenix Reisen. Já no dia 31 de dezembro, passava pouco da meia-noite quando atracou o AIDA MAR no cais norte, estando já o SEA CLOUD SPIRIT no fundeadouro, e o AMADEA em navegação, rumo a Porto Santo. Ainda de madrugada, largou o VASCO DA GAMA para uma volta à ilha da Madeira e do Porto Santo durante o dia, voltando depois à baía ao início da noite. Seguidamente chegaram o QUEEN ELIZABETH e o BOREALIS, que atracaram no cais sul, e os navios BOLETTE, AIDA SOL e MEIN SCHIFF HERZ, que fundearam. Assim sendo, de manhã eram já sete os N paquetes no porto da capital madeirense, a movimentar para terra um total de 9.439 passageiros, maioritariamente britânicos e alemães, à exceção do MEIN SCHIFF HERZ, que veio apenas com 68 tripulantes, os quais não desembarcaram. Foi um dia de Verão fora de época, de sol e com a temperatura acima dos 20º, nem o vento a fazer-se sentir moderado no mar afetou o transbordo dos passageiros para terra, e vice-versa, via baleeira, operações que decorreram dentro da normalidade. Ao início da tarde, voltou mais cedo que o previsto o AMADEA, depois de ter cancelado a escala no Porto Santo devido ao vento forte. Foi então o quinto navio a posicionar-se no fundeadouro. Pelas 17h00 saiu para o largo o BOREALIS, que cedeu o cais onde esteve atracado ao MARELLA EXPLORER, acabado de chegar, e pelas 18h00 foi a vez do QUEEN ELIZABETH deixar o cais sul para o fundeadouro. E finalmente, por volta das 19h30 chegou o MEIN SCHIFF 3, compondo assim a frota de 11 paquetes que ia receber o novo ano de 2022 na cidade do Funchal. O cenário da passagem de ano contou com algumas novidades que antecederam o conceituado e tradicional fogo-de-artifício; às 23h40 o salto espetacular de quatro para-quedistas da “Red Bull Skydive Team”, e os cinco minutos antes da meia-noite foram animados com projecção de peças a partir do solo, alternadas com lasers, drones e elementos luminosos inovadores. João Fernandes Abreu 7 85.O Ano INDRA EQUIPA O SUBMARINO KSS III DA COREIA DO SUL A firma Indra assinou recentemente um contrato com o estaleiro construtor naval coreano DSME para equipar o primeiro submarino KSS III do Lote II, a ser entregue à Marinha da Coreia, com o seu sistema de defesa eletrónica “Pegaso”. O sistema da Indra, que oferece uma probabilidade de quase 100% de intercetar sinais do adversário na sua banda de trabalho, monitoriza os sinais eletromagnéticos emitidos para recolher intelligence (SIGINT), combinando as funções de sistema de suporte de medição de sinais de radar e comunicações. A solução integra ambos os sensores numa única antena para aumentar a eficácia, poupar espaço e reduzir a secção radar do próprio submarino, tornando mais difícil a sua deteção. Incorpora também uma receção digital de banda larga real, que cobre instantaneamente um amplo espectro da banda de radar e comunicações, para aumentar a probabilidade de intercetar qualquer navio ou aeronave que se encontre a emitir nas proximidades do submarino. Este avançado sistema irá reforçar a eficácia da Marinha coreana, a consciência situacional, a capacidade de vigilância, o reconhecimento e a dissuasão. Para além da recolha de informações de elevado valor, o sistema “Pegaso” da Indra contribuirá de forma efetiva para o levantamento em tempo real, da Ordem de Batalha Eletrónica (EOB) na área de operações. Isto significa que os dados fornecidos pelo sistema da Indra serão de importância vital para o processo de tomada de decisão do comando e para o planeamento tático das operações. A empresa irá abordar a integração do seu sistema “Pegaso” com o sistema de combate (CMS) desenvolvido pela empresa coreana Hanwha Sytems. Trabalhará também com o estaleiro DSME para apoiar a marinha coreana na definição da doutri- na para a utilização de sistemas de defesa eletrónica em plataformas submarinas, particularmente na área de intelligence. Este contrato foi adjudicado à Indra depois de esta ter equipado três submarinos KSS III do primeiro lote deste programa. A nova configuração do sistema “Pegaso”, a ser implementada agora, será mais sofisticada e aumentará as capacidades da nova versão melhorada do KSS III, um submarino de última geração de quase 90 m de comprimento e deslocando mais de 4.000 toneladas em imersão. CONFRARIA MARÍTIMA RETOMA AS SUAS ATIVIDADES 59º ENCONTRO DA CONFRARIA – LIGA NAVAL PORTUGUESA – VISITA TEMÁTICA No passado dia 16 de outubro, 29 Confrades e acompanhantes visitaram a Direção de Faróis (DF) em Paço de Arcos. Após as boas-vindas e apresentação da DF realizou-se uma cerimónia de entronização de três novos Confrades, o Cte. José Inácio da Costa Lopes, o Dr. José Poças Esteves e o Eng. Artur Pires. De seguida efetuou-se uma visita ao Museu dos Faróis que conta a história dos faróis da costa portuguesa que ajudam a guiar os homens do Mar. A visita terminou com um almoço de confraternização no refeitório da DF. de novembro, um jantar-debate que reuniu 43 Confrades e acompanhantes no restaurante da Associação Naval de Lisboa. Na oportunidade, teve lugar a cerimónia de entronização de dois novos Confrades, o CAlm Carmo Durão e o Sr. Carlos Vieira. Com uma excelente apresentação sobre a Mystic Invest Holding, empresa-mãe da Mystic Cruises, o Confrade Cte. Amadeu Albuquerque a todos transmitiu o percurso de sucesso da Holding, o compromisso da Mystic Cruises com a sustentabilidade, como princípio base do desenvolvimento da frota de navios, a ponto de já serem uma referência na inovação da construção naval mundial, com a importante particularidade de estarem sempre orientados para a indústria nacional. 60º ENCONTRO DA CONFRARIA – LIGA NAVAL PORTUGUESA – JANTAR-DEBATE Sob o tema “A Indústria de Cruzeiros Nacional”, realizou-se no passado dia 16 8 revistademarinha.com · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Atualidade Nacional Apresentação pública da “Associação 4Shipping” o passado dia 22 de Novembro, na Sociedade Histórica para a Independência de Portugal (SHIP), em sessão do “Círculo do Mar”, presidida pelo Presidente da Direcção, Dr. José Ribeiro e Castro, a “Associação 4Shipping” (A4S), fez a sua apresentação pública. Perante uma assistência muito interessada, a Direcção da A4S, com as presenças do Presidente da Direcção, Engº Jorge d’Almeida, representando a “Saconsult”, acompanhado pelos Vogais Drª Cristina Lança e Alm Gonçalves Cardoso, apresentou o propósito desta iniciativa, formada por 32 entidades (empresas e personalidades) ligadas ao Mar, que pretende posicionar Portugal como destino do shipping internacional, sedeando em Lisboa as suas empresas. Na sua intervenção o Engº Jorge d’Almeida esclareceu que no âmbito dos objectivos da A4S se enquadra o apoio ao desenvolvimento dos subsetores tradicionais e emergentes da economia azul, em que Portugal possui ou pode ganhar vantagens competitivas, designadamente o transporte marítimo e serviços conexos, construção e reparação naval, energia oceânica, biologia marítima, dessalinização, defesa marítima e meios fixos submarinos, concluindo ser … fundamental que os intervenientes públicos e privados actuem de forma concertada na construção de políticas públicas que permitam que Portugal se assuma como destino para a atividade do shipping internacional. O Engº Jorge d’Almeida adiantou ainda que de acordo com o estudo, de 2020, conduzido pela Oxford Economics para a European Community Shipowners’ Associations (ECSA), o shipping na União Europeia (UE) contribui diretamente com 685.000 postos de trabalho e €54 mM (milhares de milhões de euros) para o seu valor acrescentado bruto (VAB). Se a estes valores acrescentarmos os efeitos indiretos e induzidos que a atividade proporciona, estes aumentam para 2 milhões de postos de trabalho e €149 mM€. Assim sendo a A4S lança como objectivo alcançar uma quota para Portugal de 5% do shipping europeu, o que representaria 100.000 postos de trabalho e €7 mM€ ou 3,5% do nosso produto interno bruto (PIB). Tal situação, a verificar-se, colocaria Lisboa no grupo das 50 principais capitais marítimas do mundo. N Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 Engº Jorge d’Almeida. A Drª Cristina Lança, na sua intervenção, apresentou a necessidade e a vantagem da criação de um “Centro de Arbitragem” para sustentar a oferta de condições interessantes para a instalação de empresas de shipping em Portugal, facilitando assim a resolução de eventuais conflitos, com maior rapidez do que a verificada nos tribunais, assoberbados com outros processos. Rapidez que é indispensável para as empresas de shipping, que procuram tempos de paragem mínimos para os seus navios e atividades. Para finalizar a sessão o Alm José Luis Gonçalves Cardoso fez um breve “ponto de situação” do conhecimento e investigação relativa ao Mar em Portugal, onde existem hoje várias iniciativas, tanto ao nível da investigação científica como da formação graduada e pós-graduada, dirigidas ao uso sustentável do mar. Como tem sido divulgado, Portugal é o segundo país europeu, depois da Noruega, com maior produção científica na área do mar; foram elencados 4 Laboratórios do Estado, 11 Centros de Investigação associados ao Ensino Superior, 7 outros Centros / Institutos que possuem unidades de investigação e ainda 4 mestrados / pós-graduações em universidades. No entanto verifica-se que todas essas iniciativas não respondem às necessidades de formação e de transferência de conhecimento essenciais ao desenvolvimento sustentável da economia do mar, quando comparadas com as estruturas científicas e técnicas existentes no atrás mencionado país nórdico e, em particular do shipping, pelo que se torna óbvia a necessidade de coordenação e programação tendo em conta as inúmeras iniciativas existentes. Assim sendo, é proposto o desenvolvimento de um “Centro de Conhecimento do Mar”, eventualmente integrado na Fundação de Ciência e Tecnologia (FCT), que reúna os representantes dos Laboratórios do Estado e os Coordenadores dos centros de investigação associados às Universidades com o objetivo de avaliar os projectos em curso, os objectivos previstos alcançar, as necessidades de equipamentos tecnológicos e o apoio logístico necessário para concretizar o planeado. O.T.O. OBSERVAÇÃO: O autor não segue o novo Acordo Ortográfico. Mesa: Alm Gonçalves Cardoso (A4S), Eng Jorge d’Almeida (A4S), Presidente Direcção SHIP- Dr José Ribeiro e Castro, Dra Cristina Lança (A4S) e Cte Temes de Oliveira (SHIP - Círculo do Mar). · revistademarinha.com 9 85.O Ano NAUTICAMPO 2022 - SALÃO INTERNACIONAL DE NAVEGAÇÃO DE RECREIO, DESPORTO, AVENTURA, CARAVANISMO E PISCINAS O mais antigo e prestigiado evento de atividades outdoor realizado em Portugal está de volta à Feira Internacional de Lisboa (FIL). De 16 a 20 de fevereiro os pavilhões do Parque das Nações irão acolher as mais recentes novidades no campo da Náutica de recreio. Caminho para a aventura é o tema da edição de 2022, que tem como objetivo contribuir para a dinamização e estímulo à prática das diversas modalidades em exposição. O interesse crescente pela prática de desportos e atividades náuticas no alto mar, costa, estuários e planos de água interiores, assim como a aposta das regiões na sua promoção turística, responde a uma procura direta de eventos de âmbito desportivo, constituindo uma oportunidade para a NAUTICAMPO captar novos públicos, tirando partido das sinergias existentes no sector da Náutica de Recreio. A NAUTICAMPO ocupará uma área de 20.400 m2. O evento mobiliza cerca de 21.000 visitantes e mais de 200 empresas representativas dos sectores em exposição. A NAUTICAMPO recebe em cada edição muitos visitantes que procuram as mais recentes novidades, bem como entusiastas que pretendem encontrar estímulos para novos hábitos e estilos de vida ao ar livre. Dos visitantes inquiridos na última edição, 86 % ficaram satisfeitos ou muito satisfeitos com a visita. O setor da Náutica de Recreio abrirá o evento no Pavilhão 1, incluindo barcos, motos de água, motores, acessórios náuticos e imprensa especializada. Estarão presentes fabricantes, importadores, serviços, estações náuticas e marinas. No Pavilhão 2, encontraremos os setores do Campismo, Destinos, Outdoor Adventure Village, Piscinas e SPAS. Para além da Exposição e diversas atividades nos stands, destacamos a realização de conferências sobre os vários setores. Este ano, em destaque a conferência Design e Inovação na Indústria Náutica, aberta a profissionais e público mediante inscrição prévia em nauticampo. fil.pt APDL E A NOS APRESENTAM O PRIMEIRO PORTO 5G Desde 2019 que Matosinhos é um laboratório vivo de inovação, para o qual a NOS tem contribuído ativamente, tornando a cidade mais inteligente e aplicando a tecnologia 5G a projetos que contribuam para o aumento da sua eficiência e competitividade em diversas áreas, nomeadamente na indústria. É neste contexto que a NOS e a APDL apresentam o Primeiro Porto 5G em Portugal. Integralmente coberto com a 5ª geração de redes móveis da NOS, o Porto de Leixões poderá agora contar com significativos incrementos em termos de competitividade, eficiência e segurança na sua gestão. Em 2020, e mesmo com o efeito da pandemia, o porto de Leixões movimentou cerca de 17,1 M de tons. Neste contexto, atingiu um novo máximo histórico de 703.919 TEU’s (unidade de medida equivalente a um contentor de 20 pés), crescendo 2,6% face a 2019, o que sugere não só a resiliência das empresas importadoras e exportadoras que ali operam, mas também a capacidade do ecossistema portuário em se adaptar rapidamente às alterações das condições do mercado. 10 Leixões é o principal porto exportador do país em carga contentorizada e, globalmente, contribui para 7% do emprego em Portugal e 6% do PIB nacional. A parceria com a NOS vai permitir à APDL monitorizar estas complexas operações com recurso a drones 5G, equipados com câmaras capazes de transmitir, em tempo real, imagens de vídeo em alta qualidade para a sala de controlo. Com estes meios de monitorização remotos, tanto o revistademarinha.com centro de operações, como os pilotos dos navios podem acompanhar um conjunto de manobras de maior risco, aumentando simultaneamente a capacidade para realizar inspeções no local, com maior frequência, flexibilidade e segurança bem como permitir um apoio fundamental na resposta em caso de incidentes. Os drones 5G estão ainda preparados para ser equipados com sensores ambientais, de ruído e qualidade do ar, capazes de medir os impactos de cada operação em tempo real e no local. Além desta ferramenta, as equipas da NOS e da APDL estão igualmente a estudar a melhor forma de tirar partido da realidade aumentada e da tecnologia de “gémeo digital” para tornar os processos de manutenção de maquinaria e logística mais eficientes. O 5G promete ser o principal acelerador da 4ª revolução industrial. Através das suas elevadas velocidades, latências hiper-reduzidas e ligações massivas, a quinta geração das comunicações móveis vai contribuir para alavancar um conjunto de relevantes use cases e trazer novas aplicações que prometem mudar a forma como as empresas trabalham. · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Atualidade Nacional Dia Nacional do Mar de 2021 e entre as celebrações que se multiplicaram pelo País em 16 de novembro, Dia Nacional do Mar, a habitual sessão comemorativa que a Sociedade de Geografia de Lisboa vem organizando anualmente foi adiada para o dia seguinte para garantir a participação de individualidades relevantes no tratamento da temática escolhida, Ciência para o Desenvolvimento Sustentável, a partir da metodologia científica aplicável (Relatório para o Desenvolvimento Sustentável Global de 2019, https://sdgs.un.org/gsdr) ao documento “Transformando o nosso mundo – a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” (com os seus 17 objetivos). Este documento foi aprovado pelas Nações Unidas em 2015, em duas incidências: na expressão em Portugal da ciência da sustentabilidade e na presunção que a mesma abordagem possa ser empregue noutras interfaces de ciência-política-sociedade. Em esclarecedoras intervenções foram expostos os programas de doutoramento em ciência da sustentabilidade lecionados por duas instituições nacionais: da Universidade de Lisboa pelo Prof. Doutor Luís Goulão, do Instituto Superior de Agronomia, e da Universidade Nova (Faculdade de Ciências e Tecnologia) pela Prof.ª Cat.ª Maria Paula Antunes. Acerca de outras interfaces associadas ao desenvolvimento sustentável seguiram-se breves apresentações: a 3.ª Avaliação do Estado Global do Oceano (Processo Regular) das Nações Unidas, pela Prof.ª Cat.ª Maria João Bebianno, membro do Grupo de Peritos das Nações Unidas para a Avaliação da Qualidade do Ambiente Marinho incluindo os Aspetos Socioeconó- D Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 micos; a Década das Nações Unidas das Ciências do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), pelo Prof. Doutor Luís Menezes Pinheiro, Presidente do Comité Português para a Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI/ UNESCO); e Uma Nova Abordagem Europeia para uma Economia Azul Sustentável, pelo Dr. Miguel Marques, da firma Blue Info by Skipper & Wool. Constata-se o relevo que em Portugal e na União Europeia tem sido concedido à supracitada Agenda 2030 e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável; ao invés, desconhece-se a divulgação, naqueles âmbitos, do supracitado Relatório para o Desenvolvimento Sustentável Global de 2019 ou, sequer, que algo tenha sido indiciado nesse sentido. A consequência inovadora da adoção do mesmo Relatório é pôr em uso a ciência da sustentabilidade na concretização da Agenda 2030. Por ser pouco conhecida, introduz-se sucintamente esta ciência como … “um campo de investigação emergente para tratar das interações entre os sistemas natural e social e do modo como essas interações influenciam o desafio da sustentabilidade, isto é, de satisfazer as necessidades das atuais gerações e das futuras, enquanto se reduz significativamente a pobreza e se protegem os sistemas de apoio à vida do planeta”. Pode considerar-se a ciência da sustentabilidade “… uma diferente forma de ciência orientada para a sua aplicação, como são as ciências agrárias e da saúde, com significativos componentes de conhecimento fundamental e aplicado e o compromisso assumido de passar esse conhecimento por intermédio de uma ação societária”. (Kates, RW (2011). What kind of a science is sustainability science? Proceedings of the National Academy of Sciences, December 6, 2011, vol. 108, no. 49, 19449– 19450). C/Alm. José Bastos Saldanha Presidente, Secção de Geografia dos Oceanos Sociedade de Geografia de Lisboa · revistademarinha.com 11 85.O Ano COMEMORAÇÃO DOS 35 ANOS DO PROGRAMA BANDEIRA AZUL A Associação Bandeira Azul da Europa (ABAE) celebrou no passado dia 19 de novembro o 35º aniversário do Programa Bandeira Azul numa cerimónia realizada na Gare Marítima de Alcântara, em Lisboa. O Programa Bandeira Azul é um Programa de Educação para o Desenvolvimento Sustentável promovido em Portugal pela Associação Bandeira Azul da Europa, secção portuguesa da Fundação para a Educação Ambiental, reconhecida pela UNESCO e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, organismo que conta com 77 países-membros. Ao longo destes 35 anos, a Bandeira Azul ajudou a educar para o desenvolvimento sustentável em praias costeiras, fluviais e lacustres, portos de recreio, marinas, embarcações de recreio e ecoturísticas, através de um conjunto de critérios relacionados com Informação e Educação Ambiental, Qualidade da Água Balnear e Gestão Ambiental. A cerimónia que assinalou os 35 Anos da Bandeira Azul foi um momento para refletir sobre o futuro das nossas Praias e, sobretudo, para apelar a que todos se tornem parte ativa na estratégia adotada por Portugal no combate às Alterações Climáticas. Nesta ocasião a ABAE reuniu todos aqueles que, ao longo destes 35 anos fizeram parte da história da Bandeira Azul. Neste aniversário a ABAE reafirmou o seu compromisso de continuar a trabalhar em prol da sustentabilidade do nosso Mar e das nossas Zonas Balneares, tendo apelado à colaboração de todos os seus parceiros. A RM aproveita o ensejo para endereçar à Associação da Bandeira Azul felicitações por mais este aniversário com o desejo sincero que os anos vindouros sejam ainda mais profícuos e proveitosos; cá estaremos para ser eco das vossas iniciativas! Eduardo de Almeida Faria OBSERVAÇÃO: Noticia elaborada com base num texto da responsabilidade da ABAE. CAMISOLA POVEIRA, UMA ORGULHOSA NOVIDADE ANTIGA! Deve ser reconhecido o mérito à estilista americana Tory Burch, ao chamar a atenção para a peça de vestuário, lamentavelmente um pouco esquecida, para que o proverbial nacionalismo se revoltasse contra tão ousada comercialização. E de repente tudo se alterou, através da revitalização da inimitável “camisola poveira”, que desde uma das últimas reuniões camarárias, passa a ter o direito de ser celebrada com dignidade. O dia escolhido para a celebração anual será a 8 de dezembro, que irá trazer às ruas da cidade as afamadas camisolas, plenas de símbolos marítimos e de outros desenhos, saídos das mãos das inspiradas bordadeiras. Para tanto, convirá aproveitar as explicações dos historiadores camarários sobre a sua origem, constando ser … bordada sobre lã branca de fio grosso, da zona da Serra da Estrela, denominada “lã poveira” e decorada a ponto de cruz, com motivos de inspiração diversa (escudo nacional, com coroa real; patinhos; siglas; remos cruzados; vertedouros; etc), sendo somente utilizada lã de cor preta e vermelha nos bordados. Simultaneamente, é igualmente importante perceber que … a camisola poveira era inicialmente feita em Azurara e Vila do Conde e bordada na Póvoa pelos velhos pescadores; passou depois a ser bordada pelas mães, esposas e noivas dos pescadores, e depois feita e bordada na Póvoa. Quem vive na Póvoa não vai deixar de aproveitar a oportunidade para retirar dos baús as preciosas relíquias nos dias 8 de dezembro e passear o que de bonito se fez por lá. Reinaldo Delgado PORTO DE LISBOA MARCA POSIÇÃO NO MERCADO DE CITRINOS A APL – Administração do Porto de Lisboa revela que nos passados meses de setembro a outubro decorreu a campanha de importação de citrinos, provenientes da África do Sul e Argentina, na ERSHIP Lisboa - Terminal Multiusos do Beato. José Castel-Branco, administrador da APL, destaca que … no total foram movimentadas 7.591 tons de citrinos, o que representa mais 11% do que a quantidade movimentada no ano anterior. Estes citrinos tiveram como destino final tanto o mercado interno, como o espanhol. A ERSHIP Lisboa recebeu cinco navios 12 com esta mercadoria, todos agenciados pela Orey Navegação, entre os quais um redirecionado do porto de Roterdão, com vista a acelerar o processo de entrega de revistademarinha.com mercadoria ao cliente final. O navio proveniente da Argentina, o M/V BALTIC PERFORMER, foi aquele que descarregou o maior número de paletes, um total de 1.851, o que corresponde ao dobro da média dos restantes quatro navios de importação de citrinos. Quanto ao fluxo de entrada e saída das mercadorias, a média do terminal foi de 920 paletes por semana, considerando o ciclo completo. Com a boa performance operacional de todos os envolvidos, é expetável que este mercado venha a crescer no Porto de Lisboa na campanha de 2022. · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Vessel Traffic Services (VTS) Segurança e Monitorização em tempo real no Controlo de Trafego Marítimo. indracompany.com 85.O Ano Surf Clube de Viana, o primeiro certificado do mundo Surf Clube de Viana (SCV) é o primeiro clube de surf a nível mundial a receber a certificação de clube de turismo sustentável. A STOKE é o primeiro organismo de certificação de sustentabilidade do mundo. Esta entidade certifica os operadores que garantem a sustentabilidade dos lugares onde se pratica o surf e as pessoas que lá vivem. Atribuiu ao SCV esse certificado por considerar que este clube reúne as condições necessárias … descartando resíduos sólidos e líquidos de forma eficaz, usando fontes de energia renováveis disponíveis e reduzindo a sua pegada de carbono, captando e conservando a água da chuva, contribuindo para a conservação ambiental, pagando salários justos por meio de contratos legais com benefícios, apoiando negócios locais, contribuindo para atividades culturais locais e respeitando os costumes locais. Ao atribuir esta certificação ao SCV a STOKE está a garantir que o clube pode organizar eventos de nível mundial e é um destino de surf sustentável. O responsável e cofundador da STOKE, Carl Kish, admitiu que o SCV … é o primeiro operador de turismo de surf no mundo a receber o Certificado STOKE ao nível das Melhores Práticas, e adiantou … desde que começamos há 7 anos, ninguém atingiu o nível Melhores Práticas em qualquer um dos nossos padrões. Mais recente- O Instalações do Surf Clube de Viana no Cabedelo (Foto do S.C.V.). mente, a avaliação dos impactos no surf passou a estar alinhada com as soluções climáticas do Projeto Drawdown e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Acessibilidade e respostas a emergências (Foto S.C.V.). Para atingir este desiderato é bom recordar que muito contribuiu o facto do SCV ser a primeira escola de surf em Portugal, berço da Federação Portuguesa de Surf e a primeira Delegação da Surfrider Foundation Europe e, mais recentemente, ter organizado o 1st European Adaptive Surfing Championship em 2019, em Viana do Castelo, que foi o primeiro evento de surf da Europa a obter a certificação em sustentabilidade atribuído pela STOKE. Este clube existe há 32 anos, e é uma referência, e na opinião de João Zamith, o Presidente do Clube, pretende continuar a contribuir para a sustentabilidade ao mais alto nível. Manuel de Oliveira Martins OBRAS NO PORTO DA ERICEIRA DECORREM A BOM RITMO As obras de reforço do quebra-mar do Porto da Ericeira, a cargo da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), estão a decorrer a bom ritmo, estando já em fase avançada o transporte dos enrocamentos de grande dimensão para a zona da obra. Foi também iniciado o assentamento desses enrocamentos na zona de coroamento da cabeça do molhe, através da utilização de uma grua de grande porte. Estes trabalhos têm como objetivo a colocação de 4.800 m3 de enrocamento na zona de maior desgaste da cabeça do quebra-mar, proporcionando uma maior robustez e segurança desta obra de proteção do porto. Foram também já realizados os trabalhos iniciais de levantamento topo14 -hidrográfico da bacia e da área de acesso ao porto, com vista à realização de dragagens de manutenção. As dragagens contemplam a retirada de cerca de 200.000 m3 de sedimentos arenosos da bacia portuária e a regularização da praia, de forma a reestabelecer as condições de segurança marítima do porto de pesca e do movimento das embarcações. As dragagens decorrerão sequencialmente nas diversas zonas previstas, desde o canal de acesso até à zona da praia, estando também contemplado o transporte dos sedimentos e a sua imersão em zona da deriva litoral, de forma a promover o combate á erosão costeira. Estes trabalhos representam um investimento de 1,6 M€, proveniente do Orçamento do Estado. revistademarinha.com · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Atualidade Nacional O HMS DRAGON EM LEIXÕES Passou recentemente pelo porto de Leixões o destroyer inglês (D35) HMS DRAGON, o quarto navio do Tipo 45, classe DARING, que tem entre outras características um sistema muito desenvolvido de defesa aérea. Teve a cerimónia de lançamento à água em novembro de 2008, concluiu as provas de mar em 5 de novembro de 2010, entrou pela primeira vez em Portsmouth em 31 de agosto de 2011, e encontra-se ao serviço desde 20 de abril de 2012. O navio teve o início da sua construção no estaleiro da “BAE - Systems Surface Fleet Solutions”, em Scotstoun, no rio Clyde, em dezembro de 2005, e a secção da proa foi aplicada ao conjunto dos módulos em Govan, no dia 17 de novembro de 2008. A madrinha de batismo do navio foi Susie Boissier, esposa do V/Alm. Paul Boissier, CINCFLEET, o equivalente ao “nosso” Comandante Naval. O DRAGON ostenta em ambas as amuras a imagem dum “dragão Galês”, sendo o único navio da esquadra adornado com imagens. Imagens essas já existentes na altura do lançamento à água, porém, retiradas durante uma remodelação do navio em 2011. Fruto duma campanha promovida pela Associação dos Navios de Guer- Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 ra Ingleses, foi recuperada a pintura dos dragões, agora com carácter definitivo, em 2016. Deve igualmente ser assinalada a aparição do navio no 25º filme da série James Bond, intitulado “No Time to Die”, falseando a utilização de misseis terra-ar “Aster”, somente utilizados em lançamentos a partir do solo. O bombardeamento efetuado pelo DRAGON, na parte final do referido filme, foi gravado nas Ilhas Faroe, em setembro de 2019. O navio tem um deslocamento de cerca · revistademarinha.com de 8.000 tons, 152,4 m de comprimento por 21,2 m de boca. Quanto à propulsão, tem instaladas duas turbinas a gás, do modelo WR-21 da Rolls-Royce, debitando cada uma 28.800 SHP, o que lhe proporciona uma velocidade de cruzeiro na ordem dos 30 nós. Face à necessidade de realizar viagens a longa distância, o navio consegue percorrer 7.000 mi navegando à velocidade de 18 nós. A guarnição é constituída por 121 oficiais, sargentos e praças, embora o navio possa alojar 235 tripulantes. 15 85.O Ano APDL promoveu um exercício de combate à poluição no Douro o passado dia 25 de outubro, a APDL - Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, promoveu o simulacro “RECCUA 2021”, um exercício de combate à poluição fluvial por derrame de hidrocarbonetos, do 3º grau, conforme denominação no “Plano Mar Limpo”. O exercício decorreu na Via Navegável do Douro (VND), na zona dos cais da Régua e de Lamego, que é área de jurisdição da APDL e da Capitania do Porto do Douro, entre os concelhos de Peso da Régua e Lamego. Para o efeito a APDL disponibilizou os meios necessários, como entidade de colaboração e cooperação à Autoridade Marítima, que através do Capitão do Porto do Douro assumiu a função de COS (Comandante das Operações de Socorro) articulando com a APDL, CDOS, Guarda Nacional Republicana (GNR), Polícia de Segurança Pública (PSP), Bombeiros Voluntários da Régua e de Lamego, Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), entre outras entidades e agentes de proteção civil. O exercício “RECCUA 2021” visou cumprir com o estabelecido no “Plano Mar Limpo”, nomeadamente assegurando os padrões de prontidão dos meios da APDL no âmbito do Plano de Segurança e Emergência da VND, da Autoridade Marítima Nacional (AMN) e dos restantes organismos do Sistema de Autoridade Marítima (SAM), bem como de outras entidades responsáveis, relativos às operações de N O rebocador multifunções "Cachão da Valeira", em plena atividade. prevenção e resposta a um incidente de poluição do meio marinho. Através desta atividade, houve a intenção de providenciar uma adequada, equilibrada, expedita e eficaz mobilização dos meios disponíveis, com a finalidade de combater um derrame, decorrente de dois cenários: Agentes da Autoridade Marítima procedem à limpeza da água do rio. – Colisão de uma embarcação MT (marítimo-turística) contra o cais da Régua, provocando-lhe um rombo no tanque de combustível, com consequente derrame de hidrocarbonetos; – Acidente no posto de combustível da GALP, sito no cais comercial de Lamego, com consequente derrame de hidrocarbonetos para a zona envolvente. Como é do conhecimento público, a APDL, enquanto responsável pela segurança marítima e portuária na sua área de jurisdição (Portos do Douro, Leixões, Viana do Castelo e VND), cumpre-lhe assegurar as condições de segurança e de funcionamento dos referidos portos e da VND, em todas as suas vertentes, tendo em atenção a necessidade de garantir a sua exploração comercial. PORTO DE SETÚBAL CRIA ACADEMIA PORTUÁRIA A Academia Portuária de Setúbal (ACAPS) inicia a atividade em fevereiro de 2022 e as inscrições já estão abertas. A ACAPS tem como objetivos proporcionar formação aos trabalhadores da Comunidade Portuária de Setúbal e de Sesimbra, colaborar com outros portos, associações e organismos nacionais e internacionais na área da formação portuária, apoiar a divulgação das matérias e questões portuárias na comunidade e junto das entidades externas interessadas, designadamente entre entidades e empresas logísticas e prestar formação portuária à medida. As primeiras ações de formação incluem temas como a introdução aos termos espe16 cíficos de inglês técnico, atualidade e futuro dos sistemas de informação portuários, objetivos de desenvolvimento sustentável, introdução aos conceitos base do negócio revistademarinha.com portuário, marítimo e logístico internacional, tendo como publico alvo colaboradores da APSS, das empresas da comunidade portuária, stakeholders, alunos univeritários e de escolas locais e população em geral. A Academia Portuária de Setúbal vai funcionar no edifício do Centro de Formação do Porto de Setúbal localizado junto ao terminal Multiusos Zona 1 e tem disponíveis duas salas de formação, preparadas e equipadas para ações de formação até 10 participantes. O detalhe do programa de formação do primeiro semestre de 2022 e os contactos para incrições estão disponíveis em www.portodesetubal.pt · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Atualidade Nacional LIVRO APRESENTADO EM VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO No dia 18 de novembro a Biblioteca Municipal “Vicente Campinas”, em Vila Real de Santo António (VRSA), recebeu o lançamento da obra A pirataria no extremo sotavento algarvio nos alvores da Idade Moderna, da autoria do historiador Fernando Pessanha, técnico superior de cultura do Arquivo Histórico Municipal “António Rosa Mendes”. A sessão, que contou com as palavras introdutórias da Vereadora da Câmara Municipal de VRSA, Conceição Pires, e da delegada da Direção Regional da Cultura do Algarve, Adriana Freire Nogueira, contou ainda com a presença do CFrag. Rui Vasconcelos de Andrade, Capitão do Porto de VRSA, em representação da Marinha Portuguesa, que originalmente publicou esta investigação nas Memórias 2019 da Academia de Marinha. Durante a sessão, o historiador algarvio, doutorando da Universidade de Huelva e investigador da Associação Ibérica de História Militar, dissertou sobre a atividade do corso e da pirataria nas imediações da foz do Guadiana, identificando ataques que tiveram lugar no concelho de Santo António de Arenilha, assim como a atividade dos cavaleiros da Ordem de Cristo, responsáveis pela defesa da costa. O Dr. Fernando Pessanha chamou ainda a atenção para a necessidade de se desenvolverem projetos de investigação que atribuam visibilidade ao concelho e que permitam a criação de novas imagens de marca inovadoras do turismo cultural. CHEMICAL MASTER À DERIVA COM INCÊNDIO A BORDO Quando se encontrava a cerca de 30 mi do Cabo Espichel ocorreu um incêndio na máquina do navio de nacionalidade maltesa CHEMICAL MASTER, em viagem de Haifa para Amesterdão, transportando cargas de ácido benzeno e ácido fosfórico. A inesperada avaria na máquina deixou o navio à deriva, com 23 tripulantes a bordo, que, entretanto, conseguiram extinguir o incêndio. Porém, ainda na noite de 22 de novembro de 2021, viram-se na necessidade de pedir assistência. Em auxílio do navio a Marinha enviou para o local do sinistro a corveta ANTÓNIO ENES, e a Força Aérea fez seguir um helicóptero, com uma equipa do INEM, para atender a dois tripulantes em situação crítica por inalação de fumos, que infelizmente vieram a falecer a caminho do hospital. O armador contratou um rebocador que trouxe o navio para Lisboa, entrando no Tejo no dia 24. Após vistorias efetuadas Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 por peritos da Capitania do Porto, e da Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, concluiu-se pela ausência de riscos, de forma a poderem ser iniciadas as reparações. O CHEMICAL MASTER `navega sob pavilhão maltês, pertence à empresa Chemship B.v., com sede em Capelle a/d Ijssel, Holanda, e foi construído no estaleiro Asakawa Zosen K.K., em Imabari, no Ja- · revistademarinha.com pão, em 2009. Arqueia 8.259 tons brutas, e pode transportar 16.248 tons de produtos químicos líquidos. Tem 134 m de comprimento, 21 m de boca e uma velocidade de serviço de 14 nós. Reinaldo Delgado OBSERVAÇÃO: Foto de Hannes van Rijn - Marine Traffic 17 85.O Ano REFORÇADAS AS REGRAS PARA O CONTROLO DO ENXOFRE A Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) informou que foram reforçadas as regras para o controlo de emissões de enxofre no transporte marítimo, através da publicação do Decreto-Lei n.º 106/2021, de 3 de dezembro, relativo aos limites do teor de enxofre de certos tipos de combustíveis navais e ao regime contraordenacional aplicável. O Anexo VI da Convenção MARPOL veio impor, a partir de 1 de janeiro de 2020, os novos limites de teor de enxofre de 0.5% m/m (massa/massa) para a navegação em geral e 0,1% nas zonas de controlo de emissões, nos portos e fundeadouros para estadias superiores a duas horas, matéria reforçada pela Diretiva 2012/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012. Antes, os navios tinham como limite 3,5% de teor de enxofre na navegação. Com esta redução dos limites de enxofre, foram fortemente reduzidas as emissões de NOx e SOx, bastantes prejudicais para a saúde humana e para o meio ambiente. Com o diploma agora publicado é fixado o regime contraordenacional sobre o controlo do enxofre nos combustíveis, funcionando, desde logo, como elemento dissuasor para evitar incumprimentos e atuar sobre as situações reais de incumprimento detetadas, estabelecendo diferentes níveis de coimas em função da gravidade da situação, podendo mesmo levar à inibição da operação do navio. O diploma estabelece um modelo de atuação e fiscalização entre a DGRM, as Entidades da Energia, as Autoridades Portuárias e as Regiões Autónomas, promovendo igualmente a simplificação de procedimentos e a sua des- materialização, nomeadamente pelo uso da Janela Única Logística. Com este diploma é dado mais um passo no caminho progressivo de controlo das emissões dos navios, atuando-se na redução das emissões dos óxidos de enxofre e de azoto resultantes da combustão dos combustíveis e, consequentemente, minorando os seus efeitos nocivos. REGATA ASSINALA A ROTA DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO Para assinalar o lançamento da Rota dos Vinhos do Douro e do Porto, realizou-se, no passado dia 27 de outubro, uma Regata de Barcos Rabelos, evento emblemático a que a população em geral assistiu a partir das margens do rio Douro, no Porto e em Vª Nova de Gaia. Os antigos barcos rabelos, outrora utilizados para o transporte fluvial das pipas de vinho do porto, do Douro Vinhateiro até às caves em Vª Nova de Gaia, foram as estrelas desta competição singular onde diversas empresas do setor participaram, numa colorida regata onde a arte de navegar o rio foi posta em destaque. Com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento turístico sustentável da Região, através do produto Enoturismo e do aproveitamento do potencial da cultura da vinha e do vinho, associando-o à notoriedade e posicionamento turístico do destino Porto e Norte de Portugal, foi criada a Rota dos Vinhos e do Enoturismo do 18 Porto e Norte de Portugal num protocolo entre o Turismo do Porto e Norte de Portugal, as Comissões Vitivinícolas das Regiões dos Vinhos Verdes, Távora-Varosa, Trás-os-Montes e o Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto — IVDP, já detentor da marca “Rota dos Vinhos do Douro e do Porto”. A Rota dos Vinhos e do Enoturismo do Porto e Norte de Portugal foi apresentada no IWINETC - International Wine Tourism Conference, um dos maiores encontros anuais dedicados ao enoturismo, que contou com a realização da Regata de Barcos Rabelos da Confraria do Vinho do Porto, organizada pelo IVDP para divulgar a Rota dos Vinhos do Douro e do Porto, e na qual, um grupo de jornalistas e conferencistas, tiveram a oportunidade de realizar uma experiência única, ao fazerem parte da tripulação de cada um dos barcos que participaram na regata. Cumpre salientar que a equipa da Quinta dos Canais - Cockburn's foi a vencedora! OBSERVAÇÃO: A foto foi registada por profissionais da firma Gavinha – Agência de Comunicação e pertencem ao IVDP, a quem muito agradecemos. revistademarinha.com · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Atualidade Nacional Portugal na Conferencia “Crescendo Azul”, em Moçambique DGRM integrou a comitiva portuguesa liderada pelo Ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, que participou na Conferência “Crescendo Azul”, realizada em Vilankulo, nos dias 18 e 19 de novembro de 2021, tendo integrado os painéis de oradores em dois momentos da II Edição desta Conferencia Internacional, que teve como tema “Investir na Saúde do Oceano é Investir no Futuro do Planeta”. A primeira participação decorreu na sessão paralela “Economia Azul e Ordenamento do Espaço Marítimo”, tendo a Subdiretora da DGRM, Susana Batista, efetuado uma apresentação subordinada ao tema “Operacionalização do Quadro Legal de Utilização Privativa do Espaço Marítimo”. No final da sessão, Felismina Antia, Diretora Nacional de Políticas do Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas de Moçambique salientou a colaboração estreita entre Portugal e Moçambique em matéria de ordenamento do espaço marítimo e o apoio que Portugal pode dar, através da troca de experiências e conhecimentos, na implementação do Plano de Ordenamento do Espaço Marítimo Moçambicano, cuja aprovação foi anunciada pelo Presidente A Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 da República, Filipe Nyusi, na sessão de abertura da Conferência. A segunda participação ocorreu no evento paralelo, coorganizado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) e pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sob o tema “Combater a Pesca ilegal, não declarada e não regulamentada · revistademarinha.com (INN) - Principais desafios - De que forma o network da CPLP pode contribuir para os ultrapassar?”, tendo integrado o painel os responsáveis pela Inspeção das Pescas de Portugal, Carlos Ferreira e Carlos Silva. O evento, que contou com a presença de representantes de todos os Estados-Membros da CPLP, de Angola a Timor-Leste, potenciou a troca de experiências com vista à celebração, em breve, de um instrumento juridicamente vinculativo para a criação de uma plataforma de cooperação no combate à pesca INN. A Conferencia “Crescendo Azul” é promovida por Moçambique, em formato bianual, funcionando como uma plataforma de diálogo, com o objetivo de promover a cooperação e a partilha de conhecimentos, necessários ao cumprimento dos compromissos assumidos no quadro da implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 14 das Nações Unidas, com foco na região ocidental do Oceano Índico. A I edição desta conferência foi realizada em maio de 2019, em Maputo, tendo o Ministério do Mar de Portugal participado em ambas as edições. 19 85.O Ano Raid Aéreo Lisboa - Rio de Janeiro Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul Uma visão brasileira por Mário Rupp* ra o ano de 1922, o Brasil completava um século da sua independência de Portugal e grandes eventos foram realizados para marcar e celebrar a ocasião. Os destaques foram a Semana de Arte Moderna de São Paulo, a Exposição Internacional do Centenário da Independência e o Raid Aéreo Lisboa – Rio de Janeiro. Este último, certamente foi o que envolveu e emocionou maior parcela da população brasileira. À época, o Brasil era um país praticamente rural e sua população tinha sensivelmente 70% de analfabetos. Muito embora a aviação não fosse um assunto de muito interesse do povo em geral, o Raid Lisboa-Rio despertou rapidamente a atenção de todos. De norte ao sul do país logo toda gente percebeu se tratar de uma aventura extraordinária, uma verdadeira odisséia. Os destemidos Capitão-de-Mar-e-Guerra Gago Coutinho (navegador) e Capitão-Tenente Sacadura Cabral (piloto) se propuseram a fazer algo novo, desafiador. Nos primórdios da Aviação Naval, uma grande travessia sobre o mar estava repleta de incertezas - e apenas os tripulantes mais intrépidos e capazes podiam ousar propor algo como a travessia aérea do Atlântico Sul. Após extensas tratativas e preparações partiram a 30 de março de 1922 a bordo do “Lusitania”, uma aeronave Fairey F III-D Mk II, para a primeira perna da aventura. O destino era Las Palmas, nas Ilhas Canárias. O segundo troço da viagem ocorreu a 5 de abril e teve como destino o Arquipélago de Cabo Verde. Apesar de alguns contratempos essas primeiras etapas correram sem maiores problemas ou avarias. No dia 17 de abril de 1922 foi realizado o mais longo voo do Raid. Concluída a travessia Cabo Verde – Brasil estava vencido muito mais do que o maior troço da viagem. Foram 920 milhas desde a cidade de Praia até a chegada em águas brasileiras, quando o “Lusitania” amarou ao largo dos Penedos de São Pedro e São Paulo (hoje rebatizado Arquipélago de São Pedro e São Paulo). O voo ocorreu com enorme E 20 precisão de navegação o que possibilitou a localização e o pouso em segurança ao largo daquele que até hoje se trata do sítio mais isolado e inóspito do território brasi- leiro; um pequeno conjunto de rochas que emerge do oceano, sem nenhuma área abrigada e sobre forte influência das mais hostis condições climáticas. A amaragem, inicialmente planeada para ser realizada ao largo da ilha de Fernando de Noronha, teve que ser alterada para os penedos devido às restrições impostas pelos cálculos de peso e autonomia da aeronave. O mais importante, entretanto, foi comprovar a eficácia dos métodos e dos instrumentos de navegação empregados durante aquela travessia. Certamente, este foi o maior êxito alcançado nesta etapa do “Raid”. O voo foi inteiramente realizado sem nenhum auxílio de navegação exterior à aeronave. Foi utilizada unicamente a navegação astronômica e estimada, empregados o sistema de Sextante com Horizonte Artificial e o Plaquê de Abatimento, ambos concebidos por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. As condições adversas do mar no local levaram à infeliz perda da aeronave (incidente ocorrido já após a amaragem). No entanto, este foi apenas um infortúnio que em nada diminui a grandeza do feito alcançado. Como bem reportou o diário brasileiro “O Paiz”, em sua edição de 20 de abril de 1922: “É sempre relativo o mérito das A aeronave Fairey 17 SANTA CRUZ, à chegada ao Rio de Janeiro. revistademarinha.com · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha História Marítima vitórias fáceis... A glória é ser vencido e recomeçar a batalha; é aceitar a adversidade passageira com ânimo tranquilo, e enfrentar o destino de novo, com novas energias e nova ambição”. À medida que chegavam novas notícias, aumentavam, também, o interesse e entusiasmo das autoridades, dos media e do povo brasileiro relativamente ao desafio empreendido pelos aviadores portugueses. Tendo em vista a grande repercussão do feito e, ainda, os interesses diplomáticos envolvidos, tanto em Portugal quanto no Brasil, o governo português decidiu por enviar uma nova aeronave, para viabilizar a conclusão da travessia conforme planeada. As palavras do então Ministro de Negócios Estrangeiros de Portugal, Dr. Barbosa de Magalhães, são um exemplo disso: “O Raid Aéreo Lisboa – Rio de Janeiro é, sob o ponto de vista das nossas relações, como um fraternal abraço de dois povos, abraço que cimentará indestrutivelmente a estima e admiração mútua... procurarei sempre, interpretando o sentir de todo o governo e de todo o país, contribuir para que nada embarace esta obra e para que dela resultem benefícios materiais para os dois países”. Sendo assim, outro Fairey, este com o numeral 16, foi transportado pelo Vapor brasileiro BAGÉ e, em 6 de maio, estava ao largo dos Penedos junto ao Cruzador português REPÚBLICA onde se encontravam os “gloriosos navegadores do espaço”, conforme mencionou o semanário “Revista da Semana” em uma das suas edições de 1922. Por questões de segurança a aeronave acabou por ser montada e testada ao largo da ilha de Fernando de Noronha, tendo partido em 11 de maio para cumprir o troço Fernando de Noronha – Penedos – Fernando de Noronha. Chegou até aos penedos conforme planeado, mas já no regresso uma pane de motor determinou um pouso de emergência a sensivelmente 300 milhas do destino final. Após horas de buscas um navio mercante inglês, que se encontrava nas proximidades, conseguiu localizar o hidroavião e resgatar toda a sua tripulação. Infelizmente essa aeronave também seria perdida para o oceano. Ainda assim, o objetivo de vencer por ar esta etapa do percurso estava concluído. Uma vez mais o governo de Portugal não esmoreceu. A situação foi solucionada com o transporte de mais uma aeronave aos bravos aviadores, desta vez, a bordo do cruzador português CARVALHO ARAÚJO. Após a chegada em Fernando de Noronha o Fairey 17, batizado “Santa Cruz”, por sugestão da Primeira Dama do Brasil, Mary S. Pessoa, foi preparado e testado. Em 5 de junho finalmente foi realizado o “voo Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 da vitória” até a cidade de Recife e, assim, formalmente concluída a travessia aérea do Atlântico Sul. As etapas seguintes com pousos em Salvador da Bahia, Porto Seguro, Vitória e, finalmente, no Rio de Janeiro (Capital do Brasil àquela época) correram sem maiores transtornos - e a navegação foi sempre realizada com o auxílio de referências em terra. Os festejos conduzidos após a chegada a Recife, ao longo das etapas finais do raid, assim como em muitas outras cidades ao redor do Brasil, foram espetaculares, apoteóticos. A população das cidades onde a aeronave pousou fez verdadeiros carnavais nas ruas para acompanhar e homenagear · revistademarinha.com os heróis aviadores. Desfiles em carros abertos, multidões a tentar se aproximar. O interesse daquelas multidões refletia o pensamento de que tinham a oportunidade de estarem ao lado de super-heróis, celebridades internacionais, verdadeiras lendas vivas. Com este mesmo entusiasmo, a colônia portuguesa no Brasil recebeu seus compatriotas com festas e eventos. Os heróis do ar foram recebidos em jantares e banquetes pelas mais altas autoridades do país. Governadores estaduais, senadores, ministros de estado e o então Presidente da República, Dr. Epitácio Pessoa, prestaram seu reconhecimento ao glorioso feito alcançado. Também houve a oportunidade 21 85.O Ano Os dois aviadores com o Presidente do Brasil, Epitácio Pessoa. As comemorações populares registados numa revista da época. de se encontrarem com Santos Dumont e fortaleceram uma amizade que perdurou ao longo do tempo. O marcante trecho do discurso proferido pelo senador Sampaio Correa durante um grande banquete oferecido pelo Aero-Club Brasileiro bem representa o sentimento de todo o povo naquela ocasião ... tínhamos fé senhores na energia inquebrantável dos filhos de Portugal, terra dos nossos antepassados, pátria de heróis, onde se formaram e se desenvolveram as mais audazes concepções para dominar os mares e vencer os ventos; tínhamos fé na continuidade da irradiação luminosa dos feitos sublimes, porque, realizando aquelas concepções os intrépidos navegadores portugueses assombraram o mundo, erguendo obras indestrutíveis que perpetuam através da eternidade a energia e a capacidade de um povo .... Passaram-se cem anos. Em 2022 vamos celebrar um século da primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul (do Tejo à Guanabara), realizada por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Ligaram, pelo ar, dois continentes e as capitais de dois países-irmãos: Lisboa e Rio de Janeiro - Brasil e Portugal. Neste período, o mundo passou por inúmeros desafios e mudanças. A aviação e a navegação tiveram enormes evoluções. O Raid Aéreo Lisboa – Rio de Janeiro, apesar da sua grandiosidade, já não é matéria lembrada como deveria. Comemorações diversas estão a ser planeadas, mas certamente o feito não será tão intensamente comemorado no Brasil quanto o será em Portugal. 22 Ainda assim, nos enche de alegria saber que os nomes desses gloriosos portugueses continuam presentes no dia a dia dos brasileiros e, em especial, dos cariocas. O Almirante Gago Coutinho e o Comandante Sacadura Cabral batizam diversas ruas e praças espalhadas pelo Brasil. Fizeram, utilizando outro meio, o mesmo que outros destemidos marinheiros portugueses haviam feito séculos atrás: marcaram de forma especial seus nomes na história ao unirem terras separadas por um oceano. Brasil e Portugal têm lugar de destaque, de grande valor no que foram os primórdios da aviação. A citação eternizada em um revistademarinha.com monumento localizado na cidade de Petrópolis (assim batizada em homenagem a D. Pedro I do Brasil) e onde viveu seus últimos anos o pai da aviação, é muito oportuna: “Aos pioneiros da aviação: Santos Dumont dando asas ao mundo em 1906 – Gago Coutinho e Sacadura Cabral atravessando o Atlântico em 1922”. O livro comemorativo dos 100 anos da Aviação Naval Brasileira regista como o evento mais significativo de toda a década de 1920 a primeira travessia aérea do Atlântico Sul. Hoje, certamente a continuidade desse extraordinário espírito de tenacidade está presente nos aviadores navais da Marinha Portuguesa. Assim, concluo este artigo prestando uma singela homenagem a esses tão distintos marinheiros, de ontem e de hoje, com o lema da Aviação Naval Brasileira: “NO AR, OS HOMENS DO MAR!” * Capitão de mar e Guerra (Marinha do Brasil) [email protected] · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Marinha de Guerra A 3ª Série de Navios de Patrulha Oceânicos por José Santos Coelho* Modelo NPO3S com características herdadas 1.ª/2.ª séries a azul, novos atributos a vermelho, e contentorização modular a verde Marinha Portuguesa opera quatro Navios de Patrulha Oceânicos (NPO), os NRP VIANA DO CASTELO, FIGUEIRA DA FOZ, SINES e SETÚBAL, tendo a 1.ª série, os 2 primeiros, sido construída nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, com os navios a serem entregues, respetivamente, em 2010 e 2013, e a 2.ª série, os 2 últimos, sido construída pelo Consórcio West Sea - Edisoft, em Viana do Castelo, com os navios a serem entregues em 2018. A construção de seis novos NPO (3.ª série) visa completar os dez navios previstos na capacidade de patrulha e fiscalização. Este artigo aborda o programa de construção da 3.ª série de NPO (NPO3S), começando pela evolução do conceito de emprego e dos requisitos operacionais, a adaptação evolutiva do Projeto de Engenharia dos NPO, as principais atualizações a considerar para a 3.ª série, finalizando com uma menção ao processo de construção dos navios e umas breves considerações finais. A Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 CONCEITO DE EMPREGO E REQUISITOS OPERACIONAIS No contexto do atual processo de construção dos NPO3S, foram atualizados o conceito de emprego para esta classe de navios, e os subsequentes requisitos operacionais, fruto da evolução do ambiente estratégico. Assim, além da possibilidade de emprego em missões e tarefas de natureza não-militar, como sejam, entre outras, a busca e salvamento marítimo, a fiscalização da pesca, ou o combate a atividades ilegais (narcotráfico, imigração ilegal, tráfico de pessoas ou de armas), pretende-se que os navios possuam uma elevada flexibilidade de emprego em atividades de natureza militar, como sejam, a guerra de minas, a projeção de força, a vigilância submarina e o apoio a operações especiais. Estas diferentes missões e tarefas estão estruturadas nos seguintes perfis de emprego operacional: · revistademarinha.com - Perfil base, com capacidade, designadamente, de patrulha e fiscalização, interceção de navios, busca e salvamento e apoio à proteção civil, sendo o único perfil em que não é requerido o embarque de sistemas adicionais e em que não é necessário reforço da guarnição base; - Perfil de guerra de minas, concretizado na capacidade de efetuar atividades de minagem ou de contramedidas de minas, através de mergulhadores sapadores e de VEículos Não Tripulados (VENT) de superfície e submarinos; – Perfil de projeção de força, consubstanciado na capacidade de transportar e projetar uma pequena força de desembarque; – Perfil de luta antissubmarina, traduzido na capacidade de vigilância submarina, através de sistema de deteção acústica rebocado; – Perfil de operações especiais, materializado na capacidade para intercetar e abordar navios, mesmo em cenários não 23 85.O Ano O Centro de Operações dos NPO da 3ª Série. cooperativos, e para extrair cidadãos nacionais de locais de elevado risco; – Perfil de combate à poluição, consubstanciado na capacidade para recuperar hidrocarbonetos do mar e servir como plataforma para a operação de diverso material de combate à poluição. Adicionalmente, o navio disporá de infraestrutura para operar VENT, em todos os ambientes (aéreos, de superfície, e de subsuperfície), podendo dispor de uma capacidade residente que será incrementada em função do perfil de operação estabelecido. Terá ainda capacidade para operar com helicópteros não orgânicos, incluindo a possibilidade de reabastecimento de combustível. PROJETO DE ENGENHARIA DA 3.ª SÉRIE DE NPO Ainda que baseada no Projeto de Engenharia das séries anteriores, a especificação de requisitos para a construção da 3.ª série foi desenvolvida visando responder às necessidades operacionais e tecnológicas emergentes, às lições identificadas resultantes, quer da experiência dos dois processos de construção anteriores, quer da exploração dos navios, bem como às restrições impostas pelo envelope financeiro autorizado. Assim, a revisão do Projeto de Engenharia, ainda que preservando a geometria do casco, características hi24 drodinâmicas, critérios de sobrevivência (estabilidade, subdivisão por anteparas estanques e segregação e redundância de sistemas) e tipologia das instalações propulsora e de produção de energia elétrica, responde ao requisito de incrementar as capacidades militares, principalmente ao nível do Comando e Controlo, da capacidade de vigilância, especialmente submarina, das comunicações militares, e de operação de VENT. Salienta-se ainda o princípio estabelecido de exploração do conceito de embarque de capacidades não permanentes, modulares e contentorizadas (as séries anteriores tinham apenas uma posição física pré-definida para o efeito, sem infraestrutura dedicada para ligação aos sistemas de bordo), ficando os navios preparados para receber até quatro módulos contentorizados, e com infraestruturas de interligação aos sistemas de bordo, através de quadros dedicados de interligação (fluídos, energia elétrica e redes lógicas), o que permitirá, por exemplo, integrar a informação recolhida por um sistema de vigilância embarcado no sistema de Comando e Controlo do navio. PRINCIPAIS ATUALIZAÇÕES A CONCRETIZAR NA 3.ª SÉRIE DE NPO A estrutura do navio será sujeita a modificações nas Superestruturas (mastro, revistademarinha.com Centro de Operações, chaminé e convés de voo) e noutros locais específicos e localizados, de forma a integrar os equipamentos e sistemas adicionais, mantendo inalteradas a secção mestra e a estrutura primária do navio, pretendendo-se ainda reduzir o ruído próprio irradiado, bem como melhorar as condições para a execução de abordagens (boarding) não cooperativas. A velocidade máxima da propulsão elétrica aumentará de 10 para um valor entre os 13 e 15 nós, passando ainda a ser possível efetuar a troca entre propulsão diesel e elétrica sem que seja necessário diminuir a velocidade do navio ou requerer a imobilização dos veios. A produção e distribuição de energia manterá a mesma filosofia da 2ª Série, com 2 quadros elétricos principais (QEP’s), redundantes, independentes e interligáveis, com 2 grupos eletrogéneos (GE’s) por cada QEP. É expectável um aumento da dimensão/capacidade dos GE’s e QEP’s, devido à necessidade do aumento de potência dos motores elétricos propulsores (aumento da velocidade disponível com propulsão elétrica). Em termos de distribuição elétrica, será mantida a distribuição 400V/230V a 50Hz, estimando-se que sejam implementados, para os novos sistemas e sensores, circuitos de distribuição ou dedicados a 60Hz e 400Hz. Serão simplificados os sistemas auxiliares, nomeadamente com uma ventilação monoducto, um sistema de extinção de incêndios tipo Hifog e um sistema único de produção de ar comprimido, com patamares de pressão e tratamento consoante a utilização a bordo. Os sistemas de controlo da poluição estarão dimensionados para o número de elementos a embarcar nos diferentes perfis, cumprirão os requisitos mais atuais da convenção MARPOL, incluindo os aplicáveis à emissão de gases poluentes (os navios terão obrigatoriamente uma configuração de propulsão que cumpra este desiderato). Ao nível do Comando e Controlo está equacionada a inclusão de um Sistema de Gestão da Informação para Apoio às Operações, operado a partir do Centro de Operações, que irá permitir a integração e gestão da informação de diversos sensores, incluindo dos que não estejam permanentemente embarcados, diversificando-se ainda os sistemas de comunicações, designadamente com satélite e datalinks militares. O conceito das redes lógicas de bordo inclui a capacidade para manipulação de informação até NACIONAL/NATO SECRETO através de uma arquitetura de redes que inclui a segregação física e lógica, nos termos estabelecidos na doutrina nacional e NATO. Quanto ao · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Marinha de Guerra armamento, mantendo a lógica de defesa própria próxima, com enfoque especial nas ameaças assimétricas, os navios, para além da peça de calibre 30 mm, serão reforçados com peças de artilharia automática de pequeno calibre. das as dimensões relevantes, como sejam, entre outras, a física, elétrica, ambiental e eletromagnética. O âmbito concreto dos sistemas SEWACO MFE a instalar permanentemente nos navios está condicionado ao atual envelope financeiro de 352 M€ para todo o programa. PROCESSO DE CONSTRUÇÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS A estruturação deste programa prevê que a construção propriamente dita seja antecedida por um período de revisão do Projeto de Engenharia, que incluirá a análise detalhada do impacto das modificações, a respetiva integração nos documentos de engenharia relevantes (modelos, cálculos, etc.) e a elaboração do projeto de detalhe. Será ainda considerado o fornecimento dos bens e serviços de Apoio Logístico, de forma a permitir uma exploração eficaz e eficiente dos navios, assegurando a disponibilidade, quer da informação logística e do material relevantes, quer de pessoal adequadamente habilitado para a operação e manutenção dos navios. O âmbito logístico inclui fornecimentos nas dimensões da configuração, manutenção, sustentação, qualificações e formação e documentação técnica. Estima-se que o procedimento para a contratação do âmbito referido esteja concluído até ao 4.º trimestre de 2022, possibilitando a entrega do primeiro navio em 2025 e, ao ritmo de um navio por ano, prolongando as entregas até 2030. Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 A 3.ª série dos NPO constitui-se como a evolução natural do projeto das séries anteriores, capitalizando um ativo de engenharia do Estado Português, com provas dadas e de inquestionável adequação aos desafios que, ao longo de mais de uma década de serviço, foram superados. Os próximos NPO possuirão mais capacidades, poderão ser empregues num espetro mais alargado de missões e tarefas, e estarão mais preparados para os desafios futuros, com a adaptabilidade necessária para incorporar novas capacidades, ao longo do respetivo ciclo de vida. O processo de revisão do Projeto de Engenharia integrará ainda toda a informação de engenharia dos Sensors WeApons And COmmunications (SEWACO), considerados Material de Fornecimento do Estado (MFE), através de Especificações de Interface detalhadas e abrangentes, em to- · revistademarinha.com * Chefe da Equipa de Acompanhamento e Fiscalização dos Navios de Patrulha Oceânicos [email protected] OBSERVAÇÃO: Este texto foi elaborado com os contributos dos diversos elementos envolvidos na elaboração dos Requisitos Operacionais e da Especificação de Requisitos para a construção dos NPO da 3ª série. 25 85.O Ano O NRP ZAIRE em missão na República Democrática de São Tomé e Príncipe por Paulo Cavaleiro Ângelo* INTRODUÇÃO O NRP ZAIRE foi construído nos Estaleiros Navais do Mondego, na Figueira da Foz, tendo sido aumentado ao efetivo dos navios da Armada em 22 de dezembro de 1971. É o sétimo dos dez navios-patrulha da classe CACINE e o único ainda no ativo. Esta classe de navio foi projetada para a patrulha costeira e fluvial do continente africano, durante a guerra colonial, tendo regressado a Portugal após a independência das ex-colónias e sido colocados no dispositivo naval padrão nacional ao longo da sua vida útil. O navio encontra-se em missão na República Democrática de São Tomé e Príncipe (STP) desde 2018 em missão de fiscalização conjunta e capacitação operacional da Guarda Costeira (GC) deste país. ACORDOS DE COOPERAÇÃO EXISTENTES ENTRE PORTUGAL E SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE As relações de cooperação Técnico-Militar entre Portugal e STP remontam a 1988, com a assinatura de um Acordo nesta vertente, mas só em 17 de junho de 2013 foi celebrado um acordo de cooperação entre Portugal e STP, no domínio da fiscalização conjunta de espaços marítimos sob soberania ou jurisdição de STP, estabelecendo as bases do patrulhamento conjunto dessas áreas, podendo incidir sobre qualquer tipo de ilícito, no quadro de respeito pelo Direito Internacional e pelo Direito Interno dos dois países. Estas ações conjuntas foram esporadicamente exercidas aquando da presença de unidades navais portuguesas em missão no Golfo da Guiné, designadamente no quadro da Iniciativa Mar Aberto, tendo em 17 de outubro de 2017 o Ministro da Defesa e Administração Interna de STP solicitado a disponibilização de uma unidade naval portuguesa para participar em ações de fiscalização conjunta das áreas sob soberania ou jurisdição santomense e de capacitação da sua Guarda Costeira (GC) na operação de meios com capacidade oceânica. A 2 de janeiro de 2018 o Ministro da Defesa Nacional determinou o emprego de uma unidade naval da Marinha portuguesa, estacionada permanentemente em STP, por um 26 período de um ano, indo ao encontro das solicitações da parte santomense. O NRP ZAIRE largaria da Base Naval de Lisboa a 3 de janeiro desse ano, atracando no porto comercial de São Tomé a 22 de janeiro, tendo em 8 de fevereiro sido formalizada a missão de capacitação da GC STP através de um memorando de entendimento entre os Ministros da Defesa dos dois países. A missão, inicialmente prevista para um ano, decorre há já mais de três. SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE NO GOLFO DA GUINÉ A singularidade desta missão ganha maior destaque e relevância pela área geográfica onde STP se insere, o Golfo da Guiné (GdG), atualmente uma das mais perigosas e instáveis regiões marítimas do mundo, devido aos crescentes fenómenos de criminalidade marítima, pirataria, pesca ilegal, tráfico de estupefacientes, imigração ilegal, tráfico de pessoas, entre outras. O GdG é uma vasta área de cerca de 2,3 milhões de km2 com uma linha de costa de 6.000 km, entre o Senegal e Angola, um total de 19 países ribeirinhos. Trata-se de uma região com uma considerável riqueza em termos de recursos naturais, designadamente hidrocarbonetos, minerais, pesca, entre muitas outras riquezas, o que lhe confere uma importância estratégica, sobretudo por se constituir como um choke point energético para países que procuram diversificar fontes de abastecimento. Para termos uma noção mais revistademarinha.com concreta, o GdG representa cerca de 70% da capacidade de produção de petróleo e gás natural de toda a África. Por seu lado, o continente africano representa 13% da produção mundial de petróleo e 7% do gás natural. Para os EUA, a Nigéria é o 3.º maior exportador de petróleo, seguida pelo Gabão e Angola. A UE importa cerca de 6,5% do petróleo que consome da região do Golfo. O GdG concentra também um dos mais ricos bancos de pesca do mundo e representa cerca de 4% de produção mundial de pescado. Este setor é critico para o emprego de milhões de pessoas na região – só na África Ocidental estima-se haver cerca de 25% dos empregos ligados a este setor. Este potencial regional atraiu atores não-estatais que, na falta de oportunidades económicas noutros setores, enveredaram por atividades ilícitas e criminais, as quais foram largamente potenciadas pela corrupção regional, altos níveis de desemprego e falta de boa governança. As forças de segurança e de defesa da região estão bastante envolvidas em múltiplos desafios, e mais focadas em terra do que no mar, resultando num conhecimento situacional marítimo muito baixo. O mar, para muitos países do Golfo, representa apenas exploração off-shore de hidrocarbonetos. De acordo com o International Maritime Bureau, cerca de 95% dos raptos no mar para resgate são realizados no GdG, numa tendência crescente, motivada sobretudo pelas quedas dos preços do petróleo. Esta atividade criminal tornou-se muito mais lucrativa do que o simples roubo de carga que predominava em anos anteriores. · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Marinha de Guerra O arquipélago de STP encontra-se localizado em pleno GdG, detendo um enorme espaço marítimo, com uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) de 160.000 km2. O seu isolamento no mar e a inexistência de apropriados recursos aéreos e navais de vigilância e interceção, torna este espaço uma área atrativa para a condução de atos ilícitos e criminais. Em 2020, o espaço marítimo de STP surge já referenciado como local onde se verificaram incidentes com raptos para resgate, tendo as suas águas sido palco de um crescimento anormal de incidentes, em que só no primeiro quadrimestre de 2021 este número triplicou, quando comparado com todo o ano anterior, revelando uma tendência muito preocupante. A AÇÃO DO NRP ZAIRE EM STP Após mais de três anos de missão, o NRP ZAIRE já conta com mais de 1.300 dias de missão, tendo percorrido mais de 25 mil milhas, num esforço de atividade notável se pensarmos que esta unidade naval tem 50 anos de idade (celebrou meio século no dia 22 de dezembro de 2021) e está regionalizada a mais de 5.000 Kms da sua base-mãe. Durante este período, o navio foi empe- O espaço marítimo sob jurisdição de STP. Fonte: Comando Naval (2021). nhado em diversas ações, tais como fiscalização conjunta, busca e salvamento, apoio logístico às autoridades santomenses, combate à pirataria, vigilância e patrulha dos espaços marítimos santomenses, entre muitas outras. Na sua ação de busca e salvamento marítimo, destaca-se a sua participação no Soluções globais de pintura que respeitam o meio ambiente Mais de cem anos de experiência e confiança em todo o mundo. Hempel (Portugal), S.A. Vale de Cantadores, 2954-002 Palmela Tel: 212 352 326, Fax: 212 352 292 E-mail: [email protected] hempel.pt Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · revistademarinha.com 27 85.O Ano socorro ao navio ANFITRITI, que naufragou em 2019 durante uma travessia entre as ilhas de São Tomé e do Príncipe. No mesmo ano, a sua ação foi determinante no auxílio prestado no combate a um incêndio, dado como incontrolável, no navio VILLE ABIDJAN que se encontrava atracado no porto de São Tomé, em que a experiência e treino da guarnição do navio português, no combate a este tipo de sinistros a bordo, foi decisivo para evitar um desfecho catastrófico no único porto santomense. Em termos de apoio às autoridades locais, a ação do NRP ZAIRE tem sido igualmente relevante, realçando-se o seu recente empenhamento no transporte de garrafas de oxigénio entre as ilhas do Príncipe e de São Tomé, aquando da mais recente vaga de COVID 19 vivida no arquipélago e em que o Hospital Central de São Tomé ficou privado de oxigénio para os seus pacientes. Foram transportados mais de 1.000 litros de oxigénio da unidade hospitalar do Príncipe, tendo contribuído decisivamente para salvar vidas em São Tomé. No âmbito do combate à pirataria, que grassa na região, o navio já foi ativado em resposta a vários pedidos de auxílio derivados de ataques à navegação mercante na área de STP, destacando-se em fevereiro de 2020, o apoio ao navio mercante MAERSK TEMA e outro em novembro do mesmo ano, do navio mercante ZHEN HUA 7, em que se registaram 13 tripulantes sequestrados e um ferido por arma de fogo. A sua ação tem sido exercida em articulação com as autoridades locais e regionais, decorrente do esforço internacional em garantir a segurança marítima no GdG. Destaca-se também a participação do navio nos diversos exercícios anuais de grande dimensão regional, designadamente das séries Obangame Express (organizados pelos Estados Unidos) e Grand African Ne- mo (organizados pela França), que permite afinar a articulação internacional da região no combate à criminalidade marítima. GUARNIÇÃO MISTA: “UMA GUARNIÇÃO, DUAS NAÇÕES” O NRP ZAIRE dispõe de uma guarnição mista constituída por 23 militares portugueses e 14 santomenses, acrescida ainda de vários militares santomenses em instrução, o que representa um projeto único no seio da comunidade naval internacional. Este projeto de guarnição mista faz parte do vetor da capacitação da GC STP promovendo a formação e instrução dos marinheiros santomenses, nas diversas áreas técnicas da operabilidade de um navio e da vida no mar e dos Fuzileiros Navais da GC santomense, nas componentes de abordagem, operação e manutenção de botes pneumáticos e respetivos motores fora de borda. A rotação dos militares santomenses, que integram o projeto, exige um esforço acrescido ao nível da formação do pessoal. Após terem sido escolhidos os efetivos da GC STP para integrar a guarnição do navio, inicia-se um período intenso de instrução e treino nas diversas áreas de operação do navio no mar, tais como, a marinharia, a navegação, a mecânica e limitação de avarias, a eletrotecnia, as operações e a saúde e emergência médica, de modo a preparar os novos elementos. Terminada a fase de treino em terra, decorre um período de treino no mar onde se coloca em prática aquilo que foi ministrado anteriormente, culminando com a rendição dos militares santomenses. Operando sob o lema “Uma Guarnição, Duas Nações”, este projeto de guarnição mista tem-se revelado inovador e bem-sucedido, estando atualmente em plena velocidade de cruzeiro, com a operação da plataforma em perfeita simbiose entre as partes portuguesa e santomense, pelo que tem suscitado alguma curiosidade internacional, designadamente de países lusófonos. Para além da guarnição mista, o NRP ZAIRE também participa no Centro de Instrução Militar das Forças Armadas santomenses, através do seu sargento fuzileiro, no âmbito do treino das Equipas de Segurança e Abordagem da GC santomense, desenvolvendo ações de instrução teóricas e práticas e proporcionando ações de treino com o objetivo de desenvolver nos militares santomenses perícias e proficiência nas técnicas, táticas e procedimentos no âmbito das ações de abordagem, progressão em espaços confinados, busca e revista, controlo de tripulação, comunicações e regras de empenhamento. De referir que, os Fuzileiros Navais de STP são formados pelo Brasil, no âmbito dos respetivos acordos de cooperação, sendo Portugal responsável pela formação e treino das Equipas de Abordagem, o que constitui um bom exemplo de cooperação no quadro da CPLP. O NRP ZAIRE prossegue a sua missão na região, mantendo um intenso plano de formação, instrução e treino, dilatando constantemente o conhecimento e proficiência dos militares santomenses e efetuando patrulha, vigilância e fiscalização nas águas da STP. A ação do ZAIRE em STP tem-se traduzido numa elevada notoriedade local, tanto no panorama político, militar e mesmo social, pelo reconhecimento existente acerca dos relevantes serviços que presta aquele país, no quadro da cooperação bilateral existente. É também notória a visibilidade internacional sobre a presença continuada de Portugal no GdG, através do NRP ZAIRE, enquanto contribuinte para o esforço internacional de promoção da segurança marítima naquela área. * Capitão de mar e guerra Coordenador do Comando Naval para a Missão de Fiscalização Conjunta e Capacitação Operacional Marítima da Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe [email protected] 28 revistademarinha.com · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Segurança Marítima Ciberataques no mar – uma questão não de Como, mas de Quando por David Martins Morgado* s ciberataques já pertencem ao nosso quotidiano. Sem nos apercebermos, a cada 39 segundos, acontece algum tipo de ataque no ciberespaço. E o pensamento de que estes ataques apenas procuram o lucro fácil através de programas como ramsomware, é um pensamento errado. A indústria e comércio marítimos não ficaram isentas. Nos últimos anos, o setor marítimo viu os ciberataques aumentarem cerca de 400% nas suas redes, apesar de, até ao momento, a maioria dos ciberataques terem sido dirigidos para estruturas em terra. Mas a exclusão de ataques a navios no mar deixou de existir. Têm sido reportados incidentes por spoofing(1) do GPS, particularmente na zona do Médio Oriente e da China, levando as guarnições dos navios a acreditar que estão numa posição diferente daquela em que realmente estão. Já em 2019, um navio de grandes dimensões a caminho do porto de Nova Iorque sofreu uma intrusão que, apesar de não ter provocado a perda do seu governo, degradou bastante os seus sistemas de comando. E ainda durante o mês de agosto, seis navios petroleiros perderam a sua capacidade de governo na zona do Estreito de Ormuz. Este tipo de incidentes e ataques poderão provocar colisões ou encalhes em áreas críticas como portos ou rotas marítimas internacionais, afetando toda a navegação e comércio mundial por longos períodos. Basta pensar nas consequências que o navio mercante EVER GIVEN provocou em cada dia em que esteve encalhado no canal do Suez(2). Numa era onde os equipamentos eletrónicos conseguem controlar basicamente tudo num navio, desde a navegação até à manutenção, o seu funcionamento correto é crítico para a segurança das guarnições e das próprias plataformas. Mas como é que estes tipos de ataques podem ocorrer? As principais falhas que se observam a nível das redes wi-fi dos navios tem sido serem usadas para fins que não os próprios (trabalho, contatar familiares e amigos, etc.), as redes e sistemas não estarem segmentados, atualizados e protegidos e os próprios elementos das guarnições não estarem cientes da necessidade de haver uma ciberhigiene a bordo. Mas para além O Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 Mapa cibernético de ataques a decorrerem no momento. destas, como é referido pelo grupo de cibersegurança Mission Secure, um navio poderá possuir ainda as seguintes vulnerabilidades: • Sistemas de Comando e de Navegação da Ponte – Com o uso cada vez mais recorrente de equipamentos de navegação eletrónica, estes sistemas são mais suscetíveis a ciberataques, pois muitos deles interagem e comunicam com servidores em terra através de comunicações por satélite. Para além disso, muitas das configurações e updates são conduzidos online ou por pen USB, portas vulneráveis para possíveis intrusões. • Sistemas de Propulsão, Energia e Auxiliares – Os programas eletrónicos que controlam as ações físicas do navio podem ser suscetíveis a um ciberataque, pondo em risco o controlo e segurança do navio, especialmente quando estão ligados a sistemas de monitorização remota baseados em determinadas condições e integrados com os sistemas de navegação. • Sistemas de Comunicação – Os sistemas de comunicação via internet ou Sistemas vulneráveis a ciberataques. · revistademarinha.com 29 85.O Ano por satélite podem aumentar a vulnerabilidade de um navio, mesmo que este possua algumas medidas de cibersegurança. Embora os prestadores destes serviços costumem vir com algumas capacidades de cibersegurança, os próprios operadores deverão estar despertos para estas ameaças. • Sistemas de Gestão de Carga – Os sistemas utilizados para carga e descarga, para a sua gestão e controlo, podem ser vulneráveis a ciberataques porque estão integrados nos sistemas eletrónicos de dados do navio, como por exemplo a nível de adornamento. • Sistemas de Gestão de Passageiros – Os sistemas utilizados para a gestão de embarque/desembarque de passageiros e respetivos acessos e pertences contêm dados pessoais. Dispositivos como tablets, scanners e outros aparelhos eletrónicos transmitem e recebem dados de um servidor que pode ser atacado. • Redes Públicas – Os sistemas de comunicação via internet ou por satélite cedidos às guarnições podem aumentar a vulnerabilidade dos sistemas de um navio 30 caso não estejam devidamente salvaguardadas. Embora os prestadores de serviços tenham alguma capacidade de defesa contra ciberameaças, não se deve confiar unicamente nela. Afinal, o elo mais frágil continua a ser o elemento humano. Todas estas vulnerabilidades podem ainda serem exploradas ao mesmo tempo. Os sistemas de combustível e de carga podem ser hackeados de forma a enganar um navio, fazendo-o “pensar” que está desequilibrado, impedindo-o de receber mais carga ou diminuindo ou anulando o seu seguimento. O perfil deste tipo de ataques não procura um alvo forte. Por norma, procura identificar as áreas mais vulneráveis para depois atacarem e cumprirem o objetivo dos seus algoritmos. E quando um sistema falha numa área, as consequências podem escalar em cascata e causar danos noutras áreas também elas críticas. E se estiver num certo tipo de canal, ou se estiver num certo tipo de águas, isso pode ser usado intencionalmente para bloquear o canal ou para causar ações de roubo ou de abordagem no mar. E se ainda tivermos revistademarinha.com em conta que muitos destes sistemas, sobretudo os mais antigos, não foram desenhados para receberem mais melhorias (updates), capacidades e conexões, podemos verificar o escalar dos riscos à sua segurança. Ainda assim, o relato de incidentes cibernéticos é um procedimento raro, face às empresas verem ameaçadas as suas reputações e capacidades operacionais. Mais ainda, uma investigação de um incidente desta natureza poderá revelar-se demasiado morosa para plataformas que se pretende que estejam permanentemente disponíveis. No entanto, já houve alguns avanços. Em janeiro de 2021, entrou em vigor a Resolução MSC.428(98) da IMO (International Maritime Organization), publicada em junho de 2017, exigindo que a cibersegurança esteja presente nos sistemas de gestão da segurança, tal como definidos no Código ISM, o mais tardar na primeira verificação anual do Documento de Conformidade de uma empresa após o dia 1 de janeiro de 2021. Apesar de as Guidelines on Maritime Cyber Risk Management serem apresentadas de forma genérica e simplista, está patente a obrigatoriedade de a gestão de riscos cibernéticos conter medidas eficientes para prevenção e controle de incidentes no ciberespaço. Estas medidas incluem técnicas e procedimentos para proteção contra incidentes, continuidade de operações e medidas para resposta a incidentes, incluindo planos de contingência, como ilustrado nos seguintes passos: – Identificar as ameaças – Devem ser identificadas e avaliadas as ameaças de segurança externas e internas nos sistemas. Paralelamente, deverão ser identificadas as informações mais importantes e confidenciais que um cibercriminoso pode desejar, assim como quais serão os possíveis caminhas que ele irá percorrer para tentar obter essas informações. – Identificar vulnerabilidades – Devem ser identificadas quais as áreas de segurança mais vulneráveis nos sistemas, incluindo a falta de protocolos de operadores e administradores adequados, bugs de software e possíveis backdoors(3) não autorizadas. – Avaliar o risco de exposição – Deve ser avaliada a probabilidade de o navio e de o próprio armador ser vítima de um ciberataque e verificado o verdadeiro impacto que esse ciberataque pode ter no navio e na empresa. – Desenvolver ferramentas e procedimentos de proteção e de deteção – Devem ser avaliadas e, em caso de necessidade, desenvolvidas medidas de seguran· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Segurança Marítima ça, como software de antivírus atualizado e de proteção para servidores. Paralelamente, deverão ser desenvolvidos procedimentos para os operadores dos sistemas reagirem em caso de deteção de intrusões e como continuarem a operar. Da mesma forma, estes procedimentos deverão ser treinados e testados de forma periódica. Apesar de as ferramentas de prevenção e defesa já possuírem algum nível de robustez, o elemento humano continuará a ser o elo mais sensível da cadeia de cibersegurança. Num mundo onde as intrusões podem surgir a partir de uma impressora desprotegida e onde conseguem passar despercebidas durante longos períodos, o setor marítimo, cada vez mais digital, não pode ficar indiferente a essa realidade. Os ciberataques serão a norma e não a exceção, sobretudo numa indústria que mexe com 90% do comércio no mundo. * Oficial da Armada [email protected] REFERÊNCIAS Cyberwar: What cyberattacks say about the future of war - Deseret News Cyber Security Threats Challenge International Shipping (marinelink.com) Cyberattack lands ship in hot water – Naked Security (sophos.com) Cyberattack or coincidence? (seatrade-maritime.com) Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 Maritime cyber risk (imo.org) Cyber Risk Management (uscg.mil) https://lloydslist.maritimeintelligence.informa. com/LL1136933/Ethical-hacker-says-ships-are-wide-open-to-cyber-attack https://www.forbes.com/sites/palashghosh/2021/03/25/experts-estimate-ship-stuck-in-suez-is-blocking-96-billion-in-maritime-traffic-each-dayheres-why-actual-losses-are-harder-to-quantify/ https://www.ship-technology.com/features/ cyber-attacks-in-the-maritime-sector-the-experts-respond/ https://www.gard.no/Content/25634225/Cyber%20Security_Presentation%20(ID%20 1418279).pdf · revistademarinha.com NOTAS: (1) Derivado do termo spoof que significa enganar, é uma tática usada para se fazer passar por uma pessoa, estação, unidade, etc., de modo a intercetar informações ou realizar determinadas operações. (2) Segundo a Lloyds List citada na revista Forbes, as perdas podem ter chegado a cerca de 9.6 biliões de dólares, atendendo ao número de navios bloqueados ou desviados com o encalhe do EVER GIVEN. (3) Método pelo qual operadores autorizados e não autorizados podem contornar medidas normais de segurança e obter acesso de utilizador de alto nível (também conhecido como acesso por root) num computador, rede, sistema ou software. 31 85.O Ano O Regime Jurídico da Segurança Privada Armada a Bordo de Navios de Bandeira Portuguesa por Anabela Paula Brizido* 1. ENQUADRAMENTO O recurso a guardas privados armados a bordo de navios mercantes, pela sua complexidade e delicadeza, foi, num primeiro momento, rejeitado pela Organização Marítima Internacional (OMI/IMO). Todavia as ações de pirataria na Somália com graves repercussões para a segurança dos tripulantes, navios e bens embarcados; transporte marítimo internacional, acrescida, ainda, das pressões da indústria e da dificuldade sentida pelos piratas em perpetrarem ataques a navios mercantes com segurança própria, como mencionado por Alexandre Rodrigues, flexibilizaram a posição da IMO ao ponto de, na atualidade, ser aceite a segurança privada armada nas zonas de elevado risco de exposição a ações de pirataria. A preocupação com a segurança marítima ditou a elaboração, pela IMO, de diretrizes para este setor de atividade (ver site IMO – Guidelines), todavia, mantendo-se 32 fiel à ideia de a segurança privada armada não dever ser havida como uma alternativa a outras medidas de proteção tais como: as Best Management Practices (BMP) contra as ações de pirataria no Oceano Indico, Mar Árabe, Mar Vermelho, Golfo de Áden e África Ocidental. Estas zonas, conforme as coordenadas da IMO, apresentam um índice de risco elevado à exposição de ações de pirataria (HRA). Portugal, pese embora ter sido, com a Lituânia, um dos últimos países da União Europeia (UE) a adotar legislação específica nesta matéria, acompanhou esta realidade. Nos elementos referentes à Proposta de Lei 175/XIII/4, conducente à Lei 54/2019, de 5 de agosto, publicada no Diário da República (DR) n.º 148/2019, Série I, que autorizou o Governo a legislar nesta matéria são indicados os vários motivos para a necessidade da criação de um acervo legal específico. Em sintonia com as preocupações e diretrizes da IMO pugnou-se pela responsabirevistademarinha.com lização do Estado português em matéria da segurança de pessoas e bens embarcados e pela promoção da competitividade do setor marítimo nacional. Neste particular atenderam-se, entre outras, às preocupações transmitidas pelo Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) relativas ao flagging out e consequente perda de receitas fiscais pela Região Autónoma da Madeira. A promoção da competitividade do setor marítimo nacional com recurso à criação de condições mais atrativas para o desenvolvimento dos registos nacionais de bandeira quando acoplados por mecanismos aptos à proteção dos navios foi uma das medidas adotadas para evitar o flagging out e estimular o flagging in. 2. INDICAÇÃO DO PRINCIPAL ACERVO LEGAL O regime jurídico da atividade da segurança privada armada a bordo de navios · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Direito Marítimo que arvorem bandeira portuguesa e que atravessem áreas de alto risco de pirataria encontra, na atualidade, a sua principal sede legal no Decreto-Lei (DL) n.º 159/2019, de 24 de outubro, publicado no DR n.º 205/2019, I Série. A sua interpretação pode revelar-se desafiante por convocar, aquando da respetiva aplicabilidade, vários diplomas com origem em diferentes fontes do Direito Internacional, União Europeia e nacional. Veja-se, neste particular, o artigo 3.º/1 com remissão para a noção de atos de pirataria constante no artigo 101.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CDUM) e o artigo 4.º/1 com remissão para: a) o regime regra da atividade da segurança privada e da organização dos serviços de autoproteção (LASP); b) suas regulamentações e c) para o regime das armas e munições. Ao exposto acrescem, ainda, as eventuais dificuldades resultantes da determinabilidade da aplicabilidade no tempo, principalmente, dos diplomas nacionais resultantes das sucessivas alterações nele introduzidas. O diploma das armas e munições, por exemplo, já foi objeto, até à presente data, de sete intervenções ou alterações. Importa, por isso, apresentar, para melhor percetibilidade, um elenco, ainda que não exaustivo, desta “complexa teia legislativa” com toda a sua rede de intervenientes dando-se início pelas fontes de Direito Internacional Público: – CDUM de 1982, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97; ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 67-A/97, (os artigos 101.º a 107º regem a pirataria). – Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, de 1974, (SOLAS) aprovada para ratificação pelo Decreto do Governo n.º 79/83, e objeto de sucessivas alterações. Portugal aderiu aos seus Protocolos de 1978 e de 1988, pelos Decretos do Governo n.º 78/83, de 14 de outubro e n.º 51/99, de 18 de novembro. A Convenção dispõe de um capítulo dedicado ao Código do International Ships and Ports Security (ISPS). – Convenção Internacional sobre normas de formação e certificação e de serviços de quartos marítimos (STCW) 1978, adotada pela IMO, aprovada para adesão pelo Decreto do Governo n.º 28/85. Nela se estabelece, entre outros, um conjunto mínimo de formação contínua STCW e a certificação dos marítimos. Fontes de Direito da União Europeia: – Regulamento CE n.º 725/2004, do Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, alterada por Decisão 2009/83/CE, da Comissão de 23 de janeiro de 2009, e pelo Regulamento CE n.º 219/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de março de 2009, relativa ao reforço da proteção dos navios e das instalações portuárias à luz da Convenção SOLAS e do Código ISPS. O DL n.º 226/2006, de 15 de novembro publicado no DR 220/2006, Série I, aprova as normas de enquadramento daquele Regulamento transpondo, ainda, a Diretiva 2005/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro, relativa ao reforço das seguranças nos portos. Fontes de direito nacional: – Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na última redação dada pela Lei n.º 50/2019, de 24 de julho, publicada no DR n.º 140/2019, Série I, aprova o regime jurídico das armas e suas munições. – Lei n.º 34/2013 de 16 de maio, na redação dada pela Lei n.º 46/2019, de 8 de julho publicada no DR n.º 128/2019, Série I, aprova a LASP (Regime do Exercício da Atividade de Segurança Privada). – Portarias n.º 272/2013, e 273/2013, ambas de 20 de agosto, na redação dada pela Portaria 293/2020, de 18 de dezembro, publicadas no DR n.º 59/2020, Série II, regulam as condições específicas da prestação dos serviços de segurança privada. – Portaria n.º 248/2020, de 20 de outubro, publicada no DR n.º 204/2020, Série I, estabelece o valor das taxas a cobrar pela aprovação do plano de segurança de transporte, pela prestação de serviços de escolta e certificação do registo de armas e munições embarcadas e desembarcadas. 3. O DOCUMENTO DE MONTREUX Num mundo global, em que 90% do comércio ocorre por transporte marítimo internacional, é imprescindível uma regula· revistademarinha.com mentação jurídica internacional da atividade da segurança privada, ainda em falta. Esta lacuna suscita delicadas questões, entre outras, em matéria de jurisdição. A mesma situação factual com potencialidade de apresentar “pontos de contacto” com a jurisdição de vários Estados, no caso, do Estado de bandeira, Estado portuário e Estado costeiro importavam ter regras definidas quanto à atribuição da jurisdição a exercer por cada um deles. Tal evitaria os conflitos positivos ou negativos de jurisdição com repercussões negativas para a segurança marítima e comércio internacional. Apontou-se para a necessidade da aplicabilidade do Documento de Montreux sobre Obrigações Legais Internacionais Pertinentes e Boas Práticas para os Estados relacionadas com as Operações de Empresas Militares e de Segurança Privada (EMSP) durante um Conflito armado ao contexto marítimo. O Documento de Montreux (DM) é um instrumento não vinculativo (soft law), resultante de uma iniciativa conjunta do Governo suíço e do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), elaborado na sequência dos massacres perpetrados contra civis ocorridos em 16 de setembro 2007, na Nisour Square, Bagdade, por pessoal de segurança privada da Empresa Militar Privada - Blackwater Security Consulting - de Erik Prince. Por apenas ter como referencial o conflito armado em terra houve a necessidade de adaptar o DM à atividade marítima. Neste contexto foi elaborado, pelo grupo de trabalho para as questões marítimas, no fórum de Montreux entretanto constituído em 2014, e sob a presidência do Governo suíço e do CICV, um documento referencial que estabelece importantes diretrizes interpretativas a serem aplicadas às EMSP em conflitos armados no mar e operações de segurança marítima – Elements for a Maritime Interpretation of the Montreux Document. Complementarmente ter-se-á, por isso, de atender às noções de conflitos armados internacionais (CAI) e conflitos armados não internacionais (CANI) postas pelos artigos 2.º (CAI), 3.º (CANI) comum às Convenções de Genebra de 1949, e artigo 1.º (CANI) do II Protocolo Anexo às referidas Convenções. E, ainda, o que se dispõe no Manual de São Remo adotado em 1994, que apesar da sua natureza não vinculativa contém disposições específicas para a conflitualidade no mar. * Doutoranda em Direito pela NOVA School of Law Investigadora do CEDIS e jurista [email protected] 33 85.O Ano A capacitação da Guarda Costeira de Cabo Verde por Fátima Monteiro* esde a independência, em 1975, os consecutivos governos de Cabo Verde têm procurado tirar partido da localização privilegiada do arquipélago, no cruzamento das principais rotas do Atlântico. Apesar disso, o país continua longe de atingir o seu pleno potencial marítimo e estratégico. Com uma economia débil e sujeita a fatores externos imprevisíveis, onde 100% dos hidrocarbonetos que consome são importados, em que quase 25% do PIB provem do turismo e uma percentagem significativa do mesmo depende de remessas da diáspora, Cabo Verde deverá ousar romper com alguns dos paradigmas estabelecidos e adotar estratégias que lhe permitam romper também de forma decisiva com o estado de incerteza relativamente à sua segurança alimentar e ao baixo padrão de vida da maioria da sua população. Acreditamos, como o defende o economista cabo-verdiano João Estevão, que isso só será possível com a nacionalização da economia cabo-verdiana, isto é, quando o país depender antes de mais da sua D 34 capacidade produtiva endógena e não da ajuda externa, ainda que esta venha na forma concessionária de cooperação para o desenvolvimento. Reconhecidamente, os principais recursos tangíveis para esse efeito estão no Mar e na posição estratégica do arquipélago, e os recursos intangíveis estão nos seus cérebros. Grande parte da riqueza que o mar de Cabo Verde encerra mantem-se inexplorada, devido à falta de capacidade de o país transferir para o setor produtivo o capital de conhecimento científico e técnico que os cabo-verdianos mais qualificados têm a oferecer, residam estes no país ou na diáspora. A criação da Zona Económica Especial Marítima de São Vicente foi uma decisão promissora, mas que de pouco servirá caso não seja capaz de absorver de forma exaustiva e criativa a massa crítica de conhecimento que existe, e não for capaz ainda de se projetar para fora das fronteiras nacionais e mesmo regionais, exportando para os quatro continentes do Atlântico serviços e produtos de elevado valor acrescentado. De entre estes revistademarinha.com destaquemos os produtos da pesca e a investigação haliêutica, robusta e convergente com os padrões de exigência da comunidade científica internacional, que em conjunto permitirão conhecer as potencialidades nesse domínio e corresponder à demanda dos mercados importadores. De igual modo, dificilmente os recursos do mar e a posição estratégica privilegiada de Cabo Verde poderão traduzir-se em maior riqueza para o país se a segurança e a sustentabilidade do seu Mar não forem devidamente salvaguardadas. Para um país oceânico cuja ZEE atinge os 734.265 Km2 – cerca de 182 vezes superior à sua superfície emersa –, que tem uma região de Busca e Salvamento (SAR) sob sua responsabilidade correspondente a 645.000 km2, e pretende estender a sua plataforma continental para cerca de 900.000 km2, a capacitação plena das suas forças de segurança e fiscalização marítima são condição sine qua non. A pesca ilegal, a poluição marinha e o tráfico de droga são realidades há muito inegáveis no espaço marítimo cabo-verdiano, · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Marinha de Guerra que poderão intensificar-se seriamente caso o Estado não disponha dos meios necessários para os prevenir e combater eficazmente. Embora ainda não afete diretamente o seu território, Cabo Verde está vinculado por compromissos regionais e internacionais ao combate à pirataria no Golfo da Guiné, especialmente através da recolha e partilha de intelligence e outra informação sensível. O Centro de Operações da zona G do Golfo da Guiné, instalado em 2016 no porto da Praia, decorre desses compromissos, assim como a participação da Guarda Costeira em missões conjuntas na região da CEDEAO e na PESCAO. Podendo considerar-se que a frota da Guarda Costeira é capaz de assegurar um patrulhamento de rotina nas águas arquipelágicas e missões de busca e salvamento na mesma área, a frota e os efetivos da GC são manifestamente insuficientes para garantir a proteção dos recursos existentes na ZEE e a inviolabilidade das fronteiras marítimas de Cabo Verde. Menos ainda serão capazes de sustentar qualquer ambição de Cabo Verde vir a afirmar-se como um parceiro relevante no contexto estratégico do Atlântico, funcionando como centro difusor de conhecimento e formação avançada em assuntos marítimos e marinhos na Bacia do Atlântico. O Plano Estratégico de Desenvolvimento da Guarda Costeira para 2017-2027 prevê o reforço da atual frota de 7 navios (o navio patrulha oceânico GUARDIÃO, quatro navios de patrulha costeira e duas lanchas rápidas), com a aquisição de mais dois navios patrulha oceânicos, seis lanchas de intervenção rápida, três navios de fiscalização costeira e seis lanchas semirrígidas. Para operacionalizar estes novos meios, está previsto ainda no PEDGC um investimento significativo na formação de recursos humanos, seja a nível de oficiais, seja de sargentos e praças. Em efetivos, a Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 Guarda Costeira integra atualmente pouco mais de duas centenas de militares, dos quais cerca de 1/4 são oficiais, estando previsto a formação de longa, média e curta duração proporcionalmente aos meios a adquirir. Trata-se de um plano ambicioso, cuja implementação depende da capacidade de o Estado cabo-verdiano gerar recursos financeiros na ordem dos milhões de euros nos próximos 5-6 anos. Com a diminuição drástica das suas já modestas receitas em consequência da pandemia COVID 19, resta ao Governo de Cabo Verde aproveitar todos os recursos disponíveis interna e externamente, em particular os recursos humanos cabo-verdianos altamente qualificados, quer se encontrem no país ou na diáspora, para um efeito multiplicador desses recursos e um efeito acelerador do desenvolvimento. A parceria especial existente entre Cabo Verde e a União Europeia permite a Cabo Verde beneficiar de financiamentos para capacity building, caso saiba valorizar convenientemente a sua relação de proximidade histórica e as suas afinidades es- · revistademarinha.com tratégicas com os demais arquipélagos da Macaronésia. Sob um ponto de vista bilateral, uma maioria de países europeus, incluindo o Reino Unido e vários países de Leste, são cada vez mais emissores de turismo para Cabo Verde. Os Estados Unidos da América, onde se estabeleceu a primeira e reside a maior comunidade cabo-verdiana da diáspora, continuarão a ser um parceiro estratégico privilegiado. Finalmente, África, mormente os países vizinhos da costa ocidental africana, são por força da história parceiros naturais de Cabo Verde, restando explorar as potencialidades das relações económicas e comerciais com eles. Cabo Verde obterá certamente resultados visíveis e duradouros da sua atuação em qualquer destas frentes, se envolver os seus cérebros no equacionar das estratégias e na transferência do conhecimento para o setor produtivo e para a sociedade at large. * Presidente do IEMAC [email protected] 35 85.O Ano A Conferencia Internacional IMDEC 21 por Pedro Rodeia Ribeiro* International Maritime Defence Exhibition and Conference (IMDEC 21) realizou a sua II edição, em Acra, no Gana, de 6 a 8 de julho de 2021. A IMDEC constitui já o maior encontro da indústria naval de África, com dirigentes regionais e internacionais de Forças Armadas, Guardas Costeiras e Autoridades Portuárias e Marítimas, onde foram abordadas as principais questões da segurança marítima em África. No âmbito deste encontro bienal realizou-se, em 6 de julho, uma visita à Base Aérea de Takoradi e à Base Naval de Sekondi, seguida de conferências e de exposições, nos dias 7 e 8 de julho. Este ano contou com uma maior participação das Forças Aéreas regionais para destacar a importância da sua cooperação. A delegação da Marinha Portuguesa, chefiada pelo Coordenador Geral da Unidade de Implementação do Camões, I.P., no Projeto Support to West Africa Integrated Maritime Security (SWAIMS), Comodoro Carlos Rodrigues Campos, em representação do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), foi acompanhado pelo Oficial de Ligação ao projeto em Abuja, CMG Pedro Rodeia Ribeiro, e pelos Oficiais do Estado-Maior da Armada, CFrag. Brazuna Ranhola e CTen.Pereira da Silva. No âmbito das atividades que se desenrolaram em simultâneo, em 6 de julho o Como. Campos e restantes chefes das Marinhas presentes, jantaram com o anfitrião, o CEMA do Gana, C/Alm. Issah Adam Yakubu. Em 7 de julho, após o primeiro dia de conferência, realizou-se um cocktail para confraternização onde todos os intervenientes puderam participar, conviver e trocar ideias. A Sessão de abertura foi presidida pelo Vice-presidente do Gana, Mahamadu Bawumia. Seguiram-se vários painéis temáticos e apresentações efetuadas pelos representantes das indústrias presentes. O Com. Rodrigues Campos, no painel da tarde, dedicado a intervenções de convidados especiais, efetuou uma apresentação onde explanou a participação e intervenção da Marinha Portuguesa nas Operações de Segurança Marítima no Golfo da Guiné (GdG) e a sua contribuição para a segurança em toda a costa Ocidental de África, relevando o facto de Portugal se assumir, desde há muito tempo, como parceiro-chave no esfor- A 36 Visita ao Estaleiro na Base Naval de Sekondi. ço global para um oceano mais seguro. Abordou a missão e atividades da Marinha Portuguesa quando opera no GdG, dedicando particular detalhe à “Iniciativa Mar Aberto”, no projeto da União Europeia (EU) das Presenças Marítimas Coordenadas (PMC), cuja experiência piloto ocorreu no primeiro trimestre de 2021, e na Missão de Capacitação da Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe através do NRP ZAIRE. No âmbito da Missão Mar Aberto, que Visita à Base Naval de Sekondi. revistademarinha.com ocorre normalmente duas vezes por ano, com o empenhamento de meios navais durante cerca de 3 meses, desenvolvem-se várias atividades de cooperação e treino militar combinado, bem como a participação nos mais diversos exercícios que ocorrem no GdG. Desenvolvem-se ainda outras atividades, como por exemplo o apoio na formação e treino especializados incluindo projetos científicos e trabalhos hidrográficos. Ao mesmo tempo, estando presente na área, efetua presença naval e controlo de atividades marítimas e participa no projeto da UE das PMC, contribuindo para a segurança marítima no GdG e para o fortalecimento dos laços de compreensão e confiança entre todas as entidades que interagem na região. A capacitação da Guarda Costeira (GC) de São Tomé e Príncipe através do NRP ZAIRE iniciou-se em 2018 com a colocação daquela unidade naval permanentemente em São Tomé. O navio apoia o desenvolvimento da GC local, conduzindo ações de treino e apoiando as autoridades locais, sendo operado por uma guarnição mista, da Marinha Portuguesa e da Guarda Costeira de S. Tomé (com 40% de elementos da GC), proporcionando em permanência treino on-job. O navio desempenha formalmente missões de patrulha, fiscalização e de busca e salvamento sob a autoridade de São Tomé e Príncipe. · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Marinha de Comércio Chefes de Estado-Maior e Chefes das Delegações presentes. O dia 8 de julho continuou com mais painéis temáticos e apresentações efetuadas pelos representantes das indústrias presentes. No primeiro painel da manhã, o Cte. Rodeia Ribeiro efetuou a apresentação do Projeto Operational Response and management of the Rule of Law at Sea, integrado no projeto SWAIMS da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), financiado pela UE. A componente nacional é suportada pelo Camões, I.P., pela Direção-Geral de Política de Defesa Nacional (DGPDN) e pela Marinha Portuguesa sendo a sua execução desenvolvida através da Unidade de Implementação do Camões (UIC), constituída por 5 militares da Marinha Portuguesa e liderada pelo Como. Rodrigues Campos. Com a duração prevista de 45 meses, este projeto tem como objetivo geral melhorar a segurança marítima no GdG e contribuir para a implementação da estratégia marítima integrada da CEDEAO. No projeto, foram estabelecidos dois objetivos específicos: reforçar os quadros institucionais de governação e de aplicação da lei e o sucesso na acu- Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 Apresentação do Cte. Rodeia Ribeiro. sação e punição de crimes marítimos (1); e reforçar as capacidades operacionais e de resposta no âmbito da aplicação da lei no mar (2). É no âmbito deste segundo objetivo específico que se desenvolve a componente de responsabilidade nacional, Operational response and management of the Rule of Law at Sea, que se propõe adquirir e distribuir 30 lanchas rápidas (rhibs), os respetivos kits com equipamento forense, providenciar a formação e treino das guarnições das rhibs (em Portugal e nos respetivos países) e terminará com um exercício final que se pretende que integre todos os 12 países costeiros da CEDEAO. Merece realce, no fim desta conferência a manifestação de vontade na constituição de uma Task Force regional e no estabelecimento de corredores de segurança para o tráfego marítimo no GdG. A Sessão de Encerramento foi presidida pelo Chief of Defense (CHOD) do Gana, V/Alm. Seth Amoana. Comodoro Rodrigues Campos, CEMA do Gana e C/Alm. Valentino Rinaldi (Marinha de Italia). · revistademarinha.com * Oficial da Armada [email protected] 37 85.O Ano Shipping: da Economia Global ao Interesse Nacional por Victor Gonçalves de Brito* O SHIPPING E A ECONOMIA GLOBAL O transporte marítimo(1), juntamente com os portos e os serviços marítimos constituem a estrutura base do shipping marítimo, que inclui ainda atividades comerciais, administrativas, logísticas, aduaneiras, jurídicas, etc. O shipping é, talvez, o sector mais representativo da globalização, quer como promotor quer como seu instrumento. A aceleração do crescimento das atividades de importação e exportação, pela via marítima, de matérias-primas e de produtos em diversas fases de acabamento, tem sido patente em anos mais recentes, com perspetivas de continuidade no horizonte temporal das previsões divulgadas pela OCDE e por outras organizações internacionais. Contudo, depois de um largo período onde apenas os ciclos económicos e a lei da oferta e da procura determinavam a evolução do shipping, a introdução dos conceitos de sus38 tentabilidade e a obrigatoriedade de se atender às consequências das alterações climáticas, levam a um acréscimo de dificuldades e incertezas que têm de ser tomadas em consideração e resolvidas a nível global. Segundo a UNCTAD(2), no início de 2021 estavam registados um total de 99.800 navios mercantes com arqueação bruta superior a 100(3) tons. Mais de 50% destes navios estavam registados nos 4 países(4) que lideram a lista de navios registados segundo o total da capacidade de carga, medida pelo porte. Os navios com maiores dimensões - navios graneleiros e navios-tanque, lideram a capacidade de carga global (71,2%) o mesmo acontecendo com o respetivo valor, embora com menor distanciamento dos restantes grupos de navios (figura ao lado). O crescimento médio anual da capacidade de carga global nos últimos 7 anos foi de 3,29%, sendo a menor de 2019 relativamente a 2018 (2,61%) e a maior de 2019 revistademarinha.com · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Marinha de Comércio para 2020 (4,1%). Por outro lado, a quantidade de navios ativos também cresce gradualmente; em 2015 estavam registados 89.464, e como já referido, em 2021, 99.800; o crescimento em 7 anos, foi de 11,5 %. Nos mesmos 7 anos, o crescimento da capacidade de carga foi mais significativo: 22%. A figura mostra a evolução do comércio marítimo internacional, em toneladas-milha, que duplicou num período de 20 anos. No mesmo período de 7 anos, a entrega anual de novos navios superou sistematicamente os desmantelamentos, sendo as correspondentes médias, respetivamente de 63.000 e 20.750 milhares de unidades de arqueação bruta (milhares de GT). Este facto é consistente com o aumento da capacidade de carga e do número dos navios. Verifica-se assim que a oferta de navios para transporte de cargas em contexto de importação e exportação e para outras categorias de transporte, tem crescido consistentemente para dar resposta à procura. O mesmo se verifica na capacidade portuária global. No caso particular da carga contentorizada o aumento é ainda mais saliente, sobretudo em valor da carga transportada, com o forte contributo do facto da China ter passado a ser o principal país exportador deste tipo de carga. Este crescimento generalizado, encontrou dificuldades devido ao desequilíbrio no fluxo do comércio entre a Ásia (nomeadamente a China) e a Europa e os Estados Unidos, levando a fusões operacionais de grandes operadores; as perturbações agravaram-se há meses com o arranque da recuperação resultante do alívio da pandemia, onde a retoma da procura, a falta de contentores e o congestionamento nos principais portos de destino das exportações, originaram uma situação de crise com o consequente aumento dos custos dos fretes associados aos aumentos de preço dos bens industriais e de consumo, nas cadeias de abastecimento. A figura da página seguinte mostra a evolução da carga transportada em milhões de TEU (a azul) e o crescimento anual (escala da direita em %); de notar a quebra em 2020 devido às restrições da pandemia. No shipping os portos são infraestruturas essenciais e a respetiva eficácia e eficiência são determinantes para a continuidade do movimento das cargas, seja no despacho para bordo seja no escoamento para os destinos de entrega, e para os custos do transporte. Os serviços marítimos e todas as restantes atividades que são necessá- rias para o bom desempenho do comércio marítimo e do movimento nos portos adaptam-se à procura, isto é, crescem se existir atividade e definham se não existir. Os países com frentes marítimas ou com rios e canais que permitam o acesso ao mar têm nítidas vantagens geográficas que poderão ser valorizadas com políticas públicas adequadas e com iniciativas bem-sucedidas da parte dos agentes económicos. O aproveitamento deste potencial beneficia a economia e gera emprego, elementos essenciais para a estabilidade e desenvolvimento social das populações. Trata-se do contributo da economia marítima para a Economia Nacional. Os países marítimos têm grandes oportunidades de beneficiar desse potencial, assim se predisponham. 39 85.O Ano OS REGISTOS, A PROPRIEDADE DOS NAVIOS E O INTERESSE NACIONAL Abordaremos de modo abreviado o Norwegian International Ship Register (NIS), estabelecido em 1987 e o Danish International Ship Register (DIS) estabelecido em 1988. São segundos registos que tiveram origem em preocupações sobre concorrência e tiveram como propósito criar uma alternativa nacional ao registo dos navios da marinha de comércio(5) no que na altura se apelidava de países de “bandeira de conveniência”. Em ambos os casos criaram incentivos, reduzindo encargos fiscais e taxas para a Segurança Social a suportar pelos armadores nacionais e pelos próprios tripulantes, assegurando em simultâneo o cumprimento das melhores práticas de competência, de segurança e da operação dos navios. Estes dois Registos também admitem navios de propriedade estrangeira, embora obrigando, no caso da Noruega, a que a operação decorra através de uma empresa de shipping norueguesa com uma definição pormenorizada do entendimento da “operação”. No caso da Dinamarca, o armador estrangeiro tem de ter atividade económica devidamente caracterizada no país e deve designar uma entidade natural da Dinamarca ou aí residente, como seu representante. De acordo com o relatório anual da UNCTAD de 2021 (nota de rodapé nº 2) o NIS está ordenado na 15ª posição da lista de Países de Bandeiras de Registo com 671 navios registados (22.093 milhares de tons de porte), sendo 188 de propriedade norueguesa; o DIS está ordenado na 13ª posição com 602 navios registados (24.735 milhares de tons de porte), dos 40 quais 289 são de propriedade dinamarquesa. Curiosamente o Registo Internacional da Madeira (MAR) figura na 14ª posição com 578 navios registados, com um total de 22.726 milhares de tons de porte. Esta posição do MAR foi muito publicitada nacionalmente quando o relatório foi publicado, até porque revelava uma significativa melhoria de posição, na medida em que o Registo MAR apenas entrou para a lista dos 35 países com maior número de registos de navios, em 2016 (28º) e foi subindo gradualmente até à melhor posição, conseguida no corrente ano. O Registo MAR contém a generalidade das vantagens para os armadores e tripulações que se observam nos citados países nórdicos, contudo para os navios estrangeiros não obriga a que os seus armadores tenham de ter capacidade técnica ou de gestão dos navios, residente em Portugal. Cita-se … o MAR permite igualmente que os navios registados na Madeira sejam detidos e geridos por sociedades estrangeiras, não sendo obrigatória a constituição de uma sociedade no CINM(6) para proceder ao registo de um navio. Neste caso, no entanto, será necessário proceder à nomeação de um representante legal na Madeira dotado de poderes legais suficientes. Resta saber qual a vantagem que Portugal retira deste Registo no que se refere aos armadores estrangeiros, para além dos benefícios diretos de índole administrativa, para a Região Autónoma da Madeira/CINM. A este propósito transcreve-se parte do preâmbulo do Decreto Lei º 96/89 de 28 de Março, que criou o Registo MAR, onde se verifica que as perspetivas iniciais não foram conseguidas até agora, no que concerne à revitalização da Marinha de revistademarinha.com Comércio Nacional … este registo, para além de vir a funcionar como elemento de dinamização da marinha de comércio nacional e fator de estancagem da passagem de navios portugueses para bandeira de conveniência, será também um importante fator de dinamização económica da Região Autónoma da Madeira e do País, quer criando emprego neste sector, em que os Portugueses têm historicamente revelado aptidões especiais, quer permitindo o crescimento de atividades direta e indiretamente relacionadas com o MAR, tanto no campo económico como da educação e da investigação. Aparentemente, o maior envolvimento dos armadores estrangeiros no sector marítimo nacional não seria despropositado e poderia ser uma via para incrementar a atividade da Marinha de Comércio Nacional e para originar mais atividade para as empresas de gestão de navios e emprego para os marítimos nacionais. Por outro lado, sendo verdade que cabe aos agentes económicos decidir as suas áreas de interesse e sabendo que não será por decreto que se promoverá a revitalização da Marinha de Comércio, razões de prudência e de autonomia nacional poderiam levar ao estabelecimento de uma frota mercante estratégica para ocorrer a situações de crise, de que não estamos eximidos, quanto ao abastecimento de matérias-primas e de bens produzidos. Em situações normais esses navios poderiam ser disponibilizados para afretamento no mercado global ou poderiam integrar as frotas de armadores nacionais. Finalmente, é pela via da propriedade dos navios que se mede a robustez das frotas nacionais e o peso do shipping na riqueza das nações e não pelos parâmetros de registo das frotas. Estes últimos podem ter interesse nas decisões de IMO, mas no caso nacional o mandato é de, apenas, 1%. * [email protected] NOTAS: (1) Na gíria marítima apenas se usa o termo shipping, embora este tenha um significado mais geral de “transporte de bens” por qualquer meio. (2) Revue of Maritime Transport 2021 rmt2021_en_0 (3) Estima-se que na Marinha de Comércio mundial existam cerca de 54.000 navios ativos com arqueação bruta superior a 1.000 tons. (4) Panamá, Libéria, Ilhas Marshall e Hong Kong. (5) No caso da Noruega, são igualmente admitidos navios e plataformas flutuantes ligados à atividade de prospeção e produção de hidrocarbonetos, offshore. (6) CINM – Centro Internacional de Negócios da Madeira. · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha 85.O Ano O Emprego de um Novo Conceito de Docagem por Bruno Assis de Lima* O navio de treino GAGAH SAMUDERA da Marinha Real da Malásia. RESUMO INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma nova possibilidade por meio de um novo conceito de lançamento e docagem, que consiste em utilizar roletes infláveis denominados de AirBags, tal conceito vem se expandindo mundialmente devido a sua dinamicidade e aos custos agregados à implementação deste método. Além da utilização deste sistema na indústria naval tanto para construção como para reparo de diversos tipos de meios flutuantes. Por se tratar de um conceito teoricamente simples em comparado com outros métodos de lançamento e docagem, a aplicação deste sistema representa uma opção viável em termos econômicos frente a outras formas utilizadas. O que pode possibilitar a diversos estaleiros e bases navais, que não contam com capacidade ou infraestrutura adequada, desenvolver novas metodologias de manutenção e reparo de suas respectivas frotas permitindo uma análise profunda deste recurso e futuras avaliações deste conceito de docagem. A necessidade de manutenção dos navios requer a parada do meio de modo a realizar o processo de docagem, que consiste na retirada do meio de um ambiente de flutuabilidade para um ambiente seco. Desta maneira é possível realizar os serviços preconizados no período de manutenção geral do navio ou de qualquer meio flutuante, principalmente no que tange a área referente as obras vivas da embarcação. Atualmente existem metodologias e conceitos distintos para docagem e lançamento de navios, como por exemplo dique seco, dique flutuante, ShipLift (Sistema de elevador), e carreira longitudinal ou transversal. Embora todos estes exemplos citados sejam de comprovada eficácia, os elevados custos de implementação e manutenção requerem um estudo logístico para sua real viabilidade econômica. Em função da necessidade de manutenção e aos custos implícitos no serviço de docagem, alguns estaleiros asiáticos, iniciaram a utilização de roletes infláveis denominados de AirBags para realizarem os serviços de docagem e lançamento de suas embarcações no início 42 revistademarinha.com dos anos 80 do século passado. Este sistema baseia-se em método mais rústico no qual eram utilizados troncos de árvores para lançamento de embarcações medievais, sendo utilizados até ao período das grandes navegações, tais métodos foram substituídos no período da revolução industrial por dique seco e carreiras de lançamento com utilização de sistema de trilhos. Este tipo de lançamento apresenta algumas vantagens dentre elas o fato de exigir um nível mais simples referente a investimento em infraestrutura, basicamente no que tange a custos permanentes. Os AirBags fornecem suporte para o casco do navio, e o movimento de rolamento dos AirBags leva o lançamento do navio para a água, assim como a retirada da água para a docagem do meio, apresentando-se como a opção mais econômica em comparação com outros conceitos utilizados atualmente, como o lançamento em carreira transversal por exemplo. Ao contrário da maior parte dos outros métodos de lançamento, que contam com estruturas fixas, o lançamento ou recolhimento com utilização de AirBags apresenta um menor número de limitações, podendo · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Construção & Reparação Naval ser utilizado de maneiras versáteis. Superando a desvantagem de locais que contam com estrutura fixa, o que muitas vezes torna a capacidade de construção ou reparo limitada em virtude de não haver espaço físico em carreira ou dique por exemplo, tal impacto afeta especialmente estaleiros de pequeno e médio porte. AIRBAGS Os AirBags de lançamento e recolhimento de embarcações marítimas são roletes infláveis dimensionados para utilização em terrenos com as mais diversas características. Estes AirBags são confeccionados de camadas reforçadas de cordão de pneu sintético e camadas de borracha também denominados de AirBags marítimos. Este sistema encontra-se disponível no mercado desde cerca de 40 anos, onde vem se expandindo cada vez mais, e sendo incorporados por muitos estaleiros, tanto de novas construções como de reparo. Ao longo dos anos, e com o desenvolvimento deste sistema, novas tecnologias vêm sendo aplicadas na produção dos AirBags, o que vem permitindo que se tenha maior capacidade de sustentação. Proporcionando a utilização deste método em lançamento de embarcações de maior porte, em junho de 2012 registrou-se o lançamento do navio HE MING (nº IMO 9657105), com um DWT de 73.541 tons, lançado com sucesso por este sistema. com comprimento de 76,5 m e 1.270 tons de deslocamento. a partir de 0,8 m, 1,0 m, 1,2 m, 1,5m, 1,8m, etc. O comprimento de um AirBag é especificado pelo cliente quando é fabricado. ESTRUTURA DOS AIRBAGS Modelos Os AirBags são normalmente divididos em três ou seis camadas de reforço do cordão do cilindro. Podendo haver mais camadas, embora normalmente haja menos de dez. A capacidade de carga do AirBag pode ser dimensionada de acordo com a necessidade de elevação de carga. A capacidade máxima de carga de um AirBag, que é a carga máxima sob a qual ele não sofrerá deformações ou danos permanentes, pode ser encontrada conforme disposto em norma ISO 17682 ou pelo manual do fabricante. De acordo com a ISSO 14409 os roletes infláveis AirBags marítimos consistem basicamente em três partes: 1. Corpo dos AirBags: O corpo cilíndrico principal do AirBag depois de ser totalmente inflado com ar comprimido proporciona a sustentação da embarcação; 2. Conexões dos AirBags: São peças cônicas que se conectam ao corpo cilíndrico do AirBag; e 3. Válvulas dos AirBags: São vávulas de metal montadas em ambas as extremidades do AirBag para inflar com ar, com uma válvula composta por manômetro em uma extremidade e um terminal de metal na outra extremidade para transporte do AirBag. CARACTERÍSTICAS DOS AIRBAGS Os AirBags apresentam tipos e modelos diversos, os quais variam de acordo com diâmetros distintos que incluem as medidas Material dos Airbags Os AirBags de lançamento são confeccionados com camadas de corda de pneu sintético, conforme mencionado anteriormente, além de camadas de borracha internas e externas eventualmente, adicionadas para trabalho em locais com maior dificuldade de acesso, todos os materiais utilizados são vulcanizados. APLICAÇÃO EM NAVIOS MILITARES Atualmente este sistema vem sendo cada vez mais implementado em marinhas de guerra ao redor do mundo. Em face ao “novo” conceito de docagem que permite maior agilidade para manter a rotina de manutenção planejada dos meios navais, além do baixo custo atrelado ao processo em comparação aos demais, vem se expandindo ainda entre os meios militares. As marinhas do sudeste asiático já implementam em seus meios este sistema para lançamento e docagem. A Marinha da Indonésia lançou em agosto de 2012 uma nova classe KRI KLEWANG de trimarã utilizando o sistema de AirBags, estas embarcações possuem as seguintes características; comprimento total de 63 m e deslocamento de 230 tons. Em 2011 registrou-se a docagem de um submarino museu Chinês Classe-A Type-33 com 76,6 m de comprimento e 1.300 tons de deslocamento. Mais recentemente em fevereiro de 2013 é lançado pela Marinha Real da Malásia o navio de treinamento GAGAH SAMUDERA Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 Docagem de Submarino Museu Chinês Class A Type 33. · revistademarinha.com 43 85.O Ano momento do lançamento, o diâmetro dos AirBags e os requisitos de segurança. Lançamento de Trimarã classe KRI KLEWANG (Marinha da Indonésia). ARRANJO DE REBOQUE Testes dos Airbags Antes da utilização dos AirBags, são requeridos a execução de testes de estanqueidade. O que consiste no enchimento do AirBag sem nenhuma carga de modo que o mesmo atinja a pressão interna alcançando a pressão nominal de trabalho. Depois de 1 hora, a perda de pressão deve ser inferior a 5% da pressão inicial. São realizados testes de estouro, estes testes consistem em encher o AirBag com agua até que o mesmo estoure. A pressão da água no momento do rompimento não deve ser inferior a três vezes a pressão nominal de trabalho. ARRANJO DOS AIRBAGS O arranjo da utilização dos AirBags varia de acordo com a forma da embarcação, podendo ser lançado de acordo com a configuração proposta, longitudinal ou transversal. Definindo a quantidade de airbags Os AirBags devem atender aos requisitos preconizados conforme a norma ISO 17682. De acordo com o deslocamento do navio a ser lançado, a quantidade de AirBags necessária para a operação de lançamento ou docagem deve ser calculada de acordo com formulação a seguir: Onde: N – é a quantidade de AirBags utilizada no lançamento do navio; K1 – é um coeficiente de carga, em geral, K1 ≥ 1,2; Q – é o deslocamento da embarcação [tons] g – aceleração da gravidade [m/s2], g = 9,8; Cb – é o coeficiente de bloco da embarcação; 44 R – é a capacidade de carga permitida dos AirBags [kN/m], olhar tabela 3 da norma ISO 14409; Ld – é o trecho de contato entre o fundo do navio e o corpo do AirBag a meio navio (m). RAMPA DE DOCAGEM E LANÇAMENTO Para a manobra de docagem e lançamento se faz necessário a utilização de terreno com inclinação e comprimento adequados de modo que o mesmo exerça a função de rampa para lançamento. Os requisitos devem ser definidos de acordo com as dimensões da embarcação e a condição hidrológica da água que a área proporciona, A capacidade de carga da rampa de lançamento deve ser de pelo menos duas vezes maior que a pressão de trabalho dos AirBags. Para navios com deslocamento superior a 3.000 tons e com comprimento maior que 120 m, a rampa de lançamento deve ser construída com concreto armado e a diferença de altura entre os bordos deve ser inferior a 20 mm, no caso de navios com deslocamento maior que 1.000 tons, e menor ou igual a 3.000 tons de deslocamento, com comprimento maior que 90 m, e menor ou igual a 120 m de comprimento, a rampa de lançamento deve ser construída com concreto de cimento e a diferença de altura entre os dois bordos direito e esquerdo devem ser menores que 50 mm. Para navios com deslocamento não superior a 1.000 tons ou comprimento inferior a 90 m, a rampa de lançamento pode ter um declive de terra e deve ser compactada por rolos. A diferença de altura entre os bordos deve ser inferior a 80 mm. A rampa de lançamento principal deve permitir que o navio deslize automaticamente quando este for lançado, devendo correr por gravidade. A rampa auxiliar deve ser determinada de acordo com o tipo de navio, o nível da água no revistademarinha.com A manobra de reboque requer alguns sistemas para retirada do navio da água de modo a docar o casco no seco. Um guincho ou sarilho deve ser utilizado para controlar o movimento de retirada do navio, o sistema de reboque deve compreender um molinete, dotado de cabo de aço e conjunto de polia, devendo ser fixado de acordo com todos os requisitos de segurança preconizados para a manobra, devendo ser fixados a proa da embarcação ou acoplados a máquina de suspender da mesma, o que for mais seguro. De maneira geral são necessários a seleção de no mínimo um sistema de guincho ou sarilho, compressores e gerador para manobra tanto de docagem quanto de lançamento. A velocidade de operação do molinete deve estar compreendida entre 9 m/min a 13 m/min. As cargas de operação para dimensionamento do molinete e cabo de aço devem ser calculadas e inspecionadas cuidadosamente para que não haja risco na operação. LIMITAÇÕES E VULNERABILIDADES Como apresentado ao longo deste trabalho, o campo de atuação para docagem e lançamento de navios trata-se de uma demanda muito vasta, visto que a dinâmica de manobra proporcionada pelos AirBags permite que a movimentação seja realizada em uma gama de diversidade de solo. Entretanto o sistema também apresenta limitações, como a capacidade de carga, e embarcações com determinadas peculiaridades do casco, como por exemplo meios que guarnecem domo do sonar dentre outros exemplos. Outro fator limitante trata-se da possibilidade de surgimento de furos ou rasgos nos AirBags. As vulnerabilidades apresentadas por este sistema também se adicionam a fatores como condições ambientais para realização da manobra. VANTAGENS E FACILIDADES A utilização do sistema de AirBags representa uma inovação no conceito de lançamento e docagem de embarcações, permitindo ampliar novos horizontes no que tange a construção e reparo. Em comparado aos sistemas tradicionais de lançamento e docagem, a facilidade de · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Construção & Reparação Naval se utilizar um terreno com saída para o mar ou para um rio, permite a utilização deste para manutenção e até mesmo a construção de uma embarcação, de acordo com as características da saída para a agua. Este sistema não necessita de grandes adequações da área, tendo basicamente como premissa a construção de uma rampa longitudinal, atendendo aos padrões como inclinação e capacidade de acordo com o deslocamento do porte da embarcação com que se pretende trabalhar. Além de requerer menor investimento de implementação em comparado aos demais sistemas, o custo de manutenção apresenta-se de forma atraente, haja vista a não necessidade de manutenção de trilhos e carrinhos de encalhe, no caso de carreira longitudinal, e de reparo em bombas e manutenção de redes, além da porta batel no caso de dique seco. CONCLUSÃO A implementação do sistema de lançamento e docagem por AirBags vem se proliferando ao longo dos anos, conforme a crescente demanda de construção e reparo de embarcações ao redor do planeta, muitos estaleiros encontram-se migrando para este sistema devido a sua praticidade e viabilidade econômica quando comparado aos métodos mais tradicionais. Trata-se de uma manifestação disruptiva, iniciando uma nova tendência da indústria naval, o que vem abrindo portas para a revitalização e abertura de novos estaleiros inclusive. Os Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 próximos desafios vão girar em torno de uma legislação e regras por parte de sociedades classificadoras, referente ao uso dos AirBags, o que irá requerer a atualização junto aos órgãos regulamentadores e demais órgãos vinculados. Ademais a docagem por AirBags já se trata de uma realidade na indústria naval mundialmente falando, sendo aplicada inclusive em embarcações de grandes frotas comerciais e forças navais ao longo do mundo. * Cap.Ten engº naval (Marinha do Brasil) [email protected] NOTAS: (1) IACS: International Association of Classification Societies. (2) IMO: Assembly Resolution A.1104(29). (3) ISO: International Organization for Standardization. (4) NORMAM: Normas da Autoridade Marítima. (5) ENRG: Estação Naval do Rio Grande. REFERÊNCIAS: – Portal rasmi tentera laut diraja malaysian – https://online.fliphtml5.com/lrakl/ucme/#p=18 – Sunarso Sugeng, Mohammad Ridwan, Suharto, Samuel Febriary Khristyson. – Technical and Economic Analysis of Ship Launching with Slipway and Airbag KM. Sabuk Nusantara 72 in PT. Janata Marina Indah Shipyard Semarang. – http://ejournal.undip.ac.id/i dex.php/teknik – Tupper, E. (2013). Introduction to Naval Architecture. 7th ed. Oxford, UK: Butterworth-Heinemann. – Xiao, Q., Zhou, W., & Zhu, R. (2020). Effects of wave-field nonlinearity on motions of ship advancing in irregular waves using HOS method. Ocean Engineering, 199, 106947. https://doi. · revistademarinha.com org/10.1016/j.oceaneng.2020.106947 – Yamagami, T., Iijima, I., Izutsu, N., Kawasaki, T., Matsuzaka, Y., Namiki, M., Saito, Y., Seo, M., Toriumi, M., Tanaka, S., & Matsushima, K. (2006). Launching of a 500,000 cubic meter balloon with the semi-dynamic launching method. Advances in Space Research, 37(11), 2033–2037. https:// doi.org/10.1016/j.asr.2006.01.011 – Ye, Z. (1994). Dynamics of ships side launching. Computers & Structures, 53(4), 861–865. https://doi.org/10.1016/0045-7949(94)90374-3 – Yu, L., Li, Y., Xia, L., Ding, J., & Yang, Q. (2015). Research on mechanics of ship-launching airbags I—Material constitutive relations by numerical and experimental approaches. Applied Ocean Research, 52, 222–233. https://doi. org/10.1016/j.apor.2015.06.008 – Dek, C., Overkamp, J.-L., Toeter, A., Hoppenbrouwer, T., Slimmens, J., van Zijl, J., Areso Rossi, P., Machado, R., Hereijgers, S., Kilic, V., & Naeije, M. (2020). A recovery system for the key components of the first stage of a heavy launch vehicle. Aerospace Science and Technology, 100, 105778. https://doi.org/10.1016/j. ast.2020.105778 – Fitriadhy, A., & Malek, A. M. A. (2017). Computational fluid dynamics analysis of a ship’s side launching in restricted waters. Journal of Mechanical Engineering and Sciences, 11, 2993–3003. https://doi.org/10.15282/ jmes.11.4.2017.3.0269 – He, H., Chen, Z., He, C., Ni, L., & Chen, G. (2015). A hierarchical updating method for finite element model of airbag buffer system under landing impact. Chinese Journal of Aeronautics, 28(6), 1629–1639. – https://doi.org/10.1016/j.cja.2015.10.010 – Mann, B. Q., Maggs, J. Q., Khumalo, M. C., Khumalo, D., Parak, O., Wood, J., & Bachoo, S. (2015). The KwaZulu-Natal Boat Launch Site Monitoring System: A novel approach for improved management of small vessels in the coastal zone. Ocean & Coastal Management, 104, 57–64. – https://doi.org/10.1016/j.ocecoaman.2014.12. 003 45 85.O Ano O Bloqueio do Porto da Beira por João Nuno Ferreira Barbosa* m dos episódios mais relevantes, no âmbito da Marinha, que ocorreu durante a Guerra Colonial foi a Guerra da Beira. Foi assim que ficou conhecida na gíria naval esta campanha motivada pelo embargo ao abastecimento de petróleo à Rodésia do Sul, hoje Zimbabué, que, tendo durado nove anos, teve um impacto muito forte no dispositivo naval ultramarino pelo elevado número de homens e navios que envolveu. Hoje poucos se recordam deste longo episódio e, mesmo durante o seu desenrolar, poucos tinham consciência do que se estava a passar. Em 11 de novembro de 1965 a minoria branca da Rodésia do Sul declarou unilateralmente a independência daquela colónia britânica, o que levou o governo do Reino Unido a promover um embargo ao abastecimento de petróleo na tentativa de paralisar a economia e fazer cair o autoproclamado governo. As Nações Unidas aprovaram, para o efeito, a Resolução nº 217 em 20 de novembro do mesmo ano. Sendo que o abastecimento de combustível era essencialmente efetuado por pipeline a partir do porto da Beira, em Moçambique, o embargo implicava impedir o acesso de navios petroleiros àquele porto. Havendo notícia de que se dirigiam à Beira navios com o produto destinado à Rodésia, o embargo foi posto em prática a 1 de março de 1966 com a participação de duas fragatas, um navio auxiliar, o porta-aviões ARK ROYAL (até 25 de maio) e um avião de reconhecimento baseado U em Madagascar. Iria durar até 1975. A tarefa dos ingleses era identificar todos os navios que se dirigissem à Beira, fora das nossas águas territoriais, e impedi-los de entrar, no caso de transportarem petróleo que, do terminal de pipeline daquele porto seguiria para Umtali, na Rodésia. Estes factos levaram as autoridades portuguesas a tomar medidas no sentido de impedir a violação das nossas águas territoriais pelos navios ingleses e afirmar a nossa soberania. Para tal, destacaram para Moçambique fragatas antes destinadas a outros teatros de operações, de modo a garantir o reforço do dispositivo. Na Beira passou a haver um navio em patrulha e outro em descanso no porto, revezando-se a cada quinze dias. O dispositivo naval de Moçambique, no que a fragatas diz respeito, ficou com três navios em permanência, sendo que o terceiro ia para o Norte três meses, rodando depois com os da Beira. Este esquema iria durar nove anos. No início houve alguma excitação de parte a parte, desde logo provocada pelo caso de um navio-tanque grego, o JOANNA V, que furou o bloqueio e foi fundear no interior do porto da Beira. De facto, o navio foi intercetado pela fragata inglesa PLYMOUTH a 4 de maio de 1966, mas, surpreendentemente, deixado seguir a pretexto de que iria simplesmente à Beira para reabastecer. A Inglaterra pretendia arrestar o navio caso este descarregasse; do lado português chegou-se a temer um desembarque inglês na costa, tendo-se tomado medidas defensivas no aeroporto e praias da Beira, chamando, para o efeito, tropas de outras partes de Moçambique. Conta-se que no meio da azáfama dos preparativos aterrou um helicóptero inglês no aeroporto para evacuar um marinheiro doente … depois tudo normalizou e entrou numa rotina, até que em dezembro de 1967 houve outro incidente entre o navio francês ARTOIS e a fragata britânica MINERVA. O navio francês não respeitou a ordem de parar e a fragata inglesa fez-lhe fogo para a proa, sem o demover de seguir a sua rota. Este incidente levou a um endurecimento das regras de empenhamento amplamente divulgado e coberto pelas Nações Unidas. As relações entre os navios portugueses e os navios ingleses, que todos os dias se cumprimentavam e trocavam palavras de circunstância, foram sempre cordiais, iniA fragata NRP VASCO DA GAMA (ex-HMS MOUNTS BAY) 46 História Marítima cialmente incentivadas pelo Campeonato do Mundo de Futebol de 1966, tornaram-se demasiado cordiais para o gosto do Comando Naval de Moçambique, que mandou refrear as iniciativas dos Comandantes dos navios. E assim, com máquinas avante devagar ou fundeado junto aos pilotos se viram passar os dias, os meses e os anos. Mantinha-se escuta rádio na onda de reporting inglesa, o que permitiu, depois de muito escutar e correlacionar as posições onde apareciam navios mercantes, descobrir a grade que eles usavam, que tinha a origem no farol do Macuti. Daí para a frente ficámos com o panorama de superfície fornecido por eles … Esta operação era extremamente impopular, quer no lado britânico, quer no lado português, pois era sabido que o petróleo continuava a fluir via África do Sul e, por via-férrea, a partir de Lourenço Marques. Com um racionamento em vigor na Rodésia, o abastecimento supria as necessidades. Neste processo a Zâmbia também foi prejudicada porque só recebia combustíveis através da Rodésia. O seu abastecimento foi reduzido, chegando a ter combustível para pouco mais de uma semana. Apesar disto, o Reino Unido não podia terminar o embargo, pois fora ele que o pedira. Só em 1971, quando o governo de Edward Heath decidiu retirar as forças militares a Este do Suez, a patrulha da Beira foi reduzida a uma fragata. Posteriormente foram empregues os navios britânicos em trânsito para o Oriente, até que terminou no dia da independência de Moçambique. O pipeline pertencia à Companhia do Pipeline Moçambique-Rodésia cujo principal acionista era a britânica Lonrho. Tinha 300 km de extensão e transportava petróleo bruto para a refinaria de Feruka, perto de Umtali. Os refinados eram distribuídos na Rodésia pelos acionistas da refinaria, a saber, Shell, BP, Mobil, Caltex e Total. Por aqui se vê os interesses que estavam em jogo e como a eficácia do embargo não interessava a ninguém Do lado britânico participaram nesta operação quase todas as fragatas do inventário, algumas várias vezes, assim como do lado português. Deste lado estiveram na Beira os seguintes navios: BARTOLOMEU DIAS (F 471), DIOGO GOMES (F 331), ÁLVARES CABRAL (F 336), PACHECO PEREIRA (F 337), VASCO DA GAMA (F 478), D. FRANCISCO D’ALMEIDA (F 479), COMANDANTE JOÃO BELO (F 480), COMANDANTE HERMENIGILDO CAPÊLO (F 481), JOÃO COUTINHO (F 475), JACINTO CÂNDIDO (F 476), GENERAL PEREIRA D’EÇA (F 477). Foi, como parece evidente, um esforço muito grande que hoje em dia seria impensável. Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 O petroleiro grego JOANNA V e o HMS PLYMOUTH. Anos mais tarde, deambulava eu pela arcada do Naval Museum, em Portsmouth, reparei que, numa das montras, se encontrava, sozinho, um vulgar balde todo sarapintado e amolgado, destoando de tudo o que por ali havia. Aproximando-me, curioso, para investigar de perto, leio num letreiro: the Beira bucket. Explicava a legenda ser um balde que, durante os longos anos que durou o embargo à Rodésia e o bloqueio ao porto da Beira pela Marinha Inglesa, passava de navio em navio, sempre que havia uma rendição. De facto, o pobre do balde de zinco estava cheio de datas e nomes de navios e muitas outras inscrições, mais ou menos humorísticas, ao gosto britânico. O visitante incauto, ficaria por certo um tanto ou quanto perplexo perante aquela montra, mas eu, que tantas horas de quarto fizera naquelas paragens, captei de imediato todo o significado da presença ali daquele balde. Só aqueles que, anos a fio, lavraram aquele campo, como se dizia, entre os rios Macuti e Savane, saberão apreciar devidamente o que aquele balde representa de esforço, de aborrecimento, de frustração, tanto para nós, portugueses, como para os ingleses; navegámos ambos, para cima e para baixo, sem um fim nem um propósito e sabendo muito bem que o petróleo entrava por outro lado. Se para nós era duro, não tenho dúvidas de que para eles o era muito mais. Pude-o confirmar mais tarde quando, por motivos profissionais, me foi dado encontrar inúmeros elementos das guarnições desses navios. As patrulhas deles eram, em regra, de um mês, mas muitos casos houve em que a duração foi superior. Inicialmente descansavam em Mombaça ou · revistademarinha.com Áden; depois de isso acabar aproveitavam navios que iam ou vinham de longa comissão no Oriente, para fazerem, de passagem, um complemento de um ou dois meses ao largo da Beira. Guerra curiosa aquela, em que os dois inimigos, durante anos, se cumprimentavam cordialmente pela manhã, trocavam uns piropos e, por vezes, até se faziam uns favores quando surgia alguma dificuldade. Foi aí que, pela primeira vez, me foi dado observar um sail past, brincadeira da praxe que acontece quando um navio é destacado de uma força. A nossa Marinha só se viria a familiarizar com isto, anos mais tarde, quando os primeiros navios começaram a ir à STANAVFORLANT. Um espetáculo algo bizarro para quem, como nós, não estava habituado a grandes manifestações e que, para além das festas da passagem da linha e de umas sessões de fado, não era dado a folclores. Era, pois, durante esta festa, que o testemunho, ou seja, o balde, passava para o navio seguinte, com umas inscrições adicionais e mais algumas amolgadelas. E assim foi, ano após ano, de navio em navio, até que o último o levou para Inglaterra, onde alguém achou que este episódio da história naval devia ser recordado através do testemunho de um velho balde que figura agora no museu de Portsmouth. Hoje a Guerra da Beira não é mais do que uma recordação, uma nota de rodapé na História, que apesar de não ter provocado danos pessoais ou materiais, foi muito desgastante e implicou um grande esforço militar como arma política. * V/Almirante, ref [email protected] 47 85.O Ano Iº Simpósio Marítimo da Zopacas por Valentim Alberto António* Vista da Cidade do Mindelo, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde. o dia 27 de outubro de 2021, a Marinha do Brasil tomou a iniciativa de promover o 1º Simpósio Marítimo da ZOPACAS, visto como um importante evento que serviu para a revitalização desta importante organização regional na busca do seu fortalecimento como um mecanismo de promoção da paz, prosperidade, segurança e estabilidade no Atlântico Sul. Na abertura do evento tomou a palavra o Comandante da Marinha e o representante do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e contou com conceituados palestrantes da África do Sul, Angola, Argentina, Namíbia e Nigéria, divididos em três Painéis que trataram dos seguintes assuntos: “Ameaças à Estabilidade Regional”, “Economia Azul” e “Cooperação Regional”. O Simpósio decorreu na modalidade virtual e participaram, representantes dos demais países da ZOPACAS (África do Sul, Angola, Argentina, Benim, Cabo Verde, Camarões, Congo, Costa do Marfim, Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Namíbia, Nigéria, República Democrática do Congo, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Togo e Uruguai), Ministros de Estado, Comandantes das Marinhas, Diplomatas, Oficiais Generais e Académicos. A ZOPACAS (Zona de Paz e Coopera- N 48 ção do Atlântico Sul) foi estabelecida a 27 de outubro de 1986, através da resolução 41/11 da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), a partir de uma proposta do então Presidente do Brasil, Dr. José Sarney de Araújo Costa. Aproveitando as potencialidades da Zona foi colocado como objetivo na época, promover a cooperação regional para o progresso económico e social, a paz e a segurança, a criação de um espaço estratégico para a integração e cooperação regional, mas centrado essencialmente na vertente da segurança marítima e da cooperação para o desenvolvimento sustentável. A ZOPACAS possui uma significativa importância, pelo desenvolvimento económico e social da bacia do Atlântico Sul e pela descoberta de enormes reservas minerais, petrolíferas e de gás natural assim como pelos abundantes recursos de biodiversidade no mar e na costa. A bacia do Atlântico Sul passa a ser uma área de interesse estratégico para os estados ribeirinhos, o que os leva a associarem-se em Organizações regionais, para colmatarem as suas necessidades de segurança e defesa. A ZOPACAS é o principal mecanismo para tratar de temas relativos à sustentabilidade e à segurança no Atlântico Sul, pois revistademarinha.com reúne todos os países com litoral nesta região. Desde a sua criação foram realizadas sete Reuniões Ministeriais, para além de outras iniciativas: • Rio de Janeiro, Brasil (1988); • Abuja, Nigéria (1990); • Brasília, Brasil (1994); • Somerset West, Africa do Sul (1996); • Buenos Aires, Argentina (1998); • Luanda, Angola (2007); • Montevidéu, Uruguai (2013). A reunião que ocorreu em Montevidéu foi a primeira oportunidade em que estiveram presentes os Ministros da Defesa dos Estados Membros, enfatizando assim a importância dos segmentos de segurança e defesa. Com a aprovação da Resolução A/ RES/75/312, em 29 de julho de 2021, durante a 75ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, espera-se a retoma das Reuniões Ministeriais, uma vez que o conteúdo daquela resolução exorta os Estados Membros a retomarem tais reuniões e a apoiarem ativamente Cabo Verde na preparação da próxima reunião, num futuro próximo. A aprovação desta resolução marcou os 35 anos da ZOPACAS. * Vice-Almirante (Marinha de Angola) · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Marinha de Guerra Fleet Tactics – uma obra de referência por José Alfredo Montenegro* Naval Institute Press decidiu reeditar em 3ª edição a obra Fleet Tactics and Naval Operations, da autoria do Captain Wayne Hughes, Jr (ret) e do Rear Admiral Robert Girrier (ret), ambos da US Navy. Em boa hora o fez. Esta é talvez a obra mais marcante e referenciada sobre tática e operações navais desde o lançamento da 1ª edição em 1986. Impunha-se uma atualização à luz dos impressionantes desenvolvimentos tecnológicos entretanto ocorridos e que têm transformado profundamente o poder naval. Contrariamente ao que se poderia esperar, os princípios basilares da guerra no mar ao nível tático mantêm-se praticamente intocáveis. O mar tem sido palco para a confrontação entre povos e nações desde há mais de 2.500 anos, tomando apenas por referência a batalha de Salamina entre gregos e persas (480 A. C.). Desde os tempos das táticas de abalroamento e abordagem ao emprego de veículos robotizados, dos navios de linha em madeira aos porta-aviões, dos submersíveis às minas inteligentes, da propulsão por remos até à nuclear, das comunicações visuais aos satélites, dos canhões de carregar pela boca às munições guiadas, a que se junta o alargamento da conflitualidade aos domínios do espaço e do ciberespaço, complexificaram-se sobremaneira a estratégia político-militar e as operações e a tática naval. Permanece, porém, o objetivo primeiro da guerra naval, o “comando do mar” e a sua negação aos opositores através da aplicação do poder naval no mar e a partir dele, e a influenciar a evolução dos acontecimentos no mar e em terra. Já o Duque de Wellington tinha reconhecido que na Guerra Peninsular foi a superioridade naval que O lhe conferiu o poder para sustentar o seu Exército, ao mesmo tempo que impediu o inimigo de fazer o mesmo. Se a estratégia estabelece os objetivos a atingir, o modo de os alcançar e os recursos para tal necessários, a tática naval é o nível no qual as forças e unidades navais confrontam o oponente numa dada área de operações, ou, como hoje é entendido, agem para produzir efeitos que contribuam para o sucesso das operações. Em suma, nos níveis superiores planeia-se, no nível tático faz-se. É este o nível em que os autores se focam, recorrendo ao estudo de um vasto conjunto de batalhas navais, começando pela extraordinária vitória de Aboukir, em 1798, de Lord Nelson sobre a esquadra francesa, a norte do Egipto. Da sua análise resultaram seis princípios angulares na tática e nas operações navais, com as adaptações necessárias ao contexto, à geografia e aos desenvolvimentos tecnológicos. Identificaram deste modo a Liderança, a Doutrina, a adaptação da Tática à Tecnologia, o Propósito a alcançar para satisfazer o objetivo superior, a Manobra para ganhar vantagem e explorar as vulnerabilidades adversárias, culminando com a máxima attack effectively first. Estes seis pilares são objeto de abordagem individualizada, de cuja substância se apresenta uma pequena súmula. Dados os contextos de grande violência e de caos em que se faz a guerra, a liderança é fundamental para incutir confiança e fortalecer a moral dos subordinados e a sua vontade de combater. A afirmação de Napoleão de que o militar está para a tecnologia na proporção de 3 para 1, poderá parecer não ser hoje evidente, mas tal não retira valor à asserção de que … os homens vão até onde o seu líder os levar. A doutrina constitui um guia que tem por objetivo educar o pensamento, mas sem substituir a iniciativa. Ajuda a como pensar, mas não o que pensar. Unifica a ação, e reduz o número de decisões de comando. Não deve ser tida como dogmática, mas sim como um padrão de comportamento, gerador de confiança pela previsibilidade na ação dos pares. Também os avanços tecnológicos e as suas consequências na formulação da tática são uma constante no texto, em linha com a feliz síntese de Clausewitz … to Know tactics, you must Know weapons. Todavia, a tecnologia, por importantíssima que seja, não é garantia de sucesso. Os oponentes também dela dispõem, e diferentes tecnologias podem equivaler-se em valor militar, fazendo emergir o valor das pessoas e do treino. No confronto militar há sempre um propósito a alcançar pela tarefa. A finalidade da guerra não passa necessariamente pela destruição do poder militar do inimigo, podendo bastar a capitulação da sua vontade de combater, seja em resultado da coação militar ou fruto do emprego coordenado de outras fontes do poder nacional. Por isso o chamado Mission Statement compreende sempre duas proposições, a descrição da tarefa a cumprir, com indicações precisas de quem, o quê, onde e quando fazer (who, what, when, where), e o propósito, ou seja, o contributo da tarefa para o objetivo mais vasto do escalão superior. Estabelece-se assim de modo claro a responsabilização dos comandantes por cumprir a tarefa dentro do quadro geral do propósito expresso. É fundamental compreender o contexto, o que promove o comando descentralizado, a iniciativa e a velocidade de ação. São hoje raras e menos decisivas as batalhas entre grandes esquadras navais. A projeção de poder para influenciar os acontecimentos em terra levou ao crescente aproximar do litoral. Porém, o conceito de 49 85.O Ano litoral alargou-se desmesuradamente com a aviação e os mísseis de longo alcance baseados em terra. Proporcionalmente, encolheram os oceanos e cresceu a importância da manobra operacional para obter uma posição de vantagem, explorar a surpresa e negar o conhecimento da presença ao inimigo e, concomitantemente, exercer o poder próprio sobre as vulnerabilidades contrárias. Por exemplo, negando as vias de comunicação marítimas imprescindíveis à sustentação do esforço de guerra e à vida dos cidadãos. Attack effectively first é talvez a frase mais mencionada pelos autores, que a consideram como a … essência da ação tática para o sucesso no combate naval. Sustentam-na em bases matemáticas, ilustrando com exemplos históricos a vantagem de atacar primeiro com eficácia pelo que isso acarreta na degradação cumulativa da capacidade oposta para reagir e contra-atacar. Presentes estes princípios, são analisados os confrontos navais ocorridos nos séculos XVII e XIX. Imperava então a formação em colunas e a curta distância entre navios, como forma de obter uma maior concentração de poder de fogo, proporcionar apoio mútuo e evitar que o inimigo atravessasse a coluna para o bordo contrário, expondo-a a fogo cruzado. Sem visibilidade pelo fumo gerado em combate e com a manobrabilidade condicionada pelo vento, o caos era inevitável. Para lhe dar resposta nasceram a função planeamento, a formulação de princípios, a sistematização em doutrina das experiências havidas, o aproveitamento militar das inovações tecnológicas e a consciência de que os propósitos podem ser alcançados sem recurso a batalhas decisivas, altamente consumidoras de recursos materiais e humanos. Nas duas guerras mundiais, explodiu o pensamento tático. Os precursores da mudança, timidamente experienciados nas 50 guerras Civil Americana e da Crimeia, foram a propulsão a vapor e a hélice, a construção em ferro e o carregamento dos canhões através de culatras. Cresceu a velocidade dos navios, a sua dimensão e poder de fogo, a manobra deixou de depender do vento, aumentou a resistência aos impactos e cresceram as distâncias de combate. Apesar disso, persistiu a formação em linha, ganhando predominância a famosa manobra para cruzar o “T” (guinar atempadamente a esquadra de modo que possa abrir fogo com todo o seu potencial pelo bordo de aproximação do inimigo). A vantagem em alcance dos canhões, passou a ser um elemento decisivo ao possibilitar atacar primeiro. Em síntese, o pensamento tático passou a centrar-se na concentração do poder de fogo, no alcance da artilharia e na mobilidade, ganhando relevância o Comando e Controlo (C2) e o scouting(1). A anteceder e durante a 2ª Grande Guerra houve uma verdadeira revolução no armamento e nos sensores, desde logo a aviação baseada em terra e em navios e o radar. Ficaram em causa as formações táticas até então usadas, discutindo-se as vantagens e inconvenientes entre a dispersão e a concentração de forças e as consequências da perda do elemento surpresa, quase obliterado pela capacidade de scouting trazida pela aviação. A arma submarina passou provavelmente a ser um dos poucos meios navais capazes de, com risco aceitável, penetrar nas áreas onde o inimigo pretende preservar a sua liberdade de ação, no que hoje de designa por A2/AD (Anti-Access/Area Denial). Segue-se na obra em apreço a apreciação da evolução da tática na era dos mísrevistademarinha.com seis, com especial enfoque na Guerra das Falkland. Equaciona-se a dicotomia que confronta a escolha entre navios maiores, mais capazes em armamento e sustentação, e navios de menor dimensão, mas equipados com misseis de grande alcance e poder destrutivo. A escolha dependerá de vários fatores, desde o económico, às características da geografia onde irão operar e às capacidades dos oponentes a dissuadir ou coagir. À dimensão não é também alheia a capacidade de sobrevivência após ser-se atingido, lembrando-se que o nela investido tem por objetivo último a preservação da capacidade para continuar a combater. Nas palavras de um Almirante russo, há muitos anos … um bom canhão conduz à vitória, uma boa couraça adia a derrota. De tudo quanto foi dito, chegam os autores a cinco postulados que enformam a tática naval, cada um constituindo um processo autónomo, mas concorrente com o objetivo final: a atrição pelo poder de fogo, o scouting pela tempestiva localização do inimigo, o C2 para coordenar e sincronizar a projeção de força, a manobra para ganhar vantagem tática e o condicionamento do inimigo na exploração própria dos anteriores postulados. O grau de interação entre si varia com as circunstâncias e com os meios e as tecnologias em jogo. O aumento do alcance das armas e da velocidade dos projeteis, impõem o aumento da distância de scouting e a redução dos tempos de resposta. Ganha então acuidade o Comando e Controlo enquanto processo capaz de sincronizar no tempo e no espaço a ação da força naval, assegurando a execução coordenada das decisões tomadas. Hoje os Comandantes e os oficiais de ação tática são auxiliados por modernos sistemas de C2 capazes de integrar a informação proveniente de inúmeras fontes e de aconselhar na tomada de decisão. Não obstante, por muito completos e complexos que sejam, não superam o instinto humano forjado ao longo de anos de estudo aturado e de treino constante e exigente. Daí o corolário de que a boa tática provém do bom estudo, da solidez da doutrina e da profundidade do pensamento e da teoria. Não sem se acrescentar algum relativismo, pois … se a teoria ganhasse batalhas, seria um segredo de estado. Os últimos capítulos deste livro são dedicados às tendências e variáveis da tecnologia e ao seu impacto na tática naval. A tecnologia não ganha guerras por si só, a · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Marinha de Guerra não ser que acompanhada por uma revolução na tática, afirmam os autores, acrescentando que o ritmo dos avanços científicos é bem mais rápido que a sua aplicação prática ao campo militar. Sendo hoje difícil contrariar a difusão alargada do conhecimento, difícil será encontrar surpresas tecnológicas na confrontação militar entre opositores com semelhantes níveis de desenvolvimento. A exploração do espaço e do ciberespaço para fins militares, a robotização de meios nos domínios aéreo, terrestre e marítimo e as crescentes distância, precisão e poder destrutivo dos misseis serão realidades incontornáveis nos próximos cenários de guerra. A área atualmente em mais rápido desenvolvimento é a da Information Warfare, entendida como … o emprego e a proteção da capacidade de compreender, assimilar, decidir, comunicar e agir, ao mesmo tempo que lança confusão no idêntico processo que apoia o adversário. A informação é hoje um recurso crítico em que maior fluidez e melhor gestão em relação ao oponente, conferem superioridade de informação e, subsequentemente, na decisão. Associado à informação estão as constelações de satélites de comunicações, radar, guiamento, controlo, vigilância e navegação, mas cujas capacidades não podem ser tidas como garantidas em tempo de guerra, uma vez que serão muito provavelmente Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 dos primeiros sistemas a ser destruídos ou neutralizados. Apesar de todas as facilidades tecnológicas que hoje assistem a tática, os procedimentos e os elementos básicos não podem ser completamente abandonados, ou, na expressão anglófona … back to basics. Por fim, é feita uma análise detalhada ao combate com mísseis e às suas implicações táticas, nomeadamente definindo a dimensão das salvas a lançar. Como princípio geral é entendido que quando forças navais dispersas correm o risco de serem individualmente derrotadas, deve usar-se a concentração para reforçar a capacidade de defesa mútua. Se não se garante a capacidade de atacar primeiro, deve-se usar também a concentração. Se a defesa não puder ser efetiva, então deve combater-se de modo disperso, de modo a dificultar a deteção pelo inimigo, a obter vantagem posicional ou a evadir para evitar o combate. Tão importante como a concentração é a escolha do momento para atacar. Ao longo dos anos o sucesso tem sido devido não tanto a saber o que fazer, mas a decidir quando fazer. No atual contexto de ameaças multidominiais, “a competição evoluiu da superioridade de informação para a superioridade na decisão”. Não há exagero em afirmar que o scouting nos domínios eletromagnético e ciber serão mais críticos do que na esfera física. Ainda assim, mesmo · revistademarinha.com considerando que hoje a ofensiva poderá começar pelo emprego de instrumentos e meios não cinéticos, mantém-se a aplicabilidade da “regra de ouro” dos autores, cometer o potencial de força de que se dispõe por forma a … attack effectively first. Fleet Tactics não pode ser lido e tido como um manual de tática. É apenas mais um olhar de dois eminentes estudiosos que, escudados nas lições da historiografia dos conflitos navais, ajuda a compreender o valor dos princípios da tática e as razões que lhes subjazem. Só se sabe se se compreende, e só se compreende pelo estudo. Recomenda-se, pois, a sua leitura pausada e atenta, especialmente aos militares da Marinha, na certeza de que, como afirmou Colbert … a vitória só sorrirá aos que forem capazes de antecipar as mudanças no caráter da guerra, não aos que aguardam por se adaptar após elas ocorrerem. Como também disse T.E. Lawrence … após mais de 2000 anos de exemplos de guerra, não há desculpa para que quando se combate, não se combata bem. * Vice-Almirante, ref [email protected] NOTAS: (1) A tradução mais comum na língua portuguesa é “reconhecimento”, mas fica aquém do conceito anglo-saxónico de scouting, que consiste na informação sobre o opositor obtida por qualquer tipo de meios, reconhecimento, vigilância, observação, imagem, interseção eletrónica, espionagem, criptoanálise, etc. 51 85.O Ano Aquário Vasco da Gama Passado com história, futuro com memória por Leonor Monteiro* o ano em que comemora 123 anos de existência, o Aquário Vasco da Gama (AVG) possui uma riqueza histórica e de conhecimento, distingue-se como o museu aquário mais antigo do mundo aberto ao público. Com um futuro igualmente muito promissor não deixa de passar a sua missão: atuar na vertente educacional dando a conhecer a vida marinha com grande preocupação na preservação da biodiversidade e dos oceanos. Pertencente à Marinha Portuguesa e integrado no seu Setor Cultural, o AVG é uma instituição cujo objetivo visa, não só, expor a herança oceanográfica do rei D. Carlos I, realizada ao longo de doze anos de campanhas oceanográficas respeitando sempre os valores da educação, ciência e história, como também sensibilizar os visitantes para a conservação do meio aquático. Tem também promovido ao longo dos anos conhecimento nas áreas da Biologia, História da Ciência e História de Portugal, entre outras. É uma entidade alinhada para as várias gerações de famílias pelo que é comum dizer-se e/ou ouvir-se que existem três fases de visita ao Aquário Vasco da Gama, sendo a primeira enquanto criança, seguindo- N 52 -se a visita com os filhos e posteriormente com os netos … e até com os bisnetos. Com uma nova visão para o futuro, o aquário procura modernizar-se e adaptar-se à sociedade atual, tendo em vista o avanço digital a que assistimos diariamente. A parte exterior do edifício, do lado da Estrada Marginal, é uma das inovações visível a todos os que por lá passam com o mural de arte urbana, que dá agora uma nova imagem “à casa”. Mas, antes de se falar no futuro é importante relembrarmos o passado, uma vez que sem o legado deixado pelo Rei D. Carlos I seria inimaginável o aquário chegar onde está hoje. O Rei D. Carlos I foi o grande impulsionador da criação do Aquário Vasco da Gama, com inauguração a 20 de maio de 1898, aquando das comemorações do IV centenário da partida de Vasco da Gama, na descoberta do caminho marítimo para a Índia. Com um inexplicável interesse pelo mar/ oceano e diversidade de animais que habitam nesses espaços aquáticos este Rei explorou, a bordo dos quatro iates batizados com o nome da sua mulher, a rainha Dona Amélia, as correntes do fundo marítimo com particular atenção para o estudo dos peixes. A fauna da costa portuguesa é também merecedora de destaque demonstrando assim a preocupação do monarca para com a vida animal local e nacional. A área expositiva do aquário divide-se em duas partes, sendo uma delas dedicada à vida animal, onde é possível encontrar diversas espécies aquáticas de pequenas, médias ou grandes dimensões, sejam de zonas tropicais, de água doce, água salgada ou zonas temperadas, seguindo-se Cultura Marítima a parte do museu, do qual fazem parte o salão nobre e a biblioteca do Rei. Entre arquivos, livros, manuscritos e documentação científica o monarca deixa-nos, assim, uma coleção oceanográfica com uma riqueza histórica inconfundível que poderá ser visitada por qualquer pessoa naquela que é apelidada de Biblioteca do Rei – Museu Oceanográfico D. Carlos I. Este espaço é outra das alterações da área expositiva, uma vez que a sua mudança permite aos visitantes uma aproximação daqueles que são os registos mais antigos da história oceanográfica do país. Na parte do museu poderá ainda encontrar espécies de animais que estão extintas na natureza, porém mantidos em meios líquidos e/ou naturalizados no Aquário, o qual preza a mensagem de preocupação com a preservação da vida animal marinha. Atualmente, em parceria com o IPMA Instituto Português do Mar e da Atmosfera - a instituição investiga a viabilidade da criação de sardinha em cativeiro, um projeto científico ainda em desenvolvimento. Tendo em atenção o passado, presente e ainda todo o legado existente, o aquário pretende futuramente tornar o espaço emblemático e atrativo virado para uma vertente mais tecnológica, acessível e de inclusão para todos, sendo as acessibilidades uma das suas preocupações, de forma a dar a conhecer o seu espaço sem excluir ninguém. A transição para o digital, marca, então, a mudança e adaptação desta instituição secular à sociedade e às novas gerações apresentando sempre como base o bem-estar dos animais que lá residem. Este cuidado demonstrado é visível uma vez que o aquário Vasco da Gama faz criação em cativeiro de espécies em vias de extinção com o objetivo de as preservar no ecossistema fluvial, como é exemplo o projeto dos Ruivacos-do-oeste, que é uma das espécies que tem sido reproduzida com sucesso, em tanques no Aquário, Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 onde se recriaram as condições do seu habitat natural e posteriormente, quando atingem a idade adequada, são libertados nas diversas ribeiras com risco de extinção desta espécie, fundamental para os necessários equilíbrios dos ecossistemas . Brevemente, será possível interagir com o oceano virtualmente, isto é, dar um mergulho nas profundezas do mar, uma vez que nesta instituição estará presente um dos maiores ecrãs interativos da Península Ibérica, uma janela virtual para o oceano que a “casa da ciência” disponibilizará aos seus visitantes como forma de integração à nova comunidade tecnológica e, consequentemente, comunicação digital. Este projeto terá lugar no antigo tanque das otárias, espaço que se encontra vazio desde a perda da “olívia”, a última que habitou no AVG. Todas as remodelações e modificações do espaço pretendem incutir na sociedade um incremento duma atitude e consciência responsável na vontade de preservar a biodiversidade e o meio ambiente. Além · revistademarinha.com disso, a adequação à nova era em que nos encontramos torna-se importante de forma a abrir horizontes a todas as gerações, conhecendo novas experiências a nível da tecnologia e imagem. Além da preocupação com o conforto animal, o Aquário tem em atenção as necessidades do público que o visita pelo que o Tanque das Tartarugas sofreu, recentemente, remodelações permitindo às crianças a visualização através de vigias criadas nas suas paredes laterais, o que não era possível no período anterior devido à sua borda alta que dificultava o acesso aos mais novos e os poderia colocar em risco. Em acrescento, esta área terá ainda novas espécies com as condições que encontram no seu meio natural. Um futuro promissor para este antigo aquário que até aos dias de hoje preza um passado de conhecimento! Saiba mais em: https://ccm.marinha.pt/pt/aquariovgama * [email protected] 53 85.O Ano It’s Now or Never! – É Agora, ou Nunca! por Carlos Salgado* a palavra de ordem dirigida a todos os cidadãos portugueses e em particular aos governantes, bem como aos políticos que têm assento na Assembleia da República, eleitos pelo povo português. Como Portugal está integrado, na resposta conjunta de todos os Estados-membros da União Europeia, no Plano de Recuperação e Resiliência, um instrumento ao serviço do País, que representa uma oportunidade sem precedentes, por integrar um conjunto bastante alargado de investimentos e reformas. Por este motivo, nós, cidadãos portugueses amigos do Tejo, entendemos que este nosso maior rio constitui um bem muito importante que, como tal, deve ser reconhecido, por ter contribuído durante séculos para o crescimento económico das populações ribeirinhas e do próprio País. Assim, está chegada a hora dele ser incluído nesta nova oportunidade, para bem do seu povo. É NA NATUREZA, NADA SE CRIA, NADA SE PERDE, TUDO SE TRANSFORMA (LAVOISIER) Por um lado, é preciso apelar às consciências individuais e coletivas porque é premente acreditar na ciência, aplicar no quotidiano os seus ensinamentos e contar com a participação e o envolvimento de todos na luta pela preservação do ambiente. Por outro lado, há outros desafios como as alterações climáticas que impõem a adoção de medidas urgentes de mitigação assim como mudanças profundas de comportamentos. Os modelos económicos associados à geração de produtos e de valor, que têm evoluído no sentido de incorporar os objetivos da sustentabilidade, tem levado a sociedade a melhorar através do conhecimento e da capacidade inovadora e criativa, transformando os recursos naturais em produtos que contribuem para a qualidade de vida das populações. Nesta circunstância, os rios nunca deixaram de ser utilizados preferencialmente para o transporte de mercadorias, pes- soas e bens, porque a navegação fluvial sempre foi considerada pelos governantes como uma intermodal importante dos transportes, visando o descongestionamento dos portos de mar, a fim de facilitar as trocas comerciais entre o litoral e o interior dos países. Hoje em dia os rios estão igualmente a ser utilizado em larga escala pelo turismo náutico e de natureza, porque a navegação fluvial é reconhecida como a modalidade de transporte mais económica e menos poluente, levando a UE a alocar fundos para o seu desenvolvimento. Considerando o custo e a poluição produzida, os transportes de mercadorias mais adequados por ordem decrescente são o fluvial, o ferroviário, o rodoviário e o aéreo. Desconhecem-se os critérios que levaram os sucessivos governos desde a nossa adesão à CEE a privilegiar quase exclusivamente o transporte rodoviário de mercadorias em detrimento do ferroviário e do fluvial. Relativamente a este último e no que ao Tejo se refere, o investimento foi reduzido na repartição de fundos pelas três modalidades de transporte intermodal, impedindo assim a geração de um desenvolvimento mais sustentado, mais equilibrado, menos oneroso e poluente para o ambiente. A opção pelas políticas escolhidas não gerou riqueza, mas criou ricos. AGORA VEM AÍ O PLANO DE RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA … Espera-se que com este instrumento ao serviço do País se passe a olhar para o Tejo no sentido de ele voltar a ser navegável e um rio Vivo e Vivido na sua maior extensão, a fim de criar riqueza e incentivar a sua fruição diária pelas populações e o convívio salutar com ele de fora para dentro e de dentro para fora, tal como aconteceu no passado. Mas a falta de caudal suficiente, que tem lugar atualmente, inviabilizou a sua navegabilidade e causou o afastamento dessas populações para o interior; até algumas delas chegaram a voltar-lhe as costas. Para que a sua navegabilidade possa ser restabelecida é indispensável fazer uma obra de hidráulica que é viável tecnicamente e é complementar de uma outra O Almourol encostou a terra por falta de Tejo. 54 revistademarinha.com · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Lagos, Rios e Canais não menos importante que está prevista para o Tejo, e que se encontra já numa fase avançada de avaliação técnica e científica pelos organismos competentes. Trata-se do novo “Projeto Tejo” – Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Tejo e Oeste”, cujo anúncio inicial intitulado “O Alqueva do Ribatejo”, deu a entender aos cidadãos que seria do interesse exclusivo dos agricultores, se bem que mesmo que o fosse, temos de ter consciência de que nos tempos que correm a Agricultura já está a mudar para novas técnicas e melhores práticas, com novos ciclos de produção, naturalização dos territórios e o enriquecimento dos solos, para conseguir corresponder ao aumento da população e aos novos hábitos alimentares, mais à base de produtos da terra. Mas em boa verdade, este “Projeto Tejo” foi criado para trazer mais benefícios e beneficiários, do que para a água da rega dos campos, que até abrange uma área geográfica superior à do Alqueva. Para além de fornecer água a 300 mil hectares das regiões do Ribatejo, do Oeste e de Setúbal com a construção de seis açudes no rio Tejo, com uma extensão limitada, eventualmente apoiados por algumas barragens já existentes e o aumento da capacidade da barragem do Alvito, no rio Ocresa, desses 300 mil hectares, 240 mil são no Ribatejo. 40 mil na região do Oeste e 20 mil na região de Setúbal, integrando e modernizando os regadios coletivos existentes. Esses seis açudes são rebatíveis, por serem insufláveis. Têm uma altura de 4 a 6 m, exceto o de Almourol que deve ter entre 10 e 12 m, garantindo cada um deles uma profundidade do espelho de água de 3 a 4 m, no curso do Tejo desde Vila Franca de Xira até Abrantes, de 20 em 20 Km de distância entre eles. Não deixam de estar associados à drenagem, ao controlo das cheias e ainda ao controlo da cunha salina que sobe o rio nos períodos mais secos, podendo também resolver o problema da falta da navegabilidade em certos lanços, para a navegação comercial ligeira e para fins turísticos e de lazer, para a pesca e aquacultura, favorecendo as envelhecidas comunidades piscatórias. Estamos em crer que este novo “Projeto Tejo”, pode, e deve, ser complementado com intervenções de uma nova obra de hidráulica capaz de viabilizar a navegação comercial, ficando um determinado lanço do rio destinado ao transporte a granel ou de combustíveis e de mercadorias mais pesadas, como maquinaria e outras peças volumosas, basta para isso manter aquela profundidade de 3 a 4 m Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 prevista para viabilizar a navegação de embarcações que calem até 2,5 m, mas particularmente no lanço entre o Porto de Lisboa e Santarém. Já está prevista a abertura de um canal navegável para viabilizar um novo projeto do Grupo ETE, que tem vindo a ser atrasado pela tradicional burocracia portuguesa, por falta das licenças pedidas há bastante tempo, e também para a construção de um novo cais de acesso à Plataforma Logística de Castanheira do Ribatejo, para permitir a circulação de barcaças que calam 2,5 a 3 metros, e da sua respetiva carga e descarga. Cada uma destas barcaças transporta 99 contentores de 20 pés, o equivalente a 99 camiões TIR, desde o Porto de Lisboa até a este novo cais a construir. Quanto a nós, com uma nova dragagem para aprofundar em mais 2 m um canal bem balizado, estas barcaças poderiam passar a navegar praticamente sem ser à maré, até Porto de Muge junto à Ponte D. Amélia, vulgo a ponte do Setil, que fica perto de Santarém. Para esta dragagem talvez possa ainda ser aproveitado o que restou do canal que foi anteriormente aberto pelos batelões da extração das areias, que o foram abrindo até àquele local. Quer nesse canal quer fora dele a navegação para montante, tanto a comercial como a turística e a de lazer, em embarcações que calem até 2,5 m, a profundidade que está prevista no “Projeto Tejo” de 3 a 4 m, é suficiente até à barragem de Belver, desde que seja aberto um canal de by-pass a contornar o Açude de Abrantes, equipado com uma eclusa que per· revistademarinha.com mita a passagem livre das embarcações e dos peixes, quer para montante quer para jusante, a determinadas horas do dia, a regulamentar, sem causar uma perda de água significativa da barragem, e o mesmo deve ser feito nas barragens de Belver e do Fratel. Conseguir-se-ia deste modo ter uma navegabilidade contínua desde Lisboa até à fronteira. Em alternativa, ou complemento e tirando partido da proximidade da data de revisão da concessão da exploração da barragem do Cabril, no rio Zêzere, poder-se-á encarar a possibilidade de desviar gravíticamente um certo caudal a partir desta albufeira diretamente para a albufeira de Belver, com todas as vantagens daí decorrentes. Como o orçamento inicial para a materialização do “Projeto Tejo” está calculado em 4,5 mil M€, temos para nós que se ele for complementado por esta nova obra de hidráulica, que propomos, vai criar uma economia de escala do conjunto dos dois projetos, podendo vir a atingir no máximo os 6 mil M€, que pode vir a ser financiado fora do quadro do PRR, através de fundos específicos da UE para o incremento do transporte fluvial. Deste modo o Tejo poderia ter uma valorização muito superior, mais completa e duradoura no tempo e para o crescimento económico da sua bacia hidrográfica, das populações ribeirinhas e de Portugal, elevando este nosso maior rio, o Tejo, a um nível equivalente ao dos rios europeus dos países mais desenvolvidos. * [email protected] 55 85.O Ano “Incrível Armada”, a história da TG 24.1 Parte III por Jose Castro Centeno* A Corveta ANTÓNIO ENES prestando apoio a uma das unidades da TG. INTRODUÇÃO Esta é a terceira e última parte da história da TG 24.1, que reservei para um documento único elaborado pelo seu CTG 24.1, o à altura CTEN Duarte Costa, que em discurso direto e na primeira pessoa faz um “diário” da viagem, das suas preocupações e das soluções adotadas. A riqueza e o detalhe desta descrição obrigam à sua publicação na integra, sem qualquer alteração, ou correção, que adulteraria o documento. AVENTURAS E DESVENTURAS DA “INCRÍVEL ARMADA” 03 DEZ – O BALIVIER foi o primeiro a largar do Porto Grande. Às 12h35 tinha o reboque lançado funcionando em boas condições, foi-lhe ordenado seguir a rota prevista à mínima velocidade possível. O rebocador do porto recolheu pessoal das lanchas que transportou para o BALIVIER e CORENES. Navios no porto a aguardar chegada do restante pessoal que faltava (licença em Lisboa?) e que chegou ao Sal de avião apresentando-se a bordo cerca das 11h00. Acertou-se então as guarnições das lanchas com o pessoal das lanchas a reboque. O cozinheiro da LORION adoeceu, foi transportado para a enfermaria da CORENES e substituído por um cozinheiro deste navio. Às 12h53 largou a DESIETE. Foi-lhe ordenado para se juntar ao BALIVIER, seguindo a rota prevista. Largou depois a DESFANGE com a mesma ordem. Depois de várias “negas”, largou a LIRA, com a mesma ordem. Entretanto a LORION informou que tinha várias avarias. A CORENES deu volta à faina e ordenou ao BALIVIER para seguir a rota à mínima velocidade com os navios que tinha 56 em companhia. Foi prestada assistência à LORION pelos Engenheiros da CORENES e da CORGUSTO. LORION finalmente pronta a largar. CORENES apitou novamente à faina e largou a seguir à LORION. Às 13h35 navios em formatura com DESFANGE e DESIETE atrasadas. Às 14h27 todos os navios em formatura, velocidade estimada 7 nós, CORENES navegando com um motor. Comunicação da LORION de avaria no leme seguida de avaria nos motores por deficiente funcionamento do sistema compressor de ar. A CORENES lançou o outro motor e preparou-se para lhe prestar apoio, mas, pouco depois, a LORION informou que tinha as avarias reparadas e que ia ocupar a sua posição na formatura. ( https://youtu.be/ YCuAy_ahw2c ) Entretanto havia já as seguintes avarias ou deficiências: BALIVIER – Faróis de navegação do mastro. LORION – Radar avariado, onda administrativa inop, sistema de ar comprimido deficiente. DESIETE – Faróis de navegação do mastro e popa. DESFANGE – Comunicações deficientes em fonia, arrancador do motor deficiente, radar avariado, giro avariada. 04 DEZ – De manhã navios em formatura. DESFANGE pediu para atracar DESIETE para apoio sobressalentes e embarcar/ desembarcar (?) um homem, foi autorizado. Como resultado da manobra a DESFANGE avariou um motor e juntamente com a DESIETE ficaram muito atrasadas. Entretanto o cozinheiro da LORION já estava em condições de embarcar. A CORENES parou, arriou a embarcação trocou os cozinheiros, prestou apoio com o Artífice ARE e revistademarinha.com forneceu pão. Também de manhã, foi chamada a atenção para a disciplina de comunicações, passou-se a utilizar os indicativos rádiotelegráficos do Plano de Comunicações. Durante todo o dia foi-se disciplinando os circuitos. Voltou-se para a posição depois do apoio à LORION. A DESFANGE continuava muito atrasada, foi necessário reduzir a velocidade para 5 nós e só cerca das 21h00 foi possível voltar aos 6/7 nós. Entretanto avariou o radar da LIRA e pediu apoio de artífice, não seguiu devido a necessidade de poupar combustível, deu-se “consulta” pela rádio, sem resultado. 05 DEZ – BALIVIER leva o radar desligado à noite e sempre que detetamos um eco informamos. Cerca das 01h00 avistado um petroleiro a rumo de colisão, acabou por passar safo pela proa, mas antes, já o BALIVIER tinha disparado dois very-light e acendido as luzes de navio desgovernado. De manhã dada as condições de mar (pequena vaga NW, pelo través) não foi efetuado reabastecimento por se considerar inconveniente para os navios e para poupar combustível. Foi montado na CORENES um posto de reabastecimento de cargas leves no parque do helicóptero. Durante a noite e o dia dificuldades de comunicação em fonia com a DESIETE que acabaram por ser ultrapassadas. 06 DEZ – Noite sem novidade, navios em formatura e fazendo uma boa média: 7,5 nós!!! De manhã foi efetuado: – DESIETE, reabastecimento pão e medicamentos; – DESFANGE, reabastecimento pão e bagagem telegrafista; – LORION, reabastecimento pão; – LIRA, reabastecimento 1 aparelho de medida e 1 ferro de soldar; · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha História Marítima – revista visual às lanchas a reboque, tudo normal. De tarde, consulta rádio a LIRA para assistência na reparação do radar, resultados fracos. A LDG ARÍETE a navegar em alto mar. 07 DEZ – Noite sem novidade. A partir da tarde avarias sucessivas da LORION, com roturas nos tubos do sistema de ar comprimido e avaria no gerador de EB. Arriada uma vez a embarcação e outra vez o bote para prestar assistência, trazendo tubos para bordo, para soldar. 08 DEZ – Noite, avaria na DESFANGE que obrigou a reduzir a velocidade e a atrasar. CORENES destacou para lhe fazer companhia. Manhã, reabasteceu-se a DESFANGE de pão, já a navegar em melhores condições, mas ainda com velocidade reduzida. Seguiu-se o reabastecimento de pão à DESIETE. Entretanto a LORION atracou à DESIETE para receber uma garrafa de acetileno para soldadura e a CORENES passou revista visual às lanchas a reboque. Verificou-se que a do meio, HIDRA, tinha a popa muito afundada. Bote na água, para assistência à LIRA, artífice ARE e outro aparelho de medida, depois foi investigar a HIDRA. Verificou-se que tinha a casa da máquina do leme, casa das máquinas auxiliares e casa das máquinas pp com água! Uma equipa do BALIVIER passou para a HIDRA para esgotar a água. Entretanto o bote da CORENES prestava apoio à LORION levando-lhe tubos de cobre e material de máquinas da HIDRA para substituir material Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 avariado. Depois seguiu para o BALIVIER para recolher algum material de reboque para o caso de ser necessário passar reboque à DESFANGE. Logo que terminou o apoio às Lanchas, foram mandadas seguir ficando a CORENES junto do BALIVIER para a eventualidade de ser necessário apoio. Só cerca das 17h00 terminou a faina na lancha com alagamento seguindo nessa altura os navios ao encontro das lanchas, velocidade 8 nós. Ao aproximar verificou-se que a DESIETE estava a ficar atrasada, com velocidade de cerca de 4 nós, devido a problemas de circulação de água salgada do arrefecimento do motor. Foi ordenado aos navios que logo que BALIVIER chegasse, ocupassem as suas posições na formatura de cruzeiro enquanto a CORENES ficava junto da DESIETE para o apoio necessário. 09 DEZ – Perante a “ameaça” de a DESFANGE e DESIETE necessitarem de reboque, às 06h00 começou a preparar- · revistademarinha.com -se uma mensagem sugerindo a hipótese do apoio da CORGUSTO. Mas a DESIETE com uma bomba de emergência conseguiu pôr o motor de BB a trabalhar e atingir os 6 nós. CORENES seguiu para junto dos navios para reabastecer LORION de combustível e passou revista visual às LFG´s, a reboque de BALIVIER. Verificou que a HIDRA já devia estar com água, restantes tudo normal. Entretanto LORION informa estar com avaria no sistema de ar comprimido que, pouco depois, está reparada, mas, logo a seguir, informa que tem a bomba de trasfega avariada pelo que o reabastecimento fica comprometido. Necessita de assistência de Artífice AE, de Artífice ACM (o seu está “estafado”) e de médico. Foi planeado o reabastecimento para a tarde. À tarde dado, ainda, apoio à LIRA, médico e troca de uma praça doente (Mar. C) e à LORION, pão, bolachas, rações de combate, médico, artífice AE e cedido um Artífice ACM por dois dias para apoio do 57 85.O Ano seu Artífice ACM. Reparada bomba trasfega foi feito o reabastecimento, 10.000 litros de gasóleo. Entretanto DESIETE não consegue reparar avaria num dos motores, necessita de um saca-volantes de 27 cm. Como não há a bordo tenta-se passar reboque (2ª Faina Geral a bordo) mas o reboque não oferece segurança e não permite velocidade superior a 5 nós o que não resolve o problema. Deixa-se a DESIETE, com ordem de comunicar a situação de 4 em 4 horas, e segue-se para junto dos outros navios. LORION comunica que tem novamente bomba de trasfega avariada. Cerca das 20h00 DESIETE comunica que conseguiu tirar o volante “por meios pouco ortodoxos” e LORION informa que tem bomba reparada. Pelas 22h00, DESFANGE comunica que tem avaria num motor, pouco depois, informa que parou os motores e às 22h30 informa que cerca das 23h30 iria tentar engrenar o motor parado e que já se encontra a navegar só com o outro. Segue-se BALIVIER a informar que continuando a navegar àquela velocidade não tinha combustível para chegar a S. Tomé, já estava a navegar só com um motor para poupar. Decidiu-se: – BALIVIER informa, logo que possível, qual a mínima velocidade para poder chegar a S. Tomé; – CORENES permanece junto DESFANGE, navegando e pairando até amanhecer, altura em que será então arriada uma embarcação para levar o pão e pessoal eletricista e de máquinas para assistência. Dois fatores determinantes estiveram na base desta decisão: – A necessidade de ter em consideração velocidades/consumos/reservas de combustível para chegar a S.Tomé; – A preocupação que ficou, depois de conversa tida com o Eng.º ECN Ribeiro da Silva sobre o estado dos navios, que seguiam pelos seus meios, da possibilidade de um incidente de maior gravidade pôr em risco a segurança do navio e da sua guarnição o que obrigava, dentro do possível a manter um distanciamento da CORENES que permitisse poder ocorrer a tempo. Às 24h00 DESFANGE comunicou que não conseguia engrenar o motor de EB e que, portanto, tinha que continuar só com um, dando cerca de 3,5/4 nós. Pela mesma altura a DESIETE informou que já tinha a avaria reparada e que tinha uma nova bomba de circulação em experiência (foi mais um longo dia e que se vai prolongar pelo seguinte!). 10 DEZ – Às 08h30 a pairar junto de DESFANGE, mandou-se aproximar LO58 RION e DESIETE, reabasteceu-se de pão DESFANGE, DESIETE e LORION. DESIETE atracou DESFANGE para receber sobressalentes e LORION reabasteceu de água seguindo depois, as duas ao encontro dos restantes navios. CORENES enviou para a DESFANGE os chefes dos serviços de máquinas e de eletrotecnia e pessoal para colaborar na reparação dos motores pp. Entretanto começa-se a preparar o reboque para a eventualidade de ser necessário. Foi ordenado a BALIVIER para seguir com os restantes navios à velocidade de 6 nós (velocidade que tinha, entretanto, informado ser a que lhe dava segurança para chegar a S. Tomé), informando de 4 em 4 horas a situação. Mais tarde pediu para aumentar a velocidade para 7 nós e foi autorizado. Com o apoio da LIRA esgotou água da HIDRA e tentou tapar entradas de água. Passou revista às outras LFG´s a reboque, todas elas com entradas de água. O pessoal da CORENES permaneceu a bordo da DESFANGE numa tentativa de desbloquear a situação. 11 DEZ – Cerca das 02h30, finalmente, motores reparados. Pessoal da CORENES regressou a bordo e meteu-se ao rumo para aproximar dos outros navios, ficando a DESFANGE de seguir nas águas da CORENES. Mas… passado pouco tempo a DESFANGE informa que afinal só tem um motor a trabalhar. Passámos a 3 nós até às 08h00, hora a que parámos para arriar a embarcação e enviar novamente pessoal. Às 08h30 apitou à faina para preparar o reboque. ÀS 09h30 continuávamos parados numa tentativa “desesperada” para pôr os dois motores da DESFANGE a trabalhar, para nos dar uma réstia de esperança de poder atingir uma velocidade de reboque que permita alcançar os outros navios. Finalmente às 10h30 a DESFANGE tinha os dois motores a trabalhar, mas o de EB só engrenava a AV e o de BB AV e AR. ( https://youtu.be/zFqC3fJZe_Y ) Iniciou-se então a “grande” faina da passagem do reboque “engendrado” pelo Imediato, com tudo o que se conseguiu arranjar a bordo e ainda algum material revistademarinha.com cedido pelo BALIVIER. Assim foi para lá o nosso triângulo de reboque de vante que com brincos de cabo de aço, de cá e de lá, improvisavam o sistema para receber o nosso cabo de reboque. Feita a aproximação, passou-se o mensageiro e a seguir o cabo de reboque de aço que foi ao triângulo. Seguiu-se a tarefa de pôr o triângulo fora, lá se conseguiu e largou-se o cabo de aço, amarra, um nosso cabo de nylon e um cabo de aço que foi ao cabeço do navio. Iniciado o reboque conseguiu-se ir aos seis nós com a DESFANGE de motores parados. “Grande entusiasmo”, já havia quem vaticinasse os 12 nós! A DESFANGE começou a rodar os seus motores e chegámos aos 7 folgados. Foi tudo almoçar, há três horas que estávamos em faina! Passado mais algum tempo avaliaríamos o comportamento do reboque. Depois de almoço atingimos os 8 nós folgados, em condições perfeitas de segurança. Decidi permanecer assim até amanhã, para ver o comportamento do reboque e fazer provas de consumo pois os gastos de combustível estão a ser uma preocupação. Os problemas na DESFANGE resultavam do estado deplorável em que se encontravam as baterias e toda a instalação de 24 volts. Tentativas de recarregar as baterias a bordo da CORENES acabaram por ter fracos resultados. Cercas das 18h00 a DESFANGE comunicou que as baterias estavam a baixar a voltagem rapidamente e por isso teve que parar os motores, vamos agora a rebocá-la a 6/7 nós. 12 DEZ – Noite sem novidade. Às 08h00, já com possibilidade de ver o cabo de reboque, aumentámos as rotações e vamos a 8 nós folgados. ( https://youtu. be/PqLZ_2r2fKg ) Colocava-se agora o fornecimento de pão à DESFANGE sem se perder andamento. Improvisou-se um “novo tipo de reabastecimento” com quatro boias ligadas entre si e com um peso na parte inferior. O pão ia dentro de um saco metido dentro de dois sacos de plástico que, por sua vez, iam dentro de uma saca de rede utilizada para o reabastecimento, tudo metido dentro das boias. Colocadas as boias na água deixou-se correr até à DESFANGE, mas fez muita força e uma das boias chegou partida, parte do pão parece ter chegado um pouco molhado e não foi possível recolhermos as boias, ficaram a bordo da DESFANGE. Apesar da boa vontade e do “engenho” o método não provou! ( https://youtu.be/ggb5thpViqA ) Seguíamos a 8 nós que não me pareciam “muito folgados”! Recebemos, entretanto, a posição dos outros navios, estavam ainda a 140 mi, o que aumentava a preocupação sobre a capacidade de, largando · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha História Marítima o reboque, podermos acorrer a tempo a uma situação mais crítica. À noite a DESFANGE “reclamou” que tinha recebido pão duro misturado com o pão mole. A “reclamação” foi passada ao C. S. Abastecimento par tomar providências. 13 DEZ – Noite sem novidade. Entre as 08h30 e as 09h30, as baterias, outro material necessário, o pão, o C. S. de Eletrotecnia e o Médico foram passados para a DESFANGE que cooperou com o seu bote de borracha, enquanto na CORENES se parava uma máquina e se punha a outra AV devagar. À tarde a DESFANGE lançou os motores, mas teve que os parar novamente. Às 18h00 o C. S. Eletrotecnia da CORENES, TEN. Barbeitos, informou que não podia fazer melhor do que já tinha feito, dado o péssimo estado da instalação. O motor de BB não conseguia o mesmo n.º de rotações ao veio que o de EB e, por vezes, queimava-se o fusível de um solenoide de controlo. Foi mandado regressar, veio já de noite, trouxe o material que serviu para o reabastecimento do pão e as nossas baterias. Informou que já tinha reparado o carregador de baterias da DESFANGE. Iniciámos novamente a marcha e a DESFANGE conseguiu lançar os dois motores. 14 DEZ – Noite sem novidade. De manhã, verificado o reboque, e apesar da DESFANGE ter que parar um motor, conseguimos chegar aos 9 nós. Ao meio-dia Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 estávamos, ainda, a 90 mi dos outros navios. Enviada mensagem para BALIVIER informando: “avarias sucessivas DESFANGE, necessidade de passar pessoal, material tem retardado aproximação restantes navios. Neste momento motor pp EB já oferece confiança permitindo reboque maior velocidade. Poderei em emergência largar reboque para apoio navios. BALIVIER informou que tinha reabastecido lanchas e que aguardava melhoria de tempo para verificar LFG’s a reboque. 15 DEZ – Noite sem novidade. Ao meio-dia estávamos a 40 mi dos navios, não foi necessário reabastecer a DESFANGE de pão. BALIVIER informou que reabasteceu LORION e que passou revista às lanchas a reboque e esgotou água da casa das máquinas da HIDRA. À noite BALIVIER informou da pretensão das LFG´s destacarem da TG para chegar a S. Tomé mais cedo devido às condições de vida a bordo. Tendo sempre presente a preocupação de poder ocorrer a tempo a qualquer ocorrência mais grave, foi decidido protelar essa partida para amanhã, dia 16. 16 DEZ – Noite sem novidade. De manhã ainda atrasámos um pouco para reabastecer a DESFANGE, mas, finalmente, ao fim da manhã estavam todos os navios à vista. À tarde as LFG`s foram autorizadas a destacar da TG. Mas, antes de destacarem para chegar mais cedo a S. Tomé, · revistademarinha.com veio a bordo um Comandante, trouxe fiambre e levou em troca 2 garrafas de brandy, levou também cebolas (!) para satisfazer uma encomenda de bordo. E levou, ainda … um meu boné. Tinha sido, entretanto, promovido a CTEN e faltava-lhe esse artigo de uniforme! Não registei o nome e, a esta distância, a minha memória já não recorda. As LFG´s destacaram às 14h00 sob o comando do Comandante mais antigo e com instruções para comunicar de 4 em 4 horas a situação. Passámos na formatura para BB do BALIVIER ficando a DESIETE a EB. Pensou-se em aumentar a velocidade, mas conforme informação do BALIVIER não era conveniente por causa das entradas de água nas LFG´s a reboque. 17 DEZ – Noite sem novidade. De manhã recebida informação das LFG’s destacadas que já tinham terra à vista. À tarde foram reabastecer à enseada da Rosema e depois regressaram a Ana de Chaves. Entretanto reduzimos a velocidade a fim de estar às 06h00 de amanhã a NE de Ana de Chaves para iniciar a faina dos reboques. 18 DEZ – Noite sem novidade. Alvorada às 06h00 e faina às 06h30 para iniciar a faina de largar o reboque da DESFANGE. LIRA saiu para apoiar o BALIVIER e o nosso bote foi também para o BALIVIER com pessoal das lanchas e material para esgoto. A faina de largar o reboque da 59 85.O Ano A CORENES e uma LFG em manobra de reabastecimento. DESFANGE foi demorada e só às 08h30 seguimos para a Rosema para reabastecer. Recordo as condições de reabastecimento, fundear em águas com bastante fundo, já não me lembro quanto largámos de amarra, mas ficou quase a pique, girar sobre o ferro passando com a popa a poucos metros de pedras até a colocar em posição de embarcações locais levarem para terra cabos de amarração e a mangueira. ( https://youtu.be/D31_lEg5sjk ) Às 15h30 acabámos de atestar de combustível, estivemos até às 16h00 para meter mais água, mas esgotou-se! Regressados a Ana de Chaves, como já era muito tarde decidiu-se não ir reabastecer o BALIVIER e só o fazer amanhã de manhã. Seguiu-se diretamente para o fundeadouro para dar licenças ao pessoal e para tratar do reabastecimento dos navios que se queixavam da falta de géneros no mercado local. Ao fim da tarde ainda pensei ir a terra saudar os camaradas que naquela altura estavam ali destacados, mas o cansaço venceu-me (a esta distância, no tempo, as minhas sinceras desculpas pela falta de cortesia!), aliás, amanhã vai ser necessário “puxar pelos castanhos”. Entretanto BALIVIER esteve até às 18h00 a esgotar a água nas LFG’s a reboque. 19 DEZ – Noite fundeado em Ana de Chaves. Às 08h00 faina para seguir para junto do BALIVIER, para o reabastecer. Fundeou-se ligeiramente a AV e depois deixou-se descair a aproximar as popas, foi passada uma espia dobrada à popa e uma espia singela castelo a castelo, mantendo-se os navios afastados em V. Foram fornecidos cerca de 45.000 litros de combustível. Também se colaborou com o BALIVIER para acabar de esgotar a água das LFG’s. Às 10h00 veio a DESIETE para fornecer água, primeiro atracou ao BALIVER e depois à CORENES, abasteceu com cerca de 20 tons cada um. ( https:// youtu.be/UrAweK3q890 ) Às 15h00 começaram os navios a largar de Ana de Chaves, devido ao estado do 60 tempo, vento e mareta, as fainas de reboque (CORENES/DESFANGE e BALIVIER/ LFG´s) foram trabalhosas e só cerca das 19h00 estavam os navios, finalmente, na formatura, rumo e velocidade determinados. 20 DEZ – Noite sem novidade. De manhã CORENES reabasteceu DESFANGE com pão. 21 DEZ – Noite sem novidade. LORION passou revista às LFG´s a reboque do BALIVIER, tudo normal. À tarde CORENES reabasteceu LIRA, utilizando o bote. 22DEZ – Noite sem novidade. De manhã CORENES reabasteceu DESFANGE com pão. 23 DEZ – Noite na expectativa da chegada a LUANDA! E, finalmente, “arribámos” a LUANDA! Graças ao esforço de TODOS, todo o pessoal e navios que tinham largado de S. Vicente puderam dizer presente! Missão cumprida! Na adriça de sinais o CTG 24.1 mandou içar o BZ (Bravo Zulu, well done). CONCLUSÃO Como já foi por mim referido, não posso deixar de encerrar estes artigos sobre a “Incrível Armada” sem publicar este testemunho, que é simplesmente único, o diário do CTG 24.1 CTEN Duarte Costa, ao qual não me atrevi a colocar ou retirar nem uma virgula, porque relata em detalhe a forma como as praças, sargentos e oficiais, de todos os navios se comportaram. Fizemos uma travessia com unidades que dificilmente alguém acreditaria que a poderiam fazer, umas a reboque e outras pelos seus meios, saímos do Porto Grande, S.Vicente, Cabo Verde, no dia 3 de Dezembro de 1974, e chegámos 20 dias depois a Luanda. Guarda Marinha à partida de Cabo Verde, fui promovido a 2.º Tenente durante a viagem, e considero ter sido um prirevistademarinha.com vilégio poder ter participado nesta missão que nunca será esquecida na Marinha. O Oficial a que o Comandante Duarte Costa se refere, como lhe tendo emprestado um boné de Oficial Superior, foi o 1.º TEN Martins Soares (entretanto já falecido), que também foi promovido durante a viagem. Estávamos em dezembro de 1974, ainda com navegação astronómica, com uma estima condicionada pelos diferentes rumos e velocidades praticadas, com todos os incidentes relatados, os quais puseram à prova a resiliência, e a determinação desses homens do mar. Muito obrigado, e como as bandeiras mandadas içar na adriça de sinais da CORENES, à entrada da Baía de Luanda, Bravo Zulu (well done)! Valeram a pena todos os sacrifícios. Sendo os leitores da RM um universo muito para além dos Oficiais da Armada, julgo ter utilidade “decifrar” os indicativos de chamada utilizados no texto. Assim: CORENES – Corveta – N.R.P. ANTÓNIO ENES – F 471 BALIVIER – Balizador – N.R.P. SCHULTZ XAVIER - A 521 DESFANGE - Lancha de Desembarque Grande – N.R.P. ALFANGE – LDG 401 (a reboque desde 11DEZ) DESIETE – Lancha de Desembarque Grande – N.R.P. ARÍETE – LDG 402 LIRA - Lancha de Fiscalização Grande – N.R.P. LIRA – P 361 LORION - Lancha de Fiscalização Grande – N.R.P. ORION – P362 LARGOS - Lancha de Fiscalização Grande – N.R.P. ARGOS – P 372 (a reboque) LAGÃO - Lancha de Fiscalização Grande – N.R.P. DRAGÃO – P 374 (a reboque) LIDRA - Lancha de Fiscalização Grande – N.R.P. HIDRA – P 376 (a reboque). Não posso terminar sem referir o caracter estritamente pessoal deste diário do Cte. Duarte Costa, que só depois de muita insistência minha permitiu que eu o pudesse utilizar, isto por o considerar como um rascunho de um documento de trabalho. É precisamente esta circunstância e simplicidade que, pelo contrário, lhe confere, na minha modesta opinião, o valor intimista e de memória viva desta missão. Muito, muito obrigado, camarada e amigo Comandante Duarte Costa! * Capitão de Mar e Guerra, ref [email protected] OBSERVAÇÕES: 1. A Parte I foi publicada na RM 1019 e a Parte II na RM 1021. 2. Muito se agradece ao ex – 2º Ten. RN Sarsfield Cabral a cedência de muitas das fotos apresentadas. · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Construção & Reparação Naval Exportar Navios Verdes por Jack Soifer* JÁ EXISTEM! O MERCADO CRESCE! A marinha, mercante e de guerra, foi das primeiras a inovar, ao passar do vento para lenha e depois carvão. Há 120 anos usamos combustíveis fósseis, poluentes, exceto em submarinos e quebra-gelos nucleares. Mas ainda não há soluções inteiramente seguras para o armazenamento dos resíduos atomicos. Há uns dez anos começaram testes com sistemas de propulsão que reduzissem a poluição causada pelos navios. A International Maritime Organization (IMO), sugeriu uma redução das emissões marítimas em 50% até 2050. Mas os EUA, Japão e Reino Unido decidiram por zero até aquele ano. Aplicativos muito modernos aproveitam os dados online da NASA e não só, de correntes marítimas e de ventos, para ajustar a rota dos navios e reduzir o uso de fuel ou aumentar a velocidade, mesmo à custa de uns minutos a mais no mar. Agora usa-se o vento para apoiar a propulsão. Por exemplo, já há 22 rotores em 11 navios, que usam a diferença de pressão no ar em torno de objetos que rodam. Estão em ferries, navios de cru- Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 zeiro, navios ro-ro e petroleiros. Também há ferries que usam muitos painéis solares tradicionais e outros com células fotovoltaicas em velas flexíveis para girar e ganhar o máximo de insolação. Há também giga velas em compósito, que aproveitam os ventos e o movimento do navio e geram energia. O maior potencial está, contudo, no uso em duas rotas de amónia ou metanol como combustível. Mas isto implica antes ter de calcular o TCO, Total Cost of Ownership, por 25 ou mais anos, que inclui o investimento na aquisição do navio, os custos de operação, etc. Em 2019, 65 milhões de tons de minério de ferro navegaram da Austrália para usinas siderúrgicas no Japão. Tanto as mineradoras quanto as usinas estão dispostas a reduzir as suas emissões, que causaram 1,7 milhões de tons de CO2. Necessitam de 41 navios com zero-emissões. Outra grande rota é a que transporta os contentores da Asia para a Europa. Em 2019, 24 milhões de TEU’s em 365 navios causaram 3% do total de emissões do planeta. A UE já promulgou recomendações para reduzir as emissões. NOVOS COMBUSTÍVEIS, BONS ESTALEIROS Alem das inovações citadas que, independentemente do tipo de combustível apoiam a propulsão, a amonia e o metanol verde estão a ser testados. Comparado ao fuel, no TCO poderão custar em 2050 uns 50% mais, se o custo do crude não subir. E ainda se o custo das energias renovaveis continuar a cair e chegar aos US$16 por Mw/h, como é provável. Vários estudos indicam que Portugal tem um enorme potencial em usar a ener- · revistademarinha.com gia das ondas e das correntes submarinas. Já usamos e podemos ainda expandir a fotovoltaica. Assim poderemos reduzir o custo do Mw/h. Temos excelente mão-de-obra no setor, bons estaleiros navais que poderiam ser melhor utilizados, em Viana do Castelo, Aveiro, Figueira da Foz, Peniche, Almada e Setúbal. Muitos projetistas e inovadores lusos emigraram; mas podem regressar. O financiamento do PRR focado neste potencial pode criar uns 500 postos de trabalho altamente qualificados e pelo menos mais uns 8.000 qualificados, diretos e indiretos. * [email protected] REFERÊNCIAS: – www.decadeofwindpropulsion.org – www.vidaeconomica.pt – https://www.mckinsey.com/business-functions/ sustainability/our-insights/green-corridors-a-lane-for-zero-carbon-shipping?cid=other-eml-alt-mip-mck&hdpid=7827c021-2102-4192-b2cd-2c49be6773d4&hctky=9241545&hl kid=2fc5c9ff4adf4c4ebbcfbeab62bb37a0 – TRANSPORTES, Aguiar, A. M, Silva, Luís C., Soifer, Jack; Lisboa, 2011, capítulo 16 – COMO SAIR DA CRISE, Soifer, Jack; Lisboa, 2010, capítulo 15 61 85.O Ano O Armador JOSÉ ROQUE por Luiz A. Roque Martins* o dia 7 de setembro de 2021, dia da cidade, a Câmara Municipal de Faro, num ato de inteira justiça, atribuiu o nome de José Roque Junior, grande empreendedor e armador farense, à artéria que envolve a muralha medieval, desde as Portas do Mar até ao Largo de S. Francisco, área onde José Roque desenvolveu intensa atividade na primeira metade do Séc. XX. José dos Santos Roque Júnior, mais conhecido por José Roque, era o mais velho de dez irmãos, nasceu em Faro a 12 de dezembro de 1887, na antiga Rua da Barreira, Freguesia de S. Pedro, filho de José dos Santos Roque e de Maria do Carmo Roque. O pai era marítimo e possuía barcas, pequenas embarcações de cabotagem, com velas de bastardo, de dimensões variadas, em que as de maior deslocamento podiam navegar em segurança até ao norte de Portugal e para sul até ao Estreito de Gibraltar. Efetuavam transporte de mercadorias variadas. José Roque foi Mestre nestas embarcações ainda jovem, dadas as suas características de liderança e forte personalidade, aliadas à sua qualidade de primogénito, sendo assim o braço direito de seu pai. Foi impulsionado pelo seu espírito empreendedor que a família veio a beneficiar economicamente com a execução do projeto da construção da Barra de Faro-Olhão em que as barcas transportavam para a barra os blocos previamente marcados para posicionamento definitivo. Este projeto de grande dimensão ficou concluído em 1919. De todas as barcas, ficou na memória a CHALONA, por ser muito robusta e rápida. Depois de uma longa vida acabou por se afundar quando se encontrava fundeada em frente das “Portas do Mar”, em Faro, debaixo de uma grande tempestade. Ainda nos anos 20 deslocou-se a Angola para estudar a implantação de uma companhia de pescarias, no Sul, na zona de Moçâmedes, projeto de que veio a desistir. Deslocou-se depois à Holanda para estudar a construção de navios de madeira motorizados. O certo é que nos finais dos anos 30 do século passado se abalançou a meter na carreira do Largo de S. Francisco uma barca robusta, onde introduziu significativas Entretanto José Roque tinha-se lançado num projeto de grande envergadura entre os anos de 1940 e 1945 em plena II Grande Guerra Mundial (II GGM). Construiu na carreira instalada no Largo de S. Francisco entre o Cais Neves Pires e o Apeadeiro cinco navios com motor, nomeadamente: – 1941 – VALE FORMOSO SEGUNDO (iate c/motor) – 102 ton. – 1942 – VALE FORMOSO PRIMEIRO (fragata c/motor) – 67 ton. – 1942 – AMBAR (fragata c/motor) - 68 ton. – 1944 – OMAR (iate c/motor) - 82 ton. – 1944 – JORQUE (iate c/motor) - 82 ton. N 62 alterações, para aumentar o deslocamento e ao mesmo tempo proceder à sua motorização. Nascia assim o seu primeiro navio com motor a que deu o nome de VALE FORMOSO PRIMEIRO. Este navio atuou com base em Faro e batia uma área entre o Mediterrâneo e a Biscaia. Acabou por se afundar ao largo do Cabo Villano (Espanha), debaixo de uma enorme tempestade em novembro de 1941. revistademarinha.com Para dirigir estas construções José Roque contratou o Mestre construtor naval José Miguel Amaro que deu às construções um traço muito pessoal. Estas, além de belíssimos navios para o mar, eram muito bonitos, com um painel de popa elíptico de grande dimensão onde estava desenhado o nome do navio e o porto de armamento. Durante praticamente o período da II GGM, mais de metade da área do Largo de S. Francisco constituiu um verdadeiro estaleiro, esteve ocupada por madeiras a serem preparadas e transportadas para a carreira. Todas as madeiras foram previamente escolhidas por José Roque e pelo Mestre José Miguel Amaro que para tal se deslocavam às matas de Alcácer do Sal, onde as escolhas recaiam essencialmente no pinheiro-bravo, no pinheiro manso e no · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Cultura Marítima sobreiro merecendo este uma atenção especial pois era ao sobreiro que se iam buscar as peças mais difíceis como as rodas de proa e os cadastes. Na área do estaleiro era intenso o cheiro a madeira cortada. O pessoal empregado na construção, carpinteiros de machado, carpinteiros de branco, calafates e outros profissionais, foram recrutados em Faro, mas também em Portimão e em Vila Real de Santo António, locais onde a indústria da construção naval estava implantada. Acontecimentos verdadeiramente únicos eram as cerimónias do lançamento dos navios ao mar. Naqueles dias, o povo acorria em grande número para observar tudo de perto. E assim na hora do lançamento o talude da linha férrea (Linha do Algarve) e o troço que fazia a ligação ao cais Neves Pires encontravam-se completamente apinhados de gente. Após a bênção do navio e do embate da garrafa de espumante no costado, lançada pela personalidade que apadrinhava o ato, o navio começava a deslizar na carreira e a entrar lentamente nas águas da Ria Formosa. Os padrinhos foram sempre figuras muito conhecidas na cidade. Um dos últimos navios de José Roque a ser lançado ao mar foi apadrinhado pelo Almirante Ramalho Ortigão, antigo Capitão do Porto de Faro e figura de muito prestígio da Marinha Portuguesa. Em 1945, quando acabou a Guerra estava em construção o maior navio do conjunto, o sexto, o MAJORINA de 600 tons, mas com o armistício, assinado em setembro, os juros subiram enormemente e José Roque não conseguiu concluir o navio, tendo o mesmo sido entregue na fase em que se encontrava ao Banco que financiava a construção. Os navios operavam e movimentavam mercadorias entre os portos do Mediterrâneo, Norte de África, Portugal, Norte da Península e Biscaia. À época os fretes eram muitas vezes negociados no Café Aliança, na área dos negócios, ala que dava para a rua Dom Francisco Gomes, que era um verdadeiro centro comercial onde José Roque era muito conhecido e estimado. Com uma frota muito significativa, José Roque ligou-se depois a novos sócios e constituiu a Sociedade Mar Trans – Sul, Lda, que acabou por não ter o sucesso que ele imaginava, voltando depois a atuar sozinho numa sociedade com os filhos. Homem de grande dinamismo, de personalidade muito forte, empreendedor, aplicou sempre todos os seus proventos no Mar. José Roque teve oito filhos e interessou-se muito pela instrução que lhes dava. No Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 fim de cada época escolar proporcionava, sempre que possível, uma viagem num dos seus barcos até ao Cabo de S. Vicente, onde embarcavam os filhos e os seus colegas mais amigos. A grande recordação do passeio era, quando o estado do mar permitia, passar entre o Cabo de S. Vicente e o Gigante, um rochedo que lhe fica muito próximo. O seu caracter, a sua honestidade e a sua coragem foram sempre recordados em família e hoje passadas várias gerações, muitos apelidos foram acrescentados mas a marca que ficou é a dos “ROQUES”. Em 1949, a 9 de dezembro, a poucos dias de fazer 62 anos, embarcou no seu navio AMBAR para levar uma carga de cortiça a um navio espanhol que se encontrava fora da Barra Faro-Olhão. Ao corrigir uma manobra de lançamento de um cabo no momento da atracação, o pé de suporte falhou e o seu corpo caiu · revistademarinha.com entre os dois navios. Retirado do mar já sem sentidos e levado de urgência para Faro, ali veio a falecer no Hospital da Misericórdia. O seu falecimento foi muito sentido não só na sua Família como na cidade de Faro e em todo o Algarve, onde durante bastante tempo foi o principal impulsionador da indústria de construção naval ali existente e do comércio marítimo. No seu funeral tomaram parte muitas centenas de pessoas de todas as categorias sociais. * Contra-Almirante, ref Vice-Presidente da Academia de Marinha (Neto mais velho de José Roque). OBSERVAÇÃO: A fragata com motor construída em 1942 tomou o nome do navio VALE FORMOSO PRIMEIRO, afundado em novembro de 1941 ao largo do Cabo Villano. 63 85.O Ano O Nosso Navio por M. M. Sarmento Rodrigues* nosso navio é, para nós, o melhor de todos. Nenhum, como ele, mais airoso e leal pode sulcar os mares. Se nos dizem que os mesmos planos serviram para muitos, mesmo assim não podemos acreditar que outros iguais foram feitos. Sabemos bem que se não pode dar uma só vida a dois seres, insuflar o mesmo espírito a dois corpos. E um navio, sente-se perfeitamente, é um ser vivo, que nasce com o destino marcado, qualidades e defeitos que o distinguem, lhe dão caracter e simpatia, nos entram pelos olhos e nos penetram e absorvem e nos fazem amá-lo sobre tudo o mais. O Neste “nosso LIMA” – como ainda lhe chamam com carinho e saudade todos os que tiveram a ventura de saber nele servir – ninguém lamenta a aspereza da sorte. Embalados na bonança ou fustigados por temporais, só motivos de orgulho temos, afinal, recebido e, dia a dia, a nossa confiança se vai enraizando, a mais e mais. Anda com ele o mau tempo … É verdade. Mas os nevoeiros e as procelas, vendavais e aguaceiros, outro resultado não deram do que aumentar a fama da sua tão notável existência. Companheiros, duros companheiros que apenas o exaltam e nunca o abateram! Encalhes, colisões, avarias grossas, balanços desmedidos, todo um sudário de revezes, tem servido apenas para claramente se ver como este valoroso e martirizado navio nos prende e afeiçoa. Todos sabemos o que é um bom navio, um navio de sorte. Não é certo que foi ele, na nossa Marinha, quem mais náufragos salvou? Há 228 vidas que também nunca o poderão esquecer, a esse LIMA que os foi tirar da negrura da noite do mar sem fim. Ninguém sai o portaló de vez, sem levar mágoa que não esquecerá breve. Tenho-os visto a descê-lo com as lagrimas em fio; e vejo-os às vezes ao longe, debruçados NOTA DO DIRETOR Como os nossos leitores talvez se recordem, publicamos na RM 1013 (jan-fev 2020) o interessante artigo “O nosso navio”, assinado por Jorge Bettencourt, Oficial da Armada na reforma. Fui na altura contactado por um camarada mais antigo, pelo V/Alm. Cavaleiro de Ferreira, nosso estimado assinante, que me referiu existir já um texto com o mesmo título, da autoria do Almirante Sarmento Rodrigues. Depois desta chamada de atenção recordei-me de ter visto aquele texto,, há umas largas dezenas de anos, mais de uma vez, emoldurado e pendurado na parede; foi-me dito que também era frequente encontrá-lo a bordo, a decorar anteparas nas camaras de Oficiais ou na camarinha do Coman64 dante. Com o apoio do Cte. Adelino Rodrigues da Costa, camarada e amigo a quem muito agradeço, localizei o texto em apreço, o primeiro capítulo do livro “Rio Lima, o seu navio e os seus heróis”, uma edição do N.R.P. LIMA, de 1944. A semelhança nos títulos é uma mera coincidência; o texto do Engº Jorge Bettencourt refere-se ao N.E. SAGRES, desde 1962 o “nosso navio” para as sucessivas gerações de alunos da Escola Naval, enquanto o texto do então CTEN Manuel Maria Sarmento Rodrigues se refere ao contratorpedeiro LIMA, que comandou com muito sucesso num período que coincidiu com a II Grande Guerra Mundial. Ficaram para a história os salvamentos revistademarinha.com de náufragos de navios torpedeados nos mares dos Açores e um balanço de 67º, com o LIMA navegando com mau tempo de regresso a Ponta Delgada. O texto de Sarmento Rodrigues, muito bem escrito, é intemporal e toca o coração de qualquer marinheiro, designadamente daqueles que … usam botão de âncora, aos que como nós andam nos seus queridos navios. Após um contacto com a família de Sarmento Rodrigues, a quem muito agradecemos, não resistimos a publicar este texto na vossa revista, para benefício dos nossos leitores mais jovens, que porventura não o conheçam. Alexandre da Fonseca · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Cultura Marítima em outras balaustradas, olhando, enlevados, o seu velho navio que o destino lhes fez abandonar. Do Ultramar distante, das casas remotas dos quatro cantos da nossa terra, muitos se lembram do que foi o seu navio, escrevem e evocam-no. Parece-lhes, às vezes, que tudo deixariam para lhes pertencer de novo. E assim tem de ser. Cada um de nós não pode em parte alguma cumprir melhor o seu dever, servir com mais honra o seu país. Aqueles que em momentos trágicos, difíceis, tem sabido mostrar o que valem como homens do mar, não podem deixar de estar fundamente agradecidos a um navio que lhes deu tamanhas oportunidades. Dos mais humildes postos de serviço às mais categorizadas situações, dos fundos porões às trepidantes máquinas e às encharcadas pontes, quem não se descobriu a si próprio em momentos de perigo, quem não cessou para sempre de duvidar de si? Estes homens por força que hão de querer a um navio em que se honraram. Os outros, se os houvesse, não seriam, em verdade, marinheiros, nem dignos de ser do LIMA. Mas o nosso navio não cuida apenas de Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 si. Olha sempre para os outros, admira-os e estima-os. Sente-se orgulhoso dos seus feitos e triste com as suas mágoas. Todos eles são a Marinha, na qual não passamos de um átomo, obscuro e humilde, da sua grandeza inatingível. Nós somos, na verdade, os da Marinha. Aqueles que tem o privilégio de passar noites infernais sob tormentas, sem um queixume e, sobretudo, sem que ninguém pense que pode ser pago em moedas tão imaterial sacrifício. Aqueles que dia a dia aprendem a lealmente lutar com mares e ventos; que podem, em toda a sua magnitude, sentir a dureza e fragilidade da vida; que preferem ao conforto o risco, a miséria ao luxo, a honra ao dinheiro. Nada nos devem os senhores da terra. Gozamos destes estranhos prazeres que a eles são vedados, agradecidos à nossa boa estrela que nos fez marinheiros. · revistademarinha.com Por certo, quem trocaria tais postos de honra, sobre as pontes desmanteladas, por um vil e apodrecido bem-estar? Sentimos que só nós poderíamos ocupá-los, porque nós é que somos marinheiros. E estamos pagos. Isto é assim nos navios da Armada. Por isso a todos saudamos fraternalmente. Àqueles que como nós usam botão de âncora, aos que como nós andam nos seus queridos navios. E particularmente nos lembramos, com saudade e admiração, dos que outrora tripularam este navio, enchendo-se de lustre, cobrindo-o de renome. Antigos e ilustres Comandantes que tão bem o conduziram em escabrosas, delicadas e importantes missões; briosos oficiais, estrénuos e dedicados sargentos, galhardos marinheiros. Por novos e velhos, antigos e modernos, Comandantes e grumetes, por todos nós corre o mesmo afeto a um corpo de aço e alma de fogo, a um ser vivo e vibrante que se chama LIMA, “o nosso navio”! * Cap-Ten Comandante do N.R.P. LIMA 65 85.O Ano Meio Continente como Herança … uma obra de séculos, a melhor obra de que reza a nossa história por Artur Manuel Pires* oaquim Pedro Oliveira Martins, refere-se desta maneira ao trabalho de Portugal no Brasil, a páginas tantas do seu “O Brasil e as Colónias Portuguesas”, publicado a primeira vez em 1880, e merecida e sucessivamente reeditado até à atualidade. Creio que o grande historiador tem inteira razão no seu juízo, e o Brasil, a sua construção deliberada, é um dos elementos fundadores da nossa nacionalidade, a par dos outros que foram a própria fundação em 1143, a opção marítima em 1336 com a expedição às Canárias, ou 1415 com a conquista de Ceuta, a recuperação da independência em 1640, e a desmobilização ultramarina e a opção europeia em 1974. Sobretudo todo o Império Ultramarino, foi pensado e gerido em função do Brasil; para servir o Brasil. Se chegámos previamente à Índia, e conseguimos erguer um império no Oriente, na articulação do Índico com o Pacífico, a nossa soberania aqui, em territórios que nos cabiam como as Molucas e as Filipinas, pela divisão do mundo oriunda de Tordesilhas, foi trocada por territórios na América do Sul, que por aquela mesma divisão cabiam a Espanha, empurrando a raia do Brasil cerca de dois terços para lá daquilo que primitivamente nos foi atribuído. E se também chegámos antes à foz do Congo, e nos estabelecemos ao longo da África Ocidental e Oriental, foi para obter meios para construir o Brasil, numa altura em que daqui não vinha nem ouro nem prata, e mesmo que estes meios fossem constituídos em parte por contingentes de escravos africanos, transladados à força para a América, num empreendimento ignóbil e sórdido, mas que infelizmente foi praticado por todas as nações, sobretudo as maiores, como foi Portugal. O país empenhou na construção do Brasil, as suas grandes casas, onde foi buscar as classes dirigentes que fez residir no território, em permanente expansão e remodelação de processos administrativos, numa procura do melhor formato político de governação. Assim, depois da ocupação sistemática, começada em 1525, por ordem de J 66 Oliveira Martins retratado por Columbano (óleo sobre tela, 1891). D. João III, que sucedeu à surpresa da descoberta e ao maravilhamento com o novo território, o tempo dos capitães e marinheiros que começam cada vez mais frequentemente a escalar o litoral, segue-se o sistema, já utilizado em Cabo Verde, Açores e Madeira, de entregar o Brasil à iniciativa privada – mas tutelada – com a sua divisão em doze capitanias, num processo feudal e federativo, que se vai estender, teoricamente de 1530 a 1535, mas que fortemente desvirtuado ainda regista vestígios no século XVIII. Perante o relativo insucesso do modelo, em 1549 Lisboa decide regressar ao modelo estatal, imperial, e centralizador, e nesse mesmo ano chega à Bahia, Torevistademarinha.com mé de Sousa, primeiro Governador Geral. Mais tarde, esta figura ia evoluir para a de Vice-Rei, desempenhada pela última vez pelo Conde dos Arcos em 1808. Eternamente a contas com o déficit de população para ocupar e gerir os territórios que os descobrimentos incorporaram, em certos momentos quase a rodos, ao património português, nem mesmo assim utilizámos o Brasil como local de degredo para tentar solucionar os problemas judiciais da Metrópole, como veio a acontecer com os nossos territórios africanos, ou como Espanha fez na própria América do Sul. A grande percentagem de condenados à reclusão no Brasil, foi constituída por perseguidos por motivos religiosos, vítimas · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha História Marítima sobretudo da Inquisição. representação da Ilha BraEm 1822, quando o sil, ou seja, um território Brasil adquire a sua innosso, quase autónomo dependência, adquire sido restante continente, multaneamente cerca de contido em fronteiras harmetade dos quase 18 mimoniosas como fossem lhões de quilómetros quao Atlântico a oriente, e o drados da América do Sul, sistema hidrográfico dos deixados por Portugal. rios Amazonas e da Prata E se é verdade que do a ocidente, cujas bacias O académico brasileiro José Cândido de Carvalho. atual território brasileiro faz quase se tocavam – numa agora parte o imenso terrirepresentação cartográfitório do Acre, incorporado pelo Barão do ca da altura, e provável e deliberadamente Rio Branco em 1903, também é verdade errada para servir os nossos interesses que por alturas do grito do Ipiranga, faziam e que igualmente serviam para desenhar parte do território a Colónia de Sacramenrespetivamente os limites Norte e Sul. to, sensivelmente o atual Uruguai, e as Quando os portugueses foram a MaGuianas, com uma extensão e configuradrid, em 1750, negociar as fronteiras da ção maiores do que as atuais. divisão da América do Sul entre os dois E não é apenas a imensidão da área países ibéricos, sabiam que no terreno herdada que lhe dá um protagonismo reas coisas não eram exatamente assim, o levante no cenário político local, porque a que contudo os espanhóis desconheciam outra metade do continente é dividida por doze países, os dez vizinhos fronteiriços do Brasil, mais o Equador e o Chile. E uma vizinhança fronteiriça abundante sequer é típica dos países-continente. O maior país do globo, o Canadá, tem apenas por vizinho os Estados Unidos da América, e este (outro gigante) têm apenas fronteira terrestre com dois vizinhos; aquele mesmo Canadá, e o México. A massa continental, herdada pelo Brasil foi paulatina, mas arduamente construída por Portugal, com recurso à iniciativa privada, com os bandeirantes, à eclesiástica, com os jesuítas, e estatal, com a diplomacia, esta apoiada no conhecimento pormenorizada que fomos adquirindo da geometria do território, nomeadamente no que tocava à sua integração e complementaridade com o restante continente sul-americano, fruto de expedições exploratórias registadas em magníficas cartas geográficas. Com esta panóplia conseguimos explorar com proveito a conceção e Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · revistademarinha.com quase de todo, e conseguimos ficar com o que tínhamos na altura, não apenas porque efetivamente havia vida portuguesa naquelas paragens, mas sobretudo graças à utilização brilhante que o nosso principal negociador do tratado então acordado, Alexandre de Gusmão, fez da figura jurídica do uti possidetis ita possideatur – em vernáculo, qualquer coisa próxima de como possuis assim possuas - e ganhar para o Brasil a posse exclusiva do Amazonas, o maior rio do planeta, enquanto Espanha ficava com o Prata, rio que serve um conjunto de territórios, a que o Brasil também acede através do complexo do Paraná. Portugal só tem razões para se orgulhar do seu trabalho no Brasil, e depois deixado de herança a este maravilhoso país. E se alguma coisa correu menos satisfatoriamente, isso ficou a dever-se à ausência de meios para acorrer a tão vasto Império, num trabalho simultâneo e insano de descobrir, conquistar, conservar, e se possível dilatar, de onde adveio uma forma cultural de administrar, magistralmente interpretado por José Cândido de Carvalho, o dos Campos dos Goytacazes, no seu discurso de posse na Academia Brasileira de Letras: …quem lidou com sereias e foi personagem de Camões, não podia mais apascentar ovelhas. O resultado final, foi e é o Brasil, reconhecido por portugueses e brasileiros, e enaltecido por figuras ilustres, como é caso de Eduardo Prado, amigo muito chegado de Eça de Queiroz – outro apaixonado pelo Brasil - dos derradeiros tempos de vida dos dois, em Paris, e citado por José Lins do Rego, em “Dias Idos e Vividos” … de todas as transformações da raça e da civilização europeia, debaixo do céu dos trópicos, a que Portugal fez do Brasil é a que tem tido mais completo, largo e perdurável sucesso. * [email protected] 67 85.O Ano Uma Obra Notável por José António Cervaens Rodrigues* m 1511, Afonso de Albuquerque consolidava a presença em Goa e partia para Malaca, que caiu nas suas mãos, após violentos e prolongados combates, que tiveram lugar no rio, na praia e na cidade. O sultão Mahamaud Syah, com o apoio do Bendara e da comunidade muçulmana defendeu-se com toda a energia, consciente do que significava a perda daquele ponto estratégico de tão vital importância económica e política. Mas a vitória sorriu aos portugueses, que assim entraram num mundo novo, de que conheciam pouco mais do que mitos e lendas, e vagas informações. O estreito de Malaca era a porta de comunicação entre duas metades de um sistema mercantil que ia da costa Ocidental africana ao Japão … Com estas palavras, Jorge Semedo de Matos, Oficial de Marinha com mais de 40 anos de serviço, Doutor em História dos Descobrimentos e da Expansão, membro emérito da Academia de Marinha e reputado investigador, inicia a sua obra “Roteiros e rotas portuguesas no Oriente, nos séculos XVI e XVII”, editada pelo Centro Científico e Cultural de Macau e pela Fundação Jorge Álvares. Lendo a introdução o leitor imediatamente se apercebe do fascínio que o Extremo Oriente exerceu sobre o autor, estimulando-o ao estudo das viagens que os nossos navegadores empreenderam, infiltrando-se em rotas já existentes que passaram a usar em seu proveito e por iniciativa própria. Só a rota das Molucas, a das “especiarias ricas” foi controlada pelo poder político nacional. Contrariamente ao que sucedeu no Atlântico e ´no Índico Ocidental, de que abundam roteiros compilados nos Livros de Marinharia, o Extremo Oriente esteve quase ausente das coleções de documentação náutica. Semedo de Matos procedeu a uma busca desses roteiros, muito escassos e incompletos na maior parte do século XVI, mais numerosos no século XVII. Refere como o mais expressivo no primeiro grupo a compilação, datada de 1595, de Huygen van Linschoten, o holandês que transportou para o seu país documentação preciosa que tinha recolhido na Índia, rapidamente traduzida para francês, inglês e outras línguas, e que foi apoio inestimável á expansão holandesa subsequente. No segundo grupo, relativo ao século XVII, a principal fonte é o Livro de Marinharia de Gaspar Moreira, mas os códices Cadaval e Castelo Melhor, conservados em bibliotecas privadas, foram os contributos inéditos E 68 mais importantes para a obra em análise, a que junta textos do Livro de Marinharia de André Pires e do Livro de Marinharia da Academia Real de la Historia de Madrid. A estrutura da obra, que contém numerosas e esclarecedoras ilustrações, desenvolve-se num primeiro capítulo onde Semedo de Matos define o espaço geográfico e social das viagens marítimas no Extremo Oriente, e em três capítulos correspondentes a áreas geográficas distintas: “Os Mares do Arquipélago”, “O Mar da China” e “Entre China e Japão”. Segue-se uma breve conclusão, um glossário, as fontes consultadas, uma extensa bibliografia e um apêndice documental constituído por uma criteriosa seleção de transcrições de roteiros inéditos. Neste apêndice encontram-se extratos do Livro de Marinharia de André Pires, pertença da Bibliothèque Nationale de França, do Livro de Marinharia da Academia de la Historia de Madrid, contendo documentos a que Semedo de Matos atribui datações anteriores à presença dos Portugueses em Macau, um códice pertencente á Casa Cadaval e outro propriedade da família Vasconcellos e Sousa, conhecido como Códice de Castelo Melhor. No Capítulo I começa por definir os limites da área que vai tratar e analisa a posição estratégica de Malaca, referindo que as expedições do almirante Zheng He, nas suas viagens para o Índico Ocidental, escalaram este porto nos primeiros anos do século XV, revistademarinha.com muito antes da chegada dos europeus. Um século mais tarde o sultanato de Malaca seria tributário direto do Império Chinês que reconheceu a sua importância estratégica no controlo do fluxo das mercadorias que passavam para o Ocidente. Descreve as diversas comunidades existentes em Malaca antes da conquista por Afonso de Albuquerque, onde a chinesa assumia papel predominante. Termina com uma longa e pormenorizada explicação dos aspetos meteorológicos da zona: o regime das monções, os temíveis tufões e a forma como condicionaram a navegação portuguesa. No Capítulo II leva-nos aos mares do Arquipélago Indonésio referindo que se anteriormente se limitara ao estudo das rotas que ligavam Malaca às Molucas, agora alargava-o a outras rotas, em especial quando o centro de interesse dos portugueses no oriente se deslocou de Malaca para Macau. Refere como Diogo Lopes de Sequeira estabeleceu os primeiros contactos com Malaca em 1509 e como Albuquerque, após ter resolvido o problema de Goa, a conquistou a 8 ou 9 de agosto de 1511 datas que determinou baseado nas marés que permitiram o desencalhe do junco que sob o comando de António de Abreu transportava as forças destinadas a tomar a ponte que ligava as duas partes da cidade. Corrige assim as datas indicadas por outros cronistas e confirma a de João de Barros. Estabilizada Malaca, à maneira do que fizera em Goa, Albuquerque organiza viagens de diplomacia e comércio com os reinos vizinhos, enviando no final desse ano António de Abreu às ilhas de Banda, as das especiarias, cravo, macis e noz-moscada … abrindo o caminho para as Molucas, a rota do sul. Uma alternativa, mais curta, pelo norte de Bornéu, seria usada mais tarde. Descreve estas duas rotas nos subcapítulos seguintes. Caracteriza ainda os estreitos de Sabão (Sabang), de Berhala, Sunda e Singapura, bem como as ilhas de Bangka, Java e Madura. Semedo de Matos compara as descrições das rotas que constam do Livro de Marinharia de João de Lisboa com as do Códice de Cadaval, que foi estudado por Abel Fontoura da Costa e por ele publicado parcialmente. Refere ainda Linschoten, na sua versão em francês, designada por Grand Routier de Mer, notando algumas divergências. Descreve os ventos predominantes no arquipélago indonésio nas diferentes épocas do ano, as correntes e as recomendações para · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha História Marítima evitar os inúmeros baixios. Refere a rota para Maluco, via Ternate, onde António de Brito foi informado em 1522 da existência da via pelo norte de Bornéu, mais curta e livre das monções, passando pelo estreito de Singapura. Diz Semedo de Matos que a descrição mais precisa e detalhada desta rota se deve a Linschoten, que recomenda o uso do prumo, e alerta para as fortes correntes. E acrescenta … o conhecimento dos fundos é uma constante de todos os roteiros, ao ponto de ficar a sensação de que a consciência de qualquer piloto que seguia uma rota, guardava dos sucessivos fundos uma memória tão viva e detalhada como dos objetos que estão à vista. Considera que as duas rotas de Malaca às Molucas foram as mais importantes para os portugueses que detiveram o monopólio do comércio das especiarias, que de Malaca eram reexportadas para a Índia e para outros mercados. Para as Molucas há diversos roteiros, mas o mesmo não sucede com a rota de regresso que apenas consta do Livro de Marinharia de André Pires, pouco preciso e incompleto. Outra rota muito lucrativa para os comerciantes privados era a da pimenta, produzida em Samatra ou em Java, conseguindo grandes êxitos ao entrarem nas redes locais que forneciam portos chineses. Passaram a realizar-se duas viagens de Sunda que eram dadas aos Capi- Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 tães de Malaca e ao de China e Japão. Este comércio durou até 1567 quando a China se abriu ao comércio externo e passou a comprar pimenta na origem. De novo é Linschoten quem apresenta o roteiro mais completo. Por fim trata de Solor, Timor e Macáçar, referidos por Tomé Pires e Duarte Barbosa. Em Timor era adquirido o sândalo que seguia para Solor onde esperava condições propícias para seguir para Malaca. Quanto a Macáçar, um sultanato hostil aos holandeses, constituiu um substituto a Malaca depois da sua queda sendo um ponto intermediário para o comércio da prata com a China, mantendo uma relação com Espanha. Este facto ficou a dever-se à figura pouco conhecida de Francisco Vieira de Figueiredo, estabelecido primeiro em Manila e em 1642 em Macáçar onde durante largos anos logrou influência sobre o sultão até ser expulso. O Capítulo III trata das rotas de e para a China baseadas de início nas usadas de há muito pelos comerciantes locais, malaios, chineses e outros. Foi em Malaca que os portugueses tiveram os primeiros contactos com chineses e foi em embarcações de malaios que navegantes como Jorge Álvares chegaram à China em 1513, seguido por Rafael Perestrelo dois anos depois. Só em 1517 chegaram os primeiros navios portugueses à foz do rio das Pérolas ou de · revistademarinha.com Cantão. Já as atuações das armadas de Simão Peres de Andrade, em 1521 e Martim Afonso de Melo, em 1523, resultaram na expulsão dos portugueses do rio de Cantão. Neste período o Celeste Império, ou Império do Meio, considerava-se o centro do mundo sendo todos os estrangeiros bárbaros em maior ou menor grau. Nestas circunstâncias, conclui Semedo de Matos, o padrão da expansão no Extremo Oriente tinha de ser muito diferente do Atlântico ou do Índico … as rotas tinham de ser desenhadas em função do imenso mercado chinês. Segundo Armando Cortesão a referência mais antiga a uma rota do Extremo Oriente, em língua portuguesa, é a de Malaca para a China, da autoria de Francisco Rodrigues. Contudo Semedo de Matos não a considera um roteiro na medida em que se limita a indicar distâncias e alguns rumos. É provável que tenham existido outros mais precisos, segundo consta da carta dirigida em 1540 a D. João III por Brás Baião. Um destes roteiros consta do manuscrito do Livro de Marinharia de André Pires, estudado e publicado por Luís Albuquerque, que assinala o destino final como não sendo Macau, mas as ilhas da foz do rio das Pérolas. Este mesmo roteiro também consta do Livro de Marinharia e Manuscrito de Praga, publicado em 2009, num estudo coordenado por Teodoro de 69 85.O Ano Matos. Refere ainda a enigmática figura de João Preto, que consta de um roteiro do Códice Castelo Melhor, “Navegação que farás da Pedra Branca para Pulo Timão e para a China” feito por João Preto com muitas anotações por o roteiro ser muito antigo. Semedo de Matos considera este roteiro fundamental para o conhecimento das rotas do mar da China e, baseado nas datas de 1544 e 1558 que constam do documento, deduz ser este o período em que esse João Preto terá estado ativo, tendo dado o nome a ilhas ao largo da costa do Vietname. Mais tarde também Francisco Pires foi um piloto ativo nos anos 40 a 60 do século XVII contendo recomendações sobre a natureza e profundidade dos fundos ao largo da Tailândia. São assinaladas as principais diferenças entre os diversos roteiros. Das três rotas de aproximação à costa do Vietnam, uma vai para o Cabo da Varella, na costa de Champá (no atual Laos), e daqui para Shangchuang. Esta ilha não é referida no Livro de Marinharia de André Pires, anterior a 1550, o que Semedo de Matos explica pelo facto de os portugueses da época frequentarem Liampó (atual Ningbó) e Chinchéu (atual Quanzhou) na província de Fujian, mais do que Macau ou as ilhas do rio de Cantão. Sanchuan era a referência principal na aproximação a Macau, e antes de 1557, local de espera de autorização para entrar na China. Foi ali que S. Francisco Xavier morreu em 1552. É curiosa a referência ao roteiro do século XVIII, do cosmógrafo Manuel Pimentel, que aconselha a comprar a preço módico (12 a 15 patacas) informação a uma das numerosas embarcações que se encontram no delta do rio sobre o caminho a tomar. Revestem-se de particular interesse as rotas para entrada e saída de Macau, dada a centralidade que este território assumiu depois da queda de Malaca. São apresentadas várias alternativas, mas, segundo Manuel Pimentel, a rota por fora das ilhas costeiras passou a ser preferida … abordando Macau pelo lado das ilhas de Taipa e Coloane. Linschoten e outros como Francisco Pires fazem a aproximação final entre as ilhas D.João (ou Macarira) e Lapa, entrando diretamente no porto interior. Alertam todos para as correntes e revessas só conhecidas dos práticos. Seguem-se as rotas de saída de Macau para Malaca em que os roteiros mais antigos aconselham a saída entre a Macarira e a Lapa. Gaspar Moreira aconselha o percurso por fora até Sanchuan. O 70 perigo está nos baixos de Parcel devido às correntes de sueste, ao longo das costas da Cochinchina. Por fim trata das rotas para o Sião, Tonkin e Cochinchina, e Macau – Manila. Esta, de grande importância para o comércio da prata, foi praticada por navios portugueses antes e durante o reinado de Filipe II. Depois da Restauração e com o encerramento dos portos do Japão, o comércio da prata passou a ser praticado por portos intermediários da Indochina, Tonkin e Camboja onde comerciantes japoneses a iam procurar. Champá tem dois portos, Pandeirão e Camorem, tratados por Linschoten, mas descritos com mais pormenor nos Códices Cadaval e Castelo Melhor. O Capítulo IV é dedicado às rotas entre a China e o Japão. Foi apenas nos anos 30 do século XVI que grupos financeiros portugueses entraram em força nos mares da China, beneficiando da rotura entre japoneses e chineses. O comércio da pimenta de Samatra ou Banda para o mercado chinês em troca de sedas e porcelanas que eram exportados para o Ocidente, alarga-se para norte da foz do rio de Cantão, ao longo da costa de Fujian. Segundo António Galvão e Diogo do Couto terá sido um destes juncos que, em 1543, segundo a japonesa Crónica da Espingarda foi arrastado por um violento tufão e deu à costa numa ilha do sul do Japão. Aí trocou as mercadorias que transportava por prata japonesa iniciando um comércio que, tendo os portugueses por intermediários, levou à fundação da cidade de Nagasáqui. Este lucrativo comércio foi assumido como privilégio da Coroa representada depois de 1557 pelo Capitão de Macau. Semedo de Matos apresenta as rotas do rio de Cantão ao Liampó na província de Fujian que constam do Livro de Marinharia da Real Academia de la Historia de Madrid e também do Grand Routier, estas com os portugueses já em Macau, e revistademarinha.com em Manuel de Figueiredo, de 1609, baseado no anterior. No Livro de Marinharia de Madrid o roteiro para ir para Chinchéu (atual (Huangzu) e para Liampó (atual Ningbo) é seguido pelo de Chinchéu para o Japão o que o leva a considerar serem da mesma autoria e datados entre 1540 e 48, e prova que a comunidade portuguesa de Liampó cresceu com o início das viagens ao Japão. Desta via só existe um diário de viagem que consta do Grand Routier, quando há diversos roteiros partindo da costa de Fujian, mas há dois roteiros em Gaspar Moreira, e vários em Castelo Melhor partindo de Chinchéu para diversos locais na ilha de Kyushu. Na Conclusão, Semedo de Matos insiste em três pontos: a singularidade do espaço que estudou; que as rotas não se limitaram às Molucas, mas á costa chinesa (Chichéu e Liampó) e ao Japão, cujos roteiros não passaram pelos circuitos normais da documentação náutica portuguesa, sem perda de rigor; destaca Linschoten e os Códices Cadaval e Castelo Melhor como os roteiros mais esclarecedores. Além disto refere a importância das pessoas referindo a angústia dos pilotos que ressalta dos roteiros, nos alertas e resguardos a dar aos múltiplos perigos. Conclui citando o caso do piloto João Preto, figura misteriosa do século XVI, autor do roteiro Malaca-Macau, que foi adotado e aperfeiçoado até ao século XVIII, mas sobre quem pouco ou nada se sabe. É uma área de investigação em aberto, bem como a comparação dos roteiros portugueses com roteiros congéneres estrangeiros e o estudo por equipas interdisciplinares das personalidades envolvidas. Sem dúvida há muito trabalho a fazer, porém muito foi já feito e o contributo que Semedo de Matos dá para a História da Náutica com a presente obra, merece ser enaltecido. O seu valor científico foi aliás distinguido pela Academia de Marinha quando em 2017 lhe atribuiu o Prémio “Almirante Sarmento Rodrigues”. Mas para além dessa valia este imenso e profundo trabalho revela uma admirável paixão pelo tema, grande paciência, persistência, e determinação ao juntar peças de um puzzle gigantesco e a tirar conclusões. A Revista de Marinha felicita vivamente o Cte. Semedo de Matos recomendando a leitura desta obra aos estudiosos do tema e a todos quantos se interessam pela Expansão Portuguesa e pela História da Náutica. * [email protected] · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha 85.O Ano Divagando sobre contentores por António Balcão Reis* esde já aviso que esta crónica terá uma estrutura (ou falta dela) fora do habitual. Escrevo motivado pelo alerta que corríamos o risco de ter um Natal privados das normais primícias natalícias, com destaque para a falta de brinquedos. Uma enorme escassez de contentores tinha lançado o caos nas cadeias de abastecimento, com enormes atrasos nas datas de entrega. Atrasos em cadeia, com os navios esperando vez para entrar nos portos, para finalmente descarregados os contentores, estes se amontoarem nos parques esperando a vez de serem recolhidos e distribuídos pelos respetivos destinos. À data a que esta crónica é publicada e lida, já estaremos com 2022 bem entrado e já saberemos se os nossos filhos e netos tiveram os desejados e esperados brinquedos de Natal, sem falar dos “brinquedos” dos adultos, verdadeiros arsenais tecnológicos, que chegam a ser antecipações de soluções tecnológicas nas mais diversas áreas de aplicação. Para melhor se entender do que estou falando, recordo um exemplo. Os atuais drones(1), foram antecedidos por uns delicados brinquedos, uns frágeis helicópteros, de poucos centímetros de dimensão, seguidos de uns objetos voadores, já uns verdadeiros drones em miniatura, que fizeram as delícias dos pequenitos e dos menos pequenos. D Dormitório para estudantes na Dinamarca (Copenhaga). Retirado da net Easycargo. 72 PRODUÇÃO DE CONTENTORES MARÍTIMOS EM PORTUGAL Será que a pujante indústria metalo-mecânica nacional aproveitou a carência de contentores marítimos para se lançar no mercado? O sítio (site) da “FECOMAR, Reparação de contentores e transportes Lda”, em Porto Alto, Samora Correia, refere a construção de “contentores marítimos de aço”, “construídos para a navegação e testados para o transporte”, mas contatada a firma foram esclarecidas algumas dúvidas. A FECOMAR comercializa, repara, transforma e adapta contentores, mas não os produz e não existe no país nenhum fabricante de contentores marítimos. Não é indústria que se improvise. A produção de contentores marítimos está concentrada na China e países vizinhos, com números que nos esmagam pela sua dimensão. Mais uma área em que estamos dependentes da China com os inconvenientes que temos vindo a sofrer. Um pequeno levantamento dos maiores fabricantes, permite-nos ter uma ideia dos valores em causa. Encabeça a lista a “China International Marine Container Group” (CIMC), com sede em Shenzhen com uma produção anual de 2 milhões de contentores, seguida da “CXIC Group Containers”, empresa privada com sede em Changzhou e uma produção anual de 900.000 TEU’s e a alguma distância “SINGAMAS” e “China Eastern Containers” (CEC), ambas com sede em Xangai e com as produções respetivas de 210.00 e 150.000 TEU’s. Como é que se pode lutar com estes monstros? E quando eles param, como aconteceu com a COVID 19, o caos assenta arraiais. Ainda da leitura do sítio da Fecomar, verificamos que a firma tira partido do seu saber em contentores e da adaptabilidade deste equipamento às mais diversas utilizações, para desenvolver todo um conjunto de produtos e serviços, certamente com mais procura que contentores para o transporte marítimo. E enfatiza as suas polivalências … vulgarmente utilizados no transporte de mercadorias mas com adaptação a múltiplas funções como: Ferramentarias, Armazéns, Construção civil, Obras, Oficinas, Eventos, Habitação, etc, oferecendo soluções para as mais diversas situações, adaptando os modelos normalizados de 20´e 40´, introduzindo as alterações requeridas caso a caso. Este aproveitamento dos contentores para os mais diversos usos, para além da sua função normal de veículo de transporte, é geral, a ponto de quando procuramos na net contentores marítimos o que nos aparece em grande quantidade, e dominando a pesquisa, são as aplicações laterais, muitas delas extremamente engenhosas e imaginativas. Transportes & Logística OS CINCO MAIORES ARMADORES DOS NAVIOS PORTA-CONTENTORES A italo-suiça MSC - Mediterranean Shipping Company, com a sede em Genebra, que nos habituámos a ver associada às iniciativas da RM, deverá vir a encabeçar, já em 2022, a lista dos armadores de navios de contentores, ultrapassando a dinamarquesa Maersk, com sede em Copenhaga, de há muito na posição de líder. Segundo a classificação de Alphaliner, na primeira quinzena de dezembro os dois armadores estavam “tecnicamente” empatados com 4.250.000 TEU’s (twenty foot equivalent unit ou EVP, equivalent vingt pieds, na designação francesa menos vulgarizada) mas a MSC está em condições de ultrapassar a Maersk, fruto da sua muito superior carteira de encomendas. A disputa é forte e ambos os armadores estão em vias de aumentar as respetivas frotas com a aquisição de mais navios, apontando a MSC para uma capacidade de 5,2 milhões de TEU’s e a Maersk para 4,5 milhões. Completando o quinteto da frente continuam a manter as posições relativas, sucessivamente, a francesa CMA CGM, com sede em Marselha, (resultante da fusão da Compagnie Maritime d’Affrètement e da Compagnie Générale Maritime), a estatal chinesa Cosco Shipping Lines, com sede em Pequim, resultante da fusão do Grupo Cosco e da China Shipping Group) e a Hapag Lloyd “alemã” com sede em Hamburgo. Vale a pena abrir o sítio da Alphaliner, diariamente atualizado com os “top 100”, incluindo as respetivas ordens de encomenda confirmadas TÍTULOS QUE SÃO CHARADAS; “APRÈS LES GAFAM, LES 2200” Na “Mer et Marine” de 7 de dezembro de 2021, Pascal Bredel num texto sobre contentores, em que admite que 2022 seja rico de novidades, tem um parágrafo que titula em charada “après les Gafam, les 2200”. Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 Um contentor transformado em piscina . Retirado da net – bing.com/images. Por respeito para com os rapazes da minha geração, que dominam, tant bien que mal, o francês, transcrevo na língua original o referido parágrafo. La période actuelle tend à mettre les armateurs conteneurs sur le devant de la scène. Après les Gafam, il faudra parler des 2200 (MMCCH, Maersk, MSC, CMA GGM, Cosco, Hapag Lloyd, ce qui traduit en chifres romains donne 2200) du conteneur”. Tentemos traduzir e decifrar. O primeiro período é de linguagem normal, mas traduzo. “O período atual tende a colocar os armadores dos (navios porta) contentores em boca de cena (ou seja, no centro das atenções)”. E segue-se o período do jogo de acrónimos, siglas e números cabalísticos, que passo a traduzir. Comecemos por Gafam, “palavra” para mim desconhecida. Lemos na internet, “Gafam é o acrónimo dos gigantes da web, Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft, que dominam o mercado digital”. Esclarecidos sobre Gafam, continuemos com o texto. “Depois dos Gafam, teremos que falar dos 2200 (MMCCH, Maersk, MSC, CMA GGM, Cosco, Hapag Lloyd, o que traduzido · revistademarinha.com em numeração romana dá 2200) do contentor”. Explicando o joguete; 2200 resulta da leitura de MMCCH, sigla(2) formada pelas iniciais dos 5 primeiros armadores de navios porta contentores, como se de datação romana se tratasse. Muito original e pleno de sentido dirão os amantes das siglas e acrónimos, esses tais símbolos que nos fazem a vida negra, e são a delícia dos iniciados.|E, portanto, estejamos atentos, porque … depois dos Gafam temos os 2200! E assim me despeço, a todos desejando um Feliz ano de 2022 (MMXXII). * C/ Alm. Eng. Const Naval, ref Membro da Secção de Transportes da SGL [email protected] NOTAS: (1) Drone, palavra inglesa que se traduz por zangão, assumiu um novo significado, designando todo e qualquer tipo de aeronave não tripulada, comandada à distância. Terá sido o zumbido que faz o zangão, a voar, que terá inspirado esta designação. (2) Será uma sigla e não um acrónimo, já que não se consegue ler como se de uma palavra se tratasse, como é exigido aos acrónimos. 73 85.O Ano Contributo das Auditorias IMO para a Segurança Marítima por António Dionísio Varela * ortugal, como Estado costeiro e de bandeira, tem interesse na eficiência do transporte marítimo nos seus portos, onde passam as importações e exportações, das quais a sua economia depende. Também tem na proteção do meio ambiente marinho, face ao impacto que aquele tem nas zonas costeiras, que constituem um enorme ativo ambiental e turístico, e no mar territorial e Zona Económica Exclusiva. Por outro lado, de acordo com o relatório Review of Maritime Transport 2021, da UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development), o número de navios mercantes, sujeitos às convenções internacionais, registados no Registo Internacional de Navios da Madeira, aproxima-se de 600, colocando a Bandeira Portuguesa em 14º lugar na lista das bandeiras de registo de navios, por ordem de tonelagem (23 M tons), o que implica diversas responsabilidades para o Estado português, de acordo com o artigo 94.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e demais legislação internacional aplicável. A Comunidade Internacional tem beneficiado fortemente do processo regulatório desenvolvido pela Organização Marítima Internacional (IMO), para o qual os Estados têm contribuído de forma heterogénea. Portugal tem obtido imensas vantagens desse processo uma vez que é um Estado costeiro muito exposto aos impactos que o transporte marítimo pode ter nas suas zonas costeiras, designadamente poluição por hidrocarbonetos, perturbação do ecossistema pela descarga de águas de lastro com espécies de outras zonas do globo, perturbação dos ecossistemas pelo ruído irradiado pelos navios, poluição atmosférica pelos gases emitidos, encalhes, etc. Para estas situações existem já instrumentos da IMO que visam controlar os seus efeitos. No entanto, os benefícios do enquadramento regulatório prescritivo só podem ser plenamente alcançados quando todos os Estados-Membros cumprirem as suas obrigações, conforme exigido pelos instrumentos nos quais P 74 são parte. Os Estados-Membros têm a responsabilidade de estabelecer e manter um sistema adequado e eficaz para cumprir as suas obrigações como Estado de bandeira, Estado do porto e Estado costeiro, emanadas do Direito internacional aplicável, podendo a IMO apoiar os Estados-Membros a melhorar as suas capacidades. O Regime de Auditoria aos Estados-Membros da IMO (IMO Member State Audit Scheme - IMSAS) começou como um Regime Voluntário em 2006 e tornou-se mandatório a partir de janeiro de 2016, prevendo-se um ciclo de 7 anos entre auditorias a cada um dos 177 estados-membros. Visa promover a implementação consistente dos instrumentos da IMO aplicáveis, contribuindo para a melhoria contínua do desempenho dos Estados em conformidade com as exigências dos instrumentos dos quais são parte. Utiliza como norma o Código de Implementação de Instrumentos IMO (Código III), pretendendo fornecer, a cada Estado-Membro auditado, uma avaliação abrangente e objetiva de quão efetivamente administra e implementa os instrumentos mandatórios da IMO, procurando contribuir para um seu aperfeiçoamento. O Secretariado da IMO elabora periodicamente um relatório de resumo consolidado das auditorias, decorridas em cada ano, contendo as lições revistademarinha.com identificadas. O relatório reflete as não conformidades encontradas, mantendo sempre o anonimato das auditorias individuais, visando facilitar o desenvolvimento da capacidade dos Estados para implementar os instrumentos da IMO, identificando áreas que possam beneficiar de assistência técnica, partilhando o conhecimento obtido e obtendo feedback sobre a adequabilidade da regulamentação produzida. Além disto, o resumo consolidado das auditorias contém as melhores práticas observadas, a fim de assistir os Estados a melhorar ainda mais a implementação e aplicação dos instrumentos da IMO. Em Portugal, os serviços correspondentes às funções do Estado de bandeira, do Estado do porto e do Estado costeiro estão distribuídos por diversos departamentos, tendo, nesta conformidade, sido visitadas pelos auditores da IMO a Direção-geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), o Porto de Lisboa, a Direção-geral da Autoridade Marítima (DGAM), a Direção de Faróis, o Centro de Controlo de Tráfego Marítimo do Continente, o MRCC-Lisboa e o Instituto Hidrográfico. O código de referência para a auditoria estabelece quatro áreas a serem auditadas: área comum de administração, área do Estado de bandeira (responsabilidades do Estado relativamente à frota que arvora a sua bandeira), área do Estado do porto (controlo pelo Estado de navios estrangeiros nos seus portos) e área do Estado costeiro (responsabilidades do Estado relativas às ajudas à navegação, busca e salvamento, combate à poluição e controlo de tráfego marítimo). O relatório consolidado, correspondente ao ano 2016, referente às auditorias efetuadas a 18 Estados-Membros da IMO, incluindo Portugal, indica, sem nomear qualquer Estado em particular, que a maior parte das não conformidades encontradas (43%), no conjunto das auditorias, foram observadas na área do Estado de bandeira. No que à área comum diz respeito, o relatório em questão identifica que o maior número de não conformidades se relaciona com a não promulgação de legislação no ordenamento jurídico interno relativa aos instrumentos da IMO, seguindo-se a não · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Segurança Marítima comunicação de informação à IMO, conforme determinam as convenções, a falta de uma estratégia adequada para a implementação dos instrumentos da IMO e a sua atualização regular, bem como a falta de um mecanismo de melhoria continua, em particular a falta de uma cultura de qualidade que gere oportunidades de melhoria. No que diz respeito à área do Estado de bandeira, o relatório indica que o maior número de não conformidades se relaciona com a falta de orientações para a implementação dos requisitos e instruções administrativas para a aplicação de regras e regulamentos internacionais, a falta de programas para atualização de inspetores de navios, seguindo-se a existência de insuficiências no âmbito do controlo do desempenho das sociedades classificadoras às quais foram delegadas tarefas de inspeção de navios em nome da Administração Marítima. Relativamente à área do Estado costeiro, o relatório respeitante às auditorias efetuadas em 2016, alega, sem indicar qualquer caso explícito, que o maior número de não conformidades se refere à falta de avaliação do desempenho de atividades como sejam os sistemas de controlo do tráfego marítimo, as ajudas à navegação, a resposta a acidentes de poluição maríti- Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 O edifício sede da IMO, junto ao rio Tamisa, em Londres. ma, a busca e salvamento, em particular, a necessidade de fazer exercícios relativos aos planos de cooperação entre navios de passageiros e os MRCC, de acordo com o capítulo V da convenção SOLAS. Na área do Estado do porto, o mesmo relatório revela que as não-conformidades se relacionam com as instalações para receção de resíduos dos navios e da carga, treino dos inspetores do controlo pelo Estado do porto, procedimentos do código International Maritime Danger Goods, sobre matérias perigosas, e o registo dos fornecedores de combustível marítimo. De acordo com o relatório mencionado, as causas na origem das referidas · revistademarinha.com não conformidades nas áreas identificadas nas auditorias estavam relacionadas com a falta de políticas adequadas; falta de consciência, compreensão ou interpretação dos requisitos dos instrumentos da IMO; falta de procedimentos estabelecidos; falta de sistema de gestão; recursos insuficientes, tanto humanos quanto financeiros e capacidade insuficiente para promulgar a legislação nacional e mantê-la atualizada. Neste contexto, tendo em conta o ciclo esperado de 7 anos entre auditorias, a próxima sequência terá lugar a partir de 2023. Até 2019 foram já auditados 48 países, o que corresponde a 27% dos 177 EstadosMembros da IMO. Uma vez que, dada a natureza internacional do transporte marítimo, a promoção da segurança marítima é mais efetiva sendo desenvolvida a nível internacional e de forma coordenada, espera-se observar, na segunda ronda de auditorias, uma evolução da qualidade da implementação sistémica dos instrumentos da IMO, por parte de todos os Estados Membros, para benefício da segurança marítima, da proteção do meio ambiente marinho e da eficiência do transporte marítimo. * Oficial da Armada, res [email protected] 75 85.O Ano O Direito Marítimo enquanto disciplina mercantil por Pedro Carvalho Esteves* Direito Marítimo é – se fizermos uma análise séria à luz da legislação e da dogmática jurídica - um ramo de Direito dotado de autonomia dogmática e – fruto da (boa ou má) fragmentação legislativa – beneficiário de independência normativa, ainda que dispersa, e dotado de um clássico “particularismo”. Com efeito, é um ramo de Direito que não é novo na ciência jurídica, perdendo-se na História o verdadeiro momento em que nasceu a necessidade de regular juridicamente o transporte de mercadorias e pessoas por meio de “engenho flutuante”. Todavia, não podemos deixar de olhar para o Direito Marítimo como uma área do Direito Comercial que é. E, neste complexo universo do Direito Comercial em análise, conta das dificuldades deste ramo de Direito. Resulta do magnífico preâmbulo do Decreto-Lei 352/86, de 21 de outubro que era intenção do Governo, à época, proceder à reformulação faseada do Direito Comercial Marítimo - vertido no livro III do Código Comercial - de uma das seguintes formas: ou alterar e adendar o Código Comercial; ou avançar para a “construção” de um Código da Navegação Marítima; ou como veio a ocorrer – emanar legislação extravagante, inovadora [… e revogadora] dos preceitos contidos no “antiquíssimo” Código Comercial. Foi esta última opção que vingou, e que com ela convivemos nos dias de hoje. Do laborioso trabalho do saudoso Dr. Mário Raposo – ilustre Advogado e Político, sempre atento às questões do Direito Marítimo, e com obra publicada sobre a matéria (onde vamos beber, amiúde, conhecimento, doutra via não adquirível) ficou-nos o legado das alterações legislativas nestas matérias, no primeiro pacote legislativo dos anos 80. Deste Decreto-Lei 352/86, de 21 de outubro resulta, no seu Art. 1º que … Contrato de transporte de mercadorias por mar é aquele em que uma das partes se obriga em relação à outra a transportar determinada mercadoria, de um porto para porto diverso, mediante uma retribuição pecuniária, denominada “frete”. Ao contrário do Art. 366º do Código Comercial (O contrato de transporte por terra, canais ou rios considerar-se-á mercantil quando os condutores tiverem constituído empresa ou companhia regular permanente) O 76 aquela norma sobre transporte de mercadorias não indica o carácter mercantil do transporte; mas, nem por isso o deixa de ser, por força do parágrafo 4º do Art. 366º do Código Comercial. Ainda que os transportes marítimos fossem regulados pelas disposições revogadas do livro III do Código Comercial – hoje, substituídas – a sua mercantilidade estará sempre garantida. Portanto, Direito Marítimo é um ramo do Direito Comercial, devendo assim ser considerado, apesar da sua autonomia dogmática, e hoje, quase-independência normativa. Falar em Direito Marítimo é falar nas operações de transporte de pessoas e mercadorias, por mar. Daqui, temos, pois, que fazer a destrinça entre o navio, o meio em que ele se desloca, de onde e para o onde ele se desloca, o que leva a bordo e como é que todo esse universo se interliga. Apreciemos o seguinte: O Regulamento Geral das Capitanias Decreto-Lei n.º 265/72, de 31 de julho (na sua atual redação), no seu Art. 20.º dispõe que são classificadas como embarcações de comércio aquelas que se destinam ao transporte de pessoas e de carga, mesmo quando desprovidas de meios de propulrevistademarinha.com são, considerando-se como tal as que só podem navegar por meio de rebocadores. Este Regulamento, fonte de Direito Administrativo, mais que um simples regulamento das Capitanias, tem constituído diploma fundamental das atividades marítimas civis. Mas, o Estatuto Legal do Navio não se encontra neste regulamento. É o Decreto-Lei n.º 201/98, de 10 de julho, que define o Estatuto Legal do Navio, dispondo no seu Art. 1º que para efeitos do referido diploma, “navio é o engenho flutuante destinado à navegação por água, fazem dele parte integrante, além da máquina principal e das máquinas auxiliares, todos os aparelhos, aprestos, meios de salvação, acessórios e mais equipamentos existentes a bordo necessários à sua operacionalidade”. O Art. 33.º do Decreto-Lei n.º 201/98 revoga os artigos 485.º a 487.º e 489.º a 491.º do Código Comercial – mas preenche o vazio criado com estes revogados artigos do Código Comercial que regiam a natureza jurídica e pertenças dos navios, a nacionalidade portuguesa dos navios, a posse não titulada, o contrato de construção e de grande reparação, a alienação de navios, o arresto e penhora, a responsabilidade civil do proprietário, o despedimento · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha O Mar e as Leis do Capitão, a parceria marítima, o regime jurídico da parceria, o Capitão e a tripulação. Daqui se vê que todas estas matérias, antes inclusas no Livro III do Código Comercial estão agora previstas num diploma autónomo e avulso. Diríamos que a hipotética não-questão ficaria por aqui; errados estaríamos. É que o mencionado “engenho flutuante” navega no mar, mas pode também navegar nas águas interiores. Nestes casos, aplicar-se-á qual regime? A resposta está no Artº 366º do Código Comercial – O contrato de transporte por terra, canais ou rios considerar-se-á mercantil quando os condutores tiverem constituído empresa ou companhia regular permanente. Sendo assim, o transporte fluviário, fugindo às regras do Decreto-lei 352/86, seguirá as regras gerais do transporte, havido como mercantil, e regulado pelo Código Comercial. Pese embora as Convenções Internacionais sobre navegação – Regulamento Internacional para Evitar Abalroamentos no Mar, Sistema de Balizagem Marítima – IALA - se apliquem às águas interiores – onde os rios de incluem, a verdade é que o transporte não se terá como marítimo, não seguindo as suas regras. Há que ter em conta o seguinte: se um navio de mercadorias a navegar na Via Navegável do Douro abalroar outro navio de mercadorias na mesma via navegável – por violação das regras do RIEAM – que Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 regras aplicar? O legislador, que em muito mexeu no Livro III do Código Comercial, não tocou, no Título VII – Da Abalroação; o mesmo legislador faz equiparar o transporte terrestre ao transporte nas vias navegáveis. As regras serão, então as regras de regulação de sinistro rodoviários? Não nos parece! Antes, as regras gerais da Responsabilidade Civil – e já não, por mera analogia, as disposições da responsabilidade pelo risco no caso de colisão entre veículos, prevista no Art. 503º do Código Civil, uma vez que esta norma se dirige expressamente aos veículos de circulação terreste - por violação de normas destinadas a proteger os interesses de outrem, sendo que as normas violadas sempre serão as do RIEAM, as do Sistema de Balizagem e, no limite, o Regulamento da Via Navegável do Douro - Decreto-lei 344-A/98, de 6 de novembro – cujo Art. 21º, nº 1 dispõe que … sem prejuízo de outras disposições aplicáveis, designadamente o Regulamento Internacional para Evitar Abalroamentos no Mar (RIEAM), estão em vigor na via navegável do rio Douro os sinais constantes do presente capítulo. Concluímos assim, por dizer que o Código Comercial, datado de 1888, e da autoria de Veiga Beirão, ainda que velhinho e desadequado aos dias de hoje, continua, em muitas das duas matérias, em vigor, seja pela via das normas ainda nele constantes · revistademarinha.com e que permanecem nos tempos, seja pela via das novas regras que, não estando nele inclusas, não perdem o seu carácter mercantil. Face à dispersão de diplomas e inerente dificuldade na articulação de todos eles, outras não podem ser as soluções senão a reformulação do Código Comercial, através de um novo Código, atual, moderno, vanguardista, e que regule e preveja tudo o que é comercio e tudo o que é mercantil; ou, definitivamente, avançar com um Código da Navegação Marítima, que já no passado, pelas mãos de Ana Paula Vitorino, teve um breve momento de aparição mas que não suscitou o interesse do Parlamento, tendo resvalado na couraça da indiferença dos parlamentares. Será este o caminho? Creio que não! O Brexit pode dar uma oportunidade para Portugal se posicionar como registo convencional de embarcações de comércio – mas, para que isso aconteça, não basta a boa-vontade dos armadores; há que ter um ordenamento jurídico-maritimista que confira confiança à comunidade maritimista, lhes dê segurança no investimento, tudo por via de normas simples, ágeis e inovadoras, que aportem mais valia e que seduzam o mais desconfiado de todos os desinteressados a olhar para Portugal como um destino com desígnio voltado ao mar. * Advogado Maritimista [email protected] 77 85.O Ano Manutenção de Equipamento de Mergulho – Parte I Cuidados em Casa por Paulo Franco* manutenção é uma das preocupações mais importantes para o bom funcionamento e durabilidade de todos os componentes do equipamento de mergulho. Esta manutenção tem vários níveis, começando na preocupação individual na preparação do equipamento antes do mergulho até às revisões periódicas feitas por centros e técnicos especializados. Vamos debruçando-nos um pouco sobre a temática dos cuidados com o equipamento, condição fundamental para garantirmos mergulhos confortáveis, agradáveis e seguros. Podemos dividir os níveis de manutenção em: pelo utilizador e em centros de mergulho / lojas especializadas. Do ponto de vista do utilizador, a manutenção é um ciclo que se inicia bastante antes de cada imersão e se repete além do mergulho, ligando ao seguinte. A forma como guardamos e armazenamos o equipamento de mergulho é determinante para que este mantenha as suas características e desempenho intactos por muitos e longos anos. A preocupação de, após uma consistente e detalhada lavagem e secagem do equipamento, o guardar em local fresco e seco, resguardado da luz solar directa, é fundamental. Os fatos não devem ser excessivamente dobrados e, por vezes, se pendurados é importante verificar se não se criam deformações por acção do seu próprio peso, sendo importante a escolha do cabide a utilizar. Deve haver o cuidado de garantir que as mangueiras dos reguladores não ficam vincadas, especialmente junto dos terminais metálicos e é um bom princípio guardar os coletes com uma pequena quantidade de ar no interior para garantir a sua forma. Se se prevêem longos períodos de inactividade a colocação de pó de talco neutro em zonas de vedantes de fatos e outros artigos com borracha (cada vez mais raros e substituídos por silicone, muito mais durável e resistente) aumenta significativamente a sua longevidade. As baterias de iões de lítio utilizadas hoje nos equipamentos electrónicos e lanternas trouxeram capacidades e autonomias significativamente melhores que as suas predecessoras, virtualmente sem sofrer da degradação de ca- A 78 O equipamento de mergulho deve ser sempre armazenado bem seco, em lugar fresco e afastado da luz solar direta. (Fonte: https://www.underseas.com/blog/how-not-to-store-your-dive-gear/) A selecção, organização e verificação do equipamento a utilizar no mergulho é determinante para evitar dissabores no momento de entrar na água. (Fonte: https://www.reddit.com/r/scuba/comments/iwj8ft/8_years_after_my_first_ dive_i_finally_have_my_own/) revistademarinha.com pacidade habitualmente chamada de “efeito de memória”, mas são muito sensíveis a situações de descarga completa, sendo essa a principal razão pela qual deixam de funcionar. Por isso é fundamental que, quando armazenamos equipamentos electrónicos durante períodos longos, devemos regulamente carregá-los, mesmo que não tenhamos planeada uma utilização. Quando estamos a planear um mergulho, a preparação e verificação cuidada do equipamento é sem dúvida um dos processos basilares para garantir que, no momento de entrar dentro de água, temos tudo o que precisamos nas melhores condições para desenvolvermos a atividade de forma confortável, segura e sem sobressaltos. Devemos começar por listar o equipamento que planeamos usar para o mergulho em questão, separando-o de forma que possamos, sistematicamente, verificar se está nas melhores condições de utilização e testar (dentro do possível), com tempo e · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Mergulho margem para correcções. Muitas pequenas anomalias podem ser facilmente reparadas e resolvidas em casa se detetadas em tempo. Conferir o estado dos vedantes, lubrificação de fechos e estado de funcionamento de válvulas é fundamental. A verificação das precintas, das barbatanas e máscaras, e eventual substituição se necessário, é um procedimento simples, mas que evita muitos dissabores dentro de água. Examinar os bocais dos segundos andares dos reguladores, que se degradam naturalmente com a utilização, é um procedimento fácil, mas muitas vezes esquecido. Carregar ou substituir baterias de computadores de mergulho, lanternas e equipamentos de imagem é igualmente importante, assim como garantir a limpeza e lubrificação dos vedantes para evitar a temida entrada de água e contacto com os componentes electrónicos. Usar uma lista de verificação ou criar a nossa própria, adaptada às necessidades dos nossos mergulhos é um método fácil para não nos esquecermos de nada. Um detalhe vulgarmente subvalorizado é a criação do nosso kit “salva mergulhos”. Este kit deve ser ligeiro e facilmente transportável até ao local onde planeamos entrar dentro de água, seja de terra ou embarcado. Deve ser criterioso, para não ganhar uma dimensão desconfortável, e personalizado em função das necessidades de redundância adequadas ao nosso sistema total de mergulho. Deve incluir componentes de desgaste habitual e facilmente substituíveis pelo utilizador, como é o caso de, por exemplo: persintas de máscaras, de barbatanas, juntas tóricas para o primeiro andar do regulador, bocais de regulador e respectivas braçadeiras e lubrificante para fechos e juntas de vedação para os equipamentos electrónicos. Baterias de substituição são também elementos importantes. Deve também incluir algumas ferramentas simples que ajudem na substituição destes componentes. Alguns mosquetões extra (tipo double ended ou outros) são também utéis. Um detalhe importante é este conjunto de Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 O kit “salva mergulhos” é um conjunto personalizado de peças de substituição rápida por parte do utilizador, que pode garantir, em caso de pequenas avarias no local de mergulho, a viabilidade da atividade. (Fonte: https://scubadiverlife.com/build-save-dive-kit/) equipamento ser acondicionado de modo a resistir aos ambientes em que normalmente mergulhamos, em que os factores ambientais são tendencialmente inclementes com o material, sendo a estanquidade do con- A verificação, limpeza e lubrificação de juntas e vedantes das caixas estanques dos equipamentos eletrónicos e lanternas é fundamental para reduzir a possibilidade de alagamento dos componentes sensíveis. (Fonte: https://www. divephotoguide.com/getting-started-with-underwater-photography/underwater-camera-maintenance/) · revistademarinha.com tentor de transporte um requisito a ter em consideração. Para terminar é necessário escolher a mala de transporte, garantindo um acondicionamento correcto dos equipamentos antes e depois do mergulho, devendo sempre ser considerado que, normalmente, após o mergulho tudo deve regressar a casa molhado e algumas vezes sujo com areias ou outros detritos. Com esta primeira crónica de um conjunto que pretendemos dedicar à manutenção dos equipamentos de mergulho, abordamos a fase inicial de preparação das nossas imersões, ainda em casa, quando planeamos e seleccionamos o conjunto de componentes do nosso sistema de mergulho que prevemos utilizar durante a imersão. Nas próximas crónicas fecharemos o ciclo abordando a preparação do equipamento no local de mergulho, o transito para o local da imersão e a manutenção pós-mergulho. * [email protected] 79 85.O Ano Portugal e o Japão reforçam a transição energética ortugal e o Japão retomam a sua ligação marítima histórica reforçando os esforços para a transição energética e estimulando o crescimento das suas “economias azuis”. Como primeiros europeus a chegar ao Japão, os portugueses têm mantido uma forte presença no Extremo Oriente, por via do intercâmbio cultural, económico e científico. No entanto, à medida que a crise climática se intensifica e a corrida para atingir a neutralidade carbónica ganha velocidade, as duas nações pretendem intensificar as relações comerciais e de investimento, reativando um relacionamento de longa data com foco nas energias renováveis marinhas e nas atividades relacionadas com o oceano. Com a edição de 2021 do seminário anual, o WavEC Offshore Renewables, um dos principais centros de I&D em Portugal na área das energias renováveis marinhas, proporcionou às empresas do setor, instituições de investigação e entidades governamentais japonesas a descoberta de oportunidades nesta âmbito. O Seminário WavEC 2021 – ‘Portugal and Japan: Major Developments in Offshore Renewable Energies’ teve lugar, em formato virtual, na manhã do dia 30 de novembro, em colaboração com a Embaixada do Japão em Portugal e contou com cerca de 240 participantes, oriundos de 34 países. A lista de participantes no evento incluiu uma das maiores empresas japonesas investidoras em Portugal, Marubeni Offshore Wind Development Corporation e as firmas Nagasaki Marine Industry Cluster Promotion Association, Kyuden Mirai Energy, Iwatani Corporation, Future P 80 À esquerda o Presidente do WavEC António Sarmento e à direita o Embaixador do Japão em Portugal Shigeru Ushio. Energy Consultant e o Departamento de Tecnologia Oceânica da Universidade de Tóquio. Entre os participantes europeus, destaque para: a EDP New Centre for New Energy Technologies, Ocean Winds, Principle Power, ASM Industries, CorPower Ocean, Eco Wave Power, TechnipFMC e Hidromod. Antes do encontro, António Sarmento, presidente do WavEC, disse … este evento oferece uma oportunidade única para serem exploradas possibilidades de colaboração euro-asiáticas nos sectores das energias renováveis marinhas e da economia azul. A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP26, que teve lugar em Glasgow, na Escócia, reforçou a existência de um enorme desafio pela frente - limitar o aqueci- revistademarinha.com mento global e proteger o nosso planeta. O sucesso no alcance dos objetivos traçados, depende em grande medida, de uma transição energética bem-sucedida - começando pela redução de produção de eletricidade a partir de combustíveis fósseis, responsável por 40% do total de emissões de CO2. Embora a tarefa seja assustadora, existe esperança no desenvolvimento de um sistema de produção de energia verde mais abrangente, que combine as várias fontes de energia renovável já estabelecidas com tecnologias novas emergentes. É possível que a produção de energia marinha, anteriormente inexplorada, possa crescer 20 vezes nesta década, alcançando 10 GW de capacidade instalada, com eólica offshore flutuante, correntes e ondas, e impulsionar o desenvolvimento · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Energias Renováveis Marinhas de uma economia azul mais global. Existe um enorme potencial de sinergias entre Portugal e o Japão como parte deste movimento global, já que as duas nações têm um passado vincadamente marítimo. O Embaixador do Japão em Portugal, Shigeru Ushio, por seu lado, afirmou … apesar de estarem localizados nos extremos do continente Eurásia, os dois países mantêm boas relações e partilham valores fundamentais como a liberdade, a democracia, os direitos humanos e o Estado de direito. Portugal beneficia de um ambiente empresarial excelente e estável, detém mão de obra qualificada e a capacidade de prestar serviços a preços altamente competitivos em comparação com países da Europa Central e do Norte. Esta conjuntura tem atraído investimentos significativos por parte do Japão. Devido ao nosso relacionamento único e duradouro, existe um forte potencial para uma maior colaboração e crescimento empresarial com um enfoque específico na energia marinha. O presidente e CEO da Marubeni Offshore Wind Development Corporation, Hisafumi Manabe, na ocasião, afirmou … o intercâmbio cultural, económico e científico entre o Japão e Portugal, baseado na nossa amizade histórica, é hoje uma realidade. O grande investimento da Marubeni em Portugal é um bom exemplo disso, sendo accionista de várias empresas incluindo a TrustEnergy (produtora de eletricidade), GGND (concessionária da rede de gás) e AGS (sector da água). Do ponto de vista geográfico, as nossas nações partilham muitas semelhanças em relação ao mar, não só devido às vastas áreas costeiras, mas também às nossas águas profundas, que exigem soluções inovadoras de energia oceânica, tais como plataformas flutuantes. O Japão tem desafios climáticos adicionais com terramotos e tufões. A nova tecnologia está em rápido desenvolvimento, e o seu sucesso provavelmente dependerá da colaboração internacional de alto nível. Ken Takagi, Professor da Universidade de Tóquio no Departamento de Tecnologia Oceânica, participante neste evento, disse então … Portugal e o Japão partilham uma relação muito singular e, embora o setor do petróleo e gás tradicionalmente impulsione a colaboração tecnológica marinha, assistimos agora a uma mudança sísmica para as energias renováveis. Nenhum dos nossos países tem grandes campos de petróleo ou gás perto da costa, o que só serve para enfatizar a grande necessidade de crescimento das energias renováveis para satisfazer a procura. O Country Manager da Ocean Winds Iberia, José Pinheiro, referiu que … a nossa Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 visão é impulsionar a inovação para apoiar um mundo neutro em carbono. O nosso objetivo é fazer da energia eólica offshore uma das principais fontes de energia renovável, apoiando a transição energética através da expansão com projetos comerciais de grande escala e eólica offshore flutuante. Koto Miyagawa, da Kyuden Mirai Energy, por fim disse que … o Japão tem recursos energéticos limitados e tradicionalmente depende de importações de outros países para a maioria dos combustíveis fósseis. No entanto, tal como Portugal, partilhamos uma longa costa, oferecendo um grande potencial para o desenvolvimento de ener- · revistademarinha.com gias renováveis marinhas. A Kyuden Mirai Energy está actualmente a realizar um projeto de demonstração da energia das marés na região de Nagasaki, um dos maiores portos comerciais do Japão, onde iniciou relações com Portugal há cerca de 450 anos. Com base na nossa ligação histórica, gostaríamos de cooperar mutuamente neste novo campo. Todas as apresentações deste evento encontram-se disponíveis no website do WavEC: www.wavec.org . Colaboração de Wavec – Offshore Renewables [email protected] 81 85.O Ano Visita aos “Estaleiros Marranita” por Rui Matos* ecorreu entre 6 de novembro e 4 de dezembro de 2021, na Sede da Cruz Vermelha da Trofa, uma exposição fora do comum para esta instituição… uma Exposição de Modelismo de António Marranita. Após vários convites da Direção daquele centro, o modelista em apreço finalmente cedeu e concordou com esta exposição dos seus trabalhos – e o nosso obrigado à Cruz Vermelha da Trofa por insistirem em avançar com este projeto! É claro que eu não poderia deixar passar esta oportunidade e assim numa visita com a família ao nosso Norte Litoral fizemos um desvio e visitamos a Trofa para visitarmos o Marranita, quase duas décadas depois de nos termos conhecido no mundo virtual do modelismo – entre várias plataformas internacionais e depois nacionais, mas sempre com o mesmo intento: troca de ideias, incentivar, passar informação ou tirar dúvidas relativas ao projeto corrente. Foi um encontro de amigos e famílias que não se conheciam na realidade e fomos recebidos como VIP’s; gostaria de deixar aqui, por escrito, um particular agradeci- mento à Família Marranita por tanto carinho que nos mostrou. A exposição propriamente dita, separada em vitrinas por uma questão de segurança, continha vários trabalhos divididos dentro do possível por temáticas terrestre, aérea e claro, naval – sendo a maior parte dos modelos à escala 1/72 – o que ajuda o visitante não-modelista a ter uma compreensão das proporções e dimensões do equipamento reproduzido à escala. Para ajudar a essa noção, todos os dioramas têm figuras. Alguns dos dioramas já publicados na Revista de Marinha (RM’s 999, 1006, 1013 e 1016) estavam presentes mostrando a vertente naval, sendo ainda de salientar um diorama da frente do desembarque falhado pelos ingleses em Dieppe, em 1942 (com um trabalho de minucia e de pesquisa para saber qual o tanque e onde ficou atascado na praia …) e ainda o último trabalho saído do “Estaleiro Marranita”, uma secção de um CVE, um porta-aviões de escolta em operação durante a II Grande Guerra Mundial, o USS PETROF BAY (CVE-80) – numa estreia mundial – com D 82 revistademarinha.com · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Modelismo ve também alguma exposição mediática, nomeadamente uma excelente vídeo-entrevista publicada na página do Facebook da Cruz Vermelha da Trofa, feita com calma e com direito a explicações bem dadas, e um direto na RTP-1, no programa Praça da Alegria, “um pouco a correr” – onde mais uma vez, tal como normalmente acontece em notícias relacionadas com o Mar, existe uma forte iliteracia na temática – intitulando a exposição de Exposição de Aeromodelismo e chamando o Modelista de Artesão. Desta última, saldou-se pela positiva a divulgação da atividade modelística e do evento. Deixo-vos algumas imagens dos excelentes trabalhos do Marranita em exposição, com o foco neste último, e com os votos que continuem a sair do seu “Estaleiro” muitas obras para nos deliciarmos com os seus requintes de malvadez modelística. Muitos parabéns e muito obrigado António Marranita! uma excelente dinâmica do que é uma plataforma destas em funcionamento! Para além do público que visitou e ficou surpreendido pela arte deste Trofense, hou- Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 Bons Modelos! * [email protected] · revistademarinha.com REFERÊNCIAS: https://www.facebook.com/cruzvermelhatrofa/videos/300427815268341/ 83 85.O Ano Tejo – Uma Boa Oportunidade Perdida por António Peters* “Lisboa Capital Europeia do Desporto 2021” … pela 1ª vez a ascender ao escalão máximo da conquista do mérito de sermos “Capital”. O Tejo é o maior e mais bonito campo desportivo da cidade. Que cidade foi esta, que no ano da sua oportunidade de reconhecimento europeu desportivo nem um vereador do Desporto fazia já parte da vereação para defender o evento? Uma oportunidade perdida, de mostrar à Europa o Tejo e todo o seu potencial desportivo. pós o galardão obtido de “Lisboa Capital Europeia do Desporto 2021”, em Novembro de 2017, é com sabor a sal que os nautas lisboetas sentem os olhos. Sal não do rio da cidade, mas sim da oportunidade perdida de ter mostrado à Europa o Tejo e todo o seu potencial desportivo. Salientamos e saboreamos este sentimento de desconsolo por ao longo dos últimos anos termos vindo a acompanhar o reconhecimento do esforço de algumas cidades portuguesas ao conseguirem ser galardoadas como “Cidades Europeias do Desporto”, desta vez o regozijo sustentava-se na esperança do êxito, de pela 1ª ocasião, ascender-se ao escalão máximo da A 84 conquista do mérito de sermos “Capital”, justificando-se mais ainda, pela oportunidade de valorização, ou reconhecimento, do seu descomunal plano de água, o Tejo, responsável ele também pelo apelo da curiosidade da visita de turistas a Lisboa, que aproveitam a estadia deslocando-se às suas margens a contemplar uma enorme potencialidade, tão mal explorada. Para melhor interiorizarem a veemência do nosso descontentamento, repetimos parte da notícia publicada na altura, aquando do dia da vitória do galardão … de Fernando Medina, escutámos as suas preocupações com a valorização dos espaços desportivos da cidade e das facilidades que ela oferece durante todo o ano para a prática desportiva, salientando a capacidade organizativa para com eventos de reconhecido gabarito internacional, que Lisboa está capacitada para continuar a mostrar ao mundo. Ao todo está anunciado o investimento de 26 M€. Contudo durante este entusiasmo de divulgações para o futuro 2021, não ouvimos qualquer referência à náutica desportiva, e à possibilidade de se aproveitar o plano de águas do Tejo. Apesar de a cerimónia ter decorrido na sua margem, a única alusão ao Tejo, foi a sua apetência à prática de running (corrida ao longo da margem do rio). Confessamos, soube-nos a pouco, mas como nautas e desportistas, no final do discurso a Revista de Marinha abordou o autarca e em tom de “conselho construtivo”, alertámo-lo para que não se esquecesse dos desportos náuticos, lembrando-lhe que o Tejo é o maior e mais bonito cam- po desportivo da cidade. Acolheu a observação, prometendo que também iria ser alvo de grande atenção. Nada do prometido se confirmou e o que se soube, sem promoção, ou outra qualquer divulgação, foi a realização/apoio a três eventos de carácter internacional: Campeonato Europeu de Judo, Premier League de Karaté e Taça do Mundo de Triatlo, sem se perceber o fundamento da opção de escolha, parecendo a oportunidade de um encaminhar de verbas a satisfazer promessas agendadas por cumprir, ou acordos de conveniência de última hora, no entanto a propalada promoção à prática desportiva de massas nada se viu, excepto em Abril, no Terreiro do Paço, uma curta exibição de ginástica (?), que se assemelhou a uma demonstração circense para turistas, com o propósito de filmagens para correr nos noticiários de circunstância alusivos e justificados para o dia de abertura. Tirando esse singelo momento de publicidade, mais político do que promocional, ficam para memória futura alguns cascóis, tipo futebol, alusivos à Capital do Desporto expostos em pavilhões municipais e restaurantes angariadores dessas relíquias. Sabemos e percebemos que 2021 foi um ano de procura de resolução de entraves provocados pela pandemia, mas que não se aproveitem as “costas largas do COVID” como justificação, a exemplo dos incêndios urbanos ou industriais em que a culpa recai sempre no “curto-circuito”. Em 2021 os confinamentos desportivos ainda existentes favoreciam os desportos Desportos Náuticos de actividade ao ar livre, em que a náutica era privilegiada mais que as restantes modalidades, que se saiba os eventos destacados e pouco ou nada difundidos como emblema da “Capital do Desporto” não conseguiram passar qualquer imagem de venda da cidade, do país e seus predicados, e muito menos cumprir os objectivos simples, escritos, que se propuseram aquando da candidatura. Pensámos, que após a desmesurada proliferação de ciclovias pela cidade estas estivessem no âmbito da “Capital do Desporto” e pudessem servir para uma prova de contrarrelógio de ciclismo por toda a cidade, que atraísse os lisboetas, … mas também não! Que cidade foi esta, que no ano da sua oportunidade de reconhecimento desportivo europeu nem um vereador do Desporto fazia já parte do elenco da vereação para defender o evento? Mais um exemplo do que se apregoa, não se faz, … ou não se devia fazer! Portugal até ao presente ano de 2021 tem anualmente, desde 2013, obtido no seu palmarés um título de Cidade Europeia, são vinte por ano na Europa e cada país só pode no máximo ter duas, enquanto Capital do Desporto só uma existe na Europa anualmente, Lisboa foi a primeira portuguesa a obter esse privilégio, enquanto nuestros hermanos espanhóis, desde o ano da sua criação, 2001, já somam o maior número de títulos da Europa com quatro capitais eleitas (2001/Madrid, 2004/ Alicante, 2011/Valência e 2020/Málaga). No respeitante a cidades portuguesas o quadro de honra nacional está assim distribuído: 2013/Guimarães; 2014/Maia; 2015/ Loulé; 2016/Setúbal; 2017/Gondomar; 2018/Braga; 2019/Portimão; e 2020/Odivelas. Como homens do Mar, seria injusto não referirmos o bom trabalho de Setúbal em 2016, aproveitaram a sua forte ligação ao enorme plano de águas, que é o rio Sado, e o resultado foi surpreendente; os desportos náuticos foram um dos objectivos propostos para um local de vigorosa tradição marítima, tanto de pesca, como porto comercial. Lisboa, … era só copiar! Hoje em Setúbal, as sementes de 2016 já estão a florir. Agora é hora de passar o testemunho de Capital Europeia do Desporto 2022 a Haia, na Holanda para, com certeza, saber valorizar mais ainda o imenso Mar que também lhes pertence, os holandeses dão provas disso constantemente e Portugal comprova ao requerer assiduamente os seus especializados serviços técnicos marítimos que fazem escola internacional, nós Portugueses resta-nos a esperança que o novo rumo da edilidade lisboeta saiba fazer o trabalho de casa, corrigindo os erros passados e presentes e que saiba renRevista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 tabilizar o que aqui sempre salientamos: o Tejo é o maior e mais bonito campo desportivo da cidade, relembrando que o anfiteatro das suas margens é um lugar, é um palco de excepção. Perdoem-nos o desabafo, mas quem visita o Departamento de Desporto da cidade de Lisboa, inexplicavelmente, mas felizmente, depara-se à entrada com uma excelente foto gigante deste campo desportivo deserto, compreensivelmente vazio, não só pela hora do nascer do dia, mas também por ser imagem de marca de ausência de vida … no Tejo! Lembramos, Desporto é vida! Entretanto, não querendo fazer juízos precipitados, depositamos esperança na · revistademarinha.com nova vereação e na vontade camarária de valorizar um bem, que foi berço para o engrandecimento da cidade que se tornou capital graças ao rio que lhe acaricia a margem. Parafraseamos de novo Mafalda Arnauth … Lisboa sem o Tejo fica nua. Nós, Revista de Marinha, comungando de igual vontade, estamos cá para colaborar e levar o barco a bom porto. Lisboa merece, Portugal agradece. * [email protected] NOTA: O autor não cumpre o novo acordo ortográfico 85 85.O Ano A Propósito dos 100 anos da Travessia Aérea do Atlântico por Augusto Salgado* O hidroavião Santa Cruz no convés do CARVALHO ARAÚJO, vendo-se à esquerda da fotografia Lázaro Galvão (foto família Pimenta). o ano de 2022 que agora se inicia, comemora-se o centenário da célebre travessia aérea de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, entre Lisboa e o Rio de Janeiro, que se realizou no meio de um imenso apoio popular, suportado por uma campanha nos órgãos de comunicação social da época, em especial, na imprensa escrita. Como é comummente conhecido, a largada de Lisboa fez-se no dia 30 de março de 1922, tendo a primeira tirada até às Canárias sido feita sem problemas, mas, à chegada ao Mindelo, Cabo Verde, um dos flutuadores da aeronave meteu água. Este problema obrigou os dois aviadores a permanecer mais uns dias nesta cidade, seguindo depois para a cidade da Praia, de modo a reduzir a duração da terceira tirada, face aos consumos da aeronave serem superiores ao previsto. Nos Penedos de São Paulo dá-se o primeiro desastre, quando um dos flutuadores se parte na N 86 1º Marinheiro Lázaro Galvão, fotografia no estúdio de João de Melo, em São Vicente, tirada em junho de 1920 (foto família Pimenta). revistademarinha.com amaragem, obrigando ao envio de uma segunda aeronave. Entretanto, os aviadores são levados até à ilha de Fernando de Noronha, retomando a viagem no dia 11 de maio, mas rumando novamente aos mencionados Penedos, para não deixar nenhuma parte da viagem por cumprir. Infelizmente, a meio caminho entre os Penedos e a ilha de Fernando de Noronha, o motor do segundo avião para, e os aviadores ficam à deriva durante várias horas, a cerca de 170 mi de Fernando de Noronha, até serem recolhidos por um navio inglês. De Lisboa larga, no dia 24 de maio, o cruzador CARVALHO ARAÚJO, levando a bordo a terceira aeronave Fairey 17 que, atualmente, se encontra em exposição no Museu de Marinha de Lisboa. Será com esta aeronave que os dois aviadores portugueses chegam, em 5 de junho, pouco depois do meio-dia, à cidade brasileira do Recife. E é aqui que largamos os “heróis” habituais deste episódio, indo ao encontro de · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Património Marítimo uma personagem de que já falamos nestas páginas: o artilheiro do rebocador GALGO que tinha trocado alguns tiros com o U-35 no dia 24 de Abril de 1917. Trata-se de Lázaro de Jesus Galvão (1899-1992), nascido na freguesia de Lagos, e que tinha assentado praça na Armada, como voluntário, a 11 de maio de 1916, e onde serviu até 23 de dezembro de 1922. O seu último embarque seria efetivamente no CARVALHO ARAÚJO, para onde destacou a 11 de abril de 1922. Ou seja, cerca de um mês antes do navio largar rumo ao Atlântico Sul. Após a entrega do avião aos aviadores, o 1º Marinheiro (artilheiro) Lázaro Galvão, de entre 300 homens, foi uma das quatro praças escolhidas para dar apoio direto aos aviadores e à aeronave, durante o percurso até ao Rio de Janeiro. Com ele foi um escriturário, uma ordenança para Gago Coutinho e uma outra praça, de que Galvão não especifica as funções. Mas lembra-se ainda, em 1991, numa entrevista que deu ao jornal Correio de Lagos, das grandes receções que tiveram lugar no Brasil. Curiosamente, apesar dos dois aviadores terem chegado no dia 17 de junho ao Rio de Janeiro, no verso da fotografia que, aparentemente, terá sido tirada no convés do CARVALHO ARAÚJO, aparece a indicação “Findo [o raid] a 19-6-922”. A cidade do Mindelo, por onde, eventualmente, o CARVALHO ARAÚJO terá passado, não era desconhecida para Lázaro Galvão pois, numa comissão passada em Cabo Verde, quando prestou serviço na canhoneira BENGO, o nosso marinheiro tirou uma foto de recordação da viagem, no dia 6 de junho de 1920, nos estúdios de João de Melo, para oferecer à sua futura mulher. E, aqui, surge mais uma história já que, esta casa de fotografia, foi a única no Mindelo, desde 1890 e durante grande parte Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 Monumento existente no Mindelo a comemorar a travessia de Sacadura Cabral e Gago Coutinho (foto do autor). do século XX, iniciada por Djindjon de Melo (João Henriques de Melo, 1871-1944), filho de mãe cabo-verdiana e pai português. Este fotografo, inicialmente amador, começou a sua atividade a fotografar os inúmeros navios que praticavam o Porto Grande de S. Vicente, acabando por registar todo o tipo de eventos que se realizaram na ilha de São Vicente e em outras ilhas. Este valioso espólio, que se mantem nas mãos da família, será uma fonte de informação preciosa para todos aqueles que estudam a história mais recente de · revistademarinha.com Cabo Verde e, em especial, da cidade do Mindelo. Serve esta crónica para relembrar que mesmo nos grandes momentos da História de Portugal, há outras “pequenas” estórias que também importa contar... * Oficial da Armada, res Investigador do CH e do CINAV OBSERVAÇÃO: Agradecimentos a Bárbara Pimenta (neta de Lázaro Galvão) e a Fernando Pimenta. 87 85.O Ano 2034 – UM ROMANCE DA PRÓXIMA GUERRA MUNDIAL Trata-se de um livro bastante interessante, publicado recentemente nos EUA, sobre a hipótese de uma guerra entre aquele país e a República Popular da China, a deflagrar em 2034. São autores o Almirante Jim Stavidris, reformado da Marinha Americana e Elliot Ackerman. O primeiro foi Comandante Supremo Aliado da NATO na Europa (NATO Supreme Allied Commander Europe) entre 2009 e 2013 e o segundo é um romancista que foi oficial fuzileiro (U.S. Marine Corps) entre 2003 e 2011, tendo recebido várias condecorações por ações em combate. Ambos são já autores de vários livros, publicados a título individual. O livro em apreço conta uma história romanceada acerca de uma guerra que os autores já afirmaram em entrevistas não ser uma premonição, mas sim uma situação que deve merecer as maiores cautelas, de modo a evitar que possa ocorrer. O leitor pode facilmente pensar em situações similares com o mesmo resultado, ou seja, a evolução de um pequeno confronto militar para uma guerra nuclear tática e daí a possível escalada para uma guerra nuclear total (ou estratégica), embora no livro não se chegue a atingir este derradeiro patamar. A história começa com vários incidentes que demonstram uma grande superioridade da China em 2034, em termos de cibersegurança, sem que os EUA se tenham apercebido dessa diferença de capacidades, o que vai causar verdadeiros desastres, totalmente inesperados, para as forças aeronavais americanas. No mar do sul da China, um arrastão chinês, aparentemente com incêndio a bordo, chama a atenção de uma força americana constituída por três modernos navios (destroyers). Não pede auxílio, mas a Comodoro americana, Comandante da força, resolve enviar embarcações com equipas de assistência que combatam o incêndio e para averiguar atitudes suspeitas. Verifica-se que se trata de um falso arrastão, dispondo aparentemente de tecnologia avançada, cujo Capitão se rende à Comodoro. Na realidade, o incidente é “fabricado” pela China, com segundas intenções, para justificar uma resposta antecipadamente planeada 88 Entretanto uma força naval chinesa, constituída por um porta-aviões nuclear e vários outros navios, surgindo sem ter sido detetada a longa distância, efetua manobras de cerco à força americana. Porém, vários dos sistemas de combate e de comunicações dos navios americanos deixam de funcionar, ficando estes completamente indefesos, perante um surpreendente ciber-ataque da força naval chinesa. A alguns milhares de quilómetros de distância (para Oeste), nas imediações do Estreito de Ormuz, um avião americano F-35 fazendo testes de novos equipamentos furtivos é conduzido para uma base aérea iraniana, contra a vontade do piloto. Os comandos do avião deixam de obedecer ao piloto e o aparelho aterra suavemente, guiado por uma força estranha. A China ainda propõe em Washington uma troca. Libertação do arrastão chinês da tutela americana e a devolução do F-35 pelo Irão, aliado da China. Mas, nem sequer existem comunicações entre a força naval americana e os respetivos comandos em terra (nada funciona). Perante esta situação, a ofensiva chinesa é terrível. Dos três destroyers, dois são afundados e o terceiro fica em muito mau estado, permitindo, contudo, o salvamento da Comandante da força e mais algumas dezenas de membros da guarnição. São sobreviventes propositados, para que possam relatar o sucedido às autoridades americanas. A partir de então, ambos os países entram no jogo da ação e reação, mas os EUA não são capazes de enfrentar com sucesso as ciber capacidades por parte da China. Assim, duas poderosas esquadras, lideradas por dois porta-aviões num total de 37 navios, são completamente destroçadas pela mesma força naval chinesa. A China aproveita a fraqueza americana para invadir Taiwan. Incapazes de reagir ao nível convencional, resta apenas uma resposta nuclear por parte dos EUA. Recorre-se ao nível nuclear tático, para não subir de imediato ao nível estratégico. O importante porto de Zhanjiang é atacado e destruído. Porém, a resposta chinesa arrasa as cidades de San Diego e Galveston. Os americanos preparam uma retaliação para revistademarinha.com · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Escaparate destruir três grandes cidades chinesas, mas só conseguem atingir Xangai (37 milhões de habitantes). A Rússia (aliada da China) também tira partido da confusão instalada e invade a Polónia, com o objetivo de obter uma ligação por terra até ao porto de Kaliningrado, no Báltico. Adicionalmente, destrói vários cabos submarinos, provocando a interrupção da internet de 10 G em grande parte do território dos EUA. Talvez seja um excesso de criatividade dos autores, mas o que se segue é uma intervenção da Índia, que, entretanto, já adquiriu o estatuto de grande potência, com ciber capacidades de topo. Não só elimina a grande força naval chinesa, como impede o ataque nuclear tático dos EUA a duas grandes cidades chinesas. Só não consegue evitar a incursão a Xangai, face ao engenho americano que permite viabilizar um ataque suicida àquela cidade por um avião isolado, dispondo de uma bomba nuclear tática. A Índia passa então a mediar o conflito, evitando um holocausto mundial. O enredo do livro estimula a nossa reflexão sobre a hipótese de um conflito armado entre grandes potências nas próximas décadas e suas consequências. Uma primeira observação prende-se com a chamada surpresa técnica, um conceito usado em estratégia militar, com ilações muito importantes, eventualmente decisivas. Uma das partes utiliza uma nova arma ou uma tecnologia de defesa inesperada, que lhe confere uma vantagem determinante. Se houver tempo e conhecimentos para reequilibrar as forças, esse é um caminho possível. Não sendo exequível, a derrota só pode ser evitada, com recurso às armas mais destrutivas. No caso vertente, não havendo capacidade para ultrapassar a vantagem proporcionada pelos ciber-ataques, resta apenas o uso de armas nucleares táticas ou estratégicas. Esta situação levanta imediatamente outra questão, igualmente importante. Uma falha dos serviços de informações, que não conseguiram obter os dados necessários para que os EUA não fossem apanhados completamente desprevenidos. Será que existe um défice deste tipo? A pergunta fica no ar. O fator humano e as questões psicológicas, de importância muito relevante, estão representadas pelas personagens imaginadas pelos autores e que tomam as decisões aos vários níveis, exigindo um elevadíssimo controlo emocional. Curiosamente, em 2034, o cargo de presidente dos EUA é desempenhado por uma mulher. Sobre a guerra nuclear haveria muitas considerações a fazer. Todavia, não sendo possível, nem adequado, alongar muito o texto, alerta-se para o facto de haver a tentação das grandes potências em passarem ao nível estratégico, após a deflagração de armas nucleares táticas. Isto porque um primeiro ataque (first strike) em larga escala pode incapacitar o adversário, o que cor- Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · revistademarinha.com responde a vencer a guerra, evitando uma eventual destruição mútua. O problema é que é necessário neutralizar os submarinos balísticos nucleares do inimigo, ou, pelo menos, a maior parte deles, o que se afigura extremamente difícil. Seja como for, o papel das Marinhas terá sempre uma importância enorme em caso de crise grave ou conflito armado. Desde o pretexto, ou qualquer outro fator precipitante das hostilidades, até à intervenção dos vários tipos de navios (incluindo submarinos) e da aviação embarcada. A mobilidade estratégica e a flexibilidade de emprego das forças navais conferem-lhes vantagens inigualáveis. As manobras de diversão e a dissuasão nuclear fazem parte das possibilidades de emprego. Nos últimos cinco séculos os poderes hegemónicos foram simultaneamente os maiores poderes navais do seu tempo (estudos do Prof. António Telo). A China pretende tornar-se um poder naval global e superar os EUA a longo prazo, ascendendo assim à hegemonia. É o país do mundo que mais investe na Marinha, neste momento. Nos últimos 4 anos construiu, em navios de guerra, o equivalente à Marinha Francesa. Os autores apresentam uma situação em que a NATO estará adormecida ou perdeu importância e a paralisação das Nações Unidas parece compreensível, face ao conflito entre dois países membros permanentes do Conselho de Segurança. O cenário de uma guerra entre grandes potências nucleares esteve afastado durante muitos anos, porque as consequências seriam inimagináveis e ninguém poderia sair vencedor. Os EUA e a Rússia (anteriormente União Soviética) pareciam garantir que esta situação se manteria, face à prudência com que foram encaradas algumas crises mais agudas, nomeadamente o caso dos mísseis de Cuba e um alarme de ataque nuclear que se revelou falso no último momento. Será que a ascensão da China vai aumentar a probabilidade de um conflito militar com os EUA? Recordemos as palavras enigmáticas de Xi Jinping no dia 1 de julho de 2021, na comemoração do centenário do Partido Comunista Chinês … vamos elevar as nossas forças armadas ao melhor nível mundial, para salvaguardar a soberania nacional, a segurança e os nossos interesses de desenvolvimento. Estas três facetas podem ter leituras muito sofisticadas. O livro tem, entre outras, uma mensagem clara para os EUA. A preparação para qualquer eventualidade a nível militar não deve ser descurada, e torna-se crucial evitar as surpresas técnicas. Si vis pacem, para bellum. Victor Lopo Cajarabille Vice-almirante, ref. 89 85.O Ano IDENTIDADE NACIONAL: A CONDIÇÃO PORTUGUESA E A NOSSA LÍNGUA PÁTRIA No prefácio deste “pequeno - grande” livro, o Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), Dr. José Ribeiro e Castro, afirma ser uma honra estrear a coleção “Ensaios” da Editora Principia, precisamente com este “magnífico ensaio”. De início, foi concebido apenas como o texto da conferência lida por uma das filhas do Prof. Doutor Engº Roberto Carneiro - Dra. Marta Carneiro - na cerimónia de entrega do Prémio “Identidade Portuguesa - Prémio Aboim Sande Lemos”, que em 25 maio de 2018 foi atribuído a seu Pai. Como diz o Presidente da SHIP, trata-se de “um texto meticuloso (…) sinal do seu amor: pela língua e pela identidade portuguesa”, onde o autor nos ajuda a melhor “(…) compreender o especial valor e capacidade de alavanca de três” dos (cinco) recursos estratégicos de Portugal, a saber: “a posição geográfica, a História e a Língua (…)”, que” na relação com a Europa e desta connosco” lhes permite atingir “(…) a plenitude da sua potência”. Numa nota introdutória, o Eng.º Roberto Carneiro explica que este seu texto de opinião, ou “ensaio subjetivo”, representa “uma homenagem pessoal à nossa-minha-língua pátria, que nos une e identifica como traço dominante de uma identidade única no mundo”, tendo, no entanto, introduzido algumas alterações, dado o facto de a sua publicação ocorrer agora, passados três anos da sua elaboração e já num contexto de pandemia que tanto tem afetado as circunstâncias em que vivemos. Afirma pretender uma mobilização de todos, para vencer a “negatividade” dos que parecem sempre apostados numa “(…) doentia tendência masoquista que se manifesta na requintada arte de maldizer sobre a condição portuguesa no mundo”. Assim, é seu desejo contribuir para uma visão e “determinação otimista, logo ganhadora” ante os enormes desafios do futuro, que o nosso país saberá enfrentar, como “nação tradicionalmente aberta ao mundo e em diálogo incessante com as demais nações e culturas”. Explica ainda, o autor, que o seu ensaio está dividido em cinco partes: uma primeira nota de introspeção e reminiscências, em que se nos apresenta como “(…) um luso-oriental-ilhéu impenitente(…)”; 90 uma segunda parte, em que avança pelos “(…) intrincados labirintos da identidade nacional(…)”, onde desenvolve a ideia fundamental de sermos “(…) uma Nação de Nações, uma Pátria que não descansa de se dar ao mundo(…)”; na terceira parte, aborda as “(…) contradições de que se encontra ferido o modo de ser lusitano(…)”; na quarta parte, reflete sobre”( …) o Mar e a Língua Portuguesa”, evocando as inesquecíveis palavras, respetivamente, de Virgílio Ferreira e D. Manuel Clemente, “Da minha Língua vê-se o mar” e “O mar fez-nos Nação”; por fim, na quinta parte, o autor faz a apresentação muito original e feliz, de “(…) cinco apartados para homenagear a nossa Língua Portuguesa”, dando voz a alguns dos nossos maiores poetas portugueses nos seus diferentes registos e cambiantes, apresentando a Língua Portuguesa como sendo “Uma Língua que canta o Amor como nenhuma outra”, “ Uma Língua de sonhos e silêncios”, Língua de comunhão entre Humano e Divino, e entre Ser Humano e Natureza, e Língua da Saudade e Nostalgia. Resta-nos felicitar vivamente, o Engº Roberto Carneiro, por este brilhante ensaio que, uma vez mais, é uma gozosa reflexão e mostra de Cultura que generosamente partilha com todos, engrandecendo o nosso Património e alimentando o orgulho de com ele sermos Portugueses. Ao mesmo tempo, traz até nós uma marca pessoal de confidência e sensibilidade familiar, numa nota final cheia de ternura, beleza e poesia, rematada pelo belíssimo poema de Sophia de Mello Breyner, “O mar dos meus olhos”, dedicado às “dezassete mulheres” da sua vida, uma “chave de ouro” que só podemos louvar! A Revista de Marinha cumprimenta, igualmente, a SHIP, na pessoa do seu Presidente, bem como a Editora Principia, pela oportuna e feliz divulgação deste ensaio, com tão cuidada e excelente apresentação. Para aquisição, deixamos o custo do livro - 8,55€ - e os contactos da editora: e-mail [email protected] , tel 21 467 8710, endereço postal, Edifício Britannia, Rua Vasco da Gama, nº 60 C 2775-297 Parede. F. F. revistademarinha.com · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Escaparate ATAQUE A CONAKRY Com o subtítulo “história de um golpe falhado”, esta obra, de que são autores José Matos e Mário Matos e Lemos, conta-nos como decorreu a “Operação Mar Verde”, talvez a mais ousada que ocorreu no decurso da Guerra do Ultramar (1961 – 74), embora o Governo português nunca reconhecesse o seu envolvimento. Na madrugada de 22 de novembro de 1970, seis unidades atribuídas ao dispositivo naval da Guiné, as Lanchas de Fiscalização Grandes (LFG’s) CASSIOPEIA, DRAGÃO, HIDRA e ORION e as Lanchas de Desembarque Grandes (LDG’s) BOMBARDA e MONTANTE cercaram a península onde se situa Conakry, a capital da República da Guiné, cerca de 200 mi a sul de Bissau. Durante a noite, uma força militar constituída por fuzileiros, comandos africanos e cerca de 200 membros da FNLG (movimento político de oposição ao Governo da Guiné-Conakry) desembarcou de surpresa nas costas norte e sul da cidade. O objetivo principal era promover um golpe de estado na antiga colónia francesa e derrubar o regime de Sekou Touré. Outros objetivos eram a destruição das lanchas de origem soviética do PAIGC e da Marinha da Guiné-Conakry, libertar duas dezenas de prisioneiros portugueses das prisões do Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 PAIGC, destruir os aviões MIG que se admitia estarem no aeroporto e capturar Amílcar Cabral, o líder do PAIGC. A operação foi planeada e comandada pelo CTen Alpoim Calvão, embarcado na LFG ORION. Nem todos os 25 alvos foram atingidos com sucesso, pois falharam as informa- · revistademarinha.com ções e um grupo de comandos africanos desertou; pode considerar-se um sucesso a nível tático, mas um falhanço a nível estratégico. O Governo português de então foi condenado nas instâncias internacionais e algumas unidades da Marinha da URSS passaram a estacionar em permanência em Conakry. Esta obra faz oportunas considerações de âmbito político e estratégico e enquadra esta operação no desenvolvimento da guerra na Guiné com o PAIGC. Diversas fotos valorizam o texto, designadamente as do Cte. Luís Costa Correia, então Comandante da LDG MONTANTE. Os autores, José Matos e Mário de Matos e Lemos, estão de parabéns por esta obra, que merece o nosso aplauso. José Matos é investigador em História Militar e colaborador da Revista Militar. Mário de Matos e Lemos foi jornalista e entre 1972 e 1998 Conselheiro Cultural e de Imprensa em diversas Embaixadas e Diretor do Centro Cultural Português de Bissau. Este livro tem o preço de capa de 14,75€. Aqui deixamos os contactos da Editora Fronteira do Caos, tel 22 502 5005, e-mail [email protected]. A.F. 91 85.O Ano MEMÓRIAS DE FOZ CÔA António Rui Prazeres de Castilho, nascido em 1937, em Matosinhos, vive hoje em Vila do Conde, depois de uma vida cheia, com passagem pelos Açores, na sua infância, regresso a Matosinhos, escolaridade no Colégio Militar, e mais tarde, intensa vida profissional entre 1956 -74, em Angola e Moçambique e depois já na Metrópole. Sempre gostou de vela, a ela dedicando parte do seu tempo, tendo realizado diversas viagens, entre elas, 4 travessias do Atlântico Norte, Brasil, Atlântico Sul e Mediterrâneo. Por fim, mais recentemente, e já com 80 anos, deu a Volta ao Mundo num pequeno veleiro ... “Memórias de Foz Côa”, como o nome indica, nada tem a ver com o mar, mas, curiosamente, fala-nos de um outro tipo de viagem. Desta vez, o autor empreende uma viagem no tempo, em concreto, convida-nos a retroceder várias dezenas de anos, até um mundo delicioso cheio das suas recordações de infância e adolescência, do tempo de férias de verão em Foz Côa, em casa da sua querida e maravilhosa Avó Cândida de Jesus Margarido, viúva de Guilherme Alberto Ferreira de Castilho, natural de Reboredo, ligado aos vinhos do Porto. Nesta narrativa familiar e sentimental o autor deixa-nos um registo da vida da época e apresenta-nos esta belíssima zona do Douro vinhateiro, pejada de personagens, desde os vários membros da família Castilho e seus primos Pires de Lima e Margarido, que em Foz Côa viviam ou passavam férias, até aos trabalhadores da casa que com eles conviviam, e aqui são carinhosamente evocados pelas suas alcunhas e pelo seu precioso trabalho. Alguns episódios, como as burricadas, piqueniques e vindimas, entre outros, são tão realistas e tão bem descritos, que mais parecem uma pintura! Aqui e ali, com uma deliciosa nota de humor e pormenores de grande interesse, desde o relato da viagem entre Porto e Pocinho, com direito a aula de Geografia ao vivo e uma merenda inesquecível, “Memórias de Foz Côa” é, sem pretensões, como que um documento etnográfico com interesse não só para as famílias aqui mencionadas, como também para todos os que se interessam por Foz Côa e seu passado, bem como pelos usos, costumes e trabalhos de então, na linda paisagem do Douro vinhateiro. A RM agradece a oferta deste livro e felicita o seu autor, Rui Castilho, que assim cumpre com sucesso o desígnio de transmitir às gerações vindouras as recordações do que era sempre “Uma Grande Festa” – as férias em Foz Côa! A quem tenha interesse, a RM facultará, com gosto, os contactos do autor. F.F. REVISTA GENERAL DE MARINA Trata-se de um órgão oficial do Ministério da Defesa de Espanha, de periodicidade mensal e de formato de bolso. Nas suas cerca de 200 páginas aborda temas profissionais da Marinha de Guerra de Espanha, relações internacionais e história naval. A revista que comentamos, relativa a ago / set de 2021, é um número especial, dedicado ao 450º aniversario da batalha naval de Lepanto. Abre com um editorial do Almirante Martorell Lacave, Chefe do Estado-Maior da Armada de Espanha (AJEMA). Nas suas palavras congratula-se por se ter dedicado o número bimestral de verão da revista a um tema de especial interesse para Armada de Espanha. E assinala algumas consequências da vitoria das forças navais da 92 Santa Liga em Lepanto, no Golfo de Patras, em 7 de outubro de 1571. Os quinze artigos que integram este número abordam também as relações com o Islão no norte de África, onde Portugal é referido, e as táticas e os meios navais da época. E até a influencia de Lepanto na cultura, não esquecendo que Miguel de Cervantes Saavedra (1547– 1616) participou nesta batalha, onde foi ferido, combatendo na galé MARQUESA, na Esquadra de D. Álvaro de Bazan. A Esquadra da Santa Liga (Espanha, Veneza, Génova, Estados Papais, Ducados Italianos e a Ordem de Malta), liderada por D. João de Áustria obtém uma vitória expressiva na maior batalha naval do século XVI: a frota revistademarinha.com turca perde 190 galés face às 12 da Santa Liga, o número de baixas turco foi superior a 30.000, para menos de 10.000 cristãos, e libertaram-se 12.000 escravos, cristãos na maioria, remadores das galés turcas. Apenas algumas poucas unidades, com Uluch Ali, puderam fugir do desastre. Em síntese, uma revista temática muito oportuna, com artigos assaz interessantes que nos permitem compreender melhor as razões e as consequências de uma batalha que moldou o futuro da Europa e cuja efeméride, entre nós, passou praticamente despercebida. E pela sua importância militar e política, talvez não devesse ter sido assim. Esta revista pode ser assinada, com um custo anual de 30€, e adquirida online através do e-mail publicaciones.venta@ oc.mde.es. A redação tem os seguintes contactos: tel (0034) 91 379 5107, e-mail [email protected], endereço postal Cuartel General de la Armada, Montalban, 2, 28071 Madrid, Espanha. A.F. · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha Escaparate MEMÓRIAS DA GUERRA E DO MAR No passado dia 2 de dezembro foi apresentado na Academia de Marinha o livro Memórias da Guerra e do Mar, coordenado pelo Prof. Doutor João Moreira Freire e publicado pela Editora Náutica Nacional. Nas suas 258 páginas, o Prof. João Freire apresenta-nos meia centena de episódios marítimos ocorridos com marinhas estrangeiras na primeira metade do Século XX. O coordenador afirma que … referem-se a diversos momentos cruciais da guerra naval nos conflitos mundiais de 1914-1918 e de 19391945, bem como outros acontecimentos marítimos tais como naufrágios, viagens de aventura e descoberta ou motins de marinheiros. Alguns dos episódios descritos neste livro fazem parte das memórias dos que se dedicam ao estudo da História Marítima, mas outros há que são pouco conhecidos. No primeiro grupo estão episódios como: – A Batalha de Tsushima travada em 27 e 28 de maio de 1905, uma pesada derrota militar russa que perdeu 34 dos seus 37 navios. – O afundamento do TITANIC, em 13 de abril de 1912. – A Batalha da Jutlândia, travada em 31 de maio de 1916; um alemão e um britânico, que participaram no combate, deixam-nos as suas visões do mesmo acontecimento. – O afundamento da Esquadra de Alto-Mar Alemã internada em Scapa Flow. Vendo aproximar-se a data final de vigência do Armistício, o Almirante Reuter decidiu afundar os seus navios em 21 de junho de 1919. – O ataque de Gunther Prien, com o seu U-47, à base naval britânica de Scapa Flow, em 14 de outubro de 1939, uma das mais arrojadas ações durante a II Grande Guerra Mundial (II GGM). – A Batalha do Rio da Prata. O couraçado de bolso GRAFF SPEE, foi detetado por uma divisão naval britânica ao largo do Rio da Prata em 13 de dezembro de 1939. Danificado no combate, o navio alemão recolheu-se a Montevideu, um porto neutro. No dia 17, o navio foi afundado pela sua própria guarnição no Rio da Prata. – A Retirada de Dunquerque, de cerca de 340.000 homens, por uma frota de 850 embarcações de todos os tipos. Todos estes episódios foram profundamente divulgados, geraram livros, artigos e filmes. Outros episódios são menos conhecidos como: – A Revolta dos Marinheiros da Esquadra Brasileira, em 1910, que contestavam a dureza da vida a bordo. – A revolta nos navios da marinha francesa em 1919; combatendo no Mar Negro contra os bolcheviques, foram influenciados pela sua doutrina. – A greve dos marinheiros da Royal Navy contra o corte de 25% dos seus vencimentos em 1931. Revista de Marinha · 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · revistademarinha.com – Na época da Diplomacia da Canhoneira, o coordenador refere-nos os problemas diplomáticos criados pela canhoneira alemã PANTHER durante a sua visita a Angola em 1912. – O combate do cruzador alemão KOENISBERG contra os britânicos, travado com o navio camuflado pela floresta do delta do rio Rufigi, na África Oriental Alemã. A guarnição do cruzador, foi engrossar a força de Von Lettow-Vorbeck, levando as peças de artilharia que resgatara do navio. Da Guerra Civil de Espanha estão referidos dois episódios trágicos; a revolta da marinhagem a bordo do couraçado JAIME I e o afundamento do cruzador nacionalista BALEARES. Da II GGM temos o drama da esquadra francesa. Temendo que os navios caíssem nas mãos dos alemães, após a rendição francesa em 1940, o governo britânico deu ordens para que os navios franceses fossem aprisionados ou destruídos; atacados em Orão e Dakar a maioria dos navios franceses é inutilizada. E em 1942, quando a Alemanha ocupou o sul de França, o governo de Vichy é forçado a afundar os navios estacionados em Toulon. Mas esta obra leva-nos também a episódios não militares de que realço: – As navegações e explorações polares do início do século XX que levaram, logo em 1901, quatro expedições à Antártida. – O problema das águas territoriais e a sua extensão, durante longo tempo, assente nas 3 mi ou no alcance do tiro de peça. Mas o progressivo alcance da artilharia, levou a tentativas de rever este conceito no início do Século XX, como nos explica o conselheiro Jaime Forjaz de Serpa Pimental em artigo nos Anais do CMN (1905). – Relativamente às explorações submarinas, surgem-nos dois textos. Um sobre o mergulho em apneia, outro sobre o mergulho em profundidade utilizando veículos especiais – os batiscafos – cujo primeiro ensaio nas águas de Cabo Verde em 1948 se saldou por um fracasso. – O naufrágio do PAMIR, em 21 de setembro de 1957, ao largo dos Açores, é um dos mais trágicos acidentes do Século XX. Esta barca de 4 mastros que servia de navio-escola da marinha mercante alemã, foi surpreendida por uma tempestade tropical, e afundou-se. Da tripulação de 93 homens, dos quais 53 cadetes, apenas se salvaram 6. O livro termina com a referência à presença do primeiro submarino nuclear americano – o NAUTILUS – no Pólo Norte em 1958. Este livro, com o custo de 20€, poderá ser solicitado à Editora Náutica Nacional, Lda, tel 91 996 4738 ou 21 580 9891, e-mail [email protected] . José António Rodrigues Pereira 93 85.O Ano A Revista de Marinha há mais de oitenta anos… nº 79 ste número da RM, que hoje comentamos, referido a 20 de abril de 1940, faz capa com o aviso de 1ª classe AFONSO DE ALBUQUERQUE fundeado na baía do Funchal. A abrir, uma referência à batalha da Noruega, ainda a decorrer e de resultado incerto. A invasão da Dinamarca e da Noruega por forças alemãs ocorreu na madrugada do dia 9 de abril de 1940. A resistência dinamarquesa foi fraca e durou horas; não foi assim na Noruega, que mobilizou as suas forças armadas e que resistiu com o apoio dos aliados franco-britânicos que deslocaram para a área significativas forças navais e que desembarcaram em Narvique. Na crónica da situação internacional, Francisco Velloso, redator do Diário de Notícias, aborda a situação com o texto “O grande desafio de Hitler à Inglaterra” e o esclarecedor subtítulo “a invasão da Noruega e a ocupação da Dinamarca pela Alemanha mudaram a face da guerra”. As águas territoriais norueguesas eram contadas a partir de uma fiada de ilhéus costeiros e continham canais navegáveis usados pela navegação mercante alemã que trazia o minério de ferro sueco para a indústria do Reich; terá sido a ameaça aliada de minar estes canais que despoletou a invasão alemã. Na crónica da guerra no mar um enigmático CFrag X aborda o tema “O domínio da superfície e a guerra de minas”. Depois de nos recordar que a mina submarina foi inventada pelo americano Bushnell e empregue com sucesso na Guerra Civil Americana, analisa os seus resultados na I Grande Guerra, que considera muito inferiores aos da arma submarina. Em novembro de 1939 as minas magnéticas E alemãs, uma novidade, obtém algum sucesso; mas em breve os britânicos conseguem abrir e estudar uma e definir novas táticas de rocega e o degaussing dos navios. Uma notícia dá-nos conta que o JEAN BART, o segundo couraçado francês de 35.000 tons foi recentemente lançado à água. Juntamente com o RICHILIEU, e os CLEMENCEAU e GASCOGNE, que não seriam concluídos, dariam à França uma magnifica esquadra de navios de linha. Armados com oito peças de 380 mm, protegidos por uma espessa couraça de aço e com uma potencia de máquinas de 150.000 CV’s eram unidades de elevado valor militar. Na rubrica “A guerra no mar – os acontecimentos enumerados e resumidos dia a dia” inventariam-se as ocorrências entre 6 e 31 de março de 1940. Ataques à navegação mercante e de pesca aliada por aviões e submarinos alemães, colisões com minas, a eliminação de alguma navegação mercante alemã por cruzadores ingleses … nada de novo nos mares. A registar o apresamento do CASSEQUEL por um navio francês; levado para Casablanca e inspecionado, foi libertado, entrando no Tejo a 23 de março. Numa curiosa noticia ilustrada, referida a escala na cidade da Beira do aviso de 2ª classe PEDRO NUNES, no decurso de um périplo de África. Alguns anúncios de estaleiros e de companhias de navegação completam este número, com um preço de capa de 2$50, sem alteração desde janeiro de 1937. A.F. ASSINATURA DA REVISTA PREÇOS DAS ASSINATURAS Assinando a Revista de Marinha recebe o seu exemplar, em sua casa, a um preço mais económico. DA REVISTA DE MARINHA Envie-nos pelo correio um boletim de assinatura, acompanhado de um cheque ou vale de correio, 6 NÚMEROS (ANUAL) à ordem da firma “ENN - Editora Náutica Nacional, Lda.”, ou faça uma transferência bancária para o nosso NIB no Banco Montepio 0036 0063 9910 0073 855 37, não esquecendo identificar-se. Portugal . . . . . . . . . . . . . . . E 32,50 No nosso site, www.revistademarinha.com encontrará o modelo do impresso, que poderá Europa . . . . . . . . . . . . . . . . E 52,50 imprimir. Contacte-nos para o 91 996 4738 ou 21 580 98 91 e para os e-mails: assinaturas@ Extra-Europa . . . . . . . . . . . E 57,50 PDF (digital)2022 . . . ·. .Revista . . . . . .de. E 20,00 94 revistademarinha.com revistademarinha.com · · 1023 1025Setembro/Outubro Janeiro/Fevereiro 2021 Marinha revistademarinha.com ou [email protected]. Ano 2022 ALWAYS THERE. EVERYWHERE. Navegação e comunicações Instalação e manutenção Inspeções de equipamentos de navegação, radio e VDR Monitorização remota Conectividade A Radio Holland, globalmente reconhecida como fornecedora e prestadora de serviços de equipamentos NavCom, possui uma incomparável rede de filiais (mais de 80) para assistir o seu navio ao longo das rotas marítimas globais Tel. +351 213 976 087 | E [email protected] | www.radioholland.com