SUMÁRIO
Nota do Tradutor, 7
Apresentação - A significação da Fenomenologia do Espírito por Henrique Vaz, 9
Prefácio, 21
Introdução, 63
I. A Certeza sensível - ou o Isto e o Visar, 74
II. A Percepção - ou a coisa e a ilusão, 83
III. Força e Entendimento; Fenômeno e mundo supra-sensível, 95
IV. A verdade da certeza de si mesmo, 119
A - Independência e dependência da consciência de si:
Dominação e Escravidão, 126
B - Liberdade da consciência-de-si: Estoicismo - Cepticismo Consciência infeliz, 134
V. Certeza e Verdade da Razão, 152
A - Razão observadora, 158
a - Observação da natureza, 160
b - A observação da consciência-de-si em sua pureza e em
referência à efetividade exterior: leis lógicas e leis
psicológicas, 191
c - Observação da consciência-de-si em sua efetividade imediata:
fisiognomia e frenologia, 197
B - A efetivação da consciência-de-si racional através de si
mesma [a razão ativa], 221
a - O prazer e a necessidade, 227
b - A lei do coração e o delírio da presunção, 231
c - A virtude e o curso do mundo, 237
C - A individualidade que é para si real em si e para
si mesma, 244
a - O reino animal do espírito e a impostura, ou
a Coisa mesma, 246
b - A razão legisladora, 260
c - A razão examinando as leis, 264
Glossário, 270
Livros utilizados, 271
NOTA DO TRADUTOR
Esta tradução tem por base o texto crítico estabelecido por
Wolfgang Bonsiepen e Reinhard Heede, adotado na edição de Félix
Meiner, 1988.
Tivemos constantemente em vista outras traduções (francesa,
italiana, inglesa e espanhola). Procuramos ser fiel ao original,
usando verbos substantivados em lugar de substantivos, quando
Hegel o faz: das Denken, das Aufheben, que traduzimos por: o
pensar, o suprassumir. Tentamos conservar a mesma palavra portuguesa para cada termo hegeliano típico: onde o leitor encontrar
"visar" sabe que em alemão estará meinen; entfremden, verschwinden, corresponderão sempre a alienar, desvanecer etc. Recorremos
a maiúsculas por motivo de clareza: como para a distinção, para
Hegel tão relevante, entre Coisa (Sache) e coisa (Ding). Levam
também maiúsculas o Eu, o Si, o Outro, o Em-si e o Para-si.
Utilizamos aspas simples para "visar", pois não achamos termo
correspondente ao meinen hegeliano, nem mesmo esse, em seu uso
habitual. Quando uma palavra alemã é vertida por várias em
português usamos hífens: ex: inhaltlos = carente-de-conteúdo. No
fim deste volume há um pequeno glossário, com algumas opções
que tomamos na tradução de termos hegelianos.
Traduzir é uma tarefa imperfeita por sua própria natureza. E,
pelo que vimos nas outras traduções, o texto da Fenomenologia é
particularmente insidioso e leva a deslizes seus mais competentes
tradutores. Qualquer correção nos será particularmente bem-vinda.
Para facilitar o uso didático do livro, adotamos a numeração dos
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parágrafos utilizada por Miller, e ainda colocamos no início de cada
parágrafo suas primeiras palavras em alemão.
Talvez os leitores sintam falta de notas explicativas, mas o que
diz Bourgeois dos escritos filosóficos - que só se entendem quando
relidos - é especialmente verdadeiro para a Fenomenologia do
Espírito. Em algum lugar o próprio texto esclarece o que dissera
antes, pois sua estrutura é em espiral, cada questão é retomada num
nível superior, recapitulada e introduzida em nova perspectiva. A
própria correnteza dialética faz o pensamento avançar, sem que
necessite apoiar os remos nas margens (ou em notas de margem ou
de rodapé). Hegel fez para sua Fenomenologia um Prefácio e uma
Introdução; isso poderia nos dispensar de outros Antelóquios. Mas
para não frustrar os leitores que aguardam uma explicação preliminar sobre o sentido do que vão ler, conseguimos de Henrique Lima
Vaz autorização para publicar no pórtico desta tradução seu luminoso texto sobre a Significação da Fenomenologia do Espírito (Faz
parte de seu artigo sobre "O Senhor e o Escravo: uma parábola da
Filosofia Ocidental" publicado na Síntese, n° 21. janeiro/abril
1981). Foi Henrique Vaz que sugeriu à Vozes que nos encarregasse
desta tradução, e que nos acompanhou em todos os momentos
esclarecendo dúvidas de interpretação. A ele, que consideramos
nosso Mestre, cordiais agradecimentos.
Nosso colaborador, Prof. Karl-Heinz Efken, ajudou-nos na
tradução de passagens difíceis de sua língua materna, revisou todo
nosso texto e ainda fez uma versão preliminar da Razão observadora (§§ 231 a 349). Agradecendo sua valiosa colaboração, estendemos nossos agradecimentos ao apoio que nos deu o Prof. Alfredo
Morais, que, como Karl-Heinz Efken, é nosso colega no Departamento de Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco.
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APRESENTAÇÃO
A significação da Fenomenologia do
Espírito
Henrique Cláudio de Lima Vaz
A Fenomenologia do Espírito é uma obra, por tantos títulos
original e mesmo única dentro da tradição do escrito filosófico, e
que assinala em 1807 (o autor contava então 37 anos) a aparição
de Hegel no primeiro plano de cena filosófica alemã. Tendo publicado até então apenas artigos ou pequenos escritos mas tendo, por
outro lado, amadurecido durante os anos do seu ensinamento na
Universidade de lena (1801-1806) as grandes linhas do seu sistema
no confronto com os grandes mestres do Idealismo alemão, sobretudo Kant, Fichte e Schelling, Hegel pretende fazer da Fenomenologia o pórtico grandioso desse sistema que se apresenta
orgulhosamente como Sistema da Ciência. No entanto, a arquitetura e a escritura desse texto surpreendem. Não é uma meditação no
estilo cartesiano, nem uma construção medida e rigorosa como a
Crítica da Razão Pura, nem um tratado didático com a Doutrina da
Ciência de Fichte. Sendo tudo isto, é sobretudo a descrição de um
caminho que pode ser levado a cabo por quem chegou ao seu termo
e é capaz de rememorar os passos percorridos; o próprio filósofo
na hora e no lugar da escritura do texto filosófico, Hegel no seu
tempo histórico e na lena de 1806. Esse caminho é um caminho de
experiências e o fio que as une é o próprio discurso dialético que
mostra a necessidade de se passar de uma estação a outra, até que
o fim se alcance no desvelamento total do sentido do caminho ou
na recuperação dos seus passos na articulação de um saber que o
funda e justifica. Quem fala de experiência fala de sujeito e signifi-
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cação, de sujeito e objeto. A intenção de Hegel na Fenomenologia
é articular com o fio de um discurso científico - ou com a necessidade de uma lógica - as figuras do sujeito ou da consciência que se
desenham no horizonte do seu afrontamento com o mundo objetivo. "Ciência da experiência da consciência": esse foi o primeiro
título escolhido por Hegel para a sua obra. Na verdade, essas figuras
têm uma dupla face. Uma face histórica, porque as experiências
aqui recolhidas são experiências de cultura, de uma cultura que se
desenvolveu no tempo sob a injunção do pensar-se a si mesma e
de justificar-se ante o tribunal da Razão. Uma face dialética, porque
a sucessão das figuras da experiência não obedece à ordem cronológica dos eventos mas à necessidade imposta ao discurso de
mostrar na sequência das experiências o desdobramento de uma
lógica que deve conduzir ao momento fundador da Ciência: ao
Saber absoluto como adequação da certeza do sujeito com a
verdade do objeto. Não é fácil mostrar como se entrelaçam Histórica
e Dialética no discurso da Fenomenologia. Baste-nos dizer aqui que
o propósito de Hegel deve ser entendido dentro da resposta original
que a Fenomenologia pretende ser à grande aporia transmitida pela
Crítica da Razão pura ao Idealismo alemão. Esta aporia se formula
como cisão entre a ciência do mundo como fenômeno, obra do
Entendimento, e o conhecimento do absoluto ou do incondicionado - da coisa-em-si - que permanece como ideal da Razão. O
absoluto só se apresenta para Kant no domínio da Razão prática
como postulado de uma liberdade transempírica, fora do alcance
de uma ciência do mundo. Com a Fenomenologia do Espírito Hegel
pretende situar-se para além dos termos da aporia kantiana, designando-a como momento abstrato de um processo histórico-dialético desencadeado pela própria situação de um sujeito que é
fenômeno para si mesmo ou portador de uma ciência que aparece
a si mesma no próprio ato em que faz face ao aparecimento de um
objeto no horizonte do seu saber. Em outras palavras, Hegel intenta
mostrar que a fundamentação absoluta do saber é resultado de uma
gênese ou de uma história cujas vicissitudes são assinaladas, no
plano da aparição ou do fenómeno ao qual tem acesso o olhar do
Filósofo (o para-nós na terminologia hegeliana) pelas oposições
sucessivas e dialeticamente articuladas entre a certeza do sujeito e
a verdade do objeto. Anunciando a publicação do seu livro, Hegel
diz: "Este volume expõe o devir do saber (das werdende Wissen).
A Fenomenologia do Espírito deve substituir-se às explicações
psicológicas ou às discussões mais abstraías sobre a fundamentação
do saber. O sujeito e o fenômeno kantianos são rigorosamente
anistóricos. Desde o ponto de vista de Hegel são, portanto, abstra-
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tos. Na Fenomenologia, Hegel quer mostrar que essa abstração, na
qual o mundo é o mundo sem história da mecânica newtoniana e
é acolhido pelo sujeito ao qual "aparece" nas formas acabadas das
categorias do Entendimento, é apenas momento de um processo
ou de uma gênese que começa com a "aparição" do sujeito a si
mesmo no simples "aqui" e "agora" da certeza sensível (primeiro
capítulo da Fenomenologia), aparição que mostra a dissolução da
verdade do objeto na certeza com que o sujeito procura fixá-la. A
partir daí, o movimento dialético da Fenomenologia prossegue
como aprofundamento dessa situação histórico-dialética de um
sujeito que é fenómeno para si mesmo no próprio ato em que
constrói o saber de um objeto que aparece no horizonte das suas
experiências. Assim, Hegel transfere para o próprio coração do
sujeito - para o seu saber - a condição de fenómeno que Kant
cingira à esfera do objeto. Essa é a originalidade da Fenomenologia
e é nessa perspectiva que ela pode ser apresentada como processo
de "formação" (cultura ou Bildung) do sujeito para a ciência. E
entende-se que a descrição desse processo deva referir-se necessariamente às experiências significativas daquela cultura que, segundo
Hegel, fez da ciência ou da filosofia a forma rectrix ou a enteléquia
da sua história: a cultura do Ocidente.
Dois fios nos conduzem através do longo e difícil itinerário da
Fenomenologia. Um deles é a linha das figuras que traça o processo
de formação do sujeito para o saber, unindo dialeticamente as
experiências da consciência que encontram expressões exemplares
na história da cultura ocidental. As figuras delineiam portanto, no
desenvolvimento da Fenomenologia, o relevo de um tempo histórico que se ordena segundo uma sucessão de paradigmas e não
segundo a cronologia empírica dos eventos. Mas vimos como essa
referência à história é essencial para Hegel porque, segundo ele, a
Fenomenologia somente poderia ter sido escrita no tempo histórico
que era o seu e que assistira à revolução kantiana na filosofia e à
revolução francesa na política. O segundo fio une entre si os
momentos dessa imensa demonstração ou exposição da necessidade imposta à consciência de percorrer a série das suas figuras ou das experiências da sua "formação" - até atingir a altitude do
Saber absoluto. Vale dizer que a ordem dos momentos descreve
propriamente o movimento dialético ou a lógica imanente da Fenomenologia e faz com que a aparição das figuras não se reduza a
uma rapsódia sem nexo mas se submeta ao rigor de um desenvolvimento necessário. Figuras e momentos tecem a trama desse
original discurso hegeliano, que pode ser considerado a expressão
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da consciência histórica do filósofo Hegel no momento em que a
busca de uma fundamentação absoluta para o discurso filosófico
como auto-reconhecimento da Razão instauradora de um mundo
histórico - o mundo do Ocidente - pode ser empreendida não como
a delimitação das condições abstraías de possibilidade, tal como
tentara Kant, mas como a rememoração e recuperação de um
caminho de cultura que desembocava nas terras do mundo pós-revolucionário onde o sol do Saber absoluto - o imperativo teórico e
prático de igualar o racional e o real - levantava-se implacável no
horizonte.
A Fenomenologia apresenta, pois, três significações fundamentais. Uma significação propriamente filosófica definida pela
pergunta que situa Hegel em face de Kant: o que significa para a
consciência experimentar-se a si mesma através de sucessivas formas de saber que são assumidas e julgadas por essa forma suprema
que chamamos ciência ou filosofia? uma significação cultural definida pela interrogação que habita e impele o "espírito do tempo"
na hora da reflexão hegeliana: o que significa, para o homem
ocidental moderno, experimentar o seu destino como tarefa de
decifração do enigma de uma história que se empenha na luta pelo
Sentido através da aparente sem-razão dos conflitos, ou que vê
florescer "a rosa da Razão na cruz do presente?". Finalmente, uma
significação histórica, definida pela questão que assinala a originalidade do propósito hegeliano: o que significa para a consciência
a necessidade de percorrer a história da formação do seu mundo
de cultura como caminho que designa os momentos do seu próprio
formar-se para a Ciência? Tais serão as significações que irão
entrecruzar-se na dialética do Senhor e do Escravo conferindo-lhe
o caráter paradigmático que aqui queremos ressaltar.
3. O ponto de partida da Fenomenologia é dado pela forma
mais elementar que pode assumir o problema da inadequação da
certeza do sujeito cognoscente e da verdade do objeto conhecido.
Esse problema surge da própria situação do sujeito cognoscente
enquanto sujeito consciente. Ou seja, surge do fato de que a certeza
do sujeito de possuir a verdade do objeto é, por sua vez, objeto de
uma experiência na qual o sujeito aparece a si mesmo como
instaurador e portador da verdade do objeto. O lugar da verdade
do objeto passa a ser o discurso do sujeito que é também o lugar
do automanifestar-se ou do auto-reconhecer-se - da experiência,
em suma - do próprio sujeito. Não bastará comparar a certeza
"subjetiva" (em sentido vulgar) e a verdade "objetiva" (igualmente
em sentido vulgar), mas será necessário submeter a verdade do
objeto à verdade originária do sujeito ou à lógica imanente do seu
discurso. Será necessário, em outras palavras, conferir-lhe a objetividade superior do saber que é ciência. Essa é a estrutura dialética
fundamental que irá desdobrar-se em formas cada vez mais amplas
e complexas ao longo da Fenomenologia, à medida em que a
exposição que o sujeito faz a si mesmo do seu caminho para a
ciência incorpora - na rememoração histórica e na necessidade
dialética - novas experiências. Trata-se, afinal, como diz Hegel na
Introdução, de aplicar ao sujeito que se experimenta no ato de saber
alguma coisa a sua própria medida (pois onde poderá buscar, senão
em si mesmo, uma medida que seja norma constitutiva do seu
saber?) e com ela medir, nas formas sucessivas de saber, a distância
que separa a certeza da verdade, até que essa distância seja suprimida no saber em que a verdade da medida revela a sua plena
adquação à certeza do sujeito e à verdade do objeto: no Saber
absoluto.
Os três primeiros capítulos da Fenomenologia, que constituem
a sua primeira parte (a), desenvolvem portanto esse esquema
dialético a partir da sua forma mais elementar ou da situação
originária do sujeito que conhece alguma coisa e se experimenta na
certeza de possuir a verdade do objeto conhecido ou, simplesmente,
toma consciência do seu saber. Tal situação é definida pela presença
do sujeito no aqui e no agora do mundo exterior e o saber, nesse
primeiro momento, não é mais do que a simples indicação do objeto
nesse aqui e nesse agora. Esse primeiro saber é denominado por
Hegel "certeza sensível". E o domínio onde se move a consciência
ingênua, quase animal, que pensa possuir a verdade do objeto na
certeza de indicá-lo na sua aparição no aqui e no agora do espaço
e do tempo do mundo. A dissolução da "certeza sensível", ou o
evanescer-se do "isto" pretensamente concreto da experiência imediata do mundo na "percepção" da "coisa" abstraía (cap. 2), ou
seja, do objeto definido pela atribuição de muitas propriedades
abstratamente universais, mostra que a ciência da experiência da
consciência ou a dialética da Fenomenologia se inclina na direção
que irá levar à plena explicitação da consciência ou da "verdade da
certeza de si mesmo" como instituidora da verdade do mundo. Com
efeito, o 3o capítulo, ao qual Hegel dá o título "Força e Entendimento, a aparição e o mundo supra-sensível" e que é, sem dúvida, um
dos mais difíceis da obra retoma o problema kantiano do Entendimento (Verstand) e da constituição do mundo como natureza ou
reino das leis, modelo ideal do sensível. Aqui se dá a "inversão" do
mundo com relação à "coisa" da percepção e ao "isto" da certeza
sensível: o mundo que Hegel denomina (numa reminiscência de
Platão) o mundo "supra-sensível" é o calmo reino das leis que regem
o jogo recíproco das forças (como na terceira lei newtoniana do
movimento) mas a sua verdade se revela, finalmente, na imanência
perfeita do movimento em si mesmo, ou seja, na vida. A vida é a
verdade da natureza, e Hegel admite uma vinculação muito mais
profunda do que Kant estaria disposto a aceitar entre a estrutura
mecanicista do mundo que é objeto do Entendimento da Crítica da
Razão Pura, e a sua estrutura finalista, objeto do juízo teleológico
na Crítica da faculdade de julgar. No entanto, o que Hegel pretende
mostrar aqui é que, na experiência do saber de um objeto que lhe
é exterior, a consciência se suprime como simples consciência de
um objeto, passa para a consciência-de-si como para a sua verdade
mais profunda: a verdade da certeza de si mesmo. O resultado da
dialétíca do jogo recíproco das forças que faz surgir o conceito de
infinidade como distinção no seio do que é idêntico - ou como
emergência da vida - desenha, desta sorte, uma nova figura da
consciência. Hegel a descreve assim: "A consciência de um outro,
de um objeto em geral é ela própria, necessariamente, consciênciade-si, ser-refletido em si, consciência de si mesmo no seu ser outro.
O progresso necessário das figuras da consciência até aqui exprime
exatamente isto, ou seja, que não somente a consciência da coisa é
possível unicamente para a consciência-de-si, mas ainda que somente esta é a verdade daquela". Se a primeira parte da Fenomenologia leva o título geral de "Consciência" é que ela designa o
movimento dialético no qual o saber do mundo passa no saber de
si mesmo como na sua verdade. Hegel, em suma, traduz em
necessidade dialética a necessidade analítica com que Kant unifica
as categorias do Entendimento na unidade transcendental da apercepção no Eu penso. Nas figuras da consciência a verdade, enquanto distinta da certeza, é, para a consciência, um outro, uma vez que
é verdade de um mundo exterior que ainda não passou para a
verdade originária e fundadora da própria consciência. "Com a
consciência-de-si, diz Hegel, entramos pois no reino nativo da
verdade". Trata-se, então, de acompanhar o surgimento das figuras
que irão marcar o itinerário dialético da consciência-de-si. Mas a
originalidade do procedimento hegeliano e a natureza própria do
caminho fenomenológico tornam-se patentes nos traços que irão
compor a primeira figura da consciência-de-si, e na direção do seu
movimento dialético.
Com efeito, a primeira figura da consciência-de-si não é a
identidade vazia do Eu penso ou a "imóvel tautologia" do Eu=Eu
que, de Descartes a Fichte, a filosofia moderna colocara no centro
do novo universo copernicano da razão. Na verdade, a consciênciade-si é reflexão a partir do ser do mundo sensível e do mundo da
percepção e é, essencialmente, um retomo a partir do ser-outro.
Esse ser-outro (o mundo sensível) é conservado no movimento
dialético constitutivo da consciência-de-si como uma segunda diferença que se insere na primeira diferença com a qual a consciênciade-si se distingue de si mesma na identidade reflexiva do Eu. Assim,
o mundo sensível se desdobra no espaço dessa identidade mas não
mais como o objeto que faz face à consciência, e sim como o ser
que, para a consciência-de-si, é marcado com o "caráter do negativo" e cujo em-si deve ser suprimido para que se- constitua a
identidade concreta da consciência consigo mesma.
Para a consciência que retorna a si pela supressão do seu
objeto ou pela evanescência do ser do objeto na certeza da verdade
que é agora a verdade da própria consciência, o objeto assume as
características da vida e a figura da consciência-de-si é o desejo.
Para caracterizar o objeto da consciência-de-si que perdeu a subsistência imediata das coisas que compõem o mundo exterior, Hegel
recorre ao conceito de vida tal como se constituirá na tradição de
pensamento que vai de Espinoza a Schelling passando pelo Romantismo. A vida é aqui o puro fluir ou a infinidade que suprime todas
as diferenças e, no entanto, é subsistência que descansa nessa
absoluta inquietação. Nesse sentido a vida aparece como objeto da
consciência-de-si - ou como seu oposto na medida em que é para
ela como seu primeiro esboço na exterioridade do mundo. A
verdade do mundo passou para a consciência-de-si e ela caminha
para comprovar essa sua verdade fazendo no confronto com a vida
a experiência da sua unidade. Eis por que a consciência-de-si
assume a figura do desejo que se cumpre na sua própria satisfação,
ou que é atividade essencialmente negadora da independência do
seu objeto.
Mas é preciso não obscurecer a dialética do desejo com
interpretações alheias ao propósito hegeliano. O caminho descrito
pela Fenomenologia acompanha os passos da formação do indivíduo para a ciência, ou, se quisermos, do homem ocidental para a
Filosofia. A essa altura do itinerário o resultado essencial surge ao
termo do movimento dialético que mostra a consciência-de-si como
verdade da consciência do mundo exterior. Trata-se, pois, de
explicitar num novo ciclo de figuras o conteúdo desse resultado e
descrever a experiência que a consciência-de-si faz de si mesma: da
sua verdade. O desejo surge como primeira figura que a consci-
ência-de-si assume na sua certeza de ser a verdade do mundo. Com
efeito, no desejo o em-si do objeto é negado pela satisfação e é esse
movimento de negação que opera para a consciência a sua conversão a si mesma e traça a primeira figura da sua transcendência sobre
o objeto. Para Hegel, o primeiro passo que a consciência dá em
direção à sua verdade como consciência-de-si manifesta-se no
comportamento do desejo, na negação da independência do objeto
em face da pulsão do desejo em busca da sua satisfação.
Essa experiência adquire uma significação decisiva como
experiência que inaugura o ciclo dialético das experiências que a
consciência-de-si deve empreender para assegurar-se da sua verdade. Mas, trata-se de uma experiência cujo caráter a um tempo
essencial e fugaz tem sido ressaltado pelos comentadores do texto
hegeliano. Na verdade, apenas se pode dizer que se trata aqui de
uma experiência no sentido pleno uma vez que, nela, o objeto se
revela inadequado para assegurar essa certeza que a consciênciade-si deve ter de si mesma, ou a transcendência efetiva do sujeito
consciente sobre o mundo. De um lado, o egoísmo radical do desejo
descreve a figura da consciência-de-si na sua identidade vazia e, de
outro, o objeto consumido na satisfação mostra-se incapaz de
exercer a mediação exigida para que o saber de si mesmo se
constitua como resultado dialético e, portanto, fundamento do saber
do objeto. O infinito do desejo é, nos termos de Hegel, um "mau
infinito", no qual o objeto ressurge sempre na sua independência
para que uma nova satisfação tenha lugar (21). Para que a consciência-de-si alcance a sua identidade concreta será necessário que
ela se encontre a si mesma no seu objeto. Em outras palavras, será
necessário que a verdade do mundo das coisas e da vida animal
passe para a verdade do mundo humano, ou a verdade da natureza
passe para a verdade da história. Nos termos de Hegel equivale dizer
que "a consciência-de-si alcança a sua satisfação somente numa
outra consciência-de-si".
Num texto de exemplar clareza didática, Hegel descreve a
constituição do conceito de consciência-de-si: "Somente nesses três
momentos vem a completar-se o conceito de consciência-de-si: a)
o Eu puro indiferenciado é seu primeiro objeto imediato. b) Esta
imediatidade é porém, ela mesma, absoluta mediação, é apenas
como supressão do objeto independente, ou é desejo. A satisfação
do desejo é verdadeiramente a reflexão da consciência-de-si em si
mesma ou a certeza tornada verdade. c) Mas a verdade dessa certeza
é, na realidade, uma dupla reflexão, a duplicação da consciênciade-si. A consciência tem um objeto que anula em si mesmo o seu
ser-outro ou a diferença e é, assim, independente. A figura distinta
que é apenas vivente suprime também no processo da vida a sua
independência mas juntamente com a sua diferença deixa de ser o
que é; mas o objeto da consciência-de-si é igualmente independente
nesta negatividade de si mesmo; e, portanto, ele é para si mesmo
um gênero (Gattung), é a fluidez universal na propriedade da sua
particularização; ele é uma vivente consciência-de-si". O objeto da
pulsão vital é consumido na satisfação ou desaparece no fluxo da
vida, e não é capaz de permanecer em face do sujeito e exercer
nessa permanência a função mediadora que faz passar o sujeito da
identidade abstrata do Eu puro para a identidade concreta do Eu
que se põe a si mesmo na diferença do seu objeto. O sujeito humano
se constitui tão-somente no horizonte do mundo humano e a
dialética do desejo deve encontrar sua verdade na dialética do
reconhecimento. Aqui a consciência faz verdadeiramente a sua
experiência como consciência-de-si porque o objeto que é mediador para o seu reconhecer-se a si mesma não é o objeto indiferente
do mundo mas é ela mesma no seu ser-outro: é outra consciênciade-si.
4. Com a passagem da dialética do desejo para a dialética do
reconhecimento o movimento da Fenomenologia encontra definitivamente a direção do roteiro que Hegel traçará para essa sucessão
de experiências que devem assinalar os passos do homem ocidental
no seu caminho histórico e dialético para cumprir a injunção de
pensar o seu tempo na hora pós-revolucionária, ou para justificar
o destino da sua civilização como civilização da Razão. Com efeito,
o que aparece agora no horizonte do caminho para a ciência são
as estruturas da intersubjetividade ou é o próprio mundo humano
como lugar privilegiado das experiências mais significativas que
assinalam o itinerário da Fenomenologia. O caminho para a ciência
deve penetrar na significação das iniciativas de cultura que traçaram
a figura do mundo histórico colocado sob o signo da própria ciência
e que nela deve decifrar o seu destino. Hegel acentua o alcance
decisivo desse momento dialético, ao advertir-nos de que, com o
desdobramento da consciência-de-si, feita objeto para si mesma, "o
que já está presente aqui para nós é o conceito do Espírito". Como
é sabido, o conceito de Espírito é a pedra angular do edifício do
sistema hegeliano, a menos que queiramos compará-lo com sua lei
de construção ou sua forma estrutural. Na Fenomenologia o capítulo sexto, que refere as experiências da consciência a situações
históricas efetivas, é denominado por Hegel "O Espírito". No momento em que a consciência-de-si faz a sua aparição, o caminho
que fica a ser percorrido pela consciência é, diz Hegel, "a experiência do que é o Espírito, essa substância absoluta que, na liberdade
acabada e na independência da sua oposição, a saber, de diversas
consciências-de-si que são para-si, é a unidade das mesmas; Eu que
é Nós, e Nós que é Eu77. Portanto, na ciência da experiência da
consciência o momento da consciência-de-si é verdadeiramente,
segundo a expressão de Hegel na continuação do texto citado, um
"ponto de inflexão". O roteiro que ficou para trás e que apontava
na direção do mundo dos objetos percorria a "aparência colorida
do aquém sensível" ou o domínio da certeza sensível e da percepção, e penetrava na "noite vazia do além supra-sensível", ou seja,
na ciência abstrata da natureza. A partir daí o caminho inflecte seu
curso e se volta para o mundo dos sujeitos e "penetra no dia
espiritual do que é presença": presença efetiva do sujeito a si mesmo
no seu constituir-se em oposição ao outro, na unidade do Espírito
ou nas experiências significativas do seu mundo histórico.
A dialética do reconhecimento é articulada por Hegel com
extremo cuidado, e essas páginas contam entre as mais justamente
célebres da Fenomenologia. Como o Senhorio e a Servidão não
são senão os termos da relação da dialética do reconhecimento no
seu primeiro desenlace ou na superação da contradição representada pela "luta de morte", convém refletir inicialmente sobre o
implícito que subjaz ao texto hegeliano e se explicita no tema do
reconhecimento e na face dramática da sua primeira figura dialética.
Ao contrário do que sugerem as interpretações mais vulgarizadas,
a referência implícita de Hegel não parece ser aqui o problema da
origem da sociedade ou a hipótese do "estado de natureza". A
hipótese do "estado de natureza" como estado de lula entre os
indivíduos, que deve cessar com o pacto social e a constituição da
sociedade civil, atende a um tipo de explicação hipotético-dedutiva
da origem da sociedade característica das teorias do chamado
Direito Natural moderno. Na verdade, essas teorias foram sempre
um dos alvos constantes da crítica de Hegel. Na Fenomenologia não
se trata de saber como se originou a sociedade (esse é um falso
problema para Hegel pois o indivíduo é, desde sempre, um indivíduo social). Trata-se de desenrolar o fio dialético da experiência que
mostra na "duplicação" da consciência-de-si em si mesma - ou no
seu situar-se em face de outra consciência-de-si - o resultado
dialético e, portanto, o fundamento da consciência do objeto. Essa
referência essencial do mundo à história ou essa historicização do
conhecimento do mundo é um decisivo "ponto de inflexão" na
descrição das experiências que assinalam o caminho do homem
ocidental para o lugar e o tempo históricos de uma sociedade que
vê inscrito o seu destino na face enigmática do saber científico. Por
conseguinte, não é o problema do reconhecimento como relação
jurídica que Hegel tem presente aqui, mas a figura dialético-histórica
da luta pelo reconhecimento, como estágio no caminho pelo qual
a consciência-de-si alcança a sua universalidade efetiva e pode
pensar-se a si mesma como portadora do desígnio de uma história
sob o signo da Razão, vem a ser, de uma sociedade do consenso
universal.
O implícito hegeliano sobre o qual se apóia a dialética do
Senhorio e da Servidão deixa-se entrever, assim como sendo o
problema da racionalidade do ethos, que será tematizado explicitamente no começo da seção "O Espírito" (C, cap. VI). He assinala
os primeiros passos da civilização ocidental na Grécia como conflito
entre a lei do génos e a lei da pólis. A interrogação que impele o
discurso da Fenomenologia a partir do "ponto de inflexão" designado pelo advento da consciência-de-si é a seguinte: que experiências exemplares a consciência deve percorrer e cuja significação
deve compreender para demonstrar-se como sujeito, a um tempo
dialético e histórico, de um saber que contém em si a justificação da
existência política como esfera do reconhecimento universal? Em
concreto, esse saber é a filosofia hegeliana e o seu portador é o
filósofo na hora de Hegel. A ele compete, em primeiro lugar, dar
razão da sua própria existência mostrando que o ato de filosofar
não é um ato gratuito mas é a exigência da transcrição no conceito
do tempo histórico daquele mundo de cultura que colocou a Razão
no centro do seu universo simbólico. Dando razão da sua existência,
o filósofo anuncia o advento, na história do Ocidente, do indivíduo
que aceita existir na forma da existência universal, ou da existência
regida pela Razão. Eis por que o tema do reconhecimento deve
inaugurar o ciclo da consciência-de-si ou do sujeito no roteiro da
Fenomenologia. É necessário, com efeito, que o indivíduo que se
forma para a existência histórica segundo a Razão - ou que se forma
para a ciência - passe pelos estágios que assinalam a emergência
da reflexão sobre a vida imediata, ou da reciprocidade do reconhecimento sobre a pulsão do desejo. Somente essa emergência tomará
possível a existência do indivíduo como existência segundo a forma
de universalidade do consenso racional ou, propriamente, existência política. Essa é a forma de existência histórica que o filósofo deve
justificar e cuja justificação ele irá buscar exatamente na necessidade, a um tempo dialética e histórica, que conduz a sucessão de
experiências descritas pela Fenomenologia.
PREFÁCIO
1 - [Eine Erklärung] Numa obra filosófica, em razão de sua
natureza, parece não só supérfluo, mas até inadequado e contraproducente, um prefácio - esse esclarecimento preliminar do autor
sobre o fim que se propõe, as circunstâncias de sua obra, as relações
que julga encontrar com as anteriores e atuais sobre o mesmo tema.
Com efeito, não se pode considerar válido, em relação ao modo
como deve ser exposta a verdade filosófica, o que num prefácio
seria conveniente dizer sobre a filosofia; por exemplo, fazer um
esboço histórico da tendência e do ponto de vista, do conteúdo geral
e resultado da obra, um agregado de afirmações e asserções sobre
o que é o verdadeiro.
Além do que, por residir a filosofia essencialmente no elemento da universalidade - que em si inclui o particular -, isso suscita
nela, mais que em outras ciências, a aparência de que é no fim e
nos resultados últimos que se expressa a Coisa mesma, e inclusive
sua essência consumada; frente a qual o desenvolvimento [da
exposição] seria, propriamente falando, o inessencial.
Quando, por exemplo, a anatomia é entendida como "o
conhecimento das partes do corpo, segundo sua existência inanimada", há consenso de que não se está ainda de posse da Coisa
mesma, do conteúdo de tal ciência; é preciso, além disso, passar à
consideração do particular. Mais ainda: nesse conglomerado de
conhecimentos, que leva o nome de ciência sem merecê-lo, fala-se
habitualmente sobre o fim e generalidades semelhantes do mesmo
modo histórico e não conceituai como se fala do próprio conteúdo;
nervos, músculos etc. Na filosofia, ao contrário, ressaltaria a inadequação de utilizar tal procedimento, quando ela mesma o declara
incapaz de apreender o verdadeiro.
2 - [So wird auch] Do mesmo modo, a determinação das
relações que uma obra filosófica julga ter com outras sobre o mesmo
objeto introduz um interesse estranho e obscurece o que importa ao
conhecimento da verdade. Com a mesma rigidez com que a opinião
comum se prende à oposição entre o verdadeiro e o falso, costuma
também cobrar, ante um sistema filosófico dado, uma atitude de
aprovação ou de rejeição. Acha que qualquer esclarecimento a
respeito do sistema só pode ser uma ou outra. Não concebe a
diversidade dos sistemas filosóficos como desenvolvimento progressivo da verdade, mas só vê na diversidade a contradição.
O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se
que a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer
um falso ser-aí da planta, pondo-se como sua verdade em lugar da
flor: essas formas não só se distinguem, mas também se repelem
como incompatíveis entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza
fluida faz delas momentos da unidade orgânica, na qual, longe de
se contradizerem, todos são igualmente necessários. E essa igual
necessidade que constitui unicamente a vida do todo. Mas a contradição de um sistema filosófico não costuma conceber-se desse
modo; além disso, a consciência que apreende essa contradição não
sabe geralmente libertá-la - ou mantê-la livre - de sua unilateralidade; nem sabe reconhecer no que aparece sob a forma de luta e
contradição contra si mesmo, momentos mutuamente necessários.
3 - [Die Forderung] A exigência de tais explicações, como
também o seu atendimento, dão talvez a aparência* de estar lidando
com o essencial. Onde se poderia melhor exprimir o âmago de um
escrito filosófico que em seus fins e resultados? E esses, como
poderiam ser melhor conhecidos senão na sua diferença com a
produção da época na mesma esfera? Todavia essa tarefa, quando
pretende ser mais que o início do conhecimento, e valer por
conhecimento efetivo, deve ser contada entre as invenções que
servem para dar voltas ao redor da Coisa mesma, combinando a
aparência de seriedade e de esforço com a carência efetiva de
ambos.
* Seguimos a leitura "scheinen vielleicht" em vez de "gelten leicht dafür".
Com efeito, a Coisa mesma não se esgota em seu fim, mas em
sua atualização; nem o resultado é o todo efetivo, mas sim o
resultado junto com o seu vir-a-ser. O fim para si é o universal sem
vida, como a tendência é o mero impulso ainda carente de sua
efetividade; o resultado nu é o cadáver que deixou atrás de si a
tendência. Igualmente, a diversidade é, antes, o limite da Coisa: está
ali onde a Coisa deixa de ser; ou é o que a mesma não é.
Essa preocupação com o fim ou os resultados, como também
com as diversidades e apreciações dos mesmos, é, pois, uma tarefa
mais fácil do que talvez pareça. Com efeito, tal [modo de] agir, em
vez de se ocupar com a Coisa mesma, passa sempre por cima. Em
vez de nela demorar-se e esquecer a si mesmo, prende-se sempre a
algo distinto; prefere ficar em si mesmo a estar na Coisa e a
abandonar-se a ela. Nada mais fácil que julgar o que tem conteúdo
e solidez; apreendê-lo é mais difícil; e o que há de mais difícil é
produzir sua exposição, que unifica a ambos.
4 - [Der Anfang] O começo da cultura e do esforço para
emergir da imediatez da vida substancial deve consistir sempre em
adquirir conhecimentos de princípios e pontos de vista universais.
Trata-se inicialmente de um esforço para chegar ao pensamento da
Coisa em geral e também para defendê-la ou refutá-la com razões,
captando a plenitude concreta e rica segundo suas determinidades,
e sabendo dar uma informação ordenada e um juízo sério a seu
respeito. Mas esse começo da cultura deve, desde logo, dar lugar à
seriedade da vida plena que se adentra na experiência da Coisa
mesma. Quando enfim o rigor do conceito tiver penetrado na
profundeza da Coisa, então tal conhecimento e apreciação terão na
conversa o lugar que lhes corresponde.
5 - [Die wahre Gestalt] A verdadeira figura, em que a verdade
existe, só pode ser o seu sistema científico. Colaborar para que a
filosofia se aproxime da forma da ciência - da meta em que deixe
de chamar-se amor ao saber para ser saber efetivo - é isto o que
me proponho. Reside na natureza do saber a necessidade interior
de que seja ciência, e somente a exposição da própria filosofia será
uma explicação satisfatória a respeito. Porém a necessidade exterior
é idêntica à necessidade interior - desde que concebida de modo
universal e prescindindo da contingência da pessoa e das motivações individuais - e consiste na figura sob a qual uma época
representa o ser-aí de seus momentos. Portanto a única justificação
verdadeira das tentativas, que visam esse fim, seria mostrar que
chegou o tempo de elevar a filosofia à condição de ciência; pois, ao
demonstrar sua necessidade, estaria ao mesmo tempo realizando
sua meta.
6 - [Indem die Wahre] Sei que pôr a verdadeira figura da
verdade na cientificidade - ou, o que é o mesmo, afirmar que a
verdade só no conceito tem o elemento de sua existência - parece
estar em contradição com uma certa representação e suas consequências, tão pretensiosas quanto difundidas na mentalidade de
nosso tempo. Assim não parece supérfluo um esclarecimento sobre
essa contradição - o que aliás, neste ponto, só pode ser uma
asserção que se dirige contra outra asserção.
Com efeito, se o verdadeiro só existe no que (ou melhor, como
o que) se chama quer intuição, quer saber imediato do absoluto,
religião, ser - não o ser no centro do amor divino, mas o ser mesmo
desse centro -, então o que se exige para a exposição da filosofia
é, antes, o contrário da forma do conceito. O absoluto não deve ser
conceptualizado, mas somente sentido e intuído; não é o seu
conceito, mas seu sentimento e intuição que devem falar em seu
nome e ter expressão.
7 - [Wird die Erscheinung] Tomando a manifestação dessa
exigência em seu contexto mais geral e no nível em que presentemente se encontra o espírito consciente-de-si, vemos que esse foi
além da vida substancial que antes levava no elemento do pensamento; além dessa imediatez de sua fé, além da satisfação e segurança da certeza que a consciência possuía devido à sua
reconciliação com a essência e a presença universal dela - interior
e exterior. O espírito não só foi além - passando ao outro extremo
da reflexão, carente-de-substância, de si sobre si mesmo - mas
ultrapassou também isso. Não somente está perdida para ele sua
vida essencial; está também consciente dessa perda e da finitude
que é seu conteúdo. [Como o filho pródigo], rejeitando os restos da
comida, confessando sua abjeção e maldizendo-a, o espírito agora
exige da filosofia não tanto o saber do que ele é, quanto resgatar,
por meio dela, aquela substancialidade e densidade do ser [que
tinha perdido].
Para atender a essa necessidade, não deve apenas descerrar
o enclausuramento da substância, e elevá-la à consciência-de-si, ou
reconduzir a consciência caótica à ordem pensada e à simplicidade
do conceito; deve, sobretudo, misturar as distinções do pensamento, reprimir o conceito que diferencia, restaurar o sentimento da
essência, garantir não tanto a perspicácia quanto a edificação. O
belo, o sagrado, a religião, o amor são a isca requerida para
despertar o prazer de mordiscar. Não é o conceito, mas o êxtase,
não é a necessidade fria e metódica da Coisa que deve constituir a
força que sustém e transmite a riqueza da substância, mas sim o
entusiasmo abrasador.
8 - [Diese Forderung] Corresponde a tal exigência o esforço
tenso e impaciente, de um zelo quase em chamas, para retirar os
homens do afundamento no sensível, no vulgar e no singular, e
dirigir seu olhar para as estrelas; como se os homens, de todo
esquecidos do divino, estivessem a ponto de contentar-se com pó
e água, como os vermes. Outrora tinham um céu dotado de vastos
tesouros de pensamentos e imagens. A significação de tudo que
existe estava no fio de luz que o unia ao céu; então, em vez de
permanecer neste [mundo] presente, o olhar deslizava além, rumo
à essência divina: a uma presença no além - se assim se pode dizer.
O olhar do espírito deveria, à força, ser dirigido ao terreno e
ali mantido. Muito tempo se passou antes de se introduzir na
obtusidade e perdição em que jazia o sentido deste mundo, a
claridade que só o outro mundo possuía; para tomar o presente,
como tal, digno do interesse e da atenção que levam o nome de
experiência.
Agora parece haver necessidade do contrário: o sentido está
tão enraizado no que é terreno, que se faz mister uma força igual
para erguê-lo dali. O espírito se mostra tão pobre que parece aspirar,
para seu reconforto, ao mísero sentimento do divino em geral como um viajante no deserto anseia por uma gota d'água. Pela
insignificância daquilo com que o espírito se satisfaz, pode-se medir
a grandeza do que perdeu.
9 - [Diese Genügsamkeit] Entretanto, não convém à ciência
nem esse comedimento no receber, nem essa parcimônia no dar.
Quem só busca a edificação, quem pretende envolver na névoa a
variedade terrena de seu ser-aí e de seu pensamento, e espera o
prazer indeterminado daquela divindade indeterminada, veja bem
onde é que pode encontrar tudo isso; vai achar facilmente o meio
de fantasiar algo e ficar assim bem pago. Mas a filosofia deve
guardar-se de querer ser edificante.
10 - [Noch weniger muss] Ainda tem menos razão essa
temperança que renuncia à ciência, ao pretender que tal entusiasmo
e desassossego sejam algo superior à ciência. Esse falar profético
acredita estar no ponto central e no mais profundo; olha desdenhosamente para a determinidade (o horos) e fica de propósito longe
do conceito e da necessidade, como da reflexão que reside somente
na finitude. Mas, como há uma extensão vazia, há também uma
profundidade vazia; como há uma extensão da substância que se
difunde numa diversidade finita sem força para mantê-la unida,
assim há uma intensidade carente-de-conteúdo que, conservandose como força pura e sem expansão, é idêntica à superficialidade.
A força do espírito só é tão grande quanto sua exteriorização; sua
profundidade só é profunda à medida que ousa expandir-se e
perder-se em seu desdobramento.
Da mesma maneira, quando esse saber substancial, carentede-conceito, pretende ter mergulhado na essência a peculiaridade
do Si, e filosofar verdadeira e santamente, está escondendo de si
mesmo o fato de que - em lugar de se ter consagrado a Deus, pelo
desprezo da medida e da determinação - ora deixa campo livre em
si mesmo à contingência do conteúdo, ora deixa campo livre no
conteúdo ao arbitrário. Abandonando-se à desenfreada fermentação da substância, acreditam esses senhores - por meio do velamento da consciência-de-si e da renúncia ao entendimento - serem
aqueles "seus" a quem Deus infunde no sono a sabedoria. Na
verdade, o que no sono assim concebem e produzem são sonhos
também.
11- [Es ist übrigens] Aliás, não é difícil ver que nosso tempo
é um tempo de nascimento e trânsito para uma nova época. O
espírito rompeu com o mundo de seu ser-aí e de seu representar,
que até hoje durou; está a ponto de submergi-lo no passado, e se
entrega à tarefa de sua transformação. Certamente, o espírito nunca
está em repouso, mas sempre tomado por um movimento para a
frente. Na criança, depois de longo período de nutrição tranquila,
a primeira respiração - um salto qualitativo - interrompe o lento
processo do puro crescimento quantitativo; e a criança está nascida.
Do mesmo modo, o espírito que se forma lentamente, tranquilamente, em direção à sua nova figura, vai desmanchando tijolo por
tijolo o edifício de seu mundo anterior. Seu abalo se revela apenas
por sintomas isolados; a frivolidade e o tédio que invadem o que
ainda subsiste, o pressentimento vago de um desconhecido são os
sinais precursores de algo diverso que se avizinha. Esse desmoronasse gradual, que não alterava a fisionomia do todo, é interrompido pelo sol nascente, que revela num clarão a imagem do
mundo novo.
12 - [Allein eine] Falta porém a esse mundo novo - como
falta a uma criança recém-nascida - uma efetividade acabada;
ponto essencial a não ser descuidado. O primeiro despontar é, de
início, a imediatez do mundo novo - o seu conceito: como um
edifício não está pronto quando se põe seu alicerce, também esse
conceito do todo, que foi alcançado, não é o todo mesmo.
Quando queremos ver um carvalho na robustez de seu tronco,
na expansão de seus ramos, na massa de sua folhagem, não nos
damos por satisfeitos se em seu lugar nos mostram uma bolota.
Assim a ciência, que é a coroa de um mundo do espírito, não está
completa no seu começo. O começo do novo espírito é o produto
de uma ampla transformação de múltiplas formas de cultura, o
prêmio de um itinerário muito complexo, e também de um esforço
e de uma fadiga multiformes. Esse começo é o todo, que retornou
a si mesmo de sua sucessão [no tempo] e de sua extensão [no
espaço]; é o conceito que-veio-a-ser conceito simples do todo. Mas
a efetividade desse todo simples consiste em que aquelas figuras,
que se tornaram momentos, de novo se desenvolvem e se dão nova
figuração; mas no seu novo elemento, e no sentido que resultou do
processo.
13 - [Indem einerseits] Embora a primeira aparição de um
mundo novo seja somente o todo envolto em sua simplicidade, ou
seu fundamento universal, no entanto, para a consciência, a riqueza
do ser-aí anterior ainda está presente na rememoração. Na figura
que acaba de aparecer, a consciência sente a falta da expansão e
da particularização do conteúdo; ainda mais: falta-lhe aquele aprimoramento da forma, mediante o qual as diferenças são determinadas com segurança e ordenadas segundo suas sólidas relações.
Sem tal aprimoramento, carece a ciência da inteligibilidade
universal; e tem a aparência de ser uma posse esotérica de uns tantos
indivíduos. Digo "posse esotérica" porque só é dada no seu conceito, ou só no seu interior; e "uns tantos indivíduos", pois seu
aparecimento, sem difusão, torna singular seu ser-aí. Só o que é
perfeitamente determinado é ao mesmo tempo exotérico, conceituai, capaz de ser ensinado a todos e de ser a propriedade de todos.
A forma inteligível da ciência é o caminho para ela, a todos aberto
e igual para todos. Ajusta exigência da consciência, que aborda a
ciência, é chegar por meio do entendimento ao saber racional: já
que o entendimento é o pensar, é o puro Eu em geral. O inteligível
é o que já é conhecido, o que é comum à ciência e à consciência
não-científica, a qual pode através dele imediatamente adentrar-se
na ciência.
14- [Die Wissenschaft] A ciência que recém começa, e assim
não chegou ainda ao remate dos detalhes nem à perfeição da forma,
está exposta a [sofrer] crítica por isso. Caso porém tal crítica devesse
atingir a essência mesma da ciência, seria tão injusta quanto seria
inadmissível não querer reconhecer a exigência do processo de
formação cultural. Essa oposição parece ser o nó górdio que a
cultura científica de nosso tempo se esforça por desatar, sem ter
ainda chegado a um consenso nesse ponto. Uma corrente insiste na
riqueza dos materiais e na inteligibilidade; a outra despreza, no
mínimo, essa inteligibilidade e se arroga a racionalidade imediata e
a divindade. Se uma corrente for reduzida ao silêncio ou só pela
força da verdade, ou também pelo ímpeto da outra, e se sentir
suplantada no que toca ao fundamento da Coisa, nem por isso se
dá por satisfeita quanto a suas exigências: pois são justas, mas não
foram atendidas. Seu silêncio, só pela metade se deve a vitória [do
adversário] - a outra metade deriva do tédio e da indiferença,
resultantes de uma expectativa sem cessar estimulada, mas não
seguida pelo cumprimento das promessas.
15-[In Ansehung] No que diz respeito ao conteúdo, os outros
recorrem a um método fácil demais para disporem de uma grande
extensão. Trazem para seu terreno material em quantidade, isto é,
tudo o que já foi conhecido e classificado. Ocupam-se especialmente com peculiaridades e curiosidades; dão mostras de possuir
tudo o mais, cujo saber especializado já é coisa adquirida, e também
de dominar o que ainda não foi classificado. Submetem tudo à idéia
absoluta, que desse modo parece ser reconhecida em tudo e desenvolvida numa ciência amplamente realizada.
Porém, examinando mais de perto esse desenvolvimento,
salta à vista que não ocorreu porque uma só e a mesma coisa se
tenha modelado em diferentes figuras; ao contrário, é a repetição
informe do idêntico, apenas aplicado de fora a materiais diversos,
obtendo assim uma aparência tediosa de diversidade. Se o desenvolvimento não passa da repetição da mesma fórmula, a idéia,
embora para si bem verdadeira, de fato fica sempre em seu começo.
A forma, única e imóvel, é adaptada pelo sujeito sabedor aos dados
presentes: o material é mergulhado de fora nesse elemento tranquilo. Isso porém - e menos ainda fantasias arbitrárias sobre o conteúdo - não constitui o cumprimento do que se exige; a saber, a riqueza
que jorra de si mesma, a diferença das figuras que a si mesmas se
determinam. Trata-se antes de um formalismo de uma só cor, que
apenas atinge a diferença do conteúdo, e ainda assim porque já o
encontra pronto e conhecido.
16 - [Dabei behauptet] Ainda mais: tal formalismo sustenta
que essa monotonia e universalidade abstrata são o absoluto;
garante que o descontentamento com essa universalidade é incapa-
cidade de galgar o ponto de vista absoluto e de manter-se firme nele.
Outrora, para refutar uma representação, era suficiente a possibilidade vazia de representar-se algo de outra maneira; então essa
simples possibilidade [ou] o pensamento universal tinha todo o
valor positivo do conhecimento efetivo. Agora, vemos também todo
o valor atribuído à idéia universal nessa forma da inefetividade:
assistimos à dissolução do que é diferenciado e determinado, ou,
antes, deparamos com um método especulativo onde é válido
precipitar no abismo do vazio o que é diferente e determinado, sem
que isso seja consequência do desenvolvimento nem se justifique
em si mesmo. Aqui, considerar um ser-aí qualquer, como é no
absoluto, não consiste em outra coisa senão em dizer que dele se
falou como se fosse um certo algo; mas que no absoluto, no A = A,
não há nada disso, pois lá tudo é uma coisa só. E ingenuidade de
quem está vazio de conhecimento pôr esse saber único - de que
tudo é igual no absoluto - em oposição ao conhecimento diferenciador e pleno (ou buscando a plenitude); ou então fazer de conta
que seu absoluto é a noite em que "todos os gatos são pardos",
como se costuma dizer.
O formalismo, que a filosofia dos novos tempos denuncia e
despreza (mas que nela renasce), não desaparecerá da ciência,
embora sua insuficiência seja bem conhecida e sentida, até que o
conhecer da efetividade absoluta se torne perfeitamente claro quanto à sua natureza.
Uma representação geral, vinda antes da tentativa de sua
realização pormenorizada, pode servir para sua compreensão. Com
vistas a isso, parece útil indicar aqui um esboço aproximado desse
desenvolvimento, também no intuito de descartar, na oportunidade,
algumas formas, cuja utilização constitui um obstáculo ao conhecimento filosófico.
17 - [Es kommt nach] Segundo minha concepção - que só
deve ser justificada pela apresentação do próprio sistema -, tudo
decorre de entender e exprimir o verdadeiro não como substância,
mas também, precisamente, como sujeito. Ao mesmo tempo, devese observar que a substancialidade inclui em si não só o universal
ou a imediatez do saber mesmo, mas também aquela imediatez que
é o ser, ou a imediatez para o saber.
Se apreender Deus como substância única pareceu tão revoltante para a época em que tal determinação foi expressa, o motivo
disso residia em parte no instinto de que aí a consciência-de-si não
se mantinha: apenas soçobrava. De outra parte, a posição contrária,
que mantém com firmeza o pensamento como pensamento, a
universalidade como tal, vem a dar na mesma simplicidade, quer
dizer, na mesma substancialidade imóvel e indiferenciada. É se numa terceira posição - o pensar unifica consigo o ser da substância
e compreende a imediatez e o intuir como pensar, o problema é
saber se esse intuir intelectual não é uma recaída na simplicidade
inerte; se não apresenta, de maneira inefetiva, a efetividade mesma.
18 - [Die lebendige Substanz] Aliás, a substância viva é o ser,
que na verdade é sujeito, ou - o que significa o mesmo - que é na
verdade efetivo, mas só à medida que é o movimento do pôr-se-asi-mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tomar-se-outro. Como
sujeito, é a negatividade pura e simples, e justamente por isso é o
fracionamento do simples ou a duplicação oponente, que é de novo
a negação dessa diversidade indiferente e de seu oposto. Só essa
igualdade reinstaurando-se, ou só a reflexão em si mesmo no seu
ser-Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade originária
enquanto tal, ou uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro
é o vir-a-ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua
meta, que o tem como princípio, e que só é efetivo mediante sua
atualização e seu fim.
19- [Das Leben Gottes] Assim, a vida de Deus e o conhecimento divino bem que podem exprimir-se como um jogo de amor
consigo mesmo; mas é uma idéia que baixa ao nível da edificação
e até da insipidez quando lhe falta o sério, a dor, a paciência e o
trabalho do negativo. De certo, a vida de Deus é, em si, tranquila
igualdade e unidade consigo mesma; não lida seriamente com o
ser-Outro e a alienação, nem tampouco com o superar dessa
alienação. Mas esse em-si [divino] é a universalidade abstrata, que
não leva em conta sua natureza de ser-para-si e, portanto, o
movimento da forma em geral. Uma vez que foi enunciada a
igualdade da forma com a essência, por isso mesmo é um engano
acreditar que o conhecimento pode se contentar com o Em-si ou a
essência, e dispensar a forma - como se o princípio absoluto da
intuição absoluta pudesse tomar supérfluos a atualização progressiva da essência e o desenvolvimento da forma. Justamente por ser
a forma tão essencial à essência quanto esta é essencial a si mesma,
não se pode apreender e exprimir a essência como essência apenas,
isto é, como substância imediata ou pura auto-intuição do divino.
Deve exprimir-se igualmente como forma e em toda a riqueza da
forma desenvolvida, pois só assim a essência é captada e expressa
como algo efetivo.
30
20 - fDas Wahre ist] O verdadeiro é o todo. Mas o todo é
somente a essência que se implementa através de seu desenvolvimento. Sobre o absoluto, deve-se dizer que é essencialmente resultado; que só no fim é o que é na verdade. Sua natureza consiste
justo nisso: em ser algo efetivo, em ser sujeito ou vir-a-ser-de-simesmo. Embora pareça contraditório conceber o absoluto essencialmente como resultado, um pouco de reflexão basta para dissipar
esse semblante de contradição. O começo, o princípio ou o absoluto
- como de início se enuncia imediatamente - são apenas o universal.
Se digo: utodos os animais", essas palavras não podem valer por
uma zoologia. Do mesmo modo, as palavras "divino", "absoluto",
"eterno" etc. não exprimem o que nelas se contém; - de fato, tais
palavras só exprimem a intuição como algo imediato. A passagem
- que é mais que uma palavra dessas - contém um tomar-se Outro
que deve ser retomado, e é uma mediação; mesmo que seja apenas
passagem a outra proposição. Mas o que horroriza é essa mediação:
como se fazer uso dela fosse abandonar o conhecimento absoluto
- a não ser para dizer que a mediação não é nada de absoluto e que
não tem lugar no absoluto.
21 - [Dies Pehorreszieren] Na verdade, esse horror se origina
da ignorância a respeito da natureza da mediação e do próprio
conhecimento absoluto. Com efeito, a mediação não é outra coisa
senão a igualdade-consigo-mesmo semovente, ou a reflexão sobre
si mesmo, o momento do Eu para-si-essente, a negatividade pura
ou reduzida à sua pura abstração, o simples vir-a-ser. O Eu, ou o
vir-a-ser em geral - esse mediatizar -, justamente por causa de sua
simplicidade, é a imediatez que vem-a-ser, e o imediato mesmo.
É portanto um desconhecer da razão [o que se faz] quando a
reflexão é excluída do verdadeiro e não é compreendida como um
momento positivo do absoluto. É a reflexão que faz do verdadeiro
um resultado, mas que ao mesmo tempo suprassume essa oposição
ao seu vir-a-ser; pois esse vir-a-ser é igualmente simples, e não difere
por isso da forma do verdadeiro, [que consiste] em mostrar-se como
simples no resultado - ou, melhor, que é justamente esse Ser-retornado à simplicidade.
Se o embrião é de fato homem em si, contudo não o é para
si. Somente como razão cultivada e desenvolvida - que se fez a si
mesma o que é em si - é homem para si; só essa é sua efetividade.
Porém esse resultado por sua vez é imediatez simples, pois é
liberdade consciente-de-si que em si repousa, e que não deixou de
lado a oposição e ali a abandonou, mas se reconciliou com ela.
22 - [Das Gesagte kann] Pode exprimir-se também o acima
exposto dizendo que "a razão é o agir conforme a um fim". A forma
do fim em geral foi levada ao descrédito pela exaltação de uma
pretendida natureza acima do pensamento - mal compreendido -,
mas sobretudo pela proscrição de toda a finalidade externa. Mas
importa notar que - como Aristóteles também determina a natureza
como um agir conforme a um fim - o fim é o imediato, o-que-estáem-repouso, o imóvel que é ele mesmo motor, e que assim é sujeito.
Sua força motriz, tomada abstratamente, é o ser-para-si ou a negatividade pura. Portanto, o resultado é somente o mesmo que o
começo, porque o começo é fim; ou, [por outra], o efetivo só é o
mesmo que seu conceito, porque o imediato como fim tem nele
mesmo o Si, ou a efetividade pura.
O fim implementado, ou o efetivo essente é movimento e
vir-a-ser desenvolvido. Ora, essa inquietude é justamente o Si; logo,
o Si é igual àquela imediatez e simplicidade do começo, por ser o
resultado que a si mesmo retornou. Mas o que retornou a si é o Si,
exatamente; e o Si é igualdade e simplicidade, consigo mesmas
relacionadas.
23 - [Das Bedürfnis] A necessidade de representar o absoluto
como sujeito serviu-se das proposições: "Deus é o eterno" ou "a
ordem moral do mundo" ou "o amor" etc. Em tais proposições, o
verdadeiro só é posto como sujeito diretamente, mas não é representado como o movimento do refletir-se em si mesmo. Numa
proposição desse tipo se começa pela palavra uDeus". De si, tal
palavra é um som sem sentido, um simples nome; só o predicado
diz o que Deus é. O predicado é sua implementação e seu significado; só nesse fim o começo vazio se torna um saber efetivo.
Entretanto é inevitável a questão: por que não se fala apenas do
eterno, da ordem moral do mundo etc; ou, como faziam os antigos,
dos conceitos puros do ser, do uno etc, daquilo que tem significação, sem acrescentar o som sem-significação? Mas é que através
dessa palavra se indica justamente que não se põe um ser, ou
essência, ou universal em geral, e sim algo refletido em si mesmo: um sujeito. Mas isso também é somente uma antecipação.
Toma-se o sujeito como um ponto fixo, e nele, como em seu
suporte, se penduram os predicados, através de um movimento que
pertence a quem tem um saber a seu respeito, mas que não deve
ser visto como pertencente àquele ponto mesmo; ora, só por meio
desse movimento o conteúdo seria representado como sujeito. Da
maneira como esse movimento está constituído, não pode pertencer
ao sujeito; mas, na pressuposição daquele ponto fixo, não pode ser
constituído de outro modo: só pode ser exterior. Assim, aquela
antecipação - de que o absoluto é sujeito - longe de ser a efetividade
desse conceito, torna-a até mesmo impossível, já que põe o absoluto
como um ponto em repouso; e no entanto, a efetividade do conceito
é o automovimento.
24 - [Unter mancherlei] Entre as várias consequências decorrentes do que foi dito, pode-se ressaltar esta: que o saber só é efetivo
- e só pode ser exposto - como ciência ou como sistema. Outra
consequência é que, uma assim chamada proposição fundamental
(ou princípio) da filosofia, se é verdadeira, já por isso é também
falsa, à medida que é somente proposição fundamental ou princípio.
Por isso é fácil refutá-la. A refutação consiste em indicar-lhe a falha.
Mas é falha por ser universal apenas, ou princípio; por ser o começo.
Se a refutação for radical, nesse caso é tomada e desenvolvida
do próprio princípio, e não estabelecida através de asserções opostas ou palpites aduzidos de fora. Assim, a refutação seria propriamente seu desenvolvimento, e, desse modo, o preenchimento de
suas lacunas - caso aí não se desconheça, focalizando exclusivamente seu agir negativo, sem levar em conta também seu progresso
e resultado segundo seu aspecto positivo.
Em sentido inverso, a atualização positiva, propriamente dita,
do começo, é ao mesmo tempo um comportar-se negativo a seu
respeito - quer dizer, a respeito de sua forma unilateral de ser só
imediatamente, ou de ser fim. A atualização pode assim ser igualmente tomada como refutação do que constitui o fundamento do
sistema; porém, é mais correto considerá-la como um indício de que
o fundamento ou o princípio do sistema é de fato só o seu começo
25 - [Dass das Wahre] O que está expresso na representação,
que exprime o absoluto como espírito, é que o verdadeiro só é
efetivo como sistema, ou que a substância é essencialmente sujeito.
[Eis] o conceito mais elevado que pertence aos tempos modernos
e à sua religião. Só o espiritual é o efetivo: é a essência ou o
em-si-essente: o relacionado consigo e o determinado; o ser-outro
e o ser-para-si, e o que nessa determinidade ou em seu ser-fora-de-si
permanece em si mesmo - enfim, o [ser] espiritual é em-si-e-para-si.
Porém, esse ser-em-si-e-para-si é, primeiro, para nós ou emsi: é a substância espiritual. E deve ser isso também para si mesmo,
deve ser o saber do espiritual e o saber de si como espírito. Quer
dizer: deve ser para si como objeto, mas ao mesmo tempo, imediatamente, como objeto suprassumido e refletido em si. Somente para
nós ele é-para-si, enquanto seu conteúdo espiritual é produzido por
ele mesmo. Porém, enquanto é para si também para si mesmo, então
é esse autoproduzir-se, o puro conceito; é também para ele o
elemento objetivo, no qual tem seu ser-aí e desse modo é, para si
mesmo, objeto refletido em si no seu ser-aí.
O espírito, que se sabe desenvolvido assim como espírito, é a
ciência. A ciência é a efetividade do espírito, o reino que para si
mesmo constrói em seu próprio elemento.
26 - [Das reine Selbsterkennen] O puro reconhecer-se-a-simesmo no absoluto ser-outro, esse éter como tal, é o fundamento
e o solo da ciência, ou do saber em sua universalidade. O começo
da filosofia faz a pressuposição ou exigência de que a consciência
se encontre nesse elemento. Mas esse elemento só alcança sua
perfeição e transparência pelo movimento de seu vir-a-ser. E a pura
espiritualidade como o universal, que tem o modo da imediatez
simples. Esse simples, quando tem como tal a existência, é o solo
da ciência, [que é] o pensar**, o qual só está no espírito. Porque
esse elemento, essa imediatez do espírito é, em geral, o substancial
do espírito, é a essencialidade transfigurada, a reflexão que é simples
ela mesma, a imediatez tal como é para si, o ser que é reflexão sobre
si mesmo.
A ciência, por seu lado, exige da consciência-de-si que se
tenha elevado a esse éter, para que possa viver nela e por ela; e para
que viva. Em contrapartida, o indivíduo tem o direito de exigir que
a ciência lhe forneça pelo menos a escada para atingir esse ponto
de vista, e que o mostre dentro dele mesmo. Seu direito funda-se
na sua independência absoluta, que sabe possuir em cada figura de
seu saber, pois em qualquer delas - seja ou não reconhecida pela
ciência, seja qual for o seu conteúdo -, o indivíduo é a forma
absoluta, isto é, a certeza imediata de si mesmo, e assim é o ser
incondicionado, se preferem a expressão. Para a ciência, o ponto
de vista da consciência - saber das coisas objetivas em oposição a
si mesma, e a si mesma em oposição a elas - vale como Outro: esse
Outro em que a consciência se sabe junto a si mesma, antes como
perda do espírito. Para a consciência, ao contrário, o elemento do
saber é um Longe além, em que não se possui mais a si mesma.
Cada aspecto desses aparenta, para o outro, ser o inverso da
verdade. Para a consciência natural, confiar-se imediatamente à
** Der Denken (sic) seria = der ist das Denken? (Comparar com o § 13 "der
Verstand ist das Denken, das reine Ich uberhaupt": o entendimento é o pensar, o puro
Eu em geral).
ciência é uma tentativa que ela faz de andar de cabeça para baixo,
sem saber o que a impele a isso. A imposição de assumir tal posição
Insólita, e de mover-se nela, é uma violência inútil para a qual não
está preparada.
A ciência, seja o que for em si mesma, para a consciência-de-si
imediata se apresenta como um inverso em relação a ela. Ou seja:
já que a consciência imediata tem o princípio de sua efetividade na
certeza de si mesma, a ciência, tendo fora de si esse princípio, traz
a forma da inefetividade. Deve portanto unir consigo esse elemento,
ou melhor, mostrar que lhe pertence e como. Na falta de tal
efetividade, a ciência é apenas o conteúdo, como o Em-si, o fim que
ainda é só um interior, não como espírito, mas somente como
substância espiritual. Esse Em-si deve exteriorizar-se e vir-a-ser
para-si mesmo, o que não significa outra coisa que: deve pôr a
consciência-de-si como um só consigo.
27 - [Dies Werden] O que esta "Fenomenologia do Espírito"
apresenta é o vir-a-ser da ciência em geral ou do saber. O saber,
como é inicialmente - ou o espírito imediato - é algo carente-de-espírito: a consciência sensível. Para tornar-se saber autêntico, ou
produzir o elemento da ciência que é seu conceito puro, o saber tem
de se esfalfar através de um longo caminho. Esse vir-a-ser, como
será apresentado em seu conteúdo e nas figuras que nele se mostram, não será o que obviamente se espera de uma introdução da
consciência não-científica à ciência; e também será algo diverso da
fundamentação da ciência. Além disso, não terá nada a ver com o
entusiasmo que irrompe imediatamente com o saber absoluto como num tiro de pistola -, e descarta os outros pontos de vista,
declarando que não quer saber nada deles.
28 - [Die Aufgabe] A tarefa de conduzir o indivíduo, desde
seu estado inculto até ao saber, devia ser entendida em seu sentido
universal, e tinha de considerar o indivíduo universal, o espírito
consciente-de-si na sua formação cultural. No que toca à relação
entre os dois indivíduos, cada momento no indivíduo universal se
mostra conforme o modo como obtém sua forma concreta e sua
configuração própria. O indivíduo particular é o espírito incompleto,
uma figura concreta: uma só determinidade predomina em todo o
seu ser-aí, enquanto outras determinidades ali só ocorrem como
traços rasurados. No espírito que está mais alto que um outro, o
ser-aí concreto inferior está rebaixado a um momento invisível: o
que era antes a Coisa mesma, agora é um traço apenas: sua figura
está velada, tornou-se um simples sombreado.
O indivíduo, cuja substância é o espírito situado no mais alto,
percorre esse passado da mesma maneira como quem se apresta a
adquirir uma ciência superior, percorre os conhecimentos-preparatórios que há muito tem dentro de si, para fazer seu conteúdo
presente; evoca de novo sua rememoração, sem no entanto ter ali
seu interesse ou demorar-se neles. O singular deve também percorrer os degraus-de-formação-cultural do espírito universal, conforme
seu conteúdo; porém, como figuras já depositadas pelo espírito,
como plataformas de um caminho já preparado e aplainado. Desse
modo, vemos conhecimentos, que em antigas épocas ocupavam o
espírito maduro dos homens, serem rebaixados a exercícios - ou
mesmo a jogos de meninos; assim pode reconhecer-se no progresso
pedagógico, copiada como em silhuetas, a história do espírito do
mundo. Esse ser-aí passado é propriedade já adquirida do espírito
universal e, aparecendo-lhe assim exteriormente, constitui sua natureza inorgânica. Conforme esse ponto de vista, a formação cultural considerada a partir do indivíduo consiste em adquirir o que lhe
é apresentado, consumindo em si mesmo sua natureza inorgânica
e apropriando-se dela. Vista porém do ângulo do espírito universal,
enquanto é a substância, a formação cultural consiste apenas em
que essa substância se dá a sua consciência-de-si, e em si produz
seu vir-a-ser e sua reflexão.
29 - [Die Wissenschaft] A ciência apresenta esse movimento
de formação cultural em sua atualização e necessidade, como
também apresenta em sua configuração o que já desceu ao nível de
momento e propriedade do espírito. A meta final desse movimento
é a intuição espiritual do que é o saber. A impaciência exige o
impossível, ou seja, a obtenção do fim sem os meios. De um lado,
há que suportar as longas distâncias desse caminho, porque cada
momento é necessário. De outro lado, há que demorar-se em cada
momento, pois cada um deles é uma figura individual completa, e
assim cada momento só é considerado absolutamente enquanto sua
determinidade for vista como todo ou concreto, ou o todo [for visto]
na peculiaridade dessa determinação.
A substância do indivíduo, o próprio espírito do mundo, teve
a paciência de percorrer essas formas na longa extensão do tempo
e de empreender o gigantesco trabalho da história mundial, plasmando nela, em cada forma, na medida de sua capacidade, a
totalidade de seu conteúdo; e nem poderia o espírito do mundo com
menor trabalho obter a consciência sobre si mesmo. É por isso que
o indivíduo, pela natureza da Coisa, não pode apreender sua
substância com menos esforço. Todavia, ao mesmo tempo tem
fadiga menor, porque a tarefa em si já está cumprida, o conteúdo
já é a efetividade reduzida à possibilidade. Foi subjugada a imediatez, a configuração foi reduzida à sua abreviatura, à simples determinação-de-pensamento.
Sendo já um pensado, o conteúdo é propriedade da substância; já não é o ser-aí na forma do ser-em-si, porém é somente o que
- não sendo mais simplesmente o originário nem o imerso no ser-aí,
mas o Em-si rememorado - deve ser convertido na forma do
ser-para-si. Convém examinar mais de perto a natureza desse agir.
30 - [Was dem Individuum]* O que nesse movimento é
poupado ao indivíduo é o suprassumir do ser-aí; mas o que ainda
falta é a representação e o modo-de-conhecer com as formas. O
ser-aí, recuperado na substância, é, através dessa primeira negação,
apenas transferido imediatamente ao elemento do Si; assim, tem
ainda o mesmo caráter da imediatez não-conceitual, ou da indiferença imóvel que o ser-aí mesmo: ou seja, ele apenas passou para
a representação.
Ao mesmo tempo, o ser-aí se tornou por isso um bem-conheádo; um desses [objetos] com que o espírito aí-essente já acertou
as contas, e no qual portanto já não aplica sua atividade e com isso
seu interesse. A atividade, já quite com o ser-aí, é só movimento do
espírito particular que não se concebe a si mesmo; mas o saber, ao
contrário, está dirigido contra a representação assim constituída,
contra esse ser-bem-conhecido; o saber é o agir do Si universal, e
o interesse do pensar.
31 - [Das Bekannte] O bem-conhecido em geral, justamente
por ser bem-conhecido, não é reconhecido. E o modo mais habitual
de enganar-se e de enganar os outros: pressupor no conhecimento
algo como já conhecido e deixá-lo tal como está. Um saber desses,
com todo o vaivém de palavras, não sai do lugar - sem saber como
isso lhe sucede. Sujeito e objeto etc; Deus, natureza, o entendimento, a sensibilidade etc. são sem exame postos no fundamento, como
algo bem-conhecido e válido, constituindo pontos fixos tanto para
a partida quanto para o retorno. O movimento se efetua entre eles,
que ficam imóveis; vai e vem, só lhes tocando a superfície. Assim o
apreender e o examinar consistem em verificar se cada um encontra
* Outras edições têm: Was auf dem Standpunkt... am Ganzem erspart. etc.
- O que desse ponto de vista... é poupado no todo etc.
em sua representação o que dele se diz, se isso assim lhe parece, se
é bem-conhecido ou não.
32 - [Das Analysieren] Analisar uma representação, como
ordinariamente se processava, não era outra coisa que suprassumir
a forma de seu Ser-bem-conhecido. Decompor uma representação
em seus elementos originários é retroceder a seus momentos que,
pelo menos, não tenham a forma da representação já encontrada,
mas constituam a propriedade imediata do Si. De certo, essa análise
só vem a dar em pensamentos, que por sua vez são determinações
conhecidas, fixas e tranquilas. Mas é um momento essencial esse
separado, que é também inefetivo; uma vez que o concreto, só
porque se divide e se faz inefetivo, é que se move. A atividade do
dividir é a força e o trabalho do entendimento, a força maior e mais
maravilhosa, ou melhor: a potência absoluta.
O círculo, que fechado em si repousa, e retém como substância seus momentos, é a relação imediata e portanto nada maravilhosa. Mas o fato de que, separado de seu contorno, o acidental
como tal - o que está vinculado, o que só é efetivo em sua conexão
com outra coisa - ganhe um ser-aí próprio e uma liberdade à parte,
eis aí a força portentosa do negativo: é a energia do pensar, do puro
Eu.
A morte - se assim quisermos chamar essa inefetividade - é a
coisa mais terrível; e suster o que está morto requer a força máxima.
A beleza sem-força detesta o entendimento porque lhe cobra o que
não tem condições de cumprir. Porém não é a vida que se atemoriza
ante a morte e se conserva intacta da devastação, mas é a vida que
suporta a morte e nela se conserva, que é a vida do espírito. O
espírito só alcança sua verdade à medida que se encontra a si mesmo
no dilaceramento absoluto. Ele não é essa potência como o positivo
que se afasta do negativo - como ao dizer de alguma coisa que é
nula ou falsa, liquidamos com ela e passamos a outro assunto. Ao
contrário, o espírito só é essa potência enquanto encara diretamente
o negativo e se demora junto dele. Esse demorar-se é o poder
mágico que converte o negativo em ser. Trata-se do mesmo poder
que acima se denominou sujeito, e que ao dar, em seu elemento,
ser-aí à determinidade, suprassume a imediatez abstraía, quer dizer,
a imediatez que é apenas essente em geral. Portanto, o sujeito é a
substância verdadeira, o ser ou a imediatez - que não tem fora de
si a mediação, mas é a mediação mesma.
33 - [Dass das Vorgestellte] O representado se torna propriedade da pura consciência-de-si; mas essa elevação à universalidade
em geral não é ainda a formação cultural completa: é só um aspecto.
O gênero de estudos dos tempos antigos difere do dos tempos
modernos por ser propriamente a formação da consciência natural.
Pesquisando em particular cada aspecto de seu ser-aí, e filosofando
sobre tudo que se apresentava, o indivíduo se educava para a
universalidade atuante em todos os aspectos do concreto. Nos
tempos modernos, ao contrário, o indivíduo encontra a forma
abstrata pronta. O esforço para apreendê-la e fazê-la sua é mais o
jorrar-para-fora, não-mediatizado, do interior, e o produzir abreviado do universal, em vez de ser um brotar do universal a partir do
concreto e da variedade do ser-aí. Por isso o trabalho atualmente
não consiste tanto em purificar o indivíduo do modo sensível
imediato, e em fazer dele uma substância pensada e pensante;
consiste antes no oposto: mediante o suprassumir dos pensamentos
determinados e fixos, efetivar e espiritualizar o universal.
No entanto é bem mais difícil levar à fluidez os pensamentos
fixos, que o ser-aí sensível. O motivo foi dado acima: aquelas
determinações têm por substância e por elemento de seu ser-aí o
Eu, a potência do negativo ou a efetividade pura; enquanto as
determinações sensíveis têm apenas a imediatez abstrata impotente,
ou o ser como tal. Os pensamentos se tomam fluidos quando o puro
pensar, essa imediatez interior, se reconhece como momento; ou
quando a pura certeza de si mesmo abstrai de si. Não se abandona,
nem se põe de lado; mas larga o [que há de] fixo em seu pôr-se a
si mesma - tanto o fixo do concreto puro, que é o próprio Eu em
oposição ao conteúdo distinto, quanto o fixo das diferenças, que
postas no elemento do puro pensar partilham dessa incondicionalidade do Eu.
Mediante esse movimento, os puros pensamentos se tomam
conceitos, e somente então eles são o que são em verdade: automovimentos, círculos. São o que sua substância é: essencialidades
espirituais.
34 - [Diese Bewegung] Esse movimento das essencialidades
puras constitui a natureza da cientificidade em geral. Considerado
como conexão do conteúdo delas, é a necessidade e a expansão do
mesmo num todo orgânico. O caminho pelo qual se atinge o
conceito do saber toma-se igualmente, por esse movimento, um
vir-a-ser necessário e completo. Assim essa preparação deixa de ser
um filosofar casual que se liga a esses ou àqueles objetos, relações
e pensamentos da consciência imperfeita, como os que o acaso traz
consigo; ou que busca fundar o verdadeiro por raciocínios ziguezagueantes, conclusões e deduções de pensamentos determinados.
Ao contrário, esse caminho abarcará por seu movimento a mundanidade completa da consciência em sua necessidade.
35 - [Eine solche] Tal apresentação constitui, além disso, a
primeira parte da ciência, porque o ser-aí do espírito, enquanto
primeiro, não é outra coisa que o imediato ou o começo; mas o
começo ainda não é seu retorno a si mesmo. O elemento do ser-aí
imediato é, por isso, a determinidade pela qual essa parte da ciência
se diferencia das outras. A alusão a essa diferença leva à discussão
de alguns pensamentos estabelecidos que costumam apresentar-se
a esse respeito.
36 - [Das unmittelbare] O ser-aí imediato do espírito - a
consciência - tem os dois momentos: o do saber e o da objetividade,
negativo em relação ao saber. Quando nesse elemento o espírito se
desenvolve e expõe seus momentos, essa oposição recai neles, e
então surgem todos como figuras da consciência. A ciência desse
itinerário é a ciência da experiência que faz a consciência; a substância é tratada tal como ela e seu movimento são objetos da
consciência. A consciência nada sabe, nada concebe, que não esteja
em sua experiência, pois o que está na experiência é só a substância
espiritual, e em verdade, como objeto de seu próprio Si. O espírito,
porém, se torna objeto, pois é esse movimento de tornar-se um
Outro - isto é, objeto de seu Si - e de suprassumir esse ser-outro.
Experiência é justamente o nome desse movimento em que o
imediato, o não-experimentado, ou seja, o abstrato - quer do ser
sensível, quer do Simples apenas pensado - se aliena e depois
retorna a si dessa alienação; e por isso - como é também propriedade da consciência - somente então é exposto em sua efetividade
e verdade.
37 - [Die Ungleichheit] A desigualdade que se estabelece na
consciência entre o Eu e a substância - que é seu objeto - é a
diferença entre eles, o negativo em geral. Pode considerar-se como
falha dos dois, mas é sua alma, ou seja, é o que os move. Foi por
isso que alguns dos antigos conceberam o vazio como o motor. De
fato, o que conceberam foi o motor como o negativo, mas ainda
não o negativo como o Si. Ora, se esse negativo aparece primeiro
como desigualdade do Eu em relação ao objeto, é do mesmo modo
desigualdade da substância consigo mesma. O que parece ocorrer
fora dela - ser uma atividade dirigida contra ela - é o seu próprio
agir; e ela se mostra [assim] ser essencialmente sujeito.
Quando a substância tiver revelado isso completamente, o
espírito terá tornado seu ser-aí igual à sua essência: [então] é objeto
para si mesmo tal como ele é; e foi superado o elemento abstrato
da imediatez e da separação entre o saber e a verdade. O ser está
absolutamente mediatizado: é conteúdo substancial que também,
imediatamente, é propriedade do Eu; tem a forma do Si, ou seja, é
o conceito.
Neste ponto se encerra a Fenomenologia do Espírito. O que
o espírito nela se prepara é o elemento do saber. Agora se expandem
nesse elemento os momentos do espírito na forma da simplicidade,
que sabe seu objeto como a si mesma. Esses momentos já não
incidem na oposição entre o ser e o saber, separadamente; mas
ficam na simplicidade do saber - são o verdadeiro na forma do
verdadeiro, e sua diversidade é só diversidade de conteúdo. Seu
movimento, que nesse elemento se organiza em um todo, é a Lógica
ou Filosofia Especulativa.
38 - [Weil nun jenes] Uma vez que aquele sistema da experiência do espírito capta somente sua aparição, assim parece puramente negativo o processo que conduz através do sistema da
experiência à ciência do verdadeiro que está na forma do verdadeiro. Alguém poderia querer ser dispensado do negativo enquanto
falso e conduzido sem delongas à verdade; para que enredar-se com
o falso? Já se falou acima [da opinião] de que se deve começar,
logo de uma vez, com a ciência; vamos aqui responder a isso, a
partir de [seu] ponto de vista sobre a natureza do negativo, [que
toma] como o falso em geral. As representações a propósito impedem notavelmente o acesso à verdade. Assim teremos ocasião de
falar sobre o conhecimento matemático, que o saber não-filosófico
considera como o ideal que a filosofia deve esforçar-se para atingir,
mas que até agora tentou sem êxito.
39 - [Das Wahre und Falsche] O verdadeiro e o falso pertencem aos pensamentos determinados que, carentes-de-movimento,
valem como essências próprias, as quais, sem ter nada em comum,
permanecem isoladas, uma em cima, outra embaixo. Contra tal
posição deve-se afirmar que a verdade não é uma moeda cunhada,
pronta para ser entregue e embolsada sem mais. Nem há um falso,
como tampouco há um mal. O mal e o falso, na certa, não são
malignos tanto como o demônio, pois deles se fazem sujeitos
particulares (como aliás também do demónio). Como mal e falso,
são apenas universais-, não obstante têm sua própria essencialidade,
um em contraste com o outro.
O falso - pois só dele aqui se trata - seria o Outro, o negativo
da substância, a qual é o verdadeiro, como conteúdo do saber. Mas
a substância mesma é essencialmente o negativo; em parte como
diferenciação e determinação do conteúdo, em parte como um
diferenciar simples, isto é, como Si e saber em geral. É bem possível
saber falsamente. Saber algo falsamente significa que o saber está
em desigualdade com sua substância. Ora, essa desigualdade é
precisamente o diferenciar em geral, é o momento essencial. É dessa
diferenciação que provém sua igualdade; e essa igualdade queveio-a-ser é a verdade.
Mas não é a verdade como se a desigualdade fosse jogada
fora, como a escória, do metal puro; nem tampouco como o
instrumento que se deixa de lado quando o vaso está pronto; ao
contrário, a desigualdade como o negativo, como o Si, está ainda
presente ela mesma no verdadeiro como tal, imediatamente. Mas
não se pode dizer por isso que o falso constitua um momento ou
mesmo um componente do verdadeiro. Nesta expressão: "todo o
falso tem algo de verdadeiro", os dois termos contam como azeite
e água que não se misturam, mas só se unem exteriormente.
Não se devem mais usar as expressões de desigualdade onde
o seu ser-outro foi suprassumido -justamente por causa da significação, para designar o momento do completo ser-outro. Assim
como a expressão da unidade do sujeito e do objeto, do finito e do
infinito, do saber e do pensamento etc. tem o inconveniente de
significar que o sujeito, o objeto etc. são fora de sua unidade; e,
portanto, na unidade não são o que sua expressão enuncia, do
mesmo modo o falso é um momento da verdade, [mas] não mais
como falso.
40 - [Der Dogmatismus] O dogmatismo - esse modo de
pensar no saber e no estudo da filosofia - não é outra coisa senão
a opinião de que o verdadeiro consiste numa proposição que é um
resultado fixo, ou ainda, que é imediatamente conhecida. A questões como estas - Quando nasceu César? Que estádio era e quanto
media? - deve-se dar uma resposta nítida. Do mesmo modo, é
rigorosamente verdadeiro que no triângulo retângulo o quadrado
da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos. Mas a
natureza de uma tal verdade (como a chamam) é diferente da
natureza das verdades filosóficas.
41 - [In Ansehung der] No que concerne às verdades históricas - para mencioná-las brevemente - enquanto consideradas do
ponto de vista exclusivamente histórico, admite-se sem dificuldade
que dizem respeito ao ser-aí singular, a um conteúdo sob o aspecto
de sua contingência e de seu arbitrário; - determinações do conteúdo que não são necessárias.
Mas até mesmo verdades nuas, como as supracitadas em
exemplo, não são sem o movimento da consciência-de-si. É preciso
muito comparar para conhecer uma só delas; há que consultar livros
ou pesquisar, seja de que maneira for. Ainda no caso de uma
intuição imediata, só será tido como possuindo verdadeiro valor seu
conhecimento junto com suas razões; embora o que realmente
interesse seja seu resultado puro e simples.
42 - [Was die mathematischen] Quanto às verdades matemáticas, ainda seria menos tido como um geômetra quem soubesse os
teoremas de Euclides exteriormente, sem conhecer suas demonstrações (ou conhecer interiormente, para exprimir-se por contraste).
Também não seria considerado satisfatório o conhecimento da
relação bem conhecida entre os lados do triângulo retângulo, se
fosse adquirido medindo muitos triângulos retângulos. Mas a essencialidade da demonstração não tem ainda, mesmo no conhecimento
matemático, a significação e a natureza de ser um momento do
resultado mesmo; ao contrário, no resultado da demonstração some
e desvanece. Sem dúvida, como resultado, o teorema é reconhecido
como um teorema verdadeiro. Mas essa circunstância, que se
acrescentou depois, não concerne ao seu conteúdo, mas só à
relação para com o sujeito. O movimento da prova matemática não
pertence àquilo que é objeto, mas é um agir exterior à Coisa.
Assim não é a natureza do triângulo retângulo que se decompõe tal como é representada na construção necessária à demonstração do teorema que exprime sua relação; todo o [processo de]
produzir o resultado é um caminho e um meio do conhecimento.
Também no conhecimento filosófico o vir-a-ser do ser-aí
como ser-aí difere do vir-a-ser da essência ou da natureza interior
da coisa. Mas, primeiro, o conhecimento filosófico contém os dois,
enquanto o conhecimento matemático só apresenta o vir-a-ser do
ser-aí, isto é, do ser da natureza da Coisa no conhecer como tal.
Segundo, o conhecimento filosófico unifica também esses dois
movimentos particulares. O nascer interior, ou o vir-a-ser da substância, é inseparavelmente transitar para o exterior ou para o ser-aí;
é ser para Outro. Inversamente, o vir-a-ser do ser-aí é o recuperar
a si mesmo na essência. O movimento é assim o duplo processo e
vir-a-ser do todo; de modo que cada momento põe ao mesmo
tempo o outro, e por isso cada qual tem em si, como dois aspectos,
ambos os momentos; e eles, conjuntamente, constituem o todo,
enquanto se dissolvem a si mesmos e se fazem momentos seus.
43 - [Im mathematischen] No conhecer matemático, a intelecção é para a Coisa um agir exterior; segue-se daí que a verdadeira
Coisa é por ele alterada. O meio [desse conhecimento] - a construção e a demonstração - contém proposições verdadeiras; mas
também se deve dizer que o conteúdo é falso. No exemplo acima,
se desmembra o triângulo, e suas partes são articuladas em outras
figuras que a construção faz nele surgir. Só no final se restabelece
o triângulo, aquele de que justamente se tratava, mas que foi perdido
de vista no processo [da demonstração], reduzido a peças que
faziam parte de outras totalidades.
Vemos assim que também nesse ponto ressalta a negatividade
do conteúdo, a qual devia ser chamada uma falsidade do conteúdo,
com tanta razão como se chama falsidade o desvanecer dos pensamentos, que se tinham por fixos, no movimento do conceito.
44 - [Die eigentliche] Mas a falha própria desse conhecimento
afeta tanto o conhecimento mesmo quanto a sua matéria em geral.
No que toca ao conhecimento, não parece clara, à primeira vista, a
necessidade da construção. Não deriva do conceito do teorema,
mas é algo imposto: deve-se obedecer às cegas a prescrição de traçar
justamente estas linhas, quando infinitas outras poderiam ser traçadas; sem nada mais saber, acreditar piamente que esse processo é
adequado para a conduta da demonstração. Mais tarde se mostra
também essa conformidade com o fim, que é só uma conformidade
exterior, pelo motivo de que só se manifesta quando feita sua
demonstração. Assim, essa demonstração toma um caminho que
começa num ponto qualquer, sem se saber que relação tem com o
resultado que deve provir. O curso da demonstração assume estas
determinações e relações e deixa outras de lado, sem que imediatamente se possa ver qual a necessidade [disso]; uma finalidade
exterior comanda esse movimento.
45 - [Die Evidenz] A matemática se orgulha e se pavoneia
frente à filosofia - por causa desse conhecimento defeituoso, cuja
evidência reside apenas na pobreza de seu fim e da deficiência de
sua matéria; portanto, um tipo de evidência que a filosofia deve
desprezar. O fim - ou o conceito - da matemática é a grandeza. Essa
é justamente a relação inessencial carente-de-conceito. Por isso, o
movimento do saber [matemático] passa por sobre a superfície, não
toca a Coisa mesma, não toca a essência ou o conceito, e portanto
não é um conceber. A matéria, onde a matemática preserva um
tesouro gratificante de verdades, é o espaço e o uno. O espaço é o
ser-aí, no qual o conceito inscreve suas diferenças, como num
elemento vazio e morto, no qual as diferenças são igualmente
imóveis e sem vida. O efetivo não é algo espacial, como é tratado
na matemática; com tal inefetividade, como são as coisas da matemática, não se ocupa nem a intuição sensível concreta nem a
filosofia. Por conseguinte, nesse elemento inefetivo, só há também
um Verdadeiro inefetivo; isto é, proposições mortas e rígidas. Em
cada uma dessas proposições é possível parar; a seguinte recomeça
tudo por sua conta, sem que a primeira se movesse até ela, e sem
que assim surgisse uma conexão necessária através da natureza da
Coisa mesma.
Além disso, em virtude daquele princípio ou elemento, o saber
prossegue pela linha da igualdade - e nisso consiste o formal da
evidência matemática. Com efeito o morto, porque não se move,
não chega à diferença da essência nem à oposição essencial ou
desigualdade - e portanto à passagem do oposto no oposto -, nem
à passagem qualitativa, imanente; e nem ao automovimento. Pois
o que a matemática considera é somente a grandeza, a diferença
inessencial: abstrai do fato de que é o conceito que divide o espaço
em suas dimensões, e que determina as conexões entre as dimensões e dentro delas. Não considera, por exemplo, a relação da linha
com a superfície, e quando compara o diâmetro do círculo com a
periferia, choca-se contra a sua incomensurabilidade, quer dizer,
uma relação do conceito, um infinito que escapa à sua determinação.
46 - [Die immanente] A matemática imanente, a que chamam
de matemática pura, não põe o tempo como tempo, frente ao
espaço, como a segunda matéria de sua consideração. A matemática aplicada trata de fato do tempo, do movimento e de várias
outras coisas efetivas. Mas toma da experiência as proposições
sintéticas, isto é, proposições sobre suas relações que são determinadas por meio de seu conceito, e só [com base] nessas pressuposições aplica suas fórmulas.
De tais proposições, a matemática aplicada oferece em abundância o que chama demonstrações: - como a do equilíbrio da
alavanca e a da relação entre o espaço e o tempo no movimento da
queda livre. Mas que sejam dadas e aceitas como demonstrações,
prova apenas a grande necessidade da prova para o conhecimento,
pois, quando não tem mais provas, valoriza até sua aparência vazia
e ali encontra alguma satisfação. Uma crítica dessas demonstrações
seria tão digna de nota quanto instrutiva: de um lado, por expurgar
a matemática dessas bijuterias, e, de outro lado, por mostrar seus
limites, e, portanto, a necessidade de um outro saber.
No que concerne ao tempo, pensam que deve constituir a
matéria da outra parte da matemática pura, em contrapartida com
o espaço; mas o tempo é o próprio conceito aí-essente. O princípio
da grandeza - a diferença carente-de-conceito -, e o princípio da
igualdade - a unidade abstrata sem-vida - não são capazes de
apreender o tempo, essa pura inquietude da vida e diferenciação
absoluta. Assim, essa negatividade só se torna a segunda matéria
do conhecimento matemático como paralisada, isto é, como o uno;
esse conhecimento é um agir exterior, que reduz o automovimento
à matéria; e nela possui então um conteúdo indiferente, exterior e
sem-vida.
47- [Die Philosophie] A filosofia, ao contrário, não considera
a determinação inessencial, mas a determinação enquanto essencial. Seu elemento e seu conteúdo não é o abstrato e o inefetivo,
mas sim o efetivo, que se põe a si mesmo e é em si vivente: o ser-aí
em seu conceito. E o processo que produz e percorre os seus
momentos; e o movimento total constitui o positivo e sua verdade.
Movimento esse que também encerra em si o negativo, que mereceria o nome de falso se fosse possível tratar o falso como algo de
que se tivesse de abstrair. Ao contrário, o que deve ser tratado como
essencial é o próprio evanescente; não deve ser tomado na determinação de algo rígido, cortado do verdadeiro, deixado fora dele
não se sabe onde; nem tampouco o verdadeiro como um positivo
morto jazendo do outro lado.
A aparição é o surgir e o passar que não surge nem passa,
mas que é em si e constitui a efetividade e o movimento da vida da
verdade. O verdadeiro é assim o delírio báquico, onde não há
membro que não esteja ébrio; e porque cada membro, ao separarse, também imediatamente se dissolve, esse delírio é ao mesmo
tempo repouso translúcido e simples. Perante o tribunal desse
movimento não se sustem nem as figuras singulares do espírito, nem
os pensamentos determinados; pois aí tanto são momentos positivos necessários; quanto são negativos e evanescentes.
Na totalidade do movimento, compreendido como [estado
de] repouso, o que nele se diferencia e se dá um ser-aí particular é
conservado como algo que se rememora, cujo ser-aí é o saber de si
mesmo; como esse saber é também imediatamente ser-aí.
48 - [Von der Methode] Talvez pareça necessário indicar
antes os pontos principais do método desse movimento, ou da
ciência. Mas seu conceito já se encontra no que foi dito, e sua
apresentação autêntica pertence à Lógica, ou melhor, é a própria
Lógica. Pois o método não é outra coisa que a estrutura do todo,
apresentada em sua pura essencialidade. Porém, quanto às opiniões
em voga até agora sobre o método, devemos ter consciência de que
também o sistema das representações relativas ao método filosófico
pertence a uma cultura desaparecida. Isso pode soar um tanto
arrogante ou revolucionário - um tom de que me sinto bem distante.
Porém deve-se observar que a opinião [corrente] já acha pelo
menos antiquado todo o aparato científico oferecido pela matemática - explicações, divisões, axiomas, séries de teoremas e suas
demonstrações, princípios com suas demonstrações e conclusões.
Embora sua inutilidade não seja claramente entendida, contudo se
faz pouco uso, ou nenhum, desse método: se não é em si desaprovado, também não é estimado. Ora, devemos ter essa pressuposição
a respeito do excelente: de que seja aplicado e se faça amar.
Mas não é difícil perceber que essa maneira [de proceder] expor uma proposição, defendê-la com argumentos, refutar o seu
oposto com razões - não é a forma como a verdade pode manifestar-se. A verdade é seu próprio movimento dentro de si mesma; mas
aquele método é o conhecer que é exterior à matéria. Por isso, como
já notamos, é próprio da matemática e deve-se-lhe deixar, pois tem
como princípio a relação de grandeza - relação carente-de-conceito
-, e tem como matéria o espaço morto e o Uno igualmente morto.
Mas esse método pode continuar a ser utilizado, de maneira mais
livre - quer dizer, mais misturado com capricho e contingência - na
vida cotidiana, na conversação e na informação histórica, que ficam
mais na curiosidade que no conhecimento. Também um prefácio é
mais ou menos isso.
A consciência na vida cotidiana tem, em geral, por seu conteúdo, conhecimentos, experiências, sensações de coisas concretas,
e também pensamentos, princípios - o que vale para ela como um
dado ou então como ser ou essência fixos e estáveis. A consciência,
em parte, discorre por esse conteúdo; em parte, interrompe seu
[dis]curso, comportando-se como um manipular do mesmo conteúdo, desde fora. Reconduz o conteúdo a algo que parece certo,
embora seja só a impressão do momento; e a convicção fica
satisfeita quando atinge um ponto de repouso já conhecido.
49 - [Wenn aber die] Mas se a necessidade do conceito exclui
o caminho folgado da conversa raciocinante, como também o rígido
procedimento do pedantismo científico, seu lugar, como acima
lembramos, não deve ser tomado pelo não-método do pressenti-
mento e do entusiasmo, e pelo arbitrário do discurso profético que
não só despreza aquela cientificidade, mas a cientificidade em geral.
50 - [Ebensowenig ist] O conceito da ciência surgiu depois
que se elevou à sua significação absoluta aquela forma triádica que
em Kant era ainda carente-de-conceito, morta, e descoberta por
instinto. Assim, a verdadeira forma foi igualmente estabelecida no
seu verdadeiro conteúdo. Não se pode, de modo algum, considerar
como científico o uso daquela forma [triádica], onde a vemos
reduzida a um esquema sem vida, a um verdadeiro fantasma A
organização científica [está aí] reduzida a uma tabela.
Já falamos acima desse formalismo de modo geral. Queremos
agora expor mais de perto sua maneira de proceder. Julga que
concebeu e exprimiu a natureza e a vida de uma figura, quando
afirmou como predicado uma determinação do esquema; por exemplo, a subjetividade ou a objetividade, ou então o magnetismo, a
eletricidade etc, a contração ou a expansão, o oeste ou o leste etc
Coisas semelhantes podem ser multiplicadas ao infinito, pois, nesse
procedimento, cada determinação ou figura pode ser reutilizada em
outra, como forma ou momento do esquema; e cada uma, agradecida, pode prestar o mesmo serviço à outra. É um círculo de
reciprocidades, através do qual não se experimenta o que seja a
Coisa mesma, nem o que seja uma nem a outra. Aí se aceitam, por
um lado, determinações sensíveis da intuição vulgar, que de certo
devem significar algo diverso do que dizem; e, por outro lado, o que
é em si significante, as determinações puras do pensamento - como
sujeito, objeto/substância, causa, universal etc. - são aplicadas tão
sem reflexão e sem crítica como na vida cotidiana. Do mesmo modo
[se fala de] força e fraqueza, expansão e contração, de tal forma que
aquela metafísica é tão a-científica quanto essas representações
sensíveis.
51 - [Statt des inneren] Em vez da vida interior e do automovimento de seu ser-aí, essa simples determinidade da intuição - quer
dizer, aqui: do saber sensível - se exprime conforme uma analogia
superficial. Chama-se construção essa aplicação vazia e exterior da
fórmula. A tal formalismo toca a mesma sorte de qualquer formalismo. Deve ser bem obtusa a cabeça em que não se possa inculcar,
num quarto de hora, a teoria das doenças astênicas, estênicas/e
indiretamente astênicas e outros tantos métodos de cura. E como
não esperar, com tal ensino, em pouco tempo transformar um
curandeiro em doutor? O formalismo da filosofia da natureza pode
ensinar que a inteligência é a eletricidade, ou que o animal é o
nitrogênio, ou então igual ao sul ou ao norte; ou representar isso
tão cruamente como aqui se exprime, ou temperá-lo com mais
terminologia. A incompetência poderá sentir-se atônita ante uma
força tal que congrega aparências tão distantes uma da outra; ante
a violência que sofre o pacato mundo sensível através dessa vinculação que lhe dá assim a aparência de um conceito - embora sem
exprimir o que há de mais importante: o conceito mesmo ou o
significado da representação sensível.
A incompetência poderá também inclinar-se ante tão profunda genialidade, alegrar-se com a clareza de tais determinações que
substituem o conceito abstrato por algo intuitivo e o tornam mais
agradável; e felicitar-se por sentir uma afinidade de alma com tão
soberana façanha. O truque de tal sabedoria é tão depressa aprendido como é fácil de aplicar; mas sua repetição, quando já está
conhecido, é tão insuportável como a repetição de um truque de
prestidigitação já descoberto.
O instrumento desse monótono formalismo não é mais difícil
de manejar que a paleta de um pintor sobre a qual só houvesse duas
cores, digamos, o vermelho e o verde, usadas conforme se exigisse
para colorir a tela, pintando com uma delas cenas históricas, e, com
a outra, paisagens. Difícil decidir o que é maior: a sem-cerimônia
com que se pinta tudo que há no céu, na terra e nos infernos com
tal sopa de tintas; ou a vaidade pela excelência desse meio-universal: uma coisa serve de apoio à outra. Revestindo tudo o que é
celeste e terrestre, todas a figuras naturais e espirituais com um par
de determinações do esquema universal, e dessa maneira organizando tudo - o que esse método produz não é nada menos que um
"Informe Claro Como o Sol"** sobre o organismo do universo, isto
é, uma tabela semelhante a um esqueleto, com cartõezinhos colados, ou uma prateleira de latas com suas etiquetas penduradas num
armazém. A tabela é tão clara quanto os exemplos acima; mas como
no esqueleto a carne e o sangue foram retirados dos ossos, e como
nas latas estão escondidas coisas sem vida, assim também na tabela
a essência viva da Coisa está abandonada ou escondida.
Já se fez notar que esse procedimento termina numa pintura
absolutamente unicolor porque, ao envergonhar-se das diferenças
do esquema, as submerge como se pertencessem à reflexão, na
** Alusão a um título de Ficht: Sonnenldarer Bericht... [1801].
vacuidade do absoluto, de modo que se estabeleça a pura identidade, o branco sem-forma. Essa monocromia do esquema e de suas
determinações sem vida, essa identidade absoluta e o passar de uma
coisa para outra, tudo isso é igualmente entendimento morto e
igualmente conhecimento exterior.
52 - [Das Vortreffliche] Mas o excelente não pode escapar ao
destino de tornar-se assim sem-vida e sem espírito, esfolado desse
modo por um saber carente-de-vida e pela vaidade dele Mais
ainda: tem de reconhecer nesse mesmo destino o poder que o
excelente exerce sobre as almas, se não sobre os espíritos e também
o aprimoramento em direção da universalidade e determinidade da
forma, em que sua perfeição consiste; somente ela possibilita que
essa universalidade seja usada superficialmente.
53 - [Die Wissenschaft] A ciência só se permite organizar
mediante a própria vida do conceito: nela, a determinidade que do
esquema é aplicada exteriormente ao ser-aí, constitui a alma semovente do conteúdo pleno. O movimento do essente consiste de um
lado, em tornar-se um Outro, e, assim, seu próprio conteúdo
imanente; de outro lado, o essente recupera em si esse desenvolvimento ou esse seu ser-aí. Isto é, faz de si mesmo um momento e se
simplifica em direção à determinidade. A negatividade é nesse
movimento o diferenciar e o pôr do ser-aí; e é, nesse retornar a si
ovir-a-ser da simplicidade determinada. Dessa maneira, o conteúdo
mostra que sua determinidade não é recebida de um outro e
pregada nele; mas antes, é o conteúdo que se outorga a determinidade e se situa, de per si, em um momento e em um lugar do todo.
O entendimento tabelador guarda para si a necessidade e o
conceito do conteúdo: [tudo] o que constitui o concreto, a efetividade e o movimento vivo da coisa que classifica. Ou melhor- não é
que o guarde para si, mas o desconhece; pois se tivesse essa
perspicácia, bem que a mostraria. Na verdade, nem sequer conhece
sua necessidade, aliás renunciaria a seu esquematizar ou pelo
menos só o tomaria por uma indicação-do-conteúdo. De fato tal
procedimento só fornece uma indicação-do-conteúdo, e não o
conteúdo mesmo.
Uma determinidade, tal como o magnetismo, por exemplo
em si concreta ou efetiva, é reduzida a algo morto, pois só é tomada
como predicado de outro ser-aí, e não como vida imanente desse
ser-ai; ou seja, como o que tem nele sua autoprodução íntima e
peculiar, e sua exposição. Levar a cabo essa tarefa suprema - isso
o entendimento formal deixa para os Outros. Em vez de penetrar
no conteúdo imanente da coisa, o entendimento lança uma vista
geral sobre o todo, e vem pairar sobre um ser-aí singular do qual
fala; quer dizer, não o enxerga de modo nenhum.
Entretanto o conhecimento científico requer o abandono à
vida do objeto; ou, o que é o mesmo, exige que se tenha presente
e se exprima a necessidade interior do objeto. Desse modo, indo a
fundo em seu objeto, esquece aquela vista geral que é apenas a
reflexão do saber sobre si mesmo a partir do conteúdo. Contudo,
submerso na matéria e avançando no movimento dela, o conhecimento científico retorna a si mesmo; mas não antes que a implementação ou o conteúdo, retirando-se em si mesmo e
simplificando-se rumo à determinidade, se tenha reduzido a um dos
aspectos de um ser-aí, e passado à sua mais alta verdade. Através
desse processo, o todo simples, que não enxergava a si mesmo,
emerge da riqueza em que sua reflexão parecia perdida.
54 - [Dadurch überhaupt] Por este motivo em geral, que a
substância é nela mesma sujeito, como acima foi dito, todo o seu
conteúdo é sua própria reflexão sobre si. O subsistir ou a substância
de um ser-aí é a igualdade-consigo mesmo, já que sua desigualdade
consigo seria sua dissolução. Porém a igualdade-consigo-mesmo é
a pura abstração; mas esta é o pensar. Quando digo: qualidade,
digo a determinidade simples; por meio da qualidade, um ser-aí é
diferente de um outro, ou seja, é um ser-aí; é para si mesmo ou
subsiste por meio dessa simplicidade consigo mesmo. Mas por isso
é essencialmente o pensamento.
Aqui se conceitua que o ser é pensar; aqui incide a intuição
que trata de evitar o discurso - habitual e carente-de-conceito - da
identidade entre o pensar e o ser. Ora, uma vez que o subsistir do
ser-aí é a igualdade-consigo-mesmo ou a pura abstração, ele é a
abstração de si por si mesmo, ou é sua desigualdade consigo e sua
dissolução - sua própria interioridade e sua retomada em si mesmo
- seu vir-a-ser.
Devido a essa natureza do essente, e à medida que o essente
tem tal natureza para o saber, este não é uma atividade que
manipule o conteúdo como algo estranho, nem é a reflexão sobre
si, partindo do conteúdo. A ciência não é um certo idealismo que
se introduziu em lugar do dogmatismo da afirmação, como o
dogmatismo da asseveração ou dogmatismo da certeza de si mesmo. Mas, enquanto o saber vê seu conteúdo retornar à sua própria
interioridade, é antes sua atividade que nele está imersa, por ser tal
atividade o Si imanente do conteúdo; ela ao mesmo tempo retorna
a si, pois é a pura igualdade-consigo-mesma no ser-outro. Assim, a
atividade do saber é a astúcia que, parecendo subtrair-se à atividade, vê como a determinidade e sua vida concreta constituem um
agir que se dissolve e se faz um momento do todo; justamente onde
acredita ocupar-se de sua própria conservação e de seu interesse
particular.
55 - [Wenn oben die] Apresentamos acima a significação do
entendimento do lado da consciência-de-si da substância. Mas, pelo
que se disse agora, está clara sua significação segundo a determinação da substância como essente. O ser-aí é qualidade, determinidade igual-a-si-mesma ou simplicidade determinada, pensamento
determinado: esse é o entendimento do ser-aí. Por isso o ser-aí é o
"nous" e foi como tal que Anaxágoras reconheceu primeiro a
essência. Seus sucessores conceberam mais determinadamente a
natureza do ser-aí como "eidos" ou "idea", isto é, universalidade
determinada, espécie. A expressão espécie parece talvez demasiado
vulgar e pequena demais para as idéias, para o belo, o sagrado, o
eterno, que pululam no tempo atual. Mas, de fato, a idéia não
exprime nem mais nem menos que espécie. Ora, vemos hoje com
freqüência que é desprezada uma expressão que designa um conceito de maneira determinada, enquanto se prefere outra que
envolve de névoa o conceito e assim ressoa mais edificante, talvez
apenas porque pertence a um idioma estrangeiro.
Precisamente pelo motivo de ser determinado como espécie,
o ser-aí é pensamento simples: o "nous", a simplicidade, é a
substância. Graças à sua simplicidade e igualdade-consigo-mesma,
a substância aparece como firme e estável. Porém essa igualdadeconsigo-mesma é também negatividade, e por isso aquele ser-aí fixo
procede à sua própria dissolução. A determinidade, de início,
aparenta ser apenas porque se refere a Outro; e seu movimento,
imposto por uma potência estranha. Mas o que está precisamente
contido naquela simplicidade do pensar é que a determinidade tem
em si mesma o seu ser-outro e que é automovimento; pois tal
simplicidade é o pensamento que a si mesmo se move e se diferencia: é a própria interioridade, o puro conceito. Portanto, a inteligibilidade é, desse modo, um vir-a-ser; e enquanto é esse vir-a-ser,
é a racionalidade.
56 - [In diese Natur] A natureza do que é está em ser, no seu
próprio ser, seu conceito: nisso consiste a necessidade lógica em
geral. Só ela é o racional ou o ritmo do todo orgânico: é tanto o
saber do conteúdo quanto o conteúdo é conceito e essência; ou
seja, só a necessidade lógica é o especulativo. A figura concreta,
movendo-se a si mesma, faz de si uma determinidade simples; com
isso se eleva à forma lógica e é, em sua essencialidade. Seu ser-aí
concreto é apenas esse movimento, e é ser-aí lógico, imediatamente.
É, pois, inútil aplicar de fora o formalismo ao conteúdo concreto;
[pois] esse conteúdo é nele mesmo o passar ao formalismo. Mas
[então] o formalismo deixa de ser formalismo, porque a forma é o
vir-a-ser inato do próprio conteúdo concreto.
57 - [Diese Natur der] Essa natureza do método científico por um lado, ser inseparável do conteúdo, e, por outro lado,
determinar seu ritmo próprio por si mesmo - tem sua apresentação
propriamente dita na filosofia especulativa, como já foi lembrado.
O que foi dito aqui exprime certamente o conceito, mas não
tem mais valor que uma asserção antecipada. Sua verdade não se
situa nessa exposição, parcialmente narrativa. Por isso mesmo, não
pode ser refutada pela asserção contrária: "de que não é assim, mas
dessa ou daquela maneira"; nem trazendo à lembrança e narrando
representações costumeiras como verdades bem conhecidas e estabelecidas; nem apresentando e asseverando algo novo, tirado do
escrínio da intuição divina interior. Frente ao desconhecido, a
primeira reação do saber costuma ser um acolhimento desses; para
salvaguardar sua liberdade e perspicácia, e a própria autoridade
frente à autoridade estranha (pois o que se apreende pela primeira
vez parece ter essa forma); mas também para evitar essa aparência
ou espécie de vergonha que reside no fato de aprender alguma
coisa. Do mesmo modo, no caso de acolhimento favorável do
desconhecido, a reação da mesma espécie consiste no que foram,
em outra esfera, o discurso e a ação ultra-revolucionários.
[IV]
58 - [Worauf es deswegen] Por conseguinte, o que importa
no estudo da ciência é assumir o esforço tenso do conceito. A ciência
exige atenção ao conceito como tal, às determinações simples, por
exemplo, do ser-em-si, do ser-para-si, da igualdade-consigo-mesmo etc, já que esses s ã o puros automovimentos tais que se
poderiam chamar de almas, se não designasse seu conceito algo
mais elevado que isso. Para o hábito de guiar-se por representações
é molesta a interrupção que o conceito nelas introduz; sucede o
mesmo com o pensar formal que raciocina ziguezagueando entre
pensamentos inefetivos.
Esse hábito merece o nome de pensamento material, de
consciência contingente, imersa somente no conteúdo material,
para a qual é custoso ao mesmo tempo elevar da matéria seu próprio
Si e permanecer junto a si. Ao contrário, o outro modo de pensar,
o raciocinar, é a liberdade [desvinculada] do conteúdo, é a vaidade
[exercendo-se] sobre ele. Exige-se da vaidade o esforço de abandonar tal liberdade; e, em vez de ser o princípio motor arbitrário do
conteúdo, mergulhar essa liberdade nele, fazer que se mova conforme sua própria natureza, isto é, através do Si como seu próprio
conteúdo; e contemplar esse movimento.
Renunciar a suas próprias incursões no ritmo imanente do
conteúdo; não interferir nele através de seu arbítrio e de sabedoria
adquirida alhures, - eis a discrição que é, ela mesma, um momento
essencial da atenção ao conceito.
59 - [Es sind an dem] Na atitude raciocinante, dois aspectos
devem ser ressaltados - aspectos segundo os quais o pensamento
conceituai é o seu oposto. De uma parte, o procedimento raciocinante se comporta negativamente em relação ao conteúdo aprendido; sabe refutá-lo e reduzi-lo a nada. Essa intelecção de que o
conteúdo não é assim é algo puramente negativo: é o ponto terminal
que a si mesmo não ultrapassa rumo a novo conteúdo, mas para
ter de novo um conteúdo, deve arranjar outra coisa, seja donde for.
E a reflexão no Eu vazio, a vaidade do seu saber.
Essa vaidade não exprime apenas que esse conteúdo é vão,
mas também que é vã essa intelecção, por ser o negativo que não
enxerga em si o positivo. Por conseguinte, uma vez que não ganha
como conteúdo sua negatividade, essa reflexão, em geral, não está
na Coisa, mas passa sempre além dela; desse modo, com a afirmação do vazio, se afigura estar sempre mais avançada que uma
intelecção rica-de-conteúdo. Ao contrário, como já foi mostrado, no
pensar conceituai o negativo pertence ao conteúdo mesmo e - seja
como seu movimento imanente e sua determinação, seja como sua
totalidade - é o positivo. O que surge desse movimento, apreendido
como resultado, é o negativo determinado e portanto é igualmente
um conteúdo positivo.
60 - [In Ansehung dessen] Tendo porém em vista que o
pensamento raciocinante tem um conteúdo, constituído por representações ou por pensamentos - ou por uma mescla de ambos -,
ele possui outro aspecto que lhe dificulta o conceber. Sua natureza
característica está estreitamente vinculada à essência da idéia indi-
cada acima, ou melhor, a exprime tal qual se manifesta como o
movimento que é o apreender pensante.
No seu comportamento negativo, que acabamos de ver, o
próprio pensar raciocinante é o Si ao qual o conteúdo retoma;
porém, no seu conhecer positivo, o Si é um sujeito representado,
com o qual o conteúdo se relaciona como acidente e predicado.
Esse sujeito constitui a base à qual o predicado está preso, e sobre
a qual o movimento vai e vém. No pensamento conceituai o sujeito
comporta-se de outra maneira. Enquanto o conceito é o próprio Si
do objeto, que se apresenta como seu vir-a-ser, não é um sujeito
inerte que sustenha imóvel os acidentes; mas é o conceito que se
move, e que retoma em si suas determinações.
Nesse movimento subverte-se até aquele sujeito inerte: penetra nas diferenças e no conteúdo, e em vez de ficar frente a frente
com a determinidade, antes a constitui: isto é, constitui o conteúdo
diferenciado como também o seu movimento. Assim, a base firme,
que o raciocinar tinha no sujeito inerte, vacila; e é somente esse
movimento que se torna o objeto.
O sujeito, que implementa seu conteúdo, deixa de passar além
dele, e não pode ter mais outros predicados e acidentes. Inversamente, a dispersão do conteúdo é, por isso, reunida sob o Si: o
conteúdo não é o universal que, livre do sujeito, pudesse convir a
muitos. Assim o conteúdo já não é, na realidade, o predicado do
sujeito, mas é a substância: é a essência ou o conceito do objeto do
qual se fala. O pensar representativo tem essa natureza de percorrer
acidentes e predicados; e com razão os ultrapassa, por serem apenas
predicados e acidentes. Mas agora é freado em seu curso, pois o
que na proposição tem a forma de um predicado é a substância
mesma: sofre o que se pode representar como um contrachoque.
Tendo começado do sujeito, como se esse ficasse no fundamento
em repouso, descobre que - à medida que o predicado é antes a
substância - o sujeito passou para o predicado, e por isso foi
suprassumido; e enquanto o que parece ser predicado se tornou
uma massa inteira e independente, o pensamento já não pode
vaguear livremente por aí, mas fica retido por esse lastro.
Aliás, o sujeito é, de início, posto como o Si fixo e objetivo,
donde o movimento necessário passa à variedade das determinações ou dos predicados. Aqui entra, no lugar daquele sujeito, o
próprio Eu que-sabe - vínculo dos predicados com o sujeito que é
seu suporte. Mas enquanto o primeiro sujeito entra nas determinações mesmas e é sua alma, o segundo sujeito - isto é, o Eu
que-sabe - encontra ainda no predicado aquele primeiro sujeito,
quando julgava já ter liquidado com ele, e queria retornar a si
mesmo para além dele. Em vez de ser o agente no movimento do
predicado - como o raciocinar sobre qual predicado deve ser
atribuído ao sujeito -, deve, antes, haver-se com o Si do conteúdo;
não deve ser para si, mas em união com ele.
61 - [Formell kann das] Formalmente pode exprimir-se assim
o que foi dito: a natureza do juízo e da proposição em geral - que
em si inclui a diferença entre sujeito e predicado - é destruída pela
proposição especulativa; e a proposição da identidade, em que a
primeira se transforma, contém o contrachoque na relação sujeitopredicado.
O conflito entre a forma de uma proposição em geral e a
unidade do conceito que a destrói é semelhante ao que ocorre no
ritmo entre o metro e o acento. O ritmo resulta do balanceamento
dos dois e de sua unificação. Assim também, na proposição filosófica, a identidade do sujeito e do predicado não deve anular sua
diferença expressa pela forma da proposição; mas antes, sua unidade deve surgir como uma harmonia. A forma da proposição é a
manifestação do sentido determinado ou do acento, o qual diferencia o conteúdo que o preenche; porém a unidade em que esse
acento expira está em que o predicado exprima a substância e em
que o próprio sujeito incida no universal.
62 - [Um das Gesagte] Para esclarecer com exemplos o que
vai dito, na proposição "Deus é o ser" o predicado é o ser: tem uma
significação substancial na qual o sujeito se dissolve. Aqui "ser" não
deve ser predicado, mas a essência; por isso parece que, mediante
a posição da proposição, Deus deixa de ser o que é - a saber, sujeito
fixo. O pensar, em vez de progredir na passagem do sujeito ao
predicado, se sente, com a perda do sujeito, antes freado e relançado ao pensamento do sujeito, pois esse lhe faz falta. Ou seja: o
próprio predicado sendo expresso como um sujeito, como o ser,
como a essência que esgota a natureza do sujeito, o pensar encontra
também o sujeito imediatamente no predicado. Então, o pensar está
ainda nas profundezas do conteúdo, ou, ao menos, tem presente a
exigência de nele se aprofundar; em lugar de manter a livre posição
do raciocinar que no predicado vai para si mesmo.
Assim, quando se diz: "o efetivo é o universal", o efetivo, como
sujeito, some no seu predicado. O universal não deve ter somente
a significação do predicado, de modo que a proposição exprima
que o efetivo seja universal - mas o universal deve exprimir a
essência do efetivo. Perde assim o pensar seu firme solo objetivo,
que tinha no sujeito, quando [estando] no predicado é recambiado
ao sujeito, e no predicado não é a si que retorna, e sim ao sujeito
do conteúdo.
63 - [Auf diesem ungewohnten] As queixas sobre a incompreensibilidade das obras filosóficas se devem sobretudo a esse freio
insólito, quando partem de pessoas que aliás têm nível de instrução
adequado para compreendê-las. Vemos, no que foi dito, o motivo
de uma censura bem específica e freqüente, de que os escritos
filosóficos devem ser lidos mais de uma vez antes de serem compreendidos - censura que deve conter algo de irrefutável e definitivo
ao ponto que, se fosse comprovada, não admitiria réplica. Mas, do
que acima foi dito, essa questão está situada com clareza. A proposição filosófica, por ser proposição, evoca a idéia da relação costumeira entre sujeito e predicado, e do procedimento habitual do
saber. Tal procedimento e a idéia a seu respeito são destruídos pelo
conteúdo filosófico; a opinião [corrente] experimenta que se entendia outra coisa e não o que ela supunha; e essa correção, do que
opinava, obriga o saber a voltar à proposição e a compreendê-la
agora diversamente.
64 - [Eine Schwierigkeit] Uma dificuldade a evitar é a mistura
do modo especulativo e do modo raciocinante quando o que se diz
do sujeito, ora tem a significação de seu conceito, ora tem apenas
a significação de seu predicado ou acidente. Um procedimento
estorva o outro, e só conseguirá plasticidade aquela exposição
filosófica que excluir rigorosamente a maneira como habitualmente
são relacionadas as partes de uma proposição.
65 - [In der Tat] De fato, o pensar não especulativo tem
também seu direito, que é válido mas não é levado em conta no
modo da proposição especulativa. A suprassunção da forma da
proposição não pode ocorrer só de maneira imediata, nem mediante o puro conteúdo da proposição. No entanto, esse movimento
oposto necessita ter expressão: não deve ser apenas aquela freagem
interior, mas esse retornar do conceito a si tem de ser apresentado.
Esse movimento - que constitui o que a demonstração aliás
devia realizar - é o movimento dialético da proposição mesma. Só
ele é o Especulativo efetivo, e só o seu enunciar é exposição
especulativa. Como proposição, o especulativo é somente a freagem interior, o retomo não aí-essente da essência a si mesma. Por
isso, vemos que as exposições filosóficas com freqüência nos remetem a essa intuição interior, e desse modo ficamos privados dessa
exposição dialética que reclamávamos. A proposição deve exprimir
o que é o verdadeiro; mas essencialmente, o verdadeiro é o sujeito:
e como tal é somente o movimento dialético, esse caminhar que a
si mesmo produz, que avança e que retorna a si. Em qualquer outro
conhecer, a demonstração constitui esse lado da expressão da
interioridade. Porém, desde que a dialética foi separada da demonstração, o conceito da demonstração filosófica de fato se perdeu.
66 - [Es kann hierüber] Pode-se lembrar a respeito que o
movimento dialético tem igualmente proposições como partes ou
elementos seus: a dificuldade indicada parece assim voltar sempre,
e ser uma dificuldade da Coisa mesma. É semelhante ao que sucede
na demonstração ordinária: os fundamentos que utiliza precisam
por sua vez de uma fundamentação, e assim por diante até o infinito.
Mas essa forma de fundar e de condicionar pertence àquele demonstrar que é diferente do movimento dialético; portanto, pertence
ao conhecer exterior. No que toca ao movimento dialético, seu
elemento é o conceito puro, e por isso tem um conteúdo que em si
mesmo é absolutamente sujeito. Assim, nenhum conteúdo ocorre
que se comporte ao modo de um sujeito posto como fundamento,
e ao qual advenha sua significação como um predicado: a proposição, imediatamente, é só uma forma vazia. Excetuando o Si
intuído sensivelmente ou representado, é sobretudo o nome como
nome que indica o sujeito puro, o Uno vazio e carente-de-conceito.
Por esse motivo pode ser útil, por exemplo, evitar o nome "Deus",
porque essa palavra não é, ao mesmo tempo, imediatamente conceito, mas o nome propriamente dito: o repouso fixo do sujeito que
está no fundamento. Ao contrário, por exemplo, o ser, o uno a
singularidade, o sujeito etc. designam eles mesmos imediatamente
também conceitos.
Aliás, se forem enunciadas verdades especulativas sobre
aquele sujeito, seu conteúdo carece de conceito imanente, pois o
sujeito só e s t á presente como sujeito em repouso, e por essa
circunstância tais verdades recebem facilmente a forma de mera
edificação. Sob esse aspecto também o obstáculo reside no hábito
de entender, segundo a forma da proposição, o predicado especulativo, e não como conceito ou essência; e pode aumentar ou
diminuir por culpa da própria exposição filosófica. A apresentação,
fiel à visão da natureza do especulativo, deve manter a forma
dialética e nada incluir a não ser na medida que é concebido e que
é o conceito.
67 - [So sehr als das] Constitui um obstáculo ao estudo da
filosofia, tão grande quanto a atitude raciocinante, a presunção -
que não raciocina - das verdades feitas. Seu possuidor não acha
preciso retornar sobre elas, mas as coloca no fundamento, e acredita
que não só pode exprimi-las, mas também julgar e condenar por
meio delas. [Vendo as coisas] por esse lado, é particularmente
necessário fazer de novo do filosofar uma atividade séria. Para se
ter qualquer ciência, arte, habilidade, ofício, prevalece a convicção
da necessidade de um esforço complexo de aprender e de exercitar-se. De fato, se alguém tem olhos e dedos e recebe couro e
instrumentos, nem por isso está em condições de fazer sapatos. Ao
contrário, no que toca à filosofia, domina hoje o preconceito de que
qualquer um sabe imediatamente filosofar e julgar a filosofia, pois
tem para tanto padrão de medida na sua razão natural - como se
não tivesse também em seu pé a medida do sapato.
Parece mesmo que se põe a posse da filosofia na falta de
conhecimentos e de estudo; e que a filosofia acaba quando eles
começam. Com freqüência se toma a filosofia por um saber formal
e vazio de conteúdo. Não se percebe que tudo quanto é verdade
conforme o conteúdo - em qualquer conhecimento ou ciência - só
pode merecer o nome de verdade se for produzido pela filosofia.
Embora as outras ciências possam, sem a filosofia, com o pensamento raciocinante pesquisar quanto quiserem, elas não são capazes de possuir em si nem vida, nem espírito, nem verdade sem a
filosofia.
68-[In Ansehung der] No que concerne à filosofia autêntica
- esse longo caminho da cultura, esse movimento tão rico quanto
profundo através do qual o espírito alcança o saber -, vemos que
são considerados equivalentes perfeitos e ótimos sucedâneos seus
a revelação imediata do divino ou o bom senso comum. É algo assim
como se faz publicidade da chicória como bom sucedâneo do café.
Não é nada agradável ver a ignorância e a grosseria, sem
forma nem gosto - incapazes de fixar o pensamento numa proposição abstrata sequer, e menos ainda no conjunto articulado de
várias proposições -, garantindo que são, ora a expressão da
liberdade e da tolerância do pensar, ora a genialidade. Genialidade
que, como hoje grassa na filosofia, antes grassava igualmente na
poesia, como é notório. Porém, quando tinha sentido o produzir de
tal genialidade em lugar de poesia, o que engendrava era uma prosa
trivial; ou, se saía para além da prosa, discursos desvairados. Assim,
hoje, um filosofar natural que se julga bom demais para o conceito,
e devido à falta de conceito se tem em conta de um pensar intuitivo
e poético, lança no mercado combinações caprichosas de uma força
de imaginação somente desorganizada por meio do pensamento -
imagens que não são carne nem peixe; que nem são poesia nem
filosofia.
69 - [Dagegen im ruhigeren] Em contrapartida, deslizando
no leito tranqüilo do bom senso, o filosofar natural fornece no
máximo uma retórica de verdades banais. Quando lhe objetam a
insignificância de suas verdades, então replica asseverando que o
sentido e o conteúdo estão presentes no seu coração, e devem estar
presentes também no coração dos outros. Acredita que, com a
inocência do coração, a pureza da consciência e coisas semelhantes
já disse a última palavra; contra ela não cabe objeção alguma; além
dela nada se pode exigir. Porém o que se deveria fazer era não
deixar que o melhor ficasse no mais íntimo, mas trazê-lo desse poço
à luz do dia.
Eis um esforço que poderia ser poupado: produzir verdades
últimas desse tipo, porque desde muito se encontram, por exemplo,
no catecismo, nos provérbios populares etc. Não é difícil apreender
tais verdade em sua indeterminidade e em sua distorção, nem muitas
vezes mostrar na sua consciência e à sua consciência exatamente o
oposto. Mas quando essa consciência tenta arrancar-se à confusão
que nela se armou, cai numa nova confusão, e protesta dizendo que
indiscutivelmente é assim ou assim, e que tudo o mais é sofistaria.
Sofistaria é uma palavra-de-ordem do senso comum contra a razão
cultivada; do mesmo modo que a ignorância filosófica caracterizou
a filosofia, de uma vez por todas, como "devaneios".
Enquanto o senso-comum recorre ao sentimento, - seu oráculo interior - descarta quem não está de acordo com ele. Deve
deixar claro que não tem mais nada a dizer a quem não encontra e
não sente em si o mesmo; em outras palavras, calca aos pés a raiz
da humanidade. Pois a natureza da humanidade é tender ao
consenso com outros, e sua existência reside apenas na comunidade
instituída das consciências. O anti-humano, o animalesco, consiste
em ficar no estágio do sentimento, e em só poder comunicar-se
através do sentimento.
70 - [Wenn nach einem] Caso se indague por uma "via regia"
para a ciência, não seria possível indicar nenhuma mais cômoda
que a de abandonar-se ao bom senso, e no mais, para andar junto
com seu tempo e com a filosofia, ler recensões de obras filosóficas.
Ler até mesmo seus primeiros parágrafos, que proporcionam os
princípios universais dos quais depende tudo, e os prefácios que,
junto com a informação histórica, também oferecem uma apreciação a qual, justamente por ser apreciação, paira por cima do que é
apreciado. Esse caminho ordinário se faz com roupas de casa;
porém o sentimento elevado do eterno, do sagrado, do infinito,
veste trajes sacerdotais para percorrer um caminho que já é, ele
próprio, o ser imediato no centro, a genialidade de profundas idéias
originais, e os relâmpagos sublimes do pensamento. Como porém
tal profundeza ainda não revela a fonte da essência, esses raios não
são ainda o empíreo. Os pensamentos verdadeiros e a intelecção
científica só se alcançam no trabalho do conceito. Só ele pode
produzir a universalidade do saber, que não é a indeterminação e
a miséria correntes do senso comum, mas um conhecimento cultivado e completo; não é a universalidade extraordinária dos dotes
da razão que se corrompe pela preguiça e soberba do gênio; mas
sim, é a verdade que se desenvolveu até sua forma genuína, e é
capaz de ser a propriedade de toda a razão consciente-de-si.
71 - [Indem ich das] É pois no automovimento do conceito
que eu situo a razão de existir da ciência. Vale observar que parecem
longe, e mesmo totalmente opostas a esse modo de ver, as representações de nosso tempo sobre a natureza e o caráter da verdade,
nos pontos já tocados e em outros. Essa observação parece não
prometer aceitação favorável à tentativa de apresentar o sistema da
ciência nessa determinação [de automovimento do conceito].
Mas, segundo entendo, muitas vezes já se colocou em seus
mitos, sem valor científico, a excelência da filosofia de Platão.
Também houve tempos, que até se chamaram "tempos de misticismo visionário" quando a filosofia de Aristóteles era estimada por
sua profundeza especulativa, e o Parmênides de Platão, de certo a
maior obra-prima da dialética antiga, era tido como a verdadeira
revelação e a expressão positiva da vida divina. Mesmo então,
apesar das muitas perturbações que o êxtase produzia, de fato esse
êxtase mal entendido não devia ser outra coisa que o conceito puro.
Penso, aliás, que tudo que há de excelente na filosofia de
nosso tempo coloca seu próprio valor na cientificidade; e embora
outros pensem diversamente, de fato, só pela cientificidade a filosofia se faz valer. Então, posso esperar que essa tentativa de
reivindicar a ciência para o conceito, e de apresentá-la nesse seu
elemento próprio, há de abrir passagem por meio da verdade
interior da Coisa. Devemos estar persuadidos que o verdadeiro tem
a natureza de eclodir quando chega o seu tempo, e só quando esse
tempo chega se manifesta; por isso nunca se revela cedo demais
nem encontra um público despreparado. Também devemos convencer-nos de que o indivíduo precisa desse resultado para se
confirmar no que para ele é ainda sua causa solitária, e para
experimentar como algo universal a convicção que, de início, só
pertence à particularidade.
Nesse ponto, porém, com freqüência há que distinguir entre
o público e aqueles que se dão como seus representantes e portavozes. O público se comporta de modo diverso e mesmo oposto ao
de seus intérpretes, sob muitos aspectos. Se o público benévolo
atribui a si mesmo a culpa quando uma obra filosófica não combina
com ele, ao contrário, seus intérpretes, convencidos de sua competência, lançam toda a culpa sobre o autor. O efeito que a obra
produz no público é muito mais sereno do que nesses "mortos
sepultando seus mortos".*
Hoje em dia a intelecção universal é geralmente mais cultivada, sua curiosidade mais alerta, e seu juízo se determina mais rápido,
de modo que "os pés daqueles que vão te levar já estão diante da
porta".** Entretanto é mister distinguir com freqüência nesse ponto
o efeito mais lento que redireciona a atenção cativada por asserções
retumbantes e corrige críticas negativas; efeito que prepara para
alguns um mundo que será seu, depois de certo tempo; enquanto
outros, depois de curto lapso, não terão mais posteridade.
72 - [Weil übrigens] Vivemos aliás numa época em que a
universalidade do espírito está fortemente consolidada, e a singularidade, como convém, tornou-se tanto mais insignificante; em que
a universalidade se aferra a toda a sua extensão e riqueza acumulada e as reivindica para si. A parte que cabe à atividade do
indivíduo na obra total do espírito só pode ser mínima. Assim ele
deve esquecer-se, como já o implica a natureza da ciência. Na
verdade, o indivíduo deve vir-a-ser, e também deve fazer, o que lhe
for possível; mas não se deve exigir muito dele, já que tampouco
pode esperar de si e reclamar para si mesmo.
* Evangelho de S. Mateus 8,22.
** Atos dos Apóstolos 5,9.
INTRODUÇÃO
73 - [Es ist eme] Segundo uma representação natural, a
filosofia, antes de abordar a Coisa mesma - ou seja, o conhecimento
efetivo do que é, em verdade, - necessita primeiro pôr-se de acordo
sobre o conhecer, o qual se considera ou um instrumento com que
se domina o absoluto, ou um meio através do qual o absoluto é
contemplado.
Parece correto esse cuidado, pois há, possivelmente, diversos
tipos de conhecimento. Alguns poderiam ser mais idôneos que
outros para a obtenção do fim último, e por isso seria possível uma
falsa escolha entre eles. Há também outro motivo: sendo o conhecer
uma faculdade de espécie e de âmbito determinados, sem uma
determinação mais exata de sua natureza e de seus limites, há o risco
de alcançar as nuvens do erro em lugar do céu da verdade.
Ora, esse cuidado chega até a transformar-se na convicção de
que constitui um contra-senso, em seu conceito, todo empreendimento visando conquistar para a consciência o que é em si, mediante o conhecer; e que entre o conhecer e o absoluto passa uma nítida
linha divisória. Pois, se o conhecer é o instrumento para apoderar-se
da essência absoluta, logo se suspeita que a aplicação de um
instrumento não deixe a Coisa tal como é para si, mas com ele traga
conformação e alteração. Ou então o conhecimento não é instrumento de nossa atividade, mas de certa maneira um meio passivo,
através do qual a luz da verdade chega até nós; nesse caso também
não recebemos a verdade como é em si, mas como é nesse meio e
através dele.
Nos dois casos, usamos um meio que produz imediatamente
o contrário de seu fim; melhor dito, o contra-senso está antes em
recorrermos em geral a um meio. Sem dúvida, parece possível
remediar esse inconveniente pelo conhecimento do modo-de-atuação do instrumento, o que permitiria descontar no resultado a
contribuição do instrumento para a representação do absoluto que
por meio dele fazemos; obtendo assim o verdadeiro em sua pureza.
Só que essa correção nos levaria, de fato, aonde antes estávamos.
Ao retirar novamente, de uma coisa elaborada, o que o instrumento
operou nela, então essa coisa - no caso o absoluto - fica para nós
exatamente como era antes desse esforço; que, portanto, foi inútil.
Se através do instrumento o absoluto tivesse apenas de achegar-se
a nós, como o passarinho na visgueira, sem que nada nele mudasse,
ele zombaria desse artifício, se já não estivesse e não quisesse estar
perto de nós em si e para si. Pois nesse caso o conhecimento seria
um artifício, porque, com seu atarefar-se complexo, daria a impressão de produzir algo totalmente diverso do que só a relação imediata
- relação que por isso não exige esforço. Por outra: se o exame do
conhecer - aqui representado como um meio - faz-nos conhecer a
lei da refração de seus raios, de nada ainda nos serviria descontar
a refração no resultado. Com efeito, o conhecer não é o desvio do
raio: é o próprio raio, através do qual a verdade nos toca. Ao
subtraí-lo, só nos restaria a pura direção ou o lugar vazio.
74 - [Inzwischen, wenn die] O temor de errar introduz uma
desconfiança na ciência, que, sem tais escrúpulos, se entrega espontaneamente à sua tarefa, e conhece efetivamente. Entretanto, deveria ser levada em conta a posição inversa: por que não cuidar de
introduzir uma desconfiança nessa desconfiança, e não temer que
esse temor de errar já seja o próprio erro? De fato, esse temor de
errar pressupõe como verdade alguma coisa (melhor, muitas coisas)
na base de suas precauções e conseqüências; - verdade que deveria
antes 9er examinada. Pressupõe, por exemplo, representações sobre o conhecer como instrumento e meio e também uma diferença
entre nós mesmos e esse conhecer, mas sobretudo, que o absoluto
esteja de um lado e o conhecer de outro lado - para si e separado
do absoluto - e mesmo assim seja algo real. Pressupõe com isso que
o conhecimento, que, enquanto fora do absoluto, está também fora
da verdade, seja verdadeiro; - suposição pela qual se dá a conhecer
que o assim chamado medo do erro é, antes, medo da verdade.
75 - [Diese Konsequenz] Essa conseqüência resulte de que
só o absoluto é verdadeiro, ou só o verdadeiro é absoluto. É possível
rejeitar essa conseqüência mediante a distinção entre um conheci-
mento que não conhece de fato o absoluto, como quer a ciência, e
ainda assim é verdadeiro, e o conhecimento em geral, que, embora
incapaz de aprender o absoluto, seja capaz de outra verdade. Mas
vemos que no final esse falatório vai acabar numa distinção obscura
entre um verdadeiro absoluto e um verdadeiro ordinário; e [vemos
também] que o absoluto, o conhecer, etc, são palavras que pressupõem uma significação; e há que esforçar-se por adquiri-la primeiro.
76 - [Statt mit dergleichen] Não há por que atormentar-se,
buscando resposta a essas representações inúteis e modos de falar
sobre o conhecer, como instrumento para apoderar-se do absoluto,
ou como meio através do qual divisamos a verdade etc. São relações
em que vêm a dar, com certeza, todas essas representações de um
absoluto separado do conhecer, ou de um conhecer separado do
absoluto. Nem há por que ocupar-se com os subterfúgios que a
incapacidade para a ciência deriva dos pressupostos de tais relações, a fim de livrar-se do esforço da ciência e ao mesmo tempo dar
a impressão de operosidade séria e rigorosa.
Melhor seria rejeitar tudo isso como representações contingentes e arbitrárias; e como engano o uso - a isso unido - de termos
como o absoluto, o conhecer, e também o objetivo e o subjetivo e
inúmeros outros cuja significação é dada como geralmente conhecida. Com efeito, dando a entender, de um lado, que sua significação é universalmente conhecida, e, de outro lado, que se possui
até mesmo seu conceito, parece antes um esquivar-se à tarefa
principal que é fornecer esse conceito. Inversamente, poderia com
mais razão ainda poupar-se o esforço de tais representações e
modos de falar, mediante os quais se descarta a própria ciência, pois
constituem somente uma aparência oca do saber, que desvanece
imediatamente quando a ciência entra em cena.
No entanto, a ciência, pelo fato de entrar em cena, é ela mesma
uma aparência [fenômeno]: seu entrar em cena não é ainda a
ciência realizada e desenvolvida em sua verdade. Tanto faz neste
ponto representar-se que a ciência é aparência porque entra em
cena ao lado de outro [saber], ou dar o nome de "aparecer da
ciência" a esses outros saberes não-verdadeiros. Mas a ciência deve
libertar-se dessa aparência, e só pode fazê-lo voltando-se contra ela.
Pois sendo esse um saber que não é verdadeiro, a ciência nem pode
apenas jogá-lo fora - como visão vulgar das coisas, garantindo ser
ela um conhecimento totalmente diverso, para o qual aquele outro
saber não é absolutamente nada - nem pode buscar nele o pressentimento de um saber melhor. Por essa asseveração, a ciência
descreveria seu ser como sua força; mas o saber não-verdadeiro
apela também para o fato de que ele é, e assevera que, para ele, a
ciência não é nada. Um asseverar seco vale tanto como qualquer
outro.
A ciência ainda menos pode apelar para o pressentimento
melhor, presente no conhecer não-verdadeiro, constituindo ali uma
sinalização para a ciência; pois isso seria também de novo apelar
para um ser, e, por outro lado, apelar para si mesma conforme o
modo em que está no conhecimento não-verdadeiro. Quer dizer,
apelaria para um modo deficiente de seu ser, ou seja, para sua
aparência, mais do que para si mesma, como é em si e para si. Por
esse motivo, aqui deve ser levada adiante a exposição do saber
que-aparece [ou saber fenomenal].
77 - [Weil nun diesel] Já que esta exposição tem por objeto
exclusivamente o saber fenomenal, não se mostra ainda como
ciência livre, movendo-se em sua forma peculiar. É possível porém
tomá-la, desse ponto de vista, coma o caminho da consciência
natural que abre passagem rumo ao saber verdadeiro. Ou como o
caminho da alma, que percorre a série de suas figuras como estações
que lhe são preestabelecidas por sua natureza, para que se possa
purificar rumo ao espírito, e através dessa experiência completa de
si mesma alcançar o conhecimento do que ela é em si mesma.
78 - [Das natürliche] A consciência natural vai mostrar-se
como sendo apenas conceito do saber, ou saber não real. Mas à
medida que se toma imediatamente por saber real, esse caminho
tem, para ela, significação negativa: o que é a realização do conceito
vale para ela antes como perda de si mesma, já que nesse caminho
perde sua verdade. Por isso esse caminho pode ser considerado o
caminho da dúvida [Zweifeln] ou, com mais propriedade, caminho
de desespero [Veizweilflung]; pois nele não ocorre o que se costuma
entender por dúvida: um vacilar nessa ou naquela pretensa verdade, seguido de um conveniente desvanecer-de-novo da dúvida e
um regresso àquela verdade, de forma que, no fim, a Coisa seja
tomada como era antes.
Ao contrário, a dúvida [que expomos] é a penetração consciente na inverdade do saber fenomenal; para esse saber, o que há
de mais real é antes somente o conceito irrealizado. Esse cepticismo,
que atingiu a perfeição, não é, pois, o que um zelo severo pela
verdade e pela ciência tem a ilusão de ter aprontado e aparelhado
para elas, a saber: o propósito de não se entregar na ciência à
autoridade do pensamento alheio, e só seguir sua própria convic-
ção; ou melhor ainda: tudo produzir por si mesmo, e só ter o seu
próprio ato como [sendo] o verdadeiro.
A série de figuras que a consciência percorre nesse caminho
é, a bem dizer, a história detalhada da formação para a ciência da
própria consciência. Aquele "propósito" apresenta essa formação
sob o modo simples de um propósito, como imediatamente feita e
sucedida. Frente a tal inverdade, no entanto, esse caminho é o
desenvolvimento efetivo. Seguir sua própria opinião é, em todo o
caso, bem melhor do que abandonar-se à autoridade; mas com a
mudança do crer na autoridade para o acreditar na própria convicção, não fica necessariamente mudado o conteúdo mesmo; nem a
verdade, introduzida em lugar do erro. A diferença entre apoiar-se
em uma autoridade alheia, e firmar-se na própria convicção - no
sistema do Visar' e do preconceito - está apenas na vaidade que
reside nessa segunda maneira. Ao contrário, o cepticismo que incide
sobre todo o âmbito da consciência fenomenal torna o espírito capaz
de examinar o que é verdade, enquanto leva a um desespero, a
respeito de representações, pensamentos e opiniões pretensamente
naturais. É irrelevante chamá-los próprios ou alheios: enchem e
embaraçam a consciência, que procede a examinar diretamente [a
verdade], mas que por causa disso é de fato incapaz do que pretende
empreender.
79 - [Die Vollständigkeit] A série completa das formas da
consciência não-real resultará mediante a necessidade do processo
e de sua concatenação mesma. Para fazer inteligível esse ponto,
pode-se notar previamente, de maneira geral, que a apresentação
da consciência não verdadeira em sua inverdade não é um movimento puramente negativo. A consciência natural tem geralmente
uma visão unilateral assim, sobre este movimento. Um saber, que
faz dessa unilateralidade a sua essência, é uma das figuras da
consciência imperfeita, que ocorre no curso do itinerário e que ali
se apresentará. Trata-se precisamente do cepticismo, que vê sempre
no resultado somente o puro nada, e abstrai de que esse nada é
determinadamente o nada daquilo de que resulta. Porém o nada,
tomado só como o nada daquilo donde procede, só é de fato o
resultado verdadeiro: é assim um nada determinado e tem um
conteúdo.
O cepticismo que termina com a abstração do nada ou do
esvaziamento não pode ir além disso, mas tem de esperar que algo
de novo se lhe apresente - e que novo seja esse - para jogá-lo no
abismo vazio. Porém, quando o resultado é apreendido como em
verdade é - como negação determinada -, é que então já surgiu
67
uma nova forma imediatamente, e se abriu na negação a passagem
pela qual, através da série completa das figuras, o processo se
produz por si mesmo.
80 - [Das Ziel aber ist] Entretanto, o saber tem sua meta
fixada tão necessariamente quanto a série do processo. A meta está
ali onde o saber não necessita ir além de si mesmo, onde a si mesmo
se encontra, onde o conceito corresponde ao objeto e o objeto ao
conceito.
Assim, o processo em direção a essa meta não pode ser detido,
e não se satisfaz com nenhuma estação precedente. O que está
restrito a uma vida natural não pode por si mesmo ir além de seu
ser-aí imediato, mas é expulso-para-fora dali por um Outro: esse
ser-arrancado-para-fora é sua morte. Mas a consciência é para si
mesma seu conceito; por isso é imediatamente o ir-além do limitado,
e - já que este limite lhe pertence - é o ir além de si mesma. Junto
com o singular, o além é posto para ela; embora esteja ainda apenas
ao lado do limitado como no caso da intuição espacial.
Portanto, essa violência que a consciência sofre - de se lhe
estragar toda a satisfação limitada-vem dela mesma. No sentimento
dessa violência, a angústia ante a verdade pode recuar e tentar
salvar o que está ameaçada de perder. Mas não poderá achar
nenhum descanso: se quer ficar numa inércia carente-de-pensamento, o pensamento perturba a carência-de-pensamento, e seu
desassossego estorva a inércia. Ou então, caso se apóie no sentimentalismo, que garante achar tudo bom a seu modo, essa garantia
sofre igualmente violência por parte da razão, que acha que algo
não é bom, justamente por ser um modo. Ou seja: o medo da
verdade poderá ocultar-se de si e dos outros por trás da aparência
de que é um zelo ardente pela verdade, que lhe toma difícil e até
impossível encontrar outra verdade que não aquela única vaidade
de ser sempre mais arguto que qualquer pensamento - que se
possua vindo de si mesmo ou de outros. Vaidade essa capaz de
tomar vã toda a verdade, para retomar a si mesma e deliciar-se em
seu próprio entendimento; dissolve sempre todo o pensamento, e
só sabe achar seu Eu árido em lugar de todo o conteúdo. Esta é
uma satisfação que deve ser abandonada a si mesma, pois foge o
universal e somente procura o Ser-para-si.
81 - [Wie dieses vorläufig] Dito isso, de forma preliminar e
geral sobre o modo e a necessidade do processo, pode ser útil
mencionar algo sobre o método do desenvolvimento. Parece que
essa exposição, representada como um procedimento da ciência em
relação ao saber fenomenal e como investigação e exame da
realidade do conhecer, não se pode efetuar sem um certo pressuposto colocado na base como padrão de medida. Pois o exame
consiste em aplicar ao que é examinado um padrão aceito, para
decidir, conforme a igualdade ou desigualdade resultante, se a coisa
está correta ou incorreta. A medida em geral, e também a ciência,
se for a medida, são tomadas como a essência ou como o em si.
Mas nesse ponto, onde a ciência apenas está surgindo, nem ela nem
seja o que for se justifica como a essência ou o em si. Ora, sem isso,
parece que não pode ocorrer nenhum exame.
82 - [Dieser Widerspruch] Essa contradição e sua remoção se
darão a conhecer de modo mais determinado se recordarmos
primeiro as determinações abstratas do saber e da verdade, tais
como ocorrem na consciência. Pois a consciência distingue algo de
si e ao mesmo tempo se relaciona com ele; ou, exprimindo de outro
modo, ele é algo para a consciência. O aspecto determinado desse
relacionar-se - ou do ser de algo para uma consciência - é o saber.
Nós porém distinguimos desse ser para um outro o ser-em-si;
o que é relacionado com o saber também se distingue dele e se põe
como essente, mesmo fora dessa relação: o lado desse Em-si
chama-se verdade. O que está propriamente nessas determinações
não nos interessa [discutir] mais aqui; pois à medida que nosso
objeto é o saber fenomenal, suas determinações são também tomadas como imediatamente se apresentam; e, sem dúvida, que se
apresentam como foram apreendidas.
83 - [Untersuchen wir nun] Se investigarmos agora a verdade
do saber, parece que estamos investigando o que o saber é em si.
Só que nesta investigação ele é nosso objeto: é para nós. O Em-si
do saber resultante dessa investigação seria, antes, seu ser para nós:
o que afirmássemos como sua essência não seria sua verdade, mas
sim nosso saber sobre ele. A essência ou o padrão de medida
estariam em nós, e o [objeto] a ser comparado com ele e sobre o
qual seria decidido através de tal comparação não teria necessariamente de reconhecer sua validade.
84 - [Aber die Natur] Mas a natureza do objeto que investigamos ultrapassa essa separação ou essa aparência de separação e
de pressuposição. A consciência fornece, em si mesma, sua própria
medida; motivo pelo qual a investigação se toma uma comparação
de si consigo mesma, já que a distinção que acaba de ser feita incide
na consciência.
Há na consciência um para um Outro, isto é, a consciência
tem nela a determinidade do momento do saber. Ao mesmo tempo,
para a consciência, esse Outro não é somente para ela, mas é
também fora dessa relação, ou seja, é em si: o momento da verdade.
Assim, no que a consciência declara dentro de si como o Em-si ou
o verdadeiro, temos o padrão que ela mesma estabelece para medir
o seu saber.
Se chamarmos o saber, conceito; e se a essência ou o verdadeiro chamarmos essente ou objeto, então o exame consiste em ver
se o conceito corresponde ao objeto. Mas chamando a essência ou
o Em-si do objeto, conceito, e ao contrário, entendendo por objeto
o conceito enquanto objeto - a saber como é para um Outro - então
o exame consiste em ver se o objeto corresponde ao seu conceito.
Bem se vê que as duas coisas são o mesmo: o essencial, no entanto,
é manter firmemente durante o curso todo da investigação que os
dois momentos, conceito e objeto, ser-para-um-Outro e ser-em-simesmo, incidem no interior do saber que investigamos. Portanto
não precisamos trazer conosco padrões de medida, e nem aplicar
na investigação nossos achados e pensamentos, pois deixando-os
de lado é que conseguiremos considerar a Coisa como é em si e
para si.
85 - [Aber nicht nur] Uma achega de nossa parte se torna
supérflua segundo esse aspecto, em que conceito e objeto, o padrão
de medida e o que deve ser testado estão presentes na consciência
mesma. Aliás, somos também poupados da fadiga da comparação
entre os dois, e do exame propriamente dito. Assim, já que a
consciência se examina a si mesma, também sob esse aspecto, só
nos resta o puro observar.
Com efeito, a consciência, por um lado, é consciência do
objeto; por outro, consciência de si mesma: é consciência do que é
verdadeiro para ela, e consciência de seu saber da verdade. Enquanto ambos são para a consciência, ela mesma é sua comparação:
é para ela mesma que seu saber do objeto corresponde ou não a
esse objeto.
O objeto parece, de fato, para a consciência, ser somente tal
como ela o conhece. Parece também que a consciência não pode
chegar por detrás do objeto, [para ver] como ele é, não para ela,
mas como é em si; e que, portanto, também não pode examinar seu
saber no objeto. Mas justamente porque a consciência sabe em geral
sobre um objeto, já está dada a distinção entre [um momento de]
algo que é, para a consciência, o Em-si, e um momento que é o
saber ou o ser do objeto para a consciência. O exame se baseia
sobre essa distinção que é uma distinção dada. Caso os dois
momentos não se correspondam nessa comparação, parece que a
consciência deva então mudar o seu saber para adequá-lo ao
objeto. Porém, na mudança do saber, de fato se muda também para
ele o objeto, pois o saber presente era essencialmente um saber do
objeto; junto com o saber, o objeto se toma também um outro, pois
pertencia essencialmente a esse saber.
Com isso, vem-a-ser para a consciência: o que antes era o
Em-si não é em si, - ou seja, só era em si para ela. Quando descobre
portanto a consciência em seu objeto que o seu saber não lhe
corresponde, tampouco o objeto se mantém firme. Quer dizer, a
medida do exame se modifica quando o objeto, cujo padrão deveria
ser, fica reprovado no exame.
O exame não é só um exame do saber, mas também de seu
padrão de medida.
86 - [Diese dialektische Bewegung] Esse movimento dialético
que a consciência exercita em si mesma, tanto em seu saber como
em seu objeto, enquanto dele surge o novo objeto verdadeiro para
a consciência, é justamente o que se chama experiência. Em relação
a isso, no processo acima considerado há ainda que ressaltar um
momento por meio do qual será lançada nova luz sobre o aspecto
científico da exposição que vem a seguir.
A consciência sabe algo: esse objeto é a essência ou o Em-si.
Mas é também o Em-si para a consciência; com isso entra em cena
a ambigüidade desse verdadeiro. Vemos que a consciência tem
agora dois objetos: um, o primeiro Em-si; o segundo, o ser-para-ela
desse Em-si. Esse último parece, de início, apenas a reflexão da
consciência sobre si mesma: uma representação não de um objeto,
mas apenas de seu saber do primeiro objeto. Só que, como foi antes
mostrado, o primeiro objeto se altera ali para a consciência; deixa
de ser o Em-si e se toma para ela um objeto tal, que só para a
consciência é o Em-si. Mas, sendo assim, o ser-para-ela desse Em-si
é o verdadeiro; o que significa, porém, que ele é a essência ou é seu
objeto. Esse novo objeto contém o aniquilamento [nadidade] do
primeiro; é a experiência feita sobre ele.
87 - [An dieser Darstellung] Nessa apresentação do curso da
experiência há um momento em que ela não parece corresponder
ao que se costuma entender por experiência: justamente a transição
do primeiro objeto e do seu saber ao outro objeto no qual se diz
que a experiência foi feita. Apresentou-se como se o saber do
primeiro objeto - ou o para-a-consciência do primeiro Em-si devesse tornar-se, ele mesmo, o segundo objeto. Mas, ao contrário,
parece que nós fazemos a experiência da inverdade de nosso
primeiro conceito, em um outro objeto, que encontramos de modo
um tanto casual e extrínseco; e dessa forma só nos toca o puro
apreender do que é em si e para si.
Ora, do ponto de vista exposto, mostra-se o novo objeto como
vindo-a-ser mediante uma reversão da consciência mesma. Essa
consideração da Coisa é uma achega de nossa parte, por meio da
qual a série das experiências se eleva a um processo científico; mas,
para a consciência que examinamos, essa consideração não tem
lugar. De fato porém ocorre a mesma situação já vista acima,
quando falamos da relação dessa exposição com o cepticismo: a
saber, cada resultado que provém de um saber não verdadeiro não
deve desaguar em um nada vazio, mas tem de ser apreendido
necessariamente como nada daquilo de que resulta: um resultado
que contém o que o saber anterior possui em si de verdadeiro.
É assim que o processo aqui se desenvolve: quando o que se
apresentava primeiro à consciência como objeto, para ela se rebaixa
a saber do objeto - e o Em-si se torna um ser-para-a-consdáncía
do Em-si, - esse é o novo objeto, e com ele surge também uma nova
figura da consciência, para a qual a essência é algo outro do que
era para a figura precedente. E a essa situação que conduz a série
completa das figuras da consciência em sua necessidade. Só essa
necessidade mesma - ou a gênese do novo objeto - se apresenta à
consciência sem que ela saiba como lhe acontece. Para nós, é como
se isso lhe transcorresse por trás das costas. Portanto, no movimento
da consciência ocorre um momento do ser-em-si ou do ser-paranós, que não se apresenta à consciência, pois ela mesma está
compreendida na experiência. Mas o conteúdo do que para nós
vem surgindo é para a consciência: nós compreendemos apenas seu
[aspecto] formal, ou seu surgir puro. Para ela, o que surge só é como
objeto; para nós, é igualmente como movimento e vir-a-ser.
88 - [Durch diese Notwendigkeit] É por essa necessidade que
o caminho para a ciência já é ciência ele mesmo, e portanto,
segundo seu conteúdo, é ciência da experiência da consciência.
89 - [Die Erfahrung] A experiência que a consciência faz sobre
si mesma não pode abranger nela, segundo seu conceito, nada
menos que o sistema completo da consciência ou o reino total da
verdade do espírito. Seus momentos se apresentam assim nessa
determinidade peculiar, de não serem momentos abstratos ou pu-
ros, mas sim, tais como são para a consciência ou como a mesma
aparece em sua relação para com eles; por isso os momentos do
lodo são figuras da consciência.
A consciência, ao abrir caminho rumo à sua verdadeira exislência, vai atingir um ponto onde se despojará de sua aparência: a
de estar presa a algo estranho, que é só para ela, e que é como um
outro. Aqui a aparência se torna igual à essência, de modo que sua
exposição coincide exatamente com esse ponto da ciência autêntica
do espírito. E, finalmente, ao apreender sua verdadeira essência, a
consciência mesma designará a natureza do próprio saber absoluto.
CONSCIÊNCIA
-IA certeza, sensível ou: o Isto ou o Visar
90 - [Das Wissen, welches] O saber que, de início ou imediatamente, é nosso objeto, não pode ser nenhum outro senão o saber
que é também imediato: - saber do imediato ou do essente. Devemos proceder também de forma imediata ou receptiva, nada mudando assim na maneira como ele se oferece, e afastando de nosso
apreender o conceituar.
91 - [Der konkrete Inhalt] O conteúdo concreto da certeza
sensível faz aparecer imediatamente essa certeza como o mais rico
conhecimento, e até como um conhecimento de riqueza infinda,
para o qual é impossível achar limite; nem fora, se percorremos o
espaço e o tempo onde se expande, nem [dentro], se penetramos
pela divisão no interior de um fragmento tomado dessa plenitude.
Além disso, a certeza, sensível aparece como a mais verdadeira, pois
do objeto nada ainda deixou de lado, mas o tem em toda a sua
plenitude, diante de si.
Mas de fato, essa certeza se faz passar a si mesma pela verdade
mais abstrata e mais pobre. Do que ela sabe, só exprime isto: ele é.
Sua verdade apenas contém o ser da Coisa; a consciência, por seu
lado, só está nessa certeza como puro Eu, ou seja: Eu só estou ali
como puro este, e o objeto, igualmente apenas como puro isto. Eu,
este, estou certo desta Coisa; não porque Eu, enquanto consciência,
me tenha desenvolvido, e movimentado de muitas maneiras o
pensamento. Nem tampouco porque a Coisa de que estou certo,
conforme uma multidão de características diversas, seja um rico
relacionamento em si mesma, ou uma multiforme relação para com
outros.
Ora, os dois [termos] nada têm a ver com a verdade da certeza
sensível; nem o Eu nem a coisa tem aqui a significação de uma
mediação multiforme. O Eu não tem a significação de um multiforme representar ou pensar, nem a Coisa uma significação de uma
multidão de diversas propriedades; ao contrário, a Coisa é, e ela é
somente porque é. A Coisa é: para o saber sensível isso é o essencial:
esse puro ser, ou essa imediatez simples, constitui sua verdade. A
certeza igualmente, enquanto relação, é pura relação imediata. A
consciência é Eu, nada mais: um puro este. O singular sabe o puro
este, ou seja, sabe o singular.
92 - [An dem reinen Sein] No entanto, há muita coisa ainda
em jogo, se bem atendemos, no puro ser que constitui a essência
dessa certeza, e que ela enuncia como sua verdade. Uma certeza
sensível efetiva não é apenas essa pura imediatez, mas é um
exemplo da mesma. Entre as diferenças sem conta que ali se
evidenciam, achamos em toda a parte a diferença-capital, a saber:
que nessa certeza ressaltam logo para fora do puro ser os dois estes
já mencionados: um este, como Eu, e um este como objeto.
Para nós, refletindo sobre essa diferença, resulta que tanto um
como o outro não estão na certeza sensível apenas de modo
imediato, mas estão, ao mesmo tempo, mediatizados. Eu tenho a
certeza por meio de um outro, a saber: da Coisa; e essa está
igualmente na certeza mediante um outro, a saber, mediante o Eu.
93 - [Diesen Unterschied] Essa diferença entre a essência e o
exemplo, entre a imediatez e a mediação, quem faz não somos nós
apenas, mas a encontramos na própria certeza sensível; e deve ser
tomada na forma em que nela se encontra, e não como nós
acabamos de determiná-la. Na certeza sensível, um momento é
posto como o essente simples e imediato, ou como a essência: o
objeto. O outro momento, porém, é posto como o inessencial e o
mediatizado, momento que nisso não é em-si, mas por meio de um
Outro: o Eu, um saber, que sabe o objeto só porque ele é; saber
que pode ser ou não. Mas o objeto é o verdadeiro e a essência: ele
é, tanto faz que seja conhecido ou não. Permanece mesmo não
sendo conhecido - enquanto o saber não é, se o objeto não é.
94 - [Der Gegenstand ist] O objeto portanto deve ser exami-,
nado, a ver se é de fato, na certeza sensível mesma, aquela essência
que ela lhe atribui; e se esse seu conceito - de ser uma essência corresponde ao modo como se encontra na certeza sensível.
Nós não temos, para esse fim, de refletir sobre o objeto, nem
indagar o que possa ser em verdade; mas apenas de considerá-lo
como a certeza sensível o tem nela.
95 - [Sie ist also setbst] Portanto, a própria certeza sensível
deve ser indagada: Que é o isto? Se o tomamos no duplo aspecto
de seu ser, como o agora e como o aqui, a dialética que tem nele
vai tomar uma forma tão inteligível quanto o ser mesmo. À pergunta:
que é o agora? respondemos, por exemplo: o agora é a noite. Para
tirar a prova da verdade dessa certeza sensível basta uma experiência simples. Anotamos por escrito essa verdade; uma verdade nada
perde por ser anotada, nem tampouco porque a guardamos. Vejamos de novo, agora, neste meio-dia, a verdade anotada; devemos
dizer, então, que se tornou vazia.
96 - [Das Itzt, welches Nacht] O agora que é noite foi
conservado, isto é, foi tratado tal como se ofereceu, como um
essente; mas se mostra, antes, como um não-essente. O agora
mesmo, bem que se mantém, mas como um agora que não é noite.
Também em relação ao dia que é agora, ele se mantém como um
agora que não é dia, ou seja, mantém-se como um negativo em
geral.
Portanto, esse agora que se mantém não é um imediato, mas
um mediatizado, por ser determinado como o que permanece e se
mantém porque outro - ou seja, o dia e a noite - não é. Com isso,
o agora é tão simples ainda como antes: agora; e nessa simplicidade
é indiferente àquilo que se joga em torno dele.,Como o dia e a noite
não são o seu ser, assim também ele não é o dia e a noite; não é
afetado por esse seu ser-Outro.
Nós denominamos um universal um tal Simples que é por
meio da negação; nem isto nem aquilo - um não-isto -, e indiferente
também a ser isto ou aquilo. O universal, portanto, é de fato o
verdadeiro da certeza sensível.
97 - [Als ein Allgemeines] Enunciamos também o sensível
como um universal. O que dizemos é: isto, quer dizer, o isto
universal-, ou então: ele é, ou seja, o ser em geral Com isso, não
nos representamos, de certo, o isto universal ou o ser em geral, mas
enunciamos o universal; ou por outra, não falamos pura e simplesmente tal como nós o 'visamos' na certeza sensível. Mas, como
vemos, p mais verdadeiro é a linguagem: nela refutamos imediatamente nosso visar, e porque o universal é o verdadeiro da certeza
sensível, e a linguagem só exprime esse verdadeiro, está pois
totalmente excluído que possamos dizer o ser sensível que 'visamos'.
98 - [Es wird derselbe] O mesmo sucede com a outra forma
do isto, com o aqui. O aqui, por exemplo, é a árvore. Quando me
viro, essa verdade desvaneceu, e mudou na oposta: o aqui não é
uma árvore, mas antes uma casa. O próprio aqui não desvanece,
mas é algo que fica, no desvanecer da casa, da árvore etc; e
indiferente quanto a ser casa ou árvore. Assim o isto se mostra de
novo como simplicidade mediatizada, ou como universalidade.
99-[Dieser sinnlichen] Portanto, o puro ser permanece como
essência dessa certeza sensível, enquanto ela mostra em si mesma
o universal como a verdade do seu objeto; mas não como imediato,
e sim como algo a que a negação e a mediação são essenciais. Por
isso, não é o que 'visamos' como ser, mas é o ser com a determinação de ser a abstração ou o puro universal. Nosso 'visar', para o
qual o verdadeiro da certeza sensível não é o universal, é tudo
quanto resta frente a esses aqui e agora vazios e indiferentes.
100- [Vergleichen wir das] Comparando a relação, em que
o saber e o objeto surgiram primeiro, com a relação que estabelecem, uma vez chegados a esse resultado, [vemos que] a relação se
inverteu. O objeto, que deveria ser o essencial, agora é o inessencial
da certeza sensível; isso porque o universal, no qual o objeto se
tornou, não é mais aquele que deveria ser essencialmente para a
certeza sensível; pois ela agora se encontra no oposto, isto é, no
saber que antes era o inessencial. Sua verdade está no objeto como
meu objeto, ou seja, no 'visar' [meinem/Meinen]: o objeto é porque
Eu sei dele. Assim, a certeza sensível foi desalojada do objeto, sem
dúvida, mas nem por isso foi ainda suprassumida, se não apenas
recambiada ao Eu. Vejamos o que a experiência nos mostra sobre
sua realidade.
101 - [Die Kraft ihrer] Agora, pois, a força de sua verdade
está no Eu, na imediatez do meu ver, ouvir etc. O desvanecer do
agora e do aqui singulares, que visamos, é evitado porque Eu os
mantenho. O agora é dia porque Eu o vejo; o aqui é uma árvore
pelo mesmo motivo. Porém a certeza sensível experimenta nessa
relação a mesma dialética que na anterior. Eu, este, vejo a árvore e
afirmo a árvore como o aqui\ mas um outro Eu vê a casa e afirma:
o aqui não é uma árvore, e sim uma casa. As duas verdades têm a
mesma credibilidade, isto é, a imediatez do ver, e a segurança e
afirmação de ambos quanto a seu saber; uma porém desvanece na
outra.
102- [Was darin nicht] O que nessa experiência não desvanece éoEu como universal: seu ver, nem é um ver da árvore, nem
o dessa casa; mas é um ver simples que embora mediatizado pela
negação dessa casa etc, se mantém simples e indiferente diante do
que está em jogo: a casa, a árvore. O Eu é só universal, como agora,
aqui, ou isto, em geral. Viso', de certo, um Eu singular, mas como
não posso dizer o que Viso' no agora, no aqui, também não o posso
no Eu. Quando digo: este aqui, este agora, ou um singular, estou
dizendo todo este, todo aqui, todo agora, todo singular. Igualmente
quando digo: Eu, este Eu singular, digo todo Eu em geral; cada um
é o que digo: Eu, este Eu singular.
Quando se apresenta à ciência, como pedra de toque, - diante
da qual não poderia de modo algum sustentar-se, - a exigência de
deduzir, construir, encontrar a priori (ou seja como for) o que se
chama esta coisa ou um este homem, então seria justo que a
exigência dissesse qual é esta coisa, ou qual é este Eu que ela Visa';
porém é impossível dizer isso.
103- [Die sinnliche Gewissheit] A certeza sensível experimenta, assim, que sua essência nem está no objeto nem no Eu, e que a
imediatez nem é imediatez de um nem de outro, pois o que 'viso'
em ambos é, antes, um inessencial. Ora, o objeto e o Eu são
universais: neles o agora, o aqui, e o Eu - que 'viso' - não se sustêm,
ou não são. Com isso chegamos a [esse resultado de] pôr como
essência da própria certeza sensível o seu todo, e não mais apenas
um momento seu - como ocorria nos dois casos em que sua
realidade tinha de ser primeiro o objeto oposto ao Eu, e depois o
Eu. Assim, é só a certeza sensível toda que se mantém em si como
imediatez, e por isso exclui de si toda oposição que ocorria precedentemente.
104- [Diese reine Unmittelbarkeit] Portanto não interessa a
essa imediatez pura o ser-Outro do aqui como árvore, que passa
para um aqui que é não-árvore, nem o ser-Outro do agora como
dia, que passa para um agora que é noite; nem um outro Eu com
algo outro por objeto. A verdade dessa imediatez se mantém como
- relação que-fica-igual a si mesma, que entre o Eu e o objeto não faz
distinção alguma de essencialidade e inessencialidade; por isso
também nela em geral não pode penetrar nenhuma diferença.
Eu, este, afirmo assim o aqui como árvore, e não me viro de
modo que o aqui se tornaria para mim uma não-árvore. Também
não tomo conhecimento de que um outro Eu veja o aqui como
não-árvore, ou que Eu mesmo em outra ocasião tomasse o aqui
como não-árvore, e o agora como não-dia. Eu, porém, sou um puro
intuir; eu, quanto a mim, fico nisto: o agora é dia; ou então neste
outro: o aqui é árvore. Também não comparo o aqui e o agora um
com o outro, mas me atenho firme a uma relação imediata: o agora
é dia.
105- [Da hiemit diese] Já que essa certeza sensível não quer
mais dar um passo em nossa direção - quando lhe fazemos notar
um agora que é noite ou um Eu para quem é noite -, vamos a seu
encontro e fazer que nos indique o agora que é afirmado. Temos
de fazer que nos indique, pois a verdade dessa relação imediata é
a verdade desse Eu, que se restringe a um agora ou a um aqui. A
verdade desse Eu não teria a mínima significação se a captássemos
posteriormente ou se ficássemos distante dela; pois lhe teríamos
suprassumido a imediatez que lhe é essencial. Devemos, portanto,
penetrar no mesmo ponto do tempo ou do espaço, mostrá-los a nós,
isto é, fazer de nós [um só e] o mesmo com esse Eu que-sabe com
certeza. Vejamos assim como está constituído o imediato que nos é
indicado.
106 - [Es wird das Itzt] O agora é indicado: - este agora.
Agora: já deixou de ser enquanto era indicado. O agora que é, é
um outro que o indicado. E vemos que o agora é precisamente isto:
enquanto é, já não ser mais. O agora, como nos foi indicado, é um
que-já-foi - e essa é sua verdade; ele não tem a verdade do ser. E
porém verdade que já foi. Mas o que foi é, de fato, nenhuma
essência [Kein Wesen/gewesen]. Ele não é; e era do ser que se
tratava.
107 - [Wir sehen also] Vemos, pois, nesse indicar só um
movimento e o seu curso - que é o seguinte:
1) indico o agora, que é afirmado como o verdadeiro; mas o
indico como o-que-já-foi, ou como um suprassumido. Suprassumo
a primeira verdade, e:
2) agora afirmo como segunda verdade que ele foi, que está
suprassumido.
3) mas o-que-foi não é. Suprassumo o ser-que-foi ou o
ser-suprassumido - a segunda verdade; nego com isso a negação
do agora e retorno à primeira afirmação de que o agora é.
O agora e o indicar do agora são assim constituídos que nem
o agora nem o indicar do agora são um Simples imediato, e sim um
movimento que contém momentos diversos. Põe-se este, mas é um
Outro que é posto, ou seja, o este é suprassumido. Esse ser-Outro,
ou suprassumir do primeiro, é, por sua vez, suprassumido de novo,
e assim retoma ao primeiro. No entanto, esse primeiro refletido em
si mesmo não é exatamente o mesmo que era de início, a saber, um
imediato; ao contrário, é propriamente algo em si refletido ou um
simples, que permanece no ser-Outro o que ele é: um agora que é
absolutamente muitos agoras; e esse é o verdadeiro agora, o agora
como simples dia que tem em si muitos agoras [ou] horas. E esse
agora - uma hora - é também muitos minutos, e esse agora
igualmente muitos agoras, e assim por diante.
Assim, o indicar é ele mesmo, o movimento que exprime o
que em verdade é o agora, a saber: um resultado ou uma pluralidade
de agoras rejuntados; e o indicar é o experimentar que o agora é
[um] universal.
108 - [Das aufgezeigte Hier] O aqui indicado, que retenho
com firmeza, é também um este aqui que de fato não é este aqui
mas um diante e atrás, um acima e abaixo, um à direita e à esquerda'
O acima, por sua vez, é também esse múltiplo ser-Outro, com acima,
abaixo etc. O aqui que deveria ser indicado desvanece em outros
aquis; mas esses desvanecem igualmente. O indicado, o retido, o
permanente, é um este negativo, que só é tal porque os aquis são
tomados como devem ser, mas nisso se suprassumem, constituindo
um complexo simples de muitos aquis.
O aqui que foi 'visado', seria o ponto; mas ele não é. Porém
ao ser indicado como essente, o indicar mostra que não é um saber
imediato, e sim um movimento, desde um aqui 'visado', através de
muitos aquis, rumo ao aqui universal; e, como o dia é uma pluralidade simples de agoras, esse aqui universal é uma multiplicidade
simples de aquis.
109 - [Es erhellt, dass] É claro que a dialética da certeza
sensível não é outra coisa que a simples história de seu movimento
ou de sua experiência; e a certeza sensível mesma não é outra coisa
que essa história apenas. A consciência natural por esse motivo
atinge sempre esse resultado, que nela é o verdadeiro, e disso faz
experiência; mas torna sempre a esquecê-lo também, e começa de
novo o movimento desde o início.
É, pois, de admirar que se sustente contra essa experiência,
como experiência universal - mas também como afirmação filosófica, e de certo como resultado do cepticismo - que a realidade ou
o ser das coisas externas, enquanto estas ou enquanto sensíveis,
tem uma verdade absoluta para a consciência. Uma afirmação
dessas não sabe o que diz; não sabe que diz o contrário do que quer
dizer.
A verdade do isto sensível para a consciência tem de ser uma
experiência universal; mas o que é experiência universal é, antes, o
contrário. Qualquer consciência suprassume de novo uma verdade
do tipo: o aqui é uma árvore ou: o agora é meio-dia, e enuncia o
contrário: o aqui não é uma árvore, mas uma casa. A consciência
também suprassume logo o que é afirmação de um isto sensível,
nessa afirmação que suprassume a primeira. Assim, em toda certeza
sensível só se experimenta, em verdade, o que já vimos: a saber, o
isto como um universal, - o contrário do que aquela afirmação
garante ser experiência universal.
Quanto a essa alusão à experiência universal, que se nos
permita antecipar uma consideração atinente à prática. Nesse sentido pode-se dizer aos que asseveram tal verdade e certeza da
realidade dos objetos sensíveis, que devem ser reenviados à escola
inferior da sabedoria, isto é, aos mistérios de Eleusis, de Ceres e de
Baco, e aprender primeiro o segredo de comer o pão e de beber o
vinho. De fato, o iniciado nesses mistérios não só chega à dúvida
do ser das coisas sensíveis, mas até ao seu desespero. O iniciado,
consuma, de uma parte, o aniquilamento dessas coisas, e, de outra,
vê-las consumarem seu aniquilamento. Nem mesmo os animais
estão excluídos dessa sabedoria, mas antes, se mostram iniciados
no seu mais profundo; pois não ficam diante das coisas sensíveis
como em si essentes, mas desesperando dessa realidade, e na plena
certeza de seu nada, as agarram sem mais e as consomem. E a
natureza toda celebra como eles esses mistérios revelados, que
ensinam qual é a verdade das coisas sensíveis.
110 - [Die, welche solche] Entretanto, conforme notamos
anteriormente, os que colocam tal afirmação dizem imediatamente
o contrário do que 'visam' - fenômeno esse que é talvez o mais
capaz de levar à reflexão sobre a natureza da certeza sensível. Falam
do ser-aí de objetos externos, que poderiam mais propriamente ser
determinados como coisas efetivas, absolutamente singulares, de
todo pessoais, individuais; cada uma delas não mais teria outra que
lhe fosse absolutamente igual. Esse ser-aí teria absoluta certeza e
verdade. Visam' este pedaço de papel no qual escrevo isto, ou
melhor, escrevi; mas o que 'visam', não dizem. Se quisessem dizer
efetivamente este pedaço de papel que Visam' - e se quisessem
dizer [mesmo] - isso seria impossível, porque o isto sensível, que é
'visado', é inatingível pela linguagem, que pertence à consciência,
ao universal em si. He seria decomposto numa tentativa efetiva para
dizê-lo; os que tivessem começado sua descrição não a poderiam
completar, mas deveriam deixá-la para outros, que no fim admiti-
riam que falavam de uma coisa que não é. 'visam', pois, de certo,
este pedaço de papel, que aqui é totalmente diverso do que se falou
acima; falam, porém, de coisas efetivas, objetos sensíveis ou externos, essências absolutamente singulares etc. Quer dizer: é só o
universal que falam dessas coisas. Por isso, o que se chama indizível
não é outro que o não-verdadeiro, não-racional, puramente 'visado'.
Quando o que se diz de uma coisa é apenas que é uma coisa
efetiva, um objeto externo, então ela é enunciada somente como o
que há de mais universal, e com isso se enuncia mais sua igualdade
que sua diferença com todas as outras. Quando digo: uma coisa
singular, eu a enuncio antes como de todo universal, pois uma coisa
singular todas são; e igualmente, esta coisa é tudo que se quiser.
Determinando mais exatamente, como este pedaço de papel, nesse
caso, todo e cada papel é um este pedaço de papel, e o que eu disse
foi sempre e somente o universal.
O falar tem a natureza divina de inverter imediatamente o
'visar', de torná-lo algo diverso, não o deixando assim aceder à
palavra. Mas se eu quiser vir-lhe em auxílio, indicando este pedaço
de papel, então faço a experiência do que é, de fato, a verdade da
certeza sensível: eu o indico como um aqui que é um aqui de outros
aquis, ou que nele mesmo é um conjunto simples de muitos aquis,
isto é, um universal. Eu o tomo como é em verdade, e em vez de
saber um imediato, eu o apreendo verdadeiramente: [eu o percebo].*
* Trocadilho em alemão: nehme wahr/wahmehmen.
A Percepção
ou: a coisa e a ilusão
111- [Die unmittelbare] A certeza sensível não se apossa do
verdadeiro, já que a verdade dela é o universal, mas a certeza
sensível quer captar o isto. A percepção, ao contrário, toma como
universal o que para ela é o essente. Como a universalidade é seu
princípio em geral, assim também são universais seus momentos,
que nela se distinguem imediatamente: o Eu é um universal, e o
objeto é um universal.
Para nós esse princípio emergiu [como resultado]; por isso,
nosso apreender da percepção não é mais um apreender aparente,
[fenomenal], como o da certeza sensível, mas sim um apreender
necessário. No emergir do princípio, ao mesmo tempo vieram-a-ser
os dois momentos que em sua aparição [fenomenal] apenas ocorriam fora, a saber - um, o movimento do indicar; outro, o mesmo
movimento, mas como algo simples: o primeiro, o perceber, o
segundo o objeto. O objeto, conforme a essência, é o mesmo que
o movimento: este é o desdobramento e a diferenciação dos momentos, enquanto o objeto é seu Ser-reunido-num-só. Para nós ou em si -, o universal como princípio é a essência da percepção, e
frente a essa abstração os dois momentos diferenciados - o percebente e o percebido - são o inessencial.
De fato porém, por serem ambos o universal ou a essência,
os dois são essencialmente. Mas enquanto se relacionam como
opostos um ao outro, somente um pode ser o essencial na relação;
e tem de se repartir entre eles a distinção entre o essencial e o
inessencial. Um, determinado como o simples - o objeto - é a
essência, indiferente a ser ou não percebida; mas o perceber, como
o movimento, é o inconsistente, que pode ser ou não ser, e é o
inessencial.
112 - [Dieser Gegenstand] A esta altura, é mister determinar
mais de perto esse objeto; determinação que se deve brevemente
desenvolver a partir do resultado conseguido, pois aqui não seria
pertinente um desenvolvimento mais completo.
O princípio do objeto - o universal - é em sua simplicidade
um mediatizado; assim tem de exprimir isto nele, como sua natureza:
por conseguinte se mostra como a coisa de muitas propriedades.
Pertence à percepção a riqueza do saber sensível, e não à certeza
imediata, na qual só estava presente como algo em-jogo-ao-lado
[exemplo]*. Com efeito, só a percepção tem a negação, a diferença,
ou a múltipla variedade em sua essência.
113- [Das Dieses ist] Assim, o isto é posto como não isto, ou
como suprassumido; e portanto, não como nada, e sim como um
nada determinado, ou um nada de um conteúdo, isto é, um nada
disto. Em conseqüência ainda está presente o sensível mesmo, mas
não como devia estar na certeza imediata - como um singular visado
-, e sim como universal, ou como o que será determinado como
propriedade.
O suprassumir apresenta sua dupla significação verdadeira
que vimos no negativo: é ao mesmo tempo um negar e um conservar. O nada, como nada disto, conserva a imediatez e é, ele próprio,
sensível; porém é uma imediatez universal.
No entanto, o ser é um universal, por ter nele a mediação ou
o negativo. À medida que exprime isso em sua imediatez, é uma
propriedade distinta determinada. Dessa sorte estão postas ao
mesmo tempo muitas propriedades desse tipo, sendo uma o negativo da' outra. Enquanto expressas na simplicidade do universal,
essas determinidades - que só são a rigor propriedades por meio
de uma determinação ulterior que lhes advém - relacionam-se
consigo mesmas, são indiferentes umas às outras: cada uma é para
si, livre da outra. Mas a universalidade simples, igual a si mesma, é
de novo distinta e livre dessas determinidades: é o puro relacionarse-consigo ou o meio, onde são todas essas determinidades. Inter* Neste capítulo Hegel recorre com freqüência ao trocadilho: Beispiel
(exemplo) e Beiherspielende (o que se joga ao lado).
penetram-se nela como numa unidade simples, mas sem se tocarem;
porque são indiferentes para si, justamente por meio da participação
nessa universalidade.
Esse meio universal abstrato, que pode chamar-se coisidade
em geral ou pura essência, não é outra coisa que o aqui e agora
como se mostrou, a saber: como um conjunto simples de muitos.
Mas os muitos são, por sua vez, em sua determinidade, simplesmente universais. Este sal é um aqui simples, e ao mesmo tempo múltiplo;
é branco e também picante, também é cubiforme, também tem peso
determinado etc. Todas essas propriedades múltiplas estão num
aqui simples no qual assim se interpenetram: nenhuma tem um aqui
diverso do da outra, pois cada uma está sempre onde a outra está.
Igualmente, sem que estejam separadas por aquis diversos, não se
afetam mutuamente por essa interpenetração. O branco não afeta
nem altera o cúbico, os dois não afetam o sabor salgado etc; mas
por ser, cada um, simples relacionar-se consigo, deixa os outros
quietos, e com eles apenas se relaciona através do indiferente
também. Esse também é portanto o puro universal mesmo, ou o
meio: é a coisidade que assim engloba todas essas propriedades.
114 - [In diesem Verhältnisse] Nesse relacionamento que
assim emergiu, o que é inicialmente observado e desenvolvido é
somente o caráter da universalidade positiva; mas também se
apresenta um aspecto que deve ser tomado em consideração. É o
seguinte: se as muitas propriedades determinadas fossem simplesmente indiferentes, e se relacionassem exclusivamente consigo mesmas, nesse caso não seriam determinadas: pois isso são apenas à
medida que se diferenciam e se relacionam com outras como
opostas. Mas segundo essa oposição, não podem estar juntas na
unidade simples de seu meio, que lhes é tão essencial quanto a
negação. A diferenciação dessa unidade - enquanto não é uma
unidade indiferente, mas excludente, negadora do Outro - recai
assim fora desse meio simples. Por isso, esse meio não é apenas um
também, unidade indiferente; mas é, outrossim, o Uno, unidade
excludente.
O Uno é o momento da negação tal como ele mesmo, de uma
maneira simples, se relaciona consigo e exclui o Outro; e mediante
isso, a coisidade é determinada como coisa. Na propriedade, a
negação está como determinidade, que é imediatamente um só com
a imediatez do ser - o qual, por essa unidade com a negação, é a
universalidade. A negação, porém, é como Uno, quando se liberta
dessa unidade com seu contrário, e é em si e para si mesma.
115 - [In diesen Momenten] Nesses momentos conjuntamente, a coisa está completa como o verdadeiro da percepção (quanto
se precisa desenvolver aqui). A coisa é: 1 - a universalidade passiva
e indiferente, o também das muitas propriedades (ou antes, "matérias" ); 2 - a negação, igualmente como simples, ou o Uno - o excluir
de propriedades opostas; 3 - as muitas propriedades mesmas, o
relacionamento dos dois primeiros momentos, a negação tal como
se relaciona com o elemento indiferente e ali se expande como uma
multidão de diferenças. E o ponto da singularidade, irradiando na
multiplicidade no meio da subsistência. Essas diferenças, pelo seu
aspecto de pertencerem ao meio indiferente, são universais elas
mesmas, só consigo se relacionam e [mutuamente] não se afetam.
Mas pelo aspecto de pertencerem à unidade negativa são, ao mesmo
tempo, excludentes, e contudo têm necessariamente esse relacionamento de oposição para com propriedades que estão afastadas
de seu também.
A universalidade sensível ou a unidade imediata do ser e do
negativo só é propriedade enquanto o Uno e a universalidade pura
se desenvolvem nela, e se diferenciam entre si, e ela os engloba
juntamente, um com o outro. Somente essa sua relação com seus
momentos essenciais puros constitui plenamente a coisa.
116 - [So ist nun das Ding] Assim está agora constituída a
coisa da percepção e a consciência, determinada como percebente,
enquanto a coisa é seu objeto. A consciência tem somente de
captá-lo e de proceder como pura apreensão: para ela, o que dali
emerge é o verdadeiro. Se operasse, por sua conta, alguma coisa
nesse apreender, estaria alterando a verdade, através desse [ato de]
incluir ou excluir. À medida que o objeto é o verdadeiro e o
universal, igual a si mesmo, enquanto a consciência para si é o
mutável e o inessencial, é possível que lhe suceda perceber incorretamente o objeto e iludir-se.
A consciência percebente é cônscia da possibilidade da ilusão,
pois na universalidade, que é [seu] princípio, o ser-Outro é para ela,
imediatamente: mas enquanto nada, [como] suprassumido. Portanto seu critério de verdade é a igualdade-consigo-mesmo, e seu
procedimento é apreender o que é igual a si mesmo. Como ao
mesmo tempo o diverso é para ela, a consciência é um correlacionar
dos diversos momentos de seu apreender. Mas se nesse confronto
surge uma desigualdade, não é assim uma inverdade do objeto pois ele é igual a si mesmo -, mas [inverdade] do perceber.
117 - [Sehen wir nun zu] Vejamos agora que experiência faz
a consciência em seu apreender efetivo. Para nós, essa experiência
já está contida no desenvolvimento, antes exposto, do objeto e do
procedimento da consciência para com ele; vai ser apenas o desenvolvimento das contradições ali presentes.
O objeto que eu apreendo apresenta-se como puramente
Uno; também me certifico da propriedade que há nele, que é
universal mas que por isso ultrapassa a singularidade. O primeiro
ser da essência objetiva como um Uno não era pois seu verdadeiro
ser. Como o objeto é o verdadeiro, a inverdade recai em mim: o
apreender é que não era correto. Devido à universalidade da
propriedade, devo tomar a essência objetiva antes como uma
comunidade em geral.
Além disso, percebo agora a propriedade como determinada,
oposta a Outro e excluindo-o. Logo, eu não tinha de fato aprendido
corretamente a essência objetiva, ao determiná-la como uma comunidade com outros, ou como a continuidade. Devo, melhor, por
motivo da determinidade da propriedade, separar a continuidade
e pôr a essência objetiva como Uno excludente. No Uno separado
encontro muitas propriedades dessas, que mutuamente não se
afetam, mas são indiferentes umas às outras. Assim eu não percebia
o objeto corretamente ao apreendê-lo como algo excludente; porém, como antes o objeto era só a continuidade em geral, agora ele
é um meio comum universal, onde muitas propriedades estão como
universalidades sensíveis, cada uma para si, excluindo as outras
enquanto determinadas.
Mas sendo assim, o simples e verdadeiro que eu percebo não
é um meio universal, e sim a propriedade singular para si. Porém a
propriedade desse modo nem é propriedade nem um ser determinado, pois não está nem em um Uno, nem em relação com outras.
No entanto, somente é propriedade em um Uno, e só é determinada
em relação às outras. Permanece como esse puro relacionar-se-consigo-mesma, apenas Ser sensível em geral, pois já não tem em si o
caráter da negatividade. A consciência, para a qual existe agora um
ser sensível, é somente um visar, isto é, saiu totalmente para fora do
perceber, e regressou a si mesma. Só que o ser sensível e o 'visar'
passam, eles mesmos, para o perceber: sou relançado ao ponto
inicial, e de novo arrastado no mesmo circuito, - o qual se suprassume em cada momento e como todo.
118 - [Das Bewusstsein] A consciência, portanto, percorre
necessariamente esse círculo, mas ao mesmo tempo não é do
mesmo modo que na primeira vez. Ela fez, justamente, sobre o
perceber a experiência de que o resultado e o verdadeiro dele - é
sua dissolução ou a reflexão sobre si mesma, a partir do verdadeiro.
Sendo assim, ficou determinado para a consciência como é que seu
objeto está constituído, isto é: seu objeto não consiste em ser um
puro apreender simples, mas em ser seu apreender ao mesmo tempo
refletido em si a partir do verdadeiro. Esse retorno da consciência
a si mesma, que - por se ter mostrado essencial ao perceber - se
insere imediatamente no puro apreender, altera o verdadeiro. A
consciência reconhece igualmente esse aspecto como o seu, e o
toma sobre si; e assim fazendo, manterá puro o objeto verdadeiro.
Com isso, sucede agora o que ocorria na certeza sensível; pois
no perceber se apresenta o aspecto de ser a consciência repelida
sobre si mesma. Mas não como se a verdade do perceber incidisse
na consciência - como era o caso na certeza sensível -, pois aqui o
perceber reconhece, ao invés, que a inverdade que ali ocorre recai
nele. A consciência, porém, através desse reconhecimento é capaz,
ao mesmo tempo, de suprassumir essa inverdade: distingue seu
apreender do verdadeiro, da inverdade de seu perceber; corrige-o.
E, à medida que assume, ela mesma, essa correção, a verdade como verdade do perceber - recai de certo na consciência. O
comportamento dessa consciência, a ser tratado de agora em diante,
é de tal modo constituído que a consciência já não percebe, simplesmente; senão que também é cônscia de sua reflexão-sobre-si, e
a separa da simples apreensão.
119- [Ich werde also] Assim primeiro me dou conta da coisa
como Uno e tenho de mantê-la nessa determinação verdadeira; se
algo lhe ocorrer de contraditório no movimento do perceber, isso
deve ser reconhecido como reflexão minha. Agora surgem na
percepção também diversas propriedades - propriedades essas que
parecem ser da coisa. Só que a coisa é Uno, e estamos conscientes
de que recai em nós essa diversidade pela qual a coisa deixa de ser
Uno.
De fato, essa coisa é branca só para nossos olhos, e também
tem gosto salgado para nossa língua, é também cúbica para nosso
tato etc. Toda a diversidade desses aspectos, não tomamos da coisa,
mas de nós. Para nós, em nossos olhos, incidem totalmente diversos
um do outro, do que são para nosso paladar etc. Somos assim o
meio universal onde esses momentos se separam e são para si. Por
conseguinte, já que consideramos como nossa reflexão a determinidade de ser meio universal, mantemos a igualdade-consigo-mesma e a verdade da coisa: a de ser Uno.
120 - [Diese verschiedenen] Mas esses diversos aspectos que
a consciência assume são determinados - se considerados cada um
para si como no meio universal se encontram. O branco só é em
oposição ao preto etc; e a coisa só é Uno justamente porque se
opõe às outras. Mas não exclui de si as outras porque seja uno - já
que ser Uno é o universal relacionar-se-consigo-mesmo -, e sim
devido à determinidade. Assim, as próprias coisas são determinadas
em si e para si; têm propriedades pelas quais se diferenciam das
outras. Porque a propriedade é a propriedade própria da coisa, ou
uma determinidade nela mesma, a coisa possui um número de
propriedades. Com efeito: 1º - A coisa é o verdadeiro - é em si
mesma. O que nela está, está nela como sua essência, e não por
causa de outros. 2o - Portanto, são propriedades determinadas não só por causa de outras coisas e para outras coisas -, mas são
na própria coisa. Porém só são nela propriedades determinadas,
enquanto são numerosas e diferentes entre si. 3o - Enquanto estão
na coisidade, as propriedades são em si e para si, e indiferentes
umas às outras. Portanto, na verdade, é a própria coisa que é
branca, e também cúbica, e também tem sabor de sal etc. Ou seja:
a coisa é o também, o meio universal, no qual as propriedades
subsistem, fora uma da outra, sem se tocarem e sem se suprassumirem. Tomada assim, a coisa é "tomada como o verdadeiro" [percebida].
121 - [Bei diesen Wahrnehmen] Agora, nesse perceber, a
consciência ao mesmo tempo se dá conta de que também se reflete
em si mesma, e de que ocorre no perceber o momento oposto ao
também. Mas esse momento é a unidade da coisa consigo mesma,
que exclui de si a diferença. Por isso é essa unidade que a consciência deve assumir: pois a própria coisa é o subsistir de muitas
propriedades diversas e independentes. Diz-se, portanto, da coisa:
é branca e também cúbica e também tem sabor de sal etc. Mas
enquanto branca não é cúbica, e enquanto cúbica e também branca
não tem sabor de sal etc. O colocar-se-em-uma-só dessas propriedades incumbe à consciência somente; que não deve portanto fazer
que na coisa coincidam no Uno. Com esse fim, a consciência ali
introduz o enquanto, mediante o qual as mantém separadas umas
das outras, e mantém a coisa como o também. Com toda a razão,
o ser-uno é assumido pela consciência e dessa forma, o que se
chama propriedade, vem a ser representado como matéria livre. A
coisa é elevada, dessa maneira, a um verdadeiro também, enquanto
se torna uma coleção de "matérias"; e, em vez de ser Uno, fica sendo
uma simples superfície envolvente.
122 - [Sehen wir zurück] Reexaminando o que a consciência
antes assumia e o que assume agora, o que atribuía antes à coisa e
o que agora lhe atribui, ressalta que a consciência faz, alternadamente, ora de si, ora da coisa, tanto o Uno puro sem-pluralidade,
como um também dissolvido em "matérias" independentes. A consciência acha, através dessa comparação, que não é apenas seu
"tomar do verdadeiro" [perceber], que nele possui a diversidade do
apreender e do retornar a si, mas antes, é o próprio verdadeiro - a
coisa - que se apresenta dessa dupla maneira de ser.
Sendo assim, é isto o que está presente através dessa experiência: a coisa se apresenta de um modo determinado, mas ela está,
ao mesmo tempo, fora do modo como se apresenta, e refletida sobre
si mesma. Quer dizer: a coisa tem nela mesma uma verdade oposta.
123 - [Das Bewusstsein] Assim a consciência saiu também
desse segundo momento do perceber, que era tomar a coisa como
o verdadeiro Igual-a-si mesmo, e ao contrário, tomar-se a si mesma
como o desigual; como o que retorna a si [saindo] para fora da
igualdade. O objeto agora é para ela o movimento todo, antes
dividido entre o objeto e a consciência. A coisa é o Uno, sobre si
refletida; é para si, mas também é para um Outro. Na verdade, é
um outro para si, como o é para um Outro.
A coisa, portanto, é para si e também para um Outro, um ser
diverso duplicado; mas é também Uno. Mas o ser-Uno contradiz
essa sua diversidade. A consciência deveria, pois, retomar sobre si
esse "pôr-em-um-só" e mantê-lo afastado da coisa; deveria, assim,
dizer que a coisa, enquanto é para si, não é para Outro. Entretanto,
o ser-Uno também compete à coisa, como a consciência já o
experimentou: a coisa é essencialmente refletida sobre si. Portanto,
recai igualmente na coisa o também, ou a diversidade indiferente,
assim como o ser-Uno. Mas, já que os dois diferem, não [incidem]
na mesma coisa, e sim, em coisas diversas.
A contradição, que está na essência objetiva em geral, dividese em dois objetos. Assim a coisa é mesmo - em si e para si - igual
a si mesma; mas essa unidade consigo mesma é estorvada por outras
coisas. A unidade da coisa desse modo é preservada; mas o é
igualmente o ser-Outro, tanto fora dela como fora da consciência.
124 - [Ob nun zwar] Embora a contradição da essência
objetiva se distribua, assim, entre coisas diversas, a diferença, no
entanto, deve situar-se na própria coisa singular e isolada. Desse
modo, as coisas diversas são postas para si, e o conflito recai nelas
com tanta reciprocidade que cada uma é diversa não de si mesma,
mas somente da outra. Ora, com isso, cada coisa se determina como
sendo ela mesma algo diferente, e tem nela a distinção essencial em
relação às outras; mas ao mesmo tempo não tem em si essa
diferença, de modo que fosse uma oposição nela mesma. Ao
contrário: é para si uma determinidade simples, a qual constitui seu
caráter essencial, distinguindo-a das outras. De fato, já que a
diversidade está na coisa, sem dúvida está nela necessariamente
como diferença efetiva de constituição multiforme. Sendo porém
que a determinidade constitui a essência da coisa - pela qual se
diferencia das outras e é para si, essa constituição diversa e multiforme é o inessencial. De certo, a coisa tem por isso, na sua unidade,
o duplo enquanto, mas com desigual valor; pelo que esse ser-oposto
não se torna assim oposição efetiva da própria coisa; mas, à medida
que ela chega à oposição através de sua diferença absoluta, tem a
oposição em confronto com outra coisa exterior a ela. Aliás, a
múltipla variedade está também na coisa, necessariamente, de
modo que não é possível ficar separada dela; [e] contudo lhe é
inessencial.
125 - [Diese Bestimmtheit] Agora essa determinidade - que
constitui o caráter essencial da coisa, e a diferencia de todas as
demais - se determina assim: por ela a coisa está em oposição às
outras, mas nessa oposição deve manter-se para si. Porém somente
é coisa - ou Uno para si essente - enquanto não está nessa relação
com as outras, pois nessa relação o que se põe é antes a conexão
com o Outro; e a conexão com Outro é o cessar do ser-para-si.
Mediante o caráter absoluto, justamente, e de sua oposição, ela se
relaciona com outras, e, essencialmente, é só esse relacionar-se. A
relação porém é a negação de sua independência, e a coisa antes
desmorona através de sua propriedade essencial.
126 - [Die Notwendigkeit] A necessidade da experiência para
a consciência - de que a coisa desmorona justo através da determinidade que constitui sua essência e seu Ser-para-si - pode ser
tratada brevemente conforme seu conceito simples. A coisa é posta
como ser-para-si, ou como negação absoluta de todo ser-outro;
portanto, como negação absoluta que só consigo se relaciona. Mas
a negação que se relaciona consigo é o suprassumir de si mesma;
ou seja, é ter sua essência em um Outro.
127 - [In der Tat enthält] De fato, nada mais contém a
determinação do objeto tal como ele se apresentou: deve possuir
uma propriedade essencial que constitui seu ser-para-si simples,
porém nessa simplicidade deve também ter nele mesmo a diversidade que sem dúvida é necessária mas não deve constituir a
determinidade essencial. Contudo, essa é uma distinção que só
reside nas palavras: o inessencial que ao mesmo tempo deve ser
necessário suprassume a si mesmo. Ou seja: é aquilo que acima se
chamou "negação de si mesmo".
128 - [Es fallt hiermit] Sendo assim, fica descartado o último
enquanto, que separava o ser-para-si e o ser-para-Outro. O objeto
é, antes, sob o mesmo e único ponto de vista, o oposto de si mesmo:
para si, enquanto é para Outro; e para Outro, enquanto é para si.
E para si, em si refletido, Uno; mas esse para si, em si refletido,
ser-Uno, está em uma unidade com seu oposto - o ser para um
Outro. E portanto posto apenas como suprassumido, ou seja: esse
ser-para-si é tão inessencial quanto aquele, que só deveria ser o
inessencial, isto é, a relação com Outro.
129 - [Der Gegenstand ist] O objeto é, por conseguinte,
suprassumido em suas puras determinidades - ou nas determinidades que deveriam constituir sua essencialidade -, assim como
em seu ser sensível se tinha tornado um suprassumido. Tornou-se
um universal a partir do ser sensível; porém esse universal, por se
originar do sensível, é essencialmente por ele condicionado, e por
isso, em geral, não é verdadeiramente igual-a-si-mesmo, mas é uma
universalidade afetada de um oposto; a qual se separa, por esse
motivo, nos extremos da singularidade e da universalidade, do Uno
das propriedades e do também das matérias livres. Essas determinidades puras parecem exprimir a essencialidade mesma, mas são
apenas um ser-para-si que está onerado de um ser para um Outro.
No entanto, já que ambos estão essencialmente em uma unidade,
assim está presente agora a unidade absoluta incondicionada - e
só aqui a consciência entra de verdade no reino do entendimento.
130 - [Die sinnliche Einzelheit] Assim, a singularidade sensível desvanece, sem dúvida, no movimento dialético da certeza
imediata e se torna universalidade - mas só universalidade sensível.
Desvaneceu o 'visar' [da certeza sensível] e o perceber toma o objeto
tal como ele é em si, ou como universal em geral. A singularidade
ressalta, pois, nele como a singularidade verdadeira, como ser-em-si
do Uno, ou como ser-refletido em si mesmo. Mas ainda é um
ser-para-si condicionado, ao lado do qual um outro ser-para-si
aparece: a universalidade oposta à singularidade e por ela condicionada. Porém esses dois extremos, que se contradizem, não
apenas estão lado a lado, mas estão em uma unidade, ou, o que é
o mesmo, o ser-para-si - o que há de comum a ambos - está
onerado em geral por seu oposto; quer dizer: ao mesmo tempo não
é um ser-para-si.
A sofistaria da percepção procura salvar de sua contradição
esses momentos e mantê-los por meio da diferenciação dos pontos
de vista, por meio do também e do enquanto, assim como procura
finalmente apreender o verdadeiro mediante a distinção entre o
inessencial e uma essência que lhe é oposta. Só que tais expedientes,
em vez de afastar a ilusão no [ato de] apreender, antes se revelam
mesmo como nulos. O verdadeiro que deve ser obtido por essa
lógica da percepção mostra ser o oposto, sob o mesmo e único
ponto de vista; e assim, [mostra] ter por sua essência a universalidade indistinta e indeterminada.
131 - [Diese leeren Abstraktionen] Tais abstrações vazias singularidade e universalidade a ela oposta, como também a essência que se enlaça com um inessencial, e um inessencial que aliás, ao
mesmo tempo, é necessário - são as potências cujo jogo é o
entendimento humano percebente, chamado com freqüência "sadio" "senso comum". Ele, que se toma como sólida consciência real,
é, no perceber, apenas o jogo dessas abstrações; e em geral é sempre
o mais pobre onde acredita ser o mais rico. Ao ser agitado por essas
essências de nada, jogado dos braços de uma para os braços da
outra, esforça-se alternadamente, através de suas sofistarias, por
manter estável e afirmar já uma essência, já o seu contrário exatamente, coloca-se contra a verdade; e quanto à filosofia, acha que
só se ocupa com entes de razão.
Sem dúvida, a filosofia lida também com isso, e reconhece os
entes de razão como puras essências, como absolutos elementos e
potências. Mas, sendo assim, reconhece-os, ao mesmo tempo, na
sua determinidade e deles se assenhora; enquanto aquele entendimento percebente os toma pelo verdadeiro, e por eles é jogado de
erro em erro.
O entendimento percebente não chega à consciência de que
tais essencialidades simples são as que nele dominam; mas acredita
estar lidando sempre com matérias e conteúdos perfeitamente sólidos - assim como a certeza sensível não sabe que a abstração vazia
do puro ser é sua essência. Mas de fato, é através dessas essencialidades que o entendimento percebente percorre e traça a matéria
e todo conteúdo; são elas a conexão e a dominação do entendimento. Só elas são para a consciência o que o sensível é como
essência - o que determina as relações da consciência para com o
sensível, e donde procede o movimento do perceber e do seu
verdadeiro.
Esse percurso, uma alternância perpétua entre o determinar
do verdadeiro e o suprassumir desse determinar, constitui a rigor a
vida e a labuta, cotidianas e permanentes, da consciência que-percebe e que acredita mover-se dentro da verdade. Ela procede sem
descanso para o resultado do mesmo suprassumir de todas essas
essencialidades ou determinações essenciais. Porém, em cada momento singular, só está consciente desta única determinidade como
sendo o verdadeiro; logo faz o mesmo com a oposta. Bem que
suspeita de sua inessencialidade; para salvá-las do perigo que as
ameaça, recorre à sofistaria, afirmando agora como o verdadeiro o
que antes afirmava como o não-verdadeiro.
Ora, a natureza dessas essências não-verdadeiras quer propriamente induzir esse entendimento a conciliar - e portanto, a
suprassumir - os pensamentos dessas inessências, ou seja, os pensamentos dessa universalidade e, dessa singularidade do também e
do Uno, daquela essencialidade necessariamente presa a uma
inessencialidade, e de uma inessencialidade que é, contudo, necessária. Mas, ao contrário, o entendimento recalcitra, e apoiando-se
nos enquanto e nos diversos pontos de vista, ou tomando sobre si
um pensamento para mantê-lo separado do outro, e como sendo o
verdadeiro.
Mas a natureza dessas abstrações as reúne em si e para si. O
bom senso é a presa delas, que o arrastam em sua voragem.
Querendo conferir-lhes a verdade, ora toma sobre si mesmo a
inverdade delas, ora chama ilusão uma aparência das coisas indignas de confiança, separando o essencial de algo que lhes é necessário e ainda assim, que-deve-ser-inessencial; e mantém aquele
como sua verdade, frente a este. [Com isso] não salvaguarda para
essas abstrações sua verdade, mas confere a si mesmo a inverdade.
- III -
Força, e entendimento;
Fenômeno e mundo supra-sensível
132- [Dem Bewusstsein] Para a consciência, na dialética da
certeza sensível, dissiparam-se o ouvir, o ver etc. Como percepção
chegou a pensamentos que pela primeira vez reúne no Universal
incondicionado. Se esse incondicionado fosse agora tomado por
essência inerte e simples, nesse caso não seria outra coisa que o
extremo do ser-para-si, posto de um lado; em confronto com ele se
colocaria a inessência; mas nessa relação à inessência seria também
ele inessencial. No entanto surgiu como algo que a si retornou a
partir de um tal ser para si condicionado.
Esse Universal incondicionado, que de agora em diante é o
objeto verdadeiro da consciência, ainda está como objeto dessa
consciência - a qual ainda não apreendeu o conceito como conceito. Importa fazer uma distinção essencial entre as duas coisas: para
a consciência, o objeto retornou a si mesmo a partir da relação para
com um outro, e com isso tornou em-si conceito. Porém a consciência não é ainda, para si mesma, o conceito; e por causa disso não
se reconhece naquele objeto refletido.
Para nós, esse objeto, mediante o movimento da consciência,
passou por um vir-a-ser em que a consciência está de tal modo
implicada que a reflexão é a mesma dos dois lados, ou seja, é uma
reflexão só. No entanto a consciência nesse movimento tinha apenas por conteúdo a essência objetiva, e não a consciência como tal,
de tal sorte que para ela o resultado tem de ser posto numa
significação objetiva e a consciência deve retirar-se do [resultado]
que veio-a-ser - o qual, como algo objetivo, é para ela a essência.
133 - [Der Verstand] Sem dúvida que o entendimento suprassumiu com isso sua própria inverdade e a inverdade do objeto; e o
que lhe resultou em conseqüência foi o conceito do verdadeiro:
como verdadeiro em-si essente, que não é ainda o conceito, ou seja,
ainda está privado do ser para si da consciência: é um verdadeiro
que o entendimento, sem saber que está ali dentro, deixa mover-se
à vontade. Esse verdadeiro dá um impulso à sua essência para si
mesma, de modo que a consciência não tem participação alguma
em sua livre realização; mas, ao contrário, simplesmente o contempla e puramente o apreende.
Nós devemos por isso, antes de mais nada, pôr-nos em seu
lugar e ser o conceito que modela o que está contido no resultado:
somente nesse resultado completamente modelado - que se apresenta à consciência como um essente - ela se torna para si mesma
consciência concebente.
134- [Das Resultat] O resultado foi o Universal incondicionado; de início, no sentido negativo e abstrato, de que a consciência
negava seus conceitos unilaterais e os abstraía; e, a bem dizer, os
abandonava. Mas o resultado tem em si a significação positiva de
que nele está posta imediatamente, como a mesma essência, a
unidade do ser-para-si e do ser-para-outro, ou a oposição absoluta.
À primeira vista, parece que isso concerne só a forma dos momentos, um em relação ao outro; porém o ser para si e o ser para outro
são também o próprio conteúdo, pois a oposição, em sua verdade,
não pode ter nenhuma outra natureza a não ser a que se revela em
seu resultado, a saber: que o conteúdo, tido por verdadeiro na
percepção, pertence de fato somente à forma e se dissolve em sua
unidade.
Esse conteúdo é, ao mesmo tempo, universal: não pode haver
outro conteúdo que por sua constituição peculiar se subtraísse ao
retorno a essa universalidade incondicionada. Um tal conteúdo
seria qualquer modo determinado de ser para si e de se relacionar
com outro. Só que, ser para si e relacionar-se com outro, em geral
constituem a natureza e a essência de um conteúdo cuja verdade é
ser Universal incondicionado; e o resultado é meramente universal.
135 - [Weil aber dies] Porém a diferença entre forma e
conteúdo emerge nesse Universal incondicionado, por ser ele objeto
para a consciência. Na figura do conteúdo, os momentos têm o
aspecto sob o qual inicialmente se apresentavam: o aspecto de
serem, por um lado, um meio universal de muitas "matérias"
subsistentes; e por outro, o uno em si refletido, no qual sua independência se aniquila. O primeiro momento é a dissolução da
independência da coisa, ou a passividade que é um ser para Outro.
O segundo momento é o ser-para-si.
Importa ver como esses momentos se apresentam na universalidade incondicionada, que é sua essência. Antes de tudo, é
evidente que esses momentos pelo fato de só estarem nela, em geral
não podem ficar separados um do outro; mas são essencialmente
lados que neles mesmos se suprassumem; e o que se põe é unicamente o transitar de um para o outro.
136 - [Das eine Moment] Um dos momentos aparece pois
como essência posta de lado, como meio universal ou como o
subsistir das "matérias" independentes. Mas a independência dessas matérias não é outra coisa que esse meio, ou seja: esse universal
é exatamente a multiplicidade desses diferentes universais. Porém,
como o universal está nele mesmo em unidade estreita com essa
multiplicidade, quer dizer que cada uma dessas "matérias" está onde
está a outra; interpenetram-se mas sem se tocarem, já que, inversamente, o Diferente múltiplo é exatamente do mesmo modo independente. Com isso se põe igualmente sua porosidade pura - ou
seu Ser-suprassumido. Por sua vez, esse Ser-suprassumido - ou a
redução dessa diversidade ao puro ser para si - não é outra coisa
que o próprio meio; e esse é a independência das diferenças. Ou
seja: as diferenças, postas como independentes, passam imediatamente à sua unidade e sua unidade imediatamente ao seu desdobramento; e esse novamente, de volta, à redução.
Pois esse movimento é aquilo que se chama força. Um de seus
momentos, a saber, a força como expansão das "matérias" independentes em seu ser é sua exteriorização; porém a força como o
ser-desvanecido dessas "matérias" é a força que, de sua exteriorização, foi recalcada sobre si, ou a força propriamente dita. Mas em
primeiro lugar, a força recalcada sobre si tem de exteriorizar-se; e
em segundo lugar, na exteriorização ela é tanto força em-si mesma
essente, quanto exteriorização nesse ser-em-si-mesmo.
Quando nós mantemos os dois momentos em sua unidade
imediata, então o entendimento - ao qual o conceito de força
pertence - é o conceito propriamente dito, que sustem os momentos
distintos como distintos, pois na força mesma não devem ser
distintos; a diferença, portanto, está só no pensamento. Em outras
palavras: o que acima foi estabelecido foi apenas o conceito de
força, não sua realidade.
Mas, de fato, a força é o Universal incondicionado, que
igualmente é para si mesmo o que é para um Outro; ou que tem
nele a diferença, pois essa não é outra coisa que o ser-para-um-Outro. Assim, para que a força seja em sua verdade, deve ser deixada
totalmente livre do pensamento e posta como substância dessas
diferenças; vale dizer: primeiro, ela, como esta força total, que
permanece essencialmente em si e para si; depois, suas diferenças,
como momentos substanciais, ou como momentos para si subsistentes. A força como tal, ou como recalcada em si, é portanto para
si como um Uno exclusivo, para o qual o desdobramento das
matérias é uma outra essência subsistente; e desse modo são postos
dois lados diferentes e independentes.
Porém a força é também o todo, ou seja: permanece tal como
é segundo seu conceito. Quer dizer: essas diferenças permanecem
puras formas, superficiais momentos evanescentes. As diferenças
entre a força propriamente dita, recalcada sobre si mesma, e o
desdobramento das "matérias" independentes, de fato também não
seriam, se não tivessem uma subsistência; ou, a força não seria se
não existisse sob esses modos contrários. Mas existir sob esses
modos contrários não significa outra coisa senão que os dois
momentos são, ao mesmo tempo, independentes. Assim o que
temos a examinar é esse movimento dos dois momentos, que sem
cessar se fazem independentes para de novo se suprassumirem.
É claro, em geral, que esse movimento não é outra coisa que
o movimento da percepção, no qual ambos os lados - o percebente
e o percebido - são ao mesmo tempo, de uma parte, um só e
indistinto, como o apreender do verdadeiro; mas igualmente de
outra parte, cada lado reflete sobre si, ou é para si. Aqui esses dois
lados são momentos da força: formam também uma unidade,
unidade essa que se manifesta como meio termo em relação a
extremos para si essentes, e se divide sempre de novo justamente
nesses extremos, que são somente por isso.
O movimento, que se apresentava antes como autodestruir-se
de conceitos contraditórios, tem pois aqui a forma objetiva e é
movimento da força; como seu resultado, se produzirá o Universal
incondicionado como [algo] não-objetivo, ou como interior das
coisas.
137 - [Die Kraft ist, wie] A força, como foi determinada representada enquanto tal ou refletida sobre si - é [só] um dos lados
de seu conceito; mas foi posta como um extremo substantivado e,
a bem dizer, sob a determinidade do Uno. Assim o subsistir das
"matérias" desdobradas fica excluído dessa força, e é um Outro que
ela. Já que é necessário que a própria força seja esse subsistir, ou
que se exteriorize, sua exteriorização se apresenta sob a forma de
algum Outro que a aborda e solicita. Mas de fato, enquanto se
exterioriza necessariamente, tem nela mesma o que era posto como
uma outra essência.
Deve-se abandonar [esse modo de ver em] que a força é posta
como um Uno, e sua essência é posta como algo que de fora a
aborda para que se exteriorize. A força é antes, ela mesma, esse
meio universal do subsistir dos momentos como "matérias". Dito de
outro modo: a força [já] se exteriorizou: e o que devia ser o outro
Solicitante é, antes, ela mesma.
Agora, portanto, a força existe como meio das "matérias"
desdobradas. Mas ela tem, de modo igualmente essencial, a forma
do ser-suprassumido das "matérias" subsistentes, ou seja, é essencialmente Uno. Com isso, porém, o ser-Uno é agora um Outro que
ela, já que a força está posta como meio das "matérias" e tem essa
essência fora dela. No entanto, pois tem necessariamente de ser
como ainda não foi posta, esse Outro a aborda e solicita à reflexão
sobre si mesma, ou seja, suprassume sua exteriorização. De fato,
porém, ela mesma é esse ser-refletido-em-si, ou esse ser-suprassumido da exteriorização. O ser-Uno desvanece como aparecia, isto
é, como um Outro, pois ela mesma é isto - ela é a força recalcada
em si mesma.
138 - [Das, was als Anderes] O que surge como Outro e
solicita a força tanto à exteriorização quanto ao retorno a si mesma,
é ele mesmo força, como imediatamente resulta; porquanto o Outro
se mostra quer como meio universal, quer como Uno e ao mesmo
tempo só aparece em cada uma destas figuras como momento
evanescente. Por conseguinte, a força ainda não saiu em geral de
seu conceito, pelo fato de que um Outro é para ela, e ela para um
Outro. Ao mesmo tempo, porém, duas forças estão presentes: e
embora ambas tenham o mesmo conceito, passaram de sua unidade
à dualidade. A oposição, em vez de permanecer de modo totalmente
essencial, um momento apenas, parece ter escapado ao domínio da
unidade por meio do desdobramento em forças totalmente independentes.
Convém examinar mais de perto qual é mesmo a situação
dessa independência. De início, a segunda força se apresenta como
solicitante, e na verdade, quanto a seu conteúdo, como meio
universal perante a força que se determina como solicitada. Mas a
solicitante - por ser essencialmente alternância desses dois momentos, e ela mesma, força - de fato só é igualmente meio universal
quando é solicitada a que o seja. Do mesmo modo, também só é
unidade negativa - ou o que solicita a força ao retornar - por ser
solicitada. Por isso transmuda-se também, nessa troca recíproca de
determinações, a diferença que se estabelecia entre as duas forças,
em que uma devia ser a solicitane, a outra, a solicitada.
139- [Das Spiel der beiden] O jogo das duas forças consiste,
pois, nesse ser-determinado oposto de ambas, em seu ser-para-umoutro nessa determinação, e na absoluta troca imediata das determinações - uma passagem através da qual somente há essas
determinações em que as forças parecem apresentar-se independentemente.
A solicitante, por exemplo, é posta como meio universal; e em
contraste, a solicitada como força recalcada. Mas a primeira só é
meio universal porque a segunda é força recalcada; ou seja, essa
seria antes a solicitante em relação à outra, pois faz que ela se tome
o meio. Aquela só tem sua determinidade mediante a outra; só é
solicitante enquanto pela outra é solicitada a tomar-se solicitante; e
perde também imediatamente essa determinidade que lhe foi dada,
pois passa para a outra; ou melhor, já passou para lá. O estranho
que solicita a força se apresenta como meio universal; mas só porque
foi por ela solicitado a isso. Vale dizer: ela assim o põe, e é bem mais,
ela mesma, essencialmente meio universal. Põe assim o que a
solicita, porque essa determinação lhe é essencial, isto é: porque ela
mesma é, com mais forte razão, essa determinação.
140 - [Zur Vervollständigung] Para levar a cabo a penetração
no conceito desse movimento, podemos ainda fazer notar que as
próprias diferenças se mostram sob uma dupla diferença: primeiro,
como diferenças do conteúdo pois um desses extremos é a força
refletida sobre si mesma; mas o outro, o meio das "matérias".
Segundo, como diferença de forma, enquanto uma é solicitante,
outra, solicitada; aquela ativa, esta passiva. Segundo a diferença do
conteúdo, são diferentes em geral, ou para nós. Mas segundo a
diferença da forma são independentes, separam-se uma da outra
em sua relação e são opostas.
Para a consciência é isso que vem-a-ser [como resultado] na
percepção do movimento da força: os extremos nada são em si,
segundo esses dois lados; mas ao contrário, esses lados em que
deveria subsistir sua essência diferente, são apenas momentos
evanescentes - uma passagem imediata de cada lado para o seu
oposto.
Mas para nós - como se lembrou acima - era [verdade]
também que, em si, as diferenças, como diferenças do conteúdo e
da forma, desvanecem. Do lado da forma, segundo a essência, o
ativo, o solicitante, ou o para-si-essente eram o mesmo que se
apresentava como força recalcada em si, do lado do conteúdo. E o
passivo, o solicitado, ou o essente para um outro, do lado da forma,
é o mesmo que se apresentava como meio universal de múltiplas
matérias" - do lado do conteúdo.
141 - [Es ergibt sich] Resulta daí que o conceito de força se
torna efetivo através da duplicação em duas forças e [o modo] como
se toma tal. Ambas essas forças existem como essências para si
essentes; mas sua existência é um movimento tal, de uma em relação
à outra, que seu ser é antes um puro Ser-oposto mediante um outro;
isto é: seu ser tem, antes, a pura significação do desvanecer.
Essas forças não são extremos que retenham, [cada um] para
si, algo fixo, e que só se transmitam mutuamente uma qualidade
externa no meio termo e no seu contacto. Pelo contrário: só nesse
meio termo e contacto são o que são. Aí estão imediatamente, ao
mesmo tempo, o ser-recalcado ou o ser-para-si da força como sua
exteriorização; tanto está o solicitar quanto o ser-solicitado. Mas
esses momentos por isso não se dividem em dois extremos independentes, tocando-se apenas em seus vértices opostos; se não que
sua essência consiste pura e simplesmente em ser cada um através
do outro, e em deixar de ser imediatamente o que é através do outro,
quando o outro o é. As forças não têm, pois, nenhuma substância
própria que as sustenha e conserve.
O conceito de força se mantém, antes, como a essência em
sua efetividade mesma; a força, como efetiva, está unicamente na
exteriorização que igualmente não é outra coisa que o suprassumirse-a-si-mesma. Essa força efetiva, representada como livre de sua
exteriorização, e para si essente, é a força recalcada em si mesma.
Por sua vez essa determinidade é de fato, como se revelou, apenas
um momento da exteriorização.
A verdade da força permanece, pois, só como pensamento da
mesma, e os momentos dessa efetividade, suas substâncias e seu
movimento desmoronam sem parar numa unidade indiferenciada
- que não é a força recalcada sobre si (pois ela mesma é só um
momento desses), senão que essa unidade é seu conceito, como
conceito.
A realização da força é assim, ao mesmo tempo, a perda da
realidade. A força se tornou, pois, algo totalmente distinto, a saber,
essa universalidade que o entendimento conhece primeiro ou imediatamente como sua essência; e que também se mostra como sua
essência em sua realidade que-deve-ser, nas substâncias efetivas.
142 - [Insofern Wir] Se considerarmos o primeiro universal
como o conceito do entendimento, em que a força não é ainda para
si, então o segundo universal é sua essência, tal como se apresenta
em si e para si. Ou, inversamente: se tomamos o primeiro universal
como o imediato, que deveria ser um objeto efetivo para a consciência, então o segundo universal está determinado como o negativo
da força sensível objetiva. Esse é a força tal como em sua verdadeira
essência é somente enquanto objeto do entendimento. O primeiro
universal seria a força recalcada sobre si, ou a força como substância; mas esse segundo universal é o interior das coisas como interior
- idêntico ao conceito como conceito.
143 - [Dieses wahrhafte Wesen] Essa verdadeira essência das
coisas está agora determinada de maneira que não é imediatamente
para a consciência, senão que essa tem uma relação mediata com
o interior; e, como entendimento, divisa através desse meio termo,
que é o jogo de forças, o fundo verdadeiro das coisas.
O meio termo que encerra juntos os dois extremos - o
entendimento e o interior - é o ser da força desenvolvido, que
doravante é para o entendimento mesmo, um evanescente. Por isso
se chama fenômeno; pois a aparência é o nome dado ao ser que
imediatamente é em si mesmo um não-ser. Porém, não é apenas
um aparecer, mas sim fenômeno, uma totalidade do aparecer. Essa
totalidade como totalidade ou universal é o que constitui o interior:
o jogo de forças como sua reflexão sobre si mesmo.
Para a consciência, as essências da percepção estão nele
postas de maneira objetiva, tais como são em si, isto é: como
momentos cambiantes que se transmudam imediatamente em seu
contrário, sem descanso nem ser: o Uno, imediatamente no universal; o essencial, imediatamente no inessencial, e vice-versa. Esse
jogo de forças é, pois, o Negativo desenvolvido; mas sua verdade
é o positivo, a saber, o universal, ou o objeto em-si-essente.
Para a consciência, o ser deste [objeto] é mediado pelo
movimento do fenômeno; movimento em que o ser da percepção
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e o Sensível objetivo têm, em geral, somente uma significação
negativa; e assim, a consciência a partir dele se reflete em si como
no verdadeiro. Mas como é consciência, torna a fazer do verdadeiro
um Interior objetivo: distingue, de sua reflexão em si mesma, a
reflexão das coisas; como também, para ela, o movimento mediador
é ainda um movimento objetivo.
Portanto, esse interior é para a consciência como um extremo
a ela oposto. Mas é também, para ela, o verdadeiro porque nele tem
como no Em-si, ao mesmo tempo, a certeza de si mesma, ou o
momento do ser-para-si; embora não esteja ainda consciente desse
fundamento, pois o ser-para-si, que o interior deveria ter nele, não
seria outra coisa que o movimento negativo. Para a consciência,
porém, esse movimento negativo ainda é o fenômeno objetivo
evanescente - não ainda seu próprio ser-para-si. O interior, portanto, é para ela o conceito; mas a consciência ainda não conhece a
natureza do conceito.
144 - [In diesen innerem Wahren] Nesse Verdadeiro interior,
como no Absoluto-Universal - que expurgado da oposição entre
universal e singular veio-a-ser para o entendimento -, agora, pela
primeira vez, descerra-se sobre o mundo sensível como o mundo
aparente, um mundo supra-sensível como o verdadeiro. Patenteiase sobre o aquém evanescente o além permanente: um Em-si que
é a primeira, e portanto inacabada, manifestação da razão; ou seja,
apenas o puro elemento, em que a verdade tem sua essência.
145 - [Unser Gegenstand] Nosso objeto é assim, daqui em
diante, o silogismo que tem por extremos o interior das coisas e o
entendimento, e por meio termo, o fenômeno. Pois o movimento
desse silogismo dá a ulterior determinação daquilo que o entendimento divisa através desse meio termo, e a experiência que faz sobre
esse comportamento do Ser-concluído-junto [com ele].
146- [Noch ist das] Para a consciência, o interior é ainda um
puro Além, porquanto nele não encontra ainda a si mesma: é vazio,
por ser apenas o nada do fenômeno, e positivamente [ser] o
Universal simples. Essa maneira de ser do interior está imediatamente em consonância com [a opinião de] alguns, de que o
interior é incognoscível; só que o motivo disso deveria ser entendido
diversamente.
Sem dúvida, não pode haver nenhum conhecimento desse
interior, tal como ele aqui é imediatamente; não porque a razão seja
míope ou limitada, ou como queiram chamá-la (a propósito, nada
sabemos aqui, pois não penetramos ainda tão fundo), mas pela
simples natureza da Coisa mesma: justamente porque no vácuo
nada se conhece; ou, expressando do outro lado, porque esse
interior é determinado como o além da consciência.
Obtém-se o mesmo resultado colocando um cego entre as
riquezas do mundo supra-sensível (se é que as tem, quer se trate do
conteúdo próprio desse mundo, quer da consciência desse conteúdo), ou então [pondo] um homem que tenha visão no meio das
trevas puras, ou, se preferem, da pura luz (caso o mundo supra-sensível seja isso). O homem que tem vista enxergará tão pouco em sua
luz quanto em suas puras trevas - exatamente como o cego na
abundância das riquezas que se estendem diante dele.
Se nada mais houvesse a fazer com o interior e o ser-concluído-junto com ele através do fenômeno, somente restaria ater-se ao
fenômeno, isto é: tomar por verdadeiro algo que sabemos não ser
verdadeiro [para preencher este vazio]. Um vazio que veio a ser,
primeiro, como o esvaziamento das coisas objetivas, mas que sendo
esvaziamento em si, deve ser tomado como esvaziamento de todas
as relações espirituais e diferenças da consciência como consciência.
Para que haja algo nesse vazio total, que também se denomina
sagrado, há que preenchê-lo, ao menos com devaneios: fenômenos
que a própria consciência para si produz. Deveria ficar contente de
ser tão maltratado, pois nada merece de melhor. Afinal, os próprios
devaneios ainda valem mais que seu esvaziamento.
147 - [Das Innere oder] Mas o interior, ou Além supra-sensível, [já] surgiu: provém do fenômeno, e esse é sua mediação. Quer
dizer: o fenômeno é sua essência, e de fato, sua implementação. O
supra-sensível é o sensível e o percebido postos tais como são em
verdade; pois a verdade do sensível e do percebido é serem fenômeno. O supra-sensível é, pois, o fenômeno como fenômeno.
Nesse caso, pensar que o supra-sensível é por isso o mundo
sensível, ou o mundo tal como é para a certeza sensível imediata e
para a percepção, é um entender distorcido: porque o fenômeno
não é de fato o mundo do saber sensível e do perceber como
essente, mas esse mundo como suprassumido ou posto em verdade
como interior. Costuma dizer-se que o supra-sensível não é o
fenômeno; mas, com isto, não se entende por fenômeno o fenômeno e sim o mundo sensível como a própria efetividade real.
148 - [Der Verstand, welcher] O entendimento, que é nosso
objeto, encontra-se agora neste ponto exato, onde primeiro o
interior veio-a-ser para ele somente como o Em-si universal ainda
não-implementado. O jogo de forças tem precisamente esta signifi-
cação negativa: não ser em si; e só esta positiva: ser o mediatizante,
mas fora do entendimento. Porém sua relação para com o interior,
através da mediação, é seu movimento por meio do qual o interior
se implementará para o entendimento.
O jogo de forças é imediatamente para o entendimento;
|)orém o verdadeiro para ele é o interior simples; por isso também
o movimento da força somente é o verdadeiro como algo simples,
em geral.
Vimos porém, no que toca a esse jogo de forças, que possui
esta característica: a força solicitada por outra é também solicitante
em relação a ela; a qual, por isto mesmo, se converte em solicitante.
Aqui ocorre também só a troca imediata ou o permutar absoluto da
determinidade que constitui o único conteúdo do que aparece: ou
ser meio universal, ou ser unidade negativa.
No seu próprio aparecer determinado, ele deixa imediatamente de ser tal como aparecia - através de seu aparecer determinado, solicita o outro lado, que por isso se exterioriza; quer dizer:
este lado agora é imediatamente o que o primeiro deveria ser. Os
dois lados - a situação de solicitar e a situação de conteúdo
determinado oposto - são, cada um para si, a inversão e a troca
absolutas. Porém, essas duas situações, por sua vez, são de novo a
mesma coisa; e a diferença de forma - ser o solicitante e ser o
solicitado - é o mesmo que a diferença de conteúdo: o solicitado
como tal, a saber, o meio passivo; o solicitante, ao contrário, o ativo,
a unidade negativa, ou o Uno.
Por conseguinte, desvanece toda a diferença entre forças
particulares que deveriam estar presentes nesse movimento, uma
frente à outra, em geral, já que tinham por base apenas aquelas
diferenças. Igualmente, a diferença das forças converge, junto com
as duas diferenças, numa diferença única.
Assim, nessa mudança absoluta, não há nem força, nem
solicitar ou ser-solicitado, nem a determinidade do meio subsistente
e a unidade em si refletida, nem algo singular para si, nem diversas
oposições. Pois o que aí unicamente existe é a diferença como
universal, ou como uma diferença tal que as múltiplas oposições
ficaram a ela reduzidas.
Esta diferença como universal é, portanto, o simples no jogo
da força mesma, e o verdadeiro desse jogo. A diferença é a lei da
força.
149 - [Zu dem einfachen] Através de sua relação com a
simplicidade do interior ou do entendimento, o fenômeno absolutamente cambiante vem-a-ser diferença simples. Inicialmente, o
interior é apenas o universal em-si; mas esse Universal em-si simples
é essencialmente e também absolutamente, a diferença universal,
por ser o resultado da mudança mesma, ou a mudança é sua
essência, mas a mudança como posta no Interior como é em
verdade, e por isso nele recebida como sendo também absolutamente universal, tranqüilizada e permanecendo igual a si mesma.
Ou seja: a negação é o momento essencial do Universal; ela - ou a
mediação - é assim, no Universal, diferença universal. Essa se
exprime na lei como imagem constante do fenômeno instável. O
mundo supra-sensível é, portanto, um tranqüilo reino das leis;
certamente, além do mundo percebido, pois esse só apresenta a lei
através da mudança constante; mas as leis estão também presentes
no mundo percebido, e são sua cópia imediata e tranqüila.
150 - [Dies Reich der Gesetze] Este reino das leis é de certo
a verdade do entendimento que tem o conteúdo na diferença que
está na lei; mas ao mesmo tempo, é só sua primeira verdade, não
preenche completamente o fenômeno. A lei está nele presente, mas
não é toda a sua presença: sob situações sempre outras, tem sempre
outra efetividade. Portanto, resta ao fenômeno para si, um lado que
não está no interior; ou, o fenômeno ainda não está posto em
verdade como fenômeno, como ser-para-si suprassumido.
Esse defeito da lei tem de ressaltar também nela. O que parece
faltar-lhe é que, embora tenha em si a diferença mesma, só a tem
como universal, indeterminada. Porém enquanto não é a lei em
geral, mas uma lei, tem nela a determinidade, e assim se dá uma
pluralidade indeterminada de leis. Só que essa pluralidade mesma
é antes um defeito: contradiz precisamente o princípio do entendimento para o qual, como consciência do interior simples, o verdadeiro é a unidade em si universal.
Portanto, o entendimento deve fazer coincidir as múltiplas leis
numa lei só. Assim, por exemplo, a lei da queda da pedra e a lei do
movimento das esferas celestes foram concebidas como uma só lei.
Mas com esse coincidir, as leis perdem sua determinidade; a lei se
toma mais superficial e, de fato, por aí não se encontra a unidade
destas leis determinadas, mas sim uma lei que deixa de lado sua
determinidade, como a lei única que reúne em si a lei da queda dos
corpos sobre a terra, e a do movimento celeste não exprime de fato
as duas leis.
A unificação de todas as leis na atração universal não exprime
conteúdo mais amplo que justamente o mero conceito da lei mesma,
que aí se põe como essente. A atração universal diz apenas que tudo
tem uma diferença constante com Outro. O entendimento pensa ter
aí descoberto uma lei universal, que exprime a universal efetividade
como tal. Mas, na verdade, só encontrou o conceito da lei mesma.
É como se dissesse que em si mesma toda efetividade é regida-porlei. A expressão da atração universal tem, por isso, grande importância; enquanto dirigida contra a representação carente-de-pensamento para a qual tudo se apresenta sob a figura do contingente, e
a determinidade tem a forma da independência sensível.
151 - [Es steht somit] Por conseguinte, a atração universal ou o conceito puro de lei - contrasta com as leis determinadas.
Enquanto esse puro conceito é considerado como a essência ou o
verdadeiro interior, a determinidade da lei mesma determinada
ainda pertence ao fenômeno, ou antes, ao ser sensível. Todavia, o
conceito puro da lei não só ultrapassa a lei que como uma lei
determinada contrasta com outras leis determinadas - mas ultrapassa ainda a lei como tal. Propriamente, a determinidade de que se
falava é apenas momento evanescente, que não pode mais apresentar-se aqui como essencialidade, pois só está presente a lei como
o verdadeiro; porém o conceito de lei se voltou contra a lei mesma.
É justamente na lei que a diferença é captada imediatamente
e acolhida no universal; mas com isso [também] um subsistir dos
momentos cuja relação ela exprime como essencialidades indiferentes e em-si-essentes. Ao mesmo tempo, porém, essas partes da
diferença na lei são, por sua vez, lados determinados. O conceito
puro da lei, como atração universal, deve entender-se em seu
verdadeiro sentido, de que nesse conceito como no Simples absoluto, as diferenças que ocorrem na lei como tal retornam de novo
ao interior, como unidade simples; esta unidade é a necessidade
interior de lei.
152 - [Das Gesetz ist dadurch] A lei está portanto presente de
duas maneiras: uma vez como lei, em que as diferenças são expressas como momentos independentes; outra vez, na forma do simples
Ser-retomado-a-si-mesmo, que de novo pode chamar-se força;
contanto que não se entenda a força recalcada mas a força em geral
ou o conceito de força: uma abstração que arrasta para si as
diferenças do que atrai e do que é atraído. Assim, por exemplo, a
eletricidade simples é a força; mas a expressão da diferença incumbe
à lei: essa diferença é eletricidade positiva e negativa.
No movimento da queda, a força é o simples; a gravidade, a
qual tem como lei que as grandezas dos diversos momentos do
movimento - o tempo decorrido e o espaço percorrido - se relacionem mutuamente como a raiz e o quadrado. A eletricidade mesma
não é diferença em si, ou seja, em sua essência não se encontra a
dupla-essência de eletricidade positiva e negativa. Por isso me diz
comumente que ela tem a lei de ser dessa maneira, ou então que
tem a propriedade de se exteriorizar assim. Essa propriedade é de
fato a propriedade essencial e única da força, ou ela lhe é necessária.
Mas a necessidade é aqui uma palavra vazia: a força deve desdobrar-se assim, justamente porque deve. Certamente, se a eletricidade positiva é posta, também a negativa é, em si, necessária; porque
o positivo é somente como relação a um negativo, ou seja, o positivo
é nele mesmo a diferença de si mesmo, como também o negativo.
Mas não é necessário em si que a eletricidade enquanto tal se
divida assim. Como força simples, é indiferente diante de sua lei ser
como positiva e negativa. Chamemos o necessário, seu conceito, e
a lei, seu ser: então, seu conceito é indiferente em relação a seu ser;
ela tem somente essa propriedade - o que significa precisamente
que isso não lhe é, em si, necessário.
Essa indiferença toma outra forma quando se diz que pertence
à definição da eletricidade ser como positiva e negativa, ou que isso
é, meramente, seu conceito e essência. Então, seu ser designaria sua
existência em geral; mas naquela definição não está contida a
necessidade de sua existência: ela, ou é porque a encontram, logo,
não é nada necessária, ou então, sua existência é por meio de outras
forças; logo, sua necessidade é uma necessidade externa. Mas,
fazendo por isso recair a necessidade na determinidade do ser por
meio de Outro, caímos de novo na pluralidade das leis determinadas, que antes tínhamos abandonado, para considerar a lei como
lei. Somente com essa se deve comparar seu conceito como conceito, ou sua necessidade, que aliás, em todas essas formas, só tinha
se mostrado para nós ainda como palavra vazia.
153- [Noch auf andere] A indiferença da lei e da força - ou
do conceito e do ser - está presente ainda de modo diverso do
indicado. Na lei do movimento, por exemplo, é necessário que esse
se divida em tempo e espaço, ou também em distância e velocidade.
Sendo apenas relação entre esses momentos, o movimento como
universal está, sem dúvida, dividido em si mesmo; mas então essas
partes, tempo e espaço, distância e velocidade, não exprimem nelas
sua origem [comum] do Uno: são indiferentes entre si, o espaço é
representado como se pudesse ser sem o tempo; o tempo, sem o
espaço; e a distância, sem a velocidade pelo menos; assim como
suas grandezas são indiferentes entre si, já que não se relacionam
como positivo e negativo e portanto não estão ligadas uma à outra
através de sua essência. Sem dúvida, a necessidade da divisão está
aqui presente, mas não a das partes como tais, uma em relação à
outra. Por isso, também, aquela primeira necessidade é apenas uma
falsa necessidade ilusória; quer dizer, o movimento mesmo não é
represenado como algo simples, ou como pura essência, se não
como já dividido. Tempo e espaço são suas partes independentes
ou essências nelas mesmas; distância e velocidade são maneiras de
ser ou de representar que bem podem dar-se uma sem a outra - e,
portanto, o movimento é somente sua relação superficial, e não sua
essência. O movimento, representado como essência simples, ou
como força, é justamente a gravidade, a qual porém não contém
nela essas diferenças em geral.
154- [Der Unterschied] Assim, nos dois casos, a diferença
não é nenhuma diferença em si mesma; seja que o universal, a força,
é indiferente em relação à divisão que está na lei; ou seja, que as
diferenças, partes da lei, são indiferentes umas em relação às outras.
Mas o entendimento tem o conceito dessa diferença em si, justamente porque a lei, de uma parte, é o interior, o em-si-essente; mas
é, ao mesmo tempo, o que é distinto nele. Que esta diferença seja
uma diferença interna, está dado no fato de ser a lei uma força
simples, ou ser como conceito dessa diferença; portanto, uma
diferença de conceito.
Mas essa diferença interna por ora recai exclusivamente no
entendimento; não está ainda posta na Coisa mesma. Assim, o que
o entendimento exprime é somente sua própria necessidade; uma
diferença que, portanto, só estabelece enquanto ao mesmo tempo
exprime que não é nenhuma diferença da Coisa mesma. Essa
necessidade que só reside nas palavras, é desse modo a enumeração
dos momentos que formam o círculo da necessidade. São diferentes,
sem dúvida; mas se exprime ao mesmo tempo, não serem diferença
nenhuma da Coisa mesma, e assim são logo de novo suprassumidos. Esse movimento se denomina explicar.
Uma lei é enunciada, pois. Dela se distingue, como força, seu
universal em si ou o fundamento. Mas essa diferença se diz que não
é nenhuma, senão antes que o fundamento é exatamente constituído como lei. Por exemplo: o evento singular do raio é apreendido
como universal e esse universal, enunciado como a lei da eletricidade - a explicação assim abarca a lei condensando-a na força,
como a essência da lei. Está portanto essa força de tal modo
constituída que ao exteriorizar-se surgem eletricidades opostas, que
tornam a desvanecer, uma na outra. Quer dizer: a força está
constituída exatamente como a lei: diz-se que ambas não são, em
nada, diferentes. As diferenças são a pura exteriorização universal
ou a lei, e a pura força; as duas têm o mesmo conteúdo, a mesma
constituição. Assim é descartada de novo a diferença como diferença de conteúdo, isto é, da Coisa.
155- [In dieser tautologischen] Nesse movimento tautológico, o entendimento, como resulta, persiste na unidade tranqüila de
seu objeto, e o movimento só recai no entendimento, não no objeto:
é um explicar que não somente nada explica, como também é tão
claro que ao fazer tenção de dizer algo diferente do que já foi dito,
antes nada diz, mas apenas repete o mesmo. Nada de novo resulta
na Coisa mesma através desse movimento que, aliás, só vem à
consideração como movimento do entendimento.
Nós porém nele reconhecemos justamente algo que fazia falta
na lei: a saber, a mudança absoluta mesma. Com efeito: esse
movimento, se o examinamos mais de perto, é imediatamente o
contrário de si mesmo: põe uma diferença que, para nós, não é
diferença nenhuma; e além disso, ele mesmo a suprassume como
diferença.
É a mesma mudança que se apresentava como jogo de forças:
nesse havia a diferença entre solicitante e solicitada, entre a força
exteriorizada e a recalcada sobre si mesma. Porém eram diferenças
que em verdade não eram diferenças nenhumas, e que por isso
tornavam a suprassumir-se imediatamente. O que está presente não
é a mera unidade, de modo que nenhuma diferença seria posta;
mas sim, esse movimento, que faz certamente uma diferença; mas,
por não ser diferença nenhuma, é de novo suprassumida.
Com o explicar, portanto, as mudanças e permutas que antes
estavam fora do interior - só no fenômeno - penetram no próprio
supra-sensível; nossa consciência, porém, se transferiu como objeto
ao outro lado - para o entendimento - e nele experimenta a
mudança.
156 - [Dieser Wechsel] Essa mudança não é ainda uma
mudança da Coisa mesma, mas antes, se apresenta justamente
como mudança pura, já que o conteúdo dos momentos da mudança
permanece o mesmo. Porém, enquanto o conceito como conceito
do entendimento é o mesmo que o interior das coisas, essa mudança
vem-a-ser para o entendimento como lei do interior. Assim, ele
experimenta, como sendo lei do próprio fenômeno, que diferenças
vêm-a-ser que não são diferenças nenhumas, ou que o homônimo
se repele de si mesmo; e também, que as diferenças são apenas tais
que não são nenhumas, e se suprassumem; ou, que o heterônimo
se atrai.
É uma segunda lei cujo conteúdo se opõe ao que antes se
chamava lei (a saber, de que a diferença permanecia constantemente igual a si mesma) - pois essa nova lei exprime, antes, o
tornar-se-desigual do igual, e tornar-se-igual do desigual. O conceito induz a carência-de-pensamento a reunir as duas leis e a tornar-se
consciente de sua oposição. A segunda lei, sem dúvida, é também
uma lei, ou um ser interior igual-a-si-mesmo; mas é antes uma
igualdade-consigo-mesma da desigualdade - uma constância da
inconstância.
No jogo de forças, essa lei se mostrava justamente como esse
transitar absoluto ou como mudança pura: o homônimo, a força, se
decompõe numa oposição que primeiro se manifesta como uma
diferença independente, mas que de fato demonstra não ser diferença nenhuma. Com efeito, é o homônimo que se repele de si
mesmo, e esse repelido se atrai, essencialmente, porque ele é o
mesmo! A diferença estabelecida - já que não é nenhuma - se
suprassume de novo. Com isso se apresenta como diferença da
Coisa mesma, ou como diferença absoluta; e essa diferença da
Coisa é também o mesmo que o homônimo que se repeliu de si e
desse modo põe somente uma oposição que não é nenhuma.
157- [Durch dies Prinzip] Através desse princípio, o primeiro
supra-sensível, o reino tranqüilo das leis, a cópia imediata do mundo
percebido, transmuda-se em seu contrário. A lei era em geral
o-que-permanece-igual consigo, assim como suas diferenças. Agora o que é posto, é que lei e diferenças são, ambas, o contrário delas
mesmas: o igual a si, antes se repele de si; e o desigual a si, antes se
põe como igual a si. De fato, só com essa determinação a diferença
é interior, ou diferença em-si-mesma, enquanto o igual é desigual a
si, e o desigual é igual a si.
Esse segundo mundo supra-sensível é dessa maneira um
mundo invertido; e na verdade, enquanto um lado já estava presente no primeiro mundo supra-sensível, é o inverso desse primeiro.
Com isso, o interior está completo como fenômeno. Pois o primeiro
mundo supra-sensível era apenas a elevação imediata do mundo
percebido ao elemento universal; tinha seu modelo nesse mundo
percebido, que ainda retinha para-si o princípio da mudança e da
alteração. O primeiro reino das leis carecia desse princípio, mas
[agora] o adquire como mundo invertido.
158 - [Nach dem Gesetze] Conforme a lei desse mundo
invertido, o homônimo do primeiro mundo é assim o desigual de si
mesmo; e o desigual desse primeiro mundo é também desigual a ele
mesmo, ou vem-a-ser igual a si. Em momentos determinados, o
resultado será este: o que na lei do primeiro mundo era doce, nesse
Em-si invertido é amargo, e o que naquela lei era negro, nessa é
branco. O que na lei do primeiro era pólo norte do ímã, no seu outro
Em-si supra-sensível (isto é, na Terra) é o pólo sul; e o que ali é pólo
sul aqui é pólo norte. Igualmente, o que na primeira lei da eletricidade é pólo do oxigênio vem-a-ser, na sua outra essência suprasensível, o pólo do hidrogênio. E vice-versa, o pólo do hidrogênio
de lá é aqui pólo do oxigênio.
Numa outra esfera, segundo a lei imediata, a vingança contra
o inimigo é a mais alta satisfação da individualidade ultrajada. Mas
essa lei - segundo a qual devo mostrar-me, como essência, frente a
quem não me trata como essência autônoma e, antes, suprimi-lo
como essência, - se converte através do princípio do outro mundo
no oposto; e a restauração de mim mesmo como essência, mediante
a supressão da essência alheia, se converte em autodestruição.
Porém, se for erigida em lei essa inversão - que é representada
no castigo do crime - será também de novo apenas a lei de um
mundo que tem como sua contrapartida um mundo sensível invertido, no qual se honra o que no outro se despreza, e onde é
ignomínia o que no primeiro é honra. O castigo, que segundo a lei
do primeiro mundo desonra e destrói o homem, transmuda-se, em
seu mundo invertido, no perdão que salvaguarda sua essência e o
leva à honra.
159 - [Oberflächlich angesehen] Visto superficialmente, esse
mundo invertido é o contrário do primeiro; a tal ponto que o
mantém do lado de fora e o repele de si, como uma efetividade
invertida: um, é o fenômeno, mas o outro é o Em-si; um, o mundo
como é para um Outro, o outro, ao contrário, como é para si. Assim,
para utilizar os exemplos anteriores, o que tem sabor doce seria
amargo, propriamente ou no interior da coisa; o que é pólo norte
no ímã efetivo do fenômeno, seria pólo sul no ser interior ou
essencial. O que na eletricidade fenomenal se apresenta como pólo
do oxigênio, seria pólo do hidrogênio na eletricidade não-fenomenal. Ou uma ação que no fenômeno é crime deveria poder ser no
interior uma boa ação propriamente dita (um ato mau, ter uma boa
intenção); o castigo, ser castigo só no fenômeno; mas em si ou num
outro mundo, ser benefício para o transgressor.
Entretanto, tais oposições de "interior e exterior", "fenômeno
e supra-sensível" como de dois tipos de efetividade, aqui já não
ocorrem. As diferenças repelidas não tornam a dividir-se entre duas
substâncias que lhes dêem suporte e confiram um subsistir separado
- por onde o entendimento, surgido do interior, recaísse em sua
posição precedente. Um dos lados, ou uma das substâncias, seria
de novo o mundo da percepção, no qual uma das leis projetaria sua
essência: frente a esse mundo haveria um mundo interior, justamente um certo mundo sensível como o primeiro, mas na representação;
não poderia ser apontado, visto, ouvido, ou saboreado como
mundo sensível e não obstante seria representado como um certo
mundo sensível.
De fato porém, se um dos [termos] postos é algo percebido,
e seu Em-si, como inversão dele, é igualmente algo sensivelmente
representado - nesse caso o amargo, que seria o Em-si da coisa
doce, é uma coisa tão efetiva como ela: é uma coisa amarga. O
negro, que seria o Em-si do branco é um negro efetivo; o pólo norte,
que é o Em-si do pólo sul, é o pólo norte presente no mesmo ímã;
o pólo do oxigênio, que é o Em-si do pólo do hidrogênio, é o pólo
do oxigênio presente na mesma pilha. O crime efetivo tem sua
inversão e seu Em-si como possibilidade na intenção como tal - mas
não numa boa intenção, pois a verdade da intenção é somente o
ato mesmo.
Todavia, segundo seu conteúdo, o crime tem sua reflexão
sobre si - ou sua inversão - no castigo efetivo, o qual é a reconciliação da lei com a efetividade que se lhe opôs no crime. Enfim, o
castigo efetivo tem sua efetividade invertida nele mesmo: uma
efetivação tal da lei que através dela a atividade, que tem por castigo,
se suprassume a si mesma. A lei, de ativa que era, volta a ser lei
tranqüila e vigente, e se extinguem o movimento da individualidade
contra a lei e o movimento da lei contra a individualidade.
160 - [Aus der Vorsteüung] Assim, da representação da
inversão que constitui a essência de um dos lados do mundo
supra-sensível, deve-se manter longe a representação sensível da
consolidação das diferenças num distinto elemento do subsistir:
[deve-se] representar e aprender em sua pureza esse conceito
absoluto da diferença como diferença interior - o repelir-se fora de
si mesmo do homônimo como homônimo, e o ser-igual do desigual
enquanto desigual. Há que pensar a mudança pura, ou a oposição
em si mesma: a contradição.
Com efeito, na diferença que é uma diferença interior, o
oposto não é somente um dos dois - aliás seria um essente, e não
um oposto; mas sim o oposto de um oposto, ou seja, nele está dado
imediatamente o Outro. Ponho, na certa, o contrário do lado de cá;
e, do lado de lá, o Outro de que é o contrário; portanto de um lado,
o contrário em si e para si sem o Outro. Mas, justamente porque
tenho o contrário em si e para si, é o contrário de si mesmo, ou seja,
já tem de fato o Outro imediatamente em si mesmo.
Assim o mundo supra-sensível, que é o mundo invertido, tem,
ao mesmo tempo, o outro mundo ultrapassado, e dentro de si
mesmo: é para si o invertido, isto é, o invertido de si mesmo; é ele
mesmo e seu oposto numa unidade. Só assim ele é a diferença como
interior, ou como diferença em si mesma, ou como infinitude.
161 - [Durch die Unendlichkeit] Nós vemos que, graças à
infinitude, a lei cumpriu-se em si mesma como necessidade, e que
todos os momentos do fenômeno foram recolhidos ao interior.
Conforme resulta do que precede, o simples da lei é a infinitude, e isto significa [o seguinte]:
a) a lei é um igual-a-si-mesmo, o qual porém é a diferença em
si; ou é homônimo, que se repele de si mesmo, ou se fraciona. O
que se chamava força simples desdobra-se a si mesmo, e é, por sua
infinitude, a lei.
b) a fração, que constitui as partes representadas na lei, se
apresenta como subsistente. Essas partes, consideradas sem o conceito da diferença interior, são o espaço e o tempo, ou a distância
e a velocidade, que surgem como momentos da gravidade. Mas são
também indiferentes e sem necessidade, um em relação ao outro, e
em relação à gravidade mesma; assim como essa gravidade simples
em relação a eles ou a eletricidade simples em relação ao positivo e
ao negativo.
c) entretanto, por meio do conceito de diferença interior, esse
desigual e indiferente, espaço e tempo etc. são uma diferença que
não é diferença nenhuma, ou somente uma diferença de homônimo; e sua essência é a unidade. Em sua relação recíproca são
animados como o positivo e o negativo; mas seu ser consiste antes
em pôr-se como não-ser, em suprassumir-se na unidade. Subsistem
ambos [os termos] diferentes, são em si e são em si como opostos;
isto é, cada qual é o oposto de si mesmo, tem p seu outro nele, e os
dois são apenas uma unidade.
162- [Diese einfache] Esta infinitude simples - ou o conceito
absoluto - deve-se chamar a essência simples da vida, a alma do
mundo, o sangue universal, que onipresente não é perturbado nem
interrompido por nenhuma diferença, mas que antes é todas as
diferenças como também seu Ser-suprassumido; assim, pulsa em si
sem mover-se, treme em si sem inquietar-se. E igual-a-si-mesmo,
pois as diferenças são tautológicas; são diferenças que não são
diferenças nenhumas. Portanto, essa essência igual-a-si-mesma só
a si mesma se refere. A si mesma; eis aí o Outro ao qual a relação
se dirige, e o relacionar-se consigo mesma é, antes, o fracionar-se,
ou, justamente, aquela igualdade-consigo-mesma é a diferença
interior.
Essas frações são por isso em si e para si mesmas. Cada qual
é um contrário - o contrário de um Outro - de forma que em cada
um o Outro já é enunciado ao mesmo tempo que ele. Ou seja: um
não é o contrário de um Outro, mas somente o contrário puro; e
assim, cada um é, em si mesmo, o contrário de si. Ou, de modo
geral, não é um contrário, senão puramente para si, uma pura
essência igual-a-si-mesma, que não tem nela diferença nenhuma.
Assim, não precisamos indagar - e menos ainda considerar como
filosofia a angústia com tal questão, ou então tê-la por insolúvel para
a filosofia - como brota dessa pura essência, e como vem para fora
dela, a diferença ou o Ser-outro; pois já ocorreu o fracionamento,
a diferença foi excluída do igual-a-si-mesmo, e posta de lado. Assim,
o que devia ser o igual-a-si-mesmo, já é antes uma das frações, em
vez de ser a essência absoluta.
O igual-a-si-mesmo se fraciona, o que portanto significa também que se suprassume, já como fração; que se suprassume como
ser-Outro. Costuma-se dizer que a diferença não pode brotar da
unidade; mas de fato a unidade é apenas um momento de fracionamento, é a abstração da simplicidade que defronta a diferença.
Mas por ser abstração, é só um dos opostos, como já se disse. Ela
é o fracionar-se, pois a unidade é um negativo, um oposto; assim é
posta justamente como o que tem nele a oposição.
Por isso, as diferenças entre fracionamento e vir-a-ser-iguala-si-mesmo são também somente esse movimento do suprassumirse. Com efeito, já que o igual-a-si-mesmo, que deve primeiro
fracionar-se ou tornar-se seu contrário, é uma abstração - ou seja,
já é ele mesmo uma fração -, então seu fracionar-se é um supras-
sumir daquilo que ele é, e portanto o suprassumir de seu ser-fração.
O vir-a-ser-igual-a-si-mesmo é também um fracionar-se: o que se
torna igual a si mesmo defronta pois o fracionamento: quer dizer,
põe a si mesmo de um lado, ou vem-a-ser, antes, uma fração.
163 - [Die Unendlichkeit] A infinitude, ou essa inquietação
absoluta do puro mover-se-a-si-mesmo, [faz] que tudo o que é
determinado de qualquer modo - por exemplo, como ser - seja
antes o contrário dessa determinidade. A infinitude já era, sem
dúvida, a alma de tudo o que houve até aqui; mas foi no interior
que primeiro ela mesma brotou livremente. O fenômeno - ou o jogo
de forças - j á a apresentava; mas foi só no explicar que surgiu, livre,
pela primeira vez. Quando a infinitude - como aquilo que ela é finalmente é o objeto para a consciência, então a consciência é
consciência-de-si.
O explicar do entendimento só efetua inicialmente a descrição
do que é a consciência-de-si. Suprassume as diferenças presentes
na lei; as quais, embora já tomadas puras, são ainda indiferentes,
e as põe numa unidade: a força. Mas esse tornar-se-igual é também,
imediatamente, um fracionar-se. De fato, o entendimento, através
disso, suprassume as diferenças e assim põe o Uno da força,
somente enquanto põe uma nova diferença - entre a lei e a força
-, mas que ao mesmo tempo não é diferença nenhuma. E porque
tal diferença também não é diferença nenhuma, o entendimento
prossegue; suprassumindo de novo esta diferença, e fazendo a força
constituída do mesmo modo que a lei.
Mas esse movimento ou necessidade é ainda necessidade e
movimento de entendimento; isto é: não é, como tal, seu objeto.
Com efeito, nesse movimento, o entendimento tem por objetos:
eletricidade positiva e negativa, distância e velocidade, força de
atração e mil coisas mais, que constituem o conteúdo dos momentos
do movimento.
No explicar encontra-se tanta auto-satisfação justamente porque a consciência está, por assim dizer, em imediato colóquio
consigo mesma: só a si desfruta. Embora, sem dúvida, pareça tratar
de outra coisa, de fato está somente ocupada consigo mesma.
164 -[In dem entgegengesetzten] A infinitude certamente se
toma objeto do entendimento na lei oposta - como inversão da
primeira lei - ou na diferença interior; mas o entendimento de novo
falha em atingi-la como infinitude, ao dividir a diferença em si em
dois mundos, ou em dois elementos substanciais: o repelir-se a si
mesmo do homônimo, e os desiguais que se atraem. Para o enten-
dimento, o movimento, tal como é na experiência, é aqui um
acontecer; e o homônimo e o desigual são predicados cuja essência
é um substrato essente. O mesmo que para o entendimento é objeto
em invólucro sensível, para nós é como puro conceito, em sua forma
essencial. Esse apreender da diferença, como é em verdade - ou o
apreender da infinitude enquanto tal, é para nós ou em-si. Pertence
à ciência a exposição do seu conceito; mas a consciência, quando
possui nela imediatamente esse conceito, retoma à cena como
forma própria ou nova figura da consciência; não reconhece sua
essência no que precedeu, mas o considera como algo totalmente
outro.
Enquanto esse conceito de infinitude se tomou seu objeto, ela
é pois consciência da diferença como de uma diferença também
imediatamente suprassumida: a consciência é, para-si-mesma, o
diferenciar do não-diferenciado ou consciência-de-si. Eu me distingo de mim mesmo, e nisso é imediatamente para mim que este
diferente não é diferente. Eu, o homônimo, me expulso de mim
mesmo; mas este diferente, este posto-como-desigual, é imediatamente, enquanto diferente, nenhuma diferença para mim.
Sem dúvida, a consciência de um Outro, de um objeto em
geral, é necessariamente consciência-de-si, ser refletido em si, consciência de si mesma em seu ser-outro. O processo necessário das
figuras anteriores da consciência - cuja verdade era uma coisa, um
Outro que elas mesmas - exprime exatamente não apenas que a
consciência da coisa só é possível para a consciência-de-si, mas
também que só ela é a verdade daquelas figuras. Contudo é só para
nós que essa verdade está presente: não ainda para a consciência.
Pois a consciência-de-si veio-a-ser somente para si, mas ainda não
como unidade com a consciência em geral.
165 - [Wir sehen, dass] Nós vemos que no interior do fenômeno o entendimento na verdade não experimenta outra coisa que
o fenômeno mesmo. Não o fenômeno do modo como é jogo de
forças, mas sim, o jogo de forças em seus momentos absolutamente
universais, e no movimento deles: de fato, o entendimento só faz
experiência de si mesmo. A consciência, elevada sobre a percepção,
apresenta-se concluída junto com o supra-sensível através do meiotermo do fenômeno, mediante o qual divisa esse fundo [das coisas].
Agora estão coincidindo os dois extremos - um, o do puro interior;
outro, o do interior que olha para dentro desse interior puro. Mas
como desvaneceram enquanto extremos, desvaneceu também o
meio termo enquanto algo outro que eles.
Levanta-se, pois, essa cortina sobre o interior e dá-se o olhar
do interior para dentro do interior: o olhar do homônimo não-diferente que a si mesmo se repele, e se põe como interior diferente;
mas para o qual também se dá, imediatamente, a não-diferenciação
dos dois - a consciência-de-si. Fica patente que por trás da assim
chamada cortina, que deve cobrir o interior, nada há para ver; a
não ser que nós entremos lá dentro - tanto para ver como para que
haja algo ali atrás que possa ser visto.
Mas ressalta, ao mesmo tempo, que não era possível chegar
diretamente ali sem todos esses rodeios. Com efeito, esse saber, que
é a verdade da representação do fenômeno e de seu interior, ele
mesmo é apenas resultado de um movimento sinuoso. No seu
percurso, desvanecem os modos de consciência - conhecimento
sensível, percepção e entendimento; e também resultará que o
conhecer daquilo que a consciência sabe enquanto sabe a si mesma,
exige ainda mais rodeios - o que será explicitado no prosseguimento desta exposição.
CONSCIÊNCIA-DE-SI
A verdade da, certeza de si mesmo
166- [In den] Nos modos precedentes da certeza, o verdadeiro é para a consciência algo outro que ela mesma. Mas o conceito
desse verdadeiro desvanece na experiência [que a consciência faz]
dele. O objeto se mostra, antes, não ser em verdade como era
imediatamente em si: o essente da certeza sensível, a coisa concreta
da percepção, a força do entendimento, pois esse Em-si se revela
uma maneira como o objeto é somente para um Outro. O conceito
do objeto se suprassume no objeto efetivo; a primeira representação
imediata se suprassume na experiência, e a certeza vem a perder-se
na verdade.
Surgiu porém agora o que não emergia nas relações anteriores, a saber: uma certeza igual à sua verdade, já que a certeza é para
si mesma seu objeto, e a consciência é para si mesma o verdadeiro.
Sem dúvida, a consciência é também nisso um ser-outro, isto é: a
consciência distingue, mas distingue algo tal que para ela é ao
mesmo tempo um não-diferente.
Chamemos conceito o movimento do saber, e objeto, o saber
como unidade tranqüila ou como Eu; então vemos que o objeto
corresponde ao conceito, não só para nós, mas para o próprio saber.
Ou, de outra maneira: chamemos conceito o que o objeto é em-si,
e objeto o que é como objeto ou para um Outro; então fica patente
que o ser-em-si e o ser-para-um-Outro são o mesmo. Com efeito,
o Em-si é a consciência, mas ela é igualmente aquilo para o qual é
um Outro (o Em-si): é para a consciência que o Em-si do objeto e
seu ser-para-um-Outro são o mesmo. O Eu é o conteúdo da relação
e a relação mesma; defronta um Outro e ao mesmo tempo o
ultrapassa; e este Outro, para ele, é apenas ele próprio.
167 - [Mit dem] Com a consciência-de-si entramos, pois, na
terra pátria da verdade. Vejamos como surge inicialmente a figura
da consciência-de-si. Se consideramos essa nova figura do saber o saber de si mesmo - em relação com a precedente - o saber de
um Outro - sem dúvida, que este último desvaneceu; mas seus
momentos foram ao mesmo tempo conservados; a perda consiste
em que estes momentos aqui estão presentes como são em si. O ser
Visado7 [da certeza sensível], a singularidade e a universalidade a ela oposta - da percepção, assim como o interior vazio do
entendimento, já não estão como essências, mas como momentos
da consciência-de-si; quer dizer, como abstrações ou diferenças que
ao mesmo tempo para a consciência são nulas ou não são diferenças
nenhumas, mas essências puramente evanescentes. Assim, o que
parece perdido é apenas o momento-principal, isto é, o subsistir
simples e independente para a consciência. De fato, porém, a
consciência-de-si é a reflexão, a partir do ser do mundo sensível e
percebido; é essencialmente o retorno a partir do ser-Outro. Como
consciência-de-si é movimento; mas quando diferencia de si apenas
a si mesma enquanto si mesma, então para ela a diferença é
imediatamente suprassumida, como um ser-outro. A diferença não
é; e a consciência-de-si é apenas a tautologia sem movimento do
"Eu sou Eu". Enquanto para ela a diferença não tem também a
figura do ser, não é consciência-de-si.
Para a consciência-de-si portanto, o ser-Outro é como um ser,
ou como momento diferente; mas para ela é também a unidade de
si mesma com essa diferença, como segundo momento diferente.
Com aquele primeiro momento, a consciência-de-si é como consciência e para ela é mantida toda a extensão do mundo sensível; mas
ao mesmo tempo, só como referida ao segundo momento, a unidade da consciência-de-si consigo mesma. Por isso, o mundo sensível
é para ela um subsistir, mas que é apenas um fenômeno, ou
diferença que não tem em si nenhum ser. Porém essa oposição,
entre seu fenômeno e sua verdade, tem por sua essência somente
a verdade, isto é, a unidade da consciência-de-si consigo mesma.
Essa unidade deve vir-a-ser essencial a ela, o que significa: a
consciência-de-si é desejo, em geral.
A consciência tem de agora em diante, como consciência-desi, um duplo objeto: um, o imediato, o objeto da certeza sensível e
da percepção, o qual porém é marcado para ela com o sinal do
negativo; o segundo objeto é justamente ela mesma, que é a
essência verdadeira e que de início só está presente na oposição do
primeiro objeto. A consciência-de-si se apresenta aqui como o
movimento no qual essa oposição é suprassumida e onde a igualdade consigo mesma vem-a-ser para ela.
168- [Der Gegenstand] Para nós, ou em si, o objeto que para
a consciência-de-si é o negativo, retornou sobre si mesmo, do seu
lado; como do outro lado, a consciência também [fez o mesmo].
Mediante essa reflexão-sobre-si, o objeto veio-a-ser vida. O que a
consciência-de-si diferencia de si como essente não tem apenas,
enquanto é posto como essente, o modo da certeza sensível e da
percepção, mas é também Ser refletido sobre si; o objeto do desejo
imediato é um ser vivo.
Com efeito o Em-si, ou o resultado universal da relação do
entendimento com o interior das coisas, é o diferenciar do não-diferenciável, ou a unidade do diferente. Mas essa unidade é também,
como vimos, seu repelir-se de si mesmo; e esse conceito se fraciona
na oposição entre a consciência-de-si e a vida. A consciência de si
é a unidade para a qual é a infinita unidade das diferenças; mas a
vida é apenas essa unidade mesma, de tal forma que não é ao
mesmo tempo, para si mesma. Assim, tão independente é em-si seu
objeto, quanto é independente a consciência. A consciência-de-si
que pura e simplesmente é para si, e que marca imediatamente seu
objeto com o caráter do negativo; ou que é, de início, desejo - vai
fazer pois a experiência da independência desse objeto.
169 - [Die Bestimmung] A determinação da vida, tal como
deriva do conceito ou do resultado universal, com o qual entramos
nesta esfera, é suficiente para caracterizar a vida, sem que se deva
desenvolver ainda mais sua natureza. Seu ciclo se encerra nos
momentos seguintes. A essência é a infinitude, como o Ser-suprassumido de todas as diferenças, o puro movimento de rotação, a
quietude de si mesma como infinitude absolutamente inquieta, a
independência mesma em que se dissolvem as diferenças do movimento; a essência simples do tempo, que tem, nessa igualdade-consigo-mesma, a figura sólida do espaço.
Porém, nesse meio simples e universal as diferenças estão
também como diferenças; pois essa universal fluidez só possui sua
natureza negativa enquanto é um suprassumir das mesmas; mas não
pode suprassumir as diferenças se essas não têm um subsistir.
Justamente essa fluidez, como a própria independência igual-a-simesma, é o subsistir - ou a substância - das diferenças, que assim
estão nela como membros distintos e partes para-si-essentes. O ser
não tem mais o significado de abstração do ser, nem a essencialidade pura desses membros tem a significação de abstração da
universalidade; mas o seu ser é agora justamente aquela fluida
substância simples do puro movimento em si mesmo. Porém a
diferença desses membros, uns em relação aos outros, como diferença não consiste, em geral, em nenhuma outra determinidade que
não a determinidade dos momentos da infinitude ou do puro
movimento mesmo.
170 - [Die selbstandigen] Os membros independentes são
para si; mas esse Ser-para-si é antes, imediatamente, sua reflexão
na unidade - como essa unidade é por sua vez o fracionamento em
figuras independentes. A unidade se fracionou por ser unidade
absolutamente negativa ou infinita; e, por ser ela o subsistir, também
a diferença tem independência somente nela.
Essa independência da figura se manifesta como algo determinado, para Outro, posto que é uma fração; e assim, o suprassumir
do fracionamento ocorre mediante um Outro. Mas esse suprassumir
está nela mesma, porque justamente aquela fluidez é a substância
das figuras independentes; ora, esta substância é infinita; logo, a
figura é o fracionamento em seu subsistir mesmo, ou o suprassumir
de seu Ser-para-si.
171 - [Untercheiden wir] Distinguindo mais exatamente os
momentos aí contidos, nós vemos que como primeiro momento se
tem o subsistir das figuras independentes, ou a repressão do que o
diferenciar é dentro de si, a saber: não ser nada em si, e não ter
nenhum subsistir. Mas o segundo momento é a subjugação daquele
subsistir à infinitude das diferenças. No primeiro momento está a
figura subsistente: como para-si-essente - ou substância infinita em
sua determinidade -, que surgindo em contraste com a substância
universal nega essa fluidez e continuidade com ela, e se afirma como
não dissolvida nesse universal; ao contrário, se conserva por sua
separação da natureza inorgânica e pelo consumo da mesma.
No meio fluido universal, que é um tranqüilo desdobrar-seem-leque das figuras, a vida vem-a-ser, por isso mesmo, o movimento das figuras, isto é, a vida como processo. A fluidez universal
simples é o Em-si; a diferença das figuras é o Outro. Porém, devido
a tal diferença, essa mesma fluidez vem-a-ser o Outro; pois ela agora
é para a diferença, que é em-si-e-para-si-mesma, e portanto o
movimento infinito pelo qual aquele meio tranqüilo é consumido;
isto é, a vida como ser vivo.
Mas, por esse motivo, essa inversão é por sua vez a "inversidade" em si mesma. O que é consumido é a essência; a individualidade, que às custas do universal se mantém e se dá o
sentimento de sua unidade consigo mesma, suprassume assim
diretamente sua oposição com o outro, por meio da qual é para-si.
A unidade consigo mesma, que ela se outorga, é justamente a fluidez
das diferenças ou a dissolução universal.
Inversamente, porém, o suprassumir da subsistência individual é também o produzi-la. Com efeito, como a essência da figura
individual é a vida universal, e o para-si-essente é em si substância
simples, então, ao pôr o outro dentro de si, suprassume essa sua
simplicidade ou sua essência; isto é, a fraciona. Esse fracionamento
da fluidez indiferenciada é precisamente o pôr da individualidade.
Assim, a substância simples da vida é o seu fracionamento em
figuras, e ao mesmo tempo a dissolução dessas diferenças subsistentes; e a dissolução do fracionamento é também um fracionar ou
um articular de membros.
Assim coincidem, um com o outro, os dois lados do movimento total que tinham sido diferenciados, a saber: a figuração, tranqüilamente abrindo-se-em-leque no meio universal da independência,
e o processo da vida. Esse último é tanto figuração quanto o
suprassumir da figura. O primeiro, a figuração, é tanto um suprassumir quanto uma articulação de membros. O elemento fluido é
apenas a abstração da essência, ou só é efetivo como figura. O
articular-se em membros é, por sua vez, um fracionar do articulado,
ou um dissolver do mesmo.
Esse circuito todo constitui a vida, a qual não é o que de início
se enunciou: a continuidade imediata e a solidez de sua essência;
nem é a figura subsistente e o Discreto para-si-essente; nem o puro
processo deles; nem ainda o simples enfeixamento desses momentos; mas, sim, é o todo que se desenvolve, que dissolve seu desenvolvimento e que se conserva simples nesse movimento.
172 - [Indem von der] Uma vez que partindo da primeira
figura imediata se retorna através dos momentos da figuração e do
processo à unidade de ambos os momentos e, portanto, de novo à
primeira substância simples, é que essa unidade refletida é outra que
a primeira. Em contraste com a primeira unidade imediata - ou
expressa como um ser -, esta segunda é a unidade universal que
contém todos esses momentos como suprassumidos. E o gênero
simples que no movimento da vida mesma não existe para si como
este Simples* mas neste resultado, a vida remete a outro que ela, a
saber: à consciência para a qual a vida é como esta unidade, ou
como gênero.
173 - [Dies andere] Mas essa outra vida, para a qual é o
gênero enquanto tal, e que é para si mesma gênero - a consciênciade-si - inicialmente é para si mesma apenas como esta simples
essência, e tem por objeto a si mesma como o puro Eu. Em sua
experiência, que importa examinar agora, esse objeto abstrato vai
enriquecer-se para ela e adquirir o desdobramento que nós vimos
na vida.
desejo, ou está como determinidade em contraste com uma outra
figura independente; ou então como sua natureza inorgânica universal Mas uma tal natureza universal independente, na qual a
negação está como negação absoluta, é o gênero como tal, ou como
consciência-de-si. A consciência-de-si só alcança sua satisfação em
uma outra consciência-de-si.
176 - [In diesen drei] Nesses três momentos se completa o
conceito da consciência-de-si:
a) O puro Eu indiferenciado é seu primeiro objeto imediato.
174 - [Das einfache] O Eu simples é esse gênero, ou o
Universal simples, para o qual as diferenças não são nenhumas,
somente enquanto ele é a essência negativa dos momentos independentes formados. Assim a consciência-de-si é certa de si mesma,
somente através do suprassumir desse Outro, que se lhe apresenta
como vida independente: a consciência-de-si é desejo. Certa da
nulidade desse Outro, põe para si tal nulidade como sua verdade;
aniquila o objeto independente, e se outorga, com isso, a certeza de
si mesma como verdadeira certeza, como uma certeza que lhe
veio-a-ser de maneira objetiva.
b) Mas essa imediatez mesma é absoluta mediação: é somente
como o suprassumir do objeto independente; ou seja; ela é desejo.
A satisfação do desejo é a reflexão da consciência-de-si sobre si
mesma, ou a certeza que veio-a-ser verdade.
c) Mas a verdade dessa certeza é antes a reflexão redobrada,
a duplicação da consciência-de-si. A consciência-de-si é um objeto
para a consciência, objeto que põe em si mesmo seu ser-outro, ou
a diferença como diferença de-nada, e nisso é independente.
A figura diferente, apenas viva, suprassume sem dúvida no
processo da vida mesma, sua independência, mas junto com sua
diferença cessa de ser o que é. Porém o objeto da consciência-de-si
é também independente nessa negatividade de si mesmo e assim é,
para si mesmo, gênero, universal fluidez na peculiaridade de sua
distinção: é uma consciência-de-si viva.
177 - [Es ist ein] É uma consciência-de-si para uma consciência-de-si. E somente assim ela é, de fato: pois só assim vem-a-ser
para ela a unidade de si mesma em seu ser-outro. O Eu, que é objeto
de seu conceito, não é de fato objeto. Porém o objeto do desejo e
só independente por ser a substância universal indestrutível, a fluida
essência igual-a-si-mesma. Quando a consciência-de-si é o objeto,
é tanto Eu quanto objeto.
Para nós, portanto, já está presente o conceito do espírito.
Para a consciência, o que vem-a-ser mais adiante, é a experiência do que é esse espírito: essa substância absoluta que na
perfeita liberdade e independência de sua oposição - a saber, das
diversas consciências-de-si para si essentes - é a unidade das
mesmas: Eu, que é Nós, Nós que é Eu.
A consciência tem primeiro na consciência-de-si, como no
conceito do espírito, seu ponto-de-inflexão, a partir do qual se afasta
175 - [In dieser Befriedigung] Entretanto nessa satisfação a
consciência-de-si faz a experiência da independência de seu objeto.
O desejo e a certeza de si mesma, alcançada na satisfação do desejo,
são condicionados pelo objeto, pois a satisfação ocorre através do
suprassumir desse Outro; para que haja suprassumir, esse Outro
deve ser.
A consciência-de-si não pode assim suprassumir o objeto
através de sua relação negativa para com ele; pois essa relação antes
reproduz o objeto, assim como o desejo. De fato, a essência do
desejo é um Outro que a consciência-de-si; e através de tal experiência essa verdade veio-a-ser para a consciência. Porém, ao
mesmo tempo, a consciência-de-si é também absolutamente para
si, e é isso somente através do suprassumir do objeto; suprassumir
que, por ser a verdade, deve tornar-se para a consciência-de-si sua
satisfação. Em razão da independência do objeto, a consciência-desi só pode alcançar satisfação quando esse objeto leva a cabo a
negação de si mesmo, nela; e deve levar a cabo em si tal negação
de si mesmo, pois é em si o negativo, e deve ser para o Outro o que
ele é.
Mas quando o objeto é em si mesmo negação, e nisso é ao
mesmo tempo independente, ele é consciência. Na vida, que é o
objeto do desejo, a negação ou está em um Outro, a saber, no
da aparência colorida do aquém sensível, e da noite vazia do além
supra-sensível, para entrar no dia espiritual da presença.
A - INDEPENDÊNCIA E DEPENDÊNCIA DA
CONSCIÊNCIA-DE-SI:
DOMINAÇÃO E ESCRAVIDÃO
178 - [Das Selbstbewusstsein] A consciência-de-si é em si e
para si quando e porque é em si e para si para uma Outra; quer
dizer, só é como algo reconhecido. O conceito dessa sua unidade
em sua duplicação, [ou] da infinitude que se realiza na consciênciade-si, é um entrelaçamento multilateral e polissêmico. Assim seus
momentos devem, de uma parte, ser mantidos rigorosamente separados, e de outra parte, nessa diferença, devem ser tomados ao
mesmo tempo como não-diferentes, ou seja, devem sempre ser
tomados e reconhecidos em sua significação oposta.
O duplo sentido do diferente reside na [própria] essência da
consciência-de-si: [pois tem a essência] de ser infinita, ou de ser
imediatamente o contrário da determinidade na qual foi posta. O
desdobramento do conceito dessa unidade espiritual, em sua duplicação, nos apresenta o movimento do reconhecimento.
179 - [Es ist fur das] Para a consciência-de-si há uma outra
consciência-de-si [ou seja]: ela veio para fora de si. Isso tem dupla
significação: primeiro, ela se perdeu a si mesma, pois se acha numa
outra essência. Segundo, com isso ela suprassumiu o Outro, pois
não vê o Outro como essência, mas é a si mesma que vê no Outro.
180 - [Es muss dies] A consciência-de-si tem de suprassumir
esse seu-ser-Outro. Esse é o suprassumir do primeiro sentido duplo,
e por isso mesmo, um segundo sentido duplo: primeiro, deve
proceder a suprassumir a outra essência independente, para assim
vir-a-ser a certeza de si como essência; segundo, deve proceder a
suprassumir a si mesma, pois ela mesma é esse Outro.
181- [Dies doppelsinnige] Esse suprassumir de sentido duplo
do seu ser-Outro de duplo sentido é também um retorno, de duplo
sentido, a si mesma; portanto, em primeiro lugar a consciência
retorna a si mesma mediante esse suprassumir, pois se torna de
novo, igual a si mesma mediante esse suprassumir do seu ser-Outro;
segundo, restitui também a ela mesma a outra consciência-de-si, já
que era para si no Outro. Suprassume esse seu ser no Outro, e deixa
o Outro livre, de novo.
182- [Diese Bewegung] Mas esse movimento da consciênciade-si em relação a uma outra consciência-de-si se representa, desse
modo, como o agir de uma (delas). Porém esse agir de uma tem o
duplo sentido de ser tanto o seu agir como o agir da outra; pois a
outra é também independente, encerrada em si mesma, nada há
nela que não seja mediante ela mesma.
A primeira consciência-de-si não tem diante de si o objeto,
como inicialmente é só para o desejo; o que tem é um objeto
independente, para si essente, sobre o qual portanto nada pode
fazer para si, se o objeto não fizer em si o mesmo que ela nele faz.
O movimento é assim, pura e simplesmente, o duplo movimento
das duas consciências-de-si. Cada uma vê a outra fazer o que ela
faz; cada uma faz o que da outra exige - portanto faz somente
enquanto a outra faz o mesmo. O agir unilateral seria inútil; pois, o
que deve acontecer, só pode efetuar-se através de ambas as consciências.
183- [Das Tun ist] Por conseguinte, o agir tem duplo sentido,
não só enquanto é agir quer sobre si mesmo, quer sobre o Outro,
mas também enquanto indivisamente é o agir tanto de um quanto
de Outro.
184 - [In dieser Bewegung] Vemos repetir-se, nesse movimento, o processo que se apresentava como jogo de forças; mas
[agora] na consciência. O que naquele [jogo de forças] era para
nós, aqui é para os extremos mesmos. O meio termo é a consciência-de-si que se decompõe nos extremos; e cada extremo é essa
troca de sua determinidade, e passagem absoluta para o oposto.
Como porém é consciência, cada extremo vem mesmo para
fora de si; todavia ao mesmo tempo, em seu ser-fora-de-si, é retido
em si; é para-si; e seu ser-fora-de-si é para ele. É para ele que
imediatamente é e não é outra consciência; e também que esse
Outro só é para si quando se suprassume como para-si-essente; e
só é para si no ser-para-si do Outro. Cada extremo é para o Outro
o meio termo, mediante o qual é consigo mesmo mediatizado e
concluído; cada um é para si e para o Outro, essência imediata para
si essente; que ao mesmo tempo só é para si através dessa mediação.
Eles se reconhecem como reconhecendo-se reciprocamente.
185 - [Dieser reine Begriff] Consideremos agora este puro
conceito do reconhecimento, a duplicação da consciência-de-si em
sua unidade, tal como seu processo se manifesta para a consciênciade-si. Esse processo vai apresentar primeiro o lado da desigualdade
de ambas [as consciências-de-si] ou o extravasar-se do meio termo
nos extremos, os quais, como extremos, são opostos um ao outro;
um extremo é só o que é reconhecido; o outro, só o que reconhece.
186- [Das Selbstbewusstsein] De início, a consciência-de-si
é ser-para-si simples, igual a si mesma mediante o excluir de si todo
o outro. Para ela, sua essência e objeto absoluto é o Eu; e nessa
imediatez ou nesse ser de seu ser-para-si é [um] singular. O que é
Outro para ela, está como objeto inessencial, marcado com o sinal
do negativo. Mas o Outro é também uma consciência-de-si; um
indivíduo se confronta com outro indivíduo. Surgindo assim imediatamente, os indivíduos são um para outro, à maneira de objetos
comuns, figuras independentes, consciências imersas no ser da vida
- pois o objeto essente aqui se determinou como vida. São consciências que ainda não levaram a cabo, uma para a outra, o movimento da abstração absoluta, que consiste em extirpar todo ser
imediato, para ser apenas o puro ser negativo da consciência
igual-a-si-mesma. Quer dizer: essas consciências ainda não se apresentaram, uma para a outra, como puro ser-para-si, ou seja, como
consciências-de-si. Sem dúvida, cada uma está certa de si mesma,
mas não da outra; e assim sua própria certeza de si não tem verdade
nenhuma, pois sua verdade só seria se seu próprio ser-para-si lhe
fosse apresentado como objeto independente ou, o que é o mesmo,
o objeto [fosse apresentado] como essa pura certeza de si mesmo.
Mas, de acordo com o conceito do reconhecimento, isso não é
possível a não ser que cada um leve a cabo essa pura abstração do
ser-para-si: ele para o outro, o outro para ele; cada um em si mesmo,
mediante seu próprio agir, e de novo, mediante o agir do outro.
187 - [Die Darstellung] Porém a apresentação de si como
pura abstração da consciência-de-si consiste em mostrar-se como
pura negação de sua maneira de ser objetiva, ou em mostrar que
não está vinculado a nenhum ser-aí determinando, nem à singularidade universal do ser-aí em geral, nem à vida.
Esta apresentação é o agir duplicado: o agir do Outro e o agir
por meio de si mesmo. Enquanto agir do Outro, cada um tende,
pois, à morte do Outro. Mas aí está também presente o segundo
agir, o agir por meio de si mesmo, pois aquele agir do Outro inclui
o arriscar a própria vida. Portanto, a relação das duas consciênciasde-si é determinada de tal modo que elas se provam a si mesmas e
uma a outra através de uma luta de vida ou morte.
Devem travar essa luta, porque precisam elevar à verdade, no
Outro e nelas mesmas, sua certeza de ser-para-si. Só mediante o
pôr a vida em risco, a liberdade [se conquista]; e se prova que a
essência da consciência de-si não é o ser, nem o modo imediato
como ela surge, nem o seu submergir-se na expansão da vida; mas
que nada há na consciência-de-si que não seja para ela momento
evanescente; que ela é somente puro ser-para-si. O indivíduo que
não arriscou a vida pode bem ser reconhecido como pessoa; mas
não alcançou a verdade desse reconhecimento como uma consciência-de-si independente. Assim como arrisca sua vida, cada um
deve igualmente tender à morte do outro; pois para ele o Outro não
vale mais que ele próprio. Sua essência se lhe apresenta como um
Outro, está fora dele; deve suprassumir seu ser-fora-de-si. O Outro
é uma consciência essente e de muitos modos enredada; a consciência-de-si deve intuir seu ser-Outro como puro ser para-si, ou
como negação absoluta.
188 - [Diese Bewahrung] Entretanto, essa comprovação por
meio da morte suprassume justamente a verdade que dela deveria
resultar, e com isso também [suprassume] a certeza de si mesmo em
geral. Com efeito, como a vida é a posição natural da consciência,
a independência sem a absoluta negatividade, assim a morte é a
negação natural desta mesma consciência, a negação sem a independência, que assim fica privada da significação pretendida do
reconhecimento.
Mediante a morte, sem dúvida, veio-a-ser a certeza de que
ambos arriscavam sua vida e a desprezavam cada um em si e no
Outro; mas essa [certeza] não é para os que travam essa luta.
Suprassumem sua consciência posta nesta essencialidade alheia,
que é o ser aí natural, ou [seja], suprassumem a si mesmos, e
vêm-a-ser suprassumidos como os extremos que querem ser para
si. Desvanece porém com isso igualmente o momento essencial
nesse jogo de trocas: o momento de se decompor em extremos de
determinidades opostas; e o meio termo coincide com uma unidade
morta, que se decompõe em extremos mortos, não opostos, e
apenas essentes. Os dois extremos não se dão nem se recebem de
volta, um ao outro reciprocamente, através da consciência; mas
deixam um ao outro indiferentemente livres, como coisas. Sua
operação é a negação abstrata, não a negação da consciência, que
suprassume de tal modo que guarda e mantém o suprassumido e
com isso sobrevive a seu vir-a-ser-suprassumido.
189 - [In dieserErfahrung] Nessa experiência, vem-a-ser para
a consciência-de-si que a vida lhe é tão essencial quanto a pura
consciência-de-si. Na consciência-de-si imediata, o Eu simples é o
objeto absoluto; que no entanto para nós ou em si é a mediação
absoluta, e tem por momento essencial a independência subsistente.
A dissolução daquela unidade simples é o resultado da primeira experiência; mediante essa experiência se põem uma pura
consciência-de-si, e uma consciência que não é puramente para si,
mas para um outro, isto é, como consciência essente, ou consciência
na figura da coisidade. São essenciais ambos os momentos; porém
como, de início, são desiguais e opostos, e ainda não resultou sua
reflexão na unidade, assim os dois momentos são como duas figuras
opostas da consciência: uma, a consciência independente para a
qual o ser-para-si é a essência; outra, a consciência dependente para
a qual a essência é a vida, ou o ser para um Outro. Uma é o senhor,
outra é o escravo.
190- [Der Herr ist] O senhor é a consciência para si essente,
mas já não é apenas o conceito dessa consciência, senão uma
consciência para si essente que é mediatizada consigo por meio de
uma outra consciência, a saber, por meio de uma consciência a cuja
essência pertence ser sintetizada com um ser independente, ou com
a coisidade em geral. O senhor se relaciona com estes dois momentos: com uma coisa como tal, o objeto do desejo, e com a consciência
para a qual a coisidade é o essencial. Portanto, o senhor:
a) como conceito da consciência-de-si é relação imediata do
ser-para-si; mas,
b) ao mesmo tempo como mediação, ou como um ser-para-si
que só é para si mediante um Outro, se relaciona
a') imediatamente com os dois momentos; e
b') mediatamente, com cada um por meio do outro.
O senhor se relaciona mediatamente com o escravo por meio
do ser independente, pois justamente ali o escravo está retido; essa
é sua cadeia, da qual não podia abstrair-se na luta, e por isso se
mostrou dependente, por ter sua independência na coisidade. O
senhor, porém, é a potência sobre esse ser, pois mostrou na luta que
tal ser só vale para ele como um negativo. O senhor é a potência
que está por cima desse ser; ora, esse ser é a potência que está sobre
o Outro; logo, o senhor tem esse Outro por baixo de si: é este o
silogismo [da dominação].
O senhor também se relaciona mediatamente por meio do
escravo com a coisa; o escravo, enquanto consciência-de-si em
geral, se relaciona também negativamente com a coisa, e a suprassume. Porém, ao mesmo tempo, a coisa é independente para ele,
que não pode portanto, através o seu negar, acabar com ela até a
aniquilação; ou seja, o escravo somente a trabalha. Ao contrário,
para o senhor, através dessa mediação, a relação imediata vem-aser como a pura negação da coisa, ou como gozo - o qual lhe
consegue o que o desejo não conseguia: acabar com a coisa, e
aquietar-se no gozo. O desejo não o conseguia por causa da
independência da coisa; mas o senhor introduziu o escravo entre
ele e a coisa, e assim se conclui somente com a dependência da
coisa, e puramente a goza; enquanto o lado da independência
deixa-o ao escravo, que a trabalha.
191 - [In diesen beiden] Nesses dois momentos vem-a-ser
para o senhor o seu Ser-reconhecido mediante uma outra consciência [a do escravo]. Com efeito, essa se põe como inessencial em
ambos os momentos; uma vez na elaboração da coisa, e outra vez,
na dependência para com um determinado ser-aí; dois momentos
em que não pode assenhorar-se do ser, nem alcançar a negação
absoluta. Portanto, está aqui presente o momento do reconhecimento no qual a outra consciência se suprassume como ser-parasi, e assim faz o mesmo que a primeira faz em relação a ela. Também
está presente o outro momento, em que o agir da segunda consciência é o próprio agir da primeira, pois o que o escravo faz é
justamente o agir do senhor, para o qual somente é o ser-para-si, a
essência: ele é a pura potência negativa para a qual a coisa é nada,
e é também o puro agir essencial nessa relação. O agir do escravo
não é um agir puro, mas um agir inessencial.
Mas, para o reconhecimento propriamente dito, falta o momento em que o senhor opera sobre o outro o que o outro opera
sobre si mesmo; e o escravo faz sobre si o que também faz sobre o
Outro. Portanto, o que se efetuou foi um reconhecimento unilateral
e desigual.
192- [Das unwesentliche] A consciência inessencial é, nesse
reconhecimento, para o senhor o objeto que constitui a verdade da
certeza de si mesmo. Claro que esse objeto não corresponde ao seu
conceito; é claro, ao contrário, que ali onde o senhor se realizou
plenamente, tomou-se para ele algo totalmente diverso de uma
consciência independente; para ele, não é uma tal consciência, mas
uma consciência dependente.
Assim, o senhor não está certo do ser-para-si como verdade;
mas sua verdade é de fato a consciência inessencial e o agir
inessencial dessa consciência.
193- [Die Wahrheit] A verdade da consciência independente
é por conseguinte a consciência escrava. Sem dúvida, esta aparece
de início fora de si, e não como a verdade da consciência-de-si. Mas,
como a dominação mostrava ser em sua essência o inverso do que
pretendia ser, assim também a escravidão, ao realizar-se cabalmente, vai tornar-se, de fato, o contrário do que é imediatamente;
entrará em si como consciência recalcada sobre si mesma e se
converterá em verdadeira independência.
194- [Wir sahen nur] Vimos somente o que a escravidão é
no comportamento da dominação. Mas a consciência escrava é
consciência-de-si, e importa considerar agora o que é em si e para
si mesma. Primeiro, para a consciência escrava, o senhor é a
essência; portanto, a consciência independente para si essente é
para ela a verdade; contudo para ela [a verdade] ainda não está
nela, muito embora tenha de fato nela mesma essa verdade da pura
negatividade e do ser-para-si; pois experimentou nela essa essência.
Essa consciência sentiu a angústia, não por isto ou aquilo, não por
este ou aquele instante, mas sim através de sua essência toda, pois
sentiu o medo da morte, do senhor absoluto. Aí se dissolveu
interiormente; em si mesma tremeu em sua totalidade; e tudo que
havia de fixo, nela vacilou.
Entretanto, esse movimento universal puro, o fluidificar-se
absoluto de todo o subsistir, é a essência simples da consciência-desi, a negatividade absoluta, o puro ser-para-si, que assim é nessa
consciência. E também para ela esse momento do puro ser-para-si,
pois é seu objeto no senhor. Aliás, aquela consciência não é só essa
universal dissolução em geral, mas ela se implementa efetivamente
no servir. Servindo, suprassume em todos os momentos sua aderência ao ser-aí natural; e, trabalhando-o, o elimina.
195 - [Das Gefuhl] Mas o sentimento da potência absoluta
em geral, e em particular o do serviço, é apenas a dissolução em si;
e embora o temor do senhor seja, sem dúvida, o início da sabedoria,
a consciência aí é para ela mesma, mas não é o ser-para-si; porém
encontra-se a si mesma por meio do trabalho. No momento que
corresponde ao desejo na consciência do senhor, parecia caber à
consciência escrava o lado da relação inessencial para com a coisa,
porquanto ali a coisa mantém sua independência. O desejo se
reservou o puro negar do objeto e por isso o sentimento-de-si-mesmo, sem mescla. Mas essa satisfação é pelo mesmo motivo, apenas
um evanescente, já que lhe falta o lado objetivo ou o subsistir. O
trabalho, ao contrário, é desejo refreado, um desvanecer contido,
ou seja, o trabalho forma. A relação negativa para com o objeto
torna-se a forma do mesmo e algo permanente, porque justamente
o objeto tem independência para o trabalhador. Esse meio-termo
negativo ou agir formativo é, ao mesmo tempo, a singularidade, ou
o puro ser-para-si da consciência, que agora no trabalho se transfere
para fora de si no elemento do permanecer; a consciência trabalhadora, portanto, chega assim à intuição do ser independente,
como [intuição] de si mesma.
196- [Das Formieren] No entanto, o formar não tem só este
significado positivo, segundo o qual a consciência escrava se torna
para si um essente como puro ser-para-si. Tem também um significado negativo frente a seu primeiro momento, o medo. Com efeito:
no formar da coisa, toma-se objeto para o escravo sua própria
negatividade, seu ser-para-si, somente porque ele suprassume a
forma essente oposta. Mas esse negativo objetivo é justamente a
essência alheia ante a qual ele tinha tremido. Agora, porém, o
escravo destrói esse negativo alheio, e se põe, como tal negativo,
no elemento do permanecer: e assim se torna, para si mesmo, um
para-si-essente.
No senhor, o ser-para-si é para o escravo um Outro, ou seja,
é somente para ele. No medo, o ser-para-si está nele mesmo. No
formar, o ser-para-si se torna para ele como o seu próprio, e assim
chega à consciência de ser ele mesmo em si e para si.
A forma não se torna um outro que a consciência pelo fato de
se ter exteriorizado, pois justamente essa forma é seu puro ser-para-si, que nessa exteriorização vem-a-ser sua verdade. Assim, precisamente no trabalho, onde parecia ser apenas um sentido alheio,
a consciência, mediante esse reencontrar-se de si por si mesma,
vem-a-ser sentido próprio.
Para que haja tal reflexão são necessários os dois momentos;
o momento do medo e do serviço em geral, e também o momento
do formar; e ambos ao mesmo tempo de uma maneira universal.
Sem a disciplina do serviço e da obediência, o medo fica no formal,
e não se estende sobre toda a efetividade consciente do ser-aí. Sem
o formar, permanece o medo como interior e mudo, e a consciência
não vem-a-ser para ela mesma. Se a consciência se formar sem esse
medo absoluto primordial, então será apenas um sentido próprio
vazio; pois sua forma ou negatividade não é a negatividade em si,
e seu formar, portanto, não lhe pode dar a consciência de si como
essência.
Se não suportou o medo absoluto, mas somente alguma
angústia, a essência negativa ficou sendo para ela algo exterior: sua
substância não foi integralmente contaminada por ela. Enquanto
todos os conteúdos de sua consciência natural não forem abalados,
essa consciência pertence ainda, em si, ao ser determinado. O
sentido próprio é obstinação [eigene Sinn=Eigensinn], uma liberdade que ainda permanece no interior da escravidão. Como nesse
caso a pura forma não pode tornar-se essência, assim também essa
forma, considerada como expansão para além do singular, não
pode ser um formar universal, conceito absoluto; mas apenas uma
habilidade que domina uma certa coisa, mas não domina a potência
universal e a essência objetiva em sua totalidade.
B - LIBERDADE DA CONSCIÊNCIA-DE-SI:
ESTOICISMO:
CEPTICISMO E A CONSCIÊNCIA INFELIZ
197 - [Dem selbstandigen] Para a consciência-de-si independente, sua essência é somente a pura abstração do Eu. Mas
quando essa abstração se cultiva e se outorga diferenças, esse
diferenciar não se lhe torna essência objetiva em-si-essente. Essa
consciência-de-si não se torna, pois, um Eu que se diferencia
verdadeiramente em sua simplicidade, ou que permanece-igual a si
mesmo nessa diferença absoluta. Ao contrário; no formar, a consciência recalcada sobre si torna-se objeto para si mesma como forma
da coisa formada e ao mesmo tempo contempla no senhor o
ser-para-si como consciência. Porém na consciência escrava, como
tal, não coincidem esses dois momentos um com o outro: o de si
mesma como objeto independente, e o desse objeto como uma
consciência, e portanto, como sua própria essência.
Para nós, ou em-si, são a mesma coisa, a forma e o ser-para-si;
e no conceito da consciência independente o ser-em-si é a consciência; por isso, o lado do ser-em-si ou da coisidade, que recebia a
forma no trabalho, não é outra substância que a consciência. Surgiu,
assim, para nós, uma nova figura da consciência-de-si: uma consciência que é para si mesma a essência como infinitude ou puro
movimento da consciência: uma consciência que pensa, ou uma
consciência-de-si livre.
Pois é isto o que pensar significa: não ser objeto para si como
Eu abstrato, mas como Eu que tem ao mesmo tempo o sentido
ser-em-si; ou seja: relacionar-se com essência objetiva de modo que
ela tenha a significação do ser-para-si da consciência.
Para o pensar, o objeto não se move em representações ou
figuras, mas sim em conceitos, o que significa: num ser-em-si
diferente, que imediatamente para a consciência não é nada diferente dela. O representado, o figurado, o essente como tal, tem a
forma de ser algo outro que a consciência; mas um conceito é, ao
mesmo tempo, um essente, e essa diferença, enquanto está na
consciência mesma, é seu conteúdo determinado; porém por ser tal
conteúdo, ao mesmo tempo, algo conceptualizado, ela permanece
imediatamente cônscia de sua unidade com esse essente determinado e diferente. Não é como na representação em que a consciência tem ainda de lembrar-se expressamente de que isso é sua
representação; ao contrário, o conceito é para mim, imediatamente,
meu conceito.
No pensar, Eu sou livre; porque não estou em um Outro, mas
pura e simplesmente fico em mim mesmo, e o objeto, que para mim
é a essência, é meu ser-para-mim, em unidade indivisa; e meu
movimento em conceitos é um movimento em mim mesmo.
Entretanto, na determinação dessa figura da consciência-desi, é essencial reter com firmeza que ela é a consciência pensante,
em geral, ou que seu objeto é a unidade imediata do ser-em-si e do
ser-para-si. A consciência, sua própria homônima, que se repele de
si mesma, torna-se para si elemento em-si-essente; mas, para si, só
é esse elemento como essência universal em geral; não como esta
essência objetiva no desenvolvimento e no movimento de seu ser
multiforme.
198 - [Diese Freiheit] Como é sabido, chama-se estoicismo
essa liberdade da consciência-de-si, quando surgiu em sua manifestação consciente na história do espírito. Seu princípio é que a
consciência é essência pensante e que uma coisa só tem essencialidade, ou só é verdadeira e boa para ela, à medida que a consciência
aí se comporta como essência pensante.
199 - [Die uielfache] O objeto sobre o qual atuam o desejo e
o trabalho é a expansão multiforme da vida, diferenciando-se em
si mesma: sua singularização e complexificação. Esse agir multiforme se condensou agora na diferença simples que está no puro
movimento do pensar. A diferença que tem mais essencialidade não
é a diferença que se põe como coisa determinada, ou como consciência de um determinado ser-aí natural, como um sentimento ou
como um desejo e fim para esse desejo; quer esse fim seja posto
pela consciência própria ou alheia; mas somente a diferença que é
pensada, ou que não se diferencia imediatamente de mim.
Essa consciência [estóica] é por isso negativa no que diz
respeito à relação de dominação e escravidão. Seu agir não é o do
senhor que tem sua verdade no escravo, nem o do escravo que tem
sua verdade na vontade do senhor e em seu servir; mas seu agir é
livre, no trono como nas cadeias e em toda [forma de] dependência
de seu ser aí singular. [Seu agir] é conservar-se na impassibilidade
que continuamente se retira do movimento do ser-aí, do atuar como
do padecer, para a essencialidade simples do pensamento. A obstinação é a liberdade que se apega a uma singularidade e se mantém
dentro do âmbito da servidão; o estoicismo porém é a liberdade que
imediatamente saindo sempre da servidão retorna à pura universalidade do pensamento. Como forma universal do espírito do
mundo, [o estoicismo] só podia surgir num tempo de medo e de
escravidão universais, mas também de cultura universal, que tinha
elevado o formar até ao nível do pensar.
200 - [Ob nun zwar] Embora a essência da consciência-de-si
não seja um outro que ela; nem a pura abstração do Eu, e sim um
Eu que tem nele o ser-outro, mas como diferença pensada, de modo
que em seu ser-outro o Eu retornou imediatamente a si; ainda assim
a essência dessa consciência-de-si é ao mesmo tempo apenas uma
essência abstrata. A liberdade da consciência-de-si é indiferente
quanto ao ser-aí natural; por isso igualmente o deixou livre, e a
reflexão é uma reflexão duplicada.
A liberdade no pensamento tem somente o puro pensamento
por sua verdade; e verdade sem a implementação da vida. Por isso
é ainda só o conceito da liberdade, não a própria liberdade viva.
Com efeito, para ela a essência é só o pensar em geral, a forma como
tal, que afastando-se da independência das coisas retornou a si
mesma. Mas porque a individualidade, como individualidade
atuante, deveria representar-se como viva; ou, como individualidade pensante, captar o mundo vivo como um sistema de
pensamento; então teria de encontrar-se no pensamento mesmo,
para aquela expansão [do agir], um conteúdo do que é bom, e para
essa [expansão do pensamento, um conteúdo] do que é verdadeiro.
Com isso não haveria absolutamente nenhum outro ingrediente,
naquilo que é para a consciência, a não ser o conceito que é a
essência.
Porém aqui o conceito enquanto abstração, separando-se da
multiplicidade variada da vida, não tem contudo nenhum em si
mesmo, exceto um [conteúdo que lhe é] dado. A consciência,
quando pensa o conteúdo, o destrói como um ser alheio, sem
dúvida; mas o conceito é conceito determinado e justamente essa
determinidade é o alheio que o conceito possui nele. O estoicismo
portanto caía em perplexidade quando lhe perguntavam, na linguagem de então, sobre o critério da verdade em geral; quer dizer, com
mais propriedade, sobre um conteúdo do pensamento mesmo. À
pergunta sobre o que era bom e verdadeiro, era dada ainda uma
vez como resposta o mesmo pensar sem-conteúdo: "é na racionalidade que deve consistir o bem e o verdadeiro".
Mas essa igualdade-consigo-mesmo do pensar é apenas a
pura forma na qual nada se determina. Por isso os termos universais
do verdadeiro e do bem, da sabedoria e da virtude, onde o
estoicismo tem de parar, de certo são geralmente edificantes; mas
corno de fato não podem chegar a nenhuma expansão do conteúdo,
começam logo a produzir tédio.
201 - [Dieses denkende] Essa consciência pensante, tal como
se determinou, como liberdade abstrata, é portanto somente a
negação incompleta do ser-outro; apenas se retirou do ser-aí, para
si mesma; e não se levou a cabo como absoluta negação do ser-aí
nela. De certo, o conteúdo vale para ela só como pensamento: aliás
como pensamento determinado, e ao mesmo tempo como determinidade enquanto tal.
202 - [Der Skeptizismus] O cepticismo é a realização do que
o estoicismo era somente o conceito; - e a experiência efetiva do
que é a liberdade do pensamento: liberdade que em-si é o negativo,
e que assim deve apresentar-se.
De fato, com a reflexão da consciência-de-si para dentro do
pensamento simples de si mesma, de encontro a essa reflexão
caíram fora da infinitude [do pensamento] o ser-aí independente e
a determinidade permanente. Agora, no cepticismo vem-a-ser [explícita] para a consciência a total inessencialidade e a não-autonomia desse Outro. O pensamento toma-se o pensar consumado, que
aniquila o ser do mundo multideterminado; e nessa multiforme
figuração da vida, a negatividade da consciência-de-si livre toma-se
a negatividade real.
Fica patente que, como o estoicismo corresponde ao conceito
da consciência independente, manifestada como relação de dominação e escravidão, assim o cepticismo corresponde à realização da
mesma consciência como atitude negativa para com o ser-Outro,
[isto é], ao desejo e ao trabalho. Mas, se o desejo e o trabalho não
puderem levar a cabo a negação para a consciência-de-si, ao
contrário, essa atitude polêmica para com a múltipla dependência
das coisas, terá êxito: já que se volta contra elas como consciênciade-si livre, previamente implementada em si mesma. Mais precisamente, porque [essa atitude] tem em si mesma o pensar ou a
infinitude, e por isso as independências, conforme suas diferenças,
para ela são apenas grandezas
. As diferenças, que no
puro pensar de si mesmo são só abstrações das diferenças, tornamse aqui todas as diferenças; e todo ser diferente se torna uma
diferença da consciência-de-si.
203 - [Hierdurch hat sich] Com isso se determinou o agir do
cepticismo em geral, e a maneira desse agir. O cepticismo revela o
movimento dialético que são a certeza sensível, a percepção e o
entendimento; e também a inessencialidade do que tem valor na
relação de dominação e de servidão, e do que para o pensamento
abstrato vale como algo determinado.
Aquela relação abrange ao mesmo tempo, em si, uma maneira
determinada, na qual também leis morais são dadas como mandamentos do senhor; porém as determinações no pensamento abstrato são conceitos da ciência, na qual o pensar sem conteúdo se
expande, e de uma maneira puramente exterior, de fato, atribui o
conceito a um ser independente dele, que constitui seu conteúdo; e
só mantém como válidos determinados conceitos, embora sejam
também puras abstrações.
204 - [Das Dialetische] O dialético, como movimento negativo, tal como é, imediatamente, revela-se de início à consciência
como algo a que ela está entregue, e que não é por meio da
consciência mesma. Como cepticismo, ao contrário, o movimento
dialético é momento da consciência-de-si - para a qual [já] não
acontece, sem saber como, que desvaneça seu verdadeiro e real.
Pois é essa consciência-de-si que na certeza de sua liberdade faz
desvanecer até esse outro que se fazia passar por real; e não só o
objetivo como tal: também sua própria relação com ele, na qual vale
e é valorizada como objetiva. Assim também [faz desvanecer] seu
perceber, como igualmente seu consolidar do que estava em risco
de perder-se: a sofistaria e seu verdadeiro determinado e fixado por
sua conta.
Mediante essa negação consciente de si, garante a consciência-de-si para si mesma a certeza de sua própria liberdade: produz
a experiência da liberdade, e assim a eleva à verdade. O que
desvanece é o determinado ou a diferença que se estabeleça como
firme e imutável, de qualquer modo e seja donde for. Nessa diferença nada há de permanente, e deve desvanecer ante o pensar,
pois o diferente é justamente isto: não ser em si mesmo, mas ter sua
essencialidade só em um Outro. Porém o pensar é a penetração
nessa natureza do diferente; é a essência negativa como simples.
205 - [Das skeptische] Assim, a consciência-de-si céptica
experimenta nas vicissitudes de tudo que queria consolidar-se para
ela sua própria liberdade, como dada e mantida para si através de
si mesma, ela é essa ataraxia do pensar-se a si mesmo, a imutável
e verdadeira certeza de si mesmo. Certeza que não surge de algo
alheio, que faça desmoronar dentro de si seu desenvolvimento
multiforme, nem [surge] como um resultado que tivesse seu vir-aser na retaguarda. Ao contrário: a consciência mesma é a absoluta
inquietude dialética, essa mescla de representações sensíveis e
pensadas, cujas diferenças coincidem e cuja igualdade se dissolve
de novo, pois ela mesma é determinidade frente ao desigual. Mas
de fato esta consciência justamente aqui, em vez de ser uma
consciência igual-a-si-mesma, é apenas uma confusão puramente
casual - a vertigem de uma desordem que está sempre se reproduzindo.
A consciência céptica é isso para si mesma, já que ela mesma
mantém e produz essa confusão movimentada. Assim, ela confessa
ser isso: confessa ser uma consciência singular, de todo contingente;
uma consciência que é empírica, dirigida para o que não tem para
ela realidade nenhuma: obedece àquilo que para ela não é nenhuma essência; faz e leva à efetividade o que para ela não tem verdade
nenhuma.
Mas como se valoriza dessa maneira, enquanto vida simples,
contingente, e de fato animal - uma consciência-de-si perdida também, em sentido contrário, volta a transformar-se em consciência-de-si universal igual-a-si-mesma, por ser a negatividade de
toda singularidade e de toda diferença. Dessa igualdade, ou nessa
igualdade-consigo-mesma, recai a consciência naquela contingência e confusão, pois justamente essa negatividade movimentada só
tem a ver como singular e só se ocupa com o contingente. Assim,
essa consciência é um desvario inconsciente que oscila para lá e
para cá, de um extremo da consciência-de-si igual a si mesma, ao
outro extremo da consciência casual, confusa e desconcertante.
Não consegue rejuntar em si esses dois pensamentos de si
mesma: ora conhece sua liberdade como elevação sobre toda
confusão e casualidade do ser-aí; ora torna a conhecer-se como
recaída na inessencialidade e como azáfama em torno dela. Faz
desvanecer no seu pensar o conteúdo inessencial; mas exatamente
nisso a consciência é algo inessencial: declara o absoluto desvanecer, mas o declarar é; e essa consciência é o desvanecer declarado.
Declara a nulidade do ver, ouvir etc, e ela mesma vê, ouve, etc;
declara a nulidade das essências éticas e delas faz as potências de
seu proceder. Seu agir e suas palavras se contradizem sempre; e
desse modo, ela mesma tem uma dupla consciência contraditória
da imutabilidade e igualdade; e da completa contingência e desigualdade consigo mesma. Mas mantém os termos dessa contradição
separados um do outro, e se comporta nisso como no seu movimento puramente negativo em geral. Se lhe indicam a igualdade,
ela indica a desigualdade e quando se lhe objeta essa desigualdade
que acaba de declarar, passa adiante para declarar a igualdade. Seu
falatório é, de fato, uma discussão entre rapazes teimosos: um diz A
quando o outro diz B, e diz B quando o outro diz A e assim cada
um, à custa da contradição consigo mesmo, se paga a alegria de
ficar sempre em contradição como outro.
206 - [Im Skeptizismus] No cepticismo a consciência se
experimenta em verdade como consciência em si mesma contraditória; e dessa experiência surge uma nova figura que rejunta os dois
momentos que o cepticismo mantém separados. A falta-de-pensamento do cepticismo a respeito de si mesmo tem de desvanecer
porque de fato é uma consciência que tem nela essas duas modalidades. Essa nova figura é portanto uma figura que para si é a
consciência duplicada de si como libertando-se, imutável e igual a
si mesma. É a consciência de si como absolutamente confundindose e invertendo-se; e como consciência dessa sua contradição.
No estoicismo, a consciência-de-si é a simples liberdade de si
mesmo. No cepticismo, essa liberdade se realiza, aniquila o outro
lado do ser-aí determinado; aliás, melhor dito, se duplica, e agora
é para si mesma algo duplo. Desse modo, a duplicação que antes
se repartia entre dois singulares - o senhor e o escravo - retorna à
unidade; e assim está presente a duplicação da consciência-de-si
em si mesma, que é essencial no conceito do espírito. Mas não está
ainda presente a sua unidade, e a consciência infeliz é a consciênciade-si como essência duplicada e somente contraditória.
[A CONSCIÊNCIA INFELIZ}
207 - [Dieses unglückliche] Essa consciência infeliz, cindida
dentro de si, já que essa contradição de sua essência é, para ela,
uma consciência, deve ter numa consciência sempre também a
outra; de tal maneira que é desalojada imediatamente de cada uma
quando pensa ter chegado à vitória e à quietude da unidade. Mas
seu verdadeiro retomo a si mesma, ou a reconciliação consigo,
representará o conceito do espírito que se tornou [um ser] vivo e
entrou na [esfera da] existência; porque nela mesma como uma
consciência indivisa já é ao mesmo tempo uma consciência duplicada. Ela mesma é o intuir de uma consciência-de-si numa outra; e
ela mesma é ambas, e a unidade de ambas é também para ela a
essência. Contudo para si, ainda não é a essência mesma; ainda
não é a unidade das duas.
208 - [Indem es zunachst] Por ser ela inicialmente apenas a
unidade imediata das duas [consciências-de-si], mas não serem as
duas para ela a mesma consciência, e sim consciências opostas -,
então, para essa [consciência infeliz] uma é como essência, a saber,
a consciência simples e imutável; mas a outra, mutável de várias
formas, é como o inessencial.
Para ela, as duas são essências alheias uma à outra. Ela
mesma, por ser a consciência dessa contradição, se põe do lado da
consciência mutável, e é para si o inessencial. Mas como consciência
da imutabilidade ou da essência simples, deve ao mesmo tempo
proceder a libertar-se do inessencial, quer dizer, libertar-se de si
mesma. Pois, embora seja de fato para-si exclusivamente consciência mutável, e o imutável lhe seja algo alheio, ela mesma é
consciência simples, e portanto imutável; por isso está cônscia dessa
consciência imutável como sendo sua essência, mas de tal modo
que de novo ela mesma para si não é essa essência.
Por conseguinte, a posição que atribui às duas consciências
não pode ser uma indiferença recíproca, quer dizer, uma indiferença
de si mesma para com o imutável; mas ela é imediatamente ambas
as consciências; a relação entre ambas é, para ela, como uma
relação da essência para com a inessência, de sorte que essa última
é suprassumida. Mas enquanto as duas consciência são igualmente
essenciais e contraditórias, ela é somente o movimento contraditório, onde o contrário não chega ao repouso em seu contrário, mas
nele se reproduz somente como contrário.
209 - /Es ist damit] Uma luta se trava, assim, com um inimigo
contra o qual a vitória é, antes, uma capitulação; ter alcançado um
[dos contrários] é, antes, a sua perda em seu contrário. A consciência da vida, de seu ser-aí e de seu operar, é somente a dor em
relação a esse ser-aí e operar, pois nisso só possui a consciência de
seu contrário como sendo a essência, e a consciência da própria
nulidade. Daí parte na ascensão rumo ao imutável. Mas tal ascensão
é essa consciência mesma, e portanto, imediatamente, a consciência
do contrário; isto é, de si mesma como singularidade. O imutável
que entra na consciência é, por isto mesmo, tocado igualmente pela
singularidade, e só se faz presente junto com ela. E a singularidade,
em vez de ter sido eliminada na consciência do imutável, somente
reponta ali sempre de novo.
210-[In dieserBewegung] Mas nesse movimento a consciência experimenta justamente o surgir da singularidade no imutável
e do imutável na singularidade. Para ela, a singularidade em geral
vem-a-ser na essência imutável, e ao mesmo tempo sua própria
singularidade nela. Porque a verdade deste movimento é precisamente o ser-uno dessa consciência duplicada. Esta unidade vem-aser para ela, mas primeiro, como uma unidade tal em que o
dominante é ainda a diversidade dos dois termos. Assim, nessa
consciência, a singularidade se encontra vinculada ao imutável de
um modo tríplice: 1o - ela mesma reponta de novo para si como
oposta à essência imutável, e é recambiada ao início da luta, que
permanece o elemento da relação em seu todo. 2o - O próprio
imutável tem nele a singularidade para a consciência, de maneira
que a singularidade é figura do imutável, que se encontra por isso
revestido de toda a modalidade da existência. 3o - A consciência
encontra a si mesma como este singular no imutável.
O primeiro imutável é para a consciência apenas a essência
alheia que condena a singularidade; e enquanto o segundo imutável
é uma figura da singularidade, com a consciência mesma, eis que
no terceiro imutável a consciência vem-a-ser espírito, tem a alegria
de ali se encontrar e se torna consciente de ter reconciliado sua
singularidade com o universal.
211- [Was sich hier] O que se apresenta aqui como modalidade e relação do imutável resultou como a experiência que a
consciência cindida faz em sua infelicidade. Ora, tal experiência não
é, de certo, movimento unilateral seu, pois ela mesma é consciência
imutável e por isso, ao mesmo tempo, consciência singular também;
e o movimento é igualmente movimento da consciência imutável
que nele reponta tanto quanto a singular.
Com efeito, este movimento percorre os seguintes momentos:
o
1 - o imutável é oposto à singularidade em geral.
2o - o imutável é um singular oposto a outro singular.
3o - o imutável, enfim, é um só com o singular.
Entretanto, essa consideração, no que nos concerne, é aqui
intempestiva; pois até agora a imutabilidade só surgiu como imutabilidade da consciência que portanto não é a verdadeira, mas ainda
está afetada por uma oposição. Ainda não surgiu o imutável tal
como é em-si e para-si mesmo; não sabemos, pois, como ele se
comportará. Até agora o que resultou foi apenas isto: para a
consciência, que é aqui nosso objeto, estas determinações indicadas
se manifestam no imutável.
212 - [Aus diesem Grunde] Por esta razão, a consciência
imutável conserva também em sua própria figuração o caráter e os
traços fundamentais do ser-cindido e do ser-para-si, frente à consciência singular. Portanto, em geral, é apenas um acontecer, para
esta consciência, que o imutável adquira a figura da singularidade.
Também a consciência singular somente se encontra oposta a ele,
e assim tem essa relação pela [própria] natureza. Encontrar-se enfim
no imutável lhe aparece, em parte, como produzido por ela mesma
- ou ter ocorrido porque ela mesma é singular. Mas de outra parte,
essa unidade [com o imutável lhe aparece] como pertencendo ao
imutável, quanto à sua existência; e a oposição permanece nessa
unidade mesma.
De fato, através da figuração do imutável, o momento do além
não só permanece mas ainda se reforça; pois, se pela figura da
efetividade singular parece de um lado achegar-se mais à consciência singular, de outro lado está frente a ela como um impenetrável
Uno sensível, com toda a rigidez de um Efetivo. A esperança de
tornar-se um com ele tem de ficar na esperança, isto é, sem implementação e sem presença. Com efeito, entre a esperança e sua
implementação se interpõe, precisamente, a absoluta casualidade,
ou a imóvel indiferença que reside na figuração mesma que fundamenta a esperança. Por força da natureza do Uno essente, pela
efetividade de que se revestiu, ocorre necessariamente que no
tempo se tenha desvanecido; e no espaço, haja sucedido longe, e
absolutamente longe permaneça.
213 - [Wenn zuerst] Se no início o conceito simples da
consciência cindida se determinava por seu empenho em suprassumir essa consciência enquanto singular para tornar-se consciência
imutável, agora seu esforço tem por determinação suprassumir sua
relação para com o puro imutável não-figurado, e somente se
permitir a relação com o imutável figurado.
Com efeito: agora, para essa consciência, o ser-um do singular
com o imutável é essência e objeto; como no conceito, o objeto
essencial era o imutável abstrato e sem-figura. Agora, o que tem de
evitar é essa situação do absoluto ser-cindido do conceito. Mas essa
consciência deve elevar ao absoluto vir-a-ser-um sua relação inicialmente exterior com o imutável figurado como [sendo] uma
efetividade alheia.
214- [Die Bewegung] O movimento no qual a consciência
inessencial se esforça por atingir esse ser-um é também um movimento tríplice, conforme a tríplice relação que terá com seu além
configurado:
1º - como pura consciência;
2o - como essência singular que se comporta ante a efetividade
como desejo e trabalho;
3o - como consciência de seu ser-para-si.
Vejamos agora como essas três modalidades de seu ser estão
presentes e determinados naquela relação universal.
215 - [Zuerst aíso] Primeiro, se a consciência inessencial for,
pois, considerada como consciência pura, nesse caso o imutável
figurado, enquanto é para a consciência pura, parece posto tal como
é em si e para si mesmo. Só que o imutável ainda não surgiu como
é em e para si, como já foi dito. Isso de estar na consciência tal como
é em si e para si mesmo deveria partir mais dele que da consciência;
mas aqui sua presença só ocorre unilateralmente, por meio da
consciência. E justamente por isso não é perfeita e verdadeira, mas
permanece onerada de imperfeição - ou de uma oposição.
216 - [Obgleich aber] Embora a consciência infeliz não
possua tal presença, está ao mesmo tempo acima do puro pensar:
seja do puro pensar do estoicismo, que faz abstração da singularidade em geral; seja do puro pensar do cepticismo, que é somente
inquieto, e de fato é apenas a singularidade, como contradição
sem-consciência e movimento sem-descanso.
A consciência infeliz ultrapassa esses dois momentos: reúne e
mantém unidos o puro pensar e a singularidade, porém não se
elevou ainda àquele pensar para o qual a singularidade da consciência se reconciliou com o puro pensar mesmo. Está, antes, nesse
meio-termo onde o pensar abstrato entra em contato com a singularidade da consciência como singularidade. Ha mesma é esse
contacto: é a unidade do puro pensar e da singularidade. Também
para ela é essa singularidade pensante ou o puro pensar, e o
imutável mesmo é essencialmente como singularidade. No entanto,
não é para ela que esse seu objeto, o imutável - que tem para ela
essencialmente a figura da singularidade, - é ela mesma. Ela mesma,
[quer dizer:] a singularidade da consciência.
217 - [Es verhalt sich] Nesta primeira modalidade, em que a
tratamos como pura consciência, a consciência infeliz não se rela-
ciona com seu objeto como pensante; embora seja em si pura
singularidade pensante, e seu objeto seja justamente esse puro
pensamento, a relação mútua entre eles não é puro pensar. A
consciência, por assim dizer, apenas caminha na direção do pensar
e é fervor devoto. [An Denken/Andacht]. Seu pensamento, sendo
tal, fica em um uniforme badalar de sinos, ou emanação de cálidos
vapores; um pensar musical que não chega ao conceito, o qual seria
a única modalidade objetiva imanente.
Sem dúvida, seu objeto virá ao encontro desse sentimento
interior puro e infinito, mas não se apresentará como conceituai;
surgirá pois como algo estranho. Está presente, assim, o movimento
interior da alma pura que se sente a si mesma, mas se sente
doloridamente, como cisão. Movimento de uma nostalgia infinita,
que tem a certeza que sua essência é aquela alma pura, puro pensar
que se pensa como singularidade; e a certeza de ser conhecida e
reconhecida por aquele objeto, porquanto ele se pensa como singularidade.
Mas, ao mesmo tempo, esta essência é o além inatingível, que
foge quando abraçado, ou melhor, já fugiu. Já fugiu, pois de um
lado é o imutável que se pensa como singularidade, e assim a
consciência nele alcança imediatamente a si mesma; a si mesma,
mas como o oposto do imutável. Em vez de captar a essência,
apenas a sente, e caiu de volta em si mesma; como no [ato de] atingir
não pode manter-se à distância como este oposto, em lugar de
atingir a essência só captou a inessencialidade.
Como de um lado, enquanto se esforça por atingir a si mesma
na essência, só apreende sua própria efetividade separada, assim,
de outro lado, não pode apreender o Outro como [algo] singular
ou efetivo. Onde é procurado, não pode ser encontrado; pois deve
justamente ser um além, algo tal que não se pode encontrar.
Buscado como singular, ele não é uma singularidade pensada
universal; não é conceito, mas é singular como objeto ou como algo
efetivo: objeto da certeza sensível imediata, e por isso mesmo é
somente uma coisa tal que desvaneceu. Portanto, para a consciência, só pode fazer-se presente o sepulcro de sua vida. Mas, porque
o próprio sepulcro é uma efetividade, e é contra a sua natureza
manter uma posse duradoura, assim também essa presença do
sepulcro é somente a luta de um esforço que tem de fracassar. Só
que, ao fazer essa experiência - de que o sepulcro de sua essência
imutável efetiva não tem nenhuma efetividade, e de que a singularidade evanescente, enquanto evanescente, não é a verdadeira
singularidade -, a consciência renunciará a buscar a singularidade
imutável como efetiva, ou a fixá-la como evanescente; e só assim
está apta a encontrar a singularidade como verdadeira, ou como
universal.
218 - [Zunachst aber] Mas antes de tudo, o retorno da alma
a si mesma deve tomar-se no sentido de que, para si, a alma tem
efetividade enquanto ser singular. Para nós, ou em-si, foi a pura
alma que se encontrou, e em si mesma se saciou; pois embora para
ela, em seu sentimento, a essência esteja dela separada, este sentimento é, em si, sentimento-de-si. Sentiu o objeto de seu puro sentir,
e esse objeto é ela mesma; assim surge aqui como sentimento-de-si,
ou como algo efetivo para si essente. Para nós, nesse retorno a si
mesma, veio-a-ser sua segunda relação, a do desejo e do trabalho,
que garante à consciência a certeza interior de si mesma, a qual para nós - conseguiu mediante o suprassumir e o gozar da essência
alheia, isto é: dessa mesma essência sob a forma de coisas independentes.
Mas a consciência infeliz só se encontra como desejosa e
trabalhadora. Para ela, não ocorre que encontrar-se assim tem por
base a certeza interior de si mesma; e que seu sentimento da essência
é esse sentimento-de-si. Enquanto não tem para si mesma essa
certeza, seu interior permanece ainda a certeza cindida, de si mesma.
A confirmação que através do trabalho e do gozo poderia obter, é
por isso uma certeza igualmente cindida. Quer dizer: a consciência
deveria, antes, aniquilar tal confirmação; de modo que, embora essa
confirmação nela se encontre, seja só a confirmação do que é para
si: a saber, a confirmação de sua cisão.
219- [Die Wirklichkeit] Para essa consciência, a efetividade,
contra a qual se voltam o desejo e o trabalho, já não é uma nulidade
em si, que ela apenas deva suprassumir e consumir. É uma efetividade cindida em dois pedaços, tal como a própria consciência: só
por um lado é em si nula; mas pelo outro lado é um mundo
consagrado, a figura do imutável. Com efeito, esse assumiu em si a
singularidade, e por ser universal enquanto é o imutável, em geral
sua singularidade tem a significação de toda efetividade.
220 - [Wenn das Bewusstsein] Se a consciência fosse, para
si, consciência independente, e se para ela a efetividade fosse nula
em si e para si, [então] no trabalho e no gozo chegaria ao sentimento
de sua independência; e isso porque seria ela mesma que suprassumiria sua efetividade. Só que, sendo essa a figura do imutável
para ela, não seria capaz de suprassumi-la por si mesma. Mas como
chega, sem dúvida, à aniquilação da efetividade e ao gozo, isso só
lhe pode acontecer essencialmente porque o imutável mesmo lhe
abandona sua figura e lhe cede para seu gozo. De seu lado, a
consciência surge aqui igualmente como algo efetivo, mas também
como cindida interiormente. Essa cisão se apresenta em seu trabalhar e gozar por cindir-se em uma relação para com a efetividade ou o ser-para-si - e em um ser-em-si.
Aquela relação para com a efetividade é o alterar ou agir [seja] é o ser-para-si que pertence à consciência singular como tal.
Mas nisso ela é também em si; esse lado pertence ao além imutável:
são as faculdades e as forças - um dom alheio, que o imutável
concede igualmente à consciência para que dele goze.
221 - [In seinem Tun] Em seu agir, portanto, a consciência
está inicialmente na relação entre dois extremos: mantém-se, de
lado, como o aquém ativo, e frente a ela está a efetividade passiva.
Ambos em relação recíproca, mas também ambos retrotraídos para
dentro do imutável e fixados em si. Dos dois lados se desprende
mutuamente uma superfície apenas, que entra no jogo do movimento contra a outra.
O extremo da efetividade é suprassumido mediante o extremo
ativo. Mas, por seu lado, a efetividade só pode ser suprassumida
porque sua essência imutável a suprassume; se repele de si, e
abandona à atividade o que repeliu. A força ativa se manifesta como
a potência em que a efetividade se dissolve; mas já que para essa
consciência o Em-si ou a essência é outro que ela, essa potência sob a forma da qual emerge para a atividade - é para ela o além de
si mesma.
Assim, em vez de retornar a si mesma a partir de seu agir, e
de se ter comprovado para si mesma, a consciência antes reflete de
volta esse movimento do agir no outro extremo; que por isso é
apresentado como puro universal, como a potência absoluta da qual
procede o movimento para todos os lados; e que é, tanto a essência
dos extremos que se rompem - como inicialmente apareceram quanto a essência da mudança mesma.
222 - [Dass das Unwandelbare] Porque a consciência imutável renuncia à sua figura e a oferece como dom, em troca a
consciência singular dá graças. Quer dizer: se nega a satisfação da
consciência de sua independência, e transfere a essência de seu agir
de si para o além. De qualquer modo, através desses dois momentos
do abandonar-se recíproco de ambas as partes, surge para a
consciência a sua unidade com o imutável. Só que essa unidade é
ao mesmo tempo afetada de separação, e cindida de novo em si
mesma: e mais uma vez ressalta dela a oposição entre o universal e
o singular.
Portanto, embora a consciência renuncie na aparência à
satisfação de seu sentimento-de-si, ela assim mesmo alcança a
satisfação efetiva desse sentimento; pois ela foi desejo, trabalho e
gozo, e como consciência ela quis, agiu e gozou. Sua ação de graças,
na qual reconhece o outro extremo como essência, e se suprassume
- é igualmente seu próprio agir; que contrabalança o agir do outro
extremo, e opõe ao benefício, que faz dom de si, um agir equivalente. Se aquele extremo lhe concede sua superfície, a consciência,
todavia, dá graças, e com isso, ao renunciar a seu próprio agir quer dizer, à sua essência mesma - propriamente faz mais que o
outro, que de si desprende uma superfície apenas.
O movimento completo se reflete pois no extremo da singularidade; não somente no efetivo desejar, trabalhar e gozar, mas até
mesmo no dar graças - em que parece acontecer o contrário.
A consciência se sente aí como este singular que não se deixa
iludir pela aparência de sua renúncia, pois sua verdade é que a
consciência não renunciou a si. O que se efetuou foi apenas a dupla
reflexão dos dois extremos, e o resultado é a ruptura reiterada na
consciência oposta do imutável, e na consciência dos [momentos]
que a defrontam, do querer, do implementar, do gozar, e da própria
renúncia a si mesma; ou seja, na consciência da singularidade
para-si-essente, em geral.
223 - [Es ist damit] Deste modo se produziu a terceira relação
do movimento dessa consciência que surge da segunda, como uma
consciência tal que em verdade se comprovou como independente
em seu querer e implementar. Na primeira relação era somente o
conceito da consciência efetiva, ou a alma interior, que ainda não
era efetiva no agir e no gozo. A segunda relação é essa efetivação
como agir e gozar exteriores; mas a consciência que retorna dessa
posição é uma consciência que se experimentou como efetiva e
efetivante: uma consciência para a qual ser em si e para si é
verdadeiro.
Aqui porém o inimigo é agora descoberto na sua figura mais
peculiar. Na luta da alma, a consciência singular só está como
momento musical, abstrato; no trabalho e no gozo, como realização
desse ser sem-essência, a consciência pode se esquecer, imediatamente; e nessa efetividade, a peculiaridade consciente é prosternada pelo reconhecimento da ação de graças. Mas, na verdade, essa
prostração é um retorno da consciência a si mesma; na verdade, a
si mesma como à sua efetividade verdadeira.
224 - [Dies dritte] Essa terceira relação, na qual essa verdadeira efetividade constitui um dos extremos, é a relação dela enquanto nulidade - com a essência universal. Resta a considerar
ainda o movimento desta relação.
225 - [Was zuerst] De início, no que concerne à relação oposta
da consciência, como ali sua realidade é para ela imediatamente o
nulo, assim também seu agir efetivo se torna um agir de nada, e seu
gozo se torna sentimento de sua infelicidade. Por isso, agir e gozo
perdem todo conteúdo e sentido universais - pois assim teriam um
ser-em-si-e-para-si; e ambos se retiram à sua singularidade, à qual
a consciência está dirigida para suprassumi-la.
Nas funções animais, a consciência é cônscia de si como este
singular efetivo. Essas funções, em vez de se realizarem descontraidamente, como algo que é nulo em si e para si - e que para o espírito
não pode alcançar nenhuma importância nem essencialidade -, são
antes objeto de séria preocupação, e se tornam mesmo o que há de
mais importante, pois é nelas que o inimigo se manifesta em sua
figura característica. Mas como esse inimigo se produz em sua
própria derrota, a consciência ao fixá-lo a si, em vez de libertar-se,
fica sempre detida nele; e se vê sempre poluída. Ao mesmo tempo,
esse conteúdo de seu zelo em lugar de ser algo essencial, é o mais
vil; em vez de ser algo universal, é o mais singular; assim nos
deparamos com uma personalidade só restringida a si mesma e a
seu agir mesquinho, recurvada sobre si; tão miserável quanto infeliz.
226 - [Aber an beides] Mas, ao sentimento de sua infelicidade
e à miséria de seu agir, junta-se a ambos também a consciência de
sua unidade com o imutável. Com efeito: essa tentativa de aniquilação imediata de seu ser efetivo é mediada pelo pensamento do
imutável, e ocorre nessa relação. A relação mediata constitui a
essência do movimento negativo, no qual a consciência se dirige
contra a sua singularidade que, no entanto, como relação em si é
positiva, e vai produzir para essa consciência mesma sua unidade.
227 - [Diese mittelbare] Por isso, essa relação mediata é um
silogismo, em que a singularidade - inicialmente fixada como oposta
ao em-si - só mediante um terceiro termo é concluída com esse outro
extremo. Através deste meio-termo, o extremo da consciência imutável é para a consciência inessencial; o que implica, também, que
ela só pode ser para a consciência imutável através desse meio
termo. Esse meio termo, portanto, é tal que representa os dois
extremos, um para o outro, e é ministro recíproco de cada um junto
do outro. Esse meio-termo é, por sua vez, uma essência consciente,
pois é um agir que mediatiza a consciência enquanto tal; o conteúdo
desse agir é o aniquilamento - que a consciência empreende - de
sua singularidade.
228 - [In ihr also] Assim, nesse meio-termo, a consciência se
liberta do agir e do gozo como seus. Repele de si, como extremo
para-si-essente, a essência do seu querer, e lança sobre o meio
termo, ou o ministro, a peculiariedade e a liberdade da decisão, e,
com isto, a culpa de seu agir. Esse mediador, enquanto está em
relação imediata com a essência imutável, desempenha seu ministério aconselhando sobre o que é justo.
A ação, enquanto é seguimento de uma decisão alheia, deixa
de ser própria, segundo o lado do agir ou do querer. Mas resta ainda
à consciência inessencial o lado objetivo da ação, a saber: o fruto
de seu trabalho e o gozo. Assim, repele de si isso também; e como
renuncia à vontade própria, renuncia igualmente à efetividade
conseguida no trabalho e no gozo. Renuncia à efetividade [1] em
parte como à verdade alcançada de sua independência cônscia de
si - enquanto a consciência se põe a fazer algo totalmente estranho:
[ritual] que lhe traz representações e fala linguagem sem sentido; [2]
em parte, como à propriedade exterior - enquanto abre mão do que
possuía, que ganhara pelo trabalho; [3] em parte, como ao gozo
possuído - enquanto no jejum e na mortificação torna-o de novo
totalmente proibido para si.
229 - [Durch diese] Através destes momentos - do renunciar
à própria decisão, e depois à propriedade e ao gozo, e, enfim,
através do momento positivo em que a consciência se põe a fazer
algo que não compreende - ela se priva, em verdade e cabalmente,
da consciência da liberdade interior e exterior, e da efetividade
como seu ser-para-si. Tem a certeza de se ter extrusado verdadeiramente de seu Eu, e de ter feito de sua consciência-de-si imediata
uma coisa, um ser objetivo.
Só mediante esse sacrifício efetivo a consciência podia dar
provas de sua renúncia a si mesma; porque só assim desvanece a
fraude que se aloja no reconhecimento interior da ação de graças
por meio do coração, da intenção e da boca - um reconhecimento
que afasta de si toda a potência do ser-para-si e a atribui a um dom
do alto. Mas até nesse afastar conserva para si a particularidade
exterior na posse, que não abandona, e a particularidade interior
na consciência da decisão que ela mesma toma, e na consciência
do conteúdo dessa decisão determinada por ela; conteúdo que não
trocou por outro conteúdo alheio que a preenchesse sem a menor
significação.
230 - [Aber in der wirklich] Entretanto, neste sacrifício efetivamente consumado, a consciência, como suprassumiu o agir enquanto seu, assim também em-si desprendeu dela sua infelicidade
proveniente desse agir. Que tal desprender tenha ocorrido em-si é
contudo um agir do outro extremo do silogismo, que é o extremo
da essência em-si-essente. Aliás, esse sacrifício do extremo inessencial não era ao mesmo tempo um agir unilateral, mas continha em
si o agir do Outro. Porque o renunciar à vontade própria, só por
um lado é negativo: segundo seu conceito, ou em si. Mas ao mesmo
tempo, é positivo, quer dizer: é pôr a vontade como um Outro, e,
determinadamente, pôr a vontade como um não singular, e sim
como um universal.
Para essa consciência, o significado positivo da vontade singular negativamente posta é a vontade do outro extremo; que,
justamente por ser um Outro para ela, não vem-a-ser através de si,
mas por meio de um terceiro: do mediador, como conselho. Para
ela, portanto, sua vontade vem-a-ser de fato vontade universal e
em si essente; mas ela mesma não é para-si este Em-si. A renúncia
de sua vontade, como singular, não é para ela segundo o conceito,
o positivo da vontade universal. Igualmente, sua renúncia à posse
e ao gozo tem somente o mesmo significado negativo; e o universal,
que para ela vem-a-ser nesse processo, não é para ela seu próprio
agir.
Essa unidade do objetivo e do ser-para-si, que há no conceito
do agir - e que por isso vem-a-ser para a consciência a essência e
o objeto - essa unidade por não ser para a consciência o conceito
de seu agir, tampouco vem-a-ser como objeto, imediatamente para
ela e por meio dela. Porém faz que pelo ministro mediador se
exprima esta certeza ainda cindida - de que somente em-si sua
infelicidade é o avesso, isto é, um agir que se satisfaz a si mesmo em
seu agir, ou seja: um gozo bem-aventurado. Igualmente seu agir
miserável é em si o avesso, isto é, o agir absoluto: segundo o
conceito, o agir, só como agir do singular, é agir em geral.
Mas, para ela mesma, o agir, e seu agir efetivo, continua sendo
um agir miserável; seu gozo, dor; e o ser suprassumido dessa dor,
no sentido positivo, um além. Contudo, nesse objeto - em que seu
agir e seu ser, enquanto desta consciência singular, são para ela ser
e agir em si -, a representação da razão veio-a-ser para ela: a certeza
de ser a consciência em sua singularidade, absolutamente em si; ou
de ser toda a realidade.
Certeza e verdade da razão
231 - [Das Bewusstsein] No pensamento que captou - de que
a consciência singular é em si a essência absoluta -, a consciência
retorna a si mesma. Para a consciência infeliz o ser-em-si é o além
dela mesma. Porém seu movimento nela implementou isto: a singularidade em seu completo desenvolvimento, ou a singularidade que
é a consciência efetiva, como o negativo de si mesma; quer dizer,
como um Extremo objetivo. Em outras palavras: arrancou de si seu
ser-para-si e fez dele um ser.
Nesse [processo] veio-a-ser também para a consciência sua
unidade com esse universal. Unidade que para nós não incide mais
fora dela - já que o singular suprassumido é o universal. E como a
consciência se conserva a si mesma em sua negatividade, essa
[unidade] constitui na consciência como tal a sua essência.
No silogismo em que os extremos se apresentam como absolutamente segregados um do outro, sua verdade é o que aparece
como meio-termo - anunciando à consciência imutável que o
singular fez renúncia de si, e anunciando ao singular que o imutável
já não é um extremo para ele, pois com ele se reconciliou. Esse meio
termo é a unidade que sabe imediatamente os dois extremos e os
põe em relação mútua, e que é a consciência dessa unidade; que
enuncia à consciência - e portanto a si mesma -, a certeza de ser
toda a verdade.
232 - [Damit, dass das] Porque a consciência-de-si é razão,
sua atitude, até agora negativa frente ao ser-outro, se converte numa
atitude positiva. Até agora, só se preocupava com sua inde-
pendência e sua liberdade, a fim de salvar-se e conservar-se para si
mesma, às custas do mundo ou de sua própria efetividade, [Já] que
ambos lhe pareciam o negativo de sua essência. Mas como razão,
segura de si mesma, a consciência-de-si encontrou a paz em relação
a ambos; e pode suportá-los, pois está certa de si mesma como
[sendo] a realidade, ou seja, está certa de que toda a efetividade
não é outra coisa que ela. Seu pensar é imediatamente, ele mesmo,
a efetividade; assim, comporta-se em relação a ela como idealismo.
Para ela, quando assim se apreende, é como se o mundo lhe
viesse-a-ser pela primeira vez. Antes, não entendia o mundo: [só]
o desejava e o trabalhava. Retirava-se dele [recolhendo-se] a si
mesma, e o abolia para si, e a si mesma [abolia] como consciência:
como consciência desse mundo enquanto essência e também como
consciência de sua nulidade.
Só agora - depois que perdeu o sepulcro de sua verdade e
que aboliu a abolição de sua efetividade, e [quando] para ela a
singularidade da consciência é em si a essência absoluta - descobre
o mundo como seu novo mundo efetivo. Agora tem interesse no
permanecer desse mundo, como antes tinha somente no seu desvanecer; pois seu subsistir se lhe torna sua própria verdade e
presença. A consciência tem a certeza de que só a si experimenta
no mundo.
233 - [Die Vernunft ist] A razão é a certeza da consciência de
ser toda a realidade: assim enuncia o idealismo o conceito da razão.
Do mesmo modo que a consciência que vem à cena como razão
tem em si essa certeza imediatamente, assim também o idealismo a
enuncia de forma imediata: Eu sou Eu, no sentido de que o Eu para
mim é objeto. Não no sentido de objeto da consciência-de-si em
geral - que seria apenas um objeto vazio em geral; nem de objeto
da consciência-de-si livre -, que seria somente um objeto retirado
dos outros, que ainda são válidos ao lado dele; mas sim no sentido
de que o Eu é objeto, com a consciência do não-ser de qualquer
outro objeto: é o objeto único, é toda a realidade e presença.
Porém, a consciência-de-si não é toda a realidade somente
para si, mas também em si: porque se torna essa realidade, ou antes,
porque se demonstra como tal. Assim se demonstra através do
caminho, no curso do qual o ser-outro, como em si, desvanece para
a consciência: primeiro, no movimento dialético do 'visar', do
perceber e do entendimento. Demonstra-se depois, no movimento
através da independência da consciência, na dominação e escravidão; através do pensamento da liberdade [do estoicismo], da liber-
tação céptica e da luta de libertação absoluta da consciência cindida
em si mesma; [movimento em que] o ser-Outro desvanece para a
consciência enquanto é somente para ela.
Dois lados se apresentavam, um depois do outro: num a
essência, ou o verdadeiro, tinha para a consciência a determinidade
do ser; no outro a determinidade de ser só para ela. Mas ambos os
lados se reduziam a uma verdade [única], a saber: o que é - ou o
Em-si - somente é, enquanto é para a consciência; e o que é para
ela, é também em si.
A consciência, que é tal verdade, deixou para trás esse caminho e o esqueceu, ao surgir imediatamente como razão; ou seja,
essa razão, que surge imediatamente, surge apenas como certeza
daquela verdade. Assevera somente que é toda a realidade, mas
não conceitua sua asserção; ora, aquele caminho esquecido é o
conceituar dessa asserção expressa de modo imediato. Igualmente,
para quem não fez tal caminho, essa asserção é inconcebível
quando a escuta nessa sua forma pura, - pois numa forma concreta
bem que faz essa asserção.
234 - [Der Idealismus] Por conseguinte o idealismo, que
começa por tal asserção sem mostrar aquele caminho, é por isso
também pura asserção que não se concebe a si mesma; nem se pode
fazer concebível a outros. Enuncia uma certeza imediata, contra a
qual se mantêm firmes outras certezas imediatas, mas que foram
perdidas naquele caminho. E portanto com igual direito que ao lado
da asserção daquela certeza tomam também lugar as asserções
dessas outras certezas. A razão apela para a consciência-de-si de
cada consciência: Eu sou Eu; o Eu é meu objeto e minha essência,
e nenhuma lhe negará essa verdade.
Porém, ao fundar a verdade sobre esse apelo, sanciona a
verdade da outra certeza, a saber: há para mim [um] Outro; [um]
Outro que Eu é para mim objeto e essência; quando Eu sou para
mim objeto e essência, sou isso apenas enquanto Eu me retiro do
Outro, em geral, e tomo lugar ao lado dele como uma efetividade.
Somente quando a razão surge como reflexão a partir dessa
certeza oposta é que surge sua afirmação de si, não mais apenas
como certeza e asserção, mas como verdade; e não ao lado de outras
verdades, mas como a única verdade. O imediato surgir [da verdade] é a abstração de seu ser-presente, cuja essência e ser-em-si é o
conceito absoluto - quer dizer, o movimento de seu ser-que-veioa-ser.
A consciência vai determinar sua relação ao ser-outro ou a
seu objeto, de maneiras diversas, conforme a etapa, em que ela se
encontre do espírito-do-mundo que-se-torna-consciente de si. O
modo como o espírito do mundo em cada caso imediatamente
encontra e determina a si mesmo e a seu objeto - ou como ele é
para si - isso depende do que já veio-a-ser, ou do que já é em-si.
235 - [Die Vernunft ist] A razão é a certeza de ser toda a
realidade. Mas esse Em-si ou essa realidade é, ainda, um absolutamente universal: é a pura abstração da realidade. E a primeira
positividade que a consciência-de-si, em si mesma, é para si: e o Eu,
portanto, é apenas a pura essencialidade do essente, ou a categoria
simples.
Antes, a categoria tinha a significação de ser a essencialidade
do essente; de modo indeterminado, quer essencialidade do essente
em geral, quer do essente em contraste com a consciência. Mas
agora, a categoria é essencialidade ou unidade simples do essente
enquanto efetividade pensante. Ou ainda: a categoria significa que
consciência-de-si e ser são a mesma essência - a mesma, não na
comparação, mas em si e para si. Só o mau idealismo unilateral faz
essa unidade reaparecer de um lado como consciência, e frente a
frente com ela um Em-si.
Agora, essa categoria ou essa unidade simples da consciênciade-si e do ser tem contudo em si a diferença, pois sua essência é
precisamente isto: ser imediatamente igual a si mesma no ser-Outro,
ou na diferença absoluta. Portanto, a diferença é; mas perfeitamente
transparente, e como uma diferença que ao mesmo tempo não é
diferença nenhuma. A diferença manifesta-se como uma multiplicidade de categorias.
O idealismo enuncia a unidade simples da consciência como
[sendo] toda a realidade, e faz dela imediatamente a essência, sem
tê-la conceituado como essência absolutamente negativa. Ora, somente esta última tem em si a negação, a determinidade e a
diferença. Mas isso [que o idealismo propõe] é inconcebível; e mais
inconcebível ainda é que haja na categoria diferenças ou espécies.
Essa asserção em geral, como aliás a asserção de um número
determinado de espécies da categoria, é uma nova asserção. Essa
porém implica em si mesma que não se deve mais aceitá-la como
asserção.
Com efeito, a diferença tem seu princípio no puro Eu, no puro
entendimento mesmo. Desse modo, com isso se admite que a
imediatez, o asseverar, e o encontrar são abandonados, e que o
conceber principia. Contudo, admitir a multiplicidade de categorias
de uma maneira qualquer - por exemplo, a partir dos juízos - como
um achado, e fazer passar por boas as categorias assim encontradas,
isso deve ser considerado como um ultraje à ciência. Onde é que o
entendimento poderia mostrar uma necessidade, se é incapaz de
mostrá-la em si mesmo, que é a necessidade pura?
236 - [Weil nun so] Porque agora pertence desse modo à
razão a pura essencialidade das coisas como [também] sua diferença, não se poderia mais falar de coisas propriamente ditas, isto é,
uma coisa que seria para a consciência somente o negativo de si
mesma. Pois as múltiplas categorias são espécies da categoria pura
- o que significa: ela é ainda seu gênero ou essência, e não se lhes
opõe.
Mas elas já são algo ambíguo, que na sua multiplicidade tem
ao mesmo tempo em si o ser-outro, em oposição à categoria pura;
e a unidade pura deve suprassumir em si tal multiplicidade, constituindo-se desse modo em unidade negativa das diferenças.
Porém, como unidade negativa, exclui de si tanto as diferenças como tais, quanto essa primeira unidade pura e imediata como
tal; é a singularidade, uma nova categoria que é consciência excludente, quer dizer, consciência para a qual há um Outro. A singularidade é sua [própria] passagem, de seu conceito a uma realidade
exterior; é o esquema puro, que tanto é consciência como, por isso
mesmo - enquanto singularidade e Uno excludente -, é o aludir a
um outro.
No entanto, esse Outro de tal categoria são apenas as outras
primeiras categorias, a saber: a essencialidade pura e a diferença
pura; e nessa categoria - isto é, precisamente no Ser-posto do Outro
- ou nesse Outro mesmo, a consciência é igualmente ela mesma.
Cada um desses momentos diversos remete a um outro, mas ao
mesmo tempo sem que neles chegue a nenhum ser-outro. A categoria pura remete às espécies, que passam à categoria negativa ou
à singularidade; essa última remete, por sua vez, àquelas. A categoria mesma é a consciência pura que permanece para si em cada
espécie, como essa unidade clara consigo mesma - uma unidade
porém que igualmente é remetida a um outro; o qual, quando é, [já]
desvaneceu, e quando desvaneceu, é de novo produzido.
237 - [Wir sehen hier] Vemos neste ponto a consciência pura
posta de uma dupla maneira. A primeira vez como irrequieto
vai-e-vem, que percorre todos os seus momentos onde encontra
flutuando o ser-outro, que se suprassume no ato de abarcar. A
segunda vez, antes, como unidade tranqüila certa de sua própria
verdade. Para essa unidade, aquele movimento é o Outro; mas para
aquele movimento, a unidade tranqüila [é que] é o Outro: a consciência e o objeto se alternam nessas determinações recíprocas.
Por conseguinte, a consciência ora é para si um buscar que
vai e vem, enquanto seu objeto é o puro Em-si e essência: ora é
para si categoria simples, enquanto o objeto é o movimento das
diferenças. Porém a consciência, como essência, é esse curso mesmo em sua totalidade: [curso que consiste em] sair de si como
categoria simples, passando à simplicidade e ao objeto, e nele
contemplar esse curso; suprassumir o objeto como distinto para
apropriar-se dele, e proclamar-se como certeza de ser toda a realidade: certeza de ser tanto ela mesma como também seu objeto.
238 - [Sem erstes Aussprechen] Seu primeiro enunciar é
somente essa abstrata palavra vazia de que 'tudo é seu'. Com efeito,
a certeza de ser toda a realidade é só a categoria pura. Essa primeira
razão, que se conhece no objeto, encontra expressão no idealismo
vazio que só apreende a razão como inicialmente é - e por indicar
em todo o ser esse Meu puro da consciência, e enunciar as coisas
como sensações ou representações, acredita ter mostrado esse Meu
puro como realidade acabada. [Tal idealismo] tem de ser ao mesmo
tempo um empirismo absoluto, porque para o enchimento desse
Meu vazio, quer dizer, para a diferença e para a totalidade do
desenvolvimento e da configuração dessa diferença, sua razão
necessita de um "choque estranho" no qual só se encontra a
multiplicidade do sentir e do representar.
Torna-se, portanto, esse idealismo um duplo-sentido contraditório, tanto como o cepticismo, só que exprime de modo positivo
o que o cepticismo [faz] negativamente. Mas como ele, tampouco
consegue conciliar seus pensamentos contraditórios: o da consciência pura como sendo toda a realidade, e também o do choque
estranho, ou seja, do sentir e representar sensíveis, como uma
realidade igual. Debate-se alternadamente entre um pensamento e
o outro, e termina na má infinitude - quer dizer, na infinitude
sensível.
Quando a razão é toda a realidade, no sentido do Meu
abstrato, e quando o Outro lhe é um Estranho indiferente, então se
põe justamente, por parte da razão, esse saber de um Outro; que já
se apresentou como o 'visar' [da certeza sensível], como o perceber
e como o entendimento acolhendo o 'visado' e o percebido. Tal
saber é ao mesmo tempo afirmado como sendo um saber não-ver-
dadeiro, por meio do conceito desse próprio idealismo, uma vez que
só a unidade da apercepção é a verdade do saber.
Para chegar por si mesma a esse Outro que lhe é essencial ou seja, a esse Outro que é o Em-si mas que ela não tem em si mesma -, a Razão pura desse idealismo é remetida a esse saber do
verdadeiro. Ela assim se condena, sabendo e querendo, a um saber
não-verdadeiro; e não pode desprender-se do 'visar' e do perceber,
que para ela própria não têm verdade nenhuma. Encontra-se numa
contradição imediata, ao afirmar como essência algo que é duplo,
e pura e simplesmente oposto: a unidade da apercepção, e, igualmente, a coisa. Pois a coisa, ao ser chamada também choque
estranho ou essência empírica, ou sensibilidade, ou coisa em si, em
seu conceito fica sempre a mesma e estranha à unidade da apercepção.
239 - [Dieser Idealismus] Esse idealismo cai em tal contradição porque afirma como verdadeiro o conceito abstrato da razão.
Por isso a realidade lhe surge imediatamente como algo tal que não
é a realidade da razão; quando a razão deveria ser toda a realidade.
Permanece [a razão] um buscar irrequieto, que no próprio buscar
declara pura e simplesmente impossível a satisfação do encontrar.
Mas a razão efetiva não é tão inconseqüente [assim]: ao
contrário, sendo, de início, só a certeza de ser toda a realidade, está
consciente nesse conceito de não ser ainda, enquanto certeza,
enquanto Eu, a realidade em verdade; e é impelida a elevar sua
certeza à verdade, e a preencher o Meu vazio.
A RAZÃO OBSERVADORA
240 - [Dieses Bewusstsein] Essa consciência, para a qual o
ser tem a significação do seu, nós a vemos agora adentrar-se de
novo no 'visar' e no perceber: mas não como na certeza de um que
apenas é Outro, e sim com a certeza de ser esse Outro mesmo. Antes,
só tinha acontecido perceber e experimentar vários aspectos na
coisa; mas agora é a consciência que faz suas próprias observações
e experiências. O 'visar' e o perceber, que se suprassumiram só para
nós, são agora suprassumidos da consciência para ela mesma. A
razão, pois, parte para conhecer a verdade; para encontrar como
conceito o que era uma coisa para o Visar' e o perceber, isto é, para
ter na coisidade somente a consciência de si mesma.
Por isso a razão tem agora um interesse universal pelo mundo,
já que ela é a certeza de ter no mundo a presença, ou seja, a certeza
de que a presença é racional. Procura a razão seu Outro, sabendo
que não possuirá nada de Outro a não ser ela mesma; busca apenas
sua própria infinitude.
241 - [Zuerst sich in der] A razão que, inicialmente, apenas
se vislumbrava na efetividade - ou que só a sabia como o seu em
geral -, agora avança nesse sentido para a tomada de posse
universal da propriedade que lhe é assegurada; e planta em todos
os cimos e em todos os abismos o marco de sua soberania. Mas esse
Meu superficial não é seu interesse último: a alegria dessa universal
tomada-de-posse ainda encontra em sua propriedade o Outro
estranho, que a razão abstrata não tem em si mesma.
A razão se vislumbra como uma essência mais profunda do
que é o Eu puro, e deve exigir que a diferença - o ser multiforme se torne para ele o próprio seu; que o Eu se intua como a efetividade,
e que se ache presente como figura e como coisa. Porém a razão,
mesmo revolvendo todas as entranhas das coisas, e abrindo-lhes
todas as veias - a fim de ver-se jorrar dali para fora - não alcançará
essa felicidade; mas deve ter-se implementado antes em si mesma,
para depois experimentar sua plena realização.
242 - [Das Bewusstsein] A consciência observa; quer dizer, a
razão quer encontrar-se e possuir-se como objeto essente, como
modo efetivo, sensivelmente presente. De certo, a consciência dessa
observação Visa' e diz que não pretende experimentar-se a si
mesma, mas, pelo contrário, a essência das coisas como coisas. A
consciência Visa' isso e o diz, porque embora sendo razão, ainda
não tem a razão como tal por objeto. Soubesse tal consciência que
a razão é igualmente essência das coisas e da consciência mesma,
- e que a razão, em sua figura peculiar, só na consciência pode estar
presente - então desceria às suas próprias profundezas, e buscaria
a razão antes ali que nas coisas. Seja tivesse encontrado a razão no
mais profundo de si mesma, essa seria novamente levada para fora,
para a efetividade, a fim de nela contemplar sua expressão sensível;
mas também a fim de tomá-la logo, como sendo essencialmente
conceito.
A razão, tal como vem à cena imediatamente, como a certeza
da consciência de ser toda a realidade, toma essa realidade no
sentido da imediotez do ser, e toma também a unidade do Eu com
essa essência objetiva no sentido de uma unidade imediata, na qual
ainda não separou - e tornou a reunir - o momento do ser e o
momento do Eu, ou seja: no sentido de uma unidade que a razão
não conheceu ainda. Portanto, como consciência observadora vai
às coisas, 'visando' tomá-las em verdade como coisas sensíveis,
opostas ao Eu; só que o seu agir efetivo contradiz tal 'visão', pois a
razão conhece as coisas, transforma seu ser sensível em conceitos,
quer dizer, justamente em um ser que é ao mesmo tempo um Eu.
Transforma assim o pensar em um pensar essente, ou o ser em um
ser pensado; e afirma de fato que as coisas só têm verdade como
conceitos. Para essa consciência observadora, somente resulta nesse processo o que as coisas são; mas para nós, o que é a consciência
mesma. O resultado de seu movimento é, pois, que a consciência
vem-a-ser, para si mesma, o que é em si.
243 - [Das Tun der] Temos a considerar o agir da razão
observadora nos momentos de seu movimento; como ela apreende
a natureza, o espírito e, enfim, a relação de ambos em forma de ser
sensível; e como se busca enquanto efetividade essente.
a - OBSERVAÇÃO DA NATUREZA
244 - [Wenn das gedankenlose] Quando a consciência carente-de-pensamento proclama o observar e o experimentar como a
fonte da verdade, suas palavras bem que poderiam soar como se
apenas se tratasse do saborear, cheirar, tocar, ouvir e ver. Porém
essa consciência, no afã com que recomenda o gostar, o cheirar,
etc, esquece de dizer que também o objeto desse sentir já está de
fato determinado para ela, essencialmente; e que, para ela, essa
determinação do objeto vale pelo menos tanto como esse sentir.
Tem de admitir igualmente que, em geral, não se trata só do
perceber; assim, para dar um exemplo, a percepção de que este
canivete está posto aqui ao lado da tabaqueira não tem valor de
observação. O percebido deve ter pelo menos a significação de um
universal, e não de um isto sensível.
245 - [Dies Allgemeine ist] De início, esse universal é apenas
o-que-permanece igual a si: seu movimento é somente a reiteração
uniforme do mesmo agir. A consciência, na medida em que só
encontra no objeto a universalidade ou o Meu abstrato, deve tomar
sobre si mesma o movimento peculiar do objeto, e por não ser ainda
seu entendimento mesmo, deve pelo menos ser sua recordação - a
qual exprime de maneira universal o que na efetividade só está
presente de maneira singular.
Esse superficial extirpar [do sensível] para fora da singularidade, e a forma igualmente superficial da universalidade em que
o sensível é apenas acolhido, sem se ter tornado em si mesmo algo
universal, é o descrever das coisas, que não tem ainda o movimento
no objeto mesmo; esse movimento está, antes, no [ato de] descrever. O objeto, ao ser descrito, perdeu por isso o interesse: se um for
descrito, um outro deve ser tomado em consideração e sempre
procurado, para que a descrição não se esgote. Quando não é tão
fácil encontrar coisas inteiras que sejam novas, então é preciso voltar
às já encontradas, dividi-las e analisá-las ainda mais, e nelas descobrir ainda novos aspectos da coisidade.
Esse instinto insaciável e inquieto não pode ficar sem material;
mas encontrar um novo gênero conspícuo, ou então um novo
planeta -, que embora sendo um indivíduo tem a natureza de um
universal - é sorte que só toca a alguns felizardos. Mas a linha de
demarcação do que é distintivo, digamos, do elefante, do carvalho,
do ouro - do que é gênero e espécie -, passa através de múltiplas
gradações dentro da infinita particularização do caos dos animais e
das plantas; e das rochas, dos metais, e das terras etc, que só por
meio de violência e artifício se devem representar.
Mas nesse reino da indeterminidade do universal, onde a
particularização se reaproxima da singularização, e de novo, aqui e
ali, desce até ela completamente - uma inesgotável reserva se abre
à observação e descrição. Mas aqui, onde parece abrir-se para elas
um campo a perder-se de vista, a observação e a descrição dentro
das fronteiras do universal podem ter encontrado, em vez de uma
imensurável riqueza, somente os limites da natureza e do seu próprio
agir: não podem saber se o que-aparenta ser em si não é uma
contingência. Pois o que leva em si a marca de uma formação
confusa ou rudimentar, débil e mal se desenvolvendo [fora] da
indeterminidade elementar, não pode sequer ter a pretensão de ser
descrito.
246 - [Wenn es diesem Suchen] Embora esse buscar e
descrever aparentemente só diga respeito às coisas, vemos que de
fato não procede segundo o curso da percepção sensível. Ao
contrário: aquilo pelo qual as coisas são conhecidas é mais relevante
para a descrição que o conjunto restante das propriedades sensíveis.
De certo, a própria coisa não pode delas prescindir; porém a
consciência se desembaraça delas.
Mediante essa distinção entre o essencial e o inessencial o
conceito se eleva acima da dispersão sensível, e o conhecer declara
nisso que se ocupa consigo mesmo - pelo menos tão essencialmente
como se ocupa das coisas. Devido a essa dupla essencialidade cai
numa perplexidade; [sem saber] se o que é para o conhecer
essencial e necessário, o seja também na coisa.
De um lado, os sinais característicos devem servir só ao
conhecer, [para] distinguir, por meio deles, as coisas umas das
outras. Mas, de outro lado, o que deve ser conhecido não é o
inessencial das coisas, mas aquilo através do qual as próprias coisas
se arrancam da continuidade universal do ser em geral, se separam
do Outro e são para si Os sinais característicos não devem só ter
uma relação essencial com o conhecer, mas também devem ser as
determinidades essenciais das coisas: o sistema artificial deve ser
conforme ao sistema da própria natureza, e exprimir unicamente
esse sistema.
Isso se segue necessariamente do conceito da razão. O instinto
da razão - pois a razão só procede como instinto nesse observar atingiu em seus sistemas essa unidade na qual os próprios objetos
da razão são de tal modo constituídos que têm neles uma essencialidade, ou um ser-para-si; e não são apenas o acidente deste
momento ou deste lugar. Por exemplo, os sinais-distintivos dos
animais são tirados das unhas e dos dentes; pois, de fato, não é só
o conhecimento que distingue por meio disso um animal do outro,
mas por meio deles o animal mesmo se separa, e com tais armas se
mantém para si e separado do universal. A planta, ao contrário, não
chega ao ser-para-si, mas apenas toca os limites da individualidade.
Nesses limites, onde mostra a aparência da divisão em sexos, as
plantas foram estudadas e distinguidas umas das outras.
Entretanto, o que se situa num nível inferior já não pode
distinguir-se do outro, mas se perde quando entra em oposição. O
ser em repouso e o ser em relação entram em conflito mútuo: a coisa
é no primeiro caso algo diverso do que é no segundo; enquanto o
indivíduo consiste em manter-se em sua relação para com o outro.
Mas o que não é capaz disso, e quimicamente se toma outro do que
é empiricamente, confunde o conhecer, e o conduz ao mesmo
conflito, [hesitando] se deve manter-se em um lado, ou em outro,
já que a própria coisa não é algo-que-permanece-igual; e os seus
lados incidem um fora do outro.
247 - [In solchen Systemen] Em tais sistemas do universal
Que-permanece-igual a si, esse tem a significação do que-permanece-igual a si tanto do conhecimento, quanto das próprias coisas.
Porém nessa expansão das determinidades que-permanecem-
iguais, cada uma delas descreve tranqüilamente a seqüência de seu
processo, e toma espaço para comportar-se a seu modo. Por sua
vez, passa essencialmente a seu contrário, na confusão daquelas
determinidades, pois o sinal-característico - a determinidade universal - é a unidade dos opostos: do que é determinado, e do que
é em si universal; unidade que deve, portanto, decompor-se em tal
oposição.
Se agora, por um lado, a determinidade triunfa sobre o
universal no qual tem sua essência, por outro, o universal conserva
também o seu domínio sobre ela; leva a determinidade a seus
limites, e ali mistura suas diferenças e essencialidades. O observar
que as mantinha ordenadamente separadas, e acreditava ter nelas
algo de fixo, vê que sobre um princípio cavalgam os outros; que se
formam transições e confusões; que está unido o que de início tinha
por simplesmente separado, e separado o que julgava unido.
Portanto, justamente aqui, quando se trata de conhecer os
sinais característicos em suas determinações mais gerais, por exemplo, o animal, a planta, esse manter-se firme no ser em repouso,
que-permanece-igual a si mesmo, vê-se atormentado por instâncias
que lhe tiram qualquer determinação, reduzindo ao silêncio a universalidade a que se tinha elevado, e reconduzindo a uma observação e uma descrição carentes-de-pensamento.
248 - [Dieses sich auf das] Assim, esse observar que se
restringe ao simples - ou que delimita a dispersão sensível mediante
o universal - encontra em seu objeto a confusão de seu princípio;
já que o determinado deve, por sua natureza, perder-se no seu
contrário. Por isso a razão deve, antes, abandonar a determinidade
inerte que tinha o semblante do permanecer, pela observação da
mesma tal como é em verdade, a saber: como [um] referir-se ao seu
contrário.
O que se chama "sinais-característicos essenciais" são determinidades em repouso: quando apreendidas e expressas assim,
como simples, não apresentam o que constitui sua natureza, que é
a de serem momentos evanescentes do movimento que se redobra
sobre si mesmo.
Agora, quando o instinto-da-razão chega à determinidade
conforme sua natureza, que consiste essencialmente em não ser
para si, mas em passar ao seu oposto, então vai em busca da lei e
do conceito da determinidade: procura-os, de certo, como efetividade essente. No entanto, essa determinidade desvanecerá, de fato,
para o instinto-de-razão; e os lados da lei se tornarão puros momen-
tos ou abstrações, de tal modo que a lei virá à luz na natureza do
conceito, que tinha destruído em si o subsistir indiferente da efetividade sensível.
249 - [Dem beobachtenden] Para a consciência observadora
a verdade da lei não está em si e para si mesma; está na experiência,
como no modo em que o ser sensível é para ela.
Mas se a lei não tem sua verdade no conceito, então é algo
contingente, não uma necessidade; ou, de fato, não é uma lei.
No entanto, que a lei seja essencialmente como conceito, isso
não só não contraria a que esteja presente para a observação, senão
que é antes por isso que tem um ser-aí necessário, e é [objeto] para
a observação.
O universal, no sentido da universalidade-de-razão, é também
universal no sentido que o conceito tem nele: o de apresentar-se
para a consciência como o presente e o efetivo. Ou seja: apresenta-se o conceito no modo da coisidade e do ser sensível - porém
sem perder com isso sua natureza, e sem ter sucumbido no subsistir
inerte ou na sucessão indiferente. O que é universalmente válido,
também vigora universalmente. O que deve-ser, também é, de fato.
O que apenas deve ser, sem ser, não tem verdade nenhuma.
Portanto, o instinto da razão, por sua parte, se mantém com
bom direito firme neste ponto; e não se deixa induzir em erro por
esses entes-de-razão que somente devem-ser, e que devem ter
verdade como dever-ser - muito embora não sejam encontrados
em nenhuma experiência. Não se deixa induzir em erro nem pelas
hipóteses nem tampouco por todas as outras "invisibilidades" de
um perene dever-ser. Com efeito, a razão é justamente essa certeza
de possuir a realidade; e o que não é para a consciência como uma
"auto-essência" [Selbstwesen] isto é, o que não se manifesta, para
ela é absolutamente nada.
250 - [Dass die Wahrheit] Para essa consciência que fica no
observar, torna-se de novo uma oposição ao conceito e ao universal
em si [o fato de] que a verdade da lei é essencialmente realidade;
ou seja, uma coisa tal como é sua lei, não é para a consciência uma
essência da razão. A consciência acredita que tem nela algo estranho. Mas contradiz essa sua opinião no próprio fato de não tomar,
ela mesma, sua universalidade no sentido de que todas as coisas
sensíveis singulares deveriam ter-lhe mostrado a manifestação da
lei para poder afirmar a verdade dela. A consciência não exige que
se faça a prova com todas as pedras para afirmar que as pedras, [ao
serem] levantadas da terra e soltas, caem. Talvez diga que, pelo
menos, se deve ter experimentado com um bom número de pedras,
e então se poderá concluir quanto às restantes por analogia, com a
maior probabilidade, ou com pleno direito. Só que a analogia não
dá nenhum pleno direito; mas ainda por sua própria natureza se
contradiz com tanta freqüência que pela analogia mesma se há de
concluir que a analogia não permite fazer conclusão nenhuma.
A probabilidade a que se reduziria o resultado da analogia
perde, com referência à verdade, qualquer diferença de probabilidade maior ou menor; pode ser grande quanto quiser: não é nada
em confronto com a verdade. Mas o instinto da razão aceita, de fato,
tais leis como verdade e só é levado a fazer essa distinção em relação
à sua necessidade, que ele não conhece. [Mas então] rebaixa a
verdade da Coisa mesma à probabilidade, para designar o modo
imperfeito como a verdade está presente para a consciência que
ainda não alcançou a intelecção do puro conceito; pois a universalidade só está presente como simples universalidade imediata.
Mas ao mesmo tempo, em razão dessa universalidade, a lei
tem verdade para a consciência. Para ela, é verdadeiro que a pedra
cai porque para ela a pedra é pesada; quer dizer, porque no peso,
a pedra em si e para si mesma, tem uma relação essencial com a
terra - a relação que se exprime como queda. A consciência tem
assim na experiência o ser da lei, mas tem igualmente a lei como
conceito; e é somente por motivo das duas circunstâncias conjuntamente que a lei é verdadeira para a consciência: vale como lei para
ela porque se apresenta no fenômeno, e porque ao mesmo tempo
é, em si mesma, conceito.
251 - [Der Vernunjtinstinkt] Porque a lei é ao mesmo tempo,
em si, conceito, o instinto da razão necessariamente, mas sem saber
que é isso que quer, procede a purificar, em direção ao conceito, a
lei e seus momentos. Organiza experimentos a respeito da lei. A lei,
logo que aparece, apresenta-se impura, envolta no ser sensível
singular; e o conceito, que constitui a natureza da lei, submerso na
matéria empírica. O instinto-da-razão em seus experimentos trata
de descobrir o que ocorre em tais ou tais circunstâncias. Parece
assim a lei ainda mais imersa no ser sensível; mas pelo contrário, o
ser sensível é que se perde nesse processo.
Esse experimento tem a significação intrínseca de encontrar
as condições puras da lei; e isto não quer dizer outra coisa - embora
a consciência, que assim se exprime, acredite estar dizendo algo
diverso - a não ser elevar a lei plenamente à forma do conceito, e
eliminar toda a aderência de seus momentos ao ser determinado.
Por exemplo: inicialmente, a eletricidade negativa se deu a conhecer
como eletricidade da resina e a eletricidade positiva, como eletricidade do vidro. Mediante experimentos, perdem de todo essa significação e se tornam puramente eletricidade positiva e negativa: cada
uma delas já não pertence a uma espécie particular de coisas. Assim
deixa de se poder dizer que há corpos eletricamente positivos e
corpos eletricamente negativos. Também a relação entre ácido e
base, e seu movimento recíproco, constituem uma lei em que essas
oposições se manifestavam como corpos.
No entanto, essas coisas separadas não têm efetividade nenhuma; a força, que as destaca uma da outra não pode impedi-las
de confluir novamente em um [só] processo, já que são apenas essa
relação. Não podem, como um dente ou uma garra, permanecer
para si e assim serem mostradas. Sua essência consiste em passarem
imediatamente a um produto neutro, o que faz de seu ser um
suprassumido em si ou um universal. O ácido e a base têm a sua
verdade unicamente enquanto universais. Como o vidro e a resina
podem ser eletricamente tanto positivos quanto negativos, o ácido
e a base também não estão ligados, como propriedades, a esta ou
aquela efetividade, mas cada coisa é relativamente ácida ou alcalina.
O que parece ser decididamente ácido ou base recebeu uma significação oposta em relação a uma outra coisa na assim chamada
"sintomatia".
O resultado dos experimentos suprassume, desse modo, os
momentos ou princípios ativos como propriedades das coisas determinadas, e liberta os predicados de seus sujeitos; esses predicados vêm a ser encontrados, tais como em verdade são, só enquanto
universais. Em virtude dessa independência recebem pois o nome
de "matérias", que não são nem corpos nem propriedades, e que
de fato se evita chamar corpos - oxigênio etc, eletricidade positiva
e negativa, calor etc.
252 - [Die Materie] A "matéria", ao contrário, não é uma coisa
essente, mas é o ser como universal, ou seja, o ser no modo do
conceito. A razão que ainda é instinto estabelece essa diferença
correta sem ter consciência de que, por experimentar a lei em todo
o ser sensível, suprassume justo por isso o ser somente sensível da
lei; [nem de que] ao compreender os momentos da lei como
"matérias", sua essencialidade tomou-se então um universal, e
nessa expressão é enunciada como um Sensível não sensível, como
um [ser] incorpóreo e ainda assim objetivo.
253 - [Es ist num zu sehen] É preciso ver agora que rumo
toma, para o instinto da razão, seu resultado; e qual é a nova figura
de seu observar que surge assim. Nós vemos, como verdade dessa
consciência experimentadora, a lei pura que se liberta do ser sensível; vêmo-la como conceito que está presente no ser sensível e no
entanto nele se move independente e solto; nele submerso, [mas]
livre dele, e é conceito simples.
O que é em verdade resultado e essência, surge agora para
essa consciência mesma, mas como objeto. Na verdade, surge como
uma espécie particular de objeto, enquanto justamente para a
consciência esse objeto não é resultado, e não tem relação com o
movimento precedente; e a relação da consciência para com ele
surge como um outro [tipo de] observar.
254 - [Solcher Gegenstand] Um objeto tal, que tem em si o
processo na simplicidade do conceito, é o orgânico. É ele essa
absoluta fluidez em que se dissolve a determinidade através da qual
seria somente para outro. A coisa inorgânica tem a determinidade
como sua essência, e por esse motivo só junto com outra coisa
constitui a plenitude dos momentos do conceito; e portanto se perde
ao entrar em movimento. Ao contrário, na essência orgânica todas
as determinidades, mediante as quais está aberta para outro, estão
reunidas sob a unidade orgânica simples. Nenhuma delas, que se
relacione livremente com outro, emerge como essencial; e por isso
em sua relação mesma, o orgânico se conserva.
255 - [Die Seiten des] Neste ponto, o instinto-da-razão se
aplica à observação dos lados da lei, que são em primeiro lugar,
como decorre da determinação acima, a natureza orgânica e a
inorgânica em sua relação mútua. A inorgânica é justamente para
a orgânica, a liberdade das determinidades destacadas, que se opõe
ao conceito simples da natureza orgânica. Dissolve-se. nessas determinidades a natureza individual que ao mesmo tempo se separa de
sua continuidade e é para si.
Ar, água, terra, zonas e climas são esses elementos universais
que constituem a essência simples indeterminada das individualidades, que nesses elementos estão igualmente refletidas. Nem
a individualidade é pura e simplesmente em si e para si, nem
tampouco os elementos. Ao contrário: na liberdade independente,
em que surgem para a observação um frente ao outro, comportamse ao mesmo tempo como relações essenciais; porém de tal modo
que a independência e a indiferença recíprocas são o predominante;
e que só parcialmente se tornam abstrações.
Portanto, a lei está presente a essa altura como a relação de
um elemento com a formação do orgânico, que uma vez tem diante
de si o ser elementar, e outra vez o representa em sua reflexão
orgânica. Aliás, leis como estas: "os animais que pertencem ao ar
têm a natureza de aves, os que pertencem à água, natureza de
peixes; os animais nórdicos são peludos" - são leis que revelam de
imediato uma pobreza que não corresponde à múltipla variedade
orgânica. Além do mais, já que a liberdade orgânica sabe retirar
suas formas dessas determinações, e oferece necessariamente todo
o tipo de exceções a tais leis - ou regras, como quiserem chamá-las
-, esse modo de determinar fica tão superficial para os seres mesmos
a que se aplica, que inclusive a expressão de sua necessidade não
pode ser senão superficial, e não leva além da grande influência.
Por aí não se sabe exatamente o que pertence e o que não pertence
à tal influência.
Por conseguinte, não se podem chamar leis semelhantes
relações entre o orgânico e os elementos [em que vive] pois, como
já lembramos, por um lado tal relação não esgota, quanto a seu
conteúdo, todo o âmbito do orgânico; e por outro lado, os momentos da relação permanecem ainda indiferentes um ao outro, e não
exprimem nenhuma necessidade.
No conceito de ácido está o conceito de base, como no
conceito de eletricidade positiva, o de eletricidade negativa. Mas,
embora seja possível justapor o pêlo espesso com as regiões nórdicas, a estrutura dos peixes com a água, a das aves com o ar, contudo
no conceito de região nórdica não está o conceito de pelagem
espessa, no conceito de mar não está o da estrutura dos peixes, e
no conceito de ar, o da estrutura das aves. Em virtude dessa
liberdade dos dois termos, um em relação ao outro, há também
animais terrestres que têm os caracteres essenciais de uma ave, de
um peixe etc. A necessidade, porque não pode ser conceituada
como necessidade interior da essência, deixa também de possuir
um ser-aí sensível, e não pode ser mais observada na efetividade,
pois migrou para fora dela. Desse modo não se encontra na própria
essência real, mas é o que se chama relação teleológica; relação,
que, sendo extrínseca aos [termos] relacionados, é por isso, antes,
o contrário de uma lei. É o pensamento totalmente liberto da
natureza necessária, que a abandona e se move para si mesmo,
acima dela.
256 - [Wenn die vorhin] A relação, acima mencionada, do
orgânico com a natureza dos elementos, não exprime a essência do
próprio orgânico, mas ao contrário é no conceito-de-fim que ela
está contida. De certo, para a consciência observadora, o conceitode-fim não é a essência própria do orgânico, mas lhe recai fora da
essência, e assim é para ela apenas essa relação teleológica exterior.
Aliás, o orgânico, como até aqui foi determinado, é de fato o próprio
fim real. Com efeito, por conservar a si mesmo na relação ao Outro,
é justamente essa essência natural, em que a natureza se reflete no
conceito, e em que são recolhidos no Uno momentos que na
necessidade estão postos fora um do outro: uma causa e um efeito,
um ativo e um passivo. Sendo assim, não [temos] aqui algo que
surge somente como resultado da necessidade; ao contrário: porque
o que surgia operou um retorno sobre si mesmo, o último ou o
resultado é igualmente o primeiro: o que inicia o movimento; o que
para si mesmo é o fim que ele toma efetivo. O orgânico não produz
algo, mas somente se conserva; ou seja, o que é produzido, tanto
[já] está presente, como está sendo produzido.
25 7 - [Diese Bestimmung ist] Deve-se examinar mais de perto
essa determinação - como é em si, e como é para o instinto-da-razão
- para ver como ele aí se acha, mas sem se reconhecer em seu
achado.
O conceito-de-fim, ao qual se eleva a razão observadora, tanto
é para ela conceito consciente, como está presente enquanto algo
efetivo: para ela, não é uma relação exterior apenas, e sim sua
essência. Esse efetivo, - que por sua vez é um fim - refere-se
segundo uma finalidade a outra coisa. Isso quer dizer que sua
relação é uma relação contingente - segundo o que os dois são de
modo imediato, [pois] são ambos independentes e indiferentes em
sua relação recíproca. No entanto, a essência de sua relação é algo
outro do que aparenta ser; e seu agir tem um sentido diverso do que
é imediatamente para o perceber sensível.
A necessidade está escondida no que acontece, e só no fim se
manifesta; mas de tal maneira que o fim mostra justamente que essa
necessidade era também o primeiro. O fim, porém, mostra essa
prioridade de si mesmo, porque, através da alteração que o agir
operou, nada resultou que já não fosse. Ou seja: se começamos do
primeiro [vemos que] no fim ou no resultado de seu agir ele apenas
retoma a si mesmo. Portanto, o primeiro se mostra exatamente
como sendo algo tal que tem a si mesmo por seu fim; assim, como
primeiro já retomou a si, ou é em si e para si mesmo. Logo, é a si
mesmo que alcança através do movimento de seu agir; e seu
sentimento-de-si é atingir-se só a si mesmo. Sendo assim, está sem
dúvida presente a diferença entre o que ele é, e o que ele busca.
Mas é só a aparência de uma diferença; por isso é, em si mesmo,
conceito.
258 - [Ebenso ist aber] A consciência-de-si, no entanto, é
constituída de igual maneira: diferencia-se de si mesma de modo
que, ao mesmo tempo, disso não resulta diferença nenhuma. Não
encontra, pois, na observação da natureza orgânica outra coisa que
essa essência: encontra-se como uma coisa, como uma vida; mas
ainda faz uma diferença entre o que ela mesma é, e o que encontra:
diferença, porém, que não é nenhuma.
Como o instinto do animal busca e consome o alimento - mas
com isso nada produz diferente de si - assim também o instinto da
razão em seu buscar só a si mesmo encontra. Termina o animal com
o sentimento-de-si. Ao contrário, o instinto-da-razão é, ao mesmo
tempo, consciência-de-si. Entretanto, por ser instinto apenas, é
posto de lado, em contraste com a consciência, e nela tem sua
oposição. Sua satisfação é, pois, cindida por isso: na verdade,
encontra-se a si mesmo - a saber, o fim - e igualmente encontra
esse fim como coisa. Mas, primeiro, o fim recai para ele, fora da coisa
que se apresenta como fim. E depois, esse fim como fim é ao mesmo
tempo objetivo - e por conseguinte esse [instinto da razão] não recai
em si como consciência, mas sim em um outro entendimento.
259 - [Näher betrachtet] Examinando mais de perto, [vemos
que] reside igualmente no conceito da coisa essa determinação de
que ela é fim em si mesma. Com efeito, a coisa se conserva: isso
significa que sua natureza consiste, ao mesmo tempo, em ocultar a
necessidade e em apresentá-la sob a forma de uma relação contingente. É que sua liberdade, ou seu ser-para-si, consiste precisamente
em comportar-se para com seu necessário como se ele fosse um
indiferente. Desse modo, a coisa se apresenta como algo cujo
conceito incidisse fora do seu ser.
Também a razão necessita contemplar seu conceito como
incidindo fora dela -portanto, como uma coisa; e uma coisa tal que
a razão lhe seja indiferente, e por sua parte seja indiferente à razão
e ao seu conceito. Como instinto, a razão ainda permanece no
interior desse ser ou dessa indiferença; e a coisa, que exprime o
conceito, permanece, para o instinto da razão, algo outro que esse
conceito, e o conceito, algo outro que a coisa. Para ele, a coisa
orgânica é fim para si mesma, de tal modo que a necessidade que
se apresentei como escondida no seu agir - enquanto o agente no
agir se comporta como um essente-para-si indiferente - incide fora
do próprio orgânico.
Mas o orgânico, como fim em si mesmo, só pode comportar-se
enquanto tal, e não de outra maneira: por isso [o fato de] ser fim
em si mesmo se manifesta e tem presença sensível, e assim vem a
ser observado. O orgânico se mostra como algo que se conserva a
si mesmo, e que retorna - e [já] retornou - a si. Mas nesse ser, a
consciência observadora não reconhece o conceito-de-fim, ou não
reconhece que o fim existe exatamente aqui, e como uma coisa; e
não alhures em algum intelecto. Estabelece, entre o conceito-de-fim
e entre o ser-para-si e conservar-se a si mesmo, uma diferença que
não é nenhuma. Mas que não seja uma diferença, isso não é para
a consciência: o que é para ela, é um agir que aparece como
contingente e indiferente ao que se produz por meio dele; e que, no
entanto, é a unidade que reúne os dois momentos - aquele agir e
esse fim - que, para essa consciência, recaem fora um do outro.
260 - [Was in dieser Ansicht] Nessa visão, o que cabe ao
orgânico mesmo é o agir, que permeia entre seu primeiro e seu
último [momento], enquanto esse agir tem nele o caráter da singularidade. Mas o agir, enquanto tem o caráter da universalidade, não
compete ao orgânico - esse agir em que o próprio agente é posto
como igual ao que é produzido por ele, ou o agir enquanto conforme
a um fim.
Aquele agir singular, que é somente meio, passa através de
sua singularidade à determinação de uma necessidade totalmente
singular e contingente. Portanto, segundo esse conteúdo imediato,
é totalmente sem-lei o que o orgânico faz para a conservação de si
mesmo como indivíduo - ou como gênero -, já que o universal e o
conceito incidem fora dele. Seria, pois, o seu agir uma operosidade
vazia, sem conteúdo nela mesma; não seria sequer a operosidade
de uma máquina, pois essa tem um fim, e sua operosidade tem, por
isso, um conteúdo determinado. Abandonado assim pelo universal,
seria apenas atividade de um essente como essente; quer dizer,
atividade que ao mesmo tempo não reflete sobre si, - como a de
um ácido ou de uma base. Seria uma operosidade não destacável
de seu ser-aí imediato, inclusive do ser-aí que se perde na relação
a seu oposto, mas que poderia suster-se.
Porém o ser, cuja operosidade aqui se examina, é posto como
uma coisa que se conserva em sua relação com o seu oposto. A
atividade, como tal, é apenas a pura forma, carente de essência de
seu ser-para-si. Não incide fora dela sua substância, que não é o ser
simplesmente determinado, mas o universal: ou seja, o seu fim.
É a atividade que em si mesma retorna a si, sem ser a si mesma
reconduzida por qualquer coisa de estranho.
261 - [Diese Einheit] Mas, por isso, essa unidade da universalidade e da atividade não é para essa consciência observadora;
com efeito, tal unidade é essencialmente o movimento interior do
orgânico e só pode ser captada como conceito. Ora, o observar
procura os momentos na forma do ser e do permanecer; e como a
totalidade orgânica consiste essencialmente em que nela não estão
contidos nem podem ser encontrados os momentos, a consciência
transforma a oposição numa que seja conforme a seu modo de ver.
262 - [Es entsteht ihm] A essência orgânica, dessa maneira,
surge para a consciência como um relacionamento de dois momentos fixos e essentes - uma oposição cujos dois lados aparentam, de
uma parte, ser dados à consciência na observação, mas de outra
parte exprimem, por seu conteúdo, a oposição entre o conceito
orgânico de fim e a efetividade. Mas, sendo aqui abolido o conceito
como tal, tudo isso se apresenta de maneira obscura e superficial,
onde o pensamento sucumbe na representação. Vemos assim que
ao falar de interior o que se 'visa' é mais ou menos o primeiro
momento; e ao falar de exterior, o segundo. Seu relacionamento
produz a lei de que 'o exterior é a expressão do interior7.
263 - [Dies Innere mit seinem] Examinando melhor esse
interior com seu oposto e seu relacionamento mútuo, ressalta em
primeiro lugar que os dois lados da lei já não soam como nas leis
anteriores, em que cada um deles aparecia como um corpo particular - como se fossem coisas independentes. Em segundo lugar, [já
não supõem] que o universal deva ter sua existência em algum lugar
fora do essente. Ao contrário: em geral, a essência orgânica é
indivisamente posta no fundamento como conteúdo do interior e
do exterior, e é a mesma para os dois. Por isso ainda, a oposição é
só puramente formal e seus lados reais têm, por sua essência, o
mesmo em-si; mas ao mesmo tempo parecem ter, para o observar,
um conteúdo peculiar, enquanto o interior e o exterior são realidades opostas, e cada um deles, um ser distinto para o observar.
Contudo, esse conteúdo peculiar, por ser a mesma substância e a
mesma unidade orgânica, de fato pode ser apenas uma forma
diferente dela. Ora, é isso que é significado pela consciência observadora [quando diz] que o exterior é somente a expressão do
interior.
No conceito-de-fim, vimos essas mesmas determinações da
relação, i.é, a independência indiferente dos diferentes; e nessa
independência, sua unidade em que desvanecem.
264 ~ [Es ist nun zu sehen] Veremos agora que figura têm em
seu ser interior e exterior. O interior como tal deve também ter um
ser exterior e uma figura, assim como o exterior enquanto tal porque é objeto, ou seja, é também posto como essente, e como
presente para a observação.
265 - [Die organische Substanz] A substância orgânica, como
substância interior, é a alma simples, o puro conceito-de-fim ou o
universal que em sua divisão permanece igualmente fluidez universal, e por isso se manifesta em seu ser como o agir ou o movimento
da efetividade evanescente. Ao contrário, o exterior, oposto a esse
interior essente, subsiste no ser inerte do orgânico. A lei, como
relação desse interior com esse exterior, exprime assim seu conteúdo, uma vez na apresentação dos momentos universais ou essencialidades simples, e outra vez na apresentação da essencialidade
efetiva, ou da figura.
Aquelas primeiras propriedades orgânicas simples - para
assim chamá-las - são sensibilidade, inritabilidade e reprodução.
Essas propriedades - pelo menos as duas primeiras - parecem de
certo não referir-se ao organismo em geral, mas só ao organismo
animal. O organismo vegetal só exprime, de fato, o conceito simples
do organismo que não desenvolve seus momentos. Por isso, considerando esses organismos enquanto devem ser para a observação,
devemos nos ater ao organismo que representa o ser-aí desenvolvido desses momentos.
266 - [Was nun sie selbst] Agora, no que diz respeito a esses
momentos, eles resultam imediatamente do conceito do fim-em-simesmo. Com efeito, a sensibilidade exprime, em geral, o conceito
simples da reflexão orgânica em si, ou a fluidez universal do
conceito; mas a irritabilidade exprime a elasticidade orgânica, a
capacidade de se comportar como reagente, ao mesmo tempo, na
reflexão; e exprime a efetivação, oposta ao primeiro ser-dentro~desi inerte. Nessa efetivação, aquele ser-para-si abstrato é um ser para
outro. Por sua vez, a reprodução é a ação desse organismo total
refletindo sobre si mesmo; é a sua atividade como fim em si ou como
gênero; atividade, pois, em que o indivíduo de si mesmo se expulsa,
e engendrando repete ou suas parte orgânicas, ou o indivíduo
completo.
A reprodução, tomada no sentido de autoconservação em
geral, exprime o conceito formal do orgânico ou da sensibilidade.
Porém ela é propriamente o conceito orgânico real, ou o todo que
sobre si retorna - ou como indivíduo pela produção das partes
singulares dele mesmo, ou como gênero, pela produção de indivíduos.
267 - [Die andere Bedeutung] A outra significação desses
elementos orgânicos, enquanto são tomados como o exterior, é sua
maneira figurada: sob essa forma estão presentes como partes
efetivas mas também, ao mesmo tempo, como partes universais ou
como sistemas orgânicos. A sensibilidade, digamos, como sistema
nervoso, a irritabilidade como sistema muscular, a reprodução
como sistema visceral da conservação do indivíduo ou do gênero.
268 - [Eigentümliche Gesetze] As leis peculiares do orgânico
dizem respeito, portanto, a uma relação dos momentos orgânicos
em sua dupla significação: a de serem ora uma parte da figuração
orgânica, ora uma determinação fluida universal que pervade todos
aqueles sistemas. Na expressão de uma tal lei, por exemplo uma
sensibilidade determinada, como momento do organismo total, teria
sua expressão num sistema nervoso de constituição determinada;
ou ainda, estaria unida a uma reprodução determinada das partes
orgânicas do indivíduo, ou a propagação do todo etc.
Os dois lados de uma tal lei podem ser observados. O exterior,
segundo o seu conceito, é o ser-para-Outro; a sensibilidade, por
exemplo, tem no sistema sensitivo seu modo imediatamente efetivado; e como propriedade universal é, nas suas exteriorizações,
também algo objetivo. O lado que se chama interior tem seu próprio
exterior que é distinto do que se chama exterior no todo.
269 - [Die beiden Seiten] Podem-se observar, de certo, os
dois lados de uma lei orgânica, mas não as leis segundo as quais se
relacionam. A observação não alcança essas leis, não porque como
observação tenha vista demasiado curta, ou porque não deva
proceder empiricamente, e sim partir da idéia: tais leis, com efeito,
se fossem algo real, deveriam ser efetivamente presentes e, portanto,
observáveis. Porém [a observação não as alcança] porque o pensamento de leis dessa espécie se demonstra não ter verdade nenhuma.
270 - [Es ergab sich] Assim, resulta ser uma lei a relação
segundo a qual a propriedade orgânica universal, em um sistema
orgânico, se transforma em coisa, e nela tem sua marca configurada,
de modo que as duas sejam a mesma essência: num caso, presente
como momento universal; no outro, como coisa. Mas além disso, o
lado do interior é também, por si, uma relação de muitos lados; e
assim se apresenta, à primeira vista, o pensamento de uma lei como
relação das atividades ou propriedades orgânicas universais, umas
com as outras. Se tal lei é possível, isso deve-se decidir conforme a
natureza de uma tal propriedade. Ora, uma propriedade, enquanto
é uma fluidez universal, por um lado não é algo delimitado, à
maneira de uma coisa, que se mantenha na diferença de um ser-aí,
o qual devesse constituir sua figura. Ao contrário: a sensibilidade
ultrapassa o sistema nervoso, e pervade todos os outros sistemas do
organismo. Por outra parte, essa propriedade é momento universal,
que é essencialmente inseparado e inseparável da reação ou irritabilidade, e da reprodução. Com efeito, como reflexão em si, a
sensibilidade já tem, simplesmente, a reação nela.
O ser-refletido-em-si somente é passividade, ou ser morto, e
não sensibilidade; [mas] sem o ser-refletido-em-si, tampouco a ação
- que é o mesmo que a reação - é irritabilidade. A reflexão na ação,
ou na reação; e a ação e a reação na reflexão - é isso justamente
cuja unidade constitui o orgânico: uma unidade que tem uma
mesma significação com a reprodução orgânica. Segue-se daí que
em cada modo da efetividade deve estar presente o mesmo grau de
sensibilidade e de irritabilidade - enquanto consideramos primeiro
a relação mútua entre a sensibilidade e a irritabilidade. Segue-se
também que um fenômeno orgânico pode ser igualmente bem
apreendido e determinado - ou, se preferem, explicado - tanto
segundo uma como segundo a outra. O mesmo que para alguém é
sensibilidade elevada, para outro pode ser irritabilidade elevada, e
irritabilidade do mesmo grau. Dando-lhes o nome de fatores - e isso
não deve ser uma palavra carente-de-sentido - há de se entender,
por tal expressão, que são momentos do conceito, e portanto que
o objeto real cuja essência esse conceito constitui, os contém de igual
maneira. Se esse objeto, conforme um fator, for determinado como
muito sensível, deve-se enunciar, segundo o outro fator, como
igualmente irritável.
271 - [Werden sie unterschieden] Se, como necessário, se
distinguem [as propriedades orgânicas] então são distintas segundo
o conceito, e sua oposição é qualitativa. Mas quando, além dessa
verdadeira distinção, elas se manifestam numa diversidade quantitativa, também são postas como diversas enquanto essentes e para
a representação, de modo que possam formar os lados da lei.
Sua posição qualitativa peculiar se torna uma oposição de
grandeza, e então surgem leis desta espécie "a sensibilidade e a
irritabilidade variam na razão inversa de sua grandeza, de forma
que quando uma cresce, a outra diminui". Para dizer melhor,
tomando diretamente a grandeza por conteúdo, "a grandeza de
uma coisa aumenta, quando sua pequenez diminui".
Mas se um conteúdo determinado for dado a essa lei, algo
como "a grandeza de um buraco aumenta à medida que diminui o
material que o enche" então essa razão inversa pode ser transformada numa direta e exprimir-se assim: "a grandeza do buraco
aumenta na razão direta do material retirado". Uma proposição
tautológica; seja expressa como razão direta ou inversa, e que em
sua expressão peculiar só quer dizer que "uma grandeza aumenta
quando essa grandeza aumenta". O buraco e o material que o enche
e é jogado fora são qualitativamente opostos, enquanto o real deles
e sua grandeza determinada são, em ambos, uma só e a mesma
coisa, de forma que sua oposição vazia de sentido vem a dar numa
tautologia.
Do mesmo modo, os momentos orgânicos são igualmente
inseparáveis em seu real, e em sua grandeza - que é a grandeza
desse real. Um momento só com o outro diminui, e só com ele
aumenta, porque um só tem pura e simplesmente significação na
medida em que o outro está presente. Ou melhor: é indiferente
considerar um fenômeno orgânico como irritabilidade ou como
sensibilidade; é indiferente em geral, mas também falando de sua
grandeza. Também é indiferente exprimir o aumento de um buraco
como seu aumento enquanto vazio, ou como aumento do material
retirado para fora. Assim também, um número, por exemplo o 3,
tem igual grandeza, quer seja designado como positivo ou como
negativo. E se for aumentado de 3 para 4, então o positivo como o
negativo se torna 4. Igualmente, num ímã o pólo sul tem exatamente
a mesma força que o pólo norte; e uma eletricidade positiva, a
mesma força que a negativa; ou o ácido, que a base sobre a qual
reage.
Ora, um ser-aí orgânico é também uma grandeza - como esse
3, ou um ímã, etc. É esse ser-aí que é aumentando e diminuído.
Quando é aumentado, aumentam seus dois fatores; como sucede
com os dois pólos do ímã, ou com as duas eletricidades, se um ímã
etc. for reforçado. Os dois fatores tampouco podem ser diversos em
intensidade e em extensão, de forma que um não possa diminuir
em extensão, aumentando em intensidade, enquanto o outro, ao
contrário, diminuísse em intensidade mas aumentasse em extensão.
Isso cai no mesmo conceito de oposição vazia: a intensidade real é
também pura e simplesmente tão grande quanto a extensão e
vice-versa.
272 - [Es geht, wie erhellt] Como é claro, nesse [modo de]
legislar sucede exatamente o seguinte: primeiro, a irritabilidade e a
sensibilidade constituem a oposição orgânica determinada. Mas
esse conteúdo se perde, e a oposição se extravia na oposição formal
do aumento e da diminuição da grandeza, ou na oposição da
intensidade e extensão diversas. Tal oposição não tem mais nada a
ver com a natureza da sensibilidade e da irritabilidade, e não mais
a exprime. Por isso, semelhante jogo vazio - o do legislar - não está
ligado aos momentos orgânicos, mas pode ser aplicado a tudo em
toda a parte; e em geral se baseia na ignorância quanto à natureza
lógica dessas oposições.
273 - [Wird endlich statt] Finalmente, considerando em vez
de sensibilidade e irritabilidade, a reprodução referindo-a a um ou
outro desses momentos, deixa de haver, sequer, ocasião para esse
legislar. Com efeito, a reprodução não está em oposição a esses
momentos, como eles estão um com o outro. Ora, como esse legislar
repousa em tal oposição, aqui falta assim até mesmo a aparência de
sua ocorrência.
274 - [Das so eben] Esse legislar acima examinado contém as
diferenças do organismo na sua significação de momentos de seu
conceito; e deveria ser, estritamente falando, um legislar a priori.
Porém nele está essencialmente contido este pensamento de que as
diferenças têm a significação de coisas presentes; e de que a
consciência simplesmente observadora deve ater-se, sem mais, ao
ser-aí desses dados. A efetividade orgânica tem em si, necessariamente, uma oposição tal como seu conceito a exprime. Pode ser
determinada como oposição entre irritabilidade e sensibilidade; do
mesmo modo, os dois conceitos, por sua vez, aparecem distintos do
da reprodução.
A exterioridade, na qual são considerados aqui os momentos
do conceito orgânico, é a exterioridade imediata, própria do interior;
não o exterior que é o exterior no todo, e é figura. A seguir, vamos
tratar do interior com referência a esse exterior.
275 - [Aber den Gegensatz] Mas entendendo a oposição dos
momentos como é no ser-aí, a sensibilidade, a irritabilidade e a
reprodução se degradam em propriedades ordinárias, que são
universalidades tão indiferentes umas às outras como peso específico, cor, dureza etc. Nesse sentido, é claro, pode-se observar que
um ser orgânico é mais sensível, mais irritável, ou tem maior
força-reprodutiva que um outro. Pode-se observar que a sensibilidade etc. de uma espécie é diferente da de outra; que frente a
estímulos determinados um se comporta diversamente do outro,
como o cavalo diante da aveia ou do feno, e o cão diante dos dois
etc. pode ser observado que um corpo é mais duro que outro, e
assim por diante.
No entanto, quando correlacionadas e comparadas umas às
outras, tais propriedades sensíveis - dureza, cor, e outras que tais contradizem essencialmente uma conformidade-à-lei. [O mesmo
sucede] com os fenômenos da receptividade a um estímulo, por
exemplo, à aveia; da irritabilidade a certos pesos; e da disposição a
gerar certa qualidade e quantidade de filhotes. Com efeito, a determinidade de seu ser sensível consiste justamente em existirem
totalmente indiferentes uns em relação aos outros; em representarem a liberdade da natureza emancipada do conceito, de
preferência à unidade de um relacionamento, o jogo irracional e
oscilante entre os momentos do conceito na escala da grandeza
contingente, de preferência a [representar] esses momentos mesmos.
276 - [Die andere Seite] O outro lado, segundo o qual os
momentos simples do conceito orgânico são comparados com os
momentos da configuração, daria a lei propriamente dita. Essa
expressaria o exterior verdadeiro como vestígio do interior. Ora,
aqueles momentos simples, por serem propriedades fluidas que se
interpenetram, não têm na coisa orgânica uma tal expressão real
isolada, como o que se chama sistema singular da figura. Ou seja:
a idéia abstrata do organismo só se expressa verdadeiramente
naqueles três momentos por não serem nada de estável, mas apenas
momentos do conceito e do movimento; o organismo, ao contrário,
como configuração, não se capta nesses três sistemas determinados,
tais como a anatomia os dissocia. À medida que tais sistemas devem
ser encontrados em sua efetividade e legitimados pelo fato de serem
encontrados, também é preciso lembrar que a anatomia não mostra
somente três sistemas desse tipo e sim muitos mais. Aliás, mesmo
abstraindo disso, o sistema sensitivo, em geral, tem de significar algo
completamente distinto daquilo que se chama sistema nervoso; o
sistema irritável, algo distinto do sistema muscular; ou o sistema
reprodutivo, algo distinto dos órgãos de reprodução.
Nos sistemas da figura, como tal, apreende-se o organismo
segundo o aspecto abstrato da existência morta; seus momentos
assim captados pertencem à anatomia e ao cadáver, não ao conhecimento e ao organismo vivo. Como partes mortas, esses momentos
já deixaram de ser, pois deixam de ser processos. Pois o ser do
organismo é essencialmente universalidade ou reflexão sobre si
mesmo; por isso o ser de sua totalidade - como o de seus momentos
- não pode subsistir em um sistema anatômico, mas antes, a
expressão efetiva e sua exterioridade só estão presentes como um
movimento que discorre através das distintas partes da configuração. Nesse movimento, o que se destaca e se fixa como sistema
singular apresenta-se essencialmente como momento fluido, de tal
modo que essa efetividade, tal como a anatomia encontra, não pode
valer como sua realidade mas apenas como processo. Somente
nesse processo as partes anatômicas têm também um sentido.
277 - [Es ergibt sich] Segue-se assim que nem os momentos
do interior orgânico, tomados por si mesmos, são capazes de
fornecer os lados de uma lei do ser; pois numa tal lei, sendo
predicados de um ser-aí, seriam diferentes um do outro; e um não
poderia enunciar-se de igual maneira, em lugar do outro. Segue-se
também que esses momentos, postos em um lado, não teriam no
outro sua realização num sistema fixo. Com efeito, em geral tal
sistema está longe de encerrar uma verdade orgânica e também de
ser a expressão daqueles momentos do interior.
O essencial do orgânico - posto que em si é o universal - antes
consiste (em geral) em ter seus momentos na efetividade de modo
igualmente universal, quer dizer, como processos que se desenrolam; mas não em oferecer a imagem do universal numa coisa
isolada.
278 - [Aufdiese Weise] Dessa maneira, perde-se no orgânico
a representação de uma lei, em geral. A lei quer apreender e exprimir
a oposição como lados inertes - e, neles, a determinidade, que é
sua relação recíproca. O interior, a que pertence a universalidade
aparente [fenomenal], e o exterior, a que pertencem as partes da
figura inerte, deveriam constituir os lados da lei, em relação recíproca; porém, ao serem mantidos assim separados-um-do-outro, perdem sua significação orgânica. A representação da lei tem
justamente por base que seus dois lados possuam uma subsistência
indiferente, para si essente; e que a relação entre eles se distribua
como uma dupla determinidade correspondente a tal relação. Porém cada lado do orgânico consiste, antes, nisto: em ser, em si
mesmo, universalidade simples na qual se dissolvem todas as determinações; e em ser o movimento dessa dissolução.
279 - [Die Einsicht in den] Focalizando a diferença desse
modo de formular leis em relação às formas anteriores, sua natureza
será plenamente esclarecida. Com efeito, se considerarmos retrospectivamente o movimento da percepção e do entendimento - que
nela se reflete em si mesmo e com isso determina seu objeto - vemos
que o entendimento ali não tinha diante de si em seu objeto a relação
entre essas determinações abstratas, do universal e do singular, do
essencial e do exterior. O entendimento é o transitar, para o qual
esse transitar não se toma objetivo. Aqui, ao contrário, a própria
unidade orgânica é o objeto, isto é, [a unidade que é] justamente a
relação entre aquelas oposições; relação que é puro transitar. Esse
transitar, na sua simplicidade, é imediatamente universalidade e,
enquanto a universalidade entra na diferença cuja relação a lei deve
exprimir, seus momentos são como objetos universais dessa consciência, e a lei proclama que o exterior é a expressão do interior.
Aqui, o entendimento captou o pensamento mesmo da lei, quando
antes só buscava, em geral, leis cujos momentos flutuavam diante
dele como um conteúdo determinado, e não como os pensamentos
da lei.
Assim, no que respeita o conteúdo, aqui não se devem manter
tais leis que sejam apenas um acolher estático, na forma do universal, de diferenças puramente essentes. Ao contrário: [só se devem
aceitar] leis que nessas diferenças tenham imediatamente também
a inquietude do conceito, e portanto, ao mesmo tempo, a necessidade da relação entre os lados. Ora, o objeto, a unidade orgânica,
combina imediatamente o infinito suprassumir; ou a negação absoluta do ser, com o ser inerte, e os momentos são essencialmente
puro transitar; por esse motivo, justamente, não se produzem esses
lados essentes, como os que são requeridos pela lei.
280 - [Um solche zu erhalten] Para obter esses lados, o
entendimento deve ater-se ao outro momento da relação orgânica
- quer dizer, ao ser-refletido em si mesmo do ser-aí orgânico. Porém
esse ser se encontra tão perfeitamente refletido em si que nenhuma
determinidade lhe resta quanto ao outro. O ser sensível imediato
forma uma unidade imediata com a determinidade como tal, e
portanto exprime uma diferença qualitativa nele: por exemplo, o
azul em relação ao vermelho e o ácido em relação ao alcalino. Mas
o ser orgânico, retornado a si mesmo, é de todo indiferente quanto
ao outro: seu ser-aí é a universalidade simples; e recusa, ao observar, diferenças sensíveis permanentes, ou - o que é o mesmo —só
mostra sua determinidade essencial como mudança das determinidades essentes.
Portanto a diferença, que se exprime como diferença essente,
consiste justamente em ser uma diferença indiferente, isto é, [em
ser] como grandeza. Porém com isso o conceito é abolido e a
necessidade desvanece. Ora, o conteúdo e a implementação desse
ser indiferente, a mudança das determinações sensíveis, reunidas
na simplicidade de uma determinação orgânica, exprimem ao mesmo tempo que esse conteúdo não tem precisamente aquela determinidade da propriedade imediata, e que o qualitativo recai na
grandeza apenas, como vimos mais acima.
281 - [Ob also schon das] O objetivo, apreendido como
determinidade orgânica, já tem em si mesmo o conceito e se
distingue do [objeto] que é para o entendimento, que procede como
puramente perceptivo no apreender do conteúdo de suas leis. Não
obstante, é certo que aquele apreender recai de todo no princípio e
na modalidade do entendimento puramente perceptivo, pois o que
é apreendido se utiliza para [constituir] momentos de uma lei. Assim
recebe o modo de uma determinidade fixa, a forma de uma propriedade imediata ou de um fenômeno inerte; para ser finalmente
acolhido na determinação da grandeza; e a natureza do conceito é
sufocada. A troca de algo puramente percebido por algo em si
refletido, de uma determinidade meramente sensível por uma determinidade orgânica, perde assim seu valor; e perde pelo fato de
não ter o entendimento suprassumido ainda o [costume de] formular leis.
282 - [Um die Vergleichung] Recorrendo à comparação de
alguns exemplos a propósito dessa troca, o que para a percepção é
um animal de músculos robustos, se determina como organismo
animal de irritabilidade elevada. O que para a percepção é um
estado de grande fraqueza, determina-se como estado de grande
sensibilidade ou, se preferem, como uma afecção anormal, e precisamente como uma potenciação dessa sensibilidade (São expressões que traduzem o sensível não para o conceito, mas para o latim,
e, ainda por cima, para um mau latim). Que o animal tenha fortes
músculos, pode também expressá-lo o entendimento dizendo que
possui uma grande força muscular, do mesmo modo que a grande
debilidade pode ser expressa como uma força pequena. A determinação pela irritabilidade tem sobre a determinação pela força a
vantagem de que essa última exprime a reflexão indeterminada, e
aquela, a reflexão determinada. Com efeito, a força peculiar do
músculo é justamente a irritabilidade. E tem, sobre a determinação
"pelos fortes músculos", a vantagem de conter nela a reflexão sobre
si - como já [sucedia] na força. Do mesmo modo, a fraqueza ou
pouca força, a passividade orgânica, é expressa determinadamente
pela sensibilidade. Mas essa sensibilidade, assim tomada e fixada
181
para si, e ainda unida à determinação da grandeza, opõe-se com
maior ou menor sensibilidade a uma irritabilidade maior ou menor.
Assim porém cada uma delas sucumbe de todo no elemento sensível, e na forma ordinária de uma propriedade. Sua relação não é o
conceito, mas ao contrário a grandeza na qual agora recai a oposição, tornando-se uma diferença carente-de-pensamento.
Sem dúvida, retirando o que há de indeterminado nas expressões de força, robustez, fraqueza, ainda assim vai surgir agora um
volutear igualmente fútil e indeterminado em torno das oposições
de uma maior ou menor sensibilidade e irritabilidade, em seu crescer
e decrescer, conjuntamente ou em direção oposta.
Como a robustez e a fraqueza são determinações totalmente
sensíveis e carentes-de-pensamento, também a maior ou menor
sensibilidade ou irritabilidade é o fenômeno sensível apreendido e
expresso do mesmo modo carente-de-pensamento. O conceito não
passou a ocupar o lugar daquelas expressões carentes-de-conceito;
ao contrário, a robustez e a fraqueza foram preenchidas mediante
uma determinação, que tomada por si só se baseia no conceito e o
tem por conteúdo, mas que perde de todo essa origem e esse caráter.
Assim, por meio da forma da simplicidade e da imediatez em
que esse conteúdo se converte em um lado da lei, e por meio da
grandeza, que constitui o elemento da diferença dessas determinações - a essência, que originariamente é como conceito e como
conceito é posta, mantém o modo da percepção sensível e permanece tão distante do conhecimento quanto o era na determinação
segundo a robustez ou fraqueza da força, ou segundo as propriedades sensíveis imediatas.
283 - [Es ist itzt auch noch] Agora falta ainda considerar o
que é o exterior do orgânico somente para si e como nele se
determina a oposição entre seu interior e seu exterior - do mesmo
modo como o interior do todo inicialmente foi considerado na
relação com o seu próprio exterior.
284 - [Das Äusserefür sich] O exterior, considerado para si,
é a figuração em geral, o sistema da vida articulando-se no elemento
do ser e essencialmente, ao mesmo tempo, o ser da essência
orgânica para um outro: essência objetiva em seu ser-para-si. Esse
Outro se manifesta primeiro em sua natureza orgânica externa.
Como vimos acima, considerando os dois termos em ordem a uma
lei, a natureza inorgânica não pode constituir um lado da lei frente
à essência orgânica, uma vez que essa última é pura e simplesmente
para si, e se refere à natureza inorgânica de um modo livre e
universal.
285 - [Das Verhaltnis dieser] No entanto, se a relação dos dois
lados for determinada mais precisamente na figura orgânica, então,
essa por um lado está voltada contra a natureza inorgância, mas,
por outro lado, é para si, e refletida sobre si. A essência orgânica
efetiva é o meio termo que conclui o ser-para-si da vida junto com
o exterior em geral, ou o ser-em-si. Mas o extremo do ser-para-si é
o interior como Uno infinito que recupera em si os momentos da
figura mesma, retirando-os de sua subsistência e vinculação com o
exterior. [Esse extremo] é o carente-de-conteúdo, que se outorga
seu conteúdo na figura e que nela aparece como o seu processo.
Nesse extremo, como negatividade simples ou como singularidade
pura, o orgânico tem sua liberdade absoluta, graças à qual é
indiferente e garantido ante o ser para outro, e ante a determinidade
dos momentos da figura.
Essa liberdade é, igualmente, liberdade dos momentos mesmos: é sua possibilidade de se manifestarem e de serem apreendidos
como aí-essentes. E como nessa liberdade são livres e indiferentes
quanto ao exterior, assim também o são reciprocamente, porque a
simplicidade dessa liberdade é o ser ou sua substância simples. Esse
conceito, ou essa liberdade pura, é uma só e a mesma vida, embora
a figura - ou o ser para outro - possa ainda armar muitos jogos
variados. É indiferente a esse rio da vida que espécie de moinhos
ele faz girar.
Antes de mais nada, é preciso notar que neste ponto o conceito
não deve entender-se como anteriormente, quando se considerava
o interior propriamente dito em sua forma de processo ou do
desenvolvimento de seus momentos. [Aqui deve entender-se] em
sua forma de interior simples, que constitui o lado puramente
universal, em contraste com a essência viva efetiva, ou como o
elemento da subsistência dos membros essentes da figura; pois é
dessa figura que aqui tratamos, e nela a essência da vida está como
a simplicidade da subsistência. E então, o ser para outro ou a
determinidade da figuração efetiva, acolhida nessa universalidade
simples que é sua essência, é também uma determinidade não
sensível simples e universal; que só pode ser a determinidade
expressa como número.
O número é o meio termo da figura que une a vida indeterminada com a vida efetiva: simples como uma, e determinado como
a outra. O que na primeira - no interior - estaria como número,
deveria ser expresso a seu modo pelo exterior, como efetividade
multiforme, gênero de vida, cor etc; como toda a multidão de
diferenças, em geral, que se desenvolvem no fenômeno.
286 - [Die beiden Seiten] Comparando os dois lados do todo
orgânico - um, o exterior, outro, o interior, de forma que cada qual
tenha de novo em si um exterior e um interior - com seu interior
respectivo, vemos que o interior do primeiro era o conceito como
inquietude da abstração; mas que o segundo tem por interior a
universalidade inerte, e nela também a determinidade inerte: o
número. Portanto, se o primeiro lado - já que nele o conceito
desenvolve seus momentos - promete leis ilusoriamente, devido à
aparência de necessidade da relação, o segundo lado renuncia de
vez a elas, porque o número se mostra como a determinação de um
lado das suas leis. Pois o número é precisamente a determinidade
de todo inerte, indiferente e morta na qual todo movimento e
relacionamento se extinguem; e que rompeu a ponte [que a unia]
com a vitalidade dos impulsos, com os hábitos, tipo de vida e com
todo o ser-aí sensível.
287 - [Diese Betrachtung] Porém, de fato, não é mais consideração do orgânico, essa consideração da figura do orgânico como
tal, e do interior como um interior simplesmente da figura. Porque
são postos como indiferentes um ao outro os dois lados que
deveriam referir-se mutuamente; e assim é suprassumida a reflexão
sobre si, que constitui a essência do orgânico. Mas a comparação
tentada entre interior e exterior é antes transferida à natureza
inorgânica. O conceito infinito é aqui somente a essência, escondida
no íntimo [do ser], ou que incide fora [dele], na consciência-de-si:
não tem mais sua presença objetiva como tinha no orgânico. Esse
relacionamento entre interior e exterior deve ainda ser considerado
em sua esfera peculiar.
288 - [Zuerst ist jenes] Em primeiro lugar, esse interior da
figura, como singularidade simples de uma coisa orgânica, é o peso
específico. Pode ser observado como ser simples, como a determinidade do número - a única de que é capaz; ou então, ser encontrado propriamente pela comparação das observações: dessa
maneira parece fornecer um dos lados da lei. Figura, cor, dureza,
resistência, e uma multidão inúmera de outras propriedades, formariam, em conjunto, o lado exterior, e teriam de exprimir a determinidade do interior - o número - de modo que um lado tivesse sua
contrapartida no outro.
289 - [Weil nun die] Sendo que a negatividade já não é
entendida aqui como movimento do processo, mas como unidade
inerte ou ser para si simples, ela antes se manifesta como aquilo pelo
qual a coisa resiste ao processo, e se mantém em si e como
indiferente ao mesmo. Mas, porque esse ser-para-si simples é uma
indiferença inerte quanto ao outro, o peso específico aparece como
uma propriedade ao lado das outras; com isso cessa todo o seu
relacionamento necessário com essa multiplicidade, ou toda conformidade-à-lei.
O peso específico, como esse interior simples, não tem a
diferença nele mesmo, ou seja, só tem a diferença inessencial; pois
justamente sua simplicidade pura suprassume toda a diferenciação
essencial. Essa diferença inessencial - a grandeza - deveria ter no
outro lado, que é a multiplicidade de propriedades, sua contrapartida, ou o Outro, porque só assim seria diferença, em geral. Se essa
multiplicidade mesma for reunida na simplicidade da oposição e
determinada, digamos, como coesão - de forma que essa seja o para
si no ser-Outro, assim como o peso específico é o puro ser-para-si
-, nesse caso tal coesão é antes de tudo essa pura determinidade
posta no conceito, em contraste com a primeira determinidade. E a
maneira do legislar seria a que acima consideramos, no relacionamento entre sensibilidade e irritabilidade.
Além disso, a coesão, como conceito do ser para si no ser-Outro, é somente a abstração do lado que está oposto ao do peso
específico, e, como tal, não tem existência nenhuma. Pois o ser-para-si no ser-Outro é o processo em que o inorgânico teria que
exprimir seu ser-para-si como uma autoconservação, que aliás o
livraria de sair do processo como momento de um produto. Só que
isso é precisamente contra sua natureza, que não tem nela mesma
o fim ou a necessidade. Seu processo é, antes, somente o proceder
determinado, [o modo] como se suprassume seu ser-para-si, seu
peso específico. Esse proceder determinado, no qual a coesão
subsistiria em seu verdadeiro conceito, e a grandeza determinada
de seu peso específico são conceitos de todo indiferentes um para
com o outro.
Excluindo totalmente de consideração esse tipo de proceder,
e restringindo-o à representação da grandeza, poder-se-ia talvez
pensar essa determinação como se o peso específico maior, enquanto um ser-dentro-de-si mais elevado, resistisse mais entrar no processo que o peso específico menor. Mas ao contrário, a liberdade
do ser-para-si só se comprova na facilidade de relacionar-se com
todas as coisas e de conservar-se nessa variedade multiforme.
Aquela intensidade sem extensão dos relacionamentos é uma abstração carente-de-conteúdo, uma vez que a extensão constitui o
ser-aí da intensidade. Mas, como foi lembrado, a autoconservação
do inorgânico em seu relacionamento incide fora da sua natureza,
porque o inorgânico não tem nele mesmo o princípio do movimento, ou porque seu ser não é a negatividade absoluta, não é conceito.
290 - [Diese andere Seite] Ao contrário, tomando esse outro
lado do inorgânico não como processo mas como ser inerte - então
é a coesão ordinária, uma propriedade sensível simples. Ha é posta
de um lado, em contraste com o momento do ser-Outro, deixadoem-liberdade, que se decompõe em múltiplas propriedades, mutuamente indiferentes, e que entra nelas como o peso específico. A
multidão das propriedades, em conjunto, constitui o outro lado
desse. Mas nele, como nos outros, o número é a única determinidade que não só exprime um relacionamento e uma passagem
dessas propriedades, reciprocamente; senão que é justamente constituído essencialmente por não ter nenhum relacionamento necessário, mas por representar a abolição de toda a conformidade-à-lei;
pois o número é a expressão da determinidade como uma determinidade inessenàal
Sendo assim, uma série de corpos, cuja diferença é expressa
como diferença-numérica de seus pesos específicos, não é em
absoluto paralela a uma série que exprima a diferença de outras
propriedades, mesmo se, para facilitar a Coisa [Sache] for tomada
uma só propriedade ou algumas delas. Pois, de fato, o que nesse
paralelo deveria constituir o outro lado, seria unicamente todo o
bloco dessas propriedades. Para organizá-las entre elas e reuni-las
em um todo, de uma parte estão presentes para a observação as
determinidades de grandeza dessas variegadas propriedades, mas
de outra parte suas diferenças entram [em jogo] como qualitativas.
Ora, o que nesse aglomerado [de propriedades] deveria ser designado como positivo ou negativo, e se suprassumiria mutuamente em geral a figuração interna, a exposição e a enunciação da fórmula,
que seria muito complexa -, tudo isso pertenceria ao conceito. Mas
o conceito é excluído justamente pela maneira como as propriedades se apresentam e são apreendidas: como essentes. Nesse ser,
nenhuma mostra o caráter de um negativo com respeito à outra, se
não que uma é, nem mais nem menos que a outra, e não indica aliás
sua posição no ordenamento do todo.
Em uma série que procede por diferenças paralelas, a relação
poderia entender-se como crescente dos dois lados, ou como crescente de um lado e decrescente de outro. Numa tal série, só se trata
da última expressão simples desse todo concentrado que deveria
constituir um dos lados da lei frente ao lado do peso específico.
Porém, esse lado, como resultado essente, não é outra coisa que o
já mencionado: uma propriedade singular, como seria a coesão
ordinária. Ao lado dela, indiferentemente, outras estão presentes,
inclusive o peso específico. Qualquer outra propriedade poderia ser
escolhida com igual direito, quer dizer, com igual falta de direito,
para representar o outro lado todo. Cada uma delas representaria
- em alemão, vorstellen - a essência, mas não seria a Coisa mesma.
Assim, o intento de encontrar séries de corpos que se organizem
segundo esse paralelismo simples de dois lados, e exprimam a
natureza essencial dos corpos segundo uma lei desses lados, deve
ser considerado como um pensamento que desconhece sua tarefa
própria e os meios através dos quais ela deva ser cumprida.
291 - [Es wurde vorhin] Anteriormente, o relacionamento
entre o exterior e o interior na figura que deve apresentar-se à
observação, foi transferido, sem mais, à esfera do inorgânico. Agora
pode-se indicar melhor a determinação que produz essa transferência, resultando disso ainda outra forma e comportamento dessa
relação.
Em geral, falta no orgânico justamente o que no inorgânico
parece oferecer a possibilidade de uma tal comparação entre o
interior e o exterior. O interior inorgânico é um interior simples, que
se oferece à percepção como propriedade essehte. A grandeza é,
essencialmente, a determinidade do interior, o qual se manifesta
como propriedade essente, indiferente ao exterior e às outras numerosas propriedades sensíveis. Porém o ser-para-si, do Orgânicovivente, não se apresenta assim, de um lado, em contraste com seu
exterior, mas tem em si mesmo o princípio do ser-outro.
Determinando o ser-para-si como relacionamento consigo
mesmo, que é simples e que-se-conserva, então seu ser-Outro será
a negatividade simples; e a unidade orgânica, a unidade do relacionar-se consigo igual-a-si-mesmo, e a negatividade pura. Essa unidade é, como unidade, o interior do orgânico; por isso ele é em si
universal, ou é gênero. Mas a liberdade do gênero ante sua efetividade é outra coisa que a liberdade do peso específico ante a sua
figura; que é uma liberdade essente, ou uma liberdade que se põe
ao lado como propriedade especial. Mas, por ser liberdade essente,
também é apenas uma determinidade que pertence essencialmente
a essa figura; ou, mediante a qual essa figura, como essência, é algo
determinado. A liberdade do gênero, porém, é uma liberdade
universal, e indiferente quanto à sua figura, ou quanto à sua
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efetividade. A determinidade que compete ao ser-para-si do inorgânico, como tal, incide no orgânico sob o seu ser-para-si; enquanto
no inorgânico, somente sob seu ser. Embora já no inorgânico a
determinidade igualmente esteja só como propriedade, contudo é
a ela que pertence a dignidade da essência; porque, como negativo
simples, contrasta com o ser-aí enquanto ser para outro. Ora, esse
negativo simples, em sua última determinidade singular, é um
número.
Ao contrário, o orgânico é uma singularidade que é, por sua
vez, negatividade pura; e que por isso elimina em si a determinidade
fixa do número que compete ao ser indiferente. À medida que o
orgânico tem nele o momento do ser indiferente.- inclusive o
momento do número -, pode assim o número ser tomado apenas
como um jogo [que se faz] no orgânico, mas não como a essência
de sua vitalidade.
292 - [Wenn nun aber] A pura negatividade, princípio do
processo, não recai fora do orgânico: portanto, esse orgânico não
a tem em sua essência como uma determinidade, mas a própria
singularidade do orgânico é, em si, universal. Entretanto, essa
singularidade pura não está no orgânico, desenvolvida e efetiva em
seus momentos, como sendo eles mesmos abstratos ou universais.
Ao contrário: essa expressão passa fora daquela universalidade, que
recai na interioridade. Ora, o universal determinado, a espécie, se
insinua entre a efetividade ou a figura - isto é, a singularidade que
se desenvolve - e o universal orgânico, ou o gênero. A existência,
a que chega a negatividade do universal - ou o gênero - é apenas
o movimento desenvolvido de um processo que percorre as partes
da figura essente.
O gênero orgânico seria consciência se nele tivesse suas partes
distintas como simplicidade inerte; e se sua negatividade simples
como tal fosse assim ao mesmo tempo o movimento que percorre
as partes também simples e imediatamente universais em si mesmas
- que no caso seriam efetivas como tais momentos. No entanto, a
determinidade simples, como determinidade da espécie, está presente no gênero [orgânico] de uma maneira carente-de-espírito. A
efetividade começa a partir do gênero, ou seja, o que entra na
efetividade não é o gênero como tal, isto é: não é absolutamente o
pensamento.
O gênero como orgânico efetivo se faz apenas substituir por
um representante. Mas esse representante, o número, parece indicar
a passagem do gênero à figuração individual, e oferecer à observa-
ção os dois lados da necessidade - entendida ora como determinidade simples, ora como figura desenvolvida até à multiplicidade.
[Na verdade, porém], o número antes designa a indiferença e a
liberdade recíprocas do universal e do singular. O singular foi
abandonado pelo gênero a uma diferença carente de essência - a
diferença de grandeza; mas o singular mesmo, enquanto [ser] vivo,
mostra-se também livre dessa diferença. A universalidade verdadeira, como já foi determinada, é aqui somente a essência interior;
como determinidade da espécie, é universalidade formal. Em contraste com ela, coloca-se aquela universalidade verdadeira ao lado
da singularidade, a qual por isso é uma singularidade vivente, que
mediante o seu interior se põe acima de sua determinidade como
espécie.
Entretanto, essa singularidade não é, ao mesmo tempo, o
indivíduo universal no qual a universalidade tenha igualmente uma
efetividade exterior: o indivíduo universal incide fora do orgânicovivente. Porém esse indivíduo universal, tal como é imediatamente
- o indivíduo das figurações naturais -, não é a consciência mesma.
Se tivesse de ser consciência não poderia incidir fora dele seu ser-aí
como indivíduo singular, orgânico, vivente.
293 - [Wir sehen daher] Temos pois um silogismo, em que
um dos extremos é a vida universal como universal ou como gênero;
o outro extremo, porém, é a mesma vida universal, mas como
singular, ou como indivíduo universal. O meio-termo é composto
pelos dois extremos: um parece insinuar-se no meio-termo como
universalidade determinada ou como espécie; e o segundo, como
singularidade propriamente dita ou como individualidade singular.
E porque esse silogismo pertence, em geral, ao lado da figuração,
está compreendido sob ele o que se distingue como natureza
inorgânica.
294 - [Indem nun das] Agora a vida universal, como essência
simples do gênero, desenvolve de seu lado as diferenças do conceito
e deve apresentá-las como uma série de determinidades simples;
por isso essa série é um sistema de diferenças postas indiferentemente, ou uma série-numérica. Anteriormente, o orgânico foi
oposto, na forma da singularidade, a essa diferença, carente-de-essência, que não exprime nem contém a natureza vivente da própria
singularidade; e o mesmo deve ser dito a respeito do inorgânico,
segundo o seu ser-aí-completo, desenvolvido na multidão de suas
propriedades. Mas agora é preciso considerar o indivíduo universal,
não somente como livre de qualquer sistematização do gênero, mas
também como a potência [que se exerce] sobre o próprio gênero.
O gênero se divide em espécies segundo a determinidade
universal do número, ou também pode tomar por base de sua
divisão as determinidades singulares de seu ser-aí, por exemplo, a
figura, a cor etc. Mas nessa calma tarefa, sofre violência por parte
do indivíduo universal - a Terra -, que, como negatividade universal faz valer, contra o sistematizar do gênero, as diferenças tais como
a Terra tem em si, e cuja natureza, devido à substância a que
pertencem, é diferente da natureza do gênero. Esse agir do gênero
torna-se uma tarefa totalmente restringida, que o gênero só pode
levar adiante dentro [do contexto] daqueles elementos possantes; e
que, interrompida de todo modo por sua violência sem freio,
torna-se cheia de lacunas e fracassos.
295 - [Es folgt hieraus] Em conseqüência disso, no ser-aí
figurado, a razão só pode vir-a-ser para a observação como vida
em geral. Uma vida, porém, que em seu diferenciar não tem em si
efetivamente uma seriação e uma articulação racionais, e não é um
sistema de figuras fundado em si mesmo.
[Suponhamos que], no silogismo da figuração orgânica, o
meio-termo, em que recai a espécie, e sua efetividade enquanto
individualidade singular, tivesse nele mesmo os extremos da universalidade interior e da individualidade universal. [Se assim fosse],
esse meio-termo teria no movimento de sua efetividade a expressão
e a natureza da universalidade, e seria o desenvolvimento sistematizando-se a si mesmo.
É desse modo que a consciência, entre o espírito universal e
sua singularidade, ou consciência sensível, tem por meio-termo o
sistema das figurações da consciência, como uma vida do espírito
ordenando-se para [constituir] um todo: é o sistema considerado
nesta obra, e que, como história do mundo, tem seu ser-aí objetivo.
Mas a natureza orgânica não tem história: de seu universal - a vida
- precipita-se imediatamente na singularidade do ser-aí; e os momentos unificados nessa efetividade - a determinidade simples e a
vitalidade singular - produzem o vir-a-ser apenas como o movimento contingente, no qual cada um desses momentos é ativo em sua
parte, e no qual o todo é conservado. Porém essa mobilidade é,
para si mesma, limitada somente a seu [próprio] ponto, porque nele
o todo não está presente; e não está presente porque aqui não está
como todo para si.
296 - [Ausserdem also] Assim, a razão observadora só chega,
na natureza do orgânico, à intuição de si mesma como vida universal em geral. Além disso, para a própria razão, a intuição do
desenvolvimento e da realização dessa vida só é possível segundo
sistemas diferenciados de uma maneira totalmente universal. A
determinação ou essência desses sistemas não está no orgânico
como tal, mas no indivíduo universal, e, sob essas diferenças
[vindas] da Terra, a intuição do desenvolvimento e da realização
dessa vida torna-se possível somente de acordo com as seriações
que o gênero tenta [estabelecer].
297- [IndemAlso in seiner] Auniversalidade da vida orgânica
em sua efetividade, sem a mediação verdadeira para-si-essente,
deve portanto precipitar-se imediatamente no extremo da singularidade; entretanto, a consciência observadora só tem diante de si,
como coisa, o 'visar1 [da natureza]. Embora a razão possa ter um
interesse ocioso em observar esse 'visar', deve limitar-se ao descrever e ao narrar das intenções e caprichos da natureza. Essa liberdade, carente-de-espírito, do 'visar', na certa vai oferecer, seja como
for, embriões de leis, traços de necessidade, alusões à ordem e à
classificação, relações argutas e aparentes. Mas ao relacionar o
orgânico com as diferenças essentes do inorgânico - elementos,
zonas, climas - a observação, no que respeita à lei e à necessidade,
não vai além da grande influência.
Mas há outro lado, em que a individualidade não tem a
significação da Terra, mas a do Uno imanente à vida orgânica. Esse
Uno, em unidade imediata com o universal, constitui o gênero -,
mas um gênero cuja unidade simples só se determina como número
e deixa livre, portanto, o fenômeno qualitativo. Nesse lado, pois, a
observação não pode ir além das indicações adequadas, das relações interessantes, das deferências ao conceito. Mas tais indicações
adequadas não são nenhum saber da necessidade; as relações
interessantes ficam só no interesse, porém o interesse ainda é só o
'visar' da razão. E as deferências do indivíduo para com o conceito
são uma gentileza de criança, que, ao pretenderem ter algum valor
em si e para si, são apenas infantis.
b. A OBSERVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA DE SI
EM SUA PUREZA E EM SUA REFERÊNCIA
À EFETIVIDADE EXTERIOR:
LEIS LÓGICAS E LEIS PSICOLÓGICAS
298 - [Die Naturbeobachtung] A observação da natureza
encontra o conceito realizado na natureza inorgânica; [sob a forma
de] leis cujos momentos são coisas que ao mesmo tempo se comportam como abstrações. Mas esse conceito não é uma simplicidade
refletida em si mesma. Ao contrário, a vida da natureza orgânica é
somente essa simplicidade em si mesma refletida. A oposição em si
mesma, como oposição do universal e do singular, não se decompõe [nesses momentos] na essência dessa vida mesma. A essência
não é o gênero que se separe e se mova em seu elemento carentede-diferenças, e que ao mesmo tempo permaneça para si mesmo
indiferenciado em sua oposição. A observação só encontra esse
conceito livre, cuja universalidade contém em si mesma, de modo
igualmente absoluto, a singularidade desenvolvida, só no próprio
conceito existente como conceito, ou na consciência-de-si.
299 - [Indem sie sich] Retornando agora a si mesma, e
dirigindo-se ao conceito que é efetivo enquanto livre, a observação
encontra primeiro as leis do pensar. Essa singularidade - que nele
mesmo é o pensar - é o movimento abstrato do negativo, movimento de todo retraído para dentro da simplicidade; e as leis ficam fora
da realidade. Não têm nenhuma realidade: isso, em geral, não
significa outra coisa que: 'as leis são sem verdade'. Mas se não
devem ser a verdade total, que pelo menos sejam a verdade formal.
Só que o puro formal sem realidade é o ente-de-razão, ou a
abstração vazia, sem ter nela a cisão - que não seria outra coisa que
o conteúdo.
De outro lado, essas leis são leis do puro pensar. Ora, o pensar
é o universal em si, e portanto um saber que tem nele o ser,
imediatamente; e no ser toda a realidade. Por isso tais leis são
conceitos absolutos, e são indivisamente as essencialidades tanto
da forma quanto das coisas. Uma vez que a universalidade, movendo-se em si, é o conceito simples que é cindido - o conceito dessa
maneira tem conteúdo em si, e justamente um que é todo o
conteúdo; só não é um ser sensível. E um conteúdo que não está
em contradição com a forma, nem, de modo algum, separado dela.
Ao contrário: é essencialmente a própria forma, já que essa não é
outra coisa que o universal separando-se em seus momentos puros.
300 - [Wie aber diese Form] Essa forma ou conteúdo - tal
como é para a observação como observação - recebe a determinação de um conteúdo achado, dado; quer dizer, um conteúdo
apenas essente. Torna-se um calmo ser de relações, um grande
número de necessidades dissociadas, que como conteúdo fixo em
si e para si devem ter a verdade em sua determinidade, e assim são
de fato subtraídas à forma.
Mas essa verdade absoluta de determinidades fixas, ou de
muitas leis diversas, contradiz a unidade da consciência de si, ou
seja, a unidade do pensar e da forma em geral. O que é enunciado
como lei fixa e permanente em si pode ser somente como um
momento da unidade refletindo-se em si, e surgir apenas como uma
grandeza evanescente. Porém quando essas leis são arrancadas,
pela operação que as examina, a esse conjunto coeso do movimento
e expostas isoladamente, o conteúdo não lhes vem a faltar, pois têm
nelas um conteúdo determinado; o que lhes falta é antes a forma,
que é sua essência.
De fato, essas leis não são a verdade do pensamento; não
porque devam ser apenas formais, e não ter nenhum conteúdo, mas
antes pela razão oposta: porque em sua determinidade - ou justamente como um conteúdo ao qual a forma foi subtraída - devem
valer como algo de absoluto. Em sua verdade, como momentos
evanescentes na unidade do pensar, deveriam ser tomadas como
saber, ou como movimento pensante, mas não como leis do saber.
Mas o observar não é o saber mesmo, e não o conhece; ao contrário,
inverte a natureza do saber dando-lhe a figura do ser, isto é, só
entende sua negatividade como leis do ser.
E bastante, neste ponto, ter indicado nos termos gerais do
problema a nenhuma verdade das assim chamadas leis-do-pensamento. Um desenvolvimento mais preciso pertence à filosofia especulativa, na qual essas leis se mostram como em verdade são, a
saber, como momentos singulares evanescentes cuja verdade é
tão-somente o todo do movimento pensante: o próprio saber.
301 - [Diese negative Einheit] Essa unidade negativa do
pensar é para si mesma, ou melhor, é o ser-para-si-mesmo, o
princípio da individualidade; e é, em sua realidade, consciência
operante. Pela natureza das coisas, a consciência observadora será
conduzida até essa [outra] consciência, como realidade daquelas
leis. Mas porque esse nexo [entre as leis-de-pensar e a consciência
operante] não é [evidente] para a consciência observadora, ela
acredita que o pensar, em suas leis, fica de um lado, e que de outro
lado recebe um outro ser naquilo que lhe é objeto agora, ou seja,
na consciência operante. Essa consciência é para si de modo que
suprassume o ser-Outro, e tem sua efetividade nessa intuição de si
mesmo como o negativo.
302 - [Es erõffnet sich also] Abre-se pois novo campo para a
observação na efetividade operante da consciência. A psicologia
contém grande número de leis, segundo as quais o espírito se
comporta diversamente para com os diversos modos de sua efetividade - enquanto essa efetividade é um ser-outro encontrado. Tal
comportamento consiste, por uma parte, em acolher em si mesmo
esses modos diversos, em adaptar-se ao que é assim encontrado:
hábitos, costumes, modos de pensar, enquanto o espírito é neles
objeto para si mesmo como efetividade. Mas, por outra parte, [esse
comportamento consiste] em saber-se [atuando] espontaneamente
frente a eles, a fim de retirar para si, dessa efetividade, só algo
especial segundo a própria inclinação e paixão, e, portanto, em
adaptar o objetivo a si mesmo. No primeiro caso, o espírito se
comporta negativamente para consigo mesmo, enquanto singularidade; no outro caso, negativamente para consigo, enquanto
universal.
Conforme o primeiro lado, a independência só confere ao
encontrado a forma da individualidade consciente em geral, e, no
que respeita o conteúdo, permanece no interior da efetividade
universal encontrada. Mas, conforme o outro lado, a independência
confere a essa efetividade ao menos uma modificação peculiar, que
não contradiz seu conteúdo essencial, ou seja, uma modificação
pela qual o indivíduo, como efetividade especial e como conteúdo
peculiar, se opõe àquela efetividade universal. Essa oposição vem
a tornar-se crime quando o indivíduo suprassume essa efetividade
de uma maneira apenas singular; ou vem a tornar-se um outro
mundo - outro direito, outra lei e outros costumes, produzidos em
lugar dos presentes - quando o indivíduo o faz de maneira universal
e, portanto, para todos.
303 - [Die beobachtende Psychologie] A psicologia observadora enuncia, primeiro, suas percepções dos modos universais que
se lhe apresentam na consciência ativa; encontra numerosas faculdades, inclinações e paixões. Ora, na enumeração de tal coleção
não se deixa reprimir a lembrança da unidade da consciência de si;
por isso a psicologia deve, ao menos, chegar até ao [ponto de]
maravilhar-se de que possam estar juntas no espírito, como num
saco, tantas coisas tão contingentes e heterogêneas, especialmente
porque não se mostram como coisas mortas, mas como movimentos
irrequietos.
304 - [In der Hererzählung] Na enumeração dessas diversas
faculdades, a observação está no lado universal: a unidade dessas
múltiplas capacidades é o lado oposto a essa universalidade: a
individualidade efetiva.
Tem menos interesse do que descrever as espécies de insetos,
musgos etc, isso de apreender as diferenças efetivas, de modo a
descrever um homem como tendo mais inclinação a isso, e um
outro, mais inclinação àquilo; que fulano tem mais inteligência que
sicrano. De fato, espécies vegetais e animais dão à observação o
direito de tomá-las assim, de modo singular e carente-de-conceito,
pois pertencem essencialmente ao elemento da singularização contingente. Ao contrário, tomar a individualidade consciente de uma
maneira carente-de-espírito, como fenômeno singular essente, tem
a contradizê-lo [o fato de] que sua essência é o universal do espírito.
Aliás, à medida que o apreender faz ao mesmo tempo a individualidade entrar na forma da universalidade, ele encontra a lei da
individualidade; e parece então ter um fim racional e desempenhar
uma tarefa necessária.
305 - [Die Momente, die] Os momentos constitutivos do
conteúdo da lei são, de um lado, a própria individualidade, e, de
outro, sua natureza inorgânica universal, ou as circunstâncias,
situações, hábitos, costumes, religião etc. que são "achados" e em
função dos quais a individualidade determinada tem de ser concebida. Eles contêm o determinado como também o universal, e são
ao mesmo tempo algo presente [ou um dado] que se oferece à
observação, e se exprime, de outro lado, na forma da individualidade.
306 - [Das Gesetz dieses] A lei dessas relações entre os dois
lados deveria agora conter o tipo de efeito e de influência que essas
circunstâncias determinadas exercem sobre a individualidade. Essa
individualidade consiste justamente nisto: [1] em ser o universal e
portanto em confluir de uma maneira tranqüila imediata com esse
universal que está presente como costumes, hábitos, etc; [2] e, [ao
mesmo tempo], em comportar-se como oposta a eles, e portanto em
subvertê-los; [3] como também em comportar-se, em sua singularidade, com total indiferença a seu respeito; não os deixando agir
sobre ela, nem sendo ativa contra eles.
Só da própria individualidade depende, pois, o que deve ter
influência sobre ela, e qual influência isso deva ter - o que vem a
dar exatamente no mesmo. Portanto [dizer] que tal individualidade,
mediante essa influência, se tornou esta individualidade determinada não significa outra coisa senão que ela já era isso antes.
Circunstâncias, situações, costumes etc., que uma vez são indicados
com dados, e outra vez são indicados nesta individualidade determinada, somente exprimem a essência indeterminada da individualidade - da qual não se trata aqui. O indivíduo não seria o que
é, se essas circunstâncias, maneiras de pensar, costumes, estado-domundo em geral, não tivessem sido; porque tal substância universal
é tudo que se acha nesse estado-do-mundo.
Entretanto, para poder particularizar-se neste indivíduo - pois
trata-se justamente de conceber um tal indivíduo - o estado-domundo deveria particularizar-se em si e para si mesmo, e nessa
determinidade, que teria a si conferido, deveria ter agido sobre um
indivíduo: só assim teria feito dele este indivíduo determinado que
é. Fosse o exterior constituído, em si e para si, tal como se manifesta
na individualidade, essa seria bem compreensível a partir dele.
Teríamos então uma dupla galeria de quadros, em que uma seria
reflexo da outra; uma, a galeria da determinidade completa e da
delimitação das circunstâncias exteriores; outra, a mesma galeria,
mas traduzida nessa modalidade segundo a qual as circunstâncias
estão dentro da essência consciente. Uma seria a superfície da
esfera; sua essência consciente seria o centro que representaria em
si a superfície.
307 - [Aber die Kügelfläche] Mas a superfície da esfera - o
mundo do indivíduo - tem imediatamente a dupla significação de
ser mundo e situação em si e para si essentes, e de ser o mundo do
indivíduo: ou enquanto esse indivíduo, somente confluindo com
ele, teria feito entrar em si o mundo tal como é, comporiando-se a
seu respeito somente como consciência formal; ou então, é o mundo
do indivíduo enquanto o [dado] presente foi subvertido por ele.
Como, pois, a efetividade é susceptível de uma dupla significação em virtude dessa liberdade, então o mundo do indivíduo tem
de ser concebido a partir do indivíduo mesmo. A influência da
efetividade, que é representada como essente em si e para si, sobre
o indivíduo, recebe através desse indivíduo o sentido absolutamente oposto: o indivíduo, ou deixa correr impertuibado o fluxo da
efetividade que o influencia, ou então o interrompe e o inverte.
Desse modo porém a necessidade psicológica toma-se uma palavra
tão vazia, que se dá a possibilidade absoluta de que o indivíduo que
teria tido aquela influência pudesse também não ter tido.
308 - [Es fällt hiermit] Desaparece, com isso, o ser que seria
em si e para si, e que deveria formar um dos lados da lei, e
precisamente o lado universal. A individualidade é o que é seu
mundo como um mundo seu: é ela o círculo do seu agir, em que se
apresentou como efetividade. É pura e simplesmente a unidade do
ser enquanto dado e do ser enquanto construído: unidade em que
os lados não incidem fora um do outro - como [ocorria] na
representação da lei psicológica, em que um dos lados era o mundo
em si como presente, e o outro, a individualidade como para si
essente. Ou seja: se forem considerados esses lados, cada um para
si, não se dá mais nenhuma necessidade, e nenhuma lei de sua
relação mútua.
c. OBSERVAÇÃO DA RELAÇÃO DA
CONSCIÊNCIA-DE-SI
COM SUA EFETIVIDADE IMEDIATA:
FISIOGNOMIA E FRENOLOGIA
309 - [Die psychologische] A observação psicológica não
encontra nenhuma lei da relação da consciência-de-si para com a
efetividade, ou com o mundo oposto a essa consciência de si.
Devido à recíproca indiferença dos dois lados, a observação é
relançada em direção à determinidade peculiar da individualidade
real, que é em si e para si; ou que na sua mediação absoluta contém
[como] abolida a oposição do ser-para-si e do ser-em-si. A individualidade é o objeto que agora veio-a-ser para a observação - ou
o objeto ao qual a observação passa agora.
310 - [Das Individuum ist] O indivíduo é em si e para si: é
para si, ou é um agir livre; mas também é em si ou tem ele mesmo
um determinado ser originário. Uma determinidade que é segundo
o conceito; [mas] que a psicologia queria encontrar fora do indivíduo. Portanto surge, no indivíduo mesmo, a oposição que consiste
em ser, de dupla maneira, tanto o movimento da consciência,
quanto o ser fixo da efetividade fenomenal - efetividade essa que
no indivíduo é, imediatamente, a sua.
Esse ser - o corpo da individualidade determinada - é sua
originariedade, o seu "não ter feito". Mas porque o indivíduo, ao
mesmo tempo é somente "o que tem feito", então o seu corpo é
também a expressão de si mesmo, por ele produzida: é ao mesmo
tempo um signo que não permaneceu uma Coisa imediata, mas no
qual o indivíduo somente dá a conhecer o que é quando põe em
obra sua natureza originária.
311 - [Betrachten wir die] Observando os momentos aqui
presentes, tendo em vista a consideração anterior, aqui se nota uma
figura humana universal, ou, ao menos, a figura universal de um
clima, de um continente, de um povo, como antes [se notavam] a
mesma cultura e os mesmos costumes universais. A isso se juntam
as circunstâncias particulares e a situação dentro da efetividade
universal: aqui essa efetividade particular está como a formação
particular da figura do indivíduo.
De outra parte, como antes se opunham o agir livre do
indivíduo e a efetividade como a sua, em contraste com a efetividade
presente, aqui se tem a figura como expressão de sua efetivação
posta por ele mesmo: os traços e as formas de sua essência autoativa [selbsttätigen]. Mas a efetividade, tanto universal quanto particular, que a observação anteriormente encontrava fora do
indivíduo, é aqui a sua efetividade, seu corpo congênito. E justamente nesse corpo que incide a expressão pertencente ao seu agir.
Na consideração psicológica deveriam estar relacionadas entre si a
efetividade em si e para si essente, e a individualidade determinada.
Mas aqui a individualidade determinada total é objeto da observação, e cada lado de sua oposição é, por sua vez, esse todo. Ao todo
exterior pertence, pois, não apenas o ser originário, o corpo congênito, mas igualmente sua formação; e essa pertence à atividade do
interior. O corpo é a unidade do ser não-formado e do ser formado,
e é a efetividade do indivíduo penetrada pelo ser-para-si.
Esse todo abrange em si os lados fixos determinados e originários, e [também] os traços que somente surgem mediante o agir.
Esse todo é; e este ser é a expressão do interior, do indivíduo posto
como consciência e como movimento.
O interior, igualmente, não é mais auto-atividade [Selbsttätigkeit] formal, carente de conteúdo ou indeterminada, cujo conteúdo,
como ocorria antes, se encontrasse nas circunstâncias exteriores.
Agora é um caráter originário, determinado em si, cuja forma é
somente a atividade. Vamos portanto considerar neste ponto a
relação entre esses dois lados: veremos como deve ser determinada,
e o que se há de entender sob essa expressão do interior no exterior.
312 - [Dies Äussere macht] Em primeiro lugar, esse exterior
só torna o interior visível como órgão ou - em geral - faz do interior
um ser para um outro, uma vez que o interior, enquanto está no
órgão, é a atividade mesma. A boca que fala, a mão que trabalha e também as pernas, se quiserem - são órgãos que efetivam e
implementam, que tem neles o agir como agir ou o interior como
tal. Todavia, a exterioridade que o exterior ganha mediante os
órgãos é o ato, como uma efetividade separada do indivíduo.
Linguagem e trabalho são exteriorizações nas quais o indivíduo não
se conserva nem se possui mais em si mesmo; senão que nessas
exteriorizações faz o interior sair totalmente de si, e o abandona a
Outro.
Assim, tanto de pode dizer que essas exteriorizações exprimem
demasiado o interior, como dizer que o exprimem demasiado
pouco. Demasiado - porque o interior mesmo nelas irrompe, e não
resta nenhuma oposição entre ele e suas exteriorizações, que não
só fornecem uma expressão do interior, mas são imediatamente o
interior mesmo. Demasiado pouco - porque o interior na linguagem
e na ação se faz um Outro, abandona-se ao elemento da transformação, que, subvertendo a palavra falada e o ato consumado,
faz deles algo diverso do que são em si e para si, enquanto ações
de um indivíduo determinado.
As obras, [frutos] das ações, perdem, por essa exterioridade
[vinda] da ingerência de Outro, o caráter de serem algo permanente
em contraste com as outras individualidades. Mas, além disso, por
se comportarem como um exterior separado e indiferente quanto
ao interior que contém, as obras podem ser algo outro do que
aparentam ser, e isso por causa do próprio indivíduo, que ou faz as
obras com o intuito de darem a aparência de outra coisa do que em
verdade são; ou porque é demasiado incompetente para se proporcionar esse lado exterior que propriamente queria, e para consolidá-lo de modo que sua obra não seja subvertida pelos Outros.
Portanto, o agir, entendido como obra consumada, tem duas
significações opostas: ou é a individualidade interior, e não sua
expressão - ou então, como exterior, é uma efetividade livre do
interior, e que é algo totalmente diverso do interior mesmo. Por
causa dessa ambigüidade, devemos voltar-nos para o interior, a fim
de ver como é ainda no indivíduo mesmo, mas de modo visível, ou
exterior. No órgão, contudo, o interior está somente como agir
imediato, que alcança sua exterioridade no ato, o qual representa ou não - o interior. O órgão, considerado segundo essa oposição,
não garante assim a expressão que é procurada.
313 - [Wenn nun die äussere] Ora bem, se a figura exterior,
enquanto não é órgão ou não é agir, [tomada] pois como um todo
em repouso, só pudesse exprimir a individualidade exterior, ela
nesse caso se comportaria como uma coisa subsistente, que em seu
ser-aí passivo acolhesse tranqüilamente o interior, como algo estranho, tornando-o assim o signo desse interior. Um signo [ou seja]
uma expressão exterior contingente cujo lado efetivo seria para si
carente-de-significado: uma linguagem cujos sons e combinações
de sons não são a Coisa mesma, mas a ela vinculados através de
livre-arbítrio, e para o qual seriam contingentes.
314 - [Eine solche willkürliche] Uma tal conexão arbitrária de
momentos, sendo um exterior para o outro, não dá lei nenhuma. A
fisiognomia, no entanto, se distingue de outras artes nocivas e
estudos nada sadios, porque deve considerar a individualidade
determinada na oposição necessária de um interior com um exterior;
do caráter considerado como essência consciente, em oposição ao
caráter visto como figura essente. Relaciona entre eles os dois
momentos, de modo que se refiram um ao outro mediante seu
conceito, de modo que devam constituir assim o conteúdo de uma
lei.
Ao contrário, na Astrologia, na Quiromancia e "ciências"
semelhantes parece que só se refere exterior a exterior, uma certa
coisa a outra que lhe é estranha. Esta constelação, no [instante do]
nascimento, e - trazendo esse exterior mais para perto do corpo estas linhas da mão, são momentos exteriores para a vida longa ou
breve, e para o destino do homem singular, em geral. Como
exterioridades, são indiferentes um ao outro e não têm, um para o
outro, a necessidade que deve estar contida na relação de um
exterior com um interior.
315- [Die Handfreilich] A mão, certamente, não parece algo
tão exterior para o destino, mas antes parece relacionar-se com ele
como com um interior. Pois o destino, por sua vez, é só a manifestação do que a individualidade determinada é em si como determinidade interior originária.
Para saber agora o que essa determinidade é em si, o quiromante como o fisiognomista chegam aí por um caminho mais curto
que o de Solon, por exemplo. Ele julgava que tal conhecimento só
era possível pelo curso - e depois do curso - da vida inteira;
considerava o fenômeno, mas os quiromantes e fisiognomistas
consideram o em-si.
Contudo, é fácil ver que a mão deva apresentar o em-si da
individualidade do ponto de vista do destino, pelo fato de ser ela,
depois da palavra, o melhor meio pelo qual o homem chega à [sua]
manifestação e efetivação. Ela é o artista animado de sua felicidade:
dela pode-se dizer que é o que o homem faz, porque na mão, como
no órgão ativo de seu aperfeiçoar-se, o homem está presente como
força animadora. Ora, como o homem é originariamente seu próprio destino, a mão exprimirá portanto esse em-si.
316- [Aus dieser Besümmung] Uma nova maneira de considerar o órgão, diversa da precedente, resulta dessa determinação
de que o órgão da atividade é nele tanto um ser quanto o agir - ou
de que no órgão o ser-em-si interior está presente e tem um ser para
outro. Em geral, os órgãos mostraram que não podem ser tomados
como expressões do interior, porque neles o agir está presente como
agir, enquanto o agir como ato é somente exterior. Dessa maneira,
interior e exterior incidem fora um do outro, são - ou podem ser mutuamente estranhos. Segundo a determinação considerada, o
órgão, por sua vez, deve ser tomado como meio-termo dos dois;
pois justamente a presença nele do agir constitui ao mesmo tempo
uma exterioridade desse agir, e, sem dúvida, uma exterioridade
diversa da que é o ato, já que essa nova exterioridade fica para o
indivíduo e no indivíduo.
Agora, esse meio-termo - e unidade do interior e do exterior
- é antes de tudo exterior também. Mas, depois, essa exterioridade
é acolhida igualmente no interior. Como exterioridade simples, ela
está em contraste com a exterioridade dispersa; a qual, ou é só uma
obra ou condição singular, contingente para a individualidade toda,
ou então, como exterioridade total, é o destino despedaçado em
uma quantidade de obras e de condições.
Por conseguinte, as simples linhas da mão, e igualmente o
timbre e o volume da voz, como determinidade individual da
linguagem - e também a própria linguagem enquanto recebe da
mão uma existência mais fixa do que por meio da voz e se torna
escrita, e na verdade, mais precisamente, manuscrito - tudo isso é
expressão do interior. Desse modo essa expressão, como exterioridade simples, se encontra mais uma vez defronte da exterioridade
multiforme da ação e do destino, perante os quais se comporta
como interior.
Tomemos primeiro como interior, como essência da ação e
do destino, a natureza determinada e a particularidade congênita
do indivíduo, junto com o que vieram a ser através da cultura. Nesse
caso o indivíduo terá sua manifestação e exterioridade, primeiro na
boca, na mão, na voz, na escrita à mão, não menos que nos outros
órgãos e em suas determinidades permanentes. Só depois ele se
exprimirá mais amplamente saindo para o exterior em sua efetividade no mundo.
317 - [Weil nun diese] Como agora esse meio-termo se
determina como a exteriorização, a qual ao mesmo tempo foi
reabsorvida para dentro do interior, seu ser-aí não está restringido
ao órgão imediato do agir. Esse meio-termo é antes o movimento
e a forma - que nada realizam - do rosto e da figura em geral. Esses
traços e seus movimentos são, segundo esse conceito, um agir
retido, que permanece no indivíduo, e segundo a relação do indivíduo com o agir efetivo são o próprio controlar-se e examinar-se
do indivíduo: - exteriorização enquanto reflexão sobre a exteriorização efetiva.
O indivíduo, portanto, não fica mudo em seu agir exterior, ou
em relação a ele; pois esse agir é ao mesmo tempo refletido, sobre
si, e exterioriza esse ser-refletido sobre si. É o agir teórico - ou a
linguagem do indivíduo consigo mesmo sobre seu agir -, que é
também inteligível para outros, pois a própria linguagem é exteriorização.
318 - [An diesem lnnern] Nesse interior, que permanece
interior em sua exteriorização, é pois observado o ser-refletido do
indivíduo, [a partir] de sua efetividade. Vejamos o que se passa com
tal necessidade posta nessa unidade. Esse ser-refletido é, primeiro,
diferente do ato mesmo e pode, assim, ser algo outro, e ser tomado
por algo outro do que é; vê-se pela expressão do rosto se alguém é
sério no que diz ou faz.
Inversamente, porém, o que deve ser a expressão do interior,
é ao mesmo tempo expressão essente. e decai, por isso, na determinação do ser que é absolutamente contingente para a essência
consciente de-si. Portanto, é expressão, de certo, mas ao mesmo
tempo é também apenas um signo, de forma que, para o conteúdo
expresso, a constituição do que o exprimiu é de todo diferente. O
interior, sem dúvida, nessa manifestação é um Invisível visível, mas
sem ser ligado a ela: tanto pode estar numa manifestação como em
outra; como outro interior pode estar na mesma manifestação.
Lichtenberg diz com razão: "supondo que o fisiognomista tenha
capturado uma só vez o homem, bastaria tomar uma resolução
decidida para tornar-se de novo incompreensível por milênios."
Na relação precedente, as circunstâncias dadas eram um
essente, do qual a individualidade tomava o que podia e queria; ora
abandonando-se a ele, ora o subvertendo. Por esse motivo, tal
essente não continha a necessidade e a essência da individualidade.
De modo semelhante, aqui o ser aparente imediato da individualidade é um ser tal que ora exprime o ser-refletido a partir da
efetividade, e o seu ser-dentro-de-si mesmo; ora, para a individualidade é somente um signo, indiferente quanto ao significado; e
que portanto na verdade nada significa. Tal signo é, para a individualidade, tanto seu rosto, quanto sua máscara que pode retirar.
A individualidade impregna sua figura, nela se move e fala;
mas todo esse ser-aí se produz também como um ser indiferente em
relação à vontade e à ação. A individualidade apaga nesse ser a
significação que tinha antes: a de ter nela seu ser-refletido em si ou
a essência verdadeira; e inversamente, põe antes sua verdadeira
essência e sua vontade no ato.
319- [Die Individualität] A individualidade abandona aquele
ser-refletido-em-si, que está expresso nos traços e põe a própria
essência na obra. E nisso contradiz a relação que fora estabelecida
pelo instinto-da-razão, que se põe a observar a individualidade
consciente-de-si para procurar o que deva ser nela o interior e o
exterior. Esse ponto de vista nos leva ao pensamento típico que está
na base da suposta ciência fisiognômica. A oposição a que chegou
essa observação é, segundo a forma, a oposição do prático e do
teórico - ambos postos justamente dentro da prática mesma -, a
oposição da individualidade efetivando-se no agir-tomando o agir
no seu sentido mais geral - e a oposição da própria individualidade,
enquanto, desprendendo-se desse agir, em si reflete e o agir é seu
objeto.
O observar acolhe essa oposição segundo a mesma relação
invertida em que essa oposição se determina na manifestação. Para
ele, o ato mesmo e a obra - seja a de linguagem, seja a de uma
efetividade mais consolidada - valem como o exterior inessencial;
enquanto o ser-dentro-de-si da individualidade vale como o interior
essencial. Entre os dois lados que a consciência prática tem nela, a intenção e o ato; o 'visar' sobre sua ação e a ação mesma - a
observação escolhe o primeiro como o verdadeiro interior. Esse
deve ter sua exteriorização mais ou menos inessencial na operação,
porém na sua figura [corporal] tem sua exteriorização verdadeira.
Essa última exteriorização é a presença sensível imediata do
espírito individual. A interioridade, que deve ser a verdadeira, é a
peculiaridade da intenção e a singularidade do ser-para-si. Os dois
constituem o espírito 'visado'. O que o observar tem como seus
objetos é, portanto, ser-aí 'visado'; e por entre tais objetos procura
leis.
320 - [Das unmittelbare Meinen] O 'visar' imediato sobre a
presença 'visada' do espírito é a fisiognomia natural: o julgamento
apressado sobre a natureza interior, sobre o caráter de sua figura,
à primeira vista. O objeto desse 'visar' é de tal espécie, que está na
sua essência ser em verdade outra coisa do que apenas ser sensível
imediato. De certo, o que está presente é justamente esse ser-refletido-em-si no sensível, a partir do sensível; e o que é o objeto do
observar é a visibilidade como visibilidade do invisível. Mas, a rigor,
essa presença sensível imediata é a efetividade do espírito, tal como
é somente para o 'visar'. Sob esse aspecto, o observar se ocupa com
seu ser-aí 'visado', com fisiognomia, a escrita à mão, o tom da voz,
etc. Refere tal ser-aí justamente a tal interior 'visado'. Não é o
assassino, o ladrão, que devem ser conhecidos, mas a capacidade
de ser isso. A determinidade fixa e abstrata perde-se, assim, na
determinidade concreta e indefinida do indivíduo singular, que
requer agora descrições bem mais engenhosas que aquelas qualificações. Tais descrições engenhosas dizem mais que as qualificações
de assassino, ladrão, bondoso, íntegro etc, mas ainda não dizem o
bastante para o fim almejado, que é exprimir o ser 'visado' ou a
individualidade singular. São tão insuficientes como as descrições
da figura que não vão além de uma fronte achatada, um nariz
comprido, etc.
Com efeito, a figura singular, como também a consciência-desi singular, são inexprimíveis enquanto ser 'visado' A ciência do
conhecimento-do-homem, que focaliza o homem 'visado', como a
fisiognomia que focaliza sua efetividade 'visada', e quer elevar a
uma ciência os juízos carentes de consciência da fisiognomia natural, são por isso uma coisa sem pé nem cabeça, que não pode chegar
a dizer o que Visa' - porque somente Visa' - e seu conteúdo é
apenas algo 'visado'.
321 - [Die Gesetze, welche] As leis que essa ciência se propõe
encontrar são relações entre esses dois lados 'visados', e por isso
não podem ser senão um Visar' vazio. Aliás, esse suposto saber,
que pretende ocupar-se com a efetividade do espírito, tem precisamente por objeto o espírito, que elevando-se de seu ser-aí sensível
se reflete em si mesmo; e o ser-aí determinado é, para o espírito,
uma contingência indiferente. Por conseguinte, nas suas leis descobertas, ele deve saber imediatamente que nelas não se diz nada: só
há puro falatório, ou somente um 'visar' de si - expressão que tem
a verdade de enunciar como sendo o mesmo: dizer seu 'visar' e não
aduzir com isso a coisa, mas só um Visar' de si. Essas observações,
por seu conteúdo, não ficam atrás de outras desse tipo: "Todas as
vezes que há feira, chove", diz o vendedor. "E também toda a vez
que estendo a roupa para secar", diz a lavadeira.
322 - [Lichtenberg, der das] Lichtenberg, que assim caracteriza a observação fisiognômica, diz ainda: "Se alguém dissesse:
'ages na verdade como um homem honesto, mas vejo por teu
aspecto que te forças, e que és um canalha no teu coração', não há
dúvida que até a consumação dos séculos um qualquer sujeito de
brios responderia com um soco na cara." Uma tal réplica acerta no
alvo, pois é a refutação do primeiro pressuposto de tal ciência do
'visar', segundo a qual, justamente, a efetividade de um homem é
seu rosto.
O verdadeiro ser do homem é, antes, seu ato; nele, a individualidade é efetiva, e é ela que suprassume o Visado' em seus dois
lados. Primeiro, suprassume o Visado' como ser corporal em repouso, pois a individualidade, antes, se apresenta na ação como
essência negativa que apenas é enquanto suprassume o ser. Em
seguida, o ato suprassume a inexprimibilidade do 'visar', igualmente no que se refere à individualidade consciente-de-si, que no
Visar' é uma individualidade infinitamente determinada e determinável. No ato consumado, essa falsa infinitude é aniquilada.
O ato é algo simplesmente determinado, um universal, algo a
ser apreendido em sua abstração: é homicídio, furto ou benefício,
ato heróico, etc. Pode-se dizer do ato que ele é. O ato é isto; e seu
ser não é somente um signo, mas a Coisa mesma. O ato é isto, e o
homem individual é o que o ato é. Na simplicidade desse ser o
homem é para os outros homens uma essência universal essente, e
deixa de ser uma essência apenas 'visada'. No ato, sem dúvida, o
homem não está posto como espírito. Mas - pois que se trata de seu
ser como ser -, de um lado, um ser duplicado está em confronto no
ser da figura e no ser do ato; pois cada um deles pretende ser a
efetividade humana. Contudo, há que afirmar só o ato como o ser
autêntico do homem; e não sua figura - que deveria exprimir o que
ele Visa' por seus atos, ou o que se acredita ser ele capaz de fazer.
De outro lado, porque são também opostas sua obra e sua possibilidade interior (capacidade, ou intenção), é somente a obra que se
deve considerar como sua efetividade verdadeira, mesmo se o
homem esteja iludido a seu respeito, e ao retornar a si mesmo de
sua operação acredite que é nesse interior um outro do que [era]
no ato.
A individualidade, confiando-se ao elemento objetivo, enquanto se torna obra, abandona-se, sem dúvida, a ele para ser
alterada e subvertida. Mas o que constitui o caráter do ato é isto: ser
ou um Ser efetivo que se conserva; ou apenas uma obra 'visada',
que some na sua nulidade. A objetividade não altera o ato mesmo;
somente mostra o que ele é, quer dizer, se é ou não é nada.
O desmembramento desse ser em intenções e semelhantes
finezas, pelas quais o homem efetivo - isto é, seu ato -, deveria ser
explicado retrocedendo de novo a um ser 'visado', deve-se abandonar à ociosidade do Visar' - sejam quais forem as intenções que
possa nutrir sobre sua efetividade. Essa ociosidade, pondo em obra
sua sabedoria inoperante, quer negar ao agente o caráter da razão,
e maltratá-lo a ponto de lhe explicar o ser, antes por sua figura e
traços que por seu ato. Deve receber a réplica a que aludimos acima,
que lhe prove não ser a figura o Em-si, mas antes um objeto para
sentar a mão.
323 - [Sehen wir nun] Considerando agora o âmbito das
relações em geral, nas quais a individualidade consciente-de-si pode
ser observada, em ordem a seu exterior, resta ainda uma relação
que a observação deve tomar por objeto. Na psicologia é a efetividade exterior das coisas que deve ter sua contrapartida conscientede-si no espírito, e torná-lo concebível. Ao contrário, na fisiognomia,
o espírito deve ser conhecido em seu próprio exterior como em um
ser que seria a linguagem - a invisibilidade visível - de sua essência.
Resta ainda a determinação do lado da efetividade segundo a qual
a individualidade exprimiria a própria essência na sua imediatez
puramente aí-essente, imediata e fixa.
Distingue-se, pois, da fisiognomia essa última relação por ser
a presença/a/ante do indivíduo, que em sua exteriorização operante
apresenta a exteriorização que em si se reflete e contempla, ao
mesmo tempo: que é movimento; [mas] os traços estáticos são
essencialmente um ser mediatizado. Porém na determinação ainda
por observar, o exterior é enfim uma efetividade completamente
estática, que em si mesma não é um signo falante; mas que, separada
do movimento consciente-de-si, se apresenta para si, e é como uma
simples coisa.
324 - [Zunächst erhellt] Antes de tudo, é claro que a relação
do interior com o exterior deve ser concebida como uma relação de
nexo causai; pois a relação de um em-si-essente com outro em-siessente - enquanto relação é necessária, é essa relação [de nexo
causai].
325 - [Das nun die geistige] Para a individualidade espiritual
exercer um efeito sobre um corpo, deve ser como causa, ela mesma
corporal. Porém o corpóreo, em que ela está como causa, é um
órgão; não o órgão do agir sobre a efetividade exterior, e sim o do
agir da essência consciente-de-si em si mesma, que só se exterioriza
em relação ao seu corpo. Ora, não é fácil ver que órgãos podem ser
esses.
Pensando somente nos órgãos em geral, estaria à mão, facilmente, o órgão do trabalho; e também o órgão da sexualidade etc.
Só que tais órgãos devem ser considerados como instrumentos ou
como partes, que o espírito tem por meio-termo; o espírito seria um
dos extremos, e o outro extremo, a ele oposto, o objeto exterior.
Mas aqui [na fisiognomia] se entende um órgão em que o indivíduo
consciente-de-si se mantém como um extremo para si, perante sua
própria efetividade a ele oposta: um órgão que, ao mesmo tempo,
não é voltado para o exterior, mas refletido em sua ação; e em que
o lado do ser não é um ser para outro.
Na relação fisiognômica, de certo, o órgão é também considerado como um ser-aí em si refletido e que fala sobre o agir. Mas
esse ser é um ser objetivo; e o resultado da observação fisiognômica
é que a consciência-de-si se defronta com essa sua efetividade
exatamente como [o faria] com algo indiferente. Mas a indiferença
aí desvanece, já que esse ser-refletido-em-si é ele mesmo operante;
por isso obtém esse ser-aí uma relação necessária com ele. No
entanto, para que seja operante sobre o ser-aí, deve também ter um
ser, mas não propriamente um ser objetivo; e [além disso] tem de
ser indicado como este órgão.
326 - [In gemeinen Leben] Na vida ordinária, a cólera, por
exemplo, foi localizada no fígado, como certo agir interior. Platão
confere ao fígado função mais alta, - ou a mais alta, segundo alguns:
a profecia, ou seja, o dom de proferir o sagrado e o eterno de
maneira irracional. Porém o movimento que o indivíduo tem no
fígado, no coração etc, não se pode considerar como movimento
seu, de todo em si refletido; mas está nos órgãos antes como um
movimento já plasmado no corpo, e um ser aí animal voltado para
fora, para a exterioridade.
327 - [Das Nervensystem] O sistema nervoso, ao contrário,
é o repouso imediato do orgânico em seu movimento. Os nervos
são também órgãos da consciência-de-si, submersa na sua direção
para o exterior; mas o cérebro e a espinha dorsal podem ser
considerados como a presença imediata da consciência-de-si presença que em si permanece, não é objetiva nem tende para o
exterior. A medida que o momento do ser, que tem esse órgão, é
um ser para outro, um ser-aí, [então] é ser morto, e não mais
presença da consciência-de-si Porém esse ser-dentro-de-si é, segando seu conceito, uma fluidez onde os círculos ali traçados
imediatamente se dissolvem e nenhuma diferença pode exprimir-se
como essente.
Entretanto, o espírito não é algo abstratamente simples, mas
um sistema de movimentos, nos quais se distingue em momentos,
embora permanecendo livre nessa distinção. Como organiza seu
corpo, em geral, em diversas funções, destinando cada parte singu-
lar a uma só função, pode-se assim representar que o ser fluido de
seu ser-dentro-de-si é algo organizado. E parece que assim deva ser
representado, pois o ser refletido dentro de si do espírito no cérebro
mesmo é de novo somente um meio-termo entre sua pura essência
e sua organização corporal. Como um meio deve ter a natureza dos
dois extremos, por isso tem, do lado do segundo extremo, também
a organização essente.
328 - [Dos geistig - organische] O ser espiritual orgânico
possui ao mesmo tempo o lado necessário de um ser-aí subsistente
em repouso; deve retroceder como extremo do ser-para-si, e ter
defronte, como o outro extremo, o ser-aí em repouso. Esse é então
o objeto sobre o qual atua como causa. Ora bem: se o cérebro e a
medula são aquele ser-para-si corporal do espírito, então o crânio
e a coluna vertebral são o outro extremo que dali se destaca: a saber,
a coisa fixa e inerte.
Aliás, quem reflete sobre a localização própria do ser-aí do
espírito, não o coloca nas costas, mas somente na cabeça. Podemos
pois, ao indagar sobre um saber como o que se apresenta aqui,
contentar-nos com essa razão - que não é tão má, no caso - para
limitar esse ser-aí ao crânio. Se a alguém ocorresse que as costas
são o ser-aí do espírito porque, às vezes, saber e ação podem
parcialmente lhe entrar ou sair por trás, isso não provaria que a
medula fosse a sede do espírito, e o espinhaço o ser-aí onde imprime
sua marca; porque provaria demasiado. Também se poderiam
lembrar outros meios exteriores de atingir a atividade do espírito,
para estimulá-la ou freá-la.
A coluna vertebral está, pois, excluída; de [pleno] direito, se
quiserem. Pode-se construir uma doutrina de filosofia natural, tão
boa quanto muitas outras, ainda excluindo que só o crânio contenha
os órgãos do espírito. Com efeito, isso foi antes excluído do conceito
dessa relação, motivo pelo qual o crânio era tomado como o lado
do ser-aí. Embora não se deva recorrer ao conceito da Coisa, a
experiência ensina que, se é com o olho como órgão que se vê, não
é da mesma maneira que com o crânio se mata, rouba ou faz poesia
etc. Para essa significação do crânio, da qual ainda se vai falar, é
preciso abster-se de usar a expressão órgão.
Com efeito, embora se costume dizer que para os homens
razoáveis não é a palavra mas a Coisa que importa, contudo isso
não dá licença para designar uma Coisa com um nome que não lhe
convenha. Seria ao mesmo tempo incompetência e impostura;
dando a entender e fingindo que não tem a palavra justa, esconder
de si que lhe falta na realidade, a Coisa, isto é, o conceito: pois caso
o possuísse, encontraria também a palavra justa.
O que foi determinado aqui, inicialmente, foi apenas isto:
como o cérebro é a cabeça viva, o crânio é o "caput mortuum".
329 - [In diesem totem Sein] Nesse ser morto, pois, os
movimentos espirituais e os modos determinados do cérebro deveriam dar-se sua representação de efetividade exterior, que aliás
ainda está no indivíduo mesmo. Quanto à relação desses [movimentos e modos] com o crânio - que como ser morto não tem o
espírito imanente em si mesmo, - primeiro se oferece a relação
acima estabelecida. [Trata-se de] uma relação exterior e mecânica,
em que os órgãos próprios - e esses estão no cérebro - aqui
arredondam o crânio; ali o alargam ou achatam, ou ainda nele
influem do modo como se queira representar. Sem dúvida, sendo
o crânio uma parte do organismo, deve-se pensar que nele haja,
como em qualquer osso, uma autoformação viva. Ora, considerando desse ângulo, é antes o crânio que pressiona o cérebro e lhe
impõe uma delimitação exterior; o que bem pode fazer, por ser mais
duro. Nesse caso porém subsistiria sempre a mesma relação na
determinação da atividade mútua do crânio e do cérebro; pois se o
crânio é o determinante ou o determinado, isso em nada altera a
conexão-causal em geral. Só que assim o crânio se tornaria o órgão
imediato da consciência-de-si, pois nele, como causa, se encontraria
o lado do ser-para-si.
Como porém o ser-para-si, como a vitalidade orgânica compete aos dois da mesma maneira, a conexão-causal entre o cérebro
e o crânio incide, de fato, fora deles. Esse desenvolvimento dos dois
se ligaria ao interior, e seria uma harmonia orgânica preestabelecida, que deixaria os dois livres, um quanto ao outro: cada um com
sua própria figura, à qual a figura do outro não precisaria corresponder. Mas ainda: a figura e a qualidade seriam deixadas livres
uma da outra, como o são a forma da uva e o gosto do vinho.
Mas à medida que a determinação do ser-para-si recai do lado
do cérebro, e a do ser-aí do lado do crânio, é preciso também
colocar no interior da unidade orgânica uma conexão-causal entre
os dois lados, uma relação necessária deles como exteriores um ao
outro, quer dizer, uma relação também exterior, através da qual
cada um teria sua figura determinada pelo outro, reciprocamente.
330 - [In Ansehung der] Quanto à determinação em que um
órgão da consciência-de-si seria causa ativa para o lado que o
defronta, isso pode ser debatido de diversas maneiras: o assunto diz
respeito à constituição de uma causa, considerada conforme seu
ser-aí indiferente, sua figura e grandeza; uma causa, cujo interior e
ser-para-si devem justamente ser algo tal que não interesse o ser-aí
imediato.
A autoformação orgânica do crânio é, em primeiro lugar,
indiferente quanto à influência mecânica [nele exercida]. A relação
entre essas duas relações é exatamente essa indeterminidade e
ilimitação - pois a primeira [a relação orgânica] é um referir-se de
si a si mesmo. Em segundo lugar, admite-se que o cérebro acolha
em si as diferenças do espírito como diferenças essentes, e que haja
uma quantidade de órgãos interiores ocupando um espaço distinto.
Ora, isso contradiz a natureza, que assigna um ser-aí próprio aos
momentos do conceito, pondo a simplicidade fluida da vida orgânica puramente de um lado, e do outro lado a articulação e a divisão
dessa vida em suas diferenças; de modo que as diferenças, como
aqui se devem entender, se mostram como coisas anatômicas
particulares.
Aliás, mesmo admitindo isso, ainda fica indeterminado: se um
momento espiritual, conforme sua maior ou menor força - ou
fraqueza - originária, deve possuir num caso um órgão cerebral
mais extenso e no outro, um mais reduzido, ou se é justamente o
inverso. Também fica indeterminado se o aperfeiçoamento aumenta ou diminui o órgão; se o faz mais pesado e grosso, ou mais fino.
Permanecendo indeterminada a constituição de uma causa, fica
também indeterminada a maneira como ocorre sua influência sobre
o crânio: se é um dilatar, ou um estreitar e contrair. Se tal influência
for determinada um tanto mais especificamente do que [falando em]
um 'excitar' - ainda assim fica indeterminado se isso ocorre inchando - à maneira de um emplastro das Cantárides - ou encolhendo
- como faz o vinagre.
Para todos esses pontos de vista podem-se aduzir razões
plausíveis, porque a relação orgânica, que é bem mais compreensiva, permite tanto um como o outro, e é indiferente a todo esse
entendimento.
331 - [Dem beobachtenden] No entanto, a consciência observadora não tem por que preocupar-se querendo determinar essa
relação. Pois, além disso, o que está de um lado não é o cérebro
como parte animal, mas o cérebro como ser da individualidade
consciente-de-si.
Essa individualidade, como caráter permanente e como agir
consciente que-se-move, é para si e dentro de si; frente a esse
ser-para-si e dentro-de-si estão sua efetividade e seu ser-aí para
Outro. O ser-para-si e dentro-de-si é a essência e o sujeito que têm
no cérebro um ser, o qual é subsumido sob essa essência e que só
recebe seu valor mediante a significação imanente. Mas o outro lado
da individualidade consciente-de-si - o lado do ser-aí - é o ser como
independente e como sujeito, ou como uma coisa, e precisamente
um osso; a efetividade do ser-aí do homem é sua caixa craniana. É
esta a relação e o entendimento que na consciência observadora
têm os dois lados desse relacionamento.
332 - [Diesem ist es nun] A consciência observadora agora
tem que ocupar-se com o relacionamento mais determinado desses
lados. A caixa craniana tem, de certo, em geral, a significação de ser
a efetividade imediata do espírito. Mas a variedade de aspectos do
espírito dá a seu ser-aí uma variedade correspondente. O que se
deve conseguir é a determinidade de significação dos lugares singulares em que esse ser-aí se divide: há que ver como esses lugares
têm neles uma indicação dessa significação.
333 - [Der Schädelknochen] A caixa craniana não é nenhum
órgão de atividade, nem tampouco um movimento que seja linguagem. Não se furta, nem se assassina com a caixa craniana etc; e por
semelhantes atos ela não se altera o mínimo que seja; e assim não
se torna um gesto de linguagem. O crânio é um essente que não
tem valor de um signo.
Os traços do rosto, o gesto, o tom - e também uma coluna,
um marco numa ilha deserta - anunciam logo que se visa alguma
outra coisa do que imediatamente apenas são. Dão-se logo a
entender como signos porque têm neles uma determinidade que
indica assim algo diverso, já que não lhes pertence peculiarmente.
Também à vista de um crânio muitas coisas diversas podem ocorrer,
como a Hamlet ao ver o crânio de Yorick. Mas a caixa craniana,
tomada por si, é uma coisa tão indiferente e cândida que nada há
para ver ou 'visar' imediatamente, a não ser a própria. O crânio nos
lembra, sem dúvida, o cérebro e sua determinidade, e também um
crânio de outra conformação; mas não um movimento consciente,
porquanto não leva nele impressos uma mímica, um gesto, nem algo
enfim que enuncie sua proveniência de um agir consciente-de-si.
Ora, ele é essa efetividade que deveria representar, na individualidade, um outro lado tal que já não fosse um ser refletindo-se
em si mesmo, mas um ser puramente imediato.
334 - [Da er ferner auch] Aliás, como o crânio não sente,
parece que poderia resultar para ele significação mais precisa, no
caso em que sensações determinadas fizessem conhecer por sua
vizinhança que função se possa atribuir ao crânio mesmo. Pelo fato
de um modo consciente do espírito ter seu sentimento numa certa
região do crânio, esse lugar indicará de algum modo, na sua figura,
esse modo do espírito e sua particularidade. Por exemplo: muita
gente por ocasião de um pensar concentrado, ou mesmo em geral,
ao pensar, se queixa de sentir uma tensão dolorosa em algum ponto
da cabeça. Assim também [os atos de] matar, roubar, fazer poesia
etc, poderiam ser acompanhados cada um de uma sensação própria, que além disso poderia ter sua localização particular.
Essa região do cérebro, que desse modo seria mais móvel e
ativa, com verossimilhança plasmaria mais a região mais próxima
do crânio; ou ainda, essa região, por simpatia ou por consenso, não
ficaria inerte, mas aumentaria ou diminuiria, ou se modelaria da
maneira que fosse. Mas o que torna inverossímil essa hipótese é que
o sentimento, em geral, é algo indeterminado; e o sentimento na
cabeça, como centro, poderia ser o sentimento universal de todo o
padecer. De tal modo que junto com o prurido ou dor de cabeça
do ladrão, do assassino, do poeta, misturam-se outros que não
podem distinguir-se entre eles, nem distinguir-se dos que se chamam
puramente corpóreos. Assim como não se pode diagnosticar a
doença pelo sintoma da dor de cabeça, restringindo sua significação
apenas ao corporal.
335 - [Es fällt in der Tat] De fato, de qualquer lado que se
considere a Coisa, desaparece todo o relacionamento necessário
entre os lados, como também qualquer indicação a seu respeito que
fale por si mesma. Se o relacionamento tem de ocorrer, resta
somente como necessária uma harmonia carente-de-conceito, livre
e preestabelecida - das determinações correspondentes dos dois
lados, pois um deles deve ser efetividade carente-de-espírito, simples coisa.
De um lado está, pois, uma quantidade de regiões inertes do
crânio, e do outro uma quantidade de propriedades espirituais: o
seu número e sua determinação vão depender do estado da psicologia. Quanto mais pobre a apresentação do espírito, tanto mais
facilitada a tarefa por esse lado. Quanto menos numerosas, mais
delimitadas, mais fixas e ossificadas as propriedades do espírito,
tanto serão mais semelhantes e comparáveis às determinações do
osso mesmo. Embora essa comparação seja muito facilitada pela
pobreza da representação do espírito, há sempre dos dois lados um
grande número de determinações; resta para a observação a total
contingência de suas relações.
Se cada um dos filhos de Israel tirasse da areia do mar - à qual
todos juntos deveriam corresponder - o grão de areia que simboliza,
grandes seriam a indiferença e o arbítrio do processo para atribuir
a cada um seu grão. Mas não seriam maiores que os do processo
que assignaria a toda capacidade da alma, a toda paixão, regiões
correspondentes do crânio e conformações ósseas. E ainda deveriam ser levadas em conta todas as nuanças do caráter de que
costumam falar em psicologia e o conhecimento mais refinado do
homem.
O crânio do assassino tem isto -, que não é órgão, nem
também signo, mas esta bossa. Ora, esse assassino tem uma porção
de outras propriedades, como também outras bossas e junto com
as bossas tem fossas também; pode-se fazer a escolha entre bossas
e fossas. E sua disposição ao homicídio pode de novo ser referida
a qualquer uma das bossas ou das fossas: e essas, por sua vez, a
qualquer uma das propriedades do assassino - pois ele não é essa
abstração de um assassino, nem tem uma única bossa e uma única
fossa.
Por conseguinte, as observações estabelecidas sobre esse
ponto têm o mesmo valor que as do vendedor e da lavadeira,
quando um vai à feira e a outra vai estender roupa. Vendedor e
lavadeira poderiam ainda fazer a observação de que chove sempre
que este vizinho passa, ou quando se comeu porco assado. Como
a chuva é indiferente a essas circunstâncias, assim é indiferente para
a observação esta determinidade do espírito com respeito a este
determinado ser do crânio. Com efeito, dos dois objetos dessa
observação, um é um seco ser para si, uma propriedade ossificada
do espírito; o outro é um seco ser em si. Uma coisa tão óssea, como
são ambas, é perfeitamente indiferente a todo o resto. Para a grande
bossa é exatamente tão indiferente ter na sua vizinhança um assassino, quanto ao assassino ter fossa por perto.
336 - [Es bleit allerdings] Aliás, resta sempre a possibilidade
de uma bossa numa região qualquer estar unida a uma qualquer
propriedade, paixão etc. Pode-se representar o assassino com uma
grande bossa aqui, nesta região do crânio, e o ladrão com uma, ali.
Desse lado, a frenologia é capaz de se estender muito mais, pois até
agora parece limitar-se à ligação de uma bossa com uma propriedade no mesmo indivíduo, de modo que esse possua ambas. Mas
já a frenologia natural - pois deve haver uma frenologia dessas,
como há uma fisiognomia natural - ultrapassa esse limite. Não só
acha que um homem finório tenha atrás da orelha uma bossa do
tamanho de um punho, mas ainda representa que a esposa infiel
possua protuberâncias na testa; não na sua, mas na do marido.
Também se pode representar com uma forte bossa, em algum
ponto do crânio, quem vive sob o mesmo teto que o assassino- ou
seu vizinho, ou num âmbito mais extenso, seus concidadãos. Do
mesmo modo como se pode representar o besouro que depois de
acariciado pelo caranguejo pula sobre o jumento, e depois etc. Mas
quando a possibilidade não se toma no sentido de possibilidade de
representação, mas no sentido de possibilidade interior ou possibilidade do conceito, então o objeto é uma efetividade tal que é - e
deve ser - uma pura coisa, sem semelhante significação que só pode
ter na representação.
337 - [Schreitet, ungeachtet] Apesar da indiferença dos dois
lados, pode o observador aplicar-se a estabelecer relações, apoiando-se em parte no princípio universal da razão de que o exterior é
a expressão do interior, e, de outro, ajudando-se da analogia com
os crânios animais. Esses poderão certamente ter um caráter mais
simples que os crânios humanos; ao mesmo tempo, mais difícil é
dizer que caráter é esse, porque não é nada fácil um homem
qualquer penetrar com sua representação na natureza de um animal. Então o observador encontra, para confirmar as leis que
pretende ter descoberto, uma excelente ajuda numa diferença que
neste ponto deve necessariamente nos ocorrer.
Há que admitir, pelo menos, que o ser do espírito não pode
ser tomado como algo simplesmente inabalado e inabalável. O
homem é livre; deve-se admitir que o ser originário são apenas
disposições sobre as quais o homem pode muito, ou que precisam
de circunstâncias favoráveis para se desenvolverem. Vale dizer: um
ser originário do espírito há que ser precisamente enunciado também como algo tal, que não exista como ser.
[Suponhamos que] essas observações contradigam aquilo
que a alguém ocorra afirmar como lei. Se fizer bom tempo em dia
de feira, ou de lavar a roupa, o vendedor e a lavadeira podem dizer
que, a rigor, deveria chover, e que em todo o caso está presente a
disposição [do tempo] para a chuva. Dá-se o mesmo com as
observações sobre o crânio. Este indivíduo propriamente deveria
ser assim, como diz o crânio segundo a lei: tem uma disposição
originária que aliás não se desenvolveu plenamente. Essa qualidade
não está presente, mas deveria estar. Á lei e o dever-ser se fundam
sobre a observação da chuva efetiva, e do sentido efetivo que está
nessa determinidade do crânio: porém se a efetividade não está
presente serve, igualmente bem, a possibilidade vazia.
Tal possibilidade, isto é, a não-efetividade da lei estatuída, e
portanto também observações que a contradizem, devem ocorrer
necessariamente. E isso porque a liberdade do indivíduo e as
circunstâncias favoráveis ao desenvolvimento são indiferentes
quanto ao ser em geral [entendido] ou como interior originário, ou
como exterior ossificado. E também porque o indivíduo pode ser
ainda algo diverso do que é originariamente no interior; e, ainda
mais, do que é como um osso.
338 - [Wir erhalten also] Estamos assim ante a possibilidade
de que uma determinada bossa ou fossa do crânio seja tanto algo
efetivo, quanto uma disposição apenas, na verdade indeterminada,
seja para o que for. Há possibilidade de que o crânio designe algo
que não é efetivo. Vemos suceder como sempre, no caso de uma
má desculpa: pode servir para refutar o que queria justificar. Vemos
que, pela natureza da Coisa, o 'visar' é levado a dizer - mas de modo
carente de pensamento - o contrário do que tem por seguro: - a
dizer que por meio deste osso se indica qualquer coisa, mas que
também, e igualmente, nada se indica.
339 - [Was der Meinung] Nessa desculpa, o que se oferece
confusamente ao próprio 'visar' é o pensamento verdadeiro que
justamente o destrói: [o pensamento] de que o ser como tal, em
geral, não é a verdade do espírito. Como a disposição já é um ser
originário, que nenhuma participação tem na atividade do espírito,
também o osso, de seu lado, é algo exatamente assim. Sem a
atividade espiritual, o essente é para a consciência uma coisa, e não
sua essência; é tão pouco sua essência, que é antes, o contrário: a
consciência só é efetiva para si através da negação e da abolição de
semelhante ser.
Sob esse aspecto, deve-se ver, como renegação total da razão,
fazer passar um osso como o ser-aí efetivo da consciência. Ora, é
isso que se faz quando se considera o crânio como o exterior do
espírito, já que o exterior é justamente a efetividade essente. De
nada serve dizer que desse exterior apenas se conclui o interior, o
qual é algo diverso; que o exterior não é o interior mesmo, mas só
sua expressão. Com efeito, em sua relação recíproca, do lado do
interior recai a determinação da efetividade que se pensa e é
pensada, mas do lado do exterior a determinação da efetividade
essente. Assim, quando se diz a um homem: "Tu (teu interior) és
isto porque teu osso é assim constituído", isso não significa outra
coisa que: "Eu tomo um osso por tua efetividade".
A réplica a semelhante julgamento, mencionada a propósito
da fisiognomia, deve servir aqui: um tapa pode mudar o aspecto
das partes moles, e lhes imprimir um deslocamento, demonstrando
somente que não são um verdadeiro Em-si, e ainda menos a
efetividade do espírito. Aqui, a rigor, a réplica deveria ir até a
quebrar o crânio de quem julga assim, para lhe mostrar, de uma
maneira tão grossa como sua sabedoria, que um osso não é para o
homem nada de Em-si, e muito menos sua verdadeira efetividade.
340 - [Das rohe Instinkt] O instinto tosco da razão conscientede-si rejeitará, sem mais, uma tal frenologia. Rejeitará também esse
outro instinto observador da razão, que chegando até o vislumbre
do conhecer o entendeu de maneira carente-de-espírito: de que "o
exterior é a expressão do interior". Mas às vezes, quanto pior é o
pensamento, menos aparece onde está exatamente sua falha, e mais
difícil é isolá-la. Diz-se que o pensamento é tanto pior quanto mais
pura e vazia é a abstração que vale por sua essência. Porém a
oposição de que aqui se trata tem por membros a individualidade
consciente-de-si, e a abstração da exterioridade totalmente convertida em coisa: aquele ser interior do espírito, entendido como um
ser fixo, carente de espírito, oposto precisamente a tal ser.
Mas assim sendo, parece ter a razão observadora atingido sua
culminância, a partir da qual deve abandonar-se a si mesma e fazer
reviravolta. Com efeito, só o que é totalmente mau tem em si a
necessidade imediata de se converter. Pode-se dizer assim do povo
judaico que é e foi mais reprovado por se encontrar imediatamente
defronte da porta da salvação. O que esse povo deveria ser em si e
para si, essa essência ativa, ele não é para si, mas a transfere para
além de si. Por essa extrusão, ele se possibilita um ser-aí superior,
no qual vai poder recuperar seu objeto. Um ser-aí mais elevado do
que teria, caso houvesse permanecido dentro da imediatez do ser.
Com efeito, o espírito é tanto maior, quanto maior é a oposição da qual retorna a si mesmo. O espírito se faz essa oposição no
suprassumir de sua unidade imediata, e na extrusão de seu ser-para-si. Só que se uma tal consciência não se reflete, o meio-termo
onde permanece é o vazio sem salvação, pois o que deveria
preenchê-lo tornou-se um extremo solidificado. Assim, essa última
etapa da razão observadora é a pior de todas; mas, por isso, sua
reversão é necessária.
341 - [Denn die Übersicht] Lançando um olhar retrospectivo
sobre a série de relações consideradas até agora, e que constituem
o conteúdo e o objeto da observação, vemos que:
[1] No primeiro modo, o ser sensível desvanece já na observação da natureza inorgânica. Os momentos de suas relações
apresentam-se como puras abstrações e como conceitos simples,
que deveriam estar firmemente unidos ao ser-aí das coisas; mas esse
se perdeu, de forma que o momento se mostra como puro movimento ou como universal. Esse processo livre, completo em si
mesmo, conserva a significação de algo objetivo: mas agora vem à
cena como um Uno. No processo do inorgânico, o Uno é o interior
inexistente; e inversamente, o [processo] existente como Uno é o
orgânico.
[2] O Uno, enquanto ser-para-si ou essência negativa, defronta o universal, esquiva-se dele, e permanece livre para si. Desse
modo o conceito, realizado somente no elemento da singularização
absoluta, não encontra na existência do orgânico sua expressão
autêntica, que [seria] a de estar ali como universal; porém permanece um exterior, ou, - o que é o mesmo - um interior da natureza
orgânica.
[3] O processo orgânico é livre somente em si, mas não para
si mesmo; o ser-para-si de sua liberdade emerge no fim; existe como
uma outra essência, como uma sabedoria sua consciente-de-si que
está fora desse processo. Volta-se pois a razão observadora para
essa sabedoria, para o espírito, para o conceito existindo como
universalidade ou fim existindo como fim; de agora em diante sua
própria essência é seu objeto.
342 - [Sie wendet sich] Volta-se primeiro [a razão observadora] para a pureza do objeto; mas sendo ela o apreender desse
objeto como um objeto essente, movendo-se em suas diferenças suas leis do pensamento se tornam relações do permanente com o
permanente. Ora, como o conteúdo dessas leis são apenas momentos, elas se perdem no Uno da consciência-de-si.
Esse novo objeto, tomado igualmente como algo essente, é a
consciência-de-si singular e contingente; mantém-se, pois, a observação dentro do espírito 'visado' e da relação contingente entre uma
efetividade consciente e uma efetividade inconsciente. Em si mesmo, o [objeto em questão] é só a necessidade desse relacionamento;
a observação, portanto, ainda o abraça mais estreitamente, e compara sua efetividade querente e operante com sua efetividade em si
mesma refletida e contemplativa que por sua vez é também objetiva.
Embora esse exterior seja na verdade uma linguagem do
indivíduo, que ele possui em si mesmo, é ao mesmo tempo, enquanto signo, algo indiferente ao conteúdo que deveria significar; como
o que põe para si mesmo o signo é indiferente quanto a ele.
343 - [Von dieser wandelbaren] Por isso a observação retrocede dessa linguagem mutável ao ser fixo e enuncia, segundo seu
conceito próprio, que a exterioridade - não como órgão, nem como
linguagem, ou signo, mas como coisa morta - é a efetividade
exterior e imediata do espírito. O que fora suprassumido pela
primeiríssima observação da natureza inorgânica - a saber, que o
conceito deveria estar presente como coisa - é restaurado por essa
última modalidade da observação, que assim faz da efetividade do
próprio espírito uma coisa, ou, exprimindo inversamente, dá ao ser
morto a significação do espírito.
Sendo assim, a observação chegou ao ponto em que enuncia
o que era nosso conceito sobre ela - a saber, que a certeza da razão
busca a si mesma como efetividade objetiva. Certamente, com isso
não se quer dizer que o espírito, representado por um crânio, seja
enunciado como coisa. Nenhum materialismo - como se diz - está
implicado nesse pensamento, ao contrário, o espírito deve ser algo
diverso deste osso. Porém [a expressão] "o espírito é", não significa
senão que "o espírito é uma coisa".
Se o ser como tal - ou o ser-coisa - é atribuído como predicado
ao espírito, a verdadeira expressão disso é, pois, que o espírito é
algo como um osso. Portanto deve ser visto como da maior importância que se tenha encontrado a verdadeira expressão de que do
espírito foi dito simplesmente: "ele é". Aliás, quando se diz do
espírito: "e/e é", "tem um ser", "é uma coisa"; uma efetividade
singular - não se 'visa' com isso algo que se possa ver ou tomar na
mão, ou nele tropeçar etc. Contudo se diz uma coisa dessas: o que
na verdade é dito, se exprime [na proposição de] que "o ser do
espírito é um osso".
344 - [Dies Resultat] Esse resultado tem agora uma dupla
significação: primeiro sua significação verdadeira, enquanto é um
complemento do resultado do movimento anterior da consciênciade-si. A consciência-de-si infeliz se extrusava de sua independência
e lutava para converter seu ser-para-si numa coisa. Retrocedia, com
isso, da consciência-de-si à consciência, - isto é, à consciência para
a qual o objeto é um ser, uma coisa. Mas o que é coisa é a
consciência-de-si; ela é assim a unidade do Eu e do ser, a categoria.
Quando o objeto é determinado desse modo para a consciência,
ela tem razão. A consciência, como também a consciência-de-si, é
em si propriamente razão: mas só se pode dizer que tem razão a
propósito da consciência para a qual o objeto se determinou como
categoria. Contudo é ainda diferente disso o saber [do] que é a
razão.
A categoria que é a unidade imediata do ser e do Seu deve
percorrer as duas formas; e a consciência observadora é justamente
aquela à qual a categoria se apresenta sob a forma de ser. Em seu
resultado, essa consciência enuncia como proposição aquilo de que
é certeza inconsciente, a proposição que está contida no conceito
da razão: é o juízo infinito, segundo o qual o Si é uma coisa - um
juízo que se suprassume a si mesmo. Através desse resultado, pois,
acrescenta-se à categoria esta determinação de que ela é essa
oposição que se suprassume. A categoria pura, que para a consciência está na forma do ser ou da imediatez, é o objeto ainda
não-mediatizado, apenas presente; e a consciência é justamente
assim um comportamento não-mediatizado.
O momento daquele juízo infinito é a passagem da imediatez
para a mediação ou negatividade. O objeto presente é, por conseguinte, determinado como um negativo; porém a consciência é
determinada como consciência-de-si perante ele. Ou seja: a categoria, que tinha percorrido a forma do ser no observar, é posta agora
na forma do ser-para-si; a consciência já não quer encontrar-se
imediatamente, mas produzir-se a si mesma mediante sua atividade.
É ela mesma para o si o fim de seu agir - como [antes] no observar
só lidava com as coisas.
345 - [Die andere Bedeutung] A outra significação do resultado já foi considerada; é a do observar carente-de-conceito, que
não sabe entender-se nem designar-se a não ser designando friamente um osso como efetividade de consciência-de-si. E um osso
como se encontra enquanto coisa sensível, que ao mesmo tempo
não perde sua objetividade para a consciência. Tal observar não
possui nenhuma consciência clara do que diz, e não apreende sua
proposição na determinidade de seu sujeito e predicado, e da
relação dos dois; e menos ainda, no sentido do juízo infinito - que
a si mesmo se dissolve - e no sentido do conceito.
Assim, por uma mais profunda consciência-de-si do espírito,
que aqui aparece como uma certa honestidade natural, o observar
prefere esconder de si mesmo a ignomínia de um pensamento nu,
carente-de-conceito, que toma um osso pela efetividade da consciência-de-si. Maquia esse pensamento com a mesma carência-de-
pensamento, misturando relações variadas de causa e efeito, de
signo, de órgão etc, que aqui não tem nenhum sentido - dissimulando dessa maneira, por distinções que delas derivam, o chocante
dessa proposição.
346- [Gehirnfibern und dergleichen] Fibras cerebrais e coisas
semelhantes, consideradas como o ser do espírito, já são uma
efetividade pensada, apenas hipotética; mas não a efetividade
aí-essente, sentida e vista: não são a efetividade verdadeira. Quando as fibras aí estão, quando se vêem, são objetos mortos, e assim
não valem mais como o ser do espírito. Mas a objetividade propriamente dita deve ser uma objetividade imediata, sensível, de modo
que o espírito seja posto como efetivo nessa objetividade morta;
pois o osso é o morto, enquanto está no próprio vivente.
O conceito dessa representação é que a razão mesma é para
si toda a coisidade, inclusive a coisidade puramente objetiva. Mas
a razão é isso no conceito, ou seja, somente o conceito é sua
verdade. Quanto mais puro é o próprio conceito, mais se degrada
em sua vã representação, se o seu conteúdo não for tomado como
conceito mas como representação. Quando o juízo que a si mesmo
suprassume não é tomado com a consciência dessa infinidade que
é a sua - mas como uma proposição permanente, e como um juízo
em que sujeito e predicado valem cada um para si - então o Si é
fixado como Si, e a coisa como coisa. Na verdade, um deve ser o
outro.
A razão - essencialmente conceito - é cindida imediatamente
em si mesma e em seu contrário; uma oposição que, justamente por
isso, também é imediatamente suprassumida. Mas ao oferecer-se
desse modo como sendo ela mesma e o seu contrário, é mantida
firmemente nesse momento totalmente singular desse desintegrarse, e apreendida irracionalmente. Quanto mais puros os seus momentos, tanto mais chocante é a manifestação desse conteúdo, o
qual ou é somente para a consciência ou então é anunciado
ingenuamente por ela.
Aprofundeza que o espírito tira do interior para fora, mas que
só leva até sua consciência representativa e ali a larga, como também
a ignorância de tal consciência sobre o que diz são a mesma conexão
do sublime e do ínfimo, que no organismo vivo a natureza exprime
ingenuamente, na combinação do órgão de sua maior perfeição o da geração - com o aparelho urinário. O juízo infinito, como
infinito, seria a perfeição da vida compreendendo-se a si mesma.
Mas a consciência da vida comporta-se como o urinar, ao permanecer na representação.
-BA EFETIVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA-DE-SI RACIONAL
ATRAVÉS DE SI MESMA
[A RAZÃO ATIVA]
347 - [Das Selbstbewusstsein] A consciência-de-si encontra
a coisa como a si, e a si como coisa, quer dizer: é para ela que essa
consciência é em si efetividade objetiva. Não é mais a certeza
imediata de ser toda a realidade; mas é uma certeza tal, que o
imediato tem para ela a forma de um suprassumido, de modo que
sua objetividade só vale como superfície, cujo interior e essência é
a própria consciência-de-si.
Assim sendo, o objeto a que ela se refere positivamente é uma
consciência-de-si; um objeto que está na forma da coisidade, isto é,
um objeto independente. No entanto, a consciência-de-si tem a
certeza de que esse objeto independente não lhe é nada de estranho,
pois sabe que por ele é reconhecida em si. Ela então é o espírito,
que tem a certeza, de ter sua unidade consigo mesmo na duplicação
de sua consciência-de-si e na independência das duas consciênciasde-si [daí resultantes]. Essa certeza agora tem de elevar-se à verdade, para a consciência-de-si: o que para ela vale como sendo em si,
e em sua certeza interior, deve entrar na sua consciência e vir-a-ser
para ela.
348-[Was die allgemeinen] Comparando o caminho até aqui
percorrido, já se pode caracterizar as estações universais dessa
efetivação em geral. A saber: assim como a razão observadora
repetira no elemento da categoria o movimento da consciência, isto
é, a certeza sensível, a percepção e o entendimento, - assim também
esta razão [ativa] percorrerá de novo o duplo movimento da consciência-de-si, e da independência passará à sua liberdade.
De início, essa razão ativa só está consciente de si mesma
como de um indivíduo, e enquanto tal deve exigir e produzir sua
efetividade em outro. Mas depois, ao elevar sua consciência à
universalidade, torna-se razão universal, e o indivíduo é consciente
de si como razão, como algo já reconhecido em si e para si, que
unifica em sua pura consciência toda a consciência-de-si. E a
essência espiritual simples que, ao chegar à [luz da] consciência é,
ao mesmo tempo, substância real; para dentro dela retornam, como
a seu fundamento, todas as formas anteriores, que assim, em relação
a ela, são momentos singulares simples de seu vir-a-ser. Os momentos se desprendem, sem dúvida, e aparentam formas próprias; mas
de fato só têm ser-ai e efetividade sustidos pelo fundamento; e só
têm verdade à medida que nele estão e permanecem.
349 - [Nehmen wir dieses] Tomemos em sua realidade essa
meta [alcançada]: o conceito, que já surgiu para nós - isto é, a
consciência-de-si reconhecida, que tem em outra consciência-de-si
livre a certeza de si mesma, e aí precisamente encontra sua verdade.
Destaquemos esse espírito ainda interior como substância já amadurecida em seu ser-aí. O que vemos patentear-se nesse conceito é
o reino da eticidade.
Com efeito, esse reino não é outra coisa que a absoluta
unidade espiritual dos indivíduos em sua efetividade independente.
É uma consciência-de-si universal em si, que é tão efetiva em uma
outra consciência, que essa tem perfeita independência - ou seja, é
uma coisa para ela. [Tão efetiva] que justamente nessa independência está cônscia da sua unidade com a outra, e só nessa
unidade com tal essência objetiva é consciência-de-si.
Essa substância ética, na abstração da universalidade, é apenas lei pensada; mas, não menos imediatamente, é a consciênciade-si efetiva ou o etos. Inversamente, a consciência singular só é
esse Uno essente porque em sua própria singularidade está cônscia
da consciência universal, como de seu [próprio] ser: porque seu agir
e seu ser aí são o etos universal.
350 - [In dem Leben] É na vida de um povo que o conceito
tem de fato, a efetivação da razão consciente-de-si e sua realidade
consumada: ao intuir, na independência do Outro, a perfeita unidade com ele; ou seja, ao ter por objeto, como meu ser-para-mim,
essa livre coisidade de um outro, por mim descoberta - que é o
negativo de mim mesmo.
A razão está presente como fluida substância universal, como
imutável coisidade simples, que igualmente se refrata em múltiplas
essências completamente independentes, como a luz nas estrelas,
em seus inúmeros pontos rutilantes. Em seu absoluto ser-para-si,
tais essências não só em si se dissolvem na substância independente
simples, mas ainda são para si mesmas; cônscias de serem tais
essências simples singulares, porque sacrificam sua singularidade e
porque essa substância universal é sua alma e essência. Do mesmo
modo, esse universal é, por sua vez, o agir dessas essências como
singulares; ou a obra por elas produzida.
351 - [Das rein einzelne] O agir e o atarefar-se puramente
singulares do indivíduo referem-se às necessidades que possui
como ser-natural, quer dizer, como singularidade essente. Graças
ao meio universal que sustem o indivíduo, graças à força de todo o
povo, sucede que suas funções inferiores não sejam anuladas, mas
tenham efetividade.
Na substância universal, porém, o indivíduo não só tem essa
forma da subsistência de seu agir em geral, mas também seu
conteúdo. O que ele faz, é o gênio universal, o etos de todos. Esse
conteúdo, enquanto se singulariza completamente, está em sua
efetividade encerrada nos limites do agir de todos. O trabalho do
indivíduo para [prover a] suas necessidades, é tanto satisfação das
necessidades alheias quanto das próprias; e o indivíduo só obtém
a satisfação de suas necessidades mediante o trabalho dos outros.
Assim como o singular, em seu trabalho singular, já realiza
inconscientemente um trabalho universal, assim também realiza
agora o [trabalho] universal como seu objeto consciente: torna-se
sua obra o todo como todo, pelo qual se sacrifica, e por isso mesmo
dele se recebe de volta. Nada há aqui que não seja recíproco, nada
em que a independência do indivíduo não se atribua sua significação positiva - a de ser para si - na dissolução de seu ser-para-si
e na negação de si mesmo. Essa unidade do ser para outro - ou do
fazer-se coisa - com o ser-para-si, essa substância universal fala sua
linguagem universal nos costumes e nas leis de seu povo.
No entanto, essa imutável essência não é outra coisa que a
expressão da individualidade singular que aparenta ser-lhe oposta.
As leis exprimem o que cada indivíduo é e faz; o indivíduo não as
conhece somente como sua coisidade objetiva universal, mas também nela se reconhece, ou: [conhece-a] como singularizada em sua
própria individualidade, e na de cada um de seus concidadãos.
Assim, no espírito universal, tem cada um a certeza de si mesmo a certeza de não encontrar, na efetividade essente, outra coisa que
a si mesmo. Cada um está tão certo dos outros quanto de si mesmo.
Vejo em todos eles que, para si mesmos, são apenas esta
essência independente, como Eu sou. Neles vejo a livre unidade
com os outros, de modo que essa unidade é através dos Outros
como é através de mim.
Vejo-os como me vejo, e me vejo como os vejo.
352 - [In einem freien Volke] Por conseguinte, em um povo
livre, a razão em verdade está efetivada: é o espírito vivo presente.
Nela, o indivíduo não apenas encontra seu destino, isto é, sua
essência universal e singular expressa e dada como coisidade, senão
que ele mesmo é tal essência e alcançou também seu destino. Por
isso os homens mais sábios da Antigüidade fizeram esta máxima:
que a sabedoria e a virtude consistem em viver de acordo com os
costumes de seu povo.
353 - [Aus diesen Glücke] Mas a consciência-de-si, que de
início só era espírito imediatamente e segundo o conceito, saiu dessa
felicidade que consiste em ter alcançado seu destino e em viver nele.
Ou, então: ainda não alcançou sua felicidade. Pode-se dizer igualmente uma coisa como a outra: [comecemos pela primeira alternativa].
354 - [Die Vernunft muss] A razão tem de sair dessa felicidade,
pois somente em si, ou imediatamente, a vida de um povo livre é a
eticidade real. Ou seja: é uma eticidade essente, e por isso esse
espírito universal é, ele mesmo, um espírito singular. A totalidade
dos costumes e das leis é uma substância ética determinada, que só
se despoja da limitação no momento superior, a saber, a consciência
a respeito de sua essência. Somente nesse conhecer tem sua verdade
absoluta, mas não imediatamente em seu ser; pois, neste, a substância ética é, por uma parte, uma substância limitada, e, por outra,
é a limitação absoluta justamente porque o espírito está na forma
de ser.
355 - [Ferner ist daher] Além disso, a consciência singular,
tendo sua existência imediatamente na eticidade real ou no povo,
é uma confiança maciça, para a qual o espírito ainda não se
dissociou em seus momentos abstratos, e portanto essa consciência
ainda não sabe que é a pura singularidade para si. Mas quando
chega a esse pensamento - como tem que ser - então essa unidade
imediata com o espírito, ou seu ser nele, sua confiança está perdida.
Isolada para si, agora a consciência singular é para si a essência;
não mais o espírito universal.
O momento dessa singularidade da consciência-de-si está,
sem dúvida, dentro do próprio espírito universal, mas somente
como uma grandeza evanescente - a qual, do mesmo modo que
surge para si, também se dissolve nele imediatamente; e chega à
consciência como confiança apenas. Cada momento, sendo momento da essência, deve chegar a apresentar-se como essência. Ora,
quando o momento é assim fixado, o indivíduo se enfrenta com as
leis e os costumes; que são só um pensamento sem essencialidade
absoluta, uma teoria abstrata sem efetividade. Mas o indivíduo é
para si, como este Eu, a verdade viva.
356 - [Oder das Selbstbewusstsein] Ou então [na outra
alternativa] a consciência-de-si ainda não alcançou essa felicidade
de ser substância ética, o espírito de um povo. Pois ao retornar da
observação, inicialmente o espírito enquanto tal ainda não se efetivou por si mesmo: foi posto somente como essência interior ou
como abstração. Ou seja: de início, o espírito é imediatamente
apenas. Mas sendo de modo imediato, o espírito é singular: é a
consciência prática que avança para dentro do mundo por ela
descoberto, a fim de duplicar-se nessa determinidade de um singular; para produzir-se como um isto, como uma réplica essente de si
mesmo; para tornar-se consciente dessa unidade de sua efetividade
com a essência objetiva.
A consciência prática tem a certeza dessa unidade; dá por
válido que já está presente em-si essa unidade, ou essa harmonia
de si e da coisidade. Mas [tem certeza também] que essa unidade
só deve vir-a-ser para essa consciência mediante ela mesma, ou, que
seu fazer é igualmente o encontrar dessa unidade. Ora, essa unidade
se chama felicidade; por isso o indivíduo é enviado por seu espírito
ao mundo para buscar sua felicidade.
357-[Wenn also die] Para nós, a verdade dessa consciênciade-si racional é a substância ética; no entanto, para ela, aqui está
somente o começo de sua experiência ética do mundo. Segundo a
alternativa de que a consciência ainda não chegou à substância
ética, esse movimento impele em sua direção. O que nessa substância se suprassume, são os momentos singulares que valem como
isolados para a consciência-de-si. Têm a forma de um querer
imediato, ou de um impulso natural que alcança sua satisfação; essa,
por sua vez, é o conteúdo de um novo impulso. Porém de acordo
com a alternativa, de que a consciência de si perdeu a felicidade de
estar na substância, estão esses impulsos naturais unidos à consciência de seu fim, como o verdadeiro destino e essencialidade. A
substância ética é rebaixada a predicado carente-de-si, cujos sujeitos vivos são os indivíduos que através de si mesmos têm de
implementar sua universalidade, e, por própria conta, cuidar de seu
destino.
Na alternativa [de que o reino da eticidade está por alcançar],
essas figuras da consciência são o vir-a-ser da substância ética e a
antecedem. Na alternativa [de que esse reino já foi encontrado e
perdido], tais figuras vêm depois, e revelam à consciência-de-si qual
o seu destino. Na primeira alternativa, a imediatez ou a rudeza dos
impulsos se perdem no movimento em que se põe à prova qual é a
sua verdade; e seu conteúdo sobe a um nível superior. Mas na
segunda alternativa, o que se perde é a falsa representação da
consciência que coloca nesses impulsos seu destino. Na primeira, o
fim que os impulsos alcançam é a substância ética imediata; na
segunda, porém, é a consciência dessa substância, e, justamente,
uma consciência que sabe a substância como sua própria essência.
Desse modo, seria esse movimento o vir-a-ser da moralidade: uma
figura mais elevada que a anterior.
Essas figuras, porém, ao mesmo tempo só constituem um lado
do vir-a-ser da moralidade - o que incide no ser-para-si, ou um lado
em que a consciência suprassume os seus fins; não o aspecto
conforme o qual a moralidade jorra da substância mesma. Como
esses momentos não podem ainda ter a significação de serem
erigidos em fim - em oposição à eticidade perdida - valem pois aqui
segundo o seu conteúdo espontâneo, e o fim para o qual impelem
é a substância ética.
Entretanto, por adequar-se melhor a nossos tempos a forma
em que se manifestam esses momentos quando a consciência, tendo
perdido sua vida ética, de novo a procura repetindo aquelas formas
- podem representar-se melhor tais momentos segundo os exprime
essa alternativa.
358 - [Das Selbstbewusstsein] A consciência-de-si, que de
início é somente o conceito do espírito, toma esse caminho com a
determinidade de ser para si a essência como espírito singular. Seu
fim é, pois, dar-se a efetivação como espírito singular - e como
singular, desfrutar-se nessa efetivação.
359 - [In der Bestimmung] Na determinação de ser, para si,
a essência como algo para-si-essente, a consciência-de-si é a negatívidade do Outro. Assim, ela mesma, em sua consciência, surge
como o positivo em contraste com alguma coisa que sem dúvida é,
mas que para ela tem a significação de algo não em si essente.
Aparece a consciência cindida entre essa efetividade encontrada e
o fim que implementa através do suprassumir da efetividade, e,
antes, faz dele efetividade em lugar dessa.
Mas seu primeiro fim é seu ser-para-si imediato e abstrato, ou
seja: é intuir-se como este singular em um outro, ou intuir outra
consciência-de-si como a si mesma. A experiência do que é a
verdade desse fim eleva mais alto a consciência-de-si. A partir de
agora é fim para si, enquanto ao mesmo tempo é universal e tem a
lei imediatamente nela. Mas no cumprimento dessa lei de seu
coração faz a experiência de que a essência singular aqui não pode
manter-se, já que o bem só pode efetuar-se através do sacrifício do
singular; e a consciência-de-si torna-se virtude.
A experiência que a virtude faz só pode ser isto: seu fim já foi
conseguido em si; a felicidade se encontra no agir, imediatamente;
e o agir mesmo é o bem. O conceito de toda essa esfera, a saber,
que a coisidade é o ser-para-si do espírito, vem-a-ser no seu
movimento para a consciência-de-si. Por isso, quando encontrou
esse conceito, ela é, para si, realidade, como individualidade que
imediatamente se exprime, e não encontra mais nenhuma resistência em uma efetividade oposta; individualidade para a qual somente
esse exprimir mesmo é objeto e fim.
a. O PRAZER E A NECESSIDADE
360 - [Das Selbstbewusstsein] A consciência-de-si que é para
si, em geral, a realidade, tem nela mesma seu objeto. Mas o tem
como um objeto que primeiro é só para si, e não é ainda essente. O
ser a defronta como uma efetividade outra que a sua; e mediante a
implementação de seu ser-para-si vai rumo ao [objetivo de] intuir-se
como outra essência independente. Esse primeiro fim consiste em
tornar-se consciente-de-si como essência singular em outra consciência-de-si, ou em reduzir essa outra a si mesma; ela tem a certeza
que em-si esse outro já é ela mesma.
Na medida em que tal consciência se eleva da substância ética
e do ser calmo do pensamento, ao seu ser-para-si, deixou para trás
a lei do etos, e do ser-aí, os conhecimentos da observação e a teoria.
Ficou tudo para trás - como uma sombra cinza evanescente. Com
efeito, esse saber é, antes, o saber de algo que tem outro ser-para-si
e outra efetividade que não os da consciência-de-si. Nele não
penetrou o espírito da universalidade do saber e do agir, espírito de
celeste aparência, em que silenciam a sensação e o gozo da singularidade, e sim o espírito da terra, para o qual somente o ser que é
a efetividade da consciência singular vale como verdadeira efetividade. [Como o Dr. Fausto de Goethe],
Despreza intelecto e ciência
- supremos dons dos homens entregou-se ao demônio
e deve ir para o inferno.
361 - [Es stürzt also] Lança-se, pois, à vida e leva à plena
realização a individualidade pura na qual emerge a consciência-desi. Mais do que produzir para si sua felicidade, imediatamente a
colhe e desfruta. As sombras da ciência, das leis e dos princípios que
se interpõem entre ela e a sua própria efetividade, desvanecem
como névoa sem-vida, incapaz de acolher a consciência-de-si com
a certeza de sua realidade. Ela então toma a vida como se colhe um
fruto maduro; e que, do modo como se oferece à mão, essa o agarra.
362 - [Sein Tun ist nur] Seu agir é um agir do desejo somente
segundo um dos momentos. Não procede à eliminação da essência
objetiva toda, mas só da forma de seu ser-outro ou de sua independência, que é uma aparência carente-de-essência; porque, emsi, vale para a consciência-de-si, como a mesma essência; - ou como
sua ipseidade [Selbstheit].
O elemento, em que o desejo e o seu oposto subsistem
independentes e indiferentes um ao outro, é o ser-aí vivo. O gozo
do desejo o suprassume na medida em que convém a seu objeto.
Mas aqui o elemento que confere aos dois uma efetividade separada
é, antes, a categoria: um ser que é essencialmente um representado.
É portanto a consciência da independência [que os mantém separados] - seja a consciência somente natural seja a consciência
cultivada em um sistema de leis.
Para a consciência-de-si, que sabe o outro como sua própria
ipseidade, tal separação não é em si. Chega pois ao gozo do prazer,
à consciência de sua própria efetivação em uma consciência que se
manifesta como independente, ou na intuição da unidade das duas
consciências-de-si independentes. Alcança seu fim, mas ali experimenta justamente o que é a verdade desse fim. Concebe-se a si
mesma como esta essência singular para-si-essente. Porém a efetivação desse fim é por sua vez o suprassumir dele, já que a consciência-de-si não se toma objeto como este singular, mas sim como
unidade de si mesma e de outra consciência-de-si - por isso, como
singular suprassumido ou como universal.
363 - [Die genossene Lust] O prazer desfrutado possui, de
certo, a significação positiva de ter vindo-a-ser si mesmo como
consciência-de-si objetiva; mas igualmente, a negativa de ter suprassumido a si mesmo. Ora, como a consciência-de-si só concebia
sua efetivação naquela significação [positiva], sua experiência entra
em sua consciência como contradição. Ali vê aniquilada pela essência negativa a efetividade, que alcançara, de sua singularidade;
embora carente-de-efetividade, a essência negativa vazia a defronta
e é a potência que a devora. Tal essência outra coisa não é que o
conceito do que essa individualidade é em si; individualidade essa
que ainda é a mais pobre figura do espírito que se efetiva, pois é
somente, para si, a abstração da razão, ou a imediatez da unidade
do ser-para-si e do ser-em-si; portanto, sua essência é só a categoria
abstrata.
No entanto, não tem mais a forma do ser simples imediato,
como [ocorria] no espírito observador, onde o ser abstrato - posto
como algo estranho - é a coisidade em geral. Agora entraram nessa
coisidade o ser-para-si e a mediação. Portanto surge aqui a coisidade como o círculo cujo conteúdo é a pura relação desenvolvida
das essencialidades simples. A efetivação, que essa individualidade
conseguiu, não consiste, pois, em outra coisa que em ter projetado
esse círculo de abstrações, desde o confinamento da simples consciência-de-si para dentro do elemento do ser-para-ela, ou da expansão objetiva.
O que se toma, pois, no prazer desfrutado, objeto da consciência-de-si como sua essência, é a expansão dessas essencialidades
vazias - da pura unidade, da. pura diferença e de sua relação. Além
disso, o objeto que a individualidade experimenta como sua essência não tem conteúdo nenhum. E o que se chama necessidade-, com
efeito, necessidade, destino etc, são justamente uma coisa que
ninguém sabe dizer o que faz, quais suas leis determinadas e seu
conteúdo positivo. Porque é o conceito absoluto intuído como ser,
a relação simples e vazia, mas irresistível e imperturbável, cuja obra
é apenas o nada da singularidade.
A necessidade é essa conexão firme, porque as coisas conectadas são essencialidades puras, ou abstrações vazias: unidade,
diferença e relação são categorias; cada uma delas nada é em si e
para si, mas só em relação ao seu contrário; portanto não podem
separar-se uma da outra. E através de seu conceito que mutuamente
se referem, pois as categorias são os conceitos puros mesmos: essa
relação absoluta e esse movimento abstrato constituem a necessidade. A individualidade somente singular, que só tem, de início, o
puro conceito de razão por seu conteúdo, em vez de precipitar-se
da teoria morta para a vida, o que fez foi jogar-se na consciência de
sua própria carência-de-vida, e só participa de si como necessidade
vazia e alheia - como efetividade morta.
364 - [Der Übergang] A passagem se efetua da forma do Uno
para a forma da universalidade; de uma abstração absoluta para
outra; do fim do puro ser-para-si, que rejeitou a comunidade com
outros, para o contrário puro, que é por isso o ser-em-si igualmente
abstrato.
Isto se manifesta assim: o indivíduo somente foi ao chão, e a
absoluta dureza da singularidade se espatifa em contacto com a
efetividade, igualmente dura e contínua.
Ora, enquanto o indivíduo como consciência é a unidade de
si mesmo e de seu contrário, essa queda no chão é ainda para ele;
como também seu fim e sua efetivação, e igualmente a contradição
entre o que para ele era essência, e o que a essência é em si. O
indivíduo experimenta o duplo sentido subjacente no que fazia, isto
é: ter levado sua vida; levava a vida, mas o que encontrava era,
antes, a morte.
365 - [Dleses Übergang] Essa passagem de seu ser vivo para
a necessidade sem-vida se lhe manifesta, pois, como uma inversão,
que por nada é mediatizada. O mediador deveria ser algo em que
os dois lados fossem um [só] - portanto, a consciência que conhecesse um momento no outro: - seu fim e agir no destino, e seu
destino no seu fim a agir; sua essência própria nessa necessidade.
Porém essa unidade é para essa consciência justamente o prazer
mesmo, ou o sentimento singular simples. A passagem do momento
desse seu fim ao momento de sua essência verdadeira é para ela
um puro salto no oposto, pois esses momentos não estão contidos
e ligados no sentimento, mas só no puro Si, que é um universal ou
o pensar.
Assim, por meio da experiência - em que sua verdade deveria
vir-a-ser para ela - a consciência tomou-se, antes, um enigma para
si mesma: as conseqüências de seus atos não são, para ela, atos
seus; o que lhe acontece não é, para ela, a experiência do que é em
si; a passagem não é uma simples mudança-de-forma do mesmo
conteúdo e essência, ora representado como essência e conteúdo
da consciência, ora como objeto ou essência intuída de si mesma.
A necessidade abstrata vale portanto como potência da universalidade, [uma potência] apenas negativa e não-concebida, contra
a qual a individualidade se despedaça.
366 - [Bis hierher] Até este ponto chega a manifestação dessa
figura da consciência-de-si; o último momento de sua existência é
o pensamento de sua perda na necessidade, ou o pensamento dela
mesma como uma essência absolutamente estranha a si. A consciência-de-si porém sobreviveu, em si, a essa perda: pois essa necessidade ou a universalidade pura é sua essência própria. Essa
reflexão da consciência sobre si mesma, [que faz] saber a necessidade como Si, é uma nova figura sua.
b. A LEI DO CORAÇÃO E O DELÍRIO DA PRESUNÇÃO
367 - [Was die Notwendigkeit] O que seja, na verdade, a
necessidade na consciência-de-si, [aparece claro] nesta sua nova
figura: a necessidade é a [própria] consciência-de-si, que nessa
figura é para si como o necessário: sabe que tem em si imediatamente o universal ou a lei. A lei, devido a essa determinação de
estar imediatamente no ser-para-si da consciência, chama-se lei do
coração. Essa figura, enquanto singularidade, é para si essência como a anterior; porém é mais rica, por ter a determinação pela qual
seu ser-para-si vale como necessário ou universal.
368 - [Das Gesetz also] Assim, a lei, que é imediatamente a
própria da consciência-de-si, ou um coração - mas um coração que
tem nele uma lei -, é o fim que essa consciência vai efetivar. Resta
ver se sua efetivação corresponde a tal conceito, e se nela a
consciência-de-si experimentará essa lei sua como [sendo] a essência.
369 - [Diesem Herzem] Frente a esse coração está uma
efetividade; pois dentro do coração a lei primeiro é somente para
si, ainda não se efetivou, e por isso é também algo outro que o
conceito. Determina-se esse Outro, portanto, como uma efetividade
- que é o oposto do que se tem de efetivar - e sendo assim é a
contradição entre a lei e a singularidade. De um lado, pois, essa
efetividade é uma lei, pela qual a individualidade singular é oprimida: uma violenta ordem do mundo, que contradiz a lei do coração.
De outro lado, é uma humanidade padecente sob essa ordem, que
não segue a lei do coração, mas está submetida a uma necessidade
estranha.
Para a figura atual da consciência, essa efetividade que se
manifesta perante ela não é, evidentemente, outra coisa que a
relação anterior, cindida entre a individualidade e a sua verdade;
relação de uma necessidade atroz pela qual a individualidade é
oprimida.
Para nós, o movimento precedente comparece ante essa nova
figura; porque, em si, essa figura emergiu dele, o momento donde
provém é necessariamente para ela. Manifesta-se porém esse momento como algo encontrado, enquanto ela não tem consciência
nenhuma sobre sua origem. Para essa figura, a essência consiste
antes em ser para si mesma; ou sem ser negativo contrastando com
o Em-si positivo.
370 - [Diese dem Gesetze] A individualidade tende, pois, a
suprassumir essa necessidade que contradiz a lei do coração, como
também o sofrimento por ela causado. Sendo assim, a individualidade já não é a frivolidade da figura anterior, que somente
queria o prazer singular; mas é a seriedade de um alto desígnio, que
procura seu prazer na apresentação de sua própria essência sublimada, e na produção do bem da humanidade. O que a individualidade torna efetiva é a lei mesma, portanto seu prazer é ao
mesmo tempo prazer universal de todos os corações. As duas coisas
lhe são inseparáveis: seu prazer é "o conforme-à-lei" e a efetivação
da lei da humanidade universal, o preparo de seu prazer singular;
porquanto, no seu interior, a individualidade e a necessidade são
imediatamente um só, e a lei é lei do coração.
A individualidade ainda não se deslocou de seu posto, e a
unidade das duas ainda não se efetuou através do movimento
mediatizante entre elas, nem tampouco através da disciplina. A
efetivação da essência imediata indisciplinada vale como a apresentação de uma excelência [do indivíduo] e como a produção do bem
da humanidade.
371 - [Das Gesetz dagegen] Ao contrário, a lei que se opõe à
lei do coração é separada do coração e livre para si. A humanidade,
que lhe pertence, não vive na unidade bem-aventurada da lei com
o coração, mas sim, ou na separação e no sofrimento atrozes; ou,
pelo menos, na privação do gozo de si mesma - no acatamento da
lei; e na privação de sua própria excelência - na transgressão da lei.
Ora, como essa despótica ordem divina e humana está separada do
coração, é para este uma aparência, que ainda deve perder o que
lhe está associado; a saber, o poder e a efetividade.
Acidentalmente, pode ocorrer que essa ordem coincida no
conteúdo com a lei do coração - que nesse caso poderá tolerá-la.
Mas, para esse coração, a essência não é pura conformidade à lei
como tal, e sim a consciência de si mesma que o coração nela
encontra, [o fato de] que nela se satisfaz. Mas onde o conteúdo da
necessidade universal não está em consonância com o coração,
também nada é em si segundo seu conteúdo, e deve ceder à lei do
coração.
372 - [Das indiuiduum] O indivíduo cumpre, assim, a lei de
seu coração: torna-se ordem universal, e o prazer, uma efetividade
em si e por si conforme a lei. Mas nessa efetivação, a lei de fato
escapou do coração e tornou-se, imediatamente, apenas a relação
que deveria ser suprassumida. Por essa efetivação, justamente, a lei
do coração deixa de ser lei do coração. Nela recebe, com efeito, a
forma do ser, e agora é potência universal, à qual esse coração é
indiferente; de modo que o indivíduo, pelo fato de estabelecer sua
própria ordem, não a encontra mais como sua. Com a efetivação
de sua lei, ele não produz sua lei; pois embora, em si, seja a sua,
para o indivíduo é uma efetivação estranha. O que ele faz é
enredar-se na ordem efetiva, como numa superpotência estranha,
que aliás não só lhe é estranha, mas inimiga.
O indivíduo, através de seu ato, põe-se no elemento - melhor,
como o elemento - universal da efetividade essente. Seu ato deve,
até mesmo pelo sentido [que lhe confere], ter o valor de uma ordem
universal. Mas assim, o indivíduo libertou-se de si mesmo, cresce
para si como universalidade, e se purifica da singularidade. O
indivíduo - que só quer conhecer a universalidade sob a forma de
seu imediato ser-para-si - não se reconhece nessa universalidade
livre; e contudo, ao mesmo tempo, lhe pertence, pois ela é seu agir;
agir que tem, pois, a significação pervertida de contradizer a ordem
universal, já que seu ato deve ser ato de seu coração singular, e não
efetividade universal livre. Mas, ao mesmo tempo, o indivíduo a
reconheceu no ato, pois o agir tem o sentido de pôr sua essência
como efetividade livre, quer dizer, reconhecer a efetividade como
sua essência.
373 - [Das Individuum hat] Por meio do conceito de seu agir,
o indivíduo determinou de maneira mais exata como é que se volta
contra ele a universalidade efetiva - da qual ele se fez propriedade.
Seu agir, como efetividade, pertence ao universal; mas seu conteúdo
é a própria individualidade, querendo manter-se como este singular, oposto ao universal. Não se trata aqui do estabelecimento de
qualquer lei determinada; porém a unidade imediata do coração
singular com a universalidade, é o pensamento que deve valer e ser
erigido em lei: "que todo coração deve reconhecer-se a si mesmo
no que é lei".
Mas o coração deste indivíduo apenas pôs sua efetividade no
seu ato, que exprime seu ser-para-si ou seu prazer. O ato deve valer
imediatamente como universal, quer dizer, é na verdade algo particular: da universalidade tem apenas a forma; seu conteúdo particular deve, como tal, valer por universal. Por isso os outros não
encontram realizada nesse conteúdo a lei de seu coração, e sim a
de um outro. Ora, de acordo com a lei universal, justamente - de
que "cada um deve encontrar seu coração no que é lei" -, voltam-se
contra a efetividade que este indivíduo propunha, assim como ele
se voltava contra a dos outros. Por conseguinte, o indivíduo, como
antes abominava somente a lei rígida, agora acha os corações dos
próprios homens, contrários a suas excelentes intenções, e dignos
de abominação.
374 - [Weil dies Bewusstsein] Para essa consciência, a natureza da efetivação e da eficiência lhe é desconhecida, porque só
conhece a universalidade como imediata, e a necessidade como
necessidade do coração. Não sabe que essa efetivação como essente é antes, em sua verdade, o universal em si - no qual some a
singularidade da consciência que a ele se confia, para ser esta
singularidade imediata. Portanto, em lugar desse Ser seu, o que ela
consegue é a alienação de si mesma no ser.
Mas aquilo onde a consciência não se reconhece já não é a
necessidade morta, e sim a necessidade enquanto vivificada por
meio da individualidade universal. Essa ordem divina e humana,
que encontrou vigente, a consciência a tomou por uma efetividade
morta. Nela, não teriam consciência de si mesmos, não somente ela
- que se fixa como este coração para si essente oposto ao universal
-, mas também os outros que a tal ordem pertencem. Mas antes, ela
encontra essa ordem vivificada pela consciência de todos, e como
lei de todos os corações. Faz a experiência de que a efetividade é
uma ordem vivificada; e isso justamente porque ao mesmo tempo
torna efetiva a lei de seu coração. Isso significa apenas que a
individualidade se torna para si objeto como universal; um objeto,
aliás, em que não se reconhece.
375 - [Was also dieser] Por conseguinte, o que para essa
figura da consciência resulta como o verdadeiro de sua experiência
contradiz o que ela é para si Mas o que é para si tem também, para
tal figura, a forma da universalidade absoluta: é a lei do coração,
que imediatamente é um só com a consciência-de-si. Ao mesmo
tempo, a ordem viva e subsistente é também sua própria essência e
obra; não produz outra coisa a não ser essa ordem, que está em
unidade igualmente imediata com a consciência-de-si. Dessa maneira, é a uma essencialidade duplicada e oposta que essa consciência pertence - contraditória em si mesma e dilacerada no que tem
de mais íntimo.
A lei desse coração é somente aquilo em que a consciênciade-si reconhece a si mesma. Porém, através da efetivação dessa lei,
a ordem que vigora universalmente se lhe tomou sua própria
essência, e sua própria efetividade. Portanto, o que se contradiz em
sua consciência - a lei e o coração - estão ambos para ela na forma
da essência e da sua própria efetividade.
376 - [Indem es dies] Quando enuncia esse momento de sua
queda consciente e aí o resultado de sua experiência, a consciênciade-si mostra-se como a subversão íntima de si mesma, como o
desvario da consciência para a qual sua essência é imediatamente
inessência, sua efetividade imediatamente inefetividade. O desvario
não pode entender-se como se, em geral, algo inessencial fosse tido
por essencial, algo inefetivo por efetivo; como se o que fosse para
alguém essencial ou efetivo não o fosse para outrem; e como se a
consciência da efetividade e da inefetividade - ou da essencialidade
e da inessencialidade - incidissem fora uma da outra.
Se algo é de fato efetivo ou essencial para a consciência, em
geral, mas não o é para mim, então, na consciência de seu nada, eu
- já que sou a consciência em gera) - tenho ao mesmo tempo a
consciência de sua efetividade; ora, quando os dois [momentos] são
fixados, isso forma uma unidade que é o desvario em geral. Contudo, nesse desvario, o que está desvairado para a consciência é
apenas um objeto; não a consciência como tal, em si e para si
mesma. Porém, no resultado da experiência que se revelou aqui, a
consciência na sua lei está cônscia de si mesma, como este Efetivo;
e, ao mesmo tempo, tornou-se cônscia de sua inefetividade, enquanto consciência-de-si, enquanto efetividade absoluta; porque
essa mesma essencialidade, essa mesma efetividade se lhe alienou.
Ou seja: os dois lados, segundo sua contradição, valem imediatamente como sua essência para essa consciência, - que portanto
está desvairada no seu mais íntimo.
377 - [Das Herzklopfen] O pulsar do coração pelo bem da
humanidade desanda assim na fúria de uma presunção desvairada;
no furor da consciência para preservar-se de sua destruição. Isso,
porque ela projeta fora de si a subversão que é ela mesma, e se
esforça por considerá-la e exprimi-la como um Outro. Então a
consciência denuncia a ordem universal como uma perversão da lei
do coração e da sua felicidade. Perversão inventada e exercida por
sacerdores fanáticos, por tiranos devassos com a ajuda de seus
ministros, que humilhando e oprimindo procuram ressarcir-se de
sua própria humilhação.
Em seu desvario, a consciência denuncia a individualidade
como fonte de seu desvario e perversão; mas uma individualidade
alheia e contingente. Porém o coração, ou seja, a singularidade que pretende ser imediatamente universal - da consciência, é a
fonte mesma desse desvario e perversão. Seu agir só tem por
resultado que essa contradição chegue à sua consciência.
Com efeito, o verdadeiro para ele é a lei do coração, - algo
meramente Visado', que não suportou a luz do dia, como a ordem
estabelecida; mas que, ao contrário, apenas exposto a essa luz, cai
por terra. Essa lei, que é a sua, deveria ter efetividade; nesse caso,
a lei, enquanto efetividade, enquanto ordem vigente, é para ela fim
e essência. Mas também, imediatamente para ela a efetividade precisamente a lei como ordem vigente - é, antes, o nada.
Do mesmo modo, sua própria efetividade - o coração mesmo
como singularidade da consciência - é, para si, a essência. Ora, ele
tem por fim pôr essa efetividade como essente; logo, a essência ou
o fim enquanto lei é antes, para ele, imediatamente o seu Si como
algo não-singular, e por isso mesmo, como uma universalidade que
o coração seria para sua consciência mesma.
Através do agir, esse seu conceito se toma seu objeto. Com
efeito, o coração experimenta seu Si, antes como inefetivo - e a
inefetividade como sua efetividade. Assim esse coração não é uma
individualidade alheia e contingente; mas é justamente em si, sob
todos os aspectos, pervertido e perversor.
378 - [Indem aber die] Aliás, se é perversa e perversiva a
individualidade imediatamente universal, essa ordem universal - lei
de todos os corações, ou seja, lei do pervertido - em si não é menos
'o pervertido', como denunciava o desvario furioso.
De uma parte, na resistência que a lei de um coração encontra
na lei dos outros singulares, a ordem universal demonstra ser a lei
de todos os corações. As leis vigentes são defendidas contra a lei de
um indivíduo, porque não são uma necessidade morta e vazia,
carente de consciência, e sim a universalidade e a substância
espirituais. Nelas vivem como indivíduos, e são conscientes de si
mesmos, aqueles para quem essas leis têm sua efetividade. E isso
de tal modo, que embora queixando-se dessa ordem como se
contrariasse sua lei interior, e mantendo contra ela as suposições
[Meinungen] do coração, de fato estão pelo coração ligados a ela,
como à sua essência, e tudo perdem se lhes for retirada, ou se dela
se excluírem eles mesmos. Como nisso justamente consistem a
efetividade e o poder da ordem pública, essa ordem se manifesta
como a essência universalmente vivificada, igual a si mesma; enquanto a individualidade [se mostra] como sua forma.
De outra parte, porém, essa lei é o 'pervertido'.
379 - [Denn darin, dass] Com efeito, por ser essa ordem a lei
de todos os corações, e por serem todos os indivíduos imediatamente esse universal, ela é uma efetividade, a qual é somente a
efetividade da individualidade para si essente, ou do coração.
A consciência, que estabelece a lei de seu coração, experimenta assim resistência da parte dos outros, pois tal lei contradiz as leis
igualmente singulares de seus corações. Na sua resistência, nada
mais fazem que estabelecer suas próprias leis e fazê-las vigorar. O
universal, que está presente, é portanto apenas uma resistência
universal, uma luta de todos contra todos, em que cada um faz valer
sua singularidade própria, mas ao mesmo tempo não chega lá,
porque sua singularidade experimenta a mesma resistência e por
sua vez é dissolvida pelas outras individualidades.
O que parece ser ordem pública é assim essa beligerância
geral, em que cada um arranca o que pode, exerce a justiça sobre
a singularidade do outro, consolida sua própria singularidade que
igualmente desvanece por obra dos outros. Essa ordem é o curso
do mundo, aparência de uma marcha constante, mas que é somente
uma universalidade 'visada', e cujo conteúdo é antes o jogo inessencial da consolidação das singularidades e da sua dissolução.
380 - [Betrachten wir] Consideremos os dois lados da ordem
universal, contrastando um com o outro: a última universalidade
tem por conteúdo a individualidade irrequieta, para o qual o 'visar'
ou a singularidade é a lei, - o Efetivo, inefetivo; e o Inefetivo é o
Efetivo. Mas é, ao mesmo tempo, o lado da efetividade da ordem,
porquanto lhe pertence o ser-para-si da individualidade. O outro
lado é o universal como essência tranqüila, mas, por isso mesmo,
um interior apenas; não que seja totalmente nada, mas também não
é efetividade nenhuma: só mediante a suprassunção da individualidade - que se arrogou a efetividade - é que pode tornar-se
efetiva.
Essa figura da consciência é a virtude: [consiste em] tornar-se
certo de si na lei, no verdadeiro e no bem em si; não como a
singularidade, mas só como essência; e em saber, ao contrário, a
individualidade como o pervertido e o perversor; e em ter, por isso,
de sacrificar a singularidade da consciência.
c. A VIRTUDE E O CURSO-DO-MUNDO
381 - [In der ersten] Na primeira figura da razão ativa, a
consciência-de-si era, para si, pura individualidade, e frente a ela se
postava a universalidade vazia. Na segunda figura, cada uma das
duas partes continha os dois momentos - lei e individualidade: uma
das partes, o coração, era sua unidade imediata, e a outra, sua
oposição. Aqui, na relação entre a virtude e o curso-do-mundo, os
dois membros são, cada um, unidade e oposição desses momentos,
ou seja, são um movimento da lei e da individualidade - um em
relação ao outro, mas em sentido oposto.
Para a consciência da virtude, a lei é o essencial, enquanto a
individualidade é o que-deve-ser-suprassumido, tanto na sua consciência mesma quanto no curso-do-mundo. Nela, a individualidade
própria deve disciplinar-se sob o universal, o verdadeiro e o bem
em si. Porém, mesmo assim, fica ainda sendo consciência pessoal:
a verdadeira disciplina é só o sacrifício da personalidade toda, como
garantia de que a consciência de fato já não está presa a singularidades. Ao mesmo tempo, nesse sacrifício singular, é extirpada
no curso-do-mundo a individualidade, por ser também um momento simples, comum aos dois [termos].
A individualidade se comporta no curso-do-mundo de maneira inversa da que tinha na consciência virtuosa, a saber: ela se faz
essência, e em contrapartida subordina a si o que em si é bom e
verdadeiro. Além do que, para a virtude, o curso-do-mundo não é
somente esse universal pervertido pela individualidade; mas a ordem absoluta é igualmente um momento comum [aos dois termos];
só que no curso-do-mundo não está presente, para a consciência
como efetividade essente, mas é sua essência interior. Portanto, essa
ordem não tem de ser produzida só pela virtude, já que o produzir,
enquanto agir, é consciência da individualidade; a qual deve, antes,
ser suprassumida. Porém com esse suprassumir, somente se dá
espaço ao Em-si do curso do mundo, para que possa entrar na
existência em si e para si.
382 - [Der allgemeine] O conteúdo universal do efetivo
curso-do-mundo já se deu a ver: examinado mais de perto, não é
outra coisa que os dois movimentos anteriores da consciência-de-si.
Deles brotou a figura da virtude; posto que são sua origem, ela os
tem diante de si; porém empreende suprassumir sua origem, realizar-se ou vir-a-ser para si O curso-do-mundo é, pois, de um lado,
a individualidade singular que busca seu prazer e gozo; assim
agindo, encontra sua ruína, e desse modo satisfaz o universal. Mas
essa satisfação mesma - como aliás os outros momentos dessa
relação - é uma figura e um movimento pervertidos do universal.
A efetividade é somente a singularidade do prazer e do gozo,
enquanto o universal é o seu oposto: uma necessidade que é apenas
a figura vazia do universal, uma reação puramente negativa e um
agir carente-de-conteúdo.
O outro momento do curso-do-mundo é o da individualidade
que pretende ser lei em si e para si, e que nessa pretensão perturba
a ordem estabelecida. Na verdade, a lei universal se mantém contra
essa enfatuação, e não surge mais como algo oposto à consciência
e vazio; nem como necessidade morta, mas sim como necessidade
na consciência mesma. Porém essa lei universal, quando existe
como relação consciente da efetividade absolutamente contraditória, é o desvario; e quando é como efetividade objetiva, então é a
perversidade em gemi. Portanto o universal se apresenta, de certo,
nos dois lados, como a potência de seu movimento; mas a existência
dessa potência é apenas a perversão universal.
383 - [Von der Tugend] Agora deve o universal receber da
virtude sua verdadeira efetividade, mediante o suprassumir da
individualidade - do princípio da perversão. O fim da virtude é,
pois, reverter de novo o curso pervertido do mundo, e trazer à luz
sua verdadeira essência. Primeiro, essa essência verdadeira está no
curso-do-mundo somente como seu Em-si; não é ainda efetiva. Por
isso a virtude nela crê, apenas. Procede a elevar essa fé ao contemplar, mas sem gozar dos frutos de seu trabalho e sacrifício. Com
efeito: na medida em que a virtude é individualidade, ela é o agir
da luta que trava com o curso-do-mundo; seu fim e sua verdadeira
essência são o triunfo da efetividade do curso do mundo: a existência assim efetuada do bem é desse modo a cessação de seu agir, ou
da consciência da individualidade.
Como é que essa luta se sustenta; que experimenta nela a
virtude; se, com o sacrifício que a virtude assume, o curso-do-mundo sucumbe e a virtude triunfa; são questões que se devem decidir
pela natureza das armas vivas que os lutadores empunham. Com
efeito, essas armas não são outra coisa que a essência dos próprios
lutadores, a qual só surge para ambos de modo recíproco. Ora, suas
armas já se revelaram pelo que, em si, está presente nessa luta.
384 - [Das Allgemeine ist] O universal, para a consciência
virtuosa, é verdadeiro na fé, ou em si; não é ainda uma universalidade efetiva, e sim, abstrata: está nessa consciência como fim, e
no curso-do-mundo como interior. Para o curso do mundo, é
justamente nessa determinação que o universal se apresenta também na virtude, pois essa apenas quer realizar o bem, e não o dá
ainda como efetividade.
Pode-se também considerar essa determinidade de modo que
o bem - enquanto surge na luta contra o curso-do-mundo - se
apresente como sendo para um outro; como algo que não é em si
e para si mesmo, pois, aliás, não pretenderia dar-se sua verdade
mediante a subjugação de seu contrário. Dizer que o bem é só para
um outro significa o mesmo já mostrado sobre o bem na consideração oposta: a saber, que o bem é uma abstração apenas, que só
tem realidade na relação, e não em si e para si.
385 - [Das Gute oder Allgemeine] O bem ou o universal, tal
como surge aqui, é o que se chama dons, capacidades, forças. E um
modo de ser do espiritual em que é apresentado como um universal,
o qual precisa do princípio da individualidade para sua vivificação
e movimento, e tem sua efetividade nesse princípio. Por esse
princípio - enquanto está na consciência da virtude - o universal é
bem aplicado; mas enquanto está no curso-do-mundo, é mal empregado: é um instrumento passivo, que, manobrado pela mão da
individualidade livre, é indiferente ao uso que faz dele. Pode
também ser mal empregado para a produção de uma efetividade
que seja sua destruição: é uma matéria sem vida, privada da
independência própria, que pode ser modelada de um jeito ou de
outro, inclusive para sua destruição.
386 - [Indem dies Allgemeine] Como esse universal está
igualmente à disposição tanto da consciência da virtude como do
curso-do-mundo, pode-se questionar se a virtude assim armada
vencerá o vício. As armas são as mesmas: são essas capacidades e
forças. Sem dúvida, a virtude tem em reserva sua fé na unidade
originária de seu fim com a essência do curso-do-mundo; no
decorrer da luta, essa deve cair sobre a retaguarda do inimigo, e
implementar em si o seu fim. Desse modo, para o cavaleiro [andante] da virtude, seu próprio agir e lutar são propriamente uma finta,
que não pode levar a sério - já que empenha sua verdadeira valentia
em que o bem seja em si e para si - isto é, que se cumpra por si
mesmo. E também, uma finta que não deve fazer que seja levada a
sério.
Com efeito, o que ele volta contra o inimigo, e encontra
voltado contra si mesmo, o que expõe à deteriorização e ao desgaste, tanto nele quanto no inimigo, não deve ser o bem mesmo, já que
a luta é para sua preservação e cumprimento. O que se põe em risco
nessa luta, são apenas dons e capacidades indiferentes. Esses
porém, de fato, não são outra coisa que precisamente esse universal
mesmo, carente-de-individualidade, que deve ser preservado e
efetivado através da luta.
Entretanto, esse universal, ao mesmo tempo, já está imediatamente efetivado através do conceito mesmo da luta: é o Em-si, o
universal, e sua efetivação significa unicamente que ele é igualmente
para um outro. Os dois lados acima apresentados, segundo cada
um dos quais o universal se tornava uma abstração, já não são
separados: ao contrário, na luta e pela luta o bem é posto, a um só
tempo, das duas maneiras.
Mas a consciência virtuosa entra em luta contra o curso-domundo como contra um oposto ao bem. Ora, o que o curso-domundo oferece à consciência na luta, é o universal; e não só como
um universal abstrato, mas como um universal vivificado pela
individualidade, e essente para um outro: ou seja, o bem efetivo.
Assim, onde quer que a virtude entre em contato com o curso-domundo, toca sempre posições que são a existência do bem mesmo,
o qual, como o Em-si do curso-do-mundo, está inseparavelmente
imbricado em todas as suas manifestações e tem seu ser-aí na
efetividade do curso do mundo. Esse, portanto, é invulnerável para
a virtude. Justamente tais existências do bem - e assim, relações
invioláveis - são todos esses momentos que a virtude teria de atacar
e de sacrificar.
Lutar, portanto, só pode ser um vacilar entre conservar e
sacrificar - ou antes, não pode caber nem o sacrifício do próprio,
nem o ferimento do estranho. Assemelha-se a virtude não só a um
combatente, que na luta está todo ocupado em conservar sua
espada sem mancha; e mais ainda: que entrou na luta para preservar
as suas armas. Não só não pode fazer uso de suas próprias armas,
como além disso deve manter intactas as do adversário, e protegêlas contra seu próprio ataque: porquanto são, todas, partes nobres
do bem, pelo qual a virtude entrou na luta.
387- [Diesem Feinde dagegen] Para esse inimigo, ao contrário, a essência não é o Em-si, mas a individualidade. Sua força é,
pois, o princípio negativo, para o qual nada há de subsistente, nem
de absolutamente sagrado, senão que pode suportar a perda de
toda e qualquer coisa. Por isso, a vitória é certa, tanto nele mesmo,
como pela contradição em que se enreda o inimigo. O que para a
virtude é em si, para o curso-do-mundo é apenas para ele: é livre
de qualquer momento que seja sólido para a virtude, e ao qual ela
esteja ligada.
O curso-do-mundo tem em seu poder tal momento, que lhe
vale como um momento que tanto pode suprassumir como fazer
subsistir; e assim tem em seu poder também o cavaleiro virtuoso, a
ele vinculado. Não pode desembaraçar-se dele como de um manto
que o envolvesse do exterior, e dele se libertar jogando-o atrás, já
que esse momento é para ele a essência de que não se pode desfazer.
388 - [Was endlich den] Enfim, quanto à emboscada em que
o bom Em-si deveria astutamente surpreender o curso-do-mundo
pela retaguarda - tal esperança, em si, não vale nada. O curso-domundo é a consciência desperta, certa de si mesma, que não se deixa
atacar por detrás mas faz frente por todos os lados. Com efeito, o
curso-do-mundo é tal que tudo é para ele, tudo está diante dele.
Porém o bom Em-si, é para o seu inimigo; assim é na luta que
acabamos de ver. Mas enquanto não é para ele, mas em si, é o
instrumento passivo dos dons e capacidades, a matéria carente-deefetividade; representado como ser-aí, seria uma consciência adormecida, que ficou para trás, não se sabe onde.
389 - [Die Tugend wird] Portanto a virtude é vencida pelo
curso-do-mumdo, pois o seu fim de fato é a essência inefetiva
abstrata, e porque, com vistas à efetividade, seu agir repousa em
diferenças que só residem nas palavras. A virtude pretendia consistir
em levar o bem à efetividade por meio do sacrifício da individualidade; ora, o lado da efetividade não é outro que o lado da
individualidade. O bem deveria ser aquilo que é em si, e o que se
põe em oposição ao que é; no entanto, o Em-si, segundo sua
realidade e verdade, é o ser mesmo. Primeiro, o Em-si é a abstração
da essência frente à efetividade; mas a abstração é justamente aquilo
que não é verdadeiro, porém que é só para a consciência. Quer
dizer: é o que se chama efetivo, pois efetivo é aquilo que essencialmente é para um outro, ou seja: é o ser. Entretanto, a consciência
da virtude repousa nessa diferença do Em-si e do ser que não tem
verdade nenhuma.
O curso-do-mundo deveria ser a perversão do bem, por ter a
individualidade por seu princípio. Só que essa individualidade é o
princípio da efetividade; pois é justamente a consciência por meio
da qual o em-si-essente é também para um outro. O curso-do-mundo perverte o imutável; de fato, porém, o inverte do nada da
abstração ao ser da realidade.
390 - [Der Weltlauf siegt] Assim, o curso-do-mundo triunfa
sobre o que constitui a virtude em oposição a ele; triunfa sobre a
virtude para a qual a abstração sem-essência é a essência. No
entanto, não triunfa sobre algo real, mas sobre o produzir de
diferenças que não são nenhumas; sobre discursos pomposos a
respeito do bem supremo da humanidade, e de sua opressão; e a
respeito do sacrifício pelo bem, e do mau uso dos dons. Semelhantes
essências e fins ideais desmoronam como palavras ocas que exaltam
o coração e deixam a razão vazia; edificam, mas nada constroem.
Declamações que só enunciam este conteúdo determinado: o indivíduo que pretende agir por fins tão nobres e leva adiante discursos
tão excelentes, vale para si como uma essência excelente. [Tudo
isso não passa de] uma intumescência, que faz sua cabeça e a dos
outros ficarem grandes, mas grandes por uma oca flatulência.
A virtude antiga tinha sua significação segura e determinada,
porque tinha uma base, rica-de-conteúdo, na substância de um
povo, e [se propunha] como fim, um bem efetivo já existente. Não
se revoltava contra a efetividade como [se fosse] uma perversão
universal e contra um curso-do-mundo. Mas a virtude de que se
trata [aqui] é uma que está fora da substância, uma virtude carente-de-essência - uma virtude somente da representação e das
palavras, privada daquele conteúdo [substancial]
O vazio dessa retórica em luta contra o curso-do-mundo se
descobriria de imediato caso se devesse dizer o que sua retórica
significa; por isso tal significado é pressuposto como bem-conhecido. A exigência de dizer esse bem-conhecido, ou seria atendida por
uma nova torrente de retórica, ou então se lhe oporia o apelo ao
coração que diz interiormente qual sua significação. Quer dizer:
teria de confessar a impossibilidade de dizê-/o de fato.
A cultura de nossa época parece ter alcançado a certeza da
nulidade dessa retórica [embora] de maneira inconsciente. De fato,
parece haver desaparecido qualquer interesse por toda a massa
daquele palavreado, e pelo modo de pavonear-se com ele; perda
que se exprime no fato de que tudo isso só produz tédio.
391 - [Das Resultat also] Assim o resultado, que dessa oposição surge, consiste em desembaraçar-se a consciência como de
um manto vazio, da representação de um bem em si, que não teria
ainda efetividade nenhuma. Na sua luta, fez a experiência de que
o curso-do-mundo não é tão mau como aparentava, já que sua
efetividade é a efetividade do universal. Com essa experiência se
descarta o meio de produzir o bem através do sacrifício da individualidade; pois a individualidade é precisamente a efetivação do
em-si-essente. A perversão deixa de ser vista como uma perversão
do bem porque é, antes, a conversão do bem, [entendido] como
um mero fim, em efetividade; o movimento da individualidade é a
realidade do universal.
392 - [In der Tat ist] Mas de fato, por isso mesmo o que como
curso-do-mundo defrontava a consciência do em-si-essente, é vencido e desvanece. O ser-para-si da individualidade ali se opunha à
essência ou ao universal, e se manifestava como uma efetividade
separada do ser-em-sl Mas, como se demonstrou que a efetividade
está em unidade inseparável com o universal, então se demonstra
que o ser-para-si do curso-do-mundo - tanto como o Em si da
virtude - são apenas uma maneira de ver, e nada mais. A individualidade do curso-do-mundo pode bem supor que só age para-si,
ou por egoísmo; ela é melhor do que imagina: seu agir é ao mesmo
tempo um agir universal em si-essente.
Quando age por egoísmo, não sabe simplesmente o que faz.
Quando assegura que todos os homens agem por egoísmo, apenas
afirma que todos os homens não possuem nenhuma consciência do
que seja o agir. Quando a individualidade age para si, então isso é
justamente o surgimento para a efetividade do que era apenas
em-si-essente. Portanto, o fim do ser-para-si, que se supõe oposto
ao Em-si; suas espertezas vazias e também suas explicações sutis,
que sabem detectar o egoísmo em toda a parte, igualmente desvaneceram, - como o fim do Em-si e sua retórica.
393 - [Es ist also] O agir e o atarejar-se da individualidade
são, pois, fim em si mesmo. O uso das forças, o jogo de sua
exteriorização, são o que lhes confere vida, senão seriam o Em-si
morto. O Em-si não é um universal irrealizado, inexistente e abstrato; mas ele mesmo é imediatamente essa presença e efetividade do
processo da individualidade.
-CA INDIVIDUALIDADE QUE É PARA SI REAL
EM SI E PARA SI MESMA
394 - [Das Selbstbewusstsein] A consciência-de-si agora
captou o conceito de si, que antes era só o nosso a seu respeito - o
conceito de ser, na certeza de si mesma, toda a realidade. Daqui em
diante tem por fim e essência a interpenetração espontânea do
universal - dons e capacidades - e da individualidade.
Os momentos singulares de sua implementação e interpenetração - antes da unidade na qual confluíram - são os fins considerados até aqui. Eles desvaneceram, como abstrações e quimeras que
pertencem às primeiras figuras fátuas da consciência-de-si espiritual, e que só têm sua verdade no ser que se arrogam o coração, a
presunção e os discursos; e não, na razão. Agora a razão, certa de
sua realidade em si e para si, já não busca produzir-se como fim,
em oposição à efetividade imediatamente essente, mas tem por
objeto de sua consciência a categoria como tal.
Isto significa que foi suprassumida a determinação da consciência-de-si para si essente ou negativa, na qual surgia a razão;
aquela consciência-de-si encontrava uma efetividade que era o
negativo seu, e só efetivava seu fim suprassumindo-a. Como porém
o fim e o ser-em-si se mostraram o mesmo que o ser-para-outro e
a efetividade encontrada, a verdade já não se separa da certeza: quer o fim posto se tome como certeza de si mesmo, e sua efetivação
como verdade; quer o fim se tome como verdade e a efetividade
como certeza. Aliás, a essência, e o fim em si e para si mesmo, são
a certeza da própria realidade imediata - a interpenetração do
ser-em-si e do ser-para-si, do universal e da individualidade. O agir
é, nele mesmo, sua verdade e efetividade. Para o agir é fim em si e,
para si mesmo, a representação ou a expressão da individualidade.
395 - [Mit diesem Begriffe] Com esse conceito, pois, a consciência-de-si retornou a si das determinações opostas que a categoria tinha para ela; e que sua atitude como observadora e depois
como ativa tinha para com a categoria. Tem agora a pura categoria
mesma por seu objeto; ou, é a pura categoria que veio-a-ser
consciente de si mesma. Acertou as contas com suas figuras precedentes: jazem no esquecimento, atrás dela; não se deparam com a
consciência-de-si como seu mundo encontrado, mas se desenvolvem apenas no interior dela como momentos transparentes. Entretanto, na sua consciência, estes ainda se põem como um movimento
que tem os momentos diferentes fora um do outro, que ainda não
se recolheu à sua própria unidade substancial. Mas em todos os
momentos, a consciência mantém firme a unidade do ser e do Si,
unidade que é o gênero deles.
396 - [Das Bewusstsein] Assim despojou-se a consciência de
toda a oposição e de todo o condicionamento de seu agir; sai fresca
de si, não rumo a um Outro, mas rumo a si mesma. A matéria do
operar e o fim do agir residem no próprio agir, já que a individualidade é, nela mesma, a efetividade. Por conseguinte, o agir tem
o aspecto do movimento de um círculo que livre no vácuo se move
em si mesmo, sem obstáculos; ora se amplia, ora se reduz, e,
perfeitamente satisfeito, só brinca em si mesmo e consigo mesmo.
O elemento, em que a individualidade apresenta sua figura,
tem o significado de um puro assumir dessa figura: é a luz do dia,
em geral, onde a consciência quer mostrar-se. O agir nada altera, e
não vai contra nada: é a pura forma de trasladar o não-tornar-se
visto para o tornar-se visto. O conteúdo, que é trazido à luz do dia
e que se apresenta, é o mesmo que este agir já é em si. O agir é em
si: eis sua forma como unidade pensada; o agir é efetivo: - eis sua
forma como unidade essente; o agir é conteúdo somente nessa
determinação da simplicidade, em contraste com a determinação de
seu trasladar-se e de seu movimento.
a -O REINO ANIMAL DO ESPÍRITO E A IMPOSTURA OU A COISA MESMA.
397 - [Diese an sich reale] Essa individualidade em si real é,
primeiro, uma individualidade singular è determinada. A realidade
absoluta, tal como a individualidade se sabe, é portanto - como ela
se torna consciente disso -, a [realidade] universal e abstrata, sem
implementação nem conteúdo; apenas' o pensamento vazio dessa
categoria. Vejamos como este conceito da individualidade em si
mesma real se determina em seus momentos, e como lhe entra na
consciência o conceito [que forma] dela mesma.
398 - [Der Begriff dieser] O conceito dessa individualidade de que ela, como tal, é para si mesma toda a realidade - inicialmente
é resultado. A individualidade ainda não apresentou seu movimento e realidade, e aqui é posta imediatamente como simples ser-em-si.
Mas a negatividade, que é o mesmo que aparece como movimento,
está no simples Em-si como determinidade; e o ser, ou o simples
Em-si, torna-se uma determinada esfera [do essente]. A individualidade entra em cena, pois, como natureza originária determinada: como natureza originária, porque é em si; como
originariamente determinada, porque o negativo está no Em-si; o
qual, portanto, é uma qualidade. Seja como for, essa limitação do
ser não pode limitar o agir da consciência, porque essa é aqui um
perfeito relacionar-se-de-si-consigo-mesma; está suprassumida a
relação para com o Outro, que a limitaria. A determinidade originária da natureza é, pois, somente princípio simples - um elemento
universal transparente, onde a individualidade não só permanece
livre e igual a si mesma, como também aí desenvolve irreprimida as
suas diferenças; e na efetivação delas é pura ação recíproca consigo
mesma.
É semelhante à vida animal indeterminada que infunde seu
sopro de vida ao elemento da água, do ar, ou da terra - e na terra
ainda a outros princípios mais determinados - e imerge nesses
princípios todos os seus momentos; mas apesar dessa limitação do
elemento mantém-nos em seu poder e mantém-se na sua unidade,
permanecendo a mesma vida animal universal enquanto esta é uma
organização particular.
399 - [Diese bestimmte] Essa natureza originária determinada da consciência, que nela é livre, e permanece inteiramente,
manifesta-se como o próprio conteúdo imediato e único do que é
o fim para o indivíduo. De certo, o conteúdo é determinado, mas
só é conteúdo em geral enquanto consideramos isoladamente o
ser-em-si. Mas, na verdade, o conteúdo é a realidade penetrada pela
individualidade: a efetividade tal como a consciência tem em si
enquanto singular, e que de início é posta, como essente, e não
ainda como agente.
Mas para o agir, de um lado, essa determinidade não constitui
uma limitação que ele queira superar, porquanto tal determinidade,
considerada como qualidade essente, é a simples cor do elemento
onde se move. De outro lado, porém, a negatividade só é a
determinidade no ser. Mas o agir mesmo não é outra coisa que a
negatividade; assim, na individualidade agente, a determinidade se
dissolve na negatividade, em geral; ou no conjunto de toda a
determinidade.
400 - [Die einfache ursprüngliche] No agir e na consciência
do agir, a natureza originária simples alcança agora aquela diferença
que corresponde ao agir. Primeiro, o agir está presente como objeto,
e justamente como objeto que ainda pertence à consciência, [ou
seja], como fim. Desse modo se opõe a uma efetividade presente.
O segundo momento é o movimento do fim, representado como
em repouso, a efetivação como relação do fim para com a efetividade inteiramente formal, que assim é a representação da passagem
mesma, ou o meio. O terceiro momento afinal é o objeto - quando
não é mais fim de que o agente está imediatamente cônscio como
seu, mas quando vai para fora do agente e é para ele, como um
Outro.
No entanto, segundo o conceito dessa esfera, esses diversos
aspectos agora devem ser estabelecidos de tal forma que neles o
conteúdo permaneça o mesmo; sem que nenhuma diferença se
introduza, nem entre a individualidade e o ser em geral, nem entre
o fim e a individualidade como natureza originária, ou entre ele e a
efetividade presente; nem tampouco entre o meio e a efetividade
como fim absoluto; nem entre a efetividade efetuada e o fim ou a
natureza originária, ou o meio.
401 - [Fürs erste also] De início, a natureza originariamente
determinada da individualidade, sua essência imediata, não está
ainda posta como agente, e assim chama-se faculdade especial,
talento, caráter etc. Essa coloração característica do espírito deve
ser considerada como o único conteúdo do próprio fim, e, com
absoluta exclusividade, como a realidade. Quem se representasse a
consciência como ultrapassando esse conteúdo, e querendo levar à
efetividade um outro conteúdo, representar-se-ia a consciência
como um nada labutado rumo ao nada.
Além disso, essa essência originária não é só o conteúdo do
fim, mas também é em si, a efetividade que aliás se manifesta como
matéria dada do agir, como efetividade encontrada que deve formar-se no agir. O agir, precisamente, é só o puro trasladar da forma
do Ser ainda não representado à forma do Ser representado. O
ser-em-si daquela efetividade, oposta à consciência, afundou na
pura aparência vazia. Essa consciência quando se determina a agir
não se deixa induzir em erro pela aparência da efetividade presente;
e também deve concentrar-se no conteúdo originário de sua essência, em vez de embaraçar-se em pensamentos e fins vazios.
Sem dúvida, esse conteúdo originário só é para a consciência
quando essa o efetivou; está descartada porém a diferença entre
uma coisa que é para a consciência só dentro de si e uma efetividade
em si essente que está fora dela. Só que, para que seja para a
consciência o que é em si, deve agir: ou seja, o agir é precisamente
o vir-a-ser do espírito como consciência. Assim, a partir de sua
efetividade, sabe o que é em si. O indivíduo não pode saber o que
ele é antes de se ter levado à efetividade através do agir.
Mas com isso parece não poder determinar o fim de seu agir
antes de ter agido; mas, ao mesmo tempo, o indivíduo, enquanto
consciência, deve ter antes à sua frente a ação como inteiramente
sua, isto é, como fim. Assim o indivíduo que vai agir parece
encontrar-se em um círculo onde cada momento já pressupõe o
outro, e desse modo não pode encontrar nenhum começo. Com
efeito, só da ação aprende a conhecer sua essência originária que
deve ser seu fim; mas para agir deve possuir antes o fim. Mas, por
isso mesmo, tem de começar imediatamente, e sejam quais forem
as circunstâncias; sem mais ponderações sobre o começo, o meio,
e o fim, deve passar à atividade, pois sua essência e sua natureza
em-si-essente são princípio, meio e fim: tudo em um só. Como
começo, essa natureza está presente nas circunstâncias do agir, e o
interesse que o indivíduo encontra em algo já é a resposta dada à
questão: se há de agir, e o que fazer aqui. Pois o que parece uma
efetividade que foi encontrada, é em si sua natureza originária, que
tem somente a aparência de um ser: uma aparência que reside no
conceito do agir que se fraciona, mas que se exprime como sua
natureza originária no interesse que encontra nessa efetividade.
Igualmente, o como ou os meios estão determinados, em si e para
si. O talento, do mesmo modo, não é outra coisa que a individualidade originária determinada que se considera como meio
interior, ou como passagem do fim à efetividade. Mas o meio efetivo,
a passagem real, são a unidade do talento e da natureza da Coisa,
presente no interesse. No meio, o talento representa o lado do agir;
o interesse, o do conteúdo; ambos são a individualidade mesma,
enquanto interpenetração do ser e do agir.
Assim, o que está presente são as circunstâncias encontradas,
que em si constituem a natureza originária do indivíduo; em seguida, o interesse, que põe as [circunstâncias] como coisa sua, ou como
fim; e por último, a conjunção e a suprassunção dessa oposição no
meio. Essa conjunção incide ainda no interior da consciência, e o
todo que se acaba de considerar é um dos lados de uma oposição.
Essa aparência de oposição, que ainda resta, é suprassumida através da própria passagem, ou do meio, por ser esse a unidade do
exterior e do interior: o contrário da determinidade, que possui
como meio interior. O meio suprassume, pois, essa determinidade
e se põe a si mesmo - essa unidade do agir e do ser, - igualmente
como um exterior, como a individualidade mesma que-veio-a-ser
efetiva; isto é: posta para si mesma como essente. Dessa maneira a
ação em sua totalidade não sai fora de si mesma, nem como
circunstâncias, nem como fim, nem como meio, nem como obra.
402 - [Mit dem Werke] No entanto, com a obra, parece
introduzir-se a diferença das naturezas originárias; a obra é algo
determinado, do mesmo modo que a natureza originária que ela
exprime. Com efeito, ao ser deixada em liberdade pelo agir - como
efetividade essente - a negatividade está na obra como qualidade.
Mas em confronto com ela, a consciência se determina como o que
inclui em si a determinidade como negatividade em geral, como agir:
a consciência é, portanto, o universal em contraste com aquela
determinidade da obra.
Pode então compará-la com outras obras, e daí apreender as
individualidades mesmas como diferentes: pode entender o indivíduo que abarca mais amplamente em sua obra, por ter mais forte
energia na vontade ou possuir natureza mais rica, isto é, cuja
determinidade originária é menos limitada. Inversamente, pode
entender uma outra natureza como mais fraca e mais pobre.
403 - [Gegen diesen] Em contraste com essa diferença inessencial de grandeza, o bem e o mal exprimiriam uma diferença
absoluta; mas aqui essa não encontra espaço. O que for tomado
como bem ou como mal é igualmente um agir e empreender; um
apresentar-se e exprimir-se de uma individualidade. Portanto, tudo
é bom: não seria possível dizer com exatidão o que deveria ser o
mal. O que se denominaria "uma obra má" é, de fato, a vida
individual de determinada natureza que nela se efetiva; vida que
seria rebaixada à obra má só através de um pensamento comparativo - aliás vazio, porque passa por cima da essência da obra, que
consiste em ser um auto-exprimir-se da individualidade; e porque
busca na obra e dela exige ninguém sabe o quê.
O pensamento comparativo só poderia levar em conta a
diferença acima exposta; mas essa, como diferença de grandeza, é,
em si, diferença inessencial: especialmente aqui, porque diversas
obras e individualidades seriam comparadas entre si. Ora, as individualidades são indiferentes umas às outras: cada uma só se refere
a si mesma. Só a natureza originária é o Em-si, ou o que poderia
pôr-se na base como padrão de medida para o julgamento sobre a
obra e vice-versa. Mas as duas coisas se correspondem mutuamente: nada é para a individualidade que não seja por meio dela, ou
seja, não há nenhuma efetividade que não seja sua natureza e seu
agir; e nenhum agir, nem Em-si da individualidade, que não seja
efetivo. Unicamente esses momentos devem ser comparados.
404 - [Es findei daher] Portanto, não tem cabimento nem
exaltação, nem lamentação, nem arrependimento. Coisas como
essas procedem de um pensamento que imagina um outro conteúdo
e um outro Em-si, diverso da natureza originária do indivíduo e de
sua atualização que se dá na efetividade. Seja o que for que ele faça,
ou que lhe aconteça, foi ele quem fez, e isto é ele: o indivíduo só
pode ter a consciência do simples traslado de si mesmo da noite da
possibilidade para o dia da presença; do Em-si abstrato para a
significação do Ser efetivo. E pode ter esta certeza: o que vem a seu
encontro na luz do dia é o mesmo que jazia adormecido na noite.
De certo, a consciência dessa unidade é também uma comparação; mas o que se compara tem só a aparência de oposição: uma
aparência de forma que não passa de aparência para a consciênciade-si da razão, [certa de\ que a individualidade é nela a efetividade.
Assim o indivíduo, porque sabe que em sua efetividade nada pode
encontrar a não ser a unidade dela com o próprio indivíduo, ou
somente a certeza de si mesmo em sua verdade; e porque desse
modo alcança sempre o seu fim, só sente em si alegria.
405 - [Dies ist der Begrijf] Este é o conceito que forma sobre
si a consciência certa de si como absoluta interpenetração da
individualidade e do ser. Vejamos se tal conceito se confirma na
experiência, e se sua realidade lhe corresponde.
A obra é a realidade que a consciência se dá. Nela, o indivíduo
é para a consciência o que é em si, de modo que a consciência para
a qual ele vem-a-ser na obra não é a consciência particular, mas sim
a universal. Na obra em geral, a consciência se transferiu para o
elemento da universalidade: para o espaço, sem-determinidade, do
ser. A consciência que se retira de sua obra é de fato a consciência
universal - porque nessa oposição se torna a negatividade absoluta,
ou o agir - em contraste com sua obra, que é determinada. A
consciência, pois, se ultrapassa enquanto obra, e ela própria é o
espaço sem-determinidade, que não se encontra preenchido por
sua obra. Se antes sua unidade se mantinha no conceito, isso
sucedia justamente porque a obra tinha sido suprassumida como
obra essente. Mas a obra tem de ser; resta a examinar como no seu
ser a individualidade manterá sua universalidade e saberá como
satisfazer-se.
Antes de mais nada, há que considerar para si a obra queveio-a-ser. Recebeu nela a natureza toda da individualidade; portanto, seu próprio ser é um agir em que todas as diferenças se
interpenetram e dissolvem. A obra é assim lançada para fora em um
subsistir no qual a determinidade da natureza originária se retorna
contra as outras naturezas determinadas, nas quais interfere e que
interferem nela; e nesse movimento universal se perde como momento evanescente.
No âmbito do conceito da "individualidade real em si e para
si" são iguais entre si todos os momentos: circunstâncias, fim, meio
e efetivação; e a natureza originária só vale como elemento universal. Na obra, ao contrário - porque esse elemento universal se torna
ser objetivo - sua determinidade enquanto tal vem à luz do dia e é
em sua dissolução que encontra sua verdade. Assim se apresenta
essa dissolução, vista mais de perto: o indivíduo, como este indivíduo, veio-a-ser nessa determinidade efetivo para si; determinidade
que não é só o conteúdo da efetividade, mas também sua forma.
Ou seja, a efetividade como tal, em geral, é justamente essa determinidade, de ser oposta à consciência-de-si. Por esse lado se revela
como uma efetividade alheia apenas encontrada, que desvanece do
conceito.
A obra é: quer dizer, é para outras individualidades; é como
uma efetividade que lhes é alheia. As outras individualidades devem
pôr sua própria obra em lugar dela, para obterem a consciência de
sua unidade com a efetividade, através do seu agir. Dito de outro
modo: seu interesse por aquela obra, posta através de sua natureza
originária, é outra coisa que o interesse peculiar dessa obra, que por
isso se mudou em algo diverso. Em geral, a obra é assim algo de
efêmero, que se extingue pelo contrajogo de outras forças e de
outros interesses, e que representa a realidade da individualidade
mais como evanescente do que como implementada.
406 - [Es entsteht dem] Assim surge para a consciência, em
sua obra, a oposição entre o agir e o ser: oposição que nas figuras
anteriores da consciência era ao mesmo tempo o começo do agir,
mas aqui é somente o resultado. De fato, porém, a oposição
constituía igualmente o fundamento, quando a consciência como
individualidade em si real passava a agir; porque era pressuposto
do agir a natureza originária determinada, enquanto o Em-si, e o
puro implementar pelo implementar a tinha por conteúdo. Ora, o
puro agir é a forma igual a si mesma, à qual portanto a determinidade da natureza originária é desigual.
Nesse ponto como em outros, não importa qual dos termos se
chama conceito, e qual se chama realidade: a natureza originária é
o pensado, ou o Em-si, em contraste com o agir no qual tem primeiro
a sua realidade. Ou seja: a natureza originária é o ser, quer da
individualidade como tal quer da individualidade como obra; o agir,
porém, é o conceito originário, como absoluta passagem ou como
o vir-a-ser. A consciência experimenta em sua obra essa inadequação do conceito e da realidade que em sua essência reside; pois
na obra a consciência vem-a-ser para si mesma tal como é em
verdade, e desvanece o conceito vazio [que tinha] de si mesma.
407 - [In diesem Grundwiderspruche] Nessa contradição
fundamental da obra - que é a verdade desta "individualidade real
em si e para si" - emergem de novo todos os lados da individualidade como lados contraditórios; quer dizer, a obra, como
conteúdo da individualidade toda, transferida do agir - que é a
unidade negativa que mantém prisioneiros todos os momentos para o ser, deixa agora livres estes momentos, que no elemento da
subsistência se tornam indiferentes uns aos outros. Conceito e
realidade separam-se, pois, como fim e como o que é essencialidade
originária. E contingente que o fim tenha essência verdadeira, ou
que o Em-si seja erigido em fim. Igualmente, conceito e realidade
se dissociam um do outro como passagem à efetividade e como fim-,
ou seja, é contingente a escolha do meio que exprime o fim. E
finalmente, o agir do indivíduo é ainda contingente com referência
à efetividade em geral - tenham ou não em si uma unidade esses
momentos interiores em conjunto. A fortuna decide tanto por um
fim mal-determinado, e por um meio mal-escolhido, como decide
contra eles.
408-[Wenn nun hiermit] Surge agora para a consciência em
sua obra a oposição entre o querer e o implementar, entre o fim e
o meio, e também dessa interioridade em seu conjunto e da própria
efetividade - que em geral recolhe em si a contingência de seu agir.
No entanto, estão presentes também a unidade e a necessidade do
agir: um lado atropela outro, e a experiência da contingência do
agir é apenas uma experiência contingente.
A necessidade do agir consiste em que o fim é pura e simplesmente
referido à efetividade, e essa unidade é o conceito do agir: age-se
porque o agir é em si e para si mesmo a essência da efetividade. De
certo, na obra ressalta a contingência que tem o Ser-implementado
em contraste com o querer e o efetuar: tal experiência, que parece
valer como a verdade, contradiz aquele conceito da ação. Contudo,
se consideramos o conteúdo dessa experiência em sua plenitude,
tal conteúdo é a obra evanescente. O que se mantém não é o
desvanecer, pois o desvanecer é por sua vez efetivo, vinculado à
obra, e com ela também desvanece. O negativo soçobra com o
positivo, do qual é a negação.
409 - [Dies Verschwinden] Esse desvanecer do desvanecer
reside no conceito da mesma "individualidade em si real", pois
aquilo onde a obra desvanece - ou que desvanece na obra - é a
efetividade objetiva que devia proporcionar, à chamada experiência, sua supremacia sobre o conceito que a individualidade tem de
si mesma. Mas a efetividade objetiva é um momento que na própria
consciência não tem mais verdade em si: a verdade consiste somente
na unidade da consciência com o agir, e a obra verdadeira é
somente essa unidade do agir e do ser, do querer e do implementar.
Portanto, para a consciência, em virtude da certeza que está
no fundamento do seu agir, a própria efetividade oposta a essa
certeza é também algo que só é para a consciência. A oposição já
não pode apresentar-se nessa forma de seu Ser-para-si, em contraste com a efetividade, para a consciência que a si retornou como
consciência-de-si, pois, para ela toda a oposição desvaneceu. No
entanto, a oposição e a negatividade, que vêm à cena na obra, não
afetam apenas o conteúdo da obra, ou ainda o conteúdo da
consciência, mas a efetividade como tal; e com isso afetam a
oposição presente só nessa efetividade e por meio dela, e o desvanecer da obra.
Assim a consciência reflete dessa maneira em si, a partir de
sua obra efêmera, e afirma seu conceito e sua certeza como o essente
e o permanente em contraste com a experiência da contingência do
agir. Experimenta de fato seu conceito no qual a efetividade é só
um momento: algo que é para a consciência, e não o em-si-e-para-si.
Experimenta a efetividade como momento evanescente, que portanto só vale para a consciência como ser em geral, cuja universalidade é uma só e a mesma coisa com o agir.
Esta unidade é a obra verdadeira, e a obra verdadeira é a
Coisa mesma, a qual pura e simplesmente se afirma e é experimentada como o que permanece, independente da Coisa que é a
contingência do agir individual enquanto tal, das circunstâncias, do
meio e da efetividade.
410- [Die Sache selbst] A Coisa mesma só se opõe a esses
momentos enquanto [se supõe que] devem ser válidos isoladamente, pois ela é essencialmente sua unidade, como interpenetração da
efetividade e da individualidade. Sendo um agir - e como agir, puro
agir em geral - é também, por isso mesmo, agir deste indivíduo. E
sendo esse agir como ainda lhe pertencendo, em oposição à efetividade, [isto é] como fim, também é a passagem dessa determinidade à oposta: e enfim, é uma efetividade que está presente para
a consciência.
A Coisa mesma exprime, pois, a essencialidade espiritual, em
que todos esses momentos estão suprassumidos como válidos para
si; nela, portanto, só valem como universais. Ali, a certeza de si
mesma é para a consciência uma essência objetiva - uma Coisa,
objeto engendrado pela consciência-de-si como seu, mas que nem
por isso deixa de ser objeto livre e autêntico. A coisa [Ding] da
certeza sensível e da percepção tem agora, para a consciência-de-si,
sua significação unicamente através dela: nisso reside a diferença
entre uma coisa [Ding] e a Coisa [Sache]. Aqui se fará o percurso
de um movimento correspondente ao da certeza sensível e da
percepção.
411 - [In der Sache] Por conseguinte, na Coisa mesma,
enquanto interpenetração que se tornou objetiva da individualidade
e da objetividade mesma, veio a ser para a consciência-de-si seu
verdadeiro conceito de si, ou chegou à consciência de sua substância. Ao mesmo tempo a consciência-de-si, como é aqui, é a consciência de uma substância que recém veio-a-ser; é, portanto,
imediata. Essa é a maneira determinada como a essência espiritual
aqui se faz presente, sem ter ainda completado seu desenvolvimento
de substância verdadeiramente real. A Coisa mesma nessa consciência imediata da substância possui a forma de essência simples,
que como universal contém em si seus diferentes momentos, aos
quais pertence; mas também é de novo indiferente para com eles,
enquanto momentos determinados; é livre para si e vale com esta
Coisa mesma simples e abstrata: vale como a essência.
Os diferentes momentos da determinidade originária ou da
Coisa deste indivíduo, de seu fim, dos meios, do próprio agir e da
efetividade - são para essa consciência momentos singulares os
quais pode deixar de lado e abandonar pela Coisa mesma; mas de
outro lado, todos só têm por essência a Coisa mesma de modo que
se encontre em cada um deles, como universal abstrato, e possa ser
seu predicado. Ha mesma ainda não é o sujeito, pois como sujeito
valem aqueles momentos por se situarem do lado da singularidade
em geral, enquanto a Coisa mesma é por ora apenas o simplesmente
Universal. Ela é o gênero que se encontra em todos esses momentos
como em suas espécies, e é também livre em relação a eles.
412 - [Das Bewusstsein] Chama-se consciência honesta a que
chegou a esse idealismo que a Coisa mesma exprime e que de outra
parte possui nela o verdadeiro como essa universalidade formal. A
consciência honesta tem de agir na Coisa mesma, sempre e exclusivamente; por isso se atarefa nos diferentes momentos ou espécies
dela. Quando não alcança em alguns de seus momentos ou de seus
significados, então por isso mesmo dela se apossa em outro, de
forma que sempre obtém de fato essa satisfação que segundo seu
conceito lhe pertence. Haja o que houver, a consciência honesta vai
sempre implementar e atingir a Coisa mesma, já que é o predicado
de todos esses momentos como este gênero universal.
413 - [Bringt es einen] Se a consciência não leva um fim à
efetividade, pelo menos o quis; isto é: faz de conta que o fim como
fim, o puro agir que nada opera, são a Coisa mesma. Pode dizer
assim, para se consolar, que sempre alguma coisa foi feita ou posta
em movimento. Porquanto o próprio universal contém subsumidos
o negativo ou o desvanecer, também é ainda um agir seu que a obra
se aniquile: ela solicitou os outros a isso, e ainda encontra satisfação
no desvanecer de sua efetividade. É como meninos maus, que
recebendo uma palmada se alegram a si mesmos, por terem sido
precisamente a causa do castigo.
Caso a consciência honesta não tenha sequer tentado, e nada
Jeito em absoluto para executar a Coisa mesma - é que não teve
possibilidade de fazê-lo. A Coisa mesma é para ela, justamente, a
unidade de sua decisão e da realidade: a consciência afirma que a
efetividade não seria outra coisa senão o que lhe é possível. Finalmente, se em geral algo interessante se fez sem seu concurso, então
essa efetividade para ela é a Coisa mesma, justamente pelo interesse
que ali encontra, embora não a tenha produzido. Se é uma sorte
que lhe acontece pessoalmente, a ela se apega, como se fosse ação
e mérito seus. Então, se é um acontecimento mundial, com o qual
não tem nada que ver, também o faz seu; e um interesse ineficaz
vale como partido que tomou pró ou contra, que combateu ou
apoiou.
414 - [Die Ehrtichkeit] De fato a honestidade dessa consciência, bem como a satisfação que goza de toda maneira, consistem
manifestamente em não trazer para um confronto seus pensamentos que tem sobre a Coisa mesma. Para ela, a Coisa mesma é tanto
Coisa sua como absolutamente obra nenhuma; ou seja, é o puro
agir, ou o fim vazio, ou ainda, uma efetividade desativada. Faz
sujeito desse predicado uma significação depois da outra, e as
esquece sucessivamente. Agora, no simples ter querido ou ainda,
não-ter-podido, a Coisa mesma tem a significação de fim vazio, e
de unidade pensada do querer e do implementar.
O consolo pelo fracasso do fim, pois pelo menos foi querido,
pelo menos foi puramente agido - como também a satisfação de ter
dado aos outros algo para fazerem, fazem do puro agir ou de uma
obra totalmente má, uma essência: porque se deve chamar uma
obra má a que não é absolutamente nenhuma. Afinal, se num golpe
de sorte a consciência honesta se encontra com a efetividade, toma
esse ser sem ação pela Coisa mesma.
415 - [Die Wahrheit] Porém a verdade dessa honestidade é
não ser tão honesta como parece. Com efeito, não pode ser tão
carente-de-pensamento a ponto de deixar caírem fora um do outro
esses momentos evanescentes; mas deve ter a consciência imediata
de sua oposição, já que se referem pura e simplesmente um ao outro.
O puro agir é essencialmente o agir deste indivíduo, e esse
agir é também essencialmente uma efetividade ou uma Coisa.
Inversamente, a efetividade só é essencialmente como agir seu, tanto
como agir em geral, e seu agir é ao mesmo tempo, só como agir em
geral, e assim é também efetividade. Quando pois parece ao indivíduo que só lida com a Coisa mesma como efetividade abstrata,
acontece que também está lidando com ela como agir seu. Mas
igualmente, quando o indivíduo quer lidar exclusivamente com o
agir e o atarefar-se, não está tomando isso a sério mas de fato lida
com uma Coisa e com a Coisa como a sua. Quando enfim parece
querer só a sua Coisa e o seu agir, novamente está lidando com a
Coisa em geral ou com a efetividade permanente em si e para si.
416- [Wie die Sache] A Coisa mesma e seus momentos aqui
aparecem como conteúdo; mas também, com igual necessidade,
estão [presentes] na consciência como formas. Surgem como conteúdo apenas para desvanecer e cada um cede o lugar a outro.
Devem, pois, estar presentes na determinidade de suprassumidos;
aliás, assim são aspectos da própria consciência. A Coisa mesma
está presente como o Em-si ou como reflexão da consciência em si
mesma; porém a suplantação dos momentos, uns pelos outros,
assim se expressa na consciência: nela os momentos não são postos
em si, mas somente para um Outro.
Um dos momentos do conteúdo é trazido pela consciência à
luz, e apresentado aos outros; mas a consciência, ao mesmo tempo,
reflete fora dele sobre si mesma, e o oposto também está presente
nela: a consciência o retém para si como o seu. Ao mesmo tempo,
não há um desses momentos que apenas se limite a projetar-se para
o exterior, enquanto o outro ficaria retido só no interior; mas a
consciência os alterna porque ora de um ora de outro momento,
deve fazer o essencial para si e para os outros.
O todo é interpenetração semovente da individualidade e do
universal; mas como este todo está presente para a consciência só
como essência simples, e assim como abstração da Coisa mesma,
os momentos do todo caem fora da Coisa, e fora um do outro: como
momentos dissociados. O todo como tal só será apresentado exaustivamente por meio da alternância dissociadora do projetar-parafora e do atrair-para-si. E porque nessa alternância a consciência
tem um momento para si - como um momento essencial em sua
reflexão -, mas tem outro momento que é só exteriormente, nela e
para os outros; - por isso surge um jogo de individualidades, uma
com a outra, jogo em que se enganam e se encontram enganadas
umas pelas outras, como se enganam a si mesmas.
417- [Eine Individualität] A individualidade, pois, parte para
executar algo: parece assim ter convertido algo em Coisa. Age a
individualidade, e no agir vem-a-ser para outros, e lhe parece que
está lidando com a efetividade. Então os outros tomam o agir
daquela individualidade como um interesse pela Coisa enquanto
tal, e em vista do fim de que a Coisa seja em si implementada, não
importa se pela primeira individualidade ou por eles. Assim, quando
mostram esta Coisa já por eles efetuada ou, quando não, lhe
oferecem e prestam ajuda, eis que aquela consciência já saiu do
ponto onde pensam que está. O que lhe interessa na Coisa é seu
agir e atarefar-se; e quando os outros se dão conta que era isso a
Coisa mesma, se sentem também ludibriados. Mas, de fato, sua
precipitação mesma em vir ajudar não era outra coisa que a vontade
de ver e de mostrar o seu agir, e não a Coisa mesma. Isto é: queriam
enganar os outros, do mesmo modo que lamentam ter sido enganados.
Como agora se patenteou que o próprio agir e atarefar-se - o
jogo de suas forças - valem pela Coisa mesma, a consciência parece
pôr sua essência em movimento, para si e não para os outros apenas preocupada com o agir como o seu e não como um agir dos
outros; por isso deixa os outros em paz na Coisa deles. Só que eles
se enganam mais uma vez: a consciência já está fora de onde eles
pensam que está. Já não se ocupa da Coisa como desta sua Coisa
singular, mas dela se ocupa como Coisa, como universal que é para
todos. Intromete-se então no agir e na obra deles; e, seja não pode
tomar-lhes das mãos, ao menos se interessa por isso, ocupando-se
em proferir julgamentos. Imprime na obra dos outros a marca de
sua aprovação e de seu louvor, pois, no seu entender, não está
louvando somente a obra mesma, mas também sua própria magnanimidade e moderação - em não ter danificado a obra como obra,
nem sequer com suas críticas.
Quando demonstra interesse pela obra, é a si mesmo que nela
se deleita. Também a obra por ele criticada é bem-vinda, justamente
por esse desfrute de seu próprio agir que proporciona à consciência.
Mas os que se sentem - ou se mostram - ludibriados por essa
intromissão, o que queriam era enganar de igual maneira. Fazem
de conta que seu agir e afã é algo só para eles, onde somente têm
por fim a si e a sua própria essência. Só que, enquanto algo fazem,
e com isso se expõem e mostram à luz do dia, contradizem imediatamente por seu ato a pretensão de excluir a própria luz do dia, a
consciência universal e a participação de todos. A efetivação é,
antes, uma exposição do Seu no elemento universal, onde vem-aser - e tem de vir-a-ser - a Coisa de todos.
418 - [Es ist also] É também um engano de si mesmo e dos
outros [supor] que se lida só com a pura Coisa. Uma consciência
que descobre uma coisa, faz, antes, a experiência de que os outros
vêm voando como moscas para o leite fresco posto à mesa; querem
ver-se mexendo nele. Mas também, por seu lado, experimentam
nessa consciência que ela não trata a Coisa como objeto, e sim como
algo seu. Ao contrário, se o que deve ser essencial é só o agir mesmo,
o uso das forças e capacidades, ou o exprimir-se desta individualidade - então ambos os lados fazem a experiência de que todos
se agitam e se têm por convidados. Em lugar do puro agir ou de um
agir singular e característico, se oferece algo que é igualmente para
outros, ou uma Coisa mesma. Nos dois casos sucede o mesmo, e
só tem significação diferente em contraste com o que era aceito e
devia valer.
A consciência experimenta os dois lados como momentos
igualmente essenciais, e aí [também experimenta] o que é a natureza
da Coisa mesma.
A Coisa mesma não é somente uma Coisa oposta ao agir em
geral e ao agir singular; nem um agir que se opusesse à subsistência
e que fosse o gênero livre de seus momentos - que constituiriam as
suas espécies. A Coisa mesma é uma essência cujo ser é o agir do
indivíduo singular e de todos os indivíduos e cujo agir é imediatamente para outros, ou uma Coisa, e que só é Coisa como agir de
todos e de cada um. É a essência que é a essência de todas as
essências: a essência espiritual.
A consciência experimenta que nenhum daqueles momentos
é sujeito; mas que, ao contrário, se dissolvem na Coisa mesma
universal. Os momentos da individualidade, que para essa consciência carente-de-pensamento valiam sucessivamente como sujeito,
se agrupam na individualidade simples, que sendo esta, é ao mesmo
tempo imediatamente universal. A Coisa mesma perde, assim, a
condição de predicado e a determinidade de universal abstrato e
sem-vida; ela é, antes: a substância impregnada pela individualidade; o sujeito, em que a individualidade está tanto como ela
mesma, ou como esta, quanto como de todos os indivíduos; o
universal, que só é um ser como este agir de todos e de cada um;
uma efetividade, porque esta consciência a sabe como sua efetividade singular e como efetividade de todos.
A pura Coisa mesma é o que acima se determinava como
categoria: o ser que é Eu, ou o Eu que é ser, mas como pensar que
ainda se distingue da consciência-de-si efetiva. Porém os momentos
da consciência-de-si efetiva - enquanto os denominamos conteúdo,
fim, agir e efetividade seus - ou os chamamos sua forma e ser-para-si e ser para outro - se põem aqui como um só com a própria
categoria simples; que é, portanto, ao mesmo tempo, todo conteúdo.
b - A RAZÃO LEGISLADORA
419 - [Das geistige Wesen] A essência espiritual no seu ser
simples é pura consciência e esta consciência-de-si. A natureza
originariamente determinada do indivíduo perdeu seu significado
positivo, de ser em-si o elemento e o fim de sua atividade: é apenas
um momento suprassumido, e o indivíduo é um Si, como Si
universal. Inversamente, a Coisa mesma formal tem sua implementação na individualidade agente que se diferencia em si mesma, pois
suas diferenças constituem o conteúdo daquele universal. A categoria é em si, como o universal da pura consciência. E também para
si, pois o Si da consciência é também um momento seu. A categoria
é o ser absoluto, porquanto aquela universalidade é a simples
igualdade-consigo-mesmo do ser.
420 - [Was also dem] Assim, o que é objeto para a consciência
tem a significação de ser o verdadeiro. O verdadeiro é e vale no
sentido de ser, e de valer em-si e para si mesmo: é a Coisa absoluta
que já não sofre a oposição entre a certeza e a verdade, entre o
universal e o singular, entre o fim e sua realidade. Ao contrário; seu
ser-aí é a efetividade e o agir da consciência-de-si; essa Coisa é
portanto a substância ética, e sua consciência, consciência ética.
Seu objeto vale também para ela como o verdadeiro, porque
reúne a consciência-de-si e o ser em uma unidade. Vale como o
absoluto pois a consciência-de-si não pode nem quer mais ultrapassar este objeto, porque ali está junto a si mesma: não pode, porque
ele é todo o seu ser e todo o seu poder; não quer, porque ele é o Si
ou o querer desse Si. É o objeto real nele mesmo como objeto, por
ter nele a diferença da consciência. Divide-se em "massas" que são
as leis determinadas da essência absoluta. Porém são massas que
não ofuscam o conceito, pois nele permanecem incluídos os momentos do ser e da pura consciência e do Si - uma unidade que
constitui a essência dessas "massas", e que nessa diferença faz que
os momentos não se separem mais um do outro.
421 - [Diese Gesetze] Essas leis ou massas da substância ética
são imediatamente reconhecidas. Não é possível indagar sobre sua
origem e justificação, nem ir à busca de um Outro: pois um outro
que a essência em si e para si essente, seria somente a própria
consciência-de-si. Mas a consciência-de-si não é outra coisa que
essa essência, pois ela mesma é o ser-para-si dessa essência, a qual
por isso mesmo é a verdade, por ser tanto o Si da consciência,
quanto seu Em-si, ou pura consciência.
422 - [Indem das] Enquanto a consciência-de-si se sabe como
momento do ser-para-si dessa substância, então exprime nela o
ser-aí da lei, de tal forma que a sã razão sabe imediatamente o que
é justo e bom. Tão imediatamente ela o sabe, como imediatamente
para ela também é válido, e imediatamente diz: isto é justo e bom.
E diz precisamente: isto, pois são leis determinadas-, é a Coisa
mesma implementada, cheia de conteúdo.
423 - [Was sich so] O que assim imediatamente se dá, deve
também ser imediatamente aceito e considerado. Há que ver como
estão constituídos na certeza ética imediata, o ser que ela exprime,
ou as "massas" imediatamente essentes da essência ética - como na
certeza sensível [se tinha que ver] o que ela enunciava imediatamente como essente.
Os exemplos de algumas dessas leis vão demonstrar isso;
enquanto nós as tomamos na forma de máximas da sã razão que
sabe, não há por que aduzir logo no início o momento que deve
nelas valer, quando consideradas como leis éticas imediatas.
424 - [Jeder soll die] uCada um deve falar a verdade." Nesse
dever que se enuncia como incondicionado vai-se logo admitir a
condição: "se souber a verdade". O mandamento, pois, será agora
assim enunciado: Cada um deve falar a verdade, sempre segundo
seu conhecimento e convicção a respeito dela. A sã razão, justamente essa consciência ética que sabe imediatamente o que é justo e
bom, explicará também que esta condição já estava de tal modo
unida à sua máxima universal que ela sempre assim entendeu
aquele mandamento. Mas dessa maneira admite que, de fato, ao
enunciar a máxima já a infringe, imediatamente. Dizia: "cada um
deve falar a verdade"; mas entendia: "de acordo com seu conhecimento e convicção sobre ela". Isto é, falava uma coisa e entendia
outra; ora, falar diversamente do que se entende, significa não falar
a verdade. Uma vez corrigida a inverdade ou a inabilidade, a
máxima agora assim se exprime: uCada um deve falar a verdade
conforme o conhecimento e a convicção que dela tenha em cada
caso." Mas, com isso, a necessidade universal, o válido em si que a
máxima queria enunciar, se inverte antes numa completa contingência.
Com efeito: que a verdade deva ser dita, depende de uma
contingência: se é que eu conheço; se é que estou convencido a
respeito. [Assim] não se enuncia nada mais do que isto: que se deve
dizer o verdadeiro e o falso misturados, conforme suceda que
alguém os conheça, entenda ou conceba. Essa contingência do
conteúdo tem a universalidade só na forma de uma proposição, sob
a qual se expressa; porém como máxima ética promete um conteúdo
universal e necessário e assim contradiz a si mesma pela contingência do conteúdo. Finalmente, se a máxima for corrigida [dizendo]
que se deve evitar a contingência do conhecimento e da convicção
acerca da verdade, e que a verdade deve também ser conhecida isso seria um mandamento que contradiz frontalmente o ponto de
partida. Primeiro, a sã razão devia ter imediatamente a capacidade
de enunciar a verdade; mas agora se diz que devia sabê-la. Quer
dizer: a sã razão não sabe exprimi-la imediatamente.
Considerando do lado do conteúdo, esse então é descartado
na exigência de que se deve conhecer a verdade, posto que tal
exigência se refere ao saber em geral: "deve-se saber". Portanto o
que é exigido é algo que está, antes, livre de todo conteúdo
determinado. Ora, o que estava em questão aqui era um conteúdo
determinado, uma diferença na substância ética. Só que essa determinação imediata da substância ética é um conteúdo que se manifesta como uma completa contingência; e ao ser elevado à
universalidade e à necessidade - de modo que o saber seja enunciado como lei - antes desvanece.
425 - [Ein anderes berühmtes] Outro mandamento famoso
é: "Ama o próximo como a ti mesmo". É dirigido ao indivíduo em
relação aos indivíduos; a relação é afirmada como do singular para
com o singular, ou como uma relação de sentimento. O amor ativo
- pois o inativo não tem ser nenhum e portanto não está em questão
- visa afastar o mal de um homem e lhe trazer o bem. Para esse
efeito é preciso distinguir o que é o mal para o homem, e qual é o
bem apropriado contra esse mal; e em geral, o que é sua felicidade.
Quer dizer: devo amar o próximo com inteligência, um amor
ininteligente talvez lhe faria mais dano que o ódio.
Mas o bem-fazer essencial e inteligente é, em sua figura mais
rica e mais importante, o agir inteligente universal do Estado.
Comparado com esse agir, o agir do indivíduo como indivíduo é,
em geral, algo tão insignificante que quase não vale a pena falar
dele. Aliás, aquele agir é de tão grande potência que se o agir
singular se lhe quisesse opor - ou ser exclusivamente para si no
delito, ou então por amor a outrem - defraudando o universal
quanto ao direito e à parte que lhe cabe no singular, isso seria
totalmente inútil e irresistivelmente destruído.
Resta ao bem-fazer, que é sentimento, apenas a significação
de um agir inteiramente singular: uma assistência que é tão contingente quanto momentânea. O acaso não só determina a ocasião da
obra, mas determina também se é uma obra em geral, se ela não
volta a dissolver-se logo, e mesmo a converter-se em mal. Assim,
esse agir em benefício dos outros, que se enuncia como necessário,
é de tal modo constituído que talvez possa existir, talvez não; e que,
se a ocasião se oferece fortuitamente, pode ser uma obra, talvez
boa, talvez não.
Com isso essa lei tem um conteúdo tão pouco universal
quanto a primeira já analisada, e não exprime algo em si e para si
- como deveria, enquanto lei ética absoluta. Vale dizer: tais leis ficam
somente no dever-ser, mas não têm nenhuma efetividade: não são
leis, mas apenas mandamentos.
426 - [Es erhellt] De fato, porém, fica evidente, pela natureza
da Coisa mesma, que é preciso renunciar a um conteúdo absoluto
universal, por ser inadequada à substância simples - e esta é sua
essência: ser simples - qualquer determinidade que nela se ponha.
O mandamento em sua "absoluteza" simples exprime um ser ético
imediato. A diferença que nele se mostra é uma determinidade e,
portanto, um conteúdo que se encontra sob a absoluta universalidade desse ser simples.
Já que se deve renunciar assim a um conteúdo absoluto,
somente pode convir ao mandamento a universalidade formal, isto
é, que não se contradiga; pois a universalidade sem-conteúdo é a
universalidade formal, e um conteúdo absoluto significa, por sua
vez, uma diferença que não é nenhuma, ou seja: a carência-de-conteúdo.
427 - [Was dem Gesetzgeben] O que resta à razão legisladora,
portanto, é a pura forma da universalidade, ou, de fato, a tautologia
da consciência que se opõe ao conteúdo, e que não é um saber do
conteúdo essente ou autêntico, mas um saber da essência - ou da
igualdade-consigo-mesmo do conteúdo.
428 - [Das sittliche Wesen] A essência ética portanto não é
um conteúdo - ela mesma e imediatamente - mas apenas um
padrão de medida para estabelecer se um conteúdo é capaz de ser
lei ou não, na medida em que não se contradiz a si mesmo. A razão
legisladora é rebaixada à razão examinadora.
c - A RAZÃO EXAMINANDO AS LEIS
429 - [Ein Unterschied] Uma diferença na substância ética
simples é, para ela, uma contingência, que vimos no mandamento
determinado produzir-se como contingência do saber, da efetividade e do agir. A comparação entre esse ser simples e a determinidade
que não lhe correspondia era em nós que se dava. A substância
simples aí se mostrou universalidade formal ou pura consciência, a
qual, livre de conteúdo, a ele se opõe; e que é um saber sobre ele
como conteúdo determinado. Dessa maneira, a determinidade fica
sendo o que era a Coisa mesma. Porém na consciência, ela é um
Outro; isto é: não é mais o gênero inerte e carente-de-pensamento,
mas se refere ao particular, e vale como sua potência e sua verdade.
Essa consciência parece ser, de início, o mesmo examinar que
antes éramos nós. Seu agir, parece, não pode ser outro que o já
acontecido: uma comparação do universal com o determinado,
donde resultaria, como antes, sua inadequação. Mas a relação do
conteúdo para com o universal aqui é diversa; pois o universal
adquiriu outra significação - a de universalidade formal. O conteúdo determinado é capaz dessa universalidade porque nela vem-aser considerado só em relação a si mesmo.
No nosso examinar, a compacta substância universal estava
frente à determinidade que se desenvolvia como contingência da
consciência na qual a substância entrava. Aqui desvaneceu um dos
membros da comparação: o universal já não é a substância essente
e válida, ou o justo em si e para si; mas é o simples saber ou forma,
que compara um conteúdo somente consigo mesmo e o observa,
[a ver] se é uma tautologia.
As leis não são mais dadas, e sim examinadas. E as leis já foram
dadas à consciência examinadora, que acolhe seu conteúdo simplesmente como é, sem adentrar-se na consideração da singularidade e da contingência que aderiam à sua efetividade, como
aliás fazemos nós. A consciência examinadora fica no mandamento
como mandamento, e procede com respeito a ele de modo igualmente simples, como é simples seu padrão de medida.
430 - [Dies Prüfen reicht] Mas por essa razão é que o
examinar não vai longe, porque justamente o padrão de medida é
a tautologia: indiferente ao conteúdo, acolhe em si tanto este
conteúdo quanto o oposto.
Suponhamos esta questão: Em si e para si deve ser lei que
haja propriedade; em si e para si, não por sua utilidade para outros
fins. A essencialidade ética consiste precisamente nisto: que a lei seja
igual só a si mesma, e que, mediante essa igualdade consigo, seja
portanto fundada na sua própria essência; não seja algo condicionado. A propriedade em si e para si não se contradiz; é uma
determinidade isolada, ou posta [como] igual só a si mesma. A
não-propriedade, as coisas sem dono, ou a comunhão de bens
também não se contradizem. E uma determinidade simples - um
pensamento formal como o seu contrário, a propriedade - que algo
a ninguém pertença; ou esteja à disposição de quem primeiro se
apossar dele; ou pertença a todos em conjunto ou a cada um
segundo as próprias necessidades ou em partes iguais.
Sem dúvida, se a coisa sem dono vem a ser considerada como
um objeto necessário da necessidade, então é necessário que se
torne a posse de um singular qualquer; e seria contraditório erigir,
antes, em lei a liberdade da coisa. Mas por falta-de-dono da coisa
não se entende uma absoluta falta-de-dono mas sim que a coisa
deve aceder à posse de acordo com a necessidade do singular; não
para ficar guardada, de certo, mas para ser imediatamente usada.
Entretanto, prover à necessidade única e exclusivamente segundo a contingência, contradiz a natureza da essência consciente
- a única de que se fala aqui. Pois a essência consciente deve
representar-se sua necessidade sob a forma da universalidade:
prover a sua existência toda, e se proporcionar um bem permanente. Assim pois não está em consonância consigo mesmo o pensamento de que uma coisa se torna casualmente posse da primeira
pessoa viva que se apresente, de acordo com suas necessidades.
Na comunidade de bens (onde se proveria as necessidades
de maneira universal e constante), ou cada um participa dos bens
quanto precisar, e assim se contradizem mutuamente essa desigualdade e a essência da consciência cujo princípio é a igualdade dos
indivíduos singulares; ou então a partilha igual se faria conforme o
último princípio, e assim a cota de participação não tem relação com
a necessidade; relação, aliás, que só é o seu conceito.
431 - [Allein wenn] Mas se desta maneira a não-propriedade
se mostra contraditória, isso só acontece por não ter sido deixada
como determinidade simples. Dá-se o mesmo com a propriedade
quando dissolvida em momentos. A coisa singular, que é propriedade minha, vale por isso como algo universal, consolidado, permanente. Ora, isto contradiz sua natureza, que consiste em ser
utilizada e em desvanecer. Ao mesmo tempo vale como o Meu:
todos os outros o reconhecem e dele se excluem.
Mas, em ser eu reconhecido reside, antes, minha igualdade
com os outros, que é o contrário da exclusão. O que possuo é uma
coisa, isto é, um ser para outros em geral, totalmente universal e sem
a determinidade de ser só para mim; que Eu a possua, contradiz a
sua coisidade universal. Portanto, propriedade se contradiz por
todos os lados, tal como não-propriedade: cada uma tem em si esses
momentos da singularidade e da universalidade, que são opostos e
se contradizem.
No entanto, cada uma dessas determinidades representadas
como simples, como propriedade e não-propriedade, sem ulterior
desenvolvimento, é uma determinidade tão simples quanto a outra;
quer dizer, não contraditória.
O padrão de medida da lei, que a razão tem em si mesma, se
ajusta igualmente bem a tudo, e assim de fato não é um padrão de
medida. Seria aliás estranho se a tautologia, o princípio de contradição - que é reconhecido só como princípio formal no conhecimento da verdade teórica, isto é, como algo de todo indiferente à
verdade e à inverdade - devesse ser mais para o conhecimento da
verdade prática.
432 - [In den beiden] Nos dois momentos, até agora considerados, da implementação da substância espiritual antes vazia, se
suprassumiu o pôr de determinidades imediatas na substância ética,
e em seguida o saber a seu respeito, [examinando] se são leis. O
resultado disso parece ser o seguinte: não têm cabimento nem leis
determinadas, nem um saber dessas leis. Só a substância é a
consciência de si mesma como essencialidade absoluta, a qual,
portanto, não pode abdicar nem da diferença nela [presente], nem
do saber a seu respeito. Se o legislar e o examinar-leis demonstraram
não serem nada, isto significa que ambos, tomados singular e
isoladamente, são momentos precários da consciência ética. O
movimento, em que surgem, tem o sentido formal de que a substância ética, através desse movimento, se apresenta como consciência.
433 - [Insofern diese] Podem-se considerar esses dois momentos como formas da honestidade, enquanto determinações
ulteriores da consciência da Coisa mesma. A honestidade que em
outros casos se ocupava com seus momentos formais, aqui lida com
um conteúdo de-dever-ser - o conteúdo do bem e do justo - e com
o examinar de tal verdade sólida, entendendo possuir na sã razão
e no discernimento inteligente o que faz a força e a validez desses
mandamentos.
434 - [Ohne diese Ehrlichkeit] Sem esta honestidade, porém,
as leis não valem como essência da consciência; nem valem tampouco o exame das leis como um agir de dentro da consciência. No
entanto, esses momentos, ao surgirem cada um para si, imediatamente como uma efetividade, um deles exprime um pôr e um ser,
sem validez, de leis efetivas; e o outro exprime uma libertação dessas
leis que também não é válida. Como lei determinada, a lei tem um
conteúdo contingente; o que tem aqui a significação de ser lei de
uma consciência singular com um conteúdo arbitrário. Esse legislar
imediato é também a insolência tirânica que faz do arbítrio a lei, e
faz da eticidade a obediência ao arbítrio: obediência a leis que são
somente "leis" mas que não são, ao mesmo tempo, mandamentos.
Do mesmo modo o segundo momento, enquanto isolado, significa
o examinar das leis, o mover do inabalável e a temeridade do saber
que à força de raciocínios se liberta das leis absolutas e as toma por
um arbítrio estranho ao saber.
435 - [In beiden Formen] Nas duas formas, esses momentos
são uma atitude negativa para com a substância, ou para com a real
consciência espiritual. Ou seja: neles não tem a substância ainda
sua realidade, mas a consciência ainda os contém sob a forma de
sua própria imediatez. A substância é apenas um querer e um saber
deste indivíduo e o dever de um mandamento sem efetividade e de
um saber da universalidade formal. Mas quando esses modos se
suprassumem, a consciência retornou ao universal e aquelas oposições desvaneceram. A essência espiritual é, pois, substância efetiva, porque esses modos não valem como singulares, mas somente
como suprassumidos; e a unidade, onde são momentos apenas, é
o Si da consciência, que posta de agora em diante na essência
espiritual faz com que esta seja efetiva, plena e consciente-de-si.
436 - [Das geistige Wesen] Por isso a essência espiritual, em
primeiro lugar, é para a consciência como lei em si essente: foi
suprassumida a universalidade do examinar, que era formal, não
em si essente. Em segundo lugar, é uma lei eterna, que não tem seu
fundamento na vontade deste indivíduo, mas que é em si e para si;
a absoluta vontade pura de todos, que tem a forma do ser imediato.
Não é tampouco um mandamento que só deva ser, mas que é e
vale; é o Eu universal da categoria, que é imediatamente a efetividade e o mundo é somente essa efetividade.
Mas porque essa lei essente vale pura e simplesmente, a
obediência da consciência-de-si não é serviço a um senhor, cujas
ordens fossem um arbítrio, e nelas a consciência não se reconhecesse. Ao contrário: as leis são pensamentos de sua própria consci-
ência absoluta, que ela mesma tem imediatamente. Não é que areia
nelas, pois a fé contempla também a essência, mas uma essência
estranha.
A consciência-de-si ética faz imediatamente um só com a
essência por meio da universalidade do seu Si; a fé, ao contrário,
principia de uma consciência singular: é o movimento dessa consciência tendendo sempre rumo a essa unidade, sem atingir a presença de sua essência. A consciência ética, ao contrário, se
suprassumiu enquanto singular, levou a cabo essa mediação; e
somente porque a levou a cabo, é consciência-de-si imediata da
substância ética.
437 - [Der Unterschied des] A diferença entre a consciênciade-si e a essência é, assim, perfeitamente transparente. Por isso as
diferenças na essência não são determinidades contingentes. Ao
contrário: por causa da unidade da essência e da consciência-de-si
- da qual somente poderia vir a desigualdade - elas são as "massas"
em que se articula a unidade, impregnando-as de sua própria vida:
espíritos inconsúteis, e a si mesmos claros, figuras celestes sem
mácula que conservam em suas diferenças a inocência intacta e a
harmonia de sua essência.
A consciência-de-si é igualmente relação simples e clara com
essas leis. Elas são, e nada mais: é o que constitui a consciência de
sua relação. Para a Antígona de Sófocles, valem como direito divino
não-escrito e infalível.
"Não é de hoje, nem de ontem, mas de sempre
Que vive esse direito e ninguém sabe
Quando foi que surgiu e apareceu".
As leis são. Se indago seu nascimento, e as limito ao ponto de
sua origem, já passei além delas: pois então sou eu o universal, e
elas, o condicionado e o limitado. Se devem legitimar-se a meus
olhos, já pus em movimento seu ser-em-si, inabalável, e as considero como algo que para mim talvez seja verdadeiro, talvez não
seja. Ora, a disposição ética consiste precisamente em ater-se firmemente ao que é justo, e em abster-se de tudo o que possa mover,
abalar e desviar o justo.
Se um depósito for feito a meus cuidados, é propriedade de
outrem, e eu o reconheço, porque assim é, e me mantenho inflexível
nessa atitude. Se retiver para mim o depósito, não incorro absolutamente em nenhuma contradição, segundo o princípio de meu
examinar, a tautologia. Com efeito, já não o considero como
propriedade alheia; ora, reter algo, que não considero propriedade
de outro, é perfeitamente conseqüente.
A mudança do ponto de vista não é contradição, pois o que
está em questão não é o ponto de vista, mas o objeto, o conteúdo,
que não deve contradizer-se.
Quando dou um presente, posso mudar o ponto de vista de
que algo é minha propriedade, pelo ponto de vista de que é
propriedade de outrem, sem tomar-me por isso culpado de contradição; do mesmo modo, também posso seguir o caminho inverso.
Portanto, não é porque encontro algo não-contraditório que
isso é justo; mas é justo porque é o justo. Algo é propriedade de
outrem: isso constitui o fundamento. Não tenho que raciocinar a
propósito, nem perquirir ou descobrir toda a sorte de pensamentos,
correlações, considerandos; nem cogitar em estatuir leis ou examiná-las. Por tais movimentos de meus pensamentos, eu subverteria
aquela relação já que de fato poderia a meu bel-prazer fazer que
seu contrário fosse conforme a meu saber tautológico e indeterminado e erigi-lo em lei.
Entretanto é determinado, em si e para si, se é esta determinação ou a oposta que é o justo. Eu poderia erigir para mim a lei
que quisesse, ou então nenhuma; mas quando começo a examinar,
já estou num caminho não-ético. Quando para mim o justo é em si
e para si, então estou dentro da substância ética, que é assim a
essência da consciência-de-si; mas essa é sua efetividade e seu
ser-aí, seu Si e sua vontade.
GLOSSÁRIO
abstossen - repelir
Ansich - Em-si
Ansichsein - Ser-em-si
aufheben - suprassumir
Aufhebung - suprassunção
Aüssern - exteriorizar
aüsserung - exteriorização
Begierde - desejo
begreifende Denken - o pensar conceituai
Dosem - ser-aí
daseiende - aí-essente
Ding - coisa
Dingheit - coisidade
Einsicht - intelecção, perspicácia
entaüssern - extrusar
Entáusserung - extrusão
entfremden - alienar
Entfremdung - alienação
entzweien - fracionar, cindir
Entzweites - fração
Entzweiung - fracionamento, cisão
erfüllen - implementar
Erfüllung - implementação
erscheinende Wissen - saber fenomenal
Erscheinung - fenômeno, manifestação
Fürsich - o Para-si
Fürsichsein - o ser-para-si
gegenübertreten, gegenüberstehen —
defrontar
Gleichnãmige — o homônimo
gewordene - que-veio-a-ser
herabgehen - sucumbir
Hemmung - freio, freagem
Innere - Interior
Insichsein - ser-dentro-de-si
— los - carente-de ...
— losheit - carência-de ...
Masstab - padrão de medida
meinen, Meinung — 'visar'
Mitte - meio-termo
Seiende - essente
Schein - aparência
Selbst- Si
selbstãtige - auto-ativa
Selbstheit - ipseidade
Selbstwesen - auto-essência
übergehen.- transitar, trasladar-se
übersetzen - trasladar
Ungleichnamige - heterônimo
Unwesen - inessência
verkehren - inverter, subverter
Verkerheit - inversidade
verschwinden - desvanecer
verschwundene — evanescente
Werden - vir-a-ser
Zurückgedrankt - recalcado em si
mesmo
Zutat - achega.
LIVROS UTILIZADOS
- Texto da Fenomenologia do Espírito
Hegel, Georg Friedrich - PHÃNOMENOLOGIE DES GEISTES. Neu hrsg. von
Hans-Friedrich Wessels u.Heinrich Qairmont. Hamburg: Meiner, 1988.
(usamos também a edição SUHRKAMP da Fenomenologia (1984)).
- Traduções da Fenomenologia
- francesa: Jean Hyppolite. La Phénoménologie de VEsprit, 2 vols. Aubier, Ed.
Montaigne, Paris, 1941.
- italiana: Enrico de Negri. Fenomenologia dello Spirito, 2 vols. La Nuova Itália,
Florença, 1973.
- inglesa: A.V. Miller. Phenomenology ofSpirit. Oxford Univ. Press, 1977.
- espanhola: W. Roces, La Fenomenologia dei Esptritu. Fondo de Cultura Econômica, México, 1966.
- OU7BOS
LIVROS
Gauvin, Joseph. WortindexzuHegelsPHÃNOMENOLOGIE DES GEISTES. Bouvier Verlag, Bonn, 1984.
Meneses, Paulo. Para ler a Fenomenologia do Espírito - Roteiro. Ed. Loyola, São
Paulo, 1985.
Vaz, Henrique. Tradução parcial da Fenomenologia (do Prefácio à Percepção) na
Coleção PENSADORES, vol. Hegel, da Editora Abril.