Número 5
ISSN 1853-7626
RBANIA
Revista latinoamericana de
arqueología e historia
de las ciudades
RQUEOCOOP
Urbania. Revista de arqueología e historia de las ciudades
ISSN 1853-7626
Número 5 - 2016
Publicación anual por
Arqueocoop Ltda.
Impreso en Argentina
Director: Ulises Camino
Diseño de tapa: Sheila Alí, Aniela Traba y Diana Vigliocco
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Gerais – Brasil
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En la lista de evaluadores de
Urbania N°4 (2015), pp. 5,
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URBANIA
REVISTA LATINOAMERICANA DE ARQUEOLOGÍA E HISTORIA DE
LAS CIUDADES
ISSN 1853-7626
Número 5 (2016)
CONTENIDOS
Editorial
9-12
Prólogo
Mariano Ramos
13-20
Artículo
Hibridismo e inovação em cerâmicas coloniais do Rio de janeiro,
séculos XVII e XVIII
Marcos André Torres de Souza y Tania Andrade Lima
21-60
Ensayo
A reciclagem dos significados locais: as praças históricas de Manaus
Tatiana Pedrosa
61-70
Informes Extendidos
Madera con historia: puerta colonial de la casa de Liniers
Ana María Giménez, María Eugenia Figueroa y José Díaz Zirpolo
71-86
San Juan Bautista, Tabasco. Identidad de clase en una ciudad
comercial durante la transición de los siglos XIX al XX
Miguel Guevara Chumacero y Alejandra Pichardo Fragoso
87-116
Informes Breves
Informe breve: Análisis de los botones Prosser del sitio
“La Basurita” (Rosario, Santa Fe)
Ma. Fernanda Bruzzoni
Urbania. Revista latinoamericana de arqueología e historia de las ciudades, 5 (2016).
ISSN 1853-7626. Arqueocoop ltda. Buenos Aires.
117-128
Defensa 1344. Una casa que persiste a pesar de la dinámica
del paisaje urbano
Eva Bernat, Mario Silveira y Horacio Padula
129-140
Entrevista
Entrevista a Luis Lumbreras, por Javier Hanela
141-146
N o r ma s E d i t o r i a l e s
147-158
Urbania. Revista latinoamericana de arqueología e historia de las ciudades, 5 (2016).
ISSN 1853-7626. Arqueocoop ltda. Buenos Aires.
HIBRIDISMO E INOVAÇÃO EM CERÂMICAS COLONIAIS DO
RIO DE JANEIRO, SÉCULOS XVII E XVIII
Marcos André Torres de SouzaI
Tania Andrade Lima II
Recibido: 30/04/2016
Aceptado: 17/11/2016
RESUMO
Este artigo examina um conjunto de artefatos cerâmicos provenientes de um sítio
arqueológico localizado no centro histórico do Rio de Janeiro e datado entre fins do século
17 e meados do século 18, período em que essa cidade passou de um pequeno núcleo
urbano situado na periferia do mundo colonial português para um dos mais importantes
centros do Brasil e da América Latina. Na primeira parte do texto, é feita a caracterização
desse material do ponto de vista da sua tecnologia, decoração e função. Na segunda parte,
são examinados alguns dos sentidos e significados atribuídos a esses artefatos, com foco
em três aspectos principais: a) sua relação com o desenvolvimento da cidade como centro
cosmopolita e de fluxo intenso de mercadorias e pessoas; b) sua relação com sujeitos
específicos, e c) com as lutas sociais do período colonial.
Palavras-chave: arqueologia urbana - Rio de Janeiro colonial - cerâmica histórica hibridismo cultural - inovação cultural
RESUMEN
HIBRIDISMO E INNOVACIÓN EN CERÁMICAS COLONIALES
DE RÍO DE JANEIRO, SIGLOS XVII – XVIII
Este artículo examina un conjunto de artefactos provenientes de un sitio arqueológico
localizado en el centro histórico de Río de Janeiro datado entre finales del siglo XVII y
mediados del siglo XVIII, periodo en el cual la ciudad pasó de ser un pequeño núcleo
urbano situado en la periferia del mundo colonial portugués a ser uno de los más
importantes centros de Brasil y de América Latina. En la primera parte del texto, se realiza
una caracterización del material desde el punto de vista de su tecnología, decoración y
Departamento de Antropologia / Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Programa de Pósgraduação em Arqueologia - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil
[email protected] –
[email protected]
I,II
Torres de Souza, M., y T. Andrade Lima. 2016. Hibridismo e inovação em cerâmicas coloniais do Rio de Janeiro, séculos
XVII e XVIII. Urbania. Revista latinoamericana de arqueología e historia de las ciudades 5:21-60. ISSN 1853-7626.
Arqueocoop ltda. Buenos Aires.
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función. En la segunda parte, son examinados algunos de los sentidos y significados
atribuidos a dichos artefactos, enfocándose en tres aspectos principales: a) su relación con
el desarrollo de la ciudad como centro cosmopolita y de flujo intenso de mercancías y
personas; b) su relación con sujetos específicos, y c) su relación con las luchas sociales del
periodo colonial.
Palabras clave: arqueología urbana - Rio de Janeiro colonial - cerámica histórica hibridismo cultural - innovación cultural
HYBRIDISM AND INNOVATION IN COLONIAL POTTERY FROM
RIO DE JANEIRO, 17TH AND 18TH CENTURIES
ABSTRACT
This article examines a sample of low fired earthen wares from an archaeological site
located in downtown Rio de Janeiro dated between the last two decades of the
seventeenth-century and the mid-eighteenth century. During this period, the city
transformed from a small village located on the periphery of the Portuguese colonial
world into one of the most important cities in Brazil and Latin America. The first part of
this article describes the earthen wares, including their composition, decorations and
functions. In the second part, some of the meanings attached to these artifacts are
explored. This section focuses on three major aspects: a) the relation of these artifacts to
the development of Rio de Janeiro as a cosmopolitan center and as a place of circulation of
people and goods; b) their relation to specific individuals, and c) their relation to the
social struggles of the colonial period.
Keywords: urban archaeology - colonial Rio de Janeiro - historical pottery - cultural
Hybridism - cultural innovation
“Todo o nosso mundo, o mundo novo, foi construído a partir de uma radical
experiência de ruptura: o homem novo, que pelas navegações parece incompatibilizar-se
com suas próprias raízes, promete a si mesmo um mundo totalmente outro. Sua missão é
nova: a construção de um mundo realmente inédito”
Bornheim 1998:18
INTRODUÇÃO
Na construção de sua história sobre o Rio de Janeiro do século 17, Vivaldo Coaracy
(1944) compilou, em ordem cronológica, dados sobre a vida politica, social e econômica
da cidade. Levado pelos acontecimentos narrados na correspondência oficial, chega ao fim
do seu texto com pelo menos duas impressões. Por um lado, nota um momento de
transformação econômica operado nos últimos anos do século 17, amplamente
impulsionado pela recém-descoberta de ouro nos sertões do Brasil, que teria sido
responsável por um importante aquecimento da economia local e da vida na cidade. Por
Urbania. Revista latinoamericana de arqueología e historia de las ciudades, 5 (2016), pp. 21-60.
ISSN1853-7626. Arqueocoop ltda. Buenos Aires.
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outro, percebe, com muita perspicácia, o amadurecimento de uma sociedade que,
gradualmente, adquiria características próprias. Conforme notado por ele, famílias se
radicaram, gerações começaram a se suceder, e um certo senso de continuidade foi criado.
Ao mesmo tempo em que o Rio de Janeiro crescia e se diversificava, sua população
consolidava modos particulares de vida e existência.
Embora fazendo um percurso distinto e servindo-se de uma fonte diversa, este artigo
pretende tocar em questões muito próximas às que foram colocadas por Coaracy. É nosso
objetivo buscar uma compreensão da vida na cidade durante parte do período colonial,
discutindo, por meio de uma perspectiva arqueológica, aspectos que se associam à
emergência do Rio de Janeiro como um centro cosmopolita e a algumas das implicações
desse processo, sobretudo aquelas ligadas à conformação cultural e social dos seus
diferentes habitantes.
Para o encaminhamento dessas discussões, usamos como fonte uma amostra cerâmica
proveniente de um pequeno terreno, de apenas de 580 m², situado na atual rua da
Assembleia, centro do Rio de Janeiro. Esse sítio, pesquisado por uma equipe coordenada
por Andrade Lima, revelou vários alicerces datados do século 18 e, por baixo deles, uma
área de deposição arqueológica de excepcional fertilidade arqueológica. Revelou também,
nos fundos do terreno, um poço d’água feito de alvenaria de pedra argamassada (Figura
1).
No século 17, esse sítio situava-se ao fim de um dos caminhos que, nascendo na praia,
seguiam rumo ao interior. A essa época, a cidade ainda embrionária contava apenas com
duas quadras situadas à beira mar. Com o correr do século 18, ela gradualmente se
expandiu, assim como seu arruamento, incorporando de forma mais efetiva a atual rua da
Assembleia (Figura 2). Nesse tempo, o terreno correspondente ao sítio não contava com
qualquer edificação. As evidências encontradas sugerem que ele era utilizado até então
apenas como área de dejeção de lixo e ponto de aguada, ambas as tarefas desempenhadas
por cativos. A eles cabia o recolhimento e despejo do lixo urbano, assim como a coleta de
água nos poços então existentes para ser distribuída à população, de tal forma que o sítio
foi interpretado como um ponto de encontro de africanos escravizados. Seria só no último
quartel daquele século que seriam feitas edificações no local, ocasião em que a área de
despejo de dejetos mais antiga foi selada pelas construções que lhes foram sobrepostas. O
poço continuou sendo utilizado, porém agora apenas em âmbito doméstico, por uma das
habitações, tendo sido aparentemente desativado apenas nos últimos anos do século 18
ou início do 19 (Lima e Locks 2016).
Assim, não obstante suas pequenas dimensões, o sítio, pela sua localização em um
ponto nevrálgico do núcleo urbano em expansão, e por concentrar evidências da sua
dinâmica ao longo de vários séculos, constitui uma rara oportunidade para se observar
elementos da vida cotidiana dos seus habitantes, inequivocamente associados a processos
socioculturais mais amplos.
A cerâmica aqui analisada é proveniente dos estratos de ocupação mais antigos do
sítio. Conforme indica a datação dos cachimbos de caulim aí encontrados, feita através do
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Figura 1. À direita, planta com a localização das estruturas arqueológicas identificadas; à esquerda, planta com a
distribuição dos materiais arqueológicos encontrados no terreno (Lima e Locks 2016).
método Harrington (1954), esse depósito teve um intervalo de formação situado entre
cerca de 1680 e 17501. Relaciona-se, assim, a um momento específico da história da
cidade, associado ao seu crescimento econômico e anterior à transferência da sede do
vice-reino de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763. Dada essa característica, esse sítio
oferece uma janela importante para a compreensão do cotidiano da cidade nesse período,
situando-se em um momento em que sua vida política, econômica e social florescia, ao
mesmo tempo em que nela se sedimentavam modos próprios de existência.
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Esse sítio, por se tratar de uma área de despejo do lixo urbano produzido nas suas
cercanias, oferece também uma rara oportunidade para a compreensão das práticas
culturais associadas às pessoas que viviam nas suas imediações. Em função da sua
localização e uso, ele pode ser relacionado a um número muito variado de indivíduos cujo
lixo foi depositado lá. Conforme assinalaram Lima e Locks (2016), “os mais diversos
segmentos da população aí circulavam ou estavam estabelecidos: aristocratas, grandes
negociantes, altas e baixas patentes militares, altos e baixos funcionários da burocracia
civil, membros da hierarquia do clero, pequenos comerciantes, oficiais mecânicos,
artesãos, aventureiros, traficantes de escravos, indígenas e africanos escravizados, entre
outros”. Nesse sentido, a análise desse conjunto cerâmico pode permitir novas
compreensões sobre a existência e sentidos dados por essas pessoas as suas vidas. Para o
encaminhamento dessas discussões, a análise de artefatos cerâmicos pode ser
especialmente útil, na medida em que eles eram, pelo menos em parte, produzidos no
nível local ou regional e, desse modo, estavam mais diretamente abertos à influência dos
seus produtores e usuários.
Figura 2. Planta da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, de autoria de Jean Massé, 1714, que
representa o incipiente núcleo urbano à época. A atual rua da Assembleia é a segunda, da esquerda para
a direita, e o ponto assinala a localização do terreno investigado.
Para fins analíticos, vamos considerar neste artigo um conjunto específico de artefatos:
as chamadas cerâmicas simples, que são aquelas que foram queimadas em baixas
temperaturas e não receberam qualquer tipo de vitrificação, glasura ou esmalte. Nossa
análise vai se restringir ainda àquelas de uso cotidiano e que foram empregadas no
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processamento e armazenagem de alimentos, bem como àquelas de uso multifuncional
que serviram, pelo menos em parte, para funções ligadas à alimentação. Esse conjunto
compõe uma parte muito significativa da amostra, estando representado por um número
mínimo de 550 peças, referentes a 469 recipientes e 81 tampas2. Entre esses vasilhames,
89,9% tiveram sua função identificada, o que favorece sua correlação com certas
atividades cotidianas.
Para a interpretação desses dados, tomaremos como ponto de partida o conceito de
hibridação, conforme proposto por Canclini (2006). Baseado em algumas das proposições
de Homi Babha, esse autor entende as culturas como sistemas abertos e dinâmicos, de tal
forma que quando acontecem encontros, tem inicio a formação de híbridos, que, segundo
ele, constituem-se em processos que podem resultar em inúmeras combinações, como
assimilação, repulsão, fusão, exclusão, etc., surgindo, desse processo, algo inteiramente
novo.
Na primeira parte deste texto, apresentamos os dados relativos às cerâmicas, que
foram sistematizados em referência a grandes conjuntos funcionais, além das tampas,
tratadas separadamente. Em seguida, apresentamos algumas considerações referentes aos
sentidos e significados ligados a esses utensílios, esperando, com isso, contribuir para uma
melhor compreensão das vivências no Rio de Janeiro colonial.
A AMOSTRA CERÂMICA
As peças utilizadas no preparo de alimentos
Os recipientes utilizados no preparo de alimentos constituíram o grupo mais
abundante, totalizando um número mínimo de 201 peças, o que representa 50% dos
recipientes cuja função pode ser identificadas3.
Do ponto de vista da sua manufatura, esse conjunto apresentou poucas evidências do
emprego da técnica do acordelado, que no Brasil era comumente utilizada para a
confecção desse tipo de recipiente. Contrariando o que seria esperado, foi identificado um
número elevado de peças confeccionadas por moldagem4. Esses recipientes eram
geralmente moldados da base até o ponto em que o bojo alcançava seu maior diâmetro.
Desse ponto até a abertura, o recipiente era acabado por modelagem.
A adição mais frequentemente encontrada foi o quartzo moído que, via de regra,
apresenta-se de forma heterogênea. Tendo em vista sua angulação, quase sempre
acentuada, bem como sua recorrência na amostra, pode-se considerar que ele foi, muito
possivelmente, acrescentado de forma intencional à argila para servir como tempero.
Outras adições foram também encontradas, ainda que com baixíssima incidência. Entre
essas, apenas cacos moídos podem ser efetivamente caracterizados como tempero. As
demais identificadas não permitem essa afirmativa, estando incluídos nesse grupo outros
tipos de mineral, fragmentos de tijolos, saibro e conchas, que podiam estar presentes nas
fontes de argila5.
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As características físicas desses recipientes sugerem que as estratégias usadas para
garantir-lhes resistência ao fogo foi variada. No Brasil, a mais comumente usada com esse
fim era a queima do vasilhame em atmosfera redutora ou esfumarada, que produz uma
coloração escurecida na pasta e dá ao vasilhame maior resistência ao calor. A presença
desse tipo de queima nos recipientes da amostra usados no preparo de alimentos é,
todavia, pouco frequente, aparecendo em apenas 12,4% dos casos, o que também parece
contrariar uma tendência verificada em outros contextos brasileiros. Em alguns casos, a
resistência ao fogo era alcançada por meio de outros mecanismos, como a manufatura de
paredes mais finas, que conduzem melhor o calor e reduzem o gradiente térmico entre as
superfícies externa e interna (Rice 1987:237). Ainda que não seja possível verificar a
intencionalidade de algumas inclusões, deve-se considerar que as conchas e tijolos moídos
podem também ter contribuído para dar a esses recipientes maior tolerância ao fogo, já
que eles têm a propriedade de reduzir o stress térmico (Rice 1987:230).
Os recipientes empregados no preparo de alimentos foram, em geral, aparelhados para
serem manuseados com mais facilidade, de modo a prevenir choques ou contato do seu
usuário com o calor, o que os aproxima, nesse particular, das panelas usadas na Europa e,
em especial, Portugal. Esses utensílios apresentam bases planas, o que lhes confere
estabilidade em superfícies tais como mesas, armários e estantes. Um grande número de
asas e alças foi também identificado6. Geralmente presentes na parte superior do bojo ou
próximo ao lábio, esses apêndices aparecem em número de dois, colocados em lados
opostos do recipiente. Um dado interessante a esse respeito vem da feição das asas. Em
muitas regiões brasileiras, elas foram feitas com apenas uma pequena reentrância para os
dedos. Nas panelas desse sítio, muitos desses apêndices permitiam uma melhor pegada,
graças à criação de um contorno mais protuberante ou de um pegador vazado,
conformando uma asa (Figuras 3 e 4). É interessante notar que, neste último caso, temos
uma maior aproximação com as panelas portuguesas do período, que apresentavam
também pegadores vazados e com mais espaço para a colocação das mãos ou dedos. Em
35,3% das peças de preparo de alimentos foi identificada ainda a ocorrência de um
tratamento de superfície escovado na parte externa. Esse tratamento era geralmente
produzido pelo uso de sabugos de milho, resultando em uma superfície texturizada que
permitia o manuseio mais seguro da peça. Deve-se considerar que a presença de tais
recursos não é verificada de forma universal, sendo um indicador importante de
demandas culturais de origem europeia que, conforme se verá adiante, se repete em
outras das variáveis analisadas.
As formas desses recipientes mostraram-se bastante variadas, tendo sido identificado
um total de 17 tipos (Figura 5)7. Embora, no seu conjunto, estivessem associadas a
sujeitos muito diversos, podiam estar relacionadas, em certas situações, a grupos mais
restritos. Acreditamos que esse tenha sido o caso do recipiente mais popular da amostra,
que atribuímos aos cativos de origem africana. Esse tipo compreende um conjunto de 52
utensílios globulares que, somados, perfazem 16,7% da amostra total (Figura 5, formas 7
a 9). Embora essa forma seja disseminada nas mais diferentes culturas, deve-se notar que
em Portugal ela não gozava de qualquer popularidade. Na literatura por nós levantada e
referente à antiga metrópole, encontramos sua ocorrência apenas na região de Almada,
em um contexto datado entre fins do século 17 e início do século 18. Os pesquisadores que
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estudaram essa cerâmica (Barros e Cardoso 2008), a identificaram como estranha ao
período, relacionando-a aos escravos que lá viveram. Assim como esses autores,
acreditamos que é do continente africano que vem a escolha por esse tipo de forma.
Embora seja muito difícil mapear influências mais específicas, deve-se considerar que seu
uso é comum em diferentes tradições ceramistas ligadas às regiões africanas do tráfico
atlântico8, bem como em outras partes das Américas onde foi maciça a presença de cativos
provenientes dessas regiões. Por exemplo, em uma pesquisa arqueológica realizada na
colônia pioneira de Puerto Real (Haiti), Deagan (1996:147-148) identificou recipientes
com esse tipo de forma que, segundo ela, são de influência africana. É interessante notar
que, na rua da Assembleia, essa cerâmica geralmente se associa a um diâmetro de base
muito pequeno e a uma junção bojo-base mal definida, sugerindo que os produtores desse
tipo de recipiente aderiram de forma relutante à demanda colonial por recipientes
estáveis e de fácil apoio em superfícies planas. Conforme discutido anteriormente por
Souza (2015) há em muitas regiões da África uma clara preferência por bases côncavas, na
medida em que elas se ajustam melhor a fogões formados por tripés e a apoios
improvisados, ou simplesmente ao descanso no solo onde se assenta uma fogueira. A
Figura 6 (a) exemplifica a transposição dessa associação panela-fogo para o contexto
brasileiro. Nela vê-se uma escrava nas ruas do Rio de Janeiro cozinhando em um
recipiente globular que está apoiado quase que diretamente sobre o fogo.
Figura 3. Alças de panelas.
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Figura 4. Detalhe de asa de panela.
Enquanto algumas formas parecem se aproximar de modo mais direto das encontradas
no continente africano, outras se mostram mais próximas de uma tradição portuguesa. O
exemplo que nos parece mais evidente é o da forma 14 (Figuras 5 e 7). Esse tipo de
recipiente, assim como sua asa, que tem um formato triangular localizado na borda do
recipiente, é recorrente nos tachos, frigideiras e caçarolas recuperados em contextos
arqueológicos associados ao período moderno português (cf. Fernandes e Carvalho 1998;
Silva e Guinote 1998). Outros recipientes apresentam correlações mais discretas. Esse é o
caso das formas 10 e 11 (Figura 5), cujo contorno e feição assemelham-se a um tipo de
panela muito popular em Portugal nos séculos 17 e 18 (cf. Diogo e Trindade 1995;
Cardoso e Rodrigues 1997).
A despeito dessas afinidades, a maioria das formas identificadas não pode ser
relacionada a tradições ceramistas específicas. Encontram, todavia, correlatos com outros
contextos regionais brasileiros. Esse é, por exemplo, o caso das formas 2 e 3 representadas
na Figura 5 (cf. Souza e Symanski 2009: 531).
Um grupo importante neste conjunto refere-se a três tipos de recipientes de boca larga
(Figura 5, formas 15 a 17), que incluem duas formas de frigideiras (Figura 15, formas 15 e
16). Este grupo apresenta, com alguma frequência, marcas de deposição de carbono na
sua parte interna, produzidas durante o processo de cocção dos alimentos9. Nesse tipo de
vasilhame, a queima redutora aparece em maior proporção, sugerindo sua produção com
vistas à obtenção de maior resistência térmica. Dadas as suas características, foram muito
possivelmente empregados em processos de fritura ou torração de alimentos em ponto
próximo à fonte de calor. Um exemplo desse tipo de recipiente aparece em uma ilustração
feita por Debret (Figura 6, e).
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Figura 5. Formas e frequências percentuais dos recipientes usados no preparo, estocagem e transporte de alimentos, e de uso multifuncional.
Os gráficos da parte inferior da figura referem-se aos percentuais de cada forma em relação ao total da amostra.
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Figura 6. Reproduções parciais de obras de Jean-Baptiste Debret: a) “Negra de ganho e negra
cega”, c.1817-1829; b) “Aluá, limões, doces e canas-de-açúcar, os refrescos usuais nas tardes de
verão”, 1826; c) “Quitandeiras de diversas qualidades”, 1826; d) “Máscara que se usa nos negros
que têm o hábito de comer terra”, c.1817-1829; e) “Família pobre recolhendo produto do trabalho
da negra velha que carrega água”, 1827; f-g) Carnet da Biblioteca Nacional da França, 1817-1829;
h) “Vasos feitos de terra”, 1835.
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Além dessas formas, aparecem outras menos populares. Algumas delas chegam a estar
representadas, curiosamente, por apenas uma peça, como é o caso da forma 1 (Figura 5).
Embora única na amostra, ela aparece com frequência em alguns contextos coloniais
ligados à mineração (Souza 2015). Como se verá adiante, a decoração que esse recipiente
apresenta é também bastante distinta. Tendo em vista a incidência isolada desse tipo de
forma na amostra, bem como sua recorrência em contextos mineradores, é possível que
sua introdução tenha sido feita por viajantes oriundos dessas regiões. Ainda que a
confirmação da presença de cerâmicas exógenas na amostra só seja possível por meio de
análises químicas e físicas, o que foge ao escopo da presente análise, é importante
considerar que alguns desses recipientes podem estar ligados ao trânsito de pessoas com
diversas procedências na cidade. Não deve, inclusive, ser descartada a possibilidade de
existirem, nesta amostra, peças provenientes de Portugal.
Figura 7. Forma 14.
Como um todo, a diversidade de formas encontradas neste conjunto sinaliza uma
conjunção de diferentes influências e contatos culturais. As decorações presentes nessas
peças, ainda que tenham baixa incidência, nos permitem avançar nessa discussão.
Os utensílios utilizados no preparo de alimentos foram os que apresentaram menor
percentual de peças decoradas. Apenas 36,8% dos recipientes apresentou decoração,
tendo sido possível a identificação do tipo de padrão decorativo em 32,6% dos casos.
Entre esses, o mais comum era formado por uma faixa contínua horizontal, produzida pela
sucessão de digitados, ungulados ou digitungulados, presente em 22,5% da amostra10.
Essa faixa circundava toda a peça, no bojo superior ou no pescoço do recipiente (Figura 8,
a). Está presente também em algumas asas, que geralmente apresentam essa faixa
decorada na sua parte superior (Figura 4). Uma característica importante de ser
observada nessas decorações diz respeito a sua aplicação em diferentes tipos de forma.
Embora presente em apenas 22,5% das peças, elas ocorrem em boa parte dos tipos
identificados, conforme pode ser notado na Tabela 1. Se os casos negativos e com baixa
incidência na amostra forem excluídos (formas 1, 11, 13 e 14), pode-se notar que apenas a
forma 12 não apresenta esse padrão, sendo, assim, a única que pode ser efetivamente
caracterizada como um caso onde ele não está presente. Dado o uso disseminado dessa
faixa decorada, é possível perceber, entre seus produtores, um interesse pela criação de
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uma linguagem comum para esses recipientes. Não obstante, e a despeito da relevância
desse tipo de decoração, havia certas resistências para que sua adoção se generalizasse
inteiramente. Por exemplo, a forma 12 apresentou-se, invariavelmente, sem qualquer
decoração. Há casos também em que o padrão formado por digitados, ungulados ou
digitungulados aparece em percentuais muito pequenos, como, por exemplo, nas formas 8,
15 e 16, cuja incidência gira entre 10 e 17%. Não é clara a razão dessa variação.
Além do padrão acima descrito, foram encontrados outros, que acrescentam alguma
diversidade à amostra. Em termos de popularidade, seguiram-se diversos padrões
produzidos por incisão e, ocasionalmente, por sulcos, que estão presentes em 6,7% dos
recipientes. O mais popular desse grupo é constituído por um friso único circundando a
peça, geralmente colocado próximo ao lábio. Essa decoração está presente em 5,4% dos
casos. Ainda mais incomum foi a presença de um ondulado horizontal, também
circundando a peça, e é interessante notar que, apesar de estar representado por apenas
um recipiente, esse padrão viria a gozar de certa popularidade no século 19, aparecendo,
inclusive, em diferentes sítios da região sudeste datados desse período (Agostini
1998:130-141; 2011). Essa incidência coincide com as ilustrações feitas por Debret, que o
representou mais de uma vez na sua obra (Figura 6, f e g). Conforme se verá adiante, esse
padrão deriva daquele usado nas peças ligadas à estocagem de alimentos.
Padrões incisos incomuns apareceram ainda em dois outros recipientes. Nesses casos,
eles são formados por linhas paralelas finamente executadas e que dão origem a motivos
geométricos retilíneos (Figura 8, b e c). Embora completamente estranhas a essa amostra,
essas decorações foram muito comuns em contextos do século 18 ligados aos paulistas
(Morales 2001; Zanettini 2005) e suas zonas de influência, como Goiás (Souza 2002,
2010), Mato Grosso (Souza e Symanski 2009) e Rio Grande do Sul (Jacobus 1996). Neste
caso, parece mais plausível considerarmos essas peças como exógenas, possivelmente
trazidas por viajantes. Essa possibilidade é reforçada pela forma associada a uma dessas
decorações (Figura 5, forma 1) que, conforme antes assinalado, é provavelmente de
produção externa. Foram encontradas ainda decorações produzidas por meio de outras
técnicas, que aparecem de forma muito ocasional na amostra, incluindo o corrugado,
acanalado e impresso. Entre essas, deve ser destacado o corrugado, um tipo de decoração
caracteristicamente indígena e que foi verificado em apenas um recipiente.
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Figura 8. Material cerâmico proveniente da rua da Assembleia com diferentes tipos de
decoração: a) digitungulado; b) incisões cruzadas sobrepostas a roletes aparentes; c)
incisões formando ziguezagues com friso na parte superior; d) pinturas e frisos próximos à
borda; e) ondulados horizontais; f) Faixas; g) decoração “barroca”.
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16
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N Peças
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2
13
12
19
3
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2
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6
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N Dec
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1
3
6
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3
0
0
0
0
2
1
1
% Dec
0,0
50
5,3
100
50
50
0,0
0,0
0,0
0,0
69,2 58,3
13,2 100
10,5 16,7 11,1
Tabela 1. Frequências percentuais dos padrões formados por digitados, ungulados e digitungulados nas
formas associadas ao preparo de alimentos.
As peças usadas no serviço e consumo de alimentos
No século 18, os itens ligados ao serviço e consumo de alimentos apresentavam certa
relevância, uma tendência que se tornou decrescente com a chegada do século 19.
Todavia, este conjunto apresentou um número supreendentemente baixo de peças, tendo
sido identificado um mínimo de 15 recipientes, o que representa apenas 4,8% da amostra.
Dado que ele se mostrou muito reduzido, não foi possível verificar com segurança as
técnicas empregadas na sua confecção ou preferências específicas no uso de temperos. No
que diz respeito à queima, ela parece indicar ter havido uma escolha por atmosferas
oxidantes, tendência que geralmente é verificada em outros contextos ligados ao período
colonial (e.g. Souza e Symanski 2009; Souza 2010). Ao contrário dos demais conjuntos,
essas peças não apresentaram asas ou alças.
Para este conjunto foram identificadas apenas três formas de tigela. A primeira,
representada por cinco recipientes, exibe um contorno simples, com uma parede
completamente curva (Figura 9, a). A segunda, representada por nove recipientes, tende a
ser mais rasa, possuindo uma inflexão característica próxima à borda. A terceira,
representada apenas por um recipiente, possui um contorno composto, apresentando uma
carena na porção média-superior do seu bojo.
Figura 9. Formas de tigelas identificadas. a) Forma 18; b) forma 19; c) forma 20.
De modo geral, as formas desses recipientes parecem querer reproduzir as tigelas e
escudelas portuguesas do período. Embora a de número 18 ocorra com frequência nos
mais diversos contextos, incluindo aqueles ligados ao período colonial no Brasil (e.g.
Souza 2002:70), ela foi de uso comum em Portugal (cf. Alves et al. 1998; Silva e Guinote
1998). O mesmo pode ser dito acerca das formas 19 (cf. Alves et al. 1998; Diogo e
Trindade 2000; Teichner 2003; Gomes 2012) e 20, cujo contorno carenado é igualmente
encontrado em conjuntos cerâmicos portugueses (cf. Fernandes e Carvalho 1998;
Teichner 2003; Leite e Nunes 2008:191).
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Essa afinidade das tigelas com seus congêneres portugueses é reforçada pela
decoração presente nesses recipientes. Entre as peças pertencentes a esse conjunto,
89,1% apresentaram decoração composta, predominantemente, por frisos retilíneos
colocados próximo à borda, em 45,5% das peças. Em termos de popularidade, seguem-se
os padrões compondo faixas continuas próximas à borda, presentes em 18,2% das peças;
e a cobertura da peça com pintura vermelha11, ora externa, ora interna, presente também
em 18,2% das peças (Figura 8, d). Em Portugal, essas decorações eram usadas de forma
recorrente nas tigelas e escudelas (cf. Silva e Guinote 1998; Diogo e Trindade 2000), o que
reforça a ligação entre o conjunto encontrado na rua da Assembleia e a antiga metrópole.
É merecedora de menção a ausência de malgas cerâmicas, geralmente usadas no
consumo individual de alimentos líquidos ou pastosos e com frequência presentes em
contextos datados do século 18 (e.g. Souza 2002). Tampouco foram encontrados pratos ou
púcaros, igualmente utilizados em Portugal e encontrados em contextos coloniais antigos
no Brasil, sobretudo estes últimos (Etchevarne 2006). Chama a atenção na amostra a
ausência dessas formas, bem como, de modo mais amplo, a baixíssima incidência de peças
ligadas ao serviço e consumo de alimentos. Deve-se considerar que desses itens servia-se
não só a população livre, mas também a cativa. A preferência dos africanos e seus
descendentes por malgas e tigelas tem sido verificada em diversos contextos do Brasil e
das Américas (Symanski e Souza 2007:232-234), o que torna esse dado ainda mais
surpreendente.
Conforme já notamos, a baixa popularidade de cerâmicas ligadas ao serviço e consumo
de alimentos tem sido geralmente observada em contextos datados do século 19. Essa
ausência tem sido explicada pela introdução e progressivo barateamento das faianças
finas europeias. No Brasil, esse processo foi, por um lado, resultante da Revolução
Industrial; e, por outro, da chegada da Família Real ao Brasil e da consequente facilitação à
entrada de itens importados, antes protegida por um conjunto de leis e normas
protecionistas. O impacto da introdução de faianças finas no Brasil foi constatado, por
exemplo, em quatro engenhos da Chapada dos Guimarães (MT) pesquisados por Symanski
(2006). Nesses sítios foi verificada uma concomitância entre a progressiva popularização
de faianças finas a partir do fim do século 18 e um processo de diminuição gradual da
incidência de cerâmicas utilizadas no serviço e consumo de alimentos (Souza e Symanski
2009). A baixa incidência dessas peças na rua da Assembleia teve, certamente, outras
razões. A amostra aqui considerada data de um período anterior à popularização das
faianças finas, que só seria iniciada com o desenvolvimento da creamware por Josiah
Wedgwood, em 1759 (Noël Hume 1969:124). Nesse sítio, essa função pode ter sido
cumprida, ao menos em parte, pelas faianças portuguesas, que ocorreram com elevada
frequência.
As peças usadas na estocagem e transporte de alimentos e as de uso multifuncional
Um número significativo da amostra é composto por um conjunto formado por peças
utilizadas na estocagem e transporte de alimentos, bem como por aquelas de uso
multifuncional12. Esse conjunto soma um número mínimo de 118 peças, o que representa
37,9% dos recipientes cuja função pôde ser identificada.
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Sua manufatura foi feita maciçamente por meio de torno, diferindo, nesse sentido, das
demais. Assim como nos outros conjuntos, apresentou como tempero quartzo moído.
Todavia, quando comparado às peças usadas no preparo de alimentos, esse mineral
mostrou uma ligeira tendência a apresentar partículas menores e mais homogêneas. Para
este sítio, isto pode ser explicado, ao menos em parte, pelo fato de esses recipientes terem
sido majoritariamente produzidos em torno. Quando essa técnica é empregada, a/o
ceramista tende a preferir o uso de argilas com partículas menores, de modo a reduzir a
abrasão excessiva nas mãos quando a roda é girada (Rice 1987:128-129). A queima
também mostrou diferenças sutis, predominando uma assinatura de cor clara, geralmente
associada a ambientes oxidantes (Shepard 1956:106-107). Esses recipientes geralmente
possuíam apêndices destinados ao manuseio da peça, predominando as alças, que eram
geralmente largas e com espaço suficiente para a colocação dos dedos e mãos. Uma
comparação desses apêndices com os que são usados em Portugal permite uma associação
muito clara entre ambos (cf. Alves et al. 1998; Teichner 2003; Luna e Cardoso 2004).
Em relação às formas, foi identificado um total de 11 tipos (Figura 5). Um deles
permite explicar a grande incidência desse conjunto na amostra. Ele está representado
por quatro pequenos recipientes cerâmicos que, embora possuam dimensões variáveis,
apresentam-se sempre rasos, com baixa capacidade e uma alça característica, formada
pela dobradura de uma lingueta de argila (Figura 5, Forma 31; Figura 10). Alguns deles
apresentam inscrições no bojo, como a peça que aparece no primeiro plano da Figura 10.
Em Lisboa, inscrições semelhantes foram encontradas em cerâmicas recuperadas
próximas a um poço seiscentista, sendo descritas como “marcas de medida” (Batalha e
Cardoso 2013:119). A conformação dos recipientes encontrados, bem como a presença de
tais marcas, indica seu uso como medidores no comércio de gêneros alimentícios. Sua
utilidade era não só a de permitir a venda de certos produtos em uma medida regulada,
mas também a transferência de substâncias a partir do recipiente onde elas estavam
estocadas. Essa função era assegurada pelo tipo de asa, que, pela sua conformação,
facilitava movimentos verticais. Um exemplo dessa utilidade pode ser visto em uma
ilustração feita por Debret, onde se vê uma vendedora de rua servindo algum tipo de
alimento líquido a uma de suas clientes (Figura 6, b). Encontrado em diversos pontos do
sítio, esse pequeno recipiente, mais adequado a sólidos, ajuda a explicar a alta incidência
deste conjunto, sinalizando a presença de comerciantes de alimentos nas suas
vizinhanças, os quais provavelmente utilizaram cerâmicas de estocagem nas suas
atividades.
Entre as formas identificadas, distinguem-se cinco que estão entre as mais populares e
que são compostas por recipientes com abertura irrestrita (Figura 5, Formas 21 a 25).
Entre essas, verifica-se um tipo de maiores proporções, que compreende 6,8% da amostra
total. Essa forma era extrovertida e provida de uma borda reforçada ou dobra externa
(Figura 5, Forma 21). Com um diâmetro de abertura que podia exceder 51 centímetros,
era provavelmente destinada ao armazenamento de substâncias sólidas ou líquidas em
maior quantidade. Em virtude de possuir uma abertura larga e irrestrita, permitia o fácil
acesso a seu conteúdo. Um exame preliminar da sua superfície interna revelou diferentes
tipos de desgaste, alguns indicando processos ligados à corrosão química, geralmente
produzida por salmouras, óleos e outras substâncias, ou à erosão salina, causada pela
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penetração de sais em solução nas paredes do vasilhame (Dantas e Lima 2006:33-34). Em
vista desse conjunto de evidências, associamos esta forma à venda de alimentos.
Figura 10. Medidores.
Entre os recipientes de abertura irrestrita estão incluídos também os alguidares, os
mais populares deste conjunto, que são muito comuns em contextos brasileiros. Estão
representados por três diferentes tipos que, somados, representam 17,7% da amostra
(Figura 5, Formas 22 a 24). Assim como no caso da forma 21, possuem boca larga e lábio
extrovertido, geralmente com dobra ou reforço externo. Apresentam-se, todavia, mais
rasos. O alguidar é talvez a forma mais versátil e polivalente dos recipientes cerâmicos
encontrados em sítios históricos. Em um estudo etnoarqueológico sobre as cerâmicas
produzidas em Portugal, Fernandes (2012:293-295) identificou na documentação
histórica menções ao uso desse tipo de recipiente nos serviços de cozinha, na higiene
pessoal, e na venda de peixe e outros produtos. No Brasil, deve-se acrescentar seu uso,
muito conhecido, em rituais de matriz africana13. Embora seja muito difícil identificar os
usos reais desses itens no contexto estudado, consideramos como possível que, ao lado
dos usos domésticos que lhes eram consagrados, eles também estivessem sendo usados
na comercialização de gêneros.
Outro tipo identificado na amostra inclui recipientes cuja forma é muito larga e rasa
(Figura 5, Forma 25). A exemplo dos demais, possuía a borda ora reforçada, ora dobrada
externamente. Desse grupo, foi identificado um número mínimo de 14 peças,
representando 4,5% da amostra total do sítio. Assim como os alguidares, ele podia
cumprir diferentes funções domésticas, bem como ser empregado na comercialização de
gêneros. Nas ilustrações feitas pelos viajantes que passaram pela cidade na primeira
metade do século 19, essas formas são presença constante, geralmente aparecendo nas
mãos de escravas ocupadas com o pequeno comércio de rua. Nessas ilustrações elas são
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usadas para conter frutas ou outros tipos de recipientes, dispostos uns sobre os outros
(Figura 6, c). Valiam-se essas vendedoras da reconhecida facilidade de empilhamento que
têm recipientes rasos e de abertura irrestrita, permitindo, assim, seu transporte de modo
mais conveniente (Rice 1987:240). Ao que sugerem essas ilustrações, deviam concorrer
com as gamelas de madeira e os cestos de boca larga, cuja feição era similar aos
congêneres cerâmicos.
Além dessas formas, foram encontradas outras cuja abertura era restrita. A mais
popular desse grupo era composta pelas talhas (Figura 5, Forma 26)14. Fernandes
(2012:343-344) encontrou em Portugal referências sobre o uso desses recipientes no
armazenamento de líquidos e sólidos, incluindo, entre outros, água, azeite e mel. Nas
ilustrações feitas pelos artistas europeus que passaram pela cidade, eles aparecem
geralmente em duas situações: no pequeno comércio de gêneros e, principalmente, no
transporte de água (Figura 6, d). Sua boca estreita facilitava o despejo do liquido, ao
mesmo tempo em que impedia que ele fosse derramado durante o transporte.
Acreditamos também que um mecanismo adicional permitia a conservação do conteúdo:
esses recipientes possuíam um pescoço reentrante que, associado a um lábio quase
sempre saliente, permitia a vedação do vasilhame, que podia ser feita com o uso de
barbantes e outros materiais. Disputavam espaço com os barris de madeira, também
muito utilizados pelos aguadeiros15.
Recipientes menores destinados ao armazenamento de líquidos foram também
encontrados, ainda que em baixa quantidade. Neste grupo, pelo menos duas formas foram
identificadas, cada uma representada por uma peça (Figura 5, Formas 27 e 28). Uma delas
foi recuperada quase inteira.
Entre os recipientes de abertura restrita foi identificada também a borda de uma
peroleira (Figura 5, Forma 29). Esses utensílios eram utilizados no comércio atlântico,
servindo para o acondicionamento e transporte de uma quantidade muita variada de
produtos. Recipientes como esse vêm sendo encontrados em contextos coloniais ibéricos
datados dos séculos 17 e 18, incluindo tanto antigas colônias espanholas (Schávelzon
1991; Pasinski e Fournier 2014:97-98) quanto portuguesas (Etchevarne 2006:66; Dias
2012; Calza et al. 2013:624-625). Analisando peroleiras provenientes de diferentes sítios,
Calza et al. (op. cit.) notaram que a confecção desses recipientes era em geral muito mal
cuidada, o que vale para a peça recuperada na rua da Assembleia, que é assimétrica, de
superfície mal acabada e com tempero composto por fragmentos de quartzo grandes e
angulares.
Somam-se aos recipientes acima descritos, um total de 18 peças, que claramente
serviam para armazenar ou transportar gêneros, mas cuja forma não pôde ser
determinada. É interessante também assinalar que nessa amostra não foram encontrados
representantes de alguns tipos que durante o século 19 gozaram de popularidade. Esse foi
o caso das botijas globulares com uma alça-ponte bastante característica16. Representadas
à exaustão pelos artistas europeus que visitaram o Rio de Janeiro no século 19, estão
completamente ausentes desta amostra.
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Embora seja difícil determinar de forma mais precisa os usos dados a cada recipiente
pertencente a este conjunto, nos parece certo que uma parte das peças acima
apresentadas se relacionava às atividades desempenhadas na esfera doméstica, enquanto
outras se ligavam ao comércio de gêneros. Considerando a presença de medidores na
amostra, bem como a expressividade numérica de recipientes que podiam ser usados em
diversas atividades comerciais, acreditamos ter sido essa a função da maioria dos
recipientes desse conjunto. Dadas as características desses utensílios, acreditamos
também que eles podem ser associados à comercialização de gêneros em diferentes
escalas. A peroleira encontrada no sítio sinaliza comércio de longa distância. Ainda que
possa ter sido reutilizada, serve como um indicador importante do envolvimento do Rio
de Janeiro, e desse trecho em particular, com o sistema de trocas atlânticas. A presença de
outros recipientes grandes, como aqueles associados à forma 21, sugere a comercialização
de gêneros a partir de um ponto fixo, situado nas imediações do local de despejo,
provavelmente uma loja ou venda17. A sua conformação pesada, bem como sua elevada
capacidade, fazia com que ele se mostrasse inadequado para o comércio ambulante, que
exigia deslocamentos constantes e cobertura de longas distâncias. Essa suposição é
respaldada pela ausência desse tipo de forma nas inúmeras representações iconográficas
do comércio de rua feito na cidade. Outros recipientes, presentes em muitas dessas
ilustrações, podem ser relacionados a essas e outras modalidades de comércio, incluindo o
ambulante. Este é o caso dos alguidares e da Forma 25. Conforme já notamos
anteriormente, os recipientes rasos e com abertura larga prestam-se bem ao transporte,
mostrando-se mais úteis, assim, para esse tipo de comércio.
A decoração mais recorrentemente encontrada foi a pintura vermelha, utilizada para
recobrir várias peças, recurso utilizado em quase metade delas (49,4%). Acerca do
emprego da pintura, é importante observar a ausência de motivos decorativos nas cores
vermelha sobre fundo branco ou branca sobre fundo vermelho,compondo motivos
vegetais e geométricos, que foram comuns em outros contextos arqueológicos do período
(e.g. Souza 2002; Tedesco e Carvalho 2004).
Acreditamos que a pintura vermelha da peça, que podia ser feita na sua parte externa,
interna, ou em ambas, possuía uma dupla finalidade. A primeira era de ordem funcional. O
recobrimento de utensílios cerâmicos com pintura reduz sua permeabilidade (Rice
1987:231), tornando-os, assim, mais apropriados para o acondicionamento de líquidos,
especialmente por períodos mais prolongados. Em documentos coevos referentes à
produção cerâmica de Portugal, essa propriedade era tida como importante. Por exemplo,
ao discorrer sobre as talhas, uma dessas fontes assinala a necessidade de elas possuírem
um certo grau de impermeabilização, a fim de não permitir que os líquidos nelas contidos
porejassem pelas paredes (Fernandes 2012:343). A outra finalidade era de ordem
decorativa. A análise das peças revelou que a pintura vermelha era colocada quase que
invariavelmente na parte mais visível do recipiente, indicando o desejo de torná-la sempre
perceptível. Por exemplo, nas peças de boca aberta (Formas 21 a 25), predomina a pintura
feita na face interna do recipiente, que é a mais visível. Por outro lado, na talha (Forma
371), a pintura vermelha, quando presente, aparece invariavelmente na face externa, pela
mesma razão. É importante notar que, no caso desse recipiente, sua abertura era
suficientemente ampla para que a/o oleira/o aplicasse a pintura na face interna, caso
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assim desejasse. De modo geral, a pintura vermelha é recorrente nos mais diversos
recipientes e inclui até mesmo um dos medidores encontrados. A única forma que não
apresentou essa decoração foi a peroleira. Assim como no caso das decorações feitas com
as pontas dos dedos nas peças ligadas ao preparo de alimentos, essa decoração parece ter
servido como um marcador deste conjunto.
Algumas vezes associava-se à pintura vermelha um tipo de decoração característico,
produzido por faixas feitas por beliscados ou digitados, presentes em 11,5% dos
recipientes (Figura 8, f). Essas decorações, que não eram estranhas aos portugueses (cf.
Fernandes e Carvalho 1998; Santos 2008), ornavam a borda e pescoço dos vasilhames.
Um outro tipo de decoração ainda verificado nesse conjunto era produzido por
incisões. Essas decorações eram compostas por ondulados horizontais incisos
circundando a peça, eventualmente emoldurados por frisos que delimitavam o campo
decorativo (Figura 8, e). Assim como as decorações produzidas por beliscados e digitados,
podiam estar associadas à pintura vermelha. Embora esse tipo tenha sido verificado em
uma panela, é neste conjunto que ele se mostra mais popular, sendo possível considerar
que, em sua origem, estivesse relacionado às formas usadas na estocagem e transporte de
alimentos, bem como nos itens de uso multifuncional. Essa decoração também está
presente em quase todas as formas associadas a esse conjunto. Ocorre, todavia, com
incidências variáveis.
Outras decorações que aparecem na amostra incluem os frisos contínuos feitos por
incisão, representados em 4,6% das peças, bem como um tipo muito específico, formando
acanalados, possivelmente produzido pela ação da parte lateral do dedo (Figura 8, g). Essa
decoração está representada nas ilustrações feitas pelos viajantes europeus que passaram
pela cidade no século 19 (Figura 6, h). É encontrada também em Portugal, onde é
conhecida como “decoração barroca” (Ferreira 1995).
As tampas
Além dos recipientes utilitários, foi identificado na amostra um total de 81 tampas. Foi
possível a distinção de duas variações muito discretas na sua forma. Uma primeira
apresenta uma inflexão acentuada próximo à borda, formando uma aba semelhante à dos
pratos; na sua parte central, apresenta uma ligeira protuberância (Figura 11, Forma32). A
segunda possui um ponto de inflexão que, quando presente, é mais sutil; na sua parte
central há uma protuberância um pouco mais acentuada, se comparada à forma 32 (Figura
11, Forma33). Não existe muita padronização nesses dois tipos, podendo alguns deles
apresentar características intermediárias.
Figura 11. Formas de tampas identificadas.
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A feição dessas tampas aproxima-se dos conhecidos testos portugueses, cujo aspecto
era muito característico (e.g. Diogo e Trindade 1995; Cardoso e Rodrigues 1997). No
entanto, ela é menos angular e profunda do que seu equivalente português. Apresenta
também pontos de inflexão bastante distintos dos testos. Essa diferença torna-se mais
acentuada se consideramos os apêndices destinados a sua manipulação. Os testos
possuíam um aplique de argila tronco-cônico na sua parte central e, na sua extremidade, a
“pega”, uma parte expandida da argila que possibilitava o manuseio mais firme. Nas
tampas da rua da Assembleia, apenas alças muito largas e grandes foram encontradas.
Apresentam-se, assim, como transformações de um modelo português conhecido.
A maioria desses artefatos (56,7%) apresentou fuligem, indicando que uma parte
considerável desses itens foi empregada em processos de cocção de alimentos. Alguns
deles, todavia, são de menores dimensões e têm um tipo de pasta muito parecido com a
usada nos recipientes de estocagem, sugerindo que elas podem ter servido também para a
sua vedação. A grande variedade de diâmetros encontrados nas bordas das tampas, que
oscilaram entre 10 e 47 centímetros, é um bom indicador dos usos diversificados desses
itens.
A AMOSTRA CERÂMICA E SEUS USUÁRIOS
O material cerâmico encontrado relaciona-se muito de perto com as situações de
deposição de lixo encontradas no sítio, bem como com sua posição na geografia urbana do
Rio de Janeiro. Situado ao fim do arruamento e próximo a um dos limites físicos da cidade
à época, o local foi utilizado como ponto de despejo de dejetos das redondezas,
provenientes de domicílios, casas comerciais e edifícios públicos. Cumpre frisar que o
recolhimento do lixo da cidade era uma tarefa desempenhada por cativos, assim como a
coleta da água que abastecia a cidade, nos escassos poços existentes. Em função da
existência de um poço de água no terreno estudado, somado à lixeira coletiva, é certo que
o local foi intensamente frequentado por escravos aguadeiros, vendedores ambulantes e
outros cativos, que aí se encontravam frequentemente no cumprimento de suas tarefas.
Decerto eles aí se congregavam em encontros e pequenas reuniões para cuidar dos seus
interesses, o que é confirmado pelos inúmeros vestígios encontrados e atribuídos a eles,
como objetos de uso pessoal e ritual. Essa proveniência distinta dos dejetos fez com que o
material depositado no local se mostrasse heterogêneo, podendo ser atribuído a um
número muito diverso de situações e indivíduos. Entendemos que, dadas as características
do sítio, o material cerâmico encontrado na lixeira oferece uma oportunidade muito
valiosa: a de explicarmos a cidade em relação aos seus muitos sujeitos.
Examinando o conjunto da amostra, é possível notar certas tendências que permitem
caracterizar essa cerâmica como possuindo características próprias, indicativas de certas
preferências locais. A decoração produzida com a ponta dos dedos é certamente uma
delas, assim como as faixas e frisos existentes em alguns recipientes. Muitas das
características ligadas à tecnologia desses utensílios apontam também para
especificidades locais, incluindo a preferência pelo quartzo como tempero, queimas mal
cuidadas, uso do escovado na superfície externa das panelas, predominância da técnica da
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modelagem nas peças usadas no preparo de alimentos, e uso do torno nas destinadas à
estocagem. A soma dessas características permite identificar a amostra dessa região como
distinta de, pelo menos, algumas outras da colônia. Isso sugere que a comunidade local, já
a partir do século 17, havia criado referenciais próprios, partilhados pelos diferentes
habitantes da cidade. Isso pode ser explicado pela sedimentação gradual de modos
particulares de vida. Conforme notou Coaracy (1944:234), já nesse tempo, muitas das
famílias que se estabeleceram no Rio de Janeiro não mais se deslocaram, “mantendo a
continuidade da população e conservando o fio dos hábitos e costumes que se
transmitiram de geração a geração”.
A análise da escala de produção e comercialização dos itens cerâmicos durante esse
período poderia permitir um melhor entendimento dos processos que levaram à criação
de uma cerâmica com características próprias, mas, conforme vêm demonstrando
diferentes autores (Zanettini e Wichers 2009; Agostini 2010), esta não é uma questão fácil
de ser equacionada e exigiria esforços que estão além da proposta do presente artigo.
Além disso, os dados hoje conhecidos sobre a produção, distribuição e comercialização da
cerâmica no Brasil durante o período histórico são ainda escassos. A despeito dessa
limitação, podemos considerar que a padronização de certas formas e decorações, bem
como a presença de recipientes torneados na amostra, sugerindo uma produção
estruturada e em maior escala, indicam que, já nesse período, a cidade contava com um
sistema articulado de circulação de utensílios cerâmicos. Com o “fio dos hábitos e
costumes”, veio a criação de modos próprios de existência e a adoção de práticas com
sabor local. É o que, acima das limitações, parecem sugerir as evidências encontradas.
A presença de traços definidores nessa cerâmica parece, à primeira vista, sugerir que
houve no período um processo de redução e convergência das bases culturais dos
diferentes habitantes da cidade, mas não acreditamos que foi isso o que, de fato, ocorreu.
As evidências encontradas, na verdade, nos sugerem que essa cerâmica comportava uma
considerável heterogeneidade de usos, sentidos e significados, estando ela aberta a
múltiplas influências e agências.
Essa abertura pode ser em parte explicada pela posição ocupada pelo Rio de Janeiro no
projeto colonial português. Em seu estudo sobre a cidade no Setecentos, Coaracy (1944)
capturou muito do pessimismo político que a rondava durante boa parte daquele período.
Naquele momento, ela ocupava uma posição periférica em relação à economia colonial
que, a essa época, estava inteiramente voltada para o nordeste açucareiro. Com as
sucessivas descobertas de ouro nos sertões do Brasil a partir do fim do século 17, os
ventos mudaram, e, graças a sua posição geográfica, o Rio de Janeiro passou a ocupar um
papel de proeminência como entreposto comercial. Sobretudo em função da abertura da
picada do Caminho Novo (1700) e, em seguida, da construção de uma estrada nesse
mesmo percurso (1711), o Rio de Janeiro passou a permitir acesso rápido aos principais
núcleos mineradores, vindo em breve a suplantar São Paulo e Salvador como mediador
das trocas com as regiões de mineração. A economia da cidade se fortaleceu, assim como
seu papel político e social na colônia, o que culminou com a transferência da capital, em
1763 (Zemella 1990:65-69). Esse processo fez com que o Rio de Janeiro se firmasse como
importante entreposto comercial, importador de escravos e hospedeiro de negociantes e
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de gente em trânsito. Essa vocação está refletida não só na diversidade encontrada na
amostra, mas também, de forma mais específica, em um conjunto de evidências descritas
ao longo deste texto. Encontramos nesse material indícios de cerâmicas provenientes de
outras regiões. Encontramos também evidências de que esses artefatos estavam
relacionados a diferentes escalas de comércio, cobrindo desde as trocas atlânticas até o
negócio miúdo, feito pelas mulheres cativas ocupadas com o comércio ambulante. Embora
possuindo traços locais, essa cerâmica não está associada, nem de longe, a uma sociedade
endógena. Relaciona-se, sim, a uma sociedade aberta a diferentes escalas de interação,
conjugando situações locais com outras muito mais amplas.
O fato de estar aberta ao universo atlântico, deu ao Rio de Janeiro uma qualidade
cosmopolita, aqui entendida, em um sentido acadêmico, como relacionada ao
desenvolvimento de hábitos de coexistência (Appiah 2006). Entendemos que o que
encontramos representado nessa amostra é, pelo menos em parte, produto dessa
condição, que caracterizou a comunidade local.
A heterogeneidade associada a essa cerâmica pode ser explicada, em outro nível, pela
diversidade de sujeitos a ela relacionada. Conforme procuramos assinalar em diferentes
pontos deste texto, ela esteve sujeita a algumas influências culturais mais específicas e
oriundas de outras partes. A forma globular encontrada nas peças de preparo de
alimentos é um caso em questão. Muito possivelmente introduzida pelos africanos que
viviam na cidade, é um exemplo do uso de estoques de conhecimento anteriores à
condição do cativeiro.
Já outros elementos presentes nessa cerâmica são atribuídos aos portugueses.
Conforme procuramos assinalar, algumas formas parecem reproduzir as usadas em
Portugal no mesmo período, incluindo aquelas empregadas no preparo, serviço, consumo
e estocagem de alimentos. Padrões decorativos como as faixas colocadas nas bordas dos
recipientes de estocagem têm também uma forte conexão com a antiga metrópole. A
presença portuguesa nas formas relacionadas a diversos setores do sistema alimentar,
bem como sua expressão por meio de componentes estéticos essenciais, sugere uma
proximidade afetiva e simbólica de muitos dos usuários desses recipientes com sua
ascendência lusitana.
Somavam-se ainda referenciais indígenas, como a decoração corrugada, que sinaliza de
forma inequívoca a relação do Rio de Janeiro colonial com as comunidades nativas. Índios
destribalizados, urbanos, vivendo em condições análogas às da escravidão tiveram sua
força de trabalho apropriada para a execução de obras públicas e para a construção civil
em geral. Trabalhando na coleta do sal, pesca da baleia, salga do peixe, extração da
madeira, lavoura, marinharia, entre outras atividades, como pequenos biscates, tiveram
sobretudo um expressivo contingente alocado nos serviços domésticos em residências na
cidade (Freire e Malheiros 1997), o que talvez possa explicar o recipiente corrugado
encontrado.
Levando em conta o exposto acima, pode-se entender que essa cerâmica recebeu
algumas influências culturais específicas. Todavia, considerar esse como um único
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indicativo da diversidade associada a essa amostra seria uma simplificação, já que se
interpõe a essas evidências um conjunto muito significativo de dados, cuja relevância não
pode ser ignorada. Eles indicam que muito do que é encontrado nessas cerâmicas
constitui inovações ou transformações processadas a partir de expressões conhecidas.
Entre as transformações, é interessante notar que muitas delas, geralmente derivadas de
modelos portugueses, estão a meio caminho, situando-se entre Brasil e Portugal, entre o
velho e o novo, entre a continuidade e a mudança. Isso pode ser percebido nas asas, alças e
tampas que, conforme argumentamos, apresentam formas intermediárias entre o modelo
que viria a se consolidar no Brasil e aquele vigente em Portugal. Essa feição intermediária
revela alguma incerteza na definição do modelo a ser seguido. Ainda que ligada ao vulgar e
o cotidiano, essa materialidade não era alheia ao mundo do qual fazia parte e revela um
momento de indecisão ligado à vivência colonial.
Para a população livre e branca que vivia no Rio de Janeiro, a conformação de
identidades sociais podia ser um processo difícil e permeado por dubiedades e incertezas.
Os súditos do Rei no além-mar vinculavam-se à metrópole por sua herança cultural e de
sangue, bem como por laços sentimentais, políticos, econômicos e de cidadania. Viam-se,
no entanto, imersos na realidade colonial, que envolvia condições muito particulares de
existência. Esses indivíduos ocupavam uma posição periférica em relação à metrópole e,
muitas vezes, conflituosa. Frequentemente eram dominados pela instabilidade econômica
e pelos rigores impostos pela natureza diversa do clima e da geografia local. Ser um
colonizador envolvia, certamente, privilégios, mas também perigos, incertezas e
ambiguidades, conforme pontuou Memmi (1965:60-65), na sua análise clássica sobre a
condição colonial. Esse momento de incerteza, aliás, muito discutido por historiadores18,
fazia parte da vida na colônia. A ele associava-se, pelo menos em parte, a identidade dos
colonizadores, assim como a materialidade a eles relacionada que, igualmente fugaz,
podia, hesitantemente, situar-se a meio caminho, entre uma condição e outra.
As correlações de forças entre diferentes grupos sociais também contribuíram para as
transformações e inovações que identificamos nesses artefatos. Muito do que
reconhecemos como relevante nessa materialidade foi produto de negociações culturais
entre diferentes sujeitos, com concessões feitas por todas as partes envolvidas. Aquelas
feitas pelos eurodescendentes são facilmente perceptíveis, sendo visíveis, por exemplo,
nas formas dos utensílios cerâmicos usados no preparo de alimentos que, embora
possuíssem afinidades pontuais com uma ou outra forma portuguesa, um ou outro
atributo, apresentavam-se com inovações locais muito significativas. Ao mesmo tempo,
podiam ter sua feição radicalmente modificada devido a influências outras que lhes eram
inteiramente estranhas, como as panelas globulares, introduzidas pelos africanos. No
espaço da cozinha, local de trabalho por excelência das/os escravas/os domésticas/os, a
emergência de novas práticas foi possível graças a concessões feitas pela população livre
em relação aos seus hábitos e costumes. É igualmente visível um considerável número de
concessões por parte da população cativa. A adoção de bases planas é um, entre outros
exemplos, das que foram feitas por esses indivíduos, ainda que isso possa ter acontecido
com certa relutância e sacrifício, conforme pontuou Du Bois (1903), em seu exame sobre a
condição do negro na sociedade.
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As inovações que encontramos nessa cerâmica também se relacionam à emergência de
coletividades inteiramente novas, idealizadas e mantidas no seio da sociedade colonial. A
introdução de decorações como os digitados, ungulados e digitungulados representaram
inovações importantes que, acreditamos, relacionavam-se com a emergência de algumas
dessas novas coletividades. A frequência considerável desse tipo de decoração nos
recipientes usados no preparo de alimentos revela a preocupação dos cativos,
responsáveis pela sua produção e uso19, com a criação de uma linguagem comum em um
setor com o qual eram muito identificados: o dos serviços domésticos. Ainda que, em
termos quantitativos, essa decoração tivesse baixa incidência, ela tinha importância
qualitativa, sinalizando a existência de um referencial que podia ser compartilhado de
forma mais ampla. O ponto de entrada para trocas interculturais está na qualidade que
têm certos elementos ou princípios de serem compartilhados (Appiah 2006:97). As faixas
decoradas produzidas pela ação das pontas dos dedos e unhas possuíam essa
propriedade. Elas eram de grande simplicidade, não exigiam apuro técnico ou know how
específico, podendo, assim, ser produzidas de forma expediente. Estavam abertas apenas
para a criatividade da/do artesã/o, que podia executá-las com variações muito sutis, a
partir de ações específicas dos dedos e unhas. O emprego de um recurso dessa natureza
mostrava-se adequado, sobretudo se levado em conta que uma parte da população cativa
da cidade era formava por neófitos recém-chegados da África (Soares 2000). Uma vez que
não apresentava desafios técnicos, esse tipo de decoração podia ser replicado sem
dificuldades por esses indivíduos, e, dessa forma, servir como um mecanismo apropriado
de identificação recíproca. A criação desse referencial comum tornou-se importante,
sobretudo porque eles tinham diferentes procedências em seu continente de origem e
estoques de conhecimento muito diversos que nem sempre podiam ser compartilhados
com facilidade.
A vida em cativeiro no Rio de Janeiro exigiu dessas pessoas a criação de vários níveis
de alteridade, capazes de dar conta não só das diferenças em relação aos brancos e livres,
mas também daquelas que existiam no próprio grupo. Incluíam, assim, diferenças que iam
desde as mais amplas, ligadas à condição escrava, até as mais específicas, ligadas a
referências étnicas, religiosas, linguísticas e culturais. Estudando as irmandades escravas
do Rio de Janeiro no século 18, Mariza Soares (2000) oferece um exemplo importante
desse tipo de prática. Na sua pesquisa, identificou formas de organização religiosa que
comportavam desde diferenciações mais amplas feitas pelos negros em relação à
população branca, até aquelas mais restritas, ligadas aos chamados “grupos de
procedência”20, e que eram capazes, muitas vezes, de limitar a indivíduos com laços de
afinidade muito estreitos a participação nessas irmandades. Dada a dispersão encontrada
na decoração produzida com a extremidade dos dedos em diferentes formas cerâmicas, é
possível que ela tenha servido como um mecanismo de diferenciação mais amplo,
empregada pelos cativos de modo geral, em oposição à sociedade branca e livre.
Essa decoração traz à luz ainda um último aspecto, que merece ser também
considerado. Pelas suas características, ela tinha pouca visibilidade, sendo difícil, em
alguns casos, até mesmo sua detecção visual. Mesclando-se às marcas de uso e de fuligem
que gradativamente iam tomando o recipiente, podiam tornar-se quase imperceptíveis.
Dada essa característica, nos parece que, ao produzi-la, a comunidade escravizada serviuse da discrição e da sutileza. Opondo-se diametralmente a muito tipos de decoração
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produzidos pelas sociedades africanas, que podiam ser dotados de um chamativo apelo
estético, essa decoração apresentou-se como uma inovação prudente, quase silenciosa,
mas capaz de engendrar em uma sociedade marcada por desigualdades profundas e que
tinha nos cativos o seu lado menos favorecido, referenciais que os diferenciavam.
Figura 12. Percentuais dos principais padrões decorativos encontrados
na amostra (excluídos os casos de decoração ausente).
As lutas sociais do passado mesclaram-se ao estabelecimento dos elementos
empregados na cerâmica de forma inovadora, que passaram a servir de meio para definir
alteridades. Conforme argumentou Souza (2002:70-80; 2010; 2013:23-24), a cerâmica
setecentista foi frequentemente usada como mecanismo de diferenciação social e cultural,
relacionando-se ao caráter estamental da sociedade no período. Sobretudo no nível
estético, esses artefatos foram empregados como categorias contrastivas, de modo a
tornar salientes as diferenças existentes na sociedade. A fim de retomar esta discussão na
presente análise, convém fazer um breve retrospecto dos padrões encontrados nos
diferentes conjuntos da amostra. A Figura 12 reúne as frequências percentuais dos
principais padrões decorativos encontrados nos três conjuntos cerâmicos examinados.
Conforme pode ser notado, as faixas produzidas por digitados, ungulados e digitungulados
eram predominantemente empregadas nas peças usadas no preparo de alimentos; os
frisos circundando a orla do recipiente e feitos por incisão e sulcos eram, por sua vez,
predominantemente usados nas peças de serviço e consumo de alimentos; finalmente, as
pinturas vermelhas recobrindo todo o vasilhame e os ondulados feitos por incisão eram
predominantes nas peças ligadas ao transporte e estocagem de gêneros, e de uso
multifuncional. Esses contrastes marcavam diferenças entre os conjuntos funcionais que,
por sua vez, associavam-se a diferentes lugares e espaços, tanto no domínio público
quanto no privado. Enquanto, por exemplo, as panelas relacionavam-se às cozinhas,
espaço de trabalho escravo, as peças usadas no serviço e consumo de alimentos
relacionavam-se aos espaços de sociabilidade e convívio, lugar por excelência da
população livre e branca. Nesse sentido, podiam atuar no reforço da diferença. Deve-se
considerar, portanto, que se interpunham a referenciais culturais associados à Europa e à
África, outros que eram inteiramente novos, forjados pelo encontro de sujeitos muito
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diferentes entre si, bem como pelos antagonismos e conflitos que existiam no âmbito da
sociedade da qual faziam parte.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, procuramos dar conta do potencial informativo existente na amostra
cerâmica proveniente da rua da Assembleia, no centro do Rio de Janeiro. Uma das nossas
preocupações foi apresentar esses dados de forma sistemática. Fizemos isso a partir de
uma ordenação baseada em grandes conjuntos funcionais, buscando descrever o que
identificamos como relevante e levando em conta variáveis tecnológicas, formais e
decorativas. Em seguida, procuramos explorar alguns dos sentidos e significados a eles
associados. Na nossa explanação, demos ênfase a três aspectos que no nosso
entendimento se ligam mais de perto aos conjuntos analisados: a) sua relação com o
desenvolvimento da cidade como centro cosmopolita e de fluxo de mercadorias e pessoas,
b) sua relação com sujeitos específicos, e c) sua relação com as lutas sociais do período
colonial.
Quanto à análise desses artefatos, é importante pontuar que levamos a sério sua
natureza multidimensional. Eles não só se ligavam a diferentes sujeitos e práticas, mas
também a conjuntos de forças aparentemente antagônicas: eles expressavam
continuidade e mudança, singularidade e heterogeneidade, separação e integração. A esse
respeito, é necessário considerar que essas forças eram, ao mesmo tempo, concorrentes e
coexistentes, e que foram instrumentais na conformação de práticas culturais e sociais
específicas21.
Um ponto importante acerca das relações que buscamos explorar neste texto liga-se à
emergência do “novo” nos contextos atlânticos. Entendemos que muito mais do que
expressar sobrevivências ou abandonos, esses artefatos sinalizam complexidades locais
muito específicas, associadas a uma grande diversidade cultural e bem montadas
hierarquias, organizadas de acordo com princípios estamentais, conforme notou com
muita propriedade Raimundo Faoro (1975).
Há um apelo sentimental quase que irresistível em imaginarmos que as práticas
materiais construídas no universo colonial aconteceram, fundamentalmente, em
referência a uma origem mítica africana ou portuguesa, razão pela qual existe uma
tendência na literatura arqueológica em se identificar como “africano” apenas aquilo que
apresenta paralelismos com a África, ou como “português” apenas aquilo que tem
paralelismos com Portugal. No que diz respeito à comunidade cativa, este viés tem sido
mais recentemente estimulado pelas proposições de autores como Sweet (2003) e Nishida
(2003), que têm feito ressurgir a ideia de uma África recriada e transcendente nas
Américas. Apesar dessa súplica afetiva, nos parece mais apropriado considerar que as
práticas coloniais – e as identidades a elas associadas – ofereciam conteúdos post facto.
Conforme assinalou Appiah (2005:64), práticas e identidades podem ser vistas não como
anteriores ao conflito e à construção da diferença, mas sim como seu resultado,
especialmente em contextos coloniais, como alguns exemplos oferecidos por ele bem
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ilustram. Relembrando Jean-Loup Amselle na sua discussão sobre mestiçagem cultural,
Appiah pontuou que é em um campo estruturado de relações que as práticas e identidades
emergem. Nessa forma de raciocínio, elas constroem-se, irremediavelmente, a partir da
correlação de forças em causa. Assim, serão sempre locais e situadas. É nesta perspectiva
que procuramos entender o conjunto cerâmico da rua da Assembleia. Nesse sítio, nos
parece visível que as inovações e transformações foram produto das correlações de forças
estabelecidas no mundo colonial, razão pela qual se impuseram, muitas das vezes, às
sobrevivências culturais. Fugidias, essas sobrevivências terminaram dominadas de tal
forma que cederam lugar a um campo inteiramente novo de formas e expressões
materiais. É nesse novo campo, muito ligado à capacidade regenerativa dos sujeitos
envolvidos, que, acreditamos, reside o sentido das vivências na colônia. Era dele que
vinham os nexos, as formas de organização e as modalidades de expressão material.
Nesta discussão, é importante considerar que tanto portugueses quanto africanos
estavam familiarizados com a diferença e a alteridade. A experiência ultramarina
portuguesa, iniciada no século 15, envolveu contatos com culturas muito diversas e, para a
sobrevivência dessa empreitada, aprestaram-se no trato com o outro e, em muitas
situações, no seu controle e direção. No continente africano, a multiculturalidade era lugar
comum, assim como a diversidade étnica, linguística e religiosa22. Nesse sentido, é
importante que se leve em conta que esses sujeitos não eram aprendizes no trato com o
“outro”. Foi a partir desse domínio que puderam instrumentalizar, em um novo contexto,
um quadro inteiramente novo de relações e práticas, e buscar assegurar sua sobrevivência
física e cultural, completamente readequada, de acordo com novas demandas.
Ao notar as ambiguidades presentes na cerâmica histórica oriunda dos sítios norteamericanos, Cobb e DePratter (2012) apontaram uma alternativa com a qual nos
identificamos. Nos Estados Unidos, um intenso debate tem se desenvolvido em torno
desses artefatos, tendo como foco sua filiação cultural: para alguns de influência indígena,
para outros de influência africana (Singleton 1999). Para Cobb e DePratter, essa
materialidade está, na verdade, relacionada à volatilidade das vivências coloniais. Para
eles, essa cerâmica é de um tipo fractal, resultado do encontro de diferentes mundos e de
realidades mutantes. É nessa perspectiva que, acreditamos, a cerâmica encontrada na rua
da Assembleia deve ser vista. Entendemos que, muito além das sobrevivências culturais e
das idiossincrasias do cotidiano, ela revela um momento crucial da formação social
brasileira, permeado por indecisões, incertezas, diferenças, conflitos e, sobretudo, novas
formas de ver e lidar com o mundo. Essa materialidade é um testemunho silencioso da
emergência dessas novas práticas, amplamente forjadas nas vivências do mundo colonial
e cuja trajetória, a longo prazo, impactaria a sociedade brasileira de forma profunda e
duradoura.
NOTAS
Não foi identificada uma variabilidade significativa nos diâmetros dos orifícios das
hastes dos cachimbos provenientes das diferentes áreas do sítio. Por essa razão, os dados
foram considerados de forma agregada. Foram as seguintes as frequências obtidas: 5/64=
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20 peças, 6/64= 7 peças, 7/64= 2 peças, 8/64= 2 peças. O terminus post quem do sítio foi
estimado com base na presença de cachimbos com diâmetro de 8/64, cujo uso foi
descontinuado em cerca de 1680. O terminus ante quem da amostra foi obtido com base
na ausência de cachimbos com diâmetro de 4/64, cujo uso tornou-se popular de cerca de
1750 em diante. A partir da aplicação da fórmula Binford (1962) foi obtida a data média
de 1719 para essa amostra. Essa data pode ser interpretada como o período no qual a
intensidade de deposição de lixo foi mais intensa no sítio.
Uma vez que a amostra é muito grande, a análise se concentrou nos fragmentos que
representavam as bordas e bases. As quantificações realizadas foram baseadas na
estimativa do número mínimo de peças (NMP), determinado pela contagem de
fragmentos de bordas e bases não coincidentes em cada área. Por se referir ao menor
número possível de peças existente em uma amostra, oferece uma estimativa bastante
conservadora do seu tamanho. Para todas as áreas consideradas, as bordas mostraram-se
sempre mais numerosas e, portanto, serviram de referência para as estimativas feitas.
2
A identificação das peças usadas no preparo de alimentos foi feita, primariamente, pela
identificação de marcas de oxidação, e de fuligem nas superfícies interna e externa. De
modo complementar, foram usadas como referência formas previamente conhecidas.
3
Entendemos essa técnica nos termos propostos por Rice (1987:125) que, segundo ela,
consiste na aplicação de uma massa de argila de forma discoidal sobre um molde. Esse
molde pode ser um recipiente cerâmico emborcado ou uma cabaça.
4
Acerca do saibro, Scheuer (1982:24) identificou, em mais de uma região brasileira, sua
utilização como tempero; mas a confirmação desse uso é difícil de ser feita. O mesmo pode
ser dito acerca dos fragmentos de conchas (Rice 1987:409-411). Entre os outros tipos de
mineral encontrados está a mica. Embora seja crença comum que essa inclusão serve
como um marcador da cerâmica dos sítios históricos do Rio de Janeiro, não foi verificada
qualquer evidência que dê sustentação a essa assertiva. Assim como ocorre em outros
sítios históricos, sua presença é absolutamente fortuita, não apresentando nenhum tipo de
recorrência que sugira a seleção de argilas específicas que contivessem esse mineral.
Também não foram verificados indícios da sua inclusão deliberada para que servisse
como tempero. Conforme se sabe, esse mineral só é capaz de modificar as propriedades da
argila quando usado em grandes quantidades (Rice 1987:410), e nessa amostra o número
das partículas de mica, quando presentes, é extremamente variável. Esse mineral não
apresentou tampouco qualquer tipo de correlação com outros atributos.
5
Fazemos aqui a distinção entre alças e asas seguindo uma tendência consagrada na
literatura arqueológica brasileira; e conforme o que define a Terminologia arqueológica
brasileira para a cerâmica (Chmyz 1976:121,122), que associa alças a pegadores vazados
e asas a pegadores não vazados.
6
A reconstituição desta e demais formas presentes na amostra foi feita a partir de
comparações com casos previamente conhecidos e da correlação entre as bordas e bases.
A sistematização das formas usadas no preparo de alimentos foi feita inicialmente por
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meio de uma adaptação do procedimento conhecido como “sliced method” (Shennan e
Wilcock 1975; Orton et al. 1993:156-157). Esse método foi empregado de modo a permitir
a correlação de peças com contornos semelhantes. A partir da classificação resultante,
feita por meio de uma análise de cluster, foi realizada a interpretação dos dados e ajustes
baseados na altura e diâmetro da abertura e base.
Para o Oeste da África ver, por exemplo, Decorse (1999:153); para a África Central, ver
por exemplo, os registros etnográficos feitos nas regiões do Congo (Annales du Musée du
Congo 1907:27,60) e Angola (http://actd.iict.pt/view/actd:AHUD11575, acesso em
11/2/2016).
8
Acerca do diagnóstico de depósitos internos de carbono, ver especialmente Skibo
(1990:233-240) e Dantas e Lima (2006).
9
O agrupamento das técnicas do digitado, ungulado e digitungulado foi feito por duas
razões. Em primeiro, porque essas três técnicas produziam padrões decorativos muito
semelhantes; em segundo, porque foi percebida uma falta de delimitação clara entre elas,
sugerindo que, na sua execução, as/os ceramistas não tiveram a preocupação de torná-las
claramente diferentes entre si.
10
Usamos aqui o termo “pintura” em sentido amplo, como relacionado a qualquer tipo de
decoração produzida pela adição de pigmentos ou corantes.
11
Essas peças foram consideradas de forma conjunta, na medida em que possuem
características formais, tecnológicas e decorativas muito semelhantes. Essas
características comuns se colocam como um desafio na criação de agrupamentos mais
restritos. A fim de evitar erros de julgamento na sua separação, elas foram consideradas
de forma agregada. A despeito dessa limitação, deve-se considerar que esse conjunto
mostra-se, na sua totalidade, distinto dos demais.
12
É conhecido o emprego desse tipo de recipiente nos assentamentos dos Orixás (Prandi
1991:244; Silva 2008:104-105). Para outras aplicações em rituais afro-brasileiros, ver a
obra de João do Rio (1976).
13
Fazemos aqui uma diferenciação entre talha e cântaro. Segundo Fernandes (2012:313343), ambas caracterizam-se por possuir uma forma bojuda e colo alto; a primeira,
todavia, possuía dimensões mais avantajadas. Afora essa diferenciação, encontramos na
literatura arqueológica de Portugal, referente ao período moderno, uma tendência em
classificar como cântaros os recipientes que, além de serem bojudos e menores, possuíam
gargalo longo e estreito (e.g. Alves et al. 1998; Luna e Cardoso 2004), o que distancia esse
tipo de recipiente daquele encontrado no sítio. Formas semelhantes às recuperadas na rua
da Assembleia e classificadas como talha podem ser encontradas especialmente em
Gomes (2012:58) e Silva e Guinote (1998).
14
No nível mais profundo do sítio, foi encontrado, imerso no lençol freático, um barril de
madeira, que atesta a utilização desse tipo de recipiente na coleta de água do poço
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existente no terreno. Esses barris podiam ser usados para o despejo de dejetos, bem como
para o transporte de água e outros gêneros (Lima e Locks 2016). Os barris empregados no
transporte de água aparecem também com frequência na obra dos artistas europeus que
passaram pela cidade no século 19. Ver, por exemplo, “Carregadores de água”, de Johann
Moritz Rugendas, 1822-1825.
Ver uma representação desse tipo de recipiente em “Os refrescos à tarde no Largo do
Paço”, Jean-Baptiste Debret, 1835.
16
Seguimos aqui a classificação apresentada por Figueiredo (1993:41-42) para Minas
Gerais do século 18. Segundo ele, havia três modalidades de comércio no período: as lojas,
estabelecimentos de maior porte controlados pela população livre eurodescendente e
onde eram vendidos “secos” (tecidos, artigos de armarinho, utilidades domésticas, etc.) e
“molhados” (bebidas e comestíveis em geral); as vendas, estabelecimentos de menor
porte geralmente controlados por mulheres forras e onde eram comercializados “secos” e
gêneros básicos; e o comércio ambulante, responsável pela venda miúda dos mais
variados itens, geralmente feito pelas cativas e controlado por mulheres pobres.
17
Ver por exemplo as discussões propostas por Caio Prado Junior (1942) e Fernando
Novais (1995). Acerca do Rio de Janeiro, ver especialmente Cavalcanti (2004:108-110).
18
É conhecido o envolvimento dos cativos com a produção de recipientes cerâmicos no
Brasil. A esse respeito, ver especialmente Mott (1976) e Agostini (2010). No que diz
respeito ao uso de recipientes cerâmicos na cozinha e seu envolvimento com a população
escravizada, ver, em especial, as análises arqueológicas realizadas por Dias Jr. (1988),
Jacobus (1996), Agostini (1998), Souza (2000:55-94; 2002, 2010) e Symanski e Gomes
(2012).
19
20 Segundo a autora o termo deriva do conceito de “nação”, empregado pela população
livre na identificação dos africanos. O conceito de “grupo de procedência” privilegia a
reorganização desses indivíduos após sua chegada, constituindo uma reelaboração das
imputações feitas. Por meio desse conceito são valorizados critérios como porto de
embarque, ao lado de alguns componentes culturais, como a língua. Os grupos de
procedência incluem os Angola, Mina, Congo, entre outros (Soares 2000:116-119).
Uma discussão extensiva da relação entre essas forças, bem como exemplos de como
isso se apresenta em diferentes contextos ligados ao universo atlântico, pode ser
encontrada em Mintz e Price (1992:52-60).
21
A experiência ultramarina portuguesa foi examinada em profundidade por Boxer
(2002). Debates acerca da diversidade cultural africana à época do tráfico atlântico são
sempre matizadas por posições teórico-metodológicas específicas. Diferentes leituras
dessa diversidade podem ser encontradas nos influentes trabalhos de Mintz e Price
(1992) e Thornton (1998).
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ISSN1853-7626. Arqueocoop ltda. Buenos Aires.
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na análise do material cerâmico.
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LOS AUTORES
Marcos André Torres de Souza
Professor do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, Universidade Federal
do Rio de Janeiro / Programa de Pós Graduação em Arqueologia e Pesquisador do CNPq.
Possui graduação em Arqueologia pela Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro,
mestrado em História pela Universidade Federal de Goiás, Doutorado em Antropologia
Urbania. Revista latinoamericana de arqueología e historia de las ciudades, 5 (2016), pp. 21-60.
ISSN1853-7626. Arqueocoop ltda. Buenos Aires.
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Torres de Souza, M., y T. Andrade Lima
Hibridismo e inovação em cerâmicas coloniais do Rio de Janeiro...
por Syracuse University, EUA, e pós-doutorado pelo Museu Nacional / UFRJ (CNPq). Tem
se dedicado à investigação de sítios históricos e, em particular, àqueles associados à
Diáspora Africana. Seus interesses de pesquisa incluem: arqueologia da paisagem, tópicos
ligados à reformulação, emergência e reprodução de práticas culturais e sociais, bem
como processos culturais decorrentes de diásporas e movimentos migratórios de largaescala. Atualmente, coordena o projeto “Perspectivas Atlânticas da Diáspora Africana”,
que tem como objetivo central o estudo arqueológico e documental de alguns dos
impactos e consequências do processo de dispersão de africanos no Brasil durante a época
do tráfico atlântico de escravos
Tania Andrade Lima
Professora do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo e com pósdoutorado em Historia Social pela Universidade de São Paulo, foi fundadora e
coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu Nacional/ UFRJ
entre 2006 e 2012, bem como curadora das suas coleções arqueológicas, entre 1999 e
2015. Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq, desenvolve pesquisas tanto em arqueologia pré-histórica (pescadores-coletores do
litoral centro-sul brasileiro, ceramistas tupiguarani) quanto histórica (arqueologia da
diáspora africana, arqueologia do capitalismo).
Urbania. Revista latinoamericana de arqueología e historia de las ciudades, 5 (2016), pp. 21-60.
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