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REVISTA de MARINHA, 1023, Setembro-Outubro, 2021

2021, Revista de Marinha

Ambiente, Ciência e Tecnologia

SETEMBRO OUTUBRO 2021 www.revistademarinha.com Ambiente, Ciência Tecnologia & Diretor: Alexandre da Fonseca Nº 1023 - setembro/outubro 2021 - Preço Continente - 5,50 € - PERIODICIDADE BIMESTRAL FICHA TÉCNICA ANO: 84 Nº 1023 FUNDADOR MAURÍCIO DE OLIVEIRA ANTERIORES DIRETORES MAURÍCIO DE OLIVEIRA GABRIEL LOBO FIALHO EDITOR/DIRETOR ALEXANDRE DA FONSECA DIRETOR ADJUNTO JOÃO RODRIGUES GONÇALVES LUÍS MIGUEL CORREIA SÍTIO NA INTERNET JOÃO RODRIGUES GONÇALVES COLABORADORES PERMANENTES ANTÓNIO BALCÃO REIS ANTÓNIO PETERS ARMANDO MARQUES GUEDES ARTUR PIRES (Setúbal/Sesimbra) AUGUSTO SALGADO CARLOS ALBERTO TIAGO (Peniche) ÉLVIO LEÃO (Porto Santo) FERNANDO PAIVA LEAL (Leixões) ISABEL PAIVA LEAL (Leixões) ISABEL PEREIRA (Faro) JOÃO BRITO SUBTIL (S. Miguel/Açores) JOÃO FERNANDES ABREU (Madeira) LUIS FILIPE MORAZZO (Sotavento/Alg.) LUIS MONTEIRO (Barlavento/Alg.) MANUEL OLIVEIRA MARTINS (Viana do Castelo) MIGUEL VIEIRA DE CASTRO (Sines) ORLANDO TEMES DE OLIVEIRA PAULO GAMA FRANCO REINALDO DELGADO (Póvoa de Varzim/Vila do Conde) RUI MATOS Os artigos publicados na Revista de Marinha e assinados refletem as perspetivas dos seus autores. Os artigos e fotografias incluídos nesta edição não podem ser reproduzidos sem autorização. Capa: Mergulhando com jamantas, em agosto de 2021, em Santa Maria, nos Açores, um spot de mergulho que atrai já, por ano, umas centenas de turistas no nicho “turismo de mergulho”. Obs: os créditos fotográficos são de Maria Póvoa Pinto (myphtoprint), a quem muito agradecemos a cedência da imagem. ÍNDICE DE ANUNCIANTES CLICK & BOAT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CAPA CASA DA SENHORA DO OUTEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04 GALP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05 SCMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09 AVG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 DOCAPESCA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 GRUPO SOUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 APSS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 DYRUP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 BITCLIQ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 TECNOVERITAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 PLANETÁRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 UAVISION . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 ETE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 GOCLEVER . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 WEST SEA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 YACHTWORKS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 MOBILIFT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 INDRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 BENSAÚDE MARÍTIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 INDUMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 REBOPORT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 MYSTIC CRUISES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 XSEALENCE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 SUNCONCEPT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 LINDLEY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 AVE ROWING . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 CONFORNAULUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 LOJA DO MUSEU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 EDIÇÕES REVISTA DE MARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 SEAVENTY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 RADIO HOLLAND . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA IH . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA REPSOL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CONTRA-CAPA Prefácio O número de set / out da vossa revista faz foco, como habitualmente nesta edição, nos temas do ambiente, ciência e tecnologia; uma palavra de destaque para o ambiente e para a sustentabilidade, cada vez mais importantes, até porque o mar é determinante na evolução das alterações climáticas e estas tudo condicionam. A Guarda Nacional Republicana é uma prestigiada força de segurança que com assinalável sucesso tem assegurado o patrulhamento das zonas rurais e suburbanas do nosso país. Contudo, o encalhe do patrulha costeiro BOJADOR no passado dia 1 de setembro, junto à praia de Carcavelos, suscita-nos o comentário de que cada organização deverá fazer aquilo para que tem vocação. E, em nossa opinião, a GNR tem vocação para operar em terra, o que faz há muito tempo, com muita dignidade e profissionalismo. A pandemia desorganizou as cadeias logísticas, fez aumentar os custos dos fretes marítimos e disparar o preço dos contentores. O Baltic Dry Index em 7 set estava nos 3.707 pontos, muito acima dos 1.200 pontos de nov 2020. Existem já sinais de acalmia, mas ainda vai demorar algum tempo até a situação normalizar. Os navios de cruzeiro estão também a recuperar, embora com alguma lentidão; Funchal, Leixões e Lisboa já os aceitam de novo e o armador Mystic Cruises (Grupo Douro Azul) tem unidades a operar no Mediterrâneo, Báltico e nos Fiordes da Noruega; de igual modo, vai demorar algum tempo até recuperar ao nível pré-pandemia. Uma palavra para o novo porta-aviões da Royal Navy, o QUEEN ELIZABETH II, equipado com aeronaves F-35 de origem americana, que iniciou o seu primeiro cruzeiro operacional. Depois de participar em exercícios NATO e de operar com o CHARLES DE GAULE no Mediterrâneo, o navio cruza agora o Pacífico, escoltado por navios da Marinha da Austrália. Um regresso da Royal Navy ao Far-East, onde a China e a Coreia do Norte fazem aumentar a tensão política. Uma palavra para o IPMA, de aplauso, que depois de um prolongado período de adaptações e reparações iniciou os cruzeiros científicos com o N.I. MÁRIO RUIVO, uma plataforma com significativas capacidades, agora à disposição da nossa comunidade científica. Na área tecnológica registam-se iniciativas com muito potencial nas áreas da energia eólica offshore, da energia das ondas, nos veículos autónomos aéreos e submarinos e em aplicações digitais na gestão das pescas, na administração e segurança marítimas, e na logística portuária. Na biotecnologia marinha existem iniciativas de valorização dos nossos recursos com significativo potencial. Na aquacultura decorrem mais de 80 projetos, na maioria no Algarve, com investimentos da ordem dos 100 M€. A disponibilidade próxima de mais fundos europeus tem vindo a aumentar as expetativas … A fechar, uma referência ao Campeonato Mundial de “Remo de Mar”, que se realiza em fins de setembro nas proximidades das praias de Oeiras. Votos de muito sucesso para este evento, e para uma muito promissora modalidade desportiva! Alexandre da Fonseca [email protected] Estatuto Editorial A Revista de Marinha é uma publicação cujo título é propriedade da firma “Editora Náutica Nacional, Lda”, sociedade por quotas, sendo seus únicos sócios o presente editor e diretor e sua mulher. O tema central da revista é o Mar, cuja importância na economia, na segurança, na cultura e na identidade nacional é por demais evidente. Este tema será abordado nas suas múltiplas facetas, com destaque para os assuntos relativos às ciências do mar, às atividades portuárias e às Marinhas de Guerra, de Comércio, de Pesca e de Recreio, quer de Portugal, quer dos outros Estados lusófonos. A Revista de Marinha é uma publicação periódica, bimestral, independente, que se rege por critérios jornalísticos rigorosos. Os artigos e as notícias que insere terão uma análise factual, a procura do contraditório e quando aplicável, farão uma crítica construtiva. Os autores dos artigos serão diversificados, acolhendo-se sobre o mesmo tema opiniões diversas, que possibilitem aos nossos leitores – a nossa verdadeira razão de ser – formarem eles próprios a sua opinião. Na orientação geral dos conteúdos da revista, no seu equilíbrio e no relevo dado aos vários assuntos será tida em conta a opinião do Conselho Editorial. Revista de Marinha (ERC nº 104351): Endereço da Sede e Redação - Av. Elias Garcia, Nº 20, 4º Esq. 1000 -149 Lisboa. Propriedade da ENN – Editora Náutica Nacional, Lda., NIPC 501 700 536. Tm. 91 996 47 38, Tel. 21 580 98 91, e-mail: [email protected], www.revistademarinha.com; a ENN está inscrita no registo das empresas jornalísticas sob o nº 211781; Depósito legal nº 18 573/87. O capital desta empresa está repartido por duas quotas iguais, de 50% cada, pertencentes a Henrique Alexandre Machado da Silva da Fonseca e Maria de Fátima Rueda Cabral Sacadura Alexandre da Fonseca. Paginação, Impressão e Acabamento: Estria, Produções Gráficas, S.A., Rua Torcato Jorge, Nº 1, Sub-Cave, 2675-359 Odivelas, Tel. 21 938 56 69, E-mail: [email protected]; Site: estria.wix.com/estria; Tiragem deste número: 2900 exemplares; Distribuição: VASP, Tel. 21 439 85 07. 84.O Ano Sumário ATUALIDADE NACIONAL FREDERICO REZENDE PLANEIA NOVO RAID EM MOTA DE ÁGUA .................................. 18 VIAGEM INAUGURAL DO WORLD NAVIGATOR .................................................. 5 O RINM - MAR CRESCEU NO I SEMESTRE DE 2021 .... 19 Revista de Marinha VISITA A FIRMA EID ..................... 6 APS CELEBRA PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO COM OS PORTOS DA GUINÉ-BISSAU ............................ 6 CADETES DA ESCOLA NAVAL GANHAM PRÉMIO INTERNACIONAL ............................................... 6 CRUZEIRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CRUZEIRO - 2021 ....................................................... 7 IN MEMORIAM ANTÓNIO RUI ABOIM .............................. 7 FORMAÇÃO E TREINO ENTREVISTA DESENVOLVIMENTO DO PROJETO DA I&D USV - ENAUTICA1 ............................................. 50 Revista de Marinha ENTREVISTA OS RESPONSÁVEIS PELA AVE ROWING BOATS ................ 20 HISTÓRIA MARÍTIMA AMBIENTE MARÍTIMO QUATRO SÉCULOS DE SERVIÇO, NO MAR E EM TERRA ................................................... 65 REGENERAR O OCEANO .............................................. 22 CONSERVAÇÃO DOS MANGAIS EM ÁFRICA ................ 28 NOVO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA “PORTOS DOS AÇORES” .......................................... 8 AMEAÇAS ÀS AVES MARINHAS EM PORTUGAL .......... 30 APS CONCESSIONA A MARINA DE SINES ..................... 8 PLANETÁRIO CALOUSTE GULBENKIAN – CENTRO DE CIÊNCIA VIVA ......................................... 58 EMISSÕES DE SHIPIING EM DEBATE NO PARLAMENTO EUROPEU ......................................... 9 A RENOVAÇÃO AMBIENTAL DE NAVIOS PRÉ-2000: M/S VASCO DA GAMA ................................ 60 CLUBE DE VELA DO BARREIRO INAUGURA INSTALAÇÕES RENOVADAS ......................................... 10 HIGH SPEED BOAT OPERATIONS FORUM 2021 ................................................................. 10 SECRETÁRIA DE ESTADO DAS PESCAS DE ANGOLA VISITOU PORTUGAL ................................. 10 JORNADAS DO PROJETO GUAD 20 ............................. 11 EVOCAÇÃO DO NAUFRÁGIO DO NAVIO NUMANCIA ................................................... 11 PORTOS 4.0, PORTOS MARÍTIMOS COM UM NOVO MOTOR ............................................... 46 CIÊNCIA & TECNOLOGIA DUAS UNIDADES NAVAIS DA KRIEGSMARINE NA PARADA NAVAL DE 1938 ....................................... 68 O REGRESSO DA NAU VICTORIA E A CONFIRMAÇÃO DA CIRCUM-NAVEGABILIDADE DA TERRA ................... 70 CULTURA MARÍTIMA O GALEÃO MECÂNICO DE AUGSBURGO ..................... 72 CRÓNICAS MADEIRA: A PESCA APOIADA NA INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA .................................... 26 INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO DOMÍNIO DOS SISTEMAS DE COMUNICAÇÕES NAVAIS: DO PRESENTE AO FUTURO .......................................... 62 NAVIOS DO DESPACHO 100 ......................................... 74 TRANSPORTES & LOGÍSTICA ....................................... 76 SEGURANÇA MARÍTIMA ................................................ 78 O MAR E AS LEIS .......................................................... 80 MERGULHO ................................................................... 82 ENERGIAS RENOVÁVEIS MARINHAS ............................ 84 NAVEGAÇÃO, HIDROGRAFIA E OCEANOGRAFIA MODELISMO .................................................................. 86 VASCO DA GAMA REMODELADO NA LISNAVE .......................................... 12 RADARES DE ALTA FREQUÊNCIA E SUA UTILIZAÇÃO NA OCEANOGRAFIA E NA MONITORIAZAÇÃO DE TSUNAMIS ....................... 31 PATRIMÓNIO MARÍTIMO ............................................... 90 LINDLEY EQUIPA INFRAESTRUTURA NÁUTICA DO TERREIRO DO PAÇO ............................... 13 ROV LUSO À DESCOBERTA DO MAR PROFUNDO ...... 34 ESCAPARATE RUBEN EIRAS ASSUME AS FUNÇÕES DE SECRETÁRIO-GERAL DO FÓRUM OCEANO ................. 13 ECONOMIA DO MAR A AÇÃO NAVAL E DIPLOMÁTICA PORTUGUESA NA GRANDE CRISE DA CHINA (1826-28) ...................... 92 GRANDE REGATA DE BARCOS MOLICEIROS ............... 14 DIGITALIZAR, DESCARBONIZAR E ‘CIRCULARIZAR’ O MAR ............................................ 37 FUZILEIROS ................................................................... 94 PORTO DE SETÚBAL SERVIDO POR TERMINAL LOGÍSTICO AUTOMÓVEL..................... 14 REGRESSO AO MAR… A REMAR ................................. 53 NAVEGAÇÃO A VAPOR ENTRE O CONTINENTE E OS AÇORES ..................................... 94 NOVA OCEAN: EM PROL DO OCEANO ......................... 12 RACING FOR THE PLANET RECEBE A VISITA DO MINISTRO DO MAR ................................... 15 NOVO COMANDANTE DO CORPO DE FUZILEIROS .......................................... 16 PORTO DE SETÚBAL REABILITA DOCAS DE PESCA E DAS FONTAINHAS .................................... 16 ATLAS OCEAN VOYAGES ............................................. 16 FUNCHAL HOTEL FLUTUANTE ..................................... 17 SINES ENTRE OS 100 MAIORES TERMINAIS DE CONTENTORES .................................... 17 DESPORTOS NÁUTICOS ............................................... 88 REVISTA MILITAR .......................................................... 93 A PIRATARIA MARÍTIMA ................................................ 96 PESCA, AQUACULTURA, SALINICULTURA E ALGAS REVISTA AGEPOR ......................................................... 96 “OCEANO FRESCO” — A INOVAÇÃO AO SERVIÇO DA AQUICULTURA SUSTENTÁVEL ................ 40 ARQUIVO HISTÓRICO A Revista De Marinha HÁ MAIS DE OITENTA ANOS… Nº 77 ........................................... 97 PORTOS & ATIVIDADES PORTUÁRIAS JANELA ÚNICA LOGÍSTICA: INOVAÇÃO E DIGITALIZAÇÃO DO SETOR PORTUÁRIO NACIONAL ................................................ 43 ASSOCIAÇÃO “ECONOMIA AZUL – UNIDOS PELO MAR” O OCEANO EM MOVIMENTO, A COOPERAÇÃO ENTRE POVOS ................................... 98 Apartamentos Turísticos TO N O C S DE OS A % 0 2 DE S 4 Casa da Senhora do Outeiro NTE A N I S AS ISTA V E R DA INHA R A M DE revistademarinha.com • ALGARVE • COLARES • BEIRA ALTA · Outeiro de Matados Chãs de Tavares – 3330-034 Mangualde E-mail: [email protected] Tel.: Setembro/Outubro 215 809 891 / Tlm.: 964 738 1023 2021 919 · Revista de Marinha Viagem Inaugural do WORLD NAVIGATOR o dia 24 de julho de 2021, cerca das 16h00, largou do Cais do Bugio do Porto de Viana do Castelo com destino ao Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões, onde atracou no dia seguinte, mais uma nova unidade do armador Mystic Cruises, o M/S WORLD NAVIGATOR. A cerimónia protocolar de “troca de placas” realizou-se no dia 23 estando presentes Joaquim Gonçalves em representação da Administração da APDL, Vitor Figueiredo, representante do Estaleiro West Sea, construtor do navio, Comandante Hugo Bastos em nome do armador Mystic Cruises, o Comandante do navio Cap. Filipe Sousa e, pela N Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 ADETA, Agentes de Navegação, Pedro Batista, comemorando desta forma a viagem inaugural deste novo navio de cruzeiros. Esta unidade é a terceira da gama “EXPLORER”, de construção integralmente nacional, fazendo parte de uma encomenda inicial de três unidades (EXPLORER, VOYAGER e NAVIGATOR). O WORLD NAVIGATOR, tal como os anteriores da sua classe, foram construídos com base no Código Polar (classe gelo) e estão equipados com um sistema de propulsão híbrido. Têm capacidade para 200 passageiros e 112 tripulantes, seguindo os mais elevados padrões de qualidade, conforto e se- · revistademarinha.com gurança e foram concebidos para o nicho de mercado dos “cruzeiros de expedição”. De acordo com o anúncio feito há cerca de ano e meio pelo estaleiro “West Sea”, irão ser construídas mais quatro unidades para a Mystic Cruises, de expedição polar da classe ‘ICE’ e da gama “EXPLORER”, no valor unitário de 286,7 milhões de euros, formando assim uma frota de 7 navios, que serão autênticos embaixadores de Portugal, mostrando ao mundo por onde aportam as numerosas marcas de empresas portuguesas utilizadas na sua construção. Manuel de Oliveira Martins 5 FOTO: LUÍS MIGUEL CORREIA. Atualidade Nacional 84.O Ano Revista de Marinha VISITA A FIRMA EID e estabelecidas as bases de uma colaboração aprofundada, sendo na ocasião assinalado que as relações entre a EID e a RM têm lugar há mais de uma década. Após a reunião, acompanhados pela Diretora de Marketing, Dra. Célia Cerdeira e pelo Engº José Luis Reis, a delegação da RM teve a oportunidade de visitar demoradamente as instalações da EID e de tomar contacto com alguns dos seus mais interessantes projetos. No passado dia 1 de junho o Diretor da RM, V/Alm Alexandre da Fonseca e o Diretor-Adjunto, Cmg João Rodrigues Gonçalves visitaram a firma “EID – Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Eletrónica, S.A.” na Charneca da Caparica. No encontro que teve lugar com o CEO da firma visitada, Engº Frederico Lemos, que iniciou funções em 1 de dezembro de 2020, foram apresentados cumprimentos APS CELEBRA PROTOCOLO DE COOPERAÇÃO COM OS PORTOS DA GUINÉ-BISSAU dos Portos de Língua Portuguesa. Os domínios da cooperação centram-se, entre outros, na permuta de informação e no Intercâmbio técnico, proporcionando a realização de estágios, consultadoria técnica e formação com a participação de profissionais das duas entidades. O reforço da imagem do Porto de Sines junto da comunidade marítimo-portuária é um vetor importante da estratégia da APS, pelo que ações como esta contribuem para reforçar a notoriedade do Porto de Sines no contexto internacional, particularmente junto dos portos da CPLP. A Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS) celebrou um protocolo de cooperação com a Administração dos Portos da Guiné-Bissau (APGB) que tem como objetivo o intercâmbio de conhecimentos e experiências profissionais no domínio da atividade portuária entre estas duas administrações. Este documento, assinado em Sines no dia 28 de julho, enquadra-se no relacionamento histórico e cultural entre Portugal e a Guiné-Bissau, que no âmbito marítimo-portuário se materializa na cooperação existente ao nível da APLOP – Associação CADETES DA ESCOLA NAVAL GANHAM PRÉMIO INTERNACIONAL Os dois cadetes-alunos da Escola Naval de Portugal, foram premiados pelo “espírito desportivo mais positivo ao longo do campeonato”, no 52º Campeonato Mundial Militar de Vela. O Campeonato Mundial Militar de Vela 2021 decorreu em Marín (Pontevedra), Espanha, no período de 6 a 12 de junho, sob a égide do Conselho Internacional do Desporto Militar (CISM). O programa de 12 provas foi ganho pela equipa militar italiana, que venceu oito etapas, disputadas todos os dias em ótimas condições climatéricas, com ventos predominantes entre 8 e 18 nós. Cada equipa utilizou uma embarcação da classe snipe, sendo constituída por dois atletas (1 feminino e 1 masculino), representando nove países: Espanha, Estados Unidos da América, Dinamarca, França, Grécia, Itália, Portugal, Rússia e Ucrânia. Portugal fez-se representar por uma comitiva da Escola Naval, que incluiu os velejadores Cadetes-Alunos Francisca Maurício e 6 Miguel Ribeiro, acompanhados pelo seu treinador, 2º Ten. Pedro Frazão, e pelo chefe de missão, o CTen. Pedro Dias. A cerimónia de encerramento, presidida pelo Almirante Fausto Escrigas, Chefe do Pessoal da Armada Espanhola, decorreu no dia 16 de junho, tendo a equipa portuguesa sido agraciada com o prémio FAIR-PLAY, por ter demonstrado … o espírito desportivo mais positivo ao longo do campeonato. A Revista de Marinha congratula a Marinha de Guerra e a Escola Naval pelo sucesso da sua participação neste campeonato mundial de vela. Caso algum dos leitores queira seguir os passos da Francisca Maurício e do Miguel Ribeiro, e tenha a idade adequada, aproveite para concorrer à Escola Naval. Mais informações no site https://escolanaval.marinha.pt/pt. João Gonçalves revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional CRUZEIRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE CRUZEIROS - 2021 500 ANOS DA VIAGEM DE FERNÃO DE MAGALHÃES Na manhã de 22 de julho, mais de 30 veleiros escoltados por embarcações da Marinha do Tejo partiram da Doca de Alcântara para a IV Travessia Lisboa – Andaluzia – Ceuta – Alcoutim. Iniciativa que pôde ser apreciada em direto nas margens do Tejo e através da Webcam Tejo Live, no portal do Porto de Lisboa. A IV Travessia da ANC insere-se nas Comemorações dos 500 Anos da Primeira Viagem de Circum-navegação de Fernão de Magalhães, com um programa de 3 semanas e passagem por vários portos na Andaluzia e Norte de África. A iniciativa terminou no dia 11 de agosto, em Alcoutim, subindo o Guadiana para festejar a primeira aventura marítima global, iniciada pelo navegador português em 1519 e terminada em 1522, pelo navegador espanhol Juan Sebastian Elcano. A organização da IV Travessia foi da responsabilidade da Associação Nacional de Cruzeiros (ANC) e da sua congénere espanhola, Association dos 500 Años Primera Circunnavegación a Vela, que uniram esforços e levaram a cabo esta iniciativa, com início em Lisboa e o apoio da Administração do Porto de Lisboa (APL). O programa formal de eventos das Comemorações (con- dicionado às normas e planos de contingência de cada local a que aportaram, face ao ambiente pandémico) tiveram início em Lisboa, no dia 20 de julho. Contudo, a partir de dia 19 teve lugar a chegada de dez veleiros de cruzeiro vindos de Espanha, pela costa ocidental atlântica de Portugal, até à Doca de Alcântara, onde se juntaram a mais de 20 veleiros portugueses. Nos dias 20 e 21 de julho, os participantes na IV Travessia foram contemplados com visitas culturais em Lisboa, com destaque para o salão Almada Negreiros (Rocha Conde de Óbidos), nas instalações da APL, onde se realizou a “Receção aos Participantes”, com entidades oficiais, degustação gastronómica e atuações de guitarra portuguesa e onde a RM esteve presente. Além do apoio da APL, a organização da IV Travessia Lisboa - Andaluzia - Ceuta – Alcoutim contou com o apoio da Marinha Portuguesa, da RM, da Marinha do Tejo, da Associação Âncoras (Oeiras), das Câmaras Municipais de Lisboa, Sines, Portimão e de Alcoutim, da Associação Turismo de Lisboa, Administração dos Portos de Sines e Algarve e da Estrutura de Missão Comemorativa do V centenário da 1ª circunavegação (EMCFM). IN MEMORIAM ANTÓNIO RUI ABOIM FOTO - MAR Não é fácil encontrar neste país, que se diz de marinheiros, mas voltou costas ao mar, um estabelecimento cuja razão de existência radica na sua ligação às atividades ligadas ao mar e aos navios e a quem neles trabalha. Falo da “Foto – Mar”, de Matosinhos. Curiosamente, desde há muito tempo que travei conhecimento com este estabelecimento. Nos meus tempos de estudante no fim das aulas, gostava de regressar a casa a pé, ao longo da margem do Douro, para poder apreciar o movimento dos navios, as manobras das lanchas dos pilotos e das embarcações de pesca. Estávamos nos primeiros anos da década de 60 do século passado. Aos domingos, era também meu costume dar uma passeata, até Leixões. Naqueles tempos não existiam as preocupações securitárias de hoje. Na passagem pela rua Brito Capelo, em Matosinhos, a caminho das docas, parava sempre diante de uma vitrina repleta de fotografias de todo o Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 tipo de barcos, desde traineiras, arrastões, até cargueiros e navios de passageiros, enfim sei lá que mais! Essa vitrina estava junto da porta nº 490, que pertencia à primeira “Foto - Mar”. Este estabelecimento, fundado por António Emílio Coelho Dias Amorim, abriu portas em 1948, tendo laborado naquele local até à sua transferência para as atuais instalações, no nº 390 da mesma rua. O seu último proprietário, António Rui Coelho Dias Aboim, começou, com a idade de 15 aos, a colaborar com o seu Pai, dando-lhe depois continuidade. Foi uma vida inteira a correr atrás dos navios! Foi o levantar às 6 da manhã para chegar ao cais e procurar os melhores ângulos para as objetivas e disparar na direção dos navios, sempre em movimento. Depois, sem perda de tempo, era o mergulhar na escuridão do · revistademarinha.com estúdio, analisar os negativos, promover a revelação das imagens e observar o resultado no papel para voltar logo depois às docas, para mostrar as fotos. Porque ofereciam muito boa qualidade, não faltavam interessados. Foi assim que a “Foto-Mar” reuniu um riquíssimo espólio, tornando-se uma casa de referência no âmbito da fotografia marítima. Frequentemente recorro à “Foto-Mar” quando necessito de fotografias para trabalhos destinados à RM. Passou assim a ser o António Rui Aboim não só um bom amigo, como também uma fonte de informações e um precioso “banco de imagens”. O amigo António Rui Aboim faleceu na manhã do passado dia 30 de julho. Que descanse em paz! Texto: Arq. Paiva Leal - Colaboração: Reinaldo Delgado 7 84.O Ano Novo Conselho de Administração da “Portos dos Açores” o passado dia 16 de junho foram eleitos para o triénio 2021-2023 e tomaram posse os novos membros do C. A. da firma “Portos dos Açores, S.A.”, constituído pelo Cte. Rui Filipe da Silva Pereira Terra, como Presidente, Dr.º Luís Manuel Machado da Luz e Dr.ª Maria Sousa Lima, como Vogais. O atual Presidente, Rui Terra, nasceu na Ilha do Faial. Licenciado em Ciências Militares (ramo Marinha), formou-se na Escola Naval. Comandou a Lancha de Fiscalização RIO MINHO e o Navio Patrulha CUANZA, para além de ter integrado as guarnições da SAGRES, ZAIRE, VEGA, ZARCO e POLAR. Ao longo da sua carreira, teve oportunidade de praticar todos os portos e marinas nacionais. Prestou ainda serviço em diversas unidades em terra, nomeadamente na Escola Naval, Flotilha, Comando Naval, Capitania do Porto de Cascais e por último, no Centro de Excelência NATO MGEOMETOC. Presentemente, é doutorando em Relações Internacionais, no ISCSP. O Vogal, Luís Machado da Luz, nasceu na Ilha de São Miguel. Licenciou-se em Economia, pela Universidade Católica e é mestre em Gestão Pública, pelas Universidades dos Açores e do Minho. Desde 1992 que integra os quadros da “Portos dos Açores”. Integrou o C.A. da “Portos dos Açores”, eleito para o triénio 20182020, como Vogal, em outubro de 2019 e como Presidente interino, entre dezembro de 2020 e junho de 2021. Atualmente, é doutorando em Sistemas de Transporte, pela Universidade de Coimbra. A Vogal, Maria Sousa Lima, nasceu na Ilha de São Miguel. Licenciou-se em Psicologia Aplicada pelo ISPA. O seu percurso N académico inclui o Mestrado em Gestão de Recursos Humanos e o Doutoramento em Gestão, ambos pelo ISCTE. Profissionalmente, destaca-se a sua colaboração na empresa Deloitte, onde desempenhou funções na área de Human Capital e com o Grupo SATA, onde exerceu as funções de Diretora de Recursos Humanos. Na tomada de posse dos novos órgão sociais, presidida pelo Presidente do Governo Regional do Açores, Dr. José Manuel Bolieiro, foi entendida a heterogeneidade e o grau de diferenciação do recém empossado C.A. como um investimento claro e apolítico na competência para a prossecução do objeto da empresa “Portos dos Açores”, que visa a administração dos portos comerciais daquela Região Autónoma e o exercício de todas as competências cometidas à autoridade portuária. Os objetivos principais do C.A. são a reestruturação da empresa com vista ao aumento da flexibilidade de resposta aos seus clientes, soluções inovadoras, e desenvolvimento de estratégias que estimulem os trabalhadores. Com esta reorganização pretende-se que os valores e missão da “Portos dos Açores” se mantenham, uma vez que a firma assume uma importância ímpar no contexto empresarial e social da Região, pois mais de 98% dos bens que entram anualmente nos Açores fazem-no através de infraestruturas portuárias. Situada no meio do Atlântico, a “Portos dos Açores” distingue-se das restantes Administrações Portuárias pela sua condição ultraperiférica, quantidade de portos, marinas e núcleos de recreio que gere, mas também pelo seu contributo e relevância na economia regional e no apoio aos desígnios estratégicos nacionais. Rute Machado APS CONCESSIONA A MARINA DE SINES atividades ali desenvolvidas. Recorde-se que em Sines está localizado o único porto de recreio na costa entre Setúbal e o Algarve, sendo por isso ponto de passagem ou de abrigo das embarcações que percorrem a costa portuguesa, contribuindo para o desenvolvimento turístico de Sines e área envolvente. Apesar da concessão, a APS irá assumir este ano todos os compromissos previstos no âmbito da candidatura do Porto de Recreio de Sines ao Programa Bandeira Azul 2021, incluindo as atividades de educação ambiental. A APS – Administração dos Portos de Sines e do Algarve celebrou um Contrato de Concessão do Porto de Recreio de Sines com a empresa “Mermaid Objective”, pelo prazo de 10 anos, na sequência do concurso público recentemente realizado. Esta concessão, efetiva a partir de 1 de julho, tem por objeto principal o direito de exploração comercial do Porto de Recreio de Sines, em regime de serviço público, e implica a transmissão para a concessionária de todas as situações jurídicas atualmente na titularidade da APS relacionadas com as 8 revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional Emissões do shipping em debate no Parlamento Europeu or iniciativa do Grupo ‘Mares, Rios, Ilhas e Zonas Costeiras’ do Parlamento Europeu teve lugar, no passado dia 15 de junho de 2021, em Bruxelas, um colóquio subordinado ao tema O que pode fazer o shipping para reduzir as suas emissões hoje e amanhã? Este encontro visava discutir as perspetivas que se abrem no âmbito do cumprimento dos objetivos traçados no quadro do Green Deal e da Estratégia para uma Mobilidade Sustentável, da Comissão Europeia, que apontam para 2050 como meta para se atingirem as emissões zero de CO2. Os participantes neste evento (representantes da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu, de empresas do setor de turismo de cruzeiros, de inovação tecnológica e de construção naval) tiveram oportunidade de salientar os aspetos seguintes: a questão deve relevar de uma visão sistémica, que abranja potencialmente todos os sistemas de transporte, embora se reconheça que se trata de um sector em que se torna difícil a descarbonização e que está sujeito a forte concorrência; a tecnologia e as parcerias com a indústria desempenham um papel central nesta matéria; deve atentar-se nas fontes de financiamento, na discussão que tem lugar atualmente com a OMI (Organização Marítima Internacional) sobre a utilização de P Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 · revistademarinha.com um fuel standard a médio e longo prazo, e na definição de um quadro regulamentar que discipline a utilização de combustíveis alternativos. Foi ainda referido que há projetos em curso relativos a métodos alternativos de propulsão com a utilização de baterias, fuel cells, metanol, energias solar e eólica, para além do denominado bio-GPL. Um problema que se levanta é o do armazenamento dos combustíveis a bordo, nomeadamente do GPL, do metanol, da amónia e do hidrogénio, pelo que convém, previamente, em relação a cada tipo de navio, definir o combustível adequado. Atentou-se igualmente na necessidade de adaptação dos portos para se dotarem com infraestruturas de fornecimento de energia (shore power). Como elementos importantes no debate foram mencionados a necessidade de financiamento e a possibilidade de revisão das diretrizes comunitárias sobre auxílios nacionais relativas aos transportes por forma a acomodar as iniciativas de descarbonização nos orçamentos nacionais. As conclusões do colóquio estiveram a cargo da Dra. Cláudia Monteiro de Aguiar, Membro do Parlamento Europeu e Vice-Presidente do Grupo para as Regiões Ultraperiféricas. Fernando Correia Cardoso 9 84.O Ano CLUBE DE VELA DO BARREIRO INAUGURA INSTALAÇÕES RENOVADAS Em cerimónia presidida pelo Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo, que contou com a presença da Presidente da CCDR-LVT, Arqª Maria Teresa Almeida, do Presidente da Câmara Municipal do Barreiro, Frederico Rosa e do Coordenador Nacional do Desporto Escolar, Rui de Carvalho, o Clube de Vela do Barreiro (CVB), presidido por Duarte Romão, inaugurou em 4 de Junho as suas requalificadas instalações desportivas. Correspondendo a um investimento global de 100 m€, co-financiados a 50% pela CCDR-LVT, no âmbito do Programa de Equipamentos Urbanos de Utilização Colectiva 2018, a 25% pelo IPDJ, no âmbito do PRID – Programa de Requalificação de Instalações Desportivas de 2018, a 15% pela Câmara Municipal do Barreiro e com os restantes 10% pelo próprio Clube, a requalificação das instalações permite in- troduzir melhorias significativas no espaço social, na sala de formação e de reuniões, nos balneários e nas áreas de parqueamento das embarcações. O CVB, além de acolher o Centro de Formação Desportiva de Actividades Náuticas do Desporto Escolar do Barreiro, com sede no Agrupamento de Escolas Augusto Cabrita, e de parquear as suas embarcações de Vela e de Canoagem, fica dotado de um equipamento renovado que permite reforçar os programas da sua Escola de Vela e dar continuidade aos Sailing Camps de verão, responsáveis pela captação de 40% dos novos velejadores. Com créditos firmados na promoção da Vela em Portugal, tanto ao nível da formação como da competição, o CVB está de parabéns por ter sabido aproveitar as oportunidades cruzadas de co-financiamento na renovação das suas instalações. Um exemplo a replicar entre os muitos Clubes Náuticos que possuem instalações inadequadas. Rui Abreu OBSERVAÇÃO: O autor não segue o novo A.O.. HIGH SPEED BOAT OPERATIONS FORUM 2021 A conferência internacional HSBO está de volta em 2021! O Fórum de Operações de Embarcações de Alta Velocidade foi realizado de 31 ago a 2 set 2021, em Gotemburgo, na Suécia. A novidade deste ano é a cooperação do HSBO com a Royal Institution of Naval Architects (RINA), fundada em 1860 em Londres para promover a ciência em torno do design de navios. Este evento internacional reúne especialistas e profissionais do mundo náutico, incluindo representantes das mais diversas agências governamentais ligadas à construção e operação de embar- cações de alta velocidade, juntamente com operadores profissionais, cientistas, médicos especializados, arquitetos navais e engenheiros. A participação é exclusivamente reservada a delegações convidadas. O programa em 2021 incluiu cerca de 30 apresentações sobre temas técnicos, científicos, operacionais e regulatórios. Os testes das embarcações presentes no fórum serão efetuados à velocidade máxima em águas abertas, independentemente das condições meteorológicas. SECRETÁRIA DE ESTADO DAS PESCAS DE ANGOLA VISITOU PORTUGAL fileira do pescado, construção naval, polos de investigação e indústrias associadas. As relações entre Portugal e Angola são já bastante intensas, mas existem oportunidades de aprofundamento da cooperação importantes em termos do conhecimento científico do mar, dos procedimentos, da construção e reparação naval e do ordenamento e gestão dos recursos naturais. As relações históricas e culturais e uma língua comum facilitam a cooperação entre as duas tutelas e permitirão aprofundar a partilha de conhecimento e a modernização do setor das pescas nos dois países. A Secretária de Estado das Pescas de Angola, Esperança Eduardo da Costa, foi recebida pela sua homologa nacional, Teresa Coelho, tendo sido abordadas as perspetivas de maior cooperação em áreas relacionadas com o mar, seguida de um conjunto de visitas a instituições e empresas relacionadas com as pescas em Lisboa, Nazaré e Peniche. A DGRM, através do seu Diretor-Geral, José Simão, em conjunto com representantes do IPMA e da Docapesca, integrou a receção à comitiva de Angola, tendo acompanhado as visitas a empresas da 10 revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional JORNADAS DO PROJETO GUAD 20 GUADIANA, PATRIMÓNIO NATURAL NAVEGÁVEL A Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) participou nas jornadas de encerramento do Projeto GUAD 20 – Guadiana, Património Natural Navegável, do Programa INTERREG V-A 2014-2020 Espanha-Portugal, que decorreram em 7 de julho, nas instalações do Porto de Huelva. O Projeto GUAD 20 contemplou o estabelecimento da navegabilidade do rio Guadiana no troço Alcoutim-Pomarão, fazendo parte do conjunto de intervenções: • O estabelecimento de um canal navegável de 30 m de largura; • A colocação de assinalamento marítimo; • A construção de vários cais de acesso e de amarração de embarcações; • A produção das cartas náuticas em todo o troço internacional do Rio Guadiana entre Vª Real de Santo António e o Pomarão. O evento contou com um painel inicial de oradores, constituído pela Presidente do Porto de Huelva, Pilar Miranda, pelo Diretor-Geral da Agência Pública de Puertos da Andaluzia, Rafael Merino López, pelo Diretor-Geral da DGRM, Engº José Carlos Simão, e pelo Diretor-Geral do Ins- tituto Hidrográfico (IH), Alm. Carlos Ventura Soares. Seguiu-se um conjunto de apresentações técnicas dos trabalhos realizados no âmbito do projeto GUAD 20, nas quais se destacam o projeto de navegabilidade e assinalamento apresentado pela DGRM e as novas cartas náuticas, apresentadas pelo IH. Foram também abordados os trabalhos futuros, a desenvolver no próximo programa INTERREG, que passam pela navegabilidade no último troço entre Pomarão e Mértola, pela realização de mais infraestruturas de acostagem e de acesso de pes- soas ao rio, e ainda, pela necessidade de uma nova intervenção ao nível da barra do Guadiana. Deverão também ser realizados esforços para promover este ativo natural e cultural, que devem ser dinamizados com requisitos de segurança e controlo, preservando igualmente os valores ambientais de todo o vale do Guadiana. Como mote geral das Jornadas, ficou a mensagem de que o rio Guadiana será cada vez mais um motivo de união entre Portugal e Espanha e um motor para o desenvolvimento económico nos municípios envolventes, designadamente atividades de náutica de recreio e turismo. EVOCAÇÃO DO NAUFRÁGIO DO NAVIO NUMANCIA No dia 1 de julho, na Praia do Ouro em Sesimbra, teve lugar uma curta cerimónia de evocação do encalhe do navio NUMANCIA, a poucos metros daquele local, ocorrido em 17 de dezembro de 1916. Da classe das fragatas, o NUMANCIA foi construído em França entre 1862 e 1863, e entrou ao serviço da Armada Espanhola em dezembro de 1864. Com 96,08 m de comprimento e 7,90 m de calado, com uma propulsão de 1.100 CV que lhe permitia uma velocidade de 13 nós, o navio era bastante sofisticado para a época, de transição dos cascos em madeira para os de aço, e da propulsão eólica para a mecânica, ou mista. Nos primeiros dias do ano de 1865 rumou ao Pacífico, num cenário bastante conturbado não apenas entre Madrid e as suas antigas colónias americanas, como entre estas entre si. Daqui o navio navegou por todos os mares, tendo mesmo entre 1865 e 1867, completado a volta ao mundo. Seguiram-se muitas mais missões, e algumas e sucessivas metamorfoses ocorRevista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 ridas em estaleiros, por forma a adaptá-la aquelas missões, e finalmente, pejada de glória, fundeou para descanso em Cádis, onde pouco depois foi dada como sucata, e vendida para desmonte em Bilbau. Mas antes de lá chegar, a meio da viagem, encalhou em Sesimbra, e depois de parcialmente desmontada no local, afundada. Os seus restos podem ser observados naquele mar transparente, havendo por razões de segurança, que respeitar a · revistademarinha.com interdição de mergulho. Em complemento, alguns objetos de maior interesse, podem ser observados no excelente Museu Marítimo de Sesimbra, na Fortaleza de Santiago, a par de descrições substanciais sobre a ocorrência. A Câmara Municipal de Sesimbra, 105 anos depois, na pessoa da Vice-Presidente, Drª Felícia Costa, em articulação com a Embaixada de Espanha, decidiram recordar o acontecimento, escolhendo apropriadamente o Dia Mundial do Salvamento, para o perpetuar através de uma placa evocativa, em local próximo dos restos do navio. Estiveram presentes o Adido de Defesa Espanhol, o Capitão do Porto de Setúbal, membros da APSS, a Autoridade Portuária, e diversas individualidades interessadas no assunto, com destaque para uma neta de um dos sobreviventes do naufrágio, que grato pelo auxílio prestado no salvamento pela população local, acabou por se radicar na belíssima Vila de Sesimbra. Artur Manuel Pires 11 84.O Ano NOVA OCEAN: EM PROL DO OCEANO No âmbito do Dia Mundial do Oceano, a NOVA School of Law organizou o workshop Internacional From Integrated Maritime Policy to International Ocean Governance: the progressive development of EU maritime policies, um evento paralelo da Presidência Portuguesa do Conselho da ONU, encerrado pelo enviado especial do Secretário-Geral da ONU para os Oceanos, o embaixador Peter Thomson. O evento permitiu uma reflexão sobre a Política Marítima integrada da UE, versando temas, como o nexo Oceano-Clima e o elo entre o European Green Deal e a Blue Agenda. Serviu ainda de mote para o lançamento do NOVA OCEAN Knowledge Centre, o novo centro da NOVA School of Law, que solidifica a aposta no estudo e investigação das questões relacionados com a governação do mar, já vigente no Mestrado em Direito e Economia do Mar, o 4º melhor do mundo no ranking da Eduniversal. Segundo a sua coordenadora, a Profª. Assunção Cristas, o NOVA OCEAN foca-se em três grandes áreas - governação do mar, direito do mar e economia sustentável azul -, contribuindo para o cumprimento do ODS 14 - Life below Water, em linha com a adesão da NOVA School of Law à United Nations Global Compact, a Agenda Azul da ONU e a Estratégia Nacional do Mar 2021-2030 O workshop contou com a Diretora da NOVA School of Law Profª Mariana França Gouveia e com o Prof. Armando Marques Guedes (NOVA School of Law), bem como a Secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho, em nome do Ministro do Mar, que destacou a importância do NOVA OCEAN e o foco na Lei e na Sociedade enquanto contributo para a necessidade do conhecimento aplicado à governação do mar e elaboração de políticas. Marcaram também presença os oradores Sofia Guedes Vaz (IFILNOVA - FCSH, Univ. NOVA de Lisboa); Goran Dominioni (Univ. de Dublin); Ana Peralta Baptista (Direção-Geral dos Assuntos Marítimos e das Pescas); Antonio Leandro (Univ. de Bari); Vasco Becker-Weinberg, (NOVA School of Law); e Adelaide Ferreira (MARE–Univ. de Lisboa). A encerrar, Peter Thomson felicitou Portugal pela dedicação ao Oceano, destacando-nos como um país da linha da frente. O Embaixador distinguiu também a NOVA School of Law no ecossistema académico português, aproveitando para salientar que a Humanidade deve dar atenção à ciência, investigação, inovação, tecnologia e, naturalmente, ao papel das Universidades, assinalando o trabalho crucial da NOVA School of Law e o passo ambicioso que é a criação do NOVA OCEAN. VASCO DA GAMA REMODELADO NA LISNAVE O maior e mais recente navio do armador Mário Ferreira (Grupo Mystic) já tem estatuto de “amigo do ambiente”, após uma remodelação e manutenção geral de que foi alvo, em tempo recorde, na Lisnave. Esta unidade iniciou provas de mar, tendo antes, no dia 2 de julho, sido visitada pelo Ministro do Mar, Prof. Doutor Serrão Santos. Os motores principais do navio, que tem 30 anos, foram equipados com catalisadores para reduzir as emissões de carbono em mais de 70%. O projeto inovador da firma tecnológica portuguesa Tecnoveritas foi bem-sucedido tendo os resultados satisfeito os novos requisitos ambientais. Os testes estão a ser feitos com um observador norueguês a bordo, para que o navio obtenha a licença para operar nos Fiordes da Noruega. A intervenção passou também pela instalação de uma estação de tratamento de águas residuais. Com estes fabricos, o VASCO DA GAMA cumpre não apenas as normas ambientais em vigor, mas também as que estão previstas para depois de 2025. Está, por isso, em condições de operar em águas que exigem requisitos mais exigentes, como é o caso do Mar Báltico. Esta intervenção foi projetada e executada por empresas portuguesas o que evidencia a capacidade nacional para a 12 modernização de navios; é uma oportunidade que o país deveria aproveitar, uma vez que há muitos navios que precisam de ser convertidos para as novas exigências ambientais. A tinta usada na pintura exterior geral foi fornecida pela Hempel, empresa que tem fábrica em Palmela e o luxuoso interior, que inclui vários restaurantes, bares, ginásio, SPA e auditórios, foi melhorado, com recurso a empresas e materiais portugueses. Os móveis, carpetes e roupas de cama são fabricados em Portugal. A Revista de Marinha assinala com revistademarinha.com gosto a orientação para “comprar português” do Grupo Mystic, um exemplo para os nossos empresários; bem-haja Dr. Mário Ferreira! Concluída a reparação na Lisnave, o navio vai seguir para a Alemanha, para o porto de Kiel, para embarcar passageiros e trabalhar na área do Báltico e da Noruega durante o Verão. O VASCO DA GAMA, a última aquisição do Grupo Mystic, tem 210 m de comprimento, 30 m de boca, tem cerca de 550 tripulantes e capacidade para mais de 1.000 passageiros. · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional LINDLEY EQUIPA INFRAESTRUTURA NÁUTICA DO TERREIRO DO PAÇO A Associação de Turismo de Lisboa (ATL) inaugurou recentemente a renovação da zona ribeirinha junto à icónica Praça do Comércio de Lisboa. A firma Lindley foi selecionada para este emblemático e delicado projeto, nomeadamente para o fornecimento do equipamento náutico da nova infraestrutura da Doca de Marinha. O principal objetivo do projeto era reabilitar a zona ribeirinha do centro da cidade, focada na relação da cidade com o rio, criando cais de acesso seguro e fácil para embarcações de turismo, contudo mantendo a estética e o charme daquela zona histórica de Lisboa. O primeiro projeto localizado em frente à Praça do Comércio é um cais de de- sembarque de 30 m de comprimento para embarcações de turismo, construído com um pontão de betão de 6 m de largura com deck de madeira seguido por uma passarela em aço de 20 m ancorada com fingers reforçados de 20 m de raio. O segundo projeto, algumas centenas de metros rio acima, na Doca de Marinha, uma antiga bacia agora convertida num pequeno porto para embarcações ligeiras, tradicionais e de turismo. Este projeto envolveu o fornecimento de um quebra-mar flutuante de betão e de pontões de aço atracados em estacas. O projeto vai permitir aos visitantes desfrutar de passeios no rio, uma vez que a Doca de Marinha vai receber as típicas embarcações do rio Tejo. Ambos os projetos foram equipados com pedestais de luz, eletricidade e água, além dos equipamentos de segurança necessários nestas infraestruturas. RUBEN EIRAS ASSUME AS FUNÇÕES DE SECRETÁRIO-GERAL DA FÓRUM OCEANO O novo Secretário-geral da Fórum Oceano – Associação da Economia do Mar iniciou o seu mandato a partir do dia 1 de setembro. É com elevada honra, motivação e empenho que abraço este novo desafio. Nos seus 12 anos de existência, a Fórum Oceano tem vindo a desempenhar um papel cada vez mais efetivo no apoio à estruturação de um cluster industrial da economia do mar, competitivo e sustentável, em Portugal. Prova disso é o regular crescimento do seu volume de associados, o crescente número de projetos de relevância estratégica que a Fórum Oceano lidera ou está envolvida, afirmou Ruben Eiras na ocasião. Antes de assumir a função de Secretário-Geral, no último ano e meio, Ruben Eiras exerceu a função de Coordenador Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 para a Economia Azul, Inovação, Investimento e Financiamento na Fórum Oceano. É mentor do Programa de aceleração de start-ups Ocean Stream do Creative Destruction Lab, sedeado no Canadá e do Sustainable Ocean Accelerator, e ‘coa- · revistademarinha.com cher’ da Blue Invest Platform da Comissão Europeia. Ruben Eiras sucede a Rui Azevedo, que assegurou a direção executiva da Fórum Oceano ao longo dos últimos 12 anos e que continuará a colaborar com a Associação, como consultor estratégico. A Fórum Oceano - Associação da Economia do Mar gere o cluster do Mar Português, e é reconhecida pelo Governo. Tem cerca de 125 associados dos diversos setores da economia do Mar, quer de atividades consolidadas como a Pesca e Aquacultura, Transformação e Comercialização do Pescado, Indústrias Navais, Portos, Transporte Marítimo e Turismo Náutico, quer das atividades emergentes como as Energias Renováveis Oceânicas e as Biotecnologias Marinhas. 13 84.O Ano GRANDE REGATA DE BARCOS MOLICEIROS Organizada pela Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro e integrada no “Ria de Aveiro Weekend”, teve lugar no dia 3 de julho, a “Grande Regata de Barcos Moliceiros”, que liga a praia do Monte Branco, na Torreira, concelho da Murtosa, à cidade de Aveiro, no canal das Pirâmides, junto à marinha de sal da Troncalhada. Esta é a primeira das três regatas anuais de barcos moliceiros, que navegam à vela na sua conceção tradicional, seguindo-se, em agosto, as regatas da Festa do Emigrante, no Bico, e em setembro, as da Romaria de São Paio, na Torreira, ambas nas águas da Murtosa e com organização do seu Município, de onde são oriundos, praticamente, todos os tripulantes, barcos e construtores. Pela manhã, antes da regata de 3 de julho, decorreu na Praia do Monte Branco o já habitual concurso de “painéis” dos moliceiros, pintados pelo mestre pintor José Oliveira. Nesta regata, que teve a duração aproximada de 1h30m, com partida às 14h30, participaram 9 barcos moliceiros com as medidas tradicionais e 2 réplicas, de menores dimensões, sendo que apenas um dos moliceiros não era originário da Murtosa. O vencedor foi a embarcação MARCO SILVA, da Torreira, cujo proprietário, com o mesmo nome, foi também o seu cons- trutor, somando a sua já oitava vitória. Para além de possuir uma companha de pesca de arte xávega na praia da Torreira, Marco Silva é um exímio artesão de embarcações de madeira tradicionais tendo já saído das suas mãos muitos moliceiros, xávegas e bateiras. Em segundo lugar, a uma curta distância do vencedor, ficou a embarcação ZÉ RITO, propriedade do arrais José Rito, vencedor do ano passado, também ele carpinteiro naval e construtor de embarcações no museu estaleiro do Monte Branco, na Torreira, bem como pescador da comunidade local. A classificação final foi a seguinte: Classe A (medidas tradicionais) 1º - MARCO SILVA 2º - ZÉ RITO 3º - O CONQUISTADOR Classe B (menores dimensões) 1º - O PEQUENITO 2º - SEMAR Concurso de “Painéis” dos Moliceiros 1º - A. RENDEIRO 2º - MARCO SILVA 3º - UM SONHO João Dias Cruz PORTO DE SETÚBAL SERVIDO POR TERMINAL LOGÍSTICO AUTOMÓVEL O Porto de Setúbal passa a ter mais uma solução logística, com a entrada em funcionamento do TLA - Terminal Logístico Automóvel, um novo projeto dos Grupos SAPEC e BARRAQUEIRO. Para assinalar a ocasião, no dia 21 de junho, o TLA convidou a APSS - Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra para uma visita de apresentação às instalações, que contou ainda com a presença dos representantes da Navipor, operador portuário Ro-Ro de referência. O parque automóvel, situado a 5 km do Terminal Ro-Ro, dedicado à armazenagem, preparação e personalização de veículos acabados, tem capacidade para 6.000 viaturas e irá criar 100 postos de trabalho. Gilberto Quintas, Diretor-Geral do TLA, afirmou que o principal objetivo do parque é aproveitar e complementar o grande potencial do Porto de Setúbal co14 mo porta de entrada ibérica, sem nunca esquecer o seu grande potencial de buffer logístico e de transhipment. O TLA apresenta-se como uma solução logística de última geração, com ligações rodoviárias e ferroviárias. Construído a pensar no futuro, está equipado com 64 postos de carregamento rápido para via- revistademarinha.com turas elétricas o que o torna num player incontornável do mercado ibérico. O TLA encontra-se a desenvolver ações comerciais junto das principais marcas do setor automóvel com o fim de captar clientes. O Porto de Setúbal é já um importante porto ibérico, líder nacional no segmento Ro-Ro, sendo ali movimentadas cerca de 90% das viaturas novas que saem e entram em Portugal por via marítima. É uma carga de elevado valor, que aporta rendimentos e representatividade ao porto quando suportada por uma oferta logística moderna e competitiva. Neste sentido, o início da atividade deste novo parceiro na área logística automóvel é mais um passo para o seu crescimento sustentado, demonstrando a capacidade da infraestrutura portuária para uma resposta competitiva às necessidades do setor automóvel. · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional RACING FOR THE PLANET recebe a visita do Ministro do Mar Ministro do Mar, Prof. Doutor Ricardo Serrão Santos, visitou na manhã de 27 de agosto, em Cascais, a embarcação RACING FOR THE PLANET, da equipa de vela “Mirpuri Foundation Racing Team”, que recentemente trouxe a taça da The Ocean Race Europe para Portugal. O momento ficou marcado pela receção a bordo pelo Presidente da Fundação Mirpuri, Dr. Paulo Mirpuri, também ele velejador, que manifestou … uma enorme satisfação pela vontade do Sr. Ministro em vir conhecer o triunfante barco VO65 RACING FOR THE PLANET, que deu a vitória à equipa portuguesa na prestigiada regata The Ocean Race Europe, e que colocou Portugal nos holofotes da vela internacional. A visita inseriu-se no âmbito da participação da equipa “Mirpuri Foundation Racing Team” numa das maiores e mais prestigiadas regatas realizadas em Portugal, a Cascais Vela, organizada pelo Clube Naval de Cascais e que foi disputada, no campo de regatas de Cascais, entre 27 e 29 de agosto. Bernardo Freitas, Frederico Melo, Mariana Lobato e António Fontes competiram em águas portuguesas, con- O Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 tinuando a passar a mensagem da campanha da Fundação Mirpuri para a área da conservação marinha, que pretende sensibilizar para os graves problemas que afetam os nossos oceanos e as alterações climáticas que estamos a viver. O Ministro do Mar, Prof. Doutor Ricardo Serrão Santos, elogiou o trabalho, a competência e a dedicação dos velejadores · revistademarinha.com portugueses e acrescentou que … velejar nesta embarcação constituiu uma excelente oportunidade para conviver no mar com uma equipa que mantém Portugal na vanguarda da vela de alta competição. A Fundação que apoia este projeto tem uma importante e inovadora agenda de combate às alterações climáticas e ao plástico nos oceanos. 15 84.O Ano NOVO COMANDANTE DO CORPO DE FUZILEIROS ções impostas pela atual situação pandémica. No ano em que se celebram os 400 anos da criação do Terço da Armada da Coroa de Portugal, do qual o Corpo de Fuzileiros é o legítimo herdeiro, este foi um momento de acrescido significado para todos os Fuzileiros, uma vez que se tratou do primeiro oficial oriundo dos cursos tradicionais da Escola Naval, da Classe de Fuzileiros, a ser designado para comandar este Corpo quadricentenário. A cerimónia de rendição do cargo de Comandante do Corpo de Fuzileiros realizou-se a 14 de julho de 2021, no Museu do Fuzileiro, na Escola de Fuzileiros, e foi presidida pelo Comandante Naval, V/Alm. Silvestre Correia. Nesta ocasião, o Comodoro Paulo Silva Ribeiro passou o testemunho ao Capitão-de-mar-guerra Fuzileiro Artur José Figueiredo Mariano Alves, numa cerimónia que contou com um muito limitado número de convidados, devido às restri- PORTO DE SETÚBAL REABILITA DOCAS DE PESCA E DAS FONTAINHAS A APSS-Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra, S.A., concluiu em junho duas intervenções nas infraestruturas das docas de Pesca e das Fontainhas. Na primeira, a pintura do pavimento do molhe nascente e, na segunda, a reabilitação dos passadiços interiores. No molhe nascente da Doca dos Pescadores a intervenção consistiu na pintura da delimitação e numeração dos espaços para aprestos marítimos, redes e contentores de aprestos de pesca, bem como na delimitação das zonas de ganchorra e cerco, num investimento total de cerca de 7,2 m€. A obra de requalificação dos passadiços no interior da Doca das Fontainhas, com um investimento de 175 m€, teve como objetivo recuperar e/ ou substituir todo o conjunto de passadiços instalados na doca, incluindo a recuperação das estacas, dos flutuadores, dos fingers, do tabuado do convés e dos restantes elementos acessórios, como cunhos de amarração. Estas ações, cujo objetivo passa por assegurar o uso destas infraestruturas em plenas condições de ordenamento, operacionalidade e de segurança, inserem-se na continuidade dos trabalhos efetuados pela APSS, no reconhecimento da importância das atividades da pesca e do turismo náutico. ATLAS OCEAN VOYAGES A viagem inaugural do novo navio de cruzeiros WORLD NAVIGATOR, acabado de construir no estaleiro de Viana do Castelo pela WestSea em julho, teve início no Pireu a 4 de agosto e assinala o começo de operações de mais uma empresa de cruzeiros da MysticInvest Holding, de Mário Ferreira, a Atlas Ocean Voyages. Baseada em Fort Lauderdale, na Florida, e vocacionada para o mercado de cruzeiros internacionais de expedição de luxo, a Atlas Ocean Voyages estreou-se com uma série de cruzeiros no Mediterrâneo, a que se segue uma viagem de Lisboa para as Caraíbas, em outubro, e uma série de cruzeiros na Antártida no próximo Inverno. O WORLD NAVIGATOR é o terceiro navio da classe WORLD EXPLORER, e 16 apresenta melhorias assinaláveis face aos seus dois irmãos WORLD EXPLORER e WORLD VOYAGER, com interiores especialmente requintados concebidos pela empresa de design “Oito em Ponto”. A frota da Atlas Ocean Voyages vai ter 5 navios até 2023: para o ano juntam-se ao WORLD NAVIGATOR os gémeos WORLD TRAVELLER e WORLD SEEKER, e no ano seguinte serão introduzidos o WORLD ADVENTURER e o WORLD DISCOVERER, todos com 9.900 GT e capacidade para 196 passageiros, construídos em Viana do Castelo. A série poderá ser ainda ampliada com mais duas unidades, a totalizar 9 paquetes. Em termos de destinos, a frota da Atlas Ocean Voyages deverá privilegiar o Mediterrâneo, Ártico, Antártico, Fiordes da Noruega, Caraíbas e outras rotas exóticas. LMC revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional FUNCHAL HOTEL FLUTUANTE A história do carismático paquete FUNCHAL está a ser acrescentada de mais um capítulo improvável. Investidores dos Estados Unidos compraram o navio em Inglaterra, em janeiro, e, entretanto, decidiram-se pela sua conversão para hotel flutuante de luxo, em Lisboa. A venda do FUNCHAL, por 1,9 M USD, derivou da falência do armador britânico SGL Cruises (Signature Living), que por sua vez havia comprado o paquete em Lisboa em dezembro de 2018, por 3,9 M€. Os trabalhos de manutenção e adaptação foram iniciados na Matinha, e o FUNCHAL foi rebocado a 11 de julho último para o estaleiro Navalrocha. Está a ser feita a renovação geral do navio, com decapagem e pintura dos exteriores, remoção da totalidade do amianto, alteração dos interiores por forma a serem montados camarotes mais espaçosos, para cerca de 250 hóspedes. Estão programados três meses em doca seca, e o navio vai gerar 180 postos de trabalho. A previsão de acabamento da reparação aponta para 2022. O FUNCHAL vai manter hélices e máquinas, o que indicia uma probabilidade de um dia voltar a navegar. Apesar de não ter manutenção técnica desde 2015, e o seu aspeto se ter degradado consideravelmente, o casco do FUNCHAL mantém-se em muito bom estado. A capacidade do paquete FUNCHAL de superar as adversidades da última década é surpreendente, em especial desde que perdeu a proteção do armador George Potamianos, falecido em maio de 2012, quando aumentaram significativamente os riscos de ser vendido para sucata. Essa possibilidade foi adiada em 2013 quando Rui Alegre comprou e modernizou o FUNCHAL, mas não conseguiu obter sucesso com os cruzeiros da “Portuscale Cruises”, e o navio acabou por sobreviver a seis anos de imobilização, com uma tripulação reduzida. O FUNCHAL continua com bandeira nacional, registado na Madeira. Apesar de já ter sofrido alterações significativas, mantém grande prestígio internacional; em 60 anos nunca mudou de nome. Enquanto foi português perdeu sempre dinheiro, foi bem-sucedido nos cruzeiros internacionais, especialmente de 1985 a 2010. Os novos proprietários pretendem manter o navio atracado na zona da EXPO. LMC SINES ENTRE OS 100 MAIORES TERMINAIS DE CONTENTORES O Porto de Sines ocupa a 98ª posição do World Top Container Ports 2021 da revista “Container Management”, registando uma subida de 7 lugares comparativamente ao ranking do ano anterior. O Terminal de Contentores de Sines (Terminal XXI) encerrou o ano de 2020 com um crescimento homólogo de 13%, com um total de 1.611.963 TEU movimentados, o que lhe permitiu subir 7 posições no ranking internacional, voltando a integrar o Top 100 mundial na 98ª posição. No corrente ano, Sines mantém a senda de crescimento e fechou o primeiro semestre com um crescimento homólogo de 22,5%, prevendo-se, no final de 2021, uma movimentação total muito próxima de 1,8 milhões de TEU. Tendo em conta o contexto adverso que a pandemia tem vindo a impor desde o início de 2020, estes excelentes resultados atestam a resiliência de toda a Comunidade Portuária e Logística de Sines em manter e reforçar as cadeias logísticas, tendo o porto conseguido estar 100% operacional durante todo este período. Recorda-se que, no final de 2019, foi assinado o aditamento ao contrato entre a PSA Sines (concessionária do Terminal XXI) e a Autoridade Portuária (APS), com vista à duplicação da capacidade do Terminal para 4,1 milhões de TEU. O investimento privado de 660,9 M€, por parte da PSA Sines, resultará na ampliação do Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 cais para 1.750 m, possibilitando a operação simultânea de quatro megacarriers. Esta obra avança a bom ritmo, cabendo à APS a obra da extensão da proteção marítima que abrange toda a parte leste do porto. Em 2020, a PSA Sines continuou a sua trajetória de investimentos, com a conversão de seis RTG’s (pórticos de parque) em e-RTG totalmente automatizados. Por outro lado, a PSA e a APS têm vindo a promover o desenvolvimento da ferrovia no acesso ao terminal, esperando-se a duplicação da operação de comboios até · revistademarinha.com ao final do ano de 2021. Simultaneamente, o Governo continua a desenvolver a ligação ferroviária entre Sines e a fronteira espanhola, potenciando a capacidade do porto para melhorar o serviço ao hinterland ibérico. No seu Plano Estratégico para os próximos dez anos, a APS prevê que a carga contentorizada continue a crescer de forma sustentada, sendo um dos objetivos que o porto atinja 8% do mercado ibérico, aumentando assim a quota de carga relativa ao hinterland. 17 84.O Ano Frederico Rezende planeia novo raid em mota de água Engº Frederico Rezende tem previsto executar no mês de outubro deste ano uma travessia em mota de água às Ilhas Selvagens, a partir do Funchal, denominado “Raide Selvagens 2020”. E Selvagens 2020 e não 2021, porque era para ter sido feito no ano passado. Não foi, como se compreende, devido à pandemia COVID 19. Como estamos em tempos de retoma, felizmente, planeia-se sair da Baia do Funchal e num trânsito de 8 h chegar à Baía das Cagarras, Selvagem Grande, nas Ilhas Selvagens. A saída será de manhã, não muito cedo, pois com a duração do percurso tal não se justifica. A mota de água será a mesma que fez a travessia de Ponta Delgada na Ilha de São Miguel, Açores até à Cidade do Funchal em 2018, objeto de um circunstanciado relato nesta revista (RM 1015). No entanto, foi aumentada a sua capacidade de armazenamento de combustível para uma ainda maior autonomia. A mota de água conta neste momento com cinco depósitos suplementares de combustível e com trasfega através de bomba elétrica. Possui GPS com chartplotter, AIS, Epirb, radio VHF, além de uma mini farmácia, uma loca para colocação de víveres, equipamento para o piloto de proteção contra o frio e no painel de popa tem colocadas as Bandeiras Portuguesa bem como a da Região, no seu Azul e Amarelo. Este projeto conta com o Alto Patrocínio da Presidência da Região Autónoma da Madeira, bem como com o Alto Patrocínio do Episcopado do Funchal. Apoiam O 18 também, como habitualmente, o Sanas Madeira, designadamente através da cedência da mota de água, o Núcleo Regional da Liga Portuguesa Contra o Cancro, o Diário de Notícias da Madeira e o Clube Sport Marítimo. As Ilhas Selvagens constituem o território português mais a sul, estão localizadas a sudeste da Ilha da Madeira e são de origem vulcânica, constituídas por duas ilhas: a Selvagem Grande, onde se localiza a Estação principal de apoio à Reserva, e a Selvagem Pequena, e por uma série de ilhéus, sendo o principal o Ilhéu de Fora. Estas Ilhas são as primeiras representantes de um leque de áreas protegidas na Região Autónoma da Madeira e as primeiras a serem classificadas como Reserva a nível nacional, em 1971. Integram a Rede Natura 2000, como Zona de Proteção Especial e Zona Especial de Conservação, e desde 1992, são distinguidas com o Diploma Europeu para Áreas Protegidas. A criação da Reserva Natural das Ilhas Selvagens está intimamente ligada à caça da cagarra. Esta foi a atividade mais lucrativa na história destas ilhas e foi a exploração desta ave marinha que originou os primeiros esforços para a criação da referida Reserva. Face ao sucesso do trabalho de conservação, desenvolvido ao longo dos anos, apresenta hoje já mais de 30.000 casais nidificantes, constituindo a maior colónia mundial desta espécie, a espécie emblemática das Ilhas Selvagens. Além da cagarra, outras aves marinhas visitam estas ilhas, sendo consideradas um verdadeiro santuário de nidificação e estão classificadas como Área Importante para as Aves (IBA). Estas Ilhas são visitadas anualmente por centenas de pessoas, com autorização prévia; a atividade principal do turismo de natureza aqui desenvolvido é a visita guiada por um percurso interpretativo, seguindo-se o mergulho e a observação e escuta de vida selvagem. No Centro de Receção, os visitantes podem enviar um postal do posto de correios mais a sul de Portugal, levando assim uma recordação da área. Todas as ações desenvolvidas na Reserva são asseguradas por uma equipa de vigilantes da natureza, presentes durante todo o ano. A Revista de Marinha felicita o Engº Frederico Rezende, nosso estimado colaborador e assinante, por mais esta iniciativa; que na travessia encontre ventos bonançosos e de feição, mares calmos e águas safas! Atualidade Nacional O RINM - MAR cresceu no I semestre de 2021 s dados mais recentes revelam que entre 31 dez 2020 e 30 jun passado, se verificou um aumento líquido de mais 56 unidades no Registo Internacional de Navios da Madeira (RINM - MAR), perfazendo um total de 786 registos. Ou seja, em percentagem e em apenas 6 meses, assinalou um crescimento de 7,6%. Em termos de ranking o Registo da Madeira ultrapassou o Registo Internacional da Noruega (NIS), um registo de prestígio mundial, no mercado há mais de 40 anos. Desta forma, o MAR passou a ser o terceiro maior registo internacional europeu, em número de registos. O Vice-Presidente do Governo Regional da Madeira, Pedro Calado, sublinhou recentemente que … o MAR é parte integrante e indissociável do Centro Internacional de Negócios da Madeira e o seu crescimento é a prova de que quando existem condições de competitividade equivalentes a Madeira consegue concorrer em pé de igualdade com os grandes “players” do mercado e até ganhar quota O Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 de mercado. Por outro lado, Pedro Calado referiu ainda que o Governo Regional se encontra a efetuar diligências junto do Ministério do Mar no sentido de criar condições para que a Administração Marítima possa dar uma resposta mais ágil e eficiente às solicitações dos armadores. Corroborando a opinião de Pedro Calado, o Presidente do C. A. da SDM, Roy · revistademarinha.com Garibaldi, enfatizou que … esta performance resulta das alterações legislativas há muito reivindicadas pela Região e concretizadas na Assembleia da República em agosto de 2020, sendo também reflexo da expansão do MAR nos mercados internacionais. Perspetivando os meses que faltam até ao fim do ano, acredita que o MAR continuará a consolidar a sua posição no mercado internacional na medida em que irá manter uma postura pró-ativa do ponto de vista comercial e promocional. Importa notar que este crescimento é alcançado com a manutenção da qualidade das novas unidades angariadas para o Registo. Tal facto ficou patente na mais recente Lista Branca do MoU de Paris; o MAR contribuiu de forma decisiva para que a bandeira portuguesa tivesse subido de posição em 2020, continuando a rota ascendente dos últimos anos e transmitindo uma importante mensagem aos armadores que visam a qualidade e a credibilidade no registo das suas unidades. 19 84.O Ano Revista de Marinha entrevista os responsáveis pela AVE ROWING BOATS Vila do Conde, verdadeiro alfobre do desenvolvimento do Remo de Mar a nível mundial o último fim-semana de setembro e no primeiro fim-semana de outubro de 2021 realiza-se em Oeiras, na Praia da Torre, o Campeonato Mundial de Remo de Mar que o nosso País acolhe pela primeira vez. É, por isso, uma oportunidade soberana para divulgar a modalidade entre nós, a qual tem vindo a conhecer um crescimento assinalável nos últimos anos em toda a Europa, atraindo cada vez mais jovens e menos jovens para o Mar. Pelas suas características geográficas, de que ressalta uma linha de costa de 2.830 km, das quais 942 km no território Continental, Portugal apresenta um potencial de crescimento da modalidade assinalável. Para além disso, a modalidade conta entre nós com um importante fabricante nacional de embarcações de “remo de mar”, a AVE ROWING, sedeada em Fajozes, Vila do Conde, com uma atividade marcadamente exportadora, e cujas instalações a Revista de Marinha visitou muito recentemente e de que damos o justo relevo neste mesmo número, sob o título Regresso ao Mar… a Remar. É neste quadro que damos a palavra N 20 aos responsáveis da AVE ROWING, os Senhores José António Santos (JS) e Leandro Gavina Fernandes (LF), para nos falarem deste seu projeto empresarial, já hoje um indiscutível sucesso, a que deram corpo há 5 anos. Revista de Marinha: Como apareceu o Remo de Mar no nosso País? José Santos: O Remo de Mar surge em Portugal no seguimento do desenvolvimento do Remo de Mar a nível internacional, de acordo com as normas da FISA (Federação Internacional de Remo) e em paralelo com o desenvolvimento desta vertente do Remo em países como a França e Espanha que são a referência para Portugal sobretudo pela adesão e número de praticantes. No entanto estamos ainda no início e o Remo de Mar em Portugal tem ainda uma grande margem de crescimento e evolução, tal como na generalidade dos restantes países, a nível mundial. RM: Quais as razões que vos levaram a criar a AVE ROWING? JS: A AVE ROWING surge da paixão pelo Remo dos fundadores da empresa e porque acreditamos que estavam criadas as condições para avançarmos com este projeto industrial na área específica da construção de embarcações de Remo onde fomos pioneiros em Portugal. O sócio Leandro Fernandes contribuiu com o seu know-how das técnicas de produção e o sócio José Santos com experiência empresarial e capacidade de investimento. A inovação, o design e a utilização de novos materiais foram princípios que nortearam a orientação da nossa empresa a par da evolução tecnológica traduzida na parceria estabelecida com o INEGI (Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial) que tornam os barcos da AVE ROWING únicos no panorama do Remo nacional e internacional. RM: Quais foram os principais objetivos que vos nortearam? JS: O objetivo inicial da empresa foi o de modernizar o panorama no que respeita às embarcações de remo em Portugal e Espanha, que foram os mercados-alvo no início da nossa atividade, apresentando modelos inovadores e a preços competiti- Entrevista vos. Seguiu-se a internacionalização que é o foco atual da nossa empresa. RM: Quais os principais escolhos que como empresa tiveram que ultrapassar? JS: O mercado do remo é extremamente conservador tanto a nível nacional, mas sobretudo a nível internacional, com as marcas alemãs e italianas no topo da cadeia de valor e as marcas chinesas como opções económicas. De início o mercado reagiu de forma defensiva com a entrada de uma marca nova de origem portuguesa. Tivemos de fazer o nosso caminho com embarcações diferenciadas de produção portuguesa, fabricadas com matérias-primas portuguesas e europeias. Chegámos a ser acusados de produzirmos as nossas unidades na China, e posteriormente de recorrermos a matérias-primas chinesas. A nossa perseverança e a qualidade das nossas embarcações têm contribuído para a afirmação da marca nos mercados internacionais. RM: Qual a importância do mercado nacional na consolidação da AVE ROWING? E do mercado internacional? JS: O mercado nacional é naturalmente importante, embora muito limitado, sendo o mercado internacional o nosso principal objetivo. Atualmente 90% das nossas vendas são para o mercado internacional, maioritariamente para Espanha, França, Itália, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Irlanda, Dinamarca e Estados Unidos da América. RM: Quais são os modelos que têm neste momento em produção? E quais os novos modelos previstos lançar no mercado? Leandro Fernandes: Neste momento a AVE ROWING tem dois modelos; o José António Santos (JS) é empresário há 25 anos na área dos trânsitos, serviços aduaneiros e comércio internacional. A sua paixão pelo Remo é de longa data, como dirigente desportivo, praticante e patrocinador. É sócio fundador e principal financiador da AVE ROWING BOATS. (Obs.: o quarto a contar da esquerda, à esq. do Princípe Alberto de Mónaco). Leandro Gavina Fernandes (LF) é remador há mais de 20 anos, detentor de inúmeros títulos de Campeão Nacional em diferentes categorias e escalões. Tem a sua especialização profissional na área do manuseamento de compósitos, com uma experiência de quase 20 anos. Empresário há 5 anos é sócio fundador da AVE ROWING BOATS. (Obs.: o segundo a contar da esquerda, à dir. do Princípe Alberto de Mónaco). Explorer, criado em 2016, do qual foram criados os modelos C1X (embarcação individual) e C2X (embarcação dupla/2 pessoas). Entretanto, devido à nova distância criada pela FISA, o sprint de 500 m, houve necessidade de criar um novo modelo surgindo assim o Kaito. Este novo modelo foi apresentado este ano na versão C4X (4 pessoas) e C1X (Individual). Até ao final do corrente ano (2021) surgirá a versão C2X (2 pessoas) que completará a gama do modelo Kaito. 21 84.O Ano Regenerar o oceano por Jorge Oliveira e Carmo* frase “longe da vista longe do coração” aplica-se também ao mar. Nem todos têm o privilégio de viver junto ao mar e uma parte importante da população não tem sequer ideia da importância que o oceano tem nas suas vidas. Para muitos, os mares são imensas lixeiras, minas inesgotáveis e lugares remotos e assustadores. O conhecimento sobre o estado do oceano é hoje cada vez maior. O oceano conta com recursos marinhos finitos, um espaço físico limitado e as alterações climáticas afetam o seu balanço energético. Sabemos hoje que a poluição não tem fronteiras, que a maior parte da poluição marinha tem origem em terra e os efluentes e resíduos acabam por ir parar ao mar, e que ao largo, no fundo dos oceanos e longe das costas, crescem continuamente imensas zonas de acumulação de resíduos, com baixos níveis de oxigénio dissolvido e pouca vida marinha. A exploração exaustiva dos recursos, a pesca excessiva, a poluição, a pressão das atividades humanas e as alterações climáticas, são hoje uma ameaça ao futuro do oceano. Com a indiferença da grande maioria da nossa geração, o processo de transformação progressiva dos mares em imensas lixeiras vai já adiantado. Arriscamos deixar às gerações futuras um planeta doente, em que as temperaturas disparam, as calotes de gelo derretem, criaturas marinhas dissolvem-se em águas cada vez mais ácidas, metais solubilizam-se e tornam-se tóxicos e bioacumuláveis, os plásticos e os micro-plásticos invadem os mares e as descargas de hidrocarbonetos são cada vez mais frequentes. Assiste-se a uma corrida descontrolada à mineração submarina sem regras, ao excesso de pesca, ao arrasto e à pesca com explosivos. Arriscamos deixar aos nossos netos mares que são de facto lugares assustadores. Muitos dos recursos vivos marinhos são explorados acima da sua capacidade de regeneração, alguns extinguiram-se e outros, como os bancos de bacalhau do Atlântico Norte, não vão recuperar. A razia dos recursos vivos dos mares aconteceu só muito recentemente. Antes da industrialização da pesca as embarcações eram à vela e só raramente se aventuravam para muito longe da costa. Os barcos eram pequenos e as pesadas redes eram recolhidas à mão. O impacto da pes- A 22 marinheiros e sabemos hoje ca nos ecossistemas marique muitas dessas histórias nhos era limitado. A mudança foram mesmo reais. Peixes começou com a construção como o bacalhau podiam de grandes navios a vapor ser enormes, pescavam-se e o uso de novas técnicas exemplares com mais de 2 m de pesca industrial. A pesca de comprimento. Mesmo os alastrou rapidamente a todos maiores tubarões dos nossos os mares, mesmo a zonas redias, com cerca de 6 m de motas nunca antes exploracomprimento, parecem pedas. Os mamíferos marinhos quenos quando comparados foram alvo dos baleeiros e com os seus antepassados. as suas populações nunca Jorge Oliveira e Carmo, Na literatura dos séculos XVIII Professor Convidado vieram a recuperar. Durante da Faculdade de Direito e XIX são frequentes descrianos a captura de enormes da Universidade Nova ções de tubarões com 8 e 9 quantidades de cetáceos foi de Lisboa. m de comprido. Dizem que muito lucrativa e como resuleram, em tamanho, comparáveis às batado o céu noturno das grandes cidades leias. Também os cardumes de arenques brilhou. A iluminação dos centros urbanos e de sardinhas podiam ser imensos. Numa era feita com óleo de baleia. explosão sazonal de produtividade, escureExistem evidências de que a vida mariciam os mares em enormes áreas. Podianha dos nossos dias é apenas uma som-se navegar sobre eles durante dias a fio bra do que já terá sido. No passado os e alimentavam uma quantidade impressiomares foram habitados por animais realnante de aves aquáticas e de predadores mente fantásticos que temos dificuldade marinhos. Trata-se de um mundo marinho em imaginar nos nossos dias. Muitos dos fabuloso, que já acabou. Os tempos mudapeixes eram bem maiores e mais abundanram e nos mares, esta mudança foi muito tes. São inúmeras as descrições antigas recente. À medida que vamos aprofundande seres marinhos fantásticos. Durante do o nosso conhecimento sobre o oceano, séculos elas viveram no imaginário dos Monstros marinhos do passado desenhados por Olaus Magnus (1490-1557) cartógrafo, escritor e eclesiástico sueco, pioneiro no desenvolvimento de trabalhos sobre a Suécia e os países nórdicos. Foi o último arcebispo católico da Suécia, exilado em Roma, de 1524 até à sua morte em 1557. revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Ambiente Marítimo vamos constatando que a atividade humana já foi longe de mais. Novos estudos sobre a genética das baleias revelaram grande variabilidade, compatível com um cenário de que as suas populações eram bem maiores do que se imagina. Sabe-se hoje que as baleias desempenhavam um papel muito importante na produtividade do oceano. Eram um dos principais agentes que promovia o transporte de nutrientes das profundezas do oceano para junto à superfície. Esses nutrientes alimentavam organismos microscópicos, fitoplâncton, zooplâncton, peixes e longas cadeias tróficas que sustentavam a produtividade de ricos ecossistemas marinhos. A partir de meados do século passado, com a disseminação da pesca industrial, de novos navios e novas técnicas infalíveis de pesca e de deteção dos cardumes, desapareceram grandes populações de peixes. Eram bancos de pesca que sustentavam os principais mercados de pescado. O aumento da pressão económica e industrial sobre as reservas naturais de peixe levou ao desaparecimento dos exemplares maduros e de maior dimensão, exatamente aqueles que asseguravam a reprodução e a capacidade de autorregeneração das populações. É a chamada tragédia dos comuns. Na tragédia dos comuns, indivíduos agindo de forma racional e independente, de acordo com seus próprios interesses pessoais, comportam-se contra o interesse de todos e o bem comum, e esgotam recursos essenciais à sua sobrevivência e à das gerações futuras. A tragédia dos comuns, o excesso de pesca, a pesca proibida e não reportada, a incapacidade para tomar decisões sérias de conservação e a captura de recursos naturais comuns por interesses econó- Corvina pescada em 2017 pelo Marcos Santo em São Tomé e Príncipe (publicação autorizada pelo meu amigo Marcos). micos particulares, são exemplos claros da incapacidade das políticas públicas do mar, onde as iniciativas são sobretudo de curto prazo, inconsequentes e dependentes da agenda mediática. Os peixes que pescamos e consumimos nos nossos dias são, na sua maioria pequenos peixes ainda juvenis, capturados muitas vezes antes de terem tido sequer a possibilidade de se reproduzir. As suas populações estão desequilibradas, são diminutas e encontram-se ameaçadas e com futuro incerto. Os efeitos da atividade humana descontrolada no oceano não se observam apenas na redução das populações de peixes e dos grandes mamíferos marinhos. Muitos ecossistemas marinhos sensíveis são afetados pela pressão humana com consequências inesperadas na degradação ambiental e no desaparecimento de muitas espécies. A atividade humana reflete-se também na poluição marinha, com cada vez mais efluentes, hidrocarbonetos, plásticos e outros resíduos sólidos a serem descarregados no mar. Também a mudança climática é um outro efeito da atividade humana no oceano. Na falta de controlo efetivo a pesca industrial intensiva compromete a capacidade de renovação das populações de peixes e leva ao esgotamento dos recursos, à chamada tragédia dos comuns. Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 · revistademarinha.com Ela decorre da queima dos combustíveis fósseis, da libertação de gases com efeito de estufa e aumento da concentração do dióxido de carbono na atmosfera e do ácido carbónico na água do mar. A acidificação do oceano leva à perda de biodiversidade marinha. Embora nos ecossistemas terrestres exista já um conhecimento aprofundado da forma como os gradientes globais de biodiversidade se relacionam com os fatores ambientais, nos mares este conhecimento é ainda relativamente escasso. Trabalhos recentes têm vindo a estudar os padrões de biodiversidade de muitas espécies marinhas, incluindo zooplâncton, peixes, tubarões e baleias, e permitiram constatar uma forte correlação entre a temperatura do oceano e os seus padrões de distribuição. Parece que alterações futuras na temperatura do oceano, como as relacionadas com as alterações climáticas, estão já a afetar a biodiversidade marinha e a modificar a distribuição espacial das espécies. Os investigadores têm focado uma atenção especial em regiões especialmente ricas onde habitam muitas espécies, muito concentradas, com cadeias tróficas relativamente longas e com relações entre os organismos mais ou menos complexas. Pretendem compreender as causas e a origem desses ecossistemas marinhos. Encontraram dois padrões fundamentais de concentração de biomassa e de biodiversidade. Por um lado, as espécies que vivem junto à costa como corais e comunidades de peixes, que habitam especialmente nos mares do sudeste da Ásia, por outro lado, espécies que vivem em oceano aberto como peixes pelágicos, atuns e baleias, que apresentam concentrações altas em mares situados a latitudes médias. Testadas diversas hipóteses de explicação dos diferentes fatores ambientais que justificam A criação de áreas marinhas protegidas garante a proteção do ambiente, o aumento da biodiversidade marinha, as atividades económicas sustentáveis e a produtividade das áreas envolventes. 23 84.O Ano estes padrões globais de distribuição, concluíram que a temperatura da água do mar é a principal variável que justifica a distribuição dos diferentes grupos de espécies marinhas. Considerando a forma como a temperatura e a biodiversidade se relacionam, parece provável que no futuro o aquecimento médio global do oceano, venha a ter efeitos na alteração da distribuição da vida marinha. Sabe-se que o oceano e a atmosfera controlam o clima do planeta. Os mares acumulam energia em excesso proveniente da radiação solar que fica aprisionada nos gases da atmosfera. A composição da atmosfera mudou e agora retém cada vez mais calor. As alterações climáticas têm vindo a modificar o balanço energético do oceano. O armazenamento térmico do oceano tem controlado a mudança climática e permitido reduzir o aquecimento dos continentes. Mas os mares já aqueceram em profundidade e é já possível detetar o aquecimento de massas de água oceânicas abaixo dos 3.000 m. A energia armazenada nos mares condiciona o clima nos continentes e está na origem dos principais fenómenos meteorológicos. À medida que a temperatura média do oceano aumenta, aumenta a evaporação à superfície, a intensidade e frequência das tempestades tropicais, a formação de ciclones, furacões e maremotos e aumenta a erosão costeira, bem como os fenómenos das secas prolongadas, cheias e inundações. As chuvas e as tempestades que se formam no horizonte, as correntes que aquecem ou arrefecem os continentes e o clima em geral, dependem muito do efeito estabilizador das massas de água e da distribuição de energia pelas correntes oceânicas. O aquecimento dos oceanos afeta os campos de gelo situados junto aos polos e nas altas montanhas, e a sua fusão origina a subida do nível do mar. Com o aumento do volume da água no oceano e o degelo, o nível do mar sobe agora em média cerca de dois mm por ano, ameaçando zonas costeiras e ilhas. O aumento de temperatura provoca também alterações na produtividade no oceano. Uma camada de água quente e cristalina à superfície dos mares tropicais significa que as águas da profundidade, mais frias e ricas em nutrientes, não conseguem ascender à zona fótica iluminada pela luz solar, junto à superfície. Este fenómeno diminui a disponibilidade de alimento, a produtividade dos mares e a biodiversidade marinha. A vida marinha nas regiões tropicais encontra-se geralmente bem-adaptada 24 Mergulho nas águas quentes do Ilhéu das Rolas em São Tomé 2019 (foto JOC). a águas quentes, mas se a temperatura continuar a subir podemos esperar consequências adversas para muitos organismos marinhos. Muitas populações marinhas de águas quentes têm vindo a migrar para zonas que se situam a diferentes latitudes. Este movimento é possível nos organismos que nadam nas massas de água, mas para outros, como os corais que não se deslocam facilmente, as consequências podem ser dramáticas. E mais do que a intensidade, o ritmo a que se está a verificar a mudança climática dificulta a adaptação dos corais, que acabam por desaparecer. Os recifes de coral suportam ecossistemas delicados, com elevada produtividade, e são sensíveis a períodos prolongados com a água relativamente mais quente. Isto porque muitos corais vivem associados a algas que habitam no seu interior e que, por fotossíntese, produzem alimentos que lhes são indispensáveis. Quando a temperatura da água aumenta a atividade das algas em simbiose é muito acelerada e isso pode danificar os frágeis tecidos moles do coral. O mecanismo de autodefesa consiste na expulsão das algas pelo hospedeiro. Ao libertarem as algas os corais baixam a atividade metabólica, perdem cor e ficam esbranquiçados. O branqueamento dos corais pode não ter grandes consequências se se verifi- car por períodos curtos, mas temperaturas demasiado elevadas durante semanas ou até meses podem levar à sua morte. Ficam apenas à vista esqueletos calcários completamente brancos e assiste-se à morte de grandes extensões de coral em zonas que já foram especialmente ricas. A morte do coral, com a degradação de todo o ecossistema que lhes está associado, tem consequências profundas para a vida marinha dos recifes e no povoamento de vastas zonas oceânicas. Importa intervir para enfrentar a degradação do oceano e acelerar a adaptação às alterações climáticas. Parece que a mitigação, reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa, só por si, já não será suficiente para inverter a tendência de aquecimento global do planeta. A concentração de dióxido de carbono da atmosfera está já acima das 400 partes por milhão, muito acima das 180 do tempo dos nossos avós. Com a progressiva acumulação de dióxido de carbono na atmosfera e ácido carbónico dissolvido nos mares o oceano está a acidificar. Enfrentar a degradação do oceano pressupõe criar condições para uma gestão mais equilibrada e sustentável das atividades humanas no mar. O sucesso da sua gestão pressupõe um conhecimento profundo de cada atividade em si e do contexto e enquadramento em que ela se desenvolve. No âmbito da economia do mar não existe um sistema de gestão único que sirva todos os diferentes modelos económicos. Alguns, como a governação geral do oceano, respeitam uma escala mais global, mas muitos necessitam de escalas locais, nacionais ou regionais para gerir usos múltiplos simultâneos numa área particular. Importa abordar a gestão do oceano de forma diferente. Ver o oceano como um mar de oportunidades. Um sistema que suporta a vida na terra com serviços essen- Mergulho nas águas frias das grutas da Atalaia em Sagres 2018 (foto JOC). revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Ambiente Marítimo ciais. Com milhões de novas formas de vida marinha e moléculas únicas por descobrir. O mar como a fonte de água do planeta. A origem do oxigénio que respiramos. A fotossíntese realizada pelo fitoplâncton do oceano produz mais oxigénio do que todas as florestas tropicais do mundo. O oceano como sendo um potente sistema de regulação do clima. Lembrar que o oceano fornece os serviços ecológicos essenciais de regulação, proteção, preservação da vitalidade dos ecossistemas e reciclagem de nutrientes, entre outros. A nossa visão do oceano mudou muito recentemente. Nos últimos 10 anos melhorou a nossa compreensão do papel do oceano na regulação do clima e na resiliência das condições de estabilidade do planeta. O combate à poluição com origem em terra passou a ser uma prioridade. Os serviços dos ecossistemas marinhos foram sendo reconhecidos e avaliados. Uma rede de áreas marinhas protegidas foi crescendo e articulando-se entre si e existe um reconhecimento geral da necessidade em se gerir melhor o oceano. Também as práticas mudaram. Existem novos recursos provenientes do turismo sustentável, da proteção ambiental. Novos sistemas naturais de proteção da costa, florestas de mangais e recifes de coral que limitam os danos dos eventos meteorológicos extremos e da subida do nível do mar. É hoje reconhecida a necessidade de gerir de uma forma integrada os sistemas costeiros. Assistiu-se a um tremendo desenvolvimento tecnológico das energias renováveis no mar. Acredita-se agora na evolução da gestão participada dos recursos marinhos com o envolvimento dos interessados e das comunidades locais. Trata-se apenas de alguns exemplos, entre muitas novas iniciativas que demonstram a necessidade de uma maior integração entre as áreas social, económica, ambiental e cultural por forma a alcançar condições de maior equidade geográfica e entre gerações. No início da revolução industrial não imaginávamos que a atividade humana seria capaz de alterar os equilíbrios que mantêm a vida no planeta tal como a conhecemos. Sabemos agora como estes equilíbrios são frágeis, conhecemos que o planeta tem limites e que os recursos são finitos, e estamos convencidos que parte importante da solução para os problemas da sustentabilidade virá do oceano. É necessária uma nova abordagem, com uma visão mais ambiciosa, baseada na capacidade do oceano para mobilizar a transformação da sociedade numa nova realidade muito mais sustentável, onde estejam salvaguardados o bem-estar humano e a equidade nas nossas sociedades. Uma nova abordagem económica, social e tecnológica baseada nas oportunidades tremendas que o oceano nos oferece em novos recursos, soluções inovadoras e na promessa de novas experiências positivas para as gerações futuras. Imaginemos o futuro no nosso oceano comum. Um barco que usa a energia das ondas na sua propulsão. Um reator biológico onde as microalgas retiram o dióxido de carbono da atmosfera e o fixam na sua biomassa. Novas soluções de tecnologias renováveis onde o aproveitamento energético é feito a partir dos gradientes de temperatura na água salgada a diferentes profundidades. Novos fármacos, com origem em organismos marinhos para tratar novas doenças. A construção de novas barreiras de coral artificiais para proteção contra a ondulação costeira e o reforço da biodiversidade marinha. Novas tecnologias de sistemas de intensificação de biomassa onde bactérias e outros organismos marinhos são usados em sistemas de tratamento de águas, tratamento de efluentes da indústria e reciclagem de nutrientes e resíduos. Uma nova dinâmica na conservação do oceano passa pela criação de mais áreas marinhas protegidas. As áreas marinhas protegidas têm sido um enorme sucesso no repovoamento, regeneração das popu- lações e aumento da biodiversidade local com efeitos rápidos no enriquecimento de muitas regiões em termos ambientais e das atividades económicas ligadas ao mar. Cada vez mais nos deparamos com uma nova realidade em que um peixe vivo vale mais do que um peixe morto. Muitas das áreas marinhas protegidas foram criadas por decreto governamental. Muitas só existem mesmo no papel. Mas hoje multiplicam-se as propostas de novas áreas marinhas protegidas que não nascem já de cima para baixo, apenas por decisão dos governos, mas dos interesses convergentes dos protagonistas locais como pescadores, atividades turísticas, autárquicas, universidades, associações desportivas, indústrias, populações e utilizadores. Novas áreas protegidas, que nascem de baixo para cima, e já com objetivos claros, planos de gestão, financiamento e responsáveis pela sua implementação. Chegou ao fim o tempo da rapina dos recursos naturais do oceano, da tragédia dos comuns nas pescas, da indecisão relativamente à conservação dos recursos do mar, da captura por interesses económicos, das políticas públicas de curto prazo inconsequentes, da agenda mediática e dos partidos. Acreditamos no oceano como parte importante da solução para ultrapassar a atual crise ambiental global. Emerge do mar uma nova consciência de que importa proteger o ambiente a nível global. Não podemos ainda contar com instituições e regras supranacionais, mas parece evidente que está em progresso uma nova dinâmica global de governação que permita lidar com os imensos desafios ambientais que se apresentam. Importa não perder esta oportunidade, acreditar no progresso científico e tecnológico, no desenvolvimento sustentável e em novas formas de governação, para regenerar o oceano. * Professor Convidado da Faculdade de Direito da Univ. Nova [email protected] Uma aposta na Intermodalidade e na Logística www.portodesetubal.pt Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 · revistademarinha.com 25 84.O Ano Madeira: a pesca apoiada na Investigação Científica por Mafalda Freitas* contributo da economia do mar na criação de riqueza regional representa 10,3% do Valor Acrescentado Bruto (VAB). Este dado, conhecido publicamente pela primeira vez à saída de 2020, é uma ferramenta útil para a tomada de decisões políticas, por permitir projetar investimentos que ajudem no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) regional, através de economias diversificadas e não apenas do turismo. É neste contexto que o mar ganha o estatuto de um dos recursos mais importantes da Região para o crescimento da economia azul, mas as políticas a incrementar têm de estar em conformidade com os objetivos estratégicos definidos pela União Europeia, que contemplam a gestão eficaz das atividades marinhas e a utilização sustentável dos recursos marinhos e costeiros. Um dos projetos a que o Governo Regional da Madeira, terá de dar seguimento obrigatório, é o Plano Nacional de Recolha de Dados (PNRD). Este programa é de aplicação obrigatória no âmbito da União Europeia. Quando se aproxima a data para conhecer as quotas de pescado que serão atribuídas a Portugal em 2021 e, em consequência, à Madeira, este programa acaba por ter influência junto da entidade que decide a atribuição de quotas, e daí a sua relevância para o setor das pescas da Região. No âmbito deste programa, desenvolvido pela Direção Regional do Mar, são recolhidos dados pesqueiros, ambientais e socioeconómicos no sector das pescas da Região, incluindo a monitorização das principais espécies, designadamente o peixe-espada preto, tunídeos, pequenos pelágicos e lapas, cujos parâmetros biológicos são continuamente monitorizados. Os dados recolhidos são utilizados localmente na avaliação dos mananciais explorados ou enviados no âmbito de pedidos de dados efetuados pela União Europeia e organizações internacionais de investigação como o ICES (International Council for the Exploration of the Sea) e ICCAT (International Commission for the Conservation of Atlantic Tunas). Como já foi referido, a informação recolhida O 26 na Região é de grande relevância, pois integra o Sistema Europeu de Atribuição de Quotas às principais espécies pescadas localmente. As informações recolhidas pelo PNRD são também importantes para a obtenção de indicadores que integram a Diretiva Quadro da Estratégia Ma- rinha e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da FAO. A Região prepara-se em 2021 para aplicar, a curto prazo, no âmbito do PNRD, um novo programa de observação científica a bordo de embarcações de pesca da frota regional. Trata-se de acompanhar a atividade pesqueira a bordo das embarcações de pesca da frota regional, contribuindo para a sustentabilidade das pescarias e dos recursos vivos dos quais aquelas dependem, constituindo assim um instrumento eficaz ao serviço da preservação ambiental no meio marinho. O programa de observadores a bordo (OBSERVA-PESC) incidirá sobre as principais pescarias da Região, designadamente do peixe-espada preto, tunídeos, cerco e “peixe fino” e é um projeto da Direção Regional do Mar pertencente à nova Secretaria Regional de Mar e Pescas. * Diretora Regional do Mar [email protected] revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha 84.O Ano Conservação dos Mangais em África por Valentim Alberto António* angais são ecossistemas naturais tropicais, compostos por espécies de plantas que toleram água salgada, geralmente localizados em áreas costeiras, e considerados “ecossistema de carbono azul”. São dez vezes mais eficientes em absorver e armazenar grandes quantidades de carbono, em comparação a ecossistemas terrestres, tornando-os essenciais para o combate às mudanças climáticas. São locais de reprodução para milhares de espécies, funcionando como berçário de 80% da vida marinha e provedores de proteção e alimento para peixes e diversos invertebrados como crustáceos e moluscos, dão suporte a muitas espécies em risco de extinção como tartarugas, manatins e algumas aves, para além de outros inúmeros benefícios ecológicos e econó- M 28 micos na vida das comunidades costeiras. Em África, existem mangais em várias áreas costeiras, mas muitos destes encontram-se destruídos e a precisar urgentemente de restauração e proteção. Com esta finalidade, foi levado a cabo uma conferência internacional sobre “O Reforço dos Compromissos Políticos na Conservação e Melhoria dos Mangais em África” nos dias 3 e 4 de março para assinalar o “3 de março”, dia Africano do Ambiente e dia “Wangari Maathai”. Esta Conferência, a primeira sobre o tema, foi realizada inteiramente por webinar, e contou com a participação de ministros responsáveis pelos sectores do Ambiente, Pescas e Economia Azul, de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Tanzânia, Quénia, Congo, Camarões, Madagáscar, Gabão, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, Senegal, Guiné-Conacry, Nigéria, Costa do Marfim e Gana. Durante a Conferência o Presidente da Comissão da União Africana sublinhou o reconhecimento do empenho político de Angola por se ter classificado em 1º lugar na rota mundial de plantação de mangais no sentido de se inverter a tendência de degradação do ecossistema, com envolvimento dos decisores políticos, organizações não-governamentais e da sociedade civil, e por também Angola ter realizado em fevereiro ultimo um workshop sobre Zonas Húmidas, com a participação de diferentes sectores do governo, legisladores, académicos, representantes de organizações ambientais nacionais ligadas à proteção de mangais. Angola demostra assim, cla- Ambiente Marítimo ramente, que as questões ambientais que no passado foram negligenciadas, hoje ocupam um lugar na agenda política, no quadro das organizações internacionais, onde faz ouvir a sua voz, sobre os grandes compromissos globais sobre o ambiente, os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e o Acordo de Paris sobre o Clima. Foi neste ambiente que decorreu a Conferencia, sob o tema “Reforçar o Património dos Mangais Africanos para uma Maior Resiliência à Pandemia da COVID 19”, sendo reconhecidas as contribuições dos mangais e outros recursos costeiros como pedras angulares para o desenvolvimento socioeconómico e a sustentabilidade ambiental no continente. No fim dos trabalhos a Conferencia produziu a seguinte Declaração: Conscientes das origens zoonóticas da COVID 19, do vírus Ébola e outras pandemias resultantes da destruição da biodiversidade e dos habitats naturais e da importância de ecossistemas saudáveis como soluções naturais para as pandemias e zoonoses. Nós, Ministros dos estados costeiros e das ilhas da União Africana, assim o exigimos: 1. Os Estados-Membros adotam uma abordagem de gestão integrada dos ecossistemas costeiros para melhorar a proteção e conservação dos nossos mangais e outros recursos costeiros; 2. Os Estados-Membros intensificam os seus esforços de reflorestação e restauração de mangais, para além do restabelecimento de reservas de mangais para manter a estabilidade das zonas costeiras como zonas tampão contra marés e ventos fortes; 3. Os reforços dos procedimentos da restauração como componente chave tanto da adaptação e mitigação das alterações climáticas a nível nacional como de reforço dos meios de subsistência através da promoção de empresas de pesca artesanal, aquicultura, apicultura e ecoturismo; 4. Refortalecimento dos quadros institucionais, políticos e legislativos a nível nacional, bem como a criação de capacidades das comunidades locais para assegurar a gestão dos recursos sustentáveis dos mangais e dos recursos costeiros e reduzir todas as formas de poluição nas zonas de mangais, incluindo o petróleo e o lixo; 5. A aceleração do processo de ratificação e implementação da Convenção de Lomé sobre Segurança Marítima em África para assegurar um tráfego de carga seguro e reduzir a incidência de derrames de petróleo nos nossos cursos de água; 6. Solicitação aos Estados-Membros Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 para assegurar a responsabilização através de sistemas adequados de monitorização e informação para a conservação dos mangais; 7. Solicitação aos Estados-Membros, com o apoio dos parceiros, para que se realizem inventários regulares dos recursos de mangais com vista a assegurar o desenvolvimento de planos de gestão e projetos de restauração adequados; 8. A renovação do nosso compromisso para a implementação da Convenção Africana sobre a conservação da natureza e dos Recursos Naturais (Convenção de Maputo) para a sustentabilidade de todos os ecossistemas, incluindo os mangais, em colaboração de Convenções de Abidjan e Nairobi e outros parceiros; 9. Mandatar a Comissão da União Africana para acolher o Secretariado da Convenção de Maputo e de igual modo facilitar a organização da sua primeira Conferencia das Partes em colaboração com os Estados-Membros da União Africana; 10. O desenvolvimento de um plano diretor continental para a gestão sustentável dos mangais e recursos costeiros de Africa pela Comissão da União Africana e seus · revistademarinha.com parceiros, em colaboração com os Estados-Membros da União Africana, como parte da implementação do conceito da economia azul, e 11. Exortar a Comissão da União Africana, parceiros e Estados-Membros da União Africana a organizar conjuntamente uma conferência a nível continental sobre mangais e recursos costeiros para dar início à elaboração de um plano diretor continental sobre mangais e recursos costeiros. Em Angola, tal como em vários países costeiros africanos, existem mangais ao longo de várias zonas da sua faixa costeira, necessitando muitos deles, urgentemente, de restauração e proteção. Contudo, a Carta Magna Angolana consagra a responsabilidade do Estado em adotar medidas de proteção ambiental e das espécies da flora e da fauna, de manutenção do equilíbrio ecológico e de exploração racional de todos os recursos naturais no quadro de um desenvolvimento sustentável e de respeito pelos direitos das gerações futuras. * Vice-Almirante (Marinha de Angola) [email protected] 29 84.O Ano Ameaças às Aves Marinhas em Portugal Centro de reabilitação de animais marinhos cram-ecomare por Rute Costa* ilhares de animais marinhos são feridos e mortos todos os anos em toda a Europa. As causas antropogénicas mais comuns de mortalidade de aves marinhas incluem as capturas acidentais, emaranhamento (Moore et al. 2009; Zydelis et al. 2013) e derramamentos de óleo e similares (Troisi et al. 2016). Num estudo publicado em 2021 por Costa et al. (Threats to seabirds in Portugal: integrating data from a rehabilitation centre and stranding network, European Journal of Wildlife Research 67:41), com dados relativos ao centro de reabilitação de animais marinhos CRAM-ECOMARE nos anos compreendidos entre 2010 e 2016, destaca-se a importância dos centros de reabilitação de vida selvagem para a conservação das aves marinhas e o alto número de admissões de aves marinhas devido a causas associadas à atividade humana (emaranhamento / captura acidental, trauma). Este estudo foi a primeira tentativa de avaliar em conjunto as principais causas de admissão de aves marinhas num centro de reabilitação e as causas de mortalidade de aves marinhas com base na recolha e análise de aves marinhas mortas na costa de Portugal. Neste estudo foram registadas 2.042 admissões de aves marinhas de 26 espécies diferentes. Os grupos mais comuns foram gaivotas grandes, tordas, patolas, cagarras e pardelas. A principal causa de admissão foi emaranhamento / captura acidental, seguido de trauma e toxicidade. Entre as aves marinhas vivas inicialmen- M 30 te admitidas, 39% foram libertados com sucesso na natureza após a reabilitação, 31% morreram durante a reabilitação e 30% foram considerados irrecuperáveis após o diagnóstico e foram eutanasiadas ou transferidos para outros centros onde são mantidas em cativeiro para fins de educação e conservação. Para além do esforço efetivo de reabilitação e posterior libertação dos animais marinhos, muito importante para a conservação das espécies, é essencial salientar a importância da recolha de dados consistentes e durante períodos de tempo longos. Esta recolha de dados poderá aumentar a informação sobre a ocorrência de aves em determinadas áreas, contribuir para a monitorização dos impactos das atividades humanas nas populações de aves marinhas fora das suas áreas de reprodução e também revelar padrões de população relacionados com mudanças climáticas ou mudanças fenológicas. * [email protected] NOTA: O CRAM-ECOMARE é o maior centro de reabilitação de animais marinhos da Europa e tem como principal missão o resgate, reabilitação revistademarinha.com e devolução à natureza de aves, répteis e mamíferos marinhos. O centro é coordenado por uma parceria entre a Sociedade Portuguesa da Vida Selvagem e a Universidade de Aveiro, está localizado em Ílhavo e está disponível 24 horas por dia para o resgate de animais marinhos (contato - 919 618 705). REFERÊNCIAS: Moore et al. 2009: A review of marine mammal, sea turtle and seabird bycatch in USA fisheries. Mar Policy 33(3):435–451 Zydelis et al. 2013: The incidental catch of seabirds in gillnet fisheries: a global review. Biol Conserv 162:76–88 Troisi et al. 2016: Impacts of oil spills on seabirds: unsustainable impacts of non-renewable energy. International Journal of Hydrogen Energy 41(37):16549–16555. · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Navegação, Hidrografia e Oceanografia Radares de Alta Frequência e sua utilização na Oceanografia e na monitorização de tsunamis Por Vânia Lima* e Carlos Santos Fernandes** s sistemas de RADAR (acrónimo de RAdio Detection And Ranging) são sistemas que usam ondas eletromagnéticas no espectro de frequência das ondas rádio (em modo contínuo ou em pulso), para fazer a determinação do alcance, direção azimutal e velocidade de objetos. Os radares de alta frequência (high frequency, HF) têm uma frequência de funcionamento f entre os 3 e os 30 MHz e são utilizados para vigilância over the horizon (OTH). Paduan & Washburn (2013) consideram o intervalo 3 – 50 MHz, em que o seu limite superior é designado de banda very-high-frequency (VHF). Os radares OTH são um tipo de sistema de radar que tem a habilidade de detetar alvos a grandes distâncias, tipicamente entre as centenas a milhares de Kms, para além do horizonte do radar – o denominado beyond the radar horizon, BTH, que é a distância limite para os radares vulgares. Apesar de pouco comum, os radares HF podem também ser referidos como os radares decâmetro, visto que os seus comprimentos de onda λ estão compreendidos entre os 10 e os 100 m (sendo determinados de acordo com λ=c/f, em que c é a velocidade da luz). O Antena radar HF faseada com 500 m para vigilância militar, localizado em San Clement Island, Califórnia, EUA (1971). O equipamento e cablagens faseadas estavam alojados em 4 reboques, pesando cerca de 50 tons (in CODAR Newsletter, Fall 2016). O surgimento destes sistemas foi impulsionado quando, aplicando os princípios do eletromagnetismo propostos por James Maxwell (1865), Christian Hülsmeyer (1904) desenvolveu um aparelho simples de deteção de embarcações, com o intuito de evitar colisões em situações de nevoeiro. Os radares HF têm sido utilizados e Mapa de correntes totais, com área de cobertura correspondente aos radares HF de São Julião e Cabo Espichel. Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 · revistademarinha.com foram amplamente desenvolvidos, desde a II Grande Guerra Mundial, com o objetivo de fazer a deteção de todos os tipos de objetos inimigos, marítimos, terrestres ou aéreos. De modo independente, vários países desenvolveram a tecnologia radar, principalmente em meados dos anos 30 do século XX, tendo-se revelado como uma tecnologia muito importante no conflito bélico. Porém, o desempenho dos radares encontrava-se comprometido pela presença de eco generalizado de origem desconhecida, dificultando a possível deteção. Este ruído foi identificado por Crombie (1955), que o relacionou com as ondas do mar. Baseando-se no eco oceânico registado por um radar de 13.5 MHz, Crombie verificou que a frequência da principal componente de doppler era aproximadamente constante, independentemente do estado do mar, ao contrário do desfasamento expectável. Relacionou então estas observações com um fenómeno de Bragg scattering (dispersão de Bragg) em que, como resultado de ressonância, os sinais que regressam ao radar, após dispersão do oceano, produzem por adição construtiva uma ampla assinatura espectral. Na dispersão de Bragg ocorre a reflexão coerente da energia transmitida pelas ondas da superfície do oceano, cujo comprimen31 84.O Ano Rede nacional de radares de alta frequência (HF). De norte para sul, oeste para este: Leça da Palmeira, São Julião, Cabo Espichel, Sagres, Alfanzina e Vª Real de Santo António. to de onda (λ) é metade do λ das ondas de radar transmitidas (Paduan & Graber, 1997). Tal achado impulsionou o interesse dos oceanógrafos nesta tecnologia. Como consequência, Donald E. Barrick desenvolveu os primeiros radares HF capazes de efetuar medições ambientais (numa versão compacta e económica) no Wave Propagation Laboratory da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA). O nome dado ao sistema desenvolvido foi CODAR, que inicialmente designava Coastal Ocean Dynamics Applications Radar, sendo também o acrónimo usado para Compact Radar. Nos anos 80, Barrick funda a companhia CODAR Ocean Sensors, que concebe e fabrica sistemas radar, sendo que o produto disponibilizado tomou a designação de Seasonde. Durante os anos 80 e 90 foram desenvolvidos vários sistemas de high-frequency surface wave radar (HFSWR). Atualmente, são de uso mais generalizado 2 sistemas específicos de radares de alta frequência: o sistema WERA (WavE Radar), que foi desenvolvido na década de 80 do século passado na Universidade de Hamburgo, e o sistema CODAR (referido anteriormente). Estes sistemas de radar HF transmitem ondas eletromagnéticas para a superfície do oceano, recebendo em resposta um sinal retro difundido repleto de informação sobre as correntes de superfície e as ondas (Gurgel et al., 1999). Esta monitorização da superfície do oceano é feita a partir de localizações muito perto da costa, existindo casos de utilização em plataformas móveis (Yao et al., 2020). A conjugação de informação de vários radares de alta frequência existentes numa dada área permite-nos obter as componentes ne32 cessárias para gerar o vetor de corrente, e assim obter mapas de correntes mais completos. Deste modo, para uma dada área, o panorama de superfície a 2 dimensões de correntes e agitação corresponde à cobertura de pelo menos duas estações de radar HF. As redes de sistemas de radares HF são capazes de mapear uma ampla zona, com distâncias offshore entre os 15 e os 200 km da costa, resoluções entre os 300 m e os 12 km, dependendo da frequência utilizada, obtendo mapas de correntes horárias, com precisão de velocidades de corrente até 10 cm/s e 5° na direção da corrente. A rede nacional de radares de alta frequência é gerida pelo Instituto Hidrográfico (https://www.hidrografico.pt/radar.map). É composta por 6 estações radar HF, nomeadamente a estação radar de Leça da Palmeira, as estações radar de São Julião e Cabo Espichel iluminando a zona de Lisboa e, as estações radar de Sagres, Alfanzina e Vila Real de Santo António cobrindo a totalidade da faixa litoral Algarvia. Um inventário europeu de radares HF foi compilado na publicação de Mader et al. (2016), em que é apresentado o mapa com a localização de 72 radares HF na Europa (à data dessa publicação). Em Roarty et al. (2019), os autores descrevem e caracterizam a rede global de radares de alta frequência. A existência de uma vasta rede de radares de alta frequência no mundo, aliada à utilização e ao desenvolvimento de metodologias de deteção de tsunami e alerta, impulsionaram a utilização destes sistemas de deteção e sua assimilação nos sistemas nacionais e internacionais de alerta de tsunami. A capacidade de medição de velocidades de corrente superficiais, em tempo quasi-real, dos sistemas radar HF foi confirmada através de observações do tsunami de 2011 do Japão e de eventos de meteotsunami rea- a) Águas profundas Radar HF localizado em Bodega Marine Lab., Califórnia,EUA (símbolo a vermelho) e mapa de velocidades radiais medidas aquando do evento de 2011 em Tohoku, Japão, notando-se o fluxo reverso gerado pelo tsunami (in Lipa et al, 2011). lizadas por estes sistemas. Atualmente, e apesar de ainda existirem algumas limitações, a deteção de eventos de tsunami poderá ser conseguida até 45 minutos antes da sua chegada à costa, no caso do limite da plataforma continental se encontrar a cerca de 100 km da linha de costa (Gurgel et al., 2011). Tal tempo de deteção permite a utilização desta informação para emitir um alerta antecipado de tsunami. Porém, o alcance máximo de deteção e o tempo de alerta são dominados pelo perfil batimétrico, em direção à costa, da área de localização do radar (Barrick et al., 2016). Em Portugal, o sistema nacional de alerta de tsunami implementado através do North Eastern Atlantic and the Mediterranean Tsunami Warning System (ICG/ NEAMTWS), iniciou o seu funcionamento em novembro de 2017 com o centro de operações português sediado no Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). Nesse sentido, e com o propósito de do- b) Águas intermédias c) Águas pouco profundas Figura 5 – Movimento orbital – Teoria linear revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Navegação, Hidrografia e Oceanografia tar o sistema português de um sistema de deteção precoce, foi instalado em setembro de 2018, sob a égide do projeto OCASO – Observatório Costeiro Ambiental do SudOeste/Coastal Environmental Observatory of the Southwest, um módulo de deteção de tsunami na estação Radar HF de Sagres(1). Este módulo, desenvolvido pela CODAR Ocean Sensors com tecnologia Seasonde, foi, entretanto, transferido da estação Radar HF de Sagres para a estação Radar HF de Alfanzina, Portimão, onde se encontra atualmente instalado e em funcionamento permanente. Esta transferência ocorreu dada a complexidade da dinâmica oceânica na ponta de Sagres o que gerava demasiados falsos positivos e consequentemente falsos alertas. De uma forma muito simplista, à luz da teoria linear (Airy Theory), uma onda no mar encontra-se em águas profundas quando a profundidade é maior que 1/2 do seu comprimento de onda e em águas pouco profundas quando a profundidade é inferior a 1/20 do seu comprimento de onda. Esta relação reflete-se no comportamento do movimento orbital que uma partícula fará aquando da passagem de uma onda. Em águas profundas esse movimento é circular, passando a um movimento elíptico na zona de transição e praticamente retilíneo em águas rasas. Como uma onda tsunami possui um comprimento de onda de várias centenas de Kms, esta encontrar-se-á sempre numa situação de águas rasas, fazendo com que as partículas na superfície da água do mar apresentem um movimento retilíneo, de avanço (até à crista da onda) e de recuo (da crista até à cava). É esta diferença de comportamento do movimento orbital das partículas, aquando da passagem de uma onda dita normal ou de um tsunami que desencadeará todo o processo de identificação e deteção de um possível tsunami. Este sistema de deteção de tsunami da CODAR, que efetua a deteção da onda incidente de tsunami através da sua velocidade orbital (Roarty et al., 2019), extrai o sinal de tsunami da corrente e ruído de fundo, através da aplicação de um algoritmo de reconhecimento de padrões (circular ou retilíneo) (Barrick et al., 2016). Antes do algoritmo ser aplicado, os mapas de velocidade radial são calculados e as velocidades são divididas em bandas de 2 km paralelas aos contornos batimétricos. As velocidades são depois resolvidas nas suas componentes paralela (alongshore) e perpendicular (onshore) aos contornos de profundidade, sendo feitas as suas médias para cada banda e criadas séries tempoRevista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 Registos de Qfactor na estação radar HF de Sagres (SGTR), durante o mês de setembro de 2019. Registos de Qfactor na estação radar HF de Alfanzina (AFTR), durante o mês de junho de 2020. rais onshore e alongshore respetivamente para cada banda considerada. Finalmente, o algoritmo de reconhecimento de padrões é aplicado às séries temporais calculadas, para efetuar a deteção de ondas de tsunami, procurando uma correlação nas bandas adjacentes em instantes de tempo próximos (Roarty et al., 2019). Da aplicação do algoritmo, obtém-se um parâmetro denominado de Qfactor, proveniente do espectro Doppler obtido a cada 2 minutos pelo módulo de deteção. O Qfactor é um índice probabilístico de ocorrência de tsunami, que quantifica a presença de uma onda de tsunami. Os picos observados nos dados de Qfactor registados indicam a possível presença de ondas de tsunami (Lipa et al., 2016). A deteção de ondas de tsunami feita pelo módulo é expressa nas direções onshore e alongshore: na direção onshore, o algoritmo procura as ondas que se propagam perpendicularmente à costa; na direção alongshore, o algoritmo procura as ondas que se propagam paralelamente à costa. Assim, a deteção de tsunami feita através deste módulo de deteção baseia-se · revistademarinha.com essencialmente na identificação de intervalos de valores de Qfactor e/ou valores limite máximos de Qfactor, indicativos da possível presença de ondas de tsunami e/ ou possibilidade de ocorrência de eventos de tsunami. O alerta é disseminado se o valor de Qfactor for superior ao determinado como limite seguro probabilístico. Pretende-se assim adicionar esta capacidade ao sistema nacional de alerta de tsunami, e consequentemente no ICG/ NEAMTWS, sendo que a integração desta informação no sistema nacional deverá tornar-se uma realidade até ao final de 2021. * [email protected] Bolseira de investigação da Divisão de Oceanografia, IH ** [email protected] Chefe da Divisão de Oceanografia, IH CFR EH NOTAS: (1) Sagres foi o local eleito para esta instalação devido à sua proximidade à zona mais tsunamigénica 33 84.O Ano Image © Nuno Vasco Rodrigues / CSIC / iMirabilis2. Navio oceanográfico B/O SARMIENTO DE GAMBOA, com o ROV LUSO a bordo, no âmbito da campanha iMirabilis2 – Projeto Europeu iAtlantic. ROV Luso à Descoberta do Mar Profundo por António Calado* ão 00h44 e pela última vez, na campanha iMirabilis2, é comunicado ao oficial de quarto na ponte do navio que o ROV LUSO está de regresso a bordo, e em segurança. Assim foi no passado dia 26 de agosto, no âmbito da participação do ROV LUSO da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC) no projeto europeu iAtlantic (iatlantic.eu), um programa multidisciplinar de investigação que se propõe avaliar de forma integrada o estado dos ecossistemas do mar profundo e de águas abertas, ao longo de todo o oceano Atlântico, assim como a sua variabilidade espacial e temporal. Esta foi a campanha mais abrangente do projeto, coordenada pelo Instituto Español de Oceanografia (IEO), a bordo do navio oceanográfico B/O SARMIENTO DE GAMBOA, e incidiu sobre a região sudoeste do arquipélago de Cabo Verde, ao redor das ilhas do Fogo e Brava, no monte submarino do Cadamostro (a sudoeste da ilha Brava) e terminando nas planícies abissais circundantes, mostrando a todos S 34 a bordo o mundo desconhecido do oceano profundo da região. Mas este não foi apenas mais um mergulho, também para o ROV LUSO e para a sua equipa de pilotos, foi um mergulho especial. Este foi o mergulho mais profundo alguma vez realizado pelo ROV LUSO, atingindo a profundidade de 3.512 m, num mergulho que durou aproximadamente 9h e teve como objetivo recolher imagens e dados da zona abissal em redor da área de estudo principal. As operações a esta profundidade recorrendo ao ROV LUSO não estavam inicialmente previstas, mas tendo em conta os problemas operacionais que afetaram os equipamentos estipulados para a aquisição de dados nesta área cientificamente relevante para a compreensão de toda a dinâmica da região, o ROV LUSO e a sua equipa avançaram para colmatar esta lacuna, aceitando o enorme desafio de adaptar o ROV para obter os dados e imagens tão importantes para a equipa científica a bordo, indo além dos limites até então alcançados. Depois de 24 h de revistademarinha.com trabalho intenso no ROV, para modificá-lo instalando novos equipamentos, novas câmaras e novas luzes para a iluminação do fundo marinho, partimos à descoberta desta zona abissal. Após cerca de 17 h de operações, repartidas por 2 mergulhos bem-sucedidos, os objetivos foram integralmente cumpridos nesta área de interesse durante os 2 últimos dias de campanha. Foi um feito muito celebrado por todos a bordo com um reconhecimento especial à equipa de pilotos ROV da EMEPC que, com a colaboração de todos, tornaram possível alcançar um objetivo que tudo apontava não ser possível atingir na campanha iMirabilis2. Esta foi a última missão do ROV LUSO, que durou 44 dias e incluiu 14 mergulhos ROV: os primeiros dos quais numa primeira parte da campanha coordenada pela EMEPC, entre Vigo e Las Palmas. O principal objetivo desta primeira parte consistia em caracterizar o fundo marinho no topo de um dos montes submarinos dispostos ao longo da crista submarina da Biscaia, bem como os diferentes tipos de ecos· 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Navegação, Hidrografia e Oceanografia All images © ROV Luso/EMEPC/iMirabilis2. Imagens adquiridas pelo ROV LUSO no âmbito da campanha iMirabilis2, decorrida ao largo de Cabo Verde entre 31 jul e 4 set. sistemas associados aos diferentes tipos de substrato identificados pela equipa da EMEPC a bordo. Os restantes 12 mergulhos decorreram já em águas cabo-verdianas, ultrapassando as 100 h de imagens de alta-definição e ultra alta-definição do oceano profundo praticamente desconhecido. Equipamentos como o ROV LUSO são atualmente uma das principais ferramentas para conhecermos detalhadamente o oceano profundo, pois combina uma série de valências, que juntas, permitem uma caracterização muito completa do ambiente marinho alvo das operações. Assim, como resultado dessas operações podemos obter não só dados de múltiplos parâmetros físico-químicos, como imagens de ultra alta-definição, através de câmaras de vídeo e fotográficas de grande resolução, complementadas com a capacidade de obtenção de diversas amostras de organismos, rochas, sedimento e água que permitem ca- Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 racterizar de uma forma bastante completa o ambiente marinho, correlacionando toda esta informação para melhor compreender as interações entre estes diferentes componentes do ecossistema. Foi exatamente para usufruir desta capacidade de obtenção de amostras e caracterização do ambiente marinho, que Portugal decidiu adquirir este equipamento em 2007, numa primeira fase para apoiar a recolha de amostras e caracterização geológica do fundo marinho para suportar o Projeto de Extensão da Plataforma Continental (PEPC) de Portugal junto das Nações Unidas. Até 2014 o ROV LUSO fez várias campanhas com esse objetivo principal, tentando sempre conciliar a aquisição de informação para o PEPC com a aquisição de informação para outros projetos nacionais que decorressem nas mesmas áreas geográficas. Desde 2014 iniciou-se uma nova fase, em que o ROV LUSO passou a participar em vários · revistademarinha.com projetos internacionais nas mais diversas áreas das ciências do mar. Nesse ano, e pela primeira vez a EMEPC estabeleceu uma cooperação com o Instituto Geológico e Minero de España (IGME) e com a Unidad de Tecnologias Marinas (UTM), que lançou a base para uma cooperação ibérica que permitiu juntar valências complementares existentes em Portugal e Espanha, para a realização de campanhas conjuntas que colocassem à disposição das suas equipas científicas as melhores ferramentas disponíveis na busca de conhecimento do mar profundo. Desde a primeira campanha, os resultados foram amplamente benéficos para todas as instituições envolvidas, tendo igualmente permitido que o ROV LUSO e a sua equipa tenham ganho uma projeção internacional importante pelo trabalho apresentado, que tem feito com que esta colaboração tenha sido replicada em diversos projetos portugueses, espanhóis e europeus com 35 84.O Ano Image © Monica Albuquerque / EMEPC / iMirabilis2 ROV LUSO pronto a iniciar a primeira operação da campanha, coordenada pela EMEPC. enorme sucesso. E com os resultados recentes desta colaboração, certamente continuará a existir uma forte vontade em fazer com que mais operações conjuntas ocorram no futuro. No que diz respeito ao veículo, no ROV LUSO encontram-se instalados diversos equipamentos que pretendem otimizar cada operação do ponto de vista científico, nomeadamente maximizando a recolha de dados, amostras e imagens do fundo marinho. Dos diversos equipamentos podem destacar-se: dois manipuladores robóticos, uma câmara de alta definição para gravação de imagens UltraHD (4K), uma máquina fotográfica com flash, um Doppler Velocity Logger – DVL para medição de correntes marinhas de fundo, dois CTD’s, para medir a densidade, temperatura e pressão da água, com sensores de fluorescência, oxigénio dissolvido, turbidez, pH, e potencial oxidação-redução, sensores de CH4 e CO2, caixas de amostras para armazenar amostras de geologia e biologia, um amostrador biológico por sucção com 5 câmaras de amostragem, 4 garrafas de niskin para recolha de amostras de água, suporte para corers para recolha de sedimentos, lasers de escala, 4 luzes de alta intensidade, sonar, altímetro, girobússola e posicionamento acústico. 36 Nesta campanha foi ainda testado o novo sistema de navegação inercial, que se pretende que sirva de sistema de posicionamento mais preciso, bem como de sensor de movimento, para correção de dados de levantamento da morfologia do fundo marinho obtidos através de um sondador multifeixe. Recorrendo a estes equipamentos instalados, podem realizar-se diversos estudos fundamentais em diferentes disciplinas das ciências do mar como a geologia, a biologia, a química ambiental, a geofísica, a oceanografia física e química, em diferentes ambientes morfológicos; estes permitem ainda a avaliação de recursos minerais submarinos (recursos utilizáveis na indústria de biotecnologia azul), inventariação de biodiversidade e estudos de ecossistemas pelágicos e bentónicos. Ao longo dos últimos anos o ROV LUSO, operado por uma equipa de pilotos altamente treinados e especializados, composta totalmente por pilotos nacionais, tem trabalhado em projetos em muitas destas áreas, tendo já efetuado um total de 255 mergulhos, a que correspondem mais de 1.200 horas de operação e mais de 600 dias de campanha. Para além disso, um projeto como este, acaba igualmente por servir de âncora revistademarinha.com para que outros projetos surjam, e que se apoiem nesta tecnologia e na experiência operacional entretanto adquirida para se desenvolverem, nomeadamente projetos tecnológicos de desenvolvimento de equipamentos, sensores e outros veículos de investigação ligados ao oceano ou mesmo à exploração do espaço, que muitas vezes usam o oceano, e em particular o oceano profundo, como um ecossistema propício ao desenvolvimento de ferramentas e equipamentos aplicáveis para lá das fronteiras do nosso planeta. Deste modo, Portugal é hoje um país com uma capacidade operacional muito relevante nesta área tecnológica altamente especializada, capacidade esta que se encontra disponível não só para ser aplicada em qualquer área marítima sob sua jurisdição - incluindo a futura área de soberania resultante do Projeto de Extensão da Plataforma Continental – mas também como elemento de projeção internacional das suas capacidades de operação e obtenção de conhecimento científico sobre o mar profundo, uma área amplamente desconhecida mas recentemente alvo de um crescente interesse da comunidade internacional. * [email protected] · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Economia do Mar Digitalizar, Descarbonizar e ‘Circularizar’o Mar Uma estratégia para alcançar 10% do PIB de economia azul sustentável até 2030 por Ruben Eiras* Mar foi, é e sempre será o ativo territorial que assegura a sustentabilidade de Portugal como nação independente e com autonomia estratégica. Se é verdade a existência de um relativo consenso social e político quanto ao pressuposto anteriormente enunciado, o mesmo não se pode afirmar quanto à forma da sua concretização política e empresarial. Com efeito, o permanente “pendular” das elites entre uma estratégia marítima e outra continental é parte integrante do ADN histórico de Portugal. Neste respeito, é necessário frisar, que mesmo durante a vigência do ciclo do Infante D. Henrique, na era quinhentista, houve um hiato de pelo menos duas décadas em que a Coroa portuguesa se focou na conquista de território no Norte de África em detrimento da aceleração da exploração marítima da nova rota de navegação da Índia. E, mais tarde, quando D. João II, tomou as rédeas do país, Portugal enfrentava uma crise económica e financeira profundíssima. Foi nessa altura de crise que se deu o definitivo impulso estratégico para o Mar se tornar o centro da estratégia económica e geopolítica de Portugal. O Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 Volvidos 500 anos, num contexto em muito diferente em todas as dimensões, Portugal encontra-se numa nova encruzilhada estratégica: ou permanece na presente estagnação económica, a voar baixinho com o mesmo modelo económico de há quase 50 anos ou resolve apostar de novo no Mar como o motor da sua prosperidade económica, social e geopolítica. E vale a pena apostar na economia do Mar? Vejamos os números e alguns factos. Segundo os últimos dados da conta-satélite do Mar, publicados pela Direção-Geral da Política do Mar, é previsível que em 2019 a economia azul tenha atingido 5% do PIB. Em 2013, esta era 2,1% do PIB, em 2016 representava 3,1%. Ou seja, estamos perante um crescimento anualizado médio regular de 0,48%, mesmo durante a época de intervenção da troika. Mas qual a principal fonte deste crescimento? Mais de 70% centra-se no turismo costeiro. E quando se compara a produtividade do trabalho do turismo com a do · revistademarinha.com setor portuário, mais uma vez, os números falam por si: 24.000€ face a 55.000€ per capita. A atividade portuária gera mais do dobro do valor acrescentado do que a atividade turística. Vamos analisar outros factos. Por exemplo, o registo de conveniência do shipping da Região Autónoma da Madeira. Em menos de uma década, passou da segunda metade da tabela dos maiores registos europeus para agora ocupar um destacado 3º lugar. Outro exemplo é o setor de processamento de pescado, que nos últimos três anos, em média, tem exportado mais valor do que o do vinho: 1,1 mil M€ face a 800 M€/ano. Tendo em consideração este substancial, embora incompleto, caleidoscópio de informação sobre a economia azul portuguesa, é honesto inferir que o seu potencial de crescimento não é um lirismo, é efetivo, mas que o perfil de especialização económica tem de mudar substancialmente. Por outras palavras, Portugal na economia do Mar sofre de uma dependência 37 84.O Ano extrema do turismo, quando não tem de ser assim. Portugal é um país oceânico com uma posição geoestratégica relevante, com riqueza e abundância de território e recursos, que lhe são conferidos pelos seus arquipélagos atlânticos: as Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores. Então perguntar-se-á o leitor: como alavancar a materialização do crescimento económico dos outros setores da economia azul, para aumentar a geração de valor acrescentado e diminuir a extrema dependência do turismo? E como concretizar este objetivo estratégico no atual contexto das Alterações Climáticas, cumprindo a sustentabilidade ambiental e social, ou seja, proteger, conservar e restaurar os ecossistemas marinhos e, em simultâneo, criar empregos locais? A resposta reside em aplicar a Agenda DDC do EU Green Deal à economia azul portuguesa, a qual está no coração do novo regulamento financeiro ESG (Environmental, Social and Governance) mandatório europeu, a taxonomia da UE: Digitalizar, Descarbonizar e Circularizar os modelos de negócio dos diversos setores da economia do Mar, para que estes sejam lucrativos e com um desempenho ESG elevado. Na pesca, isto significa investir fortemente no aumento da eficiência operacional e energética das embarcações para que as empresas do setor aumentem a sua margem de lucro, não por pescarem mais, mas por pescarem melhor. Apostar em novas propulsões elétricas gera descarbonização e menos gastos com ener- 38 gia. Investir na inovação tecnológica digital para operações de pesca mais eficientes e sustentáveis significa menos danos à biodiversidade e mais valor para o pescador. Por exemplo, já existem soluções de sensores que se integram nas redes de pesca e que diminuem o bycatch com eficácia. Ou até mesmo a utilização de drones na pesca artesanal que pré-identificam a localização dos cardumes, evitando desta forma o desperdício energético e diminuindo o risco da operação. Na indústria do processamento de pescado, isto significa usar a Agenda DDC para não só aprofundar a eficiência e descarbonização das operações fabris, mas sobretudo para conhecer melhor os mercados exportadores e criar novos produtos alimentares. É necessário aplicar a Inteligência Artificial no estudo dos mercados revistademarinha.com exportadores para melhorar os circuitos de distribuição e aumentar a base de clientes fidelizados. Por sua vez, nesta década, devido às alterações climáticas, assistir-se-á a uma migração do consumo de proteína de base terrestre para a de base oceânica: com efeito, a intensidade carbónica da proteína marinha é próxima de zero, quando a proteína animal de base terrestre não só emite carbono, como também metano. Esta tendência leva-nos à aposta no setor da aquacultura, em que a biotecnologia azul vai desempenhar um papel estratégico crucial. Investir em soluções de aquacultura multitrófica integrada e regenerativa, continuar a exploração do potencial do offshore e catalisar o crescimento da aquacultura de recirculação de pescado, bivalves, crustáceos e algas são todas frentes em que Portugal pode liderar. Liderar uma nova geração de produtos alimentares ESG, sustentáveis, criando uma marca DOC correspondente. Ou seja, jogar no “campeonato” das exportações de qualidade e não da quantidade: conseguir mais valor cobrado por cada produto vendido e não pelo volume. Quanto aos portos, a Agenda DDC deverá traduzir-se mais uma vez na sua vanguarda da eficiência operacional (aprofundar a sua automação e robotização) e da transição energética (disponibilizar infraestruturas de abastecimento de energia limpa como o hidrogénio e a amónia). Mas podem ir mais além. Os portos podem explorar o potencial de se tornarem hubs de inovação empresarial, tecnológica e de · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Economia do Mar start-ups de setores que os usam para as suas operações. Por exemplo, a aquacultura e as energias renováveis oceânicas. Uma estratégia integrada de desenvolvimento dos portos portugueses na vanguarda da conetividade marítima e como centros de inovação da economia azul irá valorizar geoestrategicamente o país, com a captura de novas rotas de comércio de mercadorias e passageiros. A energia renovável do oceano é uma área com elevado potencial para a autonomia estratégica de Portugal. Os primeiros dados de desempenho do Windfloat Atlantic no offshore de Viana do Castelo mostram um desempenho produtivo 45% acima do esperado. Isto significa que, muito provavelmente, iremos assistir ainda nesta década a um custo de produção de eletricidade na casa dos 35€/Mwh, o valor-chave a partir do qual é viável economicamente a produção de hidrogénio verde. Tendo em conta que a energia eólica flutuante tem uma disponibilidade média de 90%, isto abre o horizonte para que Portugal se torne num mega-produtor de hidrogénio verde a partir do Mar. Na construção naval, a Agenda DDC abre a oportunidade da indústria nacional se renovar e se reposicionar na cadeia de valor global. Podemos voltar a ser competitivos se apostarmos os nossos esforços na criação de um cluster exportador de tecnologias navais ESG: soluções digitais de navegação baseadas em realidade aumentada, soluções de propulsão elétrica, a hidrogénio, novos materiais hidrodinâmicos, etc. E no shipping, a Agenda DDC abre a oportunidade de criar um dos primeiros registos e ratings que premeiem o desempenho ESG, atraindo a indústria financeira pioneira neste domínio. Por fim, as necessidades da tripla transição digital-energética-climática vão mudar o racional do sistema energético baseado Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 em minerais de hidrocarbonetos para minerais como o cobre, o manganésio, o cobalto e metais raros. A vasta área oceânica portuguesa encerra muito potencial a este nível. Contudo, a mineração marinha é um tema controverso, devido à ainda escassez de conhecimento sobre os ecossistemas do Mar profundo onde estes recursos se encontram. Mas esta também é uma oportunidade para desenvolver o conhecimento e a tecnologia ESG, assente no digital e na robótica, que irão permitir a extração destes importantes recursos com o menor dano possível, assim como estabelecido na taxonomia da UE. Em suma, se Portugal investir na Estratégia DDC de diversificação sustentável da · revistademarinha.com economia azul, é possível prever que o Mar aumentará para 10% o seu peso no PIB nacional, conferindo maior sustentabilidade e relevância geopolítica à nação portuguesa. Poderá ser o dealbar de uma nova era quinhentista, em que Portugal explora o Mar com retorno de lucro, mas também com propósito ambiental e social. É este o desiderato que move a ação dos 125 associados da Fórum Oceano, Cluster do Mar Português: fazer cumprir Portugal concretizando o potencial económico sustentável do nosso oceano continental e arquipelágico! * Secretário-Geral da Fórum Oceano – Associação para a Economia do Mar [email protected] 39 84.O Ano “Oceano Fresco” – a Inovação ao Serviço da Aquicultura Sustentável por Andreia Cruz, Bernardo Carvalho e Rodrigo Clímaco* e José Miguel Silva** Centro BioMarinho da Oceano Fresco localizado na Nazaré que acolhe uma maternidade de bivalves, laboratórios e escritórios. ´ Oceano Fresco é uma empresa de aquicultura de bivalves que tem como objetivo desenvolver e produzir variedades de bivalves de qualidade superior, respeitando a sustentabilidade ambiental e a segurança para o consumidor final. Especificamente, a Oceano Fresco dedica-se à produção de amêijoas que possuem características únicas: são uma fonte de proteína animal de baixo nível trófico, muito nutritivas, ricas em vitaminas e minerais essenciais, baixo teor de gordura, uma boa fonte de ácidos gordos ómega-3 e são muito apreciadas pelo A 40 consumidor devido ao seu excelente sabor. As amêijoas são assim consideradas um super-alimento: são sustentáveis, saudáveis e saborosas. Criada em 2015, a Oceano Fresco, nasceu da visão do seu CEO, Bernardo Ferreira de Carvalho, que possui uma formação de base em gestão e que durante muitos anos trabalhou no Departamento de Investigação & Desenvolvimento de empresas como a Novartis ou a Syngenta, entre outras. Foi da sua experiência anterior que surgiu a ideia de que … é possível combinar a sustentabilidade económica com a sustentabilidade ambiental. Com esta ideia revistademarinha.com em mente, Bernardo Carvalho formou a sua equipa inicial, incluindo dois especialistas no cultivo de bivalves e uma especialista em Genética e Biologia Molecular. Juntos visitaram diversos aquicultores, centros de depuração e comercialização, entidades de gestão aquícola e de investigação científica, em diferentes países onde a aquicultura já estava bem estabelecida, nomeadamente Portugal, Espanha, Itália, China, Coreia do Sul, Noruega e Estados Unidos da América. Durante este estudo de mercado, que durou cerca de seis meses, a equipa identificou os principais obstáculos para · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional o crescimento da produção de amêijoa, nomeadamente: i) mentalidade a curto-prazo, conduzindo a falta de estratégias de crescimento a longo-prazo; ii) receitas baixas por hectare, devido ao cultivo de espécies de baixo valor comercial; iii) base não científica e incapacidade de melhorar a taxa de sobrevivência e crescimento de maneira sistemática; iv) escassez frequente de semente como consequência da degradação da qualidade da água e de métodos de cultivo ineficientes; e v) produção fragmentada e em pequena escala, levando a capacidade limitada de investimento e internacionalização. Após esta abordagem inicial e até aos dias de hoje, a Oceano Fresco tem definido o rumo da empresa: aplicar a ciência, a técnica e a gestão do século XXI em espécies nativas europeias de amêijoa de forma sustentável e cultivá-las em escala para alimentar o mundo. Assim, a atividade da empresa assenta nas seguintes características: i) visão de longo prazo, com execução passo a passo e bem fundamentada; ii) altas receitas por hectare, através do cultivo de espécies de alto valor comercial; iii) negócio integrado ao longo da cadeia de valor desde a produção de semente ao tamanho comercial; e uma iv) abordagem escalável, recorrendo a grandes áreas de cultivo em mar aberto abastecidas por semente produzida numa maternidade escalável. A Oceano Fresco está focada na produção de duas espécies de amêijoa autóctones da Europa, amêijoa-boa ou amêijoa-rainha (ruditapes decussatus) e amêijoa macha ou amêijoa-judia (venerupis corrugata), que apresentam um valor económico e gastronómico elevado. A Oceano Fresco suporta a sua atividade numa forte componente em I&D. Apesar de já serem bem conhecidas dos aquicultores e do consumidor, a produção destas amêijoas tem sido severamente afetada por fatores bióticos (infeções causadas por bactérias, vírus ou protozoários, como o parasita Perkinsus olseni) ou fatores abióticos (como variações bruscas de temperatura, salinidade, acidificação, entre outras), que regularmente levam a mortalidades massivas. Ciente deste desafio, a Oceano Fresco tem apoiado a sua produção numa forte componente de investigação e desenvol- vimento, aplicando métodos e tecnologias de última geração para o melhoramento seletivo das amêijoas. Na Oceano Fresco não se desenvolvem espécies geneticamente modificadas. Pelo contrário, são usadas ferramentas avançadas de genómica que permitem selecionar mais rapidamente e com melhor precisão os reprodutores que darão origem aos filhos com melhor desempenho, ou seja, que apresentam melhores taxas de sobrevivência e de crescimento. Este trabalho tem sido realizado pela equipa interna da Oceano Fresco que Embarcação Oceano Fresco II numa das linhas de produção do viveiro do Algarve. Amêijoa cultivada no viveiro da Oceano Fresco no Algarve com cerca de 25 mm. 41 84.O Ano conta com a colaboração de várias entidades de investigação nacionais e internacionais. Na área da genética e patologias tem colaborado com o CIIMAR (Porto), a Universidade de Santiago de Compostela, a Universidade da Corunha e o CIMA (em Espanha) e com duas entidades norueguesas, o instituto de investigação Nofima e a empresa VESO. Nas áreas do melhoramento e cultivo, a Oceano Fresco tem colaborado com o IPMA (Olhão) e a Shellfish Breeding Technologies (EUA). Na área das plataformas digitais, tem colaborado com a Digidelta Software (Leiria), a Aqualgae e a BAUP, sedeadas em Espanha e mais recentemente, com a empresa norueguesa Maritech. Além disso, o trabalho de I&D realizado tem ainda contado com a colaboração de vários aquicultores nacionais e internacionais que vão partilhando as suas experiências de largos anos no setor. A atividade de I&D desenvolvida nas diferentes áreas, desde a implementação de um programa de melhoramento seletivo, ao desenvolvimento de ferramentas de seleção genómica e de metodologias de produção inovadoras, tem sido publicada em revistas científicas internacionais. Mais ainda, recentemente, a União Europeia reconheceu a atividade de I&D desenvolvida pela Oceano Fresco com um ‘Selo de Excelência’. Atualmente a Oceano Fresco possui um Centro Biomarinho (incluindo uma maternidade, laboratórios e escritórios) na Nazaré. É aqui que a semente é produzida até atingir cerca de 1,5 a 2 mm e depois é transportada para o viveiro. Este está localizado em pleno Oceano Atlântico, a 3,5 mi ao largo da barra de Alvor, no Algarve. É o primeiro viveiro de amêijoa em mar aberto do mundo, com cerca de 100 hectares. No viveiro está instalado um sistema de linhas (cabos estruturais ancorados ao fundo que é mantido à superfície por meio de boias. Nas linhas são dispostas as chamadas lanternas onde são colocadas as amêijoas até atingirem o tamanho comercial. Sendo animais filtradores, aproveitam a enorme quantidade de microalgas existentes no mar do Barlavento Algarvio para se alimentarem de forma natural. As linhas, o sistema de ancoragem e de flutuação acabam por servir de refúgio e substrato para inúmeras espécies, criando um efeito de santuário devido, também, à interdição da pesca comercial nesta área. Seguindo o princípio original e de forma a dar escala à produção, a Oceano Fresco contratou a construção de uma nova embarcação, com projeto e construção nacional, que deverá ficar pronta no 42 Trabalho de corte no tubo do impulsor de proa. início de 2022. A construção desta embarcação está a cargo da firma “Penimar, Reparação e Construção Naval, Lda”. A Penimar é uma empresa de Peniche com vasta experiência na área do mar, tanto na reparação naval como na construção e montagem de equipamentos hidráulicos. Essa experiência foi também consolidada pela vertente de construção naval, área a que a empresa se dedica há quase duas décadas, na sua maioria de embarcações de trabalho. Esta nova embarcação de 22 m de comprimento e 8 m de boca, projetada e construída especificamente para esta atividade será o culminar da estratégia da Oceano Fresco com vista à sua autonomia de produção, não estando dependente de terceiros, controlando o fluxo desde a criação da semente ao crescimento em viveiro e colheita seletiva. A embarcação estará equipada com as ferramentas que a habilitam a estar presente em todas a fases da produção da amêijoa em mar, desde a colocação das long-lines e das poitas de 7 tons à criação e escolha da amêijoa. A Oceano Fresco conta com uma equipa multinacional de 18 pessoas que combina uma profunda experiência técnica com uma mentalidade empreendedora e uma paixão pelos oceanos. A empresa perspetiva contratar mais 40 pessoas já no próximo ano. As primeiras ameijoas produzidas pela Oceano Fresco chegarão ao mercado no final de 2021. A empresa iniciará as suas vendas em Espanha e Portugal e, posteriormente, noutros mercados consumidores europeus de bivalves. O compromisso da empresa aos seus clientes é um fornecimento confiável de amêijoas durante todo o ano e uma parceria comercial sólida, com o objetivo de restabelecer o consumo de amêijoas premium, dentro e fora de casa. A empresa tem sido financiada pelos seus fundadores, fundos públicos e investidores de capital de risco, que compartilham a sua visão de mudança de paradigma de uma verdadeira “economia azul” para a Europa e o mundo. * www.oceano-fresco.pt ** [email protected] Soldadura do revestimento da embarcação Oceano Fresco I. revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Portos & Atividades Portuárias Janela Única Logística: Inovação e Digitalização do Setor Portuário Nacional por Claudio José Pinto* no início da primeira década do século XXI que Portugal assume como prioridade a aposta na conceção de uma sociedade de informação e conhecimento, que adivinhava o acelerar do desenvolvimento tecnológico nos diferentes setores de atividade da economia nacional. No setor marítimo-portuário, a par da importância tradicionalmente atribuída à melhoria das infraestruturas portuárias, a capacitação do setor com uma info-estrutura ágil e simplificada, capaz de responder às crescentes exigências do mercado, principalmente ao nível da carga contentorizada, começa a tornar-se imperativa, tendo como objetivo o aumento da competitividade dos portos nacionais. As tecnologias de informação começam então a posicionar-se como variável fundamental com vista à modernização do setor, privilegiando a integração dos diferentes atores públicos e privados numa mesma plataforma digital, uniformizando e padronizando procedimentos, dados e informação. O estabelecimento de procedimentos simplificados e paperless começam a tomar forma no âmbito dos projetos PCom - Plataforma Comum Portuária, e PIPe É - Procedimentos e Informação Portuária Eletrónica, desenvolvidos em sede da APP – Associação dos Portos de Portugal, e liderados pelos três principais portos nacionais – Sines, Lisboa e Leixões. Ambos os projetos se afiguraram determinantes e complementares para o desenvolvimento tecnológico do sistema portuário nacional, uma vez que enquanto o PCom previa essencialmente disponibilizar aos agentes económicos o despacho aduaneiro eletrónico das mercadorias e navios numa plataforma comum, de forma ágil e simplificada, o PIPe promoveu a análise de procedimentos manuais e informatizados e requisitos de informação em todos os portos nacionais (contemplando também um benchmarking das melhores práticas internacionais), resultando numa reengenharia total de processos e fluxos de informação nos portos que permitiu elaborar um modelo de referência nacional. Desta forma, o alinhamento de ambos os projetos constituiu o impulso necessário para o desenvolvimento da JUP – Janela Única Portuária, integrando nesta filosofia de “balcão único virtual” a DGAIEC - Direção Geral de Alfândegas e Impostos Especiais sobre o Consumo e restantes autoridades envolvidas no despacho de navios e mercadorias – Autoridade Marítima, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e Autoridade Fitossanitária, contemplando desta forma todos os fluxos informacionais. Assim, a JUP - Janela Única Portuária constituiu-se no inicio de 2008, como o sistema de informação ao serviço do porto e da comunidade portuária, permitindo, a par do incremento da competitividade do porto, obter um nível superior de relacionamento (eletrónico) entre atores, com vários aspetos pioneiros e inovadores, integrando agentes de navegação, despachantes oficiais, operadores de transporte marítimo, terminais, carregadores, recebedores, prestadores de serviços e todas as autoridades presentes no porto. Por outro lado, a JUP permitiu ainda disponibilizar um conjunto de dados da maior importância para a análise do negócio portuário, reforçando, também, por esta via, a importância desta ferramenta. Como ganhos efetivos de produtividade, de realçar a antecipação na tramitação de todo o processo inerente à escala do navio, permitindo que cerca de dois dias e meio antes 43 84.O Ano Janela Única Logística. da chegada deste ao porto e cerca de 12 horas antes da largada, todas as autorizações fossem efetivadas no sistema. Por outro lado, também de assinalar a redução dos tempos de despacho aduaneiro de 3 a 4 dias para 1 a 2 horas. Acresce ainda o controlo efetivo da informação de suporte ao combate à fraude e evasão fiscal, bem como a desmaterialização dos processos administrativos e completo rastreio das mercadorias. Em 2009 a JUP foi, primeiro no Porto de Sines e depois nos restantes portos nacionais, alvo de uma importante evolução em termos de interface homem-máquina, que permitiu uma melhor usabilidade da ferramenta, aumentando ainda mais o índice de produtividade na sua utilização. Face ao forte incremento no número de utilizadores e de informação a tratar, foram também melhoradas as Infraestruturas de alta disponibilidade e de suporte aos utilizadores, disponível 24 horas por dia, todos os dias do ano. 44 Será inquestionável considerar que no constante processo de digitalização do setor portuário, foram determinantes os contributos resultantes da implementação da JUP para o incremento da competitividade dos portos nacionais, nomeadamente numa redução significativa de custos e tempos administrativos, enquanto aportava fluidez a todo o processo, antecipando prazos, eliminando redundâncias, eliminando papel, simplificando procedimentos e aumentando a transparência dos processos. A EVOLUÇÃO DA JUP II PARA A JUL – JANELA ÚNICA LOGÍSTICA As orientações estratégicas definidas pelo Governo para o setor marítimo portuário nacional, no horizonte temporal 2007-2015, previam como um dos objetivos primordiais que os portos nacionais conseguissem concretizar um forte incremento da movimentação de mercadorias. revistademarinha.com Para o cumprimento deste objetivo, as mesmas orientações estratégicas definiam como fundamental a prossecução do processo de simplificação de procedimentos e integração modal nos fluxos informacionais, fomentando a integração dos portos nacionais nas AEM – Auto-Estradas do Mar, promovendo o acesso às rotas marítimas internacionais e ainda reforçando o TMCD – Tráfego Marítimo de Curta Distância. Constituía também objetivo primordial alargar o hinterland portuário na Península Ibérica, garantindo que os portos nacionais se afirmassem como infraestruturas de referência nas cadeias logísticas da fachada atlântica. Torna-se então imperativo desenvolver uma plataforma capaz de alargar o âmbito da Janela Única Portuária ao longo do hinterland e integrando os meios de transporte terrestres – rodovia e ferrovia. A Janela Única Logística, tem a sua génese na lógica de modernização e simplificação de procedimentos da Janela Única Portuária, integrando, no entanto, o modo terrestre e os portos secos; a JUL consubstancia na transformação digital e criação de valor nas redes portuárias e logísticas, com o objetivo de colocar os portos e as redes logísticas nacionais na liderança do estado-da-arte dos processos de digitalização a nível mundial. Assim, a JUL alarga substancialmente o âmbito de operação da Janela Única Portuária, incorporando diversas inovações na digitalização dos processos de negócio. Evolui-se das operações portuárias para corredores multimodais, integrando o transporte terrestre, ferroviário e também as plataformas multimodais e operações de última milha, estando a plataforma preparada para suportar processos digitais inerentes a esta evolução, em forte alinhamento com as autoridades no sentido de agilizar e desmaterializar pro· 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Portos & Atividades Portuárias cessos. Este elevado grau de partilha de informação permite assegurar um nível de colaboração sem precedentes entre toda a rede de transportes e sincronização global de operações multimodais. Deve ainda ser referido que a JUL corresponde a um processo de desenvolvimento evolutivo, de forma a cobrir, completamente, toda a cadeia de transporte no hinterland, estando, não obstante em preparação a ligação ao foreland, nomeadamente através da partilha de eventos com outras plataformas eletrónicas e sistemas de comunidades portuárias, com o objetivo de, no futuro, disponibilizar visibilidade total porta-a-porta sobre os fluxos logísticos. Acima de tudo, os princípios base da JUL promovem uma total convergência entre os diferentes atores, para que no futuro a gestão dos processos logísticos seja feita numa perspetiva de otimização das redes como um todo (inteligência colaborativa da rede), substituindo gradualmente o modelo tradicional de otimizações pontuais ao nível de cada nodo da rede. FUTURO O futuro afigura-se desafiante para os portos nacionais, e para o shipping internacional. A crescente globalização, a forte competitividade dos mercados, e as exigências impostas pelo Pacto Ecológico Europeu que estabelece, já para 2030, uma redução de 55% na emissão de GHG – Gases Efeito de Estufa, para o setor marítimo-portuário, impõem que o progresso continue a suportar-se na digitalização e inovação como ferramentas suporte ao desenvolvimento do setor. Neste contexto, ferramentas como a JUL assumem uma relevância ainda maior se tivermos em linha de conta o seu papel para a concretização de cadeias logísticas mais eficientes e sustentáveis, contribuindo desta forma para o processo de descar- Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 Roadmap de inovação e digitalização. bonização do setor portuário e logístico. Por outro lado, o futuro passará pela interoperabilidade e interconetividade entre plataformas ao nível global, promovendo o intercâmbio de dados e informação entre portos e restantes atores no âmbito internacional, promovendo parcerias, fomentando novas oportunidades de negócio e abrindo caminho para cadeias de abastecimento onde globalidade se torna sinónimo de competitividade, sustentabilidade, inovação e progresso para o shipping internacional. Desta forma, para o horizonte 2030, o próximo passo no processo de transformação digital do setor, passará por evoluir a JUL, por forma a que se constitua como referência internacional em termos de inovação em ecossistemas digitais para a logística, potenciando de uma forma substancial o valor criado através de uma lógica de ecossistema aberto. Pretende-se, de igual modo, desenvolver a partir da plataforma JUL um conjunto de produtos e serviços tecnológicos altamente inovadores e um ecossistema de empresas tecnológicas nacionais fortemente exportadoras. Estes objetivos serão concretizados através do desenvolvimento de um modelo de open data e de um ecossistema aberto, privilegiando a sincronização de · revistademarinha.com processos e a partilha de eventos de planeamento e gestão de execução entre os operadores da rede – sincromodalidade, disponibilizando tracking e visibilidade total sobre a cadeia porta-a-porta, numa ótica de desenvolvimento de soluções predictive e perscriptive. Neste âmbito, e se até aqui o foco foi essencialmente dado aos atores que constituem os nodos e elos de ligação da cadeia de transporte, no futuro será dada atenção especial aos exportadores, importadores, transitários, 3PL e 4PL, contribuindo para o aumento da competitividade do setor portuário e logístico nacional e do seu posicionamento face ao mercado internacional. Neste enquadramento, compete aos portos a desafiante tarefa de impulsionar esta mudança, de fazer acontecer o processo digital e de inovação, de promover parcerias entre os diferentes stakeholders, posicionando-se como o epicentro do desenvolvimento que se quer sustentável, cumprindo os desafios da transição energética e da descarbonização da economia em prol de um futuro green, smart e sustentável, do ponto de vista ambiental, energético, digital e económico. *[email protected] 45 84.O Ano Portos 4.0, Portos Marítimos com um Novo Motor por António Patricio* e Denisa Beres** UM NOVO PARADIGMA: PORTOS INTELIGENTES Automação, inteligência artificial (IA), interconectividade e dados em tempo-real são os elementos-chave da nova revolução industrial, a Indústria 4.0. Para além de criar ecossistemas conectados e mais eficientes, esta nova abordagem vem redefinir o modo de operar das diferentes indústrias e permitir novos modelos de negócio. Com a pandemia COVID 19, surgiram desafios que requerem novos tipos de colaboração, e todo o processo de digitalização foi acelerado. Há agora a consciência de que novos ganhos de eficiência e geração de valor serão conseguidos pelas novas possibilidades de digitalização das operações, e não serão mais pelo investimento em infraestrutura física pesada. Nos portos marítimos os desafios de digitalização são significativos, mas também grandes são as oportunidades. Na sua maioria, os processos são ainda manuais e obsoletos, e resultam em ineficiências de custo e na ausência de dados de qualidade para endereçar a mudança pretendida. A indústria marítima chegou com atraso a esta nova era, mas já existem exemplos de boas iniciativas em autoridades portuárias, operadores, prestadores de serviços e em companhias de logística. O processo está ainda numa fase inicial e, para que se atinjam os Portos 4.0 (os Smart Ports), é importante um compromisso com a jornada da digitalização, para que esta não se reduza a iniciativas pontuais e desconectadas. Só com um verdadeiro comprometimento se conseguirá chegar a numa nova era de competitividade do sector marítimo-portuário, e obter-se o efeito catalisador da digitalização. Através da união de várias inovações tecnológicas, nos portos 4.0 será possível criar redes de dados e conectar pessoas, máquinas e sistemas. Estas soluções tecnológicas possibilitarão uma maior integração do homem com as máquinas, ajudando a prever e evitar falhas, e potenciando planos de contingência mais eficientes. Com esta nova dimen46 Processo de digitalização de contentor de resíduos da goclever. são e abrangência de dados recolhidos em contínuo, 24 horas por dia, todos os dias do ano, e com a sua disponibilidade em tempo real, abrem-se novas possibilidades de otimização de operações, mas também novas oportunidades de geração de valor. A diminuição da dependência humana será resultado de serviços em self-service, interfaces online, e regras de decisão automatizadas. Com a redução de falhas humanas, serviço ininterrupto, e informação acessível a diferentes stakeholders, é potenciada a eficiência dos vários atores do ecossistema portuário, aumentando-se, transversalmente, a competitividade do setor. SUSTENTABILIDADE: UM POTENCIADOR, NÃO UM PESO Com o Pacto Ecológico Europeu e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, com grande peso na agenda política atual, as questões de sustentabilidade estão também no topo das prioridades dos portos. Esta nova era tecnológica traz grandes benefícios associados, não só ligados às operações em si, mas, também, ao nível de melhorias de sustentabilidade. revistademarinha.com A inovação ligada à indústria 4.0 potencia grandes ganhos de sustentabilidade, conectados com os grandes ganhos de eficiência. A automatização e robotização, ligados à IA, simplificam e otimizam processos, fazendo-se uma utilização mais inteligente e eficiente dos recursos. Com estas novas tecnologias digitais, podem-se tomar decisões mais acertadas com base em medições e num conhecimento baseado em dados reais recolhidos, em vez de baseadas na intuição. Com uma qualidade e estrutura de dados adequada, a IA tem o poder de automatizar, ou ajudar a tomar essas decisões em tempo real, alterando os processos tradicionais. A decisões passam a ser mais rápidas, mais inteligentes e mais incisivas. É aqui que a digitalização, e os ecossistemas digitais, podem fazer a diferença. Os diferentes atores ficam capacitados para trabalharem em conjunto, partilhando informação, para escalar ainda mais o conhecimento, desenvolvendo novas soluções e resolvendo os desafios de eficiência e sustentabilidade. A indústria marítima não é exceção, e existe já a perceção de que sustentabilidade pode estar ligada a ganhos económicos. Está aberto o caminho para uma verdadeira economia circular e uma · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Portos & Atividades Portuárias indústria marítima mais verde (ou mais azul, no caso). GOCLEVER: INOVAÇÃO PORTUGUESA A PENSAR EM PORTOS A goclever é uma startup tecnológica portuguesa, focada no setor marítimo-portuário, que digitaliza o ambiente físico em busca de ganhos económicos. Pela utilização de sensores remotos e algoritmos de IA, a goclever deteta anomalias, remove ineficiências e permite operações otimizadas. É reconhecido que os navios são responsáveis por cerca de 20% das descargas globais no mar (32% em mares europeus) de poluição marítima, e com as exigentes disposições da Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL), a goclever desenvolveu o seu primeiro produto na área da medição precisa e classificação automática de resíduos produzidos por navios ou embarcações. Através da utilização de sensores remotos, em particular sensores LIDAR, os resíduos são digitalizados e são criados gémeos digitais dos mesmos, com todas as suas características disponíveis em bases de dados próprias. Estabelece- Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 Perspetiva do gémeo digital do Terminal de Graneis Sólidos do Porto de Aveiro. -se uma comunicação bidirecional com bases de dados oficiais já implementadas, como as janelas únicas logísticas, automatizando o processo de reporting e faturação para todos as entidades envolvidas. A solução de medição de volumes e classificação de resíduos surgiu do desafio lançado pelo Porto de Barcelona · revistademarinha.com (no Smart Catalonia Challenge), que procurava uma solução eficiente para dar resposta às necessidades de gestão de resíduos descarregados por navios. Na altura, existia um processo dependente de recursos humanos, que tornavam o processo pouco eficiente, com horários de funcionamento limitados e intrinsecamente impreciso, resultando num custo 47 84.O Ano excessivo de tratamento dos resíduos e em disputas morosas entre os intervenientes no processo. Ao vencer o concurso com a sua solução CLEVER-Volume, a goclever instalou os seus sensores no Porto de Barcelona, que gere mais de 100.000 m3 de resíduos anualmente, passando a solução a ser inteiramente adotada para a medição de resíduos. A digitalização de resíduos da goclever capacita as instalações de receção portuárias para fazer cumprir os requisitos da convenção MARPOL de forma mais eficiente, com um impacto direto na redução do lixo marinho. A solução está alinhada com a “Estratégia para os plásticos”, do Plano de Ação para a Economia Circular, onde é dada grande importância ao registo e troca de informação de resíduos entre meios portuários, gerando, a goclever, um fluxo de dados digital interoperável e confiável. Atualmente, para além do Porto de Barcelona a solução estende-se a nível ibérico, e começou, em julho de 2021, a comercialização nos países do Norte da Europa. A goclever desenvolveu também uma solução de medição e classificação de resíduos para portos de menor dimensão, a partir do piloto para o Porto de Aveiro, que possui caraterísticas muito próprias e diferentes dos grandes portos, criando uma solução móvel e flexível. Atualmente, através de redes de drones e sensores fixos, a goclever, para além de digitalizar os resíduos, passou a digitalizar todo o porto, criando um gémeo digital tridimensional do porto e processando grande volume de informação em tempo-real, o 48 que permite um conhecimento detalhado de tudo o que se passa no porto. Com recurso a algoritmos de reconhecimento espacial tridimensional e geolocalização, a goclever consegue perceber a evolução de ocupação do terminal, sabendo o porto efetivamente que o que se está a passar em cada momento e em cada local do terminal, como saber qual a área que está ocupada, com que mercadoria, e a que cliente ela pertence. Alcança-se uma maior rentabilidade do terminal e evitam-se soluções problemáticas, com a geração de alertas automatizados para revistademarinha.com situações indesejadas, que previnem, por exemplo, gastos em futuras reparações. A demonstração da solução de digitalização de todo o terminal, testada no Porto de Aveiro, recebeu o reconhecimento da aceleradora 5G da NOS e da Amazon Web Services, com um júri constituído por experientes empreendedores, técnicos e investidores de capital de risco. Recentemente a goclever recebeu também o investimento do fundo espanhol Ports 4.0, reconhecendo-se o valor da solução comercial. O investimento de mais de €500k servirá para continuar o desenvolvimento das soluções de digitalização e automatização, reforçar a capacidade de produção e para fazer crescer a equipa comercial da goclever. Este investimento vem-se juntar ao investimento a nível nacional de €170k, para investigação e desenvolvimento, no âmbito do programa Crescimento Azul dos EEA Grants, um fundo gerido pelo Direção-Geral de Política do Mar, que resulta de um Memorando de Entendimento entre a República Portuguesa e a Islândia, Noruega e Liechtenstein, principalmente dedicado à área do negócio e inovação. A goclever segue focada em tornar os portos mais inteligentes, seguros e fáceis de gerir, possibilitando portos mais competitivos e uma indústria marítimo-portuária mais eficiente. * COO GOCLEVER [email protected] ** Market Researcher GOCLEVER [email protected] · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha 84.O Ano Desenvolvimento do Projeto de I&D USV-enautica1 por Mário Assunção*, Victor Franco*, Rosa Marat*, Pedro Teodoro*, Pedro Fazenda**, Carlos Gonçalves** á dois anos publicamos, aqui na Revista de Marinha, o anúncio da linha de projetos Sea2Future que visa a Inovação, Investigação e Desenvolvimento (II&D) em robótica marítima aplicada. Os projetos desenvolvem-se em torno das mais diversas embarcações não tripuladas autónomas ou de controlo remoto USV (Unmanned Surface Vehicle). Desta linha, a Escola Superior Náutica Infante D. Henrique (ENIDH) está a desenvolver o projeto da embarcação USV-enautica1. Neste projeto encontra-se envolvida uma equipa multidisciplinar de estudantes e docentes de várias licenciaturas da Escola, abrangendo as áreas técnicas da Engenharia Eletrotécnica Marítima; da Engenharia de Máquinas Marítimas; dos cursos técnicos profissionais em Eletrónica e Automação Naval; Manutenção Mecânica Naval; e Redes e Sistemas Informáticos. Há ainda lugar para o desenvolvimento de atividades de navegação e de gestão, visando a aquisição de competências e o desenvolvimento de futuros trabalhos de Inovação, Investigação e Desenvolvimento (II&D) aplicados em diversas áreas: H • Projeto e construção do casco em materiais compósitos reforçados com fibras; • Propulsão elétrica; • Instrumentação e robótica; • Comunicações de dados Terra-Mar; • Sistemas de navegação e posicionamento; • Algoritmos para otimizar rotas e evitar colisões; • Embarcações com sistemas autónomos. Boat Communication Android BoatCOM Sistemas de Bases de Dados de Navegação Logotipos das aplicações desenvolvidas nos projetos. Multimédia e teses do curso de Mestrado em Engenharia Informática e Computadores, ambos do ISEL e ancorados no Departamento de Engenharia Eletrónica e Telecomunicações e de Computadores (DEETC). Os resultados obtidos têm permitido a criação de soluções tecnológicas desenvolvidas pelos estudantes, com aplicação direta nos sistemas da embarcação. Salientam-se os projetos finais de curso da Licenciatura em Engenharia Informática e Multimédia (LEIM) do ISEL: – O projeto “Boat Communication - BoatCOM”, no âmbito do qual foi realizado o desenvolvimento do sistema de controlo remoto para a embarcação USV-enautica1. Este sistema é uma aplicação desenvolvida em Java que corre num computador portátil com acesso WiFi à rede da embarcação; – O projeto “Android BoatCOM”, onde foi desenvolvida uma aplicação móvel para dispositivos Android, de forma a existir uma leitura dos dados da telemetria rece- bidos da embarcação, tal como o controlo da mesma através de um joystick virtual; – O projeto “Sistemas de Bases de Dados de Navegação – Sea2Future”, sistema de recolha e armazenamento dos dados dos sensores numa base de dados para a cloud. No contexto deste projeto foi igualmente desenvolvida uma aplicação web que permite a posterior análise das missões realizadas pela embarcação. De referir também os projetos de teses de dissertação para o curso de Mestrado em Engenharia Informática e Computadores (MEIM) do ISEL (ambos em fase de execução): – O projeto “Virtualização da embarcação USV-enautica1", que consiste na virtualização, rendering e simulação da embarcação, através da integração de: ferramentas de ambiente gráfico; sensores inerciais (IMU); e da simulação física de fluídos SPH (Smoothed Particle Hydrodynamics); – O projeto “Design de firmware de PARCERIAS DE I&D EM TORNO DA EMBARCAÇÃO USV-ENAUTICA1 O projeto do desenvolvimento da embarcação USV-enautica1 proporcionou uma série de parcerias científico-pedagógicas com o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL). Estas parcerias culminaram em projetos finais de curso da Licenciatura em Engenharia Informática e 50 Fases da construção do casco USV-enautica1. revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Formação e Treino controlo da embarcação marítima USV-enautica1”, que consiste em desenvolver um sistema para monitorizar e gerir o hardware dos sistemas da embarcação USV-enautica1. Encontra-se prevista outra parceria de teses de mestrado para estudantes do Instituto Superior Técnico (IST), a arrancar no ano letivo 2021-22, com duas propostas de trabalhos sob os temas: – Design the BMS for an Autonomous Small Vessel; – Design of the Electric Powertrain System of a Fully Autonomous Small Vessel. Primeira colocação da embarcação em água. Através destas parcerias, a ENIDH estabelece laços de cooperação com outras instituições de ensino superior e potencia, por isso, sinergias na implementação de soluções técnico-científicas em torno deste projeto. A EMBARCAÇÃO USV-ENAUTICA1 Construção do casco da embarcação Atualmente o casco (de tipologia catamaran) da embarcação encontra-se praticamente terminado. A sua construção – que utiliza compósitos de resina de polyester reforçada com fibras de vidro – compreendeu várias fases: Laminação por hand-lay-up dos dois cascos simétricos através da utilização de molde (1); Construção dos reforços internos em cada casco através de estruturas sandwich com núcleo de espuma de poliuretano e faces de compósitos de fibra de vidro (2); Interligação entre os cascos através da construção de reforços em sandwich utilizando a moldação por vácuo (3); Criação de plataformas também em sandwich para os componentes elétricos e baterias (4); Criação da estrutura para fixação dos motores utilizando pinho marítimo reforçado com fibra de vidro (5); A cobertura de topo também em pinho marítimo reforçado com fibra de vidro, assim como as escotilhas de acesso ao interior (6); Manufatura aditiva das orlas para as escotilhas em policarbonato e impermeabilização final do casco através da aplicação de topcoat e tinta de esmalte de poliuretano (7). A fase seguinte prende-se com a criação de uma estrutura tubular para fixação de antenas e sensores, assim como as pinturas e adereços finais. Testes em água Em dezembro de 2020 foi colocado pela primeira vez o casco da USV-enautica1 na água. Os testes foram realizados na piscina com a equipa que desenvolveu o casRevista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 Teste de manobra da embarcação. co. No primeiro teste em água, apenas foi colocado o casco com o seu peso próprio, que ronda os 15 kg (1). O casco apresentou um calado de cerca de 8 cm, sensivelmente igual na proa e popa e a estibordo e bombordo, permitindo a validação dos cálculos teóricos e de simulação computacional previamente realizados. No final, colocaram-se pesos até prefazer o peso total de 162 kg (2). O calado nesta situação foi de 24-25 cm, muito próximo do calado calculado teoricamente de 25 cm para 150 kg de peso do projeto da embarcação. Em março de 2021 foram realizados os testes de propulsão e do comando remoto (3). Foi testada a manobrabilidade da embarcação tendo-se verificado um comportamento bastante suave e consistente nas operações de marcha avante, marcha à ré e nas manobras da embarcação com os dois motores elétricos (4). A velocidade máxima alcançada foi de 3 nós. Desenvolvimento dos sistemas eletrónicos da embarcação Em paralelo com a construção do casco têm vindo a ser desenvolvidos os vários sistemas eletrónicos da embarcação. Os diferentes sistemas estão interligados entre si através de um computador principal (microprocessador). Sistema computador principal: Tem por base um microcomputador Rasp- Sistemas da embarcação USV-enautica1 e suas interligações. · revistademarinha.com 51 84.O Ano • Fichas de ligação dos sensores para a fácil ligação ou substituição; • Circuitos elétricos para condicionamento de sinal dos vários sensores; • Circuitos integrados para conversão analógica-digital; • Circuitos eletrónicos para acionamentos das bombas de fundo do casco; • Fichas de ligação das bombas de água; • Luzes LED indicadoras de cada sistema; • Ficha para o flat-cable de ligação ao computador principal. Placa circuito impresso para interligação dos sensores e eletrónica. BerryPi com o sistema operativo Linux. Neste computador funciona um servidor Robot Operation System (ROS) que permite uma fácil gestão da comunicação de dados entre os sistemas ligados ao computador. Mais concretamente, foram desenvolvidos vários códigos (scripts) em Python que publicam no ambiente do ROS as informações dos vários sensores e sistemas. Desta forma, a aplicação para o controlo remoto pode obter toda a informação por subscrição no ambiente do ROS. Os sensores estão ligados fisicamente ao computador principal por diferentes bus de comunicação. Por conseguinte, os sensores fazem parte do sistema do computador principal. O sistema de propulsão recebe instruções para o acionamento dos motores com comunicação por USB. Sensores de navegação e orientação: Atualmente composto por recetor AIS (Automatic Identification System), recetor GPS (Global Position System) e sensor IMU (Inertial Measurement Unit). Sensores das baterias: Compostos por dois sensores de tensão, dois sensores de intensidade de corrente e quatro sensores de temperatura, para medir o comportamento elétrico e físico das baterias. Sistema de propulsão: Constituído por uma placa controladora de motores com dois canais (RoboClaw 2x60A) e dois motores de 250 N cada. O acionamento dos motores é feito por ligação USB ao computador principal, ou por controlo de rádio. Sistema de controlo remoto: Foram desenvolvidas duas aplicações para o controlo remoto da embarcação. Uma 52 delas funciona num computador portátil e a outra num smartphone. Ambas as soluções permitem visualizar os dados de telemetria da embarcação e o acionamento remoto do sistema de propulsão. Sistema de gestão de energia elétrica: A energia elétrica disponível a bordo é disponibilizada através de duas baterias de 12 V e 100 Ah. Está ainda em desenvolvimento o sistema que fará uso dos sensores das baterias para obter o estado de carga das mesmas e assim indicar a energia disponível. Sistema microcontrolador: Pretende-se que o sistema baseado num microcontrolador efetue o controlo de baixo nível do hardware usado pela embarcação. Instrumentação da embarcação Foi desenvolvida uma placa de circuito impresso para receber todas as ligações dos vários sensores para acionamento das bombas de fundo e para indicação luminosa sobre o estado de cada sistema. Esta placa está ligada por um flat-cable ao computador principal e funciona como uma extensão do próprio. A placa de circuito impresso é composta pelos seguintes módulos: revistademarinha.com Próximas etapas Os passos futuros serão desafiantes devido à montagem dos sistemas eletrónicos no casco e à realização dos testes funcionais da embarcação. Esta será uma fase crítica, na medida em que os vários sistemas desenvolvidos em laboratório irão funcionar na embarcação. Realizar-se-á a montagem da instalação elétrica e a ligação de todos os sensores e interligações entre os sistemas, sob o lema “ligar, testar e validar”. Por fim, levaremos a cabo os testes de comunicação e controlo remoto. Numa primeira fase será na piscina, na segunda fase será na costa junto à praia, com teste de maior durabilidade e fiabilidade. EMPRESAS FINANCIADORAS O projeto USV-enautica1 é financiado de forma ativa por um conjunto de empresas e outras instituições através de apoio de carácter financeiro e/ou técnico ou ainda fornecendo os materiais necessários ao projeto. Não podemos deixar de agradecer os apoios das empresas: AssisteMar; Atron; Direção de Faróis (Marinha Portuguesa); Douroazul; Fillment3D; MRDinis; MSC; Nautel; Nautiradar; PortLine; Projeto.Detalhe; PTRobotics; Robert Mauser e Tecnisata. * Escola Superior Náutica Infante D. Henrique [email protected] ** Instituto Superior de Engenharia de Lisboa [email protected]. · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Economia do Mar Regresso ao Mar… a Remar O Campeonato do Mundo de Remo de Mar de 2021 na Praia da Torre, Oeiras Um Ponto de Viragem e de (Re)afirmação do Remo Nacional por Eduardo de Almeida Faria Entre 24 de Setembro e 2 de outubro de 2021 teve lugar na Praia da Torre, em Oeiras, o Campeonato do Mundo de Remo de Mar, o qual decorreu sob a designação de World Rowing Coastal Championships and Beach Sprint Finals 2021 Oeiras, numa iniciativa da Federação Portuguesa de Remo (FPR) apoiada pela Câmara Municipal de Oeiras (CMO) e pela AVE ROWING, empresa nacional fabricante de embarcações de Remo de Mar. De acordo com a FPR durante os dois fins-de-semana inscreveram-se cerca de 1.300 atletas, entre os quais 5 medalhados dos recentes Jogos Olímpicos de Tóquio, em representação de 30 países. O custo total da organização da prova está estimado em €500.000 (Meio milhão de euros), entre custos diretos e indiretos. Como facilmente se percebe por estes números trata-se de uma oportunidade soberana, quase única diríamos, para promover a modalidade entre nós, nas suas vertentes de lazer e de competição, entre os jovens, mas também entre aqueles que 1. Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 são jovens há mais tempo, e na vertente económica. Com efeito, um grande número de embarcações presentes no evento são fabricadas em Vila do Conde pela AVE ROWING, empresa que está já a exportá-las com grande sucesso para todo o mundo, como a Revista de Marinha teve oportunidade de constatar numa visita que recentemente fez às suas instalações em Fajozes, a convite dos seus responsáveis. O evento decorreu em 2 modalidades, os chamados Beach Sprint Finals, num percurso de 500 m executado em slalom numa pista de 250 m. Os atletas competem em formato de match racing, duas pistas, duas equipas, a competir uma contra a outra em que uma equipa se apura e a outra é eliminada, com partida e chegada na praia. Uma prova bastante rápida e por isso emocionante com uma corrida final na areia que termina com um salto para um botão de chegada. Já os chamados Coastal Championships serão percursos de 4 kms durante as eli· revistademarinha.com minatórias e de 6 kms nas finais A. Este percurso será feito a rodear o Forte de São Julião da Barra, indo em primeiro lugar em direção à Barra do Tejo e virando depois para Carcavelos. Os atletas conseguirão usufruir de uma navegação em mar aberto e ao mesmo tempo de um enquadramento paisagístico único, como é o caso da Barra do Tejo. Partem 20 embarcações ao mesmo tempo da praia e todas elas terão de rondar as boias do percurso. As imagens de drone serão certamente imperdíveis e serão também de esperar colisões entre as embarcações. O vencedor será o primeiro a chegar à meta, localizada também na Praia da Torre. As inscrições serão ilimitadas para remadores a representar as suas nações, ou clubes. Num conceito de masters, este evento enquadra-se numa perspetiva Sports For All e procura oferecer aos amantes de Remo a participação numa prova mundial ao lado dos melhores da modalidade. É, como facilmente se percebe, um evento com um enorme potencial de turismo desportivo. 53 84.O Ano Mas o que é o Remo de Mar e como se diferencia do remo dito tradicional, o qual entre nós teve no passado uma grande adesão? Façamos então um pouco de história para situar os nossos leitores. O Remo de Mar estreou-se em Portugal em 2014 através de uma iniciativa conjunta da FPR em colaboração com a Câmara Municipal de Peniche. A primeira prova foi a Travessia da Berlenga realizada nesse mesmo ano. Para essa regata e uma vez que não havia barcos de Remo de Mar em Portugal a FPR teve necessidade de ir buscar/ alugar embarcações em Valência, Espanha. Para este primeiro evento foram também convidados atletas para participarem com o intuito de posteriormente servirem de “embaixadores” da modalidade. Em 2015 teve lugar o primeiro Circuito Nacional de Remo de Mar que está já hoje fortemente enraizado no Calendário Nacional da modalidade e que oferece provas de sprint, realizadas junto à praia, ou em sistema de travessias longas, com distâncias de entre 6 Kms a 15 kms. O Remo de Mar é uma forte aposta da Federação Internacional de Remo (FISA) para captar novos países e praticantes para a modalidade e que já hoje é um forte candidato a tornar-se uma modalidade olímpica num futuro não muito distante, porventura já nos Jogos Olímpicos de 2028, a realizar em Los Angeles. É neste contexto que a FPR organizou em setembro o Mundial de Remo de Mar na Praia da Torre, em Oeiras. O crescimento da modalidade em Portugal tem estado intimamente ligado à aquisição de embarcações por parte dos clubes. Contudo, até 2019 a FPR foi a principal investidora nestas aquisições, entregando-as aos clubes nacionais. Após a vitória na candidatura ao Campeonato do Mundo e a integração do Circuito de Mar no ranking 2. 54 Nacional, mais clubes estão a adquirir estas embarcações e a preparar os seus atletas para uma nova vertente de remo. Há que referir que fruto das regras impostas pela FISA as embarcações de remo de mar são bastante diferentes das embarcações de remo tradicionais. Os seus cascos são mais largos e achatados, oferecendo uma maior estabilidade no momento da remada e mesmo parado. São embarcações desenhadas para oferecer a maior segurança possível nas condições adversas que encontramos no mar. Dito isto, para além de ótimas embarcações para navegar no mar como o próprio nome indica, são também ótimas para iniciação e lazer, para todas as idades, ou seja, embarcações muito polivalentes. Mas se o Remo de Mar é uma modalidade de implantação recente entre nós, já o mesmo não se po- 3. revistademarinha.com derá dizer do Remo dito tradicional que começou a ser praticado no início do sec. XIX. O Remo em Portugal tem um historial riquíssimo iniciado há cerca de 170 anos, facto que o próprio autor destas linhas desconhecia por completo. Trata-se de uma história porventura única entre as modalidades ditas amadoras. Com efeito, a prática do Remo em Portugal, enquanto desporto organizado, começou em 1828 com a fundação do Arrow Club pela mão de Abel Power Dagge, os irmãos Pinto Basto e mais alguns elementos da colónia britânica então residentes no nosso País. Do acervo documental da família de Abel Dagge, o qual foi membro fundador da Real Associação Naval e do Clube Naval de Lisboa, e que porventura terá sido o primeiro desportista náutico a existir em Portugal, constam não só as atas de fundação de várias associações náuticas, as deliberações das diferentes Assembleias Gerais em que participou, a sua correspondência, bem como as suas memórias, é possível perceber a importância que a partir de 1852 tiveram as Regatas promovidas pelo Conde das Alcáçovas e por um grupo de aristocratas ligados à Casa Real, por ocasião dos festejos anuais de Paço de Arcos. A título de curiosidade refira-se que a regata de 1853 foi presidida pelo infante D. Luiz que se fez conduzir a bordo do vapor CONDE DE TOJAL da Marinha de Guerra Portuguesa. Do programa de 1854 constava a participação de duas guigas de 4 remos, tripuladas… por curiosos. Na sequência destes eventos foi fundada em 1855 a Real Associação Naval, atual Associação Naval de Lisboa, uma das mais antigas agremiações da Península Ibérica e · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Economia do Mar do mundo. O clube foi fundado sob a proteção do Rei D. Pedro V no Arsenal de Marinha, numa reunião presidida por D. Luís ainda como Duque do Porto. Por influência dos ingleses o seu nome seria Real Yacht Club mas o futuro Rei escolheu um nome bem mais português. O interesse despertado pelo divertimento das regatas, associado ao gosto e predileção da Família Real pelos passeios a remos no Tejo, deram lugar em 1861 à formação de dois grupos de remadores. O primeiro grupo era composto na sua maioria por ingleses e alguns portugueses, entre os quais Abel Dagge e Augusto Pinto Basto. O segundo grupo era constituído por indivíduos da colónia alemã. Estes dois grupos de amadores remavam também em guigas de 8 remos, construídas propositadamente para esse fim pelos construtores Luís Silvério de Faria e I. C. Dangebau, que se denominavam respetivamente LUSITÂNIA e GERMÂNIA. A guiga LUSITÂNIA, construída em 1862, tinha 12,8 m de comprimento e 1,83 m de boca, e custou 201,600 reis. Segundo os registos esta guiga terá sido a primeira embarcação desportiva de remo construída em Portugal e por um mestre português. Destes acalorados desafios resultou então a fundação, em Lisboa, do Clube Tagus Rowing Club e do Club dos Remeiros Lusitano, dois dos primeiros clubes de Remo instituídos em Portugal. Por sua vez, numa época em que o remo desportivo era a modalidade de eleição praticada pela elite inglesa residente na região norte, é fundado em 20 de junho de 1866 o Oporto Boat Club e em 1868 o Clube Naval Portuense. Em 1876 é criado o Club Fluvial Portuense ainda hoje em atividade, o que faz desta coletividade desportiva a mais antiga do Norte de Portugal. É também no Porto, mais precisamente em Avintes, em que pela primeira vez há conhecimento de provas de Remo feminino, isto na Regata de 1863, conforme descrição da prova no Jornal do Porto que nos informa acerca duma regata entre “mulheres de Avintes”, as barqueiras, que faziam a ligação entre as duas margens e vendiam também a famosa “Broa de Avintes”. Em 1878 com a introdução, dos primeiros outriggers, embarcações de 4 remos construídas em Inglaterra para o Clube de Remeiros Lusitano, o Remo entra num período de notável incremento. Logo em 1884, ainda pela mão de Abel Dagge, foi criado o primeiro Campeonato de Remo que se realizou em Portugal. Estas provas realizaram-se em Lisboa e Cascais. Como competidores estiveram os ingleses Hickei e Mitchel e o futuro Barão de Almeirim, Manuel Braamcamp, que Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 venceu e conquistou o Título de Campeão do Tejo, ganhando uma medalha de ouro que usava com orgulho na corrente do seu relógio. É durante o ano de 1884 que as regatas passaram a ser sempre em linha reta na distância de uma milha. Em 27 de Janeiro de 1892, são aprovados os estatutos do Club Naval de Lisboa. Com o seu aparecimento os desportos náuticos, e o Remo muito em particular, ganham um notável incremento, em grande parte porque o recém-criado Clube imprime um grande dinamismo à sua atividade, razão pela qual o Rei D. Carlos lhe concede logo em 1893 o título de Real Clube Naval de Lisboa. Em 1888 é criado por decreto o Clube dos Aspirantes de Marinha, posteriormente denominado CNOCA – Clube Náutico dos Oficiais e Cadetes da Armada. No dia 1 de maio de 1893 é fundada na Figueira da Foz, a Associação Naval 1º de Maio, a primeira coletividade de cariz eminentemente popular instituída em Portugal. Na cidade de Aveiro, em 1894, o Ginásio Clube Aveirense organiza também uma secção de Remo. A 1 de Janeiro de 1895 é fundado o atual Ginásio Clube Figueirense. Para comemorar os aniversários do Rei D. Carlos e da Rainha Dª. Amélia, o Real Club Naval de Lisboa decide realizar as Regatas de Cascais em 29 de setembro de 1901. Aproveitando o apoio e beneplácito do seu Comodoro, S. M. El Rei D. Carlos, o Real Clube Naval de Lisboa cresceu e difundiu os Desportos Náuticos pelo país abrindo secções e Postos Náuticos na Azambuja, Cascais, Trafaria, Portimão, Lagos, Pedrouços, Funchal, Luanda e Lourenço Marques. Estas delegações evoluíram mais tarde para os atuais clubes aí existentes. · revistademarinha.com No alvorecer do século XX despertavam grande interesse as regatas em guigas de quatro e de seis remos. No entanto, a falta de uniformidade nas características das embarcações, a que se juntava uma deficiente regulamentação, suscitavam frequentes conflitos os quais, em alguns casos, conduziram mesmo à quebra de relações entre as principais agremiações náuticas. Em 1898, por ocasião do Centenário da Viagem de Vasco da Gama à Índia, devido a um empate numa regata de Remo os atletas da Real Associação Naval e os do Real Clube Naval envolveram-se numa zaragata que destruiu a Cervejaria Jansen, no Cais do Sodré, em Lisboa. Em 1906 houve mesmo um duelo à espada, em Cascais, entre Alberto Totta e Carlos Sá Pereira devido a uma regata da Taça Lisboa. Ao longo de todo o Séc. XX a modalidade conheceu um crescimento imparável que não é possível dar conta num artigo com estas características dadas as naturais limitações de espaço. Contudo, valerá a pena referir alguns dos aspetos mais relevantes. No Congresso Náutico Nacional realizado no Porto, em abril de 1920, por iniciativa do Clube Fluvial Portuense com o apoio do Sport Clube do Porto, a Associação Naval de Lisboa e o Clube Naval de Lisboa apresentaram as bases da Federação Nacional de Remo. No mesmo congresso foram também instituídos e regulamentados os Campeonatos Nacionais. Em 1922 a Federação Portuguesa do Remo inscreveu-se na FISA, o que lhe permite fazer-se representar nos campeonatos da Europa em Como, Itália, em 1923 e, em 1926, em Lucerna, na Suíça. Os Campeonatos Nacionais de Remo de 1931, organizados pelo Clube Fluvial Portuense e pelo Sport Clube do Porto, realizados no Porto, destacaram-se pela forte adesão do público que acorreu a ambas as margens do rio Douro, para assistir àquele que foi o maior evento desportivo realizado em Portugal até aquela data, estimando-se uma assistência superior a 50 mil pessoas. No ano de 1948 a modalidade inicia a sua participação nos Jogos Olímpicos. Em 1952, 1960, 1972, 1992, 1996 e mais recentemente em 2008 e 2012 volta-se a marcar presença no evento. Os anos 60 do século passado destacaram-se pelo início da competição dos Jogos Luso Brasileiros e em 1966 foram criados os escalões etários para os mais jovens, como categoria de remadores. Com a Revolução do 25 de Abril de 1974 dá-se início a uma nova etapa no desenvolvimento do Remo nacional, apostada na democratização da modalidade, 55 84.O Ano desta feita em Itália, esta dupla conseguiu ainda um 2º lugar nos Europeus. No mesmo ano a remadora Filomena Franco participou nos Jogos Paralímpicos de Londres; – Em 2013 o remador Pedro Fraga venceu duas provas da Taça do Mundo tornando-se o primeiro português a alcançar este feito, sagrando-se ainda Vice-campeão da Europa em Sevilha. No ano seguinte em Belgrado, mais um feito para este atleta. Na Sérvia subiu ao mais alto degrau do pódio sagrando-se Campeão da Europa em skiff peso ligeiro; – Em 2016, contudo, nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro o Remo não esteve representado, embora tivesse atletas e material à altura de assegurar a representação nacional. conforme definido na política governamental da época que visava a massificação do desporto. No âmbito desta política, a Direção Geral dos Desportos implementou Planos de Desenvolvimento da Modalidade. Em 1976, iniciou-se o processo de formação de treinadores, sistematizado e em vários graus. É estabelecido um intercâmbio com a Polónia com a vinda da equipa olímpica polaca durante todo o mês de fevereiro, tendo, no âmbito desse intercâmbio sido dada formação a um elevado número de técnicos nacionais. Paralelamente, assistiu-se à criação de Escolas de Remo da Direção Geral dos Desportos por todo o país. Na entrada do século XXI o Remo Nacional continuou a sua senda de progresso com um vasto e importante conjunto de vitórias e realizações, de que importa destacar: – Em 2010 na Pista de Montemor totalmente renovada teve lugar o Campeonato da Europa de Remo organizado pela FPR, avançando também a construção dos Centros de Alto Rendimento de Montemor e do Pocinho, locais que permitiram um aumento da qualidade de treino aos atletas da Seleção Nacional; – Neste mesmo evento a dupla constituída por Pedro Fraga e Nuno Mendes sagrou-se Vice-Campeã da Europa em double skull Peso Ligeiro e a paralímpica portuguesa Filomena Franco conquistou a medalha de bronze na prova de skiff dos Campeonatos do Mundo de Remo; – Em 2012, nos Jogos Olímpicos de Londres, a dupla de Peso Ligeiro constituída por Pedro Fraga e Nuno Mendes conseguiu uma prestação notável apurando-se para a Final A onde conseguiram um relevantíssimo 5º lugar. Neste mesmo ano, – Em 2001 é organizado o Congresso Extraordinário da FISA na cidade do Porto com a presença de 200 delegados de 60 países; – Em 2002, na pista de Montemor, então inaugurada, realiza-se a Coupe de la Jeunesse, competição onde estiveram presentes 400 participantes de 10 países europeus; – Em 2003, uma tripulação de Remo Adaptado de Soure conquista a primeira medalha num Campeonato do Mundo; – Em 2004 teve lugar a Lisboa Classic Regatta, uma disputa inédita entre as Universidades de Oxford e Cambridge nas águas do estuário do Tejo; – Em 2008 a tripulação de double skull Peso Ligeiro conseguiu o apuramento para os Jogos Olímpicos de Pequim onde teve uma brilhante prestação conseguindo chegar às Meias-Finais e ficando em 8º na Final; 56 revistademarinha.com Embora de uma forma muito resumida, por aqui se percebe que a história do Remo em Portugal é um caso de relevante sucesso, porventura grandemente desconhecido da maioria da população e mesmo dos seus praticantes veteranos. Em resumo, se na sua génese o Remo foi o desporto das elites nacionais, rapidamente ganhou a adesão de amplas camadas da população, inserindo-se de uma forma indelével na história do desporto nacional, o que lhe dá uma legitimidade histórica indiscutível para reclamar o lugar que já foi seu por mérito próprio e em que o próximo Campeonato do Mundo de Remo de Mar a realizar em Oeiras terá certamente um papel muito importante a desempenhar. Nos nossos dias a implantação e o desenvolvimento de uma qualquer modalidade desportiva tem que assentar numa sólida base económica e tecnológica para poder ser sustentável a prazo. E o Remo de Mar nacional tem já hoje as condições mínimas para que a sua base económica e tecnológica não só se consolide como prospere com o tempo, fazendo desta modalidade um caso de sucesso, não só a nível nacional, mas também internacional, com uma dinâmica exportadora significativa, como já hoje acontece com a canoagem. Vale a pena referir que 70% das medalhas conquistadas pelos atletas da canoagem dos diferentes países nos recentes Jogos Olímpicos de Tóquio foram obtidas com recurso a embarcações concebidas, projetadas e construídas em Portugal, por uma empresa que é líder mundial do sector. Dito isto, há que referir que o esforço no sentido de voltar a fazer do remo um desporto de eleição como já foi no passado não seria possível sem o concurso da AVE ROWING, uma empresa portuguesa funda- 4. · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Economia do Mar da há 5 anos e sedeada em Fajozes, Vila do Conde, responsável pela construção de grande parte das embarcações de remo de mar que competiram na Praia da Torre, em Oeiras, A AVE ROWING BOATS, LDA foi fundada em janeiro de 2016 por Leandro Fernandes, sócio-gerente, juntamente com José Santos e Pedro Ramos, cuja fábrica e escritórios se localizam nos arredores de Vila do Conde, que a Revista de Marinha visitou com muito agrado recentemente a convite dos seus responsáveis, com os quais conversou demoradamente, e de que resultou a entrevista que publicamos neste mesmo número da RM e para a qual chamamos a atenção dos nossos leitores. A empresa foi criada com uma filosofia bem estruturada que visa apoiar os clubes a apetrecharem os seus hangares com material de qualidade e a um preço justo, algo que até então não era possível, apostando no Remo Olímpico como a sua área de excelência. O ano de 2016 foi, por isso, o ano das primeiras criações, de onde saíram os primeiros produtos da empresa. Durante o ano de 2016 ocorreu também a primeira abertura da empresa ao mercado externo, inicialmente para Espanha, e depois para o Reino Unido. Neste último caso apoiada por um antigo remador do Clube Fluvial Vilacondense, Gualter Graça, que ali reside. Mas na abordagem ao mercado externo a empresa não se ficou por aqueles países expandindo-se para França, República Checa, Alemanha e para Itália, tendo fabricado 76 embarcações contando então com 7 colaboradores. Em 2017 a empresa expandiu-se para a Escandinávia, tendo como principal mercado a Dinamarca, em parceria com Thomas Ebert, antigo remador e campeão Olímpico pela equipa nacional dinamarquesa e também para a Irlanda. Neste ano a empresa produziu 99 embarcações, ou seja, mais 23 embarcações do que no ano anterior. Em 2018 e com o crescente aumento no interesse pelos barcos da Ave Rowing, Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 a empresa desenhou um novo modelo de embarcação com linhas e características direcionadas para a competição, o qual foi batizado de “Suso”, em homenagem ao remador espanhol Jesus Gonzalez, mais conhecido por “Suso”, como forma de agradecimento pelo seu apoio incondicional ao longo dos anos. Neste ano a empresa focou-se na França, República Checa e na Alemanha. Em 2019 a empresa ultrapassou pela primeira vez as 100 unidades produzidos com um total de 101 embarcações, e alargou o seu portfólio de embarcações com a criação da embarcação individual para crianças designada de Big Kid’s. O seu número de colaboradores era então de 10. Apesar do surto pandémico que tem assolado o mundo desde há ano e meio, 2020 foi o melhor ano de sempre da Ave Rowing. Foram construídas 113 embarcações, contando a empresa no seu quadro com 14 colaboradores, 3 dos quais no escritório, nas áreas dos recursos humanos, vendas e inovação e desenvolvimento. Devido às contingências impostas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) o ano de 2020 foi um ano com muito poucas saídas para o estrangeiro, pelo que a empresa esteve apenas presente em duas regatas, uma em França e a outra em Espanha. Contudo, foi o ano em que a empresa enviou o seu primeiro contentor para os EUA, mercado que se apresenta muito promissor. Em 2021 a empresa conta com um portfólio de 14 modelos diferentes, sendo a sua criação mais recente o “Kaito”, skiff de mar de uso individual, cujas primeiras 6 unidades estavam a ser preparadas para serem exportadas para a Dinamarca aquando da visita realizada pela RM. Tudo Isto sem contar com todas a peças complementares, que são também produzidas na Ave Rowing. Durante o primeiro semestre de 2021 foram produzidas 62 unidades, o que permite antecipar um novo número recorde de embarcações produzidas. · revistademarinha.com Valerá a pena referir que fruto do investimento em I&D que a Ave Rowing tem vindo a realizar desde a sua criação, o fabrico dos seus produtos conta já com a inclusão de materiais tradicionais na sua construção, como é o caso da cortiça, que reveste o casco das novas embarcações “Kaito”, num esforço que se aplaude e que é dirigido ao objetivo assumido pela empresa de ser marca líder mundial do sector até 2028, ano dos Jogos Olímpicos de Los Angeles. Isto porque a Inovação, o design e a aposta na utilização de novos materiais foram objetivos que nortearam a orientação da empresa desde o seu início, apoiada numa parceria estabelecida com o INEGI (Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial da Universidade do Porto), numa feliz combinação de esforços entre a Universidade e a Empresa, facto que faz das embarcações da AVE ROWING um produto único no panorama do Remo nacional e internacional. Como decorre de tudo o que aqui referimos, estamos certos de que o Campeonato do Mundo de Remo de Mar de 2021 na Praia da Torre, Oeiras, será um Ponto de Viragem e de (Re)afirmação do Remo Nacional e como tal será olhado daqui a uma década quando visto retrospetivamente. A Revista de Marinha deseja aos organizadores e a todos os atletas os maiores sucessos durante o World Rowing Coastal Championships and Beach Sprint Finals 2021 Oeiras. Por último, um sincero agradecimento a todos quantos contribuíram para a elaboração deste artigo. Desde a Federação Portuguesa de Remo, na pessoa do seu Presidente, Dr. Luis Ahrens Teixeira, e da Profª. Joana Freire, do Senhor Carlos Gomes Henriques pela preciosa informação histórica e pelas fotos que nos facultou, à Ave Rowing, nas pessoas dos Senhores José Santos, Leandro Fernandes e Rodrigo Romão. A todos, o Muito Obrigado da Revista de Marinha! 57 84.O Ano Planetário Calouste Gulbenkian – Centro de Ciência Viva 2021 - Uma nova visão do espaço por João Silva Ramos* noção do tempo desaparece. O espaço adquire outras perspetivas. Durante uma hora somos espetadores, de todas as latitudes e longitudes, do surpreendente espetáculo da abobada celeste. Esta frase, que descreve os primeiros suspiros da vida do Planetário Calouste Gulbenkian (PCG), teve o destaque de ser publicada na primeira página do “Diário de Notícias” no dia 20 de julho de 1965, o dia da sua inauguração. Desde então, os portugueses, com especial incidência no público escolar, passaram a dispor de um novo espaço cultural, proporcionando uma experiência até então desconhecida, as sessões de astronomia projetadas numa cúpula. A ORIGEM A ideia da construção de um planetário em Lisboa, surgiu do fascínio e entusiasmo pela astronomia de um oficial da Marinha de Guerra Portuguesa (MGP), o Cte. Eugénio Conceição Silva, quando visitou o planetário de Nova Iorque. Ao longo da sua vida, Conceição Silva desenvolveu várias atividades relacionadas com este seu passatempo favorito, desde a construção engenhosa de telescópios, que utilizava nas suas observações, passando pela fotografia de astros, fotografias essas ainda hoje expostas na galeria do Planetário. A genialidade deste projeto reside na sua grandiosidade, ainda hoje o PCG é o segundo maior planetário da Europa, com 58 uma cúpula de 23 m de diâmetro, e 320 lugares sentados. Duma parceria entre a MGP e a Fundação Calouste Gulbenkian, que custeou o sistema de projeção ótico, o modelo UPP 23/4 da marca Zeiss, o sonho do Cte. Conceição Silva tornou-se realidade, Lisboa iria ter um Planetário. A obra do edifício, da autoria do arquiteto Frederico George, iniciou-se em setembro de 1963, sendo inaugurada em 20 de julho de 1965, dia onde se assinalava o décimo ano da morte do próprio Calouste Sarkis Gulbenkian. Iniciava-se assim um ciclo de “viagens” pelo espaço, inéditas na altura. As sessões de planetário, através da recriação do céu noturno cintilante, onde se projetavam figuras de constelações e se explicavam fenómenos celestes, como eclipses e chuva de estrelas, apresentados com uma voz radiofónica, contagiava o visitante a ficar fascinado pelos mistérios da astronomia. Assim, o PCG passou a constar na lista das famílias e de escolas, como lugar de visita obrigatória em Lisboa. DESENVOLVIMENTOS A cidade de Lisboa passava a dispor de um equipamento cultural por excelência, tal como as principais capitais europeias, onde eram divulgadas de um modo didático as ciências astronómicas. O sistema de projeção de origem, era de funcionamento manual e durou cerca de 40 anos de operação ininterrupta. Entretanto, em março de 2002, o Ministério da Ciência e da Tecnologia e a Marinha Portuguesa estabeleceram um protocolo que tinha por objetivo a dinamização, ampliação e renovação do PCG, nomeadamente a aquisição, em 2004, de um novo sistema de projeção. Veio a ser escolhido o projetor ótico da Zeiss - Universarium modelo IX, ainda hoje um dos melhores projetores do mundo. Esta parceria conferiu ao PCG o estatuto de Centro Ciência Viva, passando-se a designar Planetário Calouste Gulbenkian – Centro Ciência Viva (PCG-CCV). UM NOVO CONCEITO PARA O PLANETÁRIO No mundo atual, fervilhante de novas tecnologias cada vez mais sofisticadas e impactantes, disponibilizando novos produtos de multimédia, com conteúdos nas diferentes áreas do conhecimento, habituaram Ciência & Tecnologia o público a ser cada vez mais exigente e ávido de novas experiências e sensações. Assim, chegou o momento de o conceito das sessões do Planetário ser repensado, com o intuito de causar ao espetador a satisfação das suas expetativas. Em 2016 a Direção do PCG iniciou uma serie de diligências pela Europa, visitando outros planetários tendo como objetivo obter conhecimentos a nível funcional e dos produtos em exibição ao público. Participou-se também em eventos da especialidade a nível mundial, como a Conferência da Sociedade Internacional de Planetários (IPSC - International Planetarium Society Conference) em 2016 em Varsóvia e 2018 em Toulouse. Participou-se também, em 2017, na feira Internacional do Cinema Imersivo (IMERSA), nos Estados Unidos. Para a implementação deste novo conceito, optou-se por um sistema de projeção híbrido. Esta nova arquitetura é constituída por uma projeção ótica, assegurada pela continuidade do Universarium e por um sistema de projeção digital fulldome, da Zeiss. Estando já a decorrer as obras, prevê-se a inauguração do “novo” Planetário para o final do corrente ano. A réplica do céu estrelado verdadeiramente brilhante que fascina e inspira o visitante, continuará a ser produzido pela projeção ótica do Universarium, sendo suplementados e sobrepostos de forma síncrona pelo conteúdo digital do sistema fulldome. Tendo em conta que o ponto essencial para os visitantes é a qualidade de imagem na cúpula, foi escolhido um sistema digital fulldome com 8 projetores LED VELVET, que corresponde a uma configuração de 8 canais de imagens projetados sectorialmente na cúpula. Estas 8 projeções são contro- As entidades oficiais na inauguração do Planetário. De assinalar a presença do Cte. Conceição e Silva, por detrás do Presidente Américo Thomaz. ladas pelo software da Zeiss, que assegura, durante a projeção uma transição impercetível entre os canais de imagem (blending), exibindo assim uma imagem completa sem quaisquer vestígios de separação. A imersão multimédia, apresentada numa experiência fulldome, sendo fruto da evolução tecnológica, permite a associação da realidade ao virtual. O visitante dispondo-se a imergir, é cercado pela projeção de vídeo em toda a cúpula, com uma imagem única e coerente. A cúpula preenchida na totalidade com animações em tempo real, dá a sensação ao visitante de fazer parte dessa experiência. Nesta nova realidade o visitante descobre o universo como se estivesse embarcado numa nave espacial a viajar através do espaço. Poderá aterrar na Lua, seguir pelo trilho de Neil Amstrong, penetrar nos anéis de Saturno onde evitará colidir com rochas e gelos e sair da nossa galáxia viajando pela imensidão do cosmos. Apesar da astronomia continuar a ser o tema principal, agora o PCG – CCV com o sistema de projeção fulldome, estará capacitado para proporcionar ao visitante, espetáculos e apresentações, exibindo conteúdos de outras áreas como as ciências da vida, o desporto, a história ou mesmo espetáculos abstratos de música. De realçar que atualmente existe toda uma panóplia de filmes de realidade virtual, que podem ser adaptados à exibição no Planetário, com toda a espetacularidade inerente. UM NOVO MODO DE VIAJAR PELO UNIVERSO Uma viagem pelo cosmos ao alcance do lisboeta. Foi a manchete do Diário de Notícias anunciando a Portugal a inauguração do PCG. Passados 56 anos, desde a sua inauguração, o PCG volta a proporcionar uma outra viagem pelos cosmos. Não só destinada aos lisboetas, mas a todas as pessoas que visitem o planetário. Não só uma viagem pelo cosmos, mas muito mais do que isso, uma experiência fantástica, emocionante e inesquecível reforçada pela capacidade do cinema imersivo. 2021 será um ano na história do planetário, marcando o início de um novo modo de viajar pelo Universo e de abordar outros temas, afinal comunicar ciência criando emoções. Como outrora, o planetário voltará a ser uma das dez principais atrações da cidade de Lisboa. * [email protected] Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 · revistademarinha.com 59 84.O Ano A renovação ambiental de navios pré-2000: M/S VASCO DA GAMA O Primeiro Exemplo de Sucesso de Economia Circular (realizado por TecnoVeritas) por Jorge Antunes* M/S VASCO DA GAMA é um navio de cruzeiro luxuoso com 27 anos. O atual armador, “Mystic Ocean”, decidiu manter o navio em serviço nos destinos mais desejados, como os fiordes históricos da Noruega e do Báltico, onde estão em vigor as normas mais rigorosas de poluição do ar. Considerando os futuros regulamentos de poluição do ar no âmbito da MARPOL, nomeadamente no que diz respeito às emissões de NOX e com a introdução do índice de design de eficiência energética (EEXI) ao MARPOL anexo VI, foi decidido realizar um estudo sobre como isso pode ser alcançado nos próximos 10 a 15 anos. Como consequência, o navio recebeu uma série de melhorias de alta tecnologia: a nível de emissões de forma a cumprir com NOX TIER III, a nível de estação de tratamento de águas sujas/esgotos de forma a poder operar no Mar Báltico, compatível com MEPC.227 (65), a nível de esquema de pintura, tornando o casco mais liso e consequentemente mais eficiente e a nível de sistemas IT de forma a monitorizar e gerir, com a maior precisão possível, os consumos energéticos Estando o navio em conformidade com os novos regulamentos da MARPOL, nomeadamente o código NOx, é aberta uma nova oportunidade para a sua operação bem-sucedida em qualquer porto do mundo, tendo recebido uma nova notação da classe EGCS (SCR), isto mesmo não existindo certificado IAPP. O M/S VASCO DA GAMA chegou a Lisboa em dezembro de 2020, e a 1 de janeiro de 2021, foi para doca seca, nos Estaleiros LISNAVE. Imediatamente, apesar das restrições do COVID 19, o projeto foi iniciado. A casa de máquinas foi analisada a laser e os estudos de acessos iniciados enquanto os cálculos baseados no fluxo dos gases de escape dos motores ocorriam em paralelo. Definidos os cinco alojamentos independentes para a colocação dos invólucros do catalisador, iniciou-se a construção do sistema principal que implicou a substituição de toda a tubagem de escape existente. Foi ainda necessário O 60 implementar um sistema de ar comprimido dedicado assim como todo o sistema de armazenamento e distribuição de ureia. A implementação do armazenamento de ureia exigiu adaptar um tanque de lastro existente no navio e a criação de duas novas estações de abastecimento. Por fim, foi implementado o sistema de digitalização da informação, desenvolvido pela TecnoVeritas, para monitorização de desempenho, o software baseado na cloud - BOEM. Enquanto as obras dos catalisadores estavam em andamento, os três motores do navio foram revistos, recebendo os componentes que precisavam ser substituídos pelo código NOx, componentes de tipo aprovado, bem como dois novos turbo-alimentadores. A 22 de Junho o navio voltou a entrar na água e decorreram as provas de mar, durante os 6 dias de viagem de Setúbal a Amesterdão. Os sistemas e o projeto foram pesqui- Simulações de otimização de contrapressão de gás de exaustão (antes e depois). revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Ambiente Marítimo sados e aprovados pelo “Lloyd’s Register of Shipping”, e as emissões foram testadas pela empresa ECOxy da Noruega, credenciada pela Autoridade Marítima Norueguesa, que seguiu com o navio para monitorizar os níveis efetivos de emissão de NOx do TIER III. Foi facilmente encontrado no estudo de viabilidade que o tempo de retorno do investimento é inferior a um ano, desde que a pandemia o permita. O presente projeto é uma novidade em termos de Economia Circular e sua dimensão. Os sistemas instalados foram capazes de atingir valores de NOx bem abaixo do limite TIER III, nos motores originais do navio (pré-2000). Todos os cinco catalisadores são, por si próprios, peças únicas, o seu design foi feito para atingir emissões de NOx extremamente exaustivas, ao mesmo tempo que mantém a queda de pressão dos gases de escape ao mínimo, e o seu funcionamento é controlado remotamente com base em inteligência artificial, para que os cinco reatores catalíticos seletivos, sejam continuamente otimizados em termos do seu desempenho individual para minimizar o consumo de ureia, cumprindo assim com os futuros regulamentos de deslizamento de amônia, o que constitui uma inovação. O funcionamento dos catalisadores é otimizado considerando a temperatura do ar de admissão, a carga do motor, a qualidade do combustível e é apoiado por um circuito de controlo de feedback que ajusta de forma dinâmica e otimizada as operações dos reatores. O desmantelamento de navios existentes deixará uma enorme pegada de carbono, não apenas na atividade de desmantelamento por si, mas também no derretimento de todos os materiais nas siderúrgicas. Com o tema da descarbonização na ordem do dia, as decisões de desmantelamento têm sido tomadas, principalmente, com base nas considerações ambientais, nomeadamente fazendo com que os armadores acreditem que os seus navios não podem ser ambientalmente competitivos, sendo esta instigada pela construção naval, bancos e fabricantes de motores. Este projeto, provou que a MARPOL TIER III pode ser alcançada por um navio de 27 anos, a custos controlados, e que o seu desempenho ambiental pode ser tão bom, ou até melhor, que muitos navios construídos recentemente. No presente projeto, nenhum EIAPP será emitido, embora os regulamentos NOx, nomeadamente TIER III, tenham sido alcançados e oficialmente confirmados pela Autoridade Marítima Norueguesa, Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 comprovando que os certificados EIAPP também devem ser atribuídos a navios equipados com sistemas de limpeza de gases de escape, como o M/S VASCO DA GAMA. Este projeto prova que os navios existentes não estão condenados à sucata, mas sim a serem renovados em todos os aspetos ambientais, nomeadamente emissões, esgotos, consumo de energia, mas também no conforto dos passageiros, podendo competir com os mais recentes · revistademarinha.com navios, resultando numa atividade de navegação de cruzeiro mais sustentável: • A eficiência de combustível aumentou 6%, sendo responsável por uma redução das emissões de CO2 em cerca de 6%. • As emissões de NOX (conforme TIER III) sofreram uma redução de 82% em relação às emissões originais. • As emissões de SO2 diminuíram 81,5%. * CEO Tecnoveritas, Lda [email protected] 61 84.O Ano Inovação Tecnológica no Domínio dos Sistemas de Comunicações Navais: do Presente ao Futuro por José Luís Reis* ivemos num mundo tecnologicamente avançado e continuamente ligado em rede. Mas nem sempre foi assim, demorou tempo a chegarmos aqui! A título de exemplo, a primeira comunicação “digital” (entenda-se radiotelegráfica, via código Morse), no domínio da Marinha de Guerra Portuguesa, ocorreu a 16 de fevereiro de 1910, originada no posto radiotelegráfico de Vale de Zebro e recebida na Casa da Balança, no Arsenal de Marinha, na altura situado em Lisboa. O teor foi “Queira fazer o obséquio de me mandar dizer se ahi em Lisboa está a chover”. Passados dois anos, em 1912, afundava-se o paquete TITANIC, solicitando socorro com aquela tecnologia … Nos dias de hoje dispomos do acesso constante à informação e a uma perma- V 62 nente consciência situacional do contexto em que estamos inseridos, de forma rápida, fácil e económica, não só para o público em geral, mas também para as comunidades de segurança e defesa. Tudo suportado por redes de comunicações heterogéneas, com tecnologias e origens que muitas vezes o utilizador final pode desconhecer. A única constante é a mudança, e o mundo está a mudar rapidamente com as necessidades dos mercados de defesa a avançarem ainda mais rápido. Também na indústria de defesa existe a necessidade de adaptação constante por forma a garantir que as nossas soluções integradas de comunicações são adequadas para atender às exigências atuais e futuras. A inovação é a chave para enfrentar o revistademarinha.com futuro. Não surpreendentemente, na era digital deparamo-nos com um novo conjunto de tecnologias emergentes e disruptivas, talvez sem paralelo no passado, em termos de intensidade, tempo de amadurecimento e complexidade, tanto para o humano como para comunicações entre máquinas. Isso irá conduzir ao desenvolvimento de novas soluções de comando e controlo, análise e fusão de dados, de suporte à decisão, maiores níveis e meios disponíveis de automação, bem como à constante necessidade de adaptação às ameaças sistémicas emergentes. Tal cenário exige que na EID, para além de modernizarmos continuamente as nossas soluções C4I, maduras e comprovadas pelos utilizadores finais, estejamos atentos às chamadas “tecnologias disruptivas · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Ciência & Tecnologia emergentes” (EDT) também sob a ótica dos mercados de defesa e segurança. A EID continua a investir cerca de 10% da sua faturação anual em atividades internas de I&D, e cada vez mais temos parcerias com outras empresas e centros de investigação que nos permitem em modo colaborativo ter soluções mais completas para oferecer aos nossos clientes, ao nível do C4ISTAR (Comando, Controlo, Comunicações, Computadores, Informação / Inteligência, Vigilância, Aquisição de Alvos e Reconhecimento). Abordagens cooperativas e interoperabilidade também serão a chave para o sucesso. A EID está empenhada em promover e aumentar ainda mais o investimento em tecnologias inovadoras para apoiar as capacidades da defesa de última geração, explorando também a dupla natureza do desenvolvimento tecnológico (os sistemas não tripulados são um exemplo). Precisamos de novas maneiras de combinar sinergias entre as indústrias de defesa, espacial e civil. No passado a defesa era um setor impulsionador de tecnologia para o mercado civil (por exemplo, internet, links de micro-ondas, satélites, etc.). Hoje em dia, o mercado civil está a lançar as bases dessas novas tecnologias ... um tempo de mudança na forma como definimos, gerimos e alavancamos soluções de orientação nacional e internacional para a indústria; empurrando-nos para Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 Soluções integradas de comunicações nos 5 domínios. um diálogo mais estreito e colaborativo com os nossos parceiros da indústria, no sentido de estabelecer relações frutíferas e duradouras com os nossos parceiros de negócios e lidar também com o lado negativo, disruptivo, dos EDT’s. Os EDT’s têm o potencial de mudar completamente a forma como as forças militares operam. Precisamos ter a certeza de que as novas tecnologias serão benéficas e não uma ameaça. Há também o desafio de encontrar um equilíbrio entre as possibilidades permitidas pelas tecnologias dis- · revistademarinha.com ruptivas e as reais necessidades de defesa das Forças Armadas. A EID tem como objetivo continuar a ser um parceiro de segurança responsável e um fornecedor de confiança na indústria de defesa. As necessidades dos nossos clientes devem continuar no centro dos nossos requisitos de desenvolvimento fundamentais. A EID teve sucesso no lançamento e desenvolvimento de novos sistemas de comunicações militares (C4I), adequados para todos os ramos das forças armadas, atualmente ao serviço de mais de 35 países. 63 84.O Ano C2 de comunicações. No caso concreto da Marinha Portuguesa, a EID tem um histórico de 38 anos de cooperação frutífera, alicerçada por fornecimentos de diversos sistemas de comunicações, para o âmbito marítimo, terrestre e anfíbio. Alguns exemplos são os Sistemas Integrados de Comunicações - SIC (para navios de superfície e submarinos), rádios navais VLF/LF/MF/HF e rádios táticos PRC-425/GRC-525, sistema de mensagens militares MMHS STANAG 4406 (ed. 1 e 2) e Most4Ships (ACP-127), implementação do Sistema BRASS e simuladores de comunicações, entre outros. Muito importante também, é o nosso apoio de proximidade na gestão de ciclo de vida e suporte logístico integrado. Desde a década de 80 do século passado a Marinha Portuguesa é a principal referência da EID, aos níveis EU, NATO e em geral. A EID foi pioneira, em cooperação com a Marinha Portuguesa, na criação do SIC, que permite a integração, configuração, controlo e monitorização de todos os equipamentos de comunicações a bordo, sejam atuais ou futuros. Nos anos 80 e 90 do século passado os navios portugueses ao serviço da SNFL (Standing Naval Force Atlantic) eram tipicamente os responsáveis pelas comunicações da Força Naval, por terem o SIC da EID a bordo. Isto permitiu-nos ter visibilidade internacional e chegar a novos mercados, dos quais advém a maior percentagem do nosso volume de negócios. Mantemos as relações de longo prazo com todas essas Marinhas, constituindo-se também como referências credíveis para a expansão das nossas atividades internacionais. 64 O domínio da defesa apresenta um caráter transversal e integrador de diversos setores tecnológicos e representa um mercado de elevada exigência e intensidade tecnológica. A EID é um caso de sucesso, no âmbito da inovação da indústria nacional com aceitação global. Trazemos valor para Portugal a vários níveis: alta tecnologia, soberania nas comunicações, celeridade na resposta a necessidades não planeadas, capacitação e retenção de talento altamente qualificado, apoio à economia circular ao nível de fornecedores nacionais que contribuem com 70% na cadeia de valor dos produtos e soluções da EID, promoção internacional de soluções portuguesas, etc. Do presente para o futuro, no contexto específico das comunicações de âmbito naval, a EID está a desenvolver novas soluções, adaptadas para utilização em diversos cenários de operações. Além dos novos sistemas completos de comunicações evoluídas e seguras para navios, com soluções de redes multinível incorporadas, a empresa detém já também outras soluções alargadas para diversos domínios, no sentido de oferecer soluções completas de comunicações integradas aos níveis estratégico, operacional e tático. A título de alguns exemplos, sistemas integrados e completos de comunicações digitais multinível e multidominio (com capacidade de incorporação federativa) para diversos cenários, desde forças anfíbias, à sua integração “sistémica” com os navios, evoluções de estações de comunicações em terra, sistemas portáteis de suporte à edificação de comunicações autónomas revistademarinha.com a forças destacadas, sistemas de intercomunicação para viaturas blindadas e lanchas de assalto rápido, sensores (sonares rebocados e de casco, eletro-óticos, controlo de tiro, etc.), lançadores de torpedos, sistemas de comunicações subaquáticas, etc. Detemos as capacidades e conhecimentos para integrar todos os níveis de forças da Marinha Portuguesa, também sua interligação/integração com o Exército e Força Aérea, EMGFA e MDN (digitalização end-to-end), bem como em forças multinacionais e federativas, garantindo sempre a interoperabilidade, segurança e resiliência das comunicações. Estamos fortemente empenhados em sermos parte do sucesso dos nossos parceiros, atuais e futuros. As Forças Armadas Portuguesas, em particular, podem contar inteiramente com este compromisso, incluindo no trabalho conjunto no planeamento de processos de aquisição de capacidades nacionais. A EID é um caso de sucesso da indústria de Defesa em Portugal. Daqui fomos descobrir o mundo e conquistámos novos mercados. Temos orgulho neste percurso e no elevado nível de satisfação dos nossos clientes a nível global. SOBRE A EID A EID – Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Eletrónica, S.A. - é uma empresa privada fundada em 1983, uma das principais indústrias de alta tecnologia em Portugal. Com um registo comprovado e sólido know-how nas áreas de eletrónica e comunicações, a EID projeta, fabrica e fornece equipamentos e sistemas avançados e de alto desempenho, principalmente para a comunidade de defesa mundial. Temos orgulho em alcançar e entregar excelência, daí a razão de investirmos 10% do nosso volume de negócios em I&D, realizado por engenheiros de eletrónica, software e comunicações altamente qualificados. A empresa forneceu vários sistemas e equipamentos ao longo dos anos, tanto no país como no exterior. A exportação é a principal componente do volume de negócios da empresa, devido aos produtos competitivos e inovadores, bem como à flexibilidade para fornecer soluções à medida das necessidades específicas dos nossos clientes. Mais de 35 países usam as nossas soluções de comunicações. * Relações Institucionais da EID, S.A. Mestre em Eng.ª de Eletrónica e Telecomunicações [email protected] · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha História Marítima Quatro Séculos de Serviço, no Mar e em Terra O Terço da Armada da Coroa de Portugal por Jorge Semedo de Matos* o passado dia 18 de abril, completaram-se quatrocentos anos sobre a data da criação do Terço da Armada, instituindo-o com carácter permanente, como requerera D. António de Ataíde, conde da Castanheira e Capitão Geral da Armada de Portugal. D. António foi nomeado para o cargo, por Filipe III, em 1618, pelo período de três anos; e desde então que propunha a criação desta força de infantaria, para guarnecer os navios que garantiam a segurança da costa portuguesa e a rota dos Açores. No princípio do ano de 1621, deslocou-se a Madrid levando um conjunto de propostas para a armada desse ano. E, entre elas, insistia com a criação de um terço de infantaria, que sempre merecera a relutância do Conselho de Guerra, que via com maus olhos a existência de uma força militar permanente de portugueses. Porém, a utilização da infantaria a bordo dos navios tornara-se uma componente indispensável do poder naval, ganhando crescente importância com o desenvolvi- N Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 mento do armamento portátil. Os soldados guarneciam os castelos, as vergas e os cestos dos papafigos, assolando o inimigo até à abordagem, quando saltavam no convés adversário, organizados em esquadras, que combatiam corpo a corpo, com espadas, piques, pistolas e outras armas adequadas. Todas as armadas de guarda costa – e elas existiam desde o reinado de D. Manuel I – embarcavam forças de infantaria, organizadas em companhias, cujo comandante era o próprio capitão do navio, que assumia uma função dupla, merecendo a designação de “Capitão de Mar-e-Guerra”. Conduziam o navio no combate e comandavam a infantaria na abordagem ou nos combates em terra. O grave problema que tinham estas unidades de infantaria era o seu recrutamento sazonal, que os desmobilizava todos os anos, quando a armada invernava em Lisboa. Nessa altura esses soldados, privados de soldo e com prática de combate, deambulavam sem rumo, dedicando-se à pilhagem e envolvendo-se em constantes distúrbios. · revistademarinha.com E quando era necessário o recrutamento para nova armada, era sempre difícil encontrar pessoal treinado e suficientemente disciplinado, para a missão espinhosa que tinha de desempenhar. Por isso D. António de Ataíde propôs repetidamente a criação do Terço de Infantaria, esperando que isso pudesse acontecer quando foi a Madrid em 1621. Na verdade, levava um plano detalhado, com os custos e com o financiamento dessa empresa, que apresentaria ao Rei quando tivesse lugar o despacho sobre a armada. Sucede que Filipe III morreu no derradeiro dia do mês de março, ficando todas as decisões para o seu filho, que se mostrou muito diligente em todas as questões que diziam respeito ao mar e às suas armadas. Esperava terminar a trégua que, há 12 anos, mantinha com a Holanda, de forma que sabia bem como os conflitos se iriam multiplicar dentro em breve. E certamente que eles iriam afrontar as possessões ultramarinas, requerendo o uso de meios navais. Dizem-nos os apontamentos do Conde 65 84.O Ano da Castanheira que el-rei o recebeu a 18 de abril, dando provimento a tudo o que lhe foi requerido. D. António foi reconduzido no cargo de Capitão Geral da Armada – agora a título perpétuo – e recebeu instruções para levantar um “batalhão de oitocentos soldados” para a Armada, a serem pagos de verão e inverno. Nascia assim o Terço da Armada da Coroa de Portugal, que seria a primeira unidade militar constituída com carácter permanente, em Portugal. A Infantaria de Marinha, que tinha uma organização própria, adaptada ao combate a bordo e em terra, dando início a um percurso que foi atravessando os séculos e do qual os nossos fuzileiros se consideram legítimos descendentes. Naturalmente que o recrutamento de 1621 já foi feito nos novos termos, com a nomeação de D. Francisco de Almeida como Mestre de Campo, para comandar o Terço e desempenhar as funções de Almirante da Armada da Coroa de Portugal – o segundo cargo mais importante da estrutura naval. A sua primeira grande missão, contudo, só viria a ter lugar em 1624, quando foi organizada a grande expedição de socorro a S. Salvador da Bahia, conquistada pelos holandeses. Filipe IV mandou organizar uma grande armada de socorro – que ficou conhecida como a “jornada dos vassalos” – cujo comando entregou 66 a D. Fradique de Toledo Osório, Marquês de Villanueva, onde se integrou a Armada de Portugal, comandada por D. Manuel de Meneses. Os navios saíram de Lisboa a 22 de novembro de 1624, juntando-se ao contingente espanhol em Cabo Verde e seguindo para o Brasil, onde chegaram a 27 de março de 1625. Fundearam em frente da cidade ocupada, formando uma meia-lua que impedia todos os reforços ou fugas e começaram o desembarque no dia 30, Domingo de Páscoa. O Terço foi para terra no dia seguinte e tomou posição junto à porta de Santa Luzia, onde teve o seu primeiro combate, quando os holandeses tentaram forçar uma saída, que foi repelida com grande êxito. Seguiram-se cerca de 30 dias de intensas operações, onde revistademarinha.com os soldados conduzidos por D. Francisco de Almeida defrontaram o inimigo com brilhantismo, até à sua rendição a 30 de abril. A jovem unidade da Marinha cobria-se de glória na sua primeira intervenção além-mar, encetando um percurso que se repetiria em múltiplas ocasiões em que foi necessário socorrer as terras brasileiras. Na data de 1640, quando os conjurados aclamaram, em Lisboa, D. João IV como Rei de Portugal, o Terço da Armada estava no Brasil, para onde tinha viajado no princípio do ano com o Conde de Castelo Novo, que foi ocupar o cargo de Governador. A notícia dos acontecimentos chegou pouco tempo depois, e os portugueses da Bahia aclamaram o Duque de Bragança, como novo Rei de Portugal, com o Terço da Armada formado na praça de armas do Paço do Governo. Um acontecimento notável que, certamente, foi do agrado geral, mas que significava o começo da Guerra da Restauração, que iria reclamar constantemente a intervenção dos soldados da Marinha. E assim aconteceu desde os primeiros momentos, num conflito muito duro que teve lugar no mar e nas fronteiras do Alentejo e da Beira. O Terço esteve presente nas mais duras batalhas daquela guerra onde o país defendia a sua independência e o direito a ter um soberano português. Esteve na Ba· 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha História Marítima talha do Montijo, logo em 1644; na defesa de Elvas, em 1645; no ataque a Badajoz, em 1646; de novo na defesa de Elvas em 1659, desta vez num encarniçado e decisivo combate, cuja decisão desfavorável podia significar a abertura do caminho ao inimigo até Lisboa; depois disso esteve presente no Ameixial e na retomada de Évora, de 1663; e, finalmente, na derradeira batalha de Montes Claros, que marcou o término da guerra que consolidava a dinastia de Bragança, no trono de Portugal. E alternou sempre estas campanhas junto à fronteira, com os embarques anuais na armada – porque era no mar que se garantiam os meios essenciais para poder continuar a guerra –, com duas deslocações ao Brasil e participando numa operação naval luso-francesa, contra uma posição espanhola na ilha de Elba (Mediterrâneo). D. João IV morreu em 1556, deixando à rainha viúva, D. Luísa de Gusmão, a responsabilidade de conduzir a guerra com Espanha, até à maioridade do futuro Rei D. Afonso VI. E foi contra a sua vontade que cedeu uma parte do seu poder, em 1662, por pressão de alguns sectores da nobreza e do próprio príncipe. Morreu em 1666, sem ter presenciado o final do conflito e a assinatura do Tratado de Lisboa, em fevereiro de 1668, onde foi reconhecida a nova dinastia portuguesa. Porém, pouco tempo depois de assinada a paz, dar-se-ia o golpe palaciano que afastaria Afonso VI do trono, acusado de incapacidade física e mental. A regência era assumida pelo príncipe D. Pedro que incumbiu o Terço da Armada da sua guarda pessoal, guarnecendo o paço e as armadas. Por esta razão começa a ser chamado de Regimento do Príncipe, mas não é nome que alguma vez tenha sido oficializado, só perdendo a designação de Terço da Armada, com a reforma militar de D. João V, em 1707. Nessa altura teve, de facto uma reestruturação profunda, passando a designar-se Regimento da Armada e integrando-se num novo modelo de estrutura Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 militar, que seria o do século XVIII. Aliás, este Regimento de Infantaria, viria a multiplicar-se durante as décadas seguintes e, no final do século, a Marinha portuguesa tinha dois regimentos de infantaria e um de artilharia. Com quase um século de existência, iria agora entrar numa nova era, com significativas alterações nas características dos navios e da organização para os combates navais. Mas não perdia importância a utilização da infantaria, mantendo as funções que lhe cabiam anteriormente, no combate naval e no desembarque, quando o poder dos navios tinha de ser projetado para terra. No final deste século, esta organização de vários regimentos foi unificada na Brigada Real de Marinha, criada em 1797. Foi o seu primeiro Inspetor o grande almirante Marquês de Nisa, que partia para o Mediterrâneo, poucos meses depois desta nomeação. Não vou detalhar a história da Brigada Real de Marinha, nem das unidades que lhe sucederam, no século XIX, limitando- · revistademarinha.com -me a dizer que ele espelhou o declínio que a Marinha veio a ter depois das invasões francesas e das guerras liberais. A Brigada Real de Marinha foi formalmente extinta em 1836, sendo criado um Batalhão Naval que, em 1851, dava lugar ao Corpo de Marinheiros Militares. Foi desta unidade que saíram todas as forças expedicionárias da Marinha que estiveram nas campanhas de ocupação e pacificação africanas e na Grande Guerra. Mas o fio condutor que vinha do tempo de D. António de Ataíde diluiu-se por diversas vezes, só voltando a ser retomado em 1961, com a reativação dos fuzileiros. Agora preparados e treinados para as guerras que começavam nos teatros africanos de Angola, Moçambique e Guiné. São os mesmos fuzileiros que a Marinha ajustou ao novo contexto político-militar posterior a 1974, prosseguindo a capacidade de projeção do poder naval português, do mar para a terra, determinante em qualquer marinha do mundo. * [email protected] 67 84.O Ano Duas Unidades Navais da Kriegsmarine na parada naval de 1938 por António Abreu* 1. INTRODUÇÃO A Marinha do III Reich, designada por KRIEGSMARINE, teve o seu “Despacho 100” em 1935 pela “Lei para a reconstrução das Forças Armadas Alemãs”. Ao abrigo dessa lei a Marinha Alemã foi reconstruída e em agosto de 1938 realizou uma parada naval em Kiel, em que participaram as unidades navais construídas ao abrigo dessa Lei. O bilhete postal ilustrado alemão, apresentado abaixo, apresenta um aspeto do desfile Naval então realizado. No lado onde se escreve a mensagem o postal apresenta duas marcas postais: uma circular, a marca do dia “-6.12.43.??”; e a outra retangular “Feldpost”, que garantia o direito do remetente à isenção de taxa postal, comprovando que era alguém colocado no Serviço Militar. Estas duas marcas correspondiam ao que se pode designar por selos postais militares fixos. A imagem, no verso apresenta uma fotografia em que se vê ao fundo um navio a desfilar, da esquerda para a direita, com o número “51” pintado no flanco direito; em primeiro plano e num outro navio, temos a guarnição, de costas, com o fardamento de verão da Marinha Alemã, e que se encontra perfilada a assistir ao desfile naval. 2. AS MARCAS POSTAIS E O REMETENTE 2.1. “Feldpost” Durante a II Grande Guerra Mundial, as internet “http://www.militaria-datenbank. com/”. Foi assim possível identificar os dizeres da inscrição, que correspondem, a Kommando 1.Schiffsstammabteilung (Comando Centro de Instrução Naval n.º1) na parte superior; e a Briefstempel (Carimbo postal) na parte inferior. Insignia da Kriegsmarine. unidades militares do III Reich, estavam dotadas com uma marca de carácter postal que, quando aplicada na correspondência, garantia o direito do remetente à isenção de taxa postal, comprovando que era alguém colocado no Serviço Militar. São inúmeros os modelos e as variedades com diferentes dizeres, pois, para meu espanto, não estavam normalizadas. O modelo aplicado neste postal consta de um retângulo ao alto, de 49 x 35 mm, com cantos arredondados, contendo no seu interior, na parte superior, a palavra “Feldpost” (correio de campanha) em letras góticas; e na parte inferior, ocupando cerca de dois terços de toda a área, um elemento circular, de 29 mm de diâmetro, com a águia alada no centro, segurando a suástica nas garras. Inscrito no interior do círculo está a identificação do estabelecimento militar bem como o tipo de marca postal, tudo também escrito em letras góticas. Dada a pouca nitidez da marca aplicada neste postal, confirmei a identificação da inscrição, com um exemplar mais nítido do selo fixo postal militar, obtido no site da Frente do Bilhete Postal Ilustrado com marca postal “Feldpost” e marca do dia. 68 2.2. A marca do dia A marca do dia é muda (não tem identificação do local por questão de segurança), de duplo círculo com a data inserida num retângulo inscrito no círculo interior de 19 mm de diâmetro, sendo o do círculo exterior de 28 mm. A data é toda numérica do tipo “dia.mês.ano.hora”, com dois dígitos para cada elemento, indicando no postal em apreciação “-6.12.43.-??” (a palavra manuscrita “Feldpost” não permite distinguir os dígitos da hora). 2.3. O Remetente e o texto O Remetente identifica-se (na parte superior direita e invertido) como “Matrose Hans Rottner“, com a direcção “3./1.S.St.A.” isto é, “3./ 1. Schiffs. Stamm. Abteilung (3.ª Companhia do Centro de Instrução Naval n.º 1). O postal foi escrito de “Kiel, Fried.ort”, isto é, Friedrichsort (em Friedrichs), (quebra da segurança) onde se situava o Centro de Instrução, no dia 5 (de dezembro de 1943), e é dirigido ao Pai, Schütze Heinz Rotter, em Emmerich. Também manuscrito, mas fora do texto principal (no lado direito e na vertical), é feito o pedido “Bitte, Karte aufheben!!!” (Por favor, guardar o Postal!!!), o que se verificou. Guarnição perfilada, assistindo ao desfile do destroyer nº 51. revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha História Marítima 3. O DESFILE NAVAL DA KRIEGSMARINE EM 22 AGO 1938 Embora o bilhete postal tenha as margens aparadas, consegui a identificação da imagem, após uma pesquiza na net. Considerando o fardamento e a postura dos marinheiros identifiquei o Desfile Naval de 22 de agosto de 1938, efectuado no dia do lançamento à água do cruzador pesado PRINZ EUGEN. Nesta ocasião Adolf Hitler visitou o futuro navio almirante, o couraçado GNEISENAU. Contudo, o Fürhrer assistiu ao desfile naval a bordo do yacht governamental, o GRILLE, que ficou ancorado num local abrigado. 3.1. O navio n.º 51 (destroyer) Na lista de destroyers da Kriegsmarine que participaram na parada naval em apreço, consta um com o número 51 pintado na amura, o DIETHER VON ROEDER. O navio só entrou formalmente ao serviço em 29 de agosto de 1938, isto é, na semana seguinte à parada naval. Da curta e ativa história desta unidade regista-se o seguinte: DIETHER VON ROEDER Início const.: 09 – 09 -1936 Lançamento: 19 – 08 - 1937 Entrada ao serviço: 29 - 08 - 1938 Eventos: Oct.1939. Patrulhamento no Atlântico numa força conjunta com o Couraçado GNEISENAU e outros navios. 8 abr 1940. Participa na invasão da Dinamarca e da Noruega. Destino final: 13 abr 1940. É afundado por destroyers ingleses com a perda de 16 tripulantes. Comandante (único): Erich Holtorf de ago 1938 a abr 1940. O nome foi atribuído em memória do Capitão-Tenente Diether von Roeder, Comandante da 13ª Flotilha de Torpedeiros, morto em combate a 10jul1918, a bordo torpedeiro S66. 3.2. O couraçado GNEISENAU Para o desfile, o couraçado GNEISENAU fundeou no Fiorde de Kiel. A bordo esteve a assistir à parada naval o regente da Hungria, Almirante Nikolaus von Horthy que se encontrava de visita oficial á Alemanha. Este couraçado e o navio gémeo SCHARNHORST foram construídos no seguimento da aprovação da “Lei para a reconstrução das Forças Armadas Alemãs”, de março de 1935. Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 O GNEISENAU foi construído pelos Estaleiros Deutsche Werke, de Kiel, e o navio gémeo SCHARNHORST pelos Estaleiros Kriegsmarine Werft, de Wilhelmshaven. Da curta história destes dois couraçados regista-se o seguinte: Comandante inicial: KzS Otto Ciliax de 07-01-1939 a set 1939. Durante o seu período de vida, os dois navios atuaram em conjunto na maior parte do tempo, tendo realizado, com sucesso, operações no Atlântico Norte e foram GNEISENAU os únicos couraçados que afundaram um Início const.: 06/ 05/1935 porta-aviões em operações (o HMS GLOLançamento: 08/12/1936 RIOUS). Entrada ao serviço: 21/ 05/1938 Os nomes atribuídos a estes dois couraEventos: çados recordavam a memó– Submetido a alterações ria de dois brilhantes oficiais significativas, em jul - ago 1939. prussianos do período das – Participou na invasão da Guerras Napoleónicas: Noruega em 1940. August Wilhelm Anton – A 8 jun 1940, em comGraf Neidhardt von Gneisepanhia do SCHARNHORST nau, Comandante Supremo afundou o porta-aviões britâdo Exército Prussiano; nasceu nico HMS GLORIOUS. a 27 de outubro de 1760, em – Na noite de 27 fev 42, Schildau, perto de Torgau, na em Kiel foi severamente actual Alemanha; e morreu a bombardeado, nunca sendo 23 de agosto de 1831 em PoA. W. von Gneisenau. concluídos os trabalhos de sen, na atual Polónia. recuperação. Gerhard Johann von Destino final: Afundado Scharnhorst, Ministro da para o bloqueio do porto de Guerra; nasceu a 12 de noGdynia em mar 1945 vembro de 1755, em BorComandante inicial: KzS denau, Hanover na actual Friedrich Förster de 21-05Alemanha; e morreu em 28 1938 a nov 1939. de junho de 1813, em Praga, capital da atual República SCHARNHORST Checa. Início const.: 14/ 02/1934 * [email protected] G. J. von Scharnhorst. Lançamento: 03/05/1936 Entrada ao serviço: 07/01/1939 OBSERVAÇÃO: Eventos: Adaptação de artigo publicado no n.º 435 da Revista do Clube Filatélico de Portugal. – Submetido a alterações significativas, em jul - ago 1939. – Participou na invasão da Noruega em BIBLIOGRAFIA 1940. Internet – Wikipedia, the free encyclopedia – A 8 jun 1940, em companhia do – http://en.wikipedia.org/wiki/List_of_Kriegsma SCHARNHORST afundou o porta-aviões rine_ships britânico HMS GLORIOUS. – http://www.scharnhorst-class.dk/gneisenau/ Destino final: Afundado pelo Inimigo gallery/gallgneisefleetparade.html em 26 dez 1943. – “http://www.militaria-datenbank.com/”. O destroyer Z17 - “Diether Von Roeder”. · revistademarinha.com 69 84.O Ano O Regresso da Nau VICTORIA e a Confirmação da Circum-Navegabilidade da Terra por José Manuel dos Santos Maia ernão de Magalhães é o mais conhecido navegador da História universal. Apesar do seu nome ter ficado ligado à primeira circum-navegação do globo terrestre, importa referir que este facto nunca foi o objetivo da sua viagem, nem sua intenção demonstrar a esfericidade da terra. Após o regresso a Portugal de Magalhães, que durante a sua comissão na Índia viajou até Malaca, e lá assistiu à partida da primeira Armada portuguesa para uma expedição a Maluco, juntou-se a Rui Faleiro e foram para Sevilha oferecer-se à Casa de Contratación de Castela, após recusa dos seus seviços pelo monarca português. Quando a frota de cinco navios, comandada pelo português Fernão de Magalhães, partiu de Sanlúcar de Barrameda, a 19 de setembro de 1519, tinha como objetivo provar que as Ilhas de Maluco não tinham caido dentro do hemisfério reservado a Portugal, pelo Tratado de Tordesilhas (1494), mas sim a Castela e, sobretudo, descobrir a passagem que liga o Atlântico ao Pacífico, provando a circum-navegabilidade dos oceanos sem cruzar águas portuguesas, cumprindo assim as ordens de Carlos V. O extraordinário mérito de Fernão de Magalhães está na fantástica travessia do Pacífico, por ninguém antes tentada. Enquanto Vasco da Gama beneficiou, na descoberta do caminho marítimo para a Índia, do apoio de pilotos muçulmanos depois de dobrar o Cabo da Boa Esperança, Magalhães só dispunha de conhecimento até ao rio da Prata. A partir daí percorreu um larguíssimo mar desconhecido, que chamou de Pacífico, até atingir as ilhas de São Lázaro, mais tarde conhecidas como Filipinas, tendo usado a experiência e o método racional, partindo do princípio que o regime de ventos deveria ser semelhante ao do Atlântico. A viagem de regresso a Espanha deveria ser de volta pelo Pacífico mas, na sequência da morte de Magalhães nas Filipinas(1), foi praticamente em desespero de causa que Sebastián Elcano, Comandante da nau VICTORIA, uma das duas que restavam das cinco que partiram de Sanlúcar de Barrameda, decidiu que o regresso de F 70 Nau VICTORIA. Maluco a Espanha seria feito pela rota portuguesa (Cabo da Boa Esperança). A nau capitânia, TRINIDAD, sob o comando de Gonzalo Gomez de Espinosa, ainda tentou atingir o Panamá, sem sucesso, sendo obrigada a regressar a Maluco e a render-se aos portugueses. Com 60 homens e um porão carregado de cravinho, a VICTORIA aportou na ilha de Timor, que ainda não era protetorado português. Elcano tinha o desafio de chegar a Espanha sem ser intercetado pelos portugueses. Assim, em fevereiro de 1522, parte rumo ao cabo da Boa Esperança. Especiarias como o cravinho e a noz-moscada eram mercadorias preciosas na Europa. As árvores tropicais nativas das Molucas eram as únicas fontes. revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha História Marítima (Espanha); Nicollo Napolés (Itália); Francisco Rodrigues (Portugal); Juan Rodríguez de Huelva (Espanha); Miguel Sánchez de Rodes (Rodes); Juan de Arratia (Espanha); Juan de San Andrés (Espanha); Diego García (Espanha) e Juan de Zubileta (Espanha). Um mapa de 1545 onde está traçada a rota da viagem de Magalhães. Após nove semanas de navegação em zona de influência portuguesa, dobraram o Cabo das Agulhas, o ponto mais meridional de África, entrando no Atlântico Sul. Cinco meses após saírem de Timor, chegaram a Santiago, em Cabo Verde, com o intuito de adquirirem alimentos, forçados pelo escorbuto. Elcano enviou homens a terra sob o pretexto de que era um navio espanhol que foi apanhado por uma tempestade e se desviou, no regresso das Antilhas. A farsa durou pouco tempo pois a VICTORIA foi identificada como sendo da frota de Magalhães, o que o levou a zarpar, deixando Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 em terra uma dúzia de companheiros. Finalmente, a 6 de setembro de 1522, ao fim de dois anos, onze meses e dezassete dias de atribulada viagem, aportaram a Sanlúcar de Barrameda 18 homens a bordo da VICTORIA. Sobreviveram à grande viagem: Juan Sebastián Elcano (Espanha); Antonio Pigafetta (Itália); Francisco Albo (Rodes); Miguel de Rodes (Rodes); Juan de Acurio (Espanha); Martín de Judicibus (Itália); Hernando de Bustamante (Espanha); Juan Martín (Espanha); Diego Gallego (Espanha); Antonio Hernández Colmenero · revistademarinha.com É de salientar que, além do erro de um dia, que causou grande admiração a Elcano em Cabo Verde, resultado das navegações terem sido feitas de Este para Oeste, ficou desvendado o mistério de que seguindo para Ocidente um navio atrasa uma hora a cada 15º de longitude. Em suma, torna-se importante salientar que se a Magalhães foi dado o mérito da travessia do Pacífico, a Elcano foi destacado o talento de ter conduzido a nau VICTORIA por uma rota, também ela desconhecida, que não cruzasse qualquer posição dos portugueses no Índico e no Atlântico. Com a chegada a Sevilha deu-se por concluída a primeira volta ao mundo da História da Humanidade e com este feito ficava confirmada a circum-navegabilidade da Terra. NOTA: (1) Luís Filipe Thomaz, “O Drama de Magalhães” e “Fernão de Magalhães e Sebastião de el Cano”, O drama de Magalhães e a volta ao mundo sem querer. Seguido de um Museu dos Descobrimentos: porque não?, 2ª Edição, Lisboa, Gradiva, 2019, pp. 9-32. 71 84.O Ano O Galeão Mecânico de Augsburgo por João Rodrigues Gonçalves* sta peça de relojoaria, um nef, era um artefacto verdadeiramente mágico para a época em que foi construído. Nef deriva duma palavra francesa que se referia a uma “nau”, era um ornamento de mesa em forma de um navio, extravagante e rico, normalmente em metais preciosos, provido de automação e relógio. Com a forma dum galeão medieval, foi concebido em 1585 por Hans Schlottheim (1545-1625), em Augsburgo, no sul da Alemanha e era uma maravilhosa peça de relojoaria, uma máquina espetacular, que servia para chamar para o jantar os convidados da corte de Augusto I, Eleitor da Saxónia. O pequeno espetáculo começava com uma música produzida por um órgão miniatura guardado dentro do casco, toques de tambor e um cortejo de figuras animadas desfilava junto ao castelo de popa. No cortejo estavam representados Augusto e outros seis príncipes-eleitores a apresentarem-se ao imperador Romano-Germânico Maximiliano II. O navio deslocava-se sobre umas rodas invisíveis ao longo da mesa, parando com grande alarde final, quando um tiro de canhão era dado automaticamente, enquanto incendiava um rastilho que provocava o disparo dos restantes canhões. No seu interior existiam três mecanismos de relojoaria, movidos a corda de mola. Um operava o relógio, o segundo fazia funcionar a música e a percussão, e o terceiro mecanismo de relojoaria impulsionava o galeão sobre a mesa. Toda a animação era controlada por um grande tambor preso lateralmente ao casco. Uns foles forneciam ar ao órgão que produzia a música. O nef teve vários donos e no séc. XIX foi parar às mãos dum antiquário, historia- E 72 dor e político britânico, muito apreciador de mecanismos e automatismos, Octavius Morgan, que foi um dos maiores benfeitores do Museu Britânico, e que ofereceu o nef ao Museu em 1866. revistademarinha.com Esta maravilhosa obra de arte e relojoaria pode hoje ser admirada no Museu Britânico, em Londres. * [email protected] · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Vessel Traffic Services (VTS) Segurança e Monitorização em tempo real no Controlo de Trafego Marítimo. indracompany.com 84.O Ano O cargueiro MADEIRENSE (1962) por Luís Miguel Correia* navio de carga e passageiros MADEIRENSE, de 1962, foi o segundo com este nome a integrar a frota da ETF – Empresa de Transportes do Funchal / ENM – Empresa de Navegação Madeirense, e um dos mais populares navios mercantes construídos para servir a ilha da Madeira no século XX. Durante 28 anos assegurou a linha Funchal – Lisboa, transportando carga, bananas e outras frutas de exportação local para o Continente. De Lisboa, o navio regressava com carga geral e automóveis, O andando sempre com a lotação de 12 passageiros completa. Era um navio muito elegante, com construção robusta, desenhado à medida das necessidades do mercado madeirense, concorrendo com sucesso com os bananeiros da Empresa Insulana GORGULHO e MADALENA, os quais, juntamente com os FUNCHALENSES (o de 1953 e depois de 1968, o novo), asseguravam a linha da Madeira conhecida como Banana Line. De 1990 a 1996 serviu a carreira do Porto Santo, sendo modificado com a ampliação da lotação para passageiros. Este belo grande pequeno navio marcou uma época, tanto em Lisboa como em àguas insulares, e descansa desde há 21 anos no fundo do mar frente a Vila Baleira, Porto Santo, transformado num recife artificial muito apreciado para mergulho. * Historiador Naval e Fotógrafo Diretor da EIN-Náutica Apartado nº 3115 1302-902 LISBOA [email protected] http://lmcshipsandthesea.blogspot.com MADEIRENSE (1962 – 2000) Características técnicas: Navio de carga refrigerada e passageiros a motor, construído de aço, em 1961-1962. Nº Lloyd's: 5216587. Nº oficial: A 551. Indicativo de chamada: CSLB. Porto de registo: 74 Funchal (registado na Capitania do Porto do Funchal a 17-07-1962). Arqueação bruta: 1.308 tons; Arqueação líquida: 859 tons; Porte bruto: 916 tons; Deslocamento máximo: 1.665 tons; Deslocamento leve: revistademarinha.com 749 tons. Capacidade de carga: 3 porões servidos por 2 escotilhas, com 2.432 m3, incluindo 53 m3 em câmaras frigoríficas. Comprimento ff.: 70,30 m; Comprimento pp.: 62,60 m; Boca: 11,00 m; Pontal: · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Despacho 100 6,05 m; Calado: 4,10 m. Máquina: 1 motor diesel Werkspoor de 8 cilindros, modelo TMABS 398, com 1450 bhp a 250 rpm; 1 hélice. Velocidade: 12,3 nós (13,3 nós de velocidade máxima). Passageiros: 12 em 6 camarotes. Tripulantes: 17. Navio gémeo: FUNCHALENSE (1968). Custo: 18.490.000$00. História: O MADEIRENSE foi construído pelos Estaleiros Navais de S. Jacinto, em S. Jacinto, Aveiro (construção nº 56) com projeto do Engº c. n. Fernando Campos de Araújo, por encomenda da Empresa de Transportes do Funchal, para a carreira Funchal – Lisboa, transportando bananas, carga geral e passageiros. O contrato de encomenda foi assinado a 14-05-1960. A quilha foi assente na carreira de construção a 26-04-1961, e a 5-04-1962 procedeu-se ao lançamento do MADEIRENSE à água. Entrega ao armador a 11-07-1962, em Aveiro, de onde largou, a 13-07, para o Funchal, onde entrou pela primeira vez a 16-07. O MADEIRENSE recebeu a 18-071962, a visita do Presidente Americo Tomás, e do Ministro da Marinha, Fernando Quintanilha. A 21-07, o MADEIRENSE fez uma viagem do Funchal ao Porto Santo por ocasião da visita oficial do Presidente da República àquela ilha, a 22-07-1962, Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 largou do Funchal na primeira viagem a Lisboa (estadia de 24 a 29-07), substituindo o MADEIRENSE (I), que em 1961 se passara a chamar ILHA DA MADEIRA. Utilizado em viagens regulares com rotação quinzenal e saídas semanais de Lisboa e do Funchal, em conjunto com o FUNCHALENSE (II) até 1968, e com o seu gémeo FUNCHALENSE (III) a partir de 1968 e até 1984, sempre com passageiros, carga geral e frutas, com destaque para as bananas. Anualmente eram feitas cerca de 26 viagens redondas a Lisboa, exceto em 1978 quando o MADEIRENSE só completou 22 viagens por ter imobilizado, de 16-07 a 23-09-1978, na sequência de uma greve da tripulação durante 69 dias. De 1964 a 1975, o MADEIRENSE fez ainda viagens Funchal – Porto Santo – Funchal, nos meses de Verão, às quartas-feiras, para transporte de passageiros, no total de 35.193 pax. De 1962 a 1982, inclusive, o MADEIRENSE completou 522 viagens a Lisboa, transportando 577.024 tons de carga e 10.255 passageiros. A partir de 1983, com a utilização dos porta-contentores PICO DO CASTELO (I) e PICO RUIVO, o serviço de carga e passageiros perdeu importância passando a periodicidade quinzenal em 1984, com o MADEIRENSE e o FUNHALENSE a faze- · revistademarinha.com rem, cada um, uma viagem mensal. De 7-02-1987 a 24-06-1988, o MADEIRENSE permaneceu em Lisboa (Doca de Alcântara) em situação de imobilização comercial, após o que recomeçou as viagens regulares ao Funchal, até que, de 18-12-1989 a 3-03-1990 voltou a ficar imobilizado em Lisboa. De 3 a 19-03-1990, o MADEIRENSE completou as últimas viagens na linha Funchal – Lisboa. A 12-03-1990 foi vendido à Porto Santo Line – Transportes Marítimos, Lda., por 25.000 contos (registado na Capitania do Porto do Funchal a 28-06-1990. Nº oficial: A 851), inaugurando a carreira Funchal – Porto Santo a 5-04-1990. De 2204 a 1-06-1991, o MADEIRENSE esteve pela última vez em Lisboa, em reparação e modernização (Lisnave Rocha), sendo a lotação de passageiros aumentada para 120. A 26-06-1992 o MADEIRENSE alterou o registo para navio de passageiros (navegação costeira nacional, Nº oficial: A 856), fazendo a carreira do Porto Santo até 16-10-1996, data em que ficou imobilizado no Funchal até 19-01-1999, quando seguiu para o Porto Santo, onde foi preparado para ser afundado, tornando-se um recife artificial e atração turística, após ser afundado a 21-10-2000, tendo o registo sido cancelado nesta data. 75 84.O Ano A Inteligência Artificial e os Transportes Marítimos por António Balcão Reis* Parque de contentores do Terminal XXI (Sines). presença dos sistemas informáticos na logística dos transportes marítimos e a confiança com que são usados os mais variados programas informáticos na sua gestão são dados adquiridos. Já constitui uma experiência normal seguirmos no nosso computador ou telemóvel a derrota do voo de familiares ou amigos, bastando normalmente identificar o nº do voo e com idênticos procedimentos podemos visionar a posição de um navio e a sua derrota. Possivelmente ficaremos surpreendidos pela elevada concentração de navios em determinados pontos de passagem ou nas entradas e saídas de portos. Para evitar eventuais incidentes ou acidentes e auxiliar as tripulações já existem serviços especiais que em tempo real, e em regime permanente, monitorizam todo o tráfego marítimo. A nível nacional a Autoridade Nacional de Controlo de Tráfego Marítimo - DGRM, munida do Sistema de Controlo de Tráfego (VTS - Vessel Traffic Service), acompanha o tráfego marítimo, permitindo-lhe … acautelar situações de aproximação excessiva entre navios, aproximação excessiva de navios à costa ou a outros perigos, potenciais incumprimentos dos sistemas de roteamento implementados, acompanhamento de navios em situação de avaria, ou em operações especiais, etc. O sistema presta ainda inestimável auxílio, entre outras, em A 76 operações de Busca e Salvamento, combate à poluição, monitorização de atividades ilícitas e investigação de acidentes. A MONITORIZAÇÃO DOS CONTENTORES A sofisticação alcançada nos sistemas de gestão dos parques de contentores é enorme. Em rigor a gestão começa na implantação do parque e na organização e racionalização do espaço disponível, nalguns casos dramaticamente escasso, uma constante nos portos mais antigos, encravados e limitados pela adjacente área urbana. A posição dos contentores, bem como as entradas e saídas do parque e as movimentações no seu interior podem ser seguidas em tempo real, com base na aquisição e registo dos dados relativos à localização geográfica, podendo ter associada informação sobre os meios de movimentação disponíveis. O posicionamento dos contentores no parque é tudo menos aleatório. Ao serem posicionados, entre outros fatores, terá que ser ponderada a sua futura movimentação, eliminando ou reduzindo ao mínimo os “reposicionamentos” (reshuffles), movimentações em cadeia em que para alcançar um contentor se torna necessário movimentar outros (quantos?). O problema repete-se no revistademarinha.com posicionamento a bordo com a agravante da necessidade de assegurar a estabilidade do navio. A posição mais conveniente (de mais fácil acesso e movimentação) e a mais segura poderão ser antagónicas. Terá que ser dada sempre prioridade à segurança, designadamente à estabilidade do navio. A localização dos contentores e o seu seguimento ao longo da viagem, seja ela de simples transferência de um porto para outro ou a complexa derrota de uma afastada origem para um longínquo destino com uma ou mais baldeações (transhipments) podem ser assegurados fixando no contentor um pequeno circuito eletrónico (constituído por chips e outros componentes), que nos dê em tempo real as coordenadas do contentor. Mas a localização do contentor, poderá ser só uma parte do que necessitamos conhecer. Quais as condições e a situação da carga, especialmente com contentores frigoríficos e cargas perecíveis? Circuitos eletrónicos um pouco mais complexos permitirão adquirir dados, tais como por exemplo a temperatura e a humidade. Importante seria ter informação que acompanhasse o evoluir da situação e prevenisse o degradar da situação, interpretando as variações e a evolução das temperaturas, e outras variáveis, criando espaço para uma eventual intervenção atempada ou, em termos de segurança, · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Transportes & Logística antecipar condições propícias a fraudes, ao desencaminhamento de contentores, a avarias intencionalmente provocadas ou a roubos do conteúdo ou do inteiro contentor. Aqui já poderá haver espaço e justificação para falarmos de Inteligência Artificial (IA) ou (Artificial Intelligence – AI) INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (IA) Não é fácil definir o que seja inteligência, mas se não entendemos o que seja inteligência, teremos dificuldade em alcançar o significado de IA e, mais ainda, fazer a ligação desta ao nosso exemplo dos contentores. Numa definição clássica, entende-se inteligência como …a faculdade de conhecer, compreender, raciocinar, pensar e interpretar. Também podemos definir inteligência como … a capacidade de alcançar novos resultados através da ponderação de dados conhecidos. Por isso dizemos que só tendo memória, e sabendo usá-la, se é inteligente. Em 1983, Howard Gardner, estabeleceu a Teoria das Múltiplas Inteligências, considerando diferentes tipos de inteligência, que o senso comum identifica, entre outras, como lógico-matemática, musical ou corporal-cinestésica. A IA é uma categoria de inteligência diferente, pertencendo à ciência informática. Através de mecanismos e dispositivos tecnológicos tende a simular o raciocínio humano. A IA, entre outras, tem a capacidade de prever comportamentos e processos. Com base na análise de um conjunto de dados organizados é possível identificar comportamentos tipo e estabelecer previsões, ou seja, com base em dados históricos, antecipar situações e acontecimentos futuros. Consultando registos, são identificados parâmetros que estando presentes em anteriores casos conduziram a determinadas situações. Conhecendo os dados, compreendendo-os, raciocinando e inter- Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 Terminal de contentores de Leixões. pretando, ou seja, num ato de inteligência, é possível antever que se venha a verificar uma determinada situação. A primeira dificuldade está na correta escolha dos dados e parâmetros associados a que se seguirá a correta dedução ou interpretação da cadeia de consequências. É fácil entender como seja importante a recolha de dados. Assim nasce o conceito de big data, que podemos traduzir por mega dados, mas que ultrapassa em muito a noção de grande volume de dados. Big data é já uma … área do conhecimento que estuda como tratar, analisar e obter informações, a partir de enormes conjuntos de dados. Não chega ter dados. É essencial saber processá-los para obter informação. Na posse de um enorme volume de dados, a big data, ordenando-os, relacionando-os, interpretando-os, consegue não só tirar conclusões como antecipar situações. Com parâmetros certos e os algoritmos adequados e corretos, a IA vai dar-nos as respostas desejadas, em tempo útil, eventualmente até em tempo real. · revistademarinha.com A vantagem da IA reside na capacidade de gerir uma enorme massa de dados e de estabelecer as relações lógicas suscetíveis de conduzir em intervalos de tempo mínimos a previsões crescentemente robustas e fiáveis. Concluindo, e voltando aos contentores, usando a IA podemos identificar riscos e prevenir acidentes, em particular para cargas frigoríficas, ou se assíduas e injustificadas movimentações nas imediações do contentor antecipam ações ilícitas, e quais. Com os grandes desenvolvimentos computacionais anseia-se que os computadores possam "pensar" exatamente como os humanos, ou mesmo reproduzir emoções e sentimentos. António Damásio, ao considerar as emoções e sentimentos, como pertencentes a uma diferente categoria, é cético em relação a uma tal conquista. Pessoalmente espero que tenha razão. * António Balcão Reis C/ Alm. Eng. Const Naval, ref Membro da Secção de Transportes da SGL [email protected] 77 84.O Ano O que mais Poderá a Contecer no Mar? Parte II por OTO* último ano, como se sabe, trouxe graves inconvenientes ao negócio marítimo, decorrentes da pandemia COVID 19 que se tem vivido, nomeadamente para efetuar as rendições das tripulações dos navios e plataformas de exploração petrolífera. Contudo, não poderá deixar de ser notória a quantidade de acidentes marítimos que por este mundo se tem verificado. Muitos, variados e alguns bem estranhos; nesta Parte II julgo que será interessante listar uns quantos. E aqui ficam bem expressas questões que têm a ver com a obtenção de maior rentabilidade do negócio marítimo, mas que em nada ajudam a melhorar a segurança a bordo. O 78 A 3 de Junho de 2021, no porto de Kaohsiung, em Taiwan, o navio OOCL DURBAN, um grande porta-contentores de 316 metros de comprimento, sem qualquer carga a bordo, que estava em manobra de aproximação ao cais nº 66, ao passar em frente ao cais nº 70 descai para cima do navio nele atracado, o YONG HUNG, em operação de carga e descarga de contentores, e desliza raspando o seu costado. Como resultado deste movimento o navio OOCL DURBAN embate na lança de uma das duas gruas em operação no navio YONG HUNG e arrastando-a provoca o seu colapso para cima do cais, assim como provoca sérios danos na segunda grua. Para além do pânico e confusão gerados revistademarinha.com no cais, e danos materiais nas duas gruas, 30 a 50 contentores ficaram danificados. Contudo o navio YONG HUNG não sofreu danos significativos assim como não houve trabalhadores sinistrados, a não ser um com ferimentos ligeiros numa perna. Mas, para que não se diga que em Portugal nunca nada acontece de insólito, será de referir que, no dia 31 de Março de 2021, o M/S IONIC HAWK, navio de 34 mil toneladas, com 180 metros de comprimento e registado nas ilhas Marshall, navegando no Rio Tejo, cerca das 17H00 locais embateu no pilar Sul da Ponte 25 de Abril raspando a sua proa na base do pilar. O acidente / incidente terá ocorrido quando o navio manobrava para fundear num ancoradouro a · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Segurança Marítima jusante da ponte. A comunicação social não deu mais detalhes deste evento, que acabou por passar quase despercebido. Felizmente deste incidente não há … a registar vítimas nem aparentes danos estruturais na ponte, de acordo com o comunicado da Autoridade Marítima Nacional, tendo o navio ficado fundeado para vistoria técnica. São exemplos de acidentes e incidentes que ocorreram com navios. Claro que é indiscutível que isto só acontece a quem anda no mar. Mas teremos de concordar que são casos insólitos e que numa primeira análise poderiam ter sido evitados. E em todos eles estão presentes questões que tem sido abordadas e analisadas nestas crónicas, e que terão certamente responsabilidade na origem destes acontecimentos. E será de relembrar: – as consequências de acidentes com navios de grande ou mesmo excessiva dimensão; – as reduzidas tripulações dos navios com os inerentes baixos tempos de descanso; – as tripulações com nacionalidades e línguas diferentes, e com preparação e conhecimento dos equipamentos do navio por vezes duvidoso; – a confiança excessiva que está im- Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 plantada na maioria dos tripulantes, de que todas as inovações tecnológicas, só por si, resolvem os problemas a bordo; – ou a pressão existente para que os navios tenham o menor tempo de estadia possível nos portos com a consequente necessidade de rapidez na estiva da carga. Enfim, todas estas são questões que tem a ver com a obtenção do maior rendimento no negócio marítimo, que se · revistademarinha.com compreendem numa óptica apenas economicista. Mas que como se pode verificar nestes exemplos não ajudam nada a melhorar a segurança de tripulantes e de navios operando no mar. * [email protected] NOTA: O autor não segue o novo A.O. 79 84.O Ano O Mar e as Leis por Pedro Carvalho Esteves* território português, constitucionalmente delimitado … abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira, encontrando a sua extensão territorial no Mar, garantindo a Portugal - enquanto país costeiro dotado de uma extensa costa marítima - um conjunto de poderes de jurisdição e soberania sobre as águas do mar que lhe são afetas por força do Direito Internacional Público. “A lei define a extensão e o limite das águas territoriais, a Zona Económica Exclusiva e os direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos.” – Assim reza o Artº 5º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, numa norma constitucional delimitadora dos limites das águas territoriais, a Zona Económica Exclusiva (ZEE) e os direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos, desenvolvida pela Lei nº 34/2006, de 28 jul – lei esta que se encontra inalterada desde a sua publicação. O Artº 2º desta Lei dispões que “são zonas marítimas sob soberania ou jurisdição nacional as águas interiores, o mar territorial, a zona contígua, a Zona Económica Exclusiva e a plataforma O 80 continental”, desenvolvendo, nas normas seguintes, os conceitos. Mas, o legislador português, ciente da dificuldade que é a gestão de um espaço amplo e aberto, remeteu a interpretação das disposições da referida lei para uma interpretação conforme aos princípios e normas do direito internacional público, designadamente os previstos na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). A propósito, o Direito Internacional Público, constante de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna portuguesa após publicação em Diário da República. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, na gíria conhecida como Convenção de Montego Bay, ficou concluída em 10 dez 1982 e foi assinada por Portugal na mesma data, tendo entrado na ordem jurídica internacional em 16 nov 1994. A CNUDM foi só ratificada pela Assembleia da República – nos termos dos exigentes preceitos da ratificação para aprovação de convenções internacionais – em 3 abr 1997, tendo a Resolução da Assembleia da República n.º 60-B/97 sido publicada em 14 out do mesmo ano. Porrevistademarinha.com tanto, o mais importante instrumento de organização do Mar foi ratificado 15 anos após a sua conclusão e assinatura e 3 anos após ter entrado em vigor no ordenamento jurídico internacional. Justifica-se, e bem, a delonga: a Assembleia da República formulou 13 declarações à CNUDM (que parecem ter cariz de Reservas mas que não estão assim expressamente qualificadas) no sentido de proteger aquilo que já era Portugal – sendo, para mim, a mais importante a inscrita no ponto 7) A ratificação desta Convenção por Portugal não implica o reconhecimento automático de quaisquer fronteiras marítimas ou terrestres, naquilo que é uma abnegada defesa do Artº 8º da Constituição, e num claríssimo sinal de reforço à declaração ínsita no ponto 1) Portugal reafirma, para efeitos de delimitação do mar territorial, da plataforma continental e da Zona Económica Exclusiva, os direitos decorrentes da legislação interna portuguesa no que respeita ao território continental e aos arquipélagos e ilhas que os integram. Se o território de Portugal tem uma configuração geográfica heterogénea, composta por terra e mar, então as questões do mar têm, por imperativo civilizacional, · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha O Mar e as Leis de estar juridicamente enformadas. É sobre questões jurídicas que dedicaremos as crónicas “O Mar e as Leis”, que vamos desenvolver nesta Revista de Marinha. No prefácio ao livro “Diplomacia Azul – O mar na política externa de Portugal” de Duarte Bué Alves, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sintetiza, dizendo: [A presente obra] (…) versa sobre um tema prioritário para Portugal. E que, além disso, o é para o mundo neste século XXI. Nestes últimos anos, Portugal tem assistido a um “regresso ao mar”. Os desígnios marítimos de Portugal convidaram a classe política e a comunidade em geral a repensar a posição de Portugal perante o Mar, e como dele tirar proveito. Explorar o Mar, enquanto fonte de recursos úteis à vida na terra faz com que os interesses do Homem no mar fiquem cada vez mais aguçados. Este novo desígnio para o Mar faz surgir aquilo a que eu chamo de “Nova Economia do Mar”. Portugal, que é historicamente uma nação marítima, teve com os “Descobrimentos” a afirmação da sua vocação – quer na exploração das rotas marítimas, quer na descoberta de “novos mundos”, quer ainda no impulso que deu às relações comerciais através do transporte marítimo de mercadorias e especiarias vindas do Oriente rumo à Europa. Aqui, o Mar, como meio de comunicação para as trocas comercias – o Comércio Marítimo. Tendo em consideração a proximidade ao Mar, este sempre foi também explorado pelas populações ribeirinhas para o suprimento de bens alimentares – a arte da pesca. Portanto, ainda não estávamos no Séc. XX, ainda não havia a Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 consciência do desígnio marítimo de Portugal e já existia, pelo menos desde o Séc. XV uma forte Economia do Mar. Porém, há que se dizer, desde 1974 que houve um tendencial abandono do Mar, com os abates das frotas de comércio e de pesca, num manifesto desinvestimento neste concreto nicho da economia. Desde os princípios do Séc. XXI, Portugal começou a preocupar-se com as questões do Mar, nomeadamente em matéria de territorialidade e soberania, tendo, através da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC), procedido aos estudos técnicos e científicos que permitissem, junto da Comissão dos Limites da Plataforma Continental, justificar o interesse e a legitimidade de Portugal na fixação da soberania daqueles fundos marinhos. Esta, alavancada no projeto de alargamento da plataforma continental para as 350 mi, com todos os poderes de soberania sobre os fundos e leitos marinhos fez surgir a necessidade de repensar a potencialidade do mar como ente competitivo português perante os demais vizinhos europeus – desde logo, Espanha, o mais próximo, e a Alemanha o maior e mais pesado - e o grande vizinho oceânico – os Estados Unidos da América. Portanto, afirmar o direito sobre parcela do mar junto da vizinhança mais próxima parece ser missão dos dias de hoje. Todavia, não basta ser “dono da coisa”; há que conseguir gerir a “coisa” com os instrumentos necessários para a prossecução dos fins que se pretendem. E, desde logo, surgem dois handicaps: a) a falta de legislação interna, moderna e atual; e b) a falta de cultura · revistademarinha.com jurídico-maritimista nas universidades portuguesas. Iremos abordar minuciosamente estes temas, lançando propostas. No que a este artigo nos importa, por ora nos ocupa o Direito e o Mar. Será todo ele Direito do Mar? Ou será todo ele Direito Marítimo? Vejamos: Conceptualmente – na minha visão – o Direito ligado ao mar pode e deve ser especializado da seguinte forma (não ordenada): Direito do Mar (law of the sea) que é o Direito Administrativo do Mar – Direito Público, Internacional e Interno – que se dedica à gestão do Mar; o Direito da Navegação – distinto de todos os demais, visa regular e regulamentar a circulação harmoniosa de todos os navios e embarcações que se movimentem no mar, salvaguardando os aspetos ambientais, da segurança da navegação e do socorro; o Direito da Náutica – onde se regulam e regulamentam as questões ligadas à náutica de recreio; o Direito Marítimo – a área de Direito privado – internacional e interno – que se dedica à regulação das relações jurídico-privatísticas entre utilizadores do Mar – onde incluiremos o Direito Comercial Marítimo, na aceção do Código Comercial Português; o Direito da Pesca – onde se regulam as questões ligadas à gestão dos recursos piscícolas; e, por fim, o Direito Portuário. A cada um iremos dedicar uma ou mais crónicas. * Advogado [email protected] OBSERVAÇÃO: Muito se agradece à EMEPC a cedência a imagem do Mar Português. 81 84.O Ano Mergulho Recreativo e Descompressão por Paulo Franco* Os computadores de mergulho são a ferramenta de excelência para o controlo de vários parâmetros do mergulho, nomeadamente: a velocidade de subida, o intervalo de superfície e o tempo necessário para poder voar. (Fonte: SSI – Scuba Schools International). Doença de Descompressão já foi tema de anteriores crónicas de mergulho da RM. Nestes textos foi abordada esta paradigmática patologia através da descrição dos seus mecanismos fisiológicos, sinais, sintomas, fatores de risco e cuidados para evitar a sua ocorrência. Na crónica que agora se inicia, pretendo enquadrar esta patologia em termos de Mergulho Recreativo e detalhar um pouco os cuidados e riscos que lhe estão associados. Genericamente falando, a designação “Mergulho Recreativo” enquadra as actividades de mergulho com recurso a escafandro autónomo (S.C.U.B.A.) realizados até à profundidade máxima de 40 m e dentro dos designados “limites não descompressivos”. Este conceito é, de modo geral, aceite pelas principais agências de certificação internacionais. A designação “limite não descompressivo” refere o máximo tempo que um mergulhador pode permanecer em imersão a determinada profundidade sem incorrer na obrigatoriedade de cumprir paragens de descompressão no seu regresso à superfície para não ter risco acrescido A 82 de contrair Doença de Descompressão. Por esta razão muitas vezes diz-se que o Mergulho Recreativo é mergulho “não descompressivo”. Mas será de facto? Não têm os mergulhadores recreativos Cumprir uma velocidade de subida de 9/10 m/ min é a principal obrigação descompressiva dos mergulhadores recreativos, sendo fundamental para mitigar os riscos de Doença de Descompressão. (Fonte: Maria Póvoa Pinto – MyPhotoPrint) revistademarinha.com nenhuma obrigação descompressiva? Na realidade todos os mergulhos, por mais simples que sejam, têm riscos associados à absorção e libertação de gases inertes, no âmbito “recreativo” o gás em cauda é o Nitrogénio. Consequentemente existem sempre obrigações descompressivas que devem ser cumpridas para mitigar este risco. No caso de imersões dentro dos “limites não descompressivos” esta obrigação é o cumprimento da velocidade de subida, que nas principais agências de certificação é de 9 ou 10 m/min. O cumprimento desta obrigação é, sem dúvida, o mais importante cuidado para qualquer mergulhador que queira manter a sua segurança em termos de Doença de Descompressão. Para controlo da velocidade de subida de forma simples, prática e segura o melhor é, sem dúvida, a utilização de um computador de mergulho. Esta função é transversal a todos os equipamentos modernos, pela sua importância para a segurança dos mergulhadores, podendo ser apresentada de diversos modos em função do modelo em causa, variando entre formas gráficas, escalares ou numéricas. · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Mergulho Outra regra habitualmente ensinada e aplicada em termos de mergulho recreativo é a denominada “Paragem de Segurança”. Esta paragem, feita na subida final dos mergulhadores para a superfície, acontece em regra aos 5 m e tem uma duração de 3 a 5 minutos. Esta paragem não é uma obrigação descompressiva propriamente dita, como é o caso das “Paragens de Descompressão”, mas uma paragem que tem por objectivo aumentar a margem de segurança dos praticantes da atividade em relação à libertação do Nitrogénio absorvido durante a imersão. Muitos computadores modernos auxiliam também os mergulhadores no controlo desta paragem, permitindo definir o seu início automático quando se atinge a profundidade pretendida. Em termos recreativos, um dos factores que deve ser considerado para garantir a segurança em termos descompressivos é o grau de conservadorismo definido no computador de mergulho. Este parâmetro presente na maioria dos equipamentos, permite ao mergulhador definir o nível de conservadorismo associado ao cálculo do limite não descompressivo feito pelo seu computador de mergulho em função de ter, ou não, factores de risco acrescido em termos de Doença de Descompressão, por exemplo: obesidade, fraca condição física, idade, desidratação, hábitos tabágicos, mergulhos fisicamente mais exigentes, mergulho em águas muito frias, etc. Um dos procedimentos importante e muitas vezes pouco cuidado em termos de mergulho recreativo é o respeito pelo intervalo à superfície antes de voar e/ou subir a altitudes superiores a 300 m. Embora muitas referencias bibliográfica indiquem 18 e até 12 horas para mergulhos simples não descompressivos, é recomendação da DAN (Divers Alert Network) respeitar um intervalo mínimo de 24 horas. O controle deste intervalo é também feito pela maioria dos computadores de mergulho que indicam A “Paragem de Segurança”, não sendo uma obrigação descompressiva, é um procedimento de segurança recomendado para diminuir os riscos de ocorrência de Doença de Descompressão. (Fonte: Maria Póvoa Pinto – MyPhotoPrint). o impedimento do mergulhador de voar, através de símbolos ou de forma numérica, considerando o término do último mergulho registado. Uma conduta também importante, para ser tida por todos os praticantes desta atividade é o respeito pela regra básica de que os computadores são equipamentos individuais e não devem ser partilhados durante ou após os mergulhos, especialmente se forem feitos mergulhos sucessivos, isto é, mergulhos em que seja necessário considerar o Nitrogénio absorvido em mergulho(s) anterior(es) para o cálculo dos limites não descompressivos. Cumpridas estas regras, embora nunca exista risco zero, pode considerar-se o mergulho recreativo praticado de acordo com as tabelas disponibilizadas pelas principais agências de certificação internacionais ou os computadores disponíveis no mercado, muito seguro, sendo o risco de ocorrência de incidentes descompressivos muito baixo. Ainda assim é importante ter consciência que este risco nunca é nulo e será tanto maior quanto mais perto dos limites indicados se mergulhar. Não procurando ser demasiado exaustivo, pretendi com esta crónica associar a teoria da Doença de Descompressão a questões práticas ligadas ao Mergulho Recreativo, referindo as mais importantes considerações que cada mergulhador deve ter para mergulhar em segurança e disfrutar, sem preocupação, das suas imersões em lazer. * [email protected] ESPECIALISTAS EM SOLUÇÕES DE COMANDO E CONTROLO DE OPERAÇÕES MARÍTIMAS www.xsealence.com Monitorização, Controlo e Vigilância Marítima | Gestão Integrada das Pescas | Coordenação de Missões de Fiscalização Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 · revistademarinha.com 83 84.O Ano Mar, Sol e Vento: Acelerar a Expansão da Energia Renovável Offshore por Ana Brito e Melo, Francisco Correia da Fonseca* oje, o consumo anual de eletricidade a nível mundial ronda os 21,000 TWh, estimando-se que este valor venha a duplicar até 2050. De forma a atingir as ambiciosas metas de redução de emissões de gases de efeito de estufa e alcançar uma economia de carbono zero, a União Europeia reconhece, na sua estratégia a longo prazo “Um Planeta Limpo para Todos”, o papel fundamental das tecnologias renováveis offshore. Apenas para a energia eólica offshore, as projeções indicam que até 2050, a capacidade instalada irá aumentar entre 10 a 20 vezes, relativamente aos valores atuais. Contudo, este crescimento das energias renováveis offshore exigirá avanços consideráveis no que diz respeito à eficiência, confiabilidade, escalabilidade, sustentabilidade, circularidade e custos dos sistemas. Tendo sido recentemente aprovado pela Comissão Europeia, o projeto europeu EU-SCORES propõe responder ao desafio da expansão a grande escala da produção de energia renovável em alto mar através de parques híbridos. O projeto tem como objetivo demonstrar, à escala real, a complementaridade de diferentes fontes de energia renováveis offshore – ondas, eólica e solar – proporcionando aumentos de fiabilidade e promovendo o amadurecimento das tecnologias de energia das ondas e fotovoltaica offshore, em conjunto com o eólico flutuante. A abordagem seguida neste projeto, cobrindo o planeamento, desenvolvimento, instalação e operação de parques híbridos, permitirá avaliar diferentes aspetos de natureza técnica, socioeconómica, ambiental e legal destes parques em alto mar. As principais vantagens e desafios serão quantificados, nomeadamente relativamente ao efeito de equilíbrio da rede elétrica (contribuindo para o fornecimento de energia elétrica de uma forma segura e a custos competitivos), à inovação nas estratégias de inspeção, manutenção e monitorização ambiental, tal como a nível das cadeias de fornecimento, dos impactos socioeconómicos nas comunidades locais e nos desafios regulatórios gerais. O consórcio reúne 17 parceiros industriais e académicos europeus, incluindo os principais fornecedores de energia das ondas e tecnologia solar fotovoltaica flutuan- H 84 te (CorPower Ocean e Oceans of Energy). Em Portugal, conta com a participação da EDP LABELEC, do INESC TEC e do WavEC, sendo que este último irá liderar tarefas relativas ao estudo da manutenção dos parques híbridos, entre outras. O projeto é coordenado pelo Dutch Marine Energy Centre e conta com um orçamento global de 46 milhões de euros, financiados pelo programa europeu Green Deal em 35 milhões de euros. Grande parte da atividade de demonstração decorrerá em duas zonas geográficas: na costa portuguesa e no Mar do Norte. Este projeto mereceu o seguinte comentário de Francisco Correia da Fonseca, Engenheiro Sénior no WavEC … hoje é claro que a transição energética a nível global passará pela exploração eficiente e sustentável do oceano, possivelmente o recurso mais importante em Portugal. O projeto EU-SCORES apresenta uma excerevistademarinha.com lente oportunidade para demonstrar conceitos inovadores que poderão alavancar a indústria renovável offshore na Europa e em Portugal. SOBRE O WAVEC: O WavEC - Offshore Renewables é uma organização privada sem fins lucrativos com vasta experiência em I&D na área da engenharia dos oceanos, com a missão de desenvolver soluções sustentáveis para a economia azul através da inovação, transferência e disseminação do conhecimento. O WavEC é líder na prestação de serviços profissionais de engenharia e consultoria na área das energias renováveis marinhas, aquacultura offshore e engenharia dos oceanos. * https://www.wavec.org/ · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha 84.O Ano Criatividade e versatilidade ou uma “surpresa” a 1/700 por Rui Matos* em Torres Vedras(1). Fruto destes contactos e com a necessidade de inovar, apostaram nas várias vertentes do Modelismo, sendo uma delas os jogos de guerra/estratégia. E porque menciono isto? Porque este trabalho foi a adaptação e melhoramento substancial de uma destas peças dedicadas aos jogos de guerra para uma representação mais fiel e enquadrada num cenário, como se de um qualquer kit se tratasse. A base deste trabalho foi um dos navios que compõem o starter set da série “Master & Commander” da Warlord Games(2). Irei apenas mencionar o trabalho desenvolvido nesta fragata, dado que a caixa ainda contém mais duas fragatas, seis brigues e mais uma série de complementos para realizar um jogo de guerra básico entre Ingleses e Franceses. mbora já tivesse sido mostrado na reportagem feita sobre a XXIV Exposição Anual da Associação de Modelismo de Almada (RM 1018) chegou a altura de explorar um pouco mais este diorama da autoria de João Mota. Conhecendo o autor quase desde o início deste século, ele sempre ficou fascinado com os trabalhos à escala 1/700 apresentados nos eventos modelísticos, desde a minúcia dos detalhes e pormenores, à possibilidade de uma narrativa de uma história apresentada num curto espaço físico, com a representação de vários tipos de cenários náuticos – e sempre disse que um dia iria experimentar “uma coisa destas”. A vida dá muitas voltas e passados uns anos, o João e a sua esposa Carla, decidiram arriscar abrindo uma Loja de Modelismo E 86 revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Modelismo Como uma das suas primeiras aventuras náuticas, o João Mota pegou numa das fragatas Inglesas contruiu-a, pintou-a como qualquer outro dos seus modelos, mas substituiu os brandais (que no kit vinham impressos em acetato transparente) por uma rede cortada e adaptada, perfurou as bocas-de-fogo das peças de artilharia, manteve todo o velame recolhido (havia a opção das velas enfunadas, o que neste caso não se aplica, dado que o navio está fundeado), e colocou um massame muito genérico e simples – só para dar a ideia. Acrescentou mais alguns detalhes, como os remos da embarcação, adaptou figuras genéricas em fotogravação, acrescentando-lhes volume e pintando-as de acordo com as suas necessidades (Oficiais, Marinheiros, Fuzileiros Navais). No cenário, a criação da praia e a sua vegetação, com as palmeiras feitas de raiz, a zona de rebentação, com recifes, rochedos e a suave transição de um azul profundo para transparente, levam-nos de imediato às memórias de praias desertas e paradisíacas – muito apropriado a estes tempos de férias. A minha descrição é breve, mas deixo-vos algumas imagens deste “HMS SURPRISE - Far side of the World” do João Mota, que revela que, com algum esforço, paciência e dedicação se consegue fazer Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 um trabalho apelativo e fora do vulgar. Não sendo um modelista novato, mas com este a ser um dos seus primeiros trabalhos a esta escala e nesta temática, há espaço para melhorias – o truque é … persistir! Muitos Parabéns João! BONS MODELOS! * [email protected] · revistademarinha.com NOTA: O autor não tem quaisquer interesses comercias ou outros, relacionados com a loja de modelismo referida nesta crónica. REFERÊNCIAS (1) https://www.facebook.com/linhasdetorresmodelismo (2) https://eu.warlordgames.com/collections/ black-seas/products/master-commander-starter-set 87 84.O Ano Jogos Olímpicos de um país à beira-mar por António Peters* Melhor ciclo olímpico de Portugal. Medalhas foram quatro: uma de ouro, outra de prata e duas de bronze. Talvez o futuro da preparação exaustiva desportiva venha a ser equacionado em parâmetros mais humanos e em consonância com os limites da aptidão física e mental. Nos últimos 60 anos na Vela, Portugal só conseguiu uma medalha de bronze? O que falha? O Governo já prometeu melhores ajudas financeiras para o próximo ciclo. uma modalidade faz sobressair o mais apto, não só entre os países como entre atletas do mesmo país, enquanto a presença nos JO é sempre uma escolha da responsabilidade da tutela da modalidade de um país e com presença limitada às vagas disponibilizadas. Seja como for o expoente da vida de um atleta é a presença numas olimpíadas, e o apogeu a conquista de uma medalha. A medalha olímpica é sempre o objectivo mais ambicionado e recordado. inevitável a alusão ao acontecimento que marca o palco mais visionado do mundo desportivo. É ele, por excelência, a realização dos Jogos Olímpicos (JO), a referência de aferição do melhor entre os melhores, mesmo que possa não ser o critério mais “fidedigno” de avaliação, pois qualquer campeonato do mundo de É 88 revistademarinha.com 2020, melhor, 2021 foi um ano sui generis pelas indecisões e atribulações provocadas pela pandemia COVID 19, sendo imprevisível até à última hora a realização dos JO. Contudo realizaram-se com os habituais acontecimentos mediáticos marcantes, tanto no campo desportivo como no de análise comportamental da conduta da preparação do apelidado desporto amador. O exemplo marcante que fica para a história de Tóquio 2020 foi sem dúvida a coragem de Simone Biles ter desistido da sua final individual geral de ginástica, atitude que surpreendeu o mundo desportivo e espantosamente não foi encoberto com a tentativa de camuflar a verdade assumida pela atleta. Talvez o futuro da preparação desportiva venha a ser equacionado em parâmetros mais humanos e em consonância com os limites da aptidão física e mental. Aguardemos o futuro breve. Como vai sendo peculiar, os factos po· 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Desportos Náuticos líticos fazem também parte do cardápio olímpico e Tóquio 2020 não foi excepção, desde atletas coagidos pelos seus próprios países a regressarem, até a ameaças a outras penalizações, o que começa a ser um hábito encoberto, sustentado na defesa de interesses “patrióticos”. Para além disso, intensifica-se e banaliza-se o exemplo das “transferências futebolísticas”, pela cada vez mais constante formalização de cidadania, dissimulada no chavão da globalização/internacionalização/integração de atletas de diferentes nacionalidades/raças/ origens a protagonizarem o simbolismo da bandeira de outras pátrias(1). Para além destas já “normais” vicissitudes, outras interrogações começam a surgir no contexto da presente generalizada globalização. Perguntamos, haverá razão na existência de recordes intercontinentais (europeu, americano, africano, etc) ou mesmo nacionais, quando a integração humana é já um facto adquirido em todos os estados, mais ainda nos países que conseguem oferecer melhores condições aos atletas de origem em países menos desenvolvidos economicamente? Sim, porque se tomarmos bem atenção, essas circunstâncias só se verificam nas modalidades mais propícias ao aproveitamento das aptidões genéticas e geográficas que se adaptam ao meio ambiental onde os indígenas são originários, normalmente aptidões genuínas, como é o caso na modalidade atletismo. Bom exemplo disto verificou-se na queda do recorde mundial do triplo salto feminino, protagonizado pela venezuelana Yulimar Rojas, na marca de 15,67 m, que os especialistas consideram que se a atleta possuísse as adequadas técnicas de execução, a marca ainda mais espantosa seria. Algum país consegue motivar nadadores americanos ou de países similares a correrem pela sua bandeira? Dá que pensar! Portugal compareceu em Tóquio com 92 atletas divididos por 17 modalidades, com um investimento global de 18,55 M€ (2017-2021). Esperavam-se duas medalhas e 12 diplomas, os resultados superaram as previsões, medalhas foram quatro: Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 uma de ouro, outra de prata e duas de bronze. O mérito reparte-se pelo próprio Comité Olímpico de Portugal, federações, clubes e principalmente pelos atletas intervenientes. Foi um ciclo olímpico acima das expectativas, dos resultados ambicionados. Parabéns aos intervenientes. O melhor ciclo olímpico de Portugal. Particularizando e analisando as modalidades da nossa especialidade náutica, dos 92 atletas presentes a Tóquio, 25 pertenciam à náutica, ou seja mais de 25% da comitiva, as modalidades foram cinco (Canoagem, Natação, Remo, Surf e Vela), 30% das modalidades. Resultado, traduziu-se numa honrosa medalha, correspondente também a 25% do espólio de medalhas alcançado por Portugal. O mérito da prestação foi de Fernando Pimenta em K1 1000, facto que vaticinámos como alcançável e merecido pelo seu magnífico ciclo de preparação e excelentes êxitos conquistados ao longo destes 5 anos, confessamos que o ouro estava no horizonte possível, as suas marcas e trabalho o previam. Pimenta, após uma anterior medalha de bronze em Londres, transportava o trauma da medalha merecida e não atingida no Rio 2016, a vingança e o trabalho acumulado desta vez eram merecedores do ouro, mas não o alcançou, honrou com bronze. Obrigado, Fernando Pimenta, obrigado COP, obrigado Victor Félix(2) e toda a sua equipa da Canoagem, a comunidade náutica agradece pela dignificação feita ao Mar de Portugal, por este não ficar completamente ignorado. Após este marco de realce no desporto olímpico português, o Governo, através dos responsáveis do Ministério da tutela, já prometeu melhores ajudas financeiras para o próximo ciclo. Que se cumpra a promessa, nós acreditamos que a actual liderança do COP a sabe usufruir e aplicar. Por curiosidade, o governo do Reino Unido após o excelente comportamento da sua comitiva, que se destacou como o 4º país da tabela, melhor que na prestação dos seus JO de 2012 em Londres, já prometeu £232 milhões de investimento para Paris 2024. Dá que pensar! · revistademarinha.com Em tom de balanço e esperança no futuro, deixamos o pedido da vossa ponderação para uma reflexão sobre algumas considerações: – Porquê, sendo Portugal um país à beira-mar, sendo o país bastião dos Descobrimentos e detentor de um passado que floresceu com o desenvolvimento da sua litoralidade, como foram as indústrias navais, frotas comercias, pescas, turismo e outras tantas actividades com relação próxima à sua geografia, onde a náutica complementa essa proximidade, porque nos deixamos atrasar quando fomos pioneiros? – Porquê, se é sabido que o desporto já vinga como sendo um dos melhores embaixadores promocionais de um país, e Portugal é um país náutico, porque não utiliza essa sua mais-valia para mais se afirmar? – Porquê nos últimos 60 anos de uma modalidade carismática como a Vela, Portugal só conseguiu uma medalha de bronze? O que falha? Dá que pensar! Nós, Revista de Marinha pela idoneidade adquirida da sua vivência, para além de pensar, aguardamos acções que vão ao encontro de soluções para um melhor desporto. Ganha o país, ganha o Mar de Portugal. Que os ventos soprem de feição! *[email protected] NOTAS: (1) O autor faz referência à situação sem qualquer juízo de valor discriminatório ou reprovativo, somente cita a circunstância pela “ordem do dia” que foi referida pela comunicação social nacional e internacional e pelas reações consequentes vindas a lume no país, por atletas e organizações intervenientes responsáveis, que muito bem foram clarificadas e devidamente reprimidas pelo organismo de tutela, o COP. Coragem que se aplaude, e congratula-se por haver testemunho na reposição dos valores intrínsecos desportivos e patrióticos. Obrigado, José Manuel Constantino! (2) Presidente da Federação Portuguesa de Canoagem OBSERVAÇÃO: O autor não cumpre o novo Acordo Ortográfico. 89 84.O Ano Era uma vez... por Augusto Salgado* Uma das maiores peças de artilharia do naufrágio, com cerca de 3 m de comprimento (foto do autor). bordo do navio mercante britânico BLACK HAWK, avistavam-se as luzes de Lisboa, capital do Reino de Portugal, cujo apoio a Inglaterra era fundamental para fazer frente ao terrível “corso”, que tinha colocado a Europa numa guerra global. No porão do navio iam, para além de duas dezenas de peças de artilharia em ferro, a maioria de grande calibre, também muitos milhares de pelouros de ferro, fundamentais para manter em operações no mar os navios britânicos e reforçar as defesas do porto de Lisboa. No entanto, toda essa pesada carga, apesar de se encontrar bem arrumada no interior do navio, tornavam o navio muito pouco manobrável. E, A 90 o facto de, ao largo da costa de Portugal, também ter sido fustigado durante vários dias por mar alteroso, que tinha provocado várias entradas de água no porão, não facilitava a manobra do navio. Apesar da proximidade da salvação, o desânimo de terem visto ao longo de uma extensa língua de areia, a Norte da Figueira da Foz, 32 dos seus infortunados companheiros de viagem encalhados em terra, dos 68 que tinham largado em finais de março de 1804, incluindo também a fragata HMS APOLLO, parecia que tornava a situação ainda mais complicada. Perto do meio do dia, e com o vento a soprar fresco de Norte, o navio cruzou as proximidades da vila de Cascais, avanrevistademarinha.com çando pela denominada barra do Canal do Norte, com terra a bombordo e o banco de areia a Sul, habitualmente denominado de Cachopo Norte. Infelizmente, e apesar de ser início de abril, a força do vento aumentou e começou a empurrar o navio em direção a Sul e ao banco de areia. De imediato, o navio largou duas das suas âncoras para tentar aguentar a posição, mas a força da amarra, no já danificado casco do navio, provocou mais entradas de água, e o navio acabou por se afundar. Felizmente, o acidente foi visto de terra e todos os tripulantes foram salvos por pequenas embarcações ou chegaram a terra pelos seus próprios meios. · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Património Marítimo Um conjunto de peças “arrumadas” a meio-navio (foto do autor). Esto “conto” poderia ter sido, perfeitamente, a história do navio cujos destroços a equipa do SUNK (Naufrágios Modernos da Barra do Tejo), que integra o Município de Cascais, a Marinha e a Autoridade Marítima Nacional, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Direcção-Geral do Património Cultural, guiados pelos dados do Projeto COSMOS da APA, financiado pela UE, localizou a cerca de uma milha da costa de Cascais, mais concretamente na zona da Parede, logo no início da campanha de 2021. Num fundo de areia, a cerca de 12 m de profundidade, e apesar da má visibilidade, os mergulhadores puderam identificar, de imediato, cerca de uma dezena de canhões de ferro, “arrumados” a meio navio, e depois grandes concreções. Essas concreções, que tinham espaços entre elas, como se inicialmente tivesse havido algo que as tinha mantido separadas, mais tarde percebeu-se que eram constituídas por milhares de pelouros, ou projéteis de Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 Uma vista das concreções composta por pelouros (balas) de ferro; (foto do autor). artilharia, em ferro. Os espaços vazios eram onde, inicialmente, se encontravam as anteparas do navio que, por serem de madeira, entretanto desapareceram. Até este momento, não foi possível encontrar qualquer objeto que permita avançarmos, sequer, com uma hipótese sobre de que navio se trata ou de que época. No entanto, as peças de artilharia indiciam a possibilidade de se tratar de um navio da denominada época Napoleónica. Mas, voltamos a frisar, neste momento · revistademarinha.com são tudo suposições, como é a “estória” que inicialmente vos contámos... Como qualquer trabalho científico, ainda há um longo percurso a realizar, quer em termos de investigação nos arquivos, quer em termos de pesquisa subaquática. Naturalmente que manteremos os leitores da RM a par da evolução das nossas investigações. * Oficial da Armada e Investigador do CH e do CINAV 91 84.O Ano A AÇÃO NAVAL E DIPLOMÁTICA PORTUGUESA NA GRANDE CRISE DA CHINA (1925-28) O livro cativa o leitor desde o início. Escrito numa prosa fácil, elegante e muito clara, meticulosamente documentada, faz transparecer no autor, o Prof. Doutor João Freire, o homem das ciências exatas, o Oficial de Marinha, por detrás do eminente Sociólogo. A ação decorre principalmente no imenso e lodoso delta do Rio das Pérolas, cujos escolhos emersos lhe dão o nome, onde a Marinha de Guerra Portuguesa teve um papel determinante no relacionamento de Macau com os chineses da Província de Cantão, desde que os portugueses ali se estabeleceram em 1557. O autor leva-nos a compreender a complexidade da teia de interesses em presença no Extremo-Oriente, na sequência das duas “Guerras do Ópio” entre uma China Imperial debilitada e as potências navais, que duraram nove anos, terminando a última no início da segunda metade do Século XIX, gerando os profundos agravos sentidos pelo País do Meio, que designou por “Tratados Desiguais” o de Nanquim, que cedeu Hong Kong ao Reino Unido e o de Tientsin e, em 1862, o “Tratado de Amizade e Comércio Sino-Português”, que viria a ser renegociado em 1928, ratificado em 1930 e mais tarde alterado. Como muito bem documenta o autor, estes acontecimentos geraram no dealbar do Século XX a revolta dos Boxers, a oposição à presença dos estrangeiros nas Concessões, potenciando a cultura e identidade chinesas e o surgimento em torno da Província de Cantão, do Movimento Político Nacionalista, anti-imperialista, Kuomitang, liderado por Sun Yat Sen, que viria a ser o primeiro Presidente da República da China (residiu em Macau, onde a sua casa está preservada). O autor não deixa de referir o importante papel desempenhado pela extinta União Soviética no apoio à instauração do regime comunista na China. No período em análise (1925-28), durante a intervenção naval das Potências Ocidentais na China, entre as quais Portugal, para garantir a segurança dos seus nacionais, o autor consegue entremear habilmente as descrições da atuação dos Governadores de Macau, dos diplomatas portugueses em Cantão, Pequim, Xangai, Hong-Kong, Londres e Washington, com as dos Comandantes dos navios de guerra portugueses na área, também eles exercendo diplomacia, dos Ministros da Marinha, das Colónias e dos Negócios Estrangeiros em Lisboa, no conturbado período politico-financeiro que incluiu a revolta militar de 28 de Maio de 1926, com a posterior subida de Salazar ao poder. 92 Das descrições dos Comandantes das unidades navais e do Centro de Aviação Marítima de Macau sobre as suas laboriosas fadigas no período analisado, expressas nos relatórios e nas apreciações elogiosas que receberam, constata-se não só o seu patriotismo, elevado nível intelectual e competência profissional mas também a compreensão da geopolítica e o bom senso e capacidade de liderança que caracterizaram a sua atuação, conseguindo superar as dificuldades das comunicações, a ausência de diretivas superiores precisas, as inclemências do clima, as más condições de alojamento das guarnições, os tufões, a deficiente cartografia disponível, a costa baixa e muito recortada, a pouca profundidade dos canais navegáveis, a complexidade e a variação da localização dos baixos provocada pelo acentuado assoreamento no delta. Decorrido quase um século desde o período relatado no interessantíssimo livro de João Freire, constata-se hoje que a Superpotência Asiática emergente recuperou quase totalmente a sua face e, no Mar do Sul da China, parece querer impor unilateralmente os limites do Mar Territorial segundo “a linha dos nove traços” que definiu, aparentemente à revelia da Convenção da ONU sobre o Direito do Mar e dos interesses dos Estados vizinhos. Afigura-se querer regressar à época de Grotius, quando a largura do mar territorial de um Estado correspondia ao alcance das armas. Atualmente, no Mar do Sul da China a situação enfrentada pelas Potências Marítimas Ocidentais é agora muito diferente do que a descrita nos idos de 1925-28. A China, além de ser uma Potência nuclear e espacial, dispõe de significativo poder aeronaval, embora não tenha experiência de combate no mar. Hoje, a Marinha Portuguesa não tem responsabilidades de segurança no Extremo Oriente, mas, tal como sucedeu no período descrito no livro, continua a ser um instrumento indispensável para a ação externa do Estado, quer na defesa dos cidadãos e interesses nacionais, como aconteceu na Guiné-Bissau (1998), quer no combate à pirataria marítima, agora na Somália e no Golfo da Guiné. Evidentemente, Portugal tem de continuar a modernizar os meios navais, privilegiando o seu “duplo uso”. Esta obra tem um preço de capa de 15€ e está à venda em Lisboa na Loja do Museu de Marinha tel 93 531 8996 / 21 097 7387, e-mail [email protected] . José Manuel Nobre de Carvalho revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Escaparate REVISTA MILITAR Trata-se de uma revista muito antiga, fundada em 1848, de periodicidade mensal. É editada pela firma “Revista Militar”, que tem como sócios oficiais das Forças Armadas e da GNR e cujos corpos gerentes são encabeçados pelos Generais Luís Valença Pinto (Assembleia Geral), José Luís Pinto Ramalho (Direção) e Major-General Luís Augusto Sequeira (Conselho Fiscal). Os temas tratados incluem a Estratégia, as Operações, a Logística, a História e as Relações Internacionais, sendo militares a maioria dos autores. A tiragem são 600 exemplares, relativamente reduzida, embora os seus leitores sejam a elite das Forças Armadas e os dirigentes políticos que se interessam pelos temas de Defesa Nacional. O exemplar que comentamos, referido a jun / jul de 2021, abre com um editorial, assinado pelo seu Diretor, General Pinto Ramalho. Aborda a cimeira da OTAN, de 14 de junho (Bruxelas), onde o Presidente Joe Biden reafirmou o seu empenho na Aliança, classificando a Rússia como a principal ameaça e elegendo a China como o principal desafio sistémico de caracter económico e tecnológico. Pinto Ramalho referiu-se igualmente à aprovação pela Assembleia da República da nova estrutura superior das Forças Armadas (FA’s), em 25 jun, discordando da forma … a tónica foi sempre a urgência e o procurar silenciar opiniões críticas, e do seu conteúdo. Seguem-se 9 textos de autor, dos quais 8 se referem à reforma da estrutura superior das FA’s, escritos por Oficiais-Generais da Força Aérea (3), Exército (3) e Armada (2). Sem estranheza, são todos críticos da reforma a que aludimos, pois não temos conhecimento de nenhuma posição favorável de militares a esta reforma; na comunicação social foi indicado que um antigo CEMGFA seria favorável, mas não se conhece nenhum seu escrito recente nesse sentido. Uma referência breve aos 2 textos de marinheiros, “Custa a crer …”, do V/Alm Reis Rodrigues e “A Reforma das Forças Ar- Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 · revistademarinha.com madas – outra perspetiva”, do V/Alm Monteiro Montenegro. Reis Rodrigues, num escrito curto e assertivo, refere-nos que … custa a crer que se tente avançar com uma reforma que ignora estes aspetos básicos do funcionamento da Instituição Militar e se baseia numa análise muito parcial das situações existentes em alguns países aliados e amigos. Por outro lado, Monteiro Montenegro analisa a oportunidade e a metodologia adotadas, de que discorda. E conclui referindo … porque o calor do debate público está a pender para juízos mais emocionais do que racionais, consideramos que o mais prudente seria que o processo parlamentar desse tempo para promover um debate alargado, franco e construtivo. Sabemos hoje que não foi assim, com a promulgação da legislação em apreço pelo Presidente da República. Um artigo adicional, “200 anos da morte de Napoleão Bonaparte (15 ago 1769 – 5 mai 1821)”, assinado pelo Dr. Pedro Avillez, recorda-nos os traços biográficos e a obra da personalidade mais abordada na literatura depois de Jesus Cristo. Diplomado em Ciência Política e em Sociologia Económica (Sorbonne), diplomado pela ENA, Pedro Avillez conhece bem a cultura francesa. Recorda-nos que … em França, da saga criativa napoleónica ficaram as bases da reorganização racional e elítica do Estado francês, que ainda hoje perduram. A fechar, o longo comunicado da Cimeira da OTAN de Bruxelas, reproduzido na integra, em língua inglesa. Esta revista pode ser adquirida em número avulso (7€), ou objeto de assinatura anual com o custo simbólico de 10€ (militares) ou 15€ (civis). Aos interessados indicamos os contactos da redação, tel 21 887 0754, e-mail rm@ revistamilitar.pt, endereço postal, Campo de Santa Clara, nº 62, 1100-471 Lisboa. A.F. 93 84.O Ano FUZILEIROS 400 ANOS DE MEMÓRIAS Os autores desta obra são Paulo Santos e José Manuel Cabrita. Paulo Santos é licenciado em Ciências Políticas pela Faculdade de Ciências Económicas e Sociais da Universidade de Genebra e possui várias pós-graduações. É membro efetivo da Academia de Marinha. Desde 2004 tem-se dedicado ao estudo da iconografia, pintura e simbologia naval. É também autor de vários livros sobre temas navais como sejam “O Botão de Âncora da Marinha Portuguesa”, “Espadas e Sabres da Marinha Portuguesa” e mais recentemente “À mesa com a Marinha”. José Manuel Cabrita possui formação na área do design gráfico e iniciou-se como desenhador litógrafo em 1981. A sua relação com a Marinha já conta mais de 20 anos. Foi responsável gráfico de obras do Cte. Manuel Gonçalves como sejam “Creoula-Tradição e Juventude” e “Sagres-símbolo de Portugal”. Com Manuel Gonçalves é também co-autor do “Armorial da Marinha Portuguesa e Autoridade Marítima Nacional”. Com o Cte. Rodrigues Pereira executou “Marinha Portuguesa Nove séculos de História”. Com Paulo Santos colaborou também nas obras acima mencionadas. É um dedicado colaborador do Gabinete de Heráldica Naval da Marinha desde 2012. No passado dia 18 de abril comemoraram-se 400 anos sobre a data de referência para a constituição do “Terço da Armada da Coroa de Portugal”. Fazendo um apelo às nossas memórias, pergunto: Quantas vezes questionamos os nossos pais e avós sobre a vida e comportamento social e profissional dos que nos antecederam. Que prazer sentimos quando fomos conhecedores do comportamento e do desempenho desses nossos antepassados, por mais humildes que tivessem sido. Este livro tem, entre outros méritos, o de nos trazer, sobretudo através de imagens, a história desta nossa outra família. A família militar da Marinha. Da sua Infantaria e dos seus Fuzileiros, a que muitos de nós pertenceram. O livro contém mais de 600 gravuras e fotografias, coligidas, selecionadas e criteriosamente organizadas em 272 páginas, segundo as épocas e as diferentes organizações militares que se foram sucedendo ao longo destes quatro séculos. Passamos deste modo a ter uma visão muito mais clara do historial de grandes feitos de armas e, como seria de esperar, das vicissitudes por que passaram os que antecederam o atual Corpo de Fuzileiros. Houve períodos em que Portugal não pôde contar com esta componente operacional. Períodos houve em que a Infantaria Naval esteve ausente. Deixou de existir, foi extinta. Permitam-me que recorde por exemplo as razões da extinção 94 do Batalhão Naval, organização que em 1837 havia sucedido à famosa Brigada Real de Marinha. O Duque de Saldanha em 1851, ano da Regeneração, dirige uma carta à Rainha D. Maria II em que diz, textualmente, e passo a citar: SENHORA! Existe atualmente o Batalhão Naval com 853 praças das quais pouco mais de um terço se acha a bordo dos nossos navios, sem se ocupar dos serviços de manobra e sem instrução específica para o Serviço de Artilharia, o soldado do Batalhão Naval é quase uma praça inútil dentro do navio. Saldanha afirma ainda … uma tropa com tal organização pode e tem sido efectivamente um bom Corpo para servir em terra, mas é perfeitamente dispensável para servir a bordo. O Duque de Saldanha, conclui a sua missiva com algo surpreendente … não é pouco inconveniente o ciúme natural que se desenvolve a bordo entre o marinheiro e o soldado, pois sucede que o pré do Batalhão Naval está quase pago em dia, relativamente ao enorme atraso das soldadas da marinhagem que há mais de 6 meses não recebem um real. Por razões desta natureza ou parecidas, bem mesquinhas, períodos houve em que as Forças de Desembarque foram constituídas apenas por elementos das guarnições dos navios. Este livro, em boa hora elaborado, passará a constituir uma referência importantíssima para a História do Corpo de Fuzileiros e para a importância da sua existência. Sabemos bem que uma Marinha e a sua Infantaria não se organizam de um dia para o outro. Não fora a visão e a determinação do Almirante Roboredo e Silva ao criar condições para que Portugal e a sua Marinha voltassem a ter os seus Fuzileiros e a participação da Marinha no esforço de guerra em África teria ficado tremendamente diminuída. Felicito vivamente os autores deste livro pelo conhecimento muito completo e sistematizado que trouxeram à nossa história. Está lá tudo quanto é importante saber. Em tempo de pandemia, com deslocações e contactos condicionados, a obra só foi possível pela tenacidade e determinação dos autores deste livro. Acredito que esta obra só foi possível porque José Cabrita e Paulo Santos, têm uma grande alma, uma grande alma marinheira. Esta obra está à venda na sede da Associação de Fuzileiros, no Barreiro. Poderá também ser solicitada aos autores através dos e-mails [email protected] e [email protected] ; tem o preço de 30€. José Rocha e Abreu revistademarinha.com · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Escaparate NAVEGAÇÃO A VAPOR ENTRE O CONTINENTE E OS AÇORES PRIMEIROS TEMPOS Em recente deslocação à Ilha Terceira mão amiga ofereceu à RM um exemplar desta obra, já com uns anos, mas que não conhecíamos e que merece divulgação; desde já os nossos agradecimentos ao Alm. José Filipe Moreira Braga, nosso estimado assinante e colaborador. Trata-se de uma edição de autor, de Carlos Ramos da Silveira, nascido na cidade da Horta, Ilha do Faial, em 1932 e ali residente. Funcionário da Western Union Telegraph Company, desde cedo, como hobby, se dedicou a colecionar fotografias dos hidroaviões que passavam pela baía da Horta. Posteriormente, investigou também o tema das comunicações marítimas, recolhendo informações e materiais diversos, sendo um autodidata e um investigador reconhecido e respeitado. Como refere, com oportunidade, Jorge Costa Pereira no prefácio … profusa e belamente ilustrada, privilegiando mesmo a imagem em detrimento do texto, esta obra constitui um interessante repositório da memória visual sobre os barcos a vapor mais Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 utilizados nas primeiras carreiras para os Açores, acompanhada de oportuna e curta memória descritiva. O primeiro capítulo aborda os primórdios da navegação a vapor no mundo, assinalando a possível primazia do PYROSCAPHE, que nos fins do século XVIII navegou no rio Saône, em França. Segue-se o segundo capítulo, focado na navegação a vapor em Portugal, que se iniciou com o navio CONDE DE PALMELA, em 1820, a que se segue o capítulo “Da União Mercantil à Insulana de Navegação”, que refere os esforços do Ministro Fontes Pereira de Melo, em 1855, para encontrar um empresário disposto a aceitar a tarefa da exploração comercial da carreira regular entre o Continente e os Açores. No capítulo “Barcos a vapor mais utilizados nas primeiras carreiras para os Açores” · revistademarinha.com são-nos apresentadas descrições dos navios, por vezes acompanhadas de lindas aguarelas, designadamente dos navios DUQUE DO PORTO, DONA ESTEPHANIA, AÇORIANO, MINDELO, ATLANTICO, LUSITANIA e INSULANO. Nos capítulos finais apresenta-se uma cronologia da navegação a vapor em Portugal, documentação diversa alusiva a estes temas e uma bibliografia. Obra de divulgação, com excelente apresentação gráfica, será certamente útil para quem estude a história da nossa Marinha Mercante. Parabéns calorosos, ao autor! Desconhecemos se esta obra se encontra à venda; sabemos apenas que foi publicada em 2014, com uma tiragem de 300 exemplares, impressa na Gráfica “O Telegrapho”, da cidade da Horta. 95 84.O Ano A PIRATARIA MARÍTIMA Trata-se de uma obra de David Vasquez Barros, jurista e Mestre em Direitos Humanos, com o esclarecedor subtítulo “O seu regime jurídico e problemas atuais”. Para muitos de nós, nos finais do século XX a pirataria era algo do passado, que ocorrera até aos princípios do século XIX, e que surgia, por vezes com contornos românticos, em filmes de ação de Hollywood. Foi com surpresa que na passagem da primeira para a segunda década do século XXI fomos despertados para este fenómeno nas costas da Somália e no Golfo de Aden, afetando diretamente a linha de comunicações marítimas que liga o Oriente ao Mediterrâneo pelo canal de Suez e por onde passa cerca de 1/3 do comércio mundial. Esta situação levou diversos países, isoladamente ou agrupados em alianças, a movimentar meios aeronavais para proteger a sua navegação naquela área; Portugal foi um deles. Entretanto a situação na Somália acalmou, não havendo notícia de incidentes de pirataria há muitos meses; mas agravou-se no Golfo da Guiné, onde é endémica, uma área rica em ramas de petróleo e onde Portugal se abastece de gás natural, e afe- tando diretamente alguns países da CPLP, como S. Tomé e Principe, a Guiné Equatorial, Angola e Cabo Verde. A obra em apreço aborda a fragilidade do atual regime jurídico face ao crime de pirataria marítima, revelando também as várias indefinições existentes a propósito deste crime na ordem jurídica da comuni- dade internacional. É reservado um capítulo para a situação verificada na Somália e para os moldes em que ali foi legitimado o recurso à força armada. O texto em apreço tem por base uma dissertação de Mestrado defendida publicamente na Universidade do Minho em dezembro de 2011, atualizado e publicado recentemente, em abril de 2021, com a chancela da Editora Booksfactory. Em nossa opinião deverá ser considerado um texto de referência para quem aborde estes temas por razões profissionais, caso dos Oficiais da Armada e da Marinha Mercante, ou para quem por quaisquer outras razões se interesse pelo shipping, pelo comércio marítimo ou pela segurança nos mares. A Revista de Marinha endereça sinceros parabéns ao Mestre David Barros pela sua obra, que consideramos muito útil, e bem fundamentada em profícua e meritória investigação. Este livro custa 18€ e encontra-se à venda na Loja do Museu de Marinha e na loja online do Clube dos Amigos do Livro. Juntam-se os contactos do autor, e-mail [email protected], t/m 96 543 3561. REVISTA AGEPOR É a revista da AGEPOR – Associação dos Agentes de Navegação de Portugal, de edição bimestral e distribuição gratuita, com apenas 10 páginas, compartilhando a mesma edição com a APAT – Associação dos Transitários de Portugal (38 pgs) e com a Ordem dos Despachantes Oficiais (4 pgs). De um lado está a revista AGEPOR, do outro a revista APAT, e entre estas duas, as 4 curtas páginas da Ordem dos Despachantes. Afigura-se-nos que é uma colaboração que faz sentido, pois são associações afins, do âmbito do shipping, das cargas e dos portos. Contudo … O exemplar que comentamos, o nº 69 referido a mai / jun de 2021, abre, como é usual, com um editorial assinado pelo Dr. João Silva, Presidente da Direção Nacional da AGEPOR. Com o título “Uma nova forma de comunicar” diz-nos que … chegou a hora de inovar e apostar em novas formas de comunicar. Neste seu último editorial, pelo menos neste formato, explica os fundamentos desta decisão que passam pela evolução tecnológica e pela necessidade de conteúdos mais dinâmicos e mais adaptados às necessidades dos associados e dos stakeholders. 96 Segue-se uma interessante e oportuna entrevista relativa ao setor dos navios de cruzeiro, um dos mais afetados pela pandemia, com Eduardo Cabrita, representante da CLIA – Cruise Line International Association, Catarina Rawes (James Rawes), Cátia Esteves (Transinsular / revistademarinha.com Madeira) e Américo Nunes (Bensaúde). Embora 2020 tenha sido um ano muito complicado, há esperança numa retoma com início já neste ano. Pedro Carvalho Esteves, advogado maritimista, colaborador residente, no texto intitulado “Hora de levantar ferro … e até já …” traz-nos as suas reflexões no âmbito do mar e das leis; entre outros aspetos, sugere a criação de um Tribunal Arbitral. Por fim João de Sousa Magalhães, também colaborador residente, analisa o tema “DDP – o incoterms problemático?” de um ponto de vista prático, chamando a atenção aos importadores para aspetos que se podem revelar verdadeiras armadilhas. Em síntese, uma revista com um espaço gráfico limitado que, talvez por isso, seleciona com particular cuidado os textos que publica, certamente de muito interesse para os associados da AGEPOR, mas também para quem entre nós se movimenta na área do shipping. Uma revista que nos habituamos a ler na integra e que vemos desaparecer com muita pena. Vamos ter saudades! À sua direção e aos seus colaboradores os nossos sinceros parabéns pela obra realizada! Bem hajam! · 1023 Setembro/Outubro 2021 · Revista de Marinha Arquivo Histórico A Revista de Marinha há mais de oitenta anos… nº 77 este número comentamos a revista nº 77, relativa a 31 de março de 1940. A II Grande Guerra levava já mais de seis meses, mas a frente ocidental permanecia calma – a drole de guerre – a calma que antecedeu a blitzkrieg de mai / jun que levou à invasão da Holanda e da Bélgica e à capitulação da França. Na capa uma foto do Cte. Henrique Tenreiro e uma citação “nacionalista” do seu discurso no … grande almoço de homenagem que lhe foi oferecido, a que nos referiremos mais à frente. A abrir a “crónica da guerra no mar”, assinada por um enigmático CFrag X e intitulada “A insidia submarina”. Neste texto analisa-se o efeito das minas e dos torpedos lançados por submarinos, armas consideradas censuráveis. É feita uma comparação entre os quatro primeiros meses de guerra no mar deste conflito com o período homologo da I Grande Guerra, constatando-se que a tonelagem comercial afundada é menor, verifica-se mesmo que são os navios mercantes neutros que mais tem sofrido. A eficácia da organização dos comboios e das suas escoltas é muito valorizada, afirmando-se que em cada 750 navios escoltados só um se perdeu. Veremos que mais tarde, com as táticas de “matilha” dos submarinos, não será assim. Na “crónica internacional” Francisco Velloso aborda a situação da Finlândia, forçada a uma capitulação frente à URSS, face à falta de apoio dos países nórdicos e dos aliados; de assinalar que a Noruega, a Dinamarca e a Suécia não teriam permitido a passagem de tropas e de material através do seu território para apoiar a Finlândia. N Revista de Marinha · 1023 Setembro/Outubro 2021 · revistademarinha.com A justa homenagem, o banquete em honra do Cte. Henrique Tenreiro é objeto de uma reportagem ilustrada de 5 páginas! Henrique Tenreiro esteve doente no início do ano de 1940 e para celebrar o seu restabelecimento alguns amigos promoveram um almoço que redundou num banquete com 470 convivas – incluindo uma delegação da RM – e presidido pelo Ministro do Comércio e Indústria, Dr. Costa Leite. Presentes delegações de pescadores e muitos discursos, do representante dos armadores da pesca, das Federações do Remo e da Vela, do Prior da Caparica, dos Sindicatos da Marinha Mercante e até do Presidente do Centro Espanhol. Terminado o almoço o Comandante Tenreiro esteve durante meia hora a receber os abraços de todas as pessoas que assistiram à grande manifestação. Uma notícia ilustrada dá-nos conta da nomeação do C.m.g. Álvaro de Freitas Morna para Comandante da Flotilha Ligeira, a bordo do navio-chefe, o contratorpedeiro N.R.P. DOURO. Assistiram á cerimónia os Comandantes das unidades que integravam esta força naval, o CTen Sarmento Rodrigues, o novo chefe do estado-maior, e toda a oficialidade do DOURO. A fechar, a rubrica “a guerra no mar – os acontecimentos enumerados e resumidos dia a dia”, relativa ao período de 20 a 26 de fevereiro; ataques da aviação alemã a navios e embarcações de pesca, torpedeamentos e alguns afundamentos causados por minas, nada de muito significativo. 97 84.O Ano Associação Economia Azul – Unidos pelo Mar O Oceano em Movimento, a Cooperação entre Povos PREÂMBULO O mecanismo que se pretende implementar tem duas componentes que se descrevem: – Realização de “Encontros do Oceano” – Realização de uma “Conferencia anual do Oceano em língua portuguesa” A AEZULMAR – Associação Economia Azul, foi criada com a missão de reforçar o conhecimento das potencialidades económicas do Oceano e de dinamizar iniciativas para melhorar a literacia e cultura marítimas. Sendo o Oceano uma realidade global, o fomento da cooperação entre os povos, é uma das responsabilidades que a Associação se propõe, sabendo que há que ter sempre em conta a solidariedade e a responsabilidade social, que permita que o Oceano contribua para o processo de transição para a Economia Azul, como forma de concretização do ODS 14 (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas) e o alcance da meta 14.7, particularmente no que concerne à conservação e utilização sustentável dos recursos marinhos. “ENCONTROS DO OCEANO” A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL A cooperação pretendida terá sempre em atenção a parte cultural e a parte económica, e a Associação está já a desenvolver iniciativas de cooperação com a Costa do Marfim, através de um projeto denominado “Portugal Marítimo”, devendo ser replicado noutros países. A COOPERAÇÃO NO ÂMBITO DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA Os “Encontros do Oceano” e a “Conferência do Oceano de Língua Portuguesa” estão em marcha. Na CPLP, o Oceano representa um elemento fundamental a considerar na definição das políticas públicas, pela sua importância intrínseca, mas também pela transversalidade entre este setor e muitas outras dimensões de desenvolvimento. A “Estratégia da CPLP para os Oceanos”, é o referencial para a promoção do desenvolvimento sustentável do espaço oceânico sob jurisdição dos Estados-Membros da CPLP e o instrumento primordial para orientar a cooperação da Comunidade neste domínio, exigindo níveis acrescidos de compromisso e uma gestão orientada para a sua sustentabilidade. Para os Países de Língua Portuguesa existem razões históricas e concretas para que a cooperação tenha contornos próprios, por várias razões. Por um lado, deverá ser realizada de forma multilateral, e em torno da língua portuguesa; por outro lado, as questões relacionadas com a dispersão geográfica e a grande diferença das economias e das populações, exigem iniciativas apropriadas e especiais. Terão uma forma semelhante aos que têm sido realizados pela AEZULMAR, a nível de vários municípios em Portugal, e irão ser replicados também em vários municípios dos Países da CPLP, ajustados às condições concretas das necessidades de cada um: – Duração máxima de dois dias – Apresentações e debates em auditório sobre temas selecionados – Envolvimento dos alunos dos grupos de Escolas locais, fomentando a aproximação ao mar, incluindo sempre que possível a prática de desportos náuticos – Mini-feira para apresentação da economia local “CONFERÊNCIA DO OCEANO DE LÍNGUA PORTUGUESA” A realizar de forma rotativa em cada um dos Países da CPLP, em termos semelhantes aos “Encontros do Oceano”, mas dando mais relevo à parte económica, ou seja: – Realizada anualmente, com um máximo de três dias. – Apresentações e debates em auditório sobre temas selecionados. – Realização de uma feira da economia do Oceano da CPLP com participação alargada. – Elaboração de relatório em site apropriado, criado para o efeito. ASSINATURA DA REVISTA Assinando a Revista de Marinha recebe o seu exemplar, em sua casa, a um preço mais económico. Envie-nos pelo correio um boletim de assinatura, acompanhado de um cheque ou vale de correio, à ordem da firma “ENN - Editora Náutica Nacional, Lda.”, ou faça uma transferência bancária para o nosso NIB no Banco Montepio 0036 0063 9910 0073 855 37, não esquecendo identificar-se. Poderá ainda autorizar o débito em conta (SDD). No nosso site, www.revistademarinha.com encontrará também o modelo do impresso, que poderá imprimir. Contacte-nos para o 91 996 4738 ou 21 580 98 91 e para os e-mails: [email protected] ou [email protected] · 98 PREÇOS DAS ASSINATURAS DA REVISTA DE MARINHA 6 NÚMEROS Portugal . . . . . . . . . . . . . . . E 27,50 Europa . . . . . . . . . . . . . . . . E 47,50 Extra-Europa . . . . . . . . . . . E 52,50 PDF (digital) 2021 . . . . · . .Revista . . . . .de . EMarinha 20,00 1023 Setembro/Outubro ALWAYS THERE. EVERYWHERE. Navegação e comunicações Instalação e manutenção Inspeções de equipamentos de navegação, radio e VDR Monitorização remota Conectividade A Radio Holland, globalmente reconhecida como fornecedora e prestadora de serviços de equipamentos NavCom, possui uma incomparável rede de filiais (mais de 80) para assistir o seu navio ao longo das rotas marítimas globais Tel. +351 213 976 087 | E [email protected] | www.radioholland.com