JANEIRO
FEVEREIRO
2022
www.revistademarinha.com
Marinha
Guerra
de
Diretor: Alexandre da Fonseca
Nº 1025 - janeiro/fevereiro 2022 - Preço Continente - 6,50 € - PERIODICIDADE BIMESTRAL
FICHA TÉCNICA
ANO: 85
Nº 1025
FUNDADOR
MAURÍCIO DE OLIVEIRA
ANTERIORES DIRETORES
MAURÍCIO DE OLIVEIRA
GABRIEL LOBO FIALHO
EDITOR/DIRETOR
ALEXANDRE DA FONSECA
DIRETOR ADJUNTO
JOÃO RODRIGUES GONÇALVES
LUÍS MIGUEL CORREIA
SÍTIO NA INTERNET
JOÃO RODRIGUES GONÇALVES
COLABORADORES PERMANENTES
ANTÓNIO BALCÃO REIS
ANTÓNIO PETERS
ARMANDO MARQUES GUEDES
ARTUR PIRES (Setúbal/Sesimbra)
AUGUSTO SALGADO
CARLOS ALBERTO TIAGO (Peniche)
ÉLVIO LEÃO (Porto Santo)
FERNANDO PAIVA LEAL (Leixões)
ISABEL PAIVA LEAL (Leixões)
ISABEL PEREIRA (Faro)
JOÃO BRITO SUBTIL (S. Miguel/Açores)
JOÃO FERNANDES ABREU (Madeira)
LUIS FILIPE MORAZZO (Sotavento/Alg.)
LUIS MONTEIRO (Barlavento/Alg.)
MANUEL OLIVEIRA MARTINS (Viana do Castelo)
MIGUEL VIEIRA DE CASTRO (Sines)
ORLANDO TEMES DE OLIVEIRA
PAULO GAMA FRANCO
REINALDO DELGADO (Póvoa de Varzim/Vila do Conde)
RUI MATOS
Os artigos publicados na Revista de Marinha e assinados
refletem as perspetivas dos seus autores. Os artigos e fotografias incluídos nesta edição não podem ser reproduzidos sem
autorização.
Capa: O N.R.P. SETÚBAL a navegar na barra do
porto de Setúbal, junto ao forte do Outão, numa feliz
aguarela do pintor de arte e nosso estimado assinante, Sr. Fernando Lemos Gomes.
ÍNDICE DE ANUNCIANTES
LISNAVE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CAPA
CASA DA SENHORA DO OUTEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04
TECNOVERITAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05
MUSEU DE MARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
INDRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
BENSAÚDE MARÍTIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
TERNER MARITIME . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
GRUPO SOUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
APL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
UAVISION . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
HEMPEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
FOR-MAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
CONFORNAULUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
PROMARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
ARSENAL DO ALFEITE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
GRUPO ETE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
EID . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
WEST SEA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
VERA NAVIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
LIDERANÇA & ALTO RENDIMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
A4S . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
PLANETÁRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
GALP-MARINE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
SEAVENTY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
MOBILIFT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
REPSOL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
INDUMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
REBOPORT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
MYSTIC CRUISES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
AVG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
SUNCONCEPT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
LINDLEY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
BOATS4SALE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87
LOJA DO MUSEU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
EDIÇÕES REVISTA DE MARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91
RADIO HOLLAND . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA
IH . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA
NEPTUNE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CONTRA-CAPA
Prefácio
Neste primeiro número do ano abordamos o tema “Marinhas de Guerra”; vamos hoje focar-nos na nossa Briosa.
No passado dia 27 de dezembro teve lugar a mudança
na chefia da Marinha, o Almirante Gouveia e Melo rendeu
o Almirante Mendes Calado, que passou à reserva. Ambos
excelentes Oficiais, que conheci quando com eles me cruzei
no decorrer da minha vida profissional na Armada. Uma transição envolta nalguma polémica, desnecessária e negativa, para todos os envolvidos e para a nossa
Marinha.
Uma palavra de louvor para o Almirante Mendes Calado que no seu mandato
… manteve firme o leme; que na fase da sua vida que agora inicia encontre mares
calmos e ventos bonançosos e de feição!
Ao Almirante Gouveia e Melo desejo muitos sucessos, que serão também os
sucessos da Marinha; as dificuldades, como se sabe, são muitas e os recursos
escassos.
Uma primeira questão que importa resolver é definir qual o organismo entre nós
responsável pelas atividades de Guarda Costeira (combate aos ilícitos no mar,
fiscalização da pesca e busca & salvamento). A lancha BOJADOR evidencia a
necessidade de uma definição clara de atribuições; por outro lado, em nossa opinião, o seu recente encalhe mostra que a vocação da GNR não é andar no mar.
Depois, as magnas questões do recrutamento de pessoal, da manutenção e do
reequipamento da Esquadra, para as quais importa encontrar recursos e soluções
inovadoras, fazendo algum benchmarking com outras Marinhas.
No reequipamento há que terminar o upgrade das fragatas e iniciar os estudos
do navio que as substituirá (já) na próxima década; o que talvez possa ser feito em
conjunto com outras Marinhas aliadas como as da Holanda, Bélgica e Dinamarca.
A capacidade de reabastecimento é fulcral; enquanto não se constrói um navio de
apoio logístico, que demora alguns anos, talvez seja possível encontrar um navio
disponível noutra Marinha ou mesmo adquirir e converter um navio mercante. A
3ª série de seis navios de patrulha oceânica está a fazer o seu caminho, que
necessita de ser vigiado e aplainado. Por outro lado, as lanchas de fiscalização
classes ARGOS e CENTAURO terão em breve de ser substituídas. Neste âmbito,
NPO’s e LFR’s, haverá que tentar a exportação, designadamente para o mercado
da CPLP.
Afigura-se-nos que a Indústria Nacional deverá ser envolvida tanto quanto possível nestes programas; tem provas dadas em anteriores construções e tem mostrado capacidade de inovação de que os drones aéreos e a robótica submarina
são exemplo.
A terminar, noutro registo, recordar que há dois séculos, Portugal deixou ao
Brasil uma área equivalente a cerca de metade da América do Sul, o que constitui
uma herança valiosa. Afinal, nas palavras do Barão do Rio Branco, território é
poder…
Alexandre da Fonseca
[email protected]
Estatuto Editorial
A Revista de Marinha é uma publicação cujo título é propriedade da firma “Editora Náutica
Nacional, Lda”, sociedade por quotas, sendo seus únicos sócios o presente editor e diretor e sua
mulher.
O tema central da revista é o Mar, cuja importância na economia, na segurança, na cultura
e na identidade nacional é por demais evidente. Este tema será abordado nas suas múltiplas
facetas, com destaque para os assuntos relativos às ciências do mar, às atividades portuárias e
às Marinhas de Guerra, de Comércio, de Pesca e de Recreio, quer de Portugal, quer dos outros
Estados lusófonos.
A Revista de Marinha é uma publicação periódica, bimestral, independente, que se rege
por critérios jornalísticos rigorosos. Os artigos e as notícias que insere terão uma análise factual, a
procura do contraditório e quando aplicável, farão uma crítica construtiva. Os autores dos artigos
serão diversificados, acolhendo-se sobre o mesmo tema opiniões diversas, que possibilitem aos
nossos leitores – a nossa verdadeira razão de ser – formarem eles próprios a sua opinião.
Na orientação geral dos conteúdos da revista, no seu equilíbrio e no relevo dado aos vários
assuntos será tida em conta a opinião do Conselho Editorial.
Revista de Marinha (ERC nº 104351): Endereço da Sede e Redação - Av. Elias Garcia, Nº 20, 4º Esq. 1000 -149 Lisboa. Propriedade da ENN – Editora Náutica Nacional, Lda.,
NIPC 501 700 536. Tm. 91 996 47 38, Tel. 21 580 98 91, e-mail:
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nº 211781; Depósito legal nº 18 573/87. O capital desta empresa está repartido por duas quotas iguais, de 50% cada, pertencentes a Henrique Alexandre Machado da Silva da Fonseca e Maria de
Fátima Rueda Cabral Sacadura Alexandre da Fonseca. Paginação, Impressão e Acabamento: Estria, Produções Gráficas, S.A., Rua Torcato Jorge, Nº 1, Sub-Cave, 2675-359 Odivelas, Tel.
21 938 56 69, E-mail:
[email protected]; Site: estria.wix.com/estria; Tiragem deste número: 2700 exemplares; Distribuição: VASP, Tel. 21 439 85 07.
85.O Ano
Sumário
ATUALIDADE NACIONAL
TIAGO PITTA E CUNHA GALARDOADO
COM O “PRÉMIO PESSOA” .............................................. 5
REGATA ASSINALA A ROTA
DOS VINHOS DO DOURO E DO PORTO ....................... 18
PORTUGAL NA CONFERÊNCIA
”CRESCENDO AZUL”, EM MOÇAMBIQUE .................... 19
CONSTRUÇÃO & REPARAÇÃO NAVAL
O EMPREGO DE UM NOVO CONCEITO
DE DOCAGEM ............................................................... 42
EXPORTAR NAVIOS VERDES ........................................ 61
GOUVEIA E MELO EM ALMOÇO-DEBATE NO ICPT ....... 6
APRESENTAÇÃO DE “MEMÓRIAS
DA GUERRA E DO MAR” ................................................. 6
HISTÓRIA MARÍTIMA
ESTRATÉGIA & GEOPOLÍTICA
PORTO DE SETÚBAL COM NOVA LINHA REGULAR ...... 6
PRIMEIRA TRAVESSIA AÉREA DO ATLÂNTICO SUL ..... 20
Iº SIMPÓSIO MARÍTIMO DA ZOPACAS .......................... 48
PASSAGEM DO ANO NO FUNCHAL ............................... 7
O BLOQUEIO DO PORTO DA BEIRA ............................. 46
INDRA EQUIPA O SUBMARINO KSS III
DA COREIA DO SUL ........................................................ 8
“INCRÍVEL ARMADA”, A HISTÓRIA
DA TG 24.1 – PARTE III .................................................. 56
AQUÁRIO VASCO DA GAMA ......................................... 52
MEIO CONTINENTE COMO HERANÇA .......................... 66
O ARMADOR JOSÉ ROQUE .......................................... 62
UMA OBRA NOTÁVEL ................................................... 68
O NOSSO NAVIO ........................................................... 64
CONFRARIA MARÍTIMA RETOMA
AS SUAS ATIVIDADES ..................................................... 8
APRESENTAÇÃO PÚBLICA DA
“ASSOCIAÇÃO 4SHIPPING” ............................................ 9
LAGOS, RIOS E CANAIS
NAUTICAMPO 2022 ....................................................... 10
MARINHA DE GUERRA
APDL E A NOS APRESENTAM
O PRIMEIRO PORTO 5G ................................................ 10
A 3ª SÉRIE DE NAVIOS
DE PATRULHA OCEÂNICOS ......................................... 23
DIA NACIONAL DO MAR DE 2021 ................................. 11
O NRP ZAIRE EM MISSÃO NA REPÚBLICA
DEMOCRÁTICA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE ................. 26
COMEMORAÇÃO DOS 35 ANOS
DO PROGRAMA BANDEIRA AZUL ................................. 12
CAMISOLA POVEIRA, UMA ORGULHOSA
NOVIDADE ANTIGA! ....................................................... 12
PORTO DE LISBOA MARCA POSIÇÃO
NO MERCADO DE CITRINOS ........................................ 12
SURF CLUBE DE VIANA, O PRIMEIRO
CERTIFICADO DO MUNDO ............................................ 14
OBRAS NO PORTO DA ERICEIRA
DECORREM A BOM RITMO ........................................... 14
IT'S NOW OR NEVER! – É AGORA, OU NUNCA! ........... 54
A CAPACITAÇÃO DA GUARDA COSTEIRA
DE CABO VERDE ........................................................... 34
A CONFERÊNCIA INTERNACIONAL IMDEC 21 .............. 36
FLEET TACTICS – UMA OBRA DE REFERÊNCIA ........... 49
PORTO DE SETÚBAL CRIA ACADEMIA PORTUÁRIA .... 16
LIVRO APRESENTADO EM VILA REAL
DE SANTO ANTÓNIO ..................................................... 17
CRÓNICAS
TRANSPORTES & LOGÍSTICA ....................................... 72
SEGURANÇA MARÍTIMA ................................................ 74
O MAR E AS LEIS .......................................................... 76
MERGULHO ................................................................... 78
ENERGIAS RENOVÁVEIS MARINHAS ............................ 80
MODELISMO .................................................................. 82
DESPORTOS NÁUTICOS ............................................... 84
PATRIMÓNIO MARÍTIMO ............................................... 86
SEGURANÇA MARÍTIMA
CIBERATAQUES NO MAR – UMA QUESTÃO
NÃO DE COMO, MAS DE QUANDO .............................. 29
O HMS DRAGON EM LEIXÕES ...................................... 15
APDL PROMOVEU UM EXERCÍCIO DE COMBATE À
POLUIÇÃO NO DOURO ................................................. 16
CULTURA MARÍTIMA
ESCAPARATE
2034 – UM ROMANCE DA PRÓXIMA
GUERRA MUNDIAL ........................................................ 88
IDENTIDADE NACIONAL: A CONCLUSÃO
PORTUGUESA E A NOSSA LÍNGUA PÁTRIA ................. 90
DIREITO MARÍTIMO
ATAQUE A CONAKKY .................................................... 91
O REGIME JURÍDICO DA SEGURANÇA
PRIVADA ARMADA A BORDO DE NAVIOS
DE BANDEIRA PORTUGUESA ....................................... 32
MEMÓRIAS DE FOZ CÔA .............................................. 92
REVISTA GENERAL DE MARINA .................................... 92
MEMÓRIAS DA GUERRA E DO MAR ............................. 93
CHEMICAL MASTER À DERIVA
COM INCÊNDIO A BORDO ............................................ 17
MARINHA DE COMÉRCIO
ARQUIVO HISTÓRICO
REFORÇADAS AS REGRAS PARA O CONTROLO DO
ENXOFRE ....................................................................... 18
SHIPPING: DA ECONOMIA GLOBAL
AO INTERESSE NACIONAL ........................................... 38
A Revista de Marinha HÁ MAIS
DE OITENTA ANOS… Nº 79 ........................................... 94
Apartamentos
Turísticos
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1025
Revista
de Marinha
Atualidade Nacional
Tiago Pitta e Cunha galardoado
com o “Prémio Pessoa”
prestigiado “Prémio Pessoa” foi em 2021 atribuído a Tiago Pitta e Cunha, um jurista de 54 anos
bem conhecido por quem se interessa pelo
mar e que há cerca de um ano resumiu assim o seu
percurso de vida numa entrevista a um semanário …
a minha paixão é o mar.
Francisco Pinto Balsemão, Presidente do Júri e
fundador do prémio, uma iniciativa do semanário Expresso e da Caixa Geral de Depósitos, sublinhou a importância de … estimular todos aqueles que colocam
o seu saber e talento ao serviço de causas públicas
de valor universal.
Integram o júri deste prémio, para
além de Francisco Pinto Balsemão,
várias personalidades da sociedade
civil de muito prestígio; Rui Vilar é o
Vice-Presidente e Ana Pinho, António Barreto, Clara Ferreira Alves,
Diogo Lucena, Eduardo Souto de
Moura, José Luís Porfírio, Maria Manuel Mota, Pedro Norton,
Rui Magalhães Baião, Rui Vieira
Nery e Viriato Soromenho Marques são os vogais.
Após ter terminado o curso
de direito na Universidade Católica, em Lisboa, Tiago Pitta e
Cunha concluiu um mestrado
em Direito Marítimo na London
School of Economics, após o
que desempenhou funções
nas Nações Unidas, em Nova
Iorque, no âmbito do mar, designadamente representante de
Portugal na Convenção do Direito
do Mar, na Autoridade Internacional dos Fundos Marítimos e no Processo Consultivo das Nações Unidas
sobre o Oceano e o Direito do Mar. Em
seguida, em 2003, foi chamado pelo
Governo a que presidia Durão Barroso, para Coordenador da Comissão
Estratégica dos Oceanos, encarregue
de redigir uma política nacional para o
mar. Posteriormente integrou em Bru-
O
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
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xelas o Gabinete do Comissário Joe Borg (Malta), responsável
pelos Assuntos Marítimos e Pescas, e de novembro de 2004
a fevereiro de 2010 coordenou a nova Política Marítima Integrada da Comissão Europeia. Durante a Presidência do
Prof. Doutor Aníbal Cavaco Silva foi o seu consultor para
os assuntos do mar. Administrador Executivo da Fundação Oceano Azul desde o seu arranque em 2020, foi um
dos principais responsáveis pela campanha internacional
pela sustentabilidade dos mares Rise Up – a blue call to
action, um movimento da sociedade civil que junta já mais de
meio milhar de organizações e de personalidades por todo
o mundo. O objetivo deste movimento é procurar travar a crise dos oceanos, e a adoção de políticas
públicas nesse sentido, a nível global.
O júri do Prémio Pessoa, quando da divulgação da personalidade premiada, na semana anterior ao Natal, sublinhou … o rigor
e a persistente coerência de mais de duas
décadas e meia dedicadas integralmente a
trazer a importância do mar para a agenda política e cultural nacional, europeia e
global; a unidade entre o pensamento e a
ação; uma liderança baseada no exemplo e na partilha de responsabilidades.
Atribuído desde 1987, Tiago Pitta
e Cunha tornou-se em dezembro de
2021 no 35º vencedor do Prémio Pessoa.
A Revista de Marinha congratula-se vivamente com a justa atribuição deste galardão a Tiago Pitta e
Cunha; um veemente BRAVO ZULU, o
nosso caloroso aplauso para o premiado, mas também para o júri, que com
a sua escolha assinalou publicamente
a importância do Mar para Portugal.
5
85.O Ano
GOUVEIA E MELO EM ALMOÇO-DEBATE NO ICPT
salientado que se tratou de um trabalho de
equipa e sumarizou as mais importantes
“lições aprendidas”. Referiu então … julgo
que só se chegou à conclusão de que os
85 ou 86% da população com a vacinação
completa não foram suficientes. O importante, nesta altura é saber que “a guerra
global não está vencida” e que é preciso
dar vacinas a quem precisa e não voltar a
vacinar quem já não precisa. Não há seres
humanos descartáveis.
Depois da intervenção do orador, saudada pelos presentes com calorosos
aplausos, seguiu-se um período de perguntas e respostas.
O V/Alm. Henrique Gouveia e Melo, que
coordenou recentemente o processo de
vacinação em Portugal, participou como
orador convidado no almoço-debate do
ICPT – International Club of Portugal, realizado no passado dia 28 de outubro, no
Hotel Sheraton, em Lisboa.
Na comunicação “O processo de vacinação contra a COVID 19 em Portugal”,
o então Adjunto para o Planeamento e
Coordenação do Estado-Maior General
das Forças Armadas, perante cerca de
duas centenas de participantes, referiu
os pontos mais importantes do complexo
processo de vacinação que liderou, tendo
APRESENTAÇÃO DE "MEMÓRIAS DA GUERRA E DO MAR”
Dando continuidade à sua missão de divulgação dos assuntos relacionados com
o Mar, a Academia de Marinha promoveu
no dia 2 de dezembro uma sessão cultural de apresentação do livro “Memórias da
Guerra e do Mar”, da autoria de um dos
seus académicos, o Prof. Doutor João Moreira Freire, da responsabilidade das “Edições Revista de Marinha”.
Para além das palavras do editor, Académico Alexandre da Fonseca, a obra
contou com as apresentações do Prof.
Doutor Nuno Severiano Teixeira e do Académico José António Rodrigues Pereira,
que relevaram ser uma obra que amplifica
os horizontes culturais e transmite conhecimentos de grande importância para a
memória da cultura marítima portuguesa.
As palavras finais desta apresentação
foram proferidas pelo coordenador e compilador literário da obra, Prof. Doutor João
Moreira Freire, que assinalou este livro como sendo uma antologia de textos narrativos de memórias de acontecimentos no
mar. De facto, na sua maioria, são textos
relativos a episódios de guerra, a naufrágios que comoveram o mundo, a casos
de motins de marinheiros e questões de
natureza jurídico-diplomática, viagens de
exploração e diferentes aventuras ocorridas à superfície das ondas e nas suas profundidades. Todos os relatos ocorreram
durante a primeira metade do século XX,
tendo sido provavelmente a … última vi-
vência das grandes armadas e das quase-decisivas batalhas navais.
No final da apresentação foi servido um
vin d’honneur com os sempre apreciados
vinhos da Quinta de Chocapalha, permitindo aos presentes obter uma dedicatória do
autor nos seus livros e alguns momentos
de agradável confraternização.
Santos Maia
PORTO DE SETÚBAL COM NOVA LINHA REGULAR
O grupo CMA CGM reforça a sua presença no Porto de Setúbal com a nova
linha regular de contentores "AGPOME
2021”, agenciada pela CONTAINERSHIPS - CMA CGM PORTUGAL. Uma
linha que fortalece a posição do Porto
de Setúbal nas ligações rápidas e diretas nas rotas da CMA CGM entre os
portos atlânticos de Portugal e Espanha,
o Mediterrâneo Oeste, a Argélia, as costas mediterrânicas francesa e espanhola
e os portos hubs de Tanger e Algeciras,
6
que oferecem ligações a todo o mundo.
Este serviço, com escalas semanais e
três navios atribuidos, serve os portos de
Marselha, Barcelona, Valência, Mostaganem, Tanger, Algeciras, Vigo, Leixões,
Setúbal e Ghazaouet e tem um transit
time curto entre os portos que escala,
aumentando a rapidez do fluxo de tráfego da carga. É mais uma solução que
reforça a otimização dos movimentos
das cargas dos clientes que escolhem o
Porto de Setúbal.
revistademarinha.com
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
Passagem do Ano no Funchal
a passagem do ano de 2021 para
2022, foram onze os navios de cruzeiro que marcaram presença na
baía do Funchal. Retoma – se assim esta
tradição, tendo em conta que no ano anterior, devido à pandemia, apenas dois navios assistiram ao espetáculo pirotécnico,
embora permanecendo ao largo e fora das
3 milhas do porto.
De referir que inicialmente estavam previstas treze escalas para este último fim de
ano, mas infelizmente o AMERA e o AIDA
NOVA foram forçados a cancelar devido a
surtos de COVID 19 que surgiram a bordo,
entre os passageiros e a tripulação.
O primeiro navio a chegar para esta
grande concentração de paquetes, foi o
SEA CLOUD SPIRIT, um navio de cruzeiros
original, um moderno veleiro de três mastros, logo na noite do dia 29 de dezembro.
No dia seguinte juntou-se-lhe o navio de
bandeira portuguesa e registado na Madeira, o VASCO DA GAMA, do armador
português Mystic Cruises, mas fretado ao
operador alemão Nicko Cruises, do mesmo Grupo de Mário Ferreira, e também o
AMADEA, da Phoenix Reisen.
Já no dia 31 de dezembro, passava
pouco da meia-noite quando atracou o AIDA MAR no cais norte, estando já o SEA
CLOUD SPIRIT no fundeadouro, e o AMADEA em navegação, rumo a Porto Santo.
Ainda de madrugada, largou o VASCO DA
GAMA para uma volta à ilha da Madeira e
do Porto Santo durante o dia, voltando depois à baía ao início da noite.
Seguidamente chegaram o QUEEN ELIZABETH e o BOREALIS, que atracaram no
cais sul, e os navios BOLETTE, AIDA SOL
e MEIN SCHIFF HERZ, que fundearam.
Assim sendo, de manhã eram já sete os
N
paquetes no porto da capital madeirense,
a movimentar para terra um total de 9.439
passageiros, maioritariamente britânicos
e alemães, à exceção do MEIN SCHIFF
HERZ, que veio apenas com 68 tripulantes, os quais não desembarcaram.
Foi um dia de Verão fora de época, de
sol e com a temperatura acima dos 20º,
nem o vento a fazer-se sentir moderado no
mar afetou o transbordo dos passageiros
para terra, e vice-versa, via baleeira, operações que decorreram dentro da normalidade.
Ao início da tarde, voltou mais cedo
que o previsto o AMADEA, depois de ter
cancelado a escala no Porto Santo devido
ao vento forte. Foi então o quinto navio a
posicionar-se no fundeadouro.
Pelas 17h00 saiu para o largo o BOREALIS, que cedeu o cais onde esteve
atracado ao MARELLA EXPLORER, acabado de chegar, e pelas 18h00 foi a vez do
QUEEN ELIZABETH deixar o cais sul para
o fundeadouro. E finalmente, por volta das
19h30 chegou o MEIN SCHIFF 3, compondo assim a frota de 11 paquetes que
ia receber o novo ano de 2022 na cidade
do Funchal.
O cenário da passagem de ano contou
com algumas novidades que antecederam o conceituado e tradicional fogo-de-artifício; às 23h40 o salto espetacular de
quatro para-quedistas da “Red Bull Skydive Team”, e os cinco minutos antes da
meia-noite foram animados com projecção
de peças a partir do solo, alternadas com
lasers, drones e elementos luminosos inovadores.
João Fernandes Abreu
7
85.O Ano
INDRA EQUIPA O SUBMARINO KSS III DA COREIA DO SUL
A firma Indra assinou recentemente um
contrato com o estaleiro construtor naval
coreano DSME para equipar o primeiro
submarino KSS III do Lote II, a ser entregue
à Marinha da Coreia, com o seu sistema de
defesa eletrónica “Pegaso”.
O sistema da Indra, que oferece uma
probabilidade de quase 100% de intercetar sinais do adversário na sua banda de
trabalho, monitoriza os sinais eletromagnéticos emitidos para recolher intelligence
(SIGINT), combinando as funções de sistema de suporte de medição de sinais de
radar e comunicações. A solução integra
ambos os sensores numa única antena
para aumentar a eficácia, poupar espaço e
reduzir a secção radar do próprio submarino, tornando mais difícil a sua deteção.
Incorpora também uma receção digital de
banda larga real, que cobre instantaneamente um amplo espectro da banda de
radar e comunicações, para aumentar a
probabilidade de intercetar qualquer navio
ou aeronave que se encontre a emitir nas
proximidades do submarino.
Este avançado sistema irá reforçar a eficácia da Marinha coreana, a consciência
situacional, a capacidade de vigilância, o
reconhecimento e a dissuasão. Para além
da recolha de informações de elevado valor, o sistema “Pegaso” da Indra contribuirá
de forma efetiva para o levantamento em
tempo real, da Ordem de Batalha Eletrónica (EOB) na área de operações. Isto significa que os dados fornecidos pelo sistema
da Indra serão de importância vital para o
processo de tomada de decisão do comando e para o planeamento tático das
operações.
A empresa irá abordar a integração do
seu sistema “Pegaso” com o sistema de
combate (CMS) desenvolvido pela empresa coreana Hanwha Sytems. Trabalhará
também com o estaleiro DSME para apoiar
a marinha coreana na definição da doutri-
na para a utilização de sistemas de defesa eletrónica em plataformas submarinas,
particularmente na área de intelligence.
Este contrato foi adjudicado à Indra depois de esta ter equipado três submarinos
KSS III do primeiro lote deste programa. A
nova configuração do sistema “Pegaso”, a
ser implementada agora, será mais sofisticada e aumentará as capacidades da nova
versão melhorada do KSS III, um submarino de última geração de quase 90 m de
comprimento e deslocando mais de 4.000
toneladas em imersão.
CONFRARIA MARÍTIMA RETOMA AS SUAS ATIVIDADES
59º ENCONTRO DA CONFRARIA
– LIGA NAVAL PORTUGUESA
– VISITA TEMÁTICA
No passado dia 16 de outubro, 29 Confrades e acompanhantes visitaram a Direção de Faróis (DF) em Paço de Arcos.
Após as boas-vindas e apresentação da
DF realizou-se uma cerimónia de entronização de três novos Confrades, o Cte. José
Inácio da Costa Lopes, o Dr. José Poças
Esteves e o Eng. Artur Pires. De seguida
efetuou-se uma visita ao Museu dos Faróis
que conta a história dos faróis da costa portuguesa que ajudam a guiar os homens do
Mar. A visita terminou com um almoço de
confraternização no refeitório da DF.
de novembro, um jantar-debate que reuniu
43 Confrades e acompanhantes no restaurante da Associação Naval de Lisboa. Na
oportunidade, teve lugar a cerimónia de
entronização de dois novos Confrades, o
CAlm Carmo Durão e o Sr. Carlos Vieira.
Com uma excelente apresentação sobre
a Mystic Invest Holding, empresa-mãe da
Mystic Cruises, o Confrade Cte. Amadeu
Albuquerque a todos transmitiu o percurso
de sucesso da Holding, o compromisso da
Mystic Cruises com a sustentabilidade, como princípio base do desenvolvimento da
frota de navios, a ponto de já serem uma
referência na inovação da construção naval mundial, com a importante particularidade de estarem sempre orientados para
a indústria nacional.
60º ENCONTRO DA CONFRARIA
– LIGA NAVAL PORTUGUESA –
JANTAR-DEBATE
Sob o tema “A Indústria de Cruzeiros
Nacional”, realizou-se no passado dia 16
8
revistademarinha.com
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
Apresentação pública
da “Associação 4Shipping”
o passado dia 22 de Novembro,
na Sociedade Histórica para a Independência de Portugal (SHIP),
em sessão do “Círculo do Mar”, presidida
pelo Presidente da Direcção, Dr. José Ribeiro e Castro, a “Associação 4Shipping”
(A4S), fez a sua apresentação pública.
Perante uma assistência muito interessada, a Direcção da A4S, com as presenças
do Presidente da Direcção, Engº Jorge
d’Almeida, representando a “Saconsult”,
acompanhado pelos Vogais Drª Cristina
Lança e Alm Gonçalves Cardoso, apresentou o propósito desta iniciativa, formada
por 32 entidades (empresas e personalidades) ligadas ao Mar, que pretende posicionar Portugal como destino do shipping
internacional, sedeando em Lisboa as suas
empresas.
Na sua intervenção o Engº Jorge
d’Almeida esclareceu que no âmbito dos
objectivos da A4S se enquadra o apoio
ao desenvolvimento dos subsetores tradicionais e emergentes da economia azul,
em que Portugal possui ou pode ganhar
vantagens competitivas, designadamente
o transporte marítimo e serviços conexos,
construção e reparação naval, energia
oceânica, biologia marítima, dessalinização, defesa marítima e meios fixos submarinos, concluindo ser … fundamental
que os intervenientes públicos e privados
actuem de forma concertada na construção de políticas públicas que permitam
que Portugal se assuma como destino
para a atividade do shipping internacional.
O Engº Jorge d’Almeida adiantou ainda
que de acordo com o estudo, de 2020,
conduzido pela Oxford Economics para
a European Community Shipowners’ Associations (ECSA), o shipping na União
Europeia (UE) contribui diretamente com
685.000 postos de trabalho e €54 mM
(milhares de milhões de euros) para o
seu valor acrescentado bruto (VAB). Se a
estes valores acrescentarmos os efeitos
indiretos e induzidos que a atividade proporciona, estes aumentam para 2 milhões
de postos de trabalho e €149 mM€. Assim sendo a A4S lança como objectivo
alcançar uma quota para Portugal de 5%
do shipping europeu, o que representaria
100.000 postos de trabalho e €7 mM€
ou 3,5% do nosso produto interno bruto
(PIB). Tal situação, a verificar-se, colocaria
Lisboa no grupo das 50 principais capitais
marítimas do mundo.
N
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
Engº Jorge d’Almeida.
A Drª Cristina Lança, na sua intervenção,
apresentou a necessidade e a vantagem
da criação de um “Centro de Arbitragem”
para sustentar a oferta de condições interessantes para a instalação de empresas
de shipping em Portugal, facilitando assim
a resolução de eventuais conflitos, com
maior rapidez do que a verificada nos tribunais, assoberbados com outros processos. Rapidez que é indispensável para
as empresas de shipping, que procuram
tempos de paragem mínimos para os seus
navios e atividades.
Para finalizar a sessão o Alm José Luis
Gonçalves Cardoso fez um breve “ponto de
situação” do conhecimento e investigação
relativa ao Mar em Portugal, onde existem
hoje várias iniciativas, tanto ao nível da investigação científica como da formação
graduada e pós-graduada, dirigidas ao uso
sustentável do mar. Como tem sido divulgado, Portugal é o segundo país europeu,
depois da Noruega, com maior produção
científica na área do mar; foram elencados
4 Laboratórios do Estado, 11 Centros de Investigação associados ao Ensino Superior,
7 outros Centros / Institutos que possuem
unidades de investigação e ainda 4 mestrados / pós-graduações em universidades.
No entanto verifica-se que todas essas
iniciativas não respondem às necessidades
de formação e de transferência de conhecimento essenciais ao desenvolvimento
sustentável da economia do mar, quando
comparadas com as estruturas científicas
e técnicas existentes no atrás mencionado
país nórdico e, em particular do shipping,
pelo que se torna óbvia a necessidade de
coordenação e programação tendo em
conta as inúmeras iniciativas existentes.
Assim sendo, é proposto o desenvolvimento de um “Centro de Conhecimento do Mar”, eventualmente integrado na
Fundação de Ciência e Tecnologia (FCT),
que reúna os representantes dos Laboratórios do Estado e os Coordenadores
dos centros de investigação associados
às Universidades com o objetivo de avaliar
os projectos em curso, os objectivos previstos alcançar, as necessidades de equipamentos tecnológicos e o apoio logístico
necessário para concretizar o planeado.
O.T.O.
OBSERVAÇÃO:
O autor não segue o novo Acordo Ortográfico.
Mesa: Alm Gonçalves Cardoso (A4S), Eng Jorge d’Almeida (A4S), Presidente Direcção SHIP- Dr
José Ribeiro e Castro, Dra Cristina Lança (A4S) e Cte Temes de Oliveira (SHIP - Círculo do Mar).
· revistademarinha.com
9
85.O Ano
NAUTICAMPO 2022 - SALÃO INTERNACIONAL
DE NAVEGAÇÃO DE RECREIO, DESPORTO,
AVENTURA, CARAVANISMO E PISCINAS
O mais antigo e prestigiado evento de
atividades outdoor realizado em Portugal
está de volta à Feira Internacional de Lisboa (FIL). De 16 a 20 de fevereiro os pavilhões do Parque das Nações irão acolher
as mais recentes novidades no campo da
Náutica de recreio. Caminho para a aventura é o tema da edição de 2022, que tem
como objetivo contribuir para a dinamização e estímulo à prática das diversas modalidades em exposição.
O interesse crescente pela prática de
desportos e atividades náuticas no alto
mar, costa, estuários e planos de água
interiores, assim como a aposta das regiões na sua promoção turística, responde
a uma procura direta de eventos de âmbito
desportivo, constituindo uma oportunidade
para a NAUTICAMPO captar novos públicos, tirando partido das sinergias existentes no sector da Náutica de Recreio.
A NAUTICAMPO ocupará uma área de
20.400 m2. O evento mobiliza cerca de
21.000 visitantes e mais de 200 empresas
representativas dos sectores em exposição. A NAUTICAMPO recebe em cada
edição muitos visitantes que procuram as
mais recentes novidades, bem como entusiastas que pretendem encontrar estímulos para novos hábitos e estilos de vida ao
ar livre. Dos visitantes inquiridos na última
edição, 86 % ficaram satisfeitos ou muito
satisfeitos com a visita.
O setor da Náutica de Recreio abrirá
o evento no Pavilhão 1, incluindo barcos,
motos de água, motores, acessórios náuticos e imprensa especializada. Estarão presentes fabricantes, importadores, serviços,
estações náuticas e marinas. No Pavilhão
2, encontraremos os setores do Campismo, Destinos, Outdoor Adventure Village,
Piscinas e SPAS.
Para além da Exposição e diversas atividades nos stands, destacamos a realização de conferências sobre os vários
setores. Este ano, em destaque a conferência Design e Inovação na Indústria
Náutica, aberta a profissionais e público
mediante inscrição prévia em nauticampo.
fil.pt
APDL E A NOS APRESENTAM O PRIMEIRO PORTO 5G
Desde 2019 que Matosinhos é um laboratório vivo de inovação, para o qual a
NOS tem contribuído ativamente, tornando
a cidade mais inteligente e aplicando a tecnologia 5G a projetos que contribuam para
o aumento da sua eficiência e competitividade em diversas áreas, nomeadamente
na indústria.
É neste contexto que a NOS e a APDL
apresentam o Primeiro Porto 5G em Portugal. Integralmente coberto com a 5ª geração de redes móveis da NOS, o Porto
de Leixões poderá agora contar com significativos incrementos em termos de competitividade, eficiência e segurança na sua
gestão.
Em 2020, e mesmo com o efeito da
pandemia, o porto de Leixões movimentou
cerca de 17,1 M de tons. Neste contexto, atingiu um novo máximo histórico de
703.919 TEU’s (unidade de medida equivalente a um contentor de 20 pés), crescendo 2,6% face a 2019, o que sugere
não só a resiliência das empresas importadoras e exportadoras que ali operam,
mas também a capacidade do ecossistema portuário em se adaptar rapidamente
às alterações das condições do mercado.
10
Leixões é o principal porto exportador do
país em carga contentorizada e, globalmente, contribui para 7% do emprego em
Portugal e 6% do PIB nacional.
A parceria com a NOS vai permitir à
APDL monitorizar estas complexas operações com recurso a drones 5G, equipados
com câmaras capazes de transmitir, em
tempo real, imagens de vídeo em alta qualidade para a sala de controlo. Com estes
meios de monitorização remotos, tanto o
revistademarinha.com
centro de operações, como os pilotos dos
navios podem acompanhar um conjunto
de manobras de maior risco, aumentando
simultaneamente a capacidade para realizar inspeções no local, com maior frequência, flexibilidade e segurança bem como
permitir um apoio fundamental na resposta
em caso de incidentes.
Os drones 5G estão ainda preparados
para ser equipados com sensores ambientais, de ruído e qualidade do ar, capazes
de medir os impactos de cada operação
em tempo real e no local. Além desta ferramenta, as equipas da NOS e da APDL
estão igualmente a estudar a melhor forma
de tirar partido da realidade aumentada e
da tecnologia de “gémeo digital” para tornar os processos de manutenção de maquinaria e logística mais eficientes.
O 5G promete ser o principal acelerador da 4ª revolução industrial. Através das
suas elevadas velocidades, latências hiper-reduzidas e ligações massivas, a quinta
geração das comunicações móveis vai
contribuir para alavancar um conjunto de
relevantes use cases e trazer novas aplicações que prometem mudar a forma como
as empresas trabalham.
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
Dia Nacional do Mar de 2021
e entre as celebrações que se
multiplicaram pelo País em 16 de
novembro, Dia Nacional do Mar, a
habitual sessão comemorativa que a Sociedade de Geografia de Lisboa vem organizando anualmente foi adiada para o dia
seguinte para garantir a participação de
individualidades relevantes no tratamento da temática escolhida, Ciência para o
Desenvolvimento Sustentável, a partir da
metodologia científica aplicável (Relatório para o Desenvolvimento Sustentável
Global de 2019, https://sdgs.un.org/gsdr)
ao documento “Transformando o nosso
mundo – a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” (com os seus 17
objetivos). Este documento foi aprovado
pelas Nações Unidas em 2015, em duas
incidências: na expressão em Portugal da
ciência da sustentabilidade e na presunção que a mesma abordagem possa ser
empregue noutras interfaces de ciência-política-sociedade.
Em esclarecedoras intervenções foram
expostos os programas de doutoramento
em ciência da sustentabilidade lecionados
por duas instituições nacionais: da Universidade de Lisboa pelo Prof. Doutor Luís
Goulão, do Instituto Superior de Agronomia, e da Universidade Nova (Faculdade
de Ciências e Tecnologia) pela Prof.ª Cat.ª
Maria Paula Antunes.
Acerca de outras interfaces associadas
ao desenvolvimento sustentável seguiram-se breves apresentações: a 3.ª Avaliação
do Estado Global do Oceano (Processo
Regular) das Nações Unidas, pela Prof.ª
Cat.ª Maria João Bebianno, membro do
Grupo de Peritos das Nações Unidas para a Avaliação da Qualidade do Ambiente
Marinho incluindo os Aspetos Socioeconó-
D
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
micos; a Década das Nações Unidas das
Ciências do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030), pelo Prof.
Doutor Luís Menezes Pinheiro, Presidente
do Comité Português para a Comissão
Oceanográfica Intergovernamental (COI/
UNESCO); e Uma Nova Abordagem Europeia para uma Economia Azul Sustentável,
pelo Dr. Miguel Marques, da firma Blue Info
by Skipper & Wool.
Constata-se o relevo que em Portugal
e na União Europeia tem sido concedido
à supracitada Agenda 2030 e aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável;
ao invés, desconhece-se a divulgação,
naqueles âmbitos, do supracitado Relatório para o Desenvolvimento Sustentável Global de 2019 ou, sequer, que algo
tenha sido indiciado nesse sentido. A
consequência inovadora da adoção do
mesmo Relatório é pôr em uso a ciência
da sustentabilidade na concretização da
Agenda 2030.
Por ser pouco conhecida, introduz-se
sucintamente esta ciência como … “um
campo de investigação emergente para
tratar das interações entre os sistemas
natural e social e do modo como essas
interações influenciam o desafio da sustentabilidade, isto é, de satisfazer as necessidades das atuais gerações e das
futuras, enquanto se reduz significativamente a pobreza e se protegem os sistemas de apoio à vida do planeta”. Pode
considerar-se a ciência da sustentabilidade “… uma diferente forma de ciência
orientada para a sua aplicação, como são
as ciências agrárias e da saúde, com significativos componentes de conhecimento
fundamental e aplicado e o compromisso
assumido de passar esse conhecimento
por intermédio de uma ação societária”.
(Kates, RW (2011). What kind of a science
is sustainability science? Proceedings of
the National Academy of Sciences, December 6, 2011, vol. 108, no. 49, 19449–
19450).
C/Alm. José Bastos Saldanha
Presidente, Secção de Geografia dos Oceanos
Sociedade de Geografia de Lisboa
· revistademarinha.com
11
85.O Ano
COMEMORAÇÃO DOS 35 ANOS DO PROGRAMA BANDEIRA AZUL
A Associação Bandeira Azul da Europa
(ABAE) celebrou no passado dia 19 de novembro o 35º aniversário do Programa Bandeira Azul numa cerimónia realizada na Gare
Marítima de Alcântara, em Lisboa.
O Programa Bandeira Azul é um Programa de Educação para o Desenvolvimento
Sustentável promovido em Portugal pela
Associação Bandeira Azul da Europa, secção portuguesa da Fundação para a Educação Ambiental, reconhecida pela UNESCO
e pelo Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente, organismo que conta com
77 países-membros.
Ao longo destes 35 anos, a Bandeira Azul
ajudou a educar para o desenvolvimento
sustentável em praias costeiras, fluviais e lacustres, portos de recreio, marinas, embarcações de recreio e ecoturísticas, através de
um conjunto de critérios relacionados com
Informação e Educação Ambiental, Qualidade da Água Balnear e Gestão Ambiental.
A cerimónia que assinalou os 35 Anos da
Bandeira Azul foi um momento para refletir
sobre o futuro das nossas Praias e, sobretudo, para apelar a que todos se tornem parte
ativa na estratégia adotada por Portugal no
combate às Alterações Climáticas. Nesta
ocasião a ABAE reuniu todos aqueles que,
ao longo destes 35 anos fizeram parte da
história da Bandeira Azul.
Neste aniversário a ABAE reafirmou o
seu compromisso de continuar a trabalhar
em prol da sustentabilidade do nosso Mar e
das nossas Zonas Balneares, tendo apelado
à colaboração de todos os seus parceiros.
A RM aproveita o ensejo para endereçar
à Associação da Bandeira Azul felicitações
por mais este aniversário com o desejo sincero que os anos vindouros sejam ainda
mais profícuos e proveitosos; cá estaremos
para ser eco das vossas iniciativas!
Eduardo de Almeida Faria
OBSERVAÇÃO:
Noticia elaborada com base num texto da responsabilidade da ABAE.
CAMISOLA POVEIRA, UMA ORGULHOSA NOVIDADE ANTIGA!
Deve ser reconhecido o
mérito à estilista americana Tory Burch, ao chamar
a atenção para a peça de
vestuário, lamentavelmente
um pouco esquecida, para
que o proverbial nacionalismo se revoltasse contra tão
ousada comercialização. E
de repente tudo se alterou,
através da revitalização da
inimitável “camisola poveira”, que desde uma das últimas reuniões camarárias,
passa a ter o direito de ser celebrada com
dignidade.
O dia escolhido para a celebração anual
será a 8 de dezembro, que
irá trazer às ruas da cidade
as afamadas camisolas,
plenas de símbolos marítimos e de outros desenhos,
saídos das mãos das inspiradas bordadeiras. Para
tanto, convirá aproveitar as
explicações dos historiadores camarários sobre a sua
origem, constando ser …
bordada sobre lã branca de
fio grosso, da zona da Serra
da Estrela, denominada “lã
poveira” e decorada a ponto de cruz, com
motivos de inspiração diversa (escudo nacional, com coroa real; patinhos; siglas;
remos cruzados; vertedouros; etc), sendo
somente utilizada lã de cor preta e vermelha nos bordados.
Simultaneamente, é igualmente importante perceber que … a camisola poveira
era inicialmente feita em Azurara e Vila do
Conde e bordada na Póvoa pelos velhos
pescadores; passou depois a ser bordada
pelas mães, esposas e noivas dos pescadores, e depois feita e bordada na Póvoa.
Quem vive na Póvoa não vai deixar de
aproveitar a oportunidade para retirar dos
baús as preciosas relíquias nos dias 8 de
dezembro e passear o que de bonito se
fez por lá.
Reinaldo Delgado
PORTO DE LISBOA MARCA POSIÇÃO
NO MERCADO DE CITRINOS
A APL – Administração do Porto de Lisboa revela que nos passados meses de
setembro a outubro decorreu a campanha
de importação de citrinos, provenientes da
África do Sul e Argentina, na ERSHIP Lisboa
- Terminal Multiusos do Beato.
José Castel-Branco, administrador da
APL, destaca que … no total foram movimentadas 7.591 tons de citrinos, o que
representa mais 11% do que a quantidade
movimentada no ano anterior. Estes citrinos
tiveram como destino final tanto o mercado
interno, como o espanhol.
A ERSHIP Lisboa recebeu cinco navios
12
com esta mercadoria, todos agenciados
pela Orey Navegação, entre os quais um
redirecionado do porto de Roterdão, com
vista a acelerar o processo de entrega de
revistademarinha.com
mercadoria ao cliente final. O navio proveniente da Argentina, o M/V BALTIC PERFORMER, foi aquele que descarregou o
maior número de paletes, um total de 1.851,
o que corresponde ao dobro da média dos
restantes quatro navios de importação de
citrinos. Quanto ao fluxo de entrada e saída
das mercadorias, a média do terminal foi de
920 paletes por semana, considerando o
ciclo completo.
Com a boa performance operacional de
todos os envolvidos, é expetável que este
mercado venha a crescer no Porto de Lisboa na campanha de 2022.
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Vessel Traffic
Services (VTS)
Segurança e Monitorização em tempo real no Controlo
de Trafego Marítimo.
indracompany.com
85.O Ano
Surf Clube de Viana, o primeiro
certificado do mundo
Surf Clube de Viana (SCV) é o primeiro clube de surf a nível mundial
a receber a certificação de clube
de turismo sustentável.
A STOKE é o primeiro organismo de
certificação de sustentabilidade do mundo.
Esta entidade certifica os operadores que
garantem a sustentabilidade dos lugares
onde se pratica o surf e as pessoas que lá
vivem. Atribuiu ao SCV esse certificado por
considerar que este clube reúne as condições necessárias … descartando resíduos
sólidos e líquidos de forma eficaz, usando
fontes de energia renováveis disponíveis e
reduzindo a sua pegada de carbono, captando e conservando a água da chuva,
contribuindo para a conservação ambiental, pagando salários justos por meio de
contratos legais com benefícios, apoiando
negócios locais, contribuindo para atividades culturais locais e respeitando os costumes locais.
Ao atribuir esta certificação ao SCV a
STOKE está a garantir que o clube pode
organizar eventos de nível mundial e é um
destino de surf sustentável.
O responsável e cofundador da STOKE,
Carl Kish, admitiu que o SCV … é o primeiro operador de turismo de surf no mundo
a receber o Certificado STOKE ao nível das
Melhores Práticas, e adiantou … desde
que começamos há 7 anos, ninguém atingiu o nível Melhores Práticas em qualquer
um dos nossos padrões. Mais recente-
O
Instalações do Surf Clube de Viana no Cabedelo (Foto do S.C.V.).
mente, a avaliação dos impactos no surf
passou a estar alinhada com as soluções
climáticas do Projeto Drawdown e com os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
das Nações Unidas.
Acessibilidade e respostas a emergências (Foto
S.C.V.).
Para atingir este desiderato é bom recordar que muito contribuiu o facto do
SCV ser a primeira escola de surf em Portugal, berço da Federação Portuguesa de
Surf e a primeira Delegação da Surfrider
Foundation Europe e, mais recentemente,
ter organizado o 1st European Adaptive
Surfing Championship em 2019, em Viana
do Castelo, que foi o primeiro evento de
surf da Europa a obter a certificação em
sustentabilidade atribuído pela STOKE.
Este clube existe há 32 anos, e é uma
referência, e na opinião de João Zamith, o
Presidente do Clube, pretende continuar a
contribuir para a sustentabilidade ao mais
alto nível.
Manuel de Oliveira Martins
OBRAS NO PORTO DA ERICEIRA DECORREM A BOM RITMO
As obras de reforço do quebra-mar do
Porto da Ericeira, a cargo da Direção-Geral
de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), estão a decorrer a
bom ritmo, estando já em fase avançada
o transporte dos enrocamentos de grande
dimensão para a zona da obra. Foi também iniciado o assentamento desses enrocamentos na zona de coroamento da
cabeça do molhe, através da utilização de
uma grua de grande porte.
Estes trabalhos têm como objetivo a
colocação de 4.800 m3 de enrocamento
na zona de maior desgaste da cabeça do
quebra-mar, proporcionando uma maior
robustez e segurança desta obra de proteção do porto. Foram também já realizados
os trabalhos iniciais de levantamento topo14
-hidrográfico da bacia e da área de acesso
ao porto, com vista à realização de dragagens de manutenção.
As dragagens contemplam a retirada de
cerca de 200.000 m3 de sedimentos arenosos da bacia portuária e a regularização
da praia, de forma a reestabelecer as condições de segurança marítima do porto de
pesca e do movimento das embarcações.
As dragagens decorrerão sequencialmente
nas diversas zonas previstas, desde o canal de acesso até à zona da praia, estando
também contemplado o transporte dos
sedimentos e a sua imersão em zona da
deriva litoral, de forma a promover o combate á erosão costeira. Estes trabalhos
representam um investimento de 1,6 M€,
proveniente do Orçamento do Estado.
revistademarinha.com
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
O HMS DRAGON EM LEIXÕES
Passou recentemente pelo porto de Leixões o destroyer inglês (D35) HMS DRAGON, o quarto navio do Tipo 45, classe
DARING, que tem entre outras características um sistema muito desenvolvido de defesa aérea. Teve a cerimónia de lançamento
à água em novembro de 2008, concluiu as
provas de mar em 5 de novembro de 2010,
entrou pela primeira vez em Portsmouth em
31 de agosto de 2011, e encontra-se ao
serviço desde 20 de abril de 2012.
O navio teve o início da sua construção
no estaleiro da “BAE - Systems Surface Fleet Solutions”, em Scotstoun, no rio
Clyde, em dezembro de 2005, e a secção
da proa foi aplicada ao conjunto dos módulos em Govan, no dia 17 de novembro
de 2008. A madrinha de batismo do navio
foi Susie Boissier, esposa do V/Alm. Paul
Boissier, CINCFLEET, o equivalente ao
“nosso” Comandante Naval.
O DRAGON ostenta em ambas as amuras a imagem dum “dragão Galês”, sendo
o único navio da esquadra adornado com
imagens. Imagens essas já existentes na
altura do lançamento à água, porém, retiradas durante uma remodelação do navio
em 2011. Fruto duma campanha promovida pela Associação dos Navios de Guer-
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
ra Ingleses, foi recuperada a pintura dos
dragões, agora com carácter definitivo, em
2016.
Deve igualmente ser assinalada a aparição do navio no 25º filme da série James
Bond, intitulado “No Time to Die”, falseando a utilização de misseis terra-ar “Aster”,
somente utilizados em lançamentos a partir do solo. O bombardeamento efetuado
pelo DRAGON, na parte final do referido
filme, foi gravado nas Ilhas Faroe, em setembro de 2019.
O navio tem um deslocamento de cerca
· revistademarinha.com
de 8.000 tons, 152,4 m de comprimento
por 21,2 m de boca. Quanto à propulsão,
tem instaladas duas turbinas a gás, do
modelo WR-21 da Rolls-Royce, debitando
cada uma 28.800 SHP, o que lhe proporciona uma velocidade de cruzeiro na ordem dos 30 nós. Face à necessidade de
realizar viagens a longa distância, o navio
consegue percorrer 7.000 mi navegando
à velocidade de 18 nós. A guarnição é
constituída por 121 oficiais, sargentos e
praças, embora o navio possa alojar 235
tripulantes.
15
85.O Ano
APDL promoveu um exercício
de combate à poluição no Douro
o passado dia 25 de outubro, a
APDL - Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do
Castelo, promoveu o simulacro “RECCUA
2021”, um exercício de combate à poluição fluvial por derrame de hidrocarbonetos, do 3º grau, conforme denominação
no “Plano Mar Limpo”.
O exercício decorreu na Via Navegável do Douro (VND), na zona dos cais
da Régua e de Lamego, que é área de
jurisdição da APDL e da Capitania do
Porto do Douro, entre os concelhos de
Peso da Régua e Lamego. Para o efeito
a APDL disponibilizou os meios necessários, como entidade de colaboração e
cooperação à Autoridade Marítima, que
através do Capitão do Porto do Douro
assumiu a função de COS (Comandante
das Operações de Socorro) articulando
com a APDL, CDOS, Guarda Nacional
Republicana (GNR), Polícia de Segurança
Pública (PSP), Bombeiros Voluntários da
Régua e de Lamego, Instituto Nacional de
Emergência Médica (INEM), entre outras
entidades e agentes de proteção civil.
O exercício “RECCUA 2021” visou cumprir com o estabelecido no “Plano Mar
Limpo”, nomeadamente assegurando os
padrões de prontidão dos meios da APDL
no âmbito do Plano de Segurança e Emergência da VND, da Autoridade Marítima
Nacional (AMN) e dos restantes organismos do Sistema de Autoridade Marítima
(SAM), bem como de outras entidades
responsáveis, relativos às operações de
N
O rebocador multifunções "Cachão da Valeira", em plena atividade.
prevenção e resposta a um incidente de
poluição do meio marinho. Através desta
atividade, houve a intenção de providenciar uma adequada, equilibrada, expedita e
eficaz mobilização dos meios disponíveis,
com a finalidade de combater um derrame,
decorrente de dois cenários:
Agentes da Autoridade Marítima procedem à
limpeza da água do rio.
– Colisão de uma embarcação MT
(marítimo-turística) contra o cais da Régua, provocando-lhe um rombo no tanque de combustível, com consequente
derrame de hidrocarbonetos;
– Acidente no posto de combustível da
GALP, sito no cais comercial de Lamego,
com consequente derrame de hidrocarbonetos para a zona envolvente.
Como é do conhecimento público, a
APDL, enquanto responsável pela segurança marítima e portuária na sua área
de jurisdição (Portos do Douro, Leixões,
Viana do Castelo e VND), cumpre-lhe assegurar as condições de segurança e de
funcionamento dos referidos portos e da
VND, em todas as suas vertentes, tendo
em atenção a necessidade de garantir a
sua exploração comercial.
PORTO DE SETÚBAL CRIA ACADEMIA PORTUÁRIA
A Academia Portuária de Setúbal
(ACAPS) inicia a atividade em fevereiro de
2022 e as inscrições já estão abertas. A
ACAPS tem como objetivos proporcionar
formação aos trabalhadores da Comunidade Portuária de Setúbal e de Sesimbra,
colaborar com outros portos, associações
e organismos nacionais e internacionais na
área da formação portuária, apoiar a divulgação das matérias e questões portuárias
na comunidade e junto das entidades externas interessadas, designadamente entre
entidades e empresas logísticas e prestar
formação portuária à medida.
As primeiras ações de formação incluem
temas como a introdução aos termos espe16
cíficos de inglês técnico, atualidade e futuro dos sistemas de informação portuários,
objetivos de desenvolvimento sustentável,
introdução aos conceitos base do negócio
revistademarinha.com
portuário, marítimo e logístico internacional,
tendo como publico alvo colaboradores da
APSS, das empresas da comunidade portuária, stakeholders, alunos univeritários e
de escolas locais e população em geral.
A Academia Portuária de Setúbal vai funcionar no edifício do Centro de Formação
do Porto de Setúbal localizado junto ao
terminal Multiusos Zona 1 e tem disponíveis duas salas de formação, preparadas e
equipadas para ações de formação até 10
participantes.
O detalhe do programa de formação
do primeiro semestre de 2022 e os contactos para incrições estão disponíveis em
www.portodesetubal.pt
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
LIVRO APRESENTADO EM VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO
No dia 18 de novembro a Biblioteca
Municipal “Vicente Campinas”, em Vila
Real de Santo António (VRSA), recebeu o
lançamento da obra A pirataria no extremo
sotavento algarvio nos alvores da Idade
Moderna, da autoria do historiador Fernando Pessanha, técnico superior de cultura
do Arquivo Histórico Municipal “António
Rosa Mendes”.
A sessão, que contou com as palavras
introdutórias da Vereadora da Câmara
Municipal de VRSA, Conceição Pires, e
da delegada da Direção Regional da Cultura do Algarve, Adriana Freire Nogueira,
contou ainda com a presença do CFrag.
Rui Vasconcelos de Andrade, Capitão
do Porto de VRSA, em representação da
Marinha Portuguesa, que originalmente
publicou esta investigação nas Memórias
2019 da Academia de Marinha.
Durante a sessão, o historiador algarvio, doutorando da Universidade de Huelva e investigador da Associação Ibérica
de História Militar, dissertou sobre a atividade do corso e da pirataria nas imediações da foz do Guadiana, identificando
ataques que tiveram lugar no concelho
de Santo António de Arenilha, assim como a atividade dos cavaleiros da Ordem
de Cristo, responsáveis pela defesa da
costa. O Dr. Fernando Pessanha chamou
ainda a atenção para a necessidade de
se desenvolverem projetos de investigação que atribuam visibilidade ao concelho e que permitam a criação de novas
imagens de marca inovadoras do turismo
cultural.
CHEMICAL MASTER À DERIVA COM INCÊNDIO A BORDO
Quando se encontrava a cerca de 30
mi do Cabo Espichel ocorreu um incêndio na máquina do navio de nacionalidade
maltesa CHEMICAL MASTER, em viagem
de Haifa para Amesterdão, transportando
cargas de ácido benzeno e ácido fosfórico.
A inesperada avaria na máquina deixou
o navio à deriva, com 23 tripulantes a bordo, que, entretanto, conseguiram extinguir
o incêndio. Porém, ainda na noite de 22 de
novembro de 2021, viram-se na necessidade de pedir assistência.
Em auxílio do navio a Marinha enviou
para o local do sinistro a corveta ANTÓNIO
ENES, e a Força Aérea fez seguir um helicóptero, com uma equipa do INEM, para
atender a dois tripulantes em situação crítica por inalação de fumos, que infelizmente
vieram a falecer a caminho do hospital.
O armador contratou um rebocador que
trouxe o navio para Lisboa, entrando no
Tejo no dia 24. Após vistorias efetuadas
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
por peritos da Capitania do Porto, e da
Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos, concluiu-se
pela ausência de riscos, de forma a poderem ser iniciadas as reparações.
O CHEMICAL MASTER `navega sob
pavilhão maltês, pertence à empresa Chemship B.v., com sede em Capelle a/d
Ijssel, Holanda, e foi construído no estaleiro
Asakawa Zosen K.K., em Imabari, no Ja-
· revistademarinha.com
pão, em 2009. Arqueia 8.259 tons brutas,
e pode transportar 16.248 tons de produtos químicos líquidos. Tem 134 m de comprimento, 21 m de boca e uma velocidade
de serviço de 14 nós.
Reinaldo Delgado
OBSERVAÇÃO:
Foto de Hannes van Rijn - Marine Traffic
17
85.O Ano
REFORÇADAS AS REGRAS PARA O CONTROLO DO ENXOFRE
A Direção-Geral de Recursos Naturais,
Segurança e Serviços Marítimos (DGRM)
informou que foram reforçadas as regras
para o controlo de emissões de enxofre
no transporte marítimo, através da publicação do Decreto-Lei n.º 106/2021, de 3
de dezembro, relativo aos limites do teor
de enxofre de certos tipos de combustíveis navais e ao regime contraordenacional
aplicável.
O Anexo VI da Convenção MARPOL
veio impor, a partir de 1 de janeiro de
2020, os novos limites de teor de enxofre de 0.5% m/m (massa/massa) para a
navegação em geral e 0,1% nas zonas
de controlo de emissões, nos portos e
fundeadouros para estadias superiores a
duas horas, matéria reforçada pela Diretiva
2012/33/UE, do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 21 de novembro de 2012.
Antes, os navios tinham como limite 3,5%
de teor de enxofre na navegação. Com esta redução dos limites de enxofre, foram
fortemente reduzidas as emissões de NOx
e SOx, bastantes prejudicais para a saúde
humana e para o meio ambiente.
Com o diploma agora publicado é fixado o regime contraordenacional sobre o
controlo do enxofre nos combustíveis, funcionando, desde logo, como elemento dissuasor para evitar incumprimentos e atuar
sobre as situações reais de incumprimento
detetadas, estabelecendo diferentes níveis
de coimas em função da gravidade da situação, podendo mesmo levar à inibição
da operação do navio. O diploma estabelece um modelo de atuação e fiscalização
entre a DGRM, as Entidades da Energia,
as Autoridades Portuárias e as Regiões
Autónomas, promovendo igualmente a
simplificação de procedimentos e a sua des-
materialização, nomeadamente pelo uso da
Janela Única Logística.
Com este diploma é dado mais um passo no caminho progressivo de controlo das
emissões dos navios, atuando-se na redução das emissões dos óxidos de enxofre
e de azoto resultantes da combustão dos
combustíveis e, consequentemente, minorando os seus efeitos nocivos.
REGATA ASSINALA A ROTA DOS VINHOS
DO DOURO E DO PORTO
Para assinalar o lançamento da Rota
dos Vinhos do Douro e do Porto, realizou-se, no passado dia 27 de outubro, uma
Regata de Barcos Rabelos, evento emblemático a que a população em geral assistiu
a partir das margens do rio Douro, no Porto e em Vª Nova de Gaia.
Os antigos barcos rabelos, outrora utilizados para o transporte fluvial das pipas
de vinho do porto, do Douro Vinhateiro até
às caves em Vª Nova de Gaia, foram as
estrelas desta competição singular onde
diversas empresas do setor participaram,
numa colorida regata onde a arte de navegar o rio foi posta em destaque.
Com o objetivo de contribuir para o
desenvolvimento turístico sustentável da
Região, através do produto Enoturismo
e do aproveitamento do potencial da cultura da vinha e do vinho, associando-o à
notoriedade e posicionamento turístico do
destino Porto e Norte de Portugal, foi criada a Rota dos Vinhos e do Enoturismo do
18
Porto e Norte de Portugal num protocolo
entre o Turismo do Porto e Norte de Portugal, as Comissões Vitivinícolas das Regiões dos Vinhos Verdes, Távora-Varosa,
Trás-os-Montes e o Instituto dos Vinhos
do Douro e do Porto — IVDP, já detentor
da marca “Rota dos Vinhos do Douro e
do Porto”.
A Rota dos Vinhos e do Enoturismo do
Porto e Norte de Portugal foi apresentada
no IWINETC - International Wine Tourism
Conference, um dos maiores encontros
anuais dedicados ao enoturismo, que contou com a realização da Regata de Barcos
Rabelos da Confraria do Vinho do Porto,
organizada pelo IVDP para divulgar a Rota
dos Vinhos do Douro e do Porto, e na qual,
um grupo de jornalistas e conferencistas,
tiveram a oportunidade de realizar uma
experiência única, ao fazerem parte da tripulação de cada um dos barcos que participaram na regata. Cumpre salientar que a
equipa da Quinta dos Canais - Cockburn's
foi a vencedora!
OBSERVAÇÃO:
A foto foi registada por profissionais da firma
Gavinha – Agência de Comunicação e pertencem ao IVDP, a quem muito agradecemos.
revistademarinha.com
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
Portugal na Conferencia “Crescendo
Azul”, em Moçambique
DGRM integrou a comitiva portuguesa liderada pelo Ministro do Mar,
Ricardo Serrão Santos, que participou na Conferência “Crescendo Azul”,
realizada em Vilankulo, nos dias 18 e 19
de novembro de 2021, tendo integrado os
painéis de oradores em dois momentos da
II Edição desta Conferencia Internacional,
que teve como tema “Investir na Saúde do
Oceano é Investir no Futuro do Planeta”.
A primeira participação decorreu na
sessão paralela “Economia Azul e Ordenamento do Espaço Marítimo”, tendo a
Subdiretora da DGRM, Susana Batista,
efetuado uma apresentação subordinada
ao tema “Operacionalização do Quadro Legal de Utilização Privativa do Espaço Marítimo”. No final da sessão, Felismina Antia,
Diretora Nacional de Políticas do Ministério
do Mar, Águas Interiores e Pescas de Moçambique salientou a colaboração estreita
entre Portugal e Moçambique em matéria
de ordenamento do espaço marítimo e o
apoio que Portugal pode dar, através da
troca de experiências e conhecimentos, na
implementação do Plano de Ordenamento
do Espaço Marítimo Moçambicano, cuja
aprovação foi anunciada pelo Presidente
A
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
da República, Filipe Nyusi, na sessão de
abertura da Conferência.
A segunda participação ocorreu no
evento paralelo, coorganizado pela Organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura (FAO) e pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sob o tema “Combater a Pesca
ilegal, não declarada e não regulamentada
· revistademarinha.com
(INN) - Principais desafios - De que forma
o network da CPLP pode contribuir para
os ultrapassar?”, tendo integrado o painel
os responsáveis pela Inspeção das Pescas
de Portugal, Carlos Ferreira e Carlos Silva.
O evento, que contou com a presença
de representantes de todos os Estados-Membros da CPLP, de Angola a Timor-Leste, potenciou a troca de experiências
com vista à celebração, em breve, de um
instrumento juridicamente vinculativo para
a criação de uma plataforma de cooperação no combate à pesca INN.
A Conferencia “Crescendo Azul” é promovida por Moçambique, em formato bianual, funcionando como uma plataforma
de diálogo, com o objetivo de promover
a cooperação e a partilha de conhecimentos, necessários ao cumprimento dos
compromissos assumidos no quadro da
implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 14 das Nações
Unidas, com foco na região ocidental do
Oceano Índico.
A I edição desta conferência foi realizada em maio de 2019, em Maputo, tendo o
Ministério do Mar de Portugal participado
em ambas as edições.
19
85.O Ano
Raid Aéreo Lisboa - Rio de Janeiro
Primeira Travessia Aérea
do Atlântico Sul
Uma visão brasileira
por Mário Rupp*
ra o ano de 1922, o Brasil completava um século da sua independência de Portugal e grandes eventos
foram realizados para marcar e celebrar a
ocasião. Os destaques foram a Semana de
Arte Moderna de São Paulo, a Exposição
Internacional do Centenário da Independência e o Raid Aéreo Lisboa – Rio de Janeiro.
Este último, certamente foi o que envolveu
e emocionou maior parcela da população
brasileira.
À época, o Brasil era um país praticamente rural e sua população tinha sensivelmente 70% de analfabetos. Muito embora
a aviação não fosse um assunto de muito
interesse do povo em geral, o Raid Lisboa-Rio despertou rapidamente a atenção de
todos. De norte ao sul do país logo toda
gente percebeu se tratar de uma aventura
extraordinária, uma verdadeira odisséia.
Os
destemidos
Capitão-de-Mar-e-Guerra Gago Coutinho (navegador) e
Capitão-Tenente Sacadura Cabral (piloto)
se propuseram a fazer algo novo, desafiador. Nos primórdios da Aviação Naval, uma
grande travessia sobre o mar estava repleta
de incertezas - e apenas os tripulantes mais
intrépidos e capazes podiam ousar propor
algo como a travessia aérea do Atlântico
Sul.
Após extensas tratativas e preparações
partiram a 30 de março de 1922 a bordo
do “Lusitania”, uma aeronave Fairey F III-D
Mk II, para a primeira perna da aventura. O
destino era Las Palmas, nas Ilhas Canárias.
O segundo troço da viagem ocorreu a 5 de
abril e teve como destino o Arquipélago de
Cabo Verde. Apesar de alguns contratempos essas primeiras etapas correram sem
maiores problemas ou avarias.
No dia 17 de abril de 1922 foi realizado o mais longo voo do Raid. Concluída a
travessia Cabo Verde – Brasil estava vencido muito mais do que o maior troço da
viagem. Foram 920 milhas desde a cidade
de Praia até a chegada em águas brasileiras, quando o “Lusitania” amarou ao largo
dos Penedos de São Pedro e São Paulo
(hoje rebatizado Arquipélago de São Pedro
e São Paulo). O voo ocorreu com enorme
E
20
precisão de navegação o que possibilitou
a localização e o pouso em segurança ao
largo daquele que até hoje se trata do sítio
mais isolado e inóspito do território brasi-
leiro; um pequeno conjunto de rochas que
emerge do oceano, sem nenhuma área
abrigada e sobre forte influência das mais
hostis condições climáticas. A amaragem,
inicialmente planeada para ser realizada
ao largo da ilha de Fernando de Noronha,
teve que ser alterada para os penedos devido às restrições impostas pelos cálculos
de peso e autonomia da aeronave. O mais
importante, entretanto, foi comprovar a eficácia dos métodos e dos instrumentos de
navegação empregados durante aquela
travessia. Certamente, este foi o maior êxito
alcançado nesta etapa do “Raid”. O voo foi
inteiramente realizado sem nenhum auxílio
de navegação exterior à aeronave. Foi utilizada unicamente a navegação astronômica
e estimada, empregados o sistema de Sextante com Horizonte Artificial e o Plaquê de
Abatimento, ambos concebidos por Gago
Coutinho e Sacadura Cabral.
As condições adversas do mar no local
levaram à infeliz perda da aeronave (incidente ocorrido já após a amaragem). No
entanto, este foi apenas um infortúnio que
em nada diminui a grandeza do feito alcançado. Como bem reportou o diário brasileiro “O Paiz”, em sua edição de 20 de abril
de 1922: “É sempre relativo o mérito das
A aeronave Fairey 17 SANTA CRUZ, à chegada ao Rio de Janeiro.
revistademarinha.com
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
História Marítima
vitórias fáceis... A glória é ser vencido e recomeçar a batalha; é aceitar a adversidade
passageira com ânimo tranquilo, e enfrentar
o destino de novo, com novas energias e
nova ambição”.
À medida que chegavam novas notícias, aumentavam, também, o interesse e
entusiasmo das autoridades, dos media e
do povo brasileiro relativamente ao desafio
empreendido pelos aviadores portugueses.
Tendo em vista a grande repercussão do
feito e, ainda, os interesses diplomáticos
envolvidos, tanto em Portugal quanto no
Brasil, o governo português decidiu por
enviar uma nova aeronave, para viabilizar a
conclusão da travessia conforme planeada.
As palavras do então Ministro de Negócios Estrangeiros de Portugal, Dr. Barbosa
de Magalhães, são um exemplo disso: “O
Raid Aéreo Lisboa – Rio de Janeiro é, sob o
ponto de vista das nossas relações, como
um fraternal abraço de dois povos, abraço
que cimentará indestrutivelmente a estima e
admiração mútua... procurarei sempre, interpretando o sentir de todo o governo e de
todo o país, contribuir para que nada embarace esta obra e para que dela resultem
benefícios materiais para os dois países”.
Sendo assim, outro Fairey, este com o
numeral 16, foi transportado pelo Vapor
brasileiro BAGÉ e, em 6 de maio, estava
ao largo dos Penedos junto ao Cruzador
português REPÚBLICA onde se encontravam os “gloriosos navegadores do espaço”,
conforme mencionou o semanário “Revista
da Semana” em uma das suas edições de
1922.
Por questões de segurança a aeronave
acabou por ser montada e testada ao largo da ilha de Fernando de Noronha, tendo
partido em 11 de maio para cumprir o troço
Fernando de Noronha – Penedos – Fernando de Noronha. Chegou até aos penedos
conforme planeado, mas já no regresso
uma pane de motor determinou um pouso
de emergência a sensivelmente 300 milhas
do destino final. Após horas de buscas um
navio mercante inglês, que se encontrava
nas proximidades, conseguiu localizar o hidroavião e resgatar toda a sua tripulação.
Infelizmente essa aeronave também seria
perdida para o oceano. Ainda assim, o objetivo de vencer por ar esta etapa do percurso estava concluído.
Uma vez mais o governo de Portugal não
esmoreceu. A situação foi solucionada com
o transporte de mais uma aeronave aos
bravos aviadores, desta vez, a bordo do
cruzador português CARVALHO ARAÚJO.
Após a chegada em Fernando de Noronha
o Fairey 17, batizado “Santa Cruz”, por sugestão da Primeira Dama do Brasil, Mary
S. Pessoa, foi preparado e testado. Em
5 de junho finalmente foi realizado o “voo
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
da vitória” até a cidade de Recife e, assim,
formalmente concluída a travessia aérea
do Atlântico Sul. As etapas seguintes com
pousos em Salvador da Bahia, Porto Seguro, Vitória e, finalmente, no Rio de Janeiro
(Capital do Brasil àquela época) correram
sem maiores transtornos - e a navegação
foi sempre realizada com o auxílio de referências em terra.
Os festejos conduzidos após a chegada
a Recife, ao longo das etapas finais do raid,
assim como em muitas outras cidades ao
redor do Brasil, foram espetaculares, apoteóticos. A população das cidades onde a
aeronave pousou fez verdadeiros carnavais
nas ruas para acompanhar e homenagear
· revistademarinha.com
os heróis aviadores. Desfiles em carros
abertos, multidões a tentar se aproximar.
O interesse daquelas multidões refletia o
pensamento de que tinham a oportunidade
de estarem ao lado de super-heróis, celebridades internacionais, verdadeiras lendas
vivas. Com este mesmo entusiasmo, a colônia portuguesa no Brasil recebeu seus
compatriotas com festas e eventos. Os
heróis do ar foram recebidos em jantares e
banquetes pelas mais altas autoridades do
país. Governadores estaduais, senadores,
ministros de estado e o então Presidente
da República, Dr. Epitácio Pessoa, prestaram seu reconhecimento ao glorioso feito
alcançado. Também houve a oportunidade
21
85.O Ano
Os dois aviadores com o Presidente do Brasil,
Epitácio Pessoa.
As comemorações populares registados numa revista da época.
de se encontrarem com Santos Dumont e
fortaleceram uma amizade que perdurou ao
longo do tempo.
O marcante trecho do discurso proferido
pelo senador Sampaio Correa durante um
grande banquete oferecido pelo Aero-Club
Brasileiro bem representa o sentimento de
todo o povo naquela ocasião ... tínhamos
fé senhores na energia inquebrantável dos
filhos de Portugal, terra dos nossos antepassados, pátria de heróis, onde se formaram e se desenvolveram as mais audazes
concepções para dominar os mares e vencer os ventos; tínhamos fé na continuidade
da irradiação luminosa dos feitos sublimes,
porque, realizando aquelas concepções
os intrépidos navegadores portugueses
assombraram o mundo, erguendo obras
indestrutíveis que perpetuam através da
eternidade a energia e a capacidade de um
povo ....
Passaram-se cem anos. Em 2022 vamos
celebrar um século da primeira Travessia
Aérea do Atlântico Sul (do Tejo à Guanabara), realizada por Gago Coutinho e Sacadura Cabral. Ligaram, pelo ar, dois continentes
e as capitais de dois países-irmãos: Lisboa
e Rio de Janeiro - Brasil e Portugal. Neste período, o mundo passou por inúmeros
desafios e mudanças. A aviação e a navegação tiveram enormes evoluções. O Raid
Aéreo Lisboa – Rio de Janeiro, apesar da
sua grandiosidade, já não é matéria lembrada como deveria. Comemorações diversas
estão a ser planeadas, mas certamente o
feito não será tão intensamente comemorado no Brasil quanto o será em Portugal.
22
Ainda assim, nos enche de alegria saber
que os nomes desses gloriosos portugueses continuam presentes no dia a dia dos
brasileiros e, em especial, dos cariocas. O
Almirante Gago Coutinho e o Comandante Sacadura Cabral batizam diversas ruas
e praças espalhadas pelo Brasil. Fizeram,
utilizando outro meio, o mesmo que outros destemidos marinheiros portugueses
haviam feito séculos atrás: marcaram de
forma especial seus nomes na história ao
unirem terras separadas por um oceano.
Brasil e Portugal têm lugar de destaque,
de grande valor no que foram os primórdios
da aviação. A citação eternizada em um
revistademarinha.com
monumento localizado na cidade de Petrópolis (assim batizada em homenagem a D.
Pedro I do Brasil) e onde viveu seus últimos
anos o pai da aviação, é muito oportuna:
“Aos pioneiros da aviação: Santos Dumont
dando asas ao mundo em 1906 – Gago
Coutinho e Sacadura Cabral atravessando
o Atlântico em 1922”.
O livro comemorativo dos 100 anos da
Aviação Naval Brasileira regista como o
evento mais significativo de toda a década
de 1920 a primeira travessia aérea do Atlântico Sul. Hoje, certamente a continuidade
desse extraordinário espírito de tenacidade está presente nos aviadores navais da
Marinha Portuguesa. Assim, concluo este
artigo prestando uma singela homenagem
a esses tão distintos marinheiros, de ontem
e de hoje, com o lema da Aviação Naval
Brasileira: “NO AR, OS HOMENS DO MAR!”
* Capitão de mar e Guerra (Marinha do Brasil)
[email protected]
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Marinha de Guerra
A 3ª Série de Navios
de Patrulha Oceânicos
por José Santos Coelho*
Modelo NPO3S com características herdadas 1.ª/2.ª séries a azul, novos atributos a vermelho, e contentorização modular a verde
Marinha Portuguesa opera quatro Navios de Patrulha Oceânicos
(NPO), os NRP VIANA DO CASTELO, FIGUEIRA DA FOZ, SINES e SETÚBAL, tendo a 1.ª série, os 2 primeiros, sido
construída nos Estaleiros Navais de Viana
do Castelo, com os navios a serem entregues, respetivamente, em 2010 e 2013,
e a 2.ª série, os 2 últimos, sido construída pelo Consórcio West Sea - Edisoft, em
Viana do Castelo, com os navios a serem
entregues em 2018. A construção de seis
novos NPO (3.ª série) visa completar os
dez navios previstos na capacidade de
patrulha e fiscalização. Este artigo aborda
o programa de construção da 3.ª série de
NPO (NPO3S), começando pela evolução
do conceito de emprego e dos requisitos
operacionais, a adaptação evolutiva do
Projeto de Engenharia dos NPO, as principais atualizações a considerar para a 3.ª
série, finalizando com uma menção ao processo de construção dos navios e umas
breves considerações finais.
A
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
CONCEITO DE EMPREGO E
REQUISITOS OPERACIONAIS
No contexto do atual processo de
construção dos NPO3S, foram atualizados o conceito de emprego para esta
classe de navios, e os subsequentes requisitos operacionais, fruto da evolução
do ambiente estratégico. Assim, além da
possibilidade de emprego em missões e
tarefas de natureza não-militar, como sejam, entre outras, a busca e salvamento
marítimo, a fiscalização da pesca, ou o
combate a atividades ilegais (narcotráfico, imigração ilegal, tráfico de pessoas
ou de armas), pretende-se que os navios
possuam uma elevada flexibilidade de
emprego em atividades de natureza militar, como sejam, a guerra de minas, a
projeção de força, a vigilância submarina
e o apoio a operações especiais. Estas
diferentes missões e tarefas estão estruturadas nos seguintes perfis de emprego
operacional:
· revistademarinha.com
- Perfil base, com capacidade, designadamente, de patrulha e fiscalização, interceção de navios, busca e salvamento e
apoio à proteção civil, sendo o único perfil
em que não é requerido o embarque de
sistemas adicionais e em que não é necessário reforço da guarnição base;
- Perfil de guerra de minas, concretizado na capacidade de efetuar atividades de
minagem ou de contramedidas de minas,
através de mergulhadores sapadores e de
VEículos Não Tripulados (VENT) de superfície e submarinos;
– Perfil de projeção de força, consubstanciado na capacidade de transportar e
projetar uma pequena força de desembarque;
– Perfil de luta antissubmarina, traduzido na capacidade de vigilância submarina,
através de sistema de deteção acústica
rebocado;
– Perfil de operações especiais, materializado na capacidade para intercetar e
abordar navios, mesmo em cenários não
23
85.O Ano
O Centro de Operações
dos NPO da 3ª Série.
cooperativos, e para extrair cidadãos nacionais de locais de elevado risco;
– Perfil de combate à poluição, consubstanciado na capacidade para recuperar hidrocarbonetos do mar e servir como
plataforma para a operação de diverso material de combate à poluição.
Adicionalmente, o navio disporá de infraestrutura para operar VENT, em todos
os ambientes (aéreos, de superfície, e de
subsuperfície), podendo dispor de uma capacidade residente que será incrementada
em função do perfil de operação estabelecido. Terá ainda capacidade para operar
com helicópteros não orgânicos, incluindo
a possibilidade de reabastecimento de
combustível.
PROJETO DE ENGENHARIA
DA 3.ª SÉRIE DE NPO
Ainda que baseada no Projeto de Engenharia das séries anteriores, a especificação de requisitos para a construção da 3.ª
série foi desenvolvida visando responder
às necessidades operacionais e tecnológicas emergentes, às lições identificadas
resultantes, quer da experiência dos dois
processos de construção anteriores, quer
da exploração dos navios, bem como às
restrições impostas pelo envelope financeiro autorizado. Assim, a revisão do Projeto
de Engenharia, ainda que preservando a
geometria do casco, características hi24
drodinâmicas, critérios de sobrevivência
(estabilidade, subdivisão por anteparas
estanques e segregação e redundância de
sistemas) e tipologia das instalações propulsora e de produção de energia elétrica,
responde ao requisito de incrementar as
capacidades militares, principalmente ao
nível do Comando e Controlo, da capacidade de vigilância, especialmente submarina, das comunicações militares, e de
operação de VENT.
Salienta-se ainda o princípio estabelecido de exploração do conceito de embarque de capacidades não permanentes,
modulares e contentorizadas (as séries anteriores tinham apenas uma posição física
pré-definida para o efeito, sem infraestrutura dedicada para ligação aos sistemas
de bordo), ficando os navios preparados
para receber até quatro módulos contentorizados, e com infraestruturas de interligação aos sistemas de bordo, através de
quadros dedicados de interligação (fluídos,
energia elétrica e redes lógicas), o que permitirá, por exemplo, integrar a informação
recolhida por um sistema de vigilância embarcado no sistema de Comando e Controlo do navio.
PRINCIPAIS ATUALIZAÇÕES A
CONCRETIZAR NA 3.ª SÉRIE DE NPO
A estrutura do navio será sujeita a modificações nas Superestruturas (mastro,
revistademarinha.com
Centro de Operações, chaminé e convés
de voo) e noutros locais específicos e localizados, de forma a integrar os equipamentos e sistemas adicionais, mantendo
inalteradas a secção mestra e a estrutura
primária do navio, pretendendo-se ainda reduzir o ruído próprio irradiado, bem
como melhorar as condições para a execução de abordagens (boarding) não cooperativas.
A velocidade máxima da propulsão elétrica aumentará de 10 para um valor entre
os 13 e 15 nós, passando ainda a ser possível efetuar a troca entre propulsão diesel
e elétrica sem que seja necessário diminuir
a velocidade do navio ou requerer a imobilização dos veios. A produção e distribuição de energia manterá a mesma filosofia
da 2ª Série, com 2 quadros elétricos principais (QEP’s), redundantes, independentes
e interligáveis, com 2 grupos eletrogéneos
(GE’s) por cada QEP. É expectável um
aumento da dimensão/capacidade dos
GE’s e QEP’s, devido à necessidade do
aumento de potência dos motores elétricos propulsores (aumento da velocidade
disponível com propulsão elétrica). Em
termos de distribuição elétrica, será mantida a distribuição 400V/230V a 50Hz,
estimando-se que sejam implementados,
para os novos sistemas e sensores, circuitos de distribuição ou dedicados a 60Hz
e 400Hz. Serão simplificados os sistemas
auxiliares, nomeadamente com uma ventilação monoducto, um sistema de extinção
de incêndios tipo Hifog e um sistema único
de produção de ar comprimido, com patamares de pressão e tratamento consoante
a utilização a bordo. Os sistemas de controlo da poluição estarão dimensionados
para o número de elementos a embarcar
nos diferentes perfis, cumprirão os requisitos mais atuais da convenção MARPOL,
incluindo os aplicáveis à emissão de gases
poluentes (os navios terão obrigatoriamente uma configuração de propulsão que
cumpra este desiderato).
Ao nível do Comando e Controlo está
equacionada a inclusão de um Sistema
de Gestão da Informação para Apoio às
Operações, operado a partir do Centro
de Operações, que irá permitir a integração e gestão da informação de diversos
sensores, incluindo dos que não estejam
permanentemente embarcados, diversificando-se ainda os sistemas de comunicações, designadamente com satélite e
datalinks militares. O conceito das redes
lógicas de bordo inclui a capacidade para
manipulação de informação até NACIONAL/NATO SECRETO através de uma arquitetura de redes que inclui a segregação
física e lógica, nos termos estabelecidos
na doutrina nacional e NATO. Quanto ao
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Marinha de Guerra
armamento, mantendo a lógica de defesa
própria próxima, com enfoque especial
nas ameaças assimétricas, os navios, para
além da peça de calibre 30 mm, serão reforçados com peças de artilharia automática de pequeno calibre.
das as dimensões relevantes, como sejam,
entre outras, a física, elétrica, ambiental e
eletromagnética. O âmbito concreto dos
sistemas SEWACO MFE a instalar permanentemente nos navios está condicionado
ao atual envelope financeiro de 352 M€
para todo o programa.
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A estruturação deste programa prevê
que a construção propriamente dita seja antecedida por um período de revisão
do Projeto de Engenharia, que incluirá a
análise detalhada do impacto das modificações, a respetiva integração nos
documentos de engenharia relevantes
(modelos, cálculos, etc.) e a elaboração do
projeto de detalhe. Será ainda considerado o fornecimento dos bens e serviços de
Apoio Logístico, de forma a permitir uma
exploração eficaz e eficiente dos navios,
assegurando a disponibilidade, quer da
informação logística e do material relevantes, quer de pessoal adequadamente
habilitado para a operação e manutenção
dos navios. O âmbito logístico inclui fornecimentos nas dimensões da configuração,
manutenção, sustentação, qualificações e
formação e documentação técnica. Estima-se que o procedimento para a contratação do âmbito referido esteja concluído
até ao 4.º trimestre de 2022, possibilitando
a entrega do primeiro navio em 2025 e, ao
ritmo de um navio por ano, prolongando as
entregas até 2030.
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
A 3.ª série dos NPO constitui-se como
a evolução natural do projeto das séries
anteriores, capitalizando um ativo de engenharia do Estado Português, com provas
dadas e de inquestionável adequação aos
desafios que, ao longo de mais de uma década de serviço, foram superados.
Os próximos NPO possuirão mais capacidades, poderão ser empregues num espetro mais alargado de missões e tarefas,
e estarão mais preparados para os desafios futuros, com a adaptabilidade necessária para incorporar novas capacidades,
ao longo do respetivo ciclo de vida.
O processo de revisão do Projeto de
Engenharia integrará ainda toda a informação de engenharia dos Sensors WeApons
And COmmunications (SEWACO), considerados Material de Fornecimento do Estado (MFE), através de Especificações de
Interface detalhadas e abrangentes, em to-
· revistademarinha.com
* Chefe da Equipa de Acompanhamento
e Fiscalização dos Navios de Patrulha
Oceânicos
[email protected]
OBSERVAÇÃO:
Este texto foi elaborado com os contributos
dos diversos elementos envolvidos na elaboração dos Requisitos Operacionais e da Especificação de Requisitos para a construção dos
NPO da 3ª série.
25
85.O Ano
O NRP ZAIRE em missão na República
Democrática de São Tomé e Príncipe
por Paulo Cavaleiro Ângelo*
INTRODUÇÃO
O NRP ZAIRE foi construído nos Estaleiros Navais do Mondego, na Figueira da Foz,
tendo sido aumentado ao efetivo dos navios
da Armada em 22 de dezembro de 1971. É
o sétimo dos dez navios-patrulha da classe CACINE e o único ainda no ativo. Esta
classe de navio foi projetada para a patrulha
costeira e fluvial do continente africano, durante a guerra colonial, tendo regressado a
Portugal após a independência das ex-colónias e sido colocados no dispositivo naval
padrão nacional ao longo da sua vida útil.
O navio encontra-se em missão na
República Democrática de São Tomé e
Príncipe (STP) desde 2018 em missão de
fiscalização conjunta e capacitação operacional da Guarda Costeira (GC) deste país.
ACORDOS DE COOPERAÇÃO
EXISTENTES ENTRE PORTUGAL E
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
As relações de cooperação Técnico-Militar entre Portugal e STP remontam a 1988,
com a assinatura de um Acordo nesta vertente, mas só em 17 de junho de 2013 foi
celebrado um acordo de cooperação entre
Portugal e STP, no domínio da fiscalização
conjunta de espaços marítimos sob soberania ou jurisdição de STP, estabelecendo as
bases do patrulhamento conjunto dessas
áreas, podendo incidir sobre qualquer tipo
de ilícito, no quadro de respeito pelo Direito Internacional e pelo Direito Interno dos
dois países. Estas ações conjuntas foram
esporadicamente exercidas aquando da
presença de unidades navais portuguesas
em missão no Golfo da Guiné, designadamente no quadro da Iniciativa Mar Aberto,
tendo em 17 de outubro de 2017 o Ministro
da Defesa e Administração Interna de STP
solicitado a disponibilização de uma unidade naval portuguesa para participar em
ações de fiscalização conjunta das áreas
sob soberania ou jurisdição santomense
e de capacitação da sua Guarda Costeira
(GC) na operação de meios com capacidade oceânica.
A 2 de janeiro de 2018 o Ministro da Defesa Nacional determinou o emprego de uma
unidade naval da Marinha portuguesa, estacionada permanentemente em STP, por um
26
período de um ano, indo ao encontro das
solicitações da parte santomense. O NRP
ZAIRE largaria da Base Naval de Lisboa a
3 de janeiro desse ano, atracando no porto comercial de São Tomé a 22 de janeiro,
tendo em 8 de fevereiro sido formalizada a
missão de capacitação da GC STP através
de um memorando de entendimento entre
os Ministros da Defesa dos dois países.
A missão, inicialmente prevista para um
ano, decorre há já mais de três.
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
NO GOLFO DA GUINÉ
A singularidade desta missão ganha
maior destaque e relevância pela área
geográfica onde STP se insere, o Golfo da
Guiné (GdG), atualmente uma das mais
perigosas e instáveis regiões marítimas do
mundo, devido aos crescentes fenómenos
de criminalidade marítima, pirataria, pesca
ilegal, tráfico de estupefacientes, imigração
ilegal, tráfico de pessoas, entre outras.
O GdG é uma vasta área de cerca de 2,3
milhões de km2 com uma linha de costa de
6.000 km, entre o Senegal e Angola, um total de 19 países ribeirinhos.
Trata-se de uma região com uma considerável riqueza em termos de recursos
naturais, designadamente hidrocarbonetos,
minerais, pesca, entre muitas outras riquezas, o que lhe confere uma importância
estratégica, sobretudo por se constituir como um choke point energético para países
que procuram diversificar fontes de abastecimento. Para termos uma noção mais
revistademarinha.com
concreta, o GdG representa cerca de 70%
da capacidade de produção de petróleo e
gás natural de toda a África. Por seu lado,
o continente africano representa 13% da
produção mundial de petróleo e 7% do gás
natural. Para os EUA, a Nigéria é o 3.º maior
exportador de petróleo, seguida pelo Gabão
e Angola. A UE importa cerca de 6,5% do
petróleo que consome da região do Golfo.
O GdG concentra também um dos mais
ricos bancos de pesca do mundo e representa cerca de 4% de produção mundial de
pescado. Este setor é critico para o emprego de milhões de pessoas na região – só
na África Ocidental estima-se haver cerca
de 25% dos empregos ligados a este setor.
Este potencial regional atraiu atores não-estatais que, na falta de oportunidades
económicas noutros setores, enveredaram
por atividades ilícitas e criminais, as quais
foram largamente potenciadas pela corrupção regional, altos níveis de desemprego e
falta de boa governança. As forças de segurança e de defesa da região estão bastante
envolvidas em múltiplos desafios, e mais
focadas em terra do que no mar, resultando num conhecimento situacional marítimo
muito baixo. O mar, para muitos países do
Golfo, representa apenas exploração off-shore de hidrocarbonetos. De acordo com
o International Maritime Bureau, cerca de
95% dos raptos no mar para resgate são
realizados no GdG, numa tendência crescente, motivada sobretudo pelas quedas
dos preços do petróleo. Esta atividade criminal tornou-se muito mais lucrativa do que
o simples roubo de carga que predominava
em anos anteriores.
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Marinha de Guerra
O arquipélago de STP encontra-se localizado em pleno GdG, detendo um enorme
espaço marítimo, com uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) de 160.000 km2. O seu
isolamento no mar e a inexistência de apropriados recursos aéreos e navais de vigilância e interceção, torna este espaço uma
área atrativa para a condução de atos ilícitos e criminais.
Em 2020, o espaço marítimo de STP
surge já referenciado como local onde se
verificaram incidentes com raptos para resgate, tendo as suas águas sido palco de um
crescimento anormal de incidentes, em que
só no primeiro quadrimestre de 2021 este
número triplicou, quando comparado com
todo o ano anterior, revelando uma tendência muito preocupante.
A AÇÃO DO NRP ZAIRE EM STP
Após mais de três anos de missão, o
NRP ZAIRE já conta com mais de 1.300
dias de missão, tendo percorrido mais de
25 mil milhas, num esforço de atividade notável se pensarmos que esta unidade naval
tem 50 anos de idade (celebrou meio século no dia 22 de dezembro de 2021) e está
regionalizada a mais de 5.000 Kms da sua
base-mãe.
Durante este período, o navio foi empe-
O espaço marítimo sob jurisdição de STP. Fonte: Comando Naval (2021).
nhado em diversas ações, tais como fiscalização conjunta, busca e salvamento, apoio
logístico às autoridades santomenses,
combate à pirataria, vigilância e patrulha
dos espaços marítimos santomenses, entre
muitas outras.
Na sua ação de busca e salvamento
marítimo, destaca-se a sua participação no
Soluções globais
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que respeitam
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Mais de cem anos de experiência
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Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
· revistademarinha.com
27
85.O Ano
socorro ao navio ANFITRITI, que naufragou
em 2019 durante uma travessia entre as
ilhas de São Tomé e do Príncipe. No mesmo ano, a sua ação foi determinante no auxílio prestado no combate a um incêndio,
dado como incontrolável, no navio VILLE
ABIDJAN que se encontrava atracado no
porto de São Tomé, em que a experiência e
treino da guarnição do navio português, no
combate a este tipo de sinistros a bordo, foi
decisivo para evitar um desfecho catastrófico no único porto santomense.
Em termos de apoio às autoridades locais, a ação do NRP ZAIRE tem sido igualmente relevante, realçando-se o seu recente
empenhamento no transporte de garrafas
de oxigénio entre as ilhas do Príncipe e de
São Tomé, aquando da mais recente vaga
de COVID 19 vivida no arquipélago e em
que o Hospital Central de São Tomé ficou
privado de oxigénio para os seus pacientes.
Foram transportados mais de 1.000 litros
de oxigénio da unidade hospitalar do Príncipe, tendo contribuído decisivamente para
salvar vidas em São Tomé.
No âmbito do combate à pirataria, que
grassa na região, o navio já foi ativado em
resposta a vários pedidos de auxílio derivados de ataques à navegação mercante na
área de STP, destacando-se em fevereiro
de 2020, o apoio ao navio mercante MAERSK TEMA e outro em novembro do mesmo
ano, do navio mercante ZHEN HUA 7, em
que se registaram 13 tripulantes sequestrados e um ferido por arma de fogo. A sua
ação tem sido exercida em articulação com
as autoridades locais e regionais, decorrente do esforço internacional em garantir a segurança marítima no GdG.
Destaca-se também a participação do
navio nos diversos exercícios anuais de
grande dimensão regional, designadamente
das séries Obangame Express (organizados
pelos Estados Unidos) e Grand African Ne-
mo (organizados pela França), que permite
afinar a articulação internacional da região
no combate à criminalidade marítima.
GUARNIÇÃO MISTA: “UMA
GUARNIÇÃO, DUAS NAÇÕES”
O NRP ZAIRE dispõe de uma guarnição
mista constituída por 23 militares portugueses e 14 santomenses, acrescida ainda de
vários militares santomenses em instrução,
o que representa um projeto único no seio
da comunidade naval internacional. Este
projeto de guarnição mista faz parte do vetor da capacitação da GC STP promovendo a formação e instrução dos marinheiros
santomenses, nas diversas áreas técnicas
da operabilidade de um navio e da vida no
mar e dos Fuzileiros Navais da GC santomense, nas componentes de abordagem,
operação e manutenção de botes pneumáticos e respetivos motores fora de borda.
A rotação dos militares santomenses,
que integram o projeto, exige um esforço
acrescido ao nível da formação do pessoal.
Após terem sido escolhidos os efetivos da
GC STP para integrar a guarnição do navio,
inicia-se um período intenso de instrução e
treino nas diversas áreas de operação do
navio no mar, tais como, a marinharia, a
navegação, a mecânica e limitação de avarias, a eletrotecnia, as operações e a saúde
e emergência médica, de modo a preparar
os novos elementos. Terminada a fase de
treino em terra, decorre um período de treino no mar onde se coloca em prática aquilo
que foi ministrado anteriormente, culminando com a rendição dos militares santomenses.
Operando sob o lema “Uma Guarnição,
Duas Nações”, este projeto de guarnição
mista tem-se revelado inovador e bem-sucedido, estando atualmente em plena
velocidade de cruzeiro, com a operação
da plataforma em perfeita simbiose entre
as partes portuguesa e santomense, pelo
que tem suscitado alguma curiosidade internacional, designadamente de países lusófonos.
Para além da guarnição mista, o NRP
ZAIRE também participa no Centro de Instrução Militar das Forças Armadas santomenses, através do seu sargento fuzileiro,
no âmbito do treino das Equipas de Segurança e Abordagem da GC santomense,
desenvolvendo ações de instrução teóricas
e práticas e proporcionando ações de treino
com o objetivo de desenvolver nos militares santomenses perícias e proficiência nas
técnicas, táticas e procedimentos no âmbito das ações de abordagem, progressão
em espaços confinados, busca e revista,
controlo de tripulação, comunicações e regras de empenhamento. De referir que, os
Fuzileiros Navais de STP são formados pelo
Brasil, no âmbito dos respetivos acordos
de cooperação, sendo Portugal responsável pela formação e treino das Equipas de
Abordagem, o que constitui um bom exemplo de cooperação no quadro da CPLP.
O NRP ZAIRE prossegue a sua missão
na região, mantendo um intenso plano de
formação, instrução e treino, dilatando
constantemente o conhecimento e proficiência dos militares santomenses e efetuando patrulha, vigilância e fiscalização nas
águas da STP. A ação do ZAIRE em STP
tem-se traduzido numa elevada notoriedade local, tanto no panorama político, militar
e mesmo social, pelo reconhecimento existente acerca dos relevantes serviços que
presta aquele país, no quadro da cooperação bilateral existente. É também notória a
visibilidade internacional sobre a presença
continuada de Portugal no GdG, através do
NRP ZAIRE, enquanto contribuinte para o
esforço internacional de promoção da segurança marítima naquela área.
* Capitão de mar e guerra
Coordenador do Comando Naval para
a Missão de Fiscalização Conjunta e
Capacitação Operacional Marítima da
Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe
[email protected]
28
revistademarinha.com
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Segurança Marítima
Ciberataques no mar – uma questão
não de Como, mas de Quando
por David Martins Morgado*
s ciberataques já pertencem ao
nosso quotidiano. Sem nos apercebermos, a cada 39 segundos,
acontece algum tipo de ataque no ciberespaço. E o pensamento de que estes ataques apenas procuram o lucro fácil através
de programas como ramsomware, é um
pensamento errado.
A indústria e comércio marítimos não
ficaram isentas. Nos últimos anos, o setor
marítimo viu os ciberataques aumentarem
cerca de 400% nas suas redes, apesar de,
até ao momento, a maioria dos ciberataques terem sido dirigidos para estruturas
em terra. Mas a exclusão de ataques a navios no mar deixou de existir. Têm sido reportados incidentes por spoofing(1) do GPS,
particularmente na zona do Médio Oriente e
da China, levando as guarnições dos navios
a acreditar que estão numa posição diferente daquela em que realmente estão. Já
em 2019, um navio de grandes dimensões
a caminho do porto de Nova Iorque sofreu
uma intrusão que, apesar de não ter provocado a perda do seu governo, degradou
bastante os seus sistemas de comando. E
ainda durante o mês de agosto, seis navios
petroleiros perderam a sua capacidade de
governo na zona do Estreito de Ormuz.
Este tipo de incidentes e ataques poderão provocar colisões ou encalhes em
áreas críticas como portos ou rotas marítimas internacionais, afetando toda a navegação e comércio mundial por longos
períodos. Basta pensar nas consequências que o navio mercante EVER GIVEN
provocou em cada dia em que esteve
encalhado no canal do Suez(2). Numa era
onde os equipamentos eletrónicos conseguem controlar basicamente tudo num navio, desde a navegação até à manutenção,
o seu funcionamento correto é crítico para
a segurança das guarnições e das próprias
plataformas.
Mas como é que estes tipos de ataques
podem ocorrer?
As principais falhas que se observam a
nível das redes wi-fi dos navios tem sido
serem usadas para fins que não os próprios (trabalho, contatar familiares e amigos, etc.), as redes e sistemas não estarem
segmentados, atualizados e protegidos e
os próprios elementos das guarnições não
estarem cientes da necessidade de haver
uma ciberhigiene a bordo. Mas para além
O
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
Mapa cibernético de ataques a decorrerem no momento.
destas, como é referido pelo grupo de cibersegurança Mission Secure, um navio
poderá possuir ainda as seguintes vulnerabilidades:
• Sistemas de Comando e de Navegação da Ponte – Com o uso cada vez
mais recorrente de equipamentos de navegação eletrónica, estes sistemas são mais
suscetíveis a ciberataques, pois muitos
deles interagem e comunicam com servidores em terra através de comunicações
por satélite. Para além disso, muitas das
configurações e updates são conduzidos
online ou por pen USB, portas vulneráveis
para possíveis intrusões.
• Sistemas de Propulsão, Energia e
Auxiliares – Os programas eletrónicos que
controlam as ações físicas do navio podem
ser suscetíveis a um ciberataque, pondo
em risco o controlo e segurança do navio,
especialmente quando estão ligados a sistemas de monitorização remota baseados
em determinadas condições e integrados
com os sistemas de navegação.
• Sistemas de Comunicação – Os
sistemas de comunicação via internet ou
Sistemas vulneráveis a ciberataques.
· revistademarinha.com
29
85.O Ano
por satélite podem aumentar a vulnerabilidade de um navio, mesmo que este possua algumas medidas de cibersegurança.
Embora os prestadores destes serviços
costumem vir com algumas capacidades
de cibersegurança, os próprios operadores deverão estar despertos para estas
ameaças.
• Sistemas de Gestão de Carga – Os
sistemas utilizados para carga e descarga,
para a sua gestão e controlo, podem ser
vulneráveis a ciberataques porque estão
integrados nos sistemas eletrónicos de dados do navio, como por exemplo a nível de
adornamento.
• Sistemas de Gestão de Passageiros – Os sistemas utilizados para a gestão
de embarque/desembarque de passageiros e respetivos acessos e pertences contêm dados pessoais. Dispositivos como
tablets, scanners e outros aparelhos eletrónicos transmitem e recebem dados de
um servidor que pode ser atacado.
• Redes Públicas – Os sistemas de
comunicação via internet ou por satélite
cedidos às guarnições podem aumentar a
vulnerabilidade dos sistemas de um navio
30
caso não estejam devidamente salvaguardadas. Embora os prestadores de serviços
tenham alguma capacidade de defesa
contra ciberameaças, não se deve confiar
unicamente nela. Afinal, o elo mais frágil
continua a ser o elemento humano.
Todas estas vulnerabilidades podem
ainda serem exploradas ao mesmo tempo.
Os sistemas de combustível e de carga
podem ser hackeados de forma a enganar
um navio, fazendo-o “pensar” que está desequilibrado, impedindo-o de receber mais
carga ou diminuindo ou anulando o seu
seguimento.
O perfil deste tipo de ataques não procura um alvo forte. Por norma, procura
identificar as áreas mais vulneráveis para
depois atacarem e cumprirem o objetivo
dos seus algoritmos. E quando um sistema falha numa área, as consequências
podem escalar em cascata e causar danos
noutras áreas também elas críticas. E se
estiver num certo tipo de canal, ou se estiver num certo tipo de águas, isso pode
ser usado intencionalmente para bloquear
o canal ou para causar ações de roubo ou
de abordagem no mar. E se ainda tivermos
revistademarinha.com
em conta que muitos destes sistemas,
sobretudo os mais antigos, não foram desenhados para receberem mais melhorias
(updates), capacidades e conexões, podemos verificar o escalar dos riscos à sua
segurança.
Ainda assim, o relato de incidentes cibernéticos é um procedimento raro, face
às empresas verem ameaçadas as suas
reputações e capacidades operacionais.
Mais ainda, uma investigação de um incidente desta natureza poderá revelar-se
demasiado morosa para plataformas que
se pretende que estejam permanentemente disponíveis. No entanto, já houve alguns
avanços. Em janeiro de 2021, entrou em
vigor a Resolução MSC.428(98) da IMO
(International Maritime Organization), publicada em junho de 2017, exigindo que
a cibersegurança esteja presente nos sistemas de gestão da segurança, tal como
definidos no Código ISM, o mais tardar na
primeira verificação anual do Documento
de Conformidade de uma empresa após o
dia 1 de janeiro de 2021.
Apesar de as Guidelines on Maritime
Cyber Risk Management serem apresentadas de forma genérica e simplista, está
patente a obrigatoriedade de a gestão de
riscos cibernéticos conter medidas eficientes para prevenção e controle de incidentes no ciberespaço. Estas medidas
incluem técnicas e procedimentos para
proteção contra incidentes, continuidade
de operações e medidas para resposta
a incidentes, incluindo planos de contingência, como ilustrado nos seguintes
passos:
– Identificar as ameaças – Devem ser
identificadas e avaliadas as ameaças de
segurança externas e internas nos sistemas. Paralelamente, deverão ser identificadas as informações mais importantes e
confidenciais que um cibercriminoso pode
desejar, assim como quais serão os possíveis caminhas que ele irá percorrer para
tentar obter essas informações.
– Identificar vulnerabilidades – Devem ser identificadas quais as áreas de
segurança mais vulneráveis nos sistemas,
incluindo a falta de protocolos de operadores e administradores adequados, bugs
de software e possíveis backdoors(3) não
autorizadas.
– Avaliar o risco de exposição – Deve
ser avaliada a probabilidade de o navio e
de o próprio armador ser vítima de um ciberataque e verificado o verdadeiro impacto que esse ciberataque pode ter no navio
e na empresa.
– Desenvolver ferramentas e procedimentos de proteção e de deteção
– Devem ser avaliadas e, em caso de necessidade, desenvolvidas medidas de seguran· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Segurança Marítima
ça, como software de antivírus atualizado e
de proteção para servidores. Paralelamente,
deverão ser desenvolvidos procedimentos
para os operadores dos sistemas reagirem
em caso de deteção de intrusões e como
continuarem a operar. Da mesma forma, estes procedimentos deverão ser treinados e
testados de forma periódica.
Apesar de as ferramentas de prevenção
e defesa já possuírem algum nível de robustez, o elemento humano continuará a
ser o elo mais sensível da cadeia de cibersegurança. Num mundo onde as intrusões
podem surgir a partir de uma impressora
desprotegida e onde conseguem passar
despercebidas durante longos períodos, o
setor marítimo, cada vez mais digital, não
pode ficar indiferente a essa realidade. Os
ciberataques serão a norma e não a exceção, sobretudo numa indústria que mexe
com 90% do comércio no mundo.
* Oficial da Armada
[email protected]
REFERÊNCIAS
Cyberwar: What cyberattacks say about the future of war - Deseret News
Cyber Security Threats Challenge International
Shipping (marinelink.com)
Cyberattack lands ship in hot water – Naked
Security (sophos.com)
Cyberattack or coincidence? (seatrade-maritime.com)
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
Maritime cyber risk (imo.org)
Cyber Risk Management (uscg.mil)
https://lloydslist.maritimeintelligence.informa.
com/LL1136933/Ethical-hacker-says-ships-are-wide-open-to-cyber-attack
https://www.forbes.com/sites/palashghosh/2021/03/25/experts-estimate-ship-stuck-in-suez-is-blocking-96-billion-in-maritime-traffic-each-dayheres-why-actual-losses-are-harder-to-quantify/
https://www.ship-technology.com/features/
cyber-attacks-in-the-maritime-sector-the-experts-respond/
https://www.gard.no/Content/25634225/Cyber%20Security_Presentation%20(ID%20
1418279).pdf
· revistademarinha.com
NOTAS:
(1) Derivado do termo spoof que significa enganar, é uma tática usada para se fazer passar por uma pessoa, estação, unidade, etc.,
de modo a intercetar informações ou realizar
determinadas operações.
(2) Segundo a Lloyds List citada na revista Forbes, as perdas podem ter chegado a cerca de
9.6 biliões de dólares, atendendo ao número de
navios bloqueados ou desviados com o encalhe do EVER GIVEN.
(3) Método pelo qual operadores autorizados
e não autorizados podem contornar medidas
normais de segurança e obter acesso de utilizador de alto nível (também conhecido como
acesso por root) num computador, rede, sistema ou software.
31
85.O Ano
O Regime Jurídico da Segurança
Privada Armada a Bordo de Navios
de Bandeira Portuguesa
por Anabela Paula Brizido*
1. ENQUADRAMENTO
O recurso a guardas privados armados a
bordo de navios mercantes, pela sua complexidade e delicadeza, foi, num primeiro
momento, rejeitado pela Organização Marítima Internacional (OMI/IMO).
Todavia as ações de pirataria na Somália
com graves repercussões para a segurança
dos tripulantes, navios e bens embarcados;
transporte marítimo internacional, acrescida, ainda, das pressões da indústria e da
dificuldade sentida pelos piratas em perpetrarem ataques a navios mercantes com
segurança própria, como mencionado por
Alexandre Rodrigues, flexibilizaram a posição da IMO ao ponto de, na atualidade, ser
aceite a segurança privada armada nas zonas de elevado risco de exposição a ações
de pirataria.
A preocupação com a segurança marítima ditou a elaboração, pela IMO, de diretrizes para este setor de atividade (ver site
IMO – Guidelines), todavia, mantendo-se
32
fiel à ideia de a segurança privada armada
não dever ser havida como uma alternativa
a outras medidas de proteção tais como: as
Best Management Practices (BMP) contra
as ações de pirataria no Oceano Indico,
Mar Árabe, Mar Vermelho, Golfo de Áden e
África Ocidental. Estas zonas, conforme as
coordenadas da IMO, apresentam um índice de risco elevado à exposição de ações
de pirataria (HRA).
Portugal, pese embora ter sido, com a
Lituânia, um dos últimos países da União
Europeia (UE) a adotar legislação específica
nesta matéria, acompanhou esta realidade.
Nos elementos referentes à Proposta de
Lei 175/XIII/4, conducente à Lei 54/2019,
de 5 de agosto, publicada no Diário da
República (DR) n.º 148/2019, Série I, que
autorizou o Governo a legislar nesta matéria são indicados os vários motivos para a
necessidade da criação de um acervo legal
específico.
Em sintonia com as preocupações e diretrizes da IMO pugnou-se pela responsabirevistademarinha.com
lização do Estado português em matéria da
segurança de pessoas e bens embarcados
e pela promoção da competitividade do setor marítimo nacional. Neste particular atenderam-se, entre outras, às preocupações
transmitidas pelo Registo Internacional de
Navios da Madeira (MAR) relativas ao flagging out e consequente perda de receitas
fiscais pela Região Autónoma da Madeira.
A promoção da competitividade do setor
marítimo nacional com recurso à criação de
condições mais atrativas para o desenvolvimento dos registos nacionais de bandeira
quando acoplados por mecanismos aptos
à proteção dos navios foi uma das medidas
adotadas para evitar o flagging out e estimular o flagging in.
2. INDICAÇÃO DO PRINCIPAL
ACERVO LEGAL
O regime jurídico da atividade da segurança privada armada a bordo de navios
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Direito Marítimo
que arvorem bandeira portuguesa e que
atravessem áreas de alto risco de pirataria
encontra, na atualidade, a sua principal sede legal no Decreto-Lei (DL) n.º 159/2019,
de 24 de outubro, publicado no DR n.º
205/2019, I Série.
A sua interpretação pode revelar-se
desafiante por convocar, aquando da respetiva aplicabilidade, vários diplomas com
origem em diferentes fontes do Direito
Internacional, União Europeia e nacional.
Veja-se, neste particular, o artigo 3.º/1 com
remissão para a noção de atos de pirataria constante no artigo 101.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar (CDUM) e o artigo 4.º/1 com remissão
para: a) o regime regra da atividade da
segurança privada e da organização dos
serviços de autoproteção (LASP); b) suas
regulamentações e c) para o regime das
armas e munições.
Ao exposto acrescem, ainda, as eventuais dificuldades resultantes da determinabilidade da aplicabilidade no tempo,
principalmente, dos diplomas nacionais
resultantes das sucessivas alterações nele introduzidas. O diploma das armas e
munições, por exemplo, já foi objeto, até
à presente data, de sete intervenções ou
alterações.
Importa, por isso, apresentar, para melhor percetibilidade, um elenco, ainda que
não exaustivo, desta “complexa teia legislativa” com toda a sua rede de intervenientes dando-se início pelas fontes de Direito
Internacional Público:
– CDUM de 1982, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia
da República n.º 60-B/97; ratificada pelo
Decreto do Presidente da República n.º
67-A/97, (os artigos 101.º a 107º regem a
pirataria).
– Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar, de 1974,
(SOLAS) aprovada para ratificação pelo
Decreto do Governo n.º 79/83, e objeto de
sucessivas alterações. Portugal aderiu aos
seus Protocolos de 1978 e de 1988, pelos
Decretos do Governo n.º 78/83, de 14 de
outubro e n.º 51/99, de 18 de novembro.
A Convenção dispõe de um capítulo dedicado ao Código do International Ships and
Ports Security (ISPS).
– Convenção Internacional sobre normas de formação e certificação e de serviços de quartos marítimos (STCW) 1978,
adotada pela IMO, aprovada para adesão
pelo Decreto do Governo n.º 28/85. Nela
se estabelece, entre outros, um conjunto
mínimo de formação contínua STCW e a
certificação dos marítimos.
Fontes de Direito da União Europeia:
– Regulamento CE n.º 725/2004, do
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
Parlamento Europeu e do Conselho, de
31 de março de 2004, alterada por Decisão 2009/83/CE, da Comissão de 23 de
janeiro de 2009, e pelo Regulamento CE
n.º 219/2009, do Parlamento Europeu e do
Conselho de 11 de março de 2009, relativa
ao reforço da proteção dos navios e das
instalações portuárias à luz da Convenção SOLAS e do Código ISPS. O DL n.º
226/2006, de 15 de novembro publicado
no DR 220/2006, Série I, aprova as normas
de enquadramento daquele Regulamento
transpondo, ainda, a Diretiva 2005/65/CE
do Parlamento Europeu e do Conselho, de
26 de outubro, relativa ao reforço das seguranças nos portos.
Fontes de direito nacional:
– Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na
última redação dada pela Lei n.º 50/2019,
de 24 de julho, publicada no DR n.º
140/2019, Série I, aprova o regime jurídico
das armas e suas munições.
– Lei n.º 34/2013 de 16 de maio, na redação dada pela Lei n.º 46/2019, de 8 de
julho publicada no DR n.º 128/2019, Série
I, aprova a LASP (Regime do Exercício da
Atividade de Segurança Privada).
– Portarias n.º 272/2013, e 273/2013,
ambas de 20 de agosto, na redação dada
pela Portaria 293/2020, de 18 de dezembro, publicadas no DR n.º 59/2020, Série
II, regulam as condições específicas da
prestação dos serviços de segurança privada.
– Portaria n.º 248/2020, de 20 de outubro, publicada no DR n.º 204/2020, Série
I, estabelece o valor das taxas a cobrar
pela aprovação do plano de segurança de
transporte, pela prestação de serviços de
escolta e certificação do registo de armas
e munições embarcadas e desembarcadas.
3. O DOCUMENTO DE MONTREUX
Num mundo global, em que 90% do
comércio ocorre por transporte marítimo
internacional, é imprescindível uma regula· revistademarinha.com
mentação jurídica internacional da atividade da segurança privada, ainda em falta.
Esta lacuna suscita delicadas questões,
entre outras, em matéria de jurisdição. A
mesma situação factual com potencialidade de apresentar “pontos de contacto” com a jurisdição de vários Estados,
no caso, do Estado de bandeira, Estado
portuário e Estado costeiro importavam ter
regras definidas quanto à atribuição da jurisdição a exercer por cada um deles. Tal
evitaria os conflitos positivos ou negativos
de jurisdição com repercussões negativas
para a segurança marítima e comércio internacional.
Apontou-se para a necessidade da aplicabilidade do Documento de Montreux
sobre Obrigações Legais Internacionais
Pertinentes e Boas Práticas para os Estados relacionadas com as Operações de
Empresas Militares e de Segurança Privada (EMSP) durante um Conflito armado ao
contexto marítimo.
O Documento de Montreux (DM) é um
instrumento não vinculativo (soft law), resultante de uma iniciativa conjunta do
Governo suíço e do Comité Internacional
da Cruz Vermelha (CICV), elaborado na
sequência dos massacres perpetrados
contra civis ocorridos em 16 de setembro
2007, na Nisour Square, Bagdade, por
pessoal de segurança privada da Empresa
Militar Privada - Blackwater Security Consulting - de Erik Prince. Por apenas ter como referencial o conflito armado em terra
houve a necessidade de adaptar o DM à
atividade marítima.
Neste contexto foi elaborado, pelo
grupo de trabalho para as questões marítimas, no fórum de Montreux entretanto
constituído em 2014, e sob a presidência
do Governo suíço e do CICV, um documento referencial que estabelece importantes diretrizes interpretativas a serem
aplicadas às EMSP em conflitos armados
no mar e operações de segurança marítima – Elements for a Maritime Interpretation
of the Montreux Document.
Complementarmente ter-se-á, por isso,
de atender às noções de conflitos armados internacionais (CAI) e conflitos armados não internacionais (CANI) postas pelos
artigos 2.º (CAI), 3.º (CANI) comum às Convenções de Genebra de 1949, e artigo 1.º
(CANI) do II Protocolo Anexo às referidas
Convenções. E, ainda, o que se dispõe no
Manual de São Remo adotado em 1994,
que apesar da sua natureza não vinculativa contém disposições específicas para a
conflitualidade no mar.
* Doutoranda em Direito pela
NOVA School of Law
Investigadora do CEDIS e jurista
[email protected]
33
85.O Ano
A capacitação da Guarda
Costeira de Cabo Verde
por Fátima Monteiro*
esde a independência, em 1975,
os consecutivos governos de Cabo
Verde têm procurado tirar partido
da localização privilegiada do arquipélago, no cruzamento das principais rotas do
Atlântico. Apesar disso, o país continua
longe de atingir o seu pleno potencial marítimo e estratégico. Com uma economia
débil e sujeita a fatores externos imprevisíveis, onde 100% dos hidrocarbonetos que
consome são importados, em que quase
25% do PIB provem do turismo e uma percentagem significativa do mesmo depende de remessas da diáspora, Cabo Verde
deverá ousar romper com alguns dos paradigmas estabelecidos e adotar estratégias que lhe permitam romper também de
forma decisiva com o estado de incerteza
relativamente à sua segurança alimentar e
ao baixo padrão de vida da maioria da sua
população.
Acreditamos, como o defende o economista cabo-verdiano João Estevão, que
isso só será possível com a nacionalização
da economia cabo-verdiana, isto é, quando o país depender antes de mais da sua
D
34
capacidade produtiva endógena e não da
ajuda externa, ainda que esta venha na forma concessionária de cooperação para o
desenvolvimento. Reconhecidamente, os
principais recursos tangíveis para esse efeito estão no Mar e na posição estratégica
do arquipélago, e os recursos intangíveis
estão nos seus cérebros. Grande parte da
riqueza que o mar de Cabo Verde encerra mantem-se inexplorada, devido à falta
de capacidade de o país transferir para o
setor produtivo o capital de conhecimento
científico e técnico que os cabo-verdianos
mais qualificados têm a oferecer, residam
estes no país ou na diáspora.
A criação da Zona Económica Especial
Marítima de São Vicente foi uma decisão
promissora, mas que de pouco servirá
caso não seja capaz de absorver de forma exaustiva e criativa a massa crítica
de conhecimento que existe, e não for
capaz ainda de se projetar para fora das
fronteiras nacionais e mesmo regionais,
exportando para os quatro continentes
do Atlântico serviços e produtos de elevado valor acrescentado. De entre estes
revistademarinha.com
destaquemos os produtos da pesca e a
investigação haliêutica, robusta e convergente com os padrões de exigência da comunidade científica internacional, que em
conjunto permitirão conhecer as potencialidades nesse domínio e corresponder
à demanda dos mercados importadores.
De igual modo, dificilmente os recursos
do mar e a posição estratégica privilegiada de Cabo Verde poderão traduzir-se em
maior riqueza para o país se a segurança
e a sustentabilidade do seu Mar não forem
devidamente salvaguardadas.
Para um país oceânico cuja ZEE atinge
os 734.265 Km2 – cerca de 182 vezes superior à sua superfície emersa –, que tem
uma região de Busca e Salvamento (SAR)
sob sua responsabilidade correspondente a 645.000 km2, e pretende estender a
sua plataforma continental para cerca de
900.000 km2, a capacitação plena das
suas forças de segurança e fiscalização
marítima são condição sine qua non. A
pesca ilegal, a poluição marinha e o tráfico
de droga são realidades há muito inegáveis no espaço marítimo cabo-verdiano,
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Marinha de Guerra
que poderão intensificar-se seriamente
caso o Estado não disponha dos meios
necessários para os prevenir e combater
eficazmente. Embora ainda não afete diretamente o seu território, Cabo Verde está
vinculado por compromissos regionais e
internacionais ao combate à pirataria no
Golfo da Guiné, especialmente através da
recolha e partilha de intelligence e outra informação sensível. O Centro de Operações
da zona G do Golfo da Guiné, instalado em
2016 no porto da Praia, decorre desses
compromissos, assim como a participação
da Guarda Costeira em missões conjuntas
na região da CEDEAO e na PESCAO.
Podendo considerar-se que a frota da
Guarda Costeira é capaz de assegurar um
patrulhamento de rotina nas águas arquipelágicas e missões de busca e salvamento na mesma área, a frota e os efetivos da
GC são manifestamente insuficientes para
garantir a proteção dos recursos existentes na ZEE e a inviolabilidade das fronteiras
marítimas de Cabo Verde. Menos ainda
serão capazes de sustentar qualquer ambição de Cabo Verde vir a afirmar-se como
um parceiro relevante no contexto estratégico do Atlântico, funcionando como centro difusor de conhecimento e formação
avançada em assuntos marítimos e marinhos na Bacia do Atlântico.
O Plano Estratégico de Desenvolvimento da Guarda Costeira para 2017-2027
prevê o reforço da atual frota de 7 navios
(o navio patrulha oceânico GUARDIÃO,
quatro navios de patrulha costeira e duas
lanchas rápidas), com a aquisição de mais
dois navios patrulha oceânicos, seis lanchas de intervenção rápida, três navios de
fiscalização costeira e seis lanchas semirrígidas. Para operacionalizar estes novos
meios, está previsto ainda no PEDGC um
investimento significativo na formação de
recursos humanos, seja a nível de oficiais,
seja de sargentos e praças. Em efetivos, a
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
Guarda Costeira integra atualmente pouco
mais de duas centenas de militares, dos
quais cerca de 1/4 são oficiais, estando
previsto a formação de longa, média e curta duração proporcionalmente aos meios a
adquirir. Trata-se de um plano ambicioso,
cuja implementação depende da capacidade de o Estado cabo-verdiano gerar
recursos financeiros na ordem dos milhões
de euros nos próximos 5-6 anos.
Com a diminuição drástica das suas já
modestas receitas em consequência da
pandemia COVID 19, resta ao Governo de
Cabo Verde aproveitar todos os recursos
disponíveis interna e externamente, em
particular os recursos humanos cabo-verdianos altamente qualificados, quer se
encontrem no país ou na diáspora, para
um efeito multiplicador desses recursos e
um efeito acelerador do desenvolvimento.
A parceria especial existente entre Cabo
Verde e a União Europeia permite a Cabo
Verde beneficiar de financiamentos para capacity building, caso saiba valorizar
convenientemente a sua relação de proximidade histórica e as suas afinidades es-
· revistademarinha.com
tratégicas com os demais arquipélagos da
Macaronésia.
Sob um ponto de vista bilateral, uma
maioria de países europeus, incluindo
o Reino Unido e vários países de Leste,
são cada vez mais emissores de turismo
para Cabo Verde. Os Estados Unidos da
América, onde se estabeleceu a primeira e
reside a maior comunidade cabo-verdiana
da diáspora, continuarão a ser um parceiro estratégico privilegiado. Finalmente,
África, mormente os países vizinhos da
costa ocidental africana, são por força da
história parceiros naturais de Cabo Verde,
restando explorar as potencialidades das
relações económicas e comerciais com
eles. Cabo Verde obterá certamente resultados visíveis e duradouros da sua atuação
em qualquer destas frentes, se envolver os
seus cérebros no equacionar das estratégias e na transferência do conhecimento
para o setor produtivo e para a sociedade
at large.
* Presidente do IEMAC
[email protected]
35
85.O Ano
A Conferencia Internacional IMDEC 21
por Pedro Rodeia Ribeiro*
International Maritime Defence
Exhibition and Conference (IMDEC
21) realizou a sua II edição, em
Acra, no Gana, de 6 a 8 de julho de 2021.
A IMDEC constitui já o maior encontro
da indústria naval de África, com dirigentes regionais e internacionais de Forças
Armadas, Guardas Costeiras e Autoridades Portuárias e Marítimas, onde foram
abordadas as principais questões da segurança marítima em África.
No âmbito deste encontro bienal realizou-se, em 6 de julho, uma visita à Base Aérea de Takoradi e à Base Naval de
Sekondi, seguida de conferências e de
exposições, nos dias 7 e 8 de julho. Este
ano contou com uma maior participação
das Forças Aéreas regionais para destacar a importância da sua cooperação.
A delegação da Marinha Portuguesa, chefiada pelo Coordenador Geral da
Unidade de Implementação do Camões,
I.P., no Projeto Support to West Africa
Integrated Maritime Security (SWAIMS),
Comodoro Carlos Rodrigues Campos,
em representação do Almirante Chefe
do Estado-Maior da Armada (CEMA), foi
acompanhado pelo Oficial de Ligação ao
projeto em Abuja, CMG Pedro Rodeia
Ribeiro, e pelos Oficiais do Estado-Maior
da Armada, CFrag. Brazuna Ranhola e
CTen.Pereira da Silva.
No âmbito das atividades que se desenrolaram em simultâneo, em 6 de julho o Como. Campos e restantes chefes
das Marinhas presentes, jantaram com o
anfitrião, o CEMA do Gana, C/Alm. Issah
Adam Yakubu. Em 7 de julho, após o primeiro dia de conferência, realizou-se um
cocktail para confraternização onde todos os intervenientes puderam participar,
conviver e trocar ideias.
A Sessão de abertura foi presidida pelo Vice-presidente do Gana, Mahamadu
Bawumia. Seguiram-se vários painéis temáticos e apresentações efetuadas pelos
representantes das indústrias presentes.
O Com. Rodrigues Campos, no painel da tarde, dedicado a intervenções de
convidados especiais, efetuou uma apresentação onde explanou a participação e
intervenção da Marinha Portuguesa nas
Operações de Segurança Marítima no
Golfo da Guiné (GdG) e a sua contribuição para a segurança em toda a costa
Ocidental de África, relevando o facto
de Portugal se assumir, desde há muito
tempo, como parceiro-chave no esfor-
A
36
Visita ao Estaleiro na Base Naval de Sekondi.
ço global para um oceano mais seguro.
Abordou a missão e atividades da Marinha Portuguesa quando opera no GdG,
dedicando particular detalhe à “Iniciativa
Mar Aberto”, no projeto da União Europeia (EU) das Presenças Marítimas Coordenadas (PMC), cuja experiência piloto
ocorreu no primeiro trimestre de 2021,
e na Missão de Capacitação da Guarda
Costeira de São Tomé e Príncipe através
do NRP ZAIRE.
No âmbito da Missão Mar Aberto, que
Visita à Base Naval de Sekondi.
revistademarinha.com
ocorre normalmente duas vezes por ano,
com o empenhamento de meios navais
durante cerca de 3 meses, desenvolvem-se várias atividades de cooperação e
treino militar combinado, bem como a
participação nos mais diversos exercícios
que ocorrem no GdG. Desenvolvem-se
ainda outras atividades, como por exemplo o apoio na formação e treino especializados incluindo projetos científicos
e trabalhos hidrográficos. Ao mesmo
tempo, estando presente na área, efetua
presença naval e controlo de atividades
marítimas e participa no projeto da UE
das PMC, contribuindo para a segurança
marítima no GdG e para o fortalecimento
dos laços de compreensão e confiança
entre todas as entidades que interagem
na região.
A capacitação da Guarda Costeira
(GC) de São Tomé e Príncipe através do
NRP ZAIRE iniciou-se em 2018 com a
colocação daquela unidade naval permanentemente em São Tomé. O navio apoia
o desenvolvimento da GC local, conduzindo ações de treino e apoiando as autoridades locais, sendo operado por uma
guarnição mista, da Marinha Portuguesa
e da Guarda Costeira de S. Tomé (com
40% de elementos da GC), proporcionando em permanência treino on-job. O
navio desempenha formalmente missões
de patrulha, fiscalização e de busca e salvamento sob a autoridade de São Tomé
e Príncipe.
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Marinha de Comércio
Chefes de Estado-Maior e Chefes das Delegações presentes.
O dia 8 de julho continuou com mais
painéis temáticos e apresentações efetuadas pelos representantes das indústrias presentes.
No primeiro painel da manhã, o Cte.
Rodeia Ribeiro efetuou a apresentação
do Projeto Operational Response and
management of the Rule of Law at Sea,
integrado no projeto SWAIMS da Comunidade Económica dos Estados da África
Ocidental (CEDEAO), financiado pela UE.
A componente nacional é suportada pelo
Camões, I.P., pela Direção-Geral de Política de Defesa Nacional (DGPDN) e pela
Marinha Portuguesa sendo a sua execução desenvolvida através da Unidade de
Implementação do Camões (UIC), constituída por 5 militares da Marinha Portuguesa e liderada pelo Como. Rodrigues
Campos. Com a duração prevista de 45
meses, este projeto tem como objetivo
geral melhorar a segurança marítima no
GdG e contribuir para a implementação
da estratégia marítima integrada da CEDEAO. No projeto, foram estabelecidos
dois objetivos específicos: reforçar os
quadros institucionais de governação e
de aplicação da lei e o sucesso na acu-
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
Apresentação do Cte. Rodeia Ribeiro.
sação e punição de crimes marítimos (1);
e reforçar as capacidades operacionais e
de resposta no âmbito da aplicação da lei
no mar (2).
É no âmbito deste segundo objetivo
específico que se desenvolve a componente de responsabilidade nacional,
Operational response and management
of the Rule of Law at Sea, que se propõe
adquirir e distribuir 30 lanchas rápidas
(rhibs), os respetivos kits com equipamento forense, providenciar a formação e
treino das guarnições das rhibs (em Portugal e nos respetivos países) e terminará
com um exercício final que se pretende
que integre todos os 12 países costeiros
da CEDEAO.
Merece realce, no fim desta conferência a manifestação de vontade na constituição de uma Task Force regional e no
estabelecimento de corredores de segurança para o tráfego marítimo no GdG.
A Sessão de Encerramento foi presidida pelo Chief of Defense (CHOD) do Gana, V/Alm. Seth Amoana.
Comodoro Rodrigues Campos, CEMA do Gana
e C/Alm. Valentino Rinaldi (Marinha de Italia).
· revistademarinha.com
* Oficial da Armada
[email protected]
37
85.O Ano
Shipping: da Economia Global
ao Interesse Nacional
por Victor Gonçalves de Brito*
O SHIPPING E A ECONOMIA GLOBAL
O transporte marítimo(1), juntamente com os portos e os serviços marítimos constituem a estrutura base do shipping marítimo,
que inclui ainda atividades comerciais, administrativas, logísticas,
aduaneiras, jurídicas, etc.
O shipping é, talvez, o sector
mais representativo da globalização, quer como promotor quer
como seu instrumento.
A aceleração do crescimento das atividades de importação
e exportação, pela via marítima,
de matérias-primas e de produtos em diversas fases de acabamento, tem sido patente em anos
mais recentes, com perspetivas
de continuidade no horizonte
temporal das previsões divulgadas pela OCDE e por outras organizações internacionais. Contudo,
depois de um largo período onde
apenas os ciclos económicos e a
lei da oferta e da procura determinavam a evolução do shipping, a
introdução dos conceitos de sus38
tentabilidade e a obrigatoriedade de se atender às consequências
das alterações climáticas, levam a um acréscimo de dificuldades e
incertezas que têm de ser tomadas em consideração e resolvidas
a nível global.
Segundo a UNCTAD(2), no início de 2021 estavam registados
um total de 99.800 navios mercantes com arqueação bruta superior a 100(3) tons. Mais de 50%
destes navios estavam registados
nos 4 países(4) que lideram a lista de navios registados segundo
o total da capacidade de carga,
medida pelo porte.
Os navios com maiores dimensões - navios graneleiros e navios-tanque, lideram a capacidade de
carga global (71,2%) o mesmo
acontecendo com o respetivo
valor, embora com menor distanciamento dos restantes grupos de
navios (figura ao lado).
O crescimento médio anual da
capacidade de carga global nos
últimos 7 anos foi de 3,29%, sendo a menor de 2019 relativamente
a 2018 (2,61%) e a maior de 2019
revistademarinha.com
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Marinha de Comércio
para 2020 (4,1%). Por outro lado, a quantidade de navios ativos também cresce
gradualmente; em 2015 estavam registados 89.464, e como já referido, em 2021,
99.800; o crescimento em 7 anos, foi de
11,5 %. Nos mesmos 7 anos, o crescimento da capacidade de carga foi mais significativo: 22%. A figura mostra a evolução
do comércio marítimo internacional, em
toneladas-milha, que duplicou num período
de 20 anos.
No mesmo período de 7 anos, a entrega
anual de novos navios superou sistematicamente os desmantelamentos, sendo as
correspondentes médias, respetivamente
de 63.000 e 20.750 milhares de unidades
de arqueação bruta (milhares de GT). Este
facto é consistente com o aumento da capacidade de carga e do número dos navios.
Verifica-se assim que a oferta de navios
para transporte de cargas em contexto de
importação e exportação e para outras categorias de transporte, tem crescido consistentemente para dar resposta à procura.
O mesmo se verifica na capacidade portuária global.
No caso particular da carga contentorizada o aumento é ainda mais saliente,
sobretudo em valor da carga transportada,
com o forte contributo do facto da China ter
passado a ser o principal país exportador
deste tipo de carga. Este crescimento generalizado, encontrou dificuldades devido
ao desequilíbrio no fluxo do comércio entre
a Ásia (nomeadamente a China) e a Europa e os Estados Unidos, levando a fusões
operacionais de grandes operadores; as
perturbações agravaram-se há meses com
o arranque da recuperação resultante do
alívio da pandemia, onde a retoma da procura, a falta de contentores e o congestionamento nos principais portos de destino
das exportações, originaram uma situação
de crise com o consequente aumento dos
custos dos fretes associados aos aumentos de preço dos bens industriais e de consumo, nas cadeias de abastecimento.
A figura da página seguinte mostra a
evolução da carga transportada em milhões
de TEU (a azul) e o crescimento anual (escala da direita em %); de notar a quebra em
2020 devido às restrições da pandemia.
No shipping os portos são infraestruturas
essenciais e a respetiva eficácia e eficiência
são determinantes para a continuidade do
movimento das cargas, seja no despacho
para bordo seja no escoamento para os
destinos de entrega, e para os custos do
transporte. Os serviços marítimos e todas
as restantes atividades que são necessá-
rias para o bom desempenho do comércio
marítimo e do movimento nos portos adaptam-se à procura, isto é, crescem se existir
atividade e definham se não existir.
Os países com frentes marítimas ou com
rios e canais que permitam o acesso ao mar
têm nítidas vantagens geográficas que poderão ser valorizadas com políticas públicas
adequadas e com iniciativas bem-sucedidas da parte dos agentes económicos. O
aproveitamento deste potencial beneficia
a economia e gera emprego, elementos
essenciais para a estabilidade e desenvolvimento social das populações. Trata-se
do contributo da economia marítima para
a Economia Nacional. Os países marítimos
têm grandes oportunidades de beneficiar
desse potencial, assim se predisponham.
39
85.O Ano
OS REGISTOS, A PROPRIEDADE
DOS NAVIOS E O INTERESSE
NACIONAL
Abordaremos de modo abreviado o
Norwegian International Ship Register
(NIS), estabelecido em 1987 e o Danish
International Ship Register (DIS) estabelecido em 1988. São segundos registos que
tiveram origem em preocupações sobre
concorrência e tiveram como propósito
criar uma alternativa nacional ao registo
dos navios da marinha de comércio(5) no
que na altura se apelidava de países de
“bandeira de conveniência”. Em ambos os
casos criaram incentivos, reduzindo encargos fiscais e taxas para a Segurança Social a suportar pelos armadores nacionais
e pelos próprios tripulantes, assegurando
em simultâneo o cumprimento das melhores práticas de competência, de segurança e da operação dos navios. Estes dois
Registos também admitem navios de propriedade estrangeira, embora obrigando,
no caso da Noruega, a que a operação decorra através de uma empresa de shipping
norueguesa com uma definição pormenorizada do entendimento da “operação”. No
caso da Dinamarca, o armador estrangeiro
tem de ter atividade económica devidamente caracterizada no país e deve designar uma entidade natural da Dinamarca ou
aí residente, como seu representante.
De acordo com o relatório anual da
UNCTAD de 2021 (nota de rodapé nº 2) o
NIS está ordenado na 15ª posição da lista
de Países de Bandeiras de Registo com
671 navios registados (22.093 milhares
de tons de porte), sendo 188 de propriedade norueguesa; o DIS está ordenado na
13ª posição com 602 navios registados
(24.735 milhares de tons de porte), dos
40
quais 289 são de propriedade dinamarquesa. Curiosamente o Registo Internacional da Madeira (MAR) figura na 14ª posição
com 578 navios registados, com um total
de 22.726 milhares de tons de porte.
Esta posição do MAR foi muito publicitada nacionalmente quando o relatório
foi publicado, até porque revelava uma
significativa melhoria de posição, na medida em que o Registo MAR apenas entrou para a lista dos 35 países com maior
número de registos de navios, em 2016
(28º) e foi subindo gradualmente até à
melhor posição, conseguida no corrente
ano. O Registo MAR contém a generalidade das vantagens para os armadores
e tripulações que se observam nos citados países nórdicos, contudo para os
navios estrangeiros não obriga a que os
seus armadores tenham de ter capacidade técnica ou de gestão dos navios,
residente em Portugal. Cita-se … o MAR
permite igualmente que os navios registados na Madeira sejam detidos e geridos
por sociedades estrangeiras, não sendo
obrigatória a constituição de uma sociedade no CINM(6) para proceder ao registo
de um navio. Neste caso, no entanto, será
necessário proceder à nomeação de um
representante legal na Madeira dotado de
poderes legais suficientes.
Resta saber qual a vantagem que Portugal retira deste Registo no que se refere
aos armadores estrangeiros, para além
dos benefícios diretos de índole administrativa, para a Região Autónoma da Madeira/CINM. A este propósito transcreve-se
parte do preâmbulo do Decreto Lei º 96/89
de 28 de Março, que criou o Registo MAR,
onde se verifica que as perspetivas iniciais
não foram conseguidas até agora, no que
concerne à revitalização da Marinha de
revistademarinha.com
Comércio Nacional … este registo, para
além de vir a funcionar como elemento de
dinamização da marinha de comércio nacional e fator de estancagem da passagem
de navios portugueses para bandeira de
conveniência, será também um importante
fator de dinamização económica da Região Autónoma da Madeira e do País, quer
criando emprego neste sector, em que os
Portugueses têm historicamente revelado aptidões especiais, quer permitindo o
crescimento de atividades direta e indiretamente relacionadas com o MAR, tanto no
campo económico como da educação e
da investigação.
Aparentemente, o maior envolvimento
dos armadores estrangeiros no sector marítimo nacional não seria despropositado
e poderia ser uma via para incrementar a
atividade da Marinha de Comércio Nacional e para originar mais atividade para as
empresas de gestão de navios e emprego
para os marítimos nacionais. Por outro lado, sendo verdade que cabe aos agentes
económicos decidir as suas áreas de interesse e sabendo que não será por decreto
que se promoverá a revitalização da Marinha de Comércio, razões de prudência e
de autonomia nacional poderiam levar ao
estabelecimento de uma frota mercante
estratégica para ocorrer a situações de crise, de que não estamos eximidos, quanto
ao abastecimento de matérias-primas e de
bens produzidos. Em situações normais
esses navios poderiam ser disponibilizados para afretamento no mercado global
ou poderiam integrar as frotas de armadores nacionais.
Finalmente, é pela via da propriedade
dos navios que se mede a robustez das
frotas nacionais e o peso do shipping na riqueza das nações e não pelos parâmetros
de registo das frotas. Estes últimos podem
ter interesse nas decisões de IMO, mas no
caso nacional o mandato é de, apenas,
1%.
*
[email protected]
NOTAS:
(1) Na gíria marítima apenas se usa o termo
shipping, embora este tenha um significado
mais geral de “transporte de bens” por qualquer meio.
(2) Revue of Maritime Transport 2021
rmt2021_en_0
(3) Estima-se que na Marinha de Comércio
mundial existam cerca de 54.000 navios ativos
com arqueação bruta superior a 1.000 tons.
(4) Panamá, Libéria, Ilhas Marshall e Hong
Kong.
(5) No caso da Noruega, são igualmente admitidos navios e plataformas flutuantes ligados à
atividade de prospeção e produção de hidrocarbonetos, offshore.
(6) CINM – Centro Internacional de Negócios
da Madeira.
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
85.O Ano
O Emprego de um
Novo Conceito de Docagem
por Bruno Assis de Lima*
O navio de treino GAGAH SAMUDERA
da Marinha Real da Malásia.
RESUMO
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma nova possibilidade por
meio de um novo conceito de lançamento
e docagem, que consiste em utilizar roletes infláveis denominados de AirBags, tal
conceito vem se expandindo mundialmente devido a sua dinamicidade e aos custos
agregados à implementação deste método. Além da utilização deste sistema na
indústria naval tanto para construção como para reparo de diversos tipos de meios
flutuantes.
Por se tratar de um conceito teoricamente simples em comparado com outros
métodos de lançamento e docagem, a
aplicação deste sistema representa uma
opção viável em termos econômicos frente a outras formas utilizadas. O que pode
possibilitar a diversos estaleiros e bases
navais, que não contam com capacidade
ou infraestrutura adequada, desenvolver
novas metodologias de manutenção e reparo de suas respectivas frotas permitindo
uma análise profunda deste recurso e futuras avaliações deste conceito de docagem.
A necessidade de manutenção dos navios requer a parada do meio de modo a
realizar o processo de docagem, que consiste na retirada do meio de um ambiente
de flutuabilidade para um ambiente seco.
Desta maneira é possível realizar os serviços
preconizados no período de manutenção
geral do navio ou de qualquer meio flutuante, principalmente no que tange a área referente as obras vivas da embarcação.
Atualmente existem metodologias e
conceitos distintos para docagem e lançamento de navios, como por exemplo dique
seco, dique flutuante, ShipLift (Sistema de
elevador), e carreira longitudinal ou transversal. Embora todos estes exemplos citados
sejam de comprovada eficácia, os elevados
custos de implementação e manutenção
requerem um estudo logístico para sua
real viabilidade econômica. Em função da
necessidade de manutenção e aos custos
implícitos no serviço de docagem, alguns
estaleiros asiáticos, iniciaram a utilização de
roletes infláveis denominados de AirBags
para realizarem os serviços de docagem e
lançamento de suas embarcações no início
42
revistademarinha.com
dos anos 80 do século passado. Este sistema baseia-se em método mais rústico no
qual eram utilizados troncos de árvores para lançamento de embarcações medievais,
sendo utilizados até ao período das grandes
navegações, tais métodos foram substituídos no período da revolução industrial por
dique seco e carreiras de lançamento com
utilização de sistema de trilhos.
Este tipo de lançamento apresenta algumas vantagens dentre elas o fato de exigir
um nível mais simples referente a investimento em infraestrutura, basicamente no
que tange a custos permanentes. Os AirBags fornecem suporte para o casco do
navio, e o movimento de rolamento dos
AirBags leva o lançamento do navio para a
água, assim como a retirada da água para a
docagem do meio, apresentando-se como
a opção mais econômica em comparação
com outros conceitos utilizados atualmente,
como o lançamento em carreira transversal
por exemplo.
Ao contrário da maior parte dos outros
métodos de lançamento, que contam com
estruturas fixas, o lançamento ou recolhimento com utilização de AirBags apresenta
um menor número de limitações, podendo
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Construção & Reparação Naval
ser utilizado de maneiras versáteis. Superando a desvantagem de locais que contam
com estrutura fixa, o que muitas vezes torna a capacidade de construção ou reparo
limitada em virtude de não haver espaço
físico em carreira ou dique por exemplo, tal
impacto afeta especialmente estaleiros de
pequeno e médio porte.
AIRBAGS
Os AirBags de lançamento e recolhimento de embarcações marítimas são roletes
infláveis dimensionados para utilização em
terrenos com as mais diversas características. Estes AirBags são confeccionados
de camadas reforçadas de cordão de pneu
sintético e camadas de borracha também
denominados de AirBags marítimos. Este
sistema encontra-se disponível no mercado
desde cerca de 40 anos, onde vem se expandindo cada vez mais, e sendo incorporados por muitos estaleiros, tanto de novas
construções como de reparo.
Ao longo dos anos, e com o desenvolvimento deste sistema, novas tecnologias
vêm sendo aplicadas na produção dos AirBags, o que vem permitindo que se tenha
maior capacidade de sustentação. Proporcionando a utilização deste método em lançamento de embarcações de maior porte,
em junho de 2012 registrou-se o lançamento do navio HE MING (nº IMO 9657105),
com um DWT de 73.541 tons, lançado com
sucesso por este sistema.
com comprimento de 76,5 m e 1.270 tons
de deslocamento.
a partir de 0,8 m, 1,0 m, 1,2 m, 1,5m, 1,8m,
etc. O comprimento de um AirBag é especificado pelo cliente quando é fabricado.
ESTRUTURA DOS AIRBAGS
Modelos
Os AirBags são normalmente divididos
em três ou seis camadas de reforço do cordão do cilindro. Podendo haver mais camadas, embora normalmente haja menos de
dez.
A capacidade de carga do AirBag pode
ser dimensionada de acordo com a necessidade de elevação de carga.
A capacidade máxima de carga de um
AirBag, que é a carga máxima sob a qual
ele não sofrerá deformações ou danos permanentes, pode ser encontrada conforme
disposto em norma ISO 17682 ou pelo manual do fabricante.
De acordo com a ISSO 14409 os roletes
infláveis AirBags marítimos consistem basicamente em três partes:
1. Corpo dos AirBags: O corpo cilíndrico
principal do AirBag depois de ser totalmente inflado com ar comprimido proporciona a
sustentação da embarcação;
2. Conexões dos AirBags: São peças
cônicas que se conectam ao corpo cilíndrico do AirBag; e
3. Válvulas dos AirBags: São vávulas de
metal montadas em ambas as extremidades do AirBag para inflar com ar, com uma
válvula composta por manômetro em uma
extremidade e um terminal de metal na outra extremidade para transporte do AirBag.
CARACTERÍSTICAS DOS AIRBAGS
Os AirBags apresentam tipos e modelos
diversos, os quais variam de acordo com
diâmetros distintos que incluem as medidas
Material dos Airbags
Os AirBags de lançamento são confeccionados com camadas de corda de pneu
sintético, conforme mencionado anteriormente, além de camadas de borracha internas e externas eventualmente, adicionadas
para trabalho em locais com maior dificuldade de acesso, todos os materiais utilizados são vulcanizados.
APLICAÇÃO EM NAVIOS MILITARES
Atualmente este sistema vem sendo cada vez mais implementado em marinhas
de guerra ao redor do mundo. Em face ao
“novo” conceito de docagem que permite
maior agilidade para manter a rotina de manutenção planejada dos meios navais, além
do baixo custo atrelado ao processo em
comparação aos demais, vem se expandindo ainda entre os meios militares. As marinhas do sudeste asiático já implementam
em seus meios este sistema para lançamento e docagem. A Marinha da Indonésia lançou em agosto de 2012 uma nova
classe KRI KLEWANG de trimarã utilizando
o sistema de AirBags, estas embarcações
possuem as seguintes características; comprimento total de 63 m e deslocamento de
230 tons. Em 2011 registrou-se a docagem
de um submarino museu Chinês Classe-A
Type-33 com 76,6 m de comprimento e
1.300 tons de deslocamento.
Mais recentemente em fevereiro de 2013
é lançado pela Marinha Real da Malásia o
navio de treinamento GAGAH SAMUDERA
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
Docagem de Submarino Museu Chinês Class A Type 33.
· revistademarinha.com
43
85.O Ano
momento do lançamento, o diâmetro dos
AirBags e os requisitos de segurança.
Lançamento de Trimarã classe KRI
KLEWANG (Marinha da Indonésia).
ARRANJO DE REBOQUE
Testes dos Airbags
Antes da utilização dos AirBags, são
requeridos a execução de testes de estanqueidade. O que consiste no enchimento do
AirBag sem nenhuma carga de modo que o
mesmo atinja a pressão interna alcançando
a pressão nominal de trabalho. Depois de 1
hora, a perda de pressão deve ser inferior a
5% da pressão inicial. São realizados testes
de estouro, estes testes consistem em encher o AirBag com agua até que o mesmo
estoure. A pressão da água no momento do
rompimento não deve ser inferior a três vezes a pressão nominal de trabalho.
ARRANJO DOS AIRBAGS
O arranjo da utilização dos AirBags varia de acordo com a forma da embarcação, podendo ser lançado de acordo com
a configuração proposta, longitudinal ou
transversal.
Definindo a quantidade de airbags
Os AirBags devem atender aos requisitos preconizados conforme a norma ISO
17682.
De acordo com o deslocamento do navio a ser lançado, a quantidade de AirBags
necessária para a operação de lançamento
ou docagem deve ser calculada de acordo
com formulação a seguir:
Onde:
N – é a quantidade de AirBags utilizada
no lançamento do navio;
K1 – é um coeficiente de carga, em geral,
K1 ≥ 1,2;
Q – é o deslocamento da embarcação
[tons]
g – aceleração da gravidade [m/s2], g =
9,8;
Cb – é o coeficiente de bloco da embarcação;
44
R – é a capacidade de carga permitida
dos AirBags [kN/m], olhar tabela 3 da norma ISO 14409;
Ld – é o trecho de contato entre o fundo
do navio e o corpo do AirBag a meio navio
(m).
RAMPA DE DOCAGEM E
LANÇAMENTO
Para a manobra de docagem e lançamento se faz necessário a utilização de
terreno com inclinação e comprimento adequados de modo que o mesmo exerça a
função de rampa para lançamento. Os requisitos devem ser definidos de acordo com
as dimensões da embarcação e a condição
hidrológica da água que a área proporciona, A capacidade de carga da rampa de
lançamento deve ser de pelo menos duas
vezes maior que a pressão de trabalho dos
AirBags. Para navios com deslocamento
superior a 3.000 tons e com comprimento
maior que 120 m, a rampa de lançamento
deve ser construída com concreto armado
e a diferença de altura entre os bordos deve ser inferior a 20 mm, no caso de navios
com deslocamento maior que 1.000 tons,
e menor ou igual a 3.000 tons de deslocamento, com comprimento maior que 90 m,
e menor ou igual a 120 m de comprimento,
a rampa de lançamento deve ser construída
com concreto de cimento e a diferença de
altura entre os dois bordos direito e esquerdo devem ser menores que 50 mm. Para
navios com deslocamento não superior a
1.000 tons ou comprimento inferior a 90 m,
a rampa de lançamento pode ter um declive
de terra e deve ser compactada por rolos. A
diferença de altura entre os bordos deve ser
inferior a 80 mm. A rampa de lançamento
principal deve permitir que o navio deslize
automaticamente quando este for lançado,
devendo correr por gravidade. A rampa
auxiliar deve ser determinada de acordo
com o tipo de navio, o nível da água no
revistademarinha.com
A manobra de reboque requer alguns
sistemas para retirada do navio da água de
modo a docar o casco no seco. Um guincho ou sarilho deve ser utilizado para controlar o movimento de retirada do navio, o
sistema de reboque deve compreender um
molinete, dotado de cabo de aço e conjunto
de polia, devendo ser fixado de acordo com
todos os requisitos de segurança preconizados para a manobra, devendo ser fixados
a proa da embarcação ou acoplados a máquina de suspender da mesma, o que for
mais seguro.
De maneira geral são necessários a seleção de no mínimo um sistema de guincho
ou sarilho, compressores e gerador para manobra tanto de docagem quanto de
lançamento. A velocidade de operação do
molinete deve estar compreendida entre 9
m/min a 13 m/min. As cargas de operação
para dimensionamento do molinete e cabo
de aço devem ser calculadas e inspecionadas cuidadosamente para que não haja
risco na operação.
LIMITAÇÕES E VULNERABILIDADES
Como apresentado ao longo deste trabalho, o campo de atuação para docagem
e lançamento de navios trata-se de uma
demanda muito vasta, visto que a dinâmica
de manobra proporcionada pelos AirBags
permite que a movimentação seja realizada em uma gama de diversidade de solo.
Entretanto o sistema também apresenta limitações, como a capacidade de carga, e
embarcações com determinadas peculiaridades do casco, como por exemplo meios
que guarnecem domo do sonar dentre outros exemplos. Outro fator limitante trata-se
da possibilidade de surgimento de furos ou
rasgos nos AirBags.
As vulnerabilidades apresentadas por este sistema também se adicionam a fatores
como condições ambientais para realização
da manobra.
VANTAGENS E FACILIDADES
A utilização do sistema de AirBags representa uma inovação no conceito de
lançamento e docagem de embarcações,
permitindo ampliar novos horizontes no que
tange a construção e reparo.
Em comparado aos sistemas tradicionais
de lançamento e docagem, a facilidade de
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Construção & Reparação Naval
se utilizar um terreno com saída para o mar
ou para um rio, permite a utilização deste
para manutenção e até mesmo a construção de uma embarcação, de acordo com
as características da saída para a agua.
Este sistema não necessita de grandes
adequações da área, tendo basicamente
como premissa a construção de uma rampa longitudinal, atendendo aos padrões como inclinação e capacidade de acordo com
o deslocamento do porte da embarcação
com que se pretende trabalhar. Além de requerer menor investimento de implementação em comparado aos demais sistemas, o
custo de manutenção apresenta-se de forma atraente, haja vista a não necessidade
de manutenção de trilhos e carrinhos de encalhe, no caso de carreira longitudinal, e de
reparo em bombas e manutenção de redes,
além da porta batel no caso de dique seco.
CONCLUSÃO
A implementação do sistema de lançamento e docagem por AirBags vem se
proliferando ao longo dos anos, conforme
a crescente demanda de construção e reparo de embarcações ao redor do planeta,
muitos estaleiros encontram-se migrando
para este sistema devido a sua praticidade
e viabilidade econômica quando comparado aos métodos mais tradicionais. Trata-se
de uma manifestação disruptiva, iniciando
uma nova tendência da indústria naval, o
que vem abrindo portas para a revitalização
e abertura de novos estaleiros inclusive. Os
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
próximos desafios vão girar em torno de
uma legislação e regras por parte de sociedades classificadoras, referente ao uso dos
AirBags, o que irá requerer a atualização
junto aos órgãos regulamentadores e demais órgãos vinculados.
Ademais a docagem por AirBags já se
trata de uma realidade na indústria naval
mundialmente falando, sendo aplicada inclusive em embarcações de grandes frotas comerciais e forças navais ao longo do
mundo.
* Cap.Ten engº naval (Marinha do Brasil)
[email protected]
NOTAS:
(1) IACS: International Association of Classification Societies.
(2) IMO: Assembly Resolution A.1104(29).
(3) ISO: International Organization for Standardization.
(4) NORMAM: Normas da Autoridade Marítima.
(5) ENRG: Estação Naval do Rio Grande.
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– https://doi.org/10.1016/j.ocecoaman.2014.12.
003
45
85.O Ano
O Bloqueio do Porto da Beira
por João Nuno Ferreira Barbosa*
m dos episódios mais relevantes,
no âmbito da Marinha, que ocorreu
durante a Guerra Colonial foi a
Guerra da Beira. Foi assim que ficou conhecida na gíria naval esta campanha
motivada pelo embargo ao abastecimento
de petróleo à Rodésia do Sul, hoje Zimbabué, que, tendo durado nove anos, teve um impacto muito forte no dispositivo
naval ultramarino pelo elevado número de
homens e navios que envolveu. Hoje poucos se recordam deste longo episódio e,
mesmo durante o seu desenrolar, poucos
tinham consciência do que se estava a
passar.
Em 11 de novembro de 1965 a minoria branca da Rodésia do Sul declarou
unilateralmente a independência daquela
colónia britânica, o que levou o governo
do Reino Unido a promover um embargo
ao abastecimento de petróleo na tentativa de paralisar a economia e fazer cair
o autoproclamado governo. As Nações
Unidas aprovaram, para o efeito, a Resolução nº 217 em 20 de novembro do mesmo ano. Sendo que o abastecimento de
combustível era essencialmente efetuado
por pipeline a partir do porto da Beira, em
Moçambique, o embargo implicava impedir o acesso de navios petroleiros àquele
porto. Havendo notícia de que se dirigiam
à Beira navios com o produto destinado à
Rodésia, o embargo foi posto em prática
a 1 de março de 1966 com a participação de duas fragatas, um navio auxiliar, o
porta-aviões ARK ROYAL (até 25 de maio)
e um avião de reconhecimento baseado
U
em Madagascar. Iria durar até 1975. A tarefa dos ingleses era identificar todos os
navios que se dirigissem à Beira, fora das
nossas águas territoriais, e impedi-los de
entrar, no caso de transportarem petróleo
que, do terminal de pipeline daquele porto seguiria para Umtali, na Rodésia. Estes
factos levaram as autoridades portuguesas a tomar medidas no sentido de impedir a violação das nossas águas territoriais
pelos navios ingleses e afirmar a nossa
soberania. Para tal, destacaram para Moçambique fragatas antes destinadas a
outros teatros de operações, de modo a
garantir o reforço do dispositivo. Na Beira
passou a haver um navio em patrulha e
outro em descanso no porto, revezando-se a cada quinze dias. O dispositivo naval de Moçambique, no que a fragatas diz
respeito, ficou com três navios em permanência, sendo que o terceiro ia para
o Norte três meses, rodando depois com
os da Beira. Este esquema iria durar nove
anos.
No início houve alguma excitação de
parte a parte, desde logo provocada pelo
caso de um navio-tanque grego, o JOANNA V, que furou o bloqueio e foi fundear
no interior do porto da Beira. De facto, o
navio foi intercetado pela fragata inglesa
PLYMOUTH a 4 de maio de 1966, mas,
surpreendentemente, deixado seguir a
pretexto de que iria simplesmente à Beira
para reabastecer. A Inglaterra pretendia
arrestar o navio caso este descarregasse;
do lado português chegou-se a temer um
desembarque inglês na costa, tendo-se
tomado medidas defensivas no aeroporto
e praias da Beira, chamando, para o efeito, tropas de outras partes de Moçambique. Conta-se que no meio da azáfama
dos preparativos aterrou um helicóptero
inglês no aeroporto para evacuar um marinheiro doente … depois tudo normalizou
e entrou numa rotina, até que em dezembro de 1967 houve outro incidente entre o
navio francês ARTOIS e a fragata britânica
MINERVA. O navio francês não respeitou
a ordem de parar e a fragata inglesa fez-lhe fogo para a proa, sem o demover de
seguir a sua rota. Este incidente levou a
um endurecimento das regras de empenhamento amplamente divulgado e coberto pelas Nações Unidas.
As relações entre os navios portugueses
e os navios ingleses, que todos os dias se
cumprimentavam e trocavam palavras de
circunstância, foram sempre cordiais, iniA fragata NRP VASCO DA GAMA
(ex-HMS MOUNTS BAY)
46
História Marítima
cialmente incentivadas pelo Campeonato
do Mundo de Futebol de 1966, tornaram-se demasiado cordiais para o gosto do
Comando Naval de Moçambique, que
mandou refrear as iniciativas dos Comandantes dos navios. E assim, com máquinas avante devagar ou fundeado junto aos
pilotos se viram passar os dias, os meses
e os anos. Mantinha-se escuta rádio na
onda de reporting inglesa, o que permitiu,
depois de muito escutar e correlacionar as
posições onde apareciam navios mercantes, descobrir a grade que eles usavam,
que tinha a origem no farol do Macuti. Daí
para a frente ficámos com o panorama de
superfície fornecido por eles …
Esta operação era extremamente impopular, quer no lado britânico, quer no lado
português, pois era sabido que o petróleo
continuava a fluir via África do Sul e, por
via-férrea, a partir de Lourenço Marques.
Com um racionamento em vigor na Rodésia, o abastecimento supria as necessidades. Neste processo a Zâmbia também
foi prejudicada porque só recebia combustíveis através da Rodésia. O seu abastecimento foi reduzido, chegando a ter
combustível para pouco mais de uma semana. Apesar disto, o Reino Unido não podia terminar o embargo, pois fora ele que o
pedira. Só em 1971, quando o governo de
Edward Heath decidiu retirar as forças militares a Este do Suez, a patrulha da Beira
foi reduzida a uma fragata. Posteriormente
foram empregues os navios britânicos em
trânsito para o Oriente, até que terminou
no dia da independência de Moçambique.
O pipeline pertencia à Companhia do
Pipeline Moçambique-Rodésia cujo principal acionista era a britânica Lonrho. Tinha 300 km de extensão e transportava
petróleo bruto para a refinaria de Feruka,
perto de Umtali. Os refinados eram distribuídos na Rodésia pelos acionistas da
refinaria, a saber, Shell, BP, Mobil, Caltex
e Total. Por aqui se vê os interesses que
estavam em jogo e como a eficácia do
embargo não interessava a ninguém
Do lado britânico participaram nesta operação quase todas as fragatas do
inventário, algumas várias vezes, assim
como do lado português. Deste lado estiveram na Beira os seguintes navios: BARTOLOMEU DIAS (F 471), DIOGO GOMES
(F 331), ÁLVARES CABRAL (F 336), PACHECO PEREIRA (F 337), VASCO DA GAMA (F 478), D. FRANCISCO D’ALMEIDA
(F 479), COMANDANTE JOÃO BELO (F
480), COMANDANTE HERMENIGILDO
CAPÊLO (F 481), JOÃO COUTINHO (F
475), JACINTO CÂNDIDO (F 476), GENERAL PEREIRA D’EÇA (F 477). Foi, como
parece evidente, um esforço muito grande que hoje em dia seria impensável.
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
O petroleiro grego JOANNA V e o HMS PLYMOUTH.
Anos mais tarde, deambulava eu pela
arcada do Naval Museum, em Portsmouth, reparei que, numa das montras, se encontrava, sozinho, um vulgar balde todo
sarapintado e amolgado, destoando de
tudo o que por ali havia. Aproximando-me, curioso, para investigar de perto, leio
num letreiro: the Beira bucket.
Explicava a legenda ser um balde que,
durante os longos anos que durou o embargo à Rodésia e o bloqueio ao porto da
Beira pela Marinha Inglesa, passava de
navio em navio, sempre que havia uma
rendição. De facto, o pobre do balde de
zinco estava cheio de datas e nomes de
navios e muitas outras inscrições, mais ou
menos humorísticas, ao gosto britânico.
O visitante incauto, ficaria por certo um
tanto ou quanto perplexo perante aquela montra, mas eu, que tantas horas de
quarto fizera naquelas paragens, captei
de imediato todo o significado da presença ali daquele balde. Só aqueles que,
anos a fio, lavraram aquele campo, como
se dizia, entre os rios Macuti e Savane,
saberão apreciar devidamente o que
aquele balde representa de esforço, de
aborrecimento, de frustração, tanto para
nós, portugueses, como para os ingleses;
navegámos ambos, para cima e para baixo, sem um fim nem um propósito e sabendo muito bem que o petróleo entrava
por outro lado.
Se para nós era duro, não tenho dúvidas de que para eles o era muito mais.
Pude-o confirmar mais tarde quando, por
motivos profissionais, me foi dado encontrar inúmeros elementos das guarnições
desses navios. As patrulhas deles eram,
em regra, de um mês, mas muitos casos
houve em que a duração foi superior. Inicialmente descansavam em Mombaça ou
· revistademarinha.com
Áden; depois de isso acabar aproveitavam navios que iam ou vinham de longa
comissão no Oriente, para fazerem, de
passagem, um complemento de um ou
dois meses ao largo da Beira.
Guerra curiosa aquela, em que os dois
inimigos, durante anos, se cumprimentavam cordialmente pela manhã, trocavam
uns piropos e, por vezes, até se faziam
uns favores quando surgia alguma dificuldade.
Foi aí que, pela primeira vez, me foi dado observar um sail past, brincadeira da
praxe que acontece quando um navio é
destacado de uma força. A nossa Marinha só se viria a familiarizar com isto, anos
mais tarde, quando os primeiros navios
começaram a ir à STANAVFORLANT. Um
espetáculo algo bizarro para quem, como
nós, não estava habituado a grandes manifestações e que, para além das festas da
passagem da linha e de umas sessões de
fado, não era dado a folclores. Era, pois,
durante esta festa, que o testemunho, ou
seja, o balde, passava para o navio seguinte, com umas inscrições adicionais e
mais algumas amolgadelas. E assim foi,
ano após ano, de navio em navio, até que
o último o levou para Inglaterra, onde alguém achou que este episódio da história naval devia ser recordado através do
testemunho de um velho balde que figura
agora no museu de Portsmouth.
Hoje a Guerra da Beira não é mais do
que uma recordação, uma nota de rodapé na História, que apesar de não ter provocado danos pessoais ou materiais, foi
muito desgastante e implicou um grande
esforço militar como arma política.
* V/Almirante, ref
[email protected]
47
85.O Ano
Iº Simpósio Marítimo da Zopacas
por Valentim Alberto António*
Vista da Cidade do Mindelo, Ilha de S. Vicente, Cabo Verde.
o dia 27 de outubro de 2021, a Marinha do Brasil tomou a iniciativa de
promover o 1º Simpósio Marítimo
da ZOPACAS, visto como um importante
evento que serviu para a revitalização desta
importante organização regional na busca
do seu fortalecimento como um mecanismo
de promoção da paz, prosperidade, segurança e estabilidade no Atlântico Sul.
Na abertura do evento tomou a palavra
o Comandante da Marinha e o representante do Ministério das Relações Exteriores
do Brasil e contou com conceituados palestrantes da África do Sul, Angola, Argentina, Namíbia e Nigéria, divididos em três
Painéis que trataram dos seguintes assuntos: “Ameaças à Estabilidade Regional”,
“Economia Azul” e “Cooperação Regional”. O Simpósio decorreu na modalidade
virtual e participaram, representantes dos
demais países da ZOPACAS (África do
Sul, Angola, Argentina, Benim, Cabo Verde, Camarões, Congo, Costa do Marfim,
Gabão, Gâmbia, Gana, Guiné, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Libéria, Namíbia,
Nigéria, República Democrática do Congo,
São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa,
Togo e Uruguai), Ministros de Estado, Comandantes das Marinhas, Diplomatas, Oficiais Generais e Académicos.
A ZOPACAS (Zona de Paz e Coopera-
N
48
ção do Atlântico Sul) foi estabelecida a 27
de outubro de 1986, através da resolução
41/11 da Assembleia Geral das Nações
Unidas (ONU), a partir de uma proposta do
então Presidente do Brasil, Dr. José Sarney de Araújo Costa. Aproveitando as potencialidades da Zona foi colocado como
objetivo na época, promover a cooperação regional para o progresso económico
e social, a paz e a segurança, a criação
de um espaço estratégico para a integração e cooperação regional, mas centrado
essencialmente na vertente da segurança
marítima e da cooperação para o desenvolvimento sustentável.
A ZOPACAS possui uma significativa
importância, pelo desenvolvimento económico e social da bacia do Atlântico Sul
e pela descoberta de enormes reservas
minerais, petrolíferas e de gás natural assim como pelos abundantes recursos de
biodiversidade no mar e na costa. A bacia
do Atlântico Sul passa a ser uma área de
interesse estratégico para os estados ribeirinhos, o que os leva a associarem-se em
Organizações regionais, para colmatarem
as suas necessidades de segurança e defesa.
A ZOPACAS é o principal mecanismo
para tratar de temas relativos à sustentabilidade e à segurança no Atlântico Sul, pois
revistademarinha.com
reúne todos os países com litoral nesta
região.
Desde a sua criação foram realizadas
sete Reuniões Ministeriais, para além de
outras iniciativas:
• Rio de Janeiro, Brasil (1988);
• Abuja, Nigéria (1990);
• Brasília, Brasil (1994);
• Somerset West, Africa do Sul (1996);
• Buenos Aires, Argentina (1998);
• Luanda, Angola (2007);
• Montevidéu, Uruguai (2013).
A reunião que ocorreu em Montevidéu
foi a primeira oportunidade em que estiveram presentes os Ministros da Defesa dos
Estados Membros, enfatizando assim a
importância dos segmentos de segurança
e defesa.
Com a aprovação da Resolução A/
RES/75/312, em 29 de julho de 2021, durante a 75ª Sessão da Assembleia Geral
das Nações Unidas, espera-se a retoma
das Reuniões Ministeriais, uma vez que o
conteúdo daquela resolução exorta os Estados Membros a retomarem tais reuniões
e a apoiarem ativamente Cabo Verde na
preparação da próxima reunião, num futuro próximo. A aprovação desta resolução
marcou os 35 anos da ZOPACAS.
* Vice-Almirante (Marinha de Angola)
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Marinha de Guerra
Fleet Tactics – uma obra de referência
por José Alfredo Montenegro*
Naval Institute Press decidiu reeditar
em 3ª edição a obra Fleet Tactics
and Naval Operations, da autoria do
Captain Wayne Hughes, Jr (ret) e do Rear
Admiral Robert Girrier (ret), ambos da US
Navy.
Em boa hora o fez. Esta é talvez a obra
mais marcante e referenciada sobre tática
e operações navais desde o lançamento da
1ª edição em 1986. Impunha-se uma atualização à luz dos impressionantes desenvolvimentos tecnológicos entretanto ocorridos
e que têm transformado profundamente
o poder naval. Contrariamente ao que se
poderia esperar, os princípios basilares da
guerra no mar ao nível tático mantêm-se
praticamente intocáveis.
O mar tem sido palco para a confrontação entre povos e nações desde há mais de
2.500 anos, tomando apenas por referência
a batalha de Salamina entre gregos e persas
(480 A. C.). Desde os tempos das táticas
de abalroamento e abordagem ao emprego
de veículos robotizados, dos navios de linha
em madeira aos porta-aviões, dos submersíveis às minas inteligentes, da propulsão
por remos até à nuclear, das comunicações
visuais aos satélites, dos canhões de carregar pela boca às munições guiadas, a que
se junta o alargamento da conflitualidade
aos domínios do espaço e do ciberespaço,
complexificaram-se sobremaneira a estratégia político-militar e as operações e a tática
naval. Permanece, porém, o objetivo primeiro da guerra naval, o “comando do mar” e
a sua negação aos opositores através da
aplicação do poder naval no mar e a partir
dele, e a influenciar a evolução dos acontecimentos no mar e em terra. Já o Duque de
Wellington tinha reconhecido que na Guerra Peninsular foi a superioridade naval que
O
lhe conferiu o poder para sustentar o seu
Exército, ao mesmo tempo que impediu o
inimigo de fazer o mesmo.
Se a estratégia estabelece os objetivos
a atingir, o modo de os alcançar e os recursos para tal necessários, a tática naval é
o nível no qual as forças e unidades navais
confrontam o oponente numa dada área
de operações, ou, como hoje é entendido,
agem para produzir efeitos que contribuam
para o sucesso das operações. Em suma,
nos níveis superiores planeia-se, no nível
tático faz-se. É este o nível em que os autores se focam, recorrendo ao estudo de um
vasto conjunto de batalhas navais, começando pela extraordinária vitória de Aboukir,
em 1798, de Lord Nelson sobre a esquadra
francesa, a norte do Egipto. Da sua análise
resultaram seis princípios angulares na tática e nas operações navais, com as adaptações necessárias ao contexto, à geografia e
aos desenvolvimentos tecnológicos.
Identificaram deste modo a Liderança, a
Doutrina, a adaptação da Tática à Tecnologia, o Propósito a alcançar para satisfazer
o objetivo superior, a Manobra para ganhar
vantagem e explorar as vulnerabilidades
adversárias, culminando com a máxima attack effectively first. Estes seis pilares são
objeto de abordagem individualizada, de
cuja substância se apresenta uma pequena
súmula.
Dados os contextos de grande violência
e de caos em que se faz a guerra, a liderança é fundamental para incutir confiança
e fortalecer a moral dos subordinados e a
sua vontade de combater. A afirmação de
Napoleão de que o militar está para a tecnologia na proporção de 3 para 1, poderá
parecer não ser hoje evidente, mas tal não
retira valor à asserção de que … os homens
vão até onde o seu líder os levar.
A doutrina constitui um guia que tem por
objetivo educar o pensamento, mas sem
substituir a iniciativa. Ajuda a como pensar,
mas não o que pensar. Unifica a ação, e
reduz o número de decisões de comando.
Não deve ser tida como dogmática, mas
sim como um padrão de comportamento,
gerador de confiança pela previsibilidade na
ação dos pares.
Também os avanços tecnológicos e as
suas consequências na formulação da tática são uma constante no texto, em linha
com a feliz síntese de Clausewitz … to Know
tactics, you must Know weapons. Todavia,
a tecnologia, por importantíssima que seja,
não é garantia de sucesso. Os oponentes
também dela dispõem, e diferentes tecnologias podem equivaler-se em valor militar,
fazendo emergir o valor das pessoas e do
treino.
No confronto militar há sempre um propósito a alcançar pela tarefa. A finalidade
da guerra não passa necessariamente pela
destruição do poder militar do inimigo, podendo bastar a capitulação da sua vontade
de combater, seja em resultado da coação
militar ou fruto do emprego coordenado de
outras fontes do poder nacional. Por isso
o chamado Mission Statement compreende
sempre duas proposições, a descrição da
tarefa a cumprir, com indicações precisas
de quem, o quê, onde e quando fazer (who,
what, when, where), e o propósito, ou seja,
o contributo da tarefa para o objetivo mais
vasto do escalão superior. Estabelece-se
assim de modo claro a responsabilização
dos comandantes por cumprir a tarefa dentro do quadro geral do propósito expresso.
É fundamental compreender o contexto, o
que promove o comando descentralizado,
a iniciativa e a velocidade de ação.
São hoje raras e menos decisivas as batalhas entre grandes esquadras navais. A
projeção de poder para influenciar os acontecimentos em terra levou ao crescente
aproximar do litoral. Porém, o conceito de
49
85.O Ano
litoral alargou-se desmesuradamente com
a aviação e os mísseis de longo alcance
baseados em terra. Proporcionalmente,
encolheram os oceanos e cresceu a importância da manobra operacional para obter
uma posição de vantagem, explorar a surpresa e negar o conhecimento da presença
ao inimigo e, concomitantemente, exercer
o poder próprio sobre as vulnerabilidades
contrárias. Por exemplo, negando as vias
de comunicação marítimas imprescindíveis
à sustentação do esforço de guerra e à vida
dos cidadãos.
Attack effectively first é talvez a frase mais
mencionada pelos autores, que a consideram como a … essência da ação tática para
o sucesso no combate naval. Sustentam-na em bases matemáticas, ilustrando com
exemplos históricos a vantagem de atacar
primeiro com eficácia pelo que isso acarreta
na degradação cumulativa da capacidade
oposta para reagir e contra-atacar.
Presentes estes princípios, são analisados os confrontos navais ocorridos nos séculos XVII e XIX. Imperava então a formação
em colunas e a curta distância entre navios,
como forma de obter uma maior concentração de poder de fogo, proporcionar apoio
mútuo e evitar que o inimigo atravessasse
a coluna para o bordo contrário, expondo-a
a fogo cruzado. Sem visibilidade pelo fumo
gerado em combate e com a manobrabilidade condicionada pelo vento, o caos era
inevitável. Para lhe dar resposta nasceram a
função planeamento, a formulação de princípios, a sistematização em doutrina das experiências havidas, o aproveitamento militar
das inovações tecnológicas e a consciência
de que os propósitos podem ser alcançados sem recurso a batalhas decisivas, altamente consumidoras de recursos materiais
e humanos.
Nas duas guerras mundiais, explodiu
o pensamento tático. Os precursores da
mudança, timidamente experienciados nas
50
guerras Civil Americana e da Crimeia, foram
a propulsão a vapor e a hélice, a construção
em ferro e o carregamento dos canhões
através de culatras. Cresceu a velocidade
dos navios, a sua dimensão e poder de fogo, a manobra deixou de depender do vento, aumentou a resistência aos impactos e
cresceram as distâncias de combate.
Apesar disso, persistiu a formação em
linha, ganhando predominância a famosa
manobra para cruzar o “T” (guinar atempadamente a esquadra de modo que possa
abrir fogo com todo o seu potencial pelo
bordo de aproximação do inimigo). A vantagem em alcance dos canhões, passou a
ser um elemento decisivo ao
possibilitar atacar primeiro.
Em síntese, o pensamento
tático passou a centrar-se na
concentração do poder de
fogo, no alcance da artilharia
e na mobilidade, ganhando relevância o Comando e
Controlo (C2) e o scouting(1).
A anteceder e durante
a 2ª Grande Guerra houve
uma verdadeira revolução no
armamento e nos sensores,
desde logo a aviação baseada em terra e em navios e o
radar. Ficaram em causa as
formações táticas até então usadas, discutindo-se as vantagens e inconvenientes entre a dispersão e a concentração de forças
e as consequências da perda do elemento
surpresa, quase obliterado pela capacidade
de scouting trazida pela aviação. A arma
submarina passou provavelmente a ser um
dos poucos meios navais capazes de, com
risco aceitável, penetrar nas áreas onde o
inimigo pretende preservar a sua liberdade
de ação, no que hoje de designa por A2/AD
(Anti-Access/Area Denial).
Segue-se na obra em apreço a apreciação da evolução da tática na era dos mísrevistademarinha.com
seis, com especial enfoque na Guerra das
Falkland. Equaciona-se a dicotomia que
confronta a escolha entre navios maiores,
mais capazes em armamento e sustentação, e navios de menor dimensão, mas
equipados com misseis de grande alcance
e poder destrutivo. A escolha dependerá de
vários fatores, desde o económico, às características da geografia onde irão operar e
às capacidades dos oponentes a dissuadir
ou coagir. À dimensão não é também alheia
a capacidade de sobrevivência após ser-se
atingido, lembrando-se que o nela investido
tem por objetivo último a preservação da
capacidade para continuar a combater. Nas
palavras de um Almirante russo, há muitos
anos … um bom canhão conduz à vitória,
uma boa couraça adia a derrota.
De tudo quanto foi dito, chegam os autores a cinco postulados que enformam a
tática naval, cada um constituindo um processo autónomo, mas concorrente com o
objetivo final: a atrição pelo poder de fogo,
o scouting pela tempestiva localização do
inimigo, o C2 para coordenar e sincronizar
a projeção de força, a manobra para ganhar
vantagem tática e o condicionamento do inimigo na exploração própria dos anteriores
postulados.
O grau de interação entre si varia com as
circunstâncias e com os meios e as tecnologias em jogo. O aumento do alcance das
armas e da velocidade dos projeteis, impõem o aumento da distância de scouting
e a redução dos tempos de
resposta. Ganha então acuidade o Comando e Controlo
enquanto processo capaz
de sincronizar no tempo e
no espaço a ação da força
naval, assegurando a execução coordenada das decisões tomadas.
Hoje os Comandantes e
os oficiais de ação tática são
auxiliados por modernos
sistemas de C2 capazes de
integrar a informação proveniente de inúmeras fontes e
de aconselhar na tomada de
decisão. Não obstante, por muito completos e complexos que sejam, não superam
o instinto humano forjado ao longo de anos
de estudo aturado e de treino constante e
exigente. Daí o corolário de que a boa tática provém do bom estudo, da solidez da
doutrina e da profundidade do pensamento
e da teoria. Não sem se acrescentar algum
relativismo, pois … se a teoria ganhasse batalhas, seria um segredo de estado.
Os últimos capítulos deste livro são dedicados às tendências e variáveis da tecnologia e ao seu impacto na tática naval. A
tecnologia não ganha guerras por si só, a
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Marinha de Guerra
não ser que acompanhada
por uma revolução na tática,
afirmam os autores, acrescentando que o ritmo dos
avanços científicos é bem
mais rápido que a sua aplicação prática ao campo militar.
Sendo hoje difícil contrariar a
difusão alargada do conhecimento, difícil será encontrar
surpresas tecnológicas na confrontação
militar entre opositores com semelhantes
níveis de desenvolvimento. A exploração
do espaço e do ciberespaço para fins militares, a robotização de meios nos domínios
aéreo, terrestre e marítimo e as crescentes
distância, precisão e poder destrutivo dos
misseis serão realidades incontornáveis nos
próximos cenários de guerra.
A área atualmente em mais rápido desenvolvimento é a da Information Warfare,
entendida como … o emprego e a proteção
da capacidade de compreender, assimilar,
decidir, comunicar e agir, ao mesmo tempo
que lança confusão no idêntico processo
que apoia o adversário. A informação é hoje um recurso crítico em que maior fluidez
e melhor gestão em relação ao oponente,
conferem superioridade de informação e,
subsequentemente, na decisão.
Associado à informação estão as constelações de satélites de comunicações, radar,
guiamento, controlo, vigilância e navegação, mas cujas capacidades não podem ser
tidas como garantidas em tempo de guerra,
uma vez que serão muito provavelmente
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
dos primeiros sistemas a ser
destruídos ou neutralizados.
Apesar de todas as facilidades tecnológicas que hoje
assistem a tática, os procedimentos e os elementos
básicos não podem ser completamente abandonados,
ou, na expressão anglófona
… back to basics.
Por fim, é feita uma análise detalhada
ao combate com mísseis e às suas implicações táticas, nomeadamente definindo a
dimensão das salvas a lançar. Como princípio geral é entendido que quando forças
navais dispersas correm o risco de serem
individualmente derrotadas, deve usar-se a
concentração para reforçar a capacidade
de defesa mútua. Se não se garante a capacidade de atacar primeiro, deve-se usar
também a concentração. Se a defesa não
puder ser efetiva, então deve combater-se
de modo disperso, de modo a dificultar a
deteção pelo inimigo, a obter vantagem posicional ou a evadir para evitar o combate.
Tão importante como a concentração
é a escolha do momento para atacar. Ao
longo dos anos o sucesso tem sido devido
não tanto a saber o que fazer, mas a decidir
quando fazer. No atual contexto de ameaças multidominiais, “a competição evoluiu
da superioridade de informação para a superioridade na decisão”. Não há exagero
em afirmar que o scouting nos domínios eletromagnético e ciber serão mais críticos do
que na esfera física. Ainda assim, mesmo
· revistademarinha.com
considerando que hoje a ofensiva poderá
começar pelo emprego de instrumentos e
meios não cinéticos, mantém-se a aplicabilidade da “regra de ouro” dos autores, cometer o potencial de força de que se dispõe
por forma a … attack effectively first.
Fleet Tactics não pode ser lido e tido
como um manual de tática. É apenas mais
um olhar de dois eminentes estudiosos
que, escudados nas lições da historiografia
dos conflitos navais, ajuda a compreender
o valor dos princípios da tática e as razões
que lhes subjazem. Só se sabe se se compreende, e só se compreende pelo estudo.
Recomenda-se, pois, a sua leitura pausada
e atenta, especialmente aos militares da
Marinha, na certeza de que, como afirmou
Colbert … a vitória só sorrirá aos que forem capazes de antecipar as mudanças no
caráter da guerra, não aos que aguardam
por se adaptar após elas ocorrerem. Como
também disse T.E. Lawrence … após mais
de 2000 anos de exemplos de guerra, não
há desculpa para que quando se combate,
não se combata bem.
* Vice-Almirante, ref
[email protected]
NOTAS:
(1) A tradução mais comum na língua portuguesa é “reconhecimento”, mas fica aquém do conceito anglo-saxónico de scouting, que consiste
na informação sobre o opositor obtida por qualquer tipo de meios, reconhecimento, vigilância,
observação, imagem, interseção eletrónica, espionagem, criptoanálise, etc.
51
85.O Ano
Aquário Vasco da Gama
Passado com história, futuro com memória
por Leonor Monteiro*
o ano em que comemora 123 anos
de existência, o Aquário Vasco da
Gama (AVG) possui uma riqueza
histórica e de conhecimento, distingue-se como o museu aquário mais antigo do
mundo aberto ao público. Com um futuro igualmente muito promissor não deixa
de passar a sua missão: atuar na vertente
educacional dando a conhecer a vida marinha com grande preocupação na preservação da biodiversidade e dos oceanos.
Pertencente à Marinha Portuguesa e
integrado no seu Setor Cultural, o AVG é
uma instituição cujo objetivo visa, não só,
expor a herança oceanográfica do rei D.
Carlos I, realizada ao longo de doze anos
de campanhas oceanográficas respeitando sempre os valores da educação, ciência e história, como também sensibilizar
os visitantes para a conservação do meio
aquático. Tem também promovido ao longo dos anos conhecimento nas áreas da
Biologia, História da Ciência e História de
Portugal, entre outras.
É uma entidade alinhada para as várias
gerações de famílias pelo que é comum dizer-se e/ou ouvir-se que existem três fases
de visita ao Aquário Vasco da Gama, sendo a primeira enquanto criança, seguindo-
N
52
-se a visita com os filhos e posteriormente
com os netos … e até com os bisnetos.
Com uma nova visão para o futuro, o
aquário procura modernizar-se e adaptar-se à sociedade atual, tendo em vista o
avanço digital a que assistimos diariamente. A parte exterior do edifício, do lado da
Estrada Marginal, é uma das inovações visível a todos os que por lá passam com o
mural de arte urbana, que dá agora uma
nova imagem “à casa”. Mas, antes de se
falar no futuro é importante relembrarmos
o passado, uma vez que sem o legado deixado pelo Rei D. Carlos I seria inimaginável
o aquário chegar onde está hoje.
O Rei D. Carlos I foi o grande impulsionador da criação do Aquário Vasco da
Gama, com inauguração a 20 de maio de
1898, aquando das comemorações do IV
centenário da partida de Vasco da Gama,
na descoberta do caminho marítimo para
a Índia.
Com um inexplicável interesse pelo mar/
oceano e diversidade de animais que habitam nesses espaços aquáticos este Rei
explorou, a bordo dos quatro iates batizados com o nome da sua mulher, a rainha Dona Amélia, as correntes do fundo
marítimo com particular atenção para o
estudo dos peixes. A fauna da costa portuguesa é também merecedora de destaque demonstrando assim a preocupação
do monarca para com a vida animal local
e nacional.
A área expositiva do aquário divide-se
em duas partes, sendo uma delas dedicada à vida animal, onde é possível encontrar
diversas espécies aquáticas de pequenas,
médias ou grandes dimensões, sejam de
zonas tropicais, de água doce, água salgada ou zonas temperadas, seguindo-se
Cultura Marítima
a parte do museu, do qual fazem parte o
salão nobre e a biblioteca do Rei.
Entre arquivos, livros, manuscritos e
documentação científica o monarca deixa-nos, assim, uma coleção oceanográfica
com uma riqueza histórica inconfundível
que poderá ser visitada por qualquer pessoa naquela que é apelidada de Biblioteca
do Rei – Museu Oceanográfico D. Carlos I.
Este espaço é outra das alterações da área
expositiva, uma vez que a sua mudança
permite aos visitantes uma aproximação
daqueles que são os registos mais antigos
da história oceanográfica do país.
Na parte do museu poderá ainda encontrar espécies de animais que estão
extintas na natureza, porém mantidos em
meios líquidos e/ou naturalizados no Aquário, o qual preza a mensagem de preocupação com a preservação da vida animal
marinha.
Atualmente, em parceria com o IPMA Instituto Português do Mar e da Atmosfera - a instituição investiga a viabilidade da
criação de sardinha em cativeiro, um projeto científico ainda em desenvolvimento.
Tendo em atenção o passado, presente
e ainda todo o legado existente, o aquário pretende futuramente tornar o espaço
emblemático e atrativo virado para uma
vertente mais tecnológica, acessível e de
inclusão para todos, sendo as acessibilidades uma das suas preocupações, de
forma a dar a conhecer o seu espaço sem
excluir ninguém.
A transição para o digital, marca, então,
a mudança e adaptação desta instituição
secular à sociedade e às novas gerações
apresentando sempre como base o bem-estar dos animais que lá residem. Este
cuidado demonstrado é visível uma vez
que o aquário Vasco da Gama faz criação em cativeiro de espécies em vias de
extinção com o objetivo de as preservar
no ecossistema fluvial, como é exemplo
o projeto dos Ruivacos-do-oeste, que é
uma das espécies que tem sido reproduzida com sucesso, em tanques no Aquário,
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
onde se recriaram as condições do seu
habitat natural e posteriormente, quando
atingem a idade adequada, são libertados
nas diversas ribeiras com risco de extinção
desta espécie, fundamental para os necessários equilíbrios dos ecossistemas .
Brevemente, será possível interagir com
o oceano virtualmente, isto é, dar um mergulho nas profundezas do mar, uma vez
que nesta instituição estará presente um
dos maiores ecrãs interativos da Península
Ibérica, uma janela virtual para o oceano
que a “casa da ciência” disponibilizará aos
seus visitantes como forma de integração
à nova comunidade tecnológica e, consequentemente, comunicação digital.
Este projeto terá lugar no antigo tanque
das otárias, espaço que se encontra vazio
desde a perda da “olívia”, a última que habitou no AVG.
Todas as remodelações e modificações
do espaço pretendem incutir na sociedade
um incremento duma atitude e consciência responsável na vontade de preservar a
biodiversidade e o meio ambiente. Além
· revistademarinha.com
disso, a adequação à nova era em que nos
encontramos torna-se importante de forma a abrir horizontes a todas as gerações,
conhecendo novas experiências a nível da
tecnologia e imagem.
Além da preocupação com o conforto animal, o Aquário tem em atenção as
necessidades do público que o visita pelo
que o Tanque das Tartarugas sofreu, recentemente, remodelações permitindo às
crianças a visualização através de vigias
criadas nas suas paredes laterais, o que
não era possível no período anterior devido
à sua borda alta que dificultava o acesso
aos mais novos e os poderia colocar em
risco. Em acrescento, esta área terá ainda
novas espécies com as condições que
encontram no seu meio natural.
Um futuro promissor para este antigo
aquário que até aos dias de hoje preza um
passado de conhecimento! Saiba mais em:
https://ccm.marinha.pt/pt/aquariovgama
*
[email protected]
53
85.O Ano
It’s Now or Never! – É Agora, ou Nunca!
por Carlos Salgado*
a palavra de ordem dirigida a todos os cidadãos portugueses e em
particular aos governantes, bem
como aos políticos que têm assento na
Assembleia da República, eleitos pelo
povo português.
Como Portugal está integrado, na
resposta conjunta de todos os Estados-membros da União Europeia, no Plano
de Recuperação e Resiliência, um instrumento ao serviço do País, que representa uma oportunidade sem precedentes,
por integrar um conjunto bastante alargado de investimentos e reformas. Por
este motivo, nós, cidadãos portugueses
amigos do Tejo, entendemos que este
nosso maior rio constitui um bem muito
importante que, como tal, deve ser reconhecido, por ter contribuído durante
séculos para o crescimento económico
das populações ribeirinhas e do próprio
País. Assim, está chegada a hora dele ser
incluído nesta nova oportunidade, para
bem do seu povo.
É
NA NATUREZA, NADA SE CRIA,
NADA SE PERDE, TUDO SE
TRANSFORMA (LAVOISIER)
Por um lado, é preciso apelar às consciências individuais e coletivas porque é
premente acreditar na ciência, aplicar no
quotidiano os seus ensinamentos e contar com a participação e o envolvimento de todos na luta pela preservação do
ambiente. Por outro lado, há outros desafios como as alterações climáticas que
impõem a adoção de medidas urgentes
de mitigação assim como mudanças
profundas de comportamentos. Os modelos económicos associados à geração
de produtos e de valor, que têm evoluído
no sentido de incorporar os objetivos da
sustentabilidade, tem levado a sociedade
a melhorar através do conhecimento e da
capacidade inovadora e criativa, transformando os recursos naturais em produtos
que contribuem para a qualidade de vida
das populações.
Nesta circunstância, os rios nunca deixaram de ser utilizados preferencialmente
para o transporte de mercadorias, pes-
soas e bens, porque a navegação fluvial
sempre foi considerada pelos governantes como uma intermodal importante dos
transportes, visando o descongestionamento dos portos de mar, a fim de facilitar as trocas comerciais entre o litoral e
o interior dos países. Hoje em dia os rios
estão igualmente a ser utilizado em larga
escala pelo turismo náutico e de natureza, porque a navegação fluvial é reconhecida como a modalidade de transporte
mais económica e menos poluente, levando a UE a alocar fundos para o seu
desenvolvimento.
Considerando o custo e a poluição
produzida, os transportes de mercadorias
mais adequados por ordem decrescente
são o fluvial, o ferroviário, o rodoviário e
o aéreo.
Desconhecem-se os critérios que levaram os sucessivos governos desde a
nossa adesão à CEE a privilegiar quase
exclusivamente o transporte rodoviário
de mercadorias em detrimento do ferroviário e do fluvial. Relativamente a este
último e no que ao Tejo se refere, o investimento foi reduzido na repartição de fundos pelas três modalidades de transporte
intermodal, impedindo assim a geração
de um desenvolvimento mais sustentado, mais equilibrado, menos oneroso e
poluente para o ambiente. A opção pelas
políticas escolhidas não gerou riqueza,
mas criou ricos.
AGORA VEM AÍ O PLANO DE
RECUPERAÇÃO E RESILIÊNCIA …
Espera-se que com este instrumento
ao serviço do País se passe a olhar para o Tejo no sentido de ele voltar a ser
navegável e um rio Vivo e Vivido na sua
maior extensão, a fim de criar riqueza e
incentivar a sua fruição diária pelas populações e o convívio salutar com ele de
fora para dentro e de dentro para fora, tal
como aconteceu no passado. Mas a falta
de caudal suficiente, que tem lugar atualmente, inviabilizou a sua navegabilidade
e causou o afastamento dessas populações para o interior; até algumas delas
chegaram a voltar-lhe as costas.
Para que a sua navegabilidade possa
ser restabelecida é indispensável fazer
uma obra de hidráulica que é viável tecnicamente e é complementar de uma outra
O Almourol encostou a terra por falta de Tejo.
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revistademarinha.com
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Lagos, Rios e Canais
não menos importante que está prevista
para o Tejo, e que se encontra já numa fase avançada de avaliação técnica e científica pelos organismos competentes.
Trata-se do novo “Projeto Tejo” –
Aproveitamento Hidráulico de Fins
Múltiplos do Tejo e Oeste”, cujo anúncio inicial intitulado “O Alqueva do Ribatejo”, deu a entender aos cidadãos que
seria do interesse exclusivo dos agricultores, se bem que mesmo que o fosse,
temos de ter consciência de que nos
tempos que correm a Agricultura já está
a mudar para novas técnicas e melhores
práticas, com novos ciclos de produção,
naturalização dos territórios e o enriquecimento dos solos, para conseguir corresponder ao aumento da população e
aos novos hábitos alimentares, mais à
base de produtos da terra. Mas em boa
verdade, este “Projeto Tejo” foi criado
para trazer mais benefícios e beneficiários, do que para a água da rega dos
campos, que até abrange uma área geográfica superior à do Alqueva.
Para além de fornecer água a 300 mil
hectares das regiões do Ribatejo, do
Oeste e de Setúbal com a construção
de seis açudes no rio Tejo, com uma extensão limitada, eventualmente apoiados
por algumas barragens já existentes e o
aumento da capacidade da barragem
do Alvito, no rio Ocresa, desses 300 mil
hectares, 240 mil são no Ribatejo. 40 mil
na região do Oeste e 20 mil na região de
Setúbal, integrando e modernizando os
regadios coletivos existentes. Esses seis
açudes são rebatíveis, por serem insufláveis. Têm uma altura de 4 a 6 m, exceto o de Almourol que deve ter entre 10
e 12 m, garantindo cada um deles uma
profundidade do espelho de água de 3 a
4 m, no curso do Tejo desde Vila Franca
de Xira até Abrantes, de 20 em 20 Km de
distância entre eles. Não deixam de estar
associados à drenagem, ao controlo das
cheias e ainda ao controlo da cunha salina
que sobe o rio nos períodos mais secos,
podendo também resolver o problema da
falta da navegabilidade em certos lanços,
para a navegação comercial ligeira e para
fins turísticos e de lazer, para a pesca e
aquacultura, favorecendo as envelhecidas
comunidades piscatórias.
Estamos em crer que este novo “Projeto Tejo”, pode, e deve, ser complementado com intervenções de uma nova obra
de hidráulica capaz de viabilizar a navegação comercial, ficando um determinado lanço do rio destinado ao transporte
a granel ou de combustíveis e de mercadorias mais pesadas, como maquinaria e
outras peças volumosas, basta para isso
manter aquela profundidade de 3 a 4 m
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
prevista para viabilizar a navegação de
embarcações que calem até 2,5 m, mas
particularmente no lanço entre o Porto
de Lisboa e Santarém. Já está prevista
a abertura de um canal navegável para
viabilizar um novo projeto do Grupo ETE,
que tem vindo a ser atrasado pela tradicional burocracia portuguesa, por falta
das licenças pedidas há bastante tempo,
e também para a construção de um novo
cais de acesso à Plataforma Logística de
Castanheira do Ribatejo, para permitir a
circulação de barcaças que calam 2,5 a 3
metros, e da sua respetiva carga e descarga. Cada uma destas barcaças transporta
99 contentores de 20 pés, o equivalente a
99 camiões TIR, desde o Porto de Lisboa
até a este novo cais a construir. Quanto a
nós, com uma nova dragagem para aprofundar em mais 2 m um canal bem balizado, estas barcaças poderiam passar
a navegar praticamente sem ser à maré,
até Porto de Muge junto à Ponte D. Amélia, vulgo a ponte do Setil, que fica perto
de Santarém. Para esta dragagem talvez
possa ainda ser aproveitado o que restou
do canal que foi anteriormente aberto pelos batelões da extração das areias, que o
foram abrindo até àquele local.
Quer nesse canal quer fora dele a navegação para montante, tanto a comercial
como a turística e a de lazer, em embarcações que calem até 2,5 m, a profundidade
que está prevista no “Projeto Tejo” de 3 a
4 m, é suficiente até à barragem de Belver, desde que seja aberto um canal de
by-pass a contornar o Açude de Abrantes, equipado com uma eclusa que per· revistademarinha.com
mita a passagem livre das embarcações e
dos peixes, quer para montante quer para
jusante, a determinadas horas do dia, a
regulamentar, sem causar uma perda de
água significativa da barragem, e o mesmo deve ser feito nas barragens de Belver
e do Fratel. Conseguir-se-ia deste modo
ter uma navegabilidade contínua desde
Lisboa até à fronteira. Em alternativa, ou
complemento e tirando partido da proximidade da data de revisão da concessão
da exploração da barragem do Cabril, no
rio Zêzere, poder-se-á encarar a possibilidade de desviar gravíticamente um certo
caudal a partir desta albufeira diretamente
para a albufeira de Belver, com todas as
vantagens daí decorrentes.
Como o orçamento inicial para a materialização do “Projeto Tejo” está calculado
em 4,5 mil M€, temos para nós que se ele
for complementado por esta nova obra de
hidráulica, que propomos, vai criar uma
economia de escala do conjunto dos dois
projetos, podendo vir a atingir no máximo
os 6 mil M€, que pode vir a ser financiado
fora do quadro do PRR, através de fundos específicos da UE para o incremento
do transporte fluvial. Deste modo o Tejo
poderia ter uma valorização muito superior, mais completa e duradoura no tempo
e para o crescimento económico da sua
bacia hidrográfica, das populações ribeirinhas e de Portugal, elevando este nosso
maior rio, o Tejo, a um nível equivalente
ao dos rios europeus dos países mais desenvolvidos.
*
[email protected]
55
85.O Ano
“Incrível Armada”, a história da TG 24.1
Parte III
por Jose Castro Centeno*
A Corveta ANTÓNIO ENES prestando
apoio a uma das unidades da TG.
INTRODUÇÃO
Esta é a terceira e última parte da história
da TG 24.1, que reservei para um documento único elaborado pelo seu CTG 24.1,
o à altura CTEN Duarte Costa, que em discurso direto e na primeira pessoa faz um
“diário” da viagem, das suas preocupações
e das soluções adotadas. A riqueza e o detalhe desta descrição obrigam à sua publicação na integra, sem qualquer alteração,
ou correção, que adulteraria o documento.
AVENTURAS E DESVENTURAS
DA “INCRÍVEL ARMADA”
03 DEZ – O BALIVIER foi o primeiro a
largar do Porto Grande. Às 12h35 tinha o
reboque lançado funcionando em boas
condições, foi-lhe ordenado seguir a rota
prevista à mínima velocidade possível.
O rebocador do porto recolheu pessoal das lanchas que transportou para o
BALIVIER e CORENES. Navios no porto
a aguardar chegada do restante pessoal
que faltava (licença em Lisboa?) e que
chegou ao Sal de avião apresentando-se a
bordo cerca das 11h00. Acertou-se então
as guarnições das lanchas com o pessoal
das lanchas a reboque. O cozinheiro da
LORION adoeceu, foi transportado para a
enfermaria da CORENES e substituído por
um cozinheiro deste navio.
Às 12h53 largou a DESIETE. Foi-lhe ordenado para se juntar ao BALIVIER, seguindo
a rota prevista. Largou depois a DESFANGE
com a mesma ordem. Depois de várias “negas”, largou a LIRA, com a mesma ordem.
Entretanto a LORION informou que tinha várias avarias. A CORENES deu volta à faina
e ordenou ao BALIVIER para seguir a rota à
mínima velocidade com os navios que tinha
56
em companhia. Foi prestada assistência à
LORION pelos Engenheiros da CORENES e
da CORGUSTO. LORION finalmente pronta
a largar. CORENES apitou novamente à faina e largou a seguir à LORION.
Às 13h35 navios em formatura com
DESFANGE e DESIETE atrasadas.
Às 14h27 todos os navios em formatura, velocidade estimada 7 nós, CORENES
navegando com um motor. Comunicação
da LORION de avaria no leme seguida de
avaria nos motores por deficiente funcionamento do sistema compressor de ar. A
CORENES lançou o outro motor e preparou-se para lhe prestar apoio, mas, pouco
depois, a LORION informou que tinha as
avarias reparadas e que ia ocupar a sua
posição na formatura. ( https://youtu.be/
YCuAy_ahw2c )
Entretanto havia já as seguintes avarias
ou deficiências:
BALIVIER – Faróis de navegação do
mastro.
LORION – Radar avariado, onda administrativa inop, sistema de ar comprimido
deficiente.
DESIETE – Faróis de navegação do mastro e popa.
DESFANGE – Comunicações deficientes
em fonia, arrancador do motor deficiente,
radar avariado, giro avariada.
04 DEZ – De manhã navios em formatura. DESFANGE pediu para atracar DESIETE para apoio sobressalentes e embarcar/
desembarcar (?) um homem, foi autorizado.
Como resultado da manobra a DESFANGE avariou um motor e juntamente com
a DESIETE ficaram muito atrasadas. Entretanto o cozinheiro da LORION já estava
em condições de embarcar. A CORENES
parou, arriou a embarcação trocou os cozinheiros, prestou apoio com o Artífice ARE e
revistademarinha.com
forneceu pão. Também de manhã, foi chamada a atenção para a disciplina de comunicações, passou-se a utilizar os indicativos
rádiotelegráficos do Plano de Comunicações. Durante todo o dia foi-se disciplinando os circuitos. Voltou-se para a posição
depois do apoio à LORION. A DESFANGE
continuava muito atrasada, foi necessário
reduzir a velocidade para 5 nós e só cerca
das 21h00 foi possível voltar aos 6/7 nós.
Entretanto avariou o radar da LIRA e pediu
apoio de artífice, não seguiu devido a necessidade de poupar combustível, deu-se
“consulta” pela rádio, sem resultado.
05 DEZ – BALIVIER leva o radar desligado à noite e sempre que detetamos um
eco informamos. Cerca das 01h00 avistado
um petroleiro a rumo de colisão, acabou
por passar safo pela proa, mas antes, já
o BALIVIER tinha disparado dois very-light
e acendido as luzes de navio desgovernado. De manhã dada as condições de mar
(pequena vaga NW, pelo través) não foi efetuado reabastecimento por se considerar
inconveniente para os navios e para poupar
combustível. Foi montado na CORENES
um posto de reabastecimento de cargas
leves no parque do helicóptero. Durante a
noite e o dia dificuldades de comunicação
em fonia com a DESIETE que acabaram por
ser ultrapassadas.
06 DEZ – Noite sem novidade, navios
em formatura e fazendo uma boa média:
7,5 nós!!! De manhã foi efetuado:
– DESIETE, reabastecimento pão e medicamentos;
– DESFANGE, reabastecimento pão e
bagagem telegrafista;
– LORION, reabastecimento pão;
– LIRA, reabastecimento 1 aparelho de
medida e 1 ferro de soldar;
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
História Marítima
– revista visual às lanchas a reboque, tudo normal.
De tarde, consulta rádio a LIRA para assistência na reparação do radar, resultados
fracos.
A LDG ARÍETE a navegar
em alto mar.
07 DEZ – Noite sem novidade. A partir
da tarde avarias sucessivas da LORION,
com roturas nos tubos do sistema de ar
comprimido e avaria no gerador de EB. Arriada uma vez a embarcação e outra vez o
bote para prestar assistência, trazendo tubos para bordo, para soldar.
08 DEZ – Noite, avaria na DESFANGE que obrigou a reduzir a velocidade e a
atrasar. CORENES destacou para lhe fazer
companhia. Manhã, reabasteceu-se a DESFANGE de pão, já a navegar em melhores
condições, mas ainda com velocidade reduzida. Seguiu-se o reabastecimento de
pão à DESIETE. Entretanto a LORION atracou à DESIETE para receber uma garrafa
de acetileno para soldadura e a CORENES
passou revista visual às lanchas a reboque.
Verificou-se que a do meio, HIDRA, tinha a
popa muito afundada. Bote na água, para assistência à LIRA, artífice ARE e outro
aparelho de medida, depois foi investigar
a HIDRA. Verificou-se que tinha a casa da
máquina do leme, casa das máquinas auxiliares e casa das máquinas pp com água!
Uma equipa do BALIVIER passou para a HIDRA para esgotar a água. Entretanto o bote
da CORENES prestava apoio à LORION
levando-lhe tubos de cobre e material de
máquinas da HIDRA para substituir material
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
avariado. Depois seguiu para o BALIVIER
para recolher algum material de reboque
para o caso de ser necessário passar reboque à DESFANGE. Logo que terminou o
apoio às Lanchas, foram mandadas seguir
ficando a CORENES junto do BALIVIER para a eventualidade de ser necessário apoio.
Só cerca das 17h00 terminou a faina na
lancha com alagamento seguindo nessa
altura os navios ao encontro das lanchas,
velocidade 8 nós. Ao aproximar verificou-se
que a DESIETE estava a ficar atrasada, com
velocidade de cerca de 4 nós, devido a problemas de circulação de água salgada do
arrefecimento do motor. Foi ordenado aos
navios que logo que BALIVIER chegasse,
ocupassem as suas posições na formatura de cruzeiro enquanto a CORENES ficava
junto da DESIETE para o apoio necessário.
09 DEZ – Perante a “ameaça” de a
DESFANGE e DESIETE necessitarem de
reboque, às 06h00 começou a preparar-
· revistademarinha.com
-se uma mensagem sugerindo a hipótese
do apoio da CORGUSTO. Mas a DESIETE
com uma bomba de emergência conseguiu pôr o motor de BB a trabalhar e atingir
os 6 nós. CORENES seguiu para junto dos
navios para reabastecer LORION de combustível e passou revista visual às LFG´s,
a reboque de BALIVIER. Verificou que a
HIDRA já devia estar com água, restantes
tudo normal. Entretanto LORION informa
estar com avaria no sistema de ar comprimido que, pouco depois, está reparada,
mas, logo a seguir, informa que tem a bomba de trasfega avariada pelo que o reabastecimento fica comprometido. Necessita
de assistência de Artífice AE, de Artífice
ACM (o seu está “estafado”) e de médico.
Foi planeado o reabastecimento para a
tarde. À tarde dado, ainda, apoio à LIRA,
médico e troca de uma praça doente (Mar.
C) e à LORION, pão, bolachas, rações de
combate, médico, artífice AE e cedido um
Artífice ACM por dois dias para apoio do
57
85.O Ano
seu Artífice ACM. Reparada bomba trasfega foi feito o reabastecimento, 10.000
litros de gasóleo. Entretanto DESIETE não
consegue reparar avaria num dos motores, necessita de um saca-volantes de 27
cm. Como não há a bordo tenta-se passar
reboque (2ª Faina Geral a bordo) mas o
reboque não oferece segurança e não permite velocidade superior a 5 nós o que não
resolve o problema. Deixa-se a DESIETE,
com ordem de comunicar a situação de
4 em 4 horas, e segue-se para junto dos
outros navios. LORION comunica que tem
novamente bomba de trasfega avariada.
Cerca das 20h00 DESIETE comunica que
conseguiu tirar o volante “por meios pouco ortodoxos” e LORION informa que tem
bomba reparada.
Pelas 22h00, DESFANGE comunica
que tem avaria num motor, pouco depois,
informa que parou os motores e às 22h30
informa que cerca das 23h30 iria tentar engrenar o motor parado e que já se encontra a navegar só com o outro. Segue-se
BALIVIER a informar que continuando a
navegar àquela velocidade não tinha combustível para chegar a S. Tomé, já estava
a navegar só com um motor para poupar.
Decidiu-se:
– BALIVIER informa, logo que possível,
qual a mínima velocidade para poder chegar a S. Tomé;
– CORENES permanece junto DESFANGE, navegando e pairando até amanhecer,
altura em que será então arriada uma embarcação para levar o pão e pessoal eletricista e de máquinas para assistência.
Dois fatores determinantes estiveram na
base desta decisão:
– A necessidade de ter em consideração velocidades/consumos/reservas de
combustível para chegar a S.Tomé;
– A preocupação que ficou, depois de
conversa tida com o Eng.º ECN Ribeiro
da Silva sobre o estado dos navios, que
seguiam pelos seus meios, da possibilidade de um incidente de maior gravidade
pôr em risco a segurança do navio e da
sua guarnição o que obrigava, dentro do
possível a manter um distanciamento da
CORENES que permitisse poder ocorrer a
tempo.
Às 24h00 DESFANGE comunicou que
não conseguia engrenar o motor de EB e
que, portanto, tinha que continuar só com
um, dando cerca de 3,5/4 nós. Pela mesma altura a DESIETE informou que já tinha
a avaria reparada e que tinha uma nova
bomba de circulação em experiência (foi
mais um longo dia e que se vai prolongar
pelo seguinte!).
10 DEZ – Às 08h30 a pairar junto de
DESFANGE, mandou-se aproximar LO58
RION e DESIETE, reabasteceu-se de pão
DESFANGE, DESIETE e LORION. DESIETE atracou DESFANGE para receber sobressalentes e LORION reabasteceu de
água seguindo depois, as duas ao encontro dos restantes navios. CORENES enviou
para a DESFANGE os chefes dos serviços
de máquinas e de eletrotecnia e pessoal
para colaborar na reparação dos motores
pp. Entretanto começa-se a preparar o reboque para a eventualidade de ser necessário. Foi ordenado a BALIVIER para seguir
com os restantes navios à velocidade de 6
nós (velocidade que tinha, entretanto, informado ser a que lhe dava segurança para chegar a S. Tomé), informando de 4 em
4 horas a situação. Mais tarde pediu para
aumentar a velocidade para 7 nós e foi
autorizado. Com o apoio da LIRA esgotou
água da HIDRA e tentou tapar entradas de
água. Passou revista às outras LFG´s a reboque, todas elas com entradas de água.
O pessoal da CORENES permaneceu a
bordo da DESFANGE numa tentativa de
desbloquear a situação.
11 DEZ – Cerca das 02h30, finalmente,
motores reparados. Pessoal da CORENES
regressou a bordo e meteu-se ao rumo para aproximar dos outros navios, ficando a
DESFANGE de seguir nas águas da CORENES. Mas… passado pouco tempo a
DESFANGE informa que afinal só tem um
motor a trabalhar. Passámos a 3 nós até
às 08h00, hora a que parámos para arriar a
embarcação e enviar novamente pessoal.
Às 08h30 apitou à faina para preparar
o reboque. ÀS 09h30 continuávamos parados numa tentativa “desesperada” para
pôr os dois motores da DESFANGE a trabalhar, para nos dar uma réstia de esperança de poder atingir uma velocidade de
reboque que permita alcançar os outros
navios. Finalmente às 10h30 a DESFANGE
tinha os dois motores a trabalhar, mas o
de EB só engrenava a AV e o de BB AV
e AR. ( https://youtu.be/zFqC3fJZe_Y )
Iniciou-se então a “grande” faina da passagem do reboque “engendrado” pelo
Imediato, com tudo o que se conseguiu
arranjar a bordo e ainda algum material
revistademarinha.com
cedido pelo BALIVIER. Assim foi para lá o
nosso triângulo de reboque de vante que
com brincos de cabo de aço, de cá e de
lá, improvisavam o sistema para receber o
nosso cabo de reboque. Feita a aproximação, passou-se o mensageiro e a seguir o
cabo de reboque de aço que foi ao triângulo. Seguiu-se a tarefa de pôr o triângulo
fora, lá se conseguiu e largou-se o cabo
de aço, amarra, um nosso cabo de nylon
e um cabo de aço que foi ao cabeço do
navio. Iniciado o reboque conseguiu-se ir
aos seis nós com a DESFANGE de motores parados. “Grande entusiasmo”, já havia
quem vaticinasse os 12 nós! A DESFANGE
começou a rodar os seus motores e chegámos aos 7 folgados. Foi tudo almoçar,
há três horas que estávamos em faina!
Passado mais algum tempo avaliaríamos
o comportamento do reboque. Depois de
almoço atingimos os 8 nós folgados, em
condições perfeitas de segurança. Decidi
permanecer assim até amanhã, para ver o
comportamento do reboque e fazer provas
de consumo pois os gastos de combustível estão a ser uma preocupação. Os
problemas na DESFANGE resultavam do
estado deplorável em que se encontravam
as baterias e toda a instalação de 24 volts.
Tentativas de recarregar as baterias a bordo da CORENES acabaram por ter fracos
resultados. Cercas das 18h00 a DESFANGE comunicou que as baterias estavam a
baixar a voltagem rapidamente e por isso
teve que parar os motores, vamos agora a
rebocá-la a 6/7 nós.
12 DEZ – Noite sem novidade. Às
08h00, já com possibilidade de ver o cabo de reboque, aumentámos as rotações
e vamos a 8 nós folgados. ( https://youtu.
be/PqLZ_2r2fKg ) Colocava-se agora o
fornecimento de pão à DESFANGE sem se
perder andamento. Improvisou-se um “novo tipo de reabastecimento” com quatro
boias ligadas entre si e com um peso na
parte inferior. O pão ia dentro de um saco
metido dentro de dois sacos de plástico
que, por sua vez, iam dentro de uma saca
de rede utilizada para o reabastecimento,
tudo metido dentro das boias. Colocadas
as boias na água deixou-se correr até à
DESFANGE, mas fez muita força e uma
das boias chegou partida, parte do pão
parece ter chegado um pouco molhado e
não foi possível recolhermos as boias, ficaram a bordo da DESFANGE. Apesar da
boa vontade e do “engenho” o método não
provou! ( https://youtu.be/ggb5thpViqA )
Seguíamos a 8 nós que não me pareciam
“muito folgados”! Recebemos, entretanto, a posição dos outros navios, estavam
ainda a 140 mi, o que aumentava a preocupação sobre a capacidade de, largando
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
História Marítima
o reboque, podermos acorrer a tempo a
uma situação mais crítica. À noite a DESFANGE “reclamou” que tinha recebido pão
duro misturado com o pão mole. A “reclamação” foi passada ao C. S. Abastecimento par tomar providências.
13 DEZ – Noite sem novidade. Entre as
08h30 e as 09h30, as baterias, outro material necessário, o pão, o C. S. de Eletrotecnia e o Médico foram passados para
a DESFANGE que cooperou com o seu
bote de borracha, enquanto na CORENES
se parava uma máquina e se punha a outra
AV devagar. À tarde a DESFANGE lançou
os motores, mas teve que os parar novamente. Às 18h00 o C. S. Eletrotecnia da
CORENES, TEN. Barbeitos, informou que
não podia fazer melhor do que já tinha feito, dado o péssimo estado da instalação. O
motor de BB não conseguia o mesmo n.º
de rotações ao veio que o de EB e, por vezes, queimava-se o fusível de um solenoide
de controlo. Foi mandado regressar, veio já
de noite, trouxe o material que serviu para o
reabastecimento do pão e as nossas baterias. Informou que já tinha reparado o carregador de baterias da DESFANGE. Iniciámos
novamente a marcha e a DESFANGE conseguiu lançar os dois motores.
14 DEZ – Noite sem novidade. De manhã, verificado o reboque, e apesar da
DESFANGE ter que parar um motor, conseguimos chegar aos 9 nós. Ao meio-dia
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
estávamos, ainda, a 90 mi dos outros navios. Enviada mensagem para BALIVIER
informando: “avarias sucessivas DESFANGE, necessidade de passar pessoal, material tem retardado aproximação restantes
navios. Neste momento motor pp EB já
oferece confiança permitindo reboque
maior velocidade. Poderei em emergência
largar reboque para apoio navios. BALIVIER informou que tinha reabastecido lanchas e que aguardava melhoria de tempo
para verificar LFG’s a reboque.
15 DEZ – Noite sem novidade. Ao meio-dia estávamos a 40 mi dos navios, não foi
necessário reabastecer a DESFANGE de
pão. BALIVIER informou que reabasteceu
LORION e que passou revista às lanchas
a reboque e esgotou água da casa das
máquinas da HIDRA. À noite BALIVIER informou da pretensão das LFG´s destacarem da TG para chegar a S. Tomé mais
cedo devido às condições de vida a bordo.
Tendo sempre presente a preocupação de
poder ocorrer a tempo a qualquer ocorrência mais grave, foi decidido protelar essa
partida para amanhã, dia 16.
16 DEZ – Noite sem novidade. De manhã ainda atrasámos um pouco para reabastecer a DESFANGE, mas, finalmente,
ao fim da manhã estavam todos os navios
à vista. À tarde as LFG`s foram autorizadas
a destacar da TG. Mas, antes de destacarem para chegar mais cedo a S. Tomé,
· revistademarinha.com
veio a bordo um Comandante, trouxe fiambre e levou em troca 2 garrafas de brandy,
levou também cebolas (!) para satisfazer
uma encomenda de bordo. E levou, ainda
… um meu boné. Tinha sido, entretanto,
promovido a CTEN e faltava-lhe esse artigo
de uniforme! Não registei o nome e, a esta
distância, a minha memória já não recorda. As LFG´s destacaram às 14h00 sob o
comando do Comandante mais antigo e
com instruções para comunicar de 4 em 4
horas a situação. Passámos na formatura
para BB do BALIVIER ficando a DESIETE a EB. Pensou-se em aumentar a
velocidade, mas conforme informação do
BALIVIER não era conveniente por causa
das entradas de água nas LFG´s a reboque.
17 DEZ – Noite sem novidade. De manhã recebida informação das LFG’s destacadas que já tinham terra à vista. À tarde
foram reabastecer à enseada da Rosema e
depois regressaram a Ana de Chaves. Entretanto reduzimos a velocidade a fim de
estar às 06h00 de amanhã a NE de Ana de
Chaves para iniciar a faina dos reboques.
18 DEZ – Noite sem novidade. Alvorada às 06h00 e faina às 06h30 para iniciar
a faina de largar o reboque da DESFANGE. LIRA saiu para apoiar o BALIVIER e o
nosso bote foi também para o BALIVIER
com pessoal das lanchas e material para
esgoto. A faina de largar o reboque da
59
85.O Ano
A CORENES e uma LFG em manobra
de reabastecimento.
DESFANGE foi demorada e só às 08h30
seguimos para a Rosema para reabastecer. Recordo as condições de reabastecimento, fundear em águas com bastante
fundo, já não me lembro quanto largámos
de amarra, mas ficou quase a pique, girar
sobre o ferro passando com a popa a poucos metros de pedras até a colocar em posição de embarcações locais levarem para
terra cabos de amarração e a mangueira.
( https://youtu.be/D31_lEg5sjk )
Às 15h30 acabámos de atestar de
combustível, estivemos até às 16h00 para meter mais água, mas esgotou-se! Regressados a Ana de Chaves, como já era
muito tarde decidiu-se não ir reabastecer o
BALIVIER e só o fazer amanhã de manhã.
Seguiu-se diretamente para o fundeadouro
para dar licenças ao pessoal e para tratar
do reabastecimento dos navios que se
queixavam da falta de géneros no mercado
local. Ao fim da tarde ainda pensei ir a terra
saudar os camaradas que naquela altura
estavam ali destacados, mas o cansaço
venceu-me (a esta distância, no tempo,
as minhas sinceras desculpas pela falta de
cortesia!), aliás, amanhã vai ser necessário
“puxar pelos castanhos”. Entretanto BALIVIER esteve até às 18h00 a esgotar a água
nas LFG’s a reboque.
19 DEZ – Noite fundeado em Ana de
Chaves. Às 08h00 faina para seguir para
junto do BALIVIER, para o reabastecer.
Fundeou-se ligeiramente a AV e depois
deixou-se descair a aproximar as popas,
foi passada uma espia dobrada à popa
e uma espia singela castelo a castelo,
mantendo-se os navios afastados em V.
Foram fornecidos cerca de 45.000 litros
de combustível. Também se colaborou
com o BALIVIER para acabar de esgotar a
água das LFG’s. Às 10h00 veio a DESIETE para fornecer água, primeiro atracou ao
BALIVER e depois à CORENES, abasteceu
com cerca de 20 tons cada um. ( https://
youtu.be/UrAweK3q890 )
Às 15h00 começaram os navios a largar
de Ana de Chaves, devido ao estado do
60
tempo, vento e mareta, as fainas de reboque (CORENES/DESFANGE e BALIVIER/
LFG´s) foram trabalhosas e só cerca das
19h00 estavam os navios, finalmente, na
formatura, rumo e velocidade determinados.
20 DEZ – Noite sem novidade. De manhã CORENES reabasteceu DESFANGE
com pão.
21 DEZ – Noite sem novidade. LORION
passou revista às LFG´s a reboque do BALIVIER, tudo normal. À tarde CORENES
reabasteceu LIRA, utilizando o bote.
22DEZ – Noite sem novidade. De manhã CORENES reabasteceu DESFANGE
com pão.
23 DEZ – Noite na expectativa da chegada a LUANDA! E, finalmente, “arribámos” a LUANDA! Graças ao esforço de
TODOS, todo o pessoal e navios que tinham largado de S. Vicente puderam dizer
presente! Missão cumprida! Na adriça de
sinais o CTG 24.1 mandou içar o BZ (Bravo
Zulu, well done).
CONCLUSÃO
Como já foi por mim referido, não posso deixar de encerrar estes artigos sobre a
“Incrível Armada” sem publicar este testemunho, que é simplesmente único, o diário
do CTG 24.1 CTEN Duarte Costa, ao qual
não me atrevi a colocar ou retirar nem uma
virgula, porque relata em detalhe a forma
como as praças, sargentos e oficiais, de
todos os navios se comportaram. Fizemos
uma travessia com unidades que dificilmente alguém acreditaria que a poderiam
fazer, umas a reboque e outras pelos seus
meios, saímos do Porto Grande, S.Vicente,
Cabo Verde, no dia 3 de Dezembro de
1974, e chegámos 20 dias depois a Luanda. Guarda Marinha à partida de Cabo
Verde, fui promovido a 2.º Tenente durante a viagem, e considero ter sido um prirevistademarinha.com
vilégio poder ter participado nesta missão
que nunca será esquecida na Marinha. O
Oficial a que o Comandante Duarte Costa se refere, como lhe tendo emprestado
um boné de Oficial Superior, foi o 1.º TEN
Martins Soares (entretanto já falecido), que
também foi promovido durante a viagem.
Estávamos em dezembro de 1974, ainda
com navegação astronómica, com uma
estima condicionada pelos diferentes rumos e velocidades praticadas, com todos
os incidentes relatados, os quais puseram
à prova a resiliência, e a determinação desses homens do mar. Muito obrigado, e como as bandeiras mandadas içar na adriça
de sinais da CORENES, à entrada da Baía
de Luanda, Bravo Zulu (well done)!
Valeram a pena todos os sacrifícios.
Sendo os leitores da RM um universo muito para além dos Oficiais da Armada, julgo ter utilidade “decifrar” os indicativos de
chamada utilizados no texto. Assim:
CORENES – Corveta – N.R.P. ANTÓNIO ENES – F 471
BALIVIER – Balizador – N.R.P.
SCHULTZ XAVIER - A 521
DESFANGE - Lancha de Desembarque
Grande – N.R.P. ALFANGE – LDG 401 (a
reboque desde 11DEZ)
DESIETE – Lancha de Desembarque
Grande – N.R.P. ARÍETE – LDG 402
LIRA - Lancha de Fiscalização Grande –
N.R.P. LIRA – P 361
LORION - Lancha de Fiscalização Grande – N.R.P. ORION – P362
LARGOS - Lancha de Fiscalização
Grande – N.R.P. ARGOS – P 372 (a reboque)
LAGÃO - Lancha de Fiscalização Grande – N.R.P. DRAGÃO – P 374 (a reboque)
LIDRA - Lancha de Fiscalização Grande
– N.R.P. HIDRA – P 376 (a reboque).
Não posso terminar sem referir o caracter estritamente pessoal deste diário do
Cte. Duarte Costa, que só depois de muita
insistência minha permitiu que eu o pudesse utilizar, isto por o considerar como um
rascunho de um documento de trabalho. É
precisamente esta circunstância e simplicidade que, pelo contrário, lhe confere, na
minha modesta opinião, o valor intimista e
de memória viva desta missão. Muito, muito obrigado, camarada e amigo Comandante Duarte Costa!
* Capitão de Mar e Guerra, ref
[email protected]
OBSERVAÇÕES:
1. A Parte I foi publicada na RM 1019 e a Parte
II na RM 1021.
2. Muito se agradece ao ex – 2º Ten. RN Sarsfield Cabral a cedência de muitas das fotos
apresentadas.
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Construção & Reparação Naval
Exportar Navios Verdes
por Jack Soifer*
JÁ EXISTEM! O MERCADO CRESCE!
A marinha, mercante e de guerra, foi
das primeiras a inovar, ao passar do vento
para lenha e depois carvão. Há 120 anos
usamos combustíveis fósseis, poluentes,
exceto em submarinos e quebra-gelos nucleares. Mas ainda não há soluções inteiramente seguras para o armazenamento dos
resíduos atomicos.
Há uns dez anos começaram testes
com sistemas de propulsão que reduzissem a poluição causada pelos navios. A
International Maritime Organization (IMO),
sugeriu uma redução das emissões marítimas em 50% até 2050. Mas os EUA, Japão e Reino Unido decidiram por zero até
aquele ano.
Aplicativos muito modernos aproveitam
os dados online da NASA e não só, de correntes marítimas e de ventos, para ajustar
a rota dos navios e reduzir o uso de fuel ou
aumentar a velocidade, mesmo à custa de
uns minutos a mais no mar.
Agora usa-se o vento para apoiar a
propulsão. Por exemplo, já há 22 rotores
em 11 navios, que usam a diferença de
pressão no ar em torno de objetos que
rodam. Estão em ferries, navios de cru-
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
zeiro, navios ro-ro e petroleiros. Também
há ferries que usam muitos painéis solares
tradicionais e outros com células fotovoltaicas em velas flexíveis para girar e ganhar o máximo de insolação. Há também
giga velas em compósito, que aproveitam
os ventos e o movimento do navio e geram energia.
O maior potencial está, contudo, no
uso em duas rotas de amónia ou metanol
como combustível. Mas isto implica antes
ter de calcular o TCO, Total Cost of Ownership, por 25 ou mais anos, que inclui
o investimento na aquisição do navio, os
custos de operação, etc. Em 2019, 65 milhões de tons de minério de ferro navegaram da Austrália para usinas siderúrgicas
no Japão. Tanto as mineradoras quanto as
usinas estão dispostas a reduzir as suas
emissões, que causaram 1,7 milhões de
tons de CO2. Necessitam de 41 navios
com zero-emissões. Outra grande rota é a
que transporta os contentores da Asia para
a Europa. Em 2019, 24 milhões de TEU’s
em 365 navios causaram 3% do total de
emissões do planeta. A UE já promulgou
recomendações para reduzir as emissões.
NOVOS COMBUSTÍVEIS,
BONS ESTALEIROS
Alem das inovações citadas que, independentemente do tipo de combustível
apoiam a propulsão, a amonia e o metanol
verde estão a ser testados. Comparado ao
fuel, no TCO poderão custar em 2050 uns
50% mais, se o custo do crude não subir.
E ainda se o custo das energias renovaveis
continuar a cair e chegar aos US$16 por
Mw/h, como é provável.
Vários estudos indicam que Portugal
tem um enorme potencial em usar a ener-
· revistademarinha.com
gia das ondas e das correntes submarinas.
Já usamos e podemos ainda expandir a
fotovoltaica. Assim poderemos reduzir o
custo do Mw/h.
Temos excelente mão-de-obra no setor, bons estaleiros navais que poderiam
ser melhor utilizados, em Viana do Castelo,
Aveiro, Figueira da Foz, Peniche, Almada
e Setúbal. Muitos projetistas e inovadores
lusos emigraram; mas podem regressar.
O financiamento do PRR focado neste
potencial pode criar uns 500 postos de
trabalho altamente qualificados e pelo menos mais uns 8.000 qualificados, diretos e
indiretos.
*
[email protected]
REFERÊNCIAS:
– www.decadeofwindpropulsion.org
– www.vidaeconomica.pt
– https://www.mckinsey.com/business-functions/
sustainability/our-insights/green-corridors-a-lane-for-zero-carbon-shipping?cid=other-eml-alt-mip-mck&hdpid=7827c021-2102-4192-b2cd-2c49be6773d4&hctky=9241545&hl
kid=2fc5c9ff4adf4c4ebbcfbeab62bb37a0
– TRANSPORTES, Aguiar, A. M, Silva, Luís C.,
Soifer, Jack; Lisboa, 2011, capítulo 16
– COMO SAIR DA CRISE, Soifer, Jack; Lisboa,
2010, capítulo 15
61
85.O Ano
O Armador JOSÉ ROQUE
por Luiz A. Roque Martins*
o dia 7 de setembro de 2021, dia
da cidade, a Câmara Municipal de
Faro, num ato de inteira justiça, atribuiu o nome de José Roque Junior, grande
empreendedor e armador farense, à artéria
que envolve a muralha medieval, desde as
Portas do Mar até ao Largo de S. Francisco, área onde José Roque desenvolveu
intensa atividade na primeira metade do
Séc. XX.
José dos Santos Roque Júnior, mais
conhecido por José Roque, era o mais velho de dez irmãos, nasceu em Faro a 12 de
dezembro de 1887, na antiga Rua da Barreira, Freguesia de S. Pedro, filho de José
dos Santos Roque e de Maria do Carmo
Roque.
O pai era marítimo e possuía barcas, pequenas embarcações de cabotagem, com
velas de bastardo, de dimensões variadas,
em que as de maior deslocamento podiam navegar em segurança até ao norte
de Portugal e para sul até ao Estreito de
Gibraltar. Efetuavam transporte de mercadorias variadas.
José Roque foi Mestre nestas embarcações ainda jovem, dadas as suas características de liderança e forte personalidade,
aliadas à sua qualidade de primogénito,
sendo assim o braço direito de seu pai.
Foi impulsionado pelo seu espírito empreendedor que a família veio a beneficiar
economicamente com a execução do projeto da construção da Barra de Faro-Olhão
em que as barcas transportavam para a
barra os blocos previamente marcados
para posicionamento definitivo. Este projeto de grande dimensão ficou concluído
em 1919.
De todas as barcas, ficou na memória
a CHALONA, por ser muito robusta e rápida. Depois de uma longa vida acabou
por se afundar quando se encontrava
fundeada em frente das “Portas do Mar”,
em Faro, debaixo de uma grande tempestade.
Ainda nos anos 20 deslocou-se a Angola para estudar a implantação de uma
companhia de pescarias, no Sul, na zona
de Moçâmedes, projeto de que veio a desistir.
Deslocou-se depois à Holanda para estudar a construção de navios de madeira
motorizados.
O certo é que nos finais dos anos 30 do
século passado se abalançou a meter na
carreira do Largo de S. Francisco uma barca robusta, onde introduziu significativas
Entretanto José Roque tinha-se lançado
num projeto de grande envergadura entre
os anos de 1940 e 1945 em plena II Grande Guerra Mundial (II GGM). Construiu na
carreira instalada no Largo de S. Francisco entre o Cais Neves Pires e o Apeadeiro
cinco navios com motor, nomeadamente:
– 1941 – VALE FORMOSO SEGUNDO
(iate c/motor) – 102 ton.
– 1942 – VALE FORMOSO PRIMEIRO
(fragata c/motor) – 67 ton.
– 1942 – AMBAR (fragata c/motor) - 68 ton.
– 1944 – OMAR (iate c/motor) - 82 ton.
– 1944 – JORQUE (iate c/motor) - 82 ton.
N
62
alterações, para aumentar o deslocamento
e ao mesmo tempo proceder à sua motorização. Nascia assim o seu primeiro navio
com motor a que deu o nome de VALE
FORMOSO PRIMEIRO. Este navio atuou
com base em Faro e batia uma área entre
o Mediterrâneo e a Biscaia. Acabou por se
afundar ao largo do Cabo Villano (Espanha), debaixo de uma enorme tempestade
em novembro de 1941.
revistademarinha.com
Para dirigir estas construções José Roque contratou o Mestre construtor naval
José Miguel Amaro que deu às construções um traço muito pessoal. Estas, além
de belíssimos navios para o mar, eram
muito bonitos, com um painel de popa
elíptico de grande dimensão onde estava
desenhado o nome do navio e o porto de
armamento.
Durante praticamente o período da II
GGM, mais de metade da área do Largo
de S. Francisco constituiu um verdadeiro
estaleiro, esteve ocupada por madeiras a
serem preparadas e transportadas para a
carreira. Todas as madeiras foram previamente escolhidas por José Roque e pelo
Mestre José Miguel Amaro que para tal se
deslocavam às matas de Alcácer do Sal,
onde as escolhas recaiam essencialmente
no pinheiro-bravo, no pinheiro manso e no
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Cultura Marítima
sobreiro merecendo este uma atenção especial pois era ao sobreiro que se iam buscar as peças mais difíceis como as rodas de
proa e os cadastes. Na área do estaleiro era
intenso o cheiro a madeira cortada.
O pessoal empregado na construção,
carpinteiros de machado, carpinteiros de
branco, calafates e outros profissionais, foram recrutados em Faro, mas também em
Portimão e em Vila Real de Santo António,
locais onde a indústria da construção naval
estava implantada.
Acontecimentos verdadeiramente únicos eram as cerimónias do lançamento
dos navios ao mar. Naqueles dias, o povo
acorria em grande número para observar
tudo de perto. E assim na hora do lançamento o talude da linha férrea (Linha do
Algarve) e o troço que fazia a ligação ao
cais Neves Pires encontravam-se completamente apinhados de gente. Após a bênção do navio e do embate da garrafa de
espumante no costado, lançada pela personalidade que apadrinhava o ato, o navio
começava a deslizar na carreira e a entrar
lentamente nas águas da Ria Formosa.
Os padrinhos foram sempre figuras muito conhecidas na cidade. Um dos últimos
navios de José Roque a ser lançado ao
mar foi apadrinhado pelo Almirante Ramalho Ortigão, antigo Capitão do Porto de
Faro e figura de muito prestígio da Marinha
Portuguesa.
Em 1945, quando acabou a Guerra estava em construção o maior navio do conjunto, o sexto, o MAJORINA de 600 tons,
mas com o armistício, assinado em setembro, os juros subiram enormemente e José Roque não conseguiu concluir o navio,
tendo o mesmo sido entregue na fase em
que se encontrava ao Banco que financiava a construção.
Os navios operavam e movimentavam
mercadorias entre os portos do Mediterrâneo, Norte de África, Portugal, Norte da
Península e Biscaia.
À época os fretes eram muitas vezes
negociados no Café Aliança, na área dos
negócios, ala que dava para a rua Dom
Francisco Gomes, que era um verdadeiro centro comercial onde José Roque era
muito conhecido e estimado.
Com uma frota muito significativa, José Roque ligou-se depois a novos sócios
e constituiu a Sociedade Mar Trans – Sul,
Lda, que acabou por não ter o sucesso
que ele imaginava, voltando depois a atuar
sozinho numa sociedade com os filhos.
Homem de grande dinamismo, de personalidade muito forte, empreendedor,
aplicou sempre todos os seus proventos
no Mar.
José Roque teve oito filhos e interessou-se muito pela instrução que lhes dava. No
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
fim de cada época escolar proporcionava,
sempre que possível, uma viagem num
dos seus barcos até ao Cabo de S. Vicente, onde embarcavam os filhos e os seus
colegas mais amigos. A grande recordação do passeio era, quando o estado do
mar permitia, passar entre o Cabo de S.
Vicente e o Gigante, um rochedo que lhe
fica muito próximo.
O seu caracter, a sua honestidade e a
sua coragem foram sempre recordados em
família e hoje passadas várias gerações,
muitos apelidos foram acrescentados mas
a marca que ficou é a dos “ROQUES”.
Em 1949, a 9 de dezembro, a poucos
dias de fazer 62 anos, embarcou no seu
navio AMBAR para levar uma carga de
cortiça a um navio espanhol que se encontrava fora da Barra Faro-Olhão. Ao
corrigir uma manobra de lançamento de
um cabo no momento da atracação, o
pé de suporte falhou e o seu corpo caiu
· revistademarinha.com
entre os dois navios. Retirado do mar já
sem sentidos e levado de urgência para
Faro, ali veio a falecer no Hospital da Misericórdia.
O seu falecimento foi muito sentido não
só na sua Família como na cidade de Faro
e em todo o Algarve, onde durante bastante tempo foi o principal impulsionador da
indústria de construção naval ali existente
e do comércio marítimo.
No seu funeral tomaram parte muitas
centenas de pessoas de todas as categorias sociais.
* Contra-Almirante, ref
Vice-Presidente da Academia de Marinha
(Neto mais velho de José Roque).
OBSERVAÇÃO:
A fragata com motor construída em 1942 tomou o nome do navio VALE FORMOSO PRIMEIRO, afundado em novembro de 1941 ao
largo do Cabo Villano.
63
85.O Ano
O Nosso Navio
por M. M. Sarmento Rodrigues*
nosso navio é, para nós, o melhor
de todos. Nenhum, como ele, mais
airoso e leal pode sulcar os mares.
Se nos dizem que os mesmos planos serviram para muitos, mesmo assim não podemos acreditar que outros iguais foram
feitos. Sabemos bem que se não pode dar
uma só vida a dois seres, insuflar o mesmo
espírito a dois corpos. E um navio, sente-se perfeitamente, é um ser vivo, que nasce com o destino marcado, qualidades e
defeitos que o distinguem, lhe dão caracter
e simpatia, nos entram pelos olhos e nos
penetram e absorvem e nos fazem amá-lo
sobre tudo o mais.
O
Neste “nosso LIMA” – como ainda lhe
chamam com carinho e saudade todos os
que tiveram a ventura de saber nele servir
– ninguém lamenta a aspereza da sorte.
Embalados na bonança ou fustigados por
temporais, só motivos de orgulho temos,
afinal, recebido e, dia a dia, a nossa confiança se vai enraizando, a mais e mais.
Anda com ele o mau tempo …
É verdade. Mas os nevoeiros e as procelas, vendavais e aguaceiros, outro resultado não deram do que aumentar a fama da
sua tão notável existência. Companheiros,
duros companheiros que apenas o exaltam
e nunca o abateram!
Encalhes, colisões, avarias grossas, balanços desmedidos, todo um sudário de revezes, tem servido apenas para claramente
se ver como este valoroso e martirizado
navio nos prende e afeiçoa.
Todos sabemos o que é um bom navio,
um navio de sorte. Não é certo que foi ele,
na nossa Marinha, quem mais náufragos
salvou? Há 228 vidas que também nunca
o poderão esquecer, a esse LIMA que os
foi tirar da negrura da noite do mar sem fim.
Ninguém sai o portaló de vez, sem levar
mágoa que não esquecerá breve. Tenho-os visto a descê-lo com as lagrimas em fio;
e vejo-os às vezes ao longe, debruçados
NOTA DO DIRETOR
Como os nossos leitores talvez se recordem, publicamos na RM 1013 (jan-fev 2020) o interessante artigo “O nosso
navio”, assinado por Jorge Bettencourt,
Oficial da Armada na reforma. Fui na altura
contactado por um camarada mais antigo,
pelo V/Alm. Cavaleiro de Ferreira, nosso
estimado assinante, que me referiu existir
já um texto com o mesmo título, da autoria
do Almirante Sarmento Rodrigues. Depois
desta chamada de atenção recordei-me
de ter visto aquele texto,, há umas largas
dezenas de anos, mais de uma vez, emoldurado e pendurado na parede; foi-me dito que também era frequente encontrá-lo
a bordo, a decorar anteparas nas camaras
de Oficiais ou na camarinha do Coman64
dante. Com o apoio do Cte. Adelino Rodrigues da Costa, camarada e amigo a quem
muito agradeço, localizei o texto em apreço, o primeiro capítulo do livro “Rio Lima, o
seu navio e os seus heróis”, uma edição do
N.R.P. LIMA, de 1944.
A semelhança nos títulos é uma mera
coincidência; o texto do Engº Jorge Bettencourt refere-se ao N.E. SAGRES, desde
1962 o “nosso navio” para as sucessivas
gerações de alunos da Escola Naval, enquanto o texto do então CTEN Manuel
Maria Sarmento Rodrigues se refere ao
contratorpedeiro LIMA, que comandou
com muito sucesso num período que
coincidiu com a II Grande Guerra Mundial.
Ficaram para a história os salvamentos
revistademarinha.com
de náufragos de navios torpedeados nos
mares dos Açores e um balanço de 67º,
com o LIMA navegando com mau tempo
de regresso a Ponta Delgada.
O texto de Sarmento Rodrigues, muito
bem escrito, é intemporal e toca o coração
de qualquer marinheiro, designadamente
daqueles que … usam botão de âncora,
aos que como nós andam nos seus queridos navios.
Após um contacto com a família de Sarmento Rodrigues, a quem muito agradecemos, não resistimos a publicar este texto
na vossa revista, para benefício dos nossos leitores mais jovens, que porventura
não o conheçam.
Alexandre da Fonseca
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Cultura Marítima
em outras balaustradas,
olhando, enlevados, o seu
velho navio que o destino
lhes fez abandonar.
Do Ultramar distante,
das casas remotas dos
quatro cantos da nossa
terra, muitos se lembram
do que foi o seu navio,
escrevem e evocam-no.
Parece-lhes, às vezes, que tudo deixariam
para lhes pertencer de novo.
E assim tem de ser. Cada um de nós
não pode em parte alguma cumprir melhor
o seu dever, servir com mais honra o seu
país. Aqueles que em momentos trágicos,
difíceis, tem sabido mostrar o que valem
como homens do mar, não podem deixar
de estar fundamente agradecidos a um navio que lhes deu tamanhas oportunidades.
Dos mais humildes postos de serviço às
mais categorizadas situações, dos fundos
porões às trepidantes máquinas e às encharcadas pontes, quem não se descobriu
a si próprio em momentos de perigo, quem
não cessou para sempre de duvidar de si?
Estes homens por força que hão de
querer a um navio em que se honraram.
Os outros, se os houvesse, não seriam, em
verdade, marinheiros, nem dignos de ser
do LIMA.
Mas o nosso navio não cuida apenas de
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
si. Olha sempre para os
outros, admira-os e estima-os. Sente-se orgulhoso dos seus feitos e triste
com as suas mágoas.
Todos eles são a Marinha,
na qual não passamos de
um átomo, obscuro e humilde, da sua grandeza
inatingível.
Nós somos, na verdade, os da Marinha.
Aqueles que tem o privilégio de passar
noites infernais sob tormentas, sem um
queixume e, sobretudo, sem que ninguém
pense que pode ser pago em moedas tão
imaterial sacrifício.
Aqueles que dia a dia
aprendem a lealmente lutar com mares e ventos;
que podem, em toda a sua
magnitude, sentir a dureza
e fragilidade da vida; que
preferem ao conforto o
risco, a miséria ao luxo, a
honra ao dinheiro.
Nada nos devem os senhores da terra. Gozamos
destes estranhos prazeres
que a eles são vedados,
agradecidos à nossa boa
estrela que nos fez marinheiros.
· revistademarinha.com
Por certo, quem trocaria tais postos de
honra, sobre as pontes desmanteladas,
por um vil e apodrecido bem-estar? Sentimos que só nós poderíamos ocupá-los,
porque nós é que somos marinheiros. E
estamos pagos.
Isto é assim nos navios da Armada.
Por isso a todos saudamos fraternalmente. Àqueles que como nós usam botão
de âncora, aos que como nós andam nos
seus queridos navios.
E particularmente nos lembramos, com
saudade e admiração, dos que outrora tripularam este navio, enchendo-se de lustre,
cobrindo-o de renome. Antigos e ilustres
Comandantes que tão bem o conduziram
em escabrosas, delicadas
e importantes missões;
briosos oficiais, estrénuos
e dedicados sargentos,
galhardos marinheiros. Por
novos e velhos, antigos e
modernos, Comandantes
e grumetes, por todos nós
corre o mesmo afeto a um
corpo de aço e alma de fogo, a um ser vivo e vibrante que se chama LIMA, “o
nosso navio”!
* Cap-Ten
Comandante do N.R.P. LIMA
65
85.O Ano
Meio Continente como Herança
… uma obra de séculos, a melhor obra
de que reza a nossa história
por Artur Manuel Pires*
oaquim Pedro Oliveira Martins, refere-se desta maneira ao trabalho de Portugal no Brasil, a páginas tantas do
seu “O Brasil e as Colónias Portuguesas”,
publicado a primeira vez em 1880, e merecida e sucessivamente reeditado até à
atualidade.
Creio que o grande historiador tem inteira razão no seu juízo, e o Brasil, a sua
construção deliberada, é um dos elementos fundadores da nossa nacionalidade, a
par dos outros que foram a própria fundação em 1143, a opção marítima em 1336
com a expedição às Canárias, ou 1415
com a conquista de Ceuta, a recuperação
da independência em 1640, e a desmobilização ultramarina e a opção europeia em
1974. Sobretudo todo o Império Ultramarino, foi pensado e gerido em função do
Brasil; para servir o Brasil.
Se chegámos previamente à Índia, e
conseguimos erguer um império no Oriente, na articulação do Índico com o Pacífico,
a nossa soberania aqui, em territórios que
nos cabiam como as Molucas e as Filipinas, pela divisão do mundo oriunda de
Tordesilhas, foi trocada por territórios na
América do Sul, que por aquela mesma
divisão cabiam a Espanha, empurrando a
raia do Brasil cerca de dois terços para lá
daquilo que primitivamente nos foi atribuído.
E se também chegámos antes à foz do
Congo, e nos estabelecemos ao longo da
África Ocidental e Oriental, foi para obter
meios para construir o Brasil, numa altura em que daqui não vinha nem ouro nem
prata, e mesmo que estes meios fossem
constituídos em parte por contingentes
de escravos africanos, transladados à força para a América, num empreendimento
ignóbil e sórdido, mas que infelizmente foi
praticado por todas as nações, sobretudo
as maiores, como foi Portugal.
O país empenhou na construção do
Brasil, as suas grandes casas, onde foi
buscar as classes dirigentes que fez residir
no território, em permanente expansão e
remodelação de processos administrativos, numa procura do melhor formato político de governação.
Assim, depois da ocupação sistemática, começada em 1525, por ordem de
J
66
Oliveira Martins retratado por Columbano (óleo sobre tela, 1891).
D. João III, que sucedeu à surpresa da
descoberta e ao maravilhamento com o
novo território, o tempo dos capitães e
marinheiros que começam cada vez mais
frequentemente a escalar o litoral, segue-se o sistema, já utilizado em Cabo Verde,
Açores e Madeira, de entregar o Brasil à
iniciativa privada – mas tutelada – com a
sua divisão em doze capitanias, num processo feudal e federativo, que se vai estender, teoricamente de 1530 a 1535, mas
que fortemente desvirtuado ainda regista
vestígios no século XVIII.
Perante o relativo insucesso do modelo, em 1549 Lisboa decide regressar ao
modelo estatal, imperial, e centralizador,
e nesse mesmo ano chega à Bahia, Torevistademarinha.com
mé de Sousa, primeiro Governador Geral.
Mais tarde, esta figura ia evoluir para a de
Vice-Rei, desempenhada pela última vez
pelo Conde dos Arcos em 1808.
Eternamente a contas com o déficit de
população para ocupar e gerir os territórios que os descobrimentos incorporaram,
em certos momentos quase a rodos, ao
património português, nem mesmo assim
utilizámos o Brasil como local de degredo
para tentar solucionar os problemas judiciais da Metrópole, como veio a acontecer
com os nossos territórios africanos, ou
como Espanha fez na própria América do
Sul. A grande percentagem de condenados à reclusão no Brasil, foi constituída por
perseguidos por motivos religiosos, vítimas
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
História Marítima
sobretudo da Inquisição.
representação da Ilha BraEm 1822, quando o
sil, ou seja, um território
Brasil adquire a sua innosso, quase autónomo
dependência, adquire sido restante continente,
multaneamente cerca de
contido em fronteiras harmetade dos quase 18 mimoniosas como fossem
lhões de quilómetros quao Atlântico a oriente, e o
drados da América do Sul,
sistema hidrográfico dos
deixados por Portugal.
rios Amazonas e da Prata
E se é verdade que do
a ocidente, cujas bacias
O académico brasileiro
José Cândido de Carvalho.
atual território brasileiro faz
quase se tocavam – numa
agora parte o imenso terrirepresentação cartográfitório do Acre, incorporado pelo Barão do
ca da altura, e provável e deliberadamente
Rio Branco em 1903, também é verdade
errada para servir os nossos interesses que por alturas do grito do Ipiranga, faziam
e que igualmente serviam para desenhar
parte do território a Colónia de Sacramenrespetivamente os limites Norte e Sul.
to, sensivelmente o atual Uruguai, e as
Quando os portugueses foram a MaGuianas, com uma extensão e configuradrid, em 1750, negociar as fronteiras da
ção maiores do que as atuais.
divisão da América do Sul entre os dois
E não é apenas a imensidão da área
países ibéricos, sabiam que no terreno
herdada que lhe dá um protagonismo reas coisas não eram exatamente assim, o
levante no cenário político local, porque a
que contudo os espanhóis desconheciam
outra metade do continente é dividida por
doze países, os dez vizinhos fronteiriços do
Brasil, mais o Equador e o Chile. E uma
vizinhança fronteiriça abundante sequer é
típica dos países-continente. O maior país
do globo, o Canadá, tem apenas por vizinho os Estados Unidos da América, e
este (outro gigante) têm apenas fronteira
terrestre com dois vizinhos; aquele mesmo
Canadá, e o México.
A massa continental, herdada pelo Brasil foi paulatina, mas arduamente construída por Portugal, com recurso à iniciativa
privada, com os bandeirantes, à eclesiástica, com os jesuítas, e estatal, com a diplomacia, esta apoiada no conhecimento
pormenorizada que fomos adquirindo da
geometria do território, nomeadamente
no que tocava à sua integração e complementaridade com o restante continente
sul-americano, fruto de expedições exploratórias registadas em magníficas cartas
geográficas. Com esta panóplia conseguimos explorar com proveito a conceção e
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
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quase de todo, e conseguimos ficar com o
que tínhamos na altura, não apenas porque efetivamente havia vida portuguesa
naquelas paragens, mas sobretudo graças
à utilização brilhante que o nosso principal
negociador do tratado então acordado,
Alexandre de Gusmão, fez da figura jurídica do uti possidetis ita possideatur – em
vernáculo, qualquer coisa próxima de como possuis assim possuas - e ganhar para
o Brasil a posse exclusiva do Amazonas,
o maior rio do planeta, enquanto Espanha
ficava com o Prata, rio que serve um conjunto de territórios, a que o Brasil também
acede através do complexo do Paraná.
Portugal só tem razões para se orgulhar
do seu trabalho no Brasil, e depois deixado
de herança a este maravilhoso país.
E se alguma coisa correu menos satisfatoriamente, isso ficou a dever-se à ausência de meios para acorrer a tão vasto
Império, num trabalho simultâneo e insano
de descobrir, conquistar, conservar, e se
possível dilatar, de onde adveio uma forma
cultural de administrar, magistralmente interpretado por José Cândido de Carvalho,
o dos Campos dos Goytacazes, no seu
discurso de posse na Academia Brasileira
de Letras: …quem lidou com sereias e foi
personagem de Camões, não podia mais
apascentar ovelhas.
O resultado final, foi e é o Brasil, reconhecido por portugueses e brasileiros, e
enaltecido por figuras ilustres, como é caso de Eduardo Prado, amigo muito chegado de Eça de Queiroz – outro apaixonado
pelo Brasil - dos derradeiros tempos de
vida dos dois, em Paris, e citado por José
Lins do Rego, em “Dias Idos e Vividos” …
de todas as transformações da raça e da
civilização europeia, debaixo do céu dos
trópicos, a que Portugal fez do Brasil é a
que tem tido mais completo, largo e perdurável sucesso.
*
[email protected]
67
85.O Ano
Uma Obra Notável
por José António Cervaens Rodrigues*
m 1511, Afonso de Albuquerque
consolidava a presença em Goa e
partia para Malaca, que caiu nas
suas mãos, após violentos e prolongados combates, que tiveram lugar no rio,
na praia e na cidade. O sultão Mahamaud
Syah, com o apoio do Bendara e da comunidade muçulmana defendeu-se com toda
a energia, consciente do que significava
a perda daquele ponto estratégico de tão
vital importância económica e política. Mas
a vitória sorriu aos portugueses, que assim
entraram num mundo novo, de que conheciam pouco mais do que mitos e lendas, e
vagas informações. O estreito de Malaca
era a porta de comunicação entre duas
metades de um sistema mercantil que ia da
costa Ocidental africana ao Japão …
Com estas palavras, Jorge Semedo de
Matos, Oficial de Marinha com mais de 40
anos de serviço, Doutor em História dos
Descobrimentos e da Expansão, membro
emérito da Academia de Marinha e reputado investigador, inicia a sua obra “Roteiros
e rotas portuguesas no Oriente, nos séculos XVI e XVII”, editada pelo Centro Científico e Cultural de Macau e pela Fundação
Jorge Álvares. Lendo a introdução o leitor
imediatamente se apercebe do fascínio que
o Extremo Oriente exerceu sobre o autor,
estimulando-o ao estudo das viagens que
os nossos navegadores empreenderam,
infiltrando-se em rotas já existentes que
passaram a usar em seu proveito e por
iniciativa própria. Só a rota das Molucas,
a das “especiarias ricas” foi controlada pelo poder político nacional. Contrariamente
ao que sucedeu no Atlântico e ´no Índico
Ocidental, de que abundam roteiros compilados nos Livros de Marinharia, o Extremo
Oriente esteve quase ausente das coleções
de documentação náutica. Semedo de Matos procedeu a uma busca desses roteiros,
muito escassos e incompletos na maior parte do século XVI, mais numerosos no século
XVII. Refere como o mais expressivo no primeiro grupo a compilação, datada de 1595,
de Huygen van Linschoten, o holandês que
transportou para o seu país documentação
preciosa que tinha recolhido na Índia, rapidamente traduzida para francês, inglês e
outras línguas, e que foi apoio inestimável á
expansão holandesa subsequente.
No segundo grupo, relativo ao século
XVII, a principal fonte é o Livro de Marinharia
de Gaspar Moreira, mas os códices Cadaval
e Castelo Melhor, conservados em bibliotecas privadas, foram os contributos inéditos
E
68
mais importantes para a obra em análise,
a que junta textos do Livro de Marinharia
de André Pires e do Livro de Marinharia da
Academia Real de la Historia de Madrid.
A estrutura da obra, que contém numerosas e esclarecedoras ilustrações,
desenvolve-se num primeiro capítulo onde
Semedo de Matos define o espaço geográfico e social das viagens marítimas no
Extremo Oriente, e em três capítulos correspondentes a áreas geográficas distintas:
“Os Mares do Arquipélago”, “O Mar da China” e “Entre China e Japão”. Segue-se uma
breve conclusão, um glossário, as fontes
consultadas, uma extensa bibliografia e um
apêndice documental constituído por uma
criteriosa seleção de transcrições de roteiros inéditos. Neste apêndice encontram-se
extratos do Livro de Marinharia de André
Pires, pertença da Bibliothèque Nationale
de França, do Livro de Marinharia da Academia de la Historia de Madrid, contendo
documentos a que Semedo de Matos atribui datações anteriores à presença dos
Portugueses em Macau, um códice pertencente á Casa Cadaval e outro propriedade
da família Vasconcellos e Sousa, conhecido
como Códice de Castelo Melhor.
No Capítulo I começa por definir os limites da área que vai tratar e analisa a posição
estratégica de Malaca, referindo que as expedições do almirante Zheng He, nas suas
viagens para o Índico Ocidental, escalaram
este porto nos primeiros anos do século XV,
revistademarinha.com
muito antes da chegada dos europeus. Um
século mais tarde o sultanato de Malaca seria tributário direto do Império Chinês que
reconheceu a sua importância estratégica
no controlo do fluxo das mercadorias que
passavam para o Ocidente. Descreve as
diversas comunidades existentes em Malaca antes da conquista por Afonso de Albuquerque, onde a chinesa assumia papel
predominante. Termina com uma longa e
pormenorizada explicação dos aspetos meteorológicos da zona: o regime das monções, os temíveis tufões e a forma como
condicionaram a navegação portuguesa.
No Capítulo II leva-nos aos mares do
Arquipélago Indonésio referindo que se
anteriormente se limitara ao estudo das rotas que ligavam Malaca às Molucas, agora alargava-o a outras rotas, em especial
quando o centro de interesse dos portugueses no oriente se deslocou de Malaca
para Macau. Refere como Diogo Lopes de
Sequeira estabeleceu os primeiros contactos com Malaca em 1509 e como Albuquerque, após ter resolvido o problema de Goa,
a conquistou a 8 ou 9 de agosto de 1511
datas que determinou baseado nas marés que permitiram o desencalhe do junco
que sob o comando de António de Abreu
transportava as forças destinadas a tomar
a ponte que ligava as duas partes da cidade. Corrige assim as datas indicadas por
outros cronistas e confirma a de João de
Barros. Estabilizada Malaca, à maneira do
que fizera em Goa, Albuquerque organiza
viagens de diplomacia e comércio com os
reinos vizinhos, enviando no final desse ano
António de Abreu às ilhas de Banda, as das
especiarias, cravo, macis e noz-moscada
… abrindo o caminho para as Molucas, a
rota do sul. Uma alternativa, mais curta,
pelo norte de Bornéu, seria usada mais
tarde. Descreve estas duas rotas nos subcapítulos seguintes. Caracteriza ainda os
estreitos de Sabão (Sabang), de Berhala,
Sunda e Singapura, bem como as ilhas de
Bangka, Java e Madura. Semedo de Matos compara as descrições das rotas que
constam do Livro de Marinharia de João de
Lisboa com as do Códice de Cadaval, que
foi estudado por Abel Fontoura da Costa
e por ele publicado parcialmente. Refere
ainda Linschoten, na sua versão em francês, designada por Grand Routier de Mer,
notando algumas divergências. Descreve
os ventos predominantes no arquipélago
indonésio nas diferentes épocas do ano,
as correntes e as recomendações para
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
História Marítima
evitar os inúmeros baixios. Refere a rota
para Maluco, via Ternate, onde António de
Brito foi informado em 1522 da existência
da via pelo norte de Bornéu, mais curta e
livre das monções, passando pelo estreito
de Singapura. Diz Semedo de Matos que
a descrição mais precisa e detalhada desta
rota se deve a Linschoten, que recomenda o uso do prumo, e alerta para as fortes
correntes. E acrescenta … o conhecimento
dos fundos é uma constante de todos os
roteiros, ao ponto de ficar a sensação de
que a consciência de qualquer piloto que
seguia uma rota, guardava dos sucessivos
fundos uma memória tão viva e detalhada
como dos objetos que estão à vista. Considera que as duas rotas de Malaca às Molucas foram as mais importantes para os
portugueses que detiveram o monopólio
do comércio das especiarias, que de Malaca eram reexportadas para a Índia e para
outros mercados. Para as Molucas há diversos roteiros, mas o mesmo não sucede
com a rota de regresso que apenas consta
do Livro de Marinharia de André Pires, pouco preciso e incompleto. Outra rota muito
lucrativa para os comerciantes privados era
a da pimenta, produzida em Samatra ou em
Java, conseguindo grandes êxitos ao entrarem nas redes locais que forneciam portos
chineses. Passaram a realizar-se duas viagens de Sunda que eram dadas aos Capi-
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
tães de Malaca e ao de China e Japão. Este
comércio durou até 1567 quando a China
se abriu ao comércio externo e passou
a comprar pimenta na origem. De novo é
Linschoten quem apresenta o roteiro mais
completo. Por fim trata de Solor, Timor e
Macáçar, referidos por Tomé Pires e Duarte
Barbosa. Em Timor era adquirido o sândalo
que seguia para Solor onde esperava condições propícias para seguir para Malaca.
Quanto a Macáçar, um sultanato hostil aos
holandeses, constituiu um substituto a Malaca depois da sua queda sendo um ponto
intermediário para o comércio da prata com
a China, mantendo uma relação com Espanha. Este facto ficou a dever-se à figura
pouco conhecida de Francisco Vieira de Figueiredo, estabelecido primeiro em Manila e
em 1642 em Macáçar onde durante largos
anos logrou influência sobre o sultão até ser
expulso.
O Capítulo III trata das rotas de e para a
China baseadas de início nas usadas de há
muito pelos comerciantes locais, malaios,
chineses e outros. Foi em Malaca que os
portugueses tiveram os primeiros contactos com chineses e foi em embarcações
de malaios que navegantes como Jorge
Álvares chegaram à China em 1513, seguido por Rafael Perestrelo dois anos depois.
Só em 1517 chegaram os primeiros navios
portugueses à foz do rio das Pérolas ou de
· revistademarinha.com
Cantão. Já as atuações das armadas de Simão Peres de Andrade, em 1521 e Martim
Afonso de Melo, em 1523, resultaram na
expulsão dos portugueses do rio de Cantão. Neste período o Celeste Império, ou
Império do Meio, considerava-se o centro
do mundo sendo todos os estrangeiros bárbaros em maior ou menor grau.
Nestas circunstâncias, conclui Semedo
de Matos, o padrão da expansão no Extremo Oriente tinha de ser muito diferente do
Atlântico ou do Índico … as rotas tinham
de ser desenhadas em função do imenso
mercado chinês. Segundo Armando Cortesão a referência mais antiga a uma rota do
Extremo Oriente, em língua portuguesa, é
a de Malaca para a China, da autoria de
Francisco Rodrigues. Contudo Semedo de
Matos não a considera um roteiro na medida em que se limita a indicar distâncias e
alguns rumos. É provável que tenham existido outros mais precisos, segundo consta
da carta dirigida em 1540 a D. João III por
Brás Baião. Um destes roteiros consta do
manuscrito do Livro de Marinharia de André Pires, estudado e publicado por Luís
Albuquerque, que assinala o destino final
como não sendo Macau, mas as ilhas da
foz do rio das Pérolas. Este mesmo roteiro
também consta do Livro de Marinharia e
Manuscrito de Praga, publicado em 2009,
num estudo coordenado por Teodoro de
69
85.O Ano
Matos. Refere ainda a enigmática figura de
João Preto, que consta de um roteiro do
Códice Castelo Melhor, “Navegação que
farás da Pedra Branca para Pulo Timão
e para a China” feito por João Preto com
muitas anotações por o roteiro ser muito
antigo. Semedo de Matos considera este
roteiro fundamental para o conhecimento das rotas do mar da China e, baseado
nas datas de 1544 e 1558 que constam do
documento, deduz ser este o período em
que esse João Preto terá estado ativo, tendo dado o nome a ilhas ao largo da costa
do Vietname. Mais tarde também Francisco
Pires foi um piloto ativo nos anos 40 a 60
do século XVII contendo recomendações
sobre a natureza e profundidade dos fundos ao largo da Tailândia. São assinaladas
as principais diferenças entre os diversos
roteiros. Das três rotas de aproximação à
costa do Vietnam, uma vai para o Cabo
da Varella, na costa de Champá (no atual
Laos), e daqui para Shangchuang. Esta
ilha não é referida no Livro de
Marinharia de André Pires, anterior a 1550, o que Semedo de
Matos explica pelo facto de os
portugueses da época frequentarem Liampó (atual Ningbó) e
Chinchéu (atual Quanzhou) na
província de Fujian, mais do
que Macau ou as ilhas do rio
de Cantão. Sanchuan era a referência principal na aproximação a Macau, e antes de 1557,
local de espera de autorização
para entrar na China. Foi ali que
S. Francisco Xavier morreu em
1552. É curiosa a referência ao
roteiro do século XVIII, do cosmógrafo Manuel Pimentel, que
aconselha a comprar a preço
módico (12 a 15 patacas) informação a uma das numerosas embarcações que se encontram no delta do rio
sobre o caminho a tomar. Revestem-se de
particular interesse as rotas para entrada e
saída de Macau, dada a centralidade que
este território assumiu depois da queda
de Malaca. São apresentadas várias alternativas, mas, segundo Manuel Pimentel,
a rota por fora das ilhas costeiras passou
a ser preferida … abordando Macau pelo
lado das ilhas de Taipa e Coloane. Linschoten e outros como Francisco Pires fazem
a aproximação final entre as ilhas D.João
(ou Macarira) e Lapa, entrando diretamente no porto interior. Alertam todos para as
correntes e revessas só conhecidas dos
práticos. Seguem-se as rotas de saída de
Macau para Malaca em que os roteiros
mais antigos aconselham a saída entre a
Macarira e a Lapa. Gaspar Moreira aconselha o percurso por fora até Sanchuan. O
70
perigo está nos baixos de Parcel devido às
correntes de sueste, ao longo das costas
da Cochinchina. Por fim trata das rotas para o Sião, Tonkin e Cochinchina, e Macau
– Manila. Esta, de grande importância para
o comércio da prata, foi praticada por navios portugueses antes e durante o reinado
de Filipe II. Depois da Restauração e com o
encerramento dos portos do Japão, o comércio da prata passou a ser praticado por
portos intermediários da Indochina, Tonkin
e Camboja onde comerciantes japoneses
a iam procurar. Champá tem dois portos,
Pandeirão e Camorem, tratados por Linschoten, mas descritos com mais pormenor
nos Códices Cadaval e Castelo Melhor.
O Capítulo IV é dedicado às rotas entre
a China e o Japão. Foi apenas nos anos 30
do século XVI que grupos financeiros portugueses entraram em força nos mares da
China, beneficiando da rotura entre japoneses e chineses. O comércio da pimenta de
Samatra ou Banda para o mercado chinês
em troca de sedas e porcelanas que eram
exportados para o Ocidente, alarga-se para norte da foz do rio de Cantão, ao longo
da costa de Fujian. Segundo António Galvão e Diogo do Couto terá sido um destes
juncos que, em 1543, segundo a japonesa
Crónica da Espingarda foi arrastado por um
violento tufão e deu à costa numa ilha do
sul do Japão. Aí trocou as mercadorias que
transportava por prata japonesa iniciando
um comércio que, tendo os portugueses
por intermediários, levou à fundação da cidade de Nagasáqui. Este lucrativo comércio foi assumido como privilégio da Coroa
representada depois de 1557 pelo Capitão
de Macau. Semedo de Matos apresenta as
rotas do rio de Cantão ao Liampó na província de Fujian que constam do Livro de
Marinharia da Real Academia de la Historia de Madrid e também do Grand Routier,
estas com os portugueses já em Macau, e
revistademarinha.com
em Manuel de Figueiredo, de 1609, baseado no anterior. No Livro de Marinharia de
Madrid o roteiro para ir para Chinchéu (atual
(Huangzu) e para Liampó (atual Ningbo) é
seguido pelo de Chinchéu para o Japão o
que o leva a considerar serem da mesma
autoria e datados entre 1540 e 48, e prova
que a comunidade portuguesa de Liampó
cresceu com o início das viagens ao Japão.
Desta via só existe um diário de viagem que
consta do Grand Routier, quando há diversos roteiros partindo da costa de Fujian,
mas há dois roteiros em Gaspar Moreira, e
vários em Castelo Melhor partindo de Chinchéu para diversos locais na ilha de Kyushu.
Na Conclusão, Semedo de Matos insiste
em três pontos: a singularidade do espaço
que estudou; que as rotas não se limitaram
às Molucas, mas á costa chinesa (Chichéu
e Liampó) e ao Japão, cujos roteiros não
passaram pelos circuitos normais da documentação náutica portuguesa, sem perda
de rigor; destaca Linschoten e os Códices
Cadaval e Castelo Melhor como
os roteiros mais esclarecedores.
Além disto refere a importância
das pessoas referindo a angústia dos pilotos que ressalta dos
roteiros, nos alertas e resguardos a dar aos múltiplos perigos.
Conclui citando o caso do piloto
João Preto, figura misteriosa do
século XVI, autor do roteiro Malaca-Macau, que foi adotado e
aperfeiçoado até ao século XVIII,
mas sobre quem pouco ou nada
se sabe. É uma área de investigação em aberto, bem como a
comparação dos roteiros portugueses com roteiros congéneres estrangeiros e o estudo por
equipas interdisciplinares das
personalidades envolvidas.
Sem dúvida há muito trabalho a fazer,
porém muito foi já feito e o contributo que
Semedo de Matos dá para a História da
Náutica com a presente obra, merece ser
enaltecido. O seu valor científico foi aliás
distinguido pela Academia de Marinha
quando em 2017 lhe atribuiu o Prémio “Almirante Sarmento Rodrigues”. Mas para
além dessa valia este imenso e profundo
trabalho revela uma admirável paixão pelo
tema, grande paciência, persistência, e determinação ao juntar peças de um puzzle
gigantesco e a tirar conclusões.
A Revista de Marinha felicita vivamente o Cte. Semedo de Matos recomendando a leitura desta obra aos estudiosos
do tema e a todos quantos se interessam
pela Expansão Portuguesa e pela História
da Náutica.
*
[email protected]
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
85.O Ano
Divagando sobre contentores
por António Balcão Reis*
esde já aviso que esta crónica terá uma estrutura (ou falta dela) fora do habitual. Escrevo motivado
pelo alerta que corríamos o risco de ter
um Natal privados das normais primícias
natalícias, com destaque para a falta de
brinquedos. Uma enorme escassez de
contentores tinha lançado o caos nas cadeias de abastecimento, com enormes
atrasos nas datas de entrega. Atrasos em
cadeia, com os navios esperando vez para
entrar nos portos, para finalmente descarregados os contentores, estes se amontoarem nos parques esperando a vez de
serem recolhidos e distribuídos pelos respetivos destinos. À data a que esta crónica
é publicada e lida, já estaremos com 2022
bem entrado e já saberemos se os nossos filhos e netos tiveram os desejados e
esperados brinquedos de Natal, sem falar
dos “brinquedos” dos adultos, verdadeiros
arsenais tecnológicos, que chegam a ser
antecipações de soluções tecnológicas
nas mais diversas áreas de aplicação. Para
melhor se entender do que estou falando,
recordo um exemplo. Os atuais drones(1),
foram antecedidos por uns delicados brinquedos, uns frágeis helicópteros, de poucos centímetros de dimensão, seguidos de
uns objetos voadores, já uns verdadeiros
drones em miniatura, que fizeram as delícias dos pequenitos e dos menos pequenos.
D
Dormitório para estudantes na Dinamarca
(Copenhaga). Retirado da net Easycargo.
72
PRODUÇÃO DE CONTENTORES
MARÍTIMOS EM PORTUGAL
Será que a pujante indústria metalo-mecânica nacional aproveitou a carência
de contentores marítimos para se lançar
no mercado? O sítio (site) da “FECOMAR,
Reparação de contentores e transportes
Lda”, em Porto Alto, Samora Correia, refere a construção de “contentores marítimos
de aço”, “construídos para a navegação
e testados para o transporte”, mas contatada a firma foram esclarecidas
algumas dúvidas. A FECOMAR
comercializa, repara, transforma e adapta contentores, mas não os produz e
não existe no país nenhum
fabricante de contentores
marítimos. Não é indústria que se improvise. A
produção de contentores
marítimos está concentrada
na China e países vizinhos, com
números que nos esmagam pela sua
dimensão. Mais uma área em que estamos dependentes da China com os inconvenientes que temos vindo a sofrer.
Um pequeno levantamento dos maiores
fabricantes, permite-nos ter uma ideia dos
valores em causa. Encabeça a lista a “China International Marine Container Group”
(CIMC), com sede em Shenzhen com uma
produção anual de 2 milhões de contentores, seguida da “CXIC Group Containers”,
empresa privada com sede em Changzhou
e uma produção anual de 900.000 TEU’s
e a alguma distância “SINGAMAS” e “China Eastern Containers” (CEC), ambas com
sede em Xangai e com as produções respetivas de 210.00 e 150.000 TEU’s. Como
é que se pode lutar com estes monstros?
E quando eles param, como aconteceu
com a COVID 19, o caos assenta arraiais.
Ainda da leitura do sítio da Fecomar,
verificamos que a firma tira partido do seu
saber em contentores e da adaptabilidade deste equipamento às mais diversas
utilizações, para desenvolver todo um
conjunto de produtos e serviços,
certamente com mais procura que contentores para o
transporte marítimo. E enfatiza as suas polivalências
… vulgarmente utilizados
no transporte de mercadorias mas com adaptação
a múltiplas funções como:
Ferramentarias, Armazéns,
Construção civil, Obras, Oficinas, Eventos, Habitação, etc,
oferecendo soluções para as mais
diversas situações, adaptando os modelos normalizados de 20´e 40´, introduzindo
as alterações requeridas caso a caso. Este aproveitamento dos contentores para
os mais diversos usos, para além da sua
função normal de veículo de transporte, é
geral, a ponto de quando procuramos na
net contentores marítimos o que nos aparece em grande quantidade, e dominando
a pesquisa, são as aplicações laterais,
muitas delas extremamente engenhosas e
imaginativas.
Transportes & Logística
OS CINCO MAIORES ARMADORES
DOS NAVIOS PORTA-CONTENTORES
A italo-suiça MSC - Mediterranean Shipping Company, com a sede em Genebra,
que nos habituámos a ver associada às iniciativas da RM, deverá vir a encabeçar, já
em 2022, a lista dos armadores de navios
de contentores, ultrapassando a dinamarquesa Maersk, com sede em Copenhaga,
de há muito na posição de líder. Segundo
a classificação de Alphaliner, na primeira
quinzena de dezembro os dois armadores
estavam “tecnicamente” empatados com
4.250.000 TEU’s (twenty foot equivalent
unit ou EVP, equivalent vingt pieds, na designação francesa menos vulgarizada) mas
a MSC está em condições de ultrapassar a
Maersk, fruto da sua muito superior carteira
de encomendas. A disputa é forte e ambos
os armadores estão em vias de aumentar as
respetivas frotas com a aquisição de mais
navios, apontando a MSC para uma capacidade de 5,2 milhões de TEU’s e a Maersk
para 4,5 milhões. Completando o quinteto
da frente continuam a manter as posições
relativas, sucessivamente, a francesa CMA
CGM, com sede em Marselha, (resultante da
fusão da Compagnie Maritime d’Affrètement
e da Compagnie Générale Maritime), a estatal chinesa Cosco Shipping Lines, com sede
em Pequim, resultante da fusão do Grupo
Cosco e da China Shipping Group) e a Hapag Lloyd “alemã” com sede em Hamburgo.
Vale a pena abrir o sítio da Alphaliner,
diariamente atualizado com os “top 100”, incluindo as respetivas ordens de encomenda
confirmadas
TÍTULOS QUE SÃO CHARADAS;
“APRÈS LES GAFAM, LES 2200”
Na “Mer et Marine” de 7 de dezembro de
2021, Pascal Bredel num texto sobre contentores, em que admite que 2022 seja rico
de novidades, tem um parágrafo que titula
em charada “après les Gafam, les 2200”.
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
Um contentor transformado em piscina . Retirado da net – bing.com/images.
Por respeito para com os rapazes da minha geração, que dominam, tant bien que
mal, o francês, transcrevo na língua original
o referido parágrafo. La période actuelle
tend à mettre les armateurs conteneurs sur
le devant de la scène. Après les Gafam, il
faudra parler des 2200 (MMCCH, Maersk,
MSC, CMA GGM, Cosco, Hapag Lloyd, ce
qui traduit en chifres romains donne 2200)
du conteneur”.
Tentemos traduzir e decifrar. O primeiro
período é de linguagem normal, mas traduzo.
“O período atual tende a colocar os armadores dos (navios porta) contentores em boca
de cena (ou seja, no centro das atenções)”.
E segue-se o período do jogo de acrónimos,
siglas e números cabalísticos, que passo a
traduzir. Comecemos por Gafam, “palavra”
para mim desconhecida. Lemos na internet,
“Gafam é o acrónimo dos gigantes da web,
Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft, que dominam o mercado digital”. Esclarecidos sobre Gafam, continuemos com o
texto. “Depois dos Gafam, teremos que falar
dos 2200 (MMCCH, Maersk, MSC, CMA
GGM, Cosco, Hapag Lloyd, o que traduzido
· revistademarinha.com
em numeração romana dá 2200) do contentor”. Explicando o joguete; 2200 resulta
da leitura de MMCCH, sigla(2) formada pelas
iniciais dos 5 primeiros armadores de navios
porta contentores, como se de datação romana se tratasse. Muito original e pleno de
sentido dirão os amantes das siglas e acrónimos, esses tais símbolos que nos fazem
a vida negra, e são a delícia dos iniciados.|E,
portanto, estejamos atentos, porque …
depois dos Gafam temos os 2200!
E assim me despeço, a todos desejando
um Feliz ano de 2022 (MMXXII).
* C/ Alm. Eng. Const Naval, ref
Membro da Secção de Transportes da SGL
[email protected]
NOTAS:
(1) Drone, palavra inglesa que se traduz por zangão, assumiu um novo significado, designando
todo e qualquer tipo de aeronave não tripulada,
comandada à distância. Terá sido o zumbido
que faz o zangão, a voar, que terá inspirado esta designação.
(2) Será uma sigla e não um acrónimo, já que
não se consegue ler como se de uma palavra
se tratasse, como é exigido aos acrónimos.
73
85.O Ano
Contributo das Auditorias IMO
para a Segurança Marítima
por António Dionísio Varela *
ortugal, como Estado costeiro e de
bandeira, tem interesse na eficiência do transporte marítimo nos seus
portos, onde passam as importações e
exportações, das quais a sua economia
depende. Também tem na proteção do
meio ambiente marinho, face ao impacto
que aquele tem nas zonas costeiras, que
constituem um enorme ativo ambiental e
turístico, e no mar territorial e Zona Económica Exclusiva. Por outro lado, de acordo
com o relatório Review of Maritime Transport 2021, da UNCTAD (United Nations
Conference on Trade and Development),
o número de navios mercantes, sujeitos às
convenções internacionais, registados no
Registo Internacional de Navios da Madeira, aproxima-se de 600, colocando a Bandeira Portuguesa em 14º lugar na lista das
bandeiras de registo de navios, por ordem
de tonelagem (23 M tons), o que implica
diversas responsabilidades para o Estado
português, de acordo com o artigo 94.º da
Convenção das Nações Unidas sobre o
Direito do Mar e demais legislação internacional aplicável.
A Comunidade Internacional tem beneficiado fortemente do processo regulatório
desenvolvido pela Organização Marítima
Internacional (IMO), para o qual os Estados
têm contribuído de forma heterogénea.
Portugal tem obtido imensas vantagens
desse processo uma vez que é um Estado
costeiro muito exposto aos impactos que
o transporte marítimo pode ter nas suas
zonas costeiras, designadamente poluição por hidrocarbonetos, perturbação do
ecossistema pela descarga de águas de
lastro com espécies de outras zonas do
globo, perturbação dos ecossistemas pelo
ruído irradiado pelos navios, poluição atmosférica pelos gases emitidos, encalhes,
etc. Para estas situações
existem já instrumentos da
IMO que visam controlar
os seus efeitos.
No entanto, os benefícios do enquadramento
regulatório prescritivo só
podem ser plenamente
alcançados quando todos os Estados-Membros
cumprirem as suas obrigações, conforme exigido pelos instrumentos nos quais
P
74
são parte. Os Estados-Membros têm a responsabilidade de estabelecer e manter um
sistema adequado e eficaz para cumprir as
suas obrigações como Estado de bandeira,
Estado do porto e Estado costeiro, emanadas do Direito internacional aplicável, podendo a IMO apoiar os Estados-Membros
a melhorar as suas capacidades.
O Regime de Auditoria aos Estados-Membros da IMO (IMO Member State Audit Scheme - IMSAS) começou como um
Regime Voluntário em 2006 e tornou-se
mandatório a partir de janeiro de 2016, prevendo-se um ciclo de 7 anos entre auditorias a cada um dos 177 estados-membros.
Visa promover a implementação consistente dos instrumentos da IMO aplicáveis,
contribuindo para a melhoria contínua do
desempenho dos Estados em conformidade com as exigências dos instrumentos
dos quais são parte. Utiliza como norma o
Código de Implementação de Instrumentos
IMO (Código III), pretendendo fornecer, a
cada Estado-Membro auditado, uma avaliação abrangente e objetiva de quão efetivamente
administra e implementa
os instrumentos mandatórios da IMO, procurando contribuir para um seu
aperfeiçoamento.
O Secretariado da IMO
elabora
periodicamente
um relatório de resumo
consolidado das auditorias, decorridas em cada
ano, contendo as lições
revistademarinha.com
identificadas. O relatório reflete as não conformidades encontradas, mantendo sempre o anonimato das auditorias individuais,
visando facilitar o desenvolvimento da capacidade dos Estados para implementar os
instrumentos da IMO, identificando áreas
que possam beneficiar de assistência técnica, partilhando o conhecimento obtido e
obtendo feedback sobre a adequabilidade
da regulamentação produzida. Além disto, o resumo consolidado das auditorias
contém as melhores práticas observadas,
a fim de assistir os Estados a melhorar ainda mais a implementação e aplicação dos
instrumentos da IMO.
Em Portugal, os serviços correspondentes às funções do Estado de bandeira, do
Estado do porto e do Estado costeiro estão
distribuídos por diversos departamentos,
tendo, nesta conformidade, sido visitadas
pelos auditores da IMO a Direção-geral
dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), o Porto de Lisboa,
a Direção-geral da Autoridade Marítima
(DGAM), a Direção de Faróis, o Centro de
Controlo de Tráfego Marítimo do Continente, o MRCC-Lisboa e o Instituto Hidrográfico.
O código de referência para a auditoria
estabelece quatro áreas a serem auditadas: área comum de administração, área
do Estado de bandeira (responsabilidades
do Estado relativamente à frota que arvora
a sua bandeira), área do Estado do porto
(controlo pelo Estado de navios estrangeiros nos seus portos) e área do Estado costeiro (responsabilidades do Estado relativas
às ajudas à navegação, busca e salvamento, combate à poluição e controlo de tráfego marítimo).
O relatório consolidado, correspondente ao ano 2016, referente às auditorias
efetuadas a 18 Estados-Membros da IMO,
incluindo Portugal, indica, sem nomear
qualquer Estado em particular, que a maior
parte das não conformidades encontradas
(43%), no conjunto das auditorias, foram
observadas na área do Estado de bandeira.
No que à área comum diz respeito, o
relatório em questão identifica que o maior
número de não conformidades se relaciona
com a não promulgação de legislação no
ordenamento jurídico interno relativa aos
instrumentos da IMO, seguindo-se a não
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Segurança Marítima
comunicação de informação à IMO, conforme determinam as convenções, a falta
de uma estratégia adequada para a implementação dos instrumentos da IMO e a sua
atualização regular, bem como a falta de
um mecanismo de melhoria continua, em
particular a falta de uma cultura de qualidade que gere oportunidades de melhoria.
No que diz respeito à área do Estado
de bandeira, o relatório indica que o maior
número de não conformidades se relaciona com a falta de orientações para a implementação dos requisitos e instruções
administrativas para a aplicação de regras
e regulamentos internacionais, a falta de
programas para atualização de inspetores
de navios, seguindo-se a existência de insuficiências no âmbito do controlo do desempenho das sociedades classificadoras
às quais foram delegadas tarefas de inspeção de navios em nome da Administração
Marítima.
Relativamente à área do Estado costeiro, o relatório respeitante às auditorias
efetuadas em 2016, alega, sem indicar
qualquer caso explícito, que o maior número de não conformidades se refere à falta
de avaliação do desempenho de atividades
como sejam os sistemas de controlo do
tráfego marítimo, as ajudas à navegação,
a resposta a acidentes de poluição maríti-
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
O edifício sede da IMO, junto ao rio Tamisa, em
Londres.
ma, a busca e salvamento, em particular,
a necessidade de fazer exercícios relativos
aos planos de cooperação entre navios de
passageiros e os MRCC, de acordo com o
capítulo V da convenção SOLAS.
Na área do Estado do porto, o mesmo
relatório revela que as não-conformidades
se relacionam com as instalações para
receção de resíduos dos navios e da carga, treino dos inspetores do controlo pelo
Estado do porto, procedimentos do código International Maritime Danger Goods,
sobre matérias perigosas, e o registo dos
fornecedores de combustível marítimo.
De acordo com o relatório mencionado, as causas na origem das referidas
· revistademarinha.com
não conformidades nas áreas identificadas nas auditorias estavam relacionadas
com a falta de políticas adequadas; falta
de consciência, compreensão ou interpretação dos requisitos dos instrumentos
da IMO; falta de procedimentos estabelecidos; falta de sistema de gestão; recursos insuficientes, tanto humanos quanto
financeiros e capacidade insuficiente para
promulgar a legislação nacional e mantê-la atualizada.
Neste contexto, tendo em conta o ciclo
esperado de 7 anos entre auditorias, a próxima sequência terá lugar a partir de 2023.
Até 2019 foram já auditados 48 países, o
que corresponde a 27% dos 177 EstadosMembros da IMO. Uma vez que, dada a natureza internacional do transporte marítimo,
a promoção da segurança marítima é mais
efetiva sendo desenvolvida a nível internacional e de forma coordenada, espera-se
observar, na segunda ronda de auditorias,
uma evolução da qualidade da implementação sistémica dos instrumentos da IMO,
por parte de todos os Estados Membros,
para benefício da segurança marítima, da
proteção do meio ambiente marinho e da
eficiência do transporte marítimo.
* Oficial da Armada, res
[email protected]
75
85.O Ano
O Direito Marítimo
enquanto disciplina mercantil
por Pedro Carvalho Esteves*
Direito Marítimo é – se fizermos
uma análise séria à luz da legislação
e da dogmática jurídica - um ramo
de Direito dotado de autonomia dogmática e – fruto da (boa ou má) fragmentação
legislativa – beneficiário de independência
normativa, ainda que dispersa, e dotado
de um clássico “particularismo”. Com efeito, é um ramo de Direito que não é novo
na ciência jurídica, perdendo-se na História o verdadeiro momento em que nasceu
a necessidade de regular juridicamente o
transporte de mercadorias e pessoas por
meio de “engenho flutuante”. Todavia, não
podemos deixar de olhar para o Direito
Marítimo como uma área do Direito Comercial que é. E, neste complexo universo
do Direito Comercial em análise, conta das
dificuldades deste ramo de Direito.
Resulta do magnífico preâmbulo do
Decreto-Lei 352/86, de 21 de outubro que
era intenção do Governo, à época, proceder à reformulação faseada do Direito
Comercial Marítimo - vertido no livro III do
Código Comercial - de uma das seguintes
formas: ou alterar e adendar o Código Comercial; ou avançar para a “construção” de
um Código da Navegação Marítima; ou como veio a ocorrer – emanar legislação
extravagante, inovadora [… e revogadora]
dos preceitos contidos no “antiquíssimo”
Código Comercial. Foi esta última opção
que vingou, e que com ela convivemos nos
dias de hoje. Do laborioso trabalho do saudoso Dr. Mário Raposo – ilustre Advogado
e Político, sempre atento às questões do
Direito Marítimo, e com obra publicada sobre a matéria (onde vamos beber, amiúde,
conhecimento, doutra via não adquirível)
ficou-nos o legado das alterações legislativas nestas matérias, no primeiro pacote
legislativo dos anos 80.
Deste Decreto-Lei 352/86, de 21 de outubro resulta, no seu Art. 1º que … Contrato de transporte de mercadorias por
mar é aquele em que uma das partes se
obriga em relação à outra a transportar determinada mercadoria, de um porto para
porto diverso, mediante uma retribuição
pecuniária, denominada “frete”. Ao contrário do Art. 366º do Código Comercial (O
contrato de transporte por terra, canais
ou rios considerar-se-á mercantil quando
os condutores tiverem constituído empresa ou companhia regular permanente)
O
76
aquela norma sobre transporte de mercadorias não indica o carácter mercantil
do transporte; mas, nem por isso o deixa
de ser, por força do parágrafo 4º do Art.
366º do Código Comercial. Ainda que os
transportes marítimos fossem regulados
pelas disposições revogadas do livro III do
Código Comercial – hoje, substituídas – a
sua mercantilidade estará sempre garantida. Portanto, Direito Marítimo é um ramo
do Direito Comercial, devendo assim ser
considerado, apesar da sua autonomia
dogmática, e hoje, quase-independência
normativa.
Falar em Direito Marítimo é falar nas
operações de transporte de pessoas e
mercadorias, por mar. Daqui, temos, pois,
que fazer a destrinça entre o navio, o meio
em que ele se desloca, de onde e para o
onde ele se desloca, o que leva a bordo e
como é que todo esse universo se interliga.
Apreciemos o seguinte:
O Regulamento Geral das Capitanias Decreto-Lei n.º 265/72, de 31 de julho (na
sua atual redação), no seu Art. 20.º dispõe
que são classificadas como embarcações
de comércio aquelas que se destinam ao
transporte de pessoas e de carga, mesmo
quando desprovidas de meios de propulrevistademarinha.com
são, considerando-se como tal as que só
podem navegar por meio de rebocadores.
Este Regulamento, fonte de Direito Administrativo, mais que um simples regulamento das Capitanias, tem constituído
diploma fundamental das atividades marítimas civis. Mas, o Estatuto Legal do Navio
não se encontra neste regulamento. É o
Decreto-Lei n.º 201/98, de 10 de julho, que
define o Estatuto Legal do Navio, dispondo
no seu Art. 1º que para efeitos do referido
diploma, “navio é o engenho flutuante destinado à navegação por água, fazem dele
parte integrante, além da máquina principal
e das máquinas auxiliares, todos os aparelhos, aprestos, meios de salvação, acessórios e mais equipamentos existentes a
bordo necessários à sua operacionalidade”. O Art. 33.º do Decreto-Lei n.º 201/98
revoga os artigos 485.º a 487.º e 489.º a
491.º do Código Comercial – mas preenche o vazio criado com estes revogados
artigos do Código Comercial que regiam a
natureza jurídica e pertenças dos navios,
a nacionalidade portuguesa dos navios, a
posse não titulada, o contrato de construção e de grande reparação, a alienação de
navios, o arresto e penhora, a responsabilidade civil do proprietário, o despedimento
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
O Mar e as Leis
do Capitão, a parceria marítima, o regime
jurídico da parceria, o Capitão e a tripulação. Daqui se vê que todas estas matérias,
antes inclusas no Livro III do Código Comercial estão agora previstas num diploma
autónomo e avulso. Diríamos que a hipotética não-questão ficaria por aqui; errados
estaríamos. É que o mencionado “engenho
flutuante” navega no mar, mas pode também navegar nas águas interiores. Nestes
casos, aplicar-se-á qual regime?
A resposta está no Artº 366º do Código Comercial – O contrato de transporte
por terra, canais ou rios considerar-se-á
mercantil quando os condutores tiverem
constituído empresa ou companhia regular permanente. Sendo assim, o transporte
fluviário, fugindo às regras do Decreto-lei
352/86, seguirá as regras gerais do transporte, havido como mercantil, e regulado
pelo Código Comercial. Pese embora as
Convenções Internacionais sobre navegação – Regulamento Internacional para
Evitar Abalroamentos no Mar, Sistema de
Balizagem Marítima – IALA - se apliquem às
águas interiores – onde os rios de incluem, a
verdade é que o transporte não se terá como marítimo, não seguindo as suas regras.
Há que ter em conta o seguinte: se um
navio de mercadorias a navegar na Via
Navegável do Douro abalroar outro navio
de mercadorias na mesma via navegável –
por violação das regras do RIEAM – que
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
regras aplicar? O legislador, que em muito
mexeu no Livro III do Código Comercial,
não tocou, no Título VII – Da Abalroação;
o mesmo legislador faz equiparar o transporte terrestre ao transporte nas vias navegáveis. As regras serão, então as regras de
regulação de sinistro rodoviários? Não nos
parece! Antes, as regras gerais da Responsabilidade Civil – e já não, por mera analogia, as disposições da responsabilidade
pelo risco no caso de colisão entre veículos, prevista no Art. 503º do Código Civil,
uma vez que esta norma se dirige expressamente aos veículos de circulação terreste - por violação de normas destinadas a
proteger os interesses de outrem, sendo
que as normas violadas sempre serão as
do RIEAM, as do Sistema de Balizagem e,
no limite, o Regulamento da Via Navegável
do Douro - Decreto-lei 344-A/98, de 6 de
novembro – cujo Art. 21º, nº 1 dispõe que
… sem prejuízo de outras disposições aplicáveis, designadamente o Regulamento
Internacional para Evitar Abalroamentos no
Mar (RIEAM), estão em vigor na via navegável do rio Douro os sinais constantes do
presente capítulo.
Concluímos assim, por dizer que o Código Comercial, datado de 1888, e da autoria
de Veiga Beirão, ainda que velhinho e desadequado aos dias de hoje, continua, em
muitas das duas matérias, em vigor, seja
pela via das normas ainda nele constantes
· revistademarinha.com
e que permanecem nos tempos, seja pela via das novas regras que, não estando
nele inclusas, não perdem o seu carácter
mercantil. Face à dispersão de diplomas
e inerente dificuldade na articulação de
todos eles, outras não podem ser as soluções senão a reformulação do Código
Comercial, através de um novo Código,
atual, moderno, vanguardista, e que regule
e preveja tudo o que é comercio e tudo o
que é mercantil; ou, definitivamente, avançar com um Código da Navegação Marítima, que já no passado, pelas mãos de Ana
Paula Vitorino, teve um breve momento de
aparição mas que não suscitou o interesse
do Parlamento, tendo resvalado na couraça da indiferença dos parlamentares. Será
este o caminho? Creio que não! O Brexit
pode dar uma oportunidade para Portugal
se posicionar como registo convencional de embarcações de comércio – mas,
para que isso aconteça, não basta a boa-vontade dos armadores; há que ter um ordenamento jurídico-maritimista que confira
confiança à comunidade maritimista, lhes
dê segurança no investimento, tudo por
via de normas simples, ágeis e inovadoras,
que aportem mais valia e que seduzam o
mais desconfiado de todos os desinteressados a olhar para Portugal como um destino com desígnio voltado ao mar.
* Advogado Maritimista
[email protected]
77
85.O Ano
Manutenção de Equipamento
de Mergulho – Parte I
Cuidados em Casa
por Paulo Franco*
manutenção é uma das preocupações mais importantes para o bom
funcionamento e durabilidade de todos os componentes do equipamento de
mergulho. Esta manutenção tem vários níveis, começando na preocupação individual
na preparação do equipamento antes do
mergulho até às revisões periódicas feitas
por centros e técnicos especializados. Vamos debruçando-nos um pouco sobre a
temática dos cuidados com o equipamento, condição fundamental para garantirmos
mergulhos confortáveis, agradáveis e seguros.
Podemos dividir os níveis de manutenção
em: pelo utilizador e em centros de mergulho / lojas especializadas.
Do ponto de vista do utilizador, a manutenção é um ciclo que se inicia bastante
antes de cada imersão e se repete além do
mergulho, ligando ao seguinte.
A forma como guardamos e armazenamos o equipamento de mergulho é determinante para que este mantenha as suas
características e desempenho intactos por
muitos e longos anos. A preocupação de,
após uma consistente e detalhada lavagem
e secagem do equipamento, o guardar em
local fresco e seco, resguardado da luz solar
directa, é fundamental. Os fatos não devem
ser excessivamente dobrados e, por vezes,
se pendurados é importante verificar se não
se criam deformações por acção do seu
próprio peso, sendo importante a escolha
do cabide a utilizar. Deve haver o cuidado
de garantir que as mangueiras dos reguladores não ficam vincadas, especialmente
junto dos terminais metálicos e é um bom
princípio guardar os coletes com uma pequena quantidade de ar no interior para
garantir a sua forma. Se se prevêem longos
períodos de inactividade a colocação de pó
de talco neutro em zonas de vedantes de fatos e outros artigos com borracha (cada vez
mais raros e substituídos por silicone, muito
mais durável e resistente) aumenta significativamente a sua longevidade. As baterias de
iões de lítio utilizadas hoje nos equipamentos electrónicos e lanternas trouxeram capacidades e autonomias significativamente
melhores que as suas predecessoras, virtualmente sem sofrer da degradação de ca-
A
78
O equipamento de mergulho deve ser sempre armazenado bem seco, em lugar fresco e afastado
da luz solar direta. (Fonte: https://www.underseas.com/blog/how-not-to-store-your-dive-gear/)
A selecção, organização e verificação do equipamento a utilizar no mergulho é determinante
para evitar dissabores no momento de entrar
na água. (Fonte: https://www.reddit.com/r/scuba/comments/iwj8ft/8_years_after_my_first_
dive_i_finally_have_my_own/)
revistademarinha.com
pacidade habitualmente chamada de “efeito
de memória”, mas são muito sensíveis a situações de descarga completa, sendo essa
a principal razão pela qual deixam de funcionar. Por isso é fundamental que, quando
armazenamos equipamentos electrónicos
durante períodos longos, devemos regulamente carregá-los, mesmo que não tenhamos planeada uma utilização.
Quando estamos a planear um mergulho, a preparação e verificação cuidada do
equipamento é sem dúvida um dos processos basilares para garantir que, no momento de entrar dentro de água, temos tudo o
que precisamos nas melhores condições
para desenvolvermos a atividade de forma
confortável, segura e sem sobressaltos.
Devemos começar por listar o equipamento que planeamos usar para o mergulho
em questão, separando-o de forma que
possamos, sistematicamente, verificar se
está nas melhores condições de utilização
e testar (dentro do possível), com tempo e
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Mergulho
margem para correcções. Muitas pequenas
anomalias podem ser facilmente reparadas
e resolvidas em casa se detetadas em tempo. Conferir o estado dos vedantes, lubrificação de fechos e estado de funcionamento
de válvulas é fundamental. A verificação das
precintas, das barbatanas e máscaras, e
eventual substituição se necessário, é um
procedimento simples, mas que evita muitos dissabores dentro de água. Examinar os
bocais dos segundos andares dos reguladores, que se degradam naturalmente com
a utilização, é um procedimento fácil, mas
muitas vezes esquecido. Carregar ou substituir baterias de computadores de mergulho, lanternas e equipamentos de imagem é
igualmente importante, assim como garantir
a limpeza e lubrificação dos vedantes para
evitar a temida entrada de água e contacto com os componentes electrónicos. Usar
uma lista de verificação ou criar a nossa própria, adaptada às necessidades dos nossos
mergulhos é um método fácil para não nos
esquecermos de nada.
Um detalhe vulgarmente subvalorizado
é a criação do nosso kit “salva mergulhos”.
Este kit deve ser ligeiro e facilmente transportável até ao local onde planeamos entrar
dentro de água, seja de terra ou embarcado.
Deve ser criterioso, para não ganhar uma
dimensão desconfortável, e personalizado
em função das necessidades de redundância adequadas ao nosso sistema total
de mergulho. Deve incluir componentes de
desgaste habitual e facilmente substituíveis pelo utilizador, como é o caso de, por
exemplo: persintas de máscaras, de barbatanas, juntas tóricas para o primeiro andar
do regulador, bocais de regulador e respectivas braçadeiras e lubrificante para fechos
e juntas de vedação para os equipamentos
electrónicos. Baterias de substituição são
também elementos importantes. Deve também incluir algumas ferramentas simples
que ajudem na substituição destes componentes. Alguns mosquetões extra (tipo
double ended ou outros) são também utéis.
Um detalhe importante é este conjunto de
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
O kit “salva mergulhos” é um conjunto personalizado de peças de substituição rápida por parte do
utilizador, que pode garantir, em caso de pequenas avarias no local de mergulho, a viabilidade da
atividade. (Fonte: https://scubadiverlife.com/build-save-dive-kit/)
equipamento ser acondicionado de modo a
resistir aos ambientes em que normalmente
mergulhamos, em que os factores ambientais são tendencialmente inclementes com
o material, sendo a estanquidade do con-
A verificação, limpeza e lubrificação de juntas
e vedantes das caixas estanques dos equipamentos eletrónicos e lanternas é fundamental
para reduzir a possibilidade de alagamento dos
componentes sensíveis. (Fonte: https://www.
divephotoguide.com/getting-started-with-underwater-photography/underwater-camera-maintenance/)
· revistademarinha.com
tentor de transporte um requisito a ter em
consideração.
Para terminar é necessário escolher a mala de transporte, garantindo um acondicionamento correcto dos equipamentos antes
e depois do mergulho, devendo sempre ser
considerado que, normalmente, após o mergulho tudo deve regressar a casa molhado
e algumas vezes sujo com areias ou outros
detritos.
Com esta primeira crónica de um conjunto que pretendemos dedicar à manutenção dos equipamentos de mergulho,
abordamos a fase inicial de preparação das
nossas imersões, ainda em casa, quando
planeamos e seleccionamos o conjunto de
componentes do nosso sistema de mergulho que prevemos utilizar durante a imersão.
Nas próximas crónicas fecharemos o
ciclo abordando a preparação do equipamento no local de mergulho, o transito para
o local da imersão e a manutenção pós-mergulho.
*
[email protected]
79
85.O Ano
Portugal e o Japão reforçam
a transição energética
ortugal e o Japão retomam a sua ligação marítima histórica reforçando
os esforços para a transição energética e estimulando o crescimento das suas
“economias azuis”.
Como primeiros europeus a chegar ao
Japão, os portugueses têm mantido uma
forte presença no Extremo Oriente, por via
do intercâmbio cultural, económico e científico. No entanto, à medida que a crise climática se intensifica e a corrida para atingir
a neutralidade carbónica ganha velocidade, as duas nações pretendem intensificar
as relações comerciais e de investimento,
reativando um relacionamento de longa
data com foco nas energias renováveis
marinhas e nas atividades relacionadas
com o oceano.
Com a edição de 2021 do seminário
anual, o WavEC Offshore Renewables, um
dos principais centros de I&D em Portugal
na área das energias renováveis marinhas,
proporcionou às empresas do setor, instituições de investigação e entidades governamentais japonesas a descoberta de
oportunidades nesta âmbito.
O Seminário WavEC 2021 – ‘Portugal and Japan: Major Developments in
Offshore Renewable Energies’ teve lugar,
em formato virtual, na manhã do dia 30 de
novembro, em colaboração com a Embaixada do Japão em Portugal e contou
com cerca de 240 participantes, oriundos
de 34 países. A lista de participantes no
evento incluiu uma das maiores empresas
japonesas investidoras em Portugal, Marubeni Offshore Wind Development Corporation e as firmas Nagasaki Marine Industry
Cluster Promotion Association, Kyuden
Mirai Energy, Iwatani Corporation, Future
P
80
À esquerda o Presidente
do WavEC António
Sarmento e à direita o
Embaixador do Japão
em Portugal Shigeru
Ushio.
Energy Consultant e o Departamento de
Tecnologia Oceânica da Universidade de
Tóquio. Entre os participantes europeus,
destaque para: a EDP New Centre for New
Energy Technologies, Ocean Winds, Principle Power, ASM Industries, CorPower
Ocean, Eco Wave Power, TechnipFMC e
Hidromod.
Antes do encontro, António Sarmento, presidente do WavEC, disse … este
evento oferece uma oportunidade única
para serem exploradas possibilidades de
colaboração euro-asiáticas nos sectores
das energias renováveis marinhas e da
economia azul. A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas,
COP26, que teve lugar em Glasgow, na
Escócia, reforçou a existência de um enorme desafio pela frente - limitar o aqueci-
revistademarinha.com
mento global e proteger o nosso planeta.
O sucesso no alcance dos objetivos traçados, depende em grande medida, de
uma transição energética bem-sucedida
- começando pela redução de produção
de eletricidade a partir de combustíveis
fósseis, responsável por 40% do total de
emissões de CO2. Embora a tarefa seja
assustadora, existe esperança no desenvolvimento de um sistema de produção de
energia verde mais abrangente, que combine as várias fontes de energia renovável
já estabelecidas com tecnologias novas
emergentes. É possível que a produção de
energia marinha, anteriormente inexplorada, possa crescer 20 vezes nesta década,
alcançando 10 GW de capacidade instalada, com eólica offshore flutuante, correntes
e ondas, e impulsionar o desenvolvimento
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Energias Renováveis Marinhas
de uma economia azul mais global. Existe um enorme potencial de sinergias entre
Portugal e o Japão como parte deste movimento global, já que as duas nações têm
um passado vincadamente marítimo.
O Embaixador do Japão em Portugal,
Shigeru Ushio, por seu lado, afirmou …
apesar de estarem localizados nos extremos do continente Eurásia, os dois países
mantêm boas relações e partilham valores
fundamentais como a liberdade, a democracia, os direitos humanos e o Estado de
direito. Portugal beneficia de um ambiente empresarial excelente e estável, detém
mão de obra qualificada e a capacidade de
prestar serviços a preços altamente competitivos em comparação com países da
Europa Central e do Norte. Esta conjuntura
tem atraído investimentos significativos por
parte do Japão. Devido ao nosso relacionamento único e duradouro, existe um forte potencial para uma maior colaboração e
crescimento empresarial com um enfoque
específico na energia marinha.
O presidente e CEO da Marubeni
Offshore Wind Development Corporation,
Hisafumi Manabe, na ocasião, afirmou …
o intercâmbio cultural, económico e científico entre o Japão e Portugal, baseado na
nossa amizade histórica, é hoje uma realidade. O grande investimento da Marubeni em Portugal é um bom exemplo disso,
sendo accionista de várias empresas incluindo a TrustEnergy (produtora de eletricidade), GGND (concessionária da rede de
gás) e AGS (sector da água). Do ponto de
vista geográfico, as nossas nações partilham muitas semelhanças em relação ao
mar, não só devido às vastas áreas costeiras, mas também às nossas águas profundas, que exigem soluções inovadoras de
energia oceânica, tais como plataformas
flutuantes. O Japão tem desafios climáticos adicionais com terramotos e tufões. A
nova tecnologia está em rápido desenvolvimento, e o seu sucesso provavelmente
dependerá da colaboração internacional
de alto nível.
Ken Takagi, Professor da Universidade
de Tóquio no Departamento de Tecnologia
Oceânica, participante neste evento, disse
então … Portugal e o Japão partilham uma
relação muito singular e, embora o setor
do petróleo e gás tradicionalmente impulsione a colaboração tecnológica marinha,
assistimos agora a uma mudança sísmica
para as energias renováveis. Nenhum dos
nossos países tem grandes campos de
petróleo ou gás perto da costa, o que só
serve para enfatizar a grande necessidade
de crescimento das energias renováveis
para satisfazer a procura.
O Country Manager da Ocean Winds
Iberia, José Pinheiro, referiu que … a nossa
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
visão é impulsionar a inovação para apoiar
um mundo neutro em carbono. O nosso
objetivo é fazer da energia eólica offshore
uma das principais fontes de energia renovável, apoiando a transição energética
através da expansão com projetos comerciais de grande escala e eólica offshore
flutuante.
Koto Miyagawa, da Kyuden Mirai Energy,
por fim disse que … o Japão tem recursos
energéticos limitados e tradicionalmente
depende de importações de outros países
para a maioria dos combustíveis fósseis.
No entanto, tal como Portugal, partilhamos
uma longa costa, oferecendo um grande
potencial para o desenvolvimento de ener-
· revistademarinha.com
gias renováveis marinhas. A Kyuden Mirai
Energy está actualmente a realizar um projeto de demonstração da energia das marés na região de Nagasaki, um dos maiores
portos comerciais do Japão, onde iniciou
relações com Portugal há cerca de 450
anos. Com base na nossa ligação histórica, gostaríamos de cooperar mutuamente
neste novo campo.
Todas as apresentações deste evento
encontram-se disponíveis no website do
WavEC: www.wavec.org .
Colaboração de Wavec
– Offshore Renewables
[email protected]
81
85.O Ano
Visita aos “Estaleiros Marranita”
por Rui Matos*
ecorreu entre 6 de novembro e 4
de dezembro de 2021, na Sede
da Cruz Vermelha da Trofa, uma
exposição fora do comum para esta instituição… uma Exposição de Modelismo
de António Marranita. Após vários convites da Direção daquele centro, o modelista
em apreço finalmente cedeu e concordou
com esta exposição dos seus trabalhos –
e o nosso obrigado à Cruz Vermelha da
Trofa por insistirem em avançar com este
projeto!
É claro que eu não poderia deixar passar esta oportunidade e assim numa visita
com a família ao nosso Norte Litoral fizemos um desvio e visitamos a Trofa para visitarmos o Marranita, quase duas décadas
depois de nos termos conhecido no mundo virtual do modelismo – entre várias plataformas internacionais e depois nacionais,
mas sempre com o mesmo intento: troca
de ideias, incentivar, passar informação ou
tirar dúvidas relativas ao projeto corrente.
Foi um encontro de amigos e famílias que
não se conheciam na realidade e fomos
recebidos como VIP’s; gostaria de deixar
aqui, por escrito, um particular agradeci-
mento à Família Marranita por tanto carinho que nos mostrou.
A exposição propriamente dita, separada em vitrinas por uma questão de segurança, continha vários trabalhos divididos
dentro do possível por temáticas terrestre,
aérea e claro, naval – sendo a maior parte
dos modelos à escala 1/72 – o que ajuda
o visitante não-modelista a ter uma compreensão das proporções e dimensões do
equipamento reproduzido à escala. Para
ajudar a essa noção, todos os dioramas
têm figuras.
Alguns dos dioramas já publicados na
Revista de Marinha (RM’s 999, 1006,
1013 e 1016) estavam presentes mostrando a vertente naval, sendo ainda de salientar um diorama da frente do desembarque
falhado pelos ingleses em Dieppe, em
1942 (com um trabalho de minucia e de
pesquisa para saber qual o tanque e onde
ficou atascado na praia …) e ainda o último
trabalho saído do “Estaleiro Marranita”,
uma secção de um CVE, um porta-aviões
de escolta em operação durante a II Grande Guerra Mundial, o USS PETROF BAY
(CVE-80) – numa estreia mundial – com
D
82
revistademarinha.com
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Modelismo
ve também alguma exposição mediática,
nomeadamente uma excelente vídeo-entrevista publicada na página do Facebook
da Cruz Vermelha da Trofa, feita com calma
e com direito a explicações bem dadas, e
um direto na RTP-1, no programa Praça da
Alegria, “um pouco a correr” – onde mais
uma vez, tal como normalmente acontece
em notícias relacionadas com o Mar, existe
uma forte iliteracia na temática – intitulando
a exposição de Exposição de Aeromodelismo e chamando o Modelista de Artesão.
Desta última, saldou-se pela positiva a divulgação da atividade modelística e do evento.
Deixo-vos algumas imagens dos excelentes trabalhos do Marranita em exposição, com o foco neste último, e com os
votos que continuem a sair do seu “Estaleiro” muitas obras para nos deliciarmos
com os seus requintes de malvadez modelística.
Muitos parabéns e muito obrigado António Marranita!
uma excelente dinâmica do que é uma plataforma destas em funcionamento!
Para além do público que visitou e ficou
surpreendido pela arte deste Trofense, hou-
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
Bons Modelos!
*
[email protected]
· revistademarinha.com
REFERÊNCIAS:
https://www.facebook.com/cruzvermelhatrofa/videos/300427815268341/
83
85.O Ano
Tejo – Uma Boa Oportunidade Perdida
por António Peters*
“Lisboa Capital Europeia do Desporto 2021”
… pela 1ª vez a ascender ao escalão
máximo da conquista do mérito de sermos “Capital”.
O Tejo é o maior e mais bonito campo
desportivo da cidade.
Que cidade foi esta, que no ano da
sua oportunidade de reconhecimento
europeu desportivo nem um vereador
do Desporto fazia já parte da vereação
para defender o evento?
Uma oportunidade perdida, de mostrar à Europa o Tejo e todo o seu potencial desportivo.
pós o galardão obtido de “Lisboa
Capital Europeia do Desporto
2021”, em Novembro de 2017, é
com sabor a sal que os nautas lisboetas
sentem os olhos. Sal não do rio da cidade, mas sim da oportunidade perdida de
ter mostrado à Europa o Tejo e todo o seu
potencial desportivo.
Salientamos e saboreamos este sentimento de desconsolo por ao longo dos
últimos anos termos vindo a acompanhar
o reconhecimento do esforço de algumas
cidades portuguesas ao conseguirem ser
galardoadas como “Cidades Europeias do
Desporto”, desta vez o regozijo sustentava-se na esperança do êxito, de pela 1ª ocasião, ascender-se ao escalão máximo da
A
84
conquista do mérito de sermos “Capital”,
justificando-se mais ainda, pela oportunidade de valorização, ou reconhecimento,
do seu descomunal plano de água, o Tejo, responsável ele também pelo apelo da
curiosidade da visita de turistas a Lisboa,
que aproveitam a estadia deslocando-se
às suas margens a contemplar uma enorme potencialidade, tão mal explorada.
Para melhor interiorizarem a veemência do nosso descontentamento, repetimos parte da notícia publicada na altura,
aquando do dia da vitória do galardão …
de Fernando Medina, escutámos as suas
preocupações com a valorização dos espaços desportivos da cidade e das facilidades que ela oferece durante todo o ano
para a prática desportiva, salientando a
capacidade organizativa para com eventos de reconhecido gabarito internacional,
que Lisboa está capacitada para continuar
a mostrar ao mundo. Ao todo está anunciado o investimento de 26 M€. Contudo
durante este entusiasmo de divulgações
para o futuro 2021, não ouvimos qualquer
referência à náutica desportiva, e à possibilidade de se aproveitar o plano de águas
do Tejo. Apesar de a cerimónia ter decorrido na sua margem, a única alusão ao Tejo, foi a sua apetência à prática de running
(corrida ao longo da margem do rio). Confessamos, soube-nos a pouco, mas como
nautas e desportistas, no final do discurso
a Revista de Marinha abordou o autarca e em tom de “conselho construtivo”,
alertámo-lo para que não se esquecesse
dos desportos náuticos, lembrando-lhe
que o Tejo é o maior e mais bonito cam-
po desportivo da cidade. Acolheu a observação, prometendo que também iria ser
alvo de grande atenção.
Nada do prometido se confirmou e o
que se soube, sem promoção, ou outra
qualquer divulgação, foi a realização/apoio
a três eventos de carácter internacional:
Campeonato Europeu de Judo, Premier
League de Karaté e Taça do Mundo de
Triatlo, sem se perceber o fundamento
da opção de escolha, parecendo a oportunidade de um encaminhar de verbas a
satisfazer promessas agendadas por cumprir, ou acordos de conveniência de última
hora, no entanto a propalada promoção
à prática desportiva de massas nada se
viu, excepto em Abril, no Terreiro do Paço, uma curta exibição de ginástica (?),
que se assemelhou a uma demonstração
circense para turistas, com o propósito de
filmagens para correr nos noticiários de
circunstância alusivos e justificados para o
dia de abertura. Tirando esse singelo momento de publicidade, mais político do que
promocional, ficam para memória futura
alguns cascóis, tipo futebol, alusivos à Capital do Desporto expostos em pavilhões
municipais e restaurantes angariadores
dessas relíquias.
Sabemos e percebemos que 2021 foi
um ano de procura de resolução de entraves provocados pela pandemia, mas que
não se aproveitem as “costas largas do
COVID” como justificação, a exemplo dos
incêndios urbanos ou industriais em que
a culpa recai sempre no “curto-circuito”.
Em 2021 os confinamentos desportivos
ainda existentes favoreciam os desportos
Desportos Náuticos
de actividade ao ar livre, em que a náutica era privilegiada mais que as restantes
modalidades, que se saiba os eventos
destacados e pouco ou nada difundidos
como emblema da “Capital do Desporto”
não conseguiram passar qualquer imagem
de venda da cidade, do país e seus predicados, e muito menos cumprir os objectivos simples, escritos, que se propuseram
aquando da candidatura. Pensámos, que
após a desmesurada proliferação de ciclovias pela cidade estas estivessem no âmbito da “Capital do Desporto” e pudessem
servir para uma prova de contrarrelógio de
ciclismo por toda a cidade, que atraísse os
lisboetas, … mas também não! Que cidade foi esta, que no ano da sua oportunidade de reconhecimento desportivo europeu
nem um vereador do Desporto fazia já parte do elenco da vereação para defender o
evento? Mais um exemplo do que se apregoa, não se faz, … ou não se devia fazer!
Portugal até ao presente ano de 2021
tem anualmente, desde 2013, obtido no
seu palmarés um título de Cidade Europeia, são vinte por ano na Europa e cada
país só pode no máximo ter duas, enquanto Capital do Desporto só uma existe na
Europa anualmente, Lisboa foi a primeira
portuguesa a obter esse privilégio, enquanto nuestros hermanos espanhóis, desde
o ano da sua criação, 2001, já somam o
maior número de títulos da Europa com
quatro capitais eleitas (2001/Madrid, 2004/
Alicante, 2011/Valência e 2020/Málaga).
No respeitante a cidades portuguesas o
quadro de honra nacional está assim distribuído: 2013/Guimarães; 2014/Maia; 2015/
Loulé; 2016/Setúbal; 2017/Gondomar;
2018/Braga; 2019/Portimão; e 2020/Odivelas. Como homens do Mar, seria injusto
não referirmos o bom trabalho de Setúbal
em 2016, aproveitaram a sua forte ligação
ao enorme plano de águas, que é o rio
Sado, e o resultado foi surpreendente; os
desportos náuticos foram um dos objectivos propostos para um local de vigorosa
tradição marítima, tanto de pesca, como
porto comercial. Lisboa, … era só copiar!
Hoje em Setúbal, as sementes de 2016 já
estão a florir.
Agora é hora de passar o testemunho
de Capital Europeia do Desporto 2022 a
Haia, na Holanda para, com certeza, saber valorizar mais ainda o imenso Mar que
também lhes pertence, os holandeses dão
provas disso constantemente e Portugal
comprova ao requerer assiduamente os
seus especializados serviços técnicos marítimos que fazem escola internacional, nós
Portugueses resta-nos a esperança que o
novo rumo da edilidade lisboeta saiba fazer o trabalho de casa, corrigindo os erros
passados e presentes e que saiba renRevista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
tabilizar o que aqui sempre salientamos:
o Tejo é o maior e mais bonito campo
desportivo da cidade, relembrando que
o anfiteatro das suas margens é um lugar,
é um palco de excepção. Perdoem-nos o
desabafo, mas quem visita o Departamento de Desporto da cidade de Lisboa, inexplicavelmente, mas felizmente, depara-se
à entrada com uma excelente foto gigante
deste campo desportivo deserto, compreensivelmente vazio, não só pela hora do
nascer do dia, mas também por ser imagem de marca de ausência de vida … no
Tejo! Lembramos, Desporto é vida!
Entretanto, não querendo fazer juízos
precipitados, depositamos esperança na
· revistademarinha.com
nova vereação e na vontade camarária
de valorizar um bem, que foi berço para o engrandecimento da cidade que se
tornou capital graças ao rio que lhe acaricia a margem. Parafraseamos de novo
Mafalda Arnauth … Lisboa sem o Tejo
fica nua.
Nós, Revista de Marinha, comungando de igual vontade, estamos cá para
colaborar e levar o barco a bom porto. Lisboa merece, Portugal agradece.
*
[email protected]
NOTA:
O autor não cumpre o novo acordo ortográfico
85
85.O Ano
A Propósito dos 100 anos
da Travessia Aérea do Atlântico
por Augusto Salgado*
O hidroavião Santa Cruz no convés do CARVALHO ARAÚJO, vendo-se à esquerda da fotografia Lázaro Galvão (foto família Pimenta).
o ano de 2022 que agora se inicia,
comemora-se o centenário da célebre travessia aérea de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, entre Lisboa e o
Rio de Janeiro, que se realizou no meio de
um imenso apoio popular, suportado por
uma campanha nos órgãos de comunicação social da época, em especial, na imprensa escrita.
Como é comummente conhecido, a largada de Lisboa fez-se no dia 30 de março de 1922, tendo a primeira tirada até às
Canárias sido feita sem problemas, mas,
à chegada ao Mindelo, Cabo Verde, um
dos flutuadores da aeronave meteu água.
Este problema obrigou os dois aviadores
a permanecer mais uns dias nesta cidade,
seguindo depois para a cidade da Praia,
de modo a reduzir a duração da terceira
tirada, face aos consumos da aeronave serem superiores ao previsto. Nos Penedos
de São Paulo dá-se o primeiro desastre,
quando um dos flutuadores se parte na
N
86
1º Marinheiro Lázaro Galvão, fotografia no estúdio de João de Melo, em São Vicente, tirada
em junho de 1920 (foto família Pimenta).
revistademarinha.com
amaragem, obrigando ao envio de uma
segunda aeronave. Entretanto, os aviadores são levados até à ilha de Fernando de
Noronha, retomando a viagem no dia 11
de maio, mas rumando novamente aos
mencionados Penedos, para não deixar
nenhuma parte da viagem por cumprir.
Infelizmente, a meio caminho entre os
Penedos e a ilha de Fernando de Noronha,
o motor do segundo avião para, e os aviadores ficam à deriva durante várias horas, a
cerca de 170 mi de Fernando de Noronha,
até serem recolhidos por um navio inglês.
De Lisboa larga, no dia 24 de maio, o cruzador CARVALHO ARAÚJO, levando a bordo
a terceira aeronave Fairey 17 que, atualmente, se encontra em exposição no Museu de Marinha de Lisboa. Será com esta
aeronave que os dois aviadores portugueses chegam, em 5 de junho, pouco depois
do meio-dia, à cidade brasileira do Recife.
E é aqui que largamos os “heróis” habituais deste episódio, indo ao encontro de
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Património Marítimo
uma personagem de que já falamos nestas
páginas: o artilheiro do rebocador GALGO que tinha trocado alguns tiros com o
U-35 no dia 24 de Abril de 1917. Trata-se
de Lázaro de Jesus Galvão (1899-1992),
nascido na freguesia de Lagos, e que tinha
assentado praça na Armada, como voluntário, a 11 de maio de 1916, e onde serviu
até 23 de dezembro de 1922. O seu último
embarque seria efetivamente no CARVALHO ARAÚJO, para onde destacou a 11
de abril de 1922. Ou seja, cerca de um
mês antes do navio largar rumo ao Atlântico Sul.
Após a entrega do avião aos aviadores,
o 1º Marinheiro (artilheiro) Lázaro Galvão,
de entre 300 homens, foi uma das quatro
praças escolhidas para dar apoio direto aos aviadores e à aeronave, durante o
percurso até ao Rio de Janeiro. Com ele
foi um escriturário, uma ordenança para
Gago Coutinho e uma outra praça, de que
Galvão não especifica as funções. Mas
lembra-se ainda, em 1991, numa entrevista que deu ao jornal Correio de Lagos,
das grandes receções que tiveram lugar
no Brasil.
Curiosamente, apesar dos dois aviadores terem chegado no dia 17 de junho ao
Rio de Janeiro, no verso da fotografia que,
aparentemente, terá sido tirada no convés
do CARVALHO ARAÚJO, aparece a indicação “Findo [o raid] a 19-6-922”.
A cidade do Mindelo, por onde, eventualmente, o CARVALHO ARAÚJO terá passado, não era desconhecida para
Lázaro Galvão pois, numa comissão passada em Cabo Verde, quando prestou
serviço na canhoneira BENGO, o nosso
marinheiro tirou uma foto de recordação
da viagem, no dia 6 de junho de 1920, nos
estúdios de João de Melo, para oferecer à
sua futura mulher.
E, aqui, surge mais uma história já que,
esta casa de fotografia, foi a única no Mindelo, desde 1890 e durante grande parte
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
Monumento existente no Mindelo a comemorar a travessia de Sacadura Cabral e Gago Coutinho
(foto do autor).
do século XX, iniciada por Djindjon de Melo (João Henriques de Melo, 1871-1944),
filho de mãe cabo-verdiana e pai português. Este fotografo, inicialmente amador,
começou a sua atividade a fotografar os
inúmeros navios que praticavam o Porto
Grande de S. Vicente, acabando por registar todo o tipo de eventos que se realizaram na ilha de São Vicente e em outras
ilhas. Este valioso espólio, que se mantem
nas mãos da família, será uma fonte de
informação preciosa para todos aqueles
que estudam a história mais recente de
· revistademarinha.com
Cabo Verde e, em especial, da cidade do
Mindelo.
Serve esta crónica para relembrar que
mesmo nos grandes momentos da História de Portugal, há outras “pequenas” estórias que também importa contar...
* Oficial da Armada, res
Investigador do CH e do CINAV
OBSERVAÇÃO:
Agradecimentos a Bárbara Pimenta (neta de
Lázaro Galvão) e a Fernando Pimenta.
87
85.O Ano
2034 – UM ROMANCE DA PRÓXIMA GUERRA MUNDIAL
Trata-se de um livro bastante interessante, publicado recentemente nos EUA, sobre a hipótese de uma guerra entre aquele país
e a República Popular da China, a deflagrar em 2034.
São autores o Almirante Jim Stavidris, reformado da Marinha
Americana e Elliot Ackerman. O primeiro foi Comandante Supremo Aliado da NATO na Europa (NATO Supreme Allied Commander Europe) entre 2009 e 2013 e o segundo é um romancista que
foi oficial fuzileiro (U.S. Marine Corps) entre 2003 e 2011, tendo
recebido várias condecorações por ações em
combate. Ambos são já
autores de vários livros,
publicados a título individual.
O livro em apreço conta uma história romanceada acerca de uma guerra
que os autores já afirmaram em entrevistas não
ser uma premonição, mas
sim uma situação que
deve merecer as maiores
cautelas, de modo a evitar
que possa ocorrer. O leitor pode facilmente pensar em situações similares
com o mesmo resultado,
ou seja, a evolução de um
pequeno confronto militar
para uma guerra nuclear
tática e daí a possível escalada para uma guerra
nuclear total (ou estratégica), embora no livro não
se chegue a atingir este
derradeiro patamar.
A história começa com
vários incidentes que demonstram uma grande
superioridade da China
em 2034, em termos de
cibersegurança, sem que
os EUA se tenham apercebido dessa diferença
de capacidades, o que
vai causar verdadeiros desastres, totalmente inesperados, para as forças
aeronavais americanas.
No mar do sul da China, um arrastão chinês,
aparentemente com incêndio a bordo, chama a atenção de uma força americana constituída por três modernos navios (destroyers). Não pede auxílio,
mas a Comodoro americana, Comandante da força, resolve enviar embarcações com equipas de assistência que combatam o
incêndio e para averiguar atitudes suspeitas. Verifica-se que se
trata de um falso arrastão, dispondo aparentemente de tecnologia
avançada, cujo Capitão se rende à Comodoro. Na realidade, o
incidente é “fabricado” pela China, com segundas intenções, para
justificar uma resposta antecipadamente planeada
88
Entretanto uma força naval chinesa, constituída por um porta-aviões nuclear e vários outros navios, surgindo sem ter sido
detetada a longa distância, efetua manobras de cerco à força
americana. Porém, vários dos sistemas de combate e de comunicações dos navios americanos deixam de funcionar, ficando estes
completamente indefesos, perante um surpreendente ciber-ataque da força naval chinesa.
A alguns milhares de quilómetros de distância (para Oeste), nas
imediações do Estreito de
Ormuz, um avião americano F-35 fazendo testes
de novos equipamentos
furtivos é conduzido para
uma base aérea iraniana,
contra a vontade do piloto. Os comandos do avião
deixam de obedecer ao
piloto e o aparelho aterra
suavemente, guiado por
uma força estranha.
A China ainda propõe
em Washington uma troca. Libertação do arrastão
chinês da tutela americana e a devolução do F-35
pelo Irão, aliado da China.
Mas, nem sequer existem
comunicações entre a
força naval americana e
os respetivos comandos
em terra (nada funciona).
Perante esta situação, a
ofensiva chinesa é terrível. Dos três destroyers,
dois são afundados e o
terceiro fica em muito
mau estado, permitindo,
contudo, o salvamento da
Comandante da força e
mais algumas dezenas de
membros da guarnição.
São sobreviventes propositados, para que possam
relatar o sucedido às autoridades americanas.
A partir de então, ambos os países entram no
jogo da ação e reação,
mas os EUA não são capazes de enfrentar com
sucesso as ciber capacidades por parte da China.
Assim, duas poderosas esquadras, lideradas por dois porta-aviões num total de 37 navios, são completamente destroçadas
pela mesma força naval chinesa. A China aproveita a fraqueza
americana para invadir Taiwan. Incapazes de reagir ao nível convencional, resta apenas uma resposta nuclear por parte dos EUA.
Recorre-se ao nível nuclear tático, para não subir de imediato ao
nível estratégico. O importante porto de Zhanjiang é atacado e
destruído. Porém, a resposta chinesa arrasa as cidades de San
Diego e Galveston. Os americanos preparam uma retaliação para
revistademarinha.com
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Escaparate
destruir três grandes cidades chinesas, mas só conseguem atingir
Xangai (37 milhões de habitantes). A Rússia (aliada da China) também tira partido da confusão instalada e invade a Polónia, com o
objetivo de obter uma ligação por terra até ao porto de Kaliningrado, no Báltico. Adicionalmente, destrói vários cabos submarinos,
provocando a interrupção da internet de 10 G em grande parte do
território dos EUA.
Talvez seja um excesso de criatividade dos autores, mas o que
se segue é uma intervenção da Índia, que, entretanto, já adquiriu
o estatuto de grande potência, com ciber capacidades de topo.
Não só elimina a grande força naval chinesa, como impede o ataque nuclear tático dos EUA a duas grandes cidades chinesas. Só
não consegue evitar a incursão a Xangai, face ao engenho americano que permite viabilizar um ataque suicida àquela cidade por
um avião isolado, dispondo de uma bomba nuclear tática. A Índia
passa então a mediar o conflito, evitando um holocausto mundial.
O enredo do livro estimula a nossa reflexão sobre a hipótese de
um conflito armado entre grandes potências nas próximas décadas e suas consequências.
Uma primeira observação prende-se com a chamada surpresa técnica, um conceito usado em estratégia militar, com ilações
muito importantes, eventualmente decisivas. Uma das partes
utiliza uma nova arma ou uma tecnologia de defesa inesperada,
que lhe confere uma vantagem determinante. Se houver tempo
e conhecimentos para reequilibrar as forças, esse é um caminho
possível. Não sendo exequível, a derrota só pode ser evitada, com
recurso às armas mais destrutivas. No caso vertente, não havendo capacidade para ultrapassar a vantagem proporcionada pelos
ciber-ataques, resta apenas o uso de armas nucleares táticas ou
estratégicas.
Esta situação levanta imediatamente outra questão, igualmente
importante. Uma falha dos serviços de informações, que não conseguiram obter os dados necessários para que os EUA não fossem apanhados completamente desprevenidos. Será que existe
um défice deste tipo? A pergunta fica no ar.
O fator humano e as questões psicológicas, de importância muito relevante, estão representadas pelas personagens imaginadas
pelos autores e que tomam as decisões aos vários níveis, exigindo
um elevadíssimo controlo emocional. Curiosamente, em 2034, o
cargo de presidente dos EUA é desempenhado por uma mulher.
Sobre a guerra nuclear haveria muitas considerações a fazer. Todavia, não sendo possível, nem adequado, alongar muito
o texto, alerta-se para o facto de haver a tentação das grandes
potências em passarem ao nível estratégico, após a deflagração
de armas nucleares táticas. Isto porque um primeiro ataque (first
strike) em larga escala pode incapacitar o adversário, o que cor-
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
· revistademarinha.com
responde a vencer a guerra, evitando uma eventual destruição
mútua. O problema é que é necessário neutralizar os submarinos
balísticos nucleares do inimigo, ou, pelo menos, a maior parte deles, o que se afigura extremamente difícil.
Seja como for, o papel das Marinhas terá sempre uma importância enorme em caso de crise grave ou conflito armado. Desde
o pretexto, ou qualquer outro fator precipitante das hostilidades,
até à intervenção dos vários tipos de navios (incluindo submarinos)
e da aviação embarcada. A mobilidade estratégica e a flexibilidade
de emprego das forças navais conferem-lhes vantagens inigualáveis. As manobras de diversão e a dissuasão nuclear fazem parte
das possibilidades de emprego.
Nos últimos cinco séculos os poderes hegemónicos foram simultaneamente os maiores poderes navais do seu tempo (estudos do Prof. António Telo). A China pretende tornar-se um poder
naval global e superar os EUA a longo prazo, ascendendo assim à
hegemonia. É o país do mundo que mais investe na Marinha, neste momento. Nos últimos 4 anos construiu, em navios de guerra,
o equivalente à Marinha Francesa.
Os autores apresentam uma situação em que a NATO estará
adormecida ou perdeu importância e a paralisação das Nações
Unidas parece compreensível, face ao conflito entre dois países
membros permanentes do Conselho de Segurança.
O cenário de uma guerra entre grandes potências nucleares
esteve afastado durante muitos anos, porque as consequências
seriam inimagináveis e ninguém poderia sair vencedor. Os EUA
e a Rússia (anteriormente União Soviética) pareciam garantir que
esta situação se manteria, face à prudência com que foram encaradas algumas crises mais agudas, nomeadamente o caso dos
mísseis de Cuba e um alarme de ataque nuclear que se revelou
falso no último momento.
Será que a ascensão da China vai aumentar a probabilidade de
um conflito militar com os EUA? Recordemos as palavras enigmáticas de Xi Jinping no dia 1 de julho de 2021, na comemoração
do centenário do Partido Comunista Chinês … vamos elevar as
nossas forças armadas ao melhor nível mundial, para salvaguardar a soberania nacional, a segurança e os nossos interesses de
desenvolvimento. Estas três facetas podem ter leituras muito sofisticadas.
O livro tem, entre outras, uma mensagem clara para os EUA.
A preparação para qualquer eventualidade a nível militar não deve
ser descurada, e torna-se crucial evitar as surpresas técnicas.
Si vis pacem, para bellum.
Victor Lopo Cajarabille
Vice-almirante, ref.
89
85.O Ano
IDENTIDADE NACIONAL: A CONDIÇÃO
PORTUGUESA E A NOSSA LÍNGUA PÁTRIA
No prefácio deste “pequeno - grande” livro, o Presidente da Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), Dr. José
Ribeiro e Castro, afirma ser uma honra estrear a coleção “Ensaios”
da Editora Principia, precisamente com este “magnífico ensaio”.
De início, foi concebido apenas como o texto da conferência
lida por uma das filhas do Prof. Doutor Engº Roberto Carneiro
- Dra. Marta Carneiro - na cerimónia de entrega do Prémio “Identidade Portuguesa - Prémio Aboim Sande Lemos”, que em 25
maio de 2018 foi atribuído a
seu Pai.
Como diz o Presidente da
SHIP, trata-se de “um texto
meticuloso (…) sinal do seu
amor: pela língua e pela identidade portuguesa”, onde o
autor nos ajuda a melhor “(…)
compreender o especial valor
e capacidade de alavanca de
três” dos (cinco) recursos estratégicos de Portugal, a saber: “a posição geográfica, a
História e a Língua (…)”, que”
na relação com a Europa e
desta connosco” lhes permite atingir “(…) a plenitude da
sua potência”.
Numa nota introdutória,
o Eng.º Roberto Carneiro
explica que este seu texto de opinião, ou “ensaio
subjetivo”, representa “uma
homenagem pessoal à nossa-minha-língua pátria, que
nos une e identifica como
traço dominante de uma
identidade única no mundo”,
tendo, no entanto, introduzido algumas alterações, dado
o facto de a sua publicação
ocorrer agora, passados três
anos da sua elaboração e já
num contexto de pandemia
que tanto tem afetado as circunstâncias em que vivemos.
Afirma pretender uma mobilização de todos, para vencer a “negatividade” dos que
parecem sempre apostados
numa “(…) doentia tendência
masoquista que se manifesta
na requintada arte de maldizer sobre a condição portuguesa no mundo”. Assim, é seu desejo
contribuir para uma visão e “determinação otimista, logo ganhadora” ante os enormes desafios do futuro, que o nosso país saberá enfrentar, como “nação tradicionalmente aberta ao mundo e
em diálogo incessante com as demais nações e culturas”.
Explica ainda, o autor, que o seu ensaio está dividido em cinco
partes: uma primeira nota de introspeção e reminiscências, em que
se nos apresenta como “(…) um luso-oriental-ilhéu impenitente(…)”;
90
uma segunda parte, em que avança pelos “(…) intrincados labirintos da identidade nacional(…)”, onde desenvolve a ideia fundamental de sermos “(…) uma Nação de Nações, uma Pátria que
não descansa de se dar ao mundo(…)”; na terceira parte, aborda
as “(…) contradições de que se encontra ferido o modo de ser lusitano(…)”; na quarta parte, reflete sobre”( …) o Mar e a Língua
Portuguesa”, evocando as inesquecíveis palavras, respetivamente,
de Virgílio Ferreira e D. Manuel Clemente, “Da minha Língua vê-se
o mar” e “O mar fez-nos Nação”; por fim, na quinta parte,
o autor faz a apresentação
muito original e feliz, de “(…)
cinco apartados para homenagear a nossa Língua Portuguesa”, dando voz a alguns
dos nossos maiores poetas
portugueses nos seus diferentes registos e cambiantes,
apresentando a Língua Portuguesa como sendo “Uma
Língua que canta o Amor como nenhuma outra”, “ Uma
Língua de sonhos e silêncios”,
Língua de comunhão entre
Humano e Divino, e entre Ser
Humano e Natureza, e Língua
da Saudade e Nostalgia.
Resta-nos felicitar vivamente, o Engº Roberto Carneiro,
por este brilhante ensaio que,
uma vez mais, é uma gozosa
reflexão e mostra de Cultura
que generosamente partilha
com todos, engrandecendo o nosso Património e alimentando o orgulho de com
ele sermos Portugueses. Ao
mesmo tempo, traz até nós
uma marca pessoal de confidência e sensibilidade familiar,
numa nota final cheia de ternura, beleza e poesia, rematada pelo belíssimo poema de
Sophia de Mello Breyner, “O
mar dos meus olhos”, dedicado às “dezassete mulheres”
da sua vida, uma “chave de
ouro” que só podemos louvar!
A Revista de Marinha
cumprimenta, igualmente, a
SHIP, na pessoa do seu Presidente, bem como a Editora Principia, pela oportuna e feliz divulgação deste ensaio, com tão cuidada e excelente apresentação.
Para aquisição, deixamos o custo do livro - 8,55€ - e os contactos da editora: e-mail
[email protected] , tel 21 467 8710,
endereço postal, Edifício Britannia, Rua Vasco da Gama, nº 60 C
2775-297 Parede.
F. F.
revistademarinha.com
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Escaparate
ATAQUE A CONAKRY
Com o subtítulo “história de um golpe
falhado”, esta obra, de que são autores
José Matos e Mário Matos e Lemos, conta-nos como decorreu a “Operação Mar
Verde”, talvez a mais ousada que ocorreu
no decurso da Guerra do Ultramar (1961 –
74), embora o Governo português nunca
reconhecesse o seu envolvimento.
Na madrugada de 22 de novembro de
1970, seis unidades atribuídas ao dispositivo naval da Guiné, as Lanchas de Fiscalização Grandes (LFG’s) CASSIOPEIA,
DRAGÃO, HIDRA e ORION e as Lanchas de
Desembarque Grandes (LDG’s) BOMBARDA e MONTANTE cercaram a península onde se situa Conakry, a capital da República
da Guiné, cerca de 200 mi a sul de Bissau.
Durante a noite, uma força militar constituída por fuzileiros, comandos africanos
e cerca de 200 membros da FNLG (movimento político de oposição ao Governo da
Guiné-Conakry) desembarcou de surpresa
nas costas norte e sul da cidade. O objetivo principal era promover um golpe de
estado na antiga colónia francesa e derrubar o regime de Sekou Touré. Outros objetivos eram a destruição das lanchas de
origem soviética do PAIGC e da Marinha
da Guiné-Conakry, libertar duas dezenas
de prisioneiros portugueses das prisões do
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
PAIGC, destruir os aviões MIG que se admitia estarem no aeroporto e capturar Amílcar Cabral, o líder do PAIGC. A operação
foi planeada e comandada pelo CTen Alpoim Calvão, embarcado na LFG ORION.
Nem todos os 25 alvos foram atingidos
com sucesso, pois falharam as informa-
· revistademarinha.com
ções e um grupo de comandos africanos
desertou; pode considerar-se um sucesso
a nível tático, mas um falhanço a nível estratégico. O Governo português de então
foi condenado nas instâncias internacionais e algumas unidades da Marinha da
URSS passaram a estacionar em permanência em Conakry.
Esta obra faz oportunas considerações
de âmbito político e estratégico e enquadra esta operação no desenvolvimento da
guerra na Guiné com o PAIGC.
Diversas fotos valorizam o texto, designadamente as do Cte. Luís Costa Correia,
então Comandante da LDG MONTANTE.
Os autores, José Matos e Mário de Matos e Lemos, estão de parabéns por esta
obra, que merece o nosso aplauso. José
Matos é investigador em História Militar e
colaborador da Revista Militar. Mário de
Matos e Lemos foi jornalista e entre 1972
e 1998 Conselheiro Cultural e de Imprensa
em diversas Embaixadas e Diretor do Centro Cultural Português de Bissau.
Este livro tem o preço de capa de
14,75€. Aqui deixamos os contactos da
Editora Fronteira do Caos, tel 22 502 5005,
e-mail
[email protected].
A.F.
91
85.O Ano
MEMÓRIAS DE FOZ CÔA
António Rui Prazeres de Castilho, nascido em 1937, em Matosinhos, vive hoje em
Vila do Conde, depois de uma vida cheia,
com passagem pelos Açores, na sua infância, regresso a Matosinhos, escolaridade
no Colégio Militar, e mais tarde, intensa vida profissional entre 1956 -74, em Angola
e Moçambique e depois já na Metrópole.
Sempre gostou de vela, a ela dedicando parte do seu tempo, tendo realizado
diversas viagens, entre elas, 4 travessias
do Atlântico Norte, Brasil, Atlântico Sul e
Mediterrâneo. Por fim, mais recentemente,
e já com 80 anos, deu a Volta ao Mundo
num pequeno veleiro ...
“Memórias de Foz Côa”, como o nome
indica, nada tem a ver com o mar, mas,
curiosamente, fala-nos de um outro tipo
de viagem. Desta vez, o autor empreende
uma viagem no tempo, em concreto, convida-nos a retroceder várias dezenas de
anos, até um mundo delicioso cheio das
suas recordações de infância e adolescência, do tempo de férias de verão em Foz
Côa, em casa da sua querida e maravilhosa Avó Cândida de Jesus Margarido, viúva
de Guilherme Alberto Ferreira de Castilho,
natural de Reboredo, ligado aos vinhos do
Porto.
Nesta narrativa familiar e sentimental o
autor deixa-nos um registo da vida da época
e apresenta-nos esta
belíssima zona do Douro vinhateiro, pejada de
personagens, desde
os vários membros da
família Castilho e seus
primos Pires de Lima
e Margarido, que em
Foz Côa viviam ou passavam férias, até aos
trabalhadores da casa
que com eles conviviam, e aqui são carinhosamente evocados
pelas suas alcunhas
e pelo seu precioso
trabalho. Alguns episódios, como as burricadas, piqueniques e vindimas, entre outros,
são tão realistas e tão bem descritos, que
mais parecem uma pintura! Aqui e ali, com
uma deliciosa nota de humor e pormenores de grande interesse, desde o relato da
viagem entre Porto e Pocinho, com direito
a aula de Geografia ao vivo e uma merenda
inesquecível, “Memórias de Foz Côa” é, sem
pretensões, como que
um documento etnográfico com interesse
não só para as famílias
aqui mencionadas, como também para todos
os que se interessam
por Foz Côa e seu passado, bem como pelos
usos, costumes e trabalhos de então, na linda paisagem do Douro
vinhateiro.
A RM agradece a
oferta deste livro e felicita o seu autor, Rui
Castilho, que assim
cumpre com sucesso
o desígnio de transmitir às gerações vindouras as recordações do que era sempre
“Uma Grande Festa” – as férias em Foz
Côa!
A quem tenha interesse, a RM facultará, com gosto, os contactos do autor.
F.F.
REVISTA GENERAL DE MARINA
Trata-se de um órgão oficial do Ministério da Defesa de Espanha, de periodicidade mensal e de formato de bolso. Nas suas
cerca de 200 páginas aborda temas profissionais da Marinha de Guerra de Espanha,
relações internacionais e história naval.
A revista que comentamos, relativa a
ago / set de 2021, é um número especial,
dedicado ao 450º aniversario da batalha
naval de Lepanto.
Abre com um editorial do Almirante Martorell Lacave, Chefe
do Estado-Maior da
Armada de Espanha
(AJEMA). Nas suas
palavras congratula-se por se ter dedicado o número bimestral
de verão da revista a
um tema de especial
interesse para Armada de Espanha. E
assinala algumas consequências da vitoria
das forças navais da
92
Santa Liga em Lepanto, no Golfo de Patras, em 7 de outubro de 1571.
Os quinze artigos que integram este
número abordam também as relações
com o Islão no norte de África, onde Portugal é referido, e as táticas e os meios
navais da época. E até a influencia de
Lepanto na cultura, não esquecendo que
Miguel de Cervantes Saavedra (1547–
1616) participou nesta
batalha, onde foi ferido, combatendo na
galé MARQUESA, na
Esquadra de D. Álvaro
de Bazan.
A Esquadra da
Santa Liga (Espanha, Veneza, Génova, Estados Papais,
Ducados Italianos e
a Ordem de Malta),
liderada por D. João
de Áustria obtém uma
vitória expressiva na
maior batalha naval
do século XVI: a frota
revistademarinha.com
turca perde 190 galés face às 12 da Santa
Liga, o número de baixas turco foi superior
a 30.000, para menos de 10.000 cristãos,
e libertaram-se 12.000 escravos, cristãos
na maioria, remadores das galés turcas.
Apenas algumas poucas unidades, com
Uluch Ali, puderam fugir do desastre.
Em síntese, uma revista temática muito oportuna, com artigos assaz interessantes que nos permitem compreender
melhor as razões e as consequências de
uma batalha que moldou o futuro da Europa e cuja efeméride, entre nós, passou
praticamente despercebida. E pela sua
importância militar e política, talvez não
devesse ter sido assim.
Esta revista pode ser assinada, com
um custo anual de 30€, e adquirida online
através do e-mail publicaciones.venta@
oc.mde.es. A redação tem os seguintes
contactos: tel (0034) 91 379 5107, e-mail
[email protected], endereço postal Cuartel General de la Armada, Montalban, 2,
28071 Madrid, Espanha.
A.F.
· 1025 Janeiro/Fevereiro 2022 · Revista de Marinha
Escaparate
MEMÓRIAS DA GUERRA E DO MAR
No passado dia 2 de dezembro foi apresentado na Academia
de Marinha o livro Memórias da Guerra e do Mar, coordenado pelo Prof. Doutor João Moreira Freire e publicado pela Editora
Náutica Nacional.
Nas suas 258 páginas, o Prof. João Freire apresenta-nos
meia centena de episódios marítimos ocorridos com marinhas
estrangeiras na primeira metade do Século XX. O coordenador afirma que … referem-se a diversos momentos cruciais da
guerra naval nos conflitos mundiais de 1914-1918 e de 19391945, bem como outros acontecimentos marítimos tais como
naufrágios, viagens de aventura e descoberta ou motins de
marinheiros.
Alguns dos episódios descritos neste livro fazem parte das memórias dos que se dedicam ao estudo da História Marítima, mas
outros há que são pouco conhecidos. No primeiro grupo estão
episódios como:
– A Batalha de Tsushima travada
em 27 e 28 de maio de 1905, uma
pesada derrota militar russa que perdeu 34 dos seus 37 navios.
– O afundamento do TITANIC, em
13 de abril de 1912.
– A Batalha da Jutlândia, travada
em 31 de maio de 1916; um alemão
e um britânico, que participaram no
combate, deixam-nos as suas visões
do mesmo acontecimento.
– O afundamento da Esquadra de
Alto-Mar Alemã internada em Scapa
Flow. Vendo aproximar-se a data final de vigência do Armistício, o Almirante Reuter decidiu afundar os seus
navios em 21 de junho de 1919.
– O ataque de Gunther Prien, com
o seu U-47, à base naval britânica de
Scapa Flow, em 14 de outubro de
1939, uma das mais arrojadas ações
durante a II Grande Guerra Mundial
(II GGM).
– A Batalha do Rio da Prata. O
couraçado de bolso GRAFF SPEE,
foi detetado por uma divisão naval
britânica ao largo do Rio da Prata
em 13 de dezembro de 1939. Danificado no combate, o navio alemão
recolheu-se a Montevideu, um porto
neutro. No dia 17, o navio foi afundado pela sua própria guarnição no Rio da Prata.
– A Retirada de Dunquerque, de cerca de 340.000 homens, por
uma frota de 850 embarcações de todos os tipos.
Todos estes episódios foram profundamente divulgados, geraram livros, artigos e filmes. Outros episódios são menos conhecidos como:
– A Revolta dos Marinheiros da Esquadra Brasileira, em 1910,
que contestavam a dureza da vida a bordo.
– A revolta nos navios da marinha francesa em 1919; combatendo no Mar Negro contra os bolcheviques, foram influenciados
pela sua doutrina.
– A greve dos marinheiros da Royal Navy contra o corte de 25%
dos seus vencimentos em 1931.
Revista de Marinha ·
1025 Janeiro/Fevereiro 2022
· revistademarinha.com
– Na época da Diplomacia da Canhoneira, o coordenador refere-nos os problemas diplomáticos criados pela canhoneira alemã
PANTHER durante a sua visita a Angola em 1912.
– O combate do cruzador alemão KOENISBERG contra os britânicos, travado com o navio camuflado pela floresta do delta do
rio Rufigi, na África Oriental Alemã. A guarnição do cruzador, foi
engrossar a força de Von Lettow-Vorbeck, levando as peças de
artilharia que resgatara do navio.
Da Guerra Civil de Espanha estão referidos dois episódios trágicos; a revolta da marinhagem a bordo do couraçado JAIME I e o
afundamento do cruzador nacionalista BALEARES.
Da II GGM temos o drama da esquadra francesa. Temendo que
os navios caíssem nas mãos dos alemães, após a rendição francesa em 1940, o governo britânico deu ordens para que os navios
franceses fossem aprisionados ou destruídos; atacados em Orão
e Dakar a maioria dos navios franceses é inutilizada. E em 1942, quando
a Alemanha ocupou o sul de França, o governo de Vichy é forçado a
afundar os navios estacionados em
Toulon.
Mas esta obra leva-nos também a
episódios não militares de que realço:
– As navegações e explorações
polares do início do século XX que
levaram, logo em 1901, quatro expedições à Antártida.
– O problema das águas territoriais e a sua extensão, durante longo
tempo, assente nas 3 mi ou no alcance do tiro de peça. Mas o progressivo alcance da artilharia, levou a
tentativas de rever este conceito no
início do Século XX, como nos explica o conselheiro Jaime Forjaz de
Serpa Pimental em artigo nos Anais
do CMN (1905).
– Relativamente às explorações
submarinas, surgem-nos dois textos.
Um sobre o mergulho em apneia, outro sobre o mergulho em profundidade utilizando veículos especiais – os
batiscafos – cujo primeiro ensaio nas
águas de Cabo Verde em 1948 se
saldou por um fracasso.
– O naufrágio do PAMIR, em 21 de setembro de 1957, ao largo dos Açores, é um dos mais trágicos acidentes do Século XX.
Esta barca de 4 mastros que servia de navio-escola da marinha
mercante alemã, foi surpreendida por uma tempestade tropical, e
afundou-se. Da tripulação de 93 homens, dos quais 53 cadetes,
apenas se salvaram 6.
O livro termina com a referência à presença do primeiro submarino nuclear americano – o NAUTILUS – no Pólo Norte em 1958.
Este livro, com o custo de 20€, poderá ser solicitado à Editora
Náutica Nacional, Lda, tel 91 996 4738 ou 21 580 9891, e-mail
[email protected] .
José António Rodrigues Pereira
93
85.O Ano
A Revista de Marinha
há mais de oitenta anos… nº 79
ste número da RM, que hoje comentamos, referido a 20
de abril de 1940, faz capa com o aviso de 1ª classe AFONSO DE ALBUQUERQUE fundeado na baía do Funchal.
A abrir, uma referência à batalha da Noruega, ainda a decorrer
e de resultado incerto. A invasão da Dinamarca e da Noruega
por forças alemãs ocorreu
na madrugada do dia 9 de
abril de 1940. A resistência
dinamarquesa foi fraca e
durou horas; não foi assim
na Noruega, que mobilizou
as suas forças armadas e
que resistiu com o apoio
dos aliados franco-britânicos
que deslocaram para a área
significativas forças navais
e que desembarcaram em
Narvique.
Na crónica da situação
internacional, Francisco Velloso, redator do Diário de
Notícias, aborda a situação
com o texto “O grande desafio de Hitler à Inglaterra”
e o esclarecedor subtítulo
“a invasão da Noruega e
a ocupação da Dinamarca
pela Alemanha mudaram a
face da guerra”. As águas
territoriais norueguesas eram
contadas a partir de uma
fiada de ilhéus costeiros e
continham canais navegáveis usados pela navegação
mercante alemã que trazia o
minério de ferro sueco para a
indústria do Reich; terá sido
a ameaça aliada de minar estes canais que despoletou a
invasão alemã.
Na crónica da guerra no
mar um enigmático CFrag X aborda o tema “O domínio da superfície e a guerra de minas”. Depois de nos recordar que a mina
submarina foi inventada pelo americano Bushnell e empregue
com sucesso na Guerra Civil Americana, analisa os seus resultados na I Grande Guerra, que considera muito inferiores aos da
arma submarina. Em novembro de 1939 as minas magnéticas
E
alemãs, uma novidade, obtém algum sucesso; mas em breve os
britânicos conseguem abrir e estudar uma e definir novas táticas
de rocega e o degaussing dos navios.
Uma notícia dá-nos conta que o JEAN BART, o segundo couraçado francês de 35.000 tons foi recentemente lançado à água.
Juntamente com o RICHILIEU, e os CLEMENCEAU e
GASCOGNE, que não seriam
concluídos, dariam à França uma magnifica esquadra
de navios de linha. Armados
com oito peças de 380 mm,
protegidos por uma espessa
couraça de aço e com uma
potencia de máquinas de
150.000 CV’s eram unidades
de elevado valor militar.
Na rubrica “A guerra no
mar – os acontecimentos
enumerados e resumidos
dia a dia” inventariam-se as
ocorrências entre 6 e 31 de
março de 1940. Ataques à
navegação mercante e de
pesca aliada por aviões e
submarinos alemães, colisões com minas, a eliminação de alguma navegação
mercante alemã por cruzadores ingleses … nada de
novo nos mares. A registar
o apresamento do CASSEQUEL por um navio francês;
levado para Casablanca e
inspecionado, foi libertado,
entrando no Tejo a 23 de
março.
Numa curiosa noticia ilustrada, referida a escala na
cidade da Beira do aviso de
2ª classe PEDRO NUNES, no
decurso de um périplo de África.
Alguns anúncios de estaleiros e de companhias de navegação
completam este número, com um preço de capa de 2$50, sem
alteração desde janeiro de 1937.
A.F.
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. . . ·. .Revista
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1025Setembro/Outubro
Janeiro/Fevereiro
2021
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Ano 2022
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