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"Quando o mundo estiver
unido na busca do
conhecimento, e não mais
lutando por dinheiro e poder,
então nossa sociedade
poderá enfim evoluir a um
novo nível."
Copyright © Robert Greene, 2018
Copyright © Editora Planeta do Brasil, 2021
Copyright © Angela Tesheiner
Todos os direitos reservados.
Título original: The Laws of Human Nature
PREPARAÇÃO:
REVISÃO:
DIAGRAMAÇÃO:
CAPA:
ADAPTAÇÃO PARA EBOOK:
Fernanda Guerriero Antunes
Nine Editorial e Denise Morgado Sagiorato
Nine Editorial
adaptada do projeto original de Colin Webber e Paul Buckley
Hondana
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
ANGÉLICA ILACQUA CRB-8/7057
Greene, Robert
As leis da natureza humana [livro eletrônico] / Robert Greene; tradução de Angela Tesheiner.
– São Paulo: Planeta, 2021.
768 p.
ISBN 978-65-5535-378-5 (e-book)
Título original: The Laws of Human Nature
1. Desenvolvimento pessoal 2. Autocontrole 3. Autoestima 4. Sucesso I.
Título II. Tesheiner, Angela
21-1220
CDD 158.1
Índices para catálogo sistemático:
1. Desenvolvimento pessoal
2021
Todos os direitos desta edição reservados à
EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA.
Rua Bela Cintra 986, 4o andar – Consolação
São Paulo – SP CEP 01415-002
www.planetadelivros.com.br
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Para minha mãe.
Sumário
Introdução
1
Domine o seu lado emocional
2
Transforme a autoestima em empatia
3
Veja por trás das máscaras das pessoas
4
Determine a força de caráter das pessoas
5
Torne-se um objeto inatingível de desejo
6
Eleve a sua perspectiva
7
Diminua a resistência das pessoas confirmando a opinião que elas têm
de si mesmas
8
Mude as suas circunstâncias mudando de atitude
9
Confronte o seu lado sombrio
10 Cuidado com o ego frágil
11 Conheça os seus limites
12 Reconecte-se com o masculino ou o feminino dentro de você
13 Avance com um senso de propósito
14 Resista à pressão descendente do grupo
15 Faça-os quererem segui-lo
16 Veja a hostilidade por trás da fachada amigável
17 Aproveite o momento histórico
18 Medite sobre a nossa mortalidade comum
Agradecimentos
Bibliografia selecionada
Índice remissivo
Introdução
Se encontrar qualquer traço especial de mesquinharia ou estupidez […], você deve ter
cuidado para não deixar que isso o aborreça ou perturbe, e encare-o apenas como um
acréscimo ao seu conhecimento – um novo fato a ser considerado ao estudar o caráter
da humanidade. A sua atitude em relação a esse traço será igual à de um mineralogista
que topa com um espécime bastante característico de mineral.
— Arthur Schopenhauer
Durante todo o curso da nossa vida, é inevitável que tenhamos de lidar
com uma variedade de pessoas que criam problemas e tornam a nossa
trajetória mais complicada e desagradável. Algumas delas são líderes ou
chefes; outras são colegas ou amigos. Talvez sejam agressivas ou passivoagressivas e, em geral, manipulam as nossas emoções com maestria. Muitas
vezes, demonstram charme e uma autoconfiança estimulante, têm inúmeras
ideias e transbordam entusiasmo; e nós sucumbimos ao seus encantos.
Apenas tarde demais, descobrimos que a segurança que manifestam é
irracional e que as suas ideias são malconcebidas. No trabalho, talvez sejam
aqueles que sabotam as nossas tarefas ou carreira por causa de uma inveja
secreta, um deleite em nos derrubar. Ou que revelam, para o nosso horror,
estar apenas interessados em si mesmos, utilizando-nos como degraus para
concluir seus objetivos.
Nessas situações, é impossível evitar que sejamos pegos de surpresa,
pois não esperamos deles comportamentos desse tipo. Muitas vezes, nos
será contada uma história falsa para justificar essas ações ou a fim de
convenientemente culpar bodes expiatórios, pois esses indivíduos sabem
como nos confundir e nos atrair para um drama sob o seu controle.
Podemos protestar ou nos zangar, mas, no fim, nos sentimos impotentes e o
dano está feito – até que outra pessoa como essas entre em nossa vida e a
história se repita.
Em relação a nós mesmos e ao nosso próprio comportamento,
costumamos nos sentir confusos e impotentes. Por exemplo, de repente
dizemos algo que ofende o nosso chefe ou amigo – não sabemos bem de
onde isso veio, mas nos frustramos ao perceber que alguma raiva ou tensão
escapou de dentro de nós de uma maneira da qual nos arrependemos. Ou
nos lançamos com entusiasmo sobre um projeto ou plano, apenas para nos
darmos conta de que era uma tolice e uma terrível perda de tempo. Ou,
então, nos apaixonamos por alguém que é exatamente o tipo errado para
nós, sabemos disso, porém não conseguimos evitar. E nos fazemos a
seguinte pergunta: “O que deu em mim?”.
Nessas situações, nos vemos seguindo padrões autodestrutivos de
comportamento que parecemos não conseguir controlar, como se
abrigássemos um estranho dentro de nós, um demoniozinho que opera de
forma independente da nossa vontade e que nos instiga a ir pelo caminho
errado. E esse estranho em nosso interior é bem esquisito, ou, pelo menos,
mais do que nós pensamos ser.
O que podemos afirmar acerca desses dois fatores – as ações
desagradáveis dos outros e o nosso próprio comportamento surpreendente
em certas ocasiões – é que, em geral, não fazemos ideia do que os causa.
Poderíamos recorrer a algumas explicações simples, como: “essa pessoa é
maligna, sociopata” ou “algo deu em mim; eu não era eu mesmo”. No
entanto, descrições reducionistas não levam a nenhum entendimento, nem
impedem que os mesmos padrões sejam repetidos. A verdade é que nós,
seres humanos, vivemos na superfície, reagindo emocionalmente ao que as
pessoas dizem e fazem. Formamos opiniões muito simplificadas a respeito
dos outros e de nós, contentando-nos com a história mais fácil e
conveniente que contamos a nós mesmos.
E se, em vez disso, mergulhássemos bem ao fundo, nos aproximando
das raízes verdadeiras do que causa o comportamento humano? E se
fôssemos capazes de entender por que alguns se tornam invejosos e tentam
sabotar o nosso trabalho, ou por que a sua autoconfiança descabida os leva a
se imaginarem infalíveis, como deuses? E se de fato compreendêssemos a
razão de as pessoas repentinamente se comportarem de modo irracional,
revelando um lado muito mais sombrio da sua personalidade, ou o porquê
de estarem sempre prontas para oferecer uma racionalização do seu
comportamento, ou o motivo de nos voltarmos o tempo todo a líderes que
apelam ao que temos de pior? E se pudéssemos julgar o caráter dos outros,
evitando as más contratações e os relacionamentos pessoais que nos causam
tanto dano emocional?
Se entendêssemos verdadeiramente as raízes do comportamento
humano, seria mais difícil para os indivíduos de tipo mais destrutivo
continuarem se safando de suas atitudes. Sabendo de antemão que
necessitam do nosso interesse para manter o controle não seria tão fácil nos
fascinar e iludir. Perceberíamos as suas mentiras, prevendo as suas
manobras sujas e manipuladoras. Não nos permitiríamos ser arrastados para
os seus dramas. E nós, finalmente, lhes tiraríamos o poder utilizando-nos de
nossa habilidade de enxergar as profundezas de seu caráter.
E se conseguíssemos, de maneira semelhante, analisar a nós mesmos e
chegar à fonte das nossas emoções mais perturbadoras, bem como ao
motivo pelo qual elas guiam o nosso comportamento, por vezes contra os
nossos próprios desejos? E se fôssemos capazes de entender por que
sentimos tamanha compulsão de querer o que os outros têm, ou por que nos
identificamos de modo tão intenso com um grupo a ponto de passarmos a
desprezar aqueles que não fazem parte dele? E se descobríssemos o que nos
leva a mentir sobre quem somos, ou a afastar pessoas sem termos a intenção
de fazê-lo?
Ser capaz de avaliar de maneira mais clara esse estranho interior nos
ajudaria a compreender que não se trata de um desconhecido, mas, de fato,
de uma parte de nós, e que somos muito mais misteriosos, complexos e
interessantes do que pensamos. Com essa consciência, seríamos capazes de
romper os padrões negativos da nossa vida, pararíamos de inventar
desculpas para nós mesmos e obteríamos maior controle sobre o que
fazemos e o que acontece conosco.
Esse tipo de clareza a respeito de nós e dos outros poderia mudar o
curso da nossa vida de diversas maneiras, mas primeiro é necessário
esclarecer um conceito comum e equivocado: tendemos a pensar no nosso
comportamento como algo amplamente consciente e voluntário. Imaginar
que não estamos sempre no controle do que fazemos é uma ideia
assustadora, mas é, de fato, a realidade. Estamos sujeitos a forças profundas
que guiam a nossa maneira de agir e que operam abaixo do nível da nossa
consciência. Nós vemos seus resultados – nos nossos pensamentos, estados
de espírito e ações –, mas conscientemente temos pouco acesso ao que
realmente desperta as nossas emoções e compele as nossas ações.
Consideremos a raiva, por exemplo. Em geral, identificamos um
indivíduo ou grupo como a causa desse sentimento, porém, se formos
honestos e investigarmos a fundo, notaremos que aquilo que o desencadeia
tem, por vezes, raízes mais profundas. O gatilho pode ser, talvez, algo
ocorrido em nossa infância ou um conjunto específico de circunstâncias. Se
prestarmos atenção, poderemos discernir padrões distintos – quando isso ou
aquilo acontece, nos enfurecemos. No entanto, no momento que sentimos
raiva, não refletimos nem raciocinamos e acabamos apontando o dedo.
Podemos dizer que algo parecido com isso vale para muitas das nossas
emoções – tipos específicos de eventos provocam autoconfiança súbita, ou
insegurança, ou ansiedade, ou atração por uma pessoa em especial, ou
necessidade de atenção.
Chamemos o conjunto dessas forças profundas, que nos puxam para lá e
para cá, de natureza humana; esta brota da programação específica do
nosso cérebro, da configuração do nosso sistema nervoso e da maneira
como nós, humanos, processamos as emoções. Tudo isso se desenvolveu e
emergiu no decorrer de cerca de 5 milhões de anos, que é o tempo da nossa
evolução como espécie. Podemos atribuir muitos dos detalhes da nossa
natureza à maneira distinta com que evoluímos como animais sociais para
garantir a nossa sobrevivência: aprendendo a cooperar com os outros,
coordenando as nossas ações com o grupo em um nível elevado, criando
novas formas de comunicação e métodos de manter a disciplina de todos.
Esse desenvolvimento inicial vive dentro de nós e continua a determinar,
mesmo no mundo moderno e sofisticado, o nosso comportamento.
Para citar um exemplo, consideremos a evolução das emoções humanas.
A sobrevivência dos nossos primeiros ancestrais dependeu da habilidade de
se comunicarem entre si muito antes da invenção da linguagem.
Desenvolveram sentimentos novos e complexos – alegria, vergonha,
gratidão, ciúme, ressentimento etc. –, cujos sinais eram lidos de imediato no
rosto, expressando um estado de espírito com rapidez e eficiência.
Tornaram-se extremamente permeáveis às emoções dos indivíduos como
uma forma de tornar o grupo mais unido – sentindo alegria ou tristeza como
um só – ou de manter a coesão em face dos perigos.
Até hoje, somos altamente suscetíveis aos ânimos e emoções daqueles
que nos cercam, o que compele todo tipo de comportamento da nossa parte
– imitar aos outros de maneira inconsciente, querer o que eles querem, nos
deixar levar por sentimentos virais de fúria ou indignação. Imaginamos que
temos
livre-arbítrio,
sem
perceber
quão
profundamente
a
nossa
suscetibilidade às emoções dos demais membros do grupo afeta o que
fazemos e o modo como respondemos.
Podemos apontar para outras forças parecidas que emergiram desse
passado profundo e que, de maneira similar, moldam o nosso
comportamento diário, como a necessidade que temos de estabelecer
continuamente a nossa posição hierárquica e medir a nossa autoestima por
meio do nosso status (traço que se nota entre todas as culturas de caçadorescoletores, e até entre os chimpanzés); podemos dizer o mesmo sobre nossos
instintos tribais, que nos impelem a separar as pessoas entre membros do
grupo e forasteiros. A essas qualidades primitivas podemos acrescentar a
nossa necessidade de usar máscaras para disfarçar qualquer comportamento
que seja desaprovado pela tribo, levando à formação de uma personalidade
sombra a partir de todos os desejos sombrios que reprimimos. Os nossos
ancestrais entendiam essa sombra e seus perigos, imaginando-a como
originária de espíritos e demônios que precisavam ser exorcizados. Nós nos
apoiamos num mito diferente: “Algo deu em mim”.
Uma vez que essa corrente ou força primordial dentro de nós atinja o
nível da consciência, temos de reagir a ela, e a maneira pela qual fazemos
isso depende de nosso espírito e circunstâncias individuais, sendo que, em
geral, damos explicações superficiais sobre algo que não compreendemos
de verdade. A maneira específica como evoluímos gerou um número
limitado dessas forças da natureza humana, as quais provocam os
comportamentos que já citamos anteriormente – inveja, grandiosidade,
irracionalidade, análise míope, conformismo, agressividade e passivo-
agressividade etc., mas também empatia e outras formas positivas de
comportamento humano.
Por milhares de anos, tem sido o nosso destino tatear nas sombras, pela
maior parte do tempo, quando se trata de entender a nós mesmos e nossa
própria natureza. Vivemos sob tantas ilusões a respeito do animal humano –
imaginando que descendemos magicamente de uma fonte divina, de anjos,
em vez de primatas –, que consideramos qualquer sinal da nossa natureza
primitiva e das nossas raízes animais algo profundamente doloroso, que
deve ser negado e reprimido. Encobrimos impulsos sombrios com todo tipo
de desculpas e racionalizações, o que facilita que algumas pessoas
demonstrem os comportamentos mais desagradáveis, mas não sejam
punidas por isso. Contudo, finalmente chegamos ao ponto de superar a
nossa resistência à verdade a respeito de quem somos por meio do enorme
peso do conhecimento que acumulamos acerca da natureza humana.
Somos capazes de explorar a vasta literatura sobre psicologia
acumulada pelos últimos cem anos, inclusive os trabalhos detalhados a
respeito da infância e do impacto do nosso desenvolvimento inicial
(Melanie Klein, John Bowlby, Donald Winnicott), assim como as obras que
dizem respeito às raízes do narcisismo (Heinz Kohut), aos lados sombrios
da nossa personalidade (Carl Jung), às raízes da nossa empatia (Simon
Baron-Cohen) e à configuração das nossas emoções (Paul Ekman).
Selecionamos os muitos avanços científicos que podem nos ajudar no nosso
autoentendimento: estudos quanto ao cérebro (Antonio Damasio, Joseph E.
LeDoux), à nossa constituição biológica singular (Edward O. Wilson), ao
relacionamento entre corpo e mente (V. S. Ramachandran), aos primatas
(Frans de Waal) e aos caçadores-coletores (Jared Diamond), ao nosso
comportamento econômico (Daniel Kahneman), e sobre como agimos em
grupos (Wilfred Bion, Elliot Aronson).
Também podemos incluir as obras de certos filósofos (Arthur
Schopenhauer, Friedrich Nietzsche, José Ortega y Gasset) que têm
iluminado tantos aspectos da natureza humana, assim como as ideias de
muitos romancistas (George Eliot, Henry James, Ralph Ellison), que, por
vezes, são mais sensíveis às sutilezas do nosso comportamento. E, por fim,
podemos incluir a vasta e crescente biblioteca de biografias disponíveis na
atualidade, revelando a natureza humana em profundidade e em ação.
Este livro é uma tentativa de reunir esse imenso armazém de
conhecimento e ideias de diferentes áreas (veja as fontes principais na
Bibliografia selecionada), a fim de formar um guia preciso e instrutivo da
natureza humana, com base em evidências, não em pontos de vista pessoais
ou julgamentos morais. É uma avaliação brutalmente realista da nossa
espécie, dissecando quem somos para que sejamos capazes de agir com
mais consciência.
Considere As leis da natureza humana um tipo de livro-código para
decifrar o comportamento das pessoas (ordinário, estranho, destrutivo; a
gama completa). Cada capítulo lida com um aspecto específico ou lei da
natureza humana – podemos chamá-las leis no sentido de que, sob a
influência dessas forças elementares, os seres humanos tendem a reagir de
maneiras relativamente previsíveis – e traz a história de algum indivíduo
(ou indivíduos) emblemático que a ilustra (de forma negativa ou positiva).
Além disso, há ideias e estratégias sobre a maneira de lidar consigo mesmo
e com os outros sob a influência da lei abordada, terminando com uma
seção a respeito de como transformar essa força humana básica em algo
mais positivo e produtivo, de modo que não sejamos mais escravos passivos
da natureza humana, mas que a transformemos de maneira ativa.
O leitor talvez se sinta tentado a imaginar que esse conhecimento é um
pouco antiquado. Afinal, você pode argumentar: “Somos hoje tão
sofisticados e avançados tecnologicamente, tão progressistas e esclarecidos.
Fomos muito além das nossas raízes primitivas; estamos no processo de
reescrever a nossa natureza”. No entanto, a verdade é, de fato, o oposto:
nunca fomos tão escravos da natureza humana e do seu potencial destrutivo
como somos hoje. E, ao ignorarmos esse fato, brincamos com fogo.
Observe como a permeabilidade das nossas emoções tem se elevado
pelas redes sociais, ambiente em que os efeitos virais nos arrastam de
maneira contínua e a maioria dos líderes manipuladores é capaz de nos
explorar e controlar. Reflita sobre a agressão que é hoje demonstrada
abertamente no mundo virtual, em que é tão mais fácil expor o nosso lado
sombrio sem repercussões. Note como a nossa propensão para nos
comparar aos outros, sentir inveja e buscar status chamando atenção apenas
se intensificou com a nossa habilidade de nos comunicarmos com tanta
rapidez com inúmeras pessoas. E, por fim, pense nas nossas tendências
tribais e em como elas agora têm o meio perfeito no qual operar – somos
capazes de encontrar um grupo com o qual nos identificamos, reforçar as
nossas opiniões tribais em uma câmara de ressonância virtual e demonizar
quem não pertença a ele, o que leva à intimidação pela multidão. O
potencial para o caos, derivado do lado primitivo da nossa natureza, apenas
aumentou.
É simples: a natureza humana é mais forte do que qualquer indivíduo,
instituição ou invenção tecnológica. Acaba moldando o que criamos para
refletir a si mesma e as suas raízes primitivas. Ela nos move como peões.
Ignore as leis por sua conta e risco. Recusar-se a fazer as pazes com a
natureza humana significa simplesmente que você estará condenado a
padrões além do seu controle e a sentimentos de confusão e impotência.
As leis da natureza humana foi projetado para imergir o leitor em todos
os aspectos do comportamento humano e esclarecer as suas causas
originais. Se você permitir que o livro o guie, ele vai mudar de forma
radical a sua maneira de perceber as pessoas, bem como toda a sua
abordagem para lidar com elas. Também vai alterar de modo radical o jeito
como você vê a si mesmo. Essas mudanças de perspectiva ocorrerão em
sete etapas.
Em primeiro lugar, as leis funcionarão para transformá-lo num
observador mais calmo e estratégico das pessoas, ajudando-o a se libertar
de todo o drama emocional que drena a sua energia de forma
desnecessária.
Estarmos cercados de gente incita as nossas ansiedades e inseguranças
sobre como cada um nos percebe. Uma vez que sintamos essas emoções, se
torna muito difícil observar os outros, pois, envoltos pelos nossos próprios
sentimentos, avaliamos o que eles dizem e fazem em termos pessoais: “Eles
gostam de mim ou não?”. As leis estudadas nestas páginas vão ajudar o
leitor a evitar essa armadilha, revelando que as pessoas estão, em geral,
lidando com emoções e questões com raízes profundas, com desejos e
desapontamentos sentidos anos ou décadas antes de você as conhecer, até
que tenha cruzado o caminho delas em um momento específico e se tornado
um alvo conveniente para sua raiva ou frustração. Elas projetam em você
certas qualidades que desejam ver e, na maioria dos casos, não o veem
como indivíduo.
Isso não deve decepcioná-lo, mas, ao contrário, libertá-lo. Este livro vai
lhe ensinar a não mais levar para o lado pessoal os comentários insinuantes,
as demonstrações de frieza ou os momentos de irritação. Será cada vez mais
fácil reagir não com as emoções, mas com o desejo de entender de onde
vêm determinados comportamentos. Você se sentirá muito mais calmo
durante o processo e, à medida que esse exercício se consolidar em seu
interior, se tornará menos suscetível a moralizar e a julgar os outros; em vez
disso, vai aceitar os indivíduos e os seus defeitos como parte da natureza
humana. As pessoas vão gostar muito mais de você quando notarem essa
atitude tolerante.
Em segundo lugar, as leis farão de você um mestre na interpretação dos
sinais que as pessoas emitem o tempo todo, dando a você uma habilidade
muito maior para lhes julgar o caráter.
Normalmente, se prestamos atenção ao comportamento dos outros, nos
apressamos para encaixar suas ações em certas categorias e tomar
conclusões precipitadas, de forma que nos contentamos com o julgamento
que se adéqua aos nossos preconceitos. Ou aceitamos as nossas explicações
egoístas. As leis o irão livrar desse hábito, deixando claro como é fácil
interpretar mal as pessoas e o quanto as primeiras impressões são falsas.
Você vai diminuir o passo, desconfiar do seu julgamento inicial e se treinar
para analisar o que vê.
O leitor pensará em termos de opostos. Por exemplo, quando os
indivíduos demonstram abertamente um traço de personalidade, tal como
autoconfiança ou hipermasculinidade, quase sempre estão escondendo a
realidade oposta. Você vai perceber que os seres humanos atuam o tempo
todo para o público, fazendo um espetáculo da sua progressividade ou
benevolência apenas para disfarçar melhor a própria sombra. E os sinais
dessa sombra vazam na vida diária. Se alguém agir de forma que lhe pareça
não condizer com a personalidade dele, você notará. O que por vezes parece
incaracterístico é, na verdade, mais próximo da personalidade real. Se as
pessoas são, em essência, preguiçosas ou tolas, elas deixarão pistas disso
nos menores detalhes que você será capaz de perceber bem antes que o
comportamento delas o prejudique. A habilidade de medir o verdadeiro
valor dos outros (o seu grau de lealdade e consciência) é uma das mais
importantes que se pode ter e o ajudará a evitar contratações, parcerias e
relacionamentos ruins que poderiam tornar a sua vida miserável.
Em terceiro lugar, as leis lhe darão o poder de enfrentar e superar os
tipos tóxicos que, de maneira inevitável, cruzam o nosso caminho e tendem
a causar danos emocionais de longo prazo.
Quem é agressivo, invejoso e manipulador não costuma se anunciar
assim; ao contrário, aprendeu a parecer fascinante em seus encontros
iniciais, a usar lisonjas e outros meios para nos desarmar. Quando alguém
com essas características nos surpreende com seu comportamento
horroroso, nos sentimos traídos, furiosos e impotentes. Essas pessoas criam
uma pressão constante, sabendo que, ao fazê-lo, subjugam a nossa mente
com a sua presença, tornando duas vezes mais difícil pensarmos direito ou
criarmos estratégias.
Os próximos capítulos o ensinarão a identificar esses tipos de antemão,
e isso será a sua maior defesa contra eles. Ou você se mantém longe deles
ou, prevendo-lhes as ações manipuladoras, não será surpreendido e, desse
modo, poderá manter o seu equilíbrio emocional. O leitor saberá como
reduzi-los mentalmente às suas dimensões reais e se concentrar nas
fraquezas e inseguranças evidentes por trás de toda a arrogância. Não se
deixará levar pelo mito em torno deles, e isso vai neutralizar a intimidação
da qual dependem. Você vai zombar das mentiras e explicações
complicadas que oferecerão para justificar seu comportamento egoísta. A
sua habilidade de permanecer calmo vai enfurecê-los e, por vezes, os levará
a extrapolar ou cometer algum erro.
Em vez de se sentir subjugado por esses encontros, você talvez venha
até a apreciá-los como uma oportunidade de aperfeiçoar as suas habilidades
de autodomínio e de se fortalecer. Sobrepujar só um desses tipos lhe dará
uma grande dose de confiança de que é capaz de lidar com o pior da
natureza humana.
Em quarto lugar, as leis vão lhe ensinar os verdadeiros meios para
motivar e influenciar pessoas, tornando o seu caminho na vida muito mais
fácil.
Normalmente, quando encontramos resistência aos nossos planos e
ideias, não conseguimos deixar de tentar mudar a opinião dos outros de
maneira direta, argumentando, pregando ou lisonjeando, o que os deixará
ainda mais na defensiva. Esta obra vai lhe ensinar que as pessoas são, por
natureza, teimosas e resistentes à influência. Você precisa começar qualquer
tentativa diminuindo a resistência delas, sem nunca lhes alimentar as
tendências defensivas se esse não for seu objetivo. O leitor será treinado
para lhes discernir as inseguranças e nunca as despertar por acidente. Vai
pensar em termos do autointeresse delas e da auto-opinião que elas
precisam ver validada.
Ao entender a permeabilidade das emoções, você compreenderá que o
meio mais efetivo de influência é alterar o seu estado de espírito e atitude –
os indivíduos respondem à sua energia e conduta muito mais do que às suas
palavras –, livrando-se de qualquer ação defensiva da sua parte. Sentir-se
relaxado e genuinamente interessado na outra pessoa terá um efeito positivo
e hipnótico. Como líder, você vai aprender que o melhor método à sua
disposição para mover os outros na sua direção é dar o tom certo por meio
da sua atitude, empatia e ética de trabalho.
Em quinto lugar, as leis o farão perceber com que profundidade as
forças da natureza humana agem dentro de você, dando-lhe o poder de
alterar os seus próprios padrões negativos.
A nossa resposta natural ao ler ou ouvir sobre as características
sombrias da natureza humana é excluirmos a nós mesmos. O outro sempre é
narcisista, irracional, invejoso, grandioso, agressivo ou passivo-agressivo.
Quase sempre vemos a nós mesmos como tendo as melhores intenções. Se
perdemos o rumo, é culpa das circunstâncias ou de pessoas que nos forçam
a reagir de forma negativa. As leis o farão parar de uma vez por todas com
esse processo autoilusório. Somos todos farinha do mesmo saco e
compartilhamos as mesmas tendências. Quanto mais cedo nos damos conta
disso, maior é o nosso poder para superar esses traços negativos em
potencial dentro de nós. Você examinará os seus próprios motivos, olhará
para a sua própria sombra e tomará consciência das suas próprias tendências
passivo-agressivas, facilitando o processo de identificação desses elementos
nos outros.
O leitor também se tornará mais humilde, percebendo que não é
superior aos outros da maneira como imaginava. Isso não o fará se sentir
culpado ou sobrecarregado pela própria autoconsciência, muito pelo
contrário. Você se aceitará como um indivíduo completo, abarcando tanto o
bom quanto o mau, abandonando a sua falsa autoimagem de santo; e se
sentirá aliviado sem as suas hipocrisias e livre para ser mais você mesmo.
As outras pessoas, então, se sentirão atraídas por essa qualidade.
Em sexto lugar, as leis o transformarão num indivíduo com mais
empatia, que cria laços mais profundos e satisfatórios com quem está ao
seu redor.
Nós, seres humanos, nascemos com um potencial tremendo para
entender as pessoas num nível que não é meramente intelectual. Trata-se de
um poder desenvolvido pelos nossos primeiros ancestrais, com o qual eles
aprenderam a intuir os ânimos e sentimentos dos outros ao se colocarem na
perspectiva destes.
As leis o instruirão sobre como elevar esse poder latente ao grau mais
alto possível. Você poderá eliminar de forma gradativa o seu monólogo
interior incessante e escutar com mais atenção; será, então, treinado para
pressupor o ponto de vista dos outros da melhor forma que conseguir e
usará a sua imaginação e experiências para que estas o ajudem a se sentir
como eles se sentem. Se descreverem algo doloroso, você usará os seus
próprios momentos de dor para buscar analogias; será não apenas intuitivo,
mas vai analisar as informações que recolher de modo empático, ganhando
perspectiva. Além disso, o leitor vai adquirir a habilidade de alternar o
tempo todo entre empatia e análise, sempre atualizando o que observa e
aumentando o poder de ver o mundo pelos olhos dos outros. Vai notar uma
sensação física de conexão entre você e as pessoas que emergirá dessa
prática.
Você vai precisar de uma dose de humildade durante esse processo.
Nunca se sabe com exatidão o pensamento alheio e é fácil cometer erros,
por isso não faça julgamentos apressados, mas se mantenha sempre aberto a
aprender mais. O ser humano é mais complexo do que você imagina. O seu
objetivo é somente ver melhor o ponto de vista do outro. Avançar nesse
processo será como trabalhar um músculo do corpo, que se torna mais forte
quanto mais você o exercita.
Cultivar essa empatia trará benefícios inumeráveis. Estamos todos
absorvidos em nós mesmos, fechados no nosso próprio mundo. É uma
experiência terapêutica e libertadora ser puxado para fora de nós rumo ao
mundo do outro. É o que nos atrai para filmes e para qualquer outra forma
de ficção, penetrando a mente e a perspectiva daqueles tão diferentes de
nós. Essa prática transformará toda a sua maneira de pensar, treinando-o
para deixar os preconceitos de lado, viver no presente e adaptar de forma
contínua as suas ideias sobre as pessoas. Você vai ver que essa fluidez
afetará o modo como abordará os problemas em geral – e se verá
considerando outras possibilidades, adotando perspectivas alternativas. Essa
é a essência do pensamento criativo.
Por fim, as leis vão alterar a maneira como você vê o seu próprio
potencial, fazendo-o tomar consciência de um eu ideal mais elevado dentro
de si que você vai querer trazer à tona.
Podemos dizer que temos duas personalidades opostas dentro de nós –
uma inferior e uma superior. A inferior tende a ser mais forte, com impulsos
que nos arrastam para as reações emocionais e as posturas defensivas,
fazendo-nos sentir virtuosos e melhores do que os outros, buscando
prazeres imediatos e distrações, sempre tomando o caminho de menor
esforço. Ela nos induz a adotar o que as pessoas estão pensando, de maneira
que nos perdemos dentro do grupo.
Sentimos os impulsos da personalidade superior quando somos levados
a sair de nós mesmos, querendo nos conectar de modo mais profundo com
os outros, concentrar a mente no trabalho, pensar em vez de reagir, seguir o
nosso caminho na vida e descobrir o que nos torna únicos. A personalidade
inferior é o lado mais animal e reativo da nossa natureza, para o qual
escorregamos com facilidade. A superior, por sua vez, é o que há de mais
verdadeiramente humano na nossa natureza e que nos torna ponderados e
autoconscientes. Como o impulso superior é mais fraco, conectar-se a ele
requer esforço e intuição.
Trazer à tona esse eu ideal dentro de nós é o que queremos de fato, pois
somente ao desenvolvê-lo nos sentimos plenos. Estas páginas o ajudarão a
torná-lo mais consciente dos elementos potencialmente positivos e ativos
contidos em cada lei.
Conhecendo a nossa propensão à irracionalidade, você vai se tornar
mais consciente de como as nossas emoções tingem os nossos pensamentos
(Capítulo 1), dando-lhe a habilidade de subtraí-las e se tornar racional de
fato. Sabendo como a nossa atitude na vida afeta o que acontece conosco e
como a nossa mente tende naturalmente a se fechar por causa do medo
(Capítulo 8), você construirá uma atitude expansiva e destemida.
Compreender que você tem propensão a se comparar com os outros
(Capítulo 10) servirá como estímulo para se sobressair na sociedade por
meio do seu trabalho superior, admirar aqueles que realizaram grandes
conquistas e se inspirar no exemplo deles a fim de emulá-los. O leitor vai
aplicar esses truques em todas as qualidades primordiais, utilizando o seu
conhecimento expandido da natureza humana para resistir à forte pressão
descendente da sua natureza inferior.
Pense nestas páginas da seguinte maneira: você está prestes a se tornar
um aprendiz da natureza humana. Vai desenvolver algumas habilidades –
como observar e avaliar o caráter de outros indivíduos como você, e
enxergar as suas profundezas –, trabalhar para fazer aflorar o seu eu
superior e, por meio da prática, emergir como um mestre dessa arte, capaz
de se prevenir daquilo de pior que as pessoas lançarão contra você,
transformando-se num indivíduo mais racional, autoconsciente e produtivo.
O homem só se torna melhor quando é forçado a ver como ele é.
— Anton Tchekhov
1
Domine o seu lado emocional
A Lei da Irracionalidade
Você gosta de se imaginar no controle do seu destino, planejando de forma
consciente o curso da sua vida da melhor maneira que consegue. No
entanto, você não tem compreensão, na maior parte, do quão
profundamente as suas emoções o dominam. Elas o fazem se voltar para
ideias que lhe confortam o ego, procurando por pistas que confirmem o que
já quer acreditar. Suas emoções fazem que você veja o que quer ver,
dependendo do seu estado de espírito, e essa desconexão com a realidade é
a fonte das decisões ruins e dos padrões negativos que o assombram. A
racionalidade é a habilidade de neutralizar esses efeitos emocionais,
pensar antes de reagir, abrir a mente para o que está acontecendo de fato,
não para o que você está sentindo. Não é algo que surge espontaneamente,
mas um poder que precisamos cultivar; ao fazê-lo, atingimos o nosso
potencial mais elevado.
A ATENA INTERIOR
Certo dia, no fim do ano 432 a.C., os cidadãos de Atenas receberam
notícias bem perturbadoras: representantes de Esparta haviam chegado à
cidade e apresentado novos termos de paz ao conselho governante
ateniense. Se Atenas não concordasse com esses termos, Esparta – que era
sua arqui-inimiga e, em muitos aspectos, seu extremo oposto – lhe
declararia guerra. Atenas liderava uma liga de Estados democráticos na
região, enquanto Esparta liderava uma confederação de oligarquias,
conhecida como os Peloponesos. Atenas contava com a sua força naval e
riqueza – era o poder comercial predominante no Mediterrâneo. Esparta,
por sua vez, tinha o apoio de seu Exército, sendo um Estado militar total.
Até então, as duas potências haviam evitado ao máximo uma guerra direta
porque as consequências seriam devastadoras. Não apenas o lado derrotado
perderia influência sobre a região, mas todo o seu modo de vida seria
colocado em risco: no caso de Atenas, a sua fortuna e democracia. Agora,
entretanto, a guerra parecia inevitável, e uma sensação de desastre iminente
se espalhou rápido pela cidade.
Alguns dias mais tarde, a Assembleia Ateniense se reuniu na Colina
Pnyx, com vista para a Acrópole, a fim de discutir sobre o ultimato
espartano e decidir o que fazer. A Assembleia era aberta a todos os cidadãos
do sexo masculino, e naquele dia cerca de 10 mil deles se amontoaram na
colina para participar do debate. Os falcões de guerra estavam num estado
de grande agitação – Atenas deveria tomar a iniciativa e atacar Esparta
primeiro, diziam. Outros os lembravam de que, numa batalha campal, as
forças espartanas eram quase invencíveis. Atacar Esparta dessa maneira
seria fazer o jogo do inimigo. Os pombos eram todos a favor de aceitar os
termos de paz, mas, como muitos indicavam, isso apenas demonstraria
temor e encorajaria os espartanos. Só serviria para lhes dar mais tempo para
expandir o tamanho do Exército. O debate prosseguiu com as emoções se
acirrando, pessoas gritando e nenhuma solução satisfatória em vista.
Então, pelo fim da tarde, a multidão se silenciou de súbito quando uma
figura familiar avançou para falar à Assembleia. Era Péricles, o velho
estadista da política ateniense, agora com mais de 60 anos, amado por todos
e cuja opinião seria valorizada mais do que a de qualquer outro. Apesar do
respeito dos atenienses por ele, estes o consideravam um líder muito
peculiar – mais filósofo do que político. Na opinião daqueles com idade
suficiente para lembrar o início da carreira dele, era de fato surpreendente o
quão poderoso e bem-sucedido Péricles havia se tornado. Nada do que ele
fazia era comum.
Nos primeiros anos daquela democracia, antes de Péricles entrar em
cena, os atenienses haviam preferido um tipo específico de personalidade
em seus líderes: homens capazes de oferecer um discurso inspirador e
persuasivo, com um toque de dramaticidade, e que, no campo de batalha,
assumissem riscos. Era comum promoverem campanhas militares que
pudessem liderar, dando-lhes a oportunidade de conquistar glória e atenção.
Faziam suas carreiras progredirem representando alguma facção na
Assembleia – proprietários de terra, soldados, aristocratas –, esforçando-se
ao máximo para promover os interesses desses grupos. A consequência
disso foi uma política bastante desagregadora. Os líderes ascendiam e
decaíam em ciclos de poucos anos, mas os atenienses não se incomodavam;
pelo contrário, desconfiavam de qualquer um que permanecesse por muito
tempo no poder.
Péricles, então, entrou para a vida pública em torno de 463 a.C., e a
política ateniense jamais seria a mesma. A sua primeira ação foi a mais
atípica de todas. Embora viesse de uma ilustre família aristocrática, ele se
aliou às crescentes classes média e baixa da cidade – fazendeiros,
remadores da marinha e artesãos, que eram o orgulho de Atenas. Ele lutou
para aumentar a representação desses grupos na Assembleia e para lhes dar
poder maior na democracia. Não era uma pequena facção que agora
liderava, mas a maioria dos cidadãos atenienses. Parecia impossível
controlar uma multidão tão vasta e ingovernável de homens, com seus
interesses díspares, mas Péricles era tão fervoroso a respeito de lhes ampliar
o poder que, aos poucos, conquistou sua confiança e apoio.
À medida que a sua influência cresceu, Péricles começou a se afirmar
na Assembleia e a alterar a sua política. Ele argumentou contra a expansão
do Império democrático de Atenas; temia que os atenienses se estendessem
demais e perdessem o controle. Trabalhou pela consolidação do Império e
pelo fortalecimento das alianças existentes. Ao guerrear e servir como
general, esforçou-se para limitar as campanhas e vencer por meio de
manobras estratégicas, com perda mínima de vidas. Para muitos, isso
parecia pouco heroico, mas a cidade entrou num período de prosperidade
sem precedentes à medida que essas políticas surtiam efeito. Não havia
mais guerras desnecessárias para drenar os cofres públicos, e o Império
funcionava com mais tranquilidade do que nunca.
O que Péricles fez com o excedente de capital cada vez maior espantou
e impressionou os cidadãos: em vez de utilizá-lo para comprar favores
políticos, ele iniciou um imenso projeto de construção pública em Atenas.
Encomendou templos, teatros e salas de concerto, colocando todos os
artesãos atenienses para trabalhar. Para onde quer que se olhasse, a cidade
se tornava mais bela e sublime. Ele optou por uma forma de arquitetura que
refletia a sua estética pessoal – organizada, altamente geométrica,
monumental, mas agradável aos olhos. Sua maior encomenda foi a do
Partenon, com a enorme estátua de Atena, de 12 metros de altura. Atena era
o espírito-guia de Atenas, a deusa da sabedoria e da inteligência prática, e
representava todos os valores que Péricles queria promover. Sozinho,
Péricles transformou a aparência e o espírito da cidade, e esta entrou numa
era de ouro em todas as artes e ciências.
A qualidade mais estranha de Péricles talvez fosse o seu estilo de
discurso, contido e digno. Ele não apelava para os recursos costumeiros da
retórica; ao contrário, tentava convencer o público por meio de argumentos
incontestáveis. Isso levava as pessoas a escutarem com mais atenção,
seguindo o curso interessante da sua lógica. O estilo era convincente e
tranquilizador.
Diferentemente de quaisquer outros líderes, Péricles permaneceu no
poder ano após ano, década após década, deixando a sua marca em Atenas
com o seu modo calmo e reservado. Ele tinha inimigos, isso era inevitável.
Permaneceu no poder por tanto tempo que muitos o acusaram de ser um
ditador secreto. Suspeitava-se de que ele fosse ateu, um homem que
zombava de todas as tradições. Isso explicaria por que era tão peculiar. No
entanto, ninguém era capaz de argumentar contra os resultados da sua
liderança.
Quando iniciou o seu discurso à Assembleia naquela tarde, portanto, a
sua opinião a respeito da guerra contra Esparta era a que pesaria mais, e o
silêncio caiu sobre a multidão que aguardava com avidez os seus
argumentos.
“Atenienses”, começou, “o meu julgamento é o mesmo de sempre: sou
contra fazer quaisquer concessões aos Peloponesos, mesmo tendo ciência de
que o estado entusiasmado de ânimos em que os indivíduos são persuadidos
a embarcar numa guerra não se mantém na hora de entrar em ação, e de que
a opinião das pessoas se altera com o decorrer dos acontecimentos”. Ele
lembrou o público que as diferenças entre atenienses e espartanos deveriam
ser acertadas por meio de mediadores neutros. Um precedente perigoso
seria estabelecido caso cedessem às exigências unilaterais dos espartanos.
Aonde aquilo iria chegar? Sim, uma batalha campal direta contra Esparta
seria suicídio. O que ele propunha, em vez disso, era uma forma
completamente nova de combate: limitada e defensiva.
Péricles traria para dentro das muralhas de Atenas todos os que viviam
na área. “Deixem que os espartanos venham e tentem nos atrair para a
batalha”, disse ele. “Deixem que destruam as nossas terras. Não
morderemos a isca; não lutaremos contra eles em terra. Com o nosso acesso
ao mar, manteremos a cidade bem suprida. Vamos usar a nossa força naval
para atacar as cidades costeiras deles. À medida que o tempo passar, eles se
frustrarão com a falta de batalhas. Tendo que fornecer comida e
suprimentos para um Exército permanente, eles acabarão sem dinheiro. Os
seus aliados brigarão entre si. A facção guerreira dentro de Esparta será
desacreditada, e um acordo por uma paz verdadeira e duradoura será
realizado, tudo com perda mínima de vidas e de dinheiro da nossa parte.”
“Eu poderia lhes oferecer muitos outros motivos”, concluiu ele, “por
que vocês deveriam se sentir confiantes quanto à nossa vitória derradeira,
desde que se decidam a não aumentar o Império enquanto a guerra estiver
em curso, e a não se envolver desnecessariamente em novos perigos. O que
temo não é a estratégia do inimigo, mas os nossos próprios erros”. A
novidade do que ele estava propondo incitou um grande debate. Nem os
falcões nem os pombos estavam satisfeitos com o plano, mas, no fim,
venceu a reputação de Péricles como um homem sábio, e a sua estratégia foi
aprovada. Muitos meses mais tarde, a guerra fatídica começou.
A princípio, nem tudo transcorreu como Péricles imaginara. Os
espartanos e seus aliados não se frustraram à medida que a guerra
prosseguia, apenas se tornaram mais ousados. Foram os atenienses que se
sentiram desencorajados ao ver as suas terras destruídas sem retaliação.
Péricles, contudo, acreditava que o seu plano não falharia desde que os
atenienses tivessem paciência. No segundo ano da guerra, então, um
desastre inesperado mudou tudo: uma praga poderosa invadiu a cidade; com
tantas pessoas concentradas dentro das muralhas, ela se espalhou rápido,
matando mais de um terço dos cidadãos e dizimando as fileiras do Exército.
O próprio Péricles pegou a doença, e testemunhou, do seu leito de morte, o
seu pior pesadelo: tudo o que havia feito por Atenas por tantas décadas
pareceu se desfazer num instante, com as pessoas sucumbindo ao delírio
coletivamente até que estivesse cada um por si. Se houvesse sobrevivido, é
quase certo que teria encontrado uma maneira de acalmar os atenienses e
negociar um acordo aceitável de paz com Esparta, ou ajustar a estratégia
defensiva de Atenas, mas agora era tarde demais.
Por mais estranho que fosse, os atenienses não lamentaram a morte do
seu líder. Eles o culparam pela praga e se queixaram da ineficiência da
estratégia que planejara. Não estavam mais dispostos a serem pacientes ou
moderados. Péricles havia vivido por tempo demais, e as suas ideias
passaram a ser vistas como as reações cansadas de um velho. O amor que
nutriam por ele se transformou em ódio. Sem a sua presença, as facções
retornaram com sede de vingança. O grupo pró-guerra se tornou popular,
alimentando-se da amargura crescente do povo em relação aos espartanos,
que haviam utilizado a praga para adiantar as suas posições. Os falcões
prometeram que retomariam a iniciativa e que esmagariam os espartanos
com uma estratégia ofensiva. Muitos atenienses receberam essas palavras
com grande alívio, uma descarga de emoções reprimidas.
À medida que a cidade aos poucos se recuperava da praga, os atenienses
conseguiram a vantagem, e os espartanos fizeram um pedido de paz.
Querendo derrotar por completo o inimigo, a população de Atenas
pressionou, apenas para ver os espartanos se recuperarem e virar o jogo.
Assim eles prosseguiram, de um lado para outro, ano após ano. A violência
e amargura cresceu em ambos os lados. Em certo ponto, Atenas atacou a
ilha de Milos, aliada de Esparta, e, quando esta se rendeu, os atenienses
votaram a favor de matar todos os homens e vender as mulheres e crianças
como escravas. Nada remotamente semelhante a isso aconteceu durante a
administração de Péricles.
Após tantos anos de uma guerra sem fim, em 415 a.C., vários líderes
atenienses tiveram uma ideia interessante sobre como dar o golpe fatal. A
cidade-Estado de Siracusa era a potência em ascensão na ilha da Sicília.
Siracusa era um aliado crucial dos espartanos, lhes fornecendo recursos
bastante necessários. Se os atenienses, com a sua vasta força naval,
conseguissem lançar uma expedição e tomar o controle de Siracusa, eles
obteriam duas vantagens: aumentar o seu império e privar Esparta dos
recursos de que precisava para continuar a guerra. A Assembleia votou a
favor de enviar 60 navios com um Exército de tamanho proporcional a
bordo para atingir esse objetivo.
Um dos comandantes escolhidos para essa expedição, Nícias, tinha
grandes dúvidas sobre a sensatez desse plano. Temendo que os atenienses
estivessem subestimando a força de Siracusa, ele listou todos os resultados
negativos possíveis; apenas uma expedição muito maior conseguiria
garantir a vitória. A intenção de Nícias era pulverizar o plano, mas o
argumento teve o efeito contrário. Se uma expedição maior era necessária,
então era isso que mandariam – 100 navios e o dobro do número de
soldados. Os atenienses podiam sentir o gostinho da vitória nessa estratégia,
e nada os deteria.
Nos dias que se seguiram, atenienses de todas as idades eram vistos nas
ruas traçando mapas da Sicília, sonhando com as riquezas que se
derramariam sobre Atenas e com a humilhação final dos espartanos. O dia
do lançamento dos navios se transformou num grande feriado e no
espetáculo mais imponente que já haviam visto: uma enorme armada
enchendo o porto até onde a vista alcançava, navios lindamente decorados,
soldados de armaduras reluzentes lotando os conveses. Era uma
demonstração deslumbrante da riqueza e do poder de Atenas.
Com o passar dos meses, os atenienses buscaram com desespero
notícias da expedição. Em certo ponto, graças puramente ao tamanho da
armada, parecia que Atenas havia obtido a vantagem e sitiado Siracusa. No
último instante, contudo, reforços chegaram de Esparta, e agora eram os
atenienses que estavam na defensiva. Nícias mandou uma carta à
Assembleia descrevendo a reviravolta negativa dos acontecimentos. Ele
recomendou ou a desistência e o retorno a Atenas, ou o envio de reforços
imediatos. Sem querer acreditar na possibilidade de uma derrota, os
atenienses votaram a favor de mandar reforços – uma segunda armada de
navios quase tão grande quanto a primeira. Nos meses seguintes, a
ansiedade dos atenienses atingiu novos patamares, pois agora as apostas
haviam dobrado, e Atenas não podia se dar ao luxo de perder.
Certo dia, um barbeiro de Pireu, uma cidade portuária de Atenas, ouviu
de um freguês que a expedição ateniense, com todos os navios e quase
todos os homens, havia sido devastada em batalha. O boato chegou rápido
até Atenas. Era difícil de acreditar, mas aos poucos o pânico havia se
instalado. Uma semana mais tarde, a história foi confirmada e Atenas
parecia condenada, sem mais dinheiro, navios ou homens.
Por milagre, os atenienses conseguiram resistir. No entanto, pelos
próximos anos, atingidos de forma brutal pelas perdas na Sicília,
cambalearam de um golpe atordoante a outro, até que, por fim, em 405 a.C.,
Atenas sofreu a sua derrocada final e foi forçada a concordar com os termos
cruéis de paz impostos por Esparta. Os anos de glória, o grande Império
democrático e a era de ouro pericleana haviam acabado daquele momento
em diante. O homem que lhes tinha freado as emoções mais perigosas –
agressão, ganância, arrogância, egoísmo – saíra de cena havia muito tempo,
e a sua sabedoria foi então esquecida.
Interpretação: Ao observar o cenário político no início da sua carreira,
Péricles notou o seguinte fenômeno: cada político ateniense acreditava ser
racional e ter metas realistas e planos de como atingi-las. Todos
trabalhavam de forma árdua por suas facções políticas e tentavam lhes
aumentar o poder. Lideravam os exércitos atenienses em batalha e muitas
vezes obtinham sucesso. Lutavam para expandir o Império e arrecadar mais
dinheiro. E quando as manobras políticas de repente saíam pela culatra, ou
quando as guerras acabavam mal, eles tinham justificativas excelentes para
o que havia acontecido: sempre podiam culpar a oposição ou, se necessário,
os deuses. No entanto, se todos esses homens eram tão racionais assim, por
que as suas políticas provocavam tanto caos e autodestruição? Qual era o
motivo de Atenas viver em tanta desordem, e por que a própria democracia
era tão frágil? Por que havia tanta corrupção e turbulência? A resposta era
simples: os seus compatriotas atenienses não eram nada racionais, mas
meramente egoístas e astutos. As decisões que tomavam eram guiadas por
emoções ignóbeis – fome de poder, atenção, e dinheiro – e, por esses
propósitos, eles sabiam ser bem espertos e táticos. No entanto, nenhuma das
suas manobras levava a nada que durasse ou que servisse aos interesses
gerais da democracia.
O que consumia Péricles, como pensador e figura pública, era como sair
dessa armadilha, como ser racional de fato em uma arena dominada pelas
emoções. A solução que encontrou foi única na história e devastadoramente
poderosa em seus resultados. Deveria servir como um ideal para nós. Na
concepção de Péricles, a mente humana precisa adorar alguma coisa,
precisa ter a sua atenção direcionada para algo que valorize acima de todo o
resto. Para a maioria das pessoas, é o próprio ego; para algumas, é a família,
o clã, o deus para quem rezam, ou a nação. Para Péricles seria nous – a
palavra em grego antigo que significa “mente” ou “inteligência”. Nous é
uma força que permeia o universo, criando significado e ordem. A mente
humana é atraída por natureza pela ordem; essa é a fonte da nossa
inteligência. O conceito de nous que Péricles venerava era encarnado pela
figura da deusa Atena.
Atena nasceu literalmente da cabeça de Zeus, e seu nome reflete isso –
uma combinação de “deus” (theos) e “mente” (nous). No entanto, Atena
passou a representar uma espécie bastante particular de nous –
eminentemente prática, feminina e terrena. Ela é a voz que chega aos heróis
nos momentos de necessidade, incutindo-lhes um espírito de calma,
orientando-lhes a mente em direção à ideia perfeita de vitória e sucesso, e
dando-lhes a energia para alcançar esses objetivos. Ser visitado por Atena
era a maior bênção de todas, e o espírito dela guiava os grandes generais e
os melhores artistas, inventores e comerciantes. Sob a influência de Atena,
um homem ou mulher era capaz de ver o mundo com perfeita claridade e
encontrar a ação que seria a mais correta naquele momento. O espírito dessa
deusa foi invocado para unificar a cidade de Atenas, torná-la próspera e
produtiva. Em essência, Atena representava a racionalidade, o maior dom
concedido pelos deuses aos mortais, pois só a racionalidade era capaz de
fazer um humano agir com a sabedoria divina.
A fim de cultivar a sua Atena interior, Péricles precisou primeiro
descobrir uma maneira de dominar as suas próprias emoções, pois elas
fazem que nos voltemos para dentro, para longe do nous, longe da
realidade. Ficamos remoendo a nossa raiva ou inseguranças. Ao olharmos
para o mundo e tentarmos resolver os problemas, vemos tudo através da
lente dessas emoções; elas obscurecem a nossa visão. Péricles se treinou
para nunca reagir de imediato, jamais tomar uma decisão sob a influência
de uma emoção forte. Em vez disso, analisava os seus sentimentos. Em
geral, quando observava mais de perto as suas inseguranças ou raiva,
percebia que estas não eram de todo justificadas, perdendo a significância
sob escrutínio. Às vezes ele tinha que se afastar fisicamente do alvoroço da
Assembleia e se recolher em casa, onde permanecia sozinho por muitos
dias, se acalmando. Lentamente, a voz de Atena chegaria a ele.
Ele decidiu basear todas as suas decisões políticas em um fator – o que
servisse de fato ao bem maior de Atenas. O seu objetivo era unificar os
cidadãos por meio do amor genuíno pela democracia e da crença na
superioridade do modo ateniense. Esse critério o ajudava a evitar as
armadilhas do ego, e o impelia a trabalhar para aumentar a participação e o
poder das classes média e baixa, mesmo que essa estratégia pudesse com
facilidade se voltar contra ele. Era um critério que o inspirava a limitar as
guerras, mesmo que isso significasse menos glória pessoal para ele. E, por
fim, um critério que o levou à maior decisão de todas: o projeto de obras
públicas que transformou Atenas.
Para ajudá-lo nesse processo deliberativo, ele abriu a mente para o
maior número de ideias e opções possíveis, até mesmo para as dos seus
oponentes. Péricles imaginava todas as consequências possíveis de uma
estratégia antes de se comprometer a ela. Com espírito calmo e mente
aberta, encontrou políticas que deram origem a uma das verdadeiras eras de
ouro da história. Um homem foi capaz de infectar uma cidade inteira com o
seu espírito racional. O que aconteceu a Atenas depois que ele saiu de cena
fala por si. A expedição à Sicília representou tudo aquilo a que ele sempre
se opusera – uma decisão motivada secretamente pelo desejo de conquistar
mais terras, uma ambição cega às consequências em potencial.
Entenda: como todo mundo, você se considera racional, mas não é. A
racionalidade não é um poder com o qual se nasce, mas, sim, que se adquire
por meio de treinamento e prática. A voz de Atena simplesmente representa
um poder mais elevado que já existe dentro de você agora, um potencial que
talvez você tenha sentido em momentos de calma e concentração, aquela
ideia perfeita que lhe vem depois de muito raciocínio. Você não está
conectado a esse poder mais elevado no presente porque a sua mente está
sobrecarregada com emoções. Assim como Péricles na Assembleia, você
está infectado por todo o drama que os outros criaram; está reagindo o
tempo todo ao que as pessoas lhe dão, passando por ondas de excitação,
insegurança e ansiedade que tornam a concentração mais difícil. A sua
atenção é atraída para um lado e para outro; sem o critério racional guiando
as suas decisões, você nunca atinge de fato as metas que firmou. A qualquer
momento, é possível mudar isso com uma simples decisão – cultivar a sua
Atena interior. A racionalidade será, então, o que você valorizará mais e o
que lhe servirá como guia.
A sua primeira tarefa é observar essas emoções que infectam de forma
contínua as suas ideias e decisões. Aprenda a se questionar: “Por que sinto
essa raiva ou ressentimento? De onde vem essa necessidade incessante de
atenção?”. Sob esse escrutínio, como você não será mais dominado por suas
emoções, começará a pensar por si mesmo em vez de reagir ao que os
outros lhe derem. As emoções tendem a estreitar a mente, fazendo que nos
concentremos em uma ou duas ideias que satisfazem o nosso desejo
imediato de poder ou atenção, ideias que, em geral, dão errado. Agora, com
o espírito calmo, você será capaz de considerar uma ampla gama de opções
e soluções. Vai ponderar por mais tempo antes de agir e reavaliar as suas
estratégias. A voz se tornará cada vez mais clara. Quando as pessoas o
assediarem com dramas intermináveis e emoções mesquinhas, você se
ressentirá dessa distração e aplicará a racionalidade para ignorá-las. Como
um atleta que se fortalece o tempo todo por meio de treinamento, a sua
mente se tornará mais flexível e adaptável. Com clareza e tranquilidade,
será possível ver as respostas e soluções criativas que ninguém mais
consegue enxergar.
É como se o seu segundo eu estivesse ao seu lado; um é sensato e racional, mas o
outro eu é impelido a fazer algo completamente insensato e, às vezes, muito
engraçado; e, de repente, você percebe que tem vontade de fazer aquilo que é
divertido, sabe-se lá por quê. Isto é, você quer, desse modo, agir contra a própria
vontade; embora você lute contra isso com todas as forças, é o que você quer.
— Fiódor Dostoiévski, O adolescente
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Sempre que algo dá errado em nossa vida, é natural que busquemos uma
explicação. Não encontrar uma razão por que os nossos planos fracassaram,
ou por que encontramos uma resistência súbita às nossas ideias, seria
profundamente perturbador e intensificaria a nossa dor. No entanto, ao
procurar por uma causa, a nossa mente tende a girar em torno dos mesmos
tipos de explicação: alguém ou algum grupo me sabotou, talvez por
antipatia; grandes forças antagônicas externas, como o governo ou
convenções sociais, me atrapalharam; recebi conselhos ruins, ou alguém
ocultou informações de mim. Por fim – na pior das hipóteses –, tudo não
passou de má sorte e circunstâncias infelizes.
Em geral, essas explicações enfatizam a nossa impotência: “O que eu
poderia ter feito de diferente? Como eu poderia ter previsto as ações
horríveis de X contra mim?”. Essas são perguntas um tanto vagas. Na maior
parte das vezes, não conseguimos identificar as ações maliciosas específicas
dos outros. Apenas suspeitamos ou imaginamos que elas existam. Esses
esclarecimentos tendem a intensificar as nossas emoções – raiva, frustração,
depressão –, nas quais então chafurdamos, sentindo pena de nós mesmos.
Mais importante ainda, a nossa primeira reação é procurar por uma causa
externa. Sim, talvez sejamos responsáveis pelo que aconteceu, mas, em
geral, outras pessoas e forças antagônicas causaram o nosso tropeço. Essa
reação está impregnada bem a fundo no animal humano. Em tempos
antigos, talvez a culpa recaísse sobre os deuses ou espíritos malignos; no
presente, escolhemos chamá-los por outros nomes.
A verdade, porém, é muito diferente. Por certo existem indivíduos e
forças exteriores maiores que têm um efeito contínuo sobre nós, e há muito
que não somos capazes de controlar no mundo. Contudo, em geral, o que
nos guia pelo caminho errado logo de início, o que nos leva a tomar
decisões ruins e a errar nos cálculos, é a nossa profunda irracionalidade, na
medida em que a nossa mente é governada pela emoção. Não conseguimos
enxergar isso; é o nosso ponto cego. E, como prova principal deste,
analisemos a crise financeira de 2008, que serve como compêndio de todas
as variedades de irracionalidade humana.
Após a crise, as explicações mais frequentes para o que aconteceu,
oferecidas à mídia, foram as seguintes: desequilíbrios comerciais e outros
fatores que levaram ao crédito barato no início da década de 2000,
provocando a alavancagem excessiva; a impossibilidade de atribuir um
valor preciso aos derivativos altamente complexos que eram comerciados,
por isso ninguém avaliava lucros e perdas com exatidão; a existência de
uma quadrilha astuta e corrupta de pessoas com informações privilegiadas
que tinham incentivos para manipular o sistema a fim de obter lucros de
forma rápida; credores gananciosos que pressionaram proprietários
desavisados de imóveis a aceitar contratos de hipotecas de alto risco;
excesso de regulamentação governamental; supervisão insuficiente por
parte do governo; modelos de computadores e sistemas comerciais fora de
controle.
Essas justificativas revelam a negação impressionante de uma realidade
básica. Nas vésperas da crise financeira de 2008, milhões de pessoas
diariamente decidiam investir ou não investir seu dinheiro. A cada ponto
dessas transações, compradores e vendedores poderiam ter se afastado das
formas mais arriscadas de investimentos, mas decidiram não fazer isso.
Muitos alertaram a respeito de uma bolha especulativa. Apenas alguns anos
antes, a quebra do gigante de fundos especulativos Long-Term Capital
Management demonstrou com exatidão como uma crise maior poderia e iria
ocorrer. Se a memória dos indivíduos fosse melhor, eles se lembrariam da
bolha de 1987; se lessem livros de história, se recordariam da bolha do
mercado de ações e da quebra da Bolsa de 1929. A maioria dos potenciais
proprietários de imóveis é capaz de entender os riscos de hipotecas sem
investimentos iniciais e de termos de empréstimos com taxas de juro de
rápido crescimento.
O que toda a análise ignora é a irracionalidade básica que influenciou
milhões de compradores e vendedores por todos os cantos, infectados pela
sedução do dinheiro fácil. Isso abalou até o investidor mais instruído.
Estudos e especialistas foram trazidos para promulgar ideias nas quais
muitos estavam predispostos a acreditar – como o proverbial “desta vez é
diferente” e “o preço de moradia nunca cai”. Uma onda de otimismo
desenfreado se espalhou por massas de pessoas. Vieram, então, o pânico, a
crise e o duro confronto com a realidade. Em vez de admitir a orgia de
especulação que havia sobrepujado a todos, fazendo indivíduos inteligentes
parecerem imbecis, apontou-se o dedo para forças externas, qualquer coisa
que desviasse a atenção da verdadeira fonte da loucura. Isso não é algo
peculiar da crise de 2008. Explicações similares foram lançadas depois das
crises de 1987 e de 1929, da mania das ferrovias na década de 1840 na
Inglaterra, e da bolha especulativa da Companhia dos Mares do Sul em
1720, também na Inglaterra. Falou-se de reformar o sistema; aprovaram-se
leis para limitar a especulação. E nada disso funcionou.
As bolhas especulativas ocorrem por causa da intensa atração emocional
que exercem sobre os indivíduos, sobrepujando qualquer capacidade de
raciocínio de uma mente individual. Elas estimulam as nossas tendências
naturais à ganância, ao dinheiro fácil e aos resultados rápidos. É difícil ver
outras pessoas ganhando dinheiro e não se juntar a elas. Não há nenhuma
força reguladora no planeta capaz de controlar a natureza humana. E como
não confrontamos a fonte real do problema, as bolhas e crises continuam a
se repetir, e continuarão assim enquanto houver otários e aqueles que não
leem sobre a história. A recorrência disso espelha a recorrência dos mesmos
problemas e erros em nossa própria vida, formando padrões negativos. É
difícil aprender a partir da experiência quando não olhamos para dentro,
para as causas verdadeiras.
Entenda: o primeiro passo em direção a se tornar racional é
compreender a nossa irracionalidade fundamental. Há dois fatores que
deveriam deixar isso mais palatável ao nosso ego: ninguém é isento do
efeito irresistível das emoções sobre a mente, nem mesmo o mais sábio
entre nós; e, até certo ponto, a irracionalidade é uma função da estrutura do
nosso cérebro e está programada na própria natureza com que processamos
as emoções. Ser irracional está quase fora do nosso controle. Para entender
isso, devemos analisar a evolução das emoções em si.
Por milhões de anos, os organismos vivos dependiam de instintos
aperfeiçoados para a sobrevivência. Numa fração de segundo, um réptil era
capaz de pressentir um perigo no ambiente e responder com a fuga
instantânea do local. Não havia uma separação entre impulso e ação. Então,
de forma gradual, para alguns animais essa sensação evoluiu para algo
maior e mais duradouro: sensação de medo. No princípio, esse medo
consistia apenas de um nível elevado de excitação com a descarga de certos
compostos químicos, alertando o animal de um possível perigo. Com essa
excitação e o grau de atenção que vinha com ela, o animal era capaz de
responder de várias maneiras, em vez de somente uma; ele poderia se tornar
mais sensível ao ambiente e aprender. As chances de sobrevivência eram
melhores porque as opções haviam aumentado. Essa sensação de medo
duraria apenas alguns segundos ou até menos, pois a velocidade era
essencial.
Para os animais sociais, essas excitações e sentimentos assumiram um
papel mais profundo e importante: tornaram-se uma forma crucial de
comunicação. Sons ferozes ou pelos eriçados demonstravam raiva,
afastando um inimigo ou sinalizando um perigo; certas posturas e odores
representavam o desejo e a prontidão sexual; posturas e gestos sinalizavam
a vontade de brincar; certos chamados dos jovens queriam dizer grande
ansiedade e a necessidade do retorno da mãe. Com os primatas, isso se
tornou cada vez mais elaborado e complexo. Foi comprovado que os
chimpanzés sentem inveja e desejo de vingança, entre outras emoções. Essa
evolução ocorreu com o passar de centenas de milhões de anos. Muito mais
recentemente, os poderes cognitivos se desenvolveram em animais e
humanos, culminando na invenção da linguagem e do pensamento abstrato.
Como já afirmaram muitos neurocientistas, essa evolução teve como
consequência um cérebro mamífero mais elevado composto de três porções.
A mais antiga, instintiva, é a parte reptiliana do cérebro, que controla todas
as respostas automáticas que regulam o corpo. Acima dela está o velho
cérebro mamífero ou límbico, governando os sentimentos e emoções; sobre
este evoluiu o neocórtex, a fração que controla a cognição e, nos humanos,
a linguagem.
As emoções se originam como uma excitação física com o intuito de
captar a nossa atenção e fazer que notemos algo ao nosso redor. Começam
como reações químicas e sensações que precisamos traduzir em palavras
para tentar entender. Contudo, tendo em vista que são processadas numa
parte diferente do cérebro em relação à linguagem e ao pensamento, essa
tradução muitas vezes é vaga e imprecisa. Por exemplo, sentimos raiva da
pessoa X, quando, na verdade, a fonte real dessa emoção talvez seja a
inveja; abaixo do nível consciente, nos sentimos inferiores em relação a X e
queremos algo que ela tem. No entanto, a inveja não é um sentimento com o
qual nos sintamos confortáveis, e por vezes nós a traduzimos como algo
mais palatável – raiva, antipatia, ressentimento. Digamos ainda que um dia
sintamos uma onda de frustração e impaciência: Y atravessa o nosso
caminho no momento errado e nós o atacamos verbalmente, sem nos
darmos conta de que essa raiva foi incitada por um ânimo diferente e
desproporcional às ações de Y. Ou imaginemos que estamos mesmo com
raiva da pessoa Z. Entretanto, a raiva está assentada dentro de nós, causada
por alguém do nosso passado que nos magoou de maneira profunda, talvez
um dos nossos pais. Nós direcionamos a raiva a Z porque este nos lembra
dessa outra pessoa.
Em outras palavras, não temos acesso consciente às origens das nossas
emoções e aos ânimos que estas geram. Uma vez que os sentimos, tudo que
podemos fazer é tentar decifrá-los, traduzindo-os em linguagem. Contudo, o
mais comum é que nos enganemos. Adotamos interpretações que são
simples e convenientes para nós, ou permanecemos desnorteados. Não
sabemos por que nos sentimos deprimidos, por exemplo. Esse aspecto
inconsciente das emoções também significa que é muito difícil para nós
aprendermos com elas, para conseguir parar ou evitar o comportamento
compulsivo. As crianças que foram abandonadas pelos pais tenderão a criar
padrões de abandono mais tarde na vida, sem enxergarem o motivo. (Ver
Pontos de estímulo da primeira infância, na página 48.)
A função comunicadora das emoções, um fator crítico para os animais
sociais, também se torna complicada nos humanos. Nós expressamos raiva
se estamos sentindo algo diferente, ou quando a raiva se refere a outra
pessoa, mas o nosso interlocutor não vê isso e, portanto, reage como se
tivesse sofrido um ataque pessoal, o que pode criar uma cascata de
interpretações equivocadas.
As emoções evoluíram por um motivo diferente da cognição. Essas duas
formas de relacionamento com o mundo não estão conectadas de maneira
homogênea em nosso cérebro. Para os animais, livres do fardo da
necessidade de traduzir sensações físicas em linguagem abstrata, as
emoções funcionam sem percalços, como deveriam. Para nós, a divisão
entre as nossas emoções e a nossa cognição é uma fonte de fricção interna
constante, abrangendo um segundo Eu Emocional dentro de nós que opera
independentemente da nossa vontade. Os animais sentem medo por pouco
tempo; depois ele desaparece. Nós nos atemos aos nossos temores,
intensificando-os e fazendo-os durar muito além do momento do perigo, até
o ponto de sentirmos ansiedade constante.
Muitos ficariam tentados a imaginar que, de algum modo, conseguimos
domar esse Eu Emocional por meio do nosso progresso intelectual e
tecnológico; afinal, não parecemos ser tão violentos, extremados ou
supersticiosos quanto os nossos ancestrais. Isso, porém, é uma ilusão. O
progresso e a tecnologia não nos reprogramaram; apenas alteraram a forma
das nossas emoções e o tipo de irracionalidade que estas produzem. Por
exemplo, os novos formatos de mídia ampliaram a antiquíssima habilidade
dos políticos e de outras pessoas de brincar com as nossas emoções, de
maneiras ainda mais sutis e sofisticadas. Anunciantes nos bombardeiam
com mensagens subliminares altamente efetivas; a nossa conexão contínua
com as redes sociais nos torna vulneráveis a novas formas de efeitos
emocionais virais. Não se trata de uma mídia projetada para uma reflexão
calma. Com a sua presença constante, temos cada vez menos espaço mental
para darmos um passo para trás e pensar. Somos sitiados por emoções e
dramas desnecessários, assim como os atenienses na Assembleia, pois a
natureza humana não se alterou.
É claro que as palavras racional e irracional são um pouco capciosas.
As pessoas sempre rotulam de “irracionais” aquelas de quem discordam. O
que precisamos é de uma definição simples que seja aplicável como um
modo de julgar, da maneira mais precisa possível, a diferença entre as duas.
O que se segue deve servir como o nosso barômetro: sentimos emoções
constantemente, e estas infectam o nosso pensamento o tempo todo, nos
desviando em direção a pensamentos que nos agradam e que deleitam o
nosso ego. É impossível não termos as nossas inclinações e sentimentos
envolvidos de algum modo no que pensamos. Indivíduos racionais têm
consciência disso e, por meio de esforço e introspecção, são capazes de, até
certo ponto, subtrair as emoções daquilo que pensam, neutralizando o seu
efeito. Os irracionais não têm essa consciência, partindo para a ação sem
considerar com cuidado as ramificações e consequências.
Podemos observar a diferença nas decisões e ações tomadas pelas
pessoas e os resultados que se seguem. Aquelas que são racionais
demonstram, com o passar do tempo, que são capazes de concluir um
projeto, atingir objetivos, trabalhar de maneira eficiente em equipe e criar
algo durável. As irracionais revelam em sua vida padrões negativos – erros
que se repetem, conflitos desnecessários que os perseguem aonde quer que
vão, sonhos e projetos que nunca são realizados, raiva e desejos de mudança
que jamais se traduzem em ações concretas. São indivíduos emocionais e
reativos, e não estão cientes disso. Todos são capazes de decisões
irracionais, algumas das quais causadas por circunstâncias além do nosso
controle. E até os tipos mais emocionais conseguem encontrar grandes
ideias ou obter sucesso momentâneo graças à sua ousadia. Por essa razão, é
importante julgar se alguém é racional ao longo do tempo ou irracional. Ele
consegue manter o sucesso e produzir várias estratégias boas? É capaz de se
corrigir e aprender a partir dos fracassos?
É possível notar a diferença entre uma pessoa racional e uma irracional
em situações específicas, na hora de calcular as consequências de longo
prazo e ver o que importa de fato. Por exemplo: num processo de divórcio
envolvendo a custódia de um filho, quem é racional conseguirá deixar de
lado a amargura e o preconceito, e pensar no que é melhor para os interesses
gerais de longo prazo da criança. Os irracionais se deixarão consumir por
uma luta pelo poder contra o cônjuge, permitirão que ressentimentos e
desejos de vingança guiem secretamente as suas decisões, provocando uma
batalha prolongada e danos emocionais para o filho.
Quando se trata de contratar um assistente ou formar uma parceria, as
pessoas racionais utilizarão a competência como barômetro: “Será que este
indivíduo consegue fazer o trabalho?”. Irracionais caem com facilidade sob
o encanto daqueles que são simpáticos, que sabem como alimentar
inseguranças, ou que representam pouca ou nenhuma ameaça, e os
contratam sem perceber os motivos. Falhas e ineficiência serão as
consequências disso, pelas quais os irracionais culparão os outros. Quando
se trata de decisões profissionais, quem é racional buscará posições
adequadas aos seus objetivos de longo prazo. Os tipos irracionais se
decidirão com base em quanto dinheiro obterão de imediato, no que
acreditam merecer da vida (às vezes, muito pouco), no quanto poderão
relaxar no trabalho e quanta atenção a posição lhes trará. Isso fará sua
carreira profissional rumar para becos sem saída.
Em todos os casos, o grau de consciência representa a diferença.
Indivíduos racionais conseguem admitir de imediato as suas tendências
irracionais e a necessidade de serem vigilantes. Por outro lado, irracionais
se tornam bastante emocionais quando são desafiados a respeito das raízes
emocionais das suas decisões. São incapazes de introspecção e de
aprendizado. Os erros que cometem os colocam cada vez mais numa
posição defensiva.
É importante entender que a racionalidade não é um meio de
transcender a emoção. O próprio Péricles valorizava as ações ousadas e
aventurosas. Ele amava o espírito de Atena e a inspiração que ela trazia, e
queria que os atenienses amassem a cidade e nutrissem empatia por seus
conterrâneos. O que idealizou foi um estado de equilíbrio – um
entendimento claro de por que nos sentimos como nos sentimos, com
consciência dos nossos impulsos, para que possamos pensar sem sermos
influenciados secretamente pelas nossas emoções. Péricles desejava que a
energia que vem dos impulsos e das emoções servisse o nosso lado
pensante. Essa era a sua visão de racionalidade, e o nosso ideal.
Felizmente, adquirir a racionalidade não é complicado; requer apenas
conhecer e utilizar um processo dividido em três fases. Na primeira,
precisamos nos tornar conscientes do que chamaremos de irracionalidade
de baixo nível – função dos ânimos e sentimentos contínuos que
vivenciamos na vida, abaixo do nível da consciência. Ao traçarmos planos
ou tomarmos decisões, não temos consciência da profundidade com que
esses ânimos e sentimentos deturpam o nosso processo de pensar, os quais
criam em nosso pensamento evidentes preconceitos tão impregnados em
nós que é possível encontrar vestígios deles em todas as culturas e todos os
períodos da história. Esses preconceitos, distorcendo a realidade, causam
erros e decisões ineficazes que nos atormentam; se tivermos ciência deles,
contudo, podemos começar a neutralizar os seus efeitos.
Na segunda fase, devemos entender a natureza do que chamaremos de
irracionalidade de grau elevado. Isso ocorre quando as nossas emoções se
tornam exaltadas, em geral por causa de certas pressões. Ao pensarmos
sobre raiva, excitação, ressentimento ou desconfiança que sentimos, tudo é
intensificado até chegarmos a um estado reativo – aquilo que vemos ou
ouvimos é interpretado através da lente dessa emoção. Nós nos tornamos
mais sensíveis e sujeitos a outras reações emocionais. A impaciência e o
ressentimento podem se transformar em raiva e profunda desconfiança. São
esses estados reativos que levam as pessoas à violência, às obsessões
maníacas, à ganância incontrolável ou ao desejo de controlar o outro. Essa
forma de irracionalidade é a fonte de problemas mais graves, como crises,
conflitos e decisões desastrosas. Entender como esse tipo de irracionalidade
funciona nos permite reconhecer o estado reativo assim que este acontece, e
recuar antes que façamos algo de que viríamos a nos arrepender.
Na terceira fase, precisamos executar certas estratégias e exercícios que
vão fortalecer a parte pensante do cérebro e lhe dar mais poder na eterna
luta contra as nossas emoções.
As três etapas seguintes o ajudarão a começar a trilhar o caminho em
direção à racionalidade. É aconselhável incorporar todas elas no seu estudo
e prática da natureza humana.
ETAPA UM: RECONHEÇA OS VIESES
As emoções afetam de forma contínua os nossos processos de
pensamento e decisões, abaixo do nível da nossa consciência. E a emoção
mais comum de todas é o desejo de sentir prazer e de evitar a dor. Os nossos
pensamentos revolvem de modo quase inevitável em torno desse desejo;
simplesmente recuamos ao considerarmos ideias que nos sejam
desagradáveis ou dolorosas. Imaginamos que buscamos a verdade, ou que
somos realistas, quando, na realidade, estamos nos apegando a ideias que
nos permitem descarregar a tensão que sentimos e que acalmam o nosso
ego, fazendo que nos sintamos superiores. Esse princípio do prazer no
pensamento é a fonte de todos os nossos vieses mentais. Se você acredita
que é de algum modo imune a qualquer um dos seguintes vieses, este é
apenas um exemplo do princípio do prazer em ação. Em vez de acreditar
nisso, seria melhor descobrir como os vieses operam o tempo todo dentro
de você, e aprender também a identificar essa irracionalidade nos outros.
Viés de confirmação
Eu examino as evidências e tomo as minhas decisões por meio de processos
mais ou menos racionais.
Para crer numa ideia e nos convencermos de que chegamos a ela de
maneira racional, buscamos provas que apoiem a nossa opinião. O que
poderia ser mais objetivo e científico? Entretanto, por causa do princípio do
prazer e da sua influência inconsciente, encontramos provas que confirmam
aquilo em que queremos acreditar. Isso é conhecido como viés de
confirmação.
Vemos esse fenômeno em ação nos planos, em especial, daqueles que
assumem altos riscos. Elabora-se um projeto que leve a um objetivo
desejado positivo. Se as pessoas considerassem de forma igualitária as
consequências negativas e positivas possíveis, teriam muita dificuldade em
tomar qualquer atitude. É inevitável que elas se desviem em direção às
informações que confirmem o resultado desejado positivo, o panorama corde-rosa, sem se darem conta disso. Também vemos esse viés em ação
quando elas supostamente pedem conselhos. É a maldição da maioria dos
consultores. No fim, as pessoas querem ter as suas próprias ideias e
preferências confirmadas pela opinião de um especialista. Interpretam o que
você diz à luz do que pretendem ouvir; e se o seu conselho vai contra os
desejos delas, darão um jeito de desprezar a sua opinião, a sua suposta
proficiência. Quanto mais poderoso o indivíduo, mais ele está sujeito a esse
tipo de viés de confirmação.
Ao investigar o viés de confirmação no mundo, observe as teorias que
soam um pouco boas demais para serem verdade. Estatísticas e estudos são
oferecidos para comprová-las; não são muito difíceis de encontrar, uma vez
que você esteja convencido da correção do seu argumento. Na internet,
estudos apoiam ambos os lados de um argumento. De modo geral, você
nunca deve aceitar a validade das ideias dos outros só porque estes
forneceram “provas”. Em vez disso, examine você mesmo essas provas à
fria luz do dia, com o máximo de ceticismo de que for capaz. O seu
primeiro impulso deve sempre ser o de encontrar a prova que renega a
crença que você e outros mais estimam. Essa é a verdadeira ciência.
Viés de convicção
Acredito tanto nessa ideia. Ela deve ser verdade.
Nós nos atemos a uma ideia que secretamente nos agrada, mas, bem no
fundo, talvez tenhamos algumas dúvidas sobre sua veracidade; por isso,
fazemos um esforço redobrado para nos convencermos – a fim de
acreditarmos nela com grande veemência e contradizermos em alto e bom
som qualquer um que nos desafie. Nós nos perguntamos: “Como é possível
que a nossa ideia não seja verdadeira quando ela nos enche de tanta energia
para defendê-la?”. Esse viés é revelado com clareza ainda maior no nosso
relacionamento com líderes – se eles manifestam uma opinião com palavras
e gestos incendiários, metáforas empolgantes e anedotas divertidas, além de
profunda convicção, isso deve significar que examinaram a ideia com
cuidado para expressá-la com tanta certeza. Aqueles que, por outro lado,
expressam nuances ou cujo tom é mais hesitante revelam fraqueza e falta de
autoconfiança. É provável que estejam mentindo, ou assim pensamos. Esse
viés nos torna suscetíveis a vendedores e demagogos que demonstram
convicção como uma forma de convencer e enganar. Eles sabem que as
pessoas têm fome por entretenimento, por isso disfarçam as suas meiasverdades com efeitos dramáticos.
Viés de aparências
Eu entendo as pessoas com quem lido; eu as vejo como elas são.
Nós vemos os outros não como eles são, mas como nos parecem. E
essas aparências costumam ser enganosas. Em primeiro lugar, as pessoas se
treinam para situações sociais a fim de apresentar uma fachada que seja
apropriada e julgada positivamente. Aparentam ser a favor das causas mais
nobres, sempre se mostrando trabalhadoras e escrupulosas. Tomamos essas
máscaras como realidade. Em segundo lugar, tendemos a nos deixar levar
pelo efeito halo – quando vemos certas qualidades negativas ou positivas
em alguém (inépcia social, inteligência), supomos outras qualidades
positivas ou negativas que combinariam com essas. Aqueles de boa
aparência, em geral, parecem ser mais dignos de confiança, em especial os
políticos. Se um indivíduo é bem-sucedido, nós o imaginamos sendo
também ético, escrupuloso e merecedor da sua boa sorte. Isso obscurece o
fato de que muitos que obtiveram sucesso o fizeram por meio de ações
pouco morais, o que disfarçam com esperteza.
Viés de grupo
As minhas ideias me pertencem. Não dou ouvidos ao grupo. Não sou
conformista.
Somos animais sociais por natureza. A sensação de isolamento, de
diferença em relação ao grupo, é deprimente e assustadora. Sentimos um
alívio tremendo quando encontramos outros que pensam da mesma maneira
que nós. De fato, somos motivados a defender ideias e opiniões porque elas
nos trazem esse alívio. Não temos consciência desse estímulo e, por isso,
imaginamos que chegamos a certas ideias inteiramente por conta própria.
Observe as pessoas que apoiam um partido ou outro, uma ideologia
qualquer – uma ortodoxia ou exatidão notável prevalece, sem que ninguém
diga nada ou aplique uma força evidente. Se alguém se posiciona à direita
ou à esquerda, as suas opiniões quase sempre seguirão a mesma direção em
dezenas de questões, como por mágica, e, no entanto, poucos admitiriam
essa influência em outros padrões de pensamento.
Viés da culpa
Eu aprendo a partir da minha experiência e dos meus erros.
Os erros e fracassos produzem a necessidade de dar explicações.
Queremos aprender a lição e não repetir a experiência. Na verdade, porém,
não gostamos de examinar muito de perto o que fizemos; a nossa
introspecção é limitada. A nossa resposta natural é culpar os outros, as
circunstâncias ou um lapso momentâneo de julgamento. O motivo para esse
viés é que, por vezes, é doloroso demais examinar os nossos erros. Isso nos
levaria a questionar o nosso sentimento de superioridade. Cutucaria o nosso
ego. Fazemos uma análise superficial, fingindo refletir sobre nossos atos.
No entanto, com o passar do tempo, o princípio do prazer emerge e nos
esquecemos da pequena parte do erro que atribuímos a nós mesmos. O
desejo e a emoção vão nos cegar mais uma vez, e repetiremos exatamente o
mesmo erro e passaremos pelo mesmo processo de recriminações leves,
seguido pelo esquecimento, até morrermos. Se as pessoas de fato
aprendessem com as suas experiências, encontraríamos poucos erros no
mundo e carreiras profissionais seguiriam em ascensão perpétua.
Viés de superioridade
Eu sou diferente. Sou mais racional do que os outros, e mais ético também.
Poucos diriam isso a alguém durante uma conversa, pois soaria
arrogante. Entretanto, em numerosos estudos e pesquisas de opinião,
quando lhes pediam que se comparassem com os outros, as pessoas em
geral expressavam uma variante dessa afirmação. É o equivalente a uma
ilusão de ótica – não conseguimos enxergar os nossos defeitos e
irracionalidades, apenas os de outrem. Assim, por exemplo, acreditamos
com facilidade que os que pertencem ao outro partido político não chegam
às suas opiniões com base em princípios racionais, ao contrário do que
fazem aqueles do nosso lado. No aspecto da ética, poucos de nós admitiriam
ter apelado a mentiras ou manipulações no trabalho ou ter utilizado
esperteza e estratégia para avançar na carreira. Tudo o que conquistamos,
ou assim pensamos, vem do talento natural e do trabalho árduo. A outras
pessoas, porém, nós nos apressamos a atribuir todo o tipo de táticas
maquiavélicas. Isso nos permite justificar o que fazemos, não importando os
resultados.
Sentimos um tremendo ímpeto para nos imaginarmos como racionais,
decentes e éticos, qualidades bastante promovidas pela cultura. Demonstrar
sinais do contrário seria arriscar grande desaprovação. Se tudo isso fosse
verdade – se os indivíduos fossem racionais e moralmente superiores –, o
mundo estaria permeado de bondade e paz. No entanto, conhecemos a
realidade, o que significa que alguns, talvez até todos nós, estão apenas se
iludindo. A racionalidade e as qualidades éticas precisam ser conquistadas
por meio do esforço e da consciência. Não surgem naturalmente, mas por
meio de um processo de amadurecimento.
ETAPA DOIS: CUIDADO COM OS FATORES INFLAMATÓRIOS
As emoções de baixo nível afetam o nosso pensamento o tempo todo, e
se originam dos nossos próprios impulsos – por exemplo, o desejo por
pensamentos que ofereçam prazer e conforto. A emoção de alto nível,
porém, surge em certos momentos, alcança um tom explosivo e é, em geral,
suscitada por algo externo – por alguém que nos provoque, ou por
circunstâncias específicas. O nível de excitação é maior e a nossa atenção é
capturada por completo. Quanto mais pensamos na emoção, mais forte ela
se torna, o que faz que nos concentremos ainda mais nela, e assim por
diante. A nossa mente focaliza a emoção, e tudo nos lembra da nossa raiva
ou agitação. Nós nos tornamos reativos. Como somos incapazes de tolerar a
tensão que isso cria, a emoção de alto nível tende a culminar em alguma
ação precipitada com consequências desastrosas. Em meio a um ataque
desses, nos sentimos possuídos, como se, por um segundo, o nosso lado
límbico assumisse o comando.
É melhor ter consciência desses fatores a fim de impedir que a sua
mente foque uma emoção só e evitar uma descarga emocional da qual você
sempre acabará se arrependendo. Também é aconselhável estar ciente da
irracionalidade de alto nível nos outros, para que você consiga sair do
caminho deles ou ajudá-los a voltar para a realidade.
Pontos de estímulo da primeira infância
É na primeira infância que somos mais sensíveis e vulneráveis. O
impacto que o relacionamento com os nossos pais tem sobre nós se torna
maior quanto mais voltamos no tempo. Podemos dizer o mesmo de
qualquer situação poderosa no início da vida. Essas vulnerabilidades e
mágoas permanecem enterradas a fundo em nossa mente. Às vezes,
tentamos reprimir as memórias dessas influências, se estas são negativas –
grandes temores ou humilhações; em outras situações, porém, elas estão
associadas a emoções positivas, experiências de amor e atenção que
queremos reviver de maneira contínua. Ao longo da vida, uma pessoa ou
situação vai despertar uma lembrança desse acontecimento positivo ou
negativo e, com isso, a descarga de hormônios e substâncias químicas
poderosas associadas a essa lembrança.
Imagine, por exemplo, um jovem cuja mãe era distante e narcisista.
Quando bebê ou criança, tomou a frieza dela como abandono, e o abandono
significava que ele, de algum modo, não era digno do seu amor. Ou, de
maneira semelhante, a chegada de um novo irmão fez a mãe lhe dar muito
menos atenção, o que ele também tomou como abandono. Mais tarde, num
relacionamento, uma mulher talvez dê sinais de desaprovação de alguma de
suas ações ou traços de personalidade, o que faz parte de uma relação
saudável. Isso toca num ponto de estímulo – ela lhe notou os defeitos, o
que, o rapaz supõe, precede o momento em que a parceira o abandonará.
Ele sente uma corrente de emoções, uma sensação de traição iminente, e
não vê a raiz disso; está além do seu controle. Ele reage de forma
exagerada, faz acusações, se retrai, e tudo isso leva àquilo que temia – o
abandono. Reagiu a um reflexo dentro de sua mente, não à realidade. Isso é
o pico da irracionalidade.
A maneira de reconhecer isso em si mesmo e nos outros é notar o súbito
comportamento infantil em sua intensidade e que faz que a pessoa não
pareça ela mesma. É algo que pode estar centrado em qualquer emoção
fundamental. Poderia ser o medo – de perder o controle, de fracassar. Nesse
caso, a nossa reação é fugir da situação e da presença de outros, como uma
criança se colocando em posição fetal. Uma doença súbita, causada pelo
medo intenso, nos levará convenientemente a ter que nos retirarmos. Ou
poderia ser o amor – a tentativa desesperada de recriar no presente um
relacionamento íntimo com um dos pais ou um irmão ou irmã, provocada
por alguém que nos lembra vagamente do paraíso perdido. Poderia ainda ser
a desconfiança extrema, nascida de uma figura em posição de autoridade
que nos desapontou ou nos traiu na primeira infância, em geral, o pai. Isso
muitas vezes incita uma súbita atitude rebelde.
O grande perigo aqui é que, ao interpretar mal o presente e reagir a algo
no passado, criamos conflito, desapontamentos e desconfiança que apenas
fortalecem as mágoas. Sob certos aspectos, somos programados a repetir a
experiência passada no presente. A nossa única defesa é estarmos
conscientes no momento em que isso acontece. Somos capazes de
reconhecer um ponto de estímulo ao sentir emoções excepcionalmente
primitivas, mais incontroláveis do que o normal, as quais estimulam
temores, a depressão profunda ou o excesso de esperança. As pessoas sob o
efeito dessas emoções por vezes demonstrarão um tom de voz ou linguagem
corporal bem diferente, como se estivessem revivendo fisicamente um
momento do início da vida.
Em meio a um ataque desse tipo, devemos lutar para nos distanciarmos
e contemplarmos sua possível fonte – a mágoa na primeira infância – e os
padrões aos quais ela nos prendeu. Esse entendimento profundo de nós
mesmos e das nossas vulnerabilidades é um passo fundamental para que nos
tornemos racionais.
Ganhos e perdas repentinas
Vitórias
e
sucessos
súbitos
podem
ser
bem
perigosos.
Neurologicamente, sustâncias químicas são liberadas no cérebro, dando um
choque de excitação e energia, o que nos leva ao desejo de repetir a
experiência. Isso pode se tornar o início de uma espécie de vício e
comportamento maníaco. Além disso, quando os lucros chegam rápido,
tendemos a perder a perspectiva da sabedoria básica de que o verdadeiro
sucesso, para durar de verdade, precisa vir por meio do trabalho árduo. Não
levamos em conta o papel que a sorte desempenha nos nossos lucros
repentinos. Tentamos insistentemente recapturar aquela euforia de ganhar
tanto dinheiro ou tanta atenção. Adquirimos sentimentos de grandiosidade.
Tornamo-nos bastante resistentes a qualquer um que tente nos alertar – eles
não entendem, é o que dizemos a nós mesmos. Como essa situação não é
sustentável, vivenciamos a queda inevitável, que é ainda mais dolorosa,
levando-nos à depressão, que faz parte do ciclo. Embora os jogadores
compulsivos sejam os mais vulneráveis a esse processo, ele se aplica da
mesma maneira a empresários durante bolhas especulativas e a pessoas que
ganham atenção súbita do público.
Perdas repentinas, ou uma série delas, geram reações igualmente
irracionais. Imaginamos estar amaldiçoados pela má sorte e que ela
continuará por tempo indeterminado. Tornamo-nos temerosos e hesitantes,
o que muitas vezes leva a mais erros ou fracassos. Nos esportes, isso pode
induzir ao que é conhecido como o ato de “amarelar”, à medida que
derrotas e erros anteriores pesam na mente e a sufocam.
A solução aqui é simples: sempre que tiver uma vitória ou derrota
atípica, essa é a hora certa de dar um passo para trás e equilibrá-la com
algum pessimismo ou otimismo necessário. Tenha cuidado redobrado com a
atenção e o sucesso repentinos – não foram construídos de nada duradouro e
têm um efeito viciante. E a queda é sempre dolorosa.
Pressão crescente
Em geral, as pessoas ao seu redor parecem equilibradas e no controle da
própria vida. No entanto, coloque qualquer uma delas em circunstâncias
extenuantes, com pressão crescente, e você verá uma realidade diferente.
Cai a máscara fria do autocontrole. Elas terão ataques súbitos de raiva,
revelarão uma faceta paranoica e se tornarão hipersensíveis e, por vezes,
mesquinhas. Sob tensão ou alguma ameaça, as partes mais primitivas do
cérebro são excitadas e acionadas, sobrepujando os poderes de raciocínio.
De fato, a tensão e o nervosismo revelam defeitos que o ser humano tem o
cuidado de ocultar. Costuma ser aconselhável observar os indivíduos nesses
momentos, precisamente para julgar o seu caráter verdadeiro.
Sempre que notar que os níveis de pressão e tensão estão crescendo na
sua vida, você deve se monitorar com cautela. Preste atenção a quaisquer
sinais de fragilidade ou sensitividade atípicas, suspeitas súbitas e temores
desproporcionais às circunstâncias. Observe com o maior distanciamento
possível, com tempo e espaço a sós. Você precisa de perspectiva. Nunca
imagine que é alguém capaz de aguentar a pressão crescente sem um escape
emocional, pois é impossível. Contudo, por meio da reflexão e da
autoconsciência, você vai conseguir se impedir de tomar decisões das quais
se arrependeria.
Indivíduos inflamatórios
Há pessoas no mundo que, por natureza, tendem a incitar emoções
poderosas em quase todos que encontram. Essas emoções se estendem aos
extremos do amor, do ódio, da fé e da desconfiança. Alguns exemplos da
história incluem o rei Davi da Bíblia, Alcibíades na Atena antiga, Júlio
César na Roma antiga, Georges Danton na Revolução Francesa, e Bill
Clinton. Esses tipos têm um alto grau de carisma e uma habilidade de
expressar de maneira eloquente suas emoções, o que provoca, de forma
inevitável, emoções paralelas nos outros. No entanto, alguns desses também
são bastante narcisistas; projetam os seus dramas e problemas internos para
fora, capturando outros indivíduos no tumulto que geram. Isso leva a
sentimentos profundos de atração em algumas pessoas e de rejeição em
outras.
É melhor reconhecer esses tipos inflamatórios pela maneira como
afetam a todos, não apenas a você. Ninguém consegue se manter indiferente
a eles. As pessoas se sentem incapazes de raciocinar ou de manter a
distância na presença desses indivíduos, que o fazem pensar neles o tempo
todo mesmo quando não estão presentes; têm uma qualidade obsessiva e
conseguem levá-lo a ações extremadas, seja como um seguidor devoto ou
um inimigo inveterado. Em qualquer um dos extremos da escala – atração
ou rejeição –, você tenderá a ser irracional e vai precisar desesperadamente
tomar distância. Uma boa estratégia a ser utilizada é olhar além da fachada
que esses tipos apresentam. É inevitável que tentem projetar uma imagem
grandiosa, uma qualidade mítica e intimidadora; mas, na verdade, são bem
humanos, cheios das mesmas inseguranças e fraquezas que todos nós
possuímos. Tente reconhecer esses traços e os desmitifique.
O efeito de grupo
Essa é a variedade de alto nível do viés de grupo. Quando estamos num
grupo de tamanho considerável, nos sentimos diferentes. Observe a si
mesmo e a outros num evento esportivo, num espetáculo musical, numa
assembleia religiosa ou política. É impossível não se envolver pelas
emoções coletivas. O seu coração bate mais rápido. Lágrimas de alegria ou
de tristeza lhe vêm com mais facilidade. Estar num grupo não estimula o
raciocínio independente, mas, em vez disso, o desejo intenso de
participação. Isso também acontece num ambiente de trabalho, em especial
se o líder joga com as emoções das pessoas para atiçar desejos competitivos
e agressivos, ou uma dinâmica de “nós contra eles”. O efeito de grupo não
requer necessariamente a presença de outros. Pode ocorrer de forma viral,
como quando alguma opinião se espalha pelas redes sociais e nos infecta
com o desejo de partilhar esse julgamento – que geralmente é forte, como
um ultraje, por exemplo.
Há um aspecto positivo de euforia na estimulação das emoções em
grupo. É assim que somos arregimentados para realizar algo pelo bem
coletivo. No entanto, se você notar que o apelo é direcionado a emoções
mais diabólicas, como o ódio contra outros, o patriotismo fanático, a
agressão ou visões de mundo generalizantes, inocule-se e veja além da
poderosa atração que esse apelo exerce sobre você. Sempre que possível,
evite os ambientes de grupo a fim de manter seu poder de raciocínio, ou de
entrar com o máximo de ceticismo.
Tenha consciência dos demagogos que querem explorar o efeito de
grupo e estimular surtos de irracionalidade. É inevitável que eles recorram a
certos truques. Num ambiente coletivo, começam entusiasmando a
multidão, falando de ideias e valores dos quais todos compartilham, criando
uma sensação agradável de concordância. Eles se apoiam em palavras vagas
mas capciosas, cheias de qualidade emotiva como justiça ou verdade ou
patriotismo. Falam de metas nobres e abstratas em vez de solucionar
problemas específicos com ações concretas.
Os demagogos da política ou da mídia tentam incitar uma sensação
constante de pânico, urgência e ultraje. Precisam manter os níveis
emocionais altos. A sua defesa é simples: considere os seus poderes de
reação, a sua habilidade de pensar por si mesmo, que é o que você tem de
mais precioso. Ressinta-se de qualquer tipo de intrusão, por parte dos
outros, na sua mente independente. Quando se sentir na presença de um
demagogo, torne-se duas vezes mais cauteloso e analítico.
Uma palavra final sobre a irracionalidade da natureza humana: não
imagine que os tipos mais extremos de irracionalidade foram, de modo
algum, superados por meio do progresso e do esclarecimento. Por toda a
história, observamos ciclos contínuos em que os níveis de irracionalidade
sobem e descem. A grande era de ouro de Péricles, com seus filósofos e os
primeiros movimentos do espírito científico, foi seguida por uma era de
superstição, cultos e intolerância. Esse mesmo fenômeno aconteceu após a
Renascença italiana. Que esse ciclo esteja fadado a se repetir de novo e de
novo faz parte da natureza humana.
O irracional simplesmente muda de aparência e de métodos. Talvez não
tenhamos mais caças às bruxas no sentido literal, mas no século 20, há não
muito tempo, testemunhamos os julgamentos espetaculares de Stálin, os
interrogatórios de McCarthy no senado norte-americano e as perseguições
em massa durante a Revolução Cultural Chinesa. Vários cultos são gerados
o tempo todo, inclusive cultos de personalidade e o fetichismo em relação a
celebridades. A tecnologia hoje inspira um fervor religioso. Os indivíduos
sentem uma necessidade desesperada de acreditar em algo e o encontrarão
em qualquer lugar. Pesquisas revelam que um número crescente de pessoas
acredita em fantasmas, espíritos e anjos, no século 21.
Enquanto existirem seres humanos, o irracional encontrará as suas vozes
e meios de expansão. A racionalidade é algo a ser adquirido pelos
indivíduos, não por movimentos de massa ou pelo progresso da tecnologia.
Sentir-se superior e longe desse problema é um sinal claro do irracional em
operação.
ETAPA TRÊS: ESTRATÉGIAS PARA TRAZER O LADO RACIONAL À TONA
A despeito das nossas tendências irracionais consideráveis, dois fatores
deveriam dar esperança a todos nós. Em primeiro lugar, o que é mais
importante: a existência, por toda a história e em todas as culturas, de
pessoas de alta racionalidade, aquelas que tornaram o progresso possível.
Servem como modelo para todos nós. Entre elas estão Péricles, o
governante Aśoka na Índia antiga, Marco Aurélio na Roma antiga,
Marguerite de Valois na França medieval, Leonardo da Vinci, Charles
Darwin, Abraham Lincoln, o escritor Anton Tchekhov, a antropóloga
Margaret Mead e o empresário Warren Buffett, para listar alguns. Todos
eles compartilham de certas qualidades – uma avaliação realista de si
mesmos e de suas fraquezas; devoção à verdade e à realidade; uma atitude
tolerante em relação às pessoas, e a habilidade de atingir os objetivos que
firmam para si.
O segundo fator é que quase todos nós, em algum momento da vida,
experimentamos momentos de racionalidade maior. Isso por vezes vem com
o que chamaremos de atitude do criador. Temos um projeto a realizar,
talvez com um prazo de execução. As únicas emoções que podemos nos dar
ao luxo de sentir são excitação e energia; as outras apenas tornam
impossível nos concentrarmos. Como precisamos conseguir resultados, nos
tornamos excepcionalmente pragmáticos. Nós nos concentramos no
trabalho – com a mente calma e o ego sem atrapalhar. Se tentassem nos
interromper ou infectar com emoções, nós nos ressentiríamos. Esses
momentos – tão breves como algumas semanas ou horas – revelam o eu
racional que está esperando para emergir. Ele só precisa de um pouco de
consciência e prática.
As seguintes estratégias foram desenvolvidas para ajudá-lo a trazer à
tona o seu Péricles ou Atena interiores.
Conheça profundamente a si mesmo. O Eu Emocional prospera na
ignorância. Mas perde o poder sobre você e pode ser dominado no
momento em que o leitor se torna consciente de como o Eu Emocional age
e o domina. Portanto, o seu primeiro passo em direção à racionalidade é
sempre para dentro. É preciso flagrar o Eu Emocional em ação. Com esse
propósito, reflita sobre como você age sob pressão. Que fraquezas
específicas surgem nesses momentos – o desejo de agradar, de intimidar ou
de controlar, ou níveis profundos de desconfiança? Analise as suas
decisões, em especial aquelas que foram ineficientes. Você enxerga um
padrão, uma insegurança subjacente que as impeliu? Examine as suas
forças, o que o torna diferente das outras pessoas. Isso o ajudará a escolher
metas que combinem com os seus interesses de longo prazo e que estejam
alinhadas com as suas habilidades. Ao entender e valorizar o que o torna
diferente, também será capaz de resistir à atração do viés e do efeito de
grupo.
Examine as suas emoções até as suas origens. Você está com raiva.
Deixe o sentimento assentar e pense a respeito. Se foi incitado por algo
aparentemente trivial ou mesquinho, é um sinal claro de que algo ou alguém
mais está por trás dele. Talvez uma emoção mais desconfortável seja a raiz
do problema – tal como a inveja ou a paranoia. Você precisa encarar essa
possibilidade. Busque abaixo de todos os pontos de estímulo para ver onde
eles começaram. Para isso, talvez seja aconselhável utilizar um diário no
qual você possa registrar com objetividade implacável as suas
autoavaliações. O maior perigo aqui é o seu ego e como ele o faz, de
maneira inconsciente, nutrir ilusões sobre si mesmo – as quais talvez sejam
reconfortantes no momento, mas, no longo prazo, o tornarão defensivo e
incapaz de aprender ou progredir. Descubra uma posição neutra de onde
consiga observar as suas ações, com um pouco de distanciamento e até de
humor. Logo tudo isso se tornará um hábito natural e, quando o Eu
Emocional erguer a cabeça de forma repentina em alguma situação, você o
notará de imediato, sendo capaz de recuar e encontrar essa posição neutra.
Aumente o seu tempo de reação. Esse poder é adquirido por meio de
prática e repetição. Quando algum acontecimento ou interação pedir uma
resposta, você precisa se treinar para recuar. Isso talvez signifique se afastar
fisicamente para um local onde possa estar sozinho e não sentir nenhuma
pressão para responder. Ou signifique escrever aquele e-mail furioso, mas
sem o enviar. Considere a questão por um dia ou dois. Não telefone nem se
comunique enquanto sentir alguma emoção súbita, em especial o
ressentimento. Caso sinta pressa para assumir compromissos, para contratar
alguém ou ser contratado, dê um passo para trás e aguarde por um dia.
Esfrie a cabeça. Pense nisso como treinamento de resistência – quanto mais
você resistir ao ato de reagir, mais espaço mental terá para uma reflexão
real, e mais forte a sua mente se tornará.
Aceite as pessoas como fatos. As interações com as pessoas são a fonte
principal de agitação emocional, mas não precisa ser assim. O problema é
que as julgamos o tempo todo, desejando que fossem algo que não são.
Queremos mudá-las, queremos que pensem e ajam de certa maneira, em
geral do jeito que nós pensamos e agimos. E como isso não é possível, já
que cada um é diferente, nos sentimos frustrados e decepcionados o tempo
todo. Em vez disso, veja-as como fenômenos, tão neutros como cometas ou
plantas. Simplesmente existem; surgem em todas as variedades, tornando a
vida rica e interessante. Trabalhe com o que elas lhe dão, em vez de resistir
e tentar mudá-las. Transforme a tarefa de entendê-las num jogo divertido,
na montagem de um quebra-cabeça. É tudo parte da comédia humana. Sim,
as pessoas são irracionais, mas o mesmo se aplica a você. Torne a sua
aceitação da natureza humana a mais radical possível. Isso o acalmará e o
ajudará a observar os indivíduos de forma mais desapaixonada, entendendoos num nível mais profundo. Você vai parar de projetar as suas próprias
emoções nos outros. Tudo isso vai lhe dar mais equilíbrio e tranquilidade,
mais espaço mental para pensar.
Certamente isso é difícil de fazer com os seres apavorantes que cruzam
o nosso caminho – os narcisistas furiosos, os passivo-agressores e outros
tipos inflamatórios –, pois são um teste contínuo à nossa racionalidade.
Como modelo, considere o autor russo Anton Tchekhov, uma das pessoas
mais absolutamente racionais que já viveram. A família de Tchekhov era
grande e pobre, e o pai, um alcoólatra, espancava todos os filhos sem
piedade, inclusive o jovem Anton. Este se tornou médico e passou a
escrever como carreira alternativa, aplicando o seu treinamento na Medicina
ao animal humano e tomando como meta entender o que nos faz tão
irracionais, infelizes e perigosos. Em suas histórias e peças, ele considerava
imensamente terapêutico dedicar-se a seus personagens ao extremo e
compreender até mesmo os piores tipos. Dessa forma, era capaz de perdoar
qualquer um, até mesmo o próprio pai. A sua abordagem nesses casos era
imaginar que cada pessoa tinha um motivo, não importando o quão
deturpado, para ter se transformado no que é; uma lógica que faria sentido
para ela. Ao seu modo, todos estão lutando para se satisfazerem, mas de
maneira irracional. Ao dar um passo para trás e imaginar a história desses
indivíduos a partir da perspectiva deles, Tchekhov desmitificou os brutos e
os agressores, reduzindo-os às suas dimensões reais. Eles não inspiravam
mais ódio, mas pena. Você precisa pensar mais como um escritor ao abordar
aqueles com quem lida, até mesmo os piores tipos.
Descubra o equilíbrio ideal entre o pensamento e a emoção. Não
somos capazes de separar as emoções dos pensamentos. Os dois estão
completamente entrelaçados. No entanto, é inevitável que exista um fator
dominante, com algumas pessoas sendo governadas de forma mais nítida
pelas emoções do que outras. Estamos procurando pela proporção e
equilíbrio adequados, o que nos levará a ações mais eficientes. Os gregos da
Antiguidade tinham uma metáfora apropriada para isso: o cavaleiro e o
cavalo.
O cavalo é a nossa natureza emocional, que nos impele de forma
constante a nos movermos. Esse cavalo tem energia e poder tremendos, mas
não tem como ser guiado sem um cavaleiro; é um animal selvagem, sujeito
a predadores, e se mete sempre em encrencas. O cavaleiro é o nosso lado
pensante. Por meio de treinamento e prática, ele segura as rédeas e guia o
cavalo, transformando aquela poderosa energia animal em algo produtivo.
Um é inútil sem o outro. Sem o cavaleiro, não há propósito ou movimento
direcionado; sem o cavalo, não há energia nem poder. Na maioria das
pessoas, o cavalo domina, e o cavaleiro é fraco. Em algumas, o cavaleiro é
forte demais, aperta muito as rédeas e tem medo de deixar o animal galopar
de vez em quando. O cavalo e o cavaleiro precisam trabalhar juntos. Isso
significa ponderar sobre as nossas ações de antemão; trazer o máximo
possível de raciocínio para uma situação antes de tomar uma decisão. No
entanto, uma vez que tenhamos decidido o que fazer, afrouxamos as rédeas
e entramos em ação com ousadia e espírito de aventura. Em vez de sermos
escravos dessa energia, nós a canalizamos. Essa é a essência da
racionalidade.
Como exemplo desse ideal em ação, tente manter um equilíbrio perfeito
entre o ceticismo (cavaleiro) e a curiosidade (cavalo). Dessa forma, você
será cético a respeito dos próprios entusiasmos e os dos outros. Você não
aceitará sem questionamento as explicações e as “provas” que as pessoas
lhe oferecem. Você observará o resultado das ações delas, não o que dizem
sobre as próprias motivações. Contudo, se levar isso longe demais, a sua
mente se fechará diante de ideias inusitadas, especulações excitantes e da
própria curiosidade. Você precisa reter a elasticidade do espírito que tinha
quando criança, interessada em tudo, ao mesmo tempo que retém a
necessidade pragmática de confirmar e investigar por si mesmo todas as
ideias e crenças. As duas conseguem coexistir. É um equilíbrio que todos os
gênios possuem.
Ame o racional. É importante não ver o caminho para a racionalidade
como algo doloroso e ascético. Na verdade, ela traz poderes imensamente
satisfatórios e agradáveis, muito mais profundos do que os prazeres
maníacos que o mundo tende a nos oferecer. Você já vivenciou isso quando
se viu absorvido por um projeto, o tempo passando rápido, e quando sentiu
explosões ocasionais de excitação ao fazer descobertas ou progredir no
trabalho. Mas também há outros prazeres. Ser capaz de domar o Eu
Emocional proporciona calma e lucidez gerais. Nesse estado mental, você
se vê menos consumido por divergências e considerações mesquinhas. As
suas ações são mais eficientes, o que também leva a um menor grau de
agitação. Você tem a imensa satisfação de se dominar de uma maneira
profunda, tem mais espaço mental para ser criativo, sente-se mais no
controle.
Sabendo de tudo isso, será mais fácil se motivar a desenvolver esse
poder; assim, você está seguindo o caminho de Péricles. Ele visualizava a
deusa Atena encarnando todos os poderes práticos da racionalidade; a
venerava e amava acima de todos os outros deuses. Talvez não adoremos a
deusa como uma divindade, mas podemos apreciar num nível profundo
todos os que promovem a racionalidade no nosso mundo, e podemos tentar
internalizar o poder deles ao máximo.
“Confie nos seus sentimentos!” – No entanto, sentimentos não são finais ou originais;
por trás dos sentimentos estão julgamentos e avaliações que herdamos na forma de
[…] inclinações, aversões […]. A inspiração nascida de um sentimento é avó de um
julgamento – e muitas vezes de um julgamento falso! – e, em todo caso, não é filha
sua! Confiar nos seus sentimentos significa obedecer mais aos avós e aos avós dos
avós do que às deusas que estão em nós: a nossa razão e a nossa experiência.
— Friedrich Nietzsche
2
Transforme a autoestima em empatia
A Lei do Narcisismo
Todos possuímos, por natureza, a ferramenta mais impressionante para nos
conectarmos com os indivíduos e adquirir o poder social – a empatia.
Quando cultivada e utilizada da maneira adequada, esta nos permite
entender os ânimos e a mente dos outros, dando-nos o poder de prever as
ações das pessoas e de lhes baixar a resistência pouco a pouco. Esse
instrumento, porém, é embotado pelo nosso próprio egocentrismo habitual.
Todos somos narcisistas, alguns mais a fundo na escala do que outros. A
nossa missão na vida é aceitar esse amor-próprio e aprender a voltar a
nossa sensibilidade para fora, para os outros, em vez de para dentro.
Devemos reconhecer, ao mesmo tempo, os narcisistas tóxicos entre nós,
antes que nos vejamos enredados nos dramas que criam e envenenados
pela inveja que sentem.
A ESCALA NARCISISTA
Desde o momento em que nascemos, nós, seres humanos, sentimos uma
necessidade infindável de atenção. Somos animais sociais até o âmago. A
nossa sobrevivência e a nossa felicidade dependem dos laços que formamos
com os outros. Se as pessoas não prestam atenção em nós, não conseguimos
nos conectar a elas em nenhum nível. Parte disso é puramente física –
precisamos ter gente nos olhando para nos sentirmos vivos. Como quem
viveu por longos períodos em isolamento pode testemunhar, sem contato
visual, começamos a duvidar da nossa existência e a cair numa depressão
profunda. Entretanto, essa necessidade é também intensamente psicológica:
por meio da qualidade da atenção que recebemos dos outros, nos sentimos
reconhecidos e estimados por quem somos. O nosso senso de amor-próprio
depende disso, e é tão importante para o animal humano que as pessoas são
capazes de tudo para obter atenção, inclusive cometer crimes ou tentar o
suicídio. Olhe por trás de qualquer ação, e verá essa necessidade como uma
motivação primordial.
Ao tentar satisfazer a nossa fome de atenção, porém, enfrentamos um
problema inevitável: não há um estoque ilimitado de atenção por aí. Na
família, temos que competir com os nossos irmãos; na escola, com as outras
crianças na nossa classe; no trabalho, com os colegas. Os momentos em que
nos sentimos reconhecidos e estimados são breves. As pessoas podem ser
bastante indiferentes ao que acontece conosco, pois precisam lidar com os
seus próprios problemas. Existem até aqueles que nos são francamente
hostis e desrespeitosos. Como lidar com esses momentos em que nos
sentimos sozinhos sob o aspecto psicológico, ou mesmo abandonados?
Podemos dobrar os esforços para chamar a atenção e sermos notados, mas
isso exaure a nossa energia e, muitas vezes, tem o efeito contrário – aqueles
que se esforçam demais dão ares de desespero e repelem a atenção
desejada. Não podemos simplesmente contar com outros para nos validar
constantemente, mas é por isso que ansiamos.
Enfrentando esse dilema a partir da primeira infância, a maioria de nós
adota uma solução que funciona muito bem: criamos uma identidade, uma
imagem de nós mesmos que nos conforta e nos faz sentir validados por
dentro. Essa identidade é composta de nossos gostos, opiniões, o modo
como vemos o mundo e o que valorizamos. Ao construir essa autoimagem,
tendemos a enfatizar as nossas qualidades positivas e a justificar os nossos
defeitos. Não podemos ir muito longe nisso, pois, se a nossa autoimagem
for distante demais da realidade, as outras pessoas nos mostrarão a
discrepância, e passaremos a duvidar de nós mesmos. No entanto, se o
fizermos da maneira adequada, poderemos ter, ao fim, uma identidade que
seremos capazes de amar e acalentar. A nossa energia se voltará para
dentro. Nós nos tornaremos o centro da nossa atenção. Quando vivenciamos
esses momentos inevitáveis em que nos vemos sozinhos ou pouco
apreciados, poderemos nos retrair para essa entidade e confortar a nós
mesmos. Ao vivermos momentos de dúvida e depressão, o nosso amorpróprio nos erguerá, nos fará sentir dignos e até superiores aos outros. Essa
autoimagem funciona como um termostato, nos ajudando a regular as
nossas dúvidas e inseguranças. Não dependemos mais dos outros
completamente para obter atenção e reconhecimento. Temos autoestima.
Essa ideia talvez pareça estranha. Em geral, consideramos essa
autoimagem como algo absolutamente natural, como o ar que respiramos.
Ela funciona sobre majoritariamente uma base inconsciente. Não sentimos
ou vemos o termostato em operação. A melhor maneira de literalmente
visualizar essa dinâmica é observar aqueles que não têm um senso coerente
de identidade – aos quais chamaremos de narcisistas profundos.
O momento essencial no desenvolvimento da construção de uma
identidade que protegemos e amamos ocorre entre os 2 e 5 anos de idade. À
medida que nos separamos de forma gradativa da mãe, passarmos a encarar
um mundo em que não conseguimos obter uma gratificação imediata.
Também nos tornamos conscientes de que estamos sozinhos mas ainda
somos dependentes dos nossos pais para sobreviver. A nossa resposta é nos
identificarmos com as melhores qualidades deles – a sua força e habilidade
para nos tranquilizar – e incorporarmos essas qualidades em nós mesmos.
Se os nossos pais nos encorajam nos nossos primeiros esforços de
independência, se validam a nossa necessidade de nos sentirmos fortes e
reconhecem as nossas qualidades individuais, a nossa autoimagem se
enraíza, e aos poucos conseguimos construir algo a partir dela. Os
narcisistas profundos têm uma ruptura grave nesse desenvolvimento inicial,
e nunca constroem um senso coerente e realista dessa identidade.
As mães ou pais dos narcisistas profundos talvez sejam narcisistas
também, absorvidos demais em si mesmos para reconhecer o filho, para lhe
encorajar os primeiros esforços de independência. Ou, por outro lado, talvez
sejam superprotetores – envolvidos em demasia na vida da criança,
sufocando-a com sua atenção, isolando-a dos outros e utilizando o
progresso dela como um meio de validar a autoestima deles mesmos. Não
deixam ao filho nenhum espaço para estabelecer a sua identidade. Por trás
de quase todos os narcisistas, encontramos ou abandono ou superproteção.
O resultado é que eles não têm nenhuma identidade na qual se recolher,
nenhum fundamento para a autoestima, e dependem por completo da
atenção que conseguem obter das pessoas para se sentirem vivos e dignos.
Na infância, se esses narcisistas forem extrovertidos, funcionam
razoavelmente bem e até prosperam. Tornam-se mestres em se fazerem
notar e monopolizar a atenção; aparentam ser interessantes e cheios de vida.
Crianças com essas qualidades dão sinal de sucesso social no futuro; no
entanto, sob a superfície, estão se tornando perigosamente viciadas nesses
instantes de atenção que estimulam a fim de se sentirem completas e dignas.
Se forem introvertidas, vão se retrair para uma vida de fantasia, imaginando
para si uma identidade que é bem superior à dos outros. Já que não
receberão de ninguém nenhuma validação dessa autoimagem, sendo esta tão
irreal, também terão momentos de grande dúvida e até de autoaversão. São
deuses ou vermes. Sem uma essência coerente, podem se imaginar como
qualquer um, e assim as suas fantasias continuarão a se alterar à medida que
experimentam novas personalidades.
O pesadelo dos narcisistas profundos costuma chegar aos 20 ou 30 anos.
Não conseguiram desenvolver aquele termostato interno, um senso coeso de
identidade para amar e no qual se apoiar. Os extrovertidos precisam chamar
atenção constantemente a fim de se sentirem vivos e apreciados. Tornam-se
mais dramáticos, exibicionistas e grandiosos, o que acaba sendo cansativo e
até patético. Eles precisam mudar de amigos e de cenário para renovar o seu
público. Os introvertidos tombam mais fundo na sua identidade imaginária.
Desastrados socialmente, mas irradiando superioridade, inclinam-se a
alienar as pessoas, aumentando o seu isolamento perigoso. Em ambos os
casos, drogas, álcool ou qualquer outra forma de vício se tornam uma
muleta necessária para tranquilizá-los nos momentos inevitáveis de dúvida
e depressão.
É possível reconhecer os narcisistas profundos pelos seguintes padrões
de comportamento: sempre que forem insultados ou desafiados, eles não
têm defesa, nada interno para os acalentar ou validar. Em geral, reagem com
uma fúria imensa, uma sede de vingança, e cheios de pretensão à justiça.
Essa é a única maneira que conhecem de aplacar as suas inseguranças. Em
batalhas assim, posicionam-se como a vítima magoada, confundindo os
outros e até angariando simpatia. São irritadiços e sensíveis em demasia.
Levam quase tudo para o lado pessoal. Talvez se tornem bastante
paranoicos e tenham por todos os lados inimigos que possam acusar. Você
verá um olhar impaciente ou distante no rosto deles sempre que falar de
algo que não os envolve de maneira direta de algum modo. Eles mudam de
assunto de imediato para falar de si mesmos, com alguma história ou
anedota para disfarçar sua insegurança por trás disso. Tendem a ataques
virulentos de inveja caso vejam outros obtendo a atenção que imaginam
merecer. É frequente que demonstrem autoconfiança extrema. Isso sempre
os ajuda a ganhar atenção, e acoberta muito bem seu enorme vazio interior e
seu senso fragmentado de identidade. Contudo, tenha cuidado caso essa
autoconfiança algum dia for posta à prova.
No que se refere às pessoas em seu redor, os narcisistas profundos têm
um relacionamento atípico que é difícil de entender. Eles tendem a ver os
outros tal qual uma extensão de si mesmos, o que é conhecido como autoobjetos. As pessoas existem como instrumentos de atenção e validação. O
desejo dos narcisistas é controlá-las da mesma maneira como controlam os
próprios braços e pernas. Num relacionamento, eles aos poucos farão o
parceiro cortar o contato com os amigos, pois não é admissível haver
competição pela atenção.
Alguns narcisistas profundos bem talentosos (veja exemplos nas
histórias a partir da página 77) conseguem encontrar redenção por meio do
trabalho, canalizando as suas energias e conquistando a atenção que
desejam graças às suas realizações, embora tendam a permanecer bastante
erráticos e voláteis. Para a maioria deles, porém, não é fácil se concentrar
no trabalho. Sem o termostato da autoestima, tendem a se preocupar o
tempo todo com o que os outros pensam deles. Isso dificulta que realmente
foquem sua atenção para fora de si por longos períodos de tempo e lidem
com a impaciência e ansiedade que vêm com o trabalho. Esses tipos
costumam mudar de emprego e de carreira com muita frequência. Isso
acaba sendo uma pá de cal sobre eles – incapazes de atrair o
reconhecimento genuíno por causa das suas realizações, são sempre
devolvidos à necessidade de estimular a atenção de modo artificial.
Lidar com narcisistas profundos pode ser irritante e frustrante; também
é possível que se tornem bem nocivos se chegarmos perto demais. Eles nos
enredam nos seus dramas intermináveis e fazem que nos sintamos culpados
se não lhes prestamos atenção constante. Os relacionamentos com eles não
são nada satisfatórios, e ter um como parceiro ou cônjuge pode ser mortal.
No fim, tudo precisa girar em torno deles. A melhor solução nesses casos é
sair do caminho deles, uma vez que os tenhamos identificados como
narcisistas profundos.
Há uma variedade desse tipo, porém, que é mais perigosa e tóxica por
causa dos níveis de poder que ele ou ela conseguem alcançar – o chamado
líder narcisista. (Esse tipo existe há muito tempo. Na Bíblia, Absalão foi
talvez o primeiro exemplo registrado, mas encontramos referências
frequentes a outros na literatura antiga, como Alcibíades, Cícero e o
imperador Nero, para citar alguns.) Quase todos os tipos ditatoriais e
diretores executivos tirânicos se encaixam nessa categoria. Em geral, eles
têm mais ambição do que a maioria dos narcisistas profundos e, por algum
tempo, conseguem canalizar essa energia no trabalho. Cheios de
autoconfiança narcisista, chamam atenção e conquistam seguidores. Dizem
e fazem o que outras pessoas não se atrevem a dizer ou fazer, o que parece
admirável e autêntico. Talvez tenham uma visão para algum produto
inovador e conseguem, já que irradiam tanta autoconfiança, encontrar
pessoas capazes de ajudá-los a concretizar essa visão. São especialistas em
usar os outros.
Caso obtenham sucesso, um impulso terrível é acionado – mais pessoas
são atraídas pela sua liderança, o que apenas infla as suas tendências
grandiosas. Se alguém se atreve a desafiá-los, esses líderes são mais sujeitos
do que outros a partir para aquela profunda raiva narcisista. São
hipersensíveis e gostam de criar dramas constantes como um meio de
justificar o próprio poder; são os únicos capazes de solucionar os problemas
que criam. Isso também lhes dá mais oportunidades de ser o centro das
atenções. O local de trabalho nunca é estável sob a direção deles.
Às vezes, tornam-se empresários, pessoas que fundam um negócio
graças ao seu carisma e à habilidade de atrair seguidores. Podem também
ter talento criativo. Contudo, para muitos desses líderes, a própria
instabilidade e o caos interior acabam sendo espelhados na empresa ou no
grupo que lideram. Não conseguem construir uma estrutura ou organização
coerente. Tudo precisa passar por eles, e têm que controlar a todos, os seus
auto-objetos. Dirão que isso é uma virtude – como ser autêntico e
espontâneo –, quando, na verdade, lhes falta a habilidade de se concentrar e
criar algo sólido. Eles tendem a incinerar e destruir o que criam.
Imaginemos o narcisismo como uma maneira de medir o nível de
autoabsorção, de alto a baixo, como se fosse uma escala. Em determinado
ponto, digamos que abaixo do marco médio na escala, as pessoas entram no
reino do narcisismo profundo. Uma vez que tenham atingido esse ponto na
escala, é muito difícil para elas se reerguerem, pois lhes falta a ferramenta
da autoestima. O narcisista profundo se torna completamente absorto em si
mesmo, quase sempre abaixo do marco médio. Se por um momento
conseguir interagir com quem está ao seu redor, algum comentário ou ação
lhe despertará as inseguranças e ele despencará para as profundezas. As
outras pessoas são instrumentos, a realidade é apenas um reflexo das suas
necessidades e a atenção constante é a sua única forma de sobrevivência.
Acima desse marco médio, em que a maioria de nós reside, está o que
chamaremos de narcisista funcional. Também somos dados à autoabsorção,
mas o que nos impede de cair nas profundezas de nós mesmos é um senso
coerente de identidade que podemos amar e com o qual podemos contar. (É
irônico que a palavra narcisismo tenha passado a significar amor pela
própria identidade, quando, na verdade, os piores narcisistas não têm uma
identidade coesa para amar, o que é a raiz do problema.) Isso cria alguma
flexibilidade interna. Podemos ter momentos mais profundos de narcisismo,
flutuando abaixo do marco médio, em especial quando estamos deprimidos
ou somos desafiados na vida, mas é inevitável que voltemos a nos erguer.
Sem se sentirem inseguros ou magoados o tempo todo, sem precisar sempre
capturar a atenção dos outros, os narcisistas funcionais são capazes de
voltar o foco para fora, para o trabalho e para a construção de
relacionamentos com as pessoas. A nossa tarefa, como estudantes da
natureza humana, é tripla. Em primeiro lugar, precisamos entender bem o
fenômeno do narcisista profundo. Embora sejam minoria, alguns deles
infligem uma quantidade extraordinária de danos ao mundo. Precisamos ser
capazes de distinguir os tipos tóxicos que criam drama e tentam nos
transformar em objetos que sirvam aos seus propósitos. Eles conseguem nos
atrair com a sua energia incomum, mas, se nos deixamos envolver, nos
desembaraçarmos deles pode se tornar um pesadelo. Eles são mestres em
virar o jogo e fazer os outros se sentirem culpados. Os líderes narcisistas
são os mais perigosos de todos, e precisamos resistir à sua atração e
enxergar além da fachada de criatividade aparente. Saber como lidar com os
narcisistas profundos em nossa vida é uma arte importante para todos nós.
Em segundo lugar, devemos ser honestos sobre a nossa natureza e não a
negar. Somos todos narcisistas. Numa conversa, todos nós nos sentimos
ávidos para falar, contar a nossa história, dar a nossa opinião. Gostamos de
pessoas que compartilham as nossas ideias – elas refletem o nosso bom
gosto. Se, por acaso, somos assertivos, vemos a assertividade como uma
qualidade positiva porque é nossa, enquanto aqueles mais tímidos a
considerarão antipática, valorizando as qualidades introspectivas. Somos
todos sujeitos a lisonjas por causa do nosso amor-próprio. Os moralizadores
que tentam se separar e denunciar os narcisistas do mundo de hoje muitas
vezes são os maiores narcisistas de todos. Eles amam ouvir a própria voz
enquanto pregam e fazem acusações. Estamos todos na escala de
autoabsorção. Criar uma identidade que sejamos capazes de amar é um
desenvolvimento saudável, e não deveria haver nenhum estigma atrelado a
isso. Sem a autoestima interior, cairíamos no narcisismo profundo. No
entanto, o nosso objetivo deveria ser ir além do narcisismo funcional; para
isso, precisamos primeiro ser honestos com nós mesmos. Tentar negar a
nossa natureza egocêntrica, tentar fingir que somos, de algum modo, mais
altruístas do que os demais, torna nossa transformação impossível.
Em terceiro lugar – e o que é da maior importância –, precisamos
começar a nos transformar em narcisistas saudáveis. Os narcisistas
saudáveis têm um senso ainda mais forte e flexível de identidades. Eles
tendem a pairar mais perto do topo da escala, recuperam-se mais rápido de
quaisquer mágoas ou insultos, não precisam de tanta validação quanto os
outros e percebem, em algum ponto da vida, que têm limites e defeitos.
Conseguem rir desses defeitos e não levar ofensas leves para o lado pessoal.
De muitas maneiras, ao aceitar o quadro integral de si mesmos, o seu amorpróprio se torna mais real e completo. A partir dessa posição interior mais
forte, os narcisistas saudáveis voltam a atenção para fora com mais
frequência e facilidade. Essa atenção corre em uma de duas direções, e às
vezes em ambas. Na primeira, eles são capazes de direcionar o foco e amor
no trabalho, se tornando grandes artistas, criadores e inventores. Como o
foco externo no trabalho é mais intenso, tendem a ter sucesso nas suas
empreitadas, o que lhes dá a atenção e validação necessárias. Eles têm
momentos de dúvida e insegurança, e os artistas são notórios pela sua
fragilidade, mas o trabalho funciona como uma descarga contínua da
autoabsorção excessiva.
A outra direção que os narcisistas saudáveis tomam é rumo às pessoas,
desenvolvendo poderes empáticos. Imagine a empatia como o reino no topo
extremo da escala e além dela; a absorção completa nos outros. Graças à
nossa própria natureza, nós, como seres humanos, temos habilidades
tremendas para entender os outros de dentro para fora. Na nossa infância,
nos sentíamos ligados por completo à mãe, e conseguíamos lhe perceber
cada ânimo e ler cada uma das suas emoções de forma pré-verbal.
Diferentemente de qualquer outro animal ou primata, também tínhamos a
habilidade de estender isso além da mãe para os que cuidavam de nós e para
aqueles ao nosso redor.
Essa é a forma física da empatia que sentimos até hoje em relação aos
nossos amigos mais íntimos, ao cônjuge ou ao parceiro. Também temos
uma habilidade natural para assumir a perspectiva dos outros, para pensar
como se estivéssemos dentro da mente deles. Esses poderes permanecem
majoritariamente dormentes por causa da nossa autoabsorção. No entanto,
quando chegamos aos 20 anos ou mais, nos sentimos mais autoconfiantes e
começamos a voltar o nosso foco para fora, para as pessoas, e a redescobrir
esses poderes. Quem pratica essa empatia costuma se tornar um exímio
observador social nas artes ou nas ciências, um terapeuta ou um líder do
mais alto grau.
A necessidade de desenvolver essa empatia é maior do que nunca.
Vários estudos têm indicado um aumento gradual nos níveis de
autoabsorção e narcisismo nos jovens desde o fim da década de 1970, com
um pico muito mais elevado desde 2000. Muito disso é atribuível à
tecnologia e à internet. As pessoas simplesmente passam menos tempo em
interações sociais e mais tempo se socializando on-line, o que torna cada
vez mais difícil desenvolver a empatia e aprimorar as habilidades sociais.
Como qualquer habilidade, a empatia surge por meio da qualidade da
atenção. Se a sua atenção é interrompida o tempo todo pela necessidade de
checar o seu celular, você não está de fato conquistando terreno em relação
aos sentimentos ou perspectivas dos outros. Você se retrai de forma
constante em si mesmo, esvoaçando pela superfície das interações sociais,
nunca se envolvendo de verdade. Até numa multidão, você se mantém, em
essência, sozinho. As pessoas surgem para servir uma função – não para
criar laços, mas para apaziguar as suas inseguranças.
O nosso cérebro foi construído para a interação social contínua, cuja
complexidade é um dos principais fatores que levaram ao aumento drástico
da nossa inteligência como espécie. Em certo ponto, nos envolvermos
menos com os outros tem um efeito líquido negativo sobre o próprio
cérebro e atrofia o nosso músculo social. Para piorar tudo, a nossa cultura
tende a enfatizar o valor supremo do indivíduo e dos direitos individuais,
encorajando um egocentrismo ainda maior. Encontramos cada vez mais
pessoas que não conseguem imaginar que os outros tenham uma perspectiva
diferente, que não sejamos todos exatamente iguais naquilo que desejamos
ou pensamos.
Você deve tentar ir contra esses desenvolvimentos e criar uma energia
empática. Cada lado da escala tem o seu impulso peculiar. O narcisismo
profundo tende a afundá-lo mais, à medida que a sua conexão com a
realidade diminui e você perde a capacidade de realmente desenvolver o seu
trabalho ou os seus relacionamentos. A empatia faz o oposto. À medida que
você volta a sua atenção cada vez mais para fora, vai receber um retorno
constante e positivo. As pessoas vão querer estar perto de você com mais
frequência. O seu músculo empático vai se desenvolver; o seu trabalho vai
melhorar. Sem procurar, você vai conquistar a atenção com a qual todos os
seres humanos progridem. A empatia cria o seu próprio ímpeto positivo
para cima.
O que se segue são os quatro componentes pertencentes ao conjunto de
capacidades empáticas.
A atitude empática. A empatia é, acima de tudo, um estado mental,
uma maneira diferente de se relacionar com os outros. O maior perigo que
você enfrenta é a sua suposição geral de que entende de fato as pessoas e
que as consegue julgar e categorizar com rapidez. Em vez disso, precisa
começar com a suposição de que é um ignorante e tem vieses naturais que o
farão formar um conceito sobre os outros de maneira incorreta. Aqueles ao
seu redor apresentam uma máscara que é adequada aos propósitos deles.
Você confunde a máscara com a realidade, deixa de lado a tendência aos
julgamentos instantâneos. Abra a mente para ver as pessoas sob uma nova
luz. Não pressuponha que vocês são semelhantes ou que elas compartilham
os seus valores. Cada indivíduo que encontrar é um país desconhecido, com
uma química psicológica muito específica a ser explorada com cuidado.
Você está mais do que pronto para se surpreender pelo que descobrir. Esse
espírito aberto e flexível é similar à energia criativa – uma disposição de
considerar mais possibilidades e opções. Na verdade, desenvolver a empatia
também vai melhorar os seus poderes criativos.
O melhor lugar para começar essa mudança de atitude é nas suas muitas
conversas diárias. Tente reverter o impulso normal de falar e de dar a sua
opinião, desejando, em vez disso, ouvir o ponto de vista do outro. Você tem
uma curiosidade fantástica nesse aspecto. Interrompa o seu incessante
monólogo interior ao máximo. Dê atenção integral ao outro. O que importa
aqui é a qualidade da sua atenção, de modo que no decorrer da conversa
você seja capaz de espelhar para o seu interlocutor o que ele disse, ou o que
não foi dito, mas que você percebeu mesmo assim. Isso terá um tremendo
efeito sedutor.
Como parte dessa atitude, você dá a outras pessoas o mesmo nível de
indulgência que oferece a si mesmo. Por exemplo, todos temos a tendência
de fazer o seguinte: ao errarmos, atribuímos a falha às circunstâncias que
nos levaram a cometê-la. No entanto, quando isso acontece com os outros,
vemos o erro como uma falha de caráter, algo que lhes fluiu da
personalidade imperfeita. Isso é conhecido como o viés de atribuição, e é
preciso lutar contra ele. Com uma atitude empática, você considera primeiro
as circunstâncias que teriam feito a pessoa agir daquela maneira, dando-lhe
o mesmo benefício da dúvida que você dá a si mesmo.
Por fim, adotar essa atitude depende da qualidade do seu amor-próprio.
Se você se sentir terrivelmente superior aos outros, ou dominado por
inseguranças, os seus momentos de empatia e de concentração nas pessoas
será superficial. O que você precisa é de uma aceitação integral da sua
personalidade, incluindo os defeitos, que você vê com nitidez, mas até ama
e aprecia. Você não é perfeito, não é um anjo. Tem a mesma natureza dos
outros. Com essa atitude, será capaz de rir de si mesmo e ignorar as ofensas.
A partir de uma posição de força e flexibilidade interiores genuínas,
conseguirá direcionar a sua atenção para fora.
Empatia visceral. A empatia é um instrumento da sintonia emocional.
Temos dificuldade em ler ou entender os pensamentos dos outros, mas os
sentimentos e ânimos são muito mais fáceis de captar. Todos somos sujeitos
a perceber as emoções de outra pessoa. Os limites físicos entre nós e os
outros são muito mais permeáveis do que imaginamos. As pessoas afetam
os nossos ânimos o tempo todo. O que você deve fazer é transformar essa
resposta fisiológica em conhecimento. Preste bastante atenção aos ânimos
alheios, indicados pela linguagem corporal e pelos tons de voz. Ao falarem,
os indivíduos demonstram um tom de sentimento que está ou não em
sincronia com o que dizem. Esse tom talvez seja de autoconfiança,
insegurança, autopreservação, arrogância, frustração, júbilo, e se manifesta
de forma física na voz, nos gestos e na postura. A cada encontro, você deve
tentar detectar isso antes mesmo de prestar atenção ao que dizem. Esses
dados serão registrados em você de forma visceral, na sua própria reação
física aos outros. Um tom defensivo da parte deles tenderá a criar um
sentimento semelhante em você.
Um elemento fundamental que o leitor deve tentar compreender são as
intenções das pessoas. Há quase sempre uma emoção por trás de qualquer
intenção, e, além das palavras, você deve se sintonizar com o que o seu
interlocutor quer, com os seus objetivos, que também serão registrados de
maneira física em você, caso preste bastante atenção. Por exemplo, alguém
que você conhece demonstra um interesse súbito e incomum na sua vida,
lhe dá o tipo de atenção que você nunca recebeu antes. Seria isso uma
tentativa verdadeira de conexão ou uma distração, uma maneira de amansá-
lo para que consiga usá-lo para os próprios propósitos? Em vez de se
concentrar nas palavras dele, que demonstram interesse e entusiasmo, volte
o foco para o tom geral do sentimento que estiver captando. Quão atento ele
está ao que você diz? Ele mantém contato visual de forma consistente?
Você tem a sensação de que, apesar de o estar escutando, ele está absorvido
em si mesmo? Se você for o objeto de uma atenção súbita, mas isso não
parecer confiável, é provável que a pessoa queira lhe pedir algo, usá-lo ou
manipulá-lo de algum modo.
Esse tipo de empatia depende, na maior parte, de neurônios espelhos –
aqueles neurônios que disparam no cérebro quando vemos alguém fazer
algo (apanhar um objeto, por exemplo), como se fôssemos nós mesmos
realizando essa ação. Isso nos permite nos imaginar na situação dos outros e
sentirmos como devem se sentir. Há estudos que revelaram que as pessoas
que tiram notas altas em testes de empatia são, em geral, mímicos
excelentes. Quando alguém sorri ou se encolhe de dor, elas tendem a imitar
a expressão de forma inconsciente, o que lhes dá uma impressão do que o
outro está sentindo. Quando vemos alguém sorrindo e de bom humor,
acabamos contagiados por essa ação. Você pode utilizar esse poder de
maneira consciente para tentar penetrar as emoções dos outros, seja
imitando de forma literal as expressões faciais ou invocando lembranças de
experiências similares que despertaram essas emoções. Antes que Alex
Haley começasse a escrever Negras raízes, ele passou algum tempo no
interior escuro de um navio, tentando recriar o horror claustrofóbico
vivenciado pelos escravos. Uma conexão visceral aos sentimentos destes
lhe permitiu se inscrever naquele mundo.
Além disso, espelhar as pessoas em qualquer nível produzirá uma
resposta empática nelas. Isso talvez ocorra num aspecto físico, o que é
conhecido como o efeito camaleão. Aqueles que se conectam de forma
física e emocional numa conversa tendem a imitar os gestos e a postura um
do outro, com ambos cruzando as pernas, por exemplo. Até certo ponto,
você pode fazer isso conscientemente a fim de induzir uma conexão,
imitando alguém de maneira deliberada. De modo semelhante, sorrir e
assentir com a cabeça enquanto seu interlocutor fala vai aprofundar a
conexão. Melhor do que isso, você será capaz de entrar no espírito dele,
absorvendo seu estado de humor profundamente, refletindo-o para aquele
com quem está interagindo. Criará uma sensação de afinidade. O ser
humano anseia em segredo por essa afinidade emocional na vida diária, pois
é tão raro que a obtenha. Ela tem um efeito hipnótico e apela ao narcisismo
das pessoas à medida que você se torna o espelho delas.
Ao praticar esse tipo de empatia, tenha em mente que você precisa
manter um grau de distanciamento. Não se envolva por completo nas
emoções de outros, pois tornaria difícil analisar o que captar e poderia levar
a uma perda de controle que não é saudável. Ademais, fazer isso com muita
intensidade pode produzir um efeito horripilante. O balançar de cabeça, os
sorrisos e o espelhamento em instantes selecionados precisam ser sutis,
quase impossíveis de detectar.
Empatia analítica. A razão pela qual o leitor é capaz de entender os
seus amigos ou parceiro de maneira tão profunda é que você tem bastante
informação sobre os gostos deles, seus valores e histórico familiar. Todos
tivemos a experiência de pensar que conhecíamos alguém, mas, com o
passar do tempo, necessitamos ajustar a nossa impressão original depois de
obtermos mais informações. Desse modo, embora a empatia física seja
extremamente poderosa, precisa ser suplementada pela empatia analítica.
Isso se torna especialmente útil com aqueles aos quais nos sentimos
resistentes e com quem temos dificuldade de nos identificar – seja porque
são muito diferentes de nós ou porque há algo neles que nos repele. Nesses
casos, é natural que recorramos a julgá-los e colocá-los em categorias. Há
pessoas por aí que não valem o esforço – idiotas supremos ou verdadeiros
psicopatas. Entretanto, em se tratando da maioria dos outros que
consideramos difíceis de entender, nós os deveríamos encarar como um
desafio excelente e um modo de aperfeiçoar as nossas capacidades. Como
disse Abraham Lincoln: “Eu não gosto daquele homem. Preciso conhecê-lo
melhor”. A empatia analítica brota, na maior parte do tempo, de conversas e
da coleta de informações que lhes permitirá entrar no espírito dos outros.
Algumas informações são mais valiosas que outras. Por exemplo, você quer
compreender os valores das pessoas – valores que são, em geral,
estabelecidos nos primeiros anos de vida. Os indivíduos muitas vezes
desenvolvem conceitos sobre o que consideram ser forte, sensível, generoso
e fraco com base nos pais e no relacionamento que tinham com eles. Uma
mulher verá um homem chorando como sinal de sensibilidade e se sentirá
atraída por isso, enquanto outra entenderá o gesto como fraco e repulsivo.
Se não compreender os valores dos outros nesse nível, ou se projetar neles
os seus próprios valores, você interpretará errado as reações deles, gerando
conflitos desnecessários.
O seu objetivo, portanto, é juntar o máximo de informações possível
sobre os primeiros anos de vida daqueles que estiver estudando, e sobre o
relacionamento que tinham com os pais e irmãos. Saiba que a relação que
eles têm com a família no presente dirá muito sobre o passado. Tente
observar como reagem diante de figuras em posição de autoridade. Isso o
ajudará a ver até que ponto são rebeldes ou submissos. O gosto deles em
parceiros também diz muito.
Caso se mostrem relutantes a falar, tente fazer perguntas vagas, ou
comece com uma admissão sincera da sua parte a fim de estabelecer
confiança. Em geral, as pessoas adoram falar sobre si mesmas e sobre o
próprio passado, e é bem fácil fazê-las se abrir. Procure por pontos de
estímulo (ver Capítulo 1) que indiquem sinais de sensibilidade extrema. Se
vierem de uma cultura diferente, é ainda mais importante entender essa
cultura a partir da experiência delas. A sua meta, em geral, é descobrir o
que as tornam únicas. O leitor está procurando precisamente pelo que é
diferente de você e dos outros que conhece.
A habilidade empática. Tornar-se empático envolve um processo,
como tudo o mais. A fim de garantir que esteja mesmo fazendo progresso e
aperfeiçoando a sua habilidade de entender as pessoas num nível mais
profundo, você precisa de feedback. Este pode vir de uma destas formas:
direta ou indireta. Na forma direta, você pergunta às pessoas sobre o que
pensam e sentem para saber se adivinhou certo ou não. Isso deve ser feito
com discrição e com base num nível de confiança, mas pode ser uma
medida bem precisa da sua habilidade. Há também a forma indireta – você
sente uma afinidade maior e nota como certas técnicas funcionaram para
você.
Para treinar essa habilidade, tenha vários fatores em mente: quanto
maior o número de pessoas com quem você interagir pessoalmente, melhor
se tornará nisso. E quanto maior for a variedade delas, mais versátil a sua
habilidade será. Além disso, mantenha um senso de fluidez. As suas ideias
sobre os outros nunca devem se consolidar num julgamento. Ao encontrar
alguém, mantenha a sua atenção ativa para ver como seu interlocutor muda
no decorrer da conversa e o efeito que você exerce sobre ele. Viva aquele
momento. Tente ver as pessoas interagindo com outras além de você – os
indivíduos muitas vezes são diferentes dependendo de com quem estão
envolvidos. Procure se concentrar não em categorias, mas no tom do
sentimento e no ânimo em mutação contínua que um indivíduo evoca em
você. À medida que se tornar melhor nisso, vai descobrir cada vez mais
pistas que os outros oferecem sobre a sua psicologia. Você vai perceber
mais. Misture constantemente o visceral com o analítico.
Ver melhoras no seu nível de habilidade o deixará entusiasmado e
motivado a ir mais longe. Em geral, você notará que a jornada da vida se
tornará mais fácil à medida que evitar conflitos e desentendimentos
desnecessários.
O princípio mais profundo da Natureza Humana é o desejo de ser apreciado.
— William James
QUATRO EXEMPLOS DE TIPOS NARCISISTAS
1. O narcisista com controle completo. Ao conhecer Josef Stálin
(1879-1953) na parte inicial da sua administração como primeiro-ministro
da União Soviética, a maioria das pessoas o considerou surpreendentemente
simpático. Embora fosse mais velho do que quase todos os seus
subordinados, ele encorajava qualquer um a tratá-lo pela forma familiar de
“você” em russo. Era completamente acessível até aos funcionários mais
jovens. Ao escutar o que alguém dizia, ele o fazia com tanta intensidade e
interesse, os olhos penetrando o interlocutor. Parecia capaz de captar os
seus pensamentos e dúvidas mais profundas. No entanto, a sua maior
qualidade era fazer as pessoas se sentirem importantes e parte do círculo
interno dos revolucionários. Ele passava o braço em torno do seu
interlocutor e o acompanhava até o escritório dele, sempre terminando o
encontro com um comentário pessoal. Como um jovem escreveu mais tarde,
aqueles que o viam “ansiavam por vê-lo de novo”, pois “ele criava uma
sensação de que havia agora um laço que os unira para sempre”. Às vezes,
tornava-se um pouco distante, o que levava os seus seguidores à loucura.
Então, aquele ânimo passaria, e eles voltavam a se deleitar com a afeição
dele.
Parte do charme de Stálin estava no fato de que ele era o epítome da
revolução. Era um homem do povo, tosco e um pouco rude, mas alguém
com quem o russo típico era capaz de se identificar. E, acima de tudo,
conseguia ser bem divertido. Adorava cantar e contar piadas obscenas. Com
essas qualidades, não era de admirar que, aos poucos, acumulasse poder e
assumisse o controle total da maquinaria soviética. No entanto, à medida
que os anos passaram e o seu poder cresceu, outro lado do seu caráter
aflorou de forma gradativa. A cordialidade aparente não era tão simples
quanto parecia. Talvez o primeiro sinal significativo disso entre os membros
do círculo interno tenha sido o destino de Serguei Kirov, poderoso membro
do Politburo e, desde o suicídio da esposa de Stálin em 1932, seu melhor
amigo e confidente.
Kirov era um homem um tanto simples e entusiástico que fazia amigos
com facilidade e sabia como confortar Stálin. Contudo, começou a se tornar
um pouco popular demais. Em 1934, diversos líderes regionais o abordaram
com uma oferta: cansados do modo brutal com que Stálin tratava os
camponeses, pretendiam instigar um golpe de Estado e queriam torná-lo o
novo primeiro-ministro. Kirov, porém, permaneceu leal e revelou o plano a
Stálin. Este lhe agradeceu profusamente, mas algo mudou nas suas maneiras
em relação a seu subalterno a partir de então, adotando uma frieza que
nunca existira antes.
Kirov entendeu a situação que havia criado, pois revelara a Stálin que
este não era tão popular quanto imaginara, e que uma pessoa em particular
era mais estimada do que ele. Pressentindo o perigo em que estava agora,
tentou de tudo para acalmar as inseguranças de seu superior; em aparições
públicas, mencionava o nome dele mais do que nunca; as suas expressões
de elogio se tornaram mais excessivas. Isso apenas pareceu deixar Stálin
ainda mais desconfiado, como se Kirov estivesse se esforçando demais para
encobrir a verdade. Antes, havia sido um sinal de como os dois eram
próximos que Kirov se atrevesse a rir de Stálin, mas agora este por certo
veria essas piadas sob uma luz diferente. Kirov se sentia aprisionado e
impotente.
Em dezembro de 1934, um atirador solitário assassinou Kirov em frente
ao seu escritório. Embora ninguém conseguisse implicar Stálin de forma
direta, parecia quase certo que a morte tivera a sua aprovação tácita. Nos
anos após o assassinato, muitos de seus amigos íntimos foram presos, um
após o outro, causando a grande purgação dentro do partido durante o fim
da década de 1930, em que centenas de milhares perderam a vida. Quase
todos os seus principais subordinados apanhados pela purgação foram
torturados para que confessassem, e, depois disso, Stálin ouvia com avidez
quando os torturadores lhe contavam do comportamento desesperado dos
que um dia haviam sido seus amigos. Ria dos relatos de como alguns se
ajoelhavam e, chorando, suplicavam por uma audiência com ele para lhe
pedir perdão pelos pecados e que os deixasse viver. Parecia saborear essa
prova de humilhação.
O que aconteceu com ele? O que mudou esse homem que havia sido tão
simpático? Aos seus amigos mais íntimos, ainda demonstrava afeição
inalterada, mas, num instante, era capaz de se voltar contra eles e sentenciá-
los à morte. Outros traços estranhos se tornaram evidentes. Por fora, Stálin
era modesto ao extremo; era o proletariado encarnado. Se alguém sugerisse
que lhe pagassem algum tributo público, reagia com raiva – um homem não
deveria ser o centro de tanta atenção, dizia. No entanto, aos poucos o seu
nome e imagem começaram a aparecer em tudo. O jornal Pravda publicava
histórias sobre o que ele fazia, quase o endeusando. Numa parada militar,
aviões voaram em formação soletrando o nome Stálin. Este negava
qualquer envolvimento nesse culto crescente em torno de si, mas não fazia
nada para impedi-lo.
Era cada vez mais comum que falasse de si mesmo na terceira pessoa,
como se houvesse se tornado uma força revolucionária impessoal, e, como
tal, fosse infalível. Caso pronunciasse errado uma palavra num discurso,
cada um que discursasse a seguir tinha que a pronunciar da mesma maneira.
“Se eu dissesse a palavra certa”, confessou um dos seus principais
comandados, “Stálin sentiria que eu o estava corrigindo”. E isso poderia se
provar um ato suicida.
Quando pareceu certo que Hitler se preparava para invadir a União
Soviética, Stálin começou a supervisionar cada detalhe do esforço de
guerra. Ele repreendia os seus subalternos o tempo todo por abrandarem os
seus esforços: “Eu sou o único lidando com todos esses problemas […].
Estou aqui sozinho”, queixou-se certa vez. Logo muitos dos seus generais
passaram a se sentir num dilema: se dissessem o que pensavam, ele se
sentiria horrivelmente ofendido, mas se acatassem a opinião de Stálin, este
respondia com um ataque de raiva. “De que adianta falar com vocês?”,
berrou ele, um dia, a um grupo de generais. “Não importa o que eu digo,
vocês respondem: ‘Sim, camarada Stálin; é claro, camarada Stálin […],
sábia decisão, camarada Stálin’.” Nessa fúria por se sentir sozinho no
esforço de guerra, ele despediu os generais mais competentes e experientes.
Agora supervisionava todos os detalhes do esforço de guerra, até mesmo o
tamanho e formato das baionetas.
Logo se tornou uma questão de vida ou morte para os comandados de
Stálin conseguir ler com precisão os ânimos e caprichos do líder. Era crucial
nunca o deixar ansioso, o que o tornava perigosamente imprevisível. Era
preciso fitá-lo nos olhos para não dar a impressão de estarem escondendo
algo, mas alguém que o olhasse por tempo demais poderia deixá-lo nervoso
e constrangido, uma mescla muito arriscada. Era preciso tomar notas
quando Stálin falava, mas sem escrever tudo, o que despertaria suspeitas.
Alguns que eram francos com ele se deram bem, enquanto outros acabaram
na prisão. Talvez a resposta fosse saber quando acrescentar um toque de
franqueza, mas acatar o que ele dizia na maior parte do tempo. Entendê-lo
se tornou uma ciência arcana sobre a qual eles discutiam entre si.
O pior destino de todos era ser convidado para jantar e assistir a um
filme no fim da noite na casa dele. Era impossível recusar um convite
desses, que se tornou cada vez mais frequente após a guerra. Por fora, era
tudo como antes – uma fraternidade calorosa e íntima de revolucionários.
Por dentro, porém, era puro terror. Durante as sessões de bebedeira que
duravam a noite inteira (Stálin mandava diluir bastante a sua própria
bebida), ele mantinha um olhar vigilante em todos os seus principais
subalternos. Ele os forçava a beber cada vez mais até perderem o controle.
Em segredo, deliciava-se com os esforços deles para não dizer ou fazer
nada que os incriminasse.
A pior parte vinha ao fim da noite, quando Stálin ligava o gramofone,
colocava alguma música e mandava os homens dançarem. Ele obrigava
Nikita Khrushchov, o futuro primeiro-ministro, a dançar o hopak, uma
dança altamente extenuante que inclui muitos agachamentos e chutes. Era
comum que Khrushchov passasse mal. Aos outros Stálin ordenava que
dançassem juntos músicas lentas enquanto ele sorria e dava enormes risadas
ante a visão de homens adultos dançando como casais. Era a forma
derradeira de controle: o manipulador de marionetes lhes coreografando
todos os movimentos.
Interpretação: O grande enigma que Josef Stálin e o seu tipo
representam é como indivíduos profundamente narcisistas também
conseguem ser tão fascinantes e, por meio do seu encanto, obter influência.
Como é possível que sejam capazes de se conectar com os outros quando é
tão evidente que são obcecados por si mesmos? De que maneira hipnotizam
as pessoas? A resposta está no início das suas carreiras, antes de se
tornarem paranoicos e cruéis.
Pessoas como ele, em geral, têm mais ambição e energia do que o
narcisista profundo típico. Suas inseguranças também tendem a ser ainda
maiores, e a única maneira pela qual conseguem aplacá-las e satisfazer suas
aspirações é obtendo dos outros mais do que a parcela habitual de atenção e
validação – o que só conseguem, de verdade, ao assegurarem para si o
poder social na política ou nos negócios. No início da vida, encontram os
melhores métodos para fazer isso. Assim como a maioria dos narcisistas
profundos, são hipersensíveis a tudo aquilo que interpretem como ofensa, e
examinam muito bem os sentimentos e pensamentos alheios para verificar
se há qualquer sinal de desrespeito. No entanto, o que descobrem é que é
possível direcionar essa sensibilidade às outras pessoas, com o intuito de
avaliar os desejos e inseguranças delas. São capazes de escutar aos outros
com imensa atenção e conseguem simular empatia. A diferença é que, por
dentro, são impelidos não pela necessidade de se conectar, mas, sim, de
controlar e manipular. Eles escutam e sondam seu interlocutor com o
objetivo de encontrar nele uma fraqueza que possam utilizar.
A atenção que demonstram não é completamente falsa, ou isso não daria
certo. Num momento, encontram-se tão próximos de alguém que poderiam
passar o braço em torno dos seus ombros; após isso, porém, controlam esse
sentimento e impedem que se transforme em algo real ou mais profundo. Se
não o fizerem, arriscam perder o controle das próprias emoções e se
sujeitam à possibilidade de serem magoados. Eles o atraem com
demonstrações de atenção e afeto, depois o seduzem mais para perto com a
frieza inevitável que se segue. Será que você fez ou disse algo errado? O
que fazer para reaver a estima deles? O esquema é sutil – como um olhar
que dura um segundo ou dois –, mas tem efeito. É o vaivém clássico da
coquete, que faz você querer vivenciar de novo o afeto que sentiu uma vez.
Em combinação com os níveis altos e atípicos de autoconfiança
demonstrada por esse tipo, o efeito sedutor sobre as pessoas é devastador e
atrai seguidores. Os narcisistas de controle completo estimulam o seu
desejo de se aproximar mais deles, mas se mantêm distantes.
Tudo tem a ver com controle: eles monitoram as próprias emoções, bem
como as suas reações. Em certo ponto, à medida que se sentem mais
seguros do próprio poder, passam a se ressentir do fato de que precisaram
utilizar o jogo do charme para alcançar seu intento. Por que deveriam
prestar atenção aos outros, quando o correto seria o inverso? Assim, é
inevitável que se voltem contra os antigos amigos, revelando sentimentos
que estavam sempre sob a superfície, como a inveja e o ódio. Controlam
quem está por dentro e quem está por fora, quem vive e quem morre. Ao
criar dilemas nos quais nada do que você diz ou faz é capaz de agradar – ou
fazendo isso parecer arbitrário –, eles o aterrorizam com essa insegurança e,
agora, exercem poder sobre as suas emoções.
Em determinado momento, tornam-se microgestores. Em quem mais
poderiam confiar? As pessoas se transformam em seres autômatos,
incapazes de tomar decisões, por isso eles precisam supervisionar tudo. Se
atingirem esses extremos, acabarão destruindo a si mesmos, pois é
impossível livrar o animal humano do livre-arbítrio. Os indivíduos se
rebelam, mesmo os mais intimidados. Nos últimos dias de Stálin, ele sofreu
um derrame, mas nenhum dos seus subordinados se atreveu a ajudá-lo ou a
chamar um médico. Morreu por causa da negligência deles, visto que
haviam passado tanto a temê-lo como a detestá-lo.
É quase inevitável que o leitor encontre alguém assim: chefes e
diretores executivos, figuras políticas e líderes de cultos, por exemplo.
Representam perigo quando primeiro se utilizam do charme que lhes é
característico, mas você conseguirá enxergar através dessa fachada ao
empregar a sua empatia visceral. O interesse que demonstram por você
nunca é profundo e duradouro, seguido de forma inevitável por uma
retração coquete. Se você não se deixar distrair pela tentativa superficial de
charme, vai perceber essa frieza e o grau ao qual a atenção acaba sempre
fluindo para esses narcisistas.
Se examinar o passado deles, vai notar que não têm nenhum
relacionamento profundo e íntimo no qual expõem vulnerabilidade. Procure
por sinais de uma infância conturbada. O pai de Stálin, por exemplo, o
espancava sem piedade e sua mãe era fria e não lhe demonstrava afeição.
Escute bem os que perceberam a verdadeira natureza desses tipos e
tentaram avisar as outras pessoas, como o fez Vladimir Lenin, predecessor
de Stálin, que do seu leito de morte tentou alertar os outros sobre quem este
realmente era, mas ninguém lhe deu ouvidos. Note as expressões
aterrorizadas dos que servem a esses tipos todos os dias. Se você suspeitar
que está lidando com alguém assim, mantenha distância. Eles são como
tigres – uma vez que tenham chegado perto, você não conseguirá escapar e
será, então, devorado.
2. O narcisista teatral. Em 1627, a priora do Convento da Ordem de
Santa Úrsula em Loudun, na França, deu as boas-vindas à nova irmã Jeanne
de Belciel (1602-1665). Jeanne era uma criatura estranha. De estatura
minúscula, tinha um rosto belo e angelical, mas um brilho malicioso no
olhar. No convento em que vivera antes, havia feito muitas inimigas graças
ao seu sarcasmo constante. No entanto, para a surpresa da priora, ao ser
transferida para a nova casa, pareceu passar por uma transformação: agia
como um anjo absoluto, oferecendo-se para ajudar em todas as tarefas
diárias. Além disso, ao receber alguns livros sobre Santa Teresa e
misticismo, aprofundou-se no assunto. Passava longas horas discutindo
questões espirituais com a priora e, em poucos meses, tornou-se a
especialista no convento em teologia mística. Era vista meditando e rezando
por horas, mais do que qualquer outra irmã. No mesmo ano, a priora foi
transferida
para
outro
convento.
Muito
impressionada
com
o
comportamento de Jeanne e ignorando o conselho daquelas que não a viam
com bons olhos, ela a recomendou como sua substituta. De repente, com
apenas 25 anos, Jeanne agora se via como líder das freiras da Ordem de
Santa Úrsula em Loudun.
Diversos meses mais tarde, as irmãs de Loudun passaram a ouvir
histórias muito estranhas sobre Jeanne a respeito de uma série de sonhos
que ela tivera – os quais se tornaram cada vez mais eróticos e violentos –,
nos quais o pároco local, Urbain Grandier, a havia visitado e atacado
fisicamente. Antes disso, a atual priora o convidara para se tornar diretor do
Convento da Ordem, ao que ele recusara com polidez. Os habitantes de
Loudun consideravam-no um sedutor galante de moças. Será que Jeanne
estava apenas se entregando às suas próprias fantasias? Ela era tão pia que
era difícil de acreditar que estivesse inventando tudo aquilo, e os sonhos
pareciam muito reais e extraordinariamente detalhados. Logo após começar
a relatá-los a outras pessoas, diversas irmãs afirmaram ter sonhos similares.
Certo dia, após ouvir uma dessas freiras, o confessor do convento, Canon
Mignon, que como muitos outros detestava Grandier, viu na ocasião uma
oportunidade para se livrar dele. Chamou, então, alguns exorcistas e logo
quase todas as irmãs descreveram visitas noturnas de Grandier. Na visão
desses estava tudo claro: as freiras haviam sido possuídas por demônios sob
o controle de Grandier.
Para a edificação dos cidadãos, Mignon e seus aliados abriram o
exorcismo ao público, que veio de longe a fim de testemunhar as cenas de
grande entretenimento. As freiras rolavam no chão, se contorcendo,
expondo as pernas, gritando obscenidades intermináveis. E Jeanne, de todas
as irmãs, parecia ser a mais possuída. As suas contorções eram mais
violentas, e os demônios que falavam por ela eram mais estridentes em seus
juramentos satânicos. Era uma das possessões mais fortes já vistas, e o
público clamava para assistir ao exorcismo dela mais do que o das outras.
Agora estava evidente para os exorcistas que Grandier, embora este jamais
houvesse posto o pé no convento ou se encontrado com Jeanne, de algum
modo enfeitiçara e corrompera as boas irmãs de Loudun. Logo ele foi preso
e acusado de feitiçaria.
Com base nessas evidências, Grandier foi condenado à morte. Depois de
muita tortura, queimaram-no na fogueira em 18 de agosto de 1634, diante
de uma multidão enorme. Em pouco tempo, a situação toda se acalmou e as
freiras foram livradas de súbito dos demônios – todas, menos Jeanne. Os
demônios não apenas se recusavam a deixá-la, mas ganhavam mais poder
sobre ela. Os jesuítas, ao receber notícias da possessão notória, decidiram
assumir o controle da situação e enviaram o padre Jean-Joseph Surin para
exorcizá-la de uma vez por todas. Este a considerava um espécime
fascinante: era plenamente versada em assuntos relacionados à demonologia
e estava nitidamente desolada com o que acontecera. No entanto, ela não
parecia resistir com força suficiente aos demônios que a habitavam; talvez
houvesse sucumbido à influência deles.
Disso não havia dúvida: Jeanne havia se afeiçoado de maneira especial
a Surin e o mantinha no convento por horas em discussões espirituais. Ela
começou a rezar e meditar com mais energia, e livrou-se de todas as
luxúrias possíveis: dormia no chão duro e derramava uma poção emética de
artemísia sobre a comida. Relatava a Surin o seu progresso e lhe confessou
“que havia chegado tão perto de Deus que dele recebera […] um beijo na
boca”.
Com o auxílio de Surin, diversos demônios fugiram do corpo dela. E
então veio o primeiro milagre de Jeanne: o nome José podia ser lido com
clareza na palma de sua mão esquerda. Quando este sumiu após vários dias,
foi substituído pelo de Jesus, e depois o de Maria, e tantos outros a seguir.
Era um estigma, um sinal da verdadeira graça de Deus. Jeanne adoeceu
gravemente e, parecendo estar à beira da morte, descreveu ter sido visitada
por um jovem anjo lindo com longos cabelos loiros esvoaçantes. Na
sequência, o próprio São José lhe veio e lhe tocou o flanco, onde sentiu
imensa dor, e a ungiu com óleo aromático. Ela se recuperou, e o óleo deixou
uma marca na sua camisola no formato de cinco gotas nítidas. Os demônios
haviam partido agora, para o grande alívio de Surin. A história tinha
terminado, mas Jeanne o surpreendeu com um pedido estranho: ela queria
viajar pela Europa, mostrando esses milagres para todos. Sentia que era o
seu dever fazê-lo. Era um pedido estranhamente contraditório em relação ao
caráter modesto de Jeanne, e um tanto quanto mundano, mas ele concordou
em acompanhá-la.
Em Paris, multidões enormes encheram as ruas ao redor do hotel em
que estava hospedada, querendo captar um vislumbre dela. Jeanne conheceu
o cardeal Richelieu, que se mostrou bastante emocionado e beijou-lhe a
camisola perfumada, agora uma relíquia santa. Ela mostrou o seu estigma
ao rei e à rainha da França, e a viagem prosseguiu. Conheceu grandes
aristocratas e pessoas ilustres da época. Em certa cidade, todos os dias
multidões de 7 mil pessoas entravam no convento em que estava hospedada.
A demanda para ouvir a história de Jeanne era tão intensa que ela decidiu
lançar um panfleto impresso em que descrevia em grande detalhe a sua
possessão, os seus pensamentos mais íntimos e o milagre ocorrido.
Ao morrer, em 1665, a cabeça de Jeanne dos Anjos, como era conhecida
agora, foi decapitada, mumificada e colocada numa caixa de ouro e prata
com janelas de cristal. Permaneceu exposta junto à camisola ungida para
aqueles que a queriam ver, no Convento da Ordem de Santa Úrsula em
Loudun, até desaparecer durante a Revolução Francesa.
Interpretação: Nos primeiros anos, Jeanne de Belciel demonstrou um
apetite insaciável por atenção. Exauriu os pais, que por fim se livraram dela,
mandando-a para um convento em Poitiers, onde ela passou a atormentar as
freiras com seu sarcasmo e incrível ar de superioridade. Ao ser transferida
para Loudun, deu a impressão de ter se decidido por uma abordagem
diferente
para
conquistar
o
reconhecimento
de
que
necessitava
desesperadamente. Após receber livros sobre espiritualidade, resolveu se
tornar melhor do que todas as outras em conhecimento e comportamento
pio. E fez disso um grande espetáculo, conseguindo a boa opinião da priora.
No entanto, ao se tornar líder do convento, Jeanne começou a se sentir
entediada, e a atenção que recebia lhe parecia inadequada. Os sonhos com
Grandier eram um misto de invenção e autossugestão. Assim que os
exorcistas chegaram, ela recebeu um livro sobre demonologia, que leu com
avidez. Conhecendo, então, os vários detalhes da possessão pelo demônio,
representou todos os traços mais dramáticos, que seriam interpretados pelos
exorcistas como sinais puros de possessão. Tornou-se a estrela do
espetáculo público. Quando possuída, ia muito além de todas as outras em
termos de degradação e comportamento obsceno.
A execução horripilante de Grandier afetou profundamente as outras
freiras, que por certo se sentiram culpadas pelo papel que desempenharam
na morte de um homem inocente; Jeanne, por sua vez, considerou a súbita
falta de atenção insuportável, e intensificou a situação ao se recusar a
liberar os demônios. Ela se tornou mestra em sentir a fraqueza e os desejos
ocultos das pessoas em redor – primeiro da priora, depois dos exorcistas, e
agora do padre Surin. Queria tanto ser aquele que a redimiria que acabou
por acreditar no mais simples dos milagres. Quanto ao estigma, alguns
especularam mais tarde que ela gravou aqueles nomes com ácido ou que os
traçou com amido colorido. Era estranho que aparecessem somente na mão
esquerda, local de fácil escrita para ela. Sabe-se que, em casos de histeria
extrema, a pele se torna particularmente sensível, e uma unha seria capaz de
realizar o truque. Graças à sua longa experiência criando remédios à base de
ervas, ela mesma poderia ter aplicado gotas perfumadas no local e, uma vez
que as pessoas acreditassem no estigma, duvidar de sua unção não teria sido
tarefa fácil.
Surin não acreditava ser necessária uma viagem daquelas, e, àquela
altura, Jeanne já não conseguia disfarçar o seu verdadeiro apetite por
atenção. Anos mais tarde, ela escreveu uma autobiografia em que admitiu
que a sua personalidade tinha um lado completamente teatral, afirmando
que interpretava um papel o tempo todo, porém sustentando que o milagre
final fora sincero e real. Muitas das irmãs que lidavam com ela no dia a dia
enxergaram por trás dessa fachada e a descreviam como uma excelente
atriz, viciada em atenção e fama.
Um dos estranhos paradoxos sobre o narcisismo profundo é que, muitas
vezes, ele não é notado por outros até que o comportamento se torne
extremado demais para se ignorar. O motivo disso é simples: os narcisistas
profundos são mestres do disfarce. Conseguem logo perceber que, se
revelassem a sua verdadeira identidade – a necessidade de atenção
constante e de se sentirem superiores –, repeliriam as pessoas. Eles utilizam
a falta de uma identidade coerente como vantagem, são capazes de
interpretar muitos papéis e disfarçam a necessidade de atenção por meio de
vários dispositivos dramáticos. E podem ir mais longe do que qualquer um
em termos de se mostrarem morais e altruístas. Nunca fazem doações ou
apoiam a causa certa simplesmente – fazem disso um espetáculo. Quem
quer duvidar da sinceridade dessa demonstração de moralidade? Ou, então,
seguem na direção oposta, deleitando-se na condição de vítima, como
alguém sofrendo nas mãos dos outros ou negligenciado pelo mundo. É fácil
se deixar capturar pelo drama do momento, apenas para sofrer mais tarde
quando esses tipos o consumirem com as suas necessidades ou o usarem
para os próprios propósitos. Eles jogam com a sua empatia.
A sua única solução é ver por trás do truque, reconhecê-los pelo fato de
que o holofote parece estar sempre sobre eles. Note como são sempre
superiores em sua suposta bondade, sofrimento ou esqualidez. Veja o drama
contínuo e a qualidade teatral dos seus gestos. Tudo o que fazem ou dizem é
para o consumo público. Não se transforme em dano colateral do drama
deles.
3. O casal narcisista. Em 1862, muitos dias antes de Leon Tolstói,
então com 32 anos, se casar com Sofia Behrs (na época, com apenas 18
anos), ele decidiu de forma repentina que não haveria mais segredos entre
os dois. Como parte disso, entregou-lhe os seus diários e, para a sua
surpresa, o que ela leu a fez chorar e a enfureceu. Naquelas páginas, Tolstói
registrara seus muitos casos amorosos, inclusive a paixão que persistia por
uma camponesa que vivia por perto, com quem tivera um filho. Também
havia escrito sobre os bordéis que frequentava, a gonorreia que contraíra e o
hábito constante de jogar. Sua esposa sentiu, ao mesmo tempo, ciúme e
desgosto intensos. Por que a fez ler aquilo? Ela o acusou de ter dúvidas
sobre o casamento, de não a amar de verdade. Espantado com essa reação,
ele a incriminou do mesmo. Queria compartilhar com Sofia os seus velhos
hábitos, de forma que ela entendesse que os estava abandonando de bom
grado em prol de uma vida nova com a parceira. Por que lhe censurava a
tentativa de honestidade? Era evidente que não o amava tanto quanto ele
havia imaginado. Por que era tão doloroso para ela dizer adeus aos
familiares antes do casamento? Amava-os mais do que a ele? O casal
conseguiu se reconciliar e o matrimônio foi realizado, mas um padrão se
estabeleceu, e assim continuaria por 48 anos.
Para Sofia, apesar das discussões frequentes, o casamento acabou se
assentando num ritmo relativamente confortável e ela se tornou a assistente
mais confiável de Trótski. Além de dar à luz oito filhos em doze anos, cinco
dos quais sobreviveram, copiou, com muito cuidado, os livros do marido,
inclusive Guerra e Paz e Anna Kariênina, e administrava boa parte dos
negócios relacionados à publicação de suas obras. Tudo parecia estar indo
bem o bastante – ele era um homem rico, graças tanto às propriedades que
herdara da família quanto às vendas de livros. Tinha uma família grande
que o amava. Era famoso. No entanto, de repente, aos 50 anos de idade,
passou a se sentir imensamente infeliz e envergonhado dos trabalhos que
havia escrito. Não sabia mais quem era. Passava por uma crise espiritual
profunda, e sentia que a Igreja Ortodoxa era rígida e dogmática demais para
ajudá-lo. A sua vida precisava mudar. Não escreveria mais nenhum
romance, e viveria, a partir de então, como um camponês. Doaria todas as
suas propriedades e renunciaria a todos os direitos dos seus livros. E pediu à
família que se juntasse a ele nessa nova vida devotada a ajudar os outros e a
questões espirituais.
Para a sua consternação, a família, a começar por Sofia, reagiu com
raiva. Ele estava lhes pedindo para desistir do seu estilo de vida, confortos e
da futura herança dos filhos. Sofia não sentia a necessidade de uma
mudança drástica no estilo de vida deles, e se ressentiu das acusações de
que ela era, de algum modo, diabólica e materialista por resistir à proposta.
Brigaram e brigaram, e nenhum dos dois arredava o pé. Agora, quando
olhava para a esposa, via apenas alguém que o usava para ter fama e
dinheiro. Era evidente que foi por isso que ela se casara com ele. E quando
Sofia olhava para Tolstói, via um supremo hipócrita. Embora tivesse
desistido dos direitos às suas propriedades, continuava a viver como um
aristocrata e lhe pedia dinheiro para sustentar os hábitos. Vestia-se de
camponês, mas, caso adoecesse, viajava de trem até o sul, num vagão
particular de luxo, a fim de convalescer num casarão. E continuava
engravidando-a, apesar do novo voto de celibato.
Tolstói ansiava por uma vida simples e espiritual, e Sofia agora era o
principal obstáculo para isso. Considerando opressiva a presença dela na
casa, ele lhe escreveu uma carta que terminava dizendo: “Você atribui o que
aconteceu a tudo menos a um fator, que você é a causa inconsciente e não
propositada do meu sofrimento. Uma luta até a morte transcorre entre nós”.
Inspirado pela amargura crescente que sentia pelo materialismo da esposa,
Tolstói escreveu a novela A Sonata a Kreutzer, nitidamente baseada no
casamento deles e descrevendo-a da pior maneira. Sofia passou a se sentir
como se estivesse enlouquecendo. Por fim, em 1894, ela explodiu. Imitando
um personagem de uma das histórias de Tolstói, decidiu cometer suicídio
caminhando na neve e congelando até a morte. Um membro da família a
encontrou e a levou de volta para casa. A mulher repetiu a tentativa duas
outras vezes, e os resultados foram os mesmos.
Então, o padrão se tornou mais nítido e violento. Tolstói a provocava;
ela fazia algo desesperado; Tolstói sentia remorsos por sua frieza e lhe
implorava perdão. Ele cedia em algumas questões, por exemplo, permitindo
à família manter os direitos autorais dos seus primeiros livros. Então, algum
novo comportamento da parte dela o levaria a se arrepender disso. Sofia
tentava o tempo todo jogar os filhos contra o pai. Sabia do conteúdo de
todos os diários dele, e se o marido os escondia ela os encontrava de algum
modo e os lia em segredo. Observava todos os seus movimentos. Ele a
repreendia violentamente por se intrometer, às vezes adoecendo no
processo, o que a levava a se arrepender das suas ações. O que os mantinha
juntos? Cada um desejava a aceitação e o amor do outro, mas parecia
impossível esperar por isso àquela altura.
Depois de anos sofrendo, ao fim de outubro de 1910, Tolstói decidiu dar
um basta naquela situação: no meio da noite, determinado a deixar Sofia
definitivamente, fugiu de casa com um amigo médico que o acompanhava.
Tremeu durante todo o trajeto, aterrorizado com a ideia de ser surpreendido
e alcançado pela esposa, mas por fim embarcou num trem e escapou dela.
Ao receber a notícia, Sofia tentou o suicídio mais uma vez, se jogando num
lago próximo, apenas para ser resgatada bem a tempo. Escreveu a Tolstói
uma carta, lhe implorando que voltasse. Sim, ela mudaria de atitude.
Renunciaria a todos os luxos e se tornaria mais espiritual, amando-o
incondicionalmente. Não era capaz de viver sem ele.
Para Tolstói, o gostinho de liberdade durou pouco. Os jornais se
encheram de relatos sobre como fugira da esposa. Onde quer que o trem
parasse, repórteres, fãs devotados e curiosos o abordavam. Ele não
aguentou as condições do trem, que viajava lotado, e do frio congelante. Em
pouco tempo, ficou mortalmente enfermo e teve que ser carregado para o
chalé do chefe de uma das estações, junto aos trilhos do trem, numa aldeia
remota. Na cama, tornou-se evidente que estava morrendo. Soube que Sofia
havia chegado à cidade, mas não conseguia suportar a ideia de vê-la. A
família a manteve do lado de fora, enquanto ela continuava a espiá-lo pela
janela ao passo que ele morria. Por fim, quando perdeu a consciência,
permitiram que a esposa entrasse. Sofia se ajoelhou ao lado do marido,
beijou-o várias vezes na testa, e lhe sussurrou ao ouvido: “Perdoe-me. Por
favor, me perdoe”. O homem morreu pouco tempo depois. Um mês mais
tarde, um visitante à casa de Tolstói relatou ter ouvido as seguintes palavras
de Sofia: “O que aconteceu comigo? O que deu em mim? Como pude fazer
isso? […] Você sabe que eu o matei”.
Interpretação: Leon Tolstói demonstrava todos os sinais de ser um
narcisista profundo. A mãe havia morrido quando ele tinha 2 anos,
deixando um vazio gigante no filho, que este nunca conseguiu preencher,
embora tentasse fazê-lo com os seus inúmeros casos amorosos. Na
juventude, comportava-se de forma imprudente, como se isso, de algum
modo, pudesse fazê-lo se sentir vivo e completo. Tinha um desgosto
contínuo por si mesmo e não conseguia entender bem quem era. Derramou
essa incerteza nos romances que escreveu, assumindo papéis diferentes nos
personagens que criava. E, ao chegar aos 50 anos, caiu por fim numa crise
profunda em relação à sua identidade fragmentada. A própria Sofia tinha
notas altas na escala de autoabsorção. Contudo, ao observarmos as pessoas,
tendemos a enfatizar excessivamente os traços individuais delas e não olhar
para o quadro mais complexo, de como cada lado de um relacionamento
molda o outro de forma contínua. Um relacionamento tem vida e
personalidade próprias, e também pode ser profundamente narcisista,
acentuando ou até invocando as tendências narcisistas de ambos os lados.
O que torna um relacionamento narcisista em geral é a falta de empatia,
que faz os parceiros recuarem cada vez mais para as próprias posições
defensivas. No caso dos Tolstói, isso começou logo a princípio, com a
leitura do diário dele. Cada lado tinha valores divergentes pelos quais
enxergavam o outro. Para Sofia, criada numa casa convencional, aquele era
o ato de um homem que por certo se arrependia de lhe propor casamento;
para Tolstói, o artista iconoclasta, a reação dela significava que a esposa era
incapaz de lhe ver a alma, de tentar entender o desejo dele por uma nova
vida de casado. Eles se interpretaram errado, e acabaram em posições
enrijecidas que duraram 48 anos.
A crise espiritual de Tolstói representou o epítome dessa dinâmica
narcisista. Quem dera que, naquele momento, cada um deles tivesse tentado
ver essa ação pelos olhos do outro. Tolstói teria sido capaz de prever com
clareza a reação da esposa. Ela havia passado a vida toda em conforto
relativo, o que a ajudou a suportar as gravidezes frequentes e a criar tantos
filhos. Sofia nunca havia sido muito espiritual. A conexão entre os dois
havia sido sempre mais pelo aspecto físico. Por que o marido deveria
esperar que ela mudasse de repente? As exigências dele eram quase sádicas.
Tolstói poderia ter simplesmente explicado o seu lado sem exigir que Sofia
o seguisse, expressando até o entendimento da posição e das necessidades
dela. Isso teria revelado uma verdadeira espiritualidade por parte dele. E
ela, em vez de se concentrar apenas na hipocrisia do marido, poderia ter
visto um homem visivelmente infeliz consigo mesmo, alguém que nunca se
sentira amado o bastante desde a infância, e que passava por uma legítima
crise pessoal. Poderia ter lhe oferecido amor e apoio em relação a essa nova
vida, ao mesmo tempo recusando com gentileza o convite de segui-lo em
todo o resto.
Utilizar-se da empatia tem o efeito contrário ao narcisismo mútuo.
Quando uma das partes a utiliza, isso tende a acalmar o outro, instando-o a
ser empático também. É difícil permanecer numa posição defensiva quando
a outra pessoa enxerga e expressa o seu lado da questão e entra no seu
espírito. Esse ato instiga a fazer o mesmo. Em segredo, desejamos
abandonar a nossa posição de resistência. É exaustivo nos manter sempre
desconfiados e na defensiva.
A chave para empregar a empatia em um relacionamento é entender o
sistema de valores daquele com quem se está, que é, inevitavelmente,
diferente do seu. O que o outro interpreta como sinais de amor ou atenção
ou generosidade tende a divergir da sua maneira de pensar. Esses sistemas
de valores são formados em grande parte na primeira infância, e não são
criados conscientemente pelos seres humanos. Ter em mente o sistema de
valores da outra pessoa lhe permitirá captar o espírito e a perspectiva dela,
bem no momento em que você normalmente se colocaria na defensiva.
Desse modo, é possível convencer até os narcisistas profundos a se
soltarem, já que esse tipo de atenção é tão raro. Meça todos os seus
relacionamentos pela escala do narcisismo. Não é um indivíduo ou outro
que precisa mudar, mas a dinâmica em si.
4. O narcisista saudável, leitor de ânimos. Em outubro de 1915, o
grande explorador inglês Sir Ernest Henry Shackleton (1874-1922) deu
ordens para que a tripulação abandonasse o navio Endurance, preso havia
oito meses a uma banquisa na Antártica, e no qual a água começava a
entrar. Para Shackleton, isso significava, essencialmente, desistir do seu
grande sonho de liderar os seus homens na primeira travessia por terra do
continente antártico. Era para ser o apogeu da sua ilustre carreira como
explorador, mas agora uma responsabilidade muito maior lhe pesava na
mente – levar, de algum modo, 27 homens de volta para casa. A vida de
cada um deles dependia das decisões diárias de Shackleton.
Para atingir esse objetivo, ele enfrentou muitos obstáculos: o inverno
impiedoso que se aproximava, as correntezas que poderiam levar o bloco de
gelo flutuante sobre o qual acampariam a qualquer direção, os dias sem
nenhuma luz que se seguiriam, o suprimento de comida em declínio, a falta
de qualquer contato por rádio ou de um navio para transportá-los. No
entanto, o maior perigo de todos, aquele que mais o aterrorizava, era o
estado de espírito da tripulação. Bastaria alguns descontentes para espalhar
o ressentimento e a negatividade; logo, os homens não trabalhariam com
tanto afinco; passariam a ignorá-lo e a perder a fé na sua liderança. Uma
vez que isso acontecesse, seria cada um por si, e, naquele clima, isso
significaria, sem dúvida, desastres e mortes. Shackleton precisaria
monitorar os ânimos do grupo ainda mais de perto do que as mudanças
climáticas.
A primeira ação necessária era se antecipar ao problema e contagiar a
tripulação com o ânimo apropriado. Tudo partia do líder. Ele teria que
ocultar todas as suas dúvidas e temores. Na primeira manhã na banquisa,
levantou-se antes de todos e preparou uma quantidade abundante de chá
quente. Ao servir a bebida pessoalmente aos homens, Shackleton percebeu
que estes o observavam em busca de sinais de como deveriam se sentir a
respeito do problema que enfrentavam, por isso manteve os ânimos para
cima, oferecendo algum humor sobre o novo lar deles e a escuridão que se
aproximava. Não era a hora certa para discutir sobre como sair daquela
encrenca. Isso os teria deixado nervosos demais. Shackleton não verbalizou
o seu otimismo sobre as chances que tinham, mas fez a tripulação perceber
esse otimismo nas suas maneiras e linguagem corporal, mesmo que
precisasse fingir.
Todos sabiam que estariam presos ali durante o inverno que se
aproximava. O que precisavam era de distrações, algo com o que ocupar a
mente e manter o espírito elevado. Com esse propósito, todos os dias
Shackleton escrevia uma lista de tarefas estabelecendo quem faria o quê.
Ele tentava variar o máximo possível, alternando os homens em diversos
grupos e garantindo que eles nunca executassem a mesma tarefa com muita
frequência. Todos os dias havia um objetivo simples a ser atingido –
pinguins ou focas para caçar, mais materiais do navio para carregar para as
tendas, a construção de um acampamento melhor. À noite, eles se sentavam
em torno da fogueira, sentindo que haviam realizado algo que tornaria a
vida deles mais fácil.
Com o passar dos dias, Shackleton desenvolveu uma sintonia cada vez
mais apurada das alterações nos ânimos da tripulação. Ao redor da fogueira,
ia até cada um dos homens para conversar. Com os cientistas ele discutia
ciência; com os tipos mais interessados em arte, falava dos seus poetas e
compositores prediletos. Entrava no mesmo estado de espírito deles e
prestava atenção especial a quaisquer problemas que estivessem tendo. O
cozinheiro parecia aflito com o fato de ter que matar o gato de estimação;
não tinham mais comida para alimentá-lo. Shackleton se ofereceu para fazêlo no lugar. Era evidente que o médico de bordo estava tendo dificuldades
com o trabalho árduo; à noite, comia devagar e suspirava com o cansaço;
seus ânimos declinavam a cada dia. Sem deixá-lo sentir que estava fugindo
do trabalho, Shackleton mudou a lista de tarefas para lhe designar
obrigações mais leves, mas de igual importância.
E logo reconheceu alguns elos fracos no grupo. O primeiro era Frank
Hurley, o fotógrafo do navio. Apresentava-se bem na sua função e nunca se
queixava de cumprir outras tarefas, mas era um homem que precisava se
sentir importante. Tinha um quê de esnobismo. Assim, nos primeiros dias
na banquisa, Shackleton fez questão de lhe pedir opinião sobre todos os
assuntos significativos, como o armazenamento de comida, e de lhe fazer
elogios e às suas ideias. Além disso, determinou que Hurley dormiria na sua
tenda, o que o fez se sentir mais importante do que os outros, e também
tornou mais fácil para Shackleton ficar de olho nele. Huberht Hudson, o
navegador, se revelou ser muito egocêntrico e péssimo em escutar os outros.
Precisava de atenção constante. Shackleton conversou com ele mais do que
com qualquer um, e também o colocou na sua própria tenda. Quando havia
outros que suspeitasse de apresentarem um descontentamento latente,
espalhava-os em tendas diferentes, diluindo o poder de influência deles.
À medida que o inverno se intensificava, ele dobrou a atenção. Em
certos momentos, sentia o tédio dos homens na maneira como andavam, em
como falavam cada vez menos entre si. Para combater isso, organizou
eventos esportivos no gelo durante os dias sem sol, e entretenimento à noite
– música, brincadeiras, histórias. Todos os feriados eram obedecidos à risca,
com uma grande festa. De algum modo, os dias intermináveis à deriva se
enchiam de pontos altos, e logo começou a notar algo impressionante: a
tripulação se mostrava alegre de fato, e até parecia apreciar os desafios da
vida na banquisa à deriva.
Em determinado momento, o bloco de gelo em que estavam se tornou
perigosamente pequeno, e Shackleton deu ordens para que a tripulação
embarcasse nos três pequenos botes salva-vidas que haviam resgatado do
Endurance. Precisavam rumar para terra. Ele manteve os botes unidos e,
desafiando as águas turbulentas, todos conseguiram chegar à terra próxima
da Ilha Elefante, onde encontraram um trecho estreito de praia. Ao
examinar o local naquele dia, tornou-se evidente que as condições lá eram,
em certos aspectos, piores do que haviam sido na banquisa. Corriam contra
o tempo. Naquele mesmo dia, Shackleton ordenou que um dos botes fosse
preparado para uma tentativa de risco extremo de alcançar a área mais
acessível e habitada na região – a ilha chamada Geórgia do Sul, cerca de
1.290 quilômetros a nordeste. As chances de atracarem lá eram ínfimas,
mas os homens não sobreviveriam por muito tempo na Ilha Elefante, por
causa da exposição ao mar e da falta de animais com os quais se alimentar.
Shackleton teve que escolher com cuidado os cinco outros homens,
além de si mesmo, que iriam a essa viagem. Um deles, Harry McNeish, era
uma escolha muito estranha. Tratava-se do carpinteiro do navio e membro
mais velho da tripulação, com 57 anos. Era ranzinza e não apreciava
trabalhos árduos. A jornada seria extremamente difícil dentro do pequeno
bote, mas Shackleton tinha muito receio de deixá-lo para trás. Ele
encarregou McNeish de preparar o bote para a viagem, tarefa que o faria se
sentir pessoalmente responsável pela segurança do bote; além disso, durante
a viagem, teria a mente ocupada o tempo todo com a manutenção da
navegabilidade da embarcação.
Em determinado momento, Shackleton notou que os ânimos de
McNeish se deterioravam, e que este parou de remar de repente. Shackleton
pressentiu o perigo – caso gritasse com McNeish e lhe ordenasse prosseguir
com sua tarefa, era provável que este se tornasse ainda mais recalcitrante, e
com tão poucos homens aglomerados por tantas semanas e com tão pouca
comida a situação se tornaria insustentável. Improvisando de imediato,
parou o bote e deu ordens para que leite quente fosse servido a todos. Disse
que estavam cansados, inclusive ele, e que precisavam levantar os ânimos.
McNeish foi poupado do embaraço de ser exposto e, pelo resto da jornada,
Shackleton repetiu esse truque quantas vezes foram necessárias.
A alguns quilômetros do destino, uma tempestade súbita os forçou para
trás. Enquanto procuravam desesperadamente por outro jeito de chegar à
ilha, um pequeno pássaro pairou sobre eles, tentando pousar no barco.
Shackleton se esforçou para manter a compostura mas, de repente, perdeu a
paciência, levantando-se e imprecando contra a ave, balançando
violentamente os braços na direção dela. Quase de imediato, sentiu-se
envergonhado e voltou a se sentar. Por quinze meses ele abafara todas as
suas frustrações pelo bem da tripulação e para manter os ânimos. Havia
estabelecido o tom de conduta. Agora não era hora de dar para trás. Minutos
mais tarde, fez uma piada zombando de si mesmo, e prometeu mentalmente
nunca repetir aquela atitude, não importando a pressão.
Depois de uma viagem por algumas das piores condições oceânicas do
mundo, o minúsculo bote chegou enfim à Geórgia do Sul e, muitos meses
mais tarde, com a ajuda de baleeiros que trabalhavam lá, todos os
tripulantes que restavam na Ilha Elefante foram resgatados. Considerando
as probabilidades contrárias a eles, o clima, o terreno impossível, os botes
minúsculos e os recursos escassos, essa é uma das histórias de
sobrevivência mais impressionantes conhecidas. Aos poucos a notícia se
espalhou sobre o papel que a liderança de Shackleton desempenhara nisso
tudo. Como o explorador Sir Edmund Hillary resumiria mais tarde: “Para
uma liderança científica, dê-me Scott; para uma viagem rápida e eficiente,
Amundsen; mas quando estiver numa situação sem esperanças, quando
parecer não haver nenhuma saída, ajoelhe-se e reze por Shackleton”.
Interpretação: Quando Shackleton se viu responsável pela vida de
tantos homens em circunstâncias tão desesperadas, percebeu o que
representaria a diferença entre a vida e a morte: a atitude da tripulação. Isso
não é algo visível. Raramente se discute ou analisa o tema em livros. Não
há manuais de treinamento sobre o assunto. No entanto, era o fator mais
importante de todos. Uma leve depressão nos seus ânimos, algumas
rachaduras na união, e se tornaria difícil demais tomar as decisões certas
sob tamanha pressão. Uma tentativa de sair da banquisa, motivada pela
impaciência e pela intimidação de alguns, causaria a morte. Em essência,
Shackleton foi lançado de volta à sua condição mais elementar e primordial
do animal humano – um grupo em perigo, em que uns dependem dos outros
para sobreviver. Foi em circunstâncias assim que os nossos ancestrais mais
distantes desenvolveram habilidades sociais superiores, como a de
interpretar os ânimos e a mente dos outros, e de cooperar. E o próprio
Shackleton, nos meses sem sol na banquisa, descobriria essas habilidades
empáticas antigas que estão dormentes em todos nós, porque necessitava
delas.
A maneira como Shackleton realizou essa tarefa serve de modelo para
todos nós. Em primeiro lugar, ele entendeu o papel fundamental que a sua
própria atitude desempenharia nisso. O líder contagia o grupo com a sua
conduta. Muito disso ocorre no nível não verbal, à medida que as pessoas
percebem a linguagem corporal e o tom de voz dele. Shackleton se imbuiu
com um ar de otimismo e autoconfiança completos, e observou como isso
contagiou o espírito dos homens.
Em segundo lugar, ele teve que dividir a atenção de forma quase igual
entre os indivíduos e o grupo. Deste último, monitorava os níveis de
conversa nas refeições, a quantidade de imprecações que ouvia durante o
trabalho, a rapidez com que os espíritos se elevavam quando algum
entretenimento começava. E lia o estado emocional de cada homem em
particular, com base no tom de voz, na rapidez com que comia, na lentidão
com que se levantava da cama. Caso notasse algum ânimo em especial,
tentava prever o que os homens fariam, colocando-se no mesmo estado de
espírito. Shackleton procurava por sinais de frustração ou insegurança nas
palavras ou gestos dos tripulantes. Precisava tratar cada um de maneira
diferente, dependendo da sua psicologia específica. Também tinha de
ajustar as suas interpretações o tempo todo, pois os ânimos se alteravam
com rapidez.
Em terceiro lugar, ao detectar quaisquer quedas nos ânimos ou
negatividade, ele precisava ser gentil. Broncas só deixariam os homens
envergonhados e se sentindo expostos, o que levaria a efeitos contagiosos
mais tarde. Era melhor conversar com eles, entrar no mesmo estado de
espírito, e descobrir maneiras indiretas de ou elevar os ânimos ou isolar os
homens sem que isso fosse notado. Com a prática, Shackleton percebeu que
se tornava cada vez melhor naquilo. Com um olhar rápido de manhã, quase
conseguia prever como os homens agiriam durante todo o dia. Alguns
membros da tripulação acreditavam que ele tinha poderes psíquicos.
Entenda: o que nos faz desenvolver esses poderes empáticos é a
necessidade. Caso sintamos que a nossa sobrevivência depende de
medirmos bem os ânimos e opiniões dos outros, encontraremos o foco
necessário e teremos acesso a esses poderes. Em geral, não sentimos a
necessidade disso. Imaginamos que entendemos muito bem as pessoas com
quem lidamos. A vida pode ser hostil, e temos muitas outras tarefas a
cumprir. Somos preguiçosos e preferimos confiar em julgamentos préprontos. No entanto, essa é sim uma questão de vida ou morte, e o nosso
sucesso depende do desenvolvimento dessas habilidades. Apenas não temos
consciência disso, pois não vemos a conexão entre os nossos problemas e o
modo como estamos sempre interpretando errado os ânimos e intenções dos
outros, nem as incontáveis oportunidades desperdiçadas que se acumulam
por causa disso.
O primeiro passo, portanto, é o mais importante: compreender que você
tem uma ferramenta social impressionante que não está cultivando. A
melhor maneira de ver isso é experimentá-la. Interrompa o seu incessante
monólogo interior e preste mais atenção ao redor. Sintonize-se com as
alterações de ânimos dos indivíduos e do grupo. Obtenha uma leitura da
psicologia específica de cada um e do que a motiva. Tente ver a partir da
perspectiva da outra pessoa, compreender o mundo e o sistema de valores
dela. De repente, você vai tomar consciência de um mundo inteiro de
comportamento não verbal que você nunca soube que existia, como se os
seus olhos agora fossem capazes de ver a luz ultravioleta. Uma vez que
perceba esse poder, vai sentir a sua importância e despertar para novas
possibilidades sociais.
Eu não pergunto ao indivíduo ferido como ele se sente […]. Eu mesmo me torno a
pessoa ferida.
— Walt Whitman
3
Veja por trás das máscaras das pessoas
A Lei da Dramatização
As pessoas tendem a usar a máscara que as mostra da melhor maneira
possível – humildes, autoconfiantes, aplicadas. Elas dizem as coisas certas,
sorriem, e parecem interessadas nas nossas ideias. Aprendem a esconder as
inseguranças e a inveja. Se tomamos essas aparências como realidade,
nunca conheceremos os seus verdadeiros sentimentos, e, de vez em quando,
seremos pegos de surpresa se, de súbito, demonstrarem resistência,
hostilidade e ações manipuladoras. Felizmente, a máscara tem rachaduras.
Os indivíduos deixam vazar os seus sentimentos e desejos inconscientes o
tempo todo, em sinais não verbais que não conseguem controlar por
completo – expressões faciais, inflexões vocais, tensão no corpo e gestos
nervosos. Você precisa dominar essa linguagem, transformando-se num
leitor habilidoso de homens e mulheres. Armado com esse conhecimento,
vai conseguir tomar medidas defensivas. Por outro lado, como é pelas
aparências que os outros vão julgá-lo, você precisa aprender como
apresentar a melhor fachada e desempenhar o seu papel com eficiência
máxima.
A SEGUNDA LINGUAGEM
Em certa manhã de agosto de 1919, Milton Erickson, então com 17 anos
de idade, futuro pioneiro da hipnoterapia e um dos psicólogos mais
influentes do século 20, acordou e descobriu, de súbito, que partes do seu
corpo estavam paralisadas. Nos dias que se seguiram, a paralisia se
espalhou. Ele foi logo diagnosticado como tendo poliomielite, que era quase
epidêmica na época. Deitado na cama, ouviu a mãe no aposento ao lado
discutindo o caso dele com dois especialistas que a família chamara.
Supondo que Erickson estava dormindo, um dos médicos disse a ela: “O
rapaz estará morto pela manhã”. A mãe entrou no quarto dele, nitidamente
tentando disfarçar a tristeza, sem saber que o filho havia escutado a
conversa. Erickson ficou lhe pedindo que movesse a cômoda junto à cama
mais para lá, mais para cá. Ela imaginou que ele estivesse delirando, mas o
rapaz tinha seus motivos para aquilo: queria distraí-la da sua angústia, e
queria o espelho numa posição específica. Se começasse a perder a
consciência, se concentraria no pôr do sol que veria ali refletido, atendo-se
àquela imagem pelo maior tempo que conseguisse. O sol sempre retornava;
talvez ele também voltasse, provando o engano dos médicos. Em poucas
horas, Erickson entrou em coma.
Erickson recobrou a consciência três dias mais tarde. De algum modo,
havia ludibriado a morte, mas agora a paralisia se espalhara por completo.
Nem mesmo os lábios podia mover. Não gesticulava nem se comunicava
com os outros de maneira nenhuma. As únicas partes do corpo que ainda
respondiam ao seu comando eram os globos oculares, o que lhe permitia
observar o espaço estreito do quarto. Em quarentena dentro da casa da
fazenda na zona rural de Wisconsin, onde ele cresceu, só contava com a
companhia das sete irmãs, do irmão, dos pais e de uma enfermeira
particular. Para alguém com a mente tão ativa, o tédio era agonizante. Um
dia, porém, ao ouvir as irmãs falarem entre si, tomou consciência de algo
que nunca havia notado antes. Enquanto conversavam, o rosto delas se
contorcia com todo tipo de movimentos, e o tom de voz parecia ter vida
própria. Uma irmã dizia à outra: “Sim, essa é uma boa ideia”, contudo seu
tom era monótono e seu sorriso, falso. Pareciam dizer: “Na verdade, não
acho que seja uma boa ideia de forma nenhuma”. De algum modo, um sim
poderia de fato significar não.
Agora ele prestava atenção nisso. Era um jogo estimulante. No decorrer
do dia seguinte, contou 16 formas de não que ouviu, indicando vários graus
de veemência, todos acompanhados de expressões faciais diferentes. Em
determinado momento, notou que uma das irmãs dizia sim para algo ao
mesmo tempo que sacudia a cabeça em sinal negativo. Era bem sutil, mas
ele percebeu. Se as pessoas diziam sim quando sentiam que não, isso era
aparente nas caretas e na linguagem corporal. Em outra ocasião, Erickson
observou de esguelha, com muita atenção, quando uma das irmãs ofereceu à
outra uma maçã, mas a tensão no rosto e a rigidez nos braços da primeira
indicavam que ela só estava sendo educada e claramente queria guardar a
fruta para si. O sinal não foi captado pela segunda irmã, mas para ele era
evidente.
Incapaz de participar de conversas, ele via a sua mente ser absorvida por
completo pela observação das pessoas e dos gestos de mão, das
sobrancelhas erguidas, do tom de voz e da maneira como cruzavam os
braços de repente. Notou, por exemplo, a frequência com que as veias no
pescoço das irmãs começavam a pulsar quando se inclinavam sobre ele,
indicando o nervosismo que sentiam na presença dele. Os padrões de
respiração enquanto falavam o fascinavam, e o rapaz descobriu que certos
ritmos indicavam tédio e, em geral, eram seguidos por um bocejo. Os
cabelos pareciam desempenhar um papel importante entre as irmãs. Um
repuxar das mechas bem deliberado para trás significava impaciência, como
quem diz: “Estou farta disso. Agora, por favor, cale-se”. Contudo, um
repuxar mais rápido e inconsciente talvez significasse atenção extasiada.
Por estar confinado à cama, a audição de Erickson se aprimorou. Agora
conseguia captar conversas no aposento adjacente, onde as pessoas não
tentavam fingir amabilidade na frente dele. Logo percebeu um padrão
peculiar – era raro que todos fossem diretos em conversações. Uma irmã
passava vários minutos fazendo rodeios, deixando pistas para as outras do
que ela queria de fato – como tomar emprestado uma peça de roupa ou
ouvir um pedido de desculpas. O desejo oculto era indicado com clareza
pelo seu tom de voz, que dava ênfase a certas palavras. A esperança dela era
que as outras perceberiam isso e ofereceriam o que ela desejava, mas muitas
vezes as pistas eram ignoradas, e a moça era forçada a dizer diretamente o
que queria. Todas as conversações se encaixavam nesse padrão recorrente.
Logo se tornou um jogo para Erickson adivinhar, no menor número de
segundos possível, ao que a irmã estava aludindo.
Era como se, em meio à paralisia, ele houvesse se tornado, de súbito,
consciente de um segundo canal de comunicação humana, uma segunda
linguagem, em que as pessoas expressavam algo do fundo de si mesmas,
por vezes sem se darem conta disso. O que aconteceria se ele conseguisse,
de algum modo, dominar a complexidade dessa linguagem? Como isso
alteraria sua percepção das pessoas? E se ele conseguisse estender os
poderes de leitura aos gestos quase invisíveis que os indivíduos fazem com
os lábios, à maneira de respirarem, ao nível de tensão nas mãos?
Certo dia, muitos meses mais tarde, sentado à janela numa poltrona
reclinável especial que a família havia projetado para ele, Erickson ouvia o
irmão e as irmãs brincando do lado de fora. (Ele havia recobrado os
movimentos dos lábios e era capaz de falar, mas o corpo permanecia
paralisado.) Queria desesperadamente se juntar a eles. Como se houvesse se
esquecido da paralisia por um momento, na sua mente ele começou a se
levantar e, por um breve segundo, sentiu um espasmo muscular na perna, a
primeira vez que sentia qualquer movimento no corpo. Os médicos tinham
dito à mãe de Erickson que este jamais andaria de novo, mas já haviam se
enganado antes. Com base naquele simples espasmo, o rapaz decidiu
realizar um experimento. Concentrou-se intensamente num músculo
específico da perna, lembrando-se das sensações que tivera antes da
paralisia, querendo muito ser capaz de movê-la, e imaginando que ela
funcionava de novo. A enfermeira massageava aquela área e, aos poucos,
com sucesso intermitente, Erickson sentiu um espasmo e, então, algum
movimento leve retornando ao músculo. Por meio desse processo
agonizantemente lento, ele se ensinou a se levantar, depois a dar alguns
passos, depois a andar pelo quarto, depois pela casa, aumentando as
distâncias.
De algum modo, ao recorrer à força de vontade e à imaginação,
Erickson foi capaz de alterar as suas condições físicas e recobrar todos os
movimentos. Era óbvio para ele que a mente e o corpo operavam em
conjunto, de maneiras que pouco compreendemos. Querendo explorar isso
mais a fundo, decidiu seguir carreira em medicina e psicologia, e, no fim da
década de 1920, começou a praticar psiquiatria em vários hospitais.
Rapidamente desenvolveu um método que era seu e o absoluto oposto do
dos outros profissionais. Quase todos os psiquiatras concentravam-se, em
geral, nas palavras, convencendo os pacientes a falar, em especial a detalhar
a primeira infância. Dessa forma, tinham esperança de obter acesso ao
inconsciente deles. Erickson, em vez disso, se concentrou mais na presença
física das pessoas como uma entrada à vida mental e ao inconsciente de
cada uma. As palavras eram muitas vezes um disfarce, uma forma de
encobrir o que estava acontecendo de verdade. Deixando os pacientes bem
confortáveis, detectava sinais de tensão oculta e de desejos insatisfeitos que
transpareciam no rosto, na voz e na postura. Enquanto fazia isso, explorava
em maior profundidade o mundo da comunicação não verbal.
O seu lema era “observar, observar, observar”. Com esse propósito,
mantinha um caderno, anotando as suas observações. Um elemento que o
fascinava em especial era a maneira de andar do ser humano, talvez um
reflexo das próprias dificuldades em reaprender a usar as pernas. Ele
observava as pessoas caminhando em qualquer parte da cidade. Prestava
atenção ao peso do passo – havia o andar enfático daqueles que eram
persistentes e cheios de determinação; o passo leve dos que se mostravam
mais indecisos; o andar fluido e relaxado de quem parecia bem preguiçoso;
o andar distraído do indivíduo perdido em pensamentos. Observava de perto
o balançar exagerado dos quadris ou o andar empertigado de cabeça
erguida, indicando um nível alto de autoconfiança – a passada masculina
exagerada, o arrastar despreocupado dos pés do adolescente rebelde.
Erickson tomava nota das mudanças súbitas na forma de andar das pessoas
quando estas se mostravam entusiasmadas ou nervosas. Tudo isso lhe
fornecia informações infinitas sobre os ânimos e a autoconfiança delas.
Erickson posicionou a sua escrivaninha num canto do escritório, de
forma que os pacientes caminhassem até ele, e notava mudanças na forma
de andar entre antes e depois da sessão. Escrutinava o modo como se
sentavam, o nível de tensão nas mãos ao segurarem os braços da poltrona, o
quanto o encaravam ao falar, e, numa questão de poucos segundos, sem que
palavras fossem trocadas, obtinha uma leitura aprofundada das inseguranças
e rigidez do paciente, mapeadas com clareza na linguagem corporal deste.
Em determinada época da sua carreira, Erickson trabalhou numa ala
para pacientes com distúrbios mentais. Numa situação específica, os
psicólogos de lá estavam perplexos com o caso deles em particular – um exempresário que fizera fortuna e depois perdera tudo por causa da Grande
Depressão. O homem apenas chorava e movia as mãos o tempo todo para a
frente e para trás, a partir do peito. Ninguém entendia a raiz daquele tique
nem sabia como ajudá-lo. Conseguir que ele falasse não era fácil e não
levava a lugar algum. Erickson, porém, assim que o viu, compreendeu a
natureza do problema. Por meio daquele gesto, o homem expressava
literalmente os esforços fúteis de progredir, na vida dele, e o desespero que
isso lhe produzia. Erickson foi até ele e disse: “A sua vida teve muitos altos
e baixos”. Ao dizer isso, o movimento dos braços passou a ser para cima e
para baixo. O homem mostrou interesse nesse novo movimento, e este
então se tornou o seu tique.
Trabalhando com um terapeuta ocupacional no local, Erickson colocou
blocos de lixa em cada uma das mãos do homem e posicionou um pedaço
de lenha diante dele. Logo o homem se encantou com o ato de lixar madeira
e com o cheiro desta enquanto a polia. Ele parou de chorar e passou a ter
aulas de marcenaria, esculpindo jogos sofisticados de xadrez e vendendoos. Concentrando-se somente na linguagem corporal e alterando o
movimento físico do homem, Erickson conseguiu alterar a posição travada
da mente do paciente e curá-lo.
Uma categoria que o fascinava era a diferença na comunicação não
verbal entre homens e mulheres, e como isso refletia uma maneira diferente
de pensar. Tinha uma sensibilidade especial para os maneirismos das
mulheres, talvez como reflexo dos meses que passou observando de perto as
irmãs. Dissecava cada nuance da linguagem corporal delas. Certa vez, uma
bela jovem veio até ele, dizendo que havia consultado vários psiquiatras,
mas nenhum tinha dado muito certo. Será que ele seria diferente? Enquanto
ela falava um pouco mais, nunca discutindo a natureza do problema,
Erickson a viu apanhar um fiapo da própria manga. Ele escutava e assentia
com a cabeça, depois fazia algumas perguntas de pouco interesse.
De repente, de forma inesperada, disse em tom bem confiante que era
não só o psiquiatra certo, mas o único psiquiatra para ela. Surpreendida pela
atitude arrogante dele, a mulher lhe perguntou por que se sentia assim, e ele
lhe disse que precisava lhe fazer mais uma pergunta para que ela
entendesse.
“Há quanto tempo veste roupas de mulher?”, indagou ele.
“Como o senhor percebeu?”, perguntou o homem, atônito.
Erickson explicou que havia notado a maneira como ele apanhara o
fiapo, sem fazer um longo e natural passeio em torno da região do busto.
Ele vira aquele movimento vezes demais para ser enganado por qualquer
outro gesto. Além disso, o modo assertivo de discutir a sua necessidade de
testar Erickson primeiro, expressada num ritmo vocal com forte staccato,
era, sem dúvida, masculino. Todos os outros psiquiatras se deixaram levar
pela aparência extremamente feminina do jovem e pela voz que ele
modificara com cuidado, mas o corpo não mente.
Em outra ocasião, Erickson entrou no escritório e viu uma nova paciente
esperando por ele, a qual afirmou que o havia procurado porque tinha fobia
de voar. Ele a interrompeu e, sem explicar nada, lhe pediu que saísse do
escritório e entrasse de novo. A moça demonstrou irritação, mas obedeceu,
e Erickson lhe observou com atenção a maneira de andar, assim como a
postura ao se sentar na cadeira. Em seguida, lhe pediu que explicasse o
problema.
“O meu marido vai me levar para o ex-terior em setembro e eu tenho
um medo mortal de aviões.”
“Minha senhora”, replicou Erickson, “quando um paciente procura um
psiquiatra, não deve reter informações. Eu sei algo sobre a senhora. Vou lhe
fazer uma pergunta desagradável […]. O seu marido sabe do seu caso
extraconjugal?”.
“Não”, ela respondeu com assombro. “Mas como o senhor sabe?”
“A sua linguagem corporal me revelou.”
Ele explicou como ela cruzara as pernas numa posição muito apertada,
com um pé completamente ao redor do outro tornozelo. Na experiência
dele, todas as mulheres casadas que tinham casos extraconjugais travavam o
corpo de maneira similar. E aquela moça havia claramente dito “ex-terior”
em vez de “exterior”, num tom hesitante, como se sentisse vergonha de si
mesma. E a maneira de andar indicava que se sentia aprisionada em
relacionamentos complicados. Em sessões subsequentes, ela levou o
amante, que também era casado. Erickson pediu para ver a esposa do
amante, que, após comparecer ao consultório, sentou-se com a mesma
posição travada, com um pé ao redor do tornozelo da outra perna.
“Você está tendo um caso”, ele disse a ela.
“Estou. O meu marido lhe contou?”
“Não, deduzi a partir da sua linguagem corporal. Agora eu sei por que o
seu marido sofre de dores de cabeça crônicas.”
Em breve, Erickson passou a tratar todos eles e a ajudá-los a sair das
suas posições travadas e dolorosas.
Com o passar dos anos, os seus poderes de observação se estenderam a
elementos de comunicação não verbal que eram quase imperceptíveis.
Conseguia determinar o estado de espírito das pessoas a partir do padrão da
respiração e, ao espelhar esses padrões, era capaz de levar o paciente a um
transe hipnótico e criar uma sensação de afinidade profunda. Conseguia
interpretar falas subliminares e subvocais quando uma palavra ou nome era
enunciado de maneira quase imperceptível, sem que som algum fosse
emitido, de forma quase invisível. É assim que quiromantes, videntes e
alguns mágicos ganham a vida. Erickson sabia quando a secretária estava
menstruada pelo ritmo pesado como datilografava. Conseguia adivinhar o
histórico profissional dos outros pela qualidade das mãos, pelo peso dos
passos, pela maneira como inclinavam a cabeça e pelas inflexões vocais.
Para os pacientes e amigos, era como se Erickson tivesse poderes psíquicos,
mas eles simplesmente não sabiam o quanto e com que afinco ele havia
estudado isso, ganhando domínio dessa segunda linguagem.
Interpretação: Para Milton Erickson, a paralisia súbita lhe abriu os
olhos não apenas para uma forma diferente de comunicação, mas também
para um modo diferente de se relacionar com as pessoas. Quando ouvia as
irmãs e captava novas informações a partir dos seus rostos e vozes, ele não
registrava isso somente com os sentidos, mas também se sentia vivenciando
parte do que lhes passava pela mente. Precisava imaginar por que haviam
dito sim quando na verdade queriam dizer não, e, ao fazer isso, tinha que
sentir por algum tempo parte dos desejos contraditórios delas. Tinha que
lhes ver a tensão no pescoço e registrá-la de forma física como uma tensão
dentro de si mesmo, a fim de entender por que elas se mostravam
desconfortáveis em sua presença. O que ele descobriu é que não é possível
praticar a comunicação não verbal apenas por meio de pensamentos e
traduzindo-os em palavras, mas que esta deve ser sentida de maneira física
ao se lidar com as expressões faciais ou posições travadas dos outros. Tratase de uma forma diferente de conhecimento, que se conecta com o lado
animal da nossa natureza e envolve os nossos neurônios espelhos.
Para dominar essa linguagem, Erickson teve que relaxar e controlar a
necessidade constante de interpretar com palavras e categorizar o que via.
Precisou encolher o ego – pensar menos no que ele queria dizer e, em vez
disso, direcionar a atenção para fora, para a outra pessoa, entrando em
sintonia com seus ânimos em mutação, refletidos na linguagem corporal.
Como acabou por descobrir, tamanha atenção o mudou, tornando-o mais
sensível aos sinais que os indivíduos emitiam de maneira contínua e
transformando-o num ator social habilidoso, capaz de se conectar com a
vida interior dos demais e de desenvolver uma afinidade maior.
À medida que Erickson progredia nessa autotransformação, notou que a
maioria das pessoas seguia na direção oposta – a cada ano, mais absorvidas
em si mesmas e menos observadoras. Ele gostava de acumular anedotas do
trabalho que demonstravam isso. Por exemplo, certa vez pediu a um grupo
de médicos, estagiários no hospital em que trabalhava, para observar em
silêncio uma mulher idosa deitada sob as cobertas de uma cama até que
vissem algo que indicaria um diagnóstico possível que explicasse por que
ela estava confinada ao leito. Eles a observaram por três horas sem sucesso,
sem que notassem o fato óbvio de que ambas as pernas lhe haviam sido
amputadas. E muitos dos que assistiam às suas palestras públicas
perguntavam por que ele nunca utilizava aquele estranho ponteiro de
madeira que carregava ao fazer as suas apresentações, sem notar o evidente
manquejar e a necessidade de uma bengala. Na opinião de Erickson, as
dificuldades da vida fazem-nos nos voltar para dentro, sem nenhum espaço
mental de sobra para observações simples; a segunda linguagem, portanto,
na maior parte, passa-nos despercebida.
Entenda: somos os animais sociais proeminentes no planeta,
dependendo da nossa habilidade de nos comunicarmos com os outros para a
nossa sobrevivência e sucesso. Estima-se que mais de 65% de todas as
comunicações humanas sejam não verbais, mas as pessoas captam e
internalizam apenas cerca de 5% delas. Em vez disso, quase toda a nossa
atenção social é absorvida pelo que os outros dizem, o que na maioria das
vezes não serve para ocultar o que estamos de fato pensando e sentindo. As
pistas não verbais nos revelam o que se tenta enfatizar com palavras e o
subtexto da mensagem, as nuances da comunicação. Essas pistas nos
contam o que se está escondendo, os desejos reais, as emoções e os ânimos,
e ignorar essas informações é o mesmo que operar às cegas, convidar os
mal-entendidos e perder oportunidades incontáveis de influenciar as pessoas
ao não notar os sinais do que elas querem e necessitam de verdade.
A sua tarefa é simples: em primeiro lugar, reconheça o seu próprio
estado de autoabsorção e como observa pouco. Com esse entendimento, vai
se sentir motivado a desenvolver as suas habilidades de observação. Em
segundo lugar, como fez Erickson, é necessário entender a natureza
diferente dessa forma de comunicação. Isso requer abrir os sentidos e se
relacionar mais com as pessoas no nível físico, absorvendo-lhes a energia
física, e não apenas as palavras delas. Registre a expressão facial de cada
um, de forma que essa impressão permaneça com você e se comunique. À
medida que aumentar o seu vocabulário nessa linguagem, será capaz de
tecer correlações entre gestos e possíveis emoções. Quanto mais a sua
sensibilidade aumentar, cada vez mais notará o que antes lhe passava
despercebido. E o que é de igual importância: vai descobrir um modo novo
e mais profundo de se relacionar com os outros, graças aos poderes sociais
aprimorados que isso vai lhe oferecer.
Você sempre será a presa ou o brinquedo dos demônios e dos tolos do mundo, se
espera vê-los por aí com chifres ou tinindo os seus sinos. E seria bom ter em mente
que, nas interações com outros, as pessoas são como a lua: mostram-lhe apenas uma
de suas faces. Cada homem tem um talento inato para […] criar uma máscara a partir
da sua fisionomia, de forma a sempre parecer que são de fato o que fingem ser […] e a
consequência disso é extremamente ilusória. Ele veste a máscara sempre que tem
como objetivo conquistar, com elogios a si mesmo, a opinião favorável de alguém; e
você pode prestar tanta atenção à máscara como se fosse feita de cera ou papelão.
— Arthur Schopenhauer
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Nós, seres humanos, somos atores excelentes. Aprendemos, desde tenra
idade, a conseguir o que queremos dos nossos pais ao exibir certas
expressões que inspiram simpatia ou afeição. Criamos a habilidade de
ocultar deles e dos nossos irmãos o que estamos pensando ou sentindo
exatamente, a fim de nos protegermos em momentos vulneráveis. Nós
passamos a ser especialistas em lisonjear aqueles que consideramos
importantes conquistar – colegas populares ou professores – e a nos
encaixar num grupo, vestindo as mesmas roupas e usando a mesma
linguagem. À medida que crescemos e lutamos para construir uma carreira,
criamos a fachada apropriada com o intuito de sermos contratados e nos
encaixarmos numa cultura de grupo. Se nos tornamos um executivo ou um
professor ou um barista, temos de representar bem o papel.
Pense em uma pessoa que nunca desenvolve essas habilidades de
atuação, cujo rosto franze sempre que ela não gosta do que você diz, ou que
não consegue suprimir um bocejo quando você não a entretém, que sempre
diz o que pensa, que segue completamente as próprias ideias e estilo, que
age da mesma forma não importando se está falando com o chefe ou com
uma criança. Você terá, então, imaginado alguém que seria abandonado,
ridicularizado e odiado.
Somos todos atores tão bons que nem temos consciência disso. Nós nos
imaginamos quase sempre sinceros nos nossos encontros sociais, o que
qualquer bom ator dirá ser o segredo por trás de uma atuação convincente.
Nós subestimamos essas habilidades, mas, para vê-las em ação, tente
observar a si mesmo ao interagir com membros diferentes da família e com
o seu chefe e colegas de trabalho. Você perceberá que altera de maneira
sutil o que diz, o tom de voz, os maneirismos, toda a sua linguagem
corporal, a fim de satisfazer cada indivíduo e situação. Para as pessoas que
estiver tentando impressionar, você veste uma face bem diferente daquela
que usa com os que lhe são familiares e com quem pode baixar a guarda.
Você faz isso quase sem pensar.
Com o decorrer dos séculos, vários autores e pensadores, examinando
os humanos a partir de uma perspectiva exterior, se impressionaram com a
qualidade teatral da vida social. A citação mais famosa que expressa isso
vem de Shakespeare: “O mundo é um palco,/ os homens e as mulheres,
meros artistas;/ que entram nele e saem,/ Muitos papéis cada um tem no seu
tempo”. Se, por tradição, o teatro e os atores são representados pela imagem
de máscaras, escritores como Shakespeare sugerem que todos nós sempre
usamos máscaras. Alguns, porém, são melhores atores do que outros nessa
tarefa. Tipos vilanescos como Iago, na peça Otelo, são capazes de ocultar as
suas intenções hostis por trás de um sorriso amigável e benigno. Outros
agem com mais autoconfiança e vanglória – e muitas vezes se tornam
líderes. As pessoas com habilidades superiores de atuação navegam melhor
os nossos complexos ambientes sociais e progridem.
Embora
sejamos
todos
atores
excelentes,
ao
mesmo
tempo,
secretamente sentimos essa necessidade de atuar e de desempenhar um
papel como se fosse um fardo. Somos o animal social de maior sucesso no
planeta. Por centenas de milhares de anos, os nossos ancestrais caçadorescoletores sobreviveram apenas se comunicando entre si por meio de sinais
não verbais. Essa comunicação, desenvolvida por tanto tempo, antes da
invenção da linguagem, fez o rosto humano se tornar tão expressivo, e os
gestos tão complexos. Ela é nutrida bem fundo dentro de nós. Temos um
desejo constante de comunicar os nossos sentimentos, mas, ao mesmo
tempo, a necessidade de escondê-los em prol do funcionamento social
adequado. Com essas forças opostas em batalha dentro de nós, não
controlamos por completo o que comunicamos. Os nossos sentimentos
verdadeiros vazam de maneira contínua na forma de gestos, tons de voz,
expressões faciais e postura. Não somos treinados, contudo, para prestar
atenção aos sinais não verbais dos outros. Por puro hábito, fixamos nossa
atenção nas palavras que as pessoas dizem, pensando no que falaremos a
seguir. Isso significa que estamos usando apenas uma porcentagem pequena
das habilidades sociais latentes que todos nós possuímos.
Imagine, por exemplo, as conversas que teve com pessoas com quem se
encontrou em tempos recentes. Ao prestar atenção bem detalhada aos sinais
não verbais que emitem, você consegue lhes captar os ânimos e espelhar
esses ânimos de volta para elas, fazendo-as relaxarem na sua presença. À
medida que a conversa avança, você capta sinais de que elas estão
respondendo aos seus gestos e espelhando-os, o que lhe dá a permissão para
ir mais adiante e aprofundar o encanto. Dessa maneira, é possível criar um
senso de afinidade e conquistar um aliado valioso. Por outro lado, imagine
aqueles que quase de imediato revelam sinais de hostilidade contra você. O
leitor é capaz de ver por trás dos sorrisos tensos e falsos, captar os instantes
de irritação que lhes passam pelo rosto, e os sinais de desconforto sutil na
sua presença. Registrando todos esses sinais no momento em que
acontecem, poderá se desligar de forma educada da interação e se manter
cauteloso, procurando por outros indícios de intenções hostis. É provável
que tenha se poupado de uma batalha desnecessária ou de um ato odioso de
sabotagem.
A sua tarefa como estudante da natureza humana é dupla: em primeiro
lugar, precisa entender e aceitar a qualidade teatral da vida. Não moralize
nem proteste contra a dramatização e o uso de máscaras que são tão
essenciais para um funcionamento social sem entraves. De fato, a sua meta
é desempenhar o seu papel no palco da vida com habilidade suprema,
atraindo a atenção, dominando o espaço sob os holofotes e tornando-se um
herói ou heroína simpáticos. Em segundo lugar, não seja ingênuo ao
confundir as aparências dos outros com a realidade. Não se deixe cegar
pelas habilidades de atuação do ser humano. Transforme-se num mestre
decodificador dos verdadeiros sentimentos das pessoas, aprimorando as
suas habilidades de observação e praticando-as o máximo possível na vida
diária.
E assim, com esses propósitos, há três outros aspectos dessa lei em
particular: entender como observar as pessoas; aprender alguns preceitos
básicos para decodificar a comunicação não verbal, e dominar a arte do que
é conhecido como gestão de impressão, desempenhando o seu papel com o
efeito máximo.
HABILIDADES DE OBSERVAÇÃO
Quando crianças, éramos quase todos grandes observadores do outro.
Como éramos pequenos e fracos, a nossa sobrevivência dependia da
decodificação dos sorrisos e tons de voz de quem estivesse ao nosso redor.
Muitas vezes nos impressionávamos com o modo peculiar de os adultos
caminharem, com os seus sorrisos exagerados e maneirismos dissimulados.
Nós os imitávamos por diversão. Percebíamos que alguém era ameaçador a
partir de algo em sua linguagem corporal. É por isso que as crianças são o
terror dos mentirosos inveterados, trapaceiros, mágicos e dos que fingem
ser algo que não são. Elas veem bem rápido por trás das máscaras. Aos
poucos, a partir dos 5 anos, essa sensibilidade é perdida à medida que
começamos a voltar o foco para o interior e nos tornar mais preocupados
com o modo como os outros nos veem.
O leitor precisa compreender que não se trata de uma questão de
adquirir habilidades que você não possui, mas, sim, de redescobrir aquelas
que já tinha na primeira infância. Isso significa uma reversão gradual dos
processos de autoabsorção e a reconquista da visão voltada para fora e da
curiosidade que tinha quando pequeno.
Como com qualquer habilidade, isso requer paciência. O que você está
fazendo é reprogramar o cérebro aos poucos por meio da prática, mapeando
novas conexões neurais. Não queira se sobrecarregar no início com
informações demais; é preciso avançar a passos curtos, ver progressos
pequenos, mas diários. Numa conversa casual com alguém, dê a si mesmo a
meta de observar uma ou duas expressões faciais que pareçam ir contra o
que ele está dizendo, ou que indiquem alguma informação adicional. Esteja
atento a microexpressões, vislumbres rápidos de tensão no rosto ou sorrisos
forçados (a próxima seção falará mais sobre isso). Uma vez que tiver
sucesso nesse exercício simples com um indivíduo, tente com mais alguém,
sempre se concentrando no rosto. Ao começar a ter facilidade em notar
esses sinais no rosto, tente fazer observações similares sobre a voz de uma
pessoa, notando quaisquer mudanças no timbre ou no ritmo da fala. A voz
revela bastante sobre o nível de autoconfiança e contentamento de alguém.
Mais tarde, passe para os elementos da linguagem corporal, tais como
postura, gestos de mão, o posicionamento das pernas. Mantenha esses
exercícios simples, com objetivos fáceis. Anote as suas observações, em
especial quaisquer padrões que venha a perceber.
Durante essa prática, você deve se manter relaxado e aberto ao que vê,
sem se afobar para interpretar as suas observações com palavras. Precisa se
envolver na conversação, falando menos e tentando fazer a outra pessoa
falar mais. Tente espelhá-la, oferecendo comentários que pontuem o que ela
diz e que demonstrem que você a está escutando. Isso a fará relaxar e querer
conversar mais, deixando escapar mais alguns indícios não verbais. No
entanto, a sua observação de alguém nunca deve ser óbvia. Quando as
pessoas se sentem escrutinizadas, elas travam e tentam controlar as próprias
expressões. O excesso de contato visual direto trairá as suas intenções. Você
precisa parecer natural e atencioso, utilizando apenas olhares periféricos
para captar quaisquer alterações no rosto, na voz ou no corpo.
Ao observar qualquer um por algum tempo, você precisa estabelecer os
parâmetros das expressões e ânimos dele. Certas pessoas são naturalmente
quietas e reservadas, e as suas expressões faciais revelam isso. Outras são
mais animadas e energéticas, e há aquelas que estão sempre com um olhar
nervoso. Com a consciência da conduta típica de um indivíduo, você pode
prestar atenção maior aos desvios – por exemplo, uma animação súbita em
alguém que costuma ser reservado, ou um olhar relaxado daquela pessoa
que normalmente é nervosa. Uma vez que você conheça os parâmetros de
uma pessoa, será bem mais fácil discernir os sinais de dissimulação e
nervosismo dela. Marco Antônio, da antiga Roma, era tipicamente jovial,
sempre sorria, dava risada e brincava com os outros. Foi quando ele se
tornou, de súbito, silencioso e triste nas reuniões após o assassinato de Júlio
César que o rival de Antônio, Otávio (que mais tarde se chamaria,
Augusto), compreendeu que estava planejando algo e tinha intenções hostis.
Em relação ao parâmetro de expressões, tente observar a mesma pessoa
em situações variadas, notando como os sinais não verbais se alteram ao
falar com o cônjuge, com o chefe, com um empregado.
Em outro exercício, observe aqueles que estão prestes a fazer algo
excitante – uma viagem para um local fascinante, um encontro romântico
com alguém que andavam paquerando, ou qualquer evento para o qual há
grandes expectativas. Perceba os olhares de expectativa, os olhos que se
abrem mais e permanecem assim, o rosto corado e animado, um leve sorriso
nos lábios ao pensarem no que está por vir. Compare isso com a tensão
exibida por quem está prestes a fazer uma prova ou ir para uma entrevista
de emprego. Você estará aumentando o seu vocabulário em relação à
correlação entre emoções e expressões faciais.
Preste bastante atenção a quaisquer sinais dúbios que captar: alguém
que professe adorar a sua ideia, mas cujo rosto demonstra tensão e cujo tom
de voz soa artificial; ou que lhe dê os parabéns pela sua promoção, mas cujo
sorriso é forçado e cuja expressão se mostra entristecida. Esses sinais
dúbios são muito comuns. Também podem envolver partes diferentes do
corpo. No romance Os embaixadores, de Henry James, o narrador percebe
que uma mulher que o visita lhe sorri durante a maior parte da conversa,
mas segura a sombrinha com muito mais força. Apenas ao notar isso ele
compreende o ânimo real dela – desconforto. Diante de sinais dúbios, você
precisa ter ciência de que uma parte maior da comunicação não verbal
envolve o escape de emoções negativas, e deve dar peso maior aos sinais
negativos como indicadores dos sentimentos verdadeiros da pessoa. A certa
altura, o leitor poderá então lhe perguntar por que sente tanta tristeza ou
antipatia.
Para levar a prática mais adiante, tente um exercício diferente. Sente-se
num café ou outro espaço público e, sem o fardo de ter que manter uma
conversa, observe as pessoas ao redor. Escute-lhes as conversas em busca
de sinais vocais. Perceba a maneira como andam e a linguagem corporal
como um todo. Se possível, faça anotações. À medida que se tornar melhor
nessa prática, tente adivinhar a profissão de cada uma a partir dos sinais que
captar, ou algo sobre a personalidade delas com base na linguagem
corporal. Será um jogo agradável.
O leitor será capaz de dividir a sua atenção com mais facilidade –
escutando bem o que os outros dizem, mas também prestando atenção
cuidadosa aos sinais não verbais. Você também vai se tornar ciente de sinais
que não havia notado antes, expandindo de forma contínua o seu
vocabulário. Lembre-se de que tudo que o ser humano faz representa algum
tipo de sinal; não há nenhum gesto que não comunique algo. Preste atenção
aos silêncios das pessoas, às roupas que vestem, à disposição dos objetos
sobre a mesa delas, aos padrões de respiração, à tensão em certos músculos
(em particular, do pescoço), ao subtexto das conversas – o que não é dito ou
é deixado implícito. Todas essas descobertas o entusiasmarão e o impelirão
a ir adiante.
Ao praticar essa habilidade, você precisa ter consciência de alguns erros
comuns que talvez venha a cometer. As palavras expressam informações
diretas. Podemos discutir sobre o que alguém quer dizer quando afirma
algo, mas as interpretações são bem limitadas. Os sinais não verbais são
muito mais ambíguos e indiretos, e nenhum dicionário explica o que isso ou
aquilo significa. Tudo depende do indivíduo e do contexto. Se não tiver
cuidado, vai vislumbrar sinais, mas os interpretará com rapidez de um modo
que se adéque ao seu próprio viés emocional sobre as pessoas, o que tornará
as suas observações não apenas inúteis, mas também perigosas. Se estiver
observando alguém por quem sinta uma antipatia natural, ou que o lembre
de uma pessoa desagradável que conheceu no passado, tenderá a ver quase
qualquer sinal como antipático ou hostil. E fará o contrário quando se tratar
daqueles de quem goste. Nesses exercícios, esforce-se para suprimir as suas
preferências pessoais e preconceitos sobre os outros.
Relacionado a isso está o que é conhecido como o erro de Otelo. Na
peça Otelo, de Shakespeare, o personagem principal – que leva o nome da
obra – presume que Desdêmona, sua esposa, é culpada de adultério com
base no nervosismo dela ao ser questionada sobre as evidências. Na
verdade, Desdêmona é inocente, mas a natureza agressiva e paranoica de
Otelo e as suas perguntas intimidadoras a desestabilizam, o que ele
interpreta como um sinal de culpa. Nesses casos, captamos certos sinais
emocionais de outras pessoas – nervosismo, por exemplo – e presumimos
que eles se originam de certa fonte. Nós nos agarramos à primeira
explicação que se encaixa no que vemos. No entanto, o nervosismo poderia
ter
várias
explicações,
como
uma
reação
temporária
ao
nosso
questionamento ou às circunstâncias em geral. O erro não está na
observação, mas na decodificação.
Em 1894, Alfred Dreyfus, um oficial do Exército francês, foi preso
injustamente por divulgar segredos aos alemães. Dreyfus era judeu, e
muitos franceses na época nutriam sentimentos antissemitas. Na sua
primeira aparição diante do público para ser questionado, ele respondeu
num tom calmo e eficiente que isso era parte do seu treinamento como
burocrata e também o resultado do esforço de conter o próprio nervosismo.
A maioria do público supôs que um homem inocente protestaria em voz
alta. O comportamento dele foi visto como sinal de culpa.
Tenha em mente que indivíduos de culturas diferentes consideram
formas diferentes de atitude como aceitáveis. Isso é conhecido como regras
de comportamento. Em algumas culturas, as pessoas são condicionadas a
sorrir menos ou tocar mais. Ou a linguagem envolve mais ênfase na
tonalidade vocal. Sempre leve em consideração o histórico cultural e
interprete os sinais oferecidos de maneira adequada.
Como parte da sua prática, tente observar a si mesmo também. Note
quando e com que frequência você tende a forçar um sorriso, ou como o seu
corpo denota nervosismo – na sua voz, no tamborilar de dedos, ao brincar
com o cabelo, no tremor dos lábios, e assim por diante. Ao tomar
consciência precisa do seu comportamento não verbal, você se tornará mais
sensível e alerta aos sinais dados por outros e será mais capaz de imaginar
as emoções que combinam com cada sinal. Além disso, ganhará um
controle maior sobre o seu comportamento não verbal, algo muito valioso
para desempenhar o papel social correto (veja a última seção deste
capítulo).
Por fim, ao desenvolver essas habilidades de observação, você vai notar
uma mudança física em si mesmo e nos seus relacionamentos com as
pessoas, tornando-se cada vez mais sensível à mudança de ânimos dos
outros e prevendo-os ao sentir por dentro algo do que eles sentem. Essas
habilidades, se levadas bem adiante, quase farão parecer que você tem
poderes psíquicos, como aconteceu com Milton Erickson.
CHAVES DE DECODIFICAÇÃO
Lembre-se de que as pessoas em geral procuram apresentar a melhor
fachada possível ao mundo. Isso implica camuflar possíveis sentimentos de
antagonismo, desejos de poder ou superioridade, tentativas de obter favores
e inseguranças. Elas utilizam as palavras para esconder os seus sentimentos
e distrair os outros da realidade, jogando com a fixação verbal deles.
Também usam certas expressões faciais que são fáceis de simular,
presumidas como amabilidade. A sua tarefa é olhar além dessas distrações e
se tornar ciente desses sinais que elas deixam escapar de forma automática,
revelando algo da verdadeira emoção por trás da máscara. As três categorias
dos sinais mais importantes a se observar e identificar são desprezo/afeição,
dominância/submissão e fraude.
Sinais de desprezo/afeição. Imagine a seguinte situação: alguém num
grupo não gosta de você, seja por inveja ou falta de confiança, mas, naquele
ambiente, ele não tem como expressar isso de forma aberta sem causar má
impressão: a de não trabalhar bem em equipe. Assim, ele sorri para você,
puxa conversa e aparenta até apoiar as suas ideias. Às vezes, você talvez
sinta que algo não está certo, mas os sinais são sutis, até que os esquece
quando presta atenção na fachada apresentada por ele. E de repente, sem
nenhum aviso, essa pessoa bloqueia o seu caminho ou demonstra uma
atitude desagradável. A máscara caiu. O preço que você paga não vem
apenas em forma de dificuldades no trabalho ou na vida pessoal, mas
também de custo emocional, que pode ter um efeito duradouro.
Entenda: as ações hostis e de oposição dos outros nunca se manifestam
sem razão. Sempre há sinais antes que qualquer ação seja realizada. É um
esforço muito grande suprimir por completo emoções tão fortes. O
problema não é apenas não estarmos prestando atenção, mas não gostarmos
da ideia de conflito ou desacordo. Preferimos evitar pensar nisso e
presumimos que as pessoas estão do nosso lado, ou que pelo menos sejam
neutras. Com maior frequência, sentimos que algo não está bem com o
outro, mas ignoramos essa sensação. Precisamos aprender a confiar nessas
respostas intuitivas e procurar por esses sinais que deveriam provocar um
exame mais minucioso das evidências.
O ser humano dá indicações claras em sua linguagem corporal do
desprezo ou hostilidade em ação, incluindo o estreitamento súbito dos olhos
diante de algo que você diz, o olhar raivoso, o franzimento dos lábios até
que estes quase desapareçam, o pescoço rígido, o torso ou pés que se
voltam para o outro lado enquanto você ainda está falando, os braços
cruzados quando você tenta explicar o seu ponto de vista, e uma tensão
generalizada do corpo. O problema é que você não costuma ver esses sinais
a menos que o desprazer desse indivíduo tenha se tornado forte demais para
ser ocultado. Treine-se para procurar pelas microexpressões e outros sinais
mais sutis que as pessoas emitem.
A microexpressão é uma descoberta recente entre psicólogos que têm
conseguido documentar a sua existência em filme. Dura menos de um
segundo e há duas variedades dela: a primeira surge quando as pessoas têm
ciência de um sentimento negativo e tentam suprimi-lo, mas este escapa por
uma fração de segundo; a outra surge quando não estamos cientes da
hostilidade alheia, mas, ainda assim, ela transparece em lampejos no rosto
ou no corpo. Essas expressões serão um olhar momentâneo de raiva, o
retesamento dos músculos faciais, o franzimento dos lábios, o início de uma
carranca ou careta ou de um olhar de desdém, com os olhos voltados para
baixo. Conscientes desse fenômeno, podemos procurar por essas
expressões. Você se surpreenderá com a frequência com que ocorrem, pois é
quase impossível controlar por completo os músculos faciais e reprimir os
sinais a tempo. Relaxe e preste atenção, evitando ser óbvio nessa busca,
porém captando-as pelo canto do olho. Uma vez que começar a notá-las, vai
ter mais facilidade em descobri-las.
Têm igual eloquência os sinais sutis, mas que duram vários segundos,
revelando tensão e frieza. Por exemplo, ao se aproximar pela primeira vez
de alguém que nutre pensamentos negativos ao seu respeito, se você o
surpreender chegando até ele em ângulo, verá com clareza o desprazer
diante de sua abordagem antes que ele tenha tempo de vestir uma máscara
afável. Essa pessoa não está feliz em vê-lo, e isso transparece por um
segundo ou dois. Ou, então, você expressa uma opinião forte e os olhos dela
começam a girar, o que ela tenta disfarçar logo com um sorriso.
O silêncio súbito também revela muito. Você disse algo que provocou
uma pontada de inveja ou desprezo, e o seu interlocutor não consegue fazer
nada além de se calar e se remoer. Talvez ele tente esconder isso com um
sorriso enquanto, por dentro, está furioso. Ao contrário da simples timidez
ou da falta do que dizer, você detectará sinais nítidos de irritação. Nesse
caso, é melhor observar essa reação algumas vezes antes de chegar a
qualquer conclusão.
As pessoas muitas vezes se entregarão com um sinal dúbio, fazendo um
comentário positivo para distraí-lo, acompanhado de linguagem corporal
claramente negativa, por exemplo. Isso oferece a elas alívio para a tensão de
sempre terem que ser afáveis. Elas apostam no fato de que você tenderá a se
concentrar nas palavras e ignorar a careta ou o meio sorriso. Preste atenção
também à configuração contrária: alguém que diz algo sarcástico e
penetrante, direcionado a você, mas com um sorriso e um tom jocoso, como
sinal de que é tudo feito de forma bem-humorada. Seria falta de educação
não tomar o comentário nesse sentido. No entanto, se isso ocorrer várias
vezes, preste atenção às palavras, e não à linguagem corporal. É uma
maneira reprimida de expressar hostilidade. Tome nota daqueles que o
elogiam ou bajulam sem nenhum brilho nos olhos. Isso talvez seja um sinal
de inveja oculta.
No romance A cartuxa de Parma, de Stendhal, o conde Mosca recebe
uma carta anônima criada para despertar o seu ciúme em relação à amante,
por quem ele está desesperadamente apaixonado. Ao pensar em quem a
teria enviado, recorda-se de uma conversa que teve naquele mesmo dia com
o príncipe de Parma, o qual lhe falara sobre como os prazeres do poder não
se comparam aos prazeres do amor. Ao dizer isso, o conde lhe detectou um
brilho bem malicioso nos olhos, acompanhado de um sorriso ambíguo. As
palavras eram sobre o amor em geral, mas o olhar estava direcionado a ele.
A partir disso, o conde deduz corretamente que o príncipe enviara a carta;
este não conseguira contar de todo o prazer venenoso pelo que havia feito, e
o sentimento lhe escapara. Essa é uma variante de sinal dúbio. As pessoas
dizem algo relativamente forte sobre um assunto geral, mas com olhares
sutis elas apontam para você.
Um indicador excelente para decodificar o antagonismo é comparar a
linguagem corporal dos seus interlocutores em relação a você e em relação
aos outros. Você talvez detecte que eles são bem mais amigáveis e calorosos
com outras pessoas, para então pôr uma máscara bem-educada e vesti-la na
sua frente. Numa conversa, não conseguem evitar que breves lampejos de
impaciência e irritação transpareçam nos olhos, mas apenas quando é você
quem fala. Mantenha em mente também que eles tenderão a extravasar mais
dos seus verdadeiros sentimentos, e por certo aqueles de hostilidade,
quando estão bêbados, sonolentos, frustrados, furiosos ou sob pressão. Mais
tarde, tentarão encontrar desculpas para isso, como se estivessem fora de si
naquele momento, mas o fato é que estavam sendo verdadeiros mais do que
em qualquer outra circunstância.
Ao observar esses sinais, um dos melhores métodos é estabelecer testes,
até mesmo armadilhas, para os outros. Mestre nessa arte foi o rei Luís XIV,
que se situava no topo de uma corte em Versalhes repleta de membros da
nobreza que fervilhavam de hostilidade e ressentimento contra ele e contra
a autoridade absoluta que tentava impor. Contudo, na esfera civilizada de
Versalhes, todos precisavam ser atores perfeitos e esconder o que sentiam,
em especial pelo rei. Luís XIV tinha, porém, maneiras de testá-los. Surgia
de súbito na presença dos súditos, sem aviso, e lhes examinava o rosto para
ver as suas expressões imediatas. Solicitava que um nobre se mudasse com
a família para o Palácio de Versalhes, sabendo que isso seria custoso e
desagradável. Observava com cuidado quaisquer sinais de aborrecimento no
rosto ou na voz. Dizia algo negativo sobre outro cortesão, um aliado do
súdito, e lhe notava a reação imediata. Sinais suficientes de desconforto
representavam uma hostilidade secreta.
Se o leitor suspeita que alguém sente inveja de você, fale-lhe sobre as
boas notícias recentes que recebeu sem parecer se gabar. Procure por
microexpressões de desapontamento no rosto dessa pessoa. Use testes
similares para investigar se há raiva ou ressentimentos ocultos, extraindo as
respostas que ela não consegue suprimir tão rápido. Em geral, os outros vão
querer vê-lo mais, ou menos, ou serão indiferentes. Eles podem flutuar entre
esses três estados, mas tenderão a se direcionar para um. E revelarão qual
estado é esse na rapidez com que respondem aos seus e-mails ou
mensagens, na linguagem corporal que exibem assim que o veem e no tom
geral que demonstram na sua presença.
O valor de detectar logo a hostilidade ou sentimentos negativos
possíveis é que isso aumenta as suas opções estratégicas e o espaço de
manobra. Você poderá criar uma armadilha para as pessoas, provocandolhes de forma intencional a hostilidade e levando-as a realizar uma ação
agressiva que lhes criará embaraços no longo prazo. Ou poderá se esforçar
ainda mais para neutralizar o desprezo que sentem por você, e até mesmo
conquistá-las por meio de uma estratégia ofensiva cheia de charme. Ou
simplesmente se distancie – não as contrate, despeça-as, recuse-se a
interagir com elas. No fim, você deixará o seu caminho mais tranquilo ao
evitar batalhas-surpresas e atos de sabotagem.
No outro lado da moeda, em geral, temos menos necessidade de
esconder as nossas emoções positivas dos outros, mas, mesmo assim, não
costumamos gostar de emitir sinais óbvios de alegria ou atração, em
especial em situações de trabalho, ou até na paquera. Muitas vezes, as
pessoas preferem exibir uma fachada social de indiferença, por isso há
grande valor na capacidade de detectar traços de que os outros estão caindo
sob o seu encanto.
Segundo uma pesquisa conduzida por psicólogos como Paul Ekman, E.
H. Hess e outros, a respeito de sinais faciais, indivíduos que sentem
emoções positivas por você exibirão nitidamente relaxamento nos músculos
da face, em especial nas linhas da testa e na área em torno da boca; os
lábios parecerão mais expostos e toda a área ao redor dos olhos se ampliará.
Essas são expressões involuntárias de conforto e abertura. Se os
sentimentos são mais intensos, como os de se apaixonar, o sangue corre
para o rosto, animando todos os traços. Como parte desse estado excitado,
as pupilas se dilatam, uma resposta automática em que os olhos deixam
entrar mais luz. É um sinal certo de que alguém se sente confortável e gosta
do que vê. Junto com a dilatação, as sobrancelhas se erguem, tornando os
olhos ainda maiores. Não costumamos prestar atenção às pupilas dos olhos
porque olhar intensamente nos olhos de outro tem uma conotação bastante
sexual. Precisamos nos treinar para examinar de relance as pupilas quando
notamos qualquer arregalar dos olhos.
Ao desenvolver as suas habilidades nesse campo, aprenda a distinguir
entre os sorrisos falsos e genuínos. Ao tentar ocultar os sentimentos
negativos, costumamos apelar ao sorriso falso, pois é fácil de dar, e as
pessoas não costumam prestar atenção às sutilezas dos sorrisos. Como a
variedade genuína é menos comum, você tem que saber como reconhecê-la.
O sorriso genuíno afeta os músculos ao redor dos olhos e os arregala,
muitas vezes revelando os pés de galinha em suas laterais. Também tende a
puxar as maçãs do rosto para cima. Não há sorriso genuíno sem uma
mudança evidente nos olhos e na face. Alguns tentam criar a impressão da
variedade genuína ao alargar o sorriso, o que também altera os olhos de
forma parcial; por isso, além dos sinais físicos, você tem de examinar o
contexto. O sorriso genuíno é espontâneo e costuma surgir a partir de
alguma ação ou de palavras que extraem uma resposta súbita. Avalie: ele
parece não estar relacionado às circunstâncias, ou ser justificado pelo que
foi dito? Trata-se de uma situação em que alguém está se esforçando para
impressionar ou tem metas estratégicas em mente? O momento do sorriso
parece ligeiramente descompassado? Talvez a indicação mais clara das
emoções positivas venha da voz. O ser humano tem muito mais facilidade
para controlar o rosto, sendo possível se olhar no espelho com esse
propósito. Entretanto, a menos que se trate de um ator profissional, a voz é
bem difícil de modular de forma consciente. Quando as pessoas estão
interessadas e entusiasmadas para falar com você, a tonalidade da voz delas
sobe, o que representa excitação emocional. Mesmo que se sintam nervosas,
o tom de voz se manterá caloroso e natural, ao contrário da animação
simulada de um vendedor, em que se detecta uma qualidade quase
ronronante na voz, a qual alguns comparam a um sorriso vocal. Você
também notará a ausência de tensão e de hesitação. No decorrer de uma
conversa, haverá um nível equânime de brincadeiras, com o ritmo se
acelerando, o que significa um entendimento mútuo cada vez maior. Uma
voz animada e feliz tende a nos contagiar com esse espírito e gerar uma
resposta similar. Para reconhecer basta sentir, mas muitas vezes ignoramos
essas sensações e nos concentramos, ao contrário, nas palavras amigáveis
ou no discurso do vendedor.
Por fim, monitorar os sinais não verbais é essencial na sua tentativa de
influenciar e seduzir alguém e é a melhor maneira de medir o quanto as
pessoas estão sob o seu encanto. Quando começam a se sentir confortáveis
na sua presença, elas se posicionam mais perto de você ou se inclinam na
sua direção, com os braços descruzados e sem revelar nenhuma tensão. Se o
leitor estiver discursando ou contando uma história, acenos frequentes de
cabeça, olhares atentos e sorrisos genuínos indicarão que seus interlocutores
concordam com o que está sendo dito e estão perdendo a resistência. Eles
trocam mais olhares entre si. Talvez o melhor sinal de todos, o mais
excitante, seja a sincronia, quando aquele com quem conversamos espelha a
nossa postura de forma inconsciente. As pernas se cruzam na mesma
direção, a cabeça se inclina de modo similar, um sorriso induz outro. No
nível mais profundo de sincronia, como descobriu Milton Erickson, você
verá os padrões de respiração seguindo o mesmo ritmo, o que às vezes leva
à sincronia completa de um beijo.
Você também pode se treinar não apenas para monitorar essas mudanças
que demonstram a sua influência, mas para induzi-las também ao
demonstrar sinais positivos. Comece a se aproximar aos poucos ou a se
inclinar mais para perto, revelando sinais sutis de abertura. Acene com a
cabeça e sorria enquanto o seu interlocutor fala. Espelhe o comportamento e
os padrões de respiração dele. À medida que fizer isso, observe se há
contágio emocional, avançando apenas ao detectar o desmoronamento
gradual da resistência.
Com sedutores especialistas, que utilizam todos os sinais positivos para
dar a impressão de estarem se apaixonando apenas para colocá-lo mais
profundamente sob o controle deles, tenha em mente que muito poucos
revelam tanta emoção com naturalidade logo de início. Se o seu suposto
efeito sobre eles parece um pouco apressado demais e talvez forçado, diga
para irem mais devagar e lhes examine o rosto em busca de
microexpressões de frustração.
Sinais de dominância/submissão. Como o animal social mais
complexo do planeta, nós, seres humanos, formamos hierarquias
complicadas com base em posição, dinheiro e poder. Temos consciência
delas, mas não gostamos de abordar de forma explícita as posições relativas
de poder e, em geral, nos sentimos desconfortáveis quando os outros falam
sobre a sua superioridade. Em vez disso, sinais de dominância ou fraqueza
são expressados com maior frequência por meio de comunicação não
verbal, estilo de comunicação herdado dos primatas, em especial dos
chimpanzés, que utilizam sinais complexos para denotar o local de um
indivíduo na hierarquia social. Tenha em mente que a sensação de ocupar
um lugar social superior dá às pessoas uma autoconfiança radiante na
linguagem corporal. Alguns sentem essa autoconfiança antes de chegar ao
poder, o que se torna uma profecia que cumpre a si própria à medida que
outros se sentem atraídos por eles. Os ambiciosos podem tentar simular
esses sinais, mas isso tem que ser bem-feito. A autoconfiança falsa é bem
irritante.
Geralmente, ela surge com uma sensação maior de relaxamento que se
reflete com clareza no rosto, e com mais liberdade de movimentos. Aqueles
que são poderosos sentem que têm a permissão para olhar mais para os
outros ao redor, decidindo fazer contato visual com quem bem entenderem.
As pálpebras permanecem mais fechadas, um sinal de seriedade e
competência; caso se sintam entediados ou aborrecidos, eles o demonstram
com mais liberdade e franqueza. Costumam sorrir menos, pois sorrisos
frequentes são um sinal de insegurança geral, e se sentem no direito de tocar
os outros, com tapinhas amistosos nas costas ou no braço. Numa reunião,
tendem a ocupar mais espaço e criar uma distância maior entre si; em pé,
posicionam-se com altivez, fazendo gestos relaxados e confortáveis. O que
é mais importante, os demais se sentem compelidos a lhes imitar o estilo e
os maneirismos. O líder tende a impor uma forma de comunicação não
verbal ao grupo de maneiras bem sutis. Você notará que as pessoas lhe
imitam não apenas as ideias, mas também a calma e a energia mais
frenética.
Há várias maneiras de os machos alfa sinalizarem a sua posição superior
na hierarquia, tais como: falar mais rápido do que os outros e se sentir no
direito de interromper e controlar o fluxo da conversa; dar um aperto de
mão excessivamente vigoroso, quase esmagador; assumir uma postura mais
alta e uma passada deliberada ao caminhar, em geral fazendo os
subordinados andarem atrás dele. Observe os chimpanzés no zoológico e
verá que o macho alfa adota comportamentos similares.
As mulheres em posições de liderança, por sua vez, costumam ter uma
expressão calma e confiante; calorosa, mas eficiente. Talvez o melhor
exemplo disso seja a atual chanceler da Alemanha, Angela Merkel, cujo
sorriso é ainda menos frequente que o dos políticos do sexo masculino, em
sua maioria, porém tem um significado especial quando ocorre: nunca
parece falso. Ela escuta os outros com um olhar de absorção completa, o
rosto notadamente imóvel, tem um jeito de fazer seus interlocutores falarem
pela maior parte do tempo, mas sempre parece estar no controle do curso da
conversa. Merkel não precisa interromper para se impor; quando quer atacar
alguém, é com olhares de tédio, frieza ou desdém, nunca proferindo
palavras enfurecidas. Certa ocasião, o presidente russo Vladimir Putin
tentou intimidá-la levando o cachorro de estimação dele para uma reunião,
sabendo que Merkel um dia fora mordida por um cão e tinha medo desse
animal. A tensão dela foi visível, mas a chanceler logo se recompôs e olhou
com calma nos olhos de Putin, colocando-se numa posição superior ao não
reagir ao estratagema, fazendo-o parecer bastante infantil e mesquinho em
comparação a ela. O estilo de Merkel não inclui toda a pose corporal do
macho alfa; é mais tranquilo e, mesmo assim, extremamente poderoso à sua
própria maneira.
À medida que as mulheres atingirem mais posições de liderança, essa
forma menos impertinente de autoridade talvez comece a alterar a nossa
percepção de alguns dos sinais de dominância há tanto tempo associados
com o poder.
Vale a pena observar, em busca de sinais de dominância (ou da ausência
deles), indivíduos em posições superiores no seu grupo. Líderes que
demonstram tensão e hesitação nos seus sinais não verbais são, em geral,
inseguros quanto ao poder e se sentem ameaçados. Ansiedade e falta de
confiança em si mesmos costumam ser traços fáceis de detectar. Esses
líderes falam de maneira mais hesitante, com longas pausas, elevando a voz
em tonalidade e permanecendo assim. Tendem a desviar o olhar e controlar
os movimentos dos olhos, embora pisquem com mais frequência; dão
sorrisos forçados e soltam risos nervosos. Em vez de se sentirem no direito
de tocar os outros, tendem a tocar a si mesmos, o que é conhecido como
comportamento pacificador. Põem a mão no próprio cabelo, no pescoço, na
testa, numa tentativa de acalmar os nervos. Aqueles que tentam esconder as
suas inseguranças falam um pouco alto demais numa conversa, olhando em
volta com nervosismo, os olhos bem abertos, ou falam de forma animada,
mãos e corpo parados de forma atípica, o que sempre representa ansiedade.
É inevitável que deixem escapar sinais dúbios, e você precisa prestar maior
atenção aos que se referem a uma insegurança latente.
Nicolas Sarkozy, presidente da França (2007-2012), gostava de marcar
presença por meio da linguagem corporal. Dava tapinhas nas costas das
pessoas, guiava-as para onde deveriam se colocar, encarava-as com um
olhar fixo, interrompia o que estavam dizendo, numa tentativa de dominar o
ambiente de maneira geral. Durante uma reunião em meio à crise europeia,
a chanceler Merkel viu sua atitude dominadora de sempre, mas não deixou
de notar que o tempo todo Sarkozy sacudia o pé de um jeito nervoso. O
estilo demasiadamente assertivo era, talvez, sua maneira de distrair os
outros, para que não lhe notassem as inseguranças. Isso era uma informação
valiosa que Merkel poderia utilizar.
As ações do ser humano por vezes contêm sinais de dominância e
submissão. Por exemplo, as pessoas muitas vezes chegam atrasadas para
indicar a sua superioridade, real ou imaginada. Elas não têm a obrigação de
serem pontuais. Além disso, padrões de conversa revelam a posição relativa
que imaginam ocupar. Aqueles que se sentem dominantes tendem a falar
mais e interromper os outros com frequência, como um meio de se
afirmarem. Quando uma discussão se torna pessoal, recorrem ao que é
conhecido como pontuação – encontram uma ação do interlocutor que deu
início a tudo, mesmo que seja evidente que essa é parte do padrão do
relacionamento. Afirmam a sua interpretação de quem é o culpado por meio
do tom de voz e de olhares penetrantes. Se o leitor observar um casal com
distanciamento, notará frequentemente que um ocupa a posição dominante.
Se conversar com os dois, o dominante fará contato visual com você, mas
não com o parceiro, e parecerá ouvir apenas parcialmente o que este diz. Os
sorrisos também são um sinal sutil para indicar a superioridade, em especial
pelo que chamaremos de sorriso estreito, o qual vem em resposta a algo que
alguém disse e que retesa os músculos faciais, indicando ironia e desdém
por quem veem como inferior, mas que lhes dá a aparência de ser amigável.
Um meio não verbal definitivo, mas bastante sutil de estabelecer a
dominância num relacionamento, ocorre por meio do sintoma. Um parceiro
passa a ter dores de cabeça ou alguma doença repentina, ou começa a beber,
ou entra num padrão negativo geral de comportamento, forçando o outro a
jogar pelas regras, cuidando das fraquezas do primeiro. Esse uso deliberado
da simpatia para ganhar poder é extremamente eficiente.
Por fim, use o conhecimento que você colhe dessas pistas como uma
arma valiosa para medir os níveis de confiança das pessoas e agir de forma
apropriada. Jogue com as inseguranças não verbais de líderes e obtenha
poder com isso, mas tenha em mente que muitas vezes é melhor evitar a
proximidade com esses tipos, pois eles tendem a piorar com o tempo e
talvez o arrastem também. Com os que não são líderes, mas que tentam se
afirmar como tal, a sua resposta deve depender do tipo de personalidade
deles. Se forem astros em ascensão, cheios de autoconfiança e senso de
destino, pode ser sábio e tentar ascender com eles. Você os identificará pela
energia positiva que os rodeia. Por outro lado, se forem apenas déspotas
arrogantes e mesquinhos, esforce-se para evitá-los, pois são mestres em
fazer os outros lhes tecerem elogios sem lhes dar nada em troca.
Sinais de fraude. Os seres humanos são bastante ingênuos por natureza.
Nós queremos acreditar em certas coisas – que é possível obter algo sem dar
nada em troca; que é fácil reconquistar ou rejuvenescer a saúde graças a
algum truque novo, talvez até mesmo enganar a morte; que as pessoas em
essência são, na maioria, boas e confiáveis. É por causa dessa propensão
que os fraudadores e manipuladores prosperam. Seria de um benefício
imenso para o futuro da nossa espécie se fôssemos todos menos ingênuos,
mas não é possível mudar a nossa natureza. Em vez disso, o melhor que
podemos fazer é aprender a reconhecer certos sinais reveladores de uma
tentativa de fraude e manter o ceticismo à medida que examinamos melhor
as evidências.
O sinal mais claro e comum surge no momento em que os indivíduos
assumem uma fachada de animação excessiva. Se sorriem muito, se
mostram mais do que amigáveis e são até bastante divertidos, é difícil não
nos sentirmos atraídos e não baixar um pouco a nossa resistência à
influência deles. Quando Lyndon Johnson tentava passar a perna num
companheiro de senado, ele fazia um esforço a mais em relação à própria
presença física, encurralando o outro senador no vestiário, contando
algumas piadas picantes, tocando-lhe o braço, parecendo muito sincero e
dando os maiores sorrisos de que era capaz. De maneira similar, quando as
pessoas tentam encobrir algo, tendem a se tornar mais veementes, zelosas e
faladoras. Jogam com o viés de convicção (veja o Capítulo 1) – se eu negar
ou disser algo com tanto entusiasmo, fazendo-me de vítima, é difícil
duvidar de mim. Tendemos a confundir a convicção forte com a verdade.
Sendo que, quando os outros tentam explicar as suas ideias com energia tão
exagerada, ou se defendem com um nível intenso de negação, isso é
precisamente o que deve deixá-lo desconfiado.
Em ambos os casos – na ocultação ou na propaganda sedutora –, o
fraudador se esforça para distraí-lo da verdade. Embora um rosto e gestos
animados possam resultar da pura exuberância e da amabilidade genuína, se
partem de alguém que você não conhece bem ou que talvez tenha algo a
esconder, mantenha-se alerta. Em seguida, procure por sinais não verbais
que confirmem as suas suspeitas.
Com esses fraudadores, você muitas vezes notará que uma parte do
rosto ou do corpo é mais expressiva para atrair a sua atenção: com
frequência, a área em torno da boca, com largos sorrisos e expressões
mutáveis (mais fácil de manipular para criar um efeito animado), mas
também gestos exagerados com as mãos e os braços. O que importa é
detectar uma tensão e ansiedade em outras partes do corpo, pois é
impossível para os fraudadores controlar todos os músculos. Quando dão
um grande sorriso, os olhos permanecem tensos e com pouco movimento,
ou o resto do corpo se mantém imóvel de maneira atípica; ou, se os olhos
tentam enganá-lo a fim de conquistar a sua simpatia, a boca treme de leve.
Esses são sinais de um comportamento forçado, do esforço excessivo para
controlar uma parte específica do corpo.
Às vezes, fraudadores bem espertos tentarão criar a impressão contrária.
Se estão encobrindo um delito, escondem a culpa por trás de um exterior
sério e extremamente competente, o rosto se tornando estranhamente
imóvel. Em vez de negações em voz alta, oferecem uma explicação bastante
plausível da sequência de acontecimentos, até mesmo discutindo as
“evidências” que confirmam isso. O quadro que pintam da realidade é quase
impecável. Se estiverem tentando obter o seu dinheiro ou apoio, eles se
farão passar por profissionais de altíssima competência, a ponto de serem
um pouco entediantes, inundando-o com muitos números e estatísticas. Os
estelionatários
muitas
vezes
empregam
essa
fachada.
O
grande
estelionatário Victor Lustig deixava as vítimas bocejando de cansaço com a
sua tagarelice profissional, dando a impressão de ser um burocrata ou o
especialista enfadonho em títulos e valores mobiliários. Bernie Madoff
parecia tão sem graça que ninguém poderia suspeitar do audacioso crime de
estelionato que conseguiu cometer.
Essa forma de fraude é mais difícil de perceber porque há menos nela
para se notar. No entanto, mais uma vez você deve procurar por impressões
forçadas. A realidade nunca é tão conveniente e impecável, mas confusa. Os
acontecimentos reais envolvem intrusões e acidentes súbitos e aleatórios, e
é raro que as peças do quebra-cabeça se encaixem com perfeição. Foi isso
que deu errado com o encobrimento do caso Watergate e das suspeitas
levantadas. Quando a explicação ou a isca são um pouco astutas ou
profissionais demais, seja cético. Vendo isso por outro ângulo, como um
personagem no romance O idiota, de Dostoiévski, aconselha: “Quando
mentir, se você incluir com habilidade algo que não seja de todo ordinário,
algo excêntrico, algo, sabe como é, que nunca ou raramente acontece, isso
tornará a mentira muito mais plausível”.
Em geral, quando suspeitar que uma pessoa está tentando distraí-lo da
verdade, não a confronte logo de início, mas a encoraje, demonstrando
interesse no que ela está dizendo ou fazendo. Você quer que o seu
interlocutor fale mais, revele mais sinais de tensão e artifício. No momento
certo, surpreenda-o com uma pergunta ou comentário com o intuito de
deixá-lo desconfortável, revelando que sabe o que ele quer. Preste atenção
às microexpressões e à linguagem corporal emitidas nesses momentos. Se
for um fraudador de fato, muitas vezes congelará como resposta ao absorver
isso, e então tentará mascarar rápido a ansiedade latente. Essa era a
estratégia favorita do detetive Columbo na série de televisão de mesmo
nome. Ao encarar criminosos que tentavam subverter provas de forma a
parecer que outro havia cometido determinado crime, Columbo fingia ser
perfeitamente amigável e inofensivo, mas de súbito fazia uma pergunta
desconfortável e prestava atenção redobrada ao rosto e ao corpo do
indivíduo.
Até quando se trata dos fraudadores mais experientes, uma das melhores
maneiras de desmascará-los é perceber a ênfase que dão às palavras por
meio de sinais não verbais, notada pela elevação da tonalidade vocal e do
tom assertivo, dos gestos rigorosos com as mãos, do erguer das
sobrancelhas e do arregalar dos olhos. Também podemos nos inclinar para a
frente ou nos erguer na ponta dos pés, comportamento adotado quando nos
sentimos repletos de emoção e tentamos acrescentar um ponto de
exclamação ao que dizemos – e isso os fraudadores também não conseguem
imitar. A ênfase que inserem na voz e no corpo não se correlaciona de
forma exata ao que dizem, não se encaixa bem no contexto do momento, ou
chega um pouco tarde demais. Batem na mesa com o punho quando não
deveriam sentir emoção, mas um pouco mais cedo, como se essa ação
acontecesse a partir de um sinal, um efeito criado. Essas são rachaduras no
verniz da realidade que tentam projetar.
Por fim, em se tratando de fraude, tenha em mente que sempre há uma
escala envolvida, no fundo da qual há as variedades mais inofensivas, as
mentirinhas bem-intencionadas. Estas incluem todas as formas de bajulação
da vida diária: “Você está com uma cara ótima hoje”; “Eu adorei o seu
roteiro”. Incluem ainda não revelar a alguém exatamente o que você fez
naquele dia ou ocultar partes de informações, porque é um aborrecimento
ser totalmente transparente e não ter nenhuma privacidade. Essas pequenas
formas de fraude são detectáveis se prestarmos atenção, como ao notarmos
a sinceridade de um sorriso. No entanto, é melhor apenas ignorar essa
extremidade inferior. A sociedade polida e civilizada depende da habilidade
de dizer coisas que não são sempre sinceras. Tornar-se consciente o tempo
todo dessa sub-região da fraude causaria danos demais em termos sociais.
Guarde a sua atenção para aquelas situações em que os riscos são altos e as
pessoas talvez estejam tentando lhe tirar algo valioso.
A ARTE DE GERENCIAR IMPRESSÕES
Em geral, a expressão fazer papel de tem conotações negativas. Nós a
contrastamos com autenticidade. Imaginamos que uma pessoa autêntica de
verdade não precisa representar um papel na vida, pode apenas ser ela
mesma. Esse conceito tem valor em amizades e em nossos relacionamentos
íntimos, em que, com sorte, podemos deixar de lado as máscaras que
usamos e nos sentir confortáveis expondo as nossas qualidades únicas.
Entretanto, na vida profissional, isso é muito mais complicado. Quando se
trata de um trabalho ou papel específico na sociedade, temos expectativas
sobre o que é profissional. Nós nos sentiríamos desconfortáveis se o piloto
do avião em que viajamos começasse a agir como um vendedor de carros,
ou se um mecânico se comportasse como um terapeuta, ou se um professor
agisse como um músico de rock. Se essas pessoas forem elas mesmas por
completo, deixando cair as máscaras e se recusando a desempenhar os seus
papéis, nós lhes questionaríamos a competência.
Um político ou uma figura pública que entendemos como mais
autêntico do que outros projeta melhor essa qualidade, de modo geral. Sabe
que parecer humilde, ou discutir a vida pessoal, ou contar uma anedota que
revela alguma vulnerabilidade terá um efeito “autêntico”. Não o vemos
como é na privacidade da sua casa. No dia a dia na esfera pública usa-se
uma máscara, e às vezes alguns utilizam a máscara da “autenticidade”. Até
o hipster ou o rebelde desempenham um papel, com as poses e tatuagens
típicas. Eles não têm a liberdade de vestir um terno de repente, pois os
outros em seu círculo lhes começariam a questionar sua sinceridade, que
depende de exibir a aparência correta. O ser humano passa a ter mais
liberdade para incluir no papel que desempenha mais das suas qualidades
pessoais uma vez que tenha se estabelecido, e a sua competência não esteja
mais em questão. No entanto, há sempre limites para isso.
De forma consciente ou inconsciente, a maioria de nós adere ao que é
esperado do nosso papel porque compreendemos que o nosso sucesso social
depende disso. Alguns talvez se recusem a participar desse jogo, mas no fim
acabam marginalizados e forçados a representar o papel do forasteiro, com
opções limitadas e liberdade decrescente à medida que envelhecem. Em
geral, é melhor apenas aceitar essa dinâmica e extrair algum prazer dela.
Você não só está ciente da aparência adequada que precisa ter, mas sabe
como moldá-la para obter o melhor efeito possível dela. E pode, então, se
transformar num excelente ator no palco da vida e desfrutar do seu
momento sob os holofotes.
O que se segue são algumas instruções básicas da arte de gerenciar
impressões.
Domine os sinais não verbais. Em certas situações, quando os outros
querem decifrar quem somos, prestam atenção maior aos sinais não verbais
que emitimos. Isso pode ocorrer numa entrevista de emprego, na reunião de
um grupo ou numa aparição pública. Cientes disso, os atores sociais
inteligentes saberão, até certo ponto, como controlar esses sinais e emitir
conscientemente aqueles que são adequados e positivos. Eles sabem como
parecer afáveis, dar sorrisos genuínos, usar uma linguagem corporal
receptiva e espelhar as pessoas com que estão lidando. Conhecem os sinais
de dominância e irradiam autoconfiança. Têm a consciência de que certos
olhares são mais expressivos do que palavras para transmitir desdém ou
atração. De modo geral, você precisa ter ciência do seu estilo não verbal
para conseguir alterar certos aspectos de forma consciente, a fim de obter
um efeito melhor.
Seja um ator que segue o Método. No Método de Interpretação para o
Ator, você se treina a fim de ser capaz de manifestar as emoções
apropriadas quando quiser. Sente-se triste quando o papel pede por isso,
relembrando as suas próprias experiências que causaram essas emoções, ou,
se necessário, simplesmente imaginando-as. A finalidade é estar no
controle. Na vida real, não é possível nos treinarmos a esse ponto, mas se
não tivermos nenhum controle, se sempre expressarmos quaisquer emoções
que sentimos, emitiremos sinais sutis de fraqueza e falta geral de
autocontrole. Aprenda a se colocar de forma consciente no estado
emocional correto ao imaginar como e por que você sentiria a emoção
adequada à ocasião ou ao papel que estiver prestes a fazer. Entregue-se ao
sentimento para que o seu rosto e corpo se tornem animados de modo
natural. Às vezes, ao se fazer sorrir ou franzir a testa, sentirá algumas das
emoções que combinam com essas expressões. É igualmente importante
que você se treine para voltar a uma expressão mais neutra num momento
natural, com cuidado para não ir longe demais com a dramatização.
Adapte-se ao seu público. Embora você se adéque a certos parâmetros
estabelecidos pelo papel que desempenha, é preciso ser flexível. Bill
Clinton, um mestre da dramatização, nunca perdia de vista que, como
presidente, tinha de projetar autoconfiança e poder, mas, ao falar com um
grupo de funcionários automotivos, ajustava o sotaque e as palavras para se
adequar a eles, e fazia o mesmo com um grupo de executivos. Conheça o
seu público e molde os seus sinais não verbais ao estilo e gosto dos seus
interlocutores.
Crie a primeira impressão apropriada. Já foi demonstrado o quanto
as pessoas tendem a julgar com base nas primeiras impressões, bem como
as dificuldades que elas têm em rever esses julgamentos. Sabendo disso,
preste atenção redobrada à sua primeira aparição diante de um indivíduo ou
grupo. Em geral, é melhor suavizar os sinais não verbais e apresentar uma
fachada mais neutra. Excitação demais dá sinais de insegurança e talvez
deixe os outros desconfiados. Sorrir de maneira relaxada, porém, e olhar as
pessoas nos olhos, nesses primeiros encontros, pode fazer maravilhas para
lhes baixar a resistência natural.
Empregue efeitos dramáticos. Isso envolve dominar a arte da
presença/ausência. Se estiver presente demais, se as pessoas o veem com
frequência excessiva ou conseguem prever com exatidão o que vai fazer a
seguir, logo se sentirão entediadas com você. Saiba como se ausentar de
forma seletiva, regular quando e com que frequência aparece diante dos
outros, fazendo que eles o queiram ver mais, não menos. Cubra-se de algum
mistério, demonstrando algumas qualidades sutilmente contraditórias.
Ninguém precisa saber tudo sobre você. Aprenda a reter informações. De
modo geral, torne as suas aparições e comportamento menos previsíveis.
Projete qualidades virtuosas. Não importa em que período histórico
estejamos vivendo, certos traços são sempre vistos como positivos; saiba
como emulá-los. Por exemplo, a aparência de virtuosidade nunca sai de
moda. O que compõe a maneira de parecer virtuoso hoje com certeza é
diferente da do século 16, mas a essência é a mesma – incorpora-se o que é
considerado bom e acima de qualquer censura. No mundo moderno, isso
quer dizer se mostrar progressista, extremamente tolerante e de mente
aberta. Você vai querer ser visto fazendo doações generosas a certas causas
e as apoiando nas redes sociais. Projetar sinceridade e honestidade sempre
causa uma boa impressão. Algumas confissões públicas de fraquezas e
vulnerabilidades trarão os resultados desejados. Por algum motivo, as
pessoas entendem sinais de humildade como autênticos, mesmo que elas
possam muito bem os estar simulando. Aprenda a baixar a cabeça de vez
em quando e parecer humilde. Se há um trabalho sujo a ser feito, arrume
outros para fazê-lo. As suas mãos devem permanecer limpas. Nunca adote
abertamente o papel do líder maquiavélico – isso só funciona na televisão.
Empregue os sinais apropriados de dominância para fazer os outros o
imaginarem poderoso, mesmo antes de você atingir esse status. Pareça
destinado ao sucesso, um efeito místico que sempre dá certo.
O mestre desse jogo só pode ser o imperador Augusto (63 a.C.-14 d.C.)
da Roma antiga, que entendia o valor de ter um bom inimigo, um vilão com
quem se comparar. Com esse propósito, ele usou Marco Antônio, seu rival
inicial pelo poder, como o contraste perfeito. Augusto se aliou pessoalmente
com tudo que era tradicional na sociedade romana, até mesmo situando a
sua residência junto ao local onde se supunha que a cidade havia sido
fundada. Enquanto Antônio estava no Egito, namorando a rainha Cleópatra
e se entregando a uma vida de luxúria, Augusto podia apontar o tempo todo
para as diferenças entre eles, posando como a personificação dos valores
romanos, os quais Antônio havia repudiado. Ao se tornar o líder supremo de
Roma, encenou um espetáculo de humildade, devolvendo o poder ao
Senado e ao povo. Ele falava latim com um linguajar mais popular e vivia
de maneira simples, tal qual um homem do povo. E por tudo isso era
reverenciado. É claro que era tudo fingimento. Na verdade, passava a maior
parte do tempo num palacete fora de Roma, tinha muitas amantes, que
vinham de lugares tão exóticos quanto o Egito, e, embora desse a impressão
de ceder o poder, agarrou-se às verdadeiras rédeas do controle: as forças
militares. Obcecado pelo teatro, Augusto era um mestre em produzir
espetáculos e usar máscaras. Ele deve ter percebido isso, pois estas foram as
suas últimas palavras no leito de morte: “Desempenhei bem o meu papel na
farsa da vida?”.
Compreenda o seguinte: a palavra personalidade vem de persona, que
em latim significa “máscara”. Em público, todos usamos máscaras, e isso
tem uma função positiva. Se demonstrássemos exatamente quem somos e
falássemos o que pensamos com sinceridade, ofenderíamos quase todos e
revelaríamos qualidades que é melhor esconder. Ter uma persona,
desempenhar bem um papel, nos protege de sermos observados com muita
atenção, e de todas as inseguranças que isso traria à tona. De fato, quanto
melhor desempenhar o seu papel, mais poder você acumulará, e, com poder,
terá a liberdade de expressar mais das suas peculiaridades. Se levar isso
longe o bastante, a persona que apresentar coincidirá com muitas das suas
características únicas, mas sempre ampliadas a fim de criar efeito.
“Parece que você viu nela muito do que era invisível para mim.”/ “Não invisível, mas
despercebido, Watson. Você não sabia pelo que procurar, por isso deixou de notar tudo
que era importante. Não tenho como fazê-lo compreender a importância das mangas
da roupa, ou como as unhas do polegar são sugestivas, ou as grandes questões que
dependem de um cadarço de bota.”
— Sir Arthur Conan Doyle, Um caso de identidade
4
Determine a força de caráter das pessoas
A Lei do Comportamento Compulsivo
Ao escolher pessoas com quem trabalhar e se associar, não se mesmerize
pela reputação delas ou se deixe levar pela imagem superficial que tentam
projetar. Em vez disso, treine-se para olhar mais a fundo dentro de cada
uma e lhes ver o caráter. O caráter dos indivíduos é formado nos anos
iniciais e por seus hábitos diários. É o que os compele a repetir certas
ações na vida e a cair em padrões negativos. Observe com atenção esses
padrões e se lembre de que o ser humano nunca faz algo apenas uma vez. É
inevitável que repita o seu comportamento. Meça a força relativa do
caráter das pessoas por como elas lidam com adversidades, pela
habilidade com que se adaptam e trabalham com os outros, pela paciência
e capacidade de aprender. Gravite sempre em torno dos que emitem sinais
de força, e evite os muitos tipos tóxicos existentes. Conheça bem o seu
próprio caráter de forma a romper os seus padrões compulsivos e tomar o
controle sobre o seu destino.
O PADRÃO
Para os tios, tias e avós que o viram crescer em Houston, no Texas,
Howard Hughes Jr. (1905-1976) era um menino tímido e desajeitado. A
mãe quase morreu no parto e, como consequência, não poderia engravidar
de novo, por isso se devotou por completo ao filho. Com um temor
constante de que ele adoeceria, vigiava-lhe todos os movimentos e fez o
possível para protegê-lo. A criança venerava o pai, Howard Sênior, que em
1909 havia fundado a fábrica de ferramentas Sharp-Hughes Tool Company,
com a qual logo faria fortuna. Este não permanecia muito em casa, sempre
viajando a negócios, de forma que o jovem Howard passava um bom tempo
com a mãe. Aos parentes, ele parecia nervoso e hipersensível, mas, ao
crescer, tornou-se bem polido e afável, totalmente devotado à família.
Então, em 1922, a mãe morreu de forma repentina, aos 39 anos de
idade. O pai nunca se recobrou da morte precoce da esposa, e faleceu dois
anos mais tarde. Então, aos 19 anos, o rapaz se viu sozinho no mundo,
tendo perdido as duas pessoas que haviam sido os seus companheiros mais
próximos e que lhe tinham direcionado cada fase da vida. Os parentes dele
decidiram que teriam de preencher aquele espaço e lhe dar o
direcionamento de que precisava. No entanto, nos meses que se seguiram à
morte de Howard Sênior, logo se confrontaram com um Howard Hughes Jr.
que jamais viram ou suspeitaram que existia. Aquele indivíduo afável de
súbito se tornou bastante abusivo. Antes obediente, era agora um rebelde
radical. Não permaneceria na faculdade, como lhe fora aconselhado, e não
seguiria nenhuma recomendação. Quanto mais insistissem, mais agressivo
se tornava.
Herdando a fortuna da família, podia agora se tornar independente, e
planejava levar isso o mais longe possível. De imediato, lutou para comprar
todas as ações da Sharp-Hughes Tool Company que estavam na posse dos
parentes e obter o controle total do negócio altamente lucrativo. Segundo a
legislação do Texas, ele poderia solicitar ao tribunal que o declarasse como
adulto caso conseguisse se provar competente o bastante para desempenhar
esse papel. Hughes fez amizade com um juiz local e em pouco tempo
obteve a declaração que queria. Agora, seria capaz de mandar na própria
vida e na fábrica de ferramentas sem nenhuma interferência. A família se
sentiu ofendida com tudo isso, e logo ambas as partes cortaram quase todo o
contato entre si para sempre. O que havia transformado o doce menino que
conheciam nesse rapaz rebelde e hiperagressivo? Era um mistério que
nunca desvendariam.
Depois de declarar a sua independência, Howard se mudou para Los
Angeles, Califórnia, determinado a seguir as suas duas mais novas paixões
– produzir filmes e pilotar aviões. Ele tinha dinheiro para se satisfazer em
relação a esses interesses, e em 1927 decidiu combiná-los, produzindo um
filme épico de alto orçamento chamado Anjos do inferno, sobre pilotos
durante a Segunda Guerra Mundial. Recrutou um diretor e uma equipe de
roteiristas, mas se desentendeu com o primeiro e o despediu. Empregou,
então, Luther Reed, um homem que também tinha grande interesse em
aviação e se identificava mais com o projeto, mas logo este pediu demissão,
cansado da interferência constante de Hughes. As últimas palavras que lhe
disse foram: “Se sabe tanto assim, por que você mesmo não dirige?”.
Hughes seguiu o conselho e se nomeou diretor.
O orçamento começou a subir à medida que ele se esforçava para
conseguir o máximo de realismo. Meses, anos transcorreram enquanto
passava por centenas de membros de equipe e dublês de pilotagem, três dos
quais morreram em acidentes com fogo. Após batalhas intermináveis,
acabou despedindo quase todos os chefes de departamento e dirigindo a
produção sozinho. Preocupava-se excessivamente com cada tomada, cada
ângulo, cada storyboard. Por fim, Anjos do inferno estreou em 1930 e foi
um sucesso estrondoso. A história era uma bagunça, mas as sequências de
voo e ação deliciaram o público. Nascia então a lenda de Howard Hughes.
Era um jovem intrépido e independente que se rebelara contra o sistema e
produzira um grande sucesso. Um rude individualista que fez tudo sozinho.
O filme custou a quantia colossal de 3,8 milhões de dólares para ser
realizado, e perdeu quase 2 milhões de dólares, mas ninguém prestou
atenção a isso. O próprio Hughes era humilde e alegava ter aprendido a
lição sobre a produção: “Fazer Anjos do inferno sozinho foi o meu maior
erro […]. Tentar realizar o trabalho de 12 homens foi idiotice da minha
parte. Aprendi, pela experiência amarga, que ninguém sabe tudo”. Durante
a década de 1930, a lenda de Hughes pareceu apenas crescer à medida que
pilotava aviões para quebrar vários recordes mundiais de velocidade,
correndo riscos mortais em diversas ocasiões. A partir da empresa do pai,
criou um novo negócio chamado Hughes Aircraft, que tinha esperanças de
transformar na maior fábrica de aviões do mundo. Na época, isso exigia
obter grandes contratos militares para produzir aviões, e quando os Estados
Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial ele armou uma grande
estratégia para conseguir um contrato assim.
Em 1942, vários oficiais do Departamento de Defesa, impressionados
com as proezas dele na aviação, com a atenção meticulosa a detalhes que
revelava em entrevistas e com seus esforços incansáveis para influenciar
pessoas, decidiram premiar a Hughes Aircraft com uma concessão de 18
milhões de dólares para fabricar três enormes aviões de transporte,
chamados Hércules, que seriam utilizados para levar soldados e
suprimentos a várias frentes de guerra. Denominados barcos voadores,
deveriam ter asas com envergadura maior do que um estádio de futebol e a
cabine tão alta quanto um prédio de três andares. Se a empresa fizesse um
bom trabalho, entregando-os no prazo e se mantendo abaixo do orçamento,
o Departamento de Defesa faria muito mais encomendas e Hughes poderia
dominar o mercado de aeronaves de transporte.
Menos de um ano mais tarde, mais boas notícias. Impressionados com o
design belo e elegante da pequena aeronave D-2 de Hughes, a Força Aérea
encomendou 100 aviões para reconhecimento aéreo por 43 milhões de
dólares, a serem reconfigurados nas linhas do D-2. No entanto, logo se
espalhou o boato de que havia problemas na Hughes Aircraft, que começara
como uma espécie de passatempo, pois Hughes colocara nela vários amigos
de Hollywood e companheiros de aviação em posições de alto nível. E à
medida que crescia, também aumentava o número de departamentos, mas
existia pouca comunicação entre eles. Tudo precisava passar pelo próprio
Hughes. Ele tinha que ser consultado sobre a mais ínfima das decisões.
Frustrados com toda essa interferência no trabalho, vários engenheiros de
primeira linha se demitiram.
Hughes enxergou o problema e contratou um administrador geral para
ajudar com o projeto Hércules e fortalecer os negócios, mas o administrador
geral se demitiu depois de dois meses. Hughes lhe prometera carta branca
na reestruturação da empresa, porém após apenas alguns dias ele começou a
vetar suas decisões e enfraquecer a sua autoridade. Ao fim do verão de
1943, 6 milhões dos 9 milhões de dólares alocados para a produção do
primeiro Hércules já haviam sido gastos, e a aeronave não estava nem perto
de ser concluída. Os oficiais do Departamento de Defesa que apoiaram
Hughes para o trabalho entraram em pânico. A encomenda dos aviões de
reconhecimento aéreo era crucial para o esforço de guerra. Será que o caos
interno e os atrasos com o Hércules representavam problemas para a
encomenda mais importante também? Hughes os ludibriara com o seu
charme e campanha pública?
No início de 1944, a fabricação dos aviões de reconhecimento estava
irremediavelmente atrasada. Os militares agora insistiam para que um novo
administrador geral fosse contratado a fim de que resgatasse pelo menos
parte do projeto. Felizmente, um dos melhores homens para o trabalho
estava disponível na época: Charles Perelle, o “garoto prodígio” da
produção de aeronaves. Este não queria o emprego, pois sabia, como todos
da área, do caos reinante dentro da Hughes Aircraft. Agora o próprio
Hughes, desesperado, partiu para a ofensiva usando todo o seu charme.
Insistiu que havia se dado conta dos erros que cometera. Precisava das
habilidades de Perelle. Ele não era o que Perelle esperava – mostrou-se de
todo humilde e pareceu ser vítima de executivos inescrupulosos dentro do
próprio negócio. Sabia os detalhes técnicos da produção de um avião, o que
o impressionou. Hughes prometeu dar a ele a autoridade de que precisava.
A despeito do seu próprio bom senso, Perelle aceitou o emprego.
Depois de apenas algumas semanas, porém, o administrador se
arrependeu da decisão. Os aviões estavam bem mais atrasados do que fora
levado a acreditar. Tudo o que via cheirava a falta de profissionalismo, até
os desenhos malfeitos das aeronaves. E se pôs a trabalhar, cortando gastos
desnecessários e simplificando os departamentos, mas ninguém lhe
respeitava a autoridade. Todos sabiam quem comandava de fato a empresa,
pois Hughes continuava a neutralizar as reformas de Perelle. À medida que
o projeto se atrasava mais e a pressão aumentava, Hughes desapareceu de
cena, tendo aparentemente um esgotamento nervoso. Ao fim da guerra,
nenhum avião de reconhecimento havia sido fabricado, e a Força Aérea
cancelou o contrato. O próprio Perelle, arrasado pela experiência, se
demitiu em dezembro daquele ano.
Hughes, tentando salvar algo dos anos de guerra, apontava para a
fabricação completa de um dos barcos voadores, mais tarde conhecido
como o Spruce Goose (“ganso de abeto”). Era uma maravilha, ele alegava,
uma peça brilhante de engenharia numa escala colossal. Para provar que
aqueles que duvidavam dele estavam errados, decidiu realizar pessoalmente
um voo de teste. Ao sobrevoar o oceano, porém, tornou-se dolorosamente
claro que o avião não tinha nem de longe a potência suficiente para o seu
enorme peso; depois de 1,6 quilômetro, pousou com cuidado na água e
precisou ser rebocado. O avião jamais voltaria a voar e seria armazenado
num hangar com o custo de 1 milhão de dólares por ano, pois Hughes se
recusava a desmontá-lo para aproveitar as peças.
Em 1948, o proprietário da RKO Pictures, Floyd Odlum, quis vendê-la.
A RKO era um dos estúdios mais lucrativos e prestigiados de Hollywood, e
Hughes ansiava por retornar à luz dos holofotes, se estabelecendo na
indústria cinematográfica. Comprou as ações de Odlum e obteve a
participação majoritária. Dentro da RKO, houve pânico. Os executivos de lá
conheciam sua reputação como alguém que se intrometia em tudo. A
empresa havia acabado de criar um novo regime, encabeçado por Dore
Schary, que a transformaria no estúdio mais impetuoso para novos diretores.
Schary decidiu se demitir antes de ser humilhado, mas concordou em
conhecer Hughes primeiro, em grande parte por curiosidade.
Hughes foi puro charme. Segurou a mão de Schary, olhou-o direto nos
olhos e disse: “Eu não quero ter nada a ver com a direção do estúdio. Você
vai ser deixado em paz”. Surpreso por essa demonstração de sinceridade e
por sua proposta ter sido aprovada, acabou voltando atrás, e pelas primeiras
semanas tudo foi como Hughes havia prometido. No entanto, logo vieram
os telefonemas. Hughes queria que ele substituísse uma atriz no filme mais
recente em produção. Percebendo o erro que cometera, Schary se demitiu
de imediato, levando consigo muitos membros da sua própria equipe.
Hughes começou a preencher as posições com aqueles que lhe
obedeciam às ordens, contratando atores e atrizes de quem gostava.
Comprou um roteiro chamado Estradas do inferno e planejou transformá-lo
na versão de 1949 de Anjos do inferno. John Wayne seria o ator principal, e
o grande Josef von Sternberg ocuparia o cargo de diretor. Após poucas
semanas, Sternberg não aguentava mais os telefonemas de Hughes e pediu
demissão. Hughes assumiu o controle. Numa repetição completa do
ocorrido em Anjos do inferno, o filme levou quase três anos para ser
produzido, em grande parte por causa das filmagens aéreas, e o orçamento
subiu para 4 milhões de dólares. Foram tantas as cenas filmadas que ele não
conseguia decidir como montar o filme, levando seis anos para finalizá-lo –
e, a essa altura, as cenas com os aviões já estavam completamente
ultrapassadas e Wayne parecia bem mais velho. O filme logo caiu na
obscuridade total. Em pouco tempo, o estúdio – que fora tão ativo – tinha
prejuízos substanciais e, em 1955, tendo acionistas furiosos com o seu mau
gerenciamento, Hughes vendeu a RKO para a General Tire Company.
Na década de 1950 e no início da de 1960, as Forças Armadas norteamericanas decidiram adaptar parte da sua filosofia de combate aos novos
tempos. Para guerrear em lugares como o Vietnã, era preciso usar
helicópteros, inclusive um helicóptero leve de observação para ajudar em
atividades de reconhecimento. O Exército buscou potenciais fabricantes e,
em 1961, selecionou dois dos que haviam enviado as melhores propostas,
rejeitando o projeto da segunda empresa de aeronaves de Hughes, que ele
criara a partir da Hughes Tool (a versão original da Hughes Aircraft era
agora comandada de maneira completamente independente do próprio
dono). Mas ele se recusou a aceitar essa derrota. A sua equipe de
publicidade iniciou uma enorme campanha de influência, cortejando os
oficiais do Exército com comes e bebes, do mesmo jeito que havia feito
vinte anos antes com os aviões de reconhecimento aéreo, gastando dinheiro
em abundância. A campanha foi um sucesso, e o projeto passou a concorrer
com os outros dois. O Exército decidiu que a empresa que oferecesse o
melhor preço ganharia.
O que Hughes ofereceu surpreendeu os militares – o valor era tão baixo
que parecia impossível obter qualquer lucro com a fabricação dos
helicópteros. A estratégia dele era perder dinheiro na produção inicial a fim
de vencer o leilão, conseguir o contrato e, então, aumentar o preço em
encomendas subsequentes. Em 1965, o Exército finalmente cedeu o
contrato a Hughes, uma façanha inacreditável para uma empresa que havia
tido tão pouco sucesso na produção de aeronaves. Se os helicópteros fossem
bem-feitos e entregues no prazo, o Exército poderia, com sorte, encomendar
milhares deles, e Hughes usaria isso como um trampolim para a produção
de helicópteros comerciais, um negócio em expansão.
À medida que a Guerra do Vietnã se acirrava, o Exército com certeza
aumentaria a sua encomenda e Hughes receberia uma fortuna, mas,
enquanto aguardavam a entrega dos primeiros helicópteros, os que tinham
cedido aquele contrato entraram em pânico: a empresa encontrava-se
atrasada em relação ao prazo combinado, e uma investigação foi iniciada
para descobrir o que acontecia. Para o horror dos militares, não parecia
existir nenhuma linha de produção organizada. A fábrica era pequena
demais para um projeto daquele tamanho. Os detalhes estavam todos
errados – os desenhos não eram profissionais, as ferramentas eram
inadequadas e havia pouquíssimos trabalhadores capacitados no local. Era
como se não tivessem experiência em projetar aviões e tentassem descobrir
como fazê-lo à medida que o trabalho avançava. Era exatamente a mesma
situação dos aviões de reconhecimento aéreo, de que apenas alguns
militares ainda se recordavam. Estava claro que Hughes não aprendera
nenhuma lição com o fiasco anterior.
Como previsto, os helicópteros foram entregues apenas de pouco em
pouco. Desesperados, os oficiais do Exército decidiram realizar um novo
leilão para uma encomenda muito maior dos 2.200 helicópteros de que
necessitavam, na esperança de que alguém mais experiente surgisse com um
preço menor e forçasse Hughes para fora da jogada. Este entrou em pânico.
Perder a concorrência seguinte seria a sua ruína. A empresa contava com a
possibilidade de aumentar o preço para a nova encomenda a fim de se
recuperar das perdas enormes sofridas com a produção inicial. Era essa a
aposta que ele havia feito. Se tentasse oferecer um preço baixo para os
helicópteros adicionais, não obteria nenhum lucro, e se a sua oferta não
fosse baixa o bastante, alguém mais ofereceria um preço menor, que foi o
que acabou acontecendo. Ao fim de tudo, a perda para Hughes pelos
helicópteros que fabricou foi de astronômicos 90 milhões de dólares, cujo
efeito na empresa foi devastador.
Em 1976, Howard Hughes morreu num avião que partiu de Acapulco
para Houston, e a necrópsia realizada em seu corpo revelou ao público o
que lhe aconteceu na última década de sua vida. Por anos, ele fora viciado
em analgésicos e narcóticos. Havia vivido em quartos de hotel selados
hermeticamente, com um medo mortal da mais ínfima possibilidade de
contaminação por germes. À época da sua morte, pesava meros 42 quilos.
Vivera em isolamento quase completo, servido por uns poucos assistentes,
tentando desesperadamente manter tudo isso em segredo. Foi derradeira
ironia que o homem cujo maior temor havia sido a perda de controle
terminasse em seus últimos dias à mercê total de um punhado de assistentes
e executivos, que supervisionavam a sua lenta morte por drogas e que
arrebataram dele o controle essencial da empresa.
Interpretação: O padrão da vida de Howard Hughes foi estabelecido
bem cedo. A mãe tinha uma natureza ansiosa e, depois de descobrir que não
poderia mais engravidar, direcionou grande parte da sua intranquilidade
para o único filho vivo. Ela o sufocava com atenção constante, tornando-se
a sua companheira mais próxima, quase nunca o perdendo de vista. O pai,
por sua vez, nutria expectativas tremendas de que o garoto desse
continuidade ao nome da família. Os dois decidiam tudo que a criança fazia
– o que vestia, o que comia, e quem eram os seus amigos (embora estes
fossem poucos). Eles o passavam de uma escola a outra, procurando o
ambiente perfeito para o filho, que dava sinais de ser hipersensível e ter
dificuldades de se dar bem com os outros. Era de todo dependente dos pais
para tudo e, graças a um medo horrível de desapontá-los, tornou-se polido e
obediente ao extremo.
A verdade, porém, era que se ressentia de forma amarga dessa
dependência total. Quando os pais morreram, o caráter verdadeiro de
Hughes conseguiu finalmente emergir de baixo dos sorrisos e da
obediência. Ele não nutria nenhum afeto pelos parentes. Preferia encarar o
futuro sozinho a deixar que tivessem a menor autoridade sobre si. Precisava
do controle absoluto, mesmo aos 19 anos, do próprio destino; se não fosse
assim, suas velhas ansiedades da infância voltariam. E, com o dinheiro que
herdou, tinha o poder para realizar o sonho da independência total. O amor
pela aviação refletia esse traço de caráter. Apenas no ar, sozinho e no
comando, vivenciava a euforia do controle e o alívio das ansiedades. Voava
bem acima das massas, a quem detestava em segredo. Era capaz de
enfrentar a morte, o que fez muitas vezes, porque seria uma morte sob o seu
próprio poder.
O caráter de Hughes despontou com nitidez ainda maior no estilo de
liderança
que
desenvolveu
em
Hollywood
e
nos
seus
outros
empreendimentos. Se roteiristas, diretores ou executivos sugerissem ideias,
encarava isso como um desafio pessoal à sua autoridade. Isso despertava as
velhas ansiedades sobre se sentir impotente e dependente dos outros. Para
combater esse sentimento, tinha que manter o controle de todos os aspectos
dos negócios, supervisionando até a grafia e a gramática do menor anúncio
publicitário. Criou uma estrutura bem solta dentro das empresas, fazendo
todos os executivos brigarem entre si para obter a sua atenção. Melhor ter
algum caos interno, desde que tudo passasse por ele.
O paradoxo disso era que, ao tentar obter esse controle total, Hughes
tendia a perdê-lo; é impossível para um único homem se manter no
comando de tudo, e assim surgiam todos os tipos de imprevisto. Quando os
projetos se desmantelavam e a pressão se intensificava, ele desaparecia de
cena, ou adoecia de forma bem conveniente. Essa necessidade de controlar
tudo em redor se estendia até às mulheres com que namorou – examinandolhes cada ação, e contratando investigadores particulares para segui-las.
O problema que Howard Hughes apresentava a todos os que decidiam
trabalhar ao seu lado em alguma capacidade era que ele construiu com
cuidado uma imagem pública que ocultava as fraquezas óbvias do seu
caráter. Em vez de um microgerenciador irracional, apresentava-se como o
individualista rude e como o perfeito norte-americano independente. O que
mais causava danos era a sua habilidade de se caracterizar como um
empresário de sucesso liderando um império de bilhões de dólares. Na
verdade, havia herdado do pai uma fábrica de ferramentas bastante
lucrativa. Com o passar dos anos, as únicas partes desse império que
rendiam lucros substanciais eram a fábrica de ferramentas e uma versão
inicial da Hughes Aircraft, que ele criou a partir dessa fábrica. Por muitos
motivos, essas duas empresas eram gerenciadas de forma completamente
independente de Hughes; ele não contribuía em nada para as suas
operações. As muitas outras que comandou pessoalmente – a divisão
posterior de aviação, os empreendimentos cinematográficos, os hotéis e
imóveis em Las Vegas – tiveram prejuízos substanciais que, por sorte,
foram cobertos pelas outras duas.
Na verdade, Hughes era um péssimo empresário, e o padrão de
fracassos que revelava isso era evidente para qualquer um ver. No entanto,
esse é um ponto cego da natureza humana: estamos mal equipados para
medir o caráter das pessoas com quem lidamos. A imagem pública e a
reputação que as precedem nos mesmerizam com facilidade. Somos
cativados pelas aparências. Se os indivíduos se cercam de algum mito
encantador, como fez Hughes, querem acreditar nesse mito. Em vez de
determinar o caráter de alguém – a habilidade de trabalhar com outros, de
cumprir promessas, de se manter forte em circunstâncias adversas –,
decidimos fazer contratações com base em um currículo reluzente, no
charme e inteligência. Contudo, até mesmo um traço positivo como
inteligência não tem mérito nenhum se alguém tiver um caráter fraco ou
dúbio. Portanto, por causa do nosso ponto cego, sofremos sob o líder
irresoluto, o chefe microgerenciador, o sócio conivente. Essa é a raiz de
tragédias intermináveis na história, o nosso padrão como espécie.
A todo custo, você precisa alterar a sua perspectiva. Treine-se para
ignorar a fachada que os outros apresentam, o mito que os cerca, e, em vez
disso, busque a fundo por sinais do caráter deles. Isso será observável nos
padrões que revelaram no passado, na qualidade das suas decisões, em
como decidem solucionar problemas, como delegam autoridade e trabalham
em equipe, e inúmeros outros sinais. Uma pessoa de caráter forte é como
ouro – rara, mas inestimável. Ela se adapta, aprende e se aprimora. Já que o
seu sucesso depende daqueles com quem e para quem trabalhar, torne o
caráter deles o objeto principal da sua atenção. Você se poupará da miséria
que seria descobrir isso tarde demais.
Caráter é destino.
— Heráclito
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Por milhares de anos, nós, seres humanos, acreditamos no destino:
algum tipo de força – espíritos, divindades, ou Deus – nos compeliu a agir
de certa maneira. Ao nascermos, a nossa vida inteira foi definida de
antemão; estamos fadados ao sucesso ou ao fracasso. Vemos o mundo de
modo bem diferente agora. Acreditamos que, na maior parte, temos o
controle do que nos acontece, que criamos o nosso próprio destino. De vez
em quando, porém, acomete-nos uma sensação passageira que se aproxima
do que os nossos ancestrais devem ter sentido. Talvez um relacionamento
pessoal não dê certo ou a nossa carreira profissional encontre um obstáculo,
e essas dificuldades são estranhamente similares ao que já vivemos no
passado. Ou percebemos que a nossa maneira de trabalhar num projeto
precisa de algum aprimoramento; poderíamos fazer melhor. Tentamos
alterar os nossos métodos, apenas para nos flagrar fazendo tudo exatamente
igual, obtendo quase os mesmos resultados. Talvez sintamos, por um
momento, que algum tipo de força maligna, alguma maldição, nos compele
a reviver as mesmas situações.
Muitas vezes notamos esse fenômeno com maior clareza nas ações
alheias, em especial de quem nos é mais próximo. Por exemplo,
presenciamos amigos se apaixonarem o tempo todo pela pessoa errada ou
afastar de forma inconsciente a pessoa certa. Nós nos afligimos com algum
comportamento tolo deles, como um investimento imprudente ou uma má
escolha profissional, apenas para vê-los repetir a mesma tolice alguns anos
mais tarde, uma vez que tenham se esquecido da lição que aprenderam. Ou
conhecemos um indivíduo que sempre ofende a pessoa errada no momento
errado, criando hostilidade aonde quer que vá. Ou alguém que desmorona
sob pressão, sempre da mesma maneira, mas que culpa os outros ou a má
sorte pelo que acontece. E, é claro, conhecemos os viciados que abandonam
o vício, apenas para ter uma recaída ou encontrar outra forma de
dependência. Observamos padrões que eles não enxergam, pois ninguém
gosta de acreditar que está sob algum tipo de compulsão além do seu
controle. É um pensamento perturbador demais.
Se formos honestos com nós mesmos, precisamos admitir que há
alguma verdade no conceito de destino. Somos propensos a repetir decisões
e métodos de lidar com os problemas. Existe um padrão na nossa vida,
visível principalmente nos nossos erros e fracassos. No entanto, há um
modo diferente de olhar para esse conceito: não são espíritos ou divindades
que nos controlam, mas o nosso caráter. A etimologia da palavra kharaktēr,
do grego antigo, se refere a um instrumento de gravação ou impressão.
Caráter, portanto, é algo gravado ou impresso tão profundamente dentro de
nós que nos compele a agir de certas maneiras, além de nossa consciência e
controle. Podemos conceber esse caráter como tendo três componentes
essenciais, em camadas sobrepostas, que lhe dão profundidade.
A primeira camada, e também a mais profunda, está ligada à genética,
ao modo específico de programação do nosso cérebro, nos predispondo a
certos ânimos e preferências. O componente genético torna certas pessoas
propensas à depressão, por exemplo; faz uns serem introvertidos e outros
extrovertidos. Pode até levar alguns a se tornarem particularmente
gananciosos – por atenção ou privilégio ou possessões. A psicanalista
Melanie Klein, que estudou crianças, acreditava que o tipo ávido e
ganancioso delas veio ao mundo predisposto a esse traço de caráter. Talvez
existam também outros fatores genéticos que nos predisponham à
hostilidade ou à ansiedade ou à franqueza.
A segunda camada, formada acima dessa, vem dos nossos primeiros
anos e do tipo específico de apego que formamos com a nossa mãe e com
os que cuidavam de nós. Nesses primeiros três ou quatro anos, o nosso
cérebro é bastante maleável. Vivenciamos as emoções com muito mais
intensidade, criando traços de lembranças bem mais profundos do que
quaisquer outros que virão a seguir. É nesse período da vida que somos
mais suscetíveis à influência alheia, e a marca desses anos é profunda.
John Bowlby, antropólogo e psicanalista, estudou os padrões de
conexão entre mães e filhos, e sugeriu quatro esquemas básicos:
livre/autônomo, evitativo, protetor-ambivalente e desorganizado. A marca
livre/autônomo vem de mães que deram aos filhos a liberdade para se
descobrirem e que se mantiveram sensíveis às necessidades deles, mas que
também os protegiam. As evitativas costumam ser distantes, às vezes hostis,
e até mesmo rejeitam suas crianças, as quais são marcadas por um
sentimento de abandono e pela ideia de que precisam sempre sobreviver por
conta própria. As mães protetoras-ambivalentes não são consistentes na
atenção que oferecem – às vezes sufocam e se envolvem demais, outras
vezes se retraem por causa dos próprios problemas ou ansiedades. Talvez
façam os filhos se sentirem como se tivessem de tomar conta da pessoa que
deveria cuidar deles. As desorganizadas, por sua vez, emitem sinais bastante
conflitantes a eles, refletindo o seu próprio caos interior e, possivelmente,
traumas emocionais anteriores. Nada do que os filhos fazem está certo, e
eles podem desenvolver intensos problemas emocionais.
Existem, é claro, muitas gradações dentro de cada tipo, além de
combinações deles, mas em cada caso a qualidade do apego que tivemos
nos nossos primeiros anos vai criar tendências profundas em nós, em
especial na maneira como utilizamos os relacionamentos para lidar com a
tensão ou modulá-la. Por exemplo, filhos de um pai evitativo tenderão a
evitar qualquer tipo de situação emocional negativa e se protegerão contra
sentimentos de dependência. Talvez tenham dificuldades para se
comprometer a um relacionamento, ou afastarão as pessoas sem se darem
conta disso. Os filhos do tipo protetor sofrerão uma ansiedade enorme em
seus relacionamentos e sentirão muitas emoções conflitantes. Sempre serão
ambivalentes em relação aos outros, e isso estabelecerá padrões evidentes
no decorrer da vida, em que eles se aproximarão das pessoas e depois
recuarão de forma inconsciente.
Em geral, desde esses anos iniciais, os indivíduos exibirão um tom
específico de caráter – hostil e agressivo, seguro e confiante, ansioso e
evitativo, carente e protetor. Essas duas camadas são tão profundas que não
temos uma consciência real da existência delas e do comportamento que
compelem, a menos que façamos um grande esforço para nos
autoexaminarmos.
Acima dessas, uma terceira camada se formará a partir dos nossos
hábitos e experiências à medida que envelhecemos. Com base nas primeiras
duas camadas, tenderemos a nos apoiar em certas estratégias para lidar com
a tensão, buscar prazer, ou lidar com os outros. Essas estratégias agora se
tornam hábitos que se estabelecem na nossa juventude. Haverá
modificações na natureza específica do nosso caráter dependendo daqueles
com quem lidamos – amigos, professores, parceiros românticos – e de como
respondemos a eles. No entanto, em geral, essas três camadas estabelecerão
certos padrões evidentes. Tomaremos uma decisão em particular. Isso é
registrado neurologicamente no nosso cérebro. Somos compelidos a repetila porque o caminho para ela já está traçado. Torna-se um hábito, e o nosso
caráter é formado de milhares desses hábitos, os mais antigos tendo sido
determinados antes que tivéssemos consciência deles.
Há também uma quarta camada, desenvolvida muitas vezes no fim da
infância e na adolescência à medida que nos tornamos cientes de nossas
falhas de caráter. O ser humano faz o possível para encobri-las. Caso sinta
que, no fundo, é tímido e ansioso, percebe que esse não é um traço
socialmente aceitável. Aprende a disfarçá-lo com uma fachada. Compensase tentando parecer extrovertido ou despreocupado, ou até mesmo
dominador. Isso torna ainda mais difícil determinarmos a natureza do
caráter de alguém assim.
Alguns traços de caráter são positivos e refletem uma força interior. Por
exemplo, há pessoas com propensão para serem generosas e francas,
empáticas e adaptáveis sob pressão. No entanto, essas qualidades mais
fortes e flexíveis muitas vezes requerem consciência e prática para se
tornarem de fato hábitos com os quais elas podem contar. À medida que
envelhecemos, a vida tende a nos enfraquecer. Torna-se mais difícil manter
a nossa empatia (veja o Capítulo 2). Se formos reflexivamente generosos e
francos com todos que encontrarmos, acabaremos metidos em muitos
problemas. A autoconfiança sem autoconsciência e controle pode se
transformar em soberba. Sem um esforço consciente, esses traços fortes
tenderão a se exaurir e se transformar em fraquezas. O que isso significa é
que as partes mais fracas do nosso caráter são as que criam hábitos e
comportamentos compulsivos, pois não exigem esforço ou prática para
serem mantidas.
Por fim, podemos desenvolver traços conflitantes de caráter, talvez por
causa de uma diferença entre as nossas predisposições genéticas e das
nossas primeiras influências, ou dos pais que nos imprimiram valores
diferentes. É possível nos sentirmos tanto idealistas como materialistas,
ambos os lados lutando dentro de nós. A lei permanece a mesma. O caráter
em conflito, que se desenvolve nos primeiros anos de vida, vai apenas
revelar um tipo diferente de padrão, com decisões que tendem a refletir a
ambivalência de uma pessoa, ou que pendem de um lado a outro.
Como estudante da natureza humana, a sua tarefa é dupla: em primeiro
lugar, entenda o seu próprio caráter, examinando ao máximo os elementos
do passado que o formaram, e os padrões, na maioria negativos, que você
vê se repetindo na sua vida. É impossível se livrar desse carimbo que
constitui o seu caráter. Ele é profundo demais. No entanto, por meio da
consciência, é possível aprender a mitigar ou deter certos padrões negativos.
Trabalhe para transformar os aspectos fracos e negativos do seu caráter em
forças reais, tentando criar novos hábitos e padrões que combinem com eles
por meio da prática, moldando de forma ativa o seu caráter e o destino que
o acompanha. (Para entender mais sobre isso, ver a última seção deste
capítulo.)
Em segundo lugar, você deve desenvolver a sua habilidade de ler o
caráter das pessoas com quem lida. Para fazer isso, vai precisar considerar o
caráter como um valor primordial na hora de escolher aquele com quem ou
para quem trabalhar, ou um parceiro íntimo. Isso significa dar mais valor ao
caráter do que ao charme, inteligência ou reputação. Observar o caráter dos
outros – que se nota em suas ações e padrões – é uma habilidade social
absolutamente crucial. Vai ajudá-lo a evitar aqueles tipos de decisões que
representariam anos de miséria – escolher um líder incompetente, um sócio
suspeito, um assistente ardiloso, ou o tipo de cônjuge incompatível que
envenenaria a sua vida. Contudo, ela deve ser desenvolvida de maneira
consciente, pois os seres humanos em geral são ineptos quando se trata
desse tipo de avaliação.
O motivo básico da nossa ineptidão é que tendemos a basear o nosso
julgamento naquilo que é mais aparente. Entretanto, como foi dito antes, as
pessoas muitas vezes tentam ocultar as suas fraquezas ao apresentá-las
como algo positivo. Nós as vemos cheias de autoconfiança, apenas para
descobrir, mais tarde, que são arrogantes e incapazes de escutar os outros.
Dão a impressão de serem francas e sinceras, mas, com o tempo, notamos
que são grosseiras e incapazes de levar em consideração os sentimentos
alheios. Ou parecem prudentes e ponderadas, mas após algum tempo se
mostram tímidas em sua essência, com medo da menor crítica. As pessoas
são bem adeptas a criar essas ilusões de ótica, e nos deixamos enganar por
elas. De forma semelhante, há aqueles que nos encantam e lisonjeiam, e
nós, cegos pelo nosso desejo de gostar deles, deixamos de os enxergar mais
a fundo e ver as falhas de caráter.
Em relação a isso, quando analisamos os indivíduos, muitas vezes lhes
vemos apenas a reputação, o mito que os cerca, a posição que ocupam.
Passamos a acreditar que alguém de sucesso precisa, por natureza, ser
generoso, inteligente e bom, merecedor de tudo o que conquistou. No
entanto, há pessoas de sucesso de todos os tipos. Algumas são boas em usar
os
outros
para
chegar
aonde
chegaram,
mascarando
a
própria
incompetência. Há aquelas completamente manipuladoras. As bemsucedidas têm tantas falhas de caráter quanto todas as demais. Além disso,
tendemos a acreditar que quem adere a uma dada religião ou sistema de
crença política ou código moral deve ter o caráter apropriado. Contudo, o
nosso caráter é levado para a posição que ocupamos ou para a religião que
praticamos. É possível ser um liberal progressista ou um cristão devotado e,
mesmo assim, no fundo ser um tirano intolerante.
O primeiro passo, portanto, ao estudar o caráter, é ter consciência dessas
ilusões e fachadas, e nos treinarmos para enxergar além delas. Precisamos
examinar a todos em busca de sinais da sua verdadeira índole, não
importando como aparentam ou a posição que ocupam. Com isso bem firme
em mente, poderemos trabalhar nos vários componentes fundamentais dessa
habilidade: reconhecer certos sinais que as pessoas emitem em
determinadas situações e que revelam com clareza o seu caráter; entender
algumas categorias gerais nas quais se encaixam (caráter forte em oposição
ao caráter fraco, por exemplo), e, por fim, ter consciência de certos tipos
que, com frequência, são os mais tóxicos e deveriam ser evitados sempre
que possível.
SINAIS DO CARÁTER
O indicador mais significativo do caráter de alguém vem de suas ações
no decorrer do tempo. Apesar do que os indivíduos dizem sobre as lições
que aprenderam (veja o caso de Howard Hughes) e sobre como mudaram
com o passar dos anos, é inevitável que você note as mesmas ações e
decisões se repetindo no curso da vida deles. Nessas decisões é que a pessoa
revela o próprio caráter. Você precisa tomar nota de quaisquer formas
relevantes de comportamento – desaparecer quando há tensão em demasia,
não completar uma parte importante do trabalho, tornar-se subtamente
agressivo quando desafiado, ou, pelo contrário, encarar surpreendentemente
bem a situação ao receber mais responsabilidade. Com isso em mente,
pesquise um pouco o passado de quem estiver analisando. Examine outras
ações que se encaixem nesse padrão, agora em retrospecto. Preste bastante
atenção ao que esse indivíduo faz no presente. Veja as ações dele não como
incidentes isolados, mas como partes de um padrão compulsivo. Se você
ignorar o padrão, a culpa é toda sua.
Tenha sempre em mente o corolário principal dessa lei: as pessoas
nunca fazem algo apenas uma vez. Elas talvez tentem se desculpar, dizer
que perderam a cabeça naquele momento, mas tenha certeza de que vão
repetir seja qual for a bobagem que cometeram em outra ocasião,
compelidas por seu caráter e por seus hábitos. Na verdade, muitas vezes vão
repetir ações que contradizem completamente seus próprios interesses,
revelando a natureza compulsiva das suas fraquezas.
Cássio Severo foi um infame advogado-orador que prosperou à época
do imperador romano Augusto. Após chamar atenção com os seus discursos
incandescentes, que atacavam os romanos de alto escalão por seu estilo
extravagante de vida, ele conquistou um séquito. Tinha um estilo
bombástico, mas cheio de humor, que agradava o público. Encorajado pela
atenção que recebia, começou a insultar outros oficiais, sempre erguendo o
tom dos ataques. As autoridades o avisaram para parar. A novidade havia
passado e as multidões diminuíam, mas isso só o convenceu a se esforçar
mais.
Por fim, as autoridades perderam a paciência – em 7 d.C., deram ordens
para que os livros de Severo fossem queimados e para que este fosse banido
à ilha de Creta. Para o horror das autoridades romanas, em Creta ele
simplesmente continuou a sua campanha insolente, enviando a Roma cópias
dos seus discursos mais recentes. Preveniram-no mais uma vez. Severo não
apenas ignorou o aviso, mas começou a criticar e insultar os oficiais locais
de Creta, que queriam que ele fosse executado. Em 24 d.C., o Senado
tomou a decisão sábia de bani-lo para o rochedo despovoado de Sérifos, no
meio do mar Egeu. Lá ele passaria os últimos oito anos de sua vida, e
podemos imaginá-lo ainda formulando mais discursos ofensivos que
ninguém jamais ouviria.
É difícil para nós acreditarmos que as pessoas não conseguem controlar
tendências tão autodestrutivas, e queremos lhes dar o benefício da dúvida,
como os romanos fizeram. Entretanto, precisamos nos lembrar das palavras
sábias da Bíblia: “Como o cão volta ao seu vômito, assim o insensato repete
a sua insensatez”. É possível enxergar sinais eloquentes do caráter das
pessoas no modo como lidam com as questões diárias. Se elas se atrasarem
para terminar tarefas simples, vão se atrasar em projetos maiores. Se se
irritarem por causa de pequenas inconveniências, tenderão a desmoronar
sob problemas maiores. Caso se esquecerem de pequenos assuntos e não
prestarem atenção aos detalhes, farão o mesmo com os assuntos mais
importantes. Observe como tratam os funcionários nas situações diárias e
note se há discrepâncias entre a imagem que apresentam e a atitude que
demonstram em relação aos subordinados.
Em 1969, Jeb Magruder foi a San Clemente, na Califórnia, para
concorrer a uma vaga de emprego na administração de Nixon. O
encarregado de conduzir a entrevista era Bob Haldeman, chefe de gabinete,
um homem bem sério, completamente devotado à causa de Nixon e que
impressionou Magruder com a sua honestidade, perspicácia e inteligência.
Entretanto, nesse mesmo dia, quando os dois se prepararam para fazer um
passeio pela cidade, Haldeman se enfureceu de repente – não havia nenhum
carro de golfe disponível. Ele repreendeu os responsáveis pelos carros, e a
sua atitude foi ofensiva e rude. Estava quase histérico. Magruder deveria ter
visto esse incidente como um sinal de que aquele indivíduo não era o que
aparentava ser, que tinha problemas em relação a controle e também um
temperamento cruel, mas, encantado pela aura de poder em San Clemente e
querendo o emprego, decidiu ignorar isso, apenas para se arrepender muito
mais tarde.
Na vida diária, as pessoas muitas vezes conseguem disfarçar as falhas
de caráter, mas, em momentos de tensão ou crise, estas, de súbito, se tornam
bem aparentes. O ser humano, quando sob tensão, perde o autocontrole
habitual. Revela as suas inseguranças a respeito da própria reputação, o
medo do fracasso e a falta de adaptabilidade interior. Por outro lado, alguns
enfrentam a situação e revelam força nesse tipo de cenário. Não há nenhum
jeito de saber até que as circunstâncias se compliquem, mas você precisa
prestar atenção redobrada.
De forma análoga, a maneira como os indivíduos lidam com o poder e a
responsabilidade lhe dirá muito sobre eles. Conforme Lincoln disse: “Se
você quiser testar o caráter de um homem, dê-lhe poder”. No caminho para
o poder, as pessoas tendem a desempenhar o papel de seguidoras, a se
mostrar respeitosas, a se alinhar com as diretrizes do grupo, a fazer o que
for preciso para chegar ao topo. Uma vez lá, há menos restrições, e elas
com frequência revelarão algo sobre si mesmas que você não havia notado.
Algumas permanecem fiéis aos valores que tinham antes de atingir uma
posição elevada – permanecem respeitosas e empáticas. Por outro lado, a
maioria se sente no direito de, de repente, tratar os outros de forma diferente
quando está por cima.
Foi isso que aconteceu com Lyndon Johnson ao obter uma posição de
segurança definitiva no Senado norte-americano, como líder majoritário.
Cansado dos anos que passou bancando o perfeito cortesão, ele agora se
deliciava com o poder que tinha para transtornar ou humilhar aqueles que o
haviam desafiado no passado. Caminhava em direção a um desses
senadores e fazia questão de falar apenas com o assistente deste. Ou se
levantava e deixava o aposento quando um senador de quem não gostava
proferia um discurso importante, fazendo os outros senadores o seguirem.
Em geral, há sempre sinais desses péssimos traços de caráter no passado, se
você prestar bastante atenção (Johnson os revelara nos primórdios da sua
carreira política), mas, o que é mais importante, você precisa perceber o que
as pessoas manifestam uma vez que estão no poder. Tantas vezes pensamos
que é o poder que as muda, quando, na realidade, este simplesmente revela
mais sobre quem elas são.
A maneira como os indivíduos escolhem um cônjuge ou parceiro diz
muito sobre eles mesmos. Alguns procuram por alguém que consigam
dominar e controlar, talvez uma pessoa mais jovem, menos inteligente ou
não tão bem-sucedida. Outros, um parceiro que possam resgatar de uma
situação ruim, para que ajam como salvadores, que é também uma forma de
controle. No entanto, há quem procure por aquele que faça o papel de
mamãe ou papai. Querem mais mimos. É raro que essas escolhas sejam
intelectuais, pois refletem os anos iniciais e os sistemas de apego do ser
humano. Elas surpreendem às vezes, como quando selecionam aquele que
parece muito diferente e visivelmente incompatível, mas existe sempre uma
lógica interna para tanto. Por exemplo, quem tem um medo terrível de ser
abandonado por aquele que ama, refletindo ansiedades da infância,
seleciona um parceiro bastante inferior em aparência e inteligência, sabendo
que este se agarrará ao relacionamento não importa o que aconteça.
Outro campo a se examinar é como o ser humano se comporta quando
está distante do trabalho. Num jogo ou esporte, talvez manifeste uma
natureza competitiva que não consegue desligar. Teme ser superado em
qualquer aspecto, até quando está dirigindo. Precisa estar na frente,
liderando. É possível canalizar isso de maneira funcional no trabalho, mas,
nas horas de folga, camadas profundas de inseguranças são reveladas.
Observe como as pessoas reagem ao perder um jogo. Elas o fazem de
maneira graciosa? A linguagem corporal mostrará muito a esse respeito.
Tentam fazer o que podem para driblar ou quebrar as regras? Estão tentando
escapar do trabalho e relaxar, ou se afirmar até em momentos assim?
Em geral, pode-se dividir os indivíduos entre introvertidos e
extrovertidos, e isso desempenha um grande papel no caráter que eles
desenvolvem. Os extrovertidos são, na maioria, governados por critérios
externos. A questão que os domina é: “O que os outros pensam de mim?”.
Tendem a gostar do que as outras pessoas gostam, e os grupos aos quais
pertencem com frequência determinam as opiniões que defendem. São
abertos a sugestões e novas ideias, mas só se estas forem populares na
cultura ou afirmadas por alguma autoridade que respeitem. Os extrovertidos
valorizam fatores externos – boas roupas, refeições excelentes, divertimento
concreto compartilhado com outros. Estão em busca de sensações novas e
diferentes, e têm bom faro para tendências. Não apenas se sentem
confortáveis com o barulho e a agitação, mas visam esses elementos a de
forma ativa. Se forem ousados, adoram aventuras físicas. Se não forem tão
ousados, se encantam por confortos materiais. De todo modo, anseiam por
estímulo e pela atenção alheia.
Os introvertidos são mais sensíveis e se cansam com facilidade diante
de atividades externas em excesso. Gostam de conservar as suas energias,
passar o tempo sozinhos ou com um ou dois amigos íntimos. Ao contrário
dos extrovertidos, que são fascinados por fatos e estatísticas pelo seu
próprio mérito, os introvertidos se interessam pelas próprias opiniões e
sentimentos. Teorizam e criam as suas próprias ideias. Caso produzam
alguma coisa, não a promovem; acham o esforço desagradável. O que criam
deveria se vender por si só. Gostam de manter uma parte da vida separada
dos demais, de ter segredos. As opiniões dos introvertidos não vêm do que
os outros pensam ou de alguma autoridade, mas dos seus critérios
interiores, ou pelo menos é o que imaginam. Quanto maior a multidão, mais
perdidos e solitários se sentem. Talvez pareçam desastrados e desconfiados,
desconfortáveis com a atenção. Tendem também a ser mais pessimistas e
preocupados do que o extrovertido típico. Expressam a sua ousadia por
meio de ideias originais e da criatividade.
Você talvez note tendências para ambas as direções nos outros e em
você mesmo, mas, em geral, as pessoas se inclinam para a direção A ou B.
É importante medir isso nos indivíduos por um motivo simples: os
introvertidos e extrovertidos, por natureza, não se entendem. Para o
extrovertido, o introvertido não se diverte, é teimoso, até mesmo
antissocial; já o introvertido acredita que o extrovertido é superficial,
frívolo, e se preocupa demais com a opinião alheia. Ser de um tipo ou outro
é, em geral, consequência da genética, e fará duas pessoas verem a mesma
coisa sob uma luz totalmente diferente. Quando perceber que está lidando
com alguém de uma variedade diversa da sua, você terá que reavaliar o
caráter dele sem lhe impingir as suas próprias preferências. Além disso, às
vezes é possível que introvertidos e extrovertidos consigam trabalhar bem
juntos, em especial se tiverem uma mistura de ambas as qualidades e se
complementarem, mas, na maior parte das vezes, esses tipos não se dão
bem e são propensos a desentendimentos constantes. Tenha em mente que,
em geral, existem mais extrovertidos do que introvertidos no mundo.
Por fim, é crucial avaliar a força relativa do caráter das pessoas. Pense
nisso desta forma: essa força vem de bem do fundo da essência de alguém.
Pode se originar de uma mistura de certos fatores – genética, pais seguros,
bons mentores no decorrer da vida e aprimoramento constante (veja a seção
final deste capítulo). Qualquer que seja a causa, essa força não é algo que
transparece na forma de arrogância ou agressão, mas que se manifesta como
flexibilidade e adaptabilidade em geral. Um caráter forte tem uma qualidade
de tensão como uma boa peça de metal – consegue ceder e curvar, mas
retém o formato e nunca quebra.
A força emana de uma sensação de segurança pessoal e autoestima,
permitindo que pessoas assim aceitem críticas e aprendam a partir das suas
experiências. Isso significa que não desistem com facilidade, já que querem
aprender a melhorar. São rigorosamente persistentes. Aqueles de caráter
forte são abertos a novas ideias e maneiras de cumprir tarefas sem
comprometer os princípios básicos aos quais aderem. Na adversidade, retêm
a presença de espírito, lidam com o caos e o imprevisível sem sucumbir à
ansiedade, cumprem as promessas feitas, têm paciência, conseguem
organizar bastante material e terminam o que começam. Sem se sentirem
inseguros o tempo todo sobre a sua situação, são capazes também de
subordinar os interesses pessoais ao bem do grupo, sabendo que o que
funcionar melhor para a equipe deixará a vida de todos melhor e mais fácil
no fim.
Indivíduos de caráter fraco começam da posição oposta. Com facilidade
se sentem oprimidos pelas circunstâncias, o que torna difícil contar com
eles. São esquivos e evasivos. O pior de tudo é que não lhes é possível
ensinar, pois aprender dos outros implica receber críticas. Isso significa que
você enfrentará impasses o tempo todo ao lidar com eles. Parecem dar
ouvidos às suas instruções, mas vão simplesmente retornar ao que
imaginam ser o melhor.
Somos todos uma mistura de qualidades fortes e fracas, mas alguns
pendem nitidamente para uma dessas direções. Na medida do possível, você
vai querer trabalhar e se associar àqueles de caráter forte e evitar os de
caráter fraco. Essa tem sido a base para quase todas as decisões de
investimento de Warren Buffett, que olha para além dos números, para os
diretores executivos com quem está lidando, cuja adaptabilidade,
confiabilidade e autossuficiência é o que ele quer avaliar. Quem dera nós
empregássemos essas medidas para decidir quem contratamos, as parcerias
que formamos e até os políticos que elegemos.
Embora em relacionamentos íntimos certamente haja outros fatores que
guiarão as nossas predileções, a força de caráter também deveria ser
considerada. Foi isso que, em grande parte, levou Franklin Roosevelt a
escolher Eleanor como esposa. Sendo um jovem belo e rico, ele poderia ter
se casado com moças muitas mais bonitas, mas admirava a disposição de
Eleanor de viver novas experiências e a sua determinação impressionante.
Pensando num futuro longínquo, compreendeu que o valor do caráter dela
importava mais do que todo o resto. E essa acabou sendo uma escolha
muito sábia.
Ao avaliar a força ou fraqueza de caráter, observe como os indivíduos
lidam com a responsabilidade e com momentos de tensão. Observe os
padrões: o que completaram ou conquistaram de fato? Você também pode
testar as pessoas. Por exemplo, uma piada bem-humorada à custa delas
pode ser bastante reveladora. Elas respondem de forma graciosa, sem deixar
que as inseguranças venham à tona facilmente, ou os olhos brilham de
ressentimento ou raiva? Para medir a confiabilidade de um membro da
equipe, passe-lhe informações estratégicas ou compartilhe com ele algum
boato. Ele transmite logo a informação para outros? Apressa-se para pegar
uma das suas ideias e passar adiante como se fosse dele? Critique-o de
maneira direta. Ele leva isso em consideração e tenta aprender e melhorar,
ou mostra sinais claros de ressentimento? Dê-lhe uma tarefa sem fim
determinado com menos direcionamento que o usual e monitore a maneira
como organiza o tempo e pensamentos. Desafie-o com uma tarefa difícil ou
com uma maneira diferente de realizar algo, e veja como responde, como
lida com a ansiedade.
Lembre-se: o caráter fraco vai neutralizar todas as outras qualidades
boas que uma pessoa tenha. Por exemplo, aqueles de grande inteligência
mas de caráter fraco podem oferecer boas ideias e até fazer um bom
trabalho, porém desmoronarão sob pressão, ou não reagirão bem às críticas,
ou colocarão os próprios interesses acima de tudo, ou a sua arrogância e
qualidades irritantes levarão outros em redor a se demitirem, prejudicando o
ambiente geral. Há riscos ocultos ao trabalhar com eles ou contratá-los.
Alguém menos charmoso e inteligente, mas de caráter forte, se provará
mais confiável e produtivo no longo prazo. Possuidores de força real são tão
raros quanto ouro; se você os encontrar, deve reagir como se tivesse
descoberto um tesouro.
TIPOS TÓXICOS
Embora o caráter de cada um seja tão único quanto uma impressão
digital, é possível notar, no decorrer da história, certos tipos que se repetem
e que são especialmente destrutivos. Ao contrário daqueles de caráter cujo
aspecto maligno ou manipulador é tão óbvio que você consegue identificar
a quilômetros de distância, estes são mais ardilosos. Muitas vezes eles o
seduzirão com uma aparência que promove as fraquezas como algo
positivo. Apenas com o tempo você percebe a natureza tóxica por baixo da
aparência, frequentemente quando é tarde demais. A sua melhor defesa é
estar armado com conhecimento, notar os sinais logo de início, e não se
envolver, ou se desligar deles assim que possível.
O hiperperfeccionista. Você é atraído para o círculo dele por causa do
empenho com que ele trabalha, da dedicação para oferecer o melhor de si
em seja lá o que for que produza. Trabalha por muito mais horas do que o
empregado mais humilde. Sim, ele talvez exploda e grite com os
subalternos por não fazerem o trabalho direito, mas porque quer manter os
padrões mais elevados, e isso deveria ser algo bom. Entretanto, se você
tiver a má sorte de concordar em trabalhar com ou para esse tipo, logo
descobrirá a verdade. Ele não consegue delegar tarefas; precisa
supervisionar tudo. Importa-se menos com altos padrões e dedicação ao
grupo do que com poder e controle.
Indivíduos dessa natureza muitas vezes têm problemas de dependência
derivados do histórico familiar, como Howard Hughes. Qualquer sensação
de que talvez tenham que depender de alguém para alguma coisa reabre
velhas feridas e ansiedades. Não conseguem confiar em ninguém. Quando
não estão de olho em cada um ao redor, imaginam que todos se tornam
negligentes. A necessidade compulsiva de microgerenciar leva os outros a
se sentirem ressentidos e, em segredo, refratários, que é bem o que o
hiperperfeccionista mais teme. Você perceberá que o grupo que este lidera
não é bem organizado, pois tudo precisa passar por ele. Isso leva ao caos e a
brigas políticas internas à medida que os cortesãos lutam para se aproximar
do rei, que controla tudo. Os hiperperfeccionistas com frequência têm
problemas de saúde, pois trabalham até a exaustão total. Gostam de culpar
os outros por tudo que acontece de errado – ninguém se empenha o
bastante. Têm padrões de sucesso inicial seguidos de fadiga e fracassos
espetaculares. É melhor reconhecer esse tipo antes de se envolver com ele
em qualquer nível. Ele não se satisfaz com nada que você faz e o consumirá
aos poucos com as suas ansiedades, jeito abusivo e desejo de controle.
O rebelde implacável. À primeira vista, essas pessoas parecem bem
excitantes. Detestam a autoridade e amam os desfavorecidos. Quase todos
nós nos sentimos secretamente atraídos por essa atitude, que desperta o
adolescente dentro de nós, o desejo de levantar o nariz para o professor. O
rebelde implacável não reconhece regras ou precedentes; seguir convenções
é para os fracos e maçantes. Muitas vezes tem um senso de humor mordaz,
que talvez acabe se voltando contra você, mas isso é parte da sua
autenticidade, da necessidade de vexar todos, ou assim você pensa.
Entretanto, ao associar-se a alguém assim de forma mais íntima, verá que é
algo que não ele consegue controlar; é uma compulsão de se sentir superior,
não uma qualidade moral mais elevada.
Na infância, é provável que um dos pais ou uma figura paternal o tenha
desapontado. Passou a desconfiar e detestar todos os que estão no poder. No
fim, não consegue aceitar nenhuma crítica, pois isso tem cheiro de
autoridade. Não aceita que lhe digam o que deve fazer; tudo deve ser nos
seus próprios termos. Se encontrar alguém assim, você será considerado um
opressor e receberá a carga do seu humor cruel. As pessoas desse tipo
obtêm atenção graças à pose rebelde e logo se tornam viciadas nisso. Por
fim, só se importam com o poder – ninguém deve estar acima delas, e
qualquer um que se atreva pagará o preço. Observe a história pregressa
delas – tenderão a se separar dos outros após brigas muito feias, agravadas
por insultos. Não se deixe levar pelo fascínio da pose rebelde. Esses tipos
estão presos eternamente na adolescência, e tentar trabalhar com eles será
tão produtivo quanto digladiar com um adolescente mal-humorado.
O personalizador. Essas pessoas parecem ser tão sensíveis e
ponderadas, uma qualidade rara e agradável. Talvez tenhamos a impressão
de que estão um pouco tristes, mas indivíduos sensíveis têm uma vida
difícil. Por vezes, você se sente atraído por essa aura delas, e quer ajudá-las.
Além disso, aparentam ser bem inteligentes, respeitosas e boas parceiras de
trabalho. Mais tarde, nota-se que essa sensibilidade só corre mesmo numa
única direção – para dentro. São propensas a levar tudo que os outros dizem
para o lado pessoal. Tendem a remoer os acontecimentos por dias, muito
tempo depois de você esquecer algum comentário inócuo que elas tomaram
como um insulto pessoal. Quando crianças, eram corroídas pela sensação de
nunca receberem o suficiente dos pais – amor, atenção, objetos materiais.
Ao crescerem, tudo as lembra daquilo que não receberam. Passam a vida
inteira ressentidas e querem que os outros lhes deem coisas sem que tenham
de pedir. Mantêm-se em guarda. Será que está prestando atenção nelas?
Será que as respeita? Será que lhes dá aquilo por que pagaram? Sendo um
tanto irritáveis e melindrosas, é inevitável que afastem os outros, o que as
torna ainda mais sensíveis. Em certo ponto, começam a ter um ar de
desapontamento perpétuo.
Na vida delas há um padrão de muitas desavenças com os demais, mas
elas se veem como a parte ofendida. Nunca insulte sem querer esse tipo,
pois ele tem boa memória e passa anos se vingando. Se conseguir
reconhecê-lo logo de início, é melhor evitá-lo, pois ele o fará se sentir
culpado por alguma coisa.
O ímã de dramas. Indivíduos assim o atraem com a sua presença
excitante. Têm uma energia incomum e histórias a contar. Os traços do
rosto são animados e seu senso de humor é bem inteligente. É divertido
estar perto deles, até que o drama complique tudo. Quando crianças,
aprenderam que a única maneira de obter amor e atenção duradouros era
emaranhar os pais em seus problemas e encrencas, que precisavam ser
grandes o suficiente para mantê-los emocionalmente envolvidos com o
passar do tempo. Isso se tornou um hábito, a maneira de eles se sentirem
vivos e queridos. A maior parte dos seres humanos se recolhe diante de
qualquer tipo de confronto, mas os ímãs de dramas anseiam por ele. À
medida que você os conhecer melhor, vai ouvir mais histórias de discussões
e batalhas na vida deles, mas eles conseguem sempre se posicionar como
vítimas.
Entenda que a maior necessidade deles é fisgá-lo de qualquer forma
possível. Eles o envolverão em seu drama até o ponto em que você se
sentirá culpado por se desligar deles. É melhor reconhecê-los o mais cedo
possível, antes de ser capturado e arrastado para o fundo. Examine o
passado deles em busca de evidências do padrão e fuja correndo se suspeitar
que estiver lidando com alguém assim.
O grande falastrão. Você se impressiona com as ideias dele, com os
projetos em que está pensando. Precisa de ajuda, de apoiadores, e você
sente simpatia por ele, mas recue por um momento e lhe examine o
histórico em busca de sinais de conquistas passadas ou qualquer coisa
tangível. O leitor talvez esteja lidando com um tipo que não é perigoso de
uma forma óbvia, mas que pode se provar enlouquecedor e desperdiçar o
seu tempo valioso. Em essência, são pessoas ambivalentes: por um lado,
têm um medo secreto do esforço e da responsabilidade necessários para
traduzir as ideias em ação; em contrapartida, anseiam por atenção e poder.
Essas duas facetas guerreiam dentro delas, mas é inevitável que a parte
ansiosa vença, fazendo-as fugirem na última hora. Inventam algum motivo
para se afastarem, depois que você se comprometeu com o projeto. Elas
mesmas nunca terminam nada. No fim, tendem a culpar os outros pela não
realização dos seus planos – a sociedade, forças antagônicas nebulosas ou a
má sorte. Ou tentam encontrar um otário que faça todo o trabalho duro de
dar vida à ideia vaga que tiveram, mas que levará toda a culpa se tudo der
errado.
Muitas vezes esses indivíduos tiveram pais inconsistentes, voltando-se
contra os filhos por causa do menor delito. Como consequência, o objetivo
de vida deles é evitar situações em que sejam vulneráveis a críticas e
julgamentos. Lidam com isso aprendendo a falar bem e a impressionar os
outros com histórias, mas escapulindo quando são chamados a prestar
contas, sempre oferecendo uma desculpa. Examine com cuidado o passado
deles em busca de sinais assim e, se parecerem ser desse tipo, divirta-se
com as histórias, mas não vá mais longe do que isso.
O sexualizador. Parece estar carregado de energia sexual, de uma forma
desinibida e deleitável. Tem uma tendência a misturar o trabalho com
prazer, borrar os limites costumeiros de quando é apropriado utilizar essa
energia, e você talvez imagine que isso seja saudável e natural. Contudo, na
realidade, é algo compulsivo e parte de um lugar sombrio. Na primeira
infância, é provável que pessoas assim tenham sido vítimas de algum tipo
de abuso sexual. Pode ter sido algo diretamente físico ou mais psicológico,
que um dos pais expressou por meio de olhares ou toques sutis mas
inapropriados.
Um padrão se estabeleceu bem a fundo e não pode ser controlado – e
elas tendem a ver todos os relacionamentos como potencialmente sexuais.
O sexo se torna um meio de autovalidação e, quando jovens, conseguem
levar uma vida excitante e promíscua, pois encontram outros que caem no
seu encanto. Entretanto, à medida que envelhecem, quaisquer períodos
longos sem essa validação podem levar à depressão e ao suicídio, por isso
se tornam mais desesperadas. Caso ocupem posições de liderança, utilizarão
o poder para conseguir o que querem, tudo sob o disfarce de serem naturais
e desinibidas. Quanto mais velhas se tornarem, mais patético e assustador
será esse comportamento. Você não tem como ajudá-las ou salvá-las dessa
compulsão, só pode salvar a si mesmo, não se envolvendo com elas em
nenhum nível.
O príncipe mimado. Esses indivíduos o atrairão com o seu ar
majestático. São calmos e imbuídos de uma leve impressão de
superioridade. É agradável encontrar alguém que pareça tão autoconfiante e
destinado a usar uma coroa. Aos poucos, você talvez se flagre fazendo
favores para ele, trabalhando de forma ainda mais árdua sem receber, e sem
entender bem como ou por quê. De algum modo, essas pessoas expressam a
necessidade de que cuidem delas, e são insuperáveis em fazer os outros as
mimarem. Na infância, os pais cediam a todos os seus caprichos e as
protegiam de qualquer tipo de intrusão agressiva do mundo exterior. Há
também algumas crianças que incitam esse comportamento nos genitores ao
agir como se fossem particularmente indefesas. Seja qual for o motivo,
quando adultos, o seu maior desejo é replicar os mimos da infância. Isso
permanece sendo o seu paraíso perdido. Você notará com frequência que,
quando não conseguem o que querem, elas reagem com um comportamento
semelhante ao de bebês, fazendo beicinho, ou com acessos de birra.
Com certeza esse é o padrão para todos os relacionamentos íntimos de
quem tem essas características, e, a menos que você tenha uma necessidade
profunda de mimar os outros, vai achar o relacionamento enlouquecedor.
Esses indivíduos não estão equipados para lidar com os aspectos
desagradáveis da vida adulta, então ou manipulam o parceiro para que passe
a mimá-los, ou recorrem à bebida e às drogas para se acalmarem. Se você se
sentir culpado por não os ajudar, significa que foi fisgado e deveria, em vez
disso, tentar cuidar de si mesmo.
O simpático. Você nunca conheceu ninguém tão simpático e respeitoso,
e quase não consegue acreditar em quão encantadora e obsequiosa essa
pessoa é. Então, aos poucos, você começa a ter algumas dúvidas, mas nada
que consiga localizar de fato. Talvez ela não compareça como prometido,
ou não faça o trabalho tão bem. É sutil. Quanto mais o tempo passa, porém,
mais parece que ela o está sabotando ou falando de você pelas costas. Esse
tipo é o cortesão perfeito, e desenvolveu a sua simpatia não por um afeto
genuíno por outros seres humanos, mas como um mecanismo de defesa.
Talvez tenha tido pais cruéis e disciplinadores que lhe inspecionavam as
ações. Sorrisos e uma fachada cortês eram a sua maneira de rebater
qualquer forma de hostilidade, e isso se torna o seu padrão para a vida toda.
É provável que também tenha recorrido a mentiras para lidar com os pais, e,
em geral, são mentirosos talentosos e com muita prática.
Assim como quando eram crianças, por trás dos sorrisos e lisonjas está
um enorme ressentimento pelo papel que precisam representar. Em segredo,
elas têm vontade de roubar ou prejudicar aqueles a quem servem ou
deferem. Você precisa se manter atento em relação àqueles que exercerem,
de forma ativa, tanto charme e polidez, além do ponto que seria natural,
pois podem se revelar bastante passivo-agressivos, atingindo-o bem quando
você baixar a guarda.
O salvador. O leitor não consegue acreditar na sua boa sorte – conheceu
alguém que o vai salvar das suas dificuldades e problemas. De algum modo,
ele reconheceu a sua necessidade de auxílio e aqui está, com livros para ler,
estratégias a empregar, a comida certa para ingerir. No início, tudo é bem
sedutor, mas as suas dúvidas começarão no momento que você quiser
afirmar a sua independência e agir por conta própria.
Na infância, esse tipo muitas vezes teve de se tornar aquele que tomava
conta da mãe, pai, ou dos irmãos. A mãe, por exemplo, fez das próprias
necessidades a preocupação primordial da família. Essas crianças
compensam a falta de cuidado que receberam com a sensação de poder que
extraem do relacionamento invertido. Isso estabelece um padrão: obtêm a
maior satisfação ao resgatar outros, ao serem cuidadores e salvadores. Elas
têm um faro para os que precisam de salvação. No entanto, é possível
detectar o aspecto compulsivo desse comportamento a partir da necessidade
de controlar você. Se estiverem dispostas a deixar que você se ponha de pé
sozinho depois de alguma ajuda inicial, essas pessoas são nobres de fato.
Caso contrário, o que lhes importa é o poder que são capazes de exercer. De
todo modo, é sempre melhor cultivar a autossuficiência e dizer aos
salvadores que salvem a si mesmos.
O moralizador simplista. Ele comunica um senso de indignação sobre
esse ou aquele exemplo de injustiça, e é bastante eloquente. Com tanta
convicção, encontra seguidores, inclusive você. Entretanto, às vezes o leitor
detecta rachaduras no verniz de virtuosidade. Ele não trata os funcionários
tão bem; é condescendente com o cônjuge; talvez tenha uma vida secreta ou
um vício do qual você capta alguns vislumbres. Quando criança, muitas
vezes foi levado a se sentir culpado pelos fortes impulsos e desejos por
prazer que sentia, pelos quais foi punido e tentou reprimir. Por causa disso,
desenvolveu uma espécie de autoaversão, portanto projeta qualidades
negativas nos outros ou olha com inveja aos que não são tão reprimidos.
Não gosta de ver as pessoas se divertindo. Em vez de expressar a sua inveja,
prefere julgar e condenar. Você notará na versão adulta uma ausência total
de nuance. Os indivíduos são bons ou maus, não há meio-termo. O
moralizador simplista está, na verdade, em guerra com a natureza humana,
incapaz de aceitar os nossos traços imperfeitos. A moralidade dele é tão
simplista e compulsiva quanto o álcool ou o jogo e não requer nenhum
sacrifício da parte dele, apenas uma grande quantidade de palavras
grandiloquentes. Prospera numa cultura de correção política.
Na verdade, em segredo, ele se sente atraído por aquilo que condena, e
por isso é inevitável que mantenha um lado secreto. Com certeza você será
alvo da inquisição dele em algum momento, se chegar perto demais.
Perceba logo de início a falta de empatia da outra parte e mantenha
distância.
(Veja mais tipos tóxicos nos capítulos sobre inveja, 10; grandiosidade,
11, e agressão, 16.)
O CARÁTER SUPERIOR
A lei é simples e inexorável: você tem um caráter estabelecido. Foi
formado a partir de elementos que precedem a sua percepção consciente.
Bem no fundo, esse caráter o compele a repetir certas ações, estratégias e
decisões. O cérebro está estruturado para facilitar isso: uma vez que pense e
execute uma ação específica, um caminho neural será formado, levando-o a
repetir essa ação de novo e de novo. E, em relação a essa lei, é possível
seguir numa de duas direções, cada uma determinando mais ou menos o
curso da sua vida.
A primeira direção são a ignorância e a negação. Você não nota os
padrões na sua vida; não aceita a ideia de que os primeiros anos da sua
existência deixaram uma impressão profunda e duradoura que o compele a
se comportar de certas maneiras. Imagina que o seu caráter é totalmente
maleável, e que é capaz de recriá-lo sozinho à vontade. Você seria capaz de
seguir o mesmo caminho em direção ao poder e à fama que outra pessoa
seguiu, embora ela tenha vindo de circunstância bem diferentes. O conceito
de um caráter estabelecido talvez pareça uma prisão, e muitos querem
secretamente ser livrados de si mesmos, por meio de drogas, álcool ou
videogames. O resultado dessa negação é simples: o comportamento
compulsivo e os padrões se tornam cada vez mais enraizados. Você não
consegue ir na contramão do seu caráter ou desejar que este desapareça. É
poderoso demais.
Esse foi precisamente o problema para Howard Hughes, que se
imaginava como um grande empresário, fundador de um império que
superaria o do pai, mas, por causa da sua natureza, não era um bom
gerenciador de pessoas. A sua força real era mais técnica – tinha um grande
talento para design e para os aspectos de engenharia da produção de aviões.
Se tivesse sabido e aceitado isso, teria conseguido construir uma carreira
brilhante como o visionário por trás da própria empresa de aeronaves e
deixado as operações diárias para alguém que fosse competente de fato.
Contudo, vivia com uma imagem de si mesmo que não se correlacionava
com o seu caráter. Isso levou a um padrão de fracassos e a uma vida
miserável.
A outra direção é mais difícil de seguir, porém é o único caminho para o
poder verdadeiro e a formação de um caráter superior. Funciona da seguinte
forma: examine-se da maneira mais detalhada possível. Procure pelas
camadas mais profundas do seu caráter, determinando se você é introvertido
ou extrovertido, se tende a ser governado por altos níveis de ansiedade e
sensibilidade, ou de hostilidade e fúria, ou por uma necessidade profunda de
se relacionar com os outros. Procure pelas suas inclinações primordiais –
aqueles assuntos e atividades pelos quais se sente atraído por natureza.
Estude a qualidade das ligações que formou com os seus pais, observando
os seus relacionamentos atuais como a melhor evidência disso. Examine
com honestidade rigorosa os seus próprios erros e os padrões que criam
obstáculos contínuos ao seu aprimoramento. Conheça as suas limitações –
aquelas situações nas quais não dá o melhor de si. E tome ciência das forças
naturais do seu caráter que sobreviveram à adolescência.
Agora, com essa consciência, você não é mais prisioneiro do seu
caráter, compelido a repetir de forma interminável as mesmas estratégias e
erros. Ao se ver caindo em um dos seus padrões típicos, conseguirá se pegar
em flagrante e recuar. Talvez não seja capaz de eliminar de todo esses
padrões, mas, com a prática, vai conseguir mitigar os seus efeitos. Sabendo
das suas limitações, não tentará realizar tarefas para as quais não tem
nenhuma capacidade ou inclinação. Ao contrário, vai escolher trajetórias
profissionais que combinem com você e que se entrelacem com o seu
caráter. De modo geral, aceitará e acolherá o seu caráter. O seu desejo não
será o de se tornar outra pessoa, mas de ser mais completamente si mesmo,
compreendendo o seu potencial verdadeiro. Verá o seu caráter como a argila
com a qual pode trabalhar, transformando aos poucos as suas maiores
fraquezas em forças. Não fugirá das suas falhas; em vez disso, as verá como
uma fonte real de poder.
Estude a carreira da atriz Joan Crawford (1908-1977). Os primeiros
anos de sua vida pareciam marcá-la como alguém com pouquíssima
probabilidade de sucesso: nunca conheceu o pai, que abandonou a família
logo após o nascimento dela; cresceu na pobreza; a mãe a detestava e batia
nela o tempo todo; quando criança, aprendeu que o padrasto, que ela
adorava, não era o seu pai de verdade e, pouco tempo depois, este também
abandonou a família. A infância de Crawford foi uma série interminável de
punições, traições e abandonos, que lhe deixaram cicatrizes para toda a
vida. Ao começar a carreira como atriz cinematográfica quando ainda bem
jovem, ela examinou a si mesma e as suas falhas com objetividade
implacável: era hipersensível e frágil; sentia tanta dor e tristeza que não
conseguia descartar ou disfarçar; queria desesperadamente ser amada; sentia
a necessidade constante de uma figura paterna.
Tais inseguranças poderiam, com facilidade, representar a morte de
alguém num lugar tão impiedoso quanto Hollywood. Em vez disso, por
meio de muita introspecção e esforço, conseguiu transformar essas mesmas
fraquezas nos pilares de uma carreira muito bem-sucedida. Decidiu, por
exemplo, infundir os próprios sentimentos de tristeza e traição em todos os
diferentes papéis que representou, fazendo mulheres de todo o mundo se
identificarem com ela; era diferente de tantas outras atrizes, tão superficiais
e que fingiam ser alegres. Crawford direcionou seu desejo desesperado de
ser amada à própria câmera, e o público sentia isso. Os diretores dos seus
filmes se tornaram figuras paternas a quem ela adorava e tratava com
respeito
extremado.
E
a
sua
qualidade
mais
significativa,
a
hipersensibilidade, voltou-se para fora em vez de para dentro. Desenvolveu
uma espécie de antena que captava com precisão intensa do que os diretores
com quem trabalhava gostavam ou não gostavam. Sem olhar para eles ou
ouvir uma palavra do que diziam, percebia quando estavam descontentes
com a sua atuação, fazia as perguntas certas e incorporava rápido as críticas
deles. Ela era o sonho de qualquer diretor. Aliando tudo isso à sua ardente
força de vontade, Crawford construiu uma carreira que durou mais de
quarenta anos, algo inédito para uma atriz em Hollywood.
Essa é a alquimia que o leitor precisa utilizar em si mesmo. Se você for
um hiperperfeccionista que gosta de controlar tudo, redirecione essa energia
para algum trabalho produtivo em vez empregá-la nas pessoas. Os seus
padrões elevados e a atenção a detalhes serão traços positivos, se os
canalizar da forma correta. Se for do tipo simpático, isso quer dizer que
desenvolveu as habilidades de cortesia e charme verdadeiro. Caso consiga
ver a fonte desses traços, será capaz de controlar o seu aspecto compulsivo
e defensivo e utilizá-los como uma habilidade social genuína que lhe dará
grande poder. Sendo muito sensível e propenso a levar tudo para o lado
pessoal, precisa se esforçar para redirecionar isso a uma empatia ativa (veja
o Capítulo 2), e transformar essa falha numa virtude a ser usada para
propósitos sociais positivos. Se tiver um caráter rebelde, você tem uma
antipatia natural por convenções e pelas maneiras usuais de cumprir tarefas.
Canalize isso em algum tipo de trabalho inovador, em vez de insultar e
alienar os outros de forma compulsiva. Para cada fraqueza há uma força
correspondente.
Por fim, refine e cultive aqueles traços que fazem parte de um caráter
forte: adaptabilidade sob pressão, atenção a detalhes, habilidade de concluir
tarefas e trabalhar em equipe, e tolerância quanto às diferenças dos outros.
A única maneira de obter êxito é rever os seus hábitos, que são parte da
lenta formação do seu caráter. Por exemplo, treine-se para não reagir de
imediato, colocando-se repetidas vezes em situações tensas ou adversas, a
fim de se acostumar a elas. Em execuções diárias tediosas, cultive uma
paciência maior e mais atenta a detalhes. Assuma de forma deliberada
atividades que estejam ligeiramente acima do seu nível. Para completá-las,
terá de trabalhar de forma mais árdua, o que o ajudará a estabelecer maior
disciplina e hábitos de trabalho melhores. Treine-se para pensar o tempo
todo no que é melhor para a equipe. Além disso, busque pessoas que
exibam um caráter forte e se associe a elas sempre que possível. Dessa
maneira, você conseguirá assimilar a energia e os hábitos delas. E a fim de
desenvolver alguma flexibilidade de caráter, o que é sempre um sinal de
força, reorganize-se de vez em quando, tentando alguma nova estratégia ou
maneira de pensar, fazendo o oposto daquilo que costuma fazer.
Com esse trabalho, o leitor não será mais escravo do caráter criado nos
primeiros anos da sua vida e do comportamento compulsivo ao qual ele
leva. Além disso, passará a ser capaz de moldar, de forma deliberada, o seu
próprio caráter e o destino que o acompanha.
Em tudo, é um erro pensar que se pode realizar uma ação ou se comportar de certa
maneira uma vez e nunca mais. (O erro daqueles que dizem: “Vamos trabalhar duro e
poupar cada centavo até chegarmos aos 30 anos, e então nos divertiremos”. Aos 30,
terão uma tendência à avareza e ao trabalho árduo, e nunca mais se divertirão […].) O
que uma pessoa faz, ela fará de novo, e de fato é provável que já o tenha feito no
passado distante. O aspecto agonizante da vida é que são as nossas próprias decisões
que nos jogam nessa rotina, sob as rodas que nos atropelam. (A verdade é que, mesmo
antes de tomar essas decisões, nos encaminhávamos nessa direção.) Uma decisão, uma
ação, são presságios infalíveis do que faremos em outra ocasião, não por causa de
algum motivo vago, místico ou astrológico, mas porque resultam de uma reação
automática que se repetirá.
— Cesare Pavese
5
Torne-se um objeto inatingível de desejo
A Lei da Cobiça
A ausência e a presença têm sobre nós efeitos primitivos. A presença
excessiva sufoca; um grau de ausência desperta o nosso interesse. Somos
marcados pelo desejo constante de possuir o que não temos – o objeto
projetado pelas nossas fantasias. Aprenda a criar algum mistério ao seu
redor, a utilizar a ausência estratégica para fazer as pessoas desejarem o
seu retorno, quererem possuí-lo. Provoque-as com aquilo de que mais
sentem falta na vida, o que estão proibidas de ter, e elas vão enlouquecer de
desejo. A grama é sempre mais verde do outro lado da cerca. Supere essa
fraqueza em si mesmo ao aceitar as suas circunstâncias, o seu destino.
O OBJETO DO DESEJO
Em 1895, Gabrielle Chanel, então com 11 anos, se sentou ao lado da
cama da mãe por muitos dias e a viu morrer de tuberculose lentamente, aos
33 anos de idade. A vida daquela garota tinha sido difícil, mas agora só iria
piorar. Ela e os irmãos haviam crescido na pobreza, enviados da residência
de um parente para a de outro. O pai era um vendedor ambulante que
detestava qualquer tipo de compromisso ou responsabilidade, e quase nunca
estava em casa. A mãe, que com frequência acompanhava o marido em suas
viagens, era a única energia reconfortante que as crianças tinham na vida.
Como temia, poucos dias após a morte da mãe, o pai apareceu e colocou
Gabrielle e as suas duas irmãs num convento no centro da França. Ele
prometeu voltar para buscá-las em breve, mas elas jamais o veriam de novo.
As freiras do convento, que viviam num antigo mosteiro medieval,
acolhiam todo tipo de meninas, a maioria delas órfãs, a fim de cuidar delas.
Impunham uma disciplina severa. Dentro dos muros sombrios do mosteiro,
pouco decorado, as garotas levavam uma vida de austeridade e prática
espiritual. Cada uma tinha apenas dois vestidos para usar, ambos parecidos
e sem formato específico. O luxo era proibido. A única música permitida
era sacra. A comida era simples ao extremo. Em seus primeiros meses lá,
Gabrielle tentou se acostumar àquele novo mundo, mas se sentia
terrivelmente inquieta.
Certo dia, descobriu uma série de livros de romance que, de algum
modo, foram contrabandeados para dentro do convento, e logo eles se
tornaram a sua única salvação. Haviam sido escritos por Pierre Decourcelle,
e quase todos envolviam uma história semelhante à de Cinderela – uma
jovem que cresceu na pobreza, abandonada e desprezada, de repente se vê
levada para um mundo de riqueza por meio de alguma reviravolta
inteligente da narrativa. Gabrielle se identificava com as protagonistas, e
adorava em particular as descrições intermináveis dos vestidos das heroínas.
O mundo dos palácios e mansões no campo lhe parecia tão distante, mas,
naqueles momentos em que divagava de romance em romance, conseguia
se sentir como parte da história, e isso lhe dava um desejo irresistível de
torná-los realidade, mesmo que lhe fosse proibido querer tais coisas e lhe
parecesse impossível obtê-las algum dia.
Aos 18 anos, ela deixou o convento para entrar num internato, também
dirigido por freiras, onde foi treinada para uma carreira de costureira. A
escola se situava numa cidade pequena, e, ao explorá-la, Gabrielle logo
descobriu uma nova paixão: o teatro, do qual adorava todos os aspectos – os
figurinos, os cenários, os atores maquiados. Era um mundo de
transformação, em que alguém era capaz de se tornar qualquer um. Agora,
tudo que ela queria era ser atriz e ficar famosa. Adotou o nome Coco e
tentou de tudo – atuar, cantar e dançar. Tinha muita energia e carisma, mas
logo percebeu que lhe faltava o talento para o tipo de sucesso que desejava.
Resignando-se a esse fato, descobriu um novo sonho. Muitas das atrizes
que não conseguiam se sustentar com aquele trabalho haviam se tornado
cortesãs sustentadas por amantes ricos. Essas mulheres tinham vastos
guarda-roupas, iam aonde queriam ir e, embora condenadas pela boa
sociedade, não se viam presas a nenhum marido déspota. Felizmente, um
dos jovens que gostavam de vê-la no palco, Etienne Balsan, a convidou para
uma estada na mansão de campo que ele possuía ali perto. Ele havia
herdado uma fortuna da família e levava uma vida de puro lazer. Gabrielle,
agora conhecida como Coco por todos, aceitou a oferta.
A mansão estava cheia de cortesãos que iam e vinham de todos os
cantos da Europa. Alguns eram famosos, todos belos e cosmopolitas. Era
uma vida relativamente simples centrada em cavalgadas pelo campo e, à
noite, festas luxuosas. As diferenças de classe ficavam evidentes. Sempre
que aristocratas ou pessoas importantes visitavam a mansão, as mulheres
como Coco tinham que comer com os criados e sumir de vista.
Sem nada para fazer e se sentindo inquieta mais uma vez, começou a
analisar a si mesma e o futuro à sua frente. Suas ambições eram grandes,
mas estava sempre buscando por algo além do seu alcance, sonhando com
um futuro simplesmente impossível. A princípio, foram os palácios dos
romances, depois a grande vida no palco; tornar-se uma nova Sarah
Bernhardt. Agora, o seu intento mais recente era igualmente absurdo. As
grandes cortesãs eram todas mulheres belas e voluptuosas. Coco, por sua
vez, se parecia mais com um rapaz; não tinha curvas nem uma beleza
clássica. Sua presença e energia encantavam os homens, mas isso não
duraria por muito tempo. Ela sempre queria o que os outros tinham,
imaginando que havia ali um tesouro escondido. Até quando se tratava de
outras mulheres e seus namorados e maridos, seu maior desejo era lhes
roubar os homens, o que fez em diversas ocasiões. Entretanto, sempre que
conseguia o que queria, inclusive o namorado ou a vida numa mansão no
campo, era inevitável que se sentisse desapontada pela realidade. O que
poderia finalmente satisfazê-la era um mistério.
Certo dia, sem pensar bem no que estava fazendo, ela entrou no quarto
de Balsan e lhe surrupiou algumas das roupas. Começou a vestir trajes
inteiramente inventados por ela – as camisas de colarinho aberto dele,
casacos de tweed, combinados com algumas das roupas dela, tudo
completado com um chapéu masculino de palha. Ao vestir essas roupas,
notou duas coisas: ela foi tomada por uma sensação incrível de liberdade ao
deixar para trás os espartilhos, os vestidos apertados e os enfeites
complexos de cabelos que as mulheres usavam; e se deleitou com o novo
tipo de atenção que recebia. As outras cortesãs agora a observavam com
inveja evidente. Estavam fascinadas por esse estilo andrógino. As novas
roupas lhe caíam bem, e ninguém nunca tinha visto uma mulher daquela
maneira. O próprio Balsan se mostrou encantado. Ele a apresentou ao seu
alfaiate, que, sob as instruções de Coco, criou para ela uma roupa
personalizada de montaria com calças. Ela aprendeu sozinha a cavalgar,
mas sem utilizar a sela lateral que as outras mulheres usavam. Sempre teve
um quê atlético em seu caráter e, em poucos meses, se tornou uma cavaleira
exímia. Agora era vista por todos os lugares com o seu estranho traje de
montaria.
Ao ir adiante com essa nova identidade, finalmente a natureza dos seus
anseios vagos se tornou clara: desejava o poder e a liberdade que os homens
possuíam, que se refletiam nas roupas menos constritivas que vestiam. E
percebeu que as outras mulheres e cortesãs na mansão se identificavam com
isso. Era algo que pairava no ar, um desejo reprimido que ela captara. Em
poucas semanas, várias das cortesãs começaram a visitá-la em seu quarto e
provar os chapéus que Coco havia decorado com fitas e penas. Comparados
com os chapéus complexos que as mulheres precisavam prender à cabeça
com grampos, esses eram simples e fáceis de usar. As cortesãs agora
passeavam pela cidade com os chapéus de Chanel na cabeça, e logo outras
mulheres da região lhes perguntavam onde os poderiam comprar. Balsan
ofereceu a Coco o apartamento dele em Paris, no qual ela poderia fazer
mais chapéus e talvez até criar o próprio negócio – oferta que aceitou de
bom grado.
Logo, outro homem entrou na vida dela – um inglês rico chamado
Arthur Capel, que se encantou com a originalidade da aparência dela e com
as suas grandes ambições. Os dois se tornaram amantes. Capel passou a
enviar as amigas, damas da aristocracia, ao ateliê de Coco e, em pouco
tempo, os chapéus que esta criava se tornaram uma mania. Além dos
chapéus, ela começou a vender as roupas que projetava, todas com o mesmo
aspecto andrógino que a moça vestia, feitas com o tecido de jérsei mais
barato, mas que parecia oferecer um tipo de liberdade de movimentos tão
diferente dos estilos prevalecentes. Capel a encorajou a abrir uma loja na
cidade litorânea de Deauville, onde todos os parisienses elegantes passavam
o verão. Foi a ideia perfeita: ali, naquele lugar relativamente pequeno,
lotado de curiosos e das mulheres mais elegantes, Coco gerou uma
sensação.
Ela chocou os habitantes locais ao nadar no mar. As mulheres não
faziam isso, e os trajes de banho para estas eram quase inexistentes, por isso
Coco criou o seu próprio modelo, base do mesmo tecido de jérsei. Em
poucas semanas, as mulheres lhe visitaram a loja, querendo comprá-los. Ela
perambulava por Deauville vestindo os seus trajes característicos –
andróginos, com liberdade de movimento, e só um pouquinho provocantes
na maneira como se moldavam ao corpo. Coco se tornou o assunto da
cidade. As mulheres se mostravam desesperadas para descobrir onde ela
conseguira aquele vestuário. Continuando a improvisar com peças
masculinas para elaborar novos visuais, pegou um dos suéteres de Capel e o
abriu, acrescentou alguns botões e criou a versão moderna do cardigã
feminino. Essa se tornou a nova moda. Ela cortou o cabelo bem curto,
sabendo que o corte combinaria melhor com o formato do seu rosto, o que
de repente se tornou a nova tendência. Sentindo a força do momento, Coco
deu as suas roupas, sem cobrar, a mulheres belas e bem conectadas, todas
exibindo um corte de cabelo semelhante ao dela. Frequentando as festas
mais almejadas e vestindo roupas de Chanel, elas espalharam o desejo por
esse novo estilo muito além de Deauville, até a própria cidade de Paris.
Em 1920, Coco havia se tornado uma das principais estilistas de moda
do mundo, e a maior criadora de tendências da época. As roupas que criava
passaram a representar um novo tipo de mulher – confiante, provocadora e
sempre um pouquinho rebelde. Embora fossem baratas de produzir e ainda
feitas de jérsei, ela vendeu alguns dos seus vestidos por preços altíssimos, e
as mulheres ricas estavam mais do que dispostas a pagar pela oportunidade
de compartilhar do toque místico de Chanel. No entanto, logo o sentimento
de inquietação lhe retornou. Ela queria algo mais, algo maior, a maneira
mais rápida de alcançar mulheres de todas as classes. A fim de realizar esse
sonho, optou por uma estratégia extraordinária – ela criaria e lançaria o seu
próprio perfume.
Na época, era incomum para um ateliê de moda produzir o seu próprio
perfume, e inédito que algum desse a isso tanta ênfase. Chanel, contudo,
tinha um plano. Esse perfume seria tão característico quanto as roupas que
fazia, mas mais etéreo, algo literalmente no ar que excitaria homens e
mulheres, contagiando-os com o desejo de possuí-lo. Para tanto, partiu na
direção oposta de todos os outros perfumes já existentes, que eram
associados a algo natural, de aroma floral. Em vez disso, criaria o que não
fosse identificável como uma flor em particular. Queria que cheirasse como
“um buquê de flores abstratas”; agradável, mas completamente original.
Mais do que qualquer perfume, teria um cheiro diferente em cada mulher.
Para ir ainda mais longe, ela decidiu lhe dar um nome incomum. Os títulos
dos perfumes da época eram bem poéticos e românticos. Em vez disso, ela
o batizou com o próprio nome, atrelando um simples número, Chanel Nº 5,
como se fosse uma fórmula científica. Coco embalou-o numa garrafa
elegante e modernista e acrescentou ao rótulo o novo logotipo das duas
letras C entrelaçadas. Era diferente de todo o resto que existia.
Para lançar seu produto, optou por uma campanha subliminar. Começou
a vaporizá-lo por todos os cantos da loja dela em Paris. O aroma preenchia
o ar. As mulheres lhe perguntavam o que era, e Coco fingia não saber.
Depois introduziu garrafas daquele conteúdo, sem o rótulo, nas sacolas das
clientes mais ricas e bem conectadas. Logo as mulheres começaram a falar
desse novo perfume estranho, bem assombroso e impossível de identificar
como qualquer flor conhecida. A notícia de uma nova criação de Chanel
começou a se espalhar como chamas por uma floresta, e as mulheres em
pouco tempo vieram à loja implorando para comprá-lo, e ela agora o
colocara de maneira discreta nas prateleiras. Nas primeiras semanas, foi
impossível estocar o suficiente para todas. Nada semelhante jamais havia
acontecido na indústria, e aquele viria a se tornar o perfume mais bemsucedido da história, rendendo à Chanel uma fortuna.
Nas duas décadas seguintes, o ateliê de Chanel reinou supremo no
mundo da moda, mas, no período da Segunda Guerra Mundial, Coco flertou
com o nazismo, permanecendo em Paris durante a ocupação nacionalsocialista e tomando o lado dos ocupantes de maneira visível. Ela fechou a
loja no início da guerra e, ao fim desta, foi amplamente execrada pelos
franceses por causa das suas posições políticas. Ciente e talvez
envergonhada disso, fugiu para a Suíça, onde permaneceria em exílio
autoimposto. Em 1953, porém, sentiu a necessidade não apenas de um
retorno, mas de algo ainda maior. Embora estivesse então com 70 anos,
repugnava as tendências mais recentes da moda, que lhe pareciam ter
retornado às velhas restrições e minúcias das roupas femininas que ela
havia se esforçado para destruir. Talvez isso sinalizasse também uma volta a
um papel mais subserviente da mulher. Para Chanel, esse seria o desafio
derradeiro – depois de catorze anos fora da indústria, havia sido esquecida
quase por completo. Ninguém pensava mais nela como alguém que definia
tendências. Teria de começar quase do zero.
A sua primeira ação foi encorajar boatos de que estava planejando um
retorno, mas não deu nenhuma entrevista. Queria estimular a conversa e a
excitação, porém se cercando de mistério. A nova coleção estreou em 1954,
e uma multidão encheu a loja para assistir ao desfile, a maioria por
curiosidade. Quase de imediato houve uma sensação de desapontamento.
As roupas eram praticamente um rearranjo dos estilos da década de 1930
com alguns novos detalhes. As modelos eram todas sósias de Chanel e lhe
imitavam a maneira de andar. Na opinião do público, Coco dava a
impressão de ser uma mulher irremediavelmente presa a um passado que
nunca retornaria. Os trajes pareciam ultrapassados e a imprensa a
ridicularizou, trazendo à baila, ao mesmo tempo, o envolvimento dela com
os nazistas durante a guerra.
Para quase todos os estilistas, isso teria sido um golpe devastador, mas
Chanel pareceu não se abalar nem um pouco. Como sempre, tinha um plano
e sabia o que estava fazendo. Havia decidido, bem antes da estreia em Paris,
que os Estados Unidos eram o alvo dessa nova linha de roupas. As mulheres
norte-americanas refletiam melhor a sensibilidade dela – atléticas, com
gosto pela liberdade de movimentos e silhuetas descomplicadas,
eminentemente pragmáticas. E tinham mais dinheiro para gastar do que
quaisquer outras no mundo. E, de fato, a nova coleção foi uma sensação nos
Estados Unidos. Logo os franceses amenizaram as críticas. Um ano após o
seu retorno, Chanel havia se restabelecido como a designer mais importante
do mundo, e a moda agora voltava aos formatos mais simples e clássicos
que ela promovera. Jacqueline Kennedy adotou as roupas de Chanel em
diversas aparições públicas, o que foi considerado o símbolo mais evidente
do poder que esta reconquistara.
Ao recuperar o seu lugar no topo, ela revelou outra prática contrária aos
tempos e à indústria. A pirataria era um grande problema no mundo da
moda, pois falsificações de designs famosos surgiam por todo o lugar após
um desfile. Os estilistas protegiam com cuidado os seus segredos e lutavam
nos tribunais contra toda forma de imitação. Chanel fez o oposto. Deu as
boas-vindas a todas as pessoas em seus desfiles e permitia que tirassem
fotografias. Sabia que isso apenas encorajaria os muitos que ganhavam a
vida a partir da confecção de versões baratas das roupas dela, mas era isso
que queria. Coco até convidou mulheres ricas para que trouxessem as suas
próprias costureiras, a fim de que estas fizessem esboços dos designs e
deles criassem réplicas. Mais do que ganhar dinheiro, o que ela queria era
espalhar a sua moda por todo o planeta, para sentir a si mesma e ao seu
trabalho como o objeto de desejo de mulheres de todas as classes e nações.
Seria a derradeira vingança da menina que havia crescido ignorada, sem
amor e abandonada. Vestiria milhões de mulheres; o visual de Chanel e a
sua marca seriam vistos por todos os lugares – como ocorreu de fato alguns
anos após o seu retorno.
Interpretação: O momento em que Chanel provou as roupas de Etienne
Balsan, despertando-lhe um novo tipo de atenção, fez algo se ativar em seu
cérebro e que lhe mudaria para sempre o curso da vida. Antes disso, ela
estava sempre cobiçando algo transgressivo que lhe estimulasse as
fantasias. Não era socialmente aceitável para uma menina órfã e pobre ter
planos de se misturar às classes superiores. Atriz e cortesã não eram papéis
adequados a se almejar, em particular por uma mulher criada num convento.
Agora, ao cavalgar em torno da mansão de campo vestindo calças e
chapéu de palha, ela se tornou, de repente, o objeto que as outras pessoas
cobiçavam. E estas se sentiam atraídas pelo aspecto transgressor das roupas,
da zombaria deliberada em relação aos papéis de gênero. Em vez de se
trancar num mundo imaginário cheio de sonhos e fantasias, poderia ser
quem estimulava essas fantasias nos outros. Só o que precisava era reverter
a sua perspectiva – pensar no público primeiro e criar estratégias sobre
como brincar com a imaginação deste. Os objetos que havia desejado desde
a infância eram todos um pouco vagos, elusivos e tabu – o que os tornava
fascinantes. Essa é a natureza dos desejos humanos. Ela só teve que reverter
isso e incorporar esses elementos nos objetos que criava.
Foi assim que Coco produziu essa mágica: em primeiro lugar, ela
cercou o que fazia e a si mesma com uma aura de mistério. Jamais falava da
infância pobre. Criou incontáveis histórias contraditórias sobre o próprio
passado. Ninguém sabia nada de concreto a seu respeito. Chanel controlava
com cuidado o seu número de aparições públicas, e sabia o valor de
desaparecer por algum tempo. Nunca revelava a fórmula do seu perfume ou
o seu processo criativo em geral. O logotipo estranhamente cativante que
criou foi concebido para estimular interpretações. Tudo isso abria um
espaço interminável para que o público imaginasse e especulasse a respeito
do mito de Coco. Em segundo lugar, sempre associava os seus designs com
algo vagamente transgressor. As roupas tinham um claro aspecto masculino,
mas permaneciam bem femininas. Davam às mulheres a sensação de
estarem cruzando alguma fronteira dos gêneros – perdendo as restrições de
maneira tanto física quanto psicológica. Os trajes também se ajustavam
mais ao corpo, combinando a liberdade de movimentos com o sexo. Não
eram as roupas de uma mãe. Adotar o visual completo de Chanel era fazer
uma declaração sobre juventude e modernidade. Uma vez que isso se
estabeleceu, tornou-se difícil para as jovens resistirem ao chamado.
Por fim, desde o princípio ela fez questão de que as suas roupas fossem
vistas em todos os lugares. Observar outras mulheres trajando aquelas
roupas estimulava os desejos competitivos de ter o mesmo e não ser deixada
de fora. Coco se lembrava da intensidade com que havia desejado homens
comprometidos. Estes eram desejáveis porque alguém mais os desejava.
Tais impulsos competitivos são poderosos em todos nós, e certamente o são
entre as mulheres.
Na realidade, os primeiros chapéus de palha que ela criou não eram
nada além de objetos comuns que qualquer um poderia comprar numa loja
de departamentos. As primeiras roupas que produziu eram feitas dos
materiais mais baratos. O perfume era uma mistura de flores comuns, como
jasmim, e substâncias químicas; nada de exótico ou especial. Foi pura
magia psicológica que os transformou em objetos que estimulavam desejos
tão intensos de possuí-los.
Entenda: assim como Chanel, você precisa reverter a sua perspectiva.
Em vez de se concentrar no que quer e cobiça no mundo, treine para se
concentrar nos outros, nos desejos que estão reprimidos e nas fantasias que
não estão satisfeitas. Veja como eles percebem a sua pessoa e os objetos que
você produz, como se estivesse olhando para si e para o seu trabalho pelo
lado de fora. Isso lhe dará o poder quase ilimitado de moldar as percepções
das pessoas sobre esses objetos e entusiasmá-las. Os indivíduos não querem
a verdade e a honestidade, não importa o quanto escutemos essa bobagem
sendo repetida de modo incessante. Eles querem ter a imaginação
estimulada e serem levados além das suas circunstâncias banais. Querem
fantasia e objetos de desejo para cobiçar e tentar conquistar. Crie um ar de
mistério ao seu redor e em torno do seu trabalho. Associe-o a algo novo,
desconhecido, exótico, progressista e tabu. Não defina a sua mensagem,
mas deixe-a vaga. Crie uma ilusão de ubiquidade – faça o seu objeto ser
visto em todos os lugares e desejado pelos outros. Então, deixe que a
cobiça, tão latente em todos os seres humanos, faça o resto, iniciando uma
reação em cadeia de desejo.
Finalmente, tenho o que eu queria. Estou feliz? Na verdade, não. Então o que me
falta? A minha alma não tem mais aquela atividade estimulante conferida pelo desejo
[…]. Ah, não deveríamos nos iludir – o prazer não está na satisfação, mas na busca.
— Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Por natureza, os seres humanos não se contentam facilmente com as
suas circunstâncias. Por alguma força perversa dentro de nós, no momento
que possuímos algo ou conseguimos o que queremos, a nossa mente divaga
em direção a algo novo e diferente, imaginando que poderíamos ter algo
melhor. Chamemos isso de síndrome da grama mais verde, o equivalente
psicológico de uma ilusão de ótica – se nos aproximarmos demais da grama
(do novo objeto) vemos que, de fato, não é tão verde assim.
Essa síndrome tem raízes muito profundas na nossa natureza. O
exemplo mais antigo registrado é encontrado no Antigo Testamento, na
história do êxodo do Egito. Escolhido por Deus para conduzir os hebreus à
Terra Prometida, Moisés os guiou pelo deserto, por onde vagaram por
quarenta anos. No Egito, os hebreus haviam servido como escravos e
levado uma vida muito árdua. Ao sofrer as dificuldades da viagem pelo
deserto, porém, de repente se tornaram nostálgicos em relação à vida
anterior. Como corriam o risco de morrer de fome, Deus os proveu com o
maná do céu, mas os hebreus só o conseguiam comparar de forma
desfavorável a carnes, melões e pepinos deliciosos que haviam comido no
Egito. Sem se entusiasmar o bastante pelos outros milagres de Deus (a
divisão do Mar Vermelho, por exemplo), decidiram forjar e venerar um
bezerro de ouro, mas, quando Moisés os puniu por isso, logo perderam o
interesse nesse novo ídolo.
Todo o tempo reclamavam e se lamuriavam, dando a Moisés dores de
cabeça constantes. Os homens desejavam as mulheres estrangeiras; o povo
continuava a procurar por um novo culto para seguir. Até Deus se irritou
tanto com o descontentamento interminável que barrou aquela geração
inteira, inclusive Moisés, de algum dia entrar na Terra Prometida. No
entanto, depois que a geração seguinte se estabeleceu na terra de leite e mel,
os queixumes continuaram inalterados. O que quer que tivessem, eles
sonhavam com algo melhor além do horizonte.
Mais perto, podemos observar essa síndrome em ação na nossa vida
cotidiana. Olhamos o tempo todo para outras pessoas que parecem estar
numa situação melhor do que a nossa – os pais as amavam mais, têm
carreiras mais excitantes, uma vida mais fácil. Talvez estejamos num
relacionamento perfeitamente satisfatório, mas a nossa mente continua a
vagar na direção de alguém novo, que não tenha os defeitos bem reais do
nosso parceiro, ou assim pensamos. Sonhamos com a ideia de sermos
tirados da nossa vida tediosa ao viajar para algum lugar de cultura exótica e
onde se é mais feliz do que na cidade suja em que vivemos. No momento
que conseguimos um emprego, imaginamos algo melhor. No aspecto
político, o nosso governo é corrupto e necessitamos de mudanças reais,
talvez de uma revolução. Nessa revolução, fantasiamos uma verdadeira
utopia que substitui o mundo imperfeito no qual vivemos. Não pensamos na
vasta maioria das revoluções da história em que os resultados foram apenas
mais do mesmo, ou algo ainda pior.
Em todos esses casos, se nos aproximássemos daqueles que invejamos,
da família supostamente feliz, do outro homem ou mulher que cobiçamos,
dos nativos exóticos da cultura que desejamos conhecer, daquele emprego
melhor, daquela utopia, veríamos a ilusão. E, muitas vezes, quando
partimos em busca desses desejos, percebemos isso com desapontamento,
mas não mudamos a nossa atitude. É inevitável que sejamos seduzidos pelo
próximo objeto cintilando ao longe, pelo próximo culto exótico ou por um
esquema para enriquecer rápido.
Um dos exemplos mais impressionantes dessa síndrome está na
impressão que temos da nossa infância à medida que esta recua no passado.
A maioria de nós recorda uma época dourada de brincadeiras e excitação.
Ao envelhecermos, esta se torna ainda mais dourada na nossa lembrança. É
claro, esquecemos convenientemente as ansiedades, as inseguranças e as
mágoas que nos atormentaram naquele período e que, com toda
probabilidade, consumia mais do nosso espaço mental do que os prazeres
momentâneos de que nos lembramos hoje. Entretanto, como a nossa
juventude é um objeto que se torna cada vez mais distante à medida que
envelhecemos, somos capazes de idealizá-la e vê-la ainda mais verde que
antes.
Essa síndrome é explicável por três qualidades do cérebro humano. A
primeira é conhecida como indução, a maneira como algo positivo gera
uma imagem contrastante negativa em nossa mente. Isso é mais óbvio no
nosso sistema visual. Quando vemos alguma cor – o vermelho ou o preto,
por exemplo –, esta tende a intensificar a nossa percepção da cor oposta ao
nosso redor – nesse caso, o verde ou o branco. Ao observarmos um objeto
vermelho, muitas vezes enxergamos um halo verde que se forma em redor.
Em geral, a mente funciona por meio de contrastes. Somos capazes de
formular conceitos sobre algo ao tomarmos consciência do seu oposto. O
cérebro está sempre concebendo esses contrastes.
O que isso significa é que, sempre que virmos ou imaginarmos algo, a
nossa mente não consegue deixar de ver ou imaginar o oposto. Se somos
proibidos pela nossa cultura de entreter um pensamento específico ou um
desejo em particular, esse tabu de imediato nos fará pensar naquilo que é
proibido. Cada “não” incita um “sim” correspondente. (Foi a criminalização
da pornografia na era vitoriana que criou a primeira indústria pornográfica.)
Não conseguimos controlar essa oscilação da mente entre os contrastes. Isso
nos predispõe a pensar e, em seguida, desejar precisamente aquilo que não
temos.
Em segundo lugar, a complacência seria um traço evolucionário
perigoso para um animal consciente como o ser humano. Se os nossos
primeiros ancestrais tivessem tido a predisposição a se sentirem contentes
com as circunstâncias vigentes, não teriam sido sensíveis o bastante aos
possíveis perigos que espreitavam por ambientes que aparentavam ser tão
seguros. Nós sobrevivemos e prosperamos graças à nossa vigilância
consciente contínua, que nos predispõe a contemplar e imaginar as
possibilidades negativas em qualquer circunstância. Não vivemos mais nas
savanas ou nas florestas apinhadas de predadores e perigos naturais nos
ameaçando a vida, mas o nosso cérebro está programado como se
estivéssemos. Somos propensos, portanto, a um viés negativo contínuo, que
muitas vezes é expressado de forma consciente por meio de reclamações e
lamentações.
Por fim, o que é real e o que é imaginado são percebidos de maneira
similar pelo cérebro. Isso foi demonstrado por vários experimentos, nos
quais os entrevistados que imaginavam algo produziram no cérebro uma
elétrica e química notadamente semelhante àquela produzida quando
vivenciavam de fato o que haviam imaginando – tudo isso foi demonstrado
por meio de imagens produzidas por ressonância magnética funcional
(fMRI, do inglês Functional Magnetic Ressonance Imaging). A realidade é
bem difícil e cheia de limitações e problemas. Todos morreremos. A cada
dia nos tornamos mais velhos e menos fortes. Obter o sucesso requer
sacrifício e trabalho árduo. Entretanto, na nossa imaginação, podemos viajar
além dessas limitações e entreter todo tipo de possibilidades. A nossa
imaginação é, em essência, ilimitada. E o que imaginamos tem quase a
força do que vivenciamos de verdade. Assim, nos tornamos criaturas
propensas a imaginar o tempo todo algo melhor do que as nossas
circunstâncias atuais e a sentir algum prazer com a fuga da realidade que a
nossa imaginação nos fornece.
Tudo isso torna a “síndrome da grama mais verde” inevitável na nossa
estrutura psicológica. Não deveríamos ter moralismos ou queixas sobre esse
possível defeito da natureza humana. É parte da vida mental de cada um de
nós, e tem muitos benefícios. É a fonte da nossa habilidade de pensar em
novas possibilidades e inovar. É o que transformou a nossa imaginação num
instrumento tão poderoso. E, por outro lado, é o material com o qual somos
capazes de comover, entusiasmar e seduzir.
Saber como manipular a cobiça natural dos indivíduos é uma arte
atemporal da qual dependemos para todas as formas de persuasão. O
problema que enfrentamos hoje não é que as pessoas tenham parado de
cobiçar de repente, mas justamente o contrário: estamos perdendo a nossa
conexão com essa arte e com o poder associado a ela.
Vemos sinais disso na nossa cultura. Vivemos numa época de
bombardeio e saturação. Os publicitários nos cobrem de mensagens e com a
presença das suas marcas, nos direcionando para um lado ou para outro a
fim de clicar e comprar. Os filmes nos golpeiam a mente, nos atacando os
sentidos. Os políticos são mestres em despertar e explorar o nosso
descontentamento a respeito das circunstâncias atuais, mas não têm nenhum
senso de como incitar a nossa imaginação em relação ao futuro. Em todos
esses casos, a sutileza é sacrificada, e tudo isso tem um efeito geral de
endurecer a nossa imaginação, que, em segredo, anseia por algo mais.
Também vemos sinais nos relacionamentos pessoais. Cada vez mais as
pessoas passam a acreditar que os outros as deveriam desejar apenas por
quem são. Isso significa revelar o máximo que conseguem sobre si mesmas,
expondo tudo de que gostam e desgostam, e se tornando tão familiares
quanto possível. Por não deixarem nenhum espaço para a imaginação ou a
fantasia, quando aquele que desejam perde o interesse nelas, vão à internet
reclamar que os homens são superficiais ou que as mulheres não valem
nada. Cada vez mais absorvidos em nós mesmos (veja o Capítulo 2), temos
dificuldade em entrar na psicologia do outro, de imaginar o que quer de nós
em vez de o que queremos dele.
Entenda: talvez apontemos para tudo isso como um sinal de que os seres
humanos estão se tornando mais honestos e verdadeiros, mas a nossa
natureza não muda em poucas gerações. Os indivíduos se tornaram mais
óbvios e diretos não por causa de algum profundo chamado moral, mas pela
autoabsorção crescente e preguiça geral. Nenhum esforço é necessário em
ser apenas você mesmo ou em destruir a mensagem de alguém. E a carência
de esforço resulta somente na ausência de qualquer efeito na psicologia do
outro. Significa que o interesse das pessoas em você é minúsculo. A atenção
delas logo passará adiante, e você não entenderá o motivo disso. Não engula
o moralismo fácil da atualidade, que encoraja ser honesto à custa de ser
desejável. Siga na direção oposta. Com tão poucos por aí que entendem a
arte de ser desejável, o leitor terá oportunidades incontáveis de brilhar e
explorar as fantasias reprimidas dos outros.
ESTRATÉGIAS PARA ESTIMULAR O DESEJO
A chave para essa lei funcionar a seu favor é objetificar a si mesmo e o
que produz. Em geral, você está trancado nos seus próprios sonhos e
pensamentos. Imagina que as pessoas deveriam amá-lo e respeitá-lo por
quem você é. Acredita que o que faz teria, por sua própria natureza, de
excitar os demais. Afinal, investiu tanto esforço e tem grandes esperanças
de sucesso. Entretanto, os outros não veem nada disso. Para eles, você é só
um indivíduo entre tantos e, como tal, inspira curiosidade e excitação, ou
indiferença e até hostilidade. Projetam em você as próprias fantasias e
preconceitos. Uma vez que tenha se tornado público, o seu trabalho também
é um objeto completamente divorciado das suas esperanças e sonhos;
inspira emoções que são fracas ou fortes. Se conseguir ver a si mesmo e
aquilo que produz como algo que as pessoas percebem à maneira delas, terá
o poder de lhes alterar as percepções e criar objetos de desejo.
O que se segue são as três estratégias principais para criar esses objetos.
Saiba como e quando se retirar. Essa é a essência da arte. Você tem
uma presença que as pessoas veem e interpretam. Se for óbvio demais, se
puder ser lido e entendido com facilidade, se demonstrar as suas
necessidades de forma muito visível, então elas começarão, de maneira
inconsciente, a nutrir um quê de desrespeito por você; com o passar do
tempo, porém, perderão o interesse. A sua presença deve ter um toque de
frieza, como se você sentisse que estaria bem sem mais ninguém: sinal de
que se considera digno de respeito, o que aumenta de forma inconsciente o
seu valor aos olhos dos demais. Isso fará que queiram lhe seguir. Esse traço
de frieza é a primeira forma de ausência que o leitor deve praticar.
Acrescente a isso um pouco de vacuidade e ambiguidade sobre quem você
é. As suas opiniões, valores e gostos nunca devem ser muito óbvios para os
outros. Isso lhes dará espaço para ver em você o que quiserem. Os astros do
cinema são peritos nisso: transformam seu rosto e sua presença em telas em
branco, nas quais os espectadores projetam as próprias fantasias. Crie um ar
de mistério e atraia interpretações.
Uma vez que sinta que conquistou a imaginação das pessoas, que
conseguiu fisgá-las, use a ausência física e se retire. Não se mostre tão
disponível. Um dia ou uma semana podem passar sem a sua presença. Crie
uma sensação de vazio dentro dos outros, um toque de dor. Você ocupará
porções crescentes do espaço mental deles nesses períodos de ausência, e
passarão a querer mais de você, não menos.
O músico Michael Jackson desempenhou esse jogo com perfeição no
nível social. Profundamente ciente dos perigos de saturar o mercado com a
sua música e aparições públicas, ele deixou um bom tempo passar entre o
lançamento de cada um dos seus álbuns, mantendo o público sedento por
mais. Administrava com cuidado a frequência das suas entrevistas e
apresentações, e nunca falava sobre o significado das suas letras ou
disseminava qualquer mensagem evidente. De vez em quando, fazia seu
agente publicitário vazar para a imprensa alguma história nova acerca dele
– por exemplo, o uso de câmaras hiperbáricas como um modo de manter a
juventude eterna. Jackson não confirmava nem negava essas histórias, e a
imprensa enlouquecia. Era alguém que incitava boatos, mas nada de
concreto. Por meio dessa indefinição estratégica, ele se fez um objeto de
desejo contínuo – tanto de conhecê-lo melhor como de possuir a sua
música.
Com o trabalho que produz, você pode criar efeitos semelhantes de
cobiça. Sempre deixe a sua apresentação e mensagem relativamente em
aberto. As pessoas verão no seu trabalho diversas interpretações. Nunca
defina com exatidão como deveriam vê-lo ou utilizá-lo. É por isso que a
obra dos grandes dramaturgos como Shakespeare e Tchekhov tem durado
por tantos séculos, sempre tão viçosa e excitante; cada geração lê nas suas
peças o que quer. Esses autores descreveram elementos atemporais da
natureza humana, mas sem julgar ou direcionar o público para o que deveria
sentir ou pensar. Tome isso como modelo para seja o que for que produzir.
Tenha em mente o seguinte: quanto mais ativa a nossa imaginação se
torna, maior é o prazer que derivamos dela. Quando éramos crianças, se
recebêssemos um jogo com regras e instruções explícitas, perdíamos rápido
o interesse. Contudo, se o jogo fosse algo que inventássemos ou que tivesse
uma estrutura solta, nos permitindo injetar as nossas próprias ideias e
fantasias, conseguíamos manter a atenção por muito mais tempo. Ao
vermos uma pintura abstrata que evoca sonhos ou fantasias ou um filme que
não é fácil de interpretar, ou ao ouvirmos uma piada ou propaganda que é
ambígua, nós fazemos o trabalho de interpretar, e sentimos a excitação de
poder exercitar a nossa imaginação dessa maneira. Por meio do seu
trabalho, você deve estimular esse prazer nas pessoas ao grau mais elevado.
Crie rivalidades do desejo. O desejo humano nunca é um fenômeno
individual. Somos criaturas sociais, e o que queremos quase sempre reflete
o que outras pessoas querem. Isso tem origem na nossa infância, ao vermos
a atenção que os nossos pais nos davam (o primeiro objeto que cobiçamos)
como um jogo de soma zero. Se os nossos irmãos recebiam muitos
cuidados, haveria menos para nós. Tínhamos que competir com eles e com
outros para obter atenção e afeto. Quando os nossos irmãos e amigos
recebiam algo – um presente ou favor –, isso incitava um desejo
competitivo de ter a mesma coisa. Se algum objeto ou pessoa não fosse
desejado por outros, tendíamos a vê-los com indiferença ou desgosto –
deveria haver algo de errado com eles.
Isso se torna um padrão para a vida inteira, e em alguns ele é mais
visível. Nos relacionamentos, esses indivíduos só se interessam por homens
ou mulheres comprometidos, desejados de maneira evidente por uma
terceira pessoa. Almejam roubar esse objeto amado e triunfar, numa
dinâmica cujas raízes, com certeza, estão na infância. Se outros estão
ganhando dinheiro graças a algum novo artifício, eles não querem só
participar, mas dominar o mercado. Há aqueles, porém, em que esse padrão
é mais sutil. Veem alguém de posse de algo que parece excitante, e o desejo
que sentem não é o de roubar, mas de compartilhar e participar da
experiência. Em qualquer uma dessas direções, indivíduos ou objetos
desejados por outros têm maior valor.
Aprenda a explorar isso. Se conseguir de algum modo criar a impressão
de que outros estão interessados em você ou no seu trabalho, vai atrair as
pessoas para si sem ter de dizer uma palavra ou se impor. Elas irão até você.
Empenhe-se para se cercar de uma aura social, ou pelo menos dar essa
ilusão.
É possível criar esse efeito de diversas maneiras. Consiga que o seu
objeto seja visto ou ouvido em todos os lugares, encorajando até mesmo a
pirataria se necessário, como fez Chanel. Não intervenha de forma direta.
Isso vai incitar de modo inevitável algum tipo de atração viral. Você pode
acelerar esse processo alimentando boatos ou histórias sobre o objeto por
canais variados. As pessoas começarão a falar, e o boca a boca propagará o
efeito. Mesmo a controvérsia ou os comentários negativos servirão, às vezes
melhor do que elogios, dando ao seu objeto um toque provocador e
transgressivo. De qualquer forma, o ser humano é atraído pelo negativo. O
seu silêncio ou visível falta de direcionamento da mensagem permitirá que
as pessoas espalhem as suas próprias histórias e interpretações. O leitor
também pode conseguir que personalidades importantes e formadoras de
opinião falem a respeito do seu objeto, atiçando o interesse. O que você está
oferecendo, estes dirão, é novo, revolucionário, algo inédito, do qual nunca
se ouviu falar antes. Comercialize o futuro, as tendências. A certa altura,
muitos sentirão atração e não vão querer ser deixados de fora, o que atrairá
ainda mais pessoas. O único problema desse jogo é que, no mundo de hoje,
você vai enfrentar muita competição por esses efeitos virais, e o público é
incrivelmente volúvel. Seja um mestre não apenas em iniciar essas reações
em cadeia, mas em revigorá-las ou criar novas.
Como indivíduo, deixe claro que é desejado, que tem um passado – não
tão intenso a ponto de inspirar desconfiança, mas o bastante para sinalizar
que outros o acharam cobiçável. É importante ser indireto quanto a isso.
Você quer que eles ouçam histórias sobre o seu passado. Quer que vejam
literalmente a atenção que recebe de homens ou mulheres, tudo isso sem
dizer uma palavra. Qualquer ostentação ou sinal explícito vai neutralizar o
efeito.
Em qualquer situação de negociação, sempre se empenhe para
introduzir uma terceira ou quarta parte para competir pelos seus serviços,
criando uma rivalidade de desejo. Isso aumentará de imediato o seu valor
não apenas em termos de uma guerra de propostas, mas também no fato de
que as pessoas verão que outros o querem.
Utilize a indução. Talvez pensemos que vivemos numa época de
grande liberdade em comparação com o passado, mas, na verdade, hoje o
mundo é mais regulamentado do que nunca. Todos os nossos movimentos
são rastreados digitalmente. Há inúmeras leis governando todos os aspectos
do comportamento humano. O politicamente correto, que sempre existiu, é
mais intenso por termos nos tornado tão visíveis nas redes sociais. Quase
todos nós nos sentimos incomodados ou esmagados por todas essas
restrições aos nossos movimentos físicos e mentais. Ansiamos pelo que é
transgressivo e que está além dos limites que nos são estabelecidos. É fácil
nos atrair em direção àquele “não” ou “sim” reprimido.
Você deve associar o seu objeto com algo um pouco ilícito, não
convencional, ou avançado em termos políticos. Chanel fez isso com o seu
visual nitidamente andrógino e o desdém pelos papéis de gênero. A luta de
gerações é sempre o material perfeito. O que você oferece é um contraste
ousado à tediosa geração anterior. John F. Kennedy o fez ao se posicionar
contra a década de 1950 e a era Eisenhower – um período de conformidade
embrutecida. Em contraste, votar em Kennedy significava juventude, vigor
e masculinidade perdida. Em essência, ele instigava o ressentimento secreto
quanto à figura paterna e o desejo transgressivo de se livrar dela. Esse
desejo está sempre presente de forma tácita entre os jovens, e sempre tem
um elemento de tabu ligado a ele.
Um desejo ilícito que quase todo mundo compartilha é o voyeurismo.
Espiar a vida particular dos outros viola os rígidos tabus sociais sobre a
privacidade, mas todos sentem vontade de ver o que acontece por trás das
portas das pessoas. O teatro e o cinema contam com esses desejos
voyeurísticos, formas de arte que nos colocam dentro dos quartos alheios
para vivenciarmos isso quase como se as estivéssemos espiando
literalmente. No seu trabalho, experimente dar a impressão de que está
revelando segredos que, na verdade, não deveria compartilhar. Alguns se
mostrarão ultrajados, mas todos ficarão curiosos. Podem ser segredos a
respeito de você mesmo e sobre como conseguiu fazer o que fez, ou
segredos de outras pessoas ou o que acontece por trás das portas fechadas
de indivíduos poderosos e as leis pelas quais estes operam.
De qualquer modo, ofereça algo novo, desconhecido e exótico, ou, pelo
menos, apresentado como tal. O contraste com o que já existe, com o que é
tão convencional a ponto de dar sono, criará uma corrente de cobiça.
Por fim, provoque pessoas com o prospecto de agarrar o inatingível ou o
impossível. A vida é cheia de todo tipo de limitações e dificuldades
irritantes. Tornar-se rico e bem-sucedido requer grande esforço. Estamos
trancados dentro do nosso próprio caráter (veja o Capítulo 4) e não
conseguimos ser mais ninguém. Não temos como recobrar a juventude
perdida ou a saúde que se foi com ela. Cada dia nos leva mais para perto da
morte, a limitação derradeira. O seu objeto, porém, oferece a fantasia de um
caminho rápido para a riqueza e o sucesso, de um meio de recobrar a
juventude perdida, de se tornar um novo alguém e até de derrotar a própria
morte. As pessoas se agarrarão com voracidade a essas ofertas porque são
consideradas impossíveis. Pela lei da indução, podemos imaginar todos
esses atalhos e fantasias (assim como o fazemos com um unicórnio), o que
nos deixa com o desejo de alcançá-los, e imaginá-los é quase o mesmo que
vivenciá-los.
Lembre-se: não é a posse, mas o desejo que, em segredo, impele os
outros. É inevitável que possuir algo gere algum desapontamento e incite o
desejo pela busca de algo novo. Você está atacando a necessidade humana
de ter fantasias e os prazeres de tentar realizá-las. Nesse sentido, os seus
esforços devem ser renovados de forma contínua. Uma vez que as pessoas o
possuam ou consigam o que querem, imediatamente o seu valor e o respeito
por você começarão a decair. Continue a se ausentar, surpreendendo e
estimulando a caçada. Enquanto fizer isso, o poder será seu.
O DESEJO SUPREMO
O nosso caminho deve sempre seguir em direção a uma consciência
maior da nossa natureza. Precisamos ver dentro de nós mesmos a “síndrome
da grama mais verde” em funcionamento, e a maneira como esta nos impele
a realizar certas ações. Temos que ser capazes de distinguir entre o que é
positivo e produtivo nas nossas tendências gananciosas, e o que é negativo e
contraprodutivo. No lado positivo, sentir-se inquieto e descontente pode nos
motivar a buscar algo melhor e a não nos conformarmos com o que
possuímos. Considerarmos outras possibilidades amplia a nossa imaginação
e não só as circunstâncias que enfrentamos. Ao envelhecermos, tendemos a
nos tornar mais complacentes, e revigorar a inquietude da nossa primeira
infância nos mantém jovens e com a mente ativa.
Essa inquietude, porém, deve permanecer sob controle consciente.
Muitas vezes, o nosso descontentamento é apenas crônico; o nosso desejo
por mudanças é vago e um reflexo do nosso tédio. Isso leva a um
desperdício de tempo precioso. Estamos infelizes com a maneira como a
nossa carreira está progredindo e por isso fazemos uma grande mudança, o
que requer aprender novas habilidades e adquirir novos contatos.
Apreciamos a novidade disso tudo. No entanto, muitos anos mais tarde,
voltamos a sentir a pontada de descontentamento. Esse novo caminho
também não é o certo. Teria sido melhor pensar mais a fundo sobre isso,
localizando os aspectos da nossa carreira anterior que não nos agradavam, e
tentar uma mudança mais delicada, escolhendo uma linha de trabalho
relacionada à anterior, mas que exige uma adaptação das nossas habilidades.
Em termos de relacionamentos, podemos passar a vida procurando pelo
homem ou mulher perfeitos, e acabar sozinhos. Não há ninguém perfeito.
Em vez disso, é melhor se reconciliar com os defeitos do outro e aceitá-lo,
ou mesmo ver certo charme nas suas fraquezas. Acalmando os nossos
desejos de cobiça, aprenderemos a arte do compromisso e a fazer um
relacionamento dar certo, o que nunca ocorre com facilidade ou
naturalidade.
Em vez de perseguir de modo constante as últimas tendências e moldar
os nossos desejos naquilo que outros consideram excitante, deveríamos
empregar o nosso tempo conhecendo melhor os nossos próprios gostos e
desejos, de forma a distinguir o que queremos ou necessitamos de verdade
daquilo que foi fabricado por publicitários ou por efeitos virais.
A vida é curta e temos uma quantidade limitada de energia. Levados
pelos nossos desejos gananciosos, desperdiçaríamos tempo demais em
buscas e mudanças fúteis. Em geral, não espere por algo melhor, mas, em
vez disso, faça o melhor com o que você já tem.
Pense nisso desta forma: você está inserido num ambiente que consiste
das pessoas que conhece e dos locais que frequenta. Essa é a sua realidade,
para longe da qual sua mente é atraída de forma contínua, por causa da
natureza humana. Você sonha com viagens para locais exóticos, mas, se for
para lá, vai apenas arrastar consigo o seu estado de espírito descontente.
Procura por entretenimento que lhe forneça novas fantasias para consumir.
Lê livros cheios de ideias que não têm nenhuma relação com a sua vida
cotidiana, repletas de especulações vazias a respeito de elementos que
existem apenas de forma parcial. E nada desse tumulto e desejo incessante
pelo que está por vir leva a algo satisfatório – apenas desperta mais
quimeras para perseguir. No fim, você não consegue escapar de si mesmo.
Por outro lado, a realidade o chama. Absorver a mente no que está mais
próximo, em vez de naquilo que está mais distante, traz uma sensação bem
diferente. Com as pessoas do seu círculo, você sempre consegue se conectar
num nível mais profundo. Há muito a descobrir sobre aqueles com quem se
lida, e isso tem o potencial de ser uma fonte de fascinação interminável.
Conecte-se de modo mais intenso com o seu ambiente. O local em que vive
tem uma história imensa na qual você poderia imergir. Conhecer melhor o
seu ambiente lhe fornecerá muitas oportunidades de poder. Em você
mesmo, há cantos misteriosos que você nunca compreende totalmente. Ao
tentar se conhecer melhor, domine a sua própria natureza, em vez de se
manter escravo dela. E o seu trabalho tem possibilidades infindas de
aprimoramento e inovação, desafios incontáveis para sua imaginação. Esses
são os elementos mais próximos de você e que compõem o seu mundo real,
não virtual.
No fim, cobice um relacionamento mais profundo com a realidade, o
que lhe trará calma, foco e poderes práticos para alterar o que é possível
alterar.
É aconselhável fazer que todos que conhece – sejam estes homens ou mulheres –
sintam de vez em quando que você poderia muito bem lhes dispensar a companhia.
Isso consolidará as amizades. Não, com a maioria das pessoas, não há nenhum mal em
adicionar um grão ocasional de desdém à maneira como as trata; isso as fará
valorizarem a sua amizade ainda mais […]. Entretanto, se pensarmos de fato muito
bem de alguém, deveríamos ocultar isso dele como se fosse um crime. Não é muito
gratificante, mas é o correto. Ora, um cão não tolera ser tratado com excessos de
gentileza, quanto mais um homem!
— Arthur Schopenhauer
6
Eleve a sua perspectiva
A Lei da Miopia
Faz parte do lado animal da sua natureza se impressionar tanto com o que
vê e ouve no presente – as notícias e tendências mais recentes, as opiniões e
ações das pessoas ao seu redor, seja o que for que pareça mais dramático.
Isso é o que o faz se deixar enganar por esquemas sedutores que prometem
resultados rápidos e dinheiro fácil. É isso também que o faz reagir de
maneira exagerada às circunstâncias atuais, tornando-se excessivamente
eufórico ou apavorado à medida que os acontecimentos se voltam numa
direção ou em outra. Aprenda a medir as pessoas pela estreiteza ou
amplitude da visão delas; evite se envolver com aqueles que não
conseguem enxergar as consequências das suas ações, que demonstram
sempre uma atitude reativa. Eles o contagiarão com essa energia.
Mantenha os olhos nas tendências mais fortes que governam os
acontecimentos, naquilo que não é visível de imediato. Nunca perca de
vista as suas metas de longo prazo. Com uma perspectiva elevada, terá
paciência e lucidez para atingir qualquer objetivo.
MOMENTOS DE LOUCURA
Por todo o verão e início do outono de 1719, o inglês John Blunt (16651733), um dos principais diretores da Companhia dos Mares do Sul,
acompanhou as notícias mais recentes de Paris com ansiedade crescente. Os
franceses estavam em meio a uma expansão econômica espetacular,
alimentada em especial pelo sucesso da Companhia do Mississippi, uma
empresa fundada pelo escocês eLivros John Law com o intuito de explorar
as riquezas dos territórios da Louisiana controlados pela França. Law
vendeu ações de seu negócio, e, à medida que os preços continuavam a
subir, franceses de todas as classes resgatavam as ações e se tornavam
fabulosamente detentores de muito dinheiro. A própria palavra milionário
foi cunhada nesses meses para se referir a esses novos ricos.
Essas notícias encheram Blunt de raiva e inveja. Ele era um cidadão
inglês leal. Com o sucesso da Companhia do Mississippi, Paris atraía
capital de investimentos de toda a Europa; se continuasse assim, a França
logo se tornaria a capital financeira do mundo, superando Amsterdã e
Londres. Esse poder recém-fundado dos franceses por certo seria um
desastre para a Inglaterra, a sua arqui-inimiga, ainda mais se outra guerra
eclodisse entre os dois países.
Em termos pessoais, Blunt era um homem de grandes ambições. Filho
de um sapateiro humilde, desde cedo na vida, almejara ascender às camadas
mais elevadas da sociedade inglesa. O modo de chegar lá, ele acreditava,
seria a revolução financeira que se espalhava pela Europa, centrada na
popularidade cada vez maior de corporações de capital coletivo como a de
Law e como a Companhia dos Mares do Sul. Ao contrário da fortuna
acumulada por meio do método tradicional da propriedade de terras, que era
caro de administrar e sujeito a impostos altíssimos, obter dinheiro com a
compra de ações era relativamente fácil, e os lucros eram livres de impostos
– investimentos vistos como a última moda em Londres. Blunt tinha planos
de transformar a Companhia dos Mares do Sul na maior e mais próspera
empresa de capital coletivo da Europa, porém John Law se antecipara com
uma iniciativa ousada, e com o apoio total do governo francês. Blunt teria
simplesmente que pensar em algo maior e melhor, para o próprio bem e
pelo futuro da Inglaterra.
A Companhia dos Mares do Sul havia sido formada em 1710 como uma
iniciativa que cuidaria e gerenciaria parte dos enormes débitos do governo
inglês, em troca do monopólio sobre todo o comércio da Inglaterra na
América do Sul. Com o passar dos anos, a empresa não realizou quase
nenhum comércio, mas serviu de banco informal para o governo. Como seu
líder, Blunt formou relacionamentos com os ingleses mais ricos e
poderosos, em particular o próprio rei Jorge I (1660-1727), que se tornou
um dos maiores investidores e que foi nomeado governador da companhia.
O lema de Blunt para a vida havia sempre sido: “Pense grande”; e isso lhe
serviu bem. Assim, esforçando-se para encontrar uma maneira de
sobrepujar os franceses, concebeu afinal, em outubro de 1719, um esquema
digno do seu lema e que, ele tinha certeza, mudaria o curso da história.
O maior problema que o governo inglês, encabeçado pelo rei,
enfrentava eram as dívidas imensas que contraíra no decorrer de trinta anos
durante as guerras travadas contra a França e a Espanha, todas financiadas
por meio de empréstimos. A proposta de Blunt era simples e bem
espantosa: a Companhia dos Mares do Sul pagaria ao governo uma boa taxa
a fim de assumir por completo a dívida, no valor de colossais 31 milhões de
libras. (Em troca, a empresa receberia um pagamento de juros anuais sobre
a dívida.) Essa dívida de 31 milhões de libras seria, então, privatizada e
vendida como se fosse uma mercadoria, como ações da Companhia dos
Mares do Sul – uma ação valendo 100 libras da dívida. Aqueles que
emprestassem dinheiro ao governo poderiam converter os comprovantes
desse débito em ações equivalentes da Companhia dos Mares do Sul. As
ações que sobrassem seriam vendidas ao público.
O preço inicial de uma ação seria 100 libras. Como com qualquer ação,
o preço subiria e cairia, mas, neste caso, se tudo desse certo, o preço só
subiria. A Companhia dos Mares do Sul tinha um nome intrigante e
mantinha a possibilidade de começar a comerciar com a vasta fortuna da
América do Sul. Era também dever patriótico dos credores ingleses
participarem do esquema, já que estariam ajudando a cancelar a dívida, e
teriam o potencial de lucrar muito mais dessa forma do que com os
pagamentos de juros anuais que o governo lhes pagaria. Caso o preço das
ações subisse, como era quase certo que aconteceria, os compradores as
resgatariam com lucro, e a empresa seria capaz de pagar ótimos dividendos.
Como por magia, a dívida seria transformada em fortuna. Essa era a solução
para todos os problemas do governo, e asseguraria a Blunt fama duradoura.
O rei Jorge, em novembro de 1719, ao ouvir pela primeira vez a respeito
da proposta de Blunt, se mostrou bem confuso. Não conseguia entender
como um negativo tão grande (a dívida) poderia ser transformado de
maneira instantânea num positivo. Além disso, esse novo jargão das
finanças lhe era de todo incompreensível. Contudo, Blunt falava com tanta
convicção que o rei se viu contagiado com seu entusiasmo. Afinal, ele
estava prometendo resolver os dois maiores problemas de Jorge com uma
única manobra, e era difícil resistir a esse prospecto.
Jorge era bastante impopular, um dos reis ingleses menos aceitos de
todos os tempos. Não era de todo culpa dele: não era inglês de nascimento,
mas alemão. O seu título anterior havia sido Duque de Brunswick e Eleitor
de Hanover. Quando a rainha Ana da Inglaterra morreu, em 1714, Jorge era
seu parente vivo protestante mais próximo. No entanto, no momento que
ascendeu ao trono, os seus novos súditos não o apreciaram muito. Falava
inglês com um sotaque horrível, tinha maneiras rudes e se mostrava sempre
ávido por mais dinheiro. Apesar da idade avançada, cortejava o tempo todo
mulheres que não a esposa, nenhuma das quais muito atraentes. Nos
primeiros anos do seu reinado, houve várias tentativas de golpe, e o público
teria celebrado a mudança caso um tivesse sido bem-sucedido.
Jorge estava desesperado para provar aos novos súditos que era capaz de
ser um grande rei, do seu próprio jeito. O que odiava mais do que tudo eram
as dívidas esmagadoras que o governo havia contraído antes que ele subisse
ao trono. E tinha uma reação quase alérgica a qualquer tipo de dívida, como
se o sangue lhe estivesse sendo sugado.
Agora lá estava Blunt, oferecendo-lhe a oportunidade de cancelar as
dívidas e levar a prosperidade à Inglaterra, fortalecendo a monarquia no
processo. Era quase bom demais para ser verdade, e ele deu o seu apoio
integral à ideia. Delegou ao ministro das finanças, John Aislabie, a tarefa de
apresentar aquela sugestão ao parlamento em janeiro de 1720, que teria de
aprová-la na forma de um projeto de lei. Quase de imediato, a proposta de
Blunt despertou oposição ferrenha entre muitos membros do parlamento,
alguns dos quais a consideraram ridícula. Contudo, nas semanas que se
seguiram ao discurso de Aislabie, os opositores do projeto de lei viram com
horror o apoio ao lado deles murchar aos poucos. Ações antecipadas do
empreendimento tinham sido praticamente dadas aos ingleses mais ricos e
poderosos, inclusive a membros proeminentes do parlamento, que,
pressentindo o lucro pessoal certo que obteriam, agora resolveram aprovar a
proposta.
Quando autorizada em abril daquele ano, o próprio rei Jorge visitou a
sede da Companhia dos Mares do Sul e depositou 100 mil libras por ações
no novo empreendimento. Queria demonstrar a sua confiança nele, mas esse
passo nem era necessário, pois o suspense sobre a passagem do projeto de
lei havia fascinado o público, e o interesse nas ações da Companhia dos
Mares do Sul já alcançava um estado de excitação febril. O centro da
atividade era uma área de Londres conhecida como Exchange Alley
(“alameda do câmbio”, em inglês), onde quase todas as ações eram
vendidas. Agora, a rua estreita e as outras em redor estavam atravancadas
com o tráfego que se intensificava a cada dia.
A princípio, foram na maioria os ricos e influentes que chegaram em
suas carruagens sofisticadas para comprar as ações, entre eles artistas e
intelectuais – inclusive John Gay, Alexander Pope e Jonathan Swift. Em
seguida, Sir Isaac Newton sentiu a força da corrente e investiu boa parte das
suas economias, 7 mil libras. Algumas semanas mais tarde, porém, passou a
ter dúvidas. O preço subia, mas o que sobe com certeza pode cair, e ele
vendeu as ações, dobrando o investimento inicial.
Logo, boatos começaram a circular de que a empresa estava prestes a
iniciar o comércio com a América do Sul, onde todos os tipos de riqueza
jaziam enterrados nas montanhas. Isso só pôs mais lenha na fogueira, e
pessoas de todas as classes convergiram para Londres a fim de comprar
ações da Companhia dos Mares do Sul. Blunt, dizia-se, era um alquimista
financeiro que havia descoberto o segredo de transformar dívidas em
riquezas. Na zona rural, os fazendeiros tiraram de debaixo da cama as
moedas que economizaram a vida toda, e enviaram os filhos e sobrinhos
para comprar o máximo de ações possível. A febre se espalhou por entre as
mulheres de todas as classes, que, em geral, não mexiam com essas coisas.
Agora, atrizes se misturavam com duquesas na Exchange Alley. Todo o
tempo, o preço aumentava, para mais de 300 libras, logo chegando a 400
libras.
Como havia acontecido na França, a Inglaterra agora vivia uma
expansão financeira espetacular. Em 28 de maio, o rei celebrou o seu
sexagésimo aniversário e, para alguém famoso pela frugalidade, foi a festa
mais opulenta que já se havia visto, com enormes banheiras cheias de vinho
tinto e champanhe. Na comemoração, uma mulher se gabava da nova
fortuna conquistada ostentando um vestido incrustado de joias no valor de
mais de 5 mil libras. Em todos os cantos de Londres, os ricos demoliam
mansões e as substituíam por casas ainda maiores e majestosas. Criados
domésticos e carregadores de bagagem se demitiam dos seus empregos e
compravam carruagens caras, contratando os seus próprios criados e
carregadores. Uma jovem atriz fez fortuna tão grande que resolveu se
aposentar, alugando um teatro inteiro para se despedir dos fãs devotados.
Uma dama da aristocracia se viu estupefata certa noite na ópera ao
presenciar sua antiga criada ocupando agora um camarote mais caro do que
o dela. Jonathan Swift escreveu numa carta a um amigo: “Perguntei a
alguns que vieram de Londres qual é a religião de lá. Disseram-me que são
as ações da Mares do Sul. ‘Qual é a política da Inglaterra?’ A resposta é a
mesma. ‘O que se comercia?’ Ainda a Mares do Sul. ‘E como são os
negócios?’ Nada além da Mares do Sul”. Em meio a essa onda febril de
compra e venda, lá estava John Blunt bombeando o fluxo, fazendo todo o
possível para estimular o interesse nas ações da Mares do Sul e manter o
custo ascendente. Ele vendeu as ações em várias assinaturas, oferecendo
termos generosos de pagamento, às vezes pedindo apenas um adiantamento
de 20% para ingressar. A cada 400 libras em investimentos, passaria a dever
300 libras. Queria manter a procura e fazer as pessoas sentirem que
estariam perdendo a sua única oportunidade de enriquecer. Logo o preço
superou 500 libras e continuou a subir. A 15 de junho, ele havia
estabelecido o preço da assinatura ao valor astronômico de mil libras, com
apenas 10% de entrada e parcelas de 10% espalhadas por mais de quatro
anos. Poucos conseguiam resistir a esses termos. Naquele mesmo mês, o rei
Jorge nomeou Blunt cavaleiro. Agora um baronete, Sir John Blunt se
posicionou no topo da sociedade inglesa. Sim, era muito pouco atraente e
um tanto quanto pomposo, no entanto tornou tantas pessoas tão ricas que
agora era a celebridade mais apreciada da Inglaterra.
À medida que os ricos e poderosos se preparavam para deixar Londres
para os meses de verão, o ânimo estava positivamente eufórico. Blunt
afetava um ar despreocupado e autoconfiante, mas, por dentro, começava a
se sentir ansioso, até mesmo apavorado. Havia tantos elementos que deixara
de prever. Sem querer, inspirara um movimento precipitado de novas
iniciativas especulativas, algumas envolvendo ideais legítimas e outras
obviamente absurdas, como o desenvolvimento de uma roda de movimento
perpétuo. As pessoas agora sentiam a febre e jogavam parte do seu dinheiro
nessas novas empresas de capital coletivo. Cada 1 libra que ia para uma
delas era 1 libra a menos que a população tinha para gastar na Companhia
dos Mares do Sul, e isso era um problema crescente, já que existia uma
quantidade limitada de dinheiro na Inglaterra e havia limites para o quão
longe ele conseguiria ir oferecendo crédito. De forma análoga, começava-se
a pôr dinheiro em terras como um investimento seguro para o futuro, muitas
vezes vendendo-se as ações da Mares do Sul com esse propósito. O próprio
Blunt fazia isso, sem que o público soubesse.
O mais perturbador era que os franceses tinham perdido a fé no
empreendimento no Mississippi e estavam retirando o seu dinheiro; o
capital havia se tornado escasso, e a economia francesa agora sofria uma
depressão súbita. Isso com certeza afetaria os ânimos em Londres. Antes
que as pessoas voltassem das férias de verão, Blunt precisava agir.
Trabalhando com o parlamento, ele conseguiu aprovar o Ato da Bolha
Financeira de 1720, que bania todos os investimentos de capital coletivo
não autorizados pela Carta Real. Isso daria fim à especulação desenfreada.
Entretanto, essa solução gerou consequências que ele não previu. Milhares
investiram as suas economias nesses novos negócios e, como estes agora
haviam sido criminalizados, não era possível recuperar o dinheiro. O único
recurso que sobrara era vender as ações da Mares do Sul. Muitos dos que
utilizaram crédito para comprar ações da Mares do Sul se viram
enfrentando parcelas que não eram mais capazes de pagar, as quais tentaram
vender também. O preço das ações da Mares do Sul começou a cair.
Naquele mês de agosto, multidões se formaram fora da sede da Mares do
Sul à medida que as pessoas se sentiam desesperadas para vender.
Perto do fim de agosto, Blunt também entrou em desespero. Decidiu
lançar a quarta assinatura de dinheiro, de novo a mil libras. Agora, os
termos eram mais generosos do que nunca e, ainda por cima, ele prometia
um dividendo de Natal espantosamente alto de 30%, a ser seguido por um
dividendo anual de 50%. Alguns foram atraídos de volta para o esquema
pela proposta sedutora, inclusive o próprio Sir Isaac Newton. Outros,
porém, como se estivessem acordando de um sonho, começaram a se
indagar sobre o fenômeno todo: como uma empresa que não havia
comercializado nada ainda com a América do Sul, cujo único bem tangível
eram os juros que o governo pagava sobre a sua dívida, era capaz de
oferecer dividendos tão altos? Agora o que tinha parecido alquimia ou
magia se revelava um verdadeiro trote sobre o público. No início de
setembro, a liquidação se transformou em pânico, à medida que quase todos
corriam para converter as ações em papel em algo real, em moedas ou metal
de algum tipo.
Com o pânico crescente para recuperar o dinheiro, o Banco da Inglaterra
por pouco não foi arruinado – a moeda quase se esgotou. Estava claro
agora, naquele país, que a festa tinha acabado. Muitos haviam perdido as
suas fortunas e economias da vida toda na derrocada repentina. O próprio
Isaac Newton teve um prejuízo de cerca de 20 mil libras, e a partir daí a
mera menção de finanças ou banco o deixava doente. As pessoas tentavam
vender o que conseguiam. Logo, houve uma onda de suicídios, inclusive do
sobrinho de Sir John Blunt, Charles, que cortou a garganta após descobrir a
natureza precisa das suas perdas.
O próprio Blunt era perseguido nas ruas e quase foi morto por um
assassino. Teve que escapar rápido de Londres. Passou o resto da vida na
cidade de Bath, sobrevivendo graças aos fundos bem modestos que lhe
sobraram depois que o parlamento lhe tomou quase todo o dinheiro que
havia ganhado por meio do esquema da Mares do Sul. Talvez no isolamento
ele tenha conseguido contemplar a ironia de tudo aquilo – de fato, mudara o
curso da história e assegurara fama para todo o sempre, como o homem que
concebeu um dos esquemas mais absurdos e destrutivos já imaginados no
mundo dos negócios.
Interpretação: John Blunt era um empresário pragmático e obstinado
com um único objetivo: fazer uma fortuna duradoura para si e para a
família. No verão de 1719, porém, esse homem bastante realista foi tomado
por um tipo de febre. Quando começou a ler sobre o que estava acontecendo
em Paris, sentiu-se atingido por todo o drama. Eram histórias vívidas sobre
franceses ordinários ganhando fortunas de maneira repentina. Ele nunca
antes havia pensado que investimentos em empresas de capital coletivo
poderiam render resultados tão rápidos, mas as evidências da França eram
irrefutáveis. Queria levar uma sorte similar à Inglaterra e, ao criar o seu
plano, é natural que tenha imitado muitos dos aspectos do esquema de Law,
apenas aumentando as dimensões deste.
O que impressiona aqui, porém, é que uma pergunta bem óbvia nunca
lhe passou pela cabeça. O esquema dependeria do crescimento do preço das
ações. Se aqueles que converteram os documentos da dívida do governo em
ações tivessem de pagar 200 libras por ação em vez de 100, receberiam
menos ações, o que deixaria mais ações para a Mares do Sul vender ao
público e fazer um bom lucro. Se estas fossem compradas a 200 libras, elas
agora valeriam mais se o preço continuasse a aumentar e fossem vendidas
em algum momento. Ver o preço subir convenceria mais credores a
converter as suas ações, mais pessoas as comprariam e todos ganhariam.
Contudo, como o preço poderia continuar subindo se não era baseado em
bens reais, conforme ocorre no comércio? Se começasse a cair (o que era
inevitável), o pânico se instalaria, já que se perderia a fé no esquema, dando
início a uma reação em cadeia com a venda das ações. Ele não previu isso?
A resposta é simples: a perspectiva temporal de Blunt havia se
encolhido ao ponto em que ele perdeu a habilidade de ver meses no futuro e
considerar as consequências. Mesmerizado pelos acontecimentos na França
e imaginando toda a riqueza e poder que estava prestes a obter, só conseguia
se concentrar no presente, garantindo que o esquema tivesse um lançamento
bem-sucedido. O êxito inicial serviu apenas para fazê-lo imaginar que
aquela tendência continuaria por um longo tempo. À medida que progredia,
por certo entendeu que precisava fazer o preço subir ainda mais rápido, e a
única solução era atrair mais investidores por meio de termos generosos de
crédito. Isso tornaria o esquema ainda mais precário, uma solução que
incorria em vários perigos novos. O Ato da Bolha Financeira e os
dividendos generosos acarretaram riscos imediatos ainda maiores, mas a
essa altura a perspectiva temporal de Blunt havia encolhido para uma
questão de dias. Se ele apenas conseguisse manter o navio flutuando por
mais uma semana, encontraria uma nova solução. Por fim, o tempo se
esgotou.
Quando as pessoas perdem a conexão entre as suas ações e as
consequências, elas deixam de ter noção da realidade, e quanto mais isso
prossegue, mais dá a impressão de se estar louco. A loucura que dominou
Blunt logo contagiou o rei, o parlamento e, por fim, toda uma nação de
cidadãos famosos por seu bom senso. Uma vez que os ingleses viram os
seus compatriotas ganhando grandes quantias de dinheiro, tornou-se um
fato – o esquema tinha que ser um sucesso. Eles também perderam a
habilidade de pensar com alguns meses de antecipação. Veja o que
aconteceu com Sir Isaac Newton, um modelo de racionalidade que, no
princípio, foi contagiado pela febre, mas cuja mente lógica, depois de uma
semana, enxergou os buracos no esquema; por isso, ele vendeu as ações que
possuía. Observou, então, outros obtendo somas ainda maiores de dinheiro
do que as suas míseras 14 mil libras, e isso o aborreceu. Em agosto, voltou a
investir, mesmo sendo absolutamente o pior momento para tanto. O próprio
Sir Isaac Newton perdera a habilidade de pensar além do dia seguinte.
Como um banqueiro holandês comentou sobre a cena na Exchange Alley:
“[Parecia que] nada menos do que todos os lunáticos haviam escapado do
hospício de uma vez só”.Entenda: nós, seres humanos, tendemos a viver no
momento. É a parte animal da nossa natureza. Respondemos primeiro e
acima de tudo ao que vemos e ouvimos, ao que é mais dramático num
acontecimento. Entretanto, não somos apenas animais atrelados ao presente.
A realidade humana engloba o passado – cada acontecimento está
conectado a algo que ocorreu antes numa cadeia infinita de causalidade
histórica. Qualquer problema atual tem raízes profundas no passado.
Também engloba o futuro. O que quer que façamos tem consequências que
se estendem longe nos anos que estão por vir.
Quando limitamos os nossos pensamentos àquilo que os nossos sentidos
nos informam, ao que é imediato, descendemos ao puro nível animal em
que os nossos poderes de raciocínio são neutralizados. Não temos mais
ciência de como e por que tudo acontece. Imaginamos que algum esquema
bem-sucedido que durou alguns meses só vai melhorar. Não consideramos
mais as consequências possíveis de algo que colocamos em movimento.
Reagimos ao que é dado no momento, com base em apenas pequenas peças
do quebra-cabeça. É natural que as nossas ações levem, portanto, a
consequências não intencionadas, ou mesmo a desastres como a quebra da
Companhia dos Mares do Sul ou à crise mais recente de 2008.
Para complicar a questão, estamos cercados por outras pessoas que
estão sempre reagindo, nos atraindo cada vez mais para o presente. Os
vendedores e demagogos exploram essa fraqueza da natureza humana para
nos enganar com o prospecto de ganhos fáceis e gratificação instantânea. O
nosso único antídoto é nos treinar para nos afastarmos continuamente da
urgência imediata dos acontecimentos e elevar a nossa perspectiva. Em vez
de reagir apenas, devemos recuar e estudar o contexto mais amplo.
Consideraremos as várias ramificações possíveis de qualquer ação que
realizarmos. Manteremos em mente as nossas metas de longo prazo. Muitas
vezes, ao elevar a nossa perspectiva, decidiremos que é melhor não fazer
nada, não reagir, e deixar o tempo passar e ver que este revela. (Se Blunt
tivesse aguardado apenas alguns meses, teria visto o esquema de Law
fracassar, e a Inglaterra teria sido poupada da ruína que se seguiu.) A
sanidade e o equilíbrio não nos vêm naturalmente. São poderes que
adquirimos com grande esforço, e representam o ápice da sabedoria
humana.
Sei calcular o movimento dos corpos celestes, mas não a loucura das pessoas.
— Sir Isaac Newton
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Quase todos nós já vivenciamos algo semelhante aos seguintes cenários:
alguém de quem precisamos ou dependemos não nos presta a devida
atenção, sem retornar os nossos telefonemas. Frustrados, expressamos os
nossos sentimentos a essa pessoa, ou dobramos os esforços para obter uma
resposta. Ou encontramos um problema, um projeto que não está indo bem,
e escolhemos uma estratégia e realizamos as ações apropriadas. Ou um
novo alguém surge em nossa vida e, cativados por seu charme e energia
estimulante, o tornamos nosso amigo.
Então, semanas se passam e somos forçados a reavaliar o que aconteceu
e como reagimos. Novas informações vêm à tona. Aquele indivíduo que
não nos respondeu estava inundado de trabalho. Se tivéssemos aguardado e
não sido tão impacientes, teríamos evitado alienar um aliado valioso.
Aquele problema que tentamos solucionar não era tão urgente assim, e nós
o tornamos pior ao precipitar um resultado. Precisávamos saber mais antes
de agir. E aquele novo amigo se revela não sendo tão simpático; na verdade,
o tempo prova que este é um sociopata destrutivo de cuja amizade
levaremos anos para nos curar. Um pouco mais de distância teria nos
deixado ver os sinais de perigo antes que fosse tarde demais. Olhando para
a nossa vida pregressa, tendemos a ser impacientes e a reagir de forma
exagerada; notamos padrões de comportamento por longos períodos de
tempo que escapam à nossa atenção quando ocorrem, mas que mais tarde se
tornam mais claro para nós.
O que isso significa é que, no presente momento, carecemos de
perspectiva. Com a passagem do tempo, obtemos mais informações e
enxergamos mais da verdade; o que estava invisível para nós agora se torna
visível em retrospecto. O tempo é o maior professor de todos, o revelador
da realidade.
Podemos comparar isso ao seguinte fenômeno visual: ao sopé de uma
montanha, numa densa floresta, não temos a capacidade de nos localizar ou
de mapear os nossos arredores. Vemos apenas o que está diante dos nossos
olhos. Se começarmos a nos mover para a lateral da montanha,
conseguiremos enxergar mais dos arredores e de como eles se relacionam a
outras partes da paisagem. Quanto mais alto escalarmos, melhor
entenderemos que o que pensávamos quando estávamos mais abaixo não
era bem correto, mas baseado numa perspectiva levemente distorcida. No
topo da montanha, temos uma visão panorâmica da cena e claridade perfeita
sobre o relevo da Terra.
Para nós, seres humanos presos ao momento presente, é como se
vivêssemos ao sopé da montanha. Aquilo que é mais aparente aos nossos
olhos – as outras pessoas e a floresta em redor – nos dá uma visão limitada
e distorcida da realidade. A passagem do tempo é como uma escalada lenta
da montanha. As emoções que sentimos no presente já não são tão fortes;
conseguimos nos afastar e ver os acontecimentos com mais clareza. Quanto
mais subimos com a passagem do tempo, mais informações acrescentamos
ao quadro. O que vemos três meses depois do fato não é tão preciso quanto
o que saberemos um ano mais tarde.
Pareceria, portanto, que a sabedoria tende a nos chegar quando é tarde
demais, na maior parte das vezes em retrospecto. Entretanto, há uma
maneira de fato de fabricarmos o efeito do tempo, de nos dar uma visão
expandida do momento presente. Chamaremos isso de perspectiva
hipermetrope, o que requer o seguinte processo.
Em primeiro lugar, ao enfrentar um problema, conflito ou alguma
oportunidade excitante, devemos nos treinar para nos afastarmos do calor
do momento, nos empenhar para acalmar a nossa excitação e temor; tomar
distância.
Em seguida, começaremos a aprofundar e ampliar a nossa perspectiva.
Ao considerar a natureza daquilo que estamos enfrentando, não devemos
nos agarrar a uma explicação imediata, mas, em vez disso, ir mais a fundo e
considerar outras possibilidades, outras motivações possíveis para as
pessoas envolvidas. Precisamos nos forçar a estudar o contexto geral do
acontecimento, não apenas o que nos captura de imediato a atenção.
Imaginaremos da melhor forma que conseguirmos as consequências
negativas
das
várias
estratégias
que
estivermos
contemplando.
Consideraremos como o problema ou a oportunidade aparente poderia
evoluir com o passar do tempo, como outros contratempos ou questões não
aparentes no momento talvez se revelem de repente maiores do que aqueles
com os quais estamos lidando agora. Devemos focar nossas metas de longo
prazo e realinhar as nossas prioridades no presente de acordo com elas.
Em outras palavras, esse processo envolve distância do presente, um
estudo mais profundo da fonte dos problemas, uma perspectiva mais ampla
do contexto geral da situação, um exame do futuro mais distante – inclusive
das consequências das nossas ações e das nossas próprias prioridades de
longo prazo.
Ao passarmos por esse processo, certas opções e explicações começarão
a parecer mais lógicas e realistas do que outras que nos fascinaram
anteriormente. Acrescentaremos a isso as lições que aprendemos com o
passar dos anos sobre os nossos próprios padrões de comportamento. Dessa
maneira, embora não consigamos recriar o efeito total que o tempo tem
sobre o nosso pensamento, é possível produzir algo próximo. Na maior
parte das vezes, o passar dos meses nos dá ainda mais informações e revela
opções melhores para escolhermos. Estaremos fabricando esse efeito no
presente ao ampliar o que levamos em consideração e abrindo a nossa
mente. Estaremos escalando a montanha. Essa perspectiva elevada nos
acalmará e tornará mais fácil mantermos a nossa presença de espírito à
medida que os acontecimentos se desenrolarem.
Embora isso seja um ideal, devemos admitir que essa perspectiva é rara
entre os seres humanos. Ela parece exigir um esforço além das nossas
capacidades. O motivo disso é simples: o raciocínio de curto prazo está
programado no nosso sistema; fomos construídos para responder ao que é
imediato e a buscar a gratificação instantânea. Para os nossos primeiros
ancestrais, era importante notar o que tinha o potencial de ser perigoso, ou o
que oferecia uma oportunidade como alimento. O cérebro humano, ao
evoluir, foi projetado não para examinar o quadro geral e o contexto de um
acontecimento, mas para se concentrar nos aspectos mais dramáticos. Essa
qualidade funcionava bem num ambiente relativamente simples e em meio
à organização social descomplicada da tribo. Contudo, não é adequada ao
mundo complexo em que vivemos hoje. Ela nos faz perceber mais o que
estimula os nossos sentidos e emoções, e deixa passar despercebido muito
do quadro mais amplo.
Isso tem um impacto decisivo no modo como vemos a dor ou o prazer
potenciais envolvidos numa situação. O nosso cérebro está programado para
nos fazer notar o que no ambiente em redor poderia nos ferir no presente,
mas não a prestar muita atenção nos outros perigos mais abstratos que
assomam no futuro. É por isso que tendemos a dar muito mais atenção a
algo como o terrorismo (dor imediata), que com certeza merece o nosso
escrutínio, do que ao aquecimento global (dor distante), que representa, de
fato, a ameaça maior, pois coloca a própria sobrevivência do planeta em
risco. No entanto, esse perigo parece abstrato no presente. Quando não for
mais abstrato, talvez seja tarde demais. Tendemos também a nos agarrar ao
que nos oferece prazer agora, mesmo sabendo das consequências negativas
de longo prazo. Por essa razão, as pessoas continuam a fumar, beber, usar
drogas, ou a se envolver em qualquer comportamento autodestrutivo em
que os danos não sejam imediatos ou dramáticos.
Num mundo complexo, com uma miríade de perigos assomando no
futuro, as nossas tendências de curto prazo representam uma ameaça
constante ao nosso bem-estar. E à medida que a nossa capacidade de
concentração diminui por causa da tecnologia, essa ameaça se torna cada
vez maior. Em muitos aspectos, somos definidos pelo nosso relacionamento
com o tempo. Quando apenas reagimos ao que vemos e ouvimos, quando
oscilamos da excitação e exuberância para o medo e o pânico a cada nova
notícia dramática, e engendramos as nossas ações para obter o maior prazer
possível no instante atual sem nenhuma preocupação com consequências
futuras, podemos dizer que estamos cedendo à nossa natureza animal, ao
que é mais primitivo e potencialmente destrutivo na nossa estrutura
neurológica.
Quando lutamos para ir contra a corrente, para considerar com maior
profundidade as consequências do que fazemos e a natureza das nossas
prioridades de longo prazo, estamos nos empenhando para compreender o
nosso verdadeiro potencial humano como animal pensante. E assim como o
pensamento de curto prazo é contagioso, um indivíduo que incorpore a
sabedoria da perspectiva hipermetrope é capaz de ter um efeito positivo
imenso nas pessoas em redor. Eles nos tornam conscientes do quadro mais
amplo e revelam uma atitude que reconhecemos como superior. Queremos
imitá-los.
Por toda a história existiram diversos ícones dessa sabedoria para nos
inspirar e guiar: José no Antigo Testamento, que enxergava o coração dos
homens e lhes previa o futuro; Sócrates na Grécia antiga, que nos ensinou a
ser menos tolos e considerar as consequências no nosso raciocínio; o
brilhante estrategista Zhuge Liang na China antiga, que era capaz de prever
cada movimento do inimigo; líderes como a rainha Elizabete I e Abraham
Lincoln, famosos pelo sucesso das suas estratégias de longo prazo; o
cientista Charles Darwin, que, muito paciente e presciente, expôs
finalmente os efeitos do longo tempo na evolução de todos os seres vivos, e
Warren Buffett, o investidor de maior sucesso da história, cujo poder é
baseado na sua perspectiva hipermetrope.
Se possível, evite o contato profundo com aqueles cuja perspectiva
temporal é estreita, que cultivam uma atitude reativa, e se esforce para se
associar com quem tem uma consciência expandida do tempo.
QUATRO SINAIS DE MIOPIA E ESTRATÉGIAS PARA SUPERÁ-LOS
A maioria de nós imagina que aplicamos alguma forma de raciocínio de
longo prazo; afinal, temos metas e planos. Contudo, estamos enganando a
nós mesmos. É possível ver isso com clareza ao falarmos com outras
pessoas sobre os planos e estratégias que elas têm para o futuro próximo e
mais distante: muitas vezes, nos espantamos com a imprecisão e falta de
raciocínio profundo que elas tendem a conferir a esses planos. São mais
esperanças e desejos, os quais, frágeis e na urgência dos acontecimentos
imediatos, sob a pressão e a necessidade de reagir, são atropelados com
facilidade. Na maior parte do tempo, improvisamos e reagimos a tudo com
informações insuficientes. Basicamente, vivemos num estado de negação
sobre isso porque é difícil ter perspectiva a respeito do nosso próprio
processo de tomada de decisões.
A melhor maneira de superar isso é reconhecer os sinais evidentes do
pensamento míope na nossa vida. Assim como com a maioria dos
elementos da natureza humana, a chave é a consciência. Apenas ao enxergar
esses sinais seremos capazes de combatê-los. O que se segue são as quatro
manifestações mais comuns do pensamento míope.
1. Consequências não intencionadas. A história está repleta de
exemplos incontáveis desse fenômeno. Na Roma antiga, um grupo de
homens leais à República temia que Júlio César tornasse a sua ditadura
permanente e estabelecesse uma monarquia. Em 44 a.C., eles resolveram
assassiná-lo, restaurando assim a República. No caos e vácuo de poder
decorrentes, o sobrinho-neto de César, Otávio, rapidamente ascendeu,
assumiu o poder e deu fim permanente à República, estabelecendo uma
monarquia na prática. Após a morte de César, descobriu-se que ele nunca
tivera a intenção de criar um sistema monárquico. Os conspiradores
causaram exatamente aquilo que haviam tentado evitar.
Na Índia do século 19, sob o domínio colonial britânico, as autoridades
decidiram que havia cobras venenosas demais nas ruas de Déli, situação que
tornava desconfortável a vida dos residentes britânicos e suas famílias. A
fim de resolver isso, ofereceram uma recompensa a cada cobra morta que os
moradores lhes trouxessem. Logo, empreendedores indianos começaram a
procriar aqueles répteis a fim de lucrar com as recompensas. Quando soube
disso, o governo cancelou o programa, e os procriadores, ressentidos e
furiosos, decidiram soltar as cobras nas ruas, triplicando assim a sua
população em comparação com o período anterior ao programa do governo.
Outros exemplos notórios incluiriam a Décima Oitava Emenda, que, em
1920, estabeleceu a Lei Seca nos Estados Unidos, elaborada para deter a
expansão do alcoolismo, mas que acabou aumentando o consumo de
bebidas alcoólicas numa proporção considerável; e o ataque de surpresa a
Pearl Harbor pelos japoneses em 1941, concebido para dizimar a força
naval norte-americana num único golpe e pôr o país de joelhos. Em vez
disso, a ação abalou o público norte-americano e o convenceu a deixar a
posição de isolacionismo profundo, garantindo a mobilização total de um
número bem superior de combatentes e de recursos para não apenas derrotar
os japoneses, mas também obliterar as suas forças militares para sempre. O
próprio sucesso do ataque assegurou o oposto do resultado almejado.
É possível encontrar exemplos menos dramáticos disso na nossa vida
cotidiana. Tentamos controlar um adolescente rebelde impingindo-lhe
algumas restrições ao seu comportamento, apenas para torná-lo ainda mais
incontrolável. Tentamos alegrar uma pessoa deprimida fazendo-a perceber
que a vida dela não é tão ruim e que o sol está brilhando, somente para
descobrir que a depressão dela piorou ainda mais, pois, agora, ela se culpa
pela maneira como se sente, insignificante, e acredita estar mais sozinha em
sua infelicidade. Uma esposa, na tentativa de convencer o marido a se abrir
mais com ela e com a esperança de estabelecer mais intimidade, pergunta ao
parceiro o que ele está pensando, o que aconteceu durante o dia, e assim por
diante. Ele interpreta essa atitude como uma intrusão e se fecha mais, o que
deixa a esposa desconfiada e mais curiosa, fazendo-o ficar ainda mais na
defensiva.
A fonte dessa síndrome antiquíssima é relativamente simples: alarmados
por algo no presente, apelamos para uma solução sem pensar bem sobre o
contexto, as raízes do problema, as possíveis consequências não
intencionadas que podem se seguir. Como, em geral, reagimos em vez de
pensar, as nossas ações são baseadas em informações insuficientes – César
não tinha planos de começar uma monarquia; os pobres de Déli detestavam
os governantes coloniais e não apreciariam a perda súbita de dinheiro; os
norte-americanos se disporiam a ir à guerra se fossem atacados. Quando
operamos com uma perspectiva tão distorcida, o resultado é uma série de
efeitos perversos. Em todos esses casos, um simples movimento parcial em
direção ao topo da montanha teria tornado claras as consequências
negativas possíveis que são tão evidentes para nós em retrospecto: por
exemplo, é óbvio que oferecer uma recompensa por cobras mortas levaria
os residentes pobres a procriá-las.
Sempre, nesses casos, o raciocínio do ser humano é notavelmente
simples e preguiçoso: mate César e a República retornará; a ação A leva ao
resultado B. Uma variação disso, bem comum no mundo moderno, é
acreditar que, se as pessoas têm boas intenções, isso resultará em boas
conclusões. Se um político é honesto e tem bons propósitos, produzirá os
fins desejados. Na verdade, as boas intenções muitas vezes levam ao que é
conhecido como efeito cobra, pois aqueles com o mais nobre intento são
frequentemente cegos a sentimentos de superioridade moral e não levam em
consideração as motivações complexas e, muitas vezes, malévolas dos
outros.
No mundo de hoje, o raciocínio que não contempla as consequências é
uma verdadeira praga que só vem piorando com a velocidade das
informações e a facilidade de acesso a elas, o que dá aos indivíduos a ilusão
de que estão bem informados e que consideraram a fundo as questões.
Pense nas guerras autodestrutivas como a invasão do Iraque em 2003, as
tentativas de fechar o governo norte-americano para o ganho político de
curto prazo, o número cada vez maior de bolhas financeiras de ações de
empresas tecnológicas e do mercado imobiliário. Relacionada a isso está
uma desconexão gradual da própria história, à medida que o ser humano
tende a ver os acontecimentos atuais como se fossem isolados no tempo.
Entenda: qualquer fenômeno no mundo é, por natureza, complexo. As
pessoas com quem você lida são igualmente complexas. Qualquer ação dá
início a uma cadeia ilimitada de reações. Nunca é tão simples quanto A leva
a B; B levará a C, a D, e assim por diante. Outros atores serão atraídos para
o drama, e é difícil prever as suas motivações e respostas. Não será possível
para você mapear essas cadeias ou ter uma noção completa dos resultados.
Contudo, ao tornar o seu raciocínio mais focado nas consequências,
conseguirá pelo menos se tornar ciente dos efeitos negativos mais óbvios
que se seguirão, e isso muitas vezes representa a diferença entre o sucesso e
o desastre. Aprofunde o seu pensamento, imagine vários graus de
permutações, o mais longe que a sua mente conseguir alcançar.
Muitas vezes, esse processo o convencerá da sabedoria de não fazer
nada e aguardar. Quem sabe quais teriam sido os resultados históricos se os
conspiradores houvessem refletido a respeito disso e decidido esperar até
que César morresse em batalha ou de causas naturais?
Enquanto esse modo de pensar é importante para os indivíduos, talvez
seja até mais crucial para as grandes organizações, em que há muito em
jogo para diversas pessoas. Em qualquer grupo ou equipe, encarregue pelo
menos alguém de analisar todas as consequências possíveis de uma
estratégia ou linha de ação, de preferência aquele com uma disposição
cética e prudente. É impossível ir longe demais nesse processo, e o tempo e
dinheiro gastos serão bem recompensados se você evitar catástrofes em
potencial e desenvolver planos mais sólidos.
2. Inferno tático. Você se vê enredado em diversos conflitos e batalhas.
Sente que não está chegando a lugar algum, mas pensa que já investiu tanto
tempo e energia que seria um tremendo desperdício desistir. Você já se
esqueceu das suas metas de longo prazo, daquilo pelo que estava lutando de
fato. Ao contrário, tornou-se uma questão de satisfazer o seu ego e provar
que está certo. Muitas vezes, vemos essa dinâmica em brigas conjugais: não
se trata mais de reparar o relacionamento, mas de impor o próprio ponto de
vista. Às vezes, ao ser apanhado por essas batalhas, você se sente
mesquinho e na defensiva, o seu espírito sendo tragado para baixo. Esse é
um sinal quase certo de que caiu no inferno tático. A nossa mente está
programada para o raciocínio estratégico – calcular várias ocasiões de
antemão em direção aos nossos objetivos. No inferno tático, nunca
erguemos a nossa perspectiva o suficiente para pensar dessa forma.
Reagimos aos movimentos dessa ou daquela pessoa, enredado nos dramas e
emoções delas, andando em círculos.
A única solução é um recuo temporário ou permanente acerca dessas
batalhas, em especial se elas estiverem ocorrendo em frentes diversas. É
preciso algum distanciamento e perspectiva. Tranquilize o seu ego. Lembrese de que vencer uma discussão ou provar o seu ponto de vista não leva a
nada no longo prazo. Vença por meio das ações, não das palavras. Comece a
reconsiderar as suas metas de longo prazo. Crie uma escala de valores e
prioridades na vida, lembrando-se do que importa de verdade para você. Se
decidir que uma batalha específica é realmente importante, você agora
conseguirá, com um senso maior de distanciamento, conceber uma resposta
mais estratégica.
Na maior parte das vezes, o leitor compreenderá que certas batalhas não
valem a pena. São uma perda de tempo e energia valiosos, que deveriam
estar junto ao topo da sua escala de valores. É sempre melhor se afastar de
uma batalha circular, não importando o quanto se sinta pessoalmente
envolvido nela. A sua energia e espírito são considerações importantes.
Sentir-se mesquinho e frustrado pode ter consequências que repercutirão na
sua habilidade de pensar de forma estratégica e atingir os seus objetivos.
Passar pelo processo delineado na seção “Chaves para a natureza humana”
vai elevar naturalmente a sua perspectiva e colocar a sua mente no plano
estratégico. E tanto na vida como na guerra, os estrategistas sempre
prevalecerão sobre os táticos.
3. A febre do papel do telégrafo. Nos dias que precederam a quebra da
Bolsa de Wall Street em 1929, muitas pessoas haviam se tornado viciadas
em aplicações do mercado de ações, e esse vício tinha um componente
físico – o som do papel do telégrafo que registrava eletronicamente cada
alteração no preço das ações. Ouvir aqueles cliques indicava que algo
estava acontecendo, alguém estava comercializando e fazendo fortuna.
Muitos se sentiam atraídos pelo ruído em si, considerando-o o batimento
cardíaco de Wall Street. Não temos mais o papel do telégrafo. Em vez disso,
muitos de nós se viciaram no ciclo de notícias minuto a minuto, nas
principais tendências no Twitter, que vêm muitas vezes acompanhadas por
um som de alerta que tem o seu próprio efeito narcótico. Nós nos sentimos
conectados ao verdadeiro fluxo da vida, aos acontecimentos assim que se
alteram em tempo real, e a outras pessoas que acompanham os mesmos
relatos instantâneos.
Essa necessidade de saber de imediato tem um ímpeto inerente. Uma
vez que esperamos receber alguma notícia de forma rápida, nunca
conseguimos voltar ao ritmo lento de apenas um ano atrás. Na realidade,
sentimos a necessidade de ter mais informações de maneira mais veloz.
Essa impaciência tende a vazar para outros aspectos da vida – dirigir um
carro, ler um livro, acompanhar um filme. A nossa capacidade de
concentração decresce, assim como a nossa tolerância com quaisquer
obstáculos no nosso caminho.
Todos somos capazes de reconhecer os sinais dessa impaciência
nervosa, mas o que não reconhecemos é o efeito de distorção que ela tem
sobre o nosso raciocínio. As tendências do momento – nos negócios ou na
política – estão inseridas em tendências mais amplas que se desenrolam no
decorrer de semanas e meses. Esses períodos mais longos de tempo tendem
a revelar as fraquezas e forças relativas de um investimento, de uma ideia
estratégica, de um time esportivo ou de um candidato político, que por
vezes são o contrário do que vemos nas microtendências do momento. Em
isolamento, uma pesquisa ou preço de ação não nos diz muito sobre essas
forças e fraquezas. Eles nos dão a impressão enganadora de que o que é
revelado no presente apenas se tornará mais acentuado com o tempo. É
normal querer se manter atualizado em relação às últimas notícias, mas
basear qualquer tipo de decisão nesses retratos instantâneos é correr o risco
de interpretar mal o quadro mais amplo.
Além disso, o ser humano tende a reagir, às vezes com exagero, a
qualquer alteração negativa ou positiva no presente, e isso torna duas vezes
mais difícil não ser levado pelo pânico ou pela exuberância.
Considere o que Abraham Lincoln teve de encarar numa era muito
menos tecnológica. Na eclosão da Guerra Civil, ele analisou o quadro mais
amplo – pelas estimativas dele, o norte venceria porque tinha mais homens
e mais recursos nos quais se apoiar. O único perigo era o tempo. Lincoln
precisaria de tempo para que o Exército da União se desenvolvesse como
uma força de combate; ele também precisava de tempo a fim de encontrar
os generais certos para executar os seus planos de batalha como desejava.
Entretanto, se tempo demais passasse e não houvesse nenhuma grande
vitória, a opinião pública talvez se voltasse contra o esforço de guerra, e
uma vez que o norte se dividisse, o trabalho de Lincoln se tornaria
impossível. Precisava de paciência, mas também de vitórias no campo de
batalha.
No primeiro ano da guerra, o norte sofreu uma grande derrota em Bull
Run e, de repente, quase todos passaram a questionar a competência do
presidente. Agora até nortenhos sensatos, como o famoso editor Horace
Greeley, encorajavam o presidente a negociar a paz. Outros o instavam a
pôr tudo que o norte tinha num golpe imediato para esmagar o sul, apesar
de o Exército não estar pronto para isso.
Assim prosseguiu a situação, com a pressão aumentando de forma
contínua à medida que o norte não conseguia uma única vitória sólida. Até
que, por fim, o general Ulysses S. Grant deu fim ao sítio de Vicksburg em
1863, seguido da vitória em Gettysburg sob o comando do general George
Meade. Agora Lincoln era, de repente, aclamado como um gênio. Contudo,
seis meses mais tarde, com Grant estagnado na sua perseguição ao Exército
Confederado sob o comando do general Robert E. Lee, e com as fatalidades
aumentando, o senso de pânico retornou. Outra vez Greeley encorajou uma
negociação com o sul. A reeleição de Lincoln naquele ano parecia fadada
ao fracasso. Ele havia se tornado imensamente impopular. A guerra estava
levando tempo demais. Sentindo o peso disso, ao fim de agosto de 1864,
Lincoln esboçou afinal uma carta com os termos de paz que ofereceria ao
sul, mas naquela mesma noite se sentiu envergonhado de ter perdido a sua
determinação e escondeu a mensagem numa gaveta. A maré precisava virar,
sentia ele, e o sul seria esmagado. Apenas uma semana mais tarde, o general
William Tecumseh Sherman marchou sobre Atlanta e todas as dúvidas a
respeito de Lincoln desapareceram de súbito para sempre.
Por meio do raciocínio de longo prazo, Lincoln havia medido de forma
correta as forças e fraquezas relativas dos dois lados e previsto como a
guerra transcorreria. Todos os outros se viram enredados pelos relatos
diários do progresso da guerra. Alguns queriam negociar, outros pretendiam
acelerar o esforço de forma repentina, mas tudo isso baseado em oscilações
momentâneas da sorte. Um homem mais fraco teria cedido a essas pressões
e a guerra teria acabado de maneira bem diferente. A escritora Harriet
Beecher Stowe, que visitou Lincoln em 1864, mais tarde escreveu sobre ele:
“Cercado por todo tipo de alegações conflitantes, por traidores, por homens
tímidos e apáticos, por homens dos Estados da Fronteira e dos Estados
Livres, por abolicionistas radicais e conservadores, ele escutava a todos,
pesava as palavras, aguardava, observava, cedia agora aqui e agora lá, mas,
no fundo, mantinha um único propósito inflexível e honesto, e por ele guiou
o navio nacional”.Lincoln fornece um modelo para todos nós e o antídoto
para a febre. Em primeiro lugar, e acima de tudo, devemos desenvolver a
paciência, que é como um músculo que requer treinamento e repetição para
se fortalecer. Lincoln era um homem de paciência suprema. Quando
enfrentamos qualquer tipo de problema ou obstáculo, devemos seguir o
exemplo dele e nos esforçar para desacelerar e recuar, aguardar um dia ou
dois antes de agir. Em segundo lugar, diante de questões importantes,
devemos ter uma noção clara das nossas metas de longo prazo e de como
alcançá-las. Parte disso implica avaliar as forças e fraquezas relativas dos
lados envolvidos. Essa clareza nos permitirá aguentar as constantes reações
emocionais exageradas das pessoas em redor. Por fim, é importante ter fé de
que o tempo acabará por provar que estamos certos e manter a nossa
determinação.
4. Perdido em trivialidades. Você se sente sobrecarregado pela
complexidade do seu trabalho, com a necessidade de estar a par de todos os
detalhes e tendências globais de forma a controlar tudo melhor, mas está se
afogando em informações. É difícil ver a floresta se só notamos cada
árvore. Esse é um sinal claro de que você perdeu a noção das suas
prioridades – quais fatos são mais importantes, que problemas ou detalhes
exigem mais atenção.
O ícone dessa síndrome tem que ser o rei Felipe II da Espanha (15271598). Ele tinha um apetite prodigioso por burocracia e por se manter a par
de todas as facetas do governo espanhol. Isso lhe dava a sensação de estar
no controle, mas, na realidade, acabou por levá-lo a perder o controle.
Preocupava-se com a instalação dos banheiros no novo palácio em Escorial
e a distância precisa destes à cozinha; passou dias contemplando a maneira
exata como certos membros do clero deveriam ser chamados e
remunerados. Contudo, às vezes deixava de prestar a atenção adequada a
relatos importantes sobre espiões e questões de segurança nacional. Ao
estudar narrativas intermináveis a respeito da situação do Exército turco,
passou a crer que este demonstrava sinais de grande fraqueza, e decidiu
contra eles entrar em guerra. De algum modo, cometeu um erro de cálculo.
A guerra duraria dezoito anos, não teria nenhuma resolução definitiva e
custaria uma fortuna à Espanha.
Um processo semelhante ocorreu em relação à Inglaterra. O rei tinha
que ler cada relatório individual sobre a situação da Marinha inglesa, o
apoio do povo à rainha Elizabete, cada ínfimo detalhe das finanças e
defesas litorâneas do país. Com base em anos desses estudos, ele decidiu,
em 1588, enviar a sua armada contra a Inglaterra, certo de que, tendo
tornado a armada grande o suficiente, a Espanha prevaleceria. No entanto,
não havia prestado atenção o bastante aos relatórios climáticos, o fator mais
crítico de todos – pois tempestades marítimas representariam a destruição
da armada. Ele também deixou de compreender que a situação já teria se
alterado quando finalmente tivesse compilado e assimilado informações
suficientes sobre os turcos ou os ingleses. Por essa razão, embora se
mostrasse focado ao extremo nos detalhes, nunca estava bem a par de nada.
Com o passar dos anos, Felipe forçou tanto a mente com as leituras que
passou a sofrer de dores de cabeça frequentes e episódios de tontura. O seu
raciocínio foi prejudicado por certo, e ele tomou decisões que acabaram
levando diretamente ao declínio irreversível do Império Espanhol.
Em certos aspectos, é provável que você seja mais parecido com o rei
Felipe II do que gostaria de imaginar. Na sua vida, é bem possível que
preste atenção a certos detalhes que lhe parecem ser de importância
imediata, ao mesmo tempo que ignora os relatórios climáticos que
condenarão o seu projeto. Como Felipe, você tende a absorver informações
sem considerar as suas prioridades, o que vai importar de fato no fim.
Entretanto, o cérebro tem limitações. Assimilar informações demais leva à
fadiga mental, à confusão e aos sentimentos de impotência. Tudo começa a
parecer igualmente importante – a instalação dos banheiros e uma possível
guerra com os turcos. O que você precisa é de um sistema de filtragem
mental com base numa escala de prioridades e nas suas metas de longo
prazo. Saber o que quer realizar ao fim de tudo o ajudará a separar o
essencial do não essencial. Não é preciso saber todos os detalhes. Às vezes,
é necessário delegar – deixe que os seus subordinados tratem da coleta de
informações. Lembre-se de que o controle maior sobre os acontecimentos
virá de avaliações realistas da situação, que é precisamente o mais difícil de
fazer quando o cérebro se encontra afogado em trivialidades.
O SER HUMANO HIPERMETROPE
A maioria de nós vive dentro de uma perspectiva temporal
relativamente estreita. Em geral, associamos a passagem do tempo a algo
negativo – o envelhecimento e a aproximação da morte. Por instinto,
evitamos refletir com muita profundidade sobre o futuro e o passado, pois
isso nos lembra da passagem do tempo. Em relação ao futuro, talvez
tentemos pensar a respeito dos nossos planos para daqui a um ou dois anos,
mas o nosso pensamento se assemelha mais a um devaneio, um desejo, do
que a uma análise profunda. Em relação ao passado, talvez tenhamos
algumas lembranças doces ou dolorosas da infância e de anos posteriores,
mas, de maneira geral, o passado nos desconcerta. Mudamos tanto com o
passar de cada ano que a pessoa que éramos cinco, dez, vinte anos atrás
talvez nos pareça um estranho. Não temos mesmo uma noção coesa de
quem somos, uma sensação de conexão entre as versões de 5 anos e de 35
anos de nós mesmos.
Sem querer ir muito longe em nenhuma dessas direções, vivemos em
grande parte no presente. Reagimos ao que vemos e ouvimos e ao que os
outros estão reagindo. Vivemos para os prazeres imediatos a fim de nos
distrairmos da passagem do tempo e nos sentirmos mais vivos. Contudo,
pagamos o preço por tudo isso. Reprimir a ideia da morte e do
envelhecimento cria uma ansiedade subjacente contínua. Não estamos em
paz com a realidade. Reagir o tempo todo aos acontecimentos no presente
nos coloca numa montanha-russa – subimos e descemos com cada alteração
da sorte. Isso só aumenta a nossa ansiedade, à medida que a vida parece
passar tão rápido na pressa imediata dos acontecimentos.
A sua tarefa como estudante da natureza humana, e como alguém que
almeja alcançar o grande potencial do animal humano, é ampliar o seu
relacionamento com o tempo ao máximo possível, e desacelerá-lo. Isso
significa não encarar a passagem dele como uma inimiga, mas como uma
grande aliada. Cada estágio da vida tem as suas vantagens – as da juventude
são mais óbvias, mas com a idade vem maior perspectiva. Envelhecer não
deve assustá-lo. A morte também é sua amiga (veja o Capítulo 18). Ela o
motiva a aproveitar cada momento; lhe dá uma noção de urgência. O tempo
é o seu melhor professor e mestre. Isso o afeta de maneira profunda no
presente. O entendimento de que daqui a um ano o problema que estiver
enfrentando dificilmente terá tanta importância o ajudará a baixar a
ansiedade e ajustar as prioridades. Sabendo que o tempo revelará as
fraquezas dos seus planos, você se tornará mais cuidadoso e ponderado a
respeito deles.
Em relação ao futuro, o leitor pensará mais a fundo sobre as suas metas
de longo prazo. Elas não serão sonhos vagos, mas objetivos concretos, e
você mapeará um caminho para alcançá-los. Em relação ao passado, sentirá
uma conexão profunda com a sua infância. Sim, você muda de maneira
constante, mas essas mudanças estão na superfície e criam a ilusão de uma
mudança real. Na verdade, o seu caráter foi estabelecido nos seus primeiros
anos de vida (veja o Capítulo 4), junto com as suas inclinações a certas
atividades, aquilo de que gosta e de que não gosta. À medida que
envelhecer, esse caráter só se tornará mais aparente. Sentir-se conectado de
forma orgânica a quem você era no passado lhe dará um forte senso de
identidade. Você saberá do que gosta e do que não gosta, saberá quem é.
Isso o ajudará a manter o amor-próprio, que é tão crucial para não cair no
narcisismo profundo e para ajudá-lo a desenvolver a empatia (veja o
Capítulo 2). Além disso, prestará maior atenção aos erros e lições do
passado que aqueles que estão presos ao presente tendem a reprimir.
Como todos os outros, vai saborear o presente e os prazeres passageiros.
Você não é um monge. Vai se conectar às tendências do momento e ao fluxo
atual da vida. No entanto, extrairá um prazer ainda maior ao atingir as suas
metas de longo prazo e superar as adversidades. Esse relacionamento
expandido com o tempo terá um efeito definitivo em você. Ele o deixará
mais calmo, mais realista, em maior sintonia com aquilo que importa.
Também o transformará num estrategista superior em relação à vida, capaz
de resistir às inevitáveis reações exageradas dos outros ao que acontece no
presente e de ver mais longe no futuro, um poder potencial que nós, seres
humanos, apenas começamos a explorar.
Os anos ensinam muito o que os dias não sabem.
— Ralph Waldo Emerson
7
Diminua a resistência das pessoas
confirmando a opinião que elas têm de si
mesmas
A Lei da Atitude Defensiva
A vida é difícil e os seres humanos são competitivos. É claro que
precisamos cuidar dos nossos próprios interesses. Também queremos sentir
que somos independentes, que fazemos o que queremos. É por isso que
quando outras pessoas tentam nos persuadir ou mudar o jeito que somos,
nos tornamos defensivos e resistentes. Ceder desafia a nossa necessidade
de nos sentirmos autônomos. Por essa razão, para conseguir que os outros
deixem a posição defensiva, você precisa sempre fazer parecer que o que
eles estão fazendo é da vontade deles. Criar um sentimento de cordialidade
mútua ajuda a suavizar a resistência dos indivíduos e faz que eles queiram
ajudar. Nunca ataque os outros por suas crenças ou os faça sentir inseguros
sobre a própria inteligência ou bondade – isso só os deixará ainda mais na
defensiva e tornará a sua tarefa impossível. Faça-os sentir que, ao fazer o
que você quer, eles estarão sendo nobres e altruístas – a isca definitiva.
Aprenda a domar a sua própria natureza teimosa e liberte a mente das suas
posições defensivas e fechadas, desatando os seus poderes criativos.
O JOGO DE INFLUÊNCIA
Em dezembro de 1948, o senador Tom Connally, do Texas, recebeu uma
visita do recém-eleito segundo senador do Estado, Lyndon Baines Johnson
(1908-1973). Johnson havia servido anteriormente como congressista
democrata na Câmara dos Representantes por doze anos, e conquistara a
reputação de ter altas ambições e pouca paciência para alcançá-las. Ele às
vezes era insolente, dogmático e até um pouco impositivo.
Connally sabia disso tudo, mas estava disposto a julgar Johnson por si
mesmo. Estudou o jovem de perto (Connally era 31 anos mais velho). Ele
havia se encontrado com Johnson antes e o achara bem astuto. Entretanto,
depois da troca de algumas cortesias, Johnson revelou os seus verdadeiros
motivos: tinha esperanças de obter uma posição em um dos três comitês
mais prestigiados do Senado – Apropriações, Finanças ou Relações
Exteriores. Connally servia em dois deles como membro sênior. Johnson
dava a impressão de estar sugerindo que Connally, como seu conterrâneo
texano, poderia ajudá-lo a conseguir o que queria. Connally teve a sensação
de que Johnson com certeza não entendia como o sistema senatorial
funcionava, e decidiu colocá-lo em seu lugar na mesma hora.
Agindo como se estivesse fazendo a Johnson um grande favor, ele se
ofereceu para ajudá-lo a obter uma posição no Comitê da Agricultura,
sabendo muito bem que Johnson veria isso como um insulto – era um dos
comitês menos cobiçados. Enfiando a faca ainda mais fundo, Connally disse
que havia acompanhado a campanha senatorial de Johnson e que o ouvira
exclamar inúmeras vezes que este era amigo dos fazendeiros. Aqui estava a
oportunidade de prová-lo. O Comitê da Agricultura seria o encaixe perfeito.
Johnson não conseguiu esconder o seu desprazer e, desconfortável, se
remexeu na cadeira. “E mais tarde, Lyndon”, concluiu Connally, “depois de
algum tempo no Senado, você poderá entrar no Comitê de Relações
Exteriores ou no de Finanças, e prestar um serviço público de verdade”. E
com “algum tempo” Connally queria dizer uns bons doze ou vinte anos, o
que costumava levar para qualquer senador reunir influência o suficiente.
Era a chamada senioridade, e era assim que o jogo funcionava. O próprio
Connally levou quase vinte anos para conquistar aquelas posições
confortáveis nos comitês.
Nas semanas seguintes, a notícia se espalhou rápido por entre os
senadores de que Johnson era alguém em quem deveriam permanecer de
olho, com o potencial para agir de forma precipitada. Assim, foi uma
surpresa agradável quando muitos deles o encontraram pela primeira vez,
depois que tomou posse do cargo. Ele não era nada do que haviam
imaginado. Era o retrato da polidez, muito respeitoso, ia visitá-los com
frequência nos seus gabinetes, se anunciava à secretária no escritório
externo e ali aguardava com paciência até ser chamado, às vezes por uma
hora. Não demonstrava se aborrecer com isso – ocupava-se lendo ou
tomando notas. Uma vez que lhe deixassem entrar, indagava ao senador
sobre a esposa e a família ou seu time esportivo favorito – evidentemente,
fizera a lição de casa referente ao senador em questão. Conseguia ser bem
autodepreciativo. Muitas vezes se apresentava como “Lyndon Vitória
Esmagadora”, pois todos sabiam que ele tinha conquistado a sua vaga no
Senado com uma margem ínfima de votos.
Na maior parte das vezes, porém, queria conversar sobre trabalho e
pedir conselhos. Fazia uma pergunta ou duas acerca de algum projeto de lei
ou detalhe dos procedimentos senatoriais, e escutava com uma concentração
que era impressionante e encantadora, quase como a de uma criança. Os
grandes olhos castanhos permaneciam fixos no senador em questão, e, com
o queixo apoiado na mão, acenava de vez em quando com a cabeça e às
vezes fazia alguma outra pergunta. Os senadores percebiam que ele prestava
bastante atenção porque invariavelmente seguia conforme os conselhos que
recebia, ou repetia as mesmas palavras que ouvira para alguém mais,
sempre creditando o senador que lhes dissera. Johnson deixava os gabinetes
com um agradecimento educado pelo tempo e ensinamentos inestimáveis
que lhe haviam dado. Esse não era o jovem espirituoso e precipitado de
quem haviam ouvido falar tanto, e o contraste lhe dava crédito.
Os senadores o viam principalmente no plenário do Senado e, em
comparação com os outros membros da instituição, ele comparecia a todas
as sessões e se sentava quase sempre na própria cadeira. Fazia anotações
abundantes. Queria aprender tudo sobre os procedimentos senatoriais – uma
tarefa tediosa, mas que parecia fasciná-lo. Estava longe, porém, de ser um
simplório. Quando os senadores o encontravam no corredor ou no vestiário,
sempre tinha uma boa piada para contar, ou alguma anedota divertida. Ele
havia passado a juventude na pobreza na região rural e, embora tivesse
recebido uma boa educação, o seu linguajar mantinha algo do tom e do
humor mordaz do fazendeiro texano e do operário migrante. Os senadores o
consideravam divertido. Até mesmo Tom Connally teve de admitir que o
havia interpretado mal, de algum modo.
Em especial os senadores mais idosos, na época apelidados de Velhos
Touros, passaram a apreciar Lyndon Johnson. Embora tivessem posições de
grande autoridade com base na senioridade, por vezes se sentiam inseguros
a respeito da própria idade (alguns já tinha mais de 80 anos), saúde e
capacidades mentais. Contudo, lá estava Johnson, visitando-lhes os
gabinetes com frequência, determinado a lhes assimilar a sabedoria.
Havia um senador democrata específico, também de mais idade, que
gostava muito de Johnson – Richard Russell, da Geórgia. Ele era onze anos
mais velho do que Johnson, mas trabalhava no Senado desde 1933 e havia
se tornado um dos membros mais poderosos. Eles se conheciam bem
porque Johnson requisitara e recebera uma posição no Comitê dos Serviços
Militares, em que Russell era o segundo em senioridade. Russell encontrava
Johnson no vestiário, nos corredores, no plenário do Senado; parecia estar
em todos os lugares. E, embora Johnson visitasse Russell em seu gabinete
quase todos os dias, Russell passou a lhe apreciar a presença. Johnson era
focado no trabalho, assim como Russell, e cheio de perguntas sobre
procedimentos obscuros do Senado. Ele começou a chamar Russell de “o
Velho Mestre”, e muitas vezes dizia: “Bom, essa é mais uma lição do
‘Velho Mestre’. Vou me lembrar disso”. Russell era um dos poucos
senadores que haviam permanecido solteiros. Nunca admitia se sentir
solitário, mas passava a maior parte do tempo no seu gabinete no Senado,
até mesmo aos domingos. Como Johnson com frequência permanecia no
gabinete de Russell até a noite debatendo alguma questão, às vezes
convidava Russell para jantar em sua casa, dizendo-lhe que a esposa, Lady
Bird, era uma cozinheira excelente, com um talento especial para pratos
sulistas. As primeiras vezes, Russell recusou com polidez, mas afinal cedeu
e logo se tornou um frequentador regular da casa dos Johnson. Lady Bird
era encantadora e ele logo se afeiçoou a ela.
Aos poucos, o relacionamento entre Russell e Johnson se intensificou.
Russell era fã de beisebol e, para o seu deleite, Johnson confessou ter uma
fraqueza pelo esporte também. Agora iam juntos aos jogos noturnos dos
Washington Senators. Não passava um dia sem que não se encontrassem,
pois os dois muitas vezes eram os únicos senadores trabalhando em seus
gabinetes nos fins de semana. Demonstravam ter tantos interesses em
comum, inclusive a Guerra Civil, e pensavam de forma análoga sobre
muitas questões importantes para os democratas sulistas, como a oposição
ao projeto de lei dos direitos civis.
Logo Russell seria ouvido elogiando o jovem senador por ser “um rapaz
batalhador” com capacidade igual à dele de realizar os trabalhos difíceis.
Johnson era o único senador júnior ao qual Russell se referiu como
“discípulo” em toda a sua longa carreira. No entanto, a amizade ia mais
fundo do que isso. Depois de comparecer a uma caçada que Johnson
organizou no Texas, Russell lhe escreveu: “Desde que cheguei em casa,
tenho me perguntado se acordaria e descobriria que estive apenas sonhando
que viajei para o Texas. Tudo foi tão perfeito que é difícil compreender que
poderia acontecer na vida real”.
Em 1950, a Guerra da Coreia eclodiu e o Comitê dos Serviços Militares
foi pressionado a fim de constituir um subcomitê para investigar a prontidão
das Forças Armadas para a guerra, formado durante a Segunda Guerra
Mundial e liderado por Harry Truman. Foi por meio dessa liderança que
Truman se tornou famoso e ascendeu ao poder. O atual presidente do
Comitê dos Serviços Militares era o senador Millard Tydings, de Maryland,
que, com certeza, assumiria a presidência do subcomitê, já que seria uma
grande plataforma publicitária.
Johnson abordou Tydings com uma proposta: este enfrentaria uma
campanha de reeleição naquele ano, e Johnson se ofereceu para liderar o
subcomitê apenas até a data da eleição, permitindo que Tydings se
concentrasse em vencer. Então, ele se retiraria e deixaria Tydings tomar a
presidência. Tydings, querendo proteger os poderes que havia acumulado,
recusou a oferta. Contudo, Dick Russell se reuniu com ele em seguida e lhe
disse algo que o fez mudar de ideia. Johnson foi nomeado presidente do
subcomitê, uma façanha espantosa para um senador que só estava no cargo
havia um ano e meio, e viria a manter a posição de liderança por bastante
tempo, pois Tydings perdeu a reeleição.
Como presidente, Johnson recebeu de repente exposição pública
nacional, e os jornalistas cobrindo o Senado perceberam que ele era perito
em lidar com a imprensa. Guardava com cuidado as descobertas do
subcomitê, não permitindo nenhum vazamento aos repórteres. Cercava o
trabalho de um tremendo mistério e drama, dando a impressão de que o
comitê estava encontrando algo realmente podre nas Forças Armadas.
Distribuía informações e relatos a grupos selecionados de jornalistas
poderosos que haviam escrito artigos que ele aprovara. Os outros jornalistas
tinham de lutar por quaisquer migalhas de notícias que ele se dignasse a
oferecer.
O senador júnior começou a fascinar a imprensa – ele era rígido, mas se
mostrava simpático à função dos jornalistas. E o que era mais importante,
sabia como lhes dar uma boa história. Logo alguns deles passaram a
descrevê-lo como um ardente patriota, uma força política do futuro a ser
reconhecida. Agora Russell poderia defender a elevação de Johnson de
forma apropriada – o senador do Texas havia feito um ótimo trabalho e por
fim conquistara para o Senado alguma publicidade positiva.
Em maio e junho de 1951, Johnson e Russell trabalharam juntos na
retirada do general MacArthur da Coreia. Russell teve então a oportunidade
de observar em primeira mão a equipe de Johnson, e se surpreendeu com
quão eficiente era, maior e mais bem organizada do que a sua própria. Isso
o fez se sentir fora de sintonia com o tempo. Johnson, porém, ao lhe
perceber os pensamentos, começou a ajudá-lo a montar a sua própria equipe
moderna. Deu-lhe acesso completo aos times legal e de relações públicas
que desenvolvera, mostrando a Russell quão úteis podiam ser. À medida
que Johnson trabalha com ele nisso, o laço entre os dois se estreitou ainda
mais. Certo dia, Russell disse a um repórter: “Esse Lyndon Johnson poderia
ser presidente, e seria muito bom”. O repórter se sentiu embasbacado. Era
tão inusitado que Russell elogiasse alguém dessa forma.
Num dia de primavera em 1951, o senador Hubert Humphrey, de
Minnesota, aguardava o metrô para ir ao Capitólio quando Lyndon Johnson
o abordou de repente e lhe sugeriu que fizessem a viagem juntos e
conversassem. Essas palavras soaram como música aos ouvidos de
Humphrey; ele mal conseguia acreditar que a oferta de Johnson fosse
sincera. Humphrey havia se juntado ao Senado na mesma época que
Johnson, e fora considerado um astro maior, um liberal carismático que
poderia se tornar presidente algum dia. Humphrey, porém, tinha um
problema que obstruíra por completo a sua ascensão ao topo: acreditava
com tanta tenacidade nas causas liberais que havia alienado quase todos os
outros. Em seu primeiro discurso no Senado, Humphrey criticou a
instituição pelo ritmo lento para realizar mudanças e pela atmosfera de
conforto. Em pouco tempo veio a retribuição – foi relegado aos piores
comitês. Os projetos de lei que apresentava não iam a lugar nenhum.
Quando se dirigia ao vestiário do Senado, era ignorado por quase todos. À
medida que esse ostracismo piorava, Humphrey se sentia cada vez mais
deprimido e desanimado. Às vezes, no caminho para casa, ele parava o
carro e chorava. A sua carreira tinha tomado um rumo errado.
No vagão do metrô, Johnson o elogiou de maneira efusiva. Ele lhe
disse: “Hubert, não faz ideia da experiência maravilhosa que é para mim ir à
câmara do Senado com você. Há tantos aspectos pelos quais eu o invejo.
Você é articulado e tem muito conhecimento”. Sentindo-se aliviado ao ouvir
isso, Humphrey se surpreendeu então com a veemência das críticas de
Johnson que se seguiram: “Mas que diabos, Hubert?! Você passa tanto
tempo fazendo discursos que não sobra tempo para mais nada”. Humphrey
precisava ser mais pragmático, se encaixar melhor. Quando se separaram
afinal, Johnson convidou Humphrey para dar uma passada pelo seu
gabinete um dia para beberem. Este logo se tornou um visitante regular, e o
senador sulista, tão repudiado pelos liberais do norte por ser o queridinho
do conservador Russell, o fascinava.
Em primeiro lugar, Johnson era imensamente divertido. Tudo que dizia
era acompanhado de alguma anedota popular, muitas vezes de natureza
obscena, mas que sempre ensinava alguma lição travessa. Sentado em seu
gabinete, servindo bebidas de forma generosa, ele instigava ataques de riso
que reverberavam pelos corredores. Era difícil resistir a um homem que o
deixava de bom humor. Johnson tinha uma presença inacreditável. Como
escreveu Humphrey mais tarde: “Ele se aproximava como uma onda
gigantesca varrendo todo o lugar. Atravessava as paredes. Entrava pela
porta e preenchia todo o aposento”. Em segundo lugar, Johnson tinha
informações tão inestimáveis a compartilhar. Ele ensinou a Humphrey todos
os detalhes dos procedimentos do Senado e o conhecimento sobre as
fraquezas psicológicas de vários senadores que havia acumulado por meio
da sua observação atenta. Ele se tornara o maior contador de votos na
história do Senado, capaz de prever os resultados de quase qualquer votação
no plenário com precisão espantosa. E compartilhou com Humphrey esse
método de contagem de votos.
Por fim, ensinou a Humphrey que este conseguiria ter mais poder ao
fazer acordos, ser mais pragmático e menos idealista. Dividia com ele
histórias sobre Franklin Delano Roosevelt (FDR), o herói de Humphrey.
Quando Johnson estava na Câmara dos Representantes, ele se tornara amigo
íntimo do presidente. FDR, segundo Johnson, era um político perfeito que
sabia como obter resultados ao recuar de maneira tática e até cedendo. O
subtexto ali era que Johnson era, em segredo, um liberal que também
idolatrava FDR e que queria tanto quanto Humphrey aprovar o projeto de
lei dos direitos civis. Estavam ambos do mesmo lado, lutando pelas mesmas
causas nobres.
Trabalhando com Johnson, não havia nenhum limite para o quanto
Humphrey conseguiria subir no Senado e além. Como Johnson adivinhara
com correção, Humphrey tinha ambições presidenciais. O próprio Johnson
nunca conseguiria se tornar presidente, ou pelo menos foi o que disse a
Humphrey, pois a nação não estava pronta para um presidente sulista. No
entanto, poderia ajudá-lo a chegar lá. Juntos, formariam um time imbatível.
O que selou o acordo para Humphrey, porém, foi o modo como Johnson
passou a tornar a vida dele mais fácil dentro do Senado. Johnson conversou
com os colegas democratas sulistas sobre a inteligência e o senso de humor
do colega, sobre como eles o haviam interpretado mal. Depois de lhes
suavizar os ânimos dessa maneira, reapresentou Humphrey a esses
senadores, que o consideraram simpático. O mais importante era que
Johnson conseguiu que Russell mudasse de ideia – e este era capaz de
mover montanhas. Agora que compartilhava de bebidas com os senadores
mais poderosos, a solidão de Humphrey desaparecera. Ele se sentia
compelido a retribuir o favor e a convencer muitos liberais do norte a
mudarem de ideia a respeito de Johnson, cuja influência agora começava a
se espalhar como um gás invisível.
Em 1952, os republicanos arrebataram o poder com a eleição de Dwight
D. Eisenhower como presidente, e tomando controle do Senado e da
Câmara. Uma das baixas da eleição foi Ernest McFarland, do Arizona, o exlíder democrata no Senado. Agora que a posição de liderança estava vaga, a
luta para substituí-lo começava.
Johnson sugeriu que o próprio Russell ocupasse a posição, mas Russell
recusou. Teria poder maior trabalhando por trás das cenas. Em vez disso,
disse a Johnson que ele deveria ser o próximo líder, e Russell era capaz de
tornar isso uma realidade. Johnson, fingindo surpresa, respondeu que
pensaria na oferta, mas apenas se Russell continuasse a ser “o Velho
Mestre” e aconselhasse Johnson a cada passo do caminho. Não precisou
dizer mais nada. Em poucas semanas, Russell havia em essência ajudado a
lhe assegurar a posição, e foi uma façanha impressionante. Aos 44 anos,
Johnson era de longe o líder mais jovem na história de qualquer um dos
partidos.
Várias semanas após assumir o novo cargo, Johnson abordou Russell
com um pedido bem incomum. As posições nos comitês principais por
décadas haviam sido definidas com base na senioridade. Entretanto, o que
isso significava era que o presidente do comitê muitas vezes não estava à
altura do trabalho. As ideias de homens com 70 ou 80 anos de idade estão
enraizadas no passado, e eles não tinham estômago para a grande luta. Os
republicanos, agora no controle total, planejavam desfazer algumas das
maiores conquistas de FDR com o New Deal e na política externa. Seriam
dois anos muito árduos até as eleições intercalares.
Johnson queria o poder como líder dos democratas no Senado a fim de
alterar a paisagem dos comitês. Não estava defendendo nada radical.
Modificaria alguns comitês e presidências aqui e ali, introduzindo sangue
novo, como o senador recém-eleito John Kennedy e Hubert Humphrey, que
ele tinha a intenção de ver no Comitê de Relações Exteriores. Esses jovens
dariam ao partido uma nova cara diante do público, e incutiriam energia no
combate contra os republicanos. Russell viu a sabedoria disso, e deu a
Johnson a sua aprovação tácita, mas também o lembrou: “Você está lidando
com o fator mais sensível no Senado […]. Está brincando com dinamite”.
Johnson entrou em contato com outros senadores mais idosos. Alguns
foram fáceis de convencer, como Robert Byrd, que nutria um grande
carinho pelo novo líder. Os liberais endossaram as mudanças graças ao
trabalho de Humphrey, que agora tinha um poder tremendo com a ligação
entre Johnson e os nortenhos. Outros se mostraram bem mais recalcitrantes.
Johnson, porém, não desistiria da luta. Com aqueles que continuavam a
resistir, ele intensificou os esforços. Tornou-se implacável. Passava horas no
gabinete às portas fechadas, falando consigo mesmo, ensaiando os seus
argumentos e os contra-argumentos dos senadores teimosos até ter certeza
de ter encontrado a abordagem perfeita. A alguns, defendia o pragmatismo
puro, a necessidade de derrotar os republicanos não importando o quanto
custasse; a outros, recordava os anos gloriosos de FDR. Aos senadores
sulistas, deixava claro que tornar o partido mais poderoso e unificado
facilitaria o trabalho de Johnson, e que, como conterrâneo sulista, ele lhes
seria o aliado derradeiro nas batalhas que se seguiriam.
Servia-lhes bebidas sem parar no seu gabinete, utilizando todo o seu
arsenal de sagacidade e simpatia. Telefonava-lhes a todas as horas do dia.
Se um senador continuasse a resistir, ligava para ele de novo à noite. Nunca
argumentava com veemência ou tentava forçar a questão. Johnson via o
lado deles. Oferecia inúmeros quid pro quos. Por fim, com um senador após
o outro se rendendo, conseguiu que os últimos que ainda se opunham
desistissem. De algum modo, Johnson era agora alguém a se temer; se não
cedessem e continuassem como um dos poucos a resistir, ele com certeza
lhes tornaria a vida miserável pelos anos seguintes.
Quando isso afinal veio a público, os republicanos e a imprensa se
mostraram espantados com o que Lyndon Johnson havia conseguido. Nas
poucas semanas desde que assumira o posto de liderança, ganhara poderes
sem precedentes. Ele, não o sistema de senioridade, controlava as
indicações aos comitês. Johnson era agora sem dúvida o “Mestre do
Senado”, sendo o lema entre os seus colegas: “Deixe que Lyndon faça isso”.
O elenco mais improvável de personagens havia sido atraído para a sua
esfera de influência – de Dick Russell a Hubert Humphrey. Entretanto, a
pessoa mais surpresa de todas deve ter sido o próprio senador Tom
Connally. Em quarto curtos anos, Johnson não apenas ascendera ao topo,
mas obtivera o controle dos democratas no Senado por meio de uma
campanha lenta e constante para acumular influência, superando em muito
o poder que Connally conquistara em mais de vinte anos de serviço.
Interpretação: Desde o início da sua carreira política, Johnson tinha
uma única ambição – tornar-se um dia o presidente dos Estados Unidos.
Para chegar lá, precisava elevar a sua proeminência de maneira
relativamente rápida. Quanto mais jovem chegasse a cargos de liderança,
mais tempo teria para propagar o próprio nome e ganhar influência dentro
do Partido Democrata. Eleito para a Câmara dos Representantes aos 38
anos, parecia estar na trajetória certa para conseguir o que queria, mas lá a
sua carreira empacou. O lugar era grande e complexo demais, e ele não era
bom em lidar com grupos extensos. Não era um orador público que
despertasse entusiasmo. Seu encanto funcionava melhor em situações cara a
cara. Sentia-se frustrado e inquieto. Chegando afinal ao Senado aos 40 anos,
levou com ele a sua impaciência, ilustrada pelo encontro com Connally.
Contudo, pouco antes de tomar posse do cargo, visitou o plenário do
Senado e teve uma epifania: o lugar era muito menor; era mais como um
clube confortável para cavalheiros. Ali ele teria a oportunidade de lidar com
os outros senadores um a um e, aos poucos, conquistar o poder ao acumular
influência.
Para isso, porém, precisou se transformar. Era agressivo por natureza;
teria que domar essa tendência, desacelerar e recuar. Seria necessário parar
de falar tanto e de entrar em debates acalorados. Deixaria os outros falarem,
para que se sentissem como os astros do espetáculo. Pararia de pensar em si
mesmo; em vez disso, se concentraria por completo nos colegas senadores
enquanto estes falavam e falavam. Assumiria uma fachada inofensiva de
senador júnior aprendendo como tudo funcionava, o estudante sério e um
tanto sem graça de procedimentos e legislação. Por trás dessa máscara,
observava as pessoas sem dar mostras de ambição ou agressividade. Dessa
maneira, conseguiu aos poucos obter conhecimentos sobre como
funcionava o Senado – a contagem dos votos, como os projetos de lei eram
de fato aprovados – e discernimento acerca dos vários senadores, suas
inseguranças e fraquezas mais profundas. A certa altura, esse entendimento
profundo da instituição se traduziria numa mercadoria que ele trocaria por
influência e favores.
Depois de vários meses dessa campanha, ele foi capaz de alterar a
reputação que tinha na Câmara. Não o consideravam mais uma ameaça e,
quando os senadores baixaram a guarda, Johnson conseguiu intensificar a
campanha.
Voltou a atenção à conquista de aliados fundamentais. Sempre
acreditara que conseguiria mover montanhas se contasse com um aliado
essencial no topo da hierarquia, ou bem próximo do topo. Logo de início,
identificou o senador Russell como o alvo perfeito – solitário, um homem
que acreditava numa causa sem ter nenhum discípulo, e bastante poderoso.
O apreço de Johnson por Russell era genuíno, e ele estava sempre em busca
de figuras paternas, mas a sua atenção e abordagem eram bem estratégicas.
Assegurou-se de que seria indicado para o Comitê de Serviços Militares, em
que teria maior acesso a Russell. Os encontros constantes no corredor e no
vestiário eram raramente acidentais. Sem tornar isso óbvio, Johnson
aumentou aos poucos as horas que passavam juntos. Johnson nunca gostara
de beisebol e não tinha nenhum interesse na Guerra Civil, mas aprendeu
rápido a cultivar o entusiasmo pelos dois temas. Ele espelhava os valores
conservadores e a ética de trabalho de Russell e fez o senador solitário
sentir que tinha não apenas um amigo, mas um filho e discípulo que o
venerava.
Johnson tinha o cuidado de nunca pedir favores. Em vez disso, realizava
favores para Russell de maneira discreta, ajudando-o a modernizar a equipe
deste. Quando Johnson queria algo afinal, como a presidência do
subcomitê, insinuava o seu desejo em vez de expressá-lo de forma direta.
Russell passou a vê-lo como uma extensão das suas próprias ambições
políticas e, àquela altura, faria quase tudo pelo acólito.
Em poucos anos, correu a notícia de que Johnson era perito em contar
votos e que tinha informações privilegiadas sobre vários senadores, o tipo
de conhecimento que seria útil ao extremo na hora de tentar aprovar um
projeto de lei. Agora os senadores se dirigiam a ele em busca dessas
informações, as quais ele compartilhava, com o entendimento de que em
algum ponto obteria favores em troca. Aos poucos, a influência dele se
espalhou, mas Johnson compreendeu que o seu desejo de ter o domínio
dentro do partido e do Senado tinha um grande obstáculo: os liberais
nortenhos.
Mais uma vez, Johnson escolheu o alvo perfeito – o senador Humphrey.
Johnson viu nele um homem solitário, carente de validação, mas que
também era tremendamente ambicioso. O caminho para o coração de
Humphrey era triplo: fazer este se sentir apreciado, confirmar-lhe a crença
de que tinha potencial para a presidência do país e dar-lhe ferramentas
práticas para realizar as suas ambições. Como havia procedido com Russell,
Johnson deu a Humphrey a impressão de estar secretamente ao lado dele,
espelhando os valores mais profundos de Humphrey ao compartilhar da sua
veneração por FDR. Depois de vários meses dessa campanha, Humphrey
faria quase qualquer coisa por Johnson. Agora, com uma cabeça de ponte
estabelecida entre os liberais nortenhos, Johnson expandira a sua influência
para todos os cantos do Senado.
Quando uma vaga no cargo de liderança se abriu, Johnson já havia
estabelecido enorme credibilidade como alguém que retribuía favores, fazia
o que tinha de ser feito e tinha aliados bem poderosos. O seu desejo de
controlar as indicações aos comitês representava uma alteração radical no
sistema, mas, com muito cuidado, ele expressou a ideia como uma forma de
aprimorar o Partido Democrata e ajudar senadores individuais em suas
várias batalhas contra os republicanos. Era do interesse deles entregar o
poder a Lyndon Johnson. Passo a passo, adquiriu a influência necessária
sem se mostrar agressivo ou mesmo fazer ameaças. Quando aqueles no
partido compreenderam o que havia acontecido, já era tarde demais – ele
obtivera o controle completo do tabuleiro de xadrez, como o “Mestre do
Senado”.
Entenda: a influência sobre as pessoas e o poder que advém disso são
obtidos da forma oposta da que você talvez imagine. Em geral, tentamos
seduzir os outros com as nossas próprias ideias, exibindo-nos sob a melhor
luz possível. Fazemos alarde das nossas conquistas passadas e grandes
promessas acerca de nós mesmos. Pedimos favores, acreditando que a
honestidade é a melhor política, mas o que deixamos de entender é que
estamos concentrando toda a atenção em nós mesmos. Num mundo em que
o ser humano está cada vez mais absorto em si próprio, o efeito de todas
essas ações é fazer os indivíduos reagirem se voltando ainda mais para
dentro, pensando mais nos próprios interesses do que nos nossos.
Como a história de Johnson comprova, a via mestra para a influência e o
poder é seguir na direção contrária: ponha o foco nos outros. Deixe que eles
falem, que sejam os astros do espetáculo. As opiniões e valores deles são
dignos de serem emulados; as causas que apoiam são as mais nobres. Esse
tipo de atenção é tão raro nesse mundo, e as pessoas estão tão famintas por
ela, que lhes oferecer essa validação lhes baixará as defesas e lhes abrirá a
mente para quaisquer ideias que você queira insinuar.
A sua primeira ação, portanto, deve sempre ser recuar e assumir uma
posição inferior em relação ao outro. Faça isso de modo sutil. Peça-lhe
conselhos. O ser humano morre de vontade de demonstrar a sua sabedoria e
experiência. Uma vez que você sinta que uma pessoa está viciada na sua
atenção, poderá iniciar um ciclo de favores ao lhe fazer uma pequena
delicadeza, algo que lhe poupe tempo ou esforço. Ela vai querer retribuir de
imediato, e o fará sem se sentir manipulada ou coagida. Uma vez que lhe
faça favores, ela continuará a trabalhar para o seu benefício, julgando-o
digno disso; deixando de ajudá-lo significaria questionar a opinião original
dela, além da própria inteligência, algo que relutamos em fazer.
Trabalhando lentamente desse modo dentro de um grupo, você expandirá a
sua influência sem demonstrar agressividade ou mesmo deliberação, o
disfarce perfeito para as suas ambições.
O verdadeiro espírito da conversação consiste mais em extrair a esperteza dos outros
do que em mostrar muito dela em si mesmo; aquele que vai embora satisfeito consigo
mesmo e com a sua própria sagacidade também se sente satisfeito com você. A
maioria dos homens […] busca menos ser instruída, ou mesmo entretida, do que ser
elogiada e aplaudida.
— Jean de La Bruyère
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Desde cedo na vida, nós, seres humanos, desenvolvemos um aspecto
defensivo e autoprotetor da nossa personalidade. Começa na primeira
infância, quando cultivamos um senso de espaço físico pessoal que os
outros não devem violar. Isso se expande mais tarde para uma sensação de
dignidade – ninguém deveria nos coagir ou manipular para que façamos o
que não queremos. Deveríamos ser livres para escolher o que desejamos.
Esses são desenvolvimentos necessários no nosso crescimento como
humanos socializados.
Ao crescermos, porém, essas qualidades defensivas muitas vezes se
solidificam em algo muito mais rígido, e por um bom motivo. Somos
julgados e avaliados o tempo todo – somos competentes o bastante, bons o
bastante, trabalhamos bem em equipe? Nunca nos livramos por completo
desse escrutínio. Um único fracasso notável na nossa vida, e o exame
minucioso dos outros se transformará em julgamentos negativos que
poderiam nos prejudicar por muito tempo. Além disso, temos a sensação de
que as pessoas estão sempre tentando tomar algo de nós – o nosso tempo, o
nosso dinheiro, as nossas ideias, o nosso trabalho. Diante de tudo isso, é
natural que nos tornemos defensivos e absortos em nós mesmos; temos que
cuidar dos nossos próprios interesses, já que ninguém mais fará isso por
nós. Construímos muros ao nosso redor para manter do lado de fora os
intrusos e aqueles que querem algo de nós.
Quando chegamos aos 20 anos, todos os nossos sistemas de defesa estão
desenvolvidos, mas, em certas circunstâncias, os nossos muros internos
acabam desmoronando. Por exemplo, durante uma noite de farra com os
amigos, talvez depois de beber um pouco, sentimos uma ligação com eles e
que estes não nos julgam. A nossa mente se solta e, de repente, ideias novas
e muito interessantes nos ocorrem, e nos vemos dispostos a fazer coisas que
não faríamos normalmente. Em outro exemplo, talvez compareçamos a uma
manifestação pública e escutemos um orador inspirado defendendo uma
causa. Sentindo-nos em acordo com centenas de outras pessoas, capturados
pelo espírito de grupo, recebemos de repente o chamado para agir e
trabalhar pela causa – algo a que normalmente resistiríamos.
O exemplo mais revelador, porém, ocorre quando nos apaixonamos e o
sentimento é mútuo. O parceiro aprecia e reflete para nós as nossas
qualidades mais positivas, e nos sentimos dignos de sermos amados. Sob
esse encanto, deixamos de lado o nosso ego e a nossa teimosia habitual;
damos ao outro um poder incomum sobre a nossa força de vontade.
O que esses momentos têm em comum é que nos sentimos seguros por
dentro – não julgados, mas aceitos pelos amigos, pelo grupo, pelo ser
amado. Vemos um reflexo de nós mesmos nos outros. Podemos relaxar.
Bem no âmago, nos sentimos validados. Sem precisar nos voltar para dentro
e manter uma atitude defensiva, conseguimos direcionar a nossa mente para
fora, para além do ego – para uma causa, uma ideia ou para a felicidade
alheia.
Entenda: criar esse sentimento de validação é a chave de ouro que
destrancará as defesas das pessoas. E não somos capazes de sobreviver e
prosperar neste mundo tão competitivo sem possuir esse poder.
Nós nos vemos o tempo todo em situações em que precisamos tirar os
indivíduos das suas posições de resistência. Precisamos da ajuda deles, ou
da habilidade de lhes alterar o comportamento negativo. Se nos agitarmos,
improvisando no momento, tentado implorar, bajular ou mesmo fazê-los se
sentirem culpados, é mais do que provável que os deixaremos ainda mais na
defensiva. Caso consigamos de algum modo obter o que queríamos com
esses métodos, o apoio deles será frágil, com uma onda subjacente de
ressentimento. Tomamos algo deles – tempo, dinheiro, ideias –, e eles se
fecharão contra influências futuras. E se passarmos longos períodos de
tempo nos chocando de forma contínua contra as resistências de alguém
sem chegar a lugar nenhum, enfrentaremos uma dinâmica muito perigosa na
vida – frustração crescente diante da indiferença aparente dos outros. Isso
contagia de maneira sutil a nossa atitude. Quando nos encontrarmos na
situação de precisar influenciar pessoas, elas perceberão a nossa carência e
insegurança. Faremos esforços demasiados para agradar. Pareceremos um
pouco desesperados, derrotados antes mesmo de começar. Isso pode se
tornar
uma
dinâmica
negativa
autorrealizada
que
nos
manterá
marginalizados, sem nunca tomar ciência da fonte do problema.
Antes que seja tarde demais, precisamos reverter essa dinâmica, como
fez Johnson aos 40 anos. Temos de descobrir o poder que seremos capazes
de possuir ao darmos às pessoas a validação que desejam e ao lhes
baixarmos a guarda. E a chave para conseguir fazer isso de maneira realista
e estratégica é entender plenamente uma lei fundamental da natureza
humana.
A lei é a seguinte: o ser humano tem uma percepção de si mesmo que
chamaremos de auto-opinião, a qual pode ser correta ou não – não faz
diferença. O que importa é como as pessoas percebem o próprio caráter e
valor. E há três qualidades na auto-opinião de cada um que são quase
universais: “sou autônomo, agindo de vontade própria”; “sou inteligente ao
meu próprio modo”, e “sou, em essência, bom e honrado”.
Quando se trata da primeira qualidade universal (“sou autônomo, agindo
de vontade própria”), se nos juntarmos a um grupo, ou acreditarmos em
algo, ou comprarmos um produto, é porque decidimos fazê-lo. A verdade é
que talvez tenhamos sido manipulados ou tenhamos sucumbido à pressão
dos outros, mas diremos a nós mesmos que não foi o caso. Se nos sentirmos
conscientemente coagidos – como ao ter que obedecer a um chefe –,
dizemos a nós mesmos que escolhemos obedecer, senão nos ressentiremos
de maneira profunda por termos sido forçados e manipulados. Neste último
caso, podemos até sorrir e obedecer, mas encontraremos um meio discreto
de nos rebelarmos. Em outras palavras, sentimos a necessidade de expressar
e afirmar o tempo todo o nosso livre-arbítrio.
Com a segunda qualidade universal (“sou inteligente ao meu próprio
modo”), talvez saibamos que não estamos no mesmo nível de um Einstein,
mas, no nosso campo, à nossa própria maneira, somos inteligentes. Um
encanador se deleita com o seu conhecimento superior sobre o
funcionamento interno de uma casa e com as suas habilidades manuais, que
são uma forma de inteligência. Ele também pensa que as suas opiniões
políticas vieram de um sólido senso comum, outro sinal de inteligência, ou
assim ele pensa. As pessoas em geral nunca se sentem confortáveis com a
ideia de que talvez sejam ingênuas ou menos do que inteligentes. Se elas
tiverem que admitir que não são espertas da forma convencional, vão pelo
menos pensar que são mais espertas do que outros.
Com a terceira qualidade universal (“sou, em essência, bom e
honrado”), gostamos de nos ver como apoiadores das causas certas.
Tratamos bem as pessoas, trabalhamos bem em equipe; se formos o chefe e
gostarmos de impor disciplina aos subalternos, chamamos isso de “amor
severo”. Estamos agindo para o bem dos outros.
Além dessas qualidades universais, notamos que o ser humano tem
auto-opiniões mais personalizadas que servem para regular as suas
inseguranças específicas. Por exemplo, “sou um espírito livre, único” ou
“sou bem autossuficiente e não preciso da ajuda de ninguém” ou “tenho boa
aparência e posso contar com isso” ou “sou rebelde e desprezo todo tipo de
autoridade”. Implícito nessas diversas auto-opiniões está um sentimento de
superioridade nessa área em particular: “sou rebelde, e você é menos
rebelde do que eu”. Muitos desses tipos de auto-opinião estão relacionados
a questões do desenvolvimento na primeira infância. Por exemplo, o tipo
rebelde teve uma figura paterna que o desapontou; ou talvez tenha sido
vítima de valentões, e não consegue tolerar qualquer sentimento de
inferioridade. Ele precisa desprezar a autoridade de todas as espécies. O
tipo autossuficiente pode ter tido uma mãe muito distante, ser assombrado
por uma noção de abandono e ter criado uma autoimagem de independência
resistente.
A nossa auto-opinião é primordial: determina muito do nosso
pensamento e dos nossos valores. Não entretemos ideias que se choquem
com a nossa auto-opinião. Digamos que nos vemos como especialmente
fortes e autossuficientes. Nós então gravitaremos em direção a ideias e
filosofias que são realistas, rígidas e inexoráveis em relação à fraqueza dos
outros. Se, nessa hipótese, também somos cristãos, reinterpretaremos as
doutrinas religiosas cristãs de forma que combinem com a nossa
autoimagem severa, encontrando elementos dentro do cristianismo que
enfatizem a autossuficiência, o amor severo e a necessidade de destruir os
nossos inimigos. De maneira geral, escolheremos fazer parte de grupos que
validem os nossos sentimentos de sermos nobres e inteligentes. Talvez
imaginemos que temos ideias e valores específicos que sejam
independentes, mas, na verdade, eles dependem da nossa auto-opinião.
Ao tentar convencer as pessoas de algo, uma de três coisas vai
acontecer. Na primeira, você talvez desafie sem querer um aspecto
específico da auto-opinião delas. Numa discussão que poderia se
transformar numa briga, você as fará se sentirem estúpidas, ou elas terão a
impressão de ter sofrido lavagem cerebral ou de que não são tão boas assim.
Mesmo sendo sutil nos seus argumentos, a insinuação é que você sabe mais
do que elas. Se isso acontecer, você as deixará ainda mais resistentes e na
defensiva, e elas subirão muros dos quais nunca mais descerão.
Na segunda, o leitor deixa a auto-opinião delas numa posição neutra –
sem a desafiar nem confirmar. Isso muitas vezes acontece se você tentar ser
calmo e razoável na sua abordagem, evitando quaisquer radicalismos
emocionais. Nessa hipótese, as pessoas se mantêm resistentes e
desconfiadas, mas pelo menos a situação não foi agravada, e há algum
espaço para manobrá-las com argumentos racionais.
Na terceira, você age de forma a confirmar a auto-opinião delas. Nesse
caso, estará realizando uma das maiores necessidades emocionais do ser
humano. Talvez imaginemos que somos independentes, inteligentes,
honrados e autossuficientes, mas apenas os outros podem nos confirmar
isso de verdade. E num mundo hostil e competitivo em que somos todos
propensos a duvidar de nós mesmos, quase nunca recebemos essa validação
que desejamos. Quando a oferecer às pessoas, obterá o efeito mágico
ocorrido quando você mesmo estava bêbado, numa manifestação pública,
ou apaixonado. Você fará os indivíduos relaxarem. Sem mais se sentirem
consumidos pelas suas inseguranças, eles serão capazes de direcionar a
atenção para fora. A mente deles se abrirá, tornando-os suscetíveis à
sugestão e à insinuação. Se decidirem ajudá-lo, sentirão que o fazem de
livre e espontânea vontade.
A sua tarefa é simples: incutir nas pessoas um sentimento de segurança
interior. Espelhe os valores delas; mostre que as aprecia e respeita. Faça-as
sentir que você lhes valoriza a sabedoria e experiência. Gere uma atmosfera
de cordialidade mútua. Faça-as rir com você, infundindo uma sensação de
camaradagem. Tudo isso funcionará melhor se os sentimentos não forem
fingidos por completo. Ao exercitar a sua empatia, ao buscar entender a
perspectiva delas (veja o Capítulo 2 para saber mais sobre isso), é provável
que você sinta de modo genuíno pelo menos parte dessas emoções. Pratique
isso com frequência, e confirmar a auto-opinião alheia se tornará a sua
posição habitual – você conseguirá que quase todos aqueles com que se
encontre se soltem.
Uma advertência: a maioria de nós tem auto-opinião relativamente
elevada, mas alguns têm uma opinião depreciativa de si mesmos. Estes
pensam: Não mereço ter coisas boas. Não sou muito bom. Tenho problemas
e defeitos demais. Como costumam esperar que coisas ruins lhes
aconteçam, por vezes se sentem aliviados e justificados quando algo de fato
ocorre. Dessa forma, a auto-opinião depreciativa serve para lhes acalmar as
inseguranças sobre obter sucesso na vida. Se o seu alvo tem uma autoopinião depreciativa, a mesma regra é aplicável: se insistir que ele
conseguirá melhorar de vida com facilidade caso siga os seus conselhos,
isso entrará em conflito com a crença dele de que o mundo está contra si e
que não merece mesmo nada de bom; desprezará, então, as suas ideias e
resistirá a você. Em vez disso, trabalhe por dentro da auto-opinião dele,
com empatia pelas injustiças que ele lhe diz sofrer e pelas dificuldades que
vem passando. Em seguida, com essa pessoa se sentindo validada e
espelhada, você terá alguma liberdade para fazer correções cuidadosas e até
mesmo aplicar um pouco de psicologia reversa (veja a seção a seguir).
Por fim, o maior obstáculo que você vai enfrentar no desenvolvimento
desses poderes vem de um preconceito cultural contra a própria ideia de
influência: “Por que não podemos todos ser apenas honestos e transparentes
uns com os outros, e simplesmente pedir por aquilo que queremos? Por que
não deixar as pessoas serem o que são e não tentar mudá-las? Ser
estratégico é feio e manipulador”. Em primeiro lugar, quando alguém lhe
diz essas coisas, é bom ficar atento. Os humanos não conseguem tolerar o
sentimento de impotência. Precisamos ter influência ou nos sentimos
miseráveis. Os que pregam a honestidade não são diferentes, mas, como
acreditam nas próprias qualidades angelicais, não conseguem ajustar essa
auto-opinião com a necessidade de ter influência. Desse modo, tornam-se
muitas vezes passivo-agressivos, mostrando-se amuados e fazendo os
outros se sentirem culpados como um meio de conseguirem o que querem.
Nunca leve ninguém que diz essas coisas a sério.
Em segundo lugar, os seres humanos não conseguem deixar de tentar
influenciar os outros. Tudo que dizemos ou fazemos é examinado e
interpretado em busca de pistas quanto às nossas intenções. Por que estamos
em silêncio? Talvez seja porque estejamos aborrecidos e queiramos deixar
isso claro. Ou estejamos escutando de verdade como um meio de tentar
impressionar com a nossa polidez. Não importa o que façamos, os outros
lerão os nossos atos como tentativas de influência, e não estarão errados
nisso. Como animais sociais, não conseguimos deixar de jogar
constantemente esse jogo, seja de forma consciente ou não.
A maioria das pessoas não quer despender o esforço necessário para
pensar nos outros e descobrir uma estratégia a fim de lhes penetrar as
defesas. São preguiçosas. Querem apenas ser elas mesmas, falar com
honestidade, ou não fazer nada, e justificar isso para si mesmas como se
fosse o resultado de alguma grande escolha moral.
Já que o jogo é inevitável, é melhor ser habilidoso do que viver na
negação ou apenas improvisando a cada momento. No final, ser bom em
influenciar é, na verdade, mais benéfico em termos sociais do que a postura
moralista. Com esse poder, somos capazes de influenciar pessoas que têm
ideias perigosas ou antissociais. Para nos tornarmos proficientes em
persuasão, vamos precisar mergulhar na perspectiva dos outros, exercitando
a nossa empatia. Talvez tenhamos que tolerar o preconceito cultural e
assentir com a cabeça, concordando com a necessidade da honestidade total,
mas por dentro devemos compreender que isso é bobagem, e praticar o que
for necessário para o nosso bem-estar.
CINCO ESTRATÉGIAS PARA SE TORNAR UM MESTRE DA PERSUASÃO
As cinco estratégias seguintes – tiradas de exemplos de grandes
influenciadores da história – foram elaboradas para ajudá-lo a se concentrar
mais a fundo nos seus alvos e criar o tipo de efeito emocional que o ajudará
a baixar a resistência das pessoas. Seria sensato colocar todas as cinco em
prática.
1. Transforme-se num ouvinte atento. No fluxo normal de uma
conversa, a nossa atenção se divide. Ouvimos partes do que estão nos
dizendo, a fim de acompanhar a conversa e mantê-la em andamento. Ao
mesmo tempo, estamos planejando o que dizer a seguir, alguma história
excitante que temos para contar. Ou talvez estejamos até perdidos em
devaneios sobre algo irrelevante. O motivo disso é simples: nos
interessamos mais por nossos próprios pensamentos, sentimentos e
experiências do que pelos da outra pessoa. Se esse não fosse o caso, seria
relativamente fácil ouvir com atenção total. A instrução habitual é falar
menos e escutar mais, mas isso é um conselho sem significado enquanto
preferirmos o nosso próprio monólogo interno. A única solução é, de algum
modo, se motivar a reverter essa dinâmica.
Pense nisso desta forma: você conhece os seus próprios pensamentos
muito bem. Você raramente se surpreende. A sua mente tende a circular de
forma obsessiva em torno dos mesmos assuntos. Contudo, cada indivíduo
que encontra representa um território desconhecido cheio de surpresas.
Imagine por um momento que você poderia entrar na mente das pessoas, e
que viagem fantástica isso seria. Aquelas que parecem quietas e tediosas
muitas vezes têm a vida interior mais estranha para se explorar. Até mesmo
com broncos e simplórios você consegue se educar quanto às origens e à
natureza dos defeitos deles. Transformar-se num ouvinte atento não apenas
será mais divertido à medida que você abrir a sua mente à mente dos outros,
mas também lhe fornecerá as lições mais inestimáveis sobre a psicologia
humana.
Uma vez que você se sinta motivado a escutar, o resto é relativamente
simples. Não torne óbvio o seu propósito estratégico por trás dessa atenção.
O seu interlocutor precisa sentir que está tendo uma troca animada, mesmo
que, no fim, ele tenha falado por 80% do tempo. Com esse intuito, não o
bombardeie com perguntas que lhe deem a impressão de estar sendo
entrevistado. Ao contrário, preste atenção nos sinais não verbais. Você verá
os olhos da pessoa se iluminar quando certos assuntos são mencionados –
guie a conversa nessa direção. Ela passa a tagarelar sem perceber. Quase
todos gostam de falar sobre a própria infância, a família, os prós e os
contras do trabalho, ou alguma causa que lhes é importante. Uma pergunta
ou comentário ocasional serve para interagir com algo que tenham dito.
Você se absorverá profundamente no que lhe é dito, mas precisa se
sentir relaxado ao fazê-lo, e dar sinais claros disso. Mostre que está
prestando atenção ao manter o contato visual relativamente constante e
acenando com a cabeça enquanto escuta. A melhor maneira de sinalizar isso
é dizer algo de vez em quando que espelhe o assunto, mas nas suas próprias
palavras e filtrado pela sua experiência. No fim, quanto mais alguém falar,
mais revelará das suas inseguranças e desejos não satisfeitos.
A sua meta é fazer o seu interlocutor sair desse encontro se sentindo
melhor sobre si mesmo. Deixe-o ser o astro do espetáculo. Você extraiu dele
o aspecto mais sagaz e divertido da personalidade, pelo que ele o apreciará
e aguardará com deleite o próximo encontro. Ele relaxará cada vez mais na
sua presença, e você terá mais liberdade para plantar ideias e lhe influenciar
o comportamento.
2. Contagie as pessoas com o estado de espírito adequado. Como
animais sociais, somos suscetíveis ao extremo aos ânimos alheios. Isso nos
dá o poder de incutir de forma sutil nas pessoas o estado de espírito
apropriado a fim de influenciá-las. Se estiver relaxado e prevendo uma
experiência agradável, isso se comunicará aos outros e produzirá neles um
efeito de espelhamento. Uma das melhores atitudes a adaptar com esse
propósito é a de indulgência total. Não julgue os indivíduos; aceite-os como
são.
No romance Os embaixadores, o autor Henry James pinta o retrato
desse ideal na forma de Marie de Vionnet, uma francesa de meia-idade com
maneiras impecáveis que, de forma sorrateira, utiliza um norte-americano
chamado Lambert Strether para ajudá-la a ter um caso de amor. Desde o
primeiro momento em que a vê, Strether se sente cativado. Ela lhe parece
um “misto de lucidez e mistério”. A moça escuta com atenção ao que ele
diz e, sem responder, lhe dá a sensação de entendê-lo por completo,
envolvendo-o em sua empatia. Ela age desde o princípio como se tivessem
se tornado bons amigos, mas demonstra isso com as próprias maneiras, não
em nada do que diga. Lambert lhe chama o espírito indulgente de “uma bela
brandura consciente” que tem poder hipnótico sobre ele. Muito antes de
Marie lhe pedir ajuda, o rapaz já estava de todo sob o seu encanto e faria
tudo por ela. Essa atitude replica a figura da mãe ideal – incondicional em
seu amor. Não é expressada tanto em palavras quanto em olhares e na
linguagem corporal. Funciona de igual forma em homens e mulheres, e tem
um efeito hipnótico sobre quase todos.
Uma variação disso é contagiar as pessoas com uma sensação calorosa
de afinidade por meio do riso e de prazeres compartilhados. Lyndon
Johnson era mestre nisso. É claro, ele utilizava bebidas alcoólicas, que
fluíam com abundância no seu gabinete, sem que os seus alvos soubessem
que diluía bastante a própria bebida a fim de manter o controle. As suas
piadas obscenas e anedotas picantes criavam a atmosfera confortável de um
clube masculino. Era difícil resistir ao ânimo que ele impunha. Johnson
também utilizava bastante o contato físico, muitas vezes passando o braço
em torno do ombro de um homem, tocando-lhe com frequência o braço.
Muitos estudos sobre sinais não verbais demonstraram o poder incrível que
um simples toque nas mãos ou braços de uma pessoa tem em qualquer
interação, levando-a a pensar de maneira positiva a seu respeito sem que se
dê conta da fonte dessa boa opinião. Esses tapinhas gentis estabelecem uma
sensação de afinidade visceral, desde que você não mantenha o contato
visual, o que daria ao toque uma conotação sexual.
Tenha em mente que as suas expectativas sobre os outros são
comunicadas a eles de modo não verbal. Foi demonstrado, por exemplo,
que os professores que têm expectativas mais elevadas dos alunos
conseguem, sem dizer nada, ter um efeito positivo no trabalho e nas notas
deles. Ao se sentir especialmente entusiasmado para encontrar alguém, você
transmite isso a ele ou ela de uma forma poderosa. Se há uma pessoa a
quem você pretende pedir um favor, tente imaginá-la sob a melhor luz –
generosa e terna –, se for possível. Alguns alegam ter obtido grandes
resultados simplesmente ao imaginar que o outro é bonito ou tem boa
aparência.
3. Confirme a auto-opinião delas. Lembre-se das qualidades
universais das opiniões pessoais daqueles que têm auto-opinião elevada.
Veja como abordar cada uma delas.
Autonomia – Nenhuma tentativa de influência vai funcionar se os
indivíduos sentirem que estão sendo coagidos ou manipulados de algum
modo. Eles precisam decidir fazer aquilo que você quer que façam, ou têm
de ao menos imaginar que foi decisão deles. Quanto melhor você criar essa
impressão, maiores serão as suas chances de sucesso.
No romance Tom Sawyer, o protagonista homônimo de 12 anos de idade
é retratado como um garoto de esperteza extrema, criado pela tia, com uma
sensibilidade fantástica a respeito da natureza humana. Apesar da sua
inteligência, Tom está sempre se metendo em confusão. O segundo capítulo
do livro começa com o menino sendo punido por se envolver numa briga.
Em vez de passar a tarde quente de sábado no verão brincando com os
amigos e nadando no rio, ele tem que caiar uma cerca enorme na frente da
casa. Ao começar o trabalho, o amigo Ben Rogers se aproxima, comendo
uma maçã que parece deliciosa. Ben é tão travesso quanto Tom e, ao ver
este realizando uma tarefa tediosa, decide provocá-lo, perguntando-lhe se
pretende ir nadar naquela tarde, sabendo muito bem que Tom não tinha
permissão.
Tom finge um interesse profundo na tarefa. Agora, mostrando-se
curioso, Ben lhe pergunta se o amigo está mesmo mais interessado em
pintar a cerca do que em se divertir. Tom lhe responde afinal, ainda
mantendo o olhar firme no trabalho. Diz que a tia não daria uma tarefa
daquelas a qualquer um; é a primeira visão que as pessoas têm da casa ao
passar. Aquele é um trabalho muito importante que não surgirá de novo por
muitos anos. No passado, ele e os amigos haviam pintado algo nas cercas e
sido punidos por isso; agora, ele podia pintar com liberdade. Era um
desafio, um teste das habilidades dele. E sim, estava se divertindo. Nadar
era algo que ele poderia fazer em qualquer fim de semana, mas aquilo não.
Ben lhe pergunta se pode pintar um pouco, para entender do que Tom
está falando. Após muitas súplicas, o garoto acaba cedendo, mas só depois
de conseguir um pedaço da maçã. Logo outros meninos aparecem e Tom
lhes vende a tarefa da mesma maneira, acumulando alguns pedaços de
frutas e brinquedos. Uma hora mais tarde, nós o vemos deitado à sombra
enquanto todo um grupo de amigos acaba o trabalho para ele. Tom
empregou um aspecto básico da psicologia para conseguir o que queria. Em
primeiro lugar, sem dizer nada, fez Ben reinterpretar aquela situação por
meio da absorção no trabalho e da linguagem corporal: pintar a cerca deve
ser algo interessante. Em segundo lugar, ele descreveu a tarefa como um
teste de habilidades e inteligência, uma oportunidade rara, algo que atrairia
qualquer menino competitivo. E por fim, como bem sabia, uma vez que os
garotos da vizinhança vissem o que estavam fazendo, iam querer se juntar a
eles, o que se tornaria uma atividade de grupo. Ninguém quer ser deixado
de fora. Tom poderia ter implorado a dezenas de amigos que lhe ajudassem
e não teria conseguido nada. Em vez disso, descreveu o que fazia de tal
forma que eles quiseram executar também. Foram eles que o abordaram,
implorando pelo trabalho.
As suas tentativas de influência devem sempre seguir uma lógica
similar: como conseguir que outros percebam o favor que você quer pedir
como algo que eles desejam? Descrever o favor como algo agradável, como
uma oportunidade rara, e algo que outras pessoas queiram fazer terá, em
geral, o efeito apropriado.
Outra variação disso é apelar de modo direto aos instintos competitivos
das pessoas. Em 1948, o diretor Billy Wilder estava escolhendo o elenco
para o seu próximo filme, A mundana, que se passava em Berlim logo após
a guerra. Um dos personagens principais era uma mulher chamada Erika
von Shluetow, uma cantora alemã de cabaré com laços suspeitos com vários
nazistas. Wilder sabia que Marlene Dietrich seria a atriz perfeita para o
papel, mas esta havia expressado em público o desprezo intenso que sentia
por tudo ligado aos nazistas, e trabalhara de forma árdua por várias causas
das Forças Aliadas. Quando lhe ofereceram pela primeira vez o papel, ela o
considerou repugnante demais, e esse foi o fim da discussão.
Wilder não protestou nem implorou, o que teria sido fútil, dada a notória
teimosia de Dietrich. Em vez disso, disse a ela que havia encontrado duas
atrizes norte-americanas perfeitas para ocupar a vaga, mas que queria a
opinião dela sobre qual seria a melhor. Será que ela poderia ver as
audições? Sentindo-se mal por ter recusado algo ao velho amigo Wilder,
Dietrich naturalmente concordou. No entanto, com muita esperteza, ele
fizera testes com duas atrizes bem conhecidas que sabia que seriam
péssimas naquele filme, ridicularizando a figura da sensual cantora de
cabaré alemã. O truque funcionou à perfeição. Dietrich, muito competitiva,
mostrou-se horrorizada com as atuações das duas e se ofereceu de imediato
para fazer o papel.
Por fim, ao dar presentes ou recompensas às pessoas como um meio
possível de conquistá-las para o seu lado, é sempre melhor oferecer algo
pequeno do que algo grande. Presentes grandes deixam evidente que você
está tentando lhes comprar a lealdade, o que ofenderá o senso de
independência delas. Algumas talvez aceitem grandes presentes por
necessidade, mas, mais tarde, se sentirão ressentidas ou desconfiadas.
Presentes menores têm um efeito melhor – o ser humano se convence de
que os merece e que não está sendo comprado ou subornado. Na realidade,
essas recompensas menores, espalhadas por um longo tempo, ligarão os
outros a você de forma bem mais intensa do que qualquer presente luxuoso.
Inteligência – Quando discorda de alguém e impõe a sua opinião
contrária, você implica que sabe mais do que ele, que considerou a questão
de forma mais racional. É natural que as pessoas, ao serem desafiadas dessa
maneira, se tornem mais atreladas às próprias opiniões. O leitor conseguirá
evitar isso ao se mostrar mais neutro, como se essa ideia oposta fosse
apenas algo que você está contemplando, e que talvez esteja enganado.
Melhor do que isso, poderia ir ainda mais longe: examine o ponto de vista
delas e concorde. (Vencer discussões raramente vale a pena.) Tendo lhes
lisonjeado a inteligência, você agora tem espaço para lhes alterar a opinião
de forma gentil, ou para lhes pedir ajuda, já que lhes baixou as defesas.
No século 19, o romancista e primeiro-ministro britânico Benjamin
Disraeli concebeu um meio ainda mais inteligente ao escrever: “Se deseja
conquistar o coração de um homem, deixe que ele o refute”. Você
conseguirá fazer isso começando a discordar de seu alvo a respeito de um
assunto, sendo até um pouco veemente, e depois aos poucos passando a ver
o ponto de vista dele, confirmando, desse modo, não apenas a inteligência
como os poderes de influência dele. Ele se sentirá um tantinho superior a
você, que é precisamente o que você quer. E agora será duas vezes mais
vulnerável ao seu contra-ataque. Você será capaz de criar um efeito
semelhante ao pedir às pessoas que o aconselhem. A implicação é o respeito
que demonstra ter pela sabedoria e experiência delas.
Em 1782, o dramaturgo francês Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais
pôs os toques finais na sua obra-prima As bodas de Fígaro. Era necessária a
aprovação do rei Luís XVI, que, ao ler o manuscrito, se mostrou furioso.
Aquela peça levaria a uma revolução. “Esse homem zomba de tudo que
deve ser respeitado num governo”, ele disse. Depois de muita pressão,
porém, concordou com uma apresentação privada no teatro de Versalhes. O
público da aristocracia adorou. O rei permitiu mais apresentações, mas
ordenou que os censores confiscassem o roteiro e alterassem as piores
passagens antes que estas fossem apresentadas à plateia.
Para contornar esse problema, Beaumarchais convocou um tribunal de
acadêmicos, intelectuais, cortesãos e ministros do governo para analisar a
peça com ele. Um homem que participou da reunião escreveu: “O sr.
Beaumarchais anunciou que aceitaria sem reservas todos os cortes e
alterações que os cavalheiros e até as damas presentes julgassem
apropriados […]. Todos queriam acrescentar algo seu […]. O sr. Breteuil
sugeriu um gracejo, Beaumarchais o aceitou e lhe agradeceu […]. ‘Vai
salvar o quarto ato.’ A sra. Matignon contribuiu com a cor do laço do jovem
pajem. A cor foi adotada e entrou em voga”. Beaumarchais era, na
realidade, um cortesão muito astuto. Ao permitir que outros fizessem até as
menores alterações na sua obra-prima, ele lhes lisonjeava imensamente o
ego e a inteligência. É claro que quanto às mudanças maiores pedidas
depois pelos censores de Luís, Beaumarchais não cedeu. Àquela altura, já
havia conquistado os membros do seu próprio tribunal, que o defenderam
com fervor, e Luís teve de recuar. Baixar as defesas das pessoas dessa
maneira em questões que não são importantes lhe dará uma grande
liberdade para movê-las na direção que deseja e fazê-las ceder aos seus
desejos nas questões mais importantes.
Bondade – Nos nossos pensamentos cotidianos, nos confortamos o
tempo todo quanto à natureza moral das nossas ações. Se somos chefes,
tratamos bem os funcionários, ou, pelo menos, os apoiamos e lhes pagamos
bem. Ajudamos as causas certas. Em geral, não gostamos de nos ver como
egoístas e centrados demais nos nossos próprios interesses. De forma
igualmente importante, queremos que os outros nos vejam sob essa luz.
Examine as redes sociais e veja como as pessoas tornam público o seu
apoio às melhores causas. Poucos doam para a caridade de forma anônima –
querem ter os seus nomes propagandeados em alto e bom som.
Você nunca deve lançar dúvidas, nem mesmo sem querer, sobre essa
auto-opinião virtuosa. Para fazer uso positivo desse traço humano, descreva
o que está pedindo como parte de uma causa maior da qual os indivíduos
poderiam participar. Eles não estarão apenas comprando roupas, mas
ajudando o meio ambiente ou o mercado de empregos local. Ao realizar
essas ações, as pessoas se sentirão melhores acerca de si mesmas. Seja sutil.
Se tentar conseguir candidatos para um emprego, deixe que outros
espalhem a mensagem sobre a causa, que deve parecer pró-social e popular.
Incentive-os a quererem se juntar ao grupo, em vez de ter que pedir que o
façam. Preste grande atenção às palavras e aos rótulos que usar. É melhor,
por exemplo, chamar alguém de membro da equipe do que de empregado.
Para se colocar na posição inferior, você poderia cometer uma gafe
relativamente inofensiva, até mesmo ofender as pessoas de forma mais
pronunciada, e lhes pedir desculpas em seguida. Ao fazer isso, deixará
implícita a superioridade moral delas, uma posição que o ser humano adora
ocupar. Agora todos estarão vulneráveis à sugestão.
Por fim, se precisar de um favor de alguém, não o lembre do que você
fez por ele no passado, tentando estimular um sentimento de gratidão. A
gratidão é rara porque tendemos a pensar em nossa impotência e
dependência em relação a outros. Gostamos de nos sentir independentes.
Em vez disso, lembre a pessoa das boas coisas que ela fez por você no
passado. Isso ajudará a confirmar a auto-opinião dela: “Sim, sou generoso”.
E uma vez que tenha sido lembrada disso, ela vai querer manter essa
imagem e realizar outra boa ação. Um efeito similar ocorre ao perdoar de
repente os seus inimigos e estabelecer uma reconciliação. No tumulto
emocional que isso cria, eles se sentem obrigados a estarem à altura da
opinião elevada que você demonstrou ter deles agora, e se mostrarão mais
motivados a provarem o seu valor.
4. Tranquilize-lhes as inseguranças. Todos têm inseguranças
específicas – sobre a própria aparência, poderes criativos, masculinidade,
situação de poder, originalidade, popularidade etc. A sua tarefa é investigálas por meio das muitas conversas que tiver com as pessoas.
Uma vez que as tiver identificado, você precisa ter o máximo de
cuidado para não as despertar. O ser humano desenvolve uma sensibilidade
para quaisquer palavras ou linguagem corporal que projete dúvidas sobre a
sua aparência física ou popularidade, ou seja lá qual for o aspecto que o
deixa inseguro. Tenha ciência disso e mantenha-se em guarda. Em segundo
lugar, a melhor estratégia é elogiar e lisonjear os indivíduos por essas
qualidades sobre as quais eles sentem maior insegurança. Todos nós
desejamos isso, até quando, de algum modo, percebemos a motivação
daqueles que nos elogiam. Isso se deve ao fato de vivermos num mundo
complicado em que somos julgados o tempo todo, e o triunfo de ontem é
muitas vezes seguido pelo fracasso do amanhã. Nunca nos sentimos seguros
de fato. Se a lisonja é feita do jeito certo, sentimos que o lisonjeador nos
aprecia, e tendemos a gostar de pessoas que nos apreciam.
A chave para a lisonja bem-sucedida é torná-la estratégica. Se eu sei que
sou um péssimo jogador de basquete, qualquer elogio referente à minha
habilidade na quadra soará falso. Entretanto, se me sinto incerto a respeito
das minhas habilidades, se imagino que talvez eu não seja tão ruim,
qualquer adulação nesse sentido pode fazer maravilhas. Examine quais são
as qualidades das quais as pessoas se sentem incertas e lhes ofereça
encorajamento. Lorde Chesterfield aconselhou o filho em uma de suas
cartas (publicadas mais tarde em 1774): “O cardeal Richelieu, que era
indubitavelmente o estadista mais hábil de sua época […] tinha a vaidade
fútil de que o considerassem o melhor poeta, também: invejava a reputação
do grande Corneille. Aqueles que, portanto, o lisonjeavam com habilidade
lhe falavam pouco sobre a sua capacidade em questões de Estado, ou o
mencionavam de passagem, e como se lhes ocorresse de forma natural. No
entanto, o incenso que lhe ofereciam, cujo aroma por certo o faria voltar o
rosto a favor deles, era como […] poeta”.
Se os seus alvos são poderosos e bem maquiavélicos, talvez se sintam
um pouco inseguros sobre as suas qualidades morais. É possível que o tiro
saia pela culatra se você os elogiar por suas manipulações sagazes, mas uma
apreciação óbvia da sua bondade seria muito transparente, pois eles se
conhecem bem demais. Em vez disso, alguma lisonja estratégica sobre
como você se beneficiou de algum conselho deles e como as críticas que lhe
ofereceram ajudaram a aprimorar o seu desempenho apelarão à autoopinião deles de serem rígidos mas justos, com um bom coração por baixo
do exterior rude.
É sempre melhor elogiar as pessoas pelos seus esforços do que pelo
talento. Ao enaltecê-las pelo talento, há uma leve condenação implícita,
como se tivessem apenas a sorte de terem nascido com uma habilidade
natural. Em vez disso, todos gostam de sentir que mereceram a sua boa
fortuna por meio do trabalho árduo, e é aí que você deve mirar os seus
elogios.
Com os nossos pares, há mais espaço para elogios. Com os superiores, é
melhor apenas concordar com as suas opiniões e validar a sua sabedoria.
Lisonjear o chefe é óbvio demais.
Nunca acompanhe o elogio com um pedido de auxílio, ou seja lá o que
for que você precisar fazer. A lisonja é uma armadilha e requer a passagem
de algum tempo. Não se mostre adulador demais nos primeiros dois
encontros. É melhor demonstrar alguma frieza, que lhe dará a oportunidade
de se tornar mais caloroso depois. Após alguns dias, você terá passado a
gostar dessa pessoa, e então algumas palavras lisonjeiras lhes mirando as
inseguranças vão começar a lhe derreter a resistência. Se possível, consiga
que uma terceira parte transmita o seu cumprimento, como se esta houvesse
apenas ouvido o seu comentário por acidente. Nunca exagere nos elogios ou
use absolutos.
Uma maneira inteligente de disfarçar as suas intenções é misturar
alguma pequena crítica sobre o indivíduo ou o trabalho dele, nada que lhe
desperte as inseguranças, mas o bastante para dar ao seu elogio um tom
mais realista: “Adorei o seu roteiro, embora eu ache que o segundo ato
precise ser retrabalhado um pouco”. Não diga: “O seu livro mais recente é
tão melhor do que o anterior”. Tenha cuidado quando as pessoas lhe pedem
a sua opinião a respeito do trabalho ou algo relacionado ao caráter ou
aparência delas. O ser humano não quer a verdade, mas que você ofereça
apoio e confirmação da forma mais realista possível. Satisfaça-se em
fornecer isso aos outros.
Pareça o mais sincero possível. Seria melhor escolher qualidades para
elogiar que você admira de fato, se conseguir. De todo jeito, o que denuncia
as pessoas são os sinais não verbais – elogios acompanhados de uma
linguagem corporal rígida, ou de um sorriso falso, ou de um olhar de
relance para outro lado. Tente sentir parte das emoções que está
expressando de forma que quaisquer exageros não sejam muito óbvios.
Tenha em mente que o seu alvo precisa ter uma auto-opinião relativamente
elevada. Se for baixa, a lisonja não se harmonizará com o modo como elas
se sentem sobre si mesmas e soará falsa, enquanto para aqueles de autoopinião elevada o elogio parecerá bem natural.
5. Utilize a resistência e teimosia dos outros. Alguns são
especialmente resistentes a qualquer tipo de influência. Na maioria, têm
níveis mais profundos de insegurança e auto-opinião baixa. Isso talvez se
manifeste como uma atitude rebelde. Sentem-se como se o mundo todo
estivesse contra eles. Precisam reafirmar a sua vontade a todo custo e
resistir a qualquer tipo de mudança. Farão o contrário do que os outros lhes
sugerem. Buscarão conselhos para um problema ou sintoma específico,
apenas para encontrar dezenas de motivos pelos quais os conselhos
oferecidos não lhes funcionarão. O melhor a fazer é jogar uma partida de
judô mental com essas pessoas. No judô, você não se contrapõe aos
movimentos do adversário com um golpe seu, mas encoraja a energia
agressiva (resistência) dele a fim de fazê-lo cair por conta própria. Aqui
estão algumas maneiras de pôr isso em prática na vida cotidiana.
Use as emoções das pessoas. No livro Change (Mudança), os autores
terapeutas (Paul Watzlawick, John H. Weakland e Richard Fisch) discutem
o caso de um adolescente rebelde, suspenso da escola pelo diretor por ter
sido flagrado traficando drogas. Ele ainda tinha que fazer a lição de casa,
mas estava proibido de ir ao campus. Isso provocaria um grande prejuízo ao
seu negócio de venda de drogas, e o rapaz ardia com uma sede de vingança.
A mãe consultou um terapeuta, que lhe disse o seguinte: “Explique ao
seu filho que o diretor acredita que apenas os alunos que frequentam as
aulas pessoalmente se sairão bem. Na cabeça dele, ao manter o garoto longe
da escola, estará garantindo que este seja reprovado, e ele se sentirá
desconfortável caso o rapaz conclua melhor seus estudos em casa. Nem será
bom tentar com muito afinco neste semestre. Não provaria que o diretor
está certo, conquistando assim a boa opinião dele”. É claro que esse
conselho foi concebido para jogar com as emoções do estudante. Agora não
havia nada que este desejasse mais do que embaraçar o diretor, e assim ele
se debruçou sobre as tarefas de casa com grande energia, que era bem o que
o terapeuta pretendia. Em essência, a ideia não é se contrapor às emoções
fortes das pessoas, mas se mover com elas e encontrar uma maneira de
canalizá-las numa direção produtiva.
Utilize a linguagem delas. O terapeuta Milton Erickson (veja o
Capítulo 3) descreveu o seguinte caso que havia tratado: um marido lhe
pediu aconselhamento, embora parecesse bastante determinado a fazer o
que pretendia de qualquer forma. Ele e a esposa vinham de famílias bem
religiosas e tinham se casado em grande parte para agradar os pais; os dois
também eram muito religiosos. A lua de mel, porém, havia sido um
desastre. O sexo lhes pareceu constrangedor, e não se sentiam apaixonados.
O marido decidiu que aquilo não era culpa de ninguém, mas que deveriam
obter “um divórcio amigável”. Erickson concordou de imediato e sugeriu a
maneira exata de chegar a esse “divórcio amigável”: instruiu o marido a
reservar um quarto num hotel, onde o casal deveria ter uma última noite
“amigável” juntos antes do divórcio. Deveriam também tomar uma última
taça “amigável” de champanhe, trocar um último beijo “amigável” entre
eles, e assim por diante. Essas instruções virtualmente garantiram a sedução
da esposa pelo marido. Como Erickson havia esperado, os conselhos foram
seguidos, os dois passaram uma noite excitante juntos e, felizes, decidiram
permanecer casados.
Erickson intuiu que o marido não queria de fato o divórcio e que os dois
se sentiram constrangidos por causa do histórico religioso. Ambos nutriam
inseguranças profundas a respeito dos seus desejos físicos, mas resistiam a
qualquer tipo de mudança. Erickson utilizou a linguagem do marido e o
desejo dele de obter o divórcio, mas encontrou uma maneira de lhe
redirecionar de maneira sutil a energia para algo bem diferente. Quando
você usa as palavras das pessoas contra elas, isso tem um efeito hipnótico.
Como poderiam não seguir as suas sugestões quando são expressadas
exatamente com os mesmos termos que empregaram?
Faça uso da rigidez delas. O filho de um penhorista certa vez abordou
Hakuin, o grande mestre Zen do século 18, com o seguinte problema: ele
queria convencer o pai a praticar o budismo, mas o velho fingia estar
ocupado demais com a contabilidade para ter tempo para um único cântico
ou prece. Hakuin conhecia o penhorista – era um avaro inveterado que só
estava usando isso como desculpa para evitar a religião, que considerava
uma perda de tempo. Hakuin aconselhou o rapaz a contar ao pai que o
próprio mestre Zen compraria dele cada prece e cântico que fizesse todos os
dias. Era um acordo de negócios apenas.
É claro que o penhorista se mostrou muito feliz com aquilo – faria o
filho se calar e ganharia dinheiro no processo. Todos os dias ele apresentava
a Hakuin a conta pelas suas preces, e este lhe pagava a devida soma. Alguns
dias mais tarde, admitiu a Hakuin que se encantara por completo com os
cânticos, sentindo-se tão melhor, e não precisava mais ser pago. Logo ele se
tornou um doador bem generoso do templo de Hakuin.
A rigidez dos indivíduos em se opor a algo tem raízes em um medo
profundo de mudanças e da incerteza que estas gerariam. Precisam ter tudo
nos termos deles e se sentir no controle. Você cairá nesse jogo se tentar
encorajar mudanças com todos os seus conselhos – isso os dará algo ao que
reagir e com que justificar a própria rigidez. As pessoas se tornam teimosas.
Pare de lutar contra elas e use a verdadeira natureza desse comportamento
rígido para causar uma mudança sutil que levará a algo maior. Sozinhas,
elas descobrirão algo novo (como o poder da prece budista) e, por si
mesmas, talvez levem isso mais adiante, movidas pela sua manobra de judô.
Tenha em mente o seguinte: muitas vezes as pessoas não farão o que os
outros lhes pedem para fazer, simplesmente porque querem afirmar a
própria vontade. Se você concordar com entusiasmo com a rebelião delas e
lhes disser para continuar a agir da mesma maneira, isso significa que agora
estarão seguindo o seu conselho, que é algo que lhes desagrada. Elas talvez
se rebelem de novo e afirmem a própria vontade indo na direção contrária,
que era o que você pretendia desde o início – a essência da psicologia
reversa.
A MENTE FLEXÍVEL – AUTOESTRATÉGIAS
Você se frustra quando resistem às suas boas ideias por pura teimosia,
mas tem pouca consciência de como o mesmo problema – a sua própria
teimosia – o aflige e limita os seus poderes criativos.
Quando crianças, a nossa mente tinha uma flexibilidade impressionante.
Éramos capazes de aprender a uma velocidade que supera em muito as
nossas capacidades como adultos. Podemos atribuir grande parte da fonte
desse poder aos nossos sentimentos de fraqueza e vulnerabilidade.
Percebendo a nossa inferioridade em relação aos que eram mais velhos do
que nós, sentíamo-nos bastante motivados a aprender. Também tínhamos
uma curiosidade e fome genuínas por novas informações. Estávamos
abertos à influência de pais, colegas e professores.
Na adolescência, muitos de nós tivemos a experiência de nos encantar
com uma grande obra ou escritor. Nós nos vimos fascinados pelos
pensamentos novos do livro e, por estarmos tão abertos a influências, esses
primeiros encontros com ideias excitantes deixaram marcas profundas em
nossa mente e se tornaram parte do nosso processo de pensar, nos afetando
décadas depois de as termos absorvido. Essas influências enriqueceram a
nossa paisagem mental, e, na verdade, a nossa inteligência depende da
habilidade de absorver as lições daqueles que são mais velhos e sábios do
que nós.
Assim como o corpo se enrijece com a idade, porém, o mesmo ocorre
com a mente. E assim como o nosso senso de fraqueza e vulnerabilidade
motivou o nosso desejo de aprender, agora o nosso senso insinuante de
superioridade nos fecha aos poucos às novas ideias e influências. Alguns
talvez defendam que todos nos tornamos mais céticos no mundo moderno,
mas, na verdade, há um perigo muito maior que nos aflige como indivíduos
e que surge com o fechamento cada vez maior da mente ao envelhecermos.
E isso parece afligir a nossa cultura em geral.
Vamos definir o estado ideal da mente como aquele que retém a
flexibilidade da juventude e os poderes de raciocínio do adulto. Essa mente
está aberta à influência de outros. E assim como você emprega estratégias
para derreter a resistência das pessoas, precisa fazer isso também consigo
mesmo, se esforçando para amaciar os seus rígidos padrões mentais.
Para alcançar esse ideal, adote o princípio básico da filosofia socrática.
O jovem Querefonte, um dos primeiros admiradores de Sócrates, frustrado
porque nem todos os atenienses veneravam seu mestre como ele fazia,
visitou o Oráculo de Delfos e perguntou: “Existe um homem mais sábio do
que Sócrates em toda Atenas?”. O oráculo respondeu que não.
Querefonte se sentiu vindicado na sua admiração a Sócrates e correu
para contar ao mentor a boa notícia. Sócrates, porém, sendo um homem
humilde, não se alegrou ao ouvir isso e decidiu provar que o oráculo estava
enganado. Visitou muitas pessoas, cada uma eminente na sua própria área –
política, artes, negócios –, e lhes fez muitas perguntas. Quando se atinham
ao conhecimento da própria área, elas soavam bem inteligentes. No entanto,
depois passavam a discorrer sobre todo tipo de assuntos sobre os quais era
evidente que não sabiam nada. A respeito desses temas, elas apenas
recitavam a sabedoria convencional. Não haviam considerado a fundo
nenhuma daquelas ideias.
Por fim, Sócrates teve de admitir que o oráculo estava mesmo correto –
ele era mais sábio do que todos os outros porque tinha consciência da
própria ignorância. Repetidas vezes, examinava e reexaminava as suas
ideias, encontrando incongruências e emoções infantis alojadas dentro
delas. O seu lema havia se tornado: “A vida não reexaminada não vale a
pena ser vivida”. O encanto de Sócrates, que o tornava tão diabolicamente
fascinante aos jovens de Atenas, era a suprema abertura da mente. Em
essência, assumia a posição mais frágil e vulnerável da criança ignorante,
sempre fazendo perguntas.
Pense nisso da seguinte forma: gostamos de zombar das ideias
supersticiosas e irracionais nas quais a maioria de nós acreditava no século
17. Imagine como as pessoas do século 25 zombarão das nossas, as quais
são condicionadas pelos preconceitos incutidos em nós pelos nossos pais,
pela nossa cultura e pelo período histórico em que vivemos. São limitadas
ainda mais pela rigidez cada vez maior da mente. Um pouco mais de
humildade sobre o que sabemos nos tornaria todos mais curiosos e
interessados numa gama mais ampla de ideias.
Em se tratando das suas ideias e opiniões, encare-as como brinquedos
ou blocos de construção com os quais está brincando. Alguns você guarda,
outros você derruba, mas o seu espírito permanece flexível e brincalhão.
Para levar isso mais adiante, adote uma estratégia promulgada por
Friedrich Nietzsche: “Aquele que quiser de verdade conhecer algo novo
(seja uma pessoa, um acontecimento, um livro) faria bem em contemplá-lo
com todo o amor possível e desviar rápido os olhos de tudo nele que
encontrar de desfavorável, repelente, falso, e expulsar mesmo esses
elementos da mente. Assim, por exemplo, permite ao autor de um livro a
mais longa dianteira, e então, como alguém assistindo a uma corrida, deseja
com o coração acelerado que ele atinja o seu objetivo. Pois, com esse
procedimento, penetra-se no coração da coisa nova, a ponto de movê-la de
fato: e é precisamente isso que conhecer algo significa. Se alguém chega a
esse ponto, a razão pode ter as suas reservas mais tarde; essa
superestimação, a suspensão temporária do pêndulo crítico, era apenas um
artifício para atrair para fora a alma da coisa”. Mesmo em textos que sejam
contrários às suas próprias ideias, há muitas vezes algo que soa verdadeiro,
que representa a “alma da coisa”. Abrir-se para essa influência dessa
maneira deveria se tornar parte dos seus hábitos mentais, permitindo-lhe
entender melhor as coisas, até mesmo para criticá-las da maneira adequada.
Às vezes, porém, essa “alma” o comoverá também e ganhará alguma
influência, enriquecendo a sua mente no processo.
De vez em quando, é bom largar o seu conjunto mais profundo de regras
e restrições. Bassui, o grande mestre Zen do século 14, pregou à porta do
templo uma lista de 31 regras às quais os monges deveriam obedecer, ou
seriam expulsos. Muitas delas se referiam ao consumo de bebidas
alcoólicas, que era estritamente proibido. Certa noite, para o desconcerto
total dos monges de mentalidade literal, ele apareceu para um debate
completamente bêbado. E jamais se desculpou ou repetiu o ato, mas a lição
era simples: as regras eram apenas diretrizes e, para demonstrar a nossa
liberdade, precisamos violá-las de vez em quando.
Por fim, no que se refere à sua própria auto-opinião, tente manter uma
distância irônica dela. Tome consciência da sua existência e de como ela
opera dentro de você. Aceite o fato de que não é tão livre e autônomo como
gostaria de acreditar. Você se adapta às opiniões dos grupos aos quais
pertence; compra produtos por causa de influências subliminares; é
manipulável. Entenda também que não é tão bom quanto a imagem
idealizada da sua auto-opinião. Como todos os outros, é bastante absorto em
si mesmo e obcecado com os próprios interesses. Com essa consciência,
não sentirá a necessidade de ser validado pelas pessoas. Em vez disso, você
se esforçará para se tornar independente de verdade e para se preocupar
com o bem alheio, e não permanecer atrelado à ilusão da sua auto-opinião.
Havia algo terrivelmente sedutor no exercício da influência. Nenhuma outra atividade
era comparável. Projetar a própria alma numa forma graciosa, e deixá-la descansar ali
por um momento; ouvir as suas próprias opiniões intelectuais ecoadas de volta com
toda a melodia adicional da paixão e da juventude; transmitir o próprio temperamento
para o outro como um fluido sutil ou um estranho perfume: havia nisso uma euforia
real – talvez a euforia mais satisfatória que nos restou numa era tão limitada e vulgar
como a nossa, uma era carnal em excesso em seus prazeres, e comum em excesso em
suas metas.
— Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray
8
Mude as suas circunstâncias mudando de
atitude
A Lei da Autossabotagem
Cada um de nós tem um modo particular de observar o mundo, de
interpretar os acontecimentos e as ações dos indivíduos em redor. Essa é a
nossa atitude, que determina muito do que nos acontece na vida. Se a nossa
atitude é, em essência, temerosa, vemos o lado negativo em cada
circunstância. Impedimo-nos de correr riscos. Culpamos outros por erros e
deixamos de aprender com eles. Se nos sentimos hostis e desconfiados,
fazemos as pessoas sentirem essas mesmas emoções na nossa presença.
Sabotamos a nossa carreira e os nossos relacionamentos ao criar, de modo
inconsciente, as circunstâncias que mais tememos. A atitude humana,
porém, é maleável. Ao tornar a nossa atitude mais positiva, aberta e
tolerante em relação aos demais, conseguiremos incitar uma dinâmica
diferente – seremos capazes de aprender a partir da adversidade, criar
oportunidades do nada e atrair as pessoas para nós. Devemos explorar os
limites da nossa força de vontade e ver quão longe ela nos leva.
A LIBERDADE DERRADEIRA
Quando criança, Anton Tchekhov (1860-1904) – futuro autor renomado
– enfrentava todas as manhãs uma sensação de pavor: será que o pai o
espancaria naquele dia, ou será que o pouparia de algum modo? Sem aviso,
e às vezes sem nenhum motivo aparente, o pai, Pavel Yegorovich, o
golpeava com força muitas vezes, com uma bengala ou chicote ou com as
costas da mão. O que era ainda mais desconcertante era que não lhe batia
por malícia ou raiva aparente. Ele dizia a Anton que o fazia por amor. Era a
vontade de Deus que as crianças fossem surradas, a fim de lhes incutir a
humildade. Era assim que Pavel havia sido criado, e vejam que bom homem
havia se tornado. Ao fim de cada surra, o jovem Anton tinha de beijar a
mão do pai e lhe pedir perdão. Pelo menos ele não enfrentava sozinho
aquele suplício – os quatro irmãos e a irmã também recebiam o mesmo
tratamento.
Não eram apenas as surras que ele passou a temer. Às tardes, ele ouvia
os passos do pai se aproximando da decrépita casa de madeira e tremia de
medo. Na maior parte das vezes, o homem vinha para casa àquela hora para
pedir ao menino Anton que o substituísse na sua mercearia, na cidadezinha
de Taganrog, na Rússia, onde a família vivia. Pela maior parte do ano, a loja
era insuportável de tão fria. Enquanto tomava conta dela, Anton tentava
fazer a lição de casa, mas os dedos logo se tornavam dormentes e a tinta
para a caneta congelava dentro do pote. Na bagunça do local, que cheirava a
carne estragada, ele tinha de ouvir as piadas vulgares dos camponeses
ucranianos que trabalhavam por lá, e testemunhar o comportamento
obsceno dos vários bêbados da cidade, que entravam para comprar doses de
vodca. Em meio a tudo isso, precisava se assegurar de que cada copeque
fosse contabilizado, ou levaria uma surra a mais do pai. Muitas vezes Anton
era deixado lá por horas enquanto Pavel se embebedava em algum outro
lugar.
A mãe tentava intervir, mas sua alma gentil não era páreo para o marido.
O menino era jovem demais para trabalhar, ela dizia. Precisava de tempo
para os estudos. Permanecer na loja gelada estava lhe arruinando a saúde. O
pai respondia aos berros que Anton era preguiçoso por natureza, e apenas o
trabalho árduo o tornaria um cidadão respeitável.
Não havia como escapar da presença do pai. Aos domingos, o único dia
em que a loja fechava, ele acordava os filhos às quatro ou cinco da manhã
para ensaiar as canções do coro da igreja, do qual era regente. Em casa,
após a missa, eles repetiam o serviço sozinhos, um ritual após o outro, até
voltarem para a missa do meio-dia. Quando esta terminava, estavam todos
exaustos demais para brincar.
Nos momentos que tinha para si, Anton perambulava pela cidade.
Taganrog era um lugar sinistro para se crescer. As fachadas de quase todas
as casas estavam apodrecendo e desmoronando, como se já fossem ruínas
antigas. As estradas não eram pavimentadas e, quando a neve derretia, se
via lama por todos os lados, com fossas gigantes capazes de engolir uma
criança até o pescoço. Não havia luzes nas ruas. Prisioneiros eram
encarregados de encontrar cães sem dono nas ruas e espancá-los até a
morte. O único local silencioso e seguro eram os cemitérios em redor, e
Anton os visitava com frequência.
Nessas caminhadas, ele divagava sobre si mesmo e o mundo. Seria ele
tão imprestável a ponto de merecer as surras quase diárias do pai? Talvez.
Entretanto, Pavel era uma contradição ambulante – preguiçoso, bêbado e
bem desonesto com os fregueses, apesar do seu zelo religioso. E os
cidadãos de Taganrog eram ridículos e hipócritas em igual medida. Anton
os observava no cemitério, tentando agir de forma pia nos funerais, mas
sussurrando animados entre si a respeito dos bolos deliciosos que comeriam
mais tarde na casa da viúva, como se fosse para isso que tivessem
comparecido.
O único recurso de Anton diante da dor e do tédio que sentia
constantemente era rir de tudo aquilo. Ele se tornou o palhaço da família,
imitando os habitantes de Taganrog e inventando histórias sobre a vida
privada de cada um. Às vezes o seu humor se tornava agressivo. Aplicava
trotes cruéis nas outras crianças da vizinhança. Quando a mãe o enviava ao
mercado, ele muitas vezes atormentava a ave viva – um pato ou uma
galinha – que levava para casa num saco. Estava se tornando travesso e bem
preguiçoso.
Então, em 1875, tudo mudou para a família Tchekhov. Os dois irmãos
mais velhos de Anton, Alexander e Nikolai, estavam fartos do pai.
Decidiram se mudar juntos para Moscou – Alexander para tentar obter um
diploma universitário e Nikolai para se tornar um artista. Esse desprezo à
sua autoridade enfureceu Pavel, mas este não tinha como detê-los. Na
mesma época, ele teve que enfrentar finalmente a péssima gestão da
mercearia – as dívidas haviam se acumulado com o passar dos anos, e agora
era hora de pagá-las. Ante o prospecto da falência e de uma sentença quase
certa na prisão civil, o homem fugiu da cidade às escondidas certa noite,
sem contar à esposa, e escapou para Moscou, com a intenção de morar com
os filhos.
A mãe foi forçada a vender os bens da família para pagar as dívidas.
Um pensionista que vivia com eles se ofereceu para ajudá-la no caso contra
os credores, mas, para a grande surpresa dela, usou as suas conexões com o
tribunal para defraudar os Tchekhov e lhes tirar a casa. Sem um centavo, ela
foi forçada a partir para Moscou com os outros filhos. Apenas Anton
permaneceu para acabar os estudos e obter o diploma. Ele ficou
encarregado de vender todos os pertences restantes da família e enviar o
dinheiro a Moscou o mais rápido possível. O ex-pensionista, agora dono da
casa, deu a Anton o canto de um aposento para morar, e assim, aos 16 anos,
sem nenhum dinheiro próprio e sem família para olhar por ele, Anton foi
subtamente deixado em Taganrog, tendo que cuidar de si mesmo.
Anton nunca havia estado sozinho de verdade antes. A família era tudo
na sua vida, para o bem ou para o mal. Agora era como se o chão
desaparecesse de sob os seus pés. Não tinha ninguém a quem pedir ajuda.
Ele culpava o pai por aquele destino miserável, por estar preso em
Taganrog. Um dia se sentia furioso e amargurado; no outro, deprimido.
Contudo, logo se tornou evidente que não tinha tempo para esses
sentimentos. Não possuía dinheiro nem recursos, mas, de algum modo,
precisava sobreviver. Obteve emprego como tutor junto ao maior número de
famílias possível. Quando estas saíam de férias, ele muitas vezes passava
fome por dias. O seu único casaco estava esfarrapado; não tinha galochas
para as chuvas pesadas. Sentia vergonha ao entrar na casa dos outros,
tremendo e com os pés encharcados. No entanto, pelo menos agora era
capaz de se sustentar.
Decidiu se tornar médico. Sua mentalidade era científica, e médicos
faziam um bom dinheiro. Para entrar na escola de Medicina, teria de estudar
muito mais. Frequentando a biblioteca local, o único lugar onde conseguia
trabalhar em paz e silêncio, sentia a mente voar para muito além de
Taganrog. Entre os livros, não se sentia tão aprisionado. À noite, voltava ao
seu canto do quarto para escrever histórias e dormir. Não tinha nenhuma
privacidade, mas conseguia manter o seu canto limpo e arrumado, livre da
desordem habitual da casa dos Tchekhov.
Ele havia finalmente começado a se assentar, e novos pensamentos e
emoções lhe vieram. O trabalho não era mais algo que o apavorava; ele
adorava ter a mente absorta nos estudos, e ensinar fazia-o se sentir digno e
orgulhoso – ele era capaz de tomar conta de si mesmo. Chegavam cartas da
família – Alexander esbravejando e se queixando sobre como o pai havia
tornado a vida de todos miserável de novo; Mikhail, o filho mais novo, se
sentindo insignificante e inútil. Anton escreveu de volta a Alexander:
“Esqueça a obsessão com o nosso pai e comece a tomar conta de si
mesmo”. A Mikhail escreveu: “Por que você se refere a si mesmo como o
meu ‘irmãozinho inútil e insignificante’? Sabe onde você deveria tomar
consciência da sua insignificância? Diante de Deus, talvez […], mas não
diante de outras pessoas. Entre elas, você deveria ter ciência do seu valor”.
Até Anton se surpreendeu com o novo tom das cartas que escrevia.
Certo dia, vários meses depois de ter sido abandonado, vagava pelas
ruas de Taganrog e foi acometido de repente por um senso enorme e
esmagador de empatia e amor pelos pais. De onde isso havia vindo? Ele
nunca sentira aquilo antes. Nos dias que levaram até aquele momento,
Anton vinha pensando muito em Pavel. Era mesmo o culpado de todos os
problemas deles? Seu avô, Yegor Mikhailovich, nascera um servo, sendo a
servidão uma forma de escravidão por contrato. Os Tchekhov haviam sido
servos por muitas gerações. Yegor finalmente conseguira comprar a
liberdade da família, e estabeleceu os três filhos em áreas diferentes de
trabalho, sendo Pavel escolhido para ser o comerciante da família. Este,
porém, não conseguiu se adequar à função. Tinha um temperamento
artístico, poderia ter sido um pintor ou músico talentoso. Sentia-se
amargurado com o seu destino – uma mercearia e seis filhos. O pai o
espancara, por isso ele espancava os filhos. Embora não fosse mais um
servo, Pavel ainda se curvava e beijava a mão de todas as autoridades locais
e proprietários de terras. No fundo do coração, permanecia um servo.
Anton compreendeu que ele e os irmãos estavam caindo no mesmo
padrão – amargurados, sentindo-se insignificantes por dentro e querendo
descontar a raiva nos outros. Agora que estava sozinho e cuidando de si
mesmo, Anton ansiava por ser livre no sentido mais verdadeiro da palavra.
Queria ser livre do passado, livre do pai. E ali, ao caminhar pelas ruas de
Taganrog, a resposta lhe veio dessas novas emoções repentinas. Ao
entender Pavel, ele era capaz de aceitá-lo e até de amá-lo. Não era um tirano
monumental, mas um velho impotente. Com um pouco de distância, Anton
sentia compaixão por ele e lhe perdoou as surras. Não se deixaria enredar
em todos aqueles sentimentos negativos que o pai inspirava. E conseguia
também valorizar afinal a mãe generosa, sem culpá-la por ser tão fraca.
Com a mente vazia de rancores e pensamentos obsessivos sobre a infância
perdida, era como se um grande peso lhe fosse retirado de repente.
Anton fez uma promessa a si mesmo: nada mais de se curvar e se
desculpar às pessoas; nada mais de reclamar e culpar os outros; nada mais
de viver em desordem e desperdiçar o tempo. A resposta para tudo estava
em trabalhar e amar, amar e trabalhar. Ele tinha que espalhar essa
mensagem à família e salvá-la. Precisava compartilhá-la com a humanidade
por meio das suas histórias e peças.
Por fim, em 1879, Anton se mudou para Moscou para estar com a
família e frequentar a escola de Medicina, e o que viu lá o deixou desolado.
Os Tchekhov e alguns pensionistas viviam todos apinhados num único
quarto no porão de um cortiço, no meio da zona do meretrício. O quarto
tinha pouca ventilação e quase nenhuma luz. O pior de tudo eram os ânimos
do grupo. A mãe estava abatida por causa das ansiedades constantes sobre
dinheiro e a existência ali no subsolo. O pai bebia ainda mais e realizava
trabalhos ocasionais que eram um enorme retrocesso para um homem que
havia sido dono do seu próprio negócio. E continuava a bater nos filhos.
Os irmãos mais novos de Anton já não estavam na escola (a família não
conseguia pagar pela educação deles) e se sentiam completamente inúteis.
Mikhail, em especial, estava mais deprimido do que nunca. Alexander
conseguira emprego como escritor para revistas, mas sentia que merecia
muito mais e começou a beber em abundância. Colocava a culpa de seus
problemas no pai por tê-lo seguido até Moscou e lhe assediado todos os
movimentos. Nikolai, o artista, dormia até tarde, trabalhava de forma
esporádica e passava a maior parte do tempo na taberna local. A família
inteira estava decaindo num ritmo alarmante, e a vizinhança em que viviam
só tornava tudo pior.
O pai e Alexander haviam se mudado daquela casa fazia pouco. Anton
decidiu que precisava mudar-se para o quarto apertado e se tornar o
catalisador da mudança. Ele não pregaria nem criticaria, mas estabeleceria o
exemplo apropriado. O que importava era manter a família unida e elevar o
seu estado de espírito. À mãe e à irmã sobrecarregadas, Anton anunciou que
se responsabilizaria pelo trabalho doméstico. Vendo Anton limpando e
passando a ferro, os irmãos concordaram em dividir as tarefas. Ele
economizou com a bolsa de estudos para a escola de Medicina e conseguiu
mais dinheiro do pai e de Alexander. Com esse valor, ele colocou Mikhail,
Ivan e Maria de volta na escola. Encontrou para o pai um emprego melhor.
Com o salário do pai e as próprias economias, foi capaz de levar a família
inteira para morar num apartamento bem maior com uma vista.
Ele se empenhou para melhorar todos os aspectos da vida deles.
Convenceu os irmãos e a irmã a ler livros que ele tinha escolhido, e até
tarde da noite eles debatiam e argumentavam as últimas descobertas da
ciência e questões filosóficas. Aos poucos, todos formaram laços muito
mais profundos entre si, e começaram a se referir a ele como Papa Antosha,
o chefe da família. As reclamações e a atitude autopiedosa que Anton
encontrara a princípio haviam desaparecido na maior parte. Os dois irmãos
mais jovens agora falavam com animação das suas carreiras futuras.
O maior projeto de Anton era reformar Alexander, a quem considerava
o membro mais talentoso e mais problemático da família. Certa vez, este
chegou em casa completamente bêbado, começou a insultar a mãe e a irmã,
e ameaçou esmurrar o rosto de Anton. A família havia se resignado com
esses ataques de raiva, mas Anton não os toleraria. Disse a Alexander no
dia seguinte que, se ele gritasse com qualquer outro membro da família,
seria proibido de retornar àquela casa e repudiado como irmão. Alexander
deveria tratar a mãe e a irmã com respeito e não culpar o pai por ele mesmo
ter se tornado um bêbado mulherengo. Deveria ter alguma dignidade – se
vestir bem e tomar conta de si mesmo. Esse era o novo código da família.
Alexander se desculpou e o seu comportamento melhorou, mas era uma
batalha contínua que exigia toda a paciência e amor de Anton, pois o traço
autodestrutivo dos Tchekhov estava profundamente enraizado. Foi o que
levou Nikolai à morte precoce por causa do alcoolismo; sem atenção
constante, Alexander poderia muito bem seguir o mesmo caminho. Aos
poucos, Anton ajudou-o a parar de beber e o auxiliou na carreira
jornalística. Alexander, por fim, se assentou numa vida tranquila e
satisfatória.
Em algum ponto em 1884, Anton começou a cuspir sangue, e era
aparente que estava sofrendo os sintomas preliminares de tuberculose. Ele
se recusou a se submeter a um exame por um colega médico. Preferiu não
saber e continuar escrevendo e praticando Medicina sem se preocupar com
o futuro. Entretanto, ao se tornar cada vez mais famoso por suas peças e
contos, começou a sentir uma nova espécie de desconforto – a inveja e as
críticas mesquinhas de colegas escritores. Estes formavam vários grupos
políticos e se atacavam uns aos outros sem parar, inclusive ao próprio
Anton, que se recusava a se aliar a qualquer causa revolucionária. Tudo isso
o fez se sentir cada vez mais desencantado com o mundo literário. O ânimo
elevado que havia criado com tanto cuidado em Taganrog estava se
dissipando. Tornou-se deprimido e considerou a hipótese de parar
completamente de escrever.
Então, ao fim de 1889, ele pensou numa maneira de se livrar da
depressão crescente. Desde a época em que vivera em Taganrog, os
membros mais pobres e abjetos da sociedade o fascinavam. Ele gostava de
escrever sobre os vilões e vigaristas, e lhes penetrar a mente. Os membros
mais inferiores da sociedade eram os prisioneiros, que viviam em condições
medonhas. E a prisão mais notória da Rússia se situava na ilha Sacalina,
logo ao norte do Japão, abrigando cinco colônias penais com centenas de
milhares de presos e as suas famílias. Era como um Estado obscuro –
ninguém na Rússia fazia a menor ideia do que acontecia de fato por lá. Isso
talvez fosse a resposta para a miséria atual de Anton. Ele realizaria a
viagem árdua pela Sibéria até a ilha, entrevistaria os criminosos mais
embrutecidos e escreveria um livro detalhado sobre as condições de lá.
Longe do pretensioso mundo literário, ele se conectaria com algo mais real
e reacenderia o estado de espírito generoso que criara em Taganrog.
Os amigos e a família tentaram dissuadi-lo. A saúde dele havia piorado;
a viagem poderia matá-lo. No entanto, quanto mais tentavam persuadi-lo a
não ir, mais certeza ele sentia de que essa era a única forma de se salvar.
Após o trajeto de três meses, ele chegou enfim à ilha, em julho de 1890,
e mergulhou de imediato no novo mundo. A sua tarefa era entrevistar todos
os prisioneiros que conseguisse, inclusive os assassinos mais cruéis, de cuja
vida investigou cada aspecto. Testemunhou as horríveis sessões de tortura
dos prisioneiros e acompanhou condenados quando iam trabalhar nas minas
locais, acorrentados a carrinhos de mão. Aqueles que completavam as suas
sentenças muitas vezes tinham de permanecer na ilha em campos de
trabalho, de forma que Sacalina estava repleta de esposas aguardando para
se juntar aos maridos nesses campos. Essas mulheres e as suas filhas
recorriam à prostituição para sobreviverem. Tudo era projetado para
degradar o espírito dos indivíduos e drená-los de toda a dignidade. Isso
lembrou Anton da dinâmica da sua família, numa dimensão muito maior.
Aquele era decerto o nível mais baixo do inferno que ele poderia ter
visitado, e isso o afetou de maneira profunda. Desejou retornar logo a
Moscou e escrever sobre o que vira. O seu senso de proporção fora
restaurado. Tinha finalmente se livrado dos pensamentos e preocupações
mesquinhas que lhe haviam pesado na mente. Agora conseguiria sair de si
mesmo e se sentir generoso outra vez. O livro que escreveu, A ilha de
Sacalina, capturou a atenção do público e levou a reformas substanciais nas
condições do local.
Em 1897, a saúde de Anton havia se deteriorado, e ele começou a tossir
sangue com regularidade. Não conseguia mais disfarçar a tuberculose do
mundo em geral. O médico que o tratou aconselhou-o a se aposentar de
todo trabalho e sair de Moscou para sempre. Precisava de descanso. Talvez
viver num sanatório lhe estendesse a vida por alguns anos. Anton não
queria nada disso; viveria como se nada houvesse mudado.
Um culto começara a se formar em torno de Tchekhov, composto por
jovens artistas e fãs devotados às suas peças, todas as quais o haviam
tornado um dos escritores russos mais famosos. Eles iam visitá-lo em
grandes números e, embora fosse evidente que Anton estivesse enfermo,
este irradiava uma calma que espantava a quase todos. De onde vinha isso?
Havia nascido assim?
Parecia se absorver por completo nas histórias e problemas dos outros.
Ninguém nunca o ouvia falar sobre a doença.
No inverno de 1904, tendo a sua condição piorado, ele teve o desejo
repentino de passear no campo de trenó. Ouvir os sinos do trenó e respirar o
ar gelado sempre havia sido um de seus maiores prazeres, e precisava sentilo mais uma vez. A experiência o deixou tão animado que ele não se
importou mais com as consequências, que foram terríveis. Morreu alguns
meses mais tarde.
Interpretação: No momento em que a mãe o deixou sozinho em
Taganrog, o jovem Anton Tchekhov se sentiu encurralado, como se tivesse
sido atirado na prisão. Além de estudar, seria forçado a trabalhar ao
máximo. Estava encalhado naquela cidadezinha irremediavelmente
maçante, sem nenhum sistema de apoio, vivendo no canto de um quartinho.
Pensamentos amargurados sobre o seu destino e a infância que nunca teve o
atormentavam nos poucos momentos livres. Contudo, no decorrer das
semanas, notou algo muito estranho – na verdade, ele gostava do trabalho
de tutor, mesmo que o pagamento fosse mísero e que tivesse de correr o
tempo todo pela cidade. O pai sempre o chamara de preguiçoso, e Anton
havia acreditado nele, mas agora não tinha tanta certeza. Cada dia
representava um desafio para encontrar mais trabalho e pôr comida na
mesa. Estava tendo sucesso nisso. Não era nenhum verme imprestável que
precisava de uma surra. Além disso, o trabalho era uma maneira de sair de
si mesmo e imergir a mente nos problemas dos alunos.
Os livros que lia o levaram para bem longe de Taganrog e o encheram
de pensamentos interessantes que lhe permaneceram na mente por dias
inteiros. A própria Taganrog não era tão ruim. Cada loja, cada casa,
continha os personagens mais peculiares, fornecendo-lhe material infindo
para as suas histórias. E aquele canto do quarto – aquele era o seu reino.
Longe de se sentir aprisionado, agora estava livre. O que havia mudado de
fato? Por certo não as circunstâncias, ou Taganrog, ou o canto do quarto. O
que mudara era a atitude dele, que o abriu a novas experiências e
possibilidades. Uma vez que passou a se sentir assim, quis levar aquilo mais
adiante. O maior obstáculo restante a esse senso de liberdade era o pai. Não
importava o quanto tentasse, não conseguia se livrar da profunda amargura.
Era como se ainda sentisse as surras e escutasse as críticas contundentes.
Como um último recurso, ele tentou analisar Pavel como se fosse o
personagem de uma história. Isso o levou a pensar no avô e em todas as
gerações dos Tchekhov. Ao considerar a natureza errática do pai e a sua
imaginação fértil, conseguiu entender como ele deveria ter se sentido
aprisionado pelas circunstâncias, e por que este se voltou para a bebida e
passou a tiranizar a família. Era um homem impotente, mais vítima do que
opressor. Esse entendimento acerca dele lançou as bases para a corrente
súbita de amor incondicional que sentiu um dia pelos pais. Resplandecendo
com aquelas novas emoções, libertou-se por completo dos ressentimentos e
da raiva. As emoções negativas do passado haviam afinal sido deixadas
para trás. A mente poderia se abrir por inteiro. A sensação foi tão
arrebatadora que ele teve que a compartilhar com os irmãos e liberá-los
também.
O que levara Tchekhov àquele ponto foi a crise que enfrentou quando
foi abandonado tão jovem. Ele vivenciou outra dessas crises uns trinta anos
mais tarde, quando se viu deprimido ante a mesquinharia dos colegas
escritores. A solução foi reproduzir o que aconteceu em Taganrog, mas em
reverso – seria ele a abandonar os outros e se forçar a estar sozinho e
vulnerável. Dessa maneira, ele conseguiria reviver a liberdade e empatia
que sentira em Taganrog. A sentença de morte precoce por tuberculose foi a
última crise. Abandonaria o medo da morte e os sentimentos amargos que
resultavam de ter a vida encurtada, continuando a viver ao máximo. Essa
liberdade final e derradeira lhe deu um brilho que quase todos que o
encontraram nesse período conseguiam sentir.
Entenda: a história de Anton Tchekhov é, na verdade, um paradigma
para aquilo que todos enfrentamos na vida. Levamos conosco os traumas e
mágoas da primeira infância. Na nossa vida social, ao envelhecermos,
acumulamos desapontamentos e insultos. Somos também muitas vezes
perseguidos por um senso de insignificância, de não merecer de fato o que
há de bom na vida. Todos temos momentos de grande dúvida sobre nós
mesmos. Essas emoções podem levar a pensamentos obsessivos que nos
dominam a mente; fazem-nos abreviarmos as nossas experiências como
uma forma de administrar a ansiedade e os desapontamentos. Fazem que
nos voltemos à bebida ou a qualquer hábito que atenue a dor. Sem perceber,
assumimos uma atitude negativa e temerosa quanto à vida. Isso se torna a
nossa prisão autoimposta. No entanto, não precisa ser assim. A liberdade
que Tchekhov vivenciou partiu de uma escolha, uma maneira diferente de
olhar o mundo, uma mudança de atitude. Todos nós podemos seguir esse
caminho.
Essa liberdade, em essência, vem da adoção de um espírito generoso –
em relação aos outros e a nós mesmos. Aceitando as pessoas, entendendo-as
e, se possível, até as amando por sua natureza humana, seremos capazes de
livrar a nossa mente de emoções obsessivas e mesquinhas. Conseguiremos
parar de reagir ao que dizem ou fazem. Estabeleceremos alguma distância e
pararemos de levar tudo para o lado pessoal. Abriremos espaço mental para
buscas mais elevadas. Quando nos sentimos generosos em relação aos
outros, estes se sentem atraídos a nós e querem copiar o nosso ânimo.
Quando nos sentimos generosos em relação a nós mesmos, não temos mais
a necessidade de fazer vênias e entrar no jogo da humildade simulada
enquanto, lá no fundo, nos ressentimos da nossa falta de sucesso. Por meio
do nosso trabalho e conseguindo por conta própria aquilo de que
precisamos, sem depender de outros, poderemos nos orgulhar e realizar o
nosso potencial como seres humanos. Pararemos de reproduzir as emoções
negativas ao nosso redor. Ao sentirmos o poder revigorante dessa nova
atitude, vamos querer levá-la o mais longe possível.
Anos mais tarde, numa carta a um amigo, Tchekhov tentou resumir a
experiência em Taganrog, referindo-se a si na terceira pessoa: “Escreva
sobre como esse jovem espremeu o escravo de si mesmo gota a gota, e
como, numa bela manhã, ele desperta para ver que o sangue que lhe corre
nas veias não é mais o sangue de um escravo, mas o de um ser humano de
verdade”.
A maior descoberta da minha geração é o fato de que os seres humanos são capazes de
alterar a própria vida ao alterar a sua atitude mental.
— William James
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Nós, seres humanos, gostamos de imaginar que temos um conhecimento
objetivo do mundo. Tomamos como certo que o que percebemos no dia a
dia é a realidade – sendo esta mais ou menos a mesma para todos. Contudo,
isso é uma ilusão. Não há duas pessoas que vejam ou vivenciem o mundo
da mesma maneira. O que percebemos é a nossa versão pessoal da
realidade, da nossa própria criação. Compreender isso é um passo crucial
para o nosso entendimento da natureza humana.
Imagine a seguinte situação: um jovem norte-americano precisa passar
um ano estudando em Paris. É um pouco tímido e cauteloso, propenso a
sentimentos de depressão e baixa autoestima, mas está sinceramente
entusiasmado pela oportunidade. Ao chegar lá, descobre que é difícil falar o
idioma local, e os erros que comete e a atitude um tanto negligente dos
parisienses lhe dificultam ainda mais o aprendizado. Tem a impressão de
que as pessoas não são nada amigáveis. O clima é úmido e sombrio. A
comida é muito pesada. Até a Catedral de Notre Dame parece
desapontadora, a área em torno tão apinhada de turistas. Embora tenha
alguns momentos prazerosos, em geral se sente alienado e infeliz. Conclui
que Paris é uma cidade supervalorizada e um lugar bem desagradável.
Agora imagine a mesma situação, mas com uma jovem moça mais
extrovertida e que tem um espírito aventureiro. Ela não se incomoda com os
erros de francês que comete, nem com um comentário sarcástico ocasional
de um parisiense; aprender o idioma é um desafio agradável. Outras pessoas
lhe consideram a atitude cativante. Ela faz amigos com mais facilidade e,
com mais contatos, o seu conhecimento de francês melhora. O clima lhe
parece romântico e bem apropriado ao lugar. Para ela, a cidade representa
aventuras intermináveis, e acha isso encantador.
Nesse caso, duas pessoas veem e julgam a mesma cidade de maneiras
opostas. Como uma questão de realidade objetiva, o clima de Paris não tem
qualidades nem positivas nem negativas. As nuvens simplesmente passam.
A amabilidade ou hostilidade dos parisienses é um julgamento subjetivo –
depende de quem você encontra e como essas pessoas se comparam com
aquelas de onde você veio. A Catedral de Notre Dame é apenas uma
aglomeração de pedras entalhadas. O mundo simplesmente existe do jeito
que é – objetos ou acontecimentos não são bons ou ruins, certos ou errados,
feios ou bonitos. Somos nós, com as nossas perspectivas particulares, que
damos cor às coisas e aos indivíduos, ou que a subtraímos. Nós nos
concentramos na bela arquitetura gótica ou nos turistas irritantes. Nós, com
a nossa atitude mental, podemos levar os outros a nos responderem de
maneira amigável ou hostil, dependendo da nossa ansiedade ou franqueza.
Moldamos muito da realidade que percebemos, a partir dos nossos ânimos e
emoções.
Entenda: cada um de nós vê o mundo por uma lente particular que
colore e molda as nossas percepções. Digamos que essa lente é a nossa
atitude. O grande psicólogo suíço Carl Jung a definiu da seguinte forma:
“Atitude é uma prontidão da psique para agir ou reagir de determinada
maneira […]. Ter uma atitude significa estar pronto para algo definido,
mesmo que esse algo seja inconsciente; pois ter uma atitude é sinônimo de
uma orientação a priori para algo definido”. Isso significa o seguinte: no
curso de um dia, a nossa mente responde a milhares de estímulos no nosso
ambiente. Dependendo da programação do nosso cérebro e da nossa
estrutura psicológica, certos estímulos – nuvens no céu, multidões de
pessoas – levam a descargas e respostas mais fortes. Quanto mais forte a
resposta, mais prestamos atenção. Alguns de nós são mais sensíveis a
estímulos que outros ignorariam em grande parte. Se temos consciência de
sermos propensos a sentimentos de tristeza, seja qual for o motivo, é mais
provável que captemos os sinais que promovem esse sentimento. Se temos
uma natureza desconfiada, somos mais sensíveis a expressões faciais que
emitem qualquer tipo de negatividade possível e exageramos o que
percebemos. Essa é a “prontidão da psique para […] reagir de determinada
maneira”. Nunca temos consciência desse processo. Apenas sofremos os
efeitos posteriores dessas sensibilidades e descargas dos neurônios; elas se
acrescentam ao nosso ânimo geral e histórico emocional que talvez
chamemos de depressão, hostilidade, insegurança, entusiasmo ou ousadia.
Experimentamos muitos ânimos diferentes, mas, no geral, nos sentimos
capazes de dizer que temos uma forma particular de ver e interpretar o
mundo, dominada por uma ou várias emoções, como a hostilidade e o
ressentimento. Essa é a nossa atitude. Aqueles que, na maior parte do
tempo, têm uma atitude depressiva conseguem sentir momentos de alegria,
mas estão mais predispostos a sentirem tristeza; eles esperam senti-la nos
encontros cotidianos.
Jung ilustra essa ideia da seguinte forma: imagine que, numa
caminhada, as pessoas encontrem um riacho que precisa ser atravessado a
fim de prosseguirem com o trajeto. Alguém, sem pensar muito, atravessa
aos saltos, pisando numa pedra ou duas, sem se preocupar nem um pouco
com a possibilidade de cair. Adora o puro prazer físico de saltar e não se
importa se cair. Outra pessoa também se entusiasma, mas isso tem menos a
ver com a euforia física do que com o desafio mental que o riacho
representa. Ela calcula de forma rápida o modo mais eficiente de atravessar
e se sentirá satisfeita ao descobrir. Um terceiro indivíduo, de natureza
cautelosa, leva mais tempo para considerar a questão. Não sente nenhum
prazer na travessia; irrita-se com a presença do obstáculo, mas quer
continuar a caminhada e dá o melhor de si para atravessar de maneira
segura. Uma quarta pessoa simplesmente volta para casa. Não vê nenhuma
necessidade de atravessar, e racionaliza os próprios medos dizendo que a
caminhada já foi longa o suficiente.
Ninguém vê ou escuta apenas a água correndo por sobre as rochas. A
nossa mente não percebe só o que existe. Cada um vê e responde ao mesmo
riacho de uma forma diferente segundo a sua atitude específica – ousada,
temerosa etc.
A atitude que levamos conosco por toda a vida tem várias raízes: em
primeiro lugar, viemos ao mundo com determinadas inclinações genéticas –
à hostilidade, à cobiça, à empatia ou à bondade. Notamos essas diferenças,
por exemplo, no caso de Tchekhov e seus irmãos, todos os quais tinham que
responder às mesmas punições físicas aplicadas pelo pai. Numa idade bem
precoce, Anton revelou uma atitude mais irônica, predisposta a rir do
mundo e vê-lo com algum distanciamento. Isso tornou mais fácil para ele
reavaliar Pavel depois que se viu sozinho. Os irmãos careciam dessa
habilidade de se distanciarem e foram enredados mais facilmente na
brutalidade do pai. Isso talvez indique algo de diferente na maneira como o
cérebro de Anton estava programado. Algumas crianças são mais
gananciosas do que outras – demonstram desde cedo uma necessidade
maior de obter atenção e tendem a ver sempre o que está faltando, o que não
conseguem obter dos outros.
Em segundo lugar, as nossas primeiras experiências e sistemas de apego
(veja o Capítulo 4) desempenham um grande papel na moldagem dessa
atitude. Nós internalizamos as vozes das figuras materna e paterna. Caso
sejam muito autoritárias e críticas, tenderemos a ser mais severos com nós
mesmos do que com os outros, e teremos uma disposição crítica em relação
a tudo que vemos. De igual importância são as experiências que temos fora
da família, ao crescermos. Quando amamos ou admiramos alguém,
tendemos a internalizar uma parte da sua presença, e moldamos a forma
como vemos o mundo de um jeito positivo. Isso ocorre com professores,
mentores ou colegas. As experiências negativas ou traumáticas têm um
efeito constritivo – fecham a nossa mente para tudo que possa nos levar a
reviver a dor original. A nossa atitude é moldada de modo constante pelo
que nos acontece, mas vestígios da nossa atitude inicial sempre
permanecem. Não importa o quanto tenha progredido, Tchekhov continuava
suscetível aos sentimentos de depressão e autodepreciação.
O que precisamos entender sobre a atitude não é apenas como esta
colore as nossas percepções, mas também como determina de forma ativa o
que acontece na nossa vida – a nossa saúde, os nossos relacionamentos com
as pessoas e o nosso sucesso. A nossa atitude tem uma dinâmica
autorrealizável.
Considere mais uma vez a hipótese do jovem em Paris. Sentindo-se um
pouco tenso e inseguro, ele reage de forma defensiva aos erros que comete
ao aprender o idioma. Isso lhe dificulta o aprendizado, o que, por sua vez,
torna mais difícil para ele conhecer pessoas, o que o faz se sentir mais
isolado. Quanto mais a sua energia baixa com a depressão, mais esse ciclo
se perpetua. As inseguranças também podem afastar os outros. A maneira
como pensamos sobre os indivíduos tende a ter um efeito similar sobre eles.
Se nos sentimos hostis e críticos, nos inclinamos a inspirar emoções críticas
nas pessoas. A atitude do jovem o predispõe a trancá-lo nessa dinâmica
negativa.
A atitude da moça, por outro lado, incita uma dinâmica positiva. Ela é
capaz de aprender o idioma e conhecer pessoas, e tudo isso lhe eleva os
ânimos e níveis de energia, o que a torna mais atraente e interessante para
os outros, e assim por diante.
Embora as atitudes existam em muitas variedades e combinações, em
geral é possível categorizá-las como negativas e estreitas ou positivas e
expansivas. Aqueles com uma atitude negativa tendem a operar a partir de
uma posição básica de medo em relação à vida; querem, de forma
inconsciente, limitar o que veem e vivenciam para ter mais controle. Os de
atitude positiva têm uma abordagem bem menos temerosa, mostrando-se
abertos a novas experiências, ideias e emoções. Se a atitude é como a nossa
lente para ver o mundo, a atitude negativa vai estreitar a abertura dessa
lente, e a variedade positiva a expande o máximo possível. Podemos oscilar
entre esses dois polos, mas, em geral, tendemos a ver o mundo por uma
lente mais fechada ou mais aberta.
A sua tarefa como estudante da natureza humana é dupla: em primeiro
lugar, tome ciência da sua própria atitude e de como ela distorce as suas
percepções. É difícil observar isso no dia a dia porque é algo muito próximo
de você, mas há maneiras de vislumbrá-la em ação. Você conseguirá ver
isso no modo como julga as pessoas quando estas não estiverem na sua
presença. Você se apressa para se concentrar nas qualidades negativas e
opiniões ruins, ou é mais generoso e clemente no que diz a respeito aos
defeitos delas? Verá sinais definitivos da sua atitude no modo como encara
adversidades e resistência. Você se esquece rápido ou ignora quaisquer erros
da sua parte? Culpa instintivamente os outros por qualquer coisa ruim que
lhe aconteça? Tem pavor de qualquer tipo de mudança? Tende a manter
rotinas e evitar tudo que seja inesperado ou incomum? Você se irrita quando
alguém desafia as suas ideias e hipóteses?
O leitor também notará sinais disso no modo como os outros respondem
a você, em especial em maneiras não verbais. Você nota que se mostram
nervosos ou com uma posição defensiva na sua presença? Você tende a
atrair indivíduos que desempenham um papel maternal ou paternal na sua
vida?
Uma vez que tenha uma boa noção da formação da sua atitude, da sua
tendência negativa ou positiva, você terá um poder bem maior para alterá-
la, para movê-la numa direção mais positiva.
Em segundo lugar, você precisa não apenas ter ciência do papel da sua
atitude, mas também acreditar no poder supremo deste para alterar as suas
circunstâncias. Você não é um peão num jogo controlado por outros; é um
jogador ativo que move as peças à vontade e até reescreve as regras. Encare
a sua saúde como dependente, em larga medida, da sua atitude. Ao se sentir
entusiasmado e aberto a aventuras, conseguirá explorar reservas de energia
que nem sabia que possuía. A mente e o corpo são uma coisa só, e os seus
pensamentos afetam as suas respostas físicas. O ser humano consegue se
recuperar muito mais rápido de uma doença por meio do puro desejo e força
de vontade. Você não nasceu com uma inteligência fixa e limitações
inerentes. Veja o seu cérebro como um órgão milagroso construído para o
aprendizado e aprimoramento contínuos, inclusive na velhice. As ricas
conexões neurais nele, os seus poderes criativos, são algo que você
desenvolve na mesma medida em que se abrir a novas experiências e ideias.
Encare os problemas e fracassos como meios de aprender e se fortalecer.
Com persistência, será capaz de superar tudo. Encare a maneira pela qual os
outros o tratam como algo que flui, em grande parte, da sua própria atitude,
algo que você é capaz de controlar.
Não tenha medo de exagerar o papel da força de vontade. É um exagero
com um propósito. Levará a uma dinâmica positiva autorrealizável, e é com
isso que você deve se importar. Veja essa moldagem da sua atitude como a
criação mais importante da sua vida, e nunca a deixe ao acaso.
A ATITUDE CONSTRITIVA (NEGATIVA)
A vida é inerentemente caótica e imprevisível. O animal humano,
porém, não reage bem às incertezas. As pessoas que se sentem
especialmente frágeis e vulneráveis tendem a adotar uma atitude em relação
à vida que estreita aquilo que vivenciam de forma a reduzir a possibilidade
de eventos inesperados. Essa atitude negativa constritiva muitas vezes tem
origem na primeira infância. Algumas crianças recebem pouco conforto ou
apoio ao enfrentar um mundo assustador, desenvolvendo diversas
estratégias psicológicas para restringir o que precisam ver e vivenciar.
Constroem defesas complexas para afastar outros pontos de vista e tornamse cada vez mais absorvidas em si mesmas. Na maioria das situações,
passam a esperar que coisas ruins aconteçam, e os seus objetivos na vida
giram em torno de prever e neutralizar as más experiências a fim de
controlá-las melhor. À medida que elas crescem, essa atitude fica mais
arraigada e estreita, tornando qualquer tipo de crescimento psicológico
quase impossível.
Atitudes desse tipo têm uma dinâmica de autossabotagem. Indivíduos
assim fazem que outros sintam a mesma emoção negativa que lhes domina
a atitude, o que os ajuda a confirmar as suas crenças negativas sobre as
pessoas. Não veem o papel que as próprias ações desempenham, ou como,
com frequência, são elas mesmas as instigadoras da resposta negativa.
Veem apenas o que os persegue, ou a má sorte que os oprime. Ao afastarem
os outros, duplicam a dificuldade de ter qualquer sucesso na vida, e a sua
atitude se torna ainda pior no isolamento. Acabam presos num círculo
vicioso.
A seguir estão as cinco formas mais comuns de atitude constritiva. As
emoções negativas têm um poder vinculante – uma pessoa que se zanga tem
maior tendência também a sentir desconfiança, inseguranças profundas,
ressentimentos etc. E, desse modo, muitas vezes encontramos combinações
dessas várias atitudes negativas, cada uma alimentando e acentuando a
outra. O seu objetivo é reconhecer os vários sinais dessas atitudes que
existem em você em forma latente e enfraquecida, e arrancá-las pela raiz;
ver como operam numa versão mais forte em outras pessoas, entendendo
melhor a perspectiva de vida delas, e aprender a lidar com aqueles que têm
essas atitudes.
A atitude hostil. Algumas crianças exibem uma atitude hostil já nos
primeiros anos de vida, interpretando o desmame e a separação natural em
relação aos pais como ações hostis. Outras precisam lidar com um pai que
gosta de puni-las e infligir dor. Em ambos os casos, a criança vê um mundo
que lhes parece carregado de hostilidade, e a resposta dela é buscar
controlá-lo, tornando-se fonte da hostilidade. Pelo menos assim esta não
será tão repentina e aleatória. Ao crescer, torna-se adepta de estimular a
raiva e a frustração nos outros, o que justifica a sua atitude original: “Olha
só, as pessoas estão contra mim, sou desprezada, e sem motivo nenhum”.
Num relacionamento, um marido com uma atitude hostil acusará a esposa
de não o amar de verdade. Se esta protestar e assumir uma atitude
defensiva, ele verá isso como um sinal de que ela precisa tentar se esforçar
mais para distinguir a verdade. Caso se mostre intimidada e se cale, ele vê
isso como sinal de que estava mesmo certo. Confusa, é bem possível que
ela comece a sentir alguma hostilidade, confirmando a opinião dele. As
pessoas com essa atitude têm muitos outros truques sutis na manga para
provocar a hostilidade que, em segredo, desejam sentir direcionada contra
elas – retirando a sua cooperação num projeto no momento mais
inconveniente, chegando tarde o tempo todo, realizando um trabalho
malfeito, dando de propósito uma primeira impressão desfavorável.
Entretanto, nunca enxergam o próprio papel no que instigou a reação.
A hostilidade permeia tudo que fazem – o modo como discutem e
provocam (elas estão sempre certas); o tom maldoso das suas piadas; a
voracidade com que exigem atenção; o prazer que sentem ao criticar os
outros e os ver fracassar. Você as reconhecerá pela maneira como se
enfurecem com facilidade nessas situações. A vida delas, pelo modo como
descrevem, é repleta de batalhas, traições, perseguições, mas não acreditam
que nada disso se origine delas mesmas. Em essência, projetam os próprios
sentimentos hostis nos outros e estão preparadas para vê-los em quase
qualquer ação supostamente inocente. A meta delas é se sentirem
perseguidas e desejar alguma forma de vingança. Esses tipos costumam ter
problemas profissionais, já que a raiva e a hostilidade afloram com
frequência. Isso lhes dá algo do que reclamar e uma base na qual culpar o
mundo por estar contra eles.
Se você notar sinais dessa atitude em si mesmo, essa autoconsciência é
um passo importante para conseguir se livrar dela. Tente um experimento
simples: aborde pessoas que estiver encontrando pela primeira vez, ou que
conhece apenas de vista, com vários pensamentos positivos: Eu gosto delas.
Elas me parecem inteligentes etc. Não verbalize nada disso, mas faça o
máximo para sentir essas emoções. Se responderem com algo hostil ou
defensivo, então talvez o mundo esteja mesmo contra você. O mais
provável é que você não veja nada que, nem de longe, poderia ser
interpretado como negativo. Na verdade, enxergará o oposto. É evidente,
portanto, que a fonte de qualquer resposta hostil é você.
Ao lidar com os extremos desse tipo, esforce-se ao máximo para não
responder com o antagonismo que esperam. Mantenha a neutralidade. Isso
os deixará confusos e interromperá por algum tempo o jogo que estão
jogando. Eles se alimentam da sua hostilidade, por isso não lhes dê nenhum
combustível.
A atitude ansiosa. Esses tipos preveem todos os obstáculos e
dificuldades em qualquer situação que enfrentem. Das pessoas, costumam
esperar alguma espécie de crítica ou até traição. Tudo isso estimula níveis
incomuns de ansiedade anterior ao fato. O que temem, na verdade, é perder
o controle da situação, adotando como solução limitar aonde vão e o que
tentam realizar. Num relacionamento, vão dominar de forma sutil os rituais
e hábitos domésticos; parecerão sensíveis e exigirão atenção mais
cuidadosa. Isso dissuadirá as pessoas de criticá-los. Tudo precisa ser nos
termos deles. No trabalho, serão microgerenciadores e perfeccionistas
ferozes, por fim sabotando a si mesmos ao tentar se manter no controle de
elementos demais. Uma vez fora da sua zona de conforto – o lar ou o
relacionamento que dominam –, tornam-se extraordinariamente irritáveis.
Às vezes, conseguem disfarçar a sua necessidade de controle como uma
forma de amor e preocupação. Quando Franklin Roosevelt contraiu
poliomielite em 1921, aos 39 anos, a mãe, Sara, fez todo o possível para lhe
restringir a vida e mantê-lo num dos quartos da casa. Ele teria que desistir
da vida política e se render aos cuidados dela. A esposa de Franklin,
Eleanor, o conhecia melhor. O que ele queria, aquilo de que necessitava, era
retornar aos poucos a algo que se assemelhasse à sua vida antiga. Aquilo se
transformou numa batalha entre mãe e nora, vencida afinal por Eleanor. A
mãe foi capaz de disfarçar a atitude ansiosa e a necessidade de dominar o
filho por meio do amor aparente, transformando-o num inválido impotente.
Outro disfarce, similar a esse tipo de amor, é tentar agradar e lisonjear
as pessoas a fim de desarmar qualquer possível ação imprevisível ou
inamistosa. (Veja o Capítulo 4, “o simpático”, um dos “tipos tóxicos”.)
Se você notar essas tendências em si mesmo, o melhor antídoto é
despejar a energia no trabalho. Concentrar a sua atenção em algo externo,
num projeto de algum tipo, terá um efeito calmante. Ao refrear as suas
tendências perfeccionistas, você conseguirá canalizar a necessidade de
controle em algo produtivo. Em relação às pessoas, tente se abrir
lentamente aos hábitos e ritmos de produção delas, em vez dos seus. Isso
lhes mostrará que não tem nada a temer ao afrouxar o controle. Coloque-se
de forma deliberada em circunstâncias que o apavoram, descobrindo que os
seus medos são bem exagerados. Você estará aos poucos introduzindo certo
caos na sua vida excessivamente organizada.
Ao lidar com indivíduos com essa atitude, tente não se deixar contagiar
pela ansiedade deles; em vez disso, tente suprir a influência tranquilizadora
que lhes faltou na primeira infância. Se projetar calma, o seu modo de agir
terá um efeito maior do que as suas palavras.
A atitude evitativa. As pessoas com essa atitude veem o mundo pela
lente das próprias inseguranças, em geral em relação a dúvidas sobre a sua
competência e inteligência. Talvez, quando crianças, alguém lhes tenha
feito sentir culpadas e desconfortáveis em relação a quaisquer esforços para
se sobressair e se destacar entre os irmãos; ou fez que se sentissem mal
sobre qualquer tipo de erro ou comportamento possível. O que passaram a
temer mais era o julgamento dos pais. Ao crescer, o objetivo principal na
vida delas se torna evitar qualquer responsabilidade ou desafio em que a sua
autoestima poderia entrar em risco e pelo qual poderiam ser julgadas. Se
não se esforçarem demais, não conseguirão fracassar nem serão criticadas.
Para executar essa estratégia, elas procurarão constantemente por rotas
de fuga, de maneira consciente ou não. Encontrarão o motivo perfeito para
abandonar um emprego logo e mudar de carreira, ou romper um
relacionamento. Em meio a algum projeto de alto risco, serão acometidas de
uma doença repentina que as obrigará a se retirarem. São propensas a toda
espécie de doenças psicossomáticas. Ou se tornam alcoólatras, viciadas em
algum tipo de droga, sofrendo recaídas sempre no momento mais
conveniente, mas colocando a culpa na “doença” ou no modo deficiente
como foram criadas, que seria o que as levou ao vício. Se não fosse pela
bebida, poderiam ter sido grandes autores ou empresários, dizem esses
tipos. Outras estratégias incluem perder tempo e começar algo tarde demais,
sempre com alguma desculpa pronta para isso ter acontecido. Assim não
podem ser culpadas pelos resultados medíocres.
Têm dificuldade para se comprometer com qualquer coisa, por um bom
motivo. Se permanecerem num emprego ou num relacionamento, os seus
defeitos se tornam aparentes demais aos outros. É melhor escapar no
momento certo e manter a ilusão – para si mesmas e para os outros – da sua
possível grandeza, se ao menos… Embora sejam motivadas pelo grande
temor de fracassar e pelas críticas que se seguiriam, também têm um medo
secreto do sucesso – pois com o sucesso vêm as responsabilidades e a
necessidade de se manter à altura dele. O sucesso poderia também lhes
despertar os temores a respeito de se destacar e se sobressair.
É fácil reconhecer esses indivíduos por suas carreiras irregulares e
relacionamentos pessoais de curta duração. Talvez tentem disfarçar a fonte
dos problemas aparentando virtuosidade – desdenham o sucesso e as
pessoas que precisam provar a si mesmas. Muitas vezes se apresentarão
como nobres idealistas, propagando ideias que nunca se efetivarão, mas que
acrescentarão a aura virtuosa que desejam projetar. Ter que concretizar os
ideais os exporia às críticas e ao fracasso, por isso optam por aqueles que
são elevados e irrealistas demais para a época em que vivem. Não seja
enganado pela fachada moralista que apresentam. Observe-lhes as ações, a
falta de realizações, os grandes projetos que nunca começam, sempre com
uma boa desculpa.
Se você notar traços dessa atitude em si mesmo, uma boa estratégia é
assumir um projeto de dimensões minúsculas, levando-o até o fim e
aceitando o prospecto de fracasso. Se fracassar, já terá suavizado o golpe
porque previu que aconteceria, e a experiência não vai doer tanto quanto
tinha imaginado. A sua autoestima aumentará porque você finalmente
tentou algo e levou o projeto até a sua conclusão. Uma vez que tenha
reduzido esse medo, progredir será fácil. Você vai querer tentar de novo (e,
se for bem-sucedido, melhor ainda). De um jeito ou de outro, você vence.
Quando encontrar outros com essa atitude, tenha muito cuidado ao
formar parcerias com eles. São peritos em desaparecer no momento mais
errado, em deixar que você faça todo o trabalho árduo e leve a culpa se este
fracassar. A todo custo, evite a tentação de ajudá-los ou resgatá-los da
própria negatividade. São bons demais no jogo da evasão.
A atitude depressiva. Quando pequenos, esses tipos não se sentiam
amados ou respeitados pelos pais. Para crianças indefesas, é difícil imaginar
que os genitores estejam errados ou sejam inadequados na maneira como as
criam; mesmo que não sejam amadas, ainda são dependentes deles. Assim,
a defesa que encontram é, com frequência, internalizar o julgamento
negativo e imaginar que, de fato, não são dignas de amor, que há algo de
errado com elas. Dessa forma, conseguem manter a ilusão de que os pais
são fortes e competentes. Tudo isso ocorre de maneira bem inconsciente,
mas o sentimento de ser insignificante as assombrará pela vida inteira. Bem
no fundo, sentirão vergonha de quem são e não saberão bem por que se
sentem assim.
Ao se tornarem adultas, pressentirão o abandono, as perdas e a tristeza
nas suas experiências, e verão sinais de elementos potencialmente
depressivos ao redor. Na realidade, se sentem atraídas pelo que há de mais
melancólico, pelo lado sombrio da vida. Se conseguirem fabricar parte da
depressão que sentem dessa forma, esta pelo menos lhes estará sob controle.
Sentem-se consoladas pelo pensamento de que o mundo é um lugar
desolador. Uma estratégia que empregam é se retirarem temporariamente da
vida e das pessoas. Isso lhes alimentará a depressão e a transformará em
algo que conseguem administrar até certo ponto, ao contrário de
experiências traumáticas impostas a elas.
Um exemplo excelente desse tipo foi o talentoso compositor e regente
alemão Hans von Bülow (1830-1894), que, em 1855, se apaixonou por
Cosima Liszt (1837-1930), a filha carismática do compositor Franz Liszt.
Ela se sentiu atraída pelo ar de tristeza de Von Bülow, nutrindo por ele
grande simpatia. O rapaz morava com a mãe hostil e dominadora, e Cosima
queria resgatá-lo e transformá-lo num grande compositor. Casaram-se logo.
Com o passar do tempo, a moça percebeu que o marido se sentia bem
inferior em relação à inteligência e à força de vontade dela, e logo passou a
questioná-la sobre seu amor por ele. Com frequência se afastava dela
durante os períodos de depressão. Quando a esposa engravidou, ele foi
acometido de uma doença misteriosa e repentina que o impedia de estar
com Cosima. De súbito, tornava-se bem insensível.
Sentindo-se desprezada e negligenciada, Cosima iniciou um caso
amoroso com o famoso compositor Richard Wagner, que era amigo e colega
de Von Bülow. Ela teve a sensação de que o marido havia, de maneira
inconsciente, encorajado o romance. Quando o deixou para viver com
Wagner, Von Bülow a bombardeou com cartas, culpando-se pelo que
aconteceu; ele não era digno do amor dela. Prosseguia falando sobre como a
carreira sofrera uma guinada para pior, sobre as suas diversas doenças e
tendências suicidas. Embora criticasse a si mesmo, ela não conseguia deixar
de se sentir culpada e deprimida por ter sido em parte responsável. Contarlhe todas as suas angústias parecia ser o modo sutil que o ex-marido
encontrou para magoá-la. “Uma espada se retorcendo no meu coração”,
assim ela se referia a cada carta. E as mensagens continuavam a chegar, ano
após ano, até que ele se casou de novo e repetiu o mesmo padrão com a
nova esposa.
Indivíduos desse tipo muitas vezes têm uma necessidade secreta de ferir
os outros, encorajando comportamentos como a traição ou críticas que lhes
alimentem a depressão. Também sabotarão a si mesmos se obtiverem
qualquer tipo de sucesso, sentindo lá no fundo que não o merecem.
Desenvolverão obstáculos no trabalho, ou interpretarão as críticas como um
sinal de que não devem prosseguir naquela carreira. Os tipos depressivos
muitas vezes atraem pessoas para si, por causa da sua natureza sensível;
estimulam nelas o desejo de ajudá-los. No entanto, como Von Bülow,
começarão a criticar e magoar aqueles que lhes querem bem, e se afastarão
de novo. Esse vaivém causa confusão, mas, uma vez que se tenha caído no
encanto deles, é difícil se desconectar sem sentir culpa. Esses tipos têm o
dom de fazer os outros se deprimirem na presença deles. Isso lhes dá o
combustível do qual se alimentar.
A maioria de nós tem tendências e momentos depressivos. A melhor
maneira de lidar com eles é ter consciência de que são necessários – são a
forma de nosso corpo e mente nos compelir a desacelerar, baixar a nossa
energia e nos retirar. Os ciclos depressivos podem servir a propósitos
positivos. A solução é compreender a sua utilidade e qualidade temporária.
A depressão que sente hoje não permanecerá com você na semana que vem,
e você é capaz de esperar que ela passe. Se possível, encontre maneiras de
elevar o seu nível de energia, que ajudarão a erguê-lo fisicamente do seu
estado de espírito. A melhor forma de lidar com a depressão recorrente é
canalizar a sua energia no trabalho, em especial nas artes. Você está
acostumado a se retirar e se isolar; empregue esse tempo para acessar o seu
inconsciente. Exteriorize a sua sensibilidade incomum e os seus sentimentos
sombrios no próprio trabalho.
Nunca tente animar pessoas depressivas pregando-lhes sobre as
maravilhas da vida. Em vez disso, é melhor concordar com as suas opiniões
melancólicas a respeito do mundo e, ao mesmo tempo, atraí-las de forma
sutil a experiências que lhes elevem os ânimos e a energia sem nenhum
apelo direto.
A atitude ressentida. Quando crianças, esses tipos nunca sentiram que
recebiam amor e afeto suficientes dos pais – sempre queriam mais atenção.
Eles carregam consigo esse senso de insatisfação e desapontamento por
toda a vida. Jamais conseguem todo o reconhecimento que merecem. São
especialistas em examinar o rosto das pessoas em busca de sinais de
possível desrespeito ou desdém. Veem tudo em relação a si mesmos; se
alguém tem mais do que eles, é um sinal de injustiça, uma afronta pessoal.
Quando sentem essa falta de respeito e reconhecimento, não explodem
enfurecidos. Em geral, são cautelosos e gostam de controlar as próprias
emoções. Em vez disso, a mágoa cresce dentro deles, o senso de injustiça
tornando-se mais forte quanto mais refletem sobre isso. Não esquecem com
facilidade. Em algum ponto, eles se vingarão, planejando um ato perverso
de sabotagem ou por meio de uma atitude passivo-agressiva.
Por viverem com a sensação constante de terem sido injustiçados,
tendem a projetar isso no mundo, vendo opressores por todos os lados.
Dessa maneira, muitas vezes se tornam o líder dos que se sentem
insatisfeitos e oprimidos. Caso obtenham o poder, talvez sejam bem cruéis e
vingativos, ao terem afinal a capacidade de descarregar os seus
ressentimentos em várias vítimas. Em geral, demonstram um ar de
arrogância; estão acima dos outros mesmo que ninguém reconheça isso.
Andam com a cabeça um pouco elevada demais; com frequência, exibem
um leve sorriso sarcástico ou um olhar de desdém. Ao envelhecerem,
tenderão a provocar batalhas por trivialidades, incapazes de conter por
completo os ressentimentos que acumularam com o tempo. A atitude
amarga afastará muitas pessoas, o que os levará a congregar com outros de
mesma atitude, como uma forma de comunidade.
O imperador romano Tibério (42 a.C.-37 d.C.) talvez seja o exemplo
mais clássico desse tipo, cujo tutor lhe notou algo de errado quando ainda
era menino. “Ele é um jarro moldado com sangue e bile”, o tutor escreveu
certa vez a um amigo. O escritor Suetônio, que conhecia Tibério, o
descreveu da seguinte forma: “Ele anda com a cabeça erguida e orgulhosa
[…]. Estava quase sempre calado, nunca dizendo uma palavra a não ser de
vez em quando […]. E até quando falava, ele o fazia com relutância
extrema, fazendo sempre, ao mesmo tempo, gestos desdenhosos com os
dedos”. O imperador Augusto, padrasto de Tibério, tinha que se desculpar o
tempo todo ao Senado pelas “maneiras desagradáveis, cheias de arrogância”
do enteado. Tibério detestava a mãe – ela nunca o havia amado o bastante.
E jamais se sentiu apreciado por Augusto, ou pelos soldados, ou pelo povo
romano. Quando se tornou imperador, se vingou de maneira lenta e
metódica daqueles que imaginava que o tinham desprezado, e essa vingança
foi por vezes fria e cruel.
Ao envelhecer, tornou-se ainda mais impopular. Tinha uma legião de
inimigos. Sentindo o ódio dos súditos, retirou-se para a ilha de Capri, onde
passou os últimos onze anos do seu reinado, evitando Roma quase por
completo. Sabia-se que ele repetia a outros, nos últimos anos de vida:
“Depois de mim, que o fogo destrua a Terra!”. Quando morreu, Roma
explodiu em celebrações, com as multidões expressando os seus
sentimentos com a famosa frase “Tibério ao [rio] Tibre!”.
Se você perceber tendências ao ressentimento dentro de si, o melhor
antídoto é aprender a esquecer as mágoas e desapontamentos da vida. É
melhor explodir de raiva imediatamente, mesmo que isso seja irracional, do
que sofrer com insultos que provavelmente exagerou ou apenas imaginou.
As pessoas em geral são indiferentes ao seu destino, não tão antagônicas
quanto pensa. Muito poucas das ações delas são de fato direcionadas a você.
Pare de ver tudo em termos pessoais. Respeito é algo que precisa ser
merecido por meio das suas conquistas, não dado apenas pelo fato de você
ser humano. Rompa o ciclo do ressentimento ao se tornar mais generoso em
relação aos outros e à natureza humana.
Ao lidar com esses tipos, você precisa ter cautela suprema. Embora
possam sorrir e parecer agradáveis, estão na verdade analisando-o em busca
de qualquer insulto possível. Você os reconhecerá pelo histórico de batalhas
passadas e rompimentos súbitos com as pessoas, assim como a facilidade
com que julgam os outros. Você talvez tente lhes conquistar aos poucos a
confiança e lhes diminuir as suspeitas; mas esteja ciente de que quanto mais
tempo passar junto deles, mais combustível lhes dará para algo de que virão
a se ressentir, e a resposta deles pode ser bem cruel. É melhor os evitar se
possível.
A ATITUDE EXPANSIVA (POSITIVA)
Cerca de cinquenta anos atrás, muitos especialistas médicos começaram
a pensar na saúde de uma forma nova e revolucionária. Em vez de se
concentrarem em problemas específicos, como a digestão ou doenças de
pele ou na condição do coração, eles decidiram que era melhor analisar o
ser humano como um todo. Se os indivíduos melhorassem a sua dieta e
praticassem mais exercícios, o efeito seria benéfico em todos os órgãos,
pois o corpo é um todo interconectado.
Isso nos parece óbvio agora, mas essa maneira orgânica de pensar tem
grande aplicação na nossa saúde psicológica também. Hoje, mais do que
nunca, as pessoas se concentram nos seus problemas específicos – a
depressão, a falta de motivação, as inadequações sociais, o tédio.
Entretanto, o que governa todos esses problemas aparentemente individuais
é a nossa atitude, a forma como encaramos o mundo todos os dias. É o jeito
como vemos e interpretamos os acontecimentos. Melhore a sua atitude geral
e tudo mais se elevará também – os poderes criativos, a habilidade de lidar
com a tensão, os níveis de autoconfiança, os relacionamentos com os
demais. Essas ideias foram divulgadas pela primeira vez na década de 1890
pelo grande psicólogo norte-americano William James, mas permanecem
como uma revolução esperando para acontecer.
O que uma atitude constritiva e negativa faz é estreitar a riqueza da vida
à custa dos nossos poderes criativos, do nosso senso de plenitude, dos
nossos prazeres sociais e da nossa energia vital. Sem desperdiçar nem mais
um dia sob essas condições, o seu objetivo é escapar, expandir o que você
vê e o que vivencia. Aumente a abertura da lente o máximo que conseguir.
Aqui está o caminho a seguir.
Como encarar o mundo. Veja a si mesmo como um explorador. Com o
dom da consciência, você está diante de um universo vasto e desconhecido
que os seres humanos mal começaram a investigar. A maioria das pessoas
prefere se agarrar a certas ideias e princípios, muitos deles adotados no
início da vida. Elas têm um medo secreto daquilo que é incerto e pouco
familiar; substituem a curiosidade pela convicção. Ao chegarem aos 30
anos, agem como se já soubessem tudo que precisam saber.
Como um explorador, você deixará toda essa certeza para trás. Partirá
numa busca contínua por novas ideias e maneiras de pensar. Não verá
nenhum limite para onde a sua mente pode viajar, e não se preocupará se de
repente parecer inconsistente ou desenvolver pensamentos que contradizem
de forma direta o que acreditava alguns meses antes. As ideias são algo com
que se deve brincar; caso se apegue por muito tempo a elas, tornam-se algo
morto. Retorne ao seu espírito e curiosidade da infância, antes de você ter
um ego e ser mais importante estar certo do que se conectar com o mundo.
Explore todas as formas de conhecimento, de todas as culturas e épocas da
história. Queira ser desafiado.
Ao abrir a mente desse jeito, você libertará poderes criativos não
realizados, e dará a si mesmo um grande prazer mental. Como parte disso,
esteja aberto à exploração de perspectivas que partam do seu próprio
inconsciente, reveladas em seus sonhos, em momentos de fadiga e nos
desejos reprimidos que lhe escaparem em determinados momentos. Ali,
você não tem nada a temer ou reprimir. O inconsciente é apenas mais um
reino para você explorar com liberdade.
Como encarar as adversidades. É inevitável que a nossa vida envolva
obstáculos, frustrações, dores e separações. O modo como lidamos com
esses momentos na nossa primeira infância desempenha um grande papel
no desenvolvimento da nossa atitude geral em relação à vida. Para muitas
pessoas, esses momentos difíceis as inspiram a restringir o que elas veem e
vivenciam. Passam a vida tentando evitar qualquer tipo de adversidade,
mesmo que isso signifique nunca se desafiar de verdade nem obter muito
sucesso profissional. Em vez de aprender a partir das experiências
negativas, elas as querem reprimir. O seu objetivo é se mover na direção
oposta, encarar todos os obstáculos como experiências de aprendizado,
como meios de se fortalecer. Dessa maneira, você acolherá a própria vida.
Em 1928, a atriz Joan Crawford tinha uma carreira de sucesso razoável
em Hollywood, mas começou a se sentir cada vez mais frustrada com os
papéis limitados que recebia. Ela via que outras atrizes menos talentosas a
estavam superando. Talvez o problema fosse não ser assertiva o bastante.
Decidiu que precisava expressar a sua opinião a um dos chefes de produção
mais poderosos do estúdio da MGM, Irving Thalberg. Mal sabia ela,
Thalberg via esse tipo de atitude como insolência e era vingativo por
natureza. Por isso, ele a colocou no elenco de um faroeste, sabendo que isso
era a última coisa que a moça queria e que esse destino era um beco sem
saída para muitas atrizes.
Joan aprendeu a lição e, pretendendo acolher esse destino, decidiu se
apaixonar pelo gênero. Tornou-se especialista em andar a cavalo. Leu
bastante sobre o Velho Oeste e se fascinou com o seu folclore. Se esse era o
caminho necessário para avançar, ela se transformaria na atriz principal de
faroestes. No mínimo, aquilo serviria para expandir as suas habilidades de
atuação. Essa passou a ser a sua atitude por toda a vida em relação ao
trabalho e aos desafios colossais que uma atriz enfrentava em Hollywood,
em que as carreiras em geral costumavam durar pouco. Cada empecilho era
uma oportunidade de crescer e se desenvolver.
Em 1946, Malcolm Little (mais tarde conhecido como Malcolm X),
então com 20 anos, serviu uma sentença de oito a dez anos de cadeia por
roubo. Em geral, a prisão tem o efeito de endurecer o criminoso e lhe
estreitar a visão já estreita do mundo. Em vez disso, Malcolm reavaliou a
própria vida. Começou a passar tempo na biblioteca da prisão e se
apaixonou pelos livros e pelo aprendizado. Na visão dele, aquele ambiente
lhe deu as melhores ferramentas possíveis para se transformar e mudar a sua
atitude em relação à vida. Com tanto tempo nas mãos, estudou e obteve um
diploma. Desenvolveu a disciplina que sempre lhe faltara. Treinou-se para
se tornar um orador talentoso. Acolheu a experiência sem nenhuma
amargura e emergiu mais forte do que nunca. Em liberdade, encarou
qualquer dificuldade, grande ou pequena, como um meio de se testar e se
fortalecer.
Embora a dor e as adversidades estejam normalmente além do seu
controle, você tem o poder de determinar a sua resposta e o destino que vem
a partir dela.
Como ver a si mesmo. À medida que envelhecemos, tendemos a
estabelecer limites ao quão longe conseguimos ir na vida. Com o passar dos
anos, internalizamos as críticas e dúvidas dos outros. Ao aceitar o que
pensamos ser os limites da nossa inteligência e poderes criativos, criamos
uma dinâmica de autorrealização. Aqueles se tornam os nossos limites.
Você não precisa ser tão humilde e modesto neste mundo. Essa humildade
não é uma virtude, mas um valor que as pessoas promovem para mantê-lo
por baixo. Seja o que for que estiver fazendo agora, você é de fato capaz de
muito mais, e, ao pensar assim, criará uma dinâmica bem diferente.
Em tempos antigos, muitos grandes líderes – como Alexandre, o
Grande, e Júlio César – se imaginavam descendentes de deuses e
parcialmente divinos. Essa autocrença se traduzia num nível elevado de
autoconfiança que outras pessoas reconheciam e das quais se alimentavam.
Isso se tornava uma profecia autorrealizada. Você não precisa entreter
pensamentos tão grandiosos assim, mas sentir que está destinado a algo
grande e importante lhe dará um grau de flexibilidade quando os outros se
opuserem ou resistirem a você. Não internalize as dúvidas que surgem
desses momentos. Tenha um espírito audaz e continue a tentar novas
atividades, até mesmo a correr riscos, confiante na sua habilidade de se
recuperar dos fracassos e se sentindo destinado ao sucesso.
Quando Tchekhov teve a epifania sobre a liberdade derradeira que
conseguiria criar para si mesmo, ele passou pelo que o psicólogo norteamericano Abraham Maslow chamou de “experiência de pico”. Há
momentos em que você é elevado acima da rotina diária e percebe que há
algo maior e mais sublime na vida, aquilo que estava lhe faltando. No caso
de Tchekhov, a experiência de pico foi incitada por uma crise, pela solidão,
e isso lhe causou sensação de aceitação completa das pessoas e do mundo
em redor. Esses momentos podem surgir ao se exercitar além dos seus
limites; ou ao superar grandes obstáculos, ao escalar uma montanha, ao
viajar para uma cultura bem diferente, criar os laços profundos que resultam
de qualquer forma de amor. Você deve partir de maneira deliberada em
busca dessas ocasiões e estimulá-las se for capaz. Elas têm o efeito, como
aconteceu com Tchekhov, de alterar a sua atitude para sempre; expandem os
seus pensamentos sobre as suas possibilidades e a própria vida, e essas
lembranças são algo ao qual você sempre retornará para obter a inspiração
suprema.
Em geral, essa maneira de olhar para si mesmo vai contra a atitude
indiferente e irônica que muitos gostam de ter no mundo pós-moderno –
nunca ambiciosa demais, jamais muito positiva sobre as coisas ou a vida;
sempre fingindo uma humildade impassível e bem falsa. Esses tipos veem a
atitude positiva e expansiva como ingênua e otimista em excesso, contudo
sua atitude indiferente é, na verdade, uma máscara astuta para lhes encobrir
os grandes temores – de se embaraçar, fracassar, demonstrar emoções
demais. Assim como com todas as tendências na cultura, a atitude
indiferente acabará desaparecendo, um remanescente do início do século
21. Ao se mover na direção oposta, você será muito mais progressista.
Como encarar a sua energia e saúde. Embora sejamos todos mortais e
sujeitos a doenças além do nosso controle, devemos reconhecer o papel que
a força de vontade desempenha na nossa saúde. Todos nós já sentimos isso
em algum grau. Quando nos apaixonamos ou nos entusiasmamos com o
nosso trabalho, temos de repente mais energia e nos recobramos mais
rápido de qualquer doença. Ao contrário, se estamos deprimidos ou
enfrentando níveis incomuns de tensão, nos tornamos presas de todo tipo de
enfermidades. Em geral, você consegue se esforçar com segurança muito
além daquilo que imagina serem as suas limitações físicas quando se sente
entusiasmado e desafiado por um projeto ou empreitada. As pessoas
envelhecem de modo prematuro ao aceitar os limites físicos do que
conseguem realizar, num ciclo autorrealizado. Aqueles que envelhecem
bem continuam a se envolver em atividades físicas, apenas moderadamente
ajustadas. Você tem fontes abundantes de energia e saúde para aproveitar.
Como encarar as outras pessoas. Em primeiro lugar, tente se livrar da
tendência natural a tomar o que os outros dizem e fazem como algo
direcionado pessoalmente a você, em especial se o que eles falam ou fazem
é desagradável. Mesmo quando o criticarem ou agirem contra os seus
interesses, na maior parte das vezes isso é resultado de alguma dor profunda
anterior que estão revivendo; você se tornou o alvo conveniente das
frustrações e ressentimentos que eles vêm acumulando por anos. Estão
projetando os próprios sentimentos negativos. Se você conseguir ver os
indivíduos dessa forma, terá mais facilidade para não reagir ou se aborrecer,
ou se enredar em alguma batalha mesquinha. Se o outro é mesmo malicioso,
ao não ficar abalado, você se colocará numa posição melhor para planejar a
reação apropriada e se poupará do acúmulo de mágoas e amarguras.
Encare os seres humanos como fatos da natureza. As pessoas existem
em todas as variedades, como flores e rochas. Há tolos, santos, sociopatas,
egomaníacos e nobres guerreiros; há os sensíveis e os insensíveis. Todos
desempenham um papel na nossa ecologia social. Isso não significa que não
devemos lutar para mudar o comportamento daninho daqueles que nos são
próximos ou que estão na nossa esfera de influência; mas não temos como
reverter a engenharia da natureza humana. E, mesmo que conseguíssemos
de algum modo fazer isso, o resultado seria muito pior do que o que temos.
Aceite a diversidade e o fato de que os indivíduos são o que são. O fato de
eles serem diferentes de você não deveria ser um desafio ao seu ego ou à
sua autoestima, mas algo a aceitar e acolher.
Dessa posição mais neutra, entenda as pessoas com quem lida num nível
mais profundo, como Tchekhov fez com o pai. Quanto mais fizer isso, mais
tolerante você tenderá a se tornar em relação aos outros e à natureza
humana em geral. O seu espírito aberto e generoso deixará as suas
interações sociais muito mais tranquilas, e os indivíduos se sentirão atraídos
por você.
Por fim, pense no conceito moderno de atitude em termos do conceito
antigo de alma, encontrado em quase todas as culturas indígenas e
civilizações pré-modernas. Originalmente, ele se referia a forças espirituais
externas que permeiam o universo e que estão contidas no ser humano
individual na forma da alma. A alma não é a mente ou o corpo, mas o
espírito geral que encarnamos, a nossa maneira de vivenciar o mundo. É o
que torna uma pessoa um indivíduo, e o seu conceito estava relacionado às
primeiras ideias de personalidade, sob o qual a alma de alguém poderia ter
profundidades. Alguns possuíam um grau maior dessa força espiritual,
tinham mais alma; outros tinham uma personalidade que carecia dessa força
e que era um pouco desalmada.
Isso tem grande relevância em relação à nossa ideia de atitude. Na nossa
concepção moderna da alma, substituímos a força espiritual externa pela
própria vida, ou pelo que descrevemos como força vital. A vida é
inerentemente complexa e imprevisível, com poderes muito além de tudo
que seríamos capazes de compreender ou controlar por completo. Essa
força vital se reflete na natureza e na sociedade humana pela diversidade
impressionante que encontramos em ambos os campos.
Por um lado, há aqueles cujo objetivo na vida é inibir e controlar essa
força vital, levando-os a estratégias autodestrutivas; precisam limitar os
pensamentos e se manter fiéis a ideias que já perderam a relevância. Têm de
limitar o que vivenciam. Tudo se refere a eles e às suas necessidades
mesquinhas e problemas pessoais. Muitas vezes se tornam obcecados com
uma meta específica que lhes domina todos os pensamentos – como obter
dinheiro ou atenção. Tudo isso os deixa mortos por dentro à medida que se
fecham à riqueza da vida e à variedade da experiência humana. Por esse
caminho, dirigem-se para o aspecto desalmado, uma carência interna de
profundidade e flexibilidade.
A sua meta deve ser se mover sempre na direção oposta. Descubra a
curiosidade que tinha na infância. Tudo e todos serão uma fonte de
fascinação para você. Mantenha-se aprendendo, expandindo de forma
contínua o que você sabe e vivencia. Sinta-se generoso e tolerante em
relação às pessoas, mesmo aos seus inimigos e àqueles que estão
aprisionados na condição desalmada. Não se escravize à amargura ou
rancor. Em vez de culpar os outros ou as circunstâncias, veja o papel que a
sua própria atitude e suas ações desempenharam em qualquer fracasso.
Adapte-se às circunstâncias ao contrário de se queixar sobre elas. Aceite e
acolha a incerteza e o inesperado como qualidades valiosas. Dessa maneira,
a sua alma se expandirá para os contornos da própria vida e se preencherá
com essa força vital.
Aprenda a avaliar aqueles com quem lida pela profundidade da alma
deles, e, se possível, associe-se o mais que conseguir aos da variedade
expansiva.
É por isso que as mesmas circunstâncias ou acontecimentos externos não afetam duas
pessoas do mesmo jeito; mesmo em ambientes perfeitamente semelhantes, cada um
vive num mundo próprio […]. O mundo em que um homem vive se molda muito pela
maneira como ele o observa, e assim se mostra diferente para homens diferentes; para
um é árido, tedioso e superficial; para outro é rico, interessante e cheio de significado.
Ao ouvir sobre eventos interessantes que ocorreram no decorrer da experiência de um
homem, muitas pessoas desejarão que algo semelhante lhes aconteça na vida também,
esquecendo por completo que deveriam invejar, na verdade, a aptidão mental que
emprestou a esses eventos a significância que possuem quando os descreve.
— Arthur Schopenhauer
9
Confronte o seu lado sombrio
A Lei da Repressão
Os indivíduos raramente são o que aparentam ser. É inevitável que, por
baixo do exterior educado e afável, exista um lado nebuloso e sombrio
formado por inseguranças e pelos impulsos agressivos e egoístas que eles
reprimem e ocultam, com cuidado, da percepção pública. Esse lado
sombrio se revela em comportamentos que podem espantá-lo e prejudicálo. Aprenda a reconhecer os sinais da Sombra antes que se tornem tóxicos.
Veja os traços evidentes das pessoas – tenacidade, virtude etc. – como
disfarces da qualidade contrária. Você deve tomar consciência do seu
próprio lado sombrio. Ao ter ciência dele, conseguirá controlar e canalizar
as energias criativas que se escondem no seu inconsciente. Ao integrar o
lado sombrio à sua personalidade, você será um ser humano mais completo
e irradiará uma autenticidade que atrairá os outros a você.
O LADO SOMBRIO
Em 5 de novembro de 1968, o republicano Richard Nixon conseguiu o
que foi talvez a maior reviravolta da história da política norte-americana,
derrotando por poucos votos o rival democrata, Hubert Humphrey, para se
tornar o 37° presidente dos Estados Unidos. Apenas oito anos antes, de
forma devastadora, ele havia sido derrotado na sua primeira campanha à
presidência por John F. Kennedy. A eleição foi extremamente apertada, mas
estava claro que algumas manobras eleitorais em Illinois, orquestradas pela
maquinaria do Partido Democrata em Chicago, desempenharam um papel
naquele fiasco. Dois anos mais tarde, ele perdeu feio na campanha para
governador da Califórnia. Amargurado pela maneira como a imprensa o
havia acossado e provocado durante toda a campanha, dirigiu-se à mídia no
dia seguinte à derrota e concluiu dizendo: “Pensem só em tudo que estarão
perdendo. Vocês não terão Nixon mais para abusar, pois esta, cavalheiros, é
a minha última entrevista coletiva”. A resposta a essas palavras foi
esmagadoramente negativa. Foi acusado de chafurdar na autopiedade. A
emissora ABC News apresentou um especial de meia hora chamado “O
obituário político de Richard Nixon”. Um artigo da revista Time sobre ele
concluía: “A não ser por um milagre, Richard Nixon não tem nenhuma
chance de ser eleito para qualquer cargo político de novo”. Sob todos os
aspectos, a carreira política dele deveria ter terminado em 1962. Entretanto,
sua vida fora uma série interminável de crises e obstáculos que só o haviam
tornado mais determinado. Quando jovem, o seu sonho tinha sido
frequentar uma escola da Ivy League[1], o caminho para obter o poder nos
Estados Unidos. Richard era ambicioso ao extremo. A família, porém, era
relativamente pobre e não poderia pagar por esse nível de educação. Ele
superou essa barreira aparentemente intransponível ao se transformar num
estudante fenomenal, ganhando o apelido “Iron Butt” (“CDF”) por seus
hábitos de trabalho inumanos, e conquistou uma bolsa de estudos para a
Escola de Direito da Universidade Duke, uma das melhores do país. Para
manter a bolsa, precisava se conservar no topo da classe, o que conseguiu
fazer ao trabalhar com um nível de esforço que poucos seriam capazes de
aguentar.
Após vários anos no Senado norte-americano, Nixon foi escolhido por
Dwight D. Eisenhower, em 1952, para concorrer como vice-presidente na
campanha pelo Partido Republicano, mas logo este se arrependeu. Nixon
mantivera em segredo do Partido Republicano um fundo que supostamente
utilizava para propósitos pessoais. Na verdade, era inocente das acusações,
mas Eisenhower não se sentia confortável com o colega, e essa foi a
desculpa para se livrar dele. Era quase certo que cortar relações com Nixon
dessa maneira lhe arruinaria a carreira política. Mais uma vez, Nixon
enfrentou o desafio, aparecendo na televisão ao vivo e fazendo o discurso
da sua vida, defendendo-se contra as incriminações. Foi tão efetivo que o
público exigiu que Eisenhower o mantivesse na cédula. Acabou servindo
como vice-presidente por oito anos.
As derrotas esmagadoras de 1960 e 1962, então, novamente seriam o
meio de fortalecê-lo e ressuscitar-lhe a carreira. Ele era como um gato com
sete vidas; nada seria capaz de matá-lo. Por alguns anos se manteve
discreto, depois voltou ao ataque na eleição de 1968. Agora era o “novo
Nixon”, mais relaxado e afável, um homem que gostava de boliche e de
piadas bobas. E, tendo aprendido todas as lições a partir das suas várias
derrotas, realizou uma das campanhas mais elegantes e inteligentes da
história moderna, fazendo todos os inimigos e céticos engolirem as próprias
palavras quando derrotou Humphrey.
Ao se tornar presidente, pareceu ter atingido o ápice do poder.
Entretanto, na mente dele, ainda havia muitos desafios a serem superados,
talvez os maiores de todos. Seus inimigos liberais o viam como um animal
político, que recorreria a qualquer tipo de trapaça a fim de vencer uma
eleição. Para as elites da costa leste, que o detestavam, ele era o caipira de
Whittier, na Califórnia, e a sua ambição dava demais na vista. Nixon estava
determinado a provar que estavam errados. Não era o que pensavam que
fosse. Era, no fundo, um idealista, não um político implacável. A mãe que
adorava, Hannah, era uma quaker devota que lhe havia incutido a
importância de tratar a todos de forma igual e promover a paz no mundo.
Nixon queria criar um legado como um dos maiores presidentes da história.
Pelo bem da mãe, que morreu alguns meses antes, naquele ano, encarnaria
os ideais dos quakers e mostraria aos seus detratores o quanto tinham se
enganado sobre ele.
Os ídolos políticos de Nixon eram homens como o presidente francês
Charles de Gaulle, com quem se encontrara e a quem admirava muito. De
Gaulle criara uma identidade que irradiava autoridade e amor pelo próprio
país. Nixon faria o mesmo. Nos seus diários, passou a referir a si próprio
como “RN” – a versão de si como um líder mundial. RN seria forte,
resoluto, compassivo, mas bem masculino. Os Estados Unidos que ele
lideraria estavam rachados por protestos antiguerras, rebeliões nas cidades,
uma taxa crescente de criminalidade. Ele daria fim à guerra e trabalharia
para obter a paz mundial; em casa, traria prosperidade a todos os norteamericanos, defenderia a lei e a ordem, e incutiria um senso de decência
que o país havia perdido. Conseguindo isso, tomaria o seu lugar entre os
presidentes que reverenciava – Abraham Lincoln e Woodrow Wilson –,
tudo isso por meio da sua força de vontade, como sempre fizera.
Nos primeiros meses, Nixon se moveu rápido. Reuniu um gabinete de
primeira linha, que incluía o brilhante Henry Kissinger como conselheiro de
segurança nacional. Para a sua equipe pessoal, preferiu jovens bem
apessoados que lhe seriam fiéis ao extremo e que serviriam como
ferramentas para concretizar as suas grandes ambições para os Estados
Unidos. Esse grupo incluía Bob Haldeman, chefe da Casa Civil; John
Ehrlichman, responsável pela política interna; John Dean, consultor da Casa
Branca, e Charles Colson, um dos assessores da Casa Branca.
Nixon não queria intelectuais em torno dele; queria intermediários.
Contudo, não era ingênuo. Entendia que, na política, a lealdade era efêmera.
Assim, logo no início da sua administração, instalou em toda a Casa Branca
um sistema secreto de gravação ativada por voz do qual apenas algumas
pessoas selecionadas sabiam. Dessa forma, era capaz de vigiar a equipe e
descobrir antecipadamente quaisquer traidores ou informantes que pudesse
haver entre eles. As gravações lhe forneciam provas que mais tarde poderia
usar se alguém tentasse deturpar qualquer conversa com ele. E o melhor de
tudo era que, uma vez que a sua presidência houvesse terminado, as fitas
editadas poderiam ser utilizadas para demonstrar a sua grandeza como líder,
a maneira clara e racional com que havia tomado as suas decisões. As
gravações assegurariam o seu legado.
Os primeiros anos se passaram, e Nixon trabalhou arduamente para
executar o seu plano. Era um presidente ativo. Assinou projetos de lei para
proteger o meio ambiente, a saúde dos operários e os direitos dos
consumidores. Na frente internacional, lutou para desacelerar a guerra no
Vietnã, com sucesso limitado. No entanto, logo estabeleceu a base para a
sua primeira visita à União Soviética e para a sua celebrada viagem à China,
e sancionou um acordo com os soviéticos para limitar a proliferação de
armas nucleares. Isso era só o início do que ele realizaria.
Entretanto, apesar da tranquilidade relativa desses primeiros anos, algo
de estranho começou a se agitar dentro Richard Nixon. Não conseguia se
livrar dos sentimentos de ansiedade, algo a que havia sido propenso a vida
toda, e que começou a despontar nas reuniões com a sua equipe pessoal (às
portas fechadas, tarde da noite) enquanto saboreavam algumas bebidas.
Nixon compartilhava com eles histórias sobre o seu passado pitoresco e, no
processo, relembrava alguma velha mágoa política; a amargura, então,
emergia.
Nixon era obcecado pelo caso de Alger Hiss, membro importante da
equipe do Departamento de Estado que, em 1948, foi acusado de ser um
espião comunista. Bem-vestido e elegante, era o queridinho dos liberais.
Sendo na época um congressista júnior pelo Estado da Califórnia, Nixon
suspeitou que Hiss fosse um impostor. Enquanto outros congressistas
decidiram deixá-lo em paz, Nixon, representando o Comitê de Atividades
Antiamericanas, continuou a investigar. Numa entrevista com ele, quando o
lembrou da lei contra o perjúrio, Hiss respondeu: “Estou familiarizado com
a lei. Frequentei a Escola de Direito de Harvard. Creio que a sua foi
Whittier?” (uma referência à faculdade inferior que Nixon havia
frequentado na graduação).
Implacável na sua perseguição, Nixon conseguiu que ele fosse indiciado
por perjúrio, e Hiss foi para a cadeia. A vitória o tornou famoso, mas, como
explicou aos membros da sua equipe, lhe valeu a fúria eterna das elites da
costa leste, que o viam como o arrivista bajulador de Whittier. Na década de
1950, essas elites, muitas delas formadas em Harvard, mantiveram Nixon e
a esposa Pat discretamente fora dos seus círculos sociais, limitando dele os
contatos políticos. Os aliados que essas elites mantinham na imprensa o
ridicularizavam sem piedade, por qualquer declaração incorreta ou possível
ofensa. Claro, Nixon não era nenhum anjo. Gostava de vencer, mas a
hipocrisia daqueles liberais o irritava – Bobby Kennedy era o rei dos
truques sujos na política, mas qual repórter publicava isso?
Divagando cada vez mais fundo por essas histórias, noite após noite
com os membros da equipe, Nixon os lembrava de que esse passado ainda
estava bem vivo. Os velhos inimigos ainda se voltavam contra ele. Daniel
Schorr, correspondente da emissora CBS, parecia odiá-lo com uma
intensidade incomum. Os seus relatos do Vietnã sempre conseguiam
focalizar os piores aspectos da guerra e causar uma má impressão de si.
Havia Katharine Graham, proprietária do Washington Post, um jornal que
parecia ter uma hostilidade pessoal contra ele, que datava de muitos anos.
Ela era a decana da sociedade de Georgetown – bairro histórico de
Washington –, que desdenhara de Nixon e Pat por anos. O pior de todos era
Larry O’Brien, agora presidente do Partido Democrata, que, como um dos
conselheiros principiais da administração de Kennedy, conseguira que o
serviço da receita federal fizesse a auditoria dos bens de Nixon. Na opinião
deste, O’Brien era o gênio maligno da política, um homem que faria de tudo
para impedir a sua reeleição em 1972.
Nixon tinha inimigos por todos os lados e estes eram incansáveis –
plantando
histórias
negativas
na
imprensa,
obtendo
vazamentos
embaraçosos de dentro da burocracia, espiando-o, prontos para dar o bote
ao menor indício de escândalo. Ele perguntava à equipe: “E o que estamos
fazendo do nosso lado?”. Se não tomassem nenhuma atitude para responder
a isso, seriam os únicos culpados. O legado de Nixon, as suas ambições
estavam em jogo. Começaram a se acumular histórias sobre demonstrações
antiguerra e vazamentos a respeito dos esforços da administração acerca da
Guerra do Vietnã, o que fez Nixon arder de raiva e frustração, e a conversa
com a equipe se acalorou em ambos os lados. Certa vez, quando Colson
sugeriu que se vingassem de alguns adversários particularmente irritantes,
Nixon comentou: “Um dia nós os pegaremos. Nós os colocaremos no chão,
bem onde queremos. E aí fincaremos neles os calcanhares, pisaremos com
força e torceremos os pés. Certo, Chuck, certo?”.
Ao ser informado de que muitos da equipe do Escritório de Estatísticas
Trabalhistas eram judeus, Nixon sentiu que provavelmente era por isso que
algumas das informações econômicas vindas de lá eram ruins. “O governo
está cheio de judeus”, disse ele a Haldeman. “A maioria dos judeus é
desleal.” Eram o sustentáculo da classe dominante da costa leste que
trabalhava com tanto fervor contra ele. Em outra ocasião, ele pediu a
Haldeman: “Por favor, me traga os nomes dos judeus, você sabe, dos
grandes doadores judeus dos democratas […]. Poderíamos, por favor,
investigar alguns desses sacanas?”. Conseguir que passassem por uma
auditoria era uma boa ideia. Ele tinha outras sugestões brutais sobre como
prejudicar Katharine Graham e humilhar Daniel Schorr.
Nixon também começou a se sentir cada vez mais ansioso em relação à
sua imagem pública, tão crucial para o seu legado. Atazanava a equipe, e
até mesmo Henry Kissinger, para que promovessem à imprensa o seu estilo
forte de liderança. Em entrevistas, tinham de se referir a ele como o sr. da
Paz, e Kissinger não deveria receber tanto crédito. Nixon queria saber o que
as elites dos partidos em Georgetown diziam a seu respeito. Estavam
finalmente mudando de ideia, em algum aspecto, sobre Richard Nixon?
Apesar do seu nervosismo, tornou-se evidente em 1972 que os
acontecimentos se alinhavam ao seu favor. O seu adversário democrata na
campanha à reeleição seria o senador George McGovern, um liberal
inflexível. Nixon era o líder nas pesquisas, mas queria muito mais.
Tencionava uma vitória com maioria absoluta dos votos e aprovação do
público. Certo de que homens como O’Brien tinham alguns truques na
manga, ele começou a insistir para que Haldeman fizesse alguma
espionagem e encontrasse algo de podre no lado dos democratas. Queria
que Haldeman reunisse um time de “capangas” para fazer o trabalho sujo
necessário com o máximo de eficiência, deixando os detalhes a cargo dele.
Para o seu desgosto, em junho daquele ano, Nixon leu no Washington
Post sobre uma invasão malsucedida no Hotel Watergate, em que um grupo
de homens havia tentado instalar grampos nos escritórios de Larry O’Brien.
Isso levou à prisão de três homens – James McCord, E. Howard Hunt e G.
Gordon Liddy – que tinham laços com o comitê pela reeleição do presidente
Nixon. A invasão foi tão malfeita que ele suspeitou que fosse tudo uma
cilada montada pelos democratas. Aquele não era o time eficiente de
capangas que havia defendido.
Alguns dias mais tarde, em 23 de junho, Nixon discutiu a invasão com
Haldeman. O FBI estava investigando o caso; alguns dos homens presos
eram ex-agentes da CIA. Haldeman propôs que talvez fosse possível
conseguir que o alto escalão da CIA pressionasse o FBI para que este
abandonasse a investigação. Nixon aprovou e lhe disse: “Não vou me
envolver muito nisso”. Ouviu como resposta: “Não, senhor. Não queremos
que o senhor se envolva”. No entanto, Nixon acrescentou: “Jogue com
dureza. É assim que eles jogam, e é assim que vamos jogar”. Colocou o seu
consultor, John Dean, a cargo da investigação interna, com instruções claras
para obstruir o FBI e encobrir quaisquer conexões com a Casa Branca. De
todo jeito, Nixon nunca ordenara diretamente a invasão. Watergate era uma
ninharia, nada que lhe manchasse a reputação. Seria esquecido, assim como
todos os atos sujos da política que nunca foram descobertos ou registrados
nos livros de história.
E, de fato, ele estava correto, por hora – o público prestou pouca
atenção à invasão. Nixon conquistou uma das vitórias mais estrondosas da
história eleitoral. Venceu em todos os Estados, com exceção de
Massachusetts e do Distrito de Columbia, obtendo até mesmo uma alta
porcentagem de votos dos democratas. Agora tinha mais quatro anos para
solidificar o seu legado, e nada para detê-lo. O seu índice de popularidade
nunca estivera tão alto.
Watergate, porém, continuava a voltar à tona e não o deixava em paz.
Em janeiro de 1973, o Senado decidiu iniciar uma investigação. Em março,
McCord confessou, incriminando vários membros da equipe da Casa
Branca pela ordem de invasão do hotel. Hunt começou a pedir dinheiro para
não revelar o que sabia. O jeito de sair dessa confusão era simples e claro –
contratar um advogado externo para fazer uma apuração interna da invasão,
com a cooperação total de Nixon e da sua equipe, e esclarecer todos os
detalhes. A reputação de Nixon sofreria, alguns iriam para a prisão, mas
isso o manteria vivo politicamente, e ele era mestre em retornar do fundo do
poço.
Nixon, porém, não conseguia dar esse passo. Haveria muitos danos
imediatos. A ideia de confessar o que sabia e o que ordenara lhe dava um
medo mortal. Em reuniões com Dean, continuava a discutir o encobrimento
dos fatos, sugerindo até onde poderiam obter dinheiro para silenciar Hunt.
Dean o advertiu para não se envolver tanto, mas Nixon parecia
estranhamente fascinado com a confusão crescente que gerara, e incapaz de
se afastar.
Em pouco tempo ele foi forçado a demitir Haldeman e Ehrlichman, pois
ambos tinham sido implicados a fundo na invasão. Foi um suplício
conseguir que ele os demitisse em pessoa e começou a chorar quando teve
que dar a notícia a Ehrlichman. Entretanto, era como se nada que fizesse
pudesse deter o impulso da investigação Watergate, que se aproximava cada
vez mais de Nixon, fazendo-o se sentir como um rato encurralado.
Em 19 de julho de 1973, ele recebeu a pior notícia de todas: o comitê do
Senado que investigava o caso Watergate havia descoberto o sistema secreto
de gravação instalado na Casa Branca, e exigiu que as fitas lhe fossem
entregues como prova. Tudo que Nixon conseguia pensar era no embaraço
intenso que se seguiria caso os áudios se tornassem públicos, pois o
transformariam em alvo de chacota no mundo inteiro. Pense no linguajar
que ele havia usado e nas várias coisas desagradáveis que defendera. A sua
imagem, o seu legado, todos os ideais que lutara para realizar, tudo seria
arruinado num único golpe. Nixon pensou na mãe e na família – nunca o
haviam ouvido falar do modo como se expressara na privacidade do próprio
escritório. Era como se fosse outra pessoa naquelas fitas. Alexander Haig,
que era agora o seu chefe da Casa Civil, disse a Nixon que este precisava
desmontar o sistema de gravação e dar fim naquelas provas imediatamente,
antes de receber uma intimação oficial.
Nixon se mostrou paralisado: destruir as fitas seria uma admissão de
culpa; talvez elas o exonerassem, já que provariam que ele nunca ordenou
diretamente a invasão do hotel. Contudo, a ideia de isso vir a público o
apavorava. Ele hesitou entre uma decisão e outra, mas no fim optou por não
dar cabo delas. Invocando privilégio executivo, resistiria à instrução de
entregá-las.
Por fim, com a pressão aumentando, em abril de 1974, Nixon decidiu
liberar transcrições editadas na forma de um livro de 1.200 páginas e torcer
pelo melhor. O público ficou horrorizado com o que leu. Sim, muitos o
haviam considerado traiçoeiro e ardiloso, mas a linguagem forte, os
palavrões, o tom por vezes histérico e paranoico das conversas, bem como a
total falta de remorso ou hesitação ao ordenar várias atividades ilegais,
revelaram um lado de Nixon de que nunca suspeitaram. Até os membros da
família dele se mostraram chocados. Em se tratando do caso Watergate, ele
parecia muito fraco e indeciso, nada semelhante à imagem inspirada em De
Gaulle que queria projetar. Em nenhum momento demonstrou o menor
interesse em descobrir a verdade e punir os culpados. Onde estava o
defensor da lei e da ordem?
Em 24 de julho veio o golpe final: a Suprema Corte deu ordens para que
Nixon entregasse as próprias gravações, entre as quais estaria a conversa
registrada em 23 de junho de 1972, em que ele havia aprovado a utilização
da CIA para suprimir a investigação do FBI. Essa era a prova irrefutável do
envolvimento dele no encobrimento dos fatos desde o princípio. Nixon
estava perdido e, embora isso fosse contra tudo em que acreditava, no início
de agosto decidiu renunciar.
Na manhã seguinte ao dia em que fez ao país o seu discurso de
renúncia, Nixon se dirigiu à equipe uma vez mais e, lutando para controlar
as emoções, concluiu: “Nunca desanimem, nunca sejam mesquinhos;
lembrem-se sempre de que outros talvez os odeiem, mas aqueles que os
odeiam não vencerão a menos que vocês os odeiem, e aí vocês destruirão a
si mesmos”. Junto com a família, entrou no helicóptero que o levaria para o
exílio político.
Interpretação: Para quem trabalhou junto a Richard Nixon, o homem
era um enigma. Segundo o seu principal redator de discursos, Ray Price,
havia dois Nixons: um luminoso, o outro sombrio. O primeiro era
“excepcionalmente atencioso e carinhoso, sentimental, generoso de espírito,
bondoso”; o segundo era “furioso, vingativo, temperamental, mesquinho”.
Contudo, talvez o observador mais perspicaz de Nixon, o que chegou mais
perto de solucionar o enigma, foi Henry Kissinger, que fez questão de
estudá-lo de perto de forma a conseguir gerenciá-lo, e até manipulá-lo, para
os seus próprios propósitos. E segundo ele, a chave para Nixon e a sua
personalidade dividida deveria estar de algum modo na infância dele. “Você
consegue imaginar”, observou Kissinger certa vez, “como esse homem teria
sido se alguém o tivesse amado?”.
Quando bebê, Nixon se mostrou excepcionalmente carente. Era notório
que chorava o tempo todo; muito esforço era necessário para acalentá-lo, e
ele estava sempre aos soluços. Queria mais atenção, que cuidassem mais
dele, e era bem manipulador se não conseguisse o que pretendia. Os pais
não gostavam desse aspecto do filho. Tendo crescido na era dos pioneiros
do sul da Califórnia, preferiam ter uma criança estoica e autossuficiente. O
pai de Nixon era frio e fisicamente abusivo. A mãe era mais carinhosa, mas
com períodos frequentes de depressão e bastante temperamental. Ela tinha
que lidar com os fracassos dos negócios do marido e com os dois irmãos
doentes de Richard, os quais morreram ainda jovens. Muitas vezes ela
precisou deixá-lo sozinho por meses enquanto cuidava dos irmãos, o que
Richard deve ter interpretado como uma espécie de abandono.
Ao lidar com pais difíceis, a sua personalidade foi formada. Buscando
superar e disfarçar as suas vulnerabilidades, ele criou uma identidade que
lhe servia bem, primeiro com a família e mais tarde com o público. Para
moldá-la, acentuou as próprias forças e desenvolveu novas. Tornou-se
supremamente obstinado, adaptável, impetuoso, decisivo, racional, alguém
que não se devia provocar, em especial em debates. (Segundo Kissinger:
“Não havia nada que ele temesse mais do que a ideia de que o
considerassem fraco”.) Entretanto, a criança interior, frágil e vulnerável,
não desaparece por milagre. Se as suas necessidades nunca são atendidas ou
enfrentadas, a sua presença se entranha no inconsciente, nas sombras da
personalidade, aguardando o momento de emergir de maneiras inesperadas.
Ela se torna o lado sombrio.
Sempre que Nixon sentia tensão ou níveis incomuns de ansiedade, esse
lado sombrio surgia de lá do fundo na forma de fortes inseguranças
(“ninguém me aprecia”), suspeitas (inimigos por todos os lados), explosões
repentinas e acessos de birra e desejos poderosos de manipular e prejudicar
aqueles que, no seu entendimento, o haviam ofendido.
Nixon reprimiu e negou essa faceta de si com veemência, até o fim, nas
suas últimas palavras à equipe. Era frequente que dissesse aos outros que
nunca chorava nem guardava rancores nem se importava com o que
pensassem dele – o oposto da verdade. Por boa parte do tempo, interpretou
bem o papel de RN. No entanto, quando a Sombra se agitava,
comportamentos estranhos emergiam, dando àqueles que o viam com
regularidade a impressão de que estavam de fato lidando com dois Nixons.
Para Kissinger, era como se a criança não amada voltasse à vida.
O lado sombrio de Nixon se tornou tangível na forma das gravações.
Sabia que tudo que dizia estava sendo gravado, mas, mesmo assim, nunca
se continha ou filtrava o que estava dizendo. Insultava amigos íntimos pelas
costas, permitia-se acessos enlouquecidos de paranoia e fantasias
vingativas, hesitava diante das decisões mais simples. Era um homem que
temia muito o menor vazamento interno, e que suspeitava de traição de
quase todos em redor, mas que, mesmo assim, confiou o seu destino às
gravações que, na crença dele, jamais viriam a público sem serem editadas.
Até quando surgiu a possibilidade de elas se tornarem públicas e foi
aconselhado a destruí-las, ele as manteve, mesmerizado por esse outro
Nixon que emergira. Era como se, em segredo, desejasse a própria punição,
a criança e o lado sombrio se vingando por terem sido negligenciados de
maneira tão profunda.
Entenda: a história de Nixon está mais próxima de você e da sua
realidade do que imagina. Como Nixon, você construiu uma identidade
pública que acentua os seus pontos fortes e esconde as suas fraquezas. Tal
qual ele, reprimiu os traços socialmente menos aceitáveis que possuía por
natureza quando criança. Você se tornou gentil e agradável, mas, da mesma
maneira que Nixon, tem um lado sombrio, cuja existência odeia admitir ou
examinar. Este contém as suas inseguranças mais profundas, os desejos
secretos de prejudicar pessoas, até aquelas que lhe são próximas, as
fantasias de vingança, as suspeitas acerca dos outros, a fome por mais
atenção e poder. Esse lado sinistro assombra os seus sonhos. Ele lhe escapa
em momentos de depressão inexplicável, ansiedade incomum, ânimos
delicados, carência repentina e pensamentos desconfiados. É expresso em
comentários precipitados dos quais você se arrepende mais tarde.
E às vezes, como aconteceu com Nixon, esse lado sombrio causa um
comportamento destrutivo. Você tenderá a culpar as circunstâncias ou os
outros por esses ânimos, mas eles continuarão a ocorrer, pois não está
consciente da fonte deles. A depressão e a ansiedade resultam da sua recusa
em aceitar o seu eu completo, sempre interpretando um papel. Manter o
controle sobre essa faceta sombria exige grande energia, mas, às vezes, o
comportamento desagradável lhe escapa como uma forma de descarga da
tensão interior.
A sua tarefa como estudante da natureza humana é reconhecer e
examinar o lado sombrio do seu caráter. Submetido a um escrutínio
consciente, ele perde o seu poder destrutivo. Se o leitor aprender a detectar
os sinais da existência dele em si mesmo (veja as seções seguintes para
obter auxílio nessa tarefa), será capaz de canalizar essa energia mais
sombria numa atividade produtiva. Poderá transformar a sua carência e
vulnerabilidade em empatia. Poderá canalizar os impulsos agressivos em
causas dignas e no seu trabalho. Conseguirá admitir as suas ambições, o
desejo de poder, sem agir de forma tão culpada e furtiva, monitorando a sua
tendência à desconfiança e a maneira como projeta as suas emoções
negativas nos outros. Verá que os impulsos egoístas e prejudiciais moram
dentro de si mesmo; que não é tão forte ou angelical quanto imagina. Com
essa consciência, virão equilíbrio e maior tolerância em relação aos outros.
Talvez pareça que apenas aqueles que projetam fortaleza e virtude
contínuas obtêm o sucesso, mas esse não é o caso de jeito nenhum. Ao
representar um papel até esse ponto, ao se esforçar para estar à altura de
ideais que não são reais, você emitirá uma noção de falsidade que as
pessoas perceberão. Considere grandes figuras públicas como Abraham
Lincoln e Winston Churchill, que possuíam a habilidade de examinar os
próprios defeitos e erros, e de rir de si mesmos. Soavam autenticamente
humanos, e aí estava a fonte do seu charme. A tragédia de Nixon foi ter
imenso talento político e inteligência, mas não a habilidade de olhar para
dentro de si e avaliar os aspectos mais sombrios do seu caráter. É a tragédia
que todos nós enfrentamos na medida em que permanecemos num estado de
profunda negação.
Esse desejo de cometer uma loucura permanece conosco por toda a nossa vida. Quem
não teve, ao se ver com alguém à beira de um abismo ou no topo de uma torre, o
impulso repentino de jogar o outro de lá? E como é que magoamos aqueles que
amamos embora saibamos que o remorso se seguirá? Todo nosso ser não é nada além
de uma luta contra as forças sombrias dentro de nós mesmos. Viver é guerrear com
ogros no coração e na alma. Escrever é pôr a si mesmo em julgamento.
— Henrik Ibsen
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Se pensarmos sobre as pessoas que conhecemos e com quem temos
contato frequente, teríamos que concordar que elas são, em geral, bem
simpáticas e agradáveis. Pela maior parte do tempo, mostram-se felizes na
nossa presença, são relativamente sinceras e autoconfiantes, responsáveis
em termos sociais, capazes de trabalhar em equipe, de tomar conta de si
mesmas e de tratar bem os outros. Entretanto, de vez em quando
vislumbramos nesses amigos, conhecidos e colegas comportamentos que
parecem contradizer o que costumamos ver.
Isso ocorre de várias maneiras: de forma repentina, fazem um
comentário crítico, até cruel, sobre nós, ou expressam uma avaliação bem
severa do nosso trabalho ou personalidade. É isso o que sentem de fato e se
esforçavam para esconder? Por um momento, não são tão simpáticos. Ou
ouvimos falar de como tratam mal a família ou os funcionários às portas
fechadas. Ou, de repente, eles têm um caso de amor com o homem ou
mulher mais improvável, e isso leva a consequências ruins. Ou investem
dinheiro em algum esquema financeiro absurdo e arriscado. Ou fazem algo
impulsivo que lhes coloca a carreira em jogo. Ou os flagramos em alguma
mentira ou ato manipulador. Também notamos esses momentos de rebeldia,
ou de comportamento contra a própria reputação, em figuras públicas e
celebridades, que depois oferecem longas desculpas pelos ânimos estranhos
que lhes acometeram.
O lado sombrio do caráter é então aflorado, o que o psicólogo suíço Carl
Jung chamou de Sombra, a qual consiste de todas as qualidades que as
pessoas tentam negar sobre si mesmas e reprimir. Essa repressão é tão
profunda e eficiente que os seres humanos não costumam ter consciência da
própria Sombra; ela opera de maneira inconsciente. Segundo Jung, essa
Sombra tem uma densidade, dependendo da profundidade do nível de
repressão e do número de traços que estão sendo escondidos. De Nixon,
diríamos que ele tinha uma Sombra especialmente densa. Quando
vivenciamos esses momentos em que as pessoas revelam o seu lado
sombrio, lhes vemos algo surgir no rosto; a voz e a linguagem corporal se
alteram – é quase como se outro alguém nos confrontasse, os traços da
criança magoada se tornando visíveis de súbito. Nós sentimos quando a
Sombra delas desperta e emerge.
A Sombra jaz enterrada bem dentro de nós, mas é perturbada e se torna
ativa nos momentos de tensão, ou quando mágoas e inseguranças profundas
são provocadas. Também tende a emergir mais à medida que envelhecemos.
Na juventude, tudo nos excita, inclusive os vários papéis sociais que
precisamos representar. Mais tarde, porém, nos cansamos das máscaras que
temos usado, e a Sombra se revela com mais frequência.
Como raramente a vemos, aqueles com que lidamos nos são um pouco
estranhos. É como se notássemos apenas uma imagem achatada e
bidimensional dos outros – o agradável lado social. Enxergar os contornos
da Sombra das pessoas faz que elas ganhem vida em três dimensões. Essa
habilidade de observar o ser humano em profundidade é um passo crucial
no conhecimento da nossa natureza para que sejamos capazes de prever o
comportamento dos indivíduos em momentos de tensão, lhes entender os
motivos ocultos, mas sem nos deixarmos levar pelas suas tendências
autodestrutivas.
A Sombra é criada na nossa primeira infância e resulta das duas forças
conflitantes que sentimos. Em primeiro lugar, viemos a este mundo repletos
de energia e intensidade. Não entendíamos a diferença entre o
comportamento aceitável e o inaceitável; apenas vivenciávamos os
impulsos naturais, alguns dos quais eram agressivos. Queríamos
monopolizar a atenção dos nossos pais e receber muito mais dela do que os
nossos irmãos. Vivenciávamos momentos de grande afeição, mas também
desgostos e ódios poderosos, até em relação aos nossos genitores, por não
atenderem às nossas necessidades. Queríamos nos sentir superiores de
alguma forma – em aparência, força, ou inteligência – e apreciados por isso.
Às vezes, éramos incrivelmente egoístas se nos negassem o que queríamos,
e nos tornávamos ardilosos e manipuladores para obtê-lo. Sentíamos até
algum prazer ao magoar os outros, ou ao fantasiar sobre vinganças.
Experimentávamos e expressávamos a gama total de emoções. Não éramos
os anjos inocentes que as pessoas imaginam que as crianças são.
Ao mesmo tempo, por muitos anos, éramos de todo vulneráveis e
dependentes dos nossos pais para sobreviver, os quais observávamos, com
olhos de águia, notando-lhes no rosto cada sinal de aprovação e
desaprovação. Eles nos repreendiam por ter energia demais e desejavam que
ficássemos quietos. Às vezes, nos achavam teimosos e egoístas. Sentiam
que outras pessoas os julgavam pelo nosso comportamento, por isso
queriam que fôssemos gentis, que disfarçássemos a verdade na frente delas,
que agíssemos como anjinhos. Eles nos instavam a ser cooperativos e a
brincar de maneira justa, mesmo que às vezes nossa intenção fosse nos
comportar de forma diferente. E nos encorajavam a amenizar as nossas
necessidades, a nos encaixarmos melhor naquilo que eles precisavam na
vida extenuante deles. Desencorajavam os nossos acessos de birra e
qualquer forma de desobediência.
Ao crescermos, essas pressões de apresentar uma fachada específica
passaram a vir de outras direções – colegas e professores. Não havia
problema em demonstrar um pouco de ambição, mas não demais, ou nos
considerariam antissociais. Podíamos exibir autoconfiança, porém não em
excesso, ou daríamos a impressão de estarmos afirmando a nossa
superioridade. A necessidade de se encaixar no grupo se tornou uma
motivação primordial, e assim aprendemos a ocultar e restringir o lado
sombrio da nossa personalidade. Internalizamos todos os ideais da nossa
cultura – ser agradável, ter valores pró-sociais. Muito disso é essencial para
o funcionamento regular da vida social, mas, no processo, uma grande parte
da nossa natureza foi enterrada nas profundezas. (É claro que há aqueles
que nunca aprenderam a controlar esses impulsos mais sombrios e que os
acabam expressando na vida real – os criminosos em nosso meio, por
exemplo, mas mesmo estes se empenham para parecer simpáticos por boa
parte do tempo e justificam o seu comportamento.)
A maioria de nós consegue se tornar um animal social positivo, mas a
um preço. Acabamos por sentir falta da intensidade que vivenciamos na
infância, todas as emoções, e até a criatividade que vinha dessa energia
mais impetuosa. Em segredo, desejamos recapturá-la de algum modo.
Somos atraídos em direção ao que é visivelmente proibido – em termos
sexuais ou sociais. Talvez recorramos à bebida ou às drogas ou a qualquer
estimulante, pois nossos sentidos estão entorpecidos; a nossa mente nos
parece restrita demais pelas convenções. Se, ao longo do caminho,
acumularmos muitas mágoas e ressentimentos, que nos esforçamos para
esconder dos outros, a Sombra se tornará mais densa. Se vivenciarmos o
sucesso, nos viciaremos na atenção positiva; nos inevitáveis momentos de
desânimo, quando o efeito dessa atenção passar, a Sombra então será
perturbada e ativada.
Ocultar esse lado sombrio requer energia; é exaustivo apresentar sempre
uma fachada tão simpática e autoconfiante, por isso a Sombra quer libertar
parte da tensão interna e renascer. Como disse uma vez o poeta Horácio:
“Naturam expellas furca, tamen usque recurret” (“Você pode varrer a
Natureza com uma forquilha, ela sempre voltará”). Você precisa se tornar
capaz de reconhecer esses momentos de escape nos outros e interpretá-los,
vendo os contornos da Sombra que se revela naquele instante. O que se
segue são alguns dos sinais mais evidentes desse escape.
Comportamento contraditório. Esse sinal, o mais eloquente de todos,
consiste de ações que contrariam a fachada cuidadosamente construída que
o ser humano apresenta. Por exemplo, uma pessoa que prega a moralidade é
repentinamente flagrada numa situação comprometedora. Ou alguém com
ares de durão revela inseguranças e histeria no momento errado. Ou um
indivíduo que prega o amor livre e o comportamento tolerante se torna
subitamente dominador e autoritário. O comportamento estranho e
contraditório é uma expressão direta da Sombra. (Veja mais sobre esses
sinais e como interpretá-los na página 323.)
Explosões emocionais. Uma pessoa perde de repente o autocontrole e
expressa, de forma severa, ressentimentos profundos ou diz algo mordaz e
ofensivo. Após essa descarga, ela talvez culpe a tensão; talvez diga que não
sente de verdade o que expressou, quando, a realidade é o oposto – a
Sombra falou. Considere o que ela disse em termos literais. Num nível
menos intenso, o ser humano pode de súbito se tornar excepcionalmente
sensível e irritadiço. De algum modo, parte dos seus medos e inseguranças
mais profundos foram ativados, e isso o torna hipervigilante a qualquer
insulto possível e predisposto a explosões menores.
Negação veemente. Segundo Freud, a única maneira de algo
desagradável ou desconfortável no nosso inconsciente chegar à mente
consciente é pela negação ativa. Expressamos o oposto absoluto do que está
enterrado bem no interior. Esse poderia ser o caso de alguém que condena
de maneira fulminante a homossexualidade, quando na verdade sente o
oposto. Nixon expressava essas negações com frequência, como quando
disse aos outros, nos termos mais categóricos, que nunca chorava ou
guardava rancores ou cedia a fraquezas ou se importava com o que as
pessoas pensavam dele. Você precisa reinterpretar as negações como
expressões positivas dos desejos da Sombra.
Comportamento “acidental”. Os indivíduos talvez falem de abandonar
algum vício, ou de não trabalharem demais, ou de manterem distância de
um relacionamento autodestrutivo. Depois recaem no comportamento que
disseram que tentariam evitar, jogando a culpa numa doença incontrolável
ou dependência. Isso lhes alivia a consciência por terem cedido ao lado
sombrio; simplesmente não tinham como evitá-lo. Ignore as justificativas e
veja a Sombra agindo e escapando. Lembre-se também de que, quando as
pessoas estão bêbadas e se comportam de maneira diferente, muitas vezes
não é o álcool que se manifesta, mas a Sombra.
Superidealização. Isso serve como um dos acobertamentos mais
potentes da Sombra. Digamos que acreditamos em alguma causa, como a
importância da transparência nas nossas ações, em especial na política. Ou
que admiramos e seguimos o líder dessa causa. Ou que decidimos que
algum tipo novo de investimento financeiro – títulos garantidos por
hipotecas, por exemplo – representa o caminho mais recente e mais
sofisticado para a riqueza. Nessas situações, vamos muito além do que o
simples entusiasmo. Somos movidos por uma convicção poderosa. Fazemos
vista grossa para quaisquer defeitos, inconsistências ou possíveis
desvantagens. Vemos tudo em branco e preto – a nossa causa é moral,
moderna e progressista; o outro lado, que inclui os indecisos, é maligno e
reacionário.
Agora nos sentimos no direito de fazer tudo pela causa – mentir,
trapacear, manipular, espionar, falsificar dados científicos, obter vingança.
O que o líder fizer pode ser legitimado. No caso do investimento, nos
sentimos justificados ao assumir o que normalmente seriam considerados
riscos elevados, pois desta vez a ferramenta financeira é nova e diferente,
não sujeita às regras costumeiras. Podemos ser tão gananciosos quanto
quisermos sem nos preocuparmos com as consequências.
Tendemos a nos deslumbrar com a intensidade das convicções dos
indivíduos e interpretar o comportamento excessivo apenas como zelo
extremado. No entanto, deveríamos ver isso sob uma luz diferente. Ao
superidealizar uma causa, pessoa ou objeto, o ser humano dá rédea solta à
Sombra. Essa é a sua motivação inconsciente. A intimidação, as
manipulações, a ganância que se revela pelo bem da causa ou do produto
deveriam ser interpretadas em termos literais, a convicção exagerada
acobertando a expressão das emoções reprimidas.
Em relação a isso, as pessoas empregam em discussões as suas
convicções profundas, como uma maneira perfeita de disfarçar o desejo de
ameaçar e intimidar. Apresentam estatísticas e anedotas (que sempre se
consegue encontrar) para reforçar o seu argumento, depois passam a insultar
ou impugnar a nossa integridade. É só uma troca de ideias, dizem elas.
Preste atenção no tom ameaçador, e não se deixe enganar. Os intelectuais
conseguem ser mais sutis. Eles nos dominarão com uma linguagem obscura
e ideias que não conseguimos decodificar, de modo a nos sentirmos
inferiores pela nossa ignorância. Em todos os casos, traduza isso como a
agressão reprimida encontrando um modo de escapar.
Projeção. Esse é de longe o meio mais comum de lidar com a Sombra,
pois oferece um escape quase diário. Por não conseguirmos admitir a nós
mesmos certos desejos – por sexo, dinheiro, poder, superioridade em
alguma área –, nós os projetamos nos outros. Às vezes apenas imaginamos
e projetamos essas qualidades a partir do nada, a fim de julgar e condenar as
pessoas; outras, encontramos aqueles que expressam, de alguma forma,
esses desejos que são tabu, e nós os exageramos a fim de justificar o nosso
ódio ou desdém.
Por exemplo, durante uma briga, acusamos o outro de ter desejos
autoritários. Na realidade, ele só está se defendendo. Somos nós que temos
o desejo secreto de dominar, mas, se o vemos primeiro no interlocutor,
podemos expressar o nosso desejo reprimido na forma de uma crítica e
justificar a nossa resposta autoritária. Digamos que tenhamos reprimido
logo de início os impulsos assertivos e espontâneos que são tão naturais à
criança. De modo inconsciente, queremos recuperar essas qualidades, mas
não somos capazes de superar os nossos tabus internos. Procuramos por
aqueles que são menos inibidos, mais assertivos e abertos em relação à
própria ambição. Exageramos essas tendências. Agora podemos desdenhálas e, ao pensar nelas, expressar o que não podemos admitir a nós ou sobre
nós mesmos.
Richard Wagner, grande compositor alemão do século 19, expressava
com frequência opiniões antissemitas. Ele culpava os judeus pela ruína da
música ocidental com os seus gostos ecléticos, sentimentalismo e ênfase no
brilhantismo técnico. Ansiava por uma música alemã mais pura, que ele
criaria. A maior parte dos argumentos pelos quais culpava os judeus em
relação à música era absoluta invenção. No entanto, o estranho era que
Wagner tinha muitas das qualidades que ele dizia detestar nos judeus. Os
seus gostos eram bem ecléticos. Tinha tendências sentimentais. Muitos dos
pianistas e regentes com quem trabalhava eram judeus, por causa da
proficiência técnica destes.
Lembre-se: por trás de qualquer ódio veemente há muitas vezes uma
inveja secreta e bem intragável da pessoa odiada. É apenas por meio desse
ódio que ela consegue um modo de escapar do inconsciente.
Considere-se um detetive no que se refere a juntar as peças da Sombra
de alguém. Por meio dos diversos sinais que captar, conseguirá preencher os
contornos dos seus desejos e impulsos reprimidos. Isso lhe permitirá prever
escapes futuros e comportamentos estranhos ligados à Sombra. Com
certeza, esse comportamento ocorre mais de uma vez, e tenderá a ressurgir
em áreas diferentes. Se, por exemplo, você compreender tendências à
intimidação na forma como alguém debate, também as verá em outras
atividades.
Você talvez imagine que o conceito de Sombra é um tanto antiquado.
Afinal, vivemos hoje numa cultura muito mais racional e orientada para a
ciência. As pessoas são mais transparentes e autoconscientes do que nunca,
diríamos. Somos bem menos reprimidos do que os nossos ancestrais, que
tinham de lidar com todo tipo de pressão da religião organizada. A verdade,
porém, talvez seja bem o oposto. Em muitos aspectos, estamos mais
divididos do que nunca entre o nosso consciente, a identidade social e a
Sombra inconsciente. Nossa cultura impõe códigos poderosos de correção
aos quais devemos obedecer, ou enfrentaremos a condenação que é hoje tão
comum nas redes sociais. Espera-se que estejamos à altura de ideais de
abnegação, que nos são impossíveis porque não somos anjos. Tudo isso
enterra o lado sombrio das nossas personalidades ainda mais.
Encontramos sinais disso na maneira intensa e discreta com que somos
atraídos pelo lado sombrio da nossa cultura. Nós nos deliciamos ao assistir
séries de televisão em que vários personagens maquiavélicos manipulam,
enganam e estabelecem o seu domínio. Consumimos histórias dos
noticiários sobre os que foram flagrados agindo de certa maneira e nos
divertimos com a condenação que se segue. Assassinos em série e líderes de
cultos diabólicos nos fascinam. Sempre nos tornamos moralistas e falamos
de como desprezamos esses vilões, mas a verdade é que a cultura nos
alimenta constantemente com essas figuras porque estamos famintos por
expressões do lado sombrio. Tudo isso fornece um grau de escape dessa
tensão que sentimos ao ter de representar o papel de anjos e parecer tão
corretos.
Essas são formas relativamente inofensivas de escape, mas há algumas
mais perigosas, em especial no âmbito da política. Nós nos vemos cada vez
mais atraídos por líderes que dão vazão a esse lado sombrio, que expressam
a hostilidade e o ressentimento que todos sentimos lá no fundo. Eles dizem
o que não ousaríamos dizer. Na segurança do grupo e na defesa de alguma
causa, temos licença para projetar e descarregar convenientemente o nosso
rancor em vários bodes expiatórios. Ao idealizar o líder e a causa, estamos
livres para agir de maneiras ante as quais, como indivíduos, normalmente
hesitaríamos. Esses demagogos são peritos em exagerar as ameaças que
enfrentamos, pintando tudo em branco e preto. Eles incitam os temores,
inseguranças e desejos de vingança que estão enterrados, aguardando para
explodir a qualquer momento numa situação de grupo. Encontraremos cada
vez mais desses líderes ao vivenciarmos períodos maiores de repressão e
tensão interior.
O escritor Robert Louis Stevenson descreveu essa dinâmica no romance
O médico e o monstro, publicado em 1886. O personagem principal, dr.
Jekyll, é um médico/cientista rico e respeitado, de maneiras impecáveis, um
paradigma de bondade da nossa cultura. Ele inventa uma poção que o
transforma no sr. Hyde, a encarnação da sua Sombra, que passa a assassinar
e estuprar e se permitir os prazeres sensuais mais selvagens. A ideia de
Stevenson era que quanto mais morais e civilizados nos tornamos por fora,
mais potencialmente perigosa é a Sombra, que negamos com tanto ardor.
Como o personagem dr. Jekyll descreve: “O meu demônio tem vivido
enjaulado há muito tempo, e saiu urrando”. A solução não é mais repressão
e correção. Nunca seremos capazes de alterar a natureza humana por meio
da amabilidade impelida. O forcado não funciona. A solução também não é
buscar escape para a nossa Sombra no ambiente de grupo, que é volátil e
perigoso. Em vez disso, a resposta é ver a nossa Sombra em ação e se tornar
mais autoconsciente. É difícil projetar nos outros os nossos próprios
impulsos secretos ou superidealizar alguma causa uma vez que tenhamos
ciência do mecanismo que opera dentro de nós. Por meio desse
autoconhecimento, conseguiremos encontrar uma maneira de integrar o
lado sombrio à nossa consciência de modo criativo e produtivo. (Veja mais
na última seção deste capítulo.) Ao fazer isso, nós nos tornaremos mais
autênticos e completos, explorando ao máximo as energias que possuímos
por natureza.
DECIFRANDO A SOMBRA: O COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO
No decorrer da sua vida, você conhecerá pessoas com traços de grande
empatia que as distinguem, os quais aparentam ser a fonte da sua força –
autoconfiança incomum, bondade e afabilidade excepcionais, grande
retidão moral e uma aura virtuosa, tenacidade e masculinidade vigorosa, um
intelecto intimidador. Se as observar de perto, vai notar um leve exagero
neles, como se estivessem representando um papel. Como estudante da
natureza humana, entenda a realidade: o traço de empatia, em geral, está
assentado por cima do traço oposto, ocultando-o da visão do público e
funcionando como uma distração.
É possível ver duas formas disso: desde o início da vida, alguns
indivíduos sentem uma suavidade, vulnerabilidade ou insegurança que
poderiam se provar embaraçosas ou desconfortáveis. Desenvolvem, de
maneira inconsciente, o traço oposto, uma adaptabilidade ou tenacidade que
recobre o lado de fora como um escudo protetor. A outra hipótese é que
tenham uma qualidade que, a seu ver, seria antissocial – por exemplo, a
ambição demasiada ou uma inclinação ao egoísmo –, desenvolvendo a
qualidade oposta, algo bem pró-social.
Em ambos os casos, com o passar dos anos, essas pessoas fortalecem e
aperfeiçoam essa imagem pública. A fraqueza latente ou o traço antissocial
é um componente fundamental da Sombra delas – algo que é negado e
reprimido. No entanto, como ditam as leis da natureza humana, quanto mais
profunda é a repressão, maior é a volatilidade da Sombra. Ao envelhecerem
ou sofrerem com a tensão, rachaduras surgirão em sua fachada. Elas estão
representando um papel ao extremo, o que é cansativo. A identidade real se
revoltará na forma de ânimos, obsessões, vícios secretos e comportamento
que é bem o contrário da sua imagem e, muitas vezes, autodestrutivo.
A sua tarefa é simples: tenha cuidado redobrado junto àqueles que
demonstram esses traços de empatia. É muito fácil se deixar levar pelas
aparências e primeiras impressões. Procure pelos sinais e pelo surgimento
do oposto com o passar do tempo. É bem mais fácil lidar com tipos assim
uma vez que você os entenda. A seguir, há sete dos traços de empatia mais
comuns que você precisa aprender a reconhecer e gerenciar da maneira
adequada.
O valentão. Projeta uma masculinidade vigorosa cuja intenção é
intimidar, e sua altivez sinaliza que ninguém deve mexer com ele. Tende a
se gabar de façanhas passadas – as mulheres que conquistou, as brigas, as
vezes que superou os adversários em negociações. Embora pareça
extremamente convincente ao contar essas histórias, estas soam exageradas,
quase difíceis de acreditar. Não se deixe enganar pelas aparências.
Indivíduos assim aprenderam a ocultar uma suavidade latente, uma
vulnerabilidade emocional profunda que os aterroriza. De vez em quando,
você verá esse lado sensível – talvez chorem, ou façam birra, ou
demonstrem compaixão súbita. Embaraçados por isso, logo disfarçarão com
uma tosse ou até um ato ou comentário cruel.
Para o jogador de beisebol Reggie Jackson, o treinador dos Yankees,
Billy Martin, era um desses tipos brigões. Jackson reconhecia a suavidade
por trás da fanfarronice quando via o quanto Martin era sensível em relação
a seu ego, suas alterações de humor (o que não era muito masculino) e as
explosões emocionais que revelavam inseguranças evidentes. Homens
assim por vezes tomam péssimas decisões sob o impacto das emoções que
tentaram ocultar e reprimir, mas que vêm à tona de forma inevitável.
Embora gostem de dominar as mulheres, com frequência acabam com uma
esposa que claramente os domina, o que é um desejo secreto deles.
O leitor não deve se deixar intimidar pela fachada, mas também tenha
cuidado para não lhes incitar as inseguranças profundas ao demonstrar
dúvidas sobre as suas histórias exageradas ou natureza masculina. São
notoriamente irritadiços e sensíveis, e você talvez lhes detecte um
minúsculo beicinho no rosto se lhes despertar as inseguranças, antes que as
encubram com uma carranca feroz. Se forem seus rivais, é fácil provocá-los
a uma reação exagerada que revele algo não tão valente.
O santo. Uma pessoa assim é modelo de bondade e pureza. Apoia as
melhores causas, as mais progressistas. Talvez seja bem espiritual, se assim
for o círculo em que transita; ou esteja acima da corrupção e das
contemporizações da política; ou tenha compaixão infinita por todos os
tipos de vítimas. Esse exterior virtuoso foi desenvolvido no início da vida
como uma forma de disfarçar a enorme sede de poder e atenção, ou fortes
apetites sensuais. A ironia é que, com frequência, ao projetar essa aura
virtuosa ao enésimo grau, conquistará grande poder, liderando um culto ou
um partido político. E uma vez que chegue ao poder, sua Sombra terá
espaço para operar e ela se tornará intolerante, atacando os impuros,
punindo-os se necessário. Maximilien Robespierre (apelidado de “o
Incorruptível”), que subiu ao poder durante a Revolução Francesa, era desse
tipo. A guilhotina nunca foi mais utilizada do que durante o seu reinado.
Indivíduos desse tipo se sentem, em segredo, atraídos por sexo,
dinheiro, a luz dos holofotes e pelo que é expressamente tabu para a sua
virtuosidade específica. A pressão e as tentações são fortes demais – são os
gurus que dormem com os discípulos. Mostram-se como santos em público,
mas a família ou o cônjuge veem seu lado demoníaco na vida privada. (Veja
a história dos Tolstói no Capítulo 2.) Existem santos genuínos por aí, mas
estes não sentem a necessidade de promover as próprias ações ou buscar o
poder. Para distinguir entre o real e o falso, ignore as palavras e a aura que
projetam, concentrando-se nas ações e nos detalhes da vida que levam – o
quanto parecem apreciar o poder e a atenção, o grau espantoso de dinheiro
que acumularam, o número de amantes, o nível de autoabsorção. Uma vez
que você reconheça esse tipo, não se torne um seguidor ingênuo. Mantenha
alguma distância. Se forem inimigos, basta lançar luz sobre os sinais
evidentes de hipocrisia.
Como uma variante disso, o leitor encontrará pessoas que propõem uma
filosofia de amor livre e um mundo em que tudo é permitido; mas, na
realidade, estão à cata de poder. Preferem o sexo com aqueles que são
dependentes delas. E, é claro, tudo é permitido, desde que seja nos termos
delas.
O encantador passivo-agressivo. Esse tipo é incrivelmente gentil e
obsequioso quando o leitor o encontra pela primeira vez, tanto que você
tende a deixá-lo entrar na sua vida bem rápido. Ele sorri bastante, é
animado e está sempre disposto a ajudar. Em algum ponto, você talvez
retribua o favor, contratando-o para um emprego ou ajudando-o em relação
à carreira profissional. Você detectará, ao longo do caminho, algumas
rachaduras na máscara – talvez lhe faça uma crítica um tanto severa de
maneira inesperada, ou ouça dos amigos que ele vêm falando de você pelas
costas. Então algo desagradável acontece – uma explosão emocional, algum
ato de sabotagem, ou uma traição –, algo tão atípico da pessoa gentil e
encantadora que você aceitou como amiga.
A verdade é que pessoas assim compreendem bem cedo que têm
tendências agressivas e invejosas difíceis de controlar. Elas querem o poder,
e intuem que essas inclinações lhes tornarão a vida complicada. Por muitos
anos, cultivam a fachada oposta – uma amabilidade com aspecto quase
agressivo. Por meio desse estratagema, obtêm o poder social. Entretanto,
em segredo, se ressentem da necessidade de representar esse papel e de ser
tão respeitosas. Não são capazes de manter a máscara no lugar. Sob tensão,
ou apenas cansadas pelo esforço, o insultarão e magoarão. São capazes
disso agora que conhecem você e os seus pontos fracos. E vão, é claro,
culpar você pelo que acontecer a seguir.
A sua melhor defesa é ter cautela com indivíduos que encantam e se
tornam seus amigos com muita rapidez, que se mostram amáveis e
obsequiosos demais a princípio. Essa amabilidade extrema nunca é natural.
Mantenha distância e procure por sinais precoces, como comentários
passivo-agressivos. Se notar que – de forma atípica – eles se envolvem em
boatos maldosos sobre alguém, não há dúvida de que é a Sombra quem está
falando e que você será o alvo dessas fofocas algum dia.
O fanático. Você se impressiona com o fervor com que esse tipo apoia a
causa que for. Pessoas assim falam em tom energético, não aceitam
nenhuma concessão. Vão consertar tudo, restaurar a grandeza. Irradiam
força e convicção, por isso ganham seguidores. Têm um gosto pelo drama e
sabem como chamar atenção. Contudo, no instante crucial em que lhes seria
possível realizar o que haviam prometido, se atrapalham de forma
inesperada. Tornam-se indecisas no momento errado, ou se esgotam e
adoecem, ou tomam decisões tão malconcebidas que tudo vem abaixo. É
como se perdessem a fé de repente, ou que, bem no fundo, quisessem
fracassar.
A verdade é que esses tipos têm inseguranças imensas desde cedo na
vida. Têm dúvidas sobre o seu amor-próprio. Nunca se sentiram amados ou
admirados o suficiente. Cheios de temores e incertezas, encobrem isso com
a máscara de uma grande crença em si mesmos e na causa. Observando seu
passado, você lhes notará algumas alterações, às vezes radicais, no sistema
de crenças, pois não é a crença específica que importa, mas a convicção
intensa. Por essa razão, eles as mudam para que se adéquem aos tempos. A
crença em algo é como uma droga para eles. Entretanto, as dúvidas
retornam. No fundo, sabem que não são capazes de realizar o que
prometem. Assim, quando se veem sob tensão, se tornam o oposto da
fachada – indecisos e inseguros. Demitem os assistentes e gerentes de forma
repentina para dar a impressão de ação, mas, de modo inconsciente, estão se
sabotando com mudanças desnecessárias. Precisam explodir de alguma
maneira, porém culpando os outros por isso.
Nunca se deixe levar pela força das convicções e dramaticidade das
pessoas. Sempre tenha em mente a regra de que quanto maior a estridência
do discurso, mais profundas são as dúvidas e inseguranças subjacentes. Não
se torne um seguidor. Esses tipos farão de você um tolo.
O racionalista rígido. Todos nós temos tendências irracionais. É o
legado duradouro das nossas origens primitivas, das quais nunca nos
livraremos. Somos predispostos a superstições, a ver conexões entre
acontecimentos que não têm nenhuma ligação. Somos fascinados por
coincidências. Nós antropomorfizamos e projetamos os nossos sentimentos
em outras pessoas e no mundo em redor. Secretamente, consultamos mapas
astrológicos. Precisamos apenas aceitar isso. Na realidade, muitas vezes
recorremos à irracionalidade como uma forma de relaxamento – piadas
bobas, atividades sem significado, um interesse ocasional pelo oculto. Ser
sempre racional é cansativo. Entretanto, para alguns, isso os deixa
horrivelmente desconfortáveis. Eles enxergam esse pensamento primitivo
como moleza, misticismo, contrário à ciência e à tecnologia. Tudo precisa
ser claro e analítico ao extremo. Esses tipos tornam-se ateus devotos, sem
entender que o conceito de Deus não pode ser nem provado nem refutado.
De um jeito ou de outro, é uma crença.
O que é reprimido, porém, sempre retorna. A fé na ciência e na
tecnologia adquirirá um ar religioso. Em discussões, eles impõem as suas
ideias com peso intelectual redobrado e até um toque de raiva, que revela a
agitação do primitivo interior e da necessidade emocional oculta de
intimidar os outros. No ponto extremo, se envolvem num caso de amor dos
mais irracionais e contrário à própria imagem – o professor universitário
fugindo com a jovem modelo. Ou fazem alguma má escolha profissional,
ou caem em algum esquema financeiro ridículo, ou embarcam em alguma
teoria conspiratória. Também são propensos a estranhas alterações de
humor e explosões emocionais à medida que a Sombra desperta. Provoqueos a reagir de forma exagerada ao lhes arruinar a ilusão de serem superiores
intelectualmente. A verdadeira racionalidade deveria ser sóbria e cética
sobre os seus próprios poderes, e não promover a si mesma.
O esnobe. Uma pessoa assim tem a necessidade tremenda de ser
diferente dos outros, de estabelecer alguma forma de superioridade sobre a
massa da humanidade. Seu gosto estético é mais refinado no que se refere a
arte, ou a crítica de filmes, ou bons vinhos, ou pratos gourmet, ou discos de
punk rock clássico. Colecionou um conhecimento impressionante a respeito
desses assuntos. Põe muita ênfase nas aparências – é mais “alternativa” do
que os demais, as suas tatuagens são mais originais. Em muitos casos,
parece ter um histórico bem interessante, talvez com algum ancestral
fascinante. Tudo em torno dela é extraordinário. Claro que, mais tarde,
descobrimos que estava exagerando ou mentindo. Beau Brummell, o
notório esnobe janota do início do século 19, tinha um histórico familiar
enraizado na classe média, ao contrário do que alegava. A família de Karl
Lagerfeld, o atual diretor criativo da casa Chanel[2], não herdou o seu
dinheiro, mas o conquistou da maneira mais burguesa, ao contrário do que
contava.
A verdade é que a banalidade está integrada na existência humana.
Passamos grande parte da vida ocupados com as tarefas mais maçantes e
tediosas. A maioria de nós teve pais com empregos normais, sem muito
glamour. Todos temos aspectos medíocres em relação ao nosso caráter e às
nossas habilidades. O esnobe é particularmente sensível a isso, bastante
inseguro sobre as suas origens e possível mediocridade. A maneira que
encontra de lidar com isso é distrair e enganar os outros por meio das
aparências (ao contrário da originalidade real do trabalho dele), cercando-se
do extraordinário e de conhecimentos especiais. Por baixo de tudo, a pessoa
real está esperando para surgir – bem ordinária e não tão diferente.
De qualquer modo, aqueles que são de fato originais e diferentes não
precisam fazer um espetáculo disso. Na verdade, por vezes se sentem
embaraçados por serem tão diferentes e aprendem a parecer mais humildes.
(Como exemplo, veja a história de Abraham Lincoln na seção a seguir.)
Tenha cautela redobrada junto àqueles que se esforçam para exibir o quanto
são diferentes.
O empreendedor radical. À primeira vista, quem é desse tipo parece
possuir qualidades bem positivas, em especial para o trabalho. Mantém
padrões bastante elevados e presta atenção excepcional aos detalhes. Está
disposto a realizar a maior parte do trabalho sozinho. Caso seja também
dotado de talento, costuma obter o sucesso bem cedo. Entretanto, por trás
da fachada, as sementes do fracasso estão se enraizando. O primeiro
sintoma disso é a sua inabilidade de dar ouvidos aos outros. Não aceita
conselhos, não precisa de ninguém. Na verdade, desconfia daqueles que não
têm os mesmos padrões elevados. Ao obter o sucesso, é forçado a assumir
cada vez mais responsabilidades.
Se fosse autossuficiente de fato, entenderia a importância de delegar
tarefas aos níveis inferiores para manter o controle no nível superior, mas
algo mais se agita dentro dele – a Sombra. Logo a situação se torna caótica.
Alguns precisam intervir e assumir o negócio. O empreendedor radical vê a
própria saúde e finanças arruinadas e se torna dependente de médicos e
financistas externos. Vai do controle total à dependência completa de
outros. (Pense no astro da música pop Michael Jackson ao fim da vida.)
Muitas vezes, para uma pessoa com essas características, o espetáculo
externo da autossuficiência disfarça um desejo oculto de ter outros que
cuidem dela, de regressar à dependência da infância. Nunca consegue
admitir isso a si mesma ou demonstrar quaisquer sinais dessa fraqueza, mas,
de maneira inconsciente, é atraída à criação de caos suficiente para que
sofra um colapso e seja forçada a aceitar alguma forma de dependência. Há
sinais prévios disso: problemas de saúde recorrentes, micronecessidades
súbitas de ser mimada pelos demais. Contudo, o sinal mais evidente surge
quando perde o controle e não toma medidas para impedir que isso
aconteça. É melhor não se envolver com esses tipos numa fase tardia da
carreira deles, pois eles têm a tendência de gerar muitos danos colaterais.
O SER HUMANO INTEGRADO
No decorrer da vida, é inevitável que encontremos aqueles que
aparentam se sentir bem como são, demonstrando certos traços que nos
ajudam a ter essa impressão: conseguem rir de si mesmos; admitem certas
falhas de caráter, assim como erros que tenham cometido; têm um quê
brincalhão, às vezes travesso, como se houvessem conservado mais da
criança interior; desempenham o seu papel na vida com um pouquinho de
distanciamento (veja a última seção do Capítulo 3). Às vezes, são
espontâneos de uma forma cativante.
O que essas pessoas nos sinalizam é uma autenticidade maior. Enquanto
a maioria de nós perdeu boa parte dos nossos traços naturais ao nos
tornarmos adultos sociabilizados, os tipos autênticos conseguiram, de algum
modo, se manter vivos e ativos. É fácil contrastá-los com o tipo oposto:
indivíduos irritadiços, hipersensíveis a qualquer coisa que percebam como
uma ofensa, e que dão a impressão de não se sentirem confortáveis consigo
mesmos e de terem algo a esconder. Os seres humanos são peritos em notar
a diferença. Quase chegam a senti-la no comportamento não verbal – a
linguagem corporal relaxada ou tensa, o tom fluente ou hesitante da voz; o
modo como os olhos observam e acolhem; o sorriso genuíno ou a ausência
deste.
Uma coisa é certa: somos atraídos por completo pelos tipos autênticos e
repelidos de forma inconsciente pelo oposto. O motivo é simples: todos
lamentamos, no fundo, a perda da parte da infantil do nosso caráter – a
liberdade, a espontaneidade, a intensidade da experiência, a mente aberta. A
nossa energia geral decresce com a perda. Aqueles que emitem o ar de
autenticidade nos sinalizam outra possibilidade – a de sermos adultos que
conseguem integrar a criança e o adulto, o sombrio e o luminoso, a mente
inconsciente e a consciente. Ansiamos por estar ao redor deles. Talvez algo
dessa energia nos contagie.
Se Richard Nixon, em muitos aspectos, é o epítome do tipo inautêntico,
encontramos diversos exemplos do seu oposto para nos inspirar: na política,
homens como Winston Churchill e Abraham Lincoln; nas artes, pessoas
como Charlie Chaplin e Josephine Baker; na ciência, alguém como Albert
Einstein; na vida social em geral, alguém como Jacqueline Kennedy
Onassis. E eles nos apontam um caminho a seguir, centrado em grande
parte na autoconsciência. Cientes da Sombra, seremos capazes de controlála, canalizá-la e integrá-la. Sabendo o que perdemos, poderemos nos
reconectar com aquilo de nós que afundou para dentro da Sombra.
O que se segue são quatro passos claros e práticos para esse intento.
Veja a Sombra. Esse é passo mais difícil do processo. A Sombra é algo
que negamos e reprimimos. É muito mais fácil escavar e julgar as
qualidades sombrias dos outros, e quase antinatural olhar para dentro para
esse aspecto do nosso caráter. Contudo, lembre-se de que sua humanidade
estará incompleta se mantiver isso enterrado. Seja intrépido nesse processo.
A melhor maneira de começar é procurar por sinais indiretos, como
indicados na seção anterior. Por exemplo, tome nota de quaisquer traços
específicos de empatia unilateral em si mesmo. Pressuponha que a faceta
oposta jaz enterrada lá no fundo e, a partir daí, tente ver mais sinais dela no
seu comportamento. Examine as suas explosões emocionais e os momentos
de irritação extrema. Alguém ou algo tocou numa parte sensível. A sua
sensibilidade a um comentário ou imputação indica uma qualidade da
Sombra que está provocada, na forma de uma insegurança profunda. Traga
isso à tona.
Examine minuciosamente as suas tendências a projetar emoções ou más
qualidades nas pessoas que conhece, ou até em grupos inteiros. Por
exemplo, digamos que você realmente odeie narcisistas ou controladores. O
que acontece é que você está provavelmente roçando contra as suas próprias
tendências narcisistas e um desejo secreto de ser mais assertivo, e isso toma
a forma de uma negação ou ódio veemente. Somos especialmente sensíveis
a traços e fraquezas dos outros que reprimimos em nós mesmos. Considere
os momentos da sua juventude (fim da adolescência, início da vida adulta)
em que você agiu de forma bem insensível ou até cruel. Quando era mais
jovem, tinha menos controle sobre a Sombra e esta surgia com mais
naturalidade, sem a força repressora de anos posteriores.
Ao fim da carreira, o escritor Robert Bly (n. 1926) passou a se sentir
deprimido. Os seus textos lhe pareciam áridos. Começou a pensar cada vez
mais sobre o lado da Sombra do seu caráter. Estava determinado a encontrar
sinais dela e escrutinizá-la de maneira consciente. Ele era o tipo boêmio de
artista, bem ativo na contracultura da década de 1960. As suas raízes
artísticas remontavam aos artistas românticos do início do século 19,
homens e mulheres que enalteciam a espontaneidade e a naturalidade. Em
muito da obra do próprio Bly, protestava contra publicitários e empresários
– na opinião dele, eram calculistas, planejando tudo ao extremo, com medo
do caos da vida, e bem manipuladores.
Contudo, ao olhar para dentro, Bly vislumbrou sinais dessas qualidades
calculistas e manipuladoras em si mesmo. No fundo, temia os momentos de
caos na vida, gostava de planejar e controlar os acontecimentos. Poderia ser
bem malicioso com pessoas que percebia serem tão diferentes, mas a
verdade era que havia algo do corretor da Bolsa e do publicitário dentro
dele. Talvez fossem a parte mais escondida dele. Outros lhe diziam que o
viam bem clássico em seus gostos e na sua obra (construindo tudo muito
bem), algo que o incomodava, já que imaginava o oposto. Entretanto, ao se
tornar cada vez mais honesto consigo, percebeu que eles tinham razão. (As
pessoas, por vezes, veem a nossa Sombra melhor do que nós, e seria sábio
lhes pedir opiniões francas sobre o assunto.)
Passo a passo, ele desenterrou as qualidades sombrias interiores –
rigidez, moralismo excessivo etc. – e, ao fazê-lo, se sentiu reconectado ao
outro lado da sua psique. Conseguia agora ser honesto consigo mesmo e
canalizar a Sombra de forma criativa. A depressão foi embora, assim como
a dificuldade para escrever.
Leve esse processo mais a fundo, reexaminando sua versão anterior.
Analise os traços da infância que foram expulsos de si pelos seus pais e
colegas
–
certas
fraquezas
ou
vulnerabilidades
ou
formas
de
comportamento, traços dos quais o fizeram se envergonhar. Talvez os seus
pais não apreciassem as suas tendências introspectivas ou o seu interesse
em certos assuntos que não eram do gosto deles. Em vez disso, o
direcionaram para carreiras e interesses que lhes agradavam. Examine as
emoções às quais costumava ter uma predisposição, elementos que
incitavam uma sensação de assombro e entusiasmo que desapareceu. Você
se tornou mais como os outros à medida que cresceu, e precisa agora
redescobrir as facetas autênticas perdidas de si mesmo.
Por fim, encare os seus sonhos como a visão mais clara e direta da sua
Sombra. Só lá você encontrará os tipos de comportamento que têm evitado
com rigor na vida consciente. A Sombra conversa com você de diversas
maneiras. Não procure por símbolos ou significados ocultos; em vez disso,
preste atenção ao tom emocional e aos sentimentos gerais que inspiram,
agarrando-se a eles por todo o dia. Talvez seja um comportamento ousado
inesperado da sua parte, ou uma ansiedade intensa despertada por certas
situações, ou sensações de estar aprisionado, ou voando acima de tudo que
existe, ou explorando um local que é proibido ou além das fronteiras. As
ansiedades podem estar relacionadas a inseguranças que você não está
enfrentando; o voo e a exploração são desejos ocultos tentando subir à
consciência. Adote o hábito de anotar os seus sonhos e prestar grande
atenção aos sentimentos que inspiram.
Quanto mais passar por esse processo e enxergar os contornos da sua
Sombra, mais fácil isso se tornará. Você descobrirá mais sinais à medida
que os músculos tensos de repressão relaxarem. A certa altura, a dor de
enfrentar esse processo se transformará em excitação pelo que estiver
descobrindo.
Acolha a Sombra. A sua reação natural ao descobrir e encarar o seu
lado sombrio é se sentir desconfortável e manter apenas uma consciência
superficial dele. A sua meta aqui deve ser a oposta – não apenas a aceitação
completa da Sombra, mas o desejo de integrá-la à sua personalidade atual.
Desde tenra idade, Abraham Lincoln gostava de se analisar, e um tema
recorrente nos seus autoexames era que tinha uma personalidade dupla –
havia na sua natureza uma faceta ambiciosa quase cruel e, ao mesmo tempo,
uma sensibilidade e suavidade que o deixavam deprimido com frequência.
Ambos os lados da sua natureza o faziam se sentir desconfortável e
estranho. O mais rude, por exemplo, adorava boxe e gostava de trucidar por
completo os adversários no ringue. No Direito e na política, tinha um senso
de humor bem contundente.
Certa vez, escreveu algumas cartas anônimas a um jornal, atacando um
político que considerava um palhaço, as quais foram tão eficazes que o alvo
enlouqueceu de raiva. Ao descobrir o autor delas, o desafiou para um duelo.
Isso se tornou o assunto da cidade e se provou bem embaraçoso para
Lincoln, que conseguiu se safar, mas jurou nunca ceder a essa faceta cruel
de novo. Reconheceu o traço em si mesmo e não o negava. Em vez disso,
redirecionaria aquela energia agressiva e competitiva para vencer debates e
eleições.
Seu lado suave adorava poesia, sentia tremenda afeição por animais e
detestava testemunhar qualquer tipo de crueldade física. Detestava o álcool
e o que ele fazia com as pessoas. Nos piores momentos, era propenso a
acessos de melancolia profunda e a se remoer sobre a morte. Ao todo, sentia
que era sensível demais para o mundo agressivo e turbulento da política.
Em vez de negar esse traço de si mesmo, ele o canalizou numa empatia
incrível pelo público, pelo homem e pela mulher comuns. Importando-se
profundamente com a perda de vidas na guerra, devotou todos os seus
esforços para terminá-la cedo. Não projetava maldade nos soldados sulistas,
sentindo empatia pelos seus problemas, e planejou uma paz que não era
vingativa.
Lincoln também incorporou essa faceta num senso de humor saudável
sobre si mesmo, fazendo piadas frequentes a respeito da própria feiura, da
voz aguda e da natureza lamuriosa. Ao acolher e integrar essas qualidades
opostas à sua identidade pública, dava a impressão de ter uma autenticidade
tremenda. As pessoas se identificavam com ele de um jeito nunca visto
antes com um líder político.
Explore a Sombra. Considere-a como tendo profundezas que contêm
grande energia criativa, as quais você deve explorar e que incluem formas
mais primitivas de pensamento e os impulsos mais sombrios que surgem da
nossa natureza animal.
Quando crianças, a nossa mente era muito mais fluida e aberta.
Fazíamos as associações mais surpreendentes e criativas. No entanto, ao
crescer, tendemos a estreitar essa capacidade. Vivemos um mundo
sofisticado de alta tecnologia, dominado por estatísticas compiladas a partir
de uma grande quantidade de dados. Associações livres entre ideias,
imagens geradas por sonhos, pressentimentos e intuições parecem
irracionais e subjetivas. Contudo, esse processo causa as formas mais
estéreis de raciocinar. O inconsciente, a parte da mente em que a Sombra
reside, tem poderes que precisamos aprender a acessar. E, na realidade,
algumas das pessoas mais criativas em nosso meio praticam de maneira
ativa esse tipo de raciocínio.
Albert Einstein baseou uma das suas teorias da relatividade numa
imagem de um sonho. O matemático Jacques Hadamard fez as suas
descobertas mais importantes a bordo de um ônibus ou no chuveiro –
palpites que lhe vieram do nada ou, como alegou, do seu inconsciente. A
grande contribuição de Louis Pasteur acerca da imunização teve como base
uma associação bem livre de ideias após um acidente no seu laboratório.
Steve Jobs dizia que as suas ideias mais eficientes vinham de intuições,
momentos em que a mente divagava com a maior liberdade.
Entenda: a mente consciente de que dispomos é bem restrita. Há um
limite para os dados que conseguimos conter na memória de curto e longo
prazo; no entanto, no inconsciente a quantidade de material formado por
lembranças, experiências e informações absorvidas via estudos é quase
ilimitada. Depois de uma pesquisa ou trabalho prolongados acerca de um
problema, quando a mente se solta em sonhos ou atividades banais não
relacionadas, o inconsciente começa a funcionar e associar todo tipo de
pensamento aleatório, alguns dos mais interessantes borbulhando até a
superfície. Todos temos sonhos e intuições, e fazemos a livre associação de
ideias, mas muitas vezes nos recusamos a prestar atenção a eles ou levá-los
a sério. Desenvolva o hábito de utilizar essa forma de pensamento com mais
frequência ao garantir um tempo desestruturado para poder brincar com as
ideias, expandir as opções a serem consideradas e prestar imensa atenção ao
que lhe vier em estados menos conscientes da mente.
Na mesma linha, explore os seus impulsos mais sombrios, até aqueles
que lhe pareçam criminosos, e descubra uma maneira de expressá-los no
seu trabalho ou exteriorizá-los de alguma forma (num diário, por exemplo).
Temos desejos agressivos e antissociais, mesmo em relação àqueles que
amamos, além de traumas ligados à nossa primeira infância associados a
emoções que preferimos esquecer. As melhores obras de arte de qualquer
tipo expressam essas profundezas de algum modo, o que causa uma reação
poderosa em todos nós, pois elas são tão reprimidas. Esse é o poder dos
filmes de Ingmar Bergman ou dos romances de Fiódor Dostoiévski, e você
pode fazer o mesmo ao exteriorizar o seu lado sombrio.
Exponha a Sombra. Na maior parte do tempo, sofremos em silêncio
com os intermináveis códigos sociais que temos de seguir. Precisamos nos
mostrar gentis e simpáticos, sempre concordando com o grupo. É melhor
que não demonstremos autoconfiança ou ambição em demasia. Pareça
humilde e semelhante a todos os demais; é assim que se joga. Ao trilhar
esse caminho, ganhamos conforto ao nos encaixarmos, mas também nos
tornamos defensivos e, no fundo, ressentidos. Ser tão gentil acaba sendo um
hábito, que com facilidade se transforma em timidez, falta de autoconfiança
e indecisão. Ao mesmo tempo, a nossa Sombra se revela, mas de maneira
inconsciente, em acessos explosivos, muitas vezes para o nosso próprio
prejuízo.
Seria sábio observar aqueles que têm sucesso em suas respectivas áreas.
É inevitável que vejamos que a maioria deles é bem menos limitada por
esses códigos. Em geral, são mais assertivos e francamente ambiciosos.
Importam-se muito menos com o que os outros pensam, zombam das
convenções de forma aberta e orgulhosa e não são punidos, mas bem
recompensados. Steve Jobs é um exemplo clássico. Ele exibiu o lado tosco
da sua Sombra na maneira como trabalhava com os colegas. A nossa
tendência ao olhar para as pessoas como Jobs é admirar a sua criatividade e
subtrair as suas qualidades sombrias se necessário. Se apenas ele tivesse
sido mais gentil, teria sido um santo. No entanto, a realidade é que o lado
sombrio estava entrelaçado de modo inextricável ao seu poder e
criatividade. Sua habilidade de não dar ouvidos aos demais, de trilhar o
próprio caminho e de ser um pouco rude nisso foi fundamental para seu
sucesso, que veneramos. E o mesmo vale para muitas pessoas criativas e
poderosas. Subtraia a Sombra ativa, e elas teriam sido como todo mundo.
Entenda: você paga um preço mais alto por ser gentil e respeitoso do
que por exibir a sua Sombra de maneira consciente. Em primeiro lugar, para
trilhar esse segundo caminho, o passo inicial é respeitar mais as suas
próprias opiniões e menos as dos outros, em especial quando se trata das
suas áreas de proficiência, do campo no qual imergiu. Confie na sua
genialidade natural e nas ideias que conceber. Em segundo lugar, adquira o
hábito, na vida cotidiana, de se afirmar mais e ceder menos. Faça isso sob
controle e em momentos oportunos. Em terceiro lugar, comece a se
importar menos com o que as pessoas pensam de você. Sentirá, assim, uma
tremenda sensação de liberação. Em quarto lugar, entenda que, de vez em
quando, você precisa ofender e até magoar aqueles que bloqueiam o seu
caminho, que têm valores desprezíveis, que o criticam de forma injusta. Use
esses momentos de injustiça evidente para trazer a sua Sombra para fora e
exibi-la com orgulho. Em quinto lugar, sinta-se à vontade para fazer o papel
da criança obstinada e insolente que ridiculariza a estupidez e a hipocrisia
dos outros.
Por fim, zombe das próprias convenções que os outros seguem de
maneira tão escrupulosa. Por séculos, e ainda hoje, os papéis de gênero têm
representado a convenção mais poderosa de todas. O que homens e
mulheres podiam fazer ou dizer tem sido bastante controlado, ao ponto de
parecer quase representar diferenças biológicas em vez de convenções
sociais. As mulheres, em especial, são socializadas para serem duplamente
gentis e simpáticas; sentem uma pressão constante para aderir a essas
expectativas, confundindo-as com algo natural e biológico.
Algumas das figuras femininas mais influentes da história foram as que
romperam de maneira deliberada com esses códigos – artistas como
Marlene Dietrich e Josephine Baker, representantes políticas como Eleanor
Roosevelt, empresárias como Coco Chanel. Elas trouxeram a Sombra à tona
e a expuseram ao agir de formas que eram consideradas tradicionalmente
masculinas, combinando e confundindo os papéis de gênero.
Até mesmo Jacqueline Kennedy Onassis obteve grande poder ao jogar
contra o tipo tradicional de esposa no meio político. Sua faceta maliciosa
era bem pronunciada, e quando Norman Mailer a conheceu em 1960 e ela
pareceu fazer troça dele, este viu que “algo engraçado e severo lhe surgiu
nos olhos, como se ela fosse mesmo uma menina de 8 anos bem travessa”.
Se as pessoas a aborreciam, ela o demonstrava com franqueza. Dava a
impressão de se importar pouco com o que os outros pensavam a seu
respeito e se tornou uma sensação por causa da naturalidade que emanava.
De maneira geral, considere isso como uma forma de exorcismo. Uma
vez que você demonstre esses desejos e impulsos, eles não se esconderão
mais nos cantos da sua personalidade, contorcendo-se e operando de
maneira furtiva. Você terá liberado os seus demônios e ampliado a sua
presença como um ser humano autêntico. Desse modo, a Sombra se tornará
sua aliada.
Infelizmente, não há dúvida sobre o fato de que o homem, como um todo, não é tão
bom quanto se imagina ou quer ser. Todos carregam uma Sombra, e, quanto menos ela
é encarnada na vida consciente do indivíduo, mais escura e densa ela é.
— Carl Jung
10
Cuidado com o ego frágil
A Lei da Inveja
Nós, seres humanos, somos naturalmente compelidos a nos compararmos
uns com os outros. Estamos sempre avaliando as circunstâncias das
pessoas, os níveis de respeito e atenção que recebem, e notando quaisquer
diferenças entre o que temos e o que elas têm. Para alguns, essa
necessidade de comparar serve como um encorajamento para se
destacarem por meio do trabalho. Para outros, pode se transformar numa
inveja profunda – sentimentos de inferioridade e frustração que levam a
ataques dissimulados e sabotagem. Ninguém admite que age por inveja.
Você precisa reconhecer os sinais iniciais de alerta: elogios e ofertas de
amizade que soam efusivos ou desproporcionais; provocações sutis
disfarçadas de humor bem-intencionado; desconforto aparente com o seu
sucesso. É mais provável que surja entre amigos ou entre colegas da mesma
profissão. Aprenda a rechaçar a inveja ao desviar a atenção para longe de
você. Desenvolva o seu senso de amor-próprio a partir de padrões internos,
e não de comparações incessantes.
AMIGOS FATAIS
Ao fim de 1820, Mary Shelley (1797-1851), autora do romance
Frankenstein, e o marido de 28 anos de idade, o poeta Percy Bysshe
Shelley, se mudaram para Pisa, na Itália, depois de terem passado muitos
anos viajando pelo país. Enfrentavam um momento difícil: o filho e a filha
haviam morrido ainda crianças de febres contraídas na Itália. Mary tivera
uma relação bem próxima com o filho William, e a morte dele lhe causou
uma depressão profunda. Ela dera à luz outra criança, um menino chamado
Percy, mas sentia uma ansiedade constante a respeito da saúde dele. A culpa
e a melancolia provenientes do falecimento das crianças geraram certa
fricção entre o casal. Eles tinham sido tão próximos, passado por tantas
experiências juntos, que eram quase capazes de ler os pensamentos e
ânimos um do outro. Agora o marido se afastava, interessado em outras
mulheres. A esperança dela era de que em Pisa eles se assentariam afinal, se
reconectariam e se empenhariam a sério na escrita.
No início de 1821, os ingleses Jane e Edward Williams chegaram a Pisa
e a sua primeira parada foi visitar os Shelley. Eram amigos de um dos
primos de Percy Shelley, pensavam em morar naquela cidade e ficaram
maravilhados ao conhecer o famoso casal. Mary estava acostumada com
esse tipo de visitantes; ela e o marido eram tão notórios que boêmios
curiosos de toda a Europa surgiam para observá-los com ar embasbacado e
tentar lhes conquistar a amizade.
Com certeza os Williams, como todos os outros visitantes, saberiam
sobre o passado dos Shelley. Teriam conhecimento de que os pais de Mary
haviam sido dois dos intelectuais mais ilustres de toda a Inglaterra. A mãe,
Mary Wollstonecraft (1759-1797) – que morreu no parto quando a filha
nasceu –, foi talvez a primeira grande escritora feminista da história,
renomada por seus livros e casos de amor escandalosos. O pai de Mary era
William Godwin (1756-1836), celebrado escritor e filósofo que defendeu
muitas ideias radicais, inclusive o fim da propriedade privada. Escritores
famosos vinham ver a pequena Mary, pois ela era um objeto de fascínio,
com cabelo ruivo como a mãe, os olhos mais intensos, e uma inteligência e
imaginação muito acima da idade.
Os Williams certamente saberiam como a moça conheceu o poeta Percy
Shelley quando ela tinha 16 anos, e sobre o infame caso de amor entre eles.
Shelley, de origens aristocráticas e futuro herdeiro da fortuna do pai
abastado, havia se casado com uma bela jovem chamada Harriet, a quem
abandonou para viver com Mary; junto com Claire, meia-irmã de Mary, eles
viajaram pela Europa, vivendo juntos e escandalizando aonde quer que
fossem. Shelley era um crente fervoroso no amor livre e um ateu confesso.
Subsequentemente, a esposa Harriet cometeu suicídio, pelo que Mary
sempre se sentiu culpada, chegando até mesmo a imaginar que os filhos que
teve com Shelley haviam sido amaldiçoados. Pouco depois do falecimento
de Harriet, Mary e Percy se casaram.
Sem dúvida, os Williams ficariam a par do relacionamento dos Shelley
com o outro grande rebelde da época, o poeta Lord Byron. Haviam passado
tempo juntos na Suíça, e foi lá, inspirada por uma discussão à meia-noite
sobre histórias de terror, que Mary teve a ideia para o seu grande romance
Frankenstein, escrito quando ela tinha 19 anos. Lord Byron teve seus
próprios escândalos e inúmeros casos amorosos. Os três se tornaram um
ímã de boatos intermináveis, com Lord Byron agora vivendo na Itália
também. A imprensa inglesa os apelidara de “a Liga do Incesto e do
Ateísmo”.
A princípio, Mary prestou pouca atenção ao novo casal inglês em cena,
mesmo depois de alguns jantares juntos. Ela considerava Jane Williams um
pouco maçante e pretensiosa. Como escreveu ao marido, que estava então
fora por algumas semanas: “Jane por certo é bem bonita, mas carece de
animação e bom senso; a sua conversa não é nada especial e ela fala num
tom lento e monótono”. Jane não lia muito; o que gostava mais era de fazer
arranjos de flores, tocar harpa sinfônica, cantar canções da Índia, onde
vivera quando criança, e se sentar em poses bonitas. Será que era mesmo
tão superficial assim? De vez em quando, Mary flagrava Jane fitando-a com
um olhar desagradável, que logo disfarçava com um sorriso alegre. O mais
importante era que um amigo comum que havia conhecido os Williams, nas
suas viagens pela Europa, enviara uma carta para Mary alertando-a para que
se mantivesse distante de Jane.
Edward Williams, porém, era bem charmoso. Dava a impressão de
venerar Shelley e de querer ser como ele. Tinha aspirações de se tornar um
escritor. Mostrava-se tão ansioso para agradar e ser útil. Então, certo dia,
contou a Mary a história do romance entre ele e Jane, e Mary se viu bem
comovida.
Os Williams não eram de fato casados. Jane Cleveland, que vinha da
classe média, se casara com um soldado inglês de alta patente, apenas para
descobrir que este era um bruto abusivo. Quando conheceu o belo Edward
Williams – um militar que vivera na Índia, assim como Jane –, ela se
apaixonou de imediato. Em 1819, embora ainda estivesse casada com o
primeiro marido, Jane e Edward partiram para o continente europeu,
fingindo ser um casal. Como os Shelley, também moraram na Suíça e
partiram para a Itália em busca de aventuras e de um clima ameno. Jane
estava agora esperando o segundo filho de Edward, assim como Mary
estava grávida de novo. Parecia que, num aspecto fatídico, ambas tinham
muito em comum. Mary sentiu uma empatia profunda pelo caso de amor
entre eles e por quanto haviam sacrificado um pelo outro.
Então Jane teve o seu segundo filho. Agora as duas mulheres haviam
construído um laço de amizade como jovens mães. Finalmente, Mary tinha
alguém com quem falar sobre as dificuldades de criar crianças numa terra
estrangeira, algo com que o marido dela não se importava nem um pouco.
Além disso, os amigos dos Shelley não eram ingleses, já que os expatriados
ingleses na Itália os evitavam como se fossem uma praga. Seria um alívio
enorme ter companhia todos os dias nesse momento de turbulência que
enfrentava. Mary logo se tornou dependente da companhia de Jane e se
esqueceu de quaisquer receios que tivesse sentido a respeito dela.
Shelley também deu mostras de simpatizar com o casal. Edward era
obsequioso ao se oferecer para ajudá-lo em todos os aspectos e adorava
velejar e se gabar das suas habilidades como navegador. Velejar era uma das
obsessões de Shelley, apesar de ele jamais ter aprendido a nadar. Quem sabe
o novo amigo poderia auxiliá-lo a projetar o veleiro perfeito? Jane, por sua
vez, começou a intrigá-lo quanto mais tempo passavam juntos. Ela era tão
diferente de Mary. Nunca discutia, fitava-o com admiração e concordava
com tudo que dizia. Era tão animada. Shelley poderia lhe servir de
professor, instruí-la em poesia, e ela se tornaria a sua nova musa, um papel
ao qual a esposa deprimida não se adequava mais. Ele comprou um violão
para Jane e gostava de ouvir as canções indianas que ela parecia conhecer
tão bem. Jane tinha uma bela voz. Ele lhe dedicou poemas e, aos poucos,
acabou se enamorando dela.
Mary percebeu tudo isso. Conhecia bem o padrão seguido pelo marido:
sempre procurava por uma mulher bem diferente daquela com quem estava,
para inspirá-lo e quebrar a monotonia de um relacionamento. Harriet, sua
primeira esposa, havia sido mais similar a Jane, simples e bonita, e assim
ele se apaixonou pela bem mais complicada Mary. Agora o padrão se
repetia, com ele se apaixonando pela simplicidade de Jane. Contudo, como
Mary poderia levar Jane a sério como rival? Esta era tão comum. Shelley só
estava poetizando a imagem de Jane; no fim, acabaria por vê-la como era e
se entediaria. Sua esposa não temia perdê-lo.
Em 1822, os Shelley e os Williams, agora bem inseparáveis, decidiram
se mudar juntos para uma casa mais ao norte ao longo da costa, com vista
para a baía de Lerici. Desde o princípio, Mary odiou o lugar e implorou ao
marido que encontrasse outro. Era tão isolado. Não era fácil obter
suprimentos. Os camponeses locais pareciam bastante toscos e pouco
amigáveis. Os dois casais se tornariam dependentes por completo dos
criados. Ninguém além de Mary demonstrou interesse em administrar a
casa – Jane, que se provou bem preguiçosa, não queria nada com aquilo. No
entanto, o pior de tudo era que Mary tinha um pressentimento horrível sobre
o local. Temia muito pelo destino do filho Percy, então apenas com 3 anos.
Ela farejava um desastre nas paredes do casarão isolado que ocupavam.
Tornou-se nervosa e histérica. Sabia que estava aborrecendo a todos com o
seu comportamento, mas não conseguia suprimir a ansiedade. Shelley
reagiu passando cada vez mais tempo com Jane.
Vários meses depois que se mudaram para o casarão, Mary sofreu um
aborto e quase morreu. O marido cuidou dela por algumas semanas, e ela se
recuperou. Entretanto, quase de imediato ele pareceu se enamorar de um
novo plano que a apavorava: com Edward, projetara um barco, belo ao
olhar, elegante e rápido. Em junho daquele ano, Leigh Hunt e a esposa,
velhos amigos dos Shelley, haviam chegado à Itália. Hunt era um
publicitário que apoiava jovens poetas, e Shelley era o seu favorito. Este
planejou velejar pela costa com Edward para ir de encontro aos Hunt. Mary
pediu-lhe desesperadamente que não fosse. Shelley tentou tranquilizá-la:
Edward era perito em navegação, e o barco que construíra estava mais do
que apto a navegar. Mary não acreditava nisso; a embarcação parecia frágil
para as águas turbulentas da região.
Mesmo assim, Shelley e Edward partiram em 1º de julho, com um
terceiro membro na tripulação. No dia 8 daquele mês, ao darem início à
viagem de volta, cruzaram com uma das tempestades endêmicas da região.
O barco, na verdade, provou ter sido mal projetado e afundou. Alguns dias
mais tarde, os corpos de todos os três foram encontrados.
Quase de imediato, Mary foi tomada de remorso e culpa. Repassava na
memória cada palavra raivosa que dirigira ao marido, cada crítica que fizera
à obra dele, cada dúvida que incutira nele sobre o amor que ela sentia. O
impacto foi demais para Mary, e ela decidiu que, a partir de então, devotaria
a vida a tornar a poesia de Shelley famosa.
A princípio, Jane se mostrou arrasada pela tragédia, mas se recobrou
mais rápido do que Mary. Precisava ser pragmática. Mary teria uma boa
herança a partir da família de Shelley. Jane, por sua vez, não tinha nada.
Decidiu retornar a Londres e, de algum modo, encontrar um meio de
sustentar os dois filhos. Mary, simpatizada com a situação difícil de Jane,
deu-lhe uma lista de contatos importantes na Inglaterra, inclusive do melhor
amigo de infância de Shelley, Thomas Hogg, um advogado. Hogg tinha
seus próprios problemas – estava sempre se apaixonando pelas mulheres
mais próximas de Shelley: primeiro a irmã de Shelley, depois a primeira
esposa deste, e por fim a própria Mary, a quem tentou seduzir. No entanto,
tudo isso ocorrera muitos anos antes, e eles permaneceram amigos. E, como
advogado, Hogg poderia ser útil a Jane.
Mary decidiu permanecer na Itália. Poucos amigos lhe restavam, mas os
Hunt ainda estavam naquele país. Para a sua consternação, porém, Leigh
Hunt havia se tornado surpreendentemente frio. Naquele momento, em que
ela se sentia mais vulnerável, ele pareceu perder toda a simpatia por Mary, e
esta não conseguia entender o porquê. Isso só serviu para lhe aumentar a
angústia. Como poderia não saber o quanto ela amara o marido e lamentava
a morte dele? Mary não era do tipo que exibia as próprias emoções de
forma tão franca quanto Jane, mas, no fundo, sofria mais do que ninguém.
Outros velhos amigos passaram a agir com frieza também. Apenas Lord
Byron a apoiou, e eles se tornaram mais próximos.
Logo se tornou aparente que os pais de Shelley, que tinham se
escandalizado com os modos libertinos do filho, não reconheceriam Percy
como neto, certamente não enquanto este permanecesse aos cuidados de
Mary. Não haveria dinheiro para ela. Mary imaginou que a única solução
era retornar a Londres. Talvez os sogros, se conhecessem Percy e vissem
que mãe devotada ela era, mudassem de ideia. Ela escreveu a Jane e a Hogg
pedindo-lhes que a aconselhassem. O dois agora haviam se tornado amigos
íntimos. Hogg parecia pensar que ela deveria esperar antes de retornar; a
carta dele era notadamente fria. Lá estava outra pessoa que, de súbito, se
tornara distante. Contudo, foi a resposta de Jane que mais a surpreendeu.
Ela lhe aconselhou a desistir de Percy e não voltar a Inglaterra. Quando
Mary tentou explicar como seria impossível sob o aspecto emocional, Jane
se tornou ainda mais veemente na sua opinião. Expressou isso em termos
práticos – Mary não seria bem recebida em Londres; a família Shelley se
voltaria ainda mais contra ela –, mas que soavam insensíveis.
Nos meses que passaram juntas na Itália após o falecimento dos
maridos, elas haviam se aproximado bastante. Jane era a última ligação real
que Mary ainda tinha em vida com Shelley; Mary a perdoara por quaisquer
indiscrições cometidas. Perdê-la como amiga seria como enfrentar outra
morte, então decidiu retornar mesmo a Londres com o filho e reavivar
aquela amizade.
Mary chegou a Londres em agosto de 1823, e descobriu que virara uma
celebridade. Frankenstein havia sido transformado numa peça que
enfatizava os elementos de terror do livro. E fazia grande sucesso. A
história e o nome “Frankenstein” permearam a cultura popular. O pai de
Mary, que se tornara editor e vendedor de livros, pôs à venda uma nova
edição de Frankenstein, com Mary claramente identificada como autora. (A
primeira edição fora publicada anonimamente.) Mary, o pai dela e Jane
foram assistir à versão teatral, e tornou-se evidente para todos que ela tinha
passado a ser objeto de fascínio para o público: “Essa mulher pequena e
delicada escreveu uma história de terror tão poderosa?”.
Quando Lord Byron morreu na Grécia, logo após o retorno de Mary a
Londres, esta se tornou ainda mais famosa, pois fora uma das amigas mais
próximas dele. Todos os principais intelectuais ingleses a queriam conhecer,
descobrir mais sobre ela, o marido e Lord Byron. Até Jane voltara a ser
amigável, embora às vezes parecesse se afastar dela.
Apesar da fama, Mary se sentia infeliz. Não gostava da atenção, pois
esta vinha acompanhada de boatos intermináveis sobre seu passado e
insinuações a respeito de sua moralidade. Estava cansada de ser observada e
julgada. Queria se esconder e criar o filho. Decidiu que se mudaria para
perto de onde Jane vivia, numa parte mais remota de Londres. Lá, Percy se
reencontraria com os filhos de Jane. As duas mulheres poderiam viver uma
para a outra e compartilhar lembranças, recapturar o passado. Jane era tão
animada, e Mary precisava dessa animação. Em troca, faria todo o
necessário para cuidar da amiga.
No verão de 1824, as duas passaram a se ver com frequência.
Obviamente Hogg estava cortejando Jane, mas, como ele era desajeitado e
desagradável, Mary não conseguia imaginar Jane lhe retribuindo essa
atenção. Além disso, não transcorrera tempo suficiente após a morte do
marido. Entretanto, numa noite em janeiro, tornou-se claro para Mary que
ela vinha sendo enganada fazia bastante tempo. Estava na residência de
Jane, tarde da noite. Mary e Percy haviam permanecido, o garoto para
brincar com os filhos dela, e Mary para conversar um pouco mais. Hogg
chegou e Jane finalmente explodiu com a amiga, com um olhar que esta
jamais vira antes. Jane foi tão rude e abrupta ao pedir que a amiga fosse
embora, que deixou evidente que ela e Hogg estavam tendo um caso.
Notava que Jane estava se tornando cada vez mais fria e menos interessada
em passar o tempo com ela. E agora entendia melhor.
Elas continuaram amigas. Mary simpatizava com as dificuldades de
Jane como uma jovem viúva e sua necessidade de um marido. Jane estava
agora grávida de Hogg. Mary lutou para superar o ressentimento e ajudá-la
o melhor que podia. As duas se viam cada vez menos.
Para se distrair da solidão, Mary fez amizade com uma bela jovem
chamada Isabel Robinson, que precisava de auxílio – ela dera à luz uma
criança ilegítima, e o pai de Isabel por certo a desertaria se descobrisse a
verdade. Por semanas, Mary conspirou para ajudá-la, planejando enviá-la a
Paris para viver com um “homem” que faria o papel de pai – este sendo
uma mulher conhecida como srta. Dods, uma lésbica notória que adorava se
vestir com trajes masculinos e que conseguia se passar por um rapaz com
facilidade.
Deleitou-se arquitetando os pormenores do plano, mas certa tarde, antes
de acompanhar Isabel a Paris, recebeu o maior choque da sua vida: Isabel
lhe confidenciou em todos os detalhes as histórias que Jane vinha lhe
contando havia meses a respeito de Mary: que Shelley jamais a amara; que
ele a admirara, mas não havia nutrido nenhum sentimento por ela; que Mary
não era a mulher que ele queria ou de quem precisava; que Jane fora o
grande amor da vida dele. Jane chegou mesmo a sugerir a Isabel que Mary
o fizera tão infeliz que ele, no fundo, queria morrer no dia do passeio fatal
no veleiro, e que Mary era, de certa forma, responsável pela morte do
marido.
Mary mal conseguia acreditar, mas Isabel não tinha nenhum motivo
para inventar aquilo. E, pensando mais a fundo, de repente tudo começou a
fazer sentido – a frieza súbita de Hogg, Leigh Hunt e dos outros que
deveriam ter ouvido essas histórias; os olhares que Jane lhe lançava
ocasionalmente quando Mary era o centro das atenções num grupo; a
expressão dela ao jogar Mary para fora da casa; a veemência com que lhe
dissera para ficar longe de Londres e desistir do filho, o que significaria
abrir mão da herança dos Shelley. Todos aqueles anos, Jane não fora uma
amiga, mas uma competidora, e agora se tornava evidente que não era o
marido de Mary que se interessara por Jane, mas Jane o seduzira de fato,
com as suas poses, os olhares de coquete, o violão, as maneiras afetadas.
Era falsa até o âmago. Aquilo foi, depois da morte do marido de Mary, o
golpe mais brutal de todos.
Jane não só acreditava naquelas histórias monstruosas, mas também
fizera os outros acreditarem. Mary sabia o quanto o marido a havia amado
por tantos anos, e depois de tantas experiências compartilhadas. Espalhar
que ela, de algum modo, causara a morte dele era doloroso ao extremo; era
como uma adaga penetrando num antigo ferimento. Escreveu em seu diário:
“Minha amiga se provou falsa e traiçoeira. Não tenho sido uma tola?”.
Depois de vários meses se lamentando por causa disso, Mary finalmente
a confrontou. Jane rompeu em lágrimas, fazendo uma cena. Queria saber
quem espalhara aquela história horrorosa de traição, que ela negava.
Acusou Mary de ser insensível e pouco afetuosa. No entanto, para Mary, era
como se por fim houvesse acordado de um sonho. Conseguia agora ver a
indignação fingida, o amor falso, a maneira como Jane confundia a situação
com o seu drama. Não havia retorno.
Nos anos que se seguiram, Mary não cortaria os laços com Jane, mas o
relacionamento entre elas passou a ser inteiramente nos termos da primeira.
Mary sentiu apenas uma estranha satisfação ao ver a vida de Jane
desmoronar aos poucos, o relacionamento com Hogg se transformando num
desastre. À medida que se tornava cada vez mais famosa por seus romances
e pela publicação dos poemas de Shelley, Mary veio a conviver com os
maiores escritores e políticos da época, e perdeu o contato com Jane de
maneira gradual. Nunca conseguiria confiar nela de novo. Como escreveu
alguns anos mais tarde em seu diário: “A vida não adoece até que
desejemos esquecer. Jane me inspirou primeiro com esse sentimento
angustiante, manchando, ao mesmo tempo, os anos passados – tirando a
doçura das lembranças e lhes dando, em vez disso, as presas de uma
serpente”.
Interpretação: Examinemos as muitas transformações que a inveja
causa na mente, como vemos com clareza no exemplo de Jane Williams.
Quando esta conheceu Mary, foi tomada por emoções conflitantes. Por um
lado, havia muito a se apreciar e admirar em Mary, que tinha maneiras
agradáveis, era evidentemente brilhante, possuía uma ligação profunda com
o filho e era bastante generosa. Por outro lado, fazia Jane se sentir inferior,
carecendo de muito daquilo que Mary tinha, mas que ela sentia que merecia
– atenção pelos próprios talentos, pela disposição a fazer sacrifícios em
nome do amor, pela natureza encantadora. Era inevitável que, com a atração
por Mary, viesse também a inveja, o desejo de ter as mesmas coisas que esta
possuía, a sensação de ter direito a elas, mas a inabilidade aparente de
consegui-las com facilidade ou legitimidade. Com a inveja vem o desejo
secreto de magoar, ferir a pessoa invejada, ou de lhe roubar algo, a fim de
corrigir a injustiça decorrente dessa suposta superioridade.
Havia muitos motivos para Jane esconder ou até reprimir a inveja que se
agitava dentro si. Em primeiro lugar, em termos sociais, é tóxico
demonstrar a inveja, sentimento que revela inseguranças profundas e
também hostilidade, uma combinação bastante desagradável, que, com
certeza, leva as outras pessoas a se afastarem. Em segundo lugar, ela e o
marido dependiam dos Shelley para o seu sustento futuro, já que Jane
estava determinada a fazer Edward se associar a Shelley como amigo,
assistente e especialista em velejo. Shelley era notório por sua generosidade
em relação ao dinheiro. Mostrar-se hostil a Mary teria colocado tudo isso
em risco. Por fim, a inveja é uma emoção dolorosa, uma admissão da nossa
própria inferioridade, algo bem intolerável para os seres humanos. Não a
queremos analisar muito; gostamos de escondê-la de nós mesmos e de não
ter consciência do que motiva as nossas ações.
Considerando tudo isso, Jane deu o que seria o próximo passo natural:
tornou-se amiga de Mary, retribuindo a cortesia amigável desta e
redobrando-a. Uma parte dela gostava de Mary e se sentia lisonjeada pela
atenção demonstrada por uma pessoa tão famosa. Jane era ávida por
atenção. Como poderia se imaginar agora sentindo inveja em relação a
Mary, se esta havia decidido se tornar sua amiga? Contudo, quanto mais
tempo passavam juntas, mais pronunciado o desequilíbrio entre elas se
tornava. Era Mary que tinha o marido bonito e ilustre, o prospecto de uma
vasta herança, a amizade profunda com Lord Byron e a rica imaginação que
a fez tão talentosa. Assim, quanto mais tempo estava ao lado de Mary, mais
os sentimentos invejosos de Jane se fortaleciam.
Ocultar essa inveja de si mesma e dos outros exigia que ela agora desse
o próximo passo. Em sua própria mente, precisava converter Mary num
personagem antipático: Mary não era tão talentosa assim; tinha apenas
sorte, e se não fosse pelos pais famosos e pelos homens em redor dela,
jamais teria chegado àquela situação afortunada; não merecia a fama que
tinha; era uma pessoa irritante de se ter por perto, mal-humorada,
depressiva, carente, nada divertida; não era gentil nem amorosa em relação
ao marido, e não era lá grande coisa como mulher. À medida que Jane
passava por esse processo, a hostilidade começou a sobrepujar os
sentimentos de amizade. Justificava-se mais para seduzir Percy Shelley e
disfarçar o que sentia de verdade por Mary. O mais devastador para o
relacionamento conjugal de Mary foi que, cada vez que Shelley se queixava
para Jane da esposa, Jane reforçava isso com alguma nova história ou
observação, aprofundando o abismo entre o casal.
É claro que, ao transformar Mary em alguém tão desagradável, Jane
precisava ignorar deliberadamente o contexto – a perda recente dos dois
filhos amados, que adoeceram, a maneira como Shelley demonstrava frieza
para com a esposa e cortejava outras mulheres. Contudo, a fim de que os
invejosos se sintam no direito de agir de forma prejudicial, eles precisam
criar uma narrativa: tudo que a outra pessoa faz revela algum traço
negativo; ela não merece a sua posição superior. Agora Jane tinha o que
queria – a adoração de Percy Shelley e a alienação completa dele em
relação à esposa. Depois que Shelley morreu, ela descarregou a inveja,
espalhando a história maliciosa de que Mary não se mostrava muito triste
pela perda – algo tão perturbador para aqueles que ouviam isso, inclusive
Leigh Hunt, que todos se distanciaram dela.
Quando Jane voltou a Londres e Mary foi se juntar a ela, o padrão se
repetiu. Uma parte de Jane ainda se sentia atraída por Mary; com o passar
dos anos, elas haviam compartilhado muito. Entretanto, quanto mais tempo
Jane passava junto dela, mais notava a fama crescente de Mary, o círculo de
amigos ilustres, a natureza generosa para com outras mulheres que haviam
sido maltratadas, a devoção total ao filho e à memória do marido. Nada
disso combinava com a narrativa, por isso Jane precisou dar mais um passo
mental: “Mary é falsa, vivendo ainda do legado do marido e de outros,
motivada por um sentimento de carência, não de generosidade. Quem dera
outros enxergassem isso”. Por essa razão, Jane roubou Hogg, amigo de
Mary, uma imitação barata do pecado original de lhe roubar o marido. E
continuou a espalhar histórias sobre ela, mas, desta vez, com a adição da
reviravolta cruel de que Jane fora o último grande amor da vida de Shelley,
que este jamais amara a esposa, e que Mary o havia levado ao suicídio.
Contar casos tão escandalosos em Londres causaria o dano máximo à
reputação de Mary.
É difícil calcular a dor que Jane infligiu àquela mulher no decorrer dos
anos – as brigas com Shelley que foram exacerbadas por Jane, a frieza
repentina e misteriosa dos amigos mais íntimos de Mary, o jogo de atração e
rejeição que Jane fez com ela, sempre recuando quando a outra desejava se
aproximar, e, por fim, a revelação da traição derradeira e a noção, que
assombraria Mary por muitos anos, de que tantos acreditaram no que fora
contado. Essa é a dor oculta infligida por um grande invejoso.
Entenda: a forma mais comum e dolorosa da inveja ocorre entre amigos.
Supomos que algo no decorrer do relacionamento levou o amigo a se voltar
contra nós. Às vezes percebemos traição, sabotagem, críticas cruéis que ele
nos fez, e nunca entendemos a inveja subjacente que inspirou essas ações.
O que precisamos compreender é algo paradoxal: os indivíduos
invejosos se sentem motivados, em primeiro lugar, a conquistar a nossa
amizade. Como Jane, têm uma mistura de interesse genuíno, atração e
inveja, caso algumas das nossas qualidades os façam se sentir inferiores. Ao
se tornarem nossos amigos, conseguem disfarçar a inveja de si mesmos.
Logo irão ainda mais longe, tornando-se atenciosos ao extremo, e
impacientes para se assegurarem da nossa amizade. No entanto, ao se
aproximarem mais, o problema se agrava. A inveja latente é incitada de
maneira contínua. Os próprios traços que estimularam aqueles sentimentos
de inferioridade – a boa posição, a sólida ética de trabalho, a simpatia – são
agora testemunhados diariamente.
Desse modo, como aconteceu com Jane, uma narrativa é construída aos
poucos: a pessoa invejada tem sorte, é ambiciosa demais, não é tão talentosa
assim. No papel de nossos amigos, os invejosos descobrem os nossos
pontos fracos e o que nos magoará mais. Na amizade, estão mais bem
posicionados para nos sabotar, roubar o nosso cônjuge, espalhar o caos.
Depois que nos atacam, tendemos a nos sentir culpados ou confusos:
“Talvez eu tenha merecido algumas das críticas deles”. Se respondemos
com raiva, alimentamos a narrativa da nossa natureza antipática. Porque
somos amigos, nos sentimos duplamente magoados e traídos, e, quanto
mais profunda for a ferida, maior será a satisfação do invejoso. Podemos até
especular que o invejoso é atraído de maneira inconsciente a criar laços de
amizade com o ser invejado a fim de ter esse poder de ferir.
Embora esses amigos fatais sejam elusivos e enganadores, há sempre
sinais que alertam sobre a presença deles. Aprenda a prestar mais atenção às
suas primeiras impressões. (Quem dera Mary tivesse feito isso.) Muitas
vezes intuímos que a outra pessoa é falsa, mas depois nos esquecemos disso
quando ela se aproxima de maneira amigável. Sempre nos sentimos melhor
sobre aqueles que parecem gostar de nós, e os invejosos sabem bem disso.
Confie nas opiniões de amigos e de terceiras partes neutras. Muitos amigos
de Mary julgavam Jane dissimulada e até um pouco assustadora. A inveja
do amigo também tenderá a transparecer em olhares repentinos e
comentários
depreciativos.
Os
invejosos
oferecerão
conselhos
desconcertantes – bem fundamentados, mas que soam contra os nossos
interesses. Eles querem que cometamos erros, e com frequência tentarão
encontrar uma maneira de nos levar a isso. Qualquer sucesso ou atenção a
mais
que
conquistemos
fará
os
verdadeiros
sentimentos
deles
transparecerem mais.
Não é uma questão de se tornar paranoico, mas apenas de permanecer
alerta uma vez que capte sinais de inveja em potencial. Aprenda a
identificar os tipos com propensão especial a sentir inveja (veja mais sobre
isso na próxima seção) antes de se enredar demais no drama deles. É difícil
medir o que você ganhará ao evitar um ataque invejoso, mas pense nisso
nos seguintes termos: a dor infligida por um amigo invejoso pode afetá-lo e
envenená-lo por muitos anos.
Toda vez que um amigo obtém algum sucesso, eu morro um pouco.
— Gore Vidal
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
De todas as emoções humanas, nenhuma é mais traiçoeira ou evasiva do
que a inveja. É muito difícil discernir de fato a inveja que motiva as ações
das pessoas, ou até compreender que sofremos um ataque invejoso de
alguém; por isso, é tão frustrante e perigoso lidar com esse problema.
O motivo desse caráter evasivo é simples: quase nunca expressamos de
maneira direta a nossa inveja. Ao sentirmos raiva em relação a alguém por
causa de algo que foi dito ou feito, talvez tentemos disfarçar a nossa reação
por vários motivos, mas temos consciência da nossa hostilidade. Por fim, a
raiva transparecerá em algum comportamento não verbal. E se agirmos
motivados por ela, a nossa vítima a perceberá pelo que é, e, com toda
probabilidade, saberá o que a causou naquele momento. A inveja, porém, é
muito diferente.
Todos nós sentimos inveja, a sensação de que outros têm mais daquilo
que desejamos – posses, atenção, respeito. Merecemos ter tanto quanto eles
têm, mas nos vemos, por algum motivo, incapazes de obter essas coisas. No
entanto, como foi discutido anteriormente, a inveja acarreta a admissão,
para nós mesmos, de que somos inferiores ao outro em algum aspecto que
valorizamos. Não apenas é doloroso admitir essa inferioridade, mas é ainda
pior perceberem que nos sentimos assim.
Desse modo, quase no mesmo instante em que temos as pontadas
iniciais da inveja, somos motivados a disfarçá-la de nós mesmos – não é
inveja que sentimos, mas a injustiça quanto à distribuição de bens e de
atenção, ressentimento por essa injustiça, e até raiva. Além disso, a outra
pessoa não é superior de verdade, só tem sorte, é ambiciosa demais, ou
inescrupulosa; assim, chegou aonde está. Tendo nos convencido de que não
é a inveja que nos motiva, mas algo diferente, também fazemos os outros
terem muito mais dificuldade em detectar a inveja latente. Eles veem apenas
a nossa raiva, a indignação, as críticas hostis, os elogios venenosos, e assim
por diante.
Na Antiguidade, aqueles que sentiam uma inveja intensa talvez a
tenham demonstrado por meio de violência, tomando à força o que o outro
tinha ou recorrendo até ao assassinato. No Antigo Testamento, Caim matou
Abel por inveja; os irmãos de José o jogaram numa cova no deserto para
que morresse, pois o pai o preferia; em diversas ocasiões, o rei Saul tentou
matar o jovem Davi, tão belo e com dons naturais, e acabou enlouquecendo
de inveja.
Hoje, porém, as pessoas são muito mais diplomáticas e indiretas,
capazes de controlar quaisquer impulsos agressivos evidentes e mascarar o
que sentem. Em vez de fazerem uso da violência, é mais provável que os
invejosos sabotem o nosso trabalho, arruínem um relacionamento, destruam
a nossa reputação, nos atormentem com críticas que miram as nossas
inseguranças mais básicas. Isso lhes permite manter a sua posição social e
desestabilizar uma pessoa ao mesmo tempo, e sem que as suas vítimas
sequer suspeitem que a motivação por trás de tudo é a inveja. Os invejosos
conseguem justificar para si mesmos essas ações como uma correção de um
desequilíbrio ou de uma injustiça que tenham notado.
Se alguém se enfurece conosco e age de acordo com essa emoção, é
possível analisar a raiva que esse indivíduo sente e descobrir uma forma de
neutralizá-la ou de nos defender. No entanto, se não enxergamos a inveja
subjacente, é inevitável sermos confundidos pela ação hostil do invejoso, e
essa confusão multiplica a dor que vivenciamos. “Por que as pessoas se
mostram de repente tão indiferentes a mim?” “Por que aquele projeto
fracassou de maneira tão inesperada?” “Por que estou sendo despedido?”
“Por que ele está contra mim?”
A sua tarefa como estudante da natureza humana é se transformar num
perito da decodificação da inveja. Seja implacável na sua análise e
determinação para chegar à raiz do que motiva as pessoas. Os sinais de
inveja emitidos são mais difíceis de distinguir, mas existem, e você
conseguirá dominar a linguagem com algum esforço e discernimento sutil.
Pense nisso como um desafio intelectual. Ao se tornar capaz de decodificála, não se sentirá tão confuso. Vai entender em retrospecto que sofreu um
ataque invejoso, e isso o ajudará a superar a experiência. Talvez perceba de
antemão os alertas que precedem uma ofensiva dessas e consiga neutralizá-
la ou rechaçá-la. Conhecendo a dor oculta que vem de um ataque invejoso
bem-sucedido, você se poupará danos emocionais que poderiam durar anos.
Isso não o tornará paranoico, mas apenas mais capaz de separar os amigos
(ou colegas) falsos e fatais dos verdadeiros, daqueles em quem pode mesmo
confiar.
Antes de imergir nas sutilezas da emoção, é importante distinguir a
inveja passiva da ativa. Todos, no decorrer de um dia, sentiremos de
maneira inevitável algumas pontadas de inveja, à medida que examinamos
inconscientemente as pessoas em redor e percebemos que elas talvez
tenham mais do que nós. É um fato da vida social que há sempre aqueles
que serão superiores a nós em riqueza, inteligência, simpatia e outras
qualidades. Se essas pontadas se elevarem ao nível da consciência e se
mostrarem um pouquinho intensas, talvez digamos algo ofensivo ou
mesquinho como um modo de descarregar a emoção. Contudo, em geral, ao
sentirmos essa forma passiva de inveja, não fazemos nada que prejudique
de qualquer maneira o relacionamento com o amigo ou colega. Ao detectar
sinais de inveja passiva nos outros (por exemplo, pequenas gozações ou
comentários impensados), apenas tolere-os como um fato da natureza do
animal social.
Às vezes, porém, essa inveja passiva se torna ativa. A sensação latente
de inferioridade é forte demais, levando a uma hostilidade que não se
consegue descarregar com um mero comentário ou gozação. Viver com a
própria inveja por um longo período é doloroso e frustrante; sentir uma
indignação virtuosa contra a pessoa invejada, porém, é revigorante. Deixar
a inveja guiar as suas ações, fazendo algo para prejudicar o outro, traz
satisfação, como trouxe a Jane, embora essa satisfação dure pouco, pois os
invejosos sempre encontram algo novo para invejar.
O seu objetivo é detectar os sinais dessa forma mais séria de inveja
antes que ela se torne perigosa. É possível fazer isso de três maneiras:
aprender os sinais da inveja que acabam por transparecer, estar ciente dos
tipos de pessoa que têm maior propensão a agir movidos pela inveja e
entender as circunstâncias e ações que poderiam desencadear a inveja ativa
nos indivíduos. Você nunca conseguirá ver todas as ações motivadas pela
inveja; o ser humano é simplesmente bom demais em disfarçá-la.
Entretanto, utilizar todos esses três dispositivos de decodificação aumentará
as suas chances de detectá-la.
OS SINAIS DA INVEJA
Embora os sinais sejam sutis, os sentimentos de inveja tendem a
transparecer e são detectáveis se você for um bom observador. Ver um
desses sinais isolados talvez indique uma inveja passiva ou fraca. Procure
por combinações ou repetições dos seguintes sinais (um padrão) antes de
passar para o modo de alerta.
Microexpressões. Quando as pessoas sentem inveja pela primeira vez,
ainda não se iludiram com a ideia de que é algo mais, por isso são mais
propensas a deixar esse sentimento escapar no início do que mais tarde. É
por isso que as primeiras impressões são muitas vezes as mais precisas e
deveriam receber mais peso nesse caso. A inveja é associada com maior
frequência aos olhos. A raiz da palavra invidia, “inveja” em latim, significa
“olhar através, examinar com os olhos como uma adaga”. O significado
inicial do vocábulo era associado ao “olho maligno” e à crença de que um
olhar poderia mesmo transmitir uma maldição e ferir alguém fisicamente.
Os olhos são, de fato, um indicador que revela muito, mas a
microexpressão invejosa afeta todo o rosto. O leitor notará que os olhos do
invejoso se fixam em você por um momento, com um ar que sugere desdém
e um toque de hostilidade. É o olhar de uma criança que se sente
trapaceada. Com essa expressão, os cantos da boca muitas vezes se curvam
para baixo, o nariz numa posição um pouco erguida, escarnecedora, o
queixo projeto para a frente. Embora o olhar seja um pouco direto e
mantido por tempo demais, não durará mais do que um segundo ou dois.
Costuma ser seguido de um sorriso falso e forçado. Muitas vezes você
notará esse olhar acidentalmente, ao virar a cabeça de repente na direção do
seu interlocutor, ou sentirá o olhar dele pesando sobre você sem se voltar
diretamente para ele.
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) concebeu uma
maneira rápida de gerar esses olhares e testá-los quanto à inveja. Conte
àqueles que você suspeita de serem invejosos alguma boa notícia sobre
você mesmo – uma promoção, um novo e excitante interesse romântico, um
contrato para publicar um livro. Uma expressão bem rápida de
desapontamento será notada neles. O tom de voz com que lhe darão os
parabéns trairá alguma tensão e esforço. Da mesma forma, conte-lhes
acerca de alguma infelicidade que lhe aconteceu e note a microexpressão
incontrolável de alegria pela dor de outra pessoa, um sentimento que os
alemães chamam de schadenfreude. Os olhos se iluminam por um breve
segundo. Indivíduos invejosos não conseguem deixar de sentir algum prazer
ao saber da má sorte daqueles que invejam.
Se você notar olhares assim nas primeiras vezes em que se encontrar
com alguém, como Mary percebeu em Jane, e esses olhares acontecerem
mais de uma vez, mantenha-se alerta quanto à presença de um invejoso
perigoso na sua vida.
Elogio venenoso. Um grande surto invejoso costuma ser precedido por
pequenas alfinetadas, comentários repentinos concebidos especialmente
para provocá-lo. Elogios confusos e paradoxais são uma forma comum
disso. Digamos que você tenha completado um projeto – um livro, um
filme, uma iniciativa criativa – e a resposta inicial do público é bem
positiva. Os invejosos farão um comentário celebrando o dinheiro que vai
receber, deixando implícito que esse foi o motivo principal pelo qual você
trabalhou no projeto. Você quer elogios pelo trabalho em si e pelo esforço
que despendeu, e, em vez disso, os invejosos sugerem que fez tudo por
dinheiro, que se vendeu. Você se sentirá confuso – eles o elogiaram, mas de
um modo que o deixou desconfortável. Esses comentários também surgirão
em momentos escolhidos para causar o máximo de dúvida e danos, por
exemplo, bem quando você ouviu a boa notícia e sente uma onda de
felicidade.
De maneira semelhante, ao notar o seu sucesso, os invejosos podem
mencionar as partes mais desagradáveis do seu público, os tipos de fãs ou
consumidores que não refletem bem a sua imagem. “Bom, tenho certeza de
que os executivos de Wall Street vão adorar.” Isso é lançado em meio a
outros comentários normais, mas a culpa pela associação permanecerá na
sua mente. Ou eles elogiarão algo depois que você o perdeu – um emprego,
uma casa numa boa vizinhança, um cônjuge que o abandonou. “Era uma
casa tão bonita. Que pena.” É tudo dito de uma maneira que soa
compassiva, mas causa um efeito desconcertante. O elogio venenoso quase
sempre indica inveja. Os invejosos sentem a necessidade de elogiar, mas o
que predomina é a hostilidade subjacente. Se eles tiverem o hábito de
elogiar dessa maneira, se você receber deles muitos elogios desse tipo, é
provável que seja indicação de algo mais intenso se agitando dentro deles.
Maledicência. Se as pessoas gostam de fofocar bastante, em especial
sobre conhecidos mútuos, pode ter certeza de que vão fofocar sobre você. E
a fofoca é um disfarce frequente da inveja, uma maneira conveniente de
descarregá-la, compartilhando histórias e boatos maliciosos. Quando falam
sobre os outros pelas costas, você notará que os olhos dos invejosos se
iluminam e a voz se torna animada – a fofoca lhes dá um prazer comparável
ao schadenfreude. Eles extrairão qualquer tipo de relato negativo sobre um
conhecido mútuo. Um tema frequente na fofoca é que ninguém é tão bom
assim, e as pessoas não são o que fingem ser.
Se algum dia o leitor souber de uma história que espalharam sobre você,
sutil ou não sutilmente negativa, basta que isso aconteça uma vez para
deixá-lo de sobreaviso. O que indica a inveja ativa, nesse caso, é que um
amigo seu sente a necessidade de descarregar a hostilidade subjacente a
uma terceira parte, em vez de guardá-la para si. Se notar que os seus amigos
ou colegas se mostram de repente mais indiferentes a você do que antes sem
nenhum motivo aparente, esses fofoqueiros talvez sejam a fonte e vale a
pena desmascará-los. De todo jeito, os fofoqueiros em série não são amigos
leais ou confiáveis.
O vaivém. Como vimos na história de Jane Williams, por vezes os
invejosos usam a amizade e a intimidade como a melhor forma para ferir as
pessoas que invejam. Demonstram uma avidez incomum para se tornarem
seus amigos. Saturam a sua mente de atenção. Se você for inseguro em
qualquer aspecto, isso terá um efeito significativo. Eles o elogiam com um
pouco de efusão demais logo de início. Por meio da proximidade que
estabelecem, são capazes de reunir informações a seu respeito e descobrir
os seus pontos fracos. De repente, quando você já estiver envolvido
emocionalmente, eles o criticarão de maneira contundente. A crítica é
confusa, não relacionada em particular com nada que você tenha feito, mas
o faz se sentir culpado de todo jeito. Depois eles retornam à afeição inicial.
O padrão se repete. Você se verá aprisionado entre a amizade calorosa e a
mágoa ocasional que lhe infligem.
Ao tecerem críticas, são peritos em encontrar quaisquer defeitos
possíveis no seu caráter ou palavras das quais talvez se arrependa, e lhes dar
grande ênfase. São como advogados construindo um caso contra você.
Quando perder a paciência e decidir se defender ou criticá-los ou romper a
amizade, eles se verão no direito de atribuir a você um traço de
mesquinharia ou crueldade, e contar aos outros sobre isso. No passado deles
você encontrará outros relacionamentos intensos com rupturas dramáticas,
sempre por culpa da outra pessoa. E a fonte desse padrão, algo difícil de
discernir, é que eles escolhem se tornar amigos daqueles de quem sentem
inveja por alguma qualidade, para depois os torturar de forma sutil.
Em geral, as críticas a seu respeito que soarem sinceras, mas que não
têm relação direta com nada do que você tenha feito, costumam ser um sinal
forte de inveja. Quem o faz o quer intimidar e sobrepujar com algo
negativo, magoando-o e também encobrindo quaisquer rastros da inveja.
OS TIPOS INVEJOSOS
Segundo a psicanalista Melanie Klein (1882-1960), certas pessoas têm
uma propensão a sentirem inveja durante a vida toda, e isso começa na
primeira infância. Nas primeiras semanas e meses de vida, a mãe e o nenê
quase nunca estão longe da presença um do outro. No entanto, ao
crescerem, os bebês precisam lidar com a ausência da mãe por períodos de
tempo mais extensos, e isso exige um ajuste doloroso. Alguns, porém, são
mais sensíveis a esse afastamento ocasional. São gananciosos por mais
alimento e atenção. Tornam-se conscientes da presença do pai, com quem
precisam competir pela atenção da mãe. Talvez também tenham consciência
dos outros irmãos, que são vistos como rivais. Klein, que se especializou no
estudo da primeira infância, notou que algumas crianças sentiam um grau
maior de hostilidade e ressentimento em relação ao pai e aos irmãos pela
atenção que recebiam à custa delas (das crianças invejosas), e em relação à
mãe por não lhes dar o suficiente.
Com certeza, há pais que criam ou intensificam essa inveja ao darem
sinais de favoritismo, ao se afastarem de propósito do filho para torná-lo
mais dependente. De todo jeito, os bebês e crianças que sentem essa inveja
não se sentirão gratos ou amados pela atenção que recebem; em vez disso,
sempre se sentirão privados e insatisfeitos. Um padrão é estabelecido para a
vida toda – são crianças e, mais tarde, adultos para quem nada jamais será
bom o bastante. Todas as experiências potencialmente positivas são
estragadas pela sensação de que deveriam ter algo mais e melhor. Alguma
coisa lhes falta, e só conseguem imaginar que as outras pessoas lhes estão
roubando o que deveriam ter. Desenvolvem um olho de águia para tudo o
que os outros têm e eles não. Isso se torna a sua paixão dominante.
Muitos de nós passamos por momentos na infância em que sentimos
que outra pessoa está recebendo mais da atenção que merecemos, mas
somos capazes de contrabalançar isso com momentos em que
experimentamos um amor inegável, e a gratidão por esse amor. Ao
crescermos, transferimos essas emoções positivas para uma série de
indivíduos – irmãos, professores, mentores, amigos, amantes e cônjuges.
Alternamos entre querer mais e ter uma sensação de satisfação e gratidão
relativas. Os que têm uma propensão à inveja, porém, não vivenciam essas
experiências da mesma maneira. Em vez disso, transferem a inveja e a
hostilidade iniciais para aqueles que veem como sendo pessoas que os
desapontaram ou magoaram. Os momentos de satisfação e gratidão são
raros ou inexistentes. “Preciso, quero mais”: é o que estão sempre dizendo a
si mesmos.
Como a inveja é uma sensação dolorosa, esses tipos executarão
estratégias por toda a vida para mitigar ou reprimir tais sentimentos que os
corroem. Vão depreciar tudo que há de bom no mundo. Isso significa que,
na verdade, não há ninguém por aí que valha a pena invejar. Ou então se
tornarão independentes ao extremo. Se não precisarem das pessoas para
nada, isso os deixará menos expostos a situações de inveja. Num caso
extremo, depreciarão a si mesmos. Não merecem nada de bom na vida e,
portanto, não têm nenhuma necessidade de competir com os outros por
atenção ou posição social. Segundo Klein, essas estratégias comuns são
frágeis e se esfarelam em situações de tensão – um declínio na carreira
profissional, períodos de depressão, ferimentos ao ego. A inveja que sentem
nos primeiros anos de vida permanece sempre latente e pronta para ser
direcionada a outros. Eles estão literalmente procurando por alguém para
invejar de forma que possam vivenciar outra vez essa emoção primordial.
Dependendo da sua estrutura psicológica, tenderão a se adequar a certos
tipos de invejosos. É de grande valia ser capaz de reconhecer esses tipos
logo de início, pois são os que têm a maior probabilidade de se tornarem
ativos com a sua inveja. A seguir estão as cinco variedades comuns de
invejosos, como eles tendem a se disfarçar e as suas formas específicas de
ataque.
O nivelador. Quando você o conhece, talvez ele se mostre bem
divertido e interessante. Tende a ter um senso de humor ferino, é bom em
humilhar os poderosos e desvalorizar os pretensiosos. Também parece ter
um faro apurado para as injustiças e desequilíbrios deste mundo. Entretanto,
difere das pessoas com uma empatia genuína pelos oprimidos, no sentido de
que não reconhece ou aprecia a excelência em quase ninguém, exceto
naqueles que já estão mortos. O nivelador tem o ego frágil; quem
conquistou algo na vida o deixa inseguro. Ele é bem sensível a sentimentos
de inferioridade. A inveja que sente inicialmente por pessoas bem-sucedidas
é
logo
encoberta
pela
indignação.
Queixa-se
que
os
grandes
empreendedores manipulam o sistema, são ambiciosos demais ou têm
apenas sorte e não merecem de fato os elogios que recebem. O nivelador
passa a associar a excelência com a injustiça como uma maneira de aliviar
as próprias inseguranças.
Você notará que, embora indivíduos assim consigam humilhar os outros,
não aceitam bem as piadas à custa deles. Com frequência celebram a baixa
cultura e o lixo, já que a mediocridade não lhes incita as inseguranças.
Além do senso de humor cínico, você reconhecerá esse tipo pela maneira
como falam da própria vida: adoram contar histórias sobre as muitas
injustiças infligidas contra eles; nunca têm nenhuma culpa e conseguem
utilizar esse meio para destruir os que invejam em segredo e ser
recompensados por isso.
O objetivo principal é rebaixar todos ao mesmo nível de mediocridade
que ocupam. Isso significa, às vezes, nivelar não apenas os bem-sucedidos e
poderosos, mas também quem está se divertindo demais, quem dá a
impressão de desfrutar demais de tudo, ou quem tem um senso grande
demais de propósito – algo de que os niveladores carecem.
Mantenha-se alerta junto a essas pessoas, em especial no local de
trabalho, pois elas o farão se sentir culpado pelo seu próprio impulso de
buscar a excelência. Começarão com comentários passivo-agressivos que o
infectem com “ambição” como se fosse um palavrão. Você talvez seja parte
da classe opressora. E o criticarão de maneiras desagradáveis e ofensivas.
Depois disso, sabotarão de modo deliberado o seu trabalho, o que
justificarão para si mesmas como uma forma de justiça retributiva.
O preguiçoso arrogante. Hoje, muitos se sentem corretamente no
direito de ter sucesso e coisas boas na vida, mas, em geral, entendem que
isso requer sacrifício e trabalho árduo. Alguns, porém, acreditam que
merecem atenção e muitas recompensas como se estas lhe coubessem
naturalmente. Esses preguiçosos arrogantes costumam ser bem narcisistas.
Eles criarão o esboço mais breve de um romance ou roteiro que querem
escrever, ou uma “ideia” para um negócio brilhante, e acreditarão que isso
basta para atrair elogios e atenção. No entanto, bem no fundo, se sentem
inseguros quanto à própria habilidade de conseguir o que almejam; por isso,
nunca desenvolveram de fato a disciplina adequada. Quando se veem entre
pessoas de grande sucesso que trabalharam com muito ardor e que
mereceram o respeito verdadeiro, veem-se em meio a dúvidas sobre si
mesmas que têm tentado reprimir. Passarão rápido da inveja à hostilidade.
Christopher Wren (1632-1723) foi um dos grandes gênios do seu tempo,
um cientista renomado e um dos principais arquitetos da época, sendo a seu
feito mais famoso a Catedral de São Paulo em Londres. Wren era estimado
por quase todos que trabalhavam com ele. O seu entusiasmo, as habilidades
evidentes e as longas horas que devotou ao trabalho o tornaram popular
tanto entre o público quanto entre os que participavam de seus projetos. Um
homem, porém, passou a invejá-lo profundamente – William Talman, um
arquiteto de nível inferior indicado para ser seu assistente em várias obras
importantes. Talman acreditava que os papéis dos dois deveriam ser
invertidos; ele tinha uma opinião elevada de si mesmo, uma atitude bem
amarga e um traço pronunciado de preguiça.
Quando alguns acidentes ocorreram em dois dos projetos de Wren,
matando alguns operários, Talman partiu para o ataque, acusando o patrão
de negligência. Desencavou cada possível delito na longa carreira de Wren,
tentando convencer as pessoas de que este não merecia o alto prestígio que
lhe consagrava. Por anos, promoveu uma campanha para manchar a
reputação dele, dizendo que era descuidado com o dinheiro, com a vida dos
funcionários e superestimado de maneira geral. Talman turvou as águas de
tal maneira que o rei por fim o contratou para algumas obras importantes,
apesar de o seu talento ser bem inferior, enfurecendo Wren. E ele continuou
a roubar e incorporar muitas das inovações de Wren, em quem aquela
batalha asquerosa teve um efeito emocional debilitante que durou por anos.
Tenha cuidado redobrado no ambiente de trabalho com aqueles que
gostam de manter a própria posição por meio do charme e da diplomacia,
em vez de realizações. São pessoas propensas a invejar e a odiar quem
trabalha de modo árduo e que obtém resultados. Eles o caluniarão e
sabotarão sem nenhum aviso prévio.
O viciado no status. Como animais sociais, nós, seres humanos, somos
muito sensíveis ao nosso nível e posição dentro de qualquer grupo.
Medimos o nosso status pela atenção e respeito que recebemos. Estamos
sempre monitorando as diferenças e nos comparando com os outros.
Entretanto, para alguns, o status é mais do que uma maneira de avaliar a
posição social – é o determinante mais importante do amor-próprio. Você
identificará esses viciados pelas perguntas que fazem sobre quanto você
recebe de salário, se você tem casa própria, que tipo de vizinhança é a sua,
se de vez em quando voa na classe executiva, e todo tipo de questões
mesquinhas que utilizarão como pontos de comparação. Se o seu status
social for superior, eles esconderão a inveja fingindo admirar o seu sucesso.
Contudo, se for um colega ou trabalhar ao lado deles, os viciados em status
vão sair em busca de qualquer sinal de favoritismo ou privilégios que não
tenham, e o atacarão de forma dissimulada, prejudicando a sua posição
dentro do grupo.
Para Reggie Jackson (n. 1946), jogador de beisebol norte-americano
homenageado pelo National Baseball Hall of Fame and Museum (Salão da
Fama e Museu Nacional do Beisebol), o companheiro de time Graig Nettles
se encaixava no perfil. Em sua opinião, este prestava atenção excessiva ao
crédito e às premiações que os outros recebiam e ele não. Estava sempre
discutindo e comparando salários. O que o amargava era a proporção do
salário de Jackson e a atenção que este recebia da imprensa. Jackson havia
conquistado o salário e a atenção que recebia graças à sua destreza como
batedor e à sua personalidade vivaz, mas o invejoso Nettles encarava tudo
de maneira diferente. Acreditava que o colega simplesmente sabia como
manobrar a imprensa e agradar George Steinbrenner, o proprietário dos
Yankees. Concluiu que Jackson era manipulador. A sua inveja transparecia
em piadas maldosas à custa de Jackson, elogios venenosos e olhares hostis.
Ele voltou muitos membros do clube dos Yankees contra Jackson e tornou a
vida deste miserável. Como Jackson escreveu em sua autobiografia:
“Sempre tive a sensação de que ele estava atrás de mim, pronto para enfiar
a faca”. Também sentia que havia algum racismo tácito na inveja de Nettles,
como se fosse impossível para um atleta negro merecer um salário tão
maior do que o dele.
Reconheça os viciados em status pelo modo como reduzem tudo a
considerações materiais. Quando comentam sobre as roupas que você veste
ou o carro que você dirige, parecem se concentrar no quanto esses objetos
devem ter custado e, ao falar sobre esses assuntos, há algo de infantil na
atitude deles, como se estivessem revivendo um drama de família em que
foram trapaceados por um irmão que possuía algo melhor. Não se deixe
enganar pelo fato de eles dirigirem um carro mais velho ou se vestirem com
pouca elegância. Esses tipos muitas vezes tentarão afirmar o próprio status
na direção oposta, sendo o monge supremo, o hippie idealista, ao mesmo
tempo que anseiam pelos luxos que não conseguem conquistar por meio do
trabalho árduo. Caso encontre-se em meio a indivíduos assim, tente
minimizar ou esconder o que você tem que possa desencadear a inveja, e
cumprimente-os pelas posses, habilidades e status da melhor maneira que
conseguir.
O vinculador. Em qualquer ambiente de poder que se assemelhe a uma
corte, é inevitável que você encontre alguém que se sente atraído àqueles
que são bem-sucedidos e poderosos, não por admiração, mas pela inveja
secreta que nutre. Pessoas assim encontram uma maneira de criar vínculos
como amigos ou assistentes, fazendo-se úteis. Talvez admirem o chefe por
algumas qualidades, mas, bem no fundo, acreditam que merecem um pouco
da atenção que ele recebe, sem ter de executar todo o trabalho árduo.
Quanto mais tempo permanecem junto ao indivíduo bem-sucedido, mais
esse sentimento as corrói. Elas têm talento, têm sonhos – então por que
aquele para quem trabalham é tão favorecido? O vinculador é bom em
ocultar a corrente subjacente da inveja por meio da bajulação exagerada.
Entretanto, esses tipos se vinculam a alguém que tem mais porque arruinálo e magoá-lo lhe dá algum tipo de satisfação. Ele é atraído aos poderosos
por um desejo de feri-los de alguma maneira.
Yolanda Saldivar (n. 1960) é um exemplo extremo desse tipo. Depois de
fundar um enorme fã-clube dedicado a Selena, cantora popular de música
tejana, insinuou-se nos negócios da artista ao se tornar gerente das lojas de
roupas dela e acumular mais poder. Ninguém bajulava a cantora mais do
que Saldivar. No entanto, com uma inveja profunda da fama de Selena e se
tornando bem hostil, começou a desviar fundos da empresa, sentindo-se
plenamente justificada ao fazê-lo. Quando o pai de Selena confrontou
Saldivar sobre isso, a resposta desta foi planejar o assassinato da própria
Selena, que acabou por perpetrar em 1995.
Esses tipos têm um traço que é bem comum a todos os invejosos: eles
carecem de uma noção clara de propósito na vida (veja mais sobre isso no
Capítulo 13). Não sabem qual é a sua vocação; sabem fazer muitas coisas,
pensam, e com frequência tentam empregos diferentes. Perambulam por aí e
se sentem vazios por dentro. É natural que invejem aqueles que agem com
um senso de propósito, e chegarão ao ponto de se vincularem à vida desses
indivíduos, em parte pelo desejo de obter algo de que sentem falta, e em
parte pela vontade de ferir a outra pessoa.
Em geral, acautele-se em relação aos que se mostrarem muito ávidos
para se vincularem à sua vida, impacientes demais para se tornarem úteis.
Eles tentarão atraí-lo para um relacionamento não pela experiência e
competência deles, mas por meio de lisonjas e da atenção que lhe dão. A
forma de ataque que empregam é reunir informações sobre você que
possam vazar ou espalhar na forma de fofocas, ferindo a sua reputação.
Aprenda a contratar e trabalhar com aqueles que têm experiência, e não
apenas maneiras agradáveis.
O mestre inseguro. Para alguns, alcançar uma posição elevada lhes
valida a auto-opinião e impulsiona a autoestima. Entretanto, há aqueles que
são mais ansiosos. Manter uma posição elevada tende a lhes aumentar as
inseguranças, o que eles têm o cuidado de ocultar. Em segredo, duvidam
que sejam merecedores da responsabilidade. Fitam com um olhar invejoso
outros que talvez tenham mais talento, até mesmo os subalternos.
Você trabalhará para chefes desse tipo supondo que são seguros de si e
autoconfiantes. De que outra maneira teriam se tornado chefes? Trabalhará
redobrado para impressioná-los, mostrar-lhes que é um funcionário em
ascensão, apenas para se ver, depois de muitos meses, rebaixado ou
demitido de forma repentina, o que faz pouco sentido, já que era evidente
que produzia resultados. Você não compreendeu que estava lidando com a
variedade insegura e que, sem querer, desencadeou as autodúvidas desses
chefes. No fundo, eles invejam a sua juventude, energia, prospectos e os
sinais do seu talento. É ainda pior se você for bem-dotado socialmente e
eles não. Justificarão a sua demissão ou rebaixamento com alguma narrativa
que criaram; você nunca descobrirá a verdade.
Michael Eisner, que foi o todo-poderoso diretor executivo da Disney por
vinte anos, é desse tipo. Em 1995, ele demitiu o seu braço direito, Jeffrey
Katzenberg, chefe do estúdio de cinema, ostensivamente por causa da sua
personalidade abrasiva, dizendo que este não trabalhava bem em equipe. Na
verdade, Katzenberg havia obtido sucesso demais na sua posição; os filmes
que supervisionou se tornaram a fonte principal de renda da Disney. Ele
tinha o toque de Midas. Sem jamais admitir isso para si mesmo, Eisner
claramente invejava Katzenberg por seu talento, o que transmutou em
hostilidade. Esse padrão se repetiu várias vezes com os novos funcionários
criativos que contratou.
Preste atenção àqueles acima de você e procure por sinais de
insegurança e inveja. É inevitável que tenham um histórico de demitir
pessoas por motivos estranhos. Não se mostrarão muito felizes com aquele
relatório excelente que você apresentar. Sempre opte pela cautela, deferindo
aos seus superiores, ajudando-os a manter uma boa imagem e lhes
conquistando a confiança. Expresse as suas ideias brilhantes como se
fossem deles. Deixe que recebam todo o crédito pelo seu trabalho árduo. O
seu momento para brilhar chegará, mas não se você estimular sem querer as
inseguranças dos seus superiores.
OS GATILHOS DA INVEJA
Embora certos tipos sejam mais predispostos à inveja, você também
precisa ter consciência de que há circunstâncias que tenderão a desencadear
esse sentimento em quase qualquer um. Você deve estar bem alerta nessas
situações.
O gatilho mais comum da inveja é uma mudança repentina no seu
status, que altere o seu relacionamento com amigos e colegas. Isso é
verdade em especial entre pessoas da mesma profissão. Sabe-se disso há
muito tempo. Como Hesíodo observou no século 8 a.C.: “O ceramista
inveja o ceramista, o artesão inveja o artesão, o escritor inveja o escritor”.
Se você obtiver algum sucesso, é natural que aqueles na sua área com
aspirações similares, mas que ainda estão batalhando, sintam inveja.
Mantenha uma tolerância razoável em relação a isso, pois, se os papéis
fossem invertidos, é provável que você sentisse o mesmo. Não leve para o
lado pessoal o elogio tímido ou a crítica velada. Contudo, tenha ciência de
que, entre alguns desses colegas, a inveja pode se tornar ativa e perigosa.
Os artistas da Renascença que recebiam encomendas repentinas se
tornavam alvo de rivais invejosos, que às vezes se mostravam bem cruéis.
Michelangelo claramente invejava o jovem e talentoso Rafael, e fez o que
pôde para lhe manchar a reputação e lhe bloquear as encomendas. Era
notório que escritores invejassem outros escritores, em especial aqueles
com contratos mais lucrativos.
O melhor que você pode fazer nessas situações é ter um pouco de
humor autodepreciativo e não esfregar o seu sucesso na cara dos demais,
pois este, afinal, talvez contenha elementos de sorte. Na verdade, ao discutir
o seu sucesso com outros que talvez o invejem, sempre enfatize ou exagere
o elemento da sorte. Para aqueles mais próximos de você, ofereça-se para
ajudá-los com seus problemas da melhor maneira possível, sem se mostrar
condescendente. De forma análoga, nunca cometa o erro de elogiar um
escritor na frente de outro escritor, ou um artista na frente de outro artista, a
menos que a pessoa elogiada esteja morta. Se detectar sinais de uma inveja
mais ativa em seus colegas, afaste-se deles o quanto conseguir.
Tenha em mente que os indivíduos que estiverem envelhecendo, com as
carreiras em declínio, têm egos delicados e grande propensão a sentir
inveja.
Às vezes são os dons e talentos naturais do ser humano que incitam as
formas mais intensas de inveja. Podemos nos esforçar para nos tornarmos
proficientes num campo, mas não temos como reformular a nossa fisiologia.
Algumas pessoas nascem com aparência melhor, com dotes atléticos
básicos, uma imaginação excepcionalmente vívida, ou uma natureza franca
e generosa. Se aqueles com dons naturais também possuírem uma boa ética
de trabalho e tiverem um pouco de sorte na vida, a inveja os seguirá por
onde forem. Indivíduos assim também tendem a ser bastante ingênuos, o
que muitas vezes piora a situação. Eles mesmos não sentem inveja de
outros, de forma que não entendem nada dessa emoção. Inconscientes dos
perigos, demonstram com naturalidade os seus talentos e atraem ainda mais
a inveja. Mary Shelley era tudo isso – dotada de uma imaginação brilhante e
de capacidades intelectuais superiores, mas também muito ingênua. O que é
pior, os tipos invejosos, no fundo, abominam quem é imune ao sentimento
da inveja. Isso torna a natureza invejosa deles duplamente aparente para si
mesmos, e desperta o desejo de magoar e ferir.
Se você tem dons naturais que o elevam acima dos outros, precisar ter
consciência dos perigos e evitar se gabar desses talentos. Em vez disso,
revele de modo estratégico algumas falhas para amainar a inveja das
pessoas e mascarar a sua superioridade natural. Se for dotado em ciências,
deixe claro aos outros o seu desejo de ter mais habilidades sociais.
Demonstre a sua imperícia intelectual em assuntos fora da sua alçada.
John F. Kennedy dava a impressão de ser quase perfeito demais para o
público norte-americano. Bonito, inteligente e carismático, e com uma
esposa tão bela, era difícil para o público se identificar com ele ou apreciálo. Assim que cometeu, logo no início da sua administração, o grande erro
da invasão fracassada a Cuba (conhecida como a Baía dos Porcos) e
assumiu a responsabilidade completa pelo fiasco, o seu índice de aprovação
nas pesquisas disparou. O erro o humanizou. Embora isso não tivesse sido
feito de forma deliberada, você pode causar um efeito similar ao discutir as
falhas cometidas no passado e demonstrar alguma incompetência seletiva
em certas áreas que não diminuam a sua reputação geral.
Mulheres que conquistam fama e sucesso são mais propensas a atrair a
inveja e a hostilidade, embora isso sempre seja mascarado como algo mais
– diz-se que elas são frias, ambiciosas demais ou pouco femininas. Muitas
vezes decidimos admirar pessoas que realizam grandes conquistas, e a
admiração é o oposto da inveja. Não nos sentimos inseguros ou desafiados
pessoalmente diante da excelência delas, e também podemos lhes seguir o
exemplo, usá-las como incentivo para tentar conquistar mais. Contudo, é
uma pena que isso quase nunca ocorra no caso das mulheres de sucesso. As
bem-sucedidas infligem sentimentos maiores de inferioridade tanto em
outras mulheres quanto em homens (Sou inferior a uma mulher?, eles
pensam), o que causa inveja e hostilidade, não admiração.
Coco Chanel, a empresária de maior sucesso da sua época, em particular
ao se considerar as suas origens como órfã (veja o Capítulo 5), sofreu com
esse tipo de inveja durante a vida toda. Em 1931, no auge do poder, ela
conheceu Paul Iribe, ilustrador e estilista cuja carreira estava em declínio.
Ele era um mestre da sedução e os dois tinham muito em comum. No
entanto, vários meses após o início do relacionamento, Iribe passou a
criticá-la pela sua extravagância e atormentá-la sobre outros defeitos que
via nela. Queria controlar todos os aspectos da vida de Chanel. Solitária e
desesperada por um relacionamento, ela persistiu, mas mais tarde escreveu
sobre o parceiro: “A minha celebridade crescente eclipsava a sua glória em
declínio […]. Iribe me amava com a esperança secreta de me destruir”. O
amor e a inveja não são mutuamente exclusivos.
As mulheres de sucesso terão de enfrentar esse fardo até que esses
valores subjacentes arraigados se alterem. Enquanto isso, elas precisarão ser
ainda mais hábeis em se esquivar da inveja e jogar com a carta da
humildade.
Robert Rubin (n. 1938), secretário do tesouro durante os dois mandatos
do presidente norte-americano Bill Clinton, era mestre supremo no que se
referia a mascarar a própria excelência e neutralizar a inveja. Ele começou a
carreira na Goldman Sachs em 1966, ascendendo lentamente de posição até
ocupar o cargo de codiretor em 1990. Foi uma das figuras principais a
transformar a Goldman Sachs no mais poderoso banco de investimentos de
Wall Street. Era um trabalhador dedicado e brilhante quanto a finanças,
mas, ao se tornar mais poderoso dentro da empresa também se fez mais
obsequioso em todas as suas interações. Em reuniões em que era óbvio ser a
pessoa com mais conhecimentos, ele fazia questão de pedir a opinião dos
associados mais novos presentes, e de escutar o que estes tinham a dizer
com atenção absoluta. Quando aqueles que trabalhavam para ele lhe
perguntavam o que deveria ser feito em relação a alguma crise ou problema,
Rubin os fitava com calma e indagava primeiro: “O que você acha?” e
considerava a resposta com muita seriedade.
Como um colega na empresa o descreveu mais tarde: “Não há ninguém
melhor no truque da humildade do que Bob. A frase ‘essa é só a opinião de
um único homem’ era algo que ele dizia dúzias de vezes por dia”. Era
impressionante como Rubin conquistou a admiração de tantos e como tão
poucos tinham algo de ruim a dizer sobre ele, considerando o ambiente
competitivo em que estavam. Isso revela o poder que você tem de frustrar a
inveja ao voltar a atenção para outras pessoas em vez de para si, e ao
interagir com elas num nível significativo.
Se você se encontrar sob um ataque inveja, a melhor estratégia é
controlar as suas emoções. É muito mais fácil fazer isso depois de
compreender que esse sentimento é a fonte do problema. O invejoso
utilizará a sua reação exagerada como motivo para criticá-lo, justificar as
próprias ações e enredá-lo em mais dramas. A todo custo, mantenha a
compostura. Se puder, distancie-se fisicamente também – despeça-o, corte
qualquer contato, faça tudo o que for possível. Não imagine que conseguirá
de algum modo reparar o relacionamento. A sua generosidade ao tentar
fazer isso só servirá para intensificar os sentimentos de inferioridade do
invejoso. Este atacará de novo. De todas as maneiras, defenda-se de
quaisquer investidas públicas ou fofocas que ele espalhe, mas não cultive
fantasias vingativas. O invejoso é um ser miserável, então a melhor
estratégia é deixá-lo cozinhar no próprio “veneno frio”, longe de você, sem
qualquer meio de feri-lo no futuro, como Mary fez com Jane. A infelicidade
crônica dele é punição suficiente.
Por fim, você talvez imagine que a inveja é uma ocorrência um pouco
rara no mundo moderno. Afinal, é uma emoção infantil e primitiva, e nós
vivemos em tempos tão sofisticados. Além disso, poucas pessoas a
discutem ou a analisam como um fator social importante. Entretanto, a
verdade é que esse sentimento é mais prevalente agora do que nunca, em
grande parte por causa das redes sociais.
Por meio da internet, temos uma janela contínua para a vida de amigos,
pseudoamigos e celebridades. E o que vemos não é um vislumbre sem
polimento do mundo deles, mas uma imagem altamente idealizada que eles
apresentam. Temos acesso apenas às imagens mais excitantes das suas
férias, aos rostos felizes de seus amigos e filhos, a relatos do seu
autoaprimoramento constante, às pessoas fascinantes que conhecem, às
grandes causas e projetos em que estão envolvidos, aos momentos de
sucesso nos seus empreendimentos. Estamos nos divertindo tanto quanto
eles? A nossa vida parece tão plena quanto a deles? Será que sentimos falta
de algo? Em geral, acreditamos, e com razão, que todos temos o direito de
viver bem, mas se os nossos colegas dão a impressão de ter mais, deve ser
culpa de algo ou alguém.
Em casos assim, vivenciamos um sentimento generalizado de
insatisfação. A inveja de baixo nível está dentro de nós, esperando para ser
desencadeada numa forma mais severa se algo que lemos ou vemos
intensifica as nossas inseguranças. Essa inveja difusa entre grandes grupos
de pessoas pode até se tornar uma força política, à medida que demagogos
podem incitá-la contra certos indivíduos ou grupos que têm ou parecem ter
mais privilégios do que outros. É possível unir o ser humano pela sua inveja
subjacente, mas, assim como com a variedade pessoal, ninguém quer
admitir isso, e a situação nunca será vista dessa maneira. Pode-se voltar
rapidamente a inveja pública contra figuras públicas, em particular como
schadenfreude quando estas passam por algum infortúnio. (Considere o
aumento da hostilidade contra Martha Stewart quando ela enfrentou
problemas com a lei.[3]) A fofoca sobre os poderosos se transforma numa
indústria.
O que isso significa é simples: vamos encontrar cada vez mais aqueles
predispostos a sentir a inveja passiva, que pode se transformar na forma
virulenta, se não forem cuidadosos. Precisamos estar preparados para sentir
os seus efeitos partindo de amigos, colegas e também do público, caso
estejamos expostos à opinião deste. Nesse ambiente social superaquecido,
aprender a reconhecer os sinais e ser capaz de identificar os tipos invejosos
é uma habilidade absolutamente crucial a ser desenvolvida. E, já que somos
hoje em dia ainda mais suscetíveis a sentirmos nós mesmos a inveja, temos
de gerenciar essa emoção dentro de nós, transformando-a em algo positivo e
produtivo.
ALÉM DA INVEJA
Como acontece com a maioria dos seres humanos, o leitor tenderá a
negar que já sentiu inveja, pelo menos com intensidade suficiente para lhe
motivar as ações. A verdade é que você não está sendo honesto consigo
mesmo. Como foi descrito anteriormente, temos consciência apenas da
indignação ou do ressentimento que acobertam as pontadas iniciais da
inveja. Supere a resistência natural a note a emoção quando esta começar a
se agitar dentro de você.
Todos nós nos comparamos com os outros e nos perturbamos com
aqueles que são superiores em determinada área que estimamos; reagimos a
isso sentindo deles alguma forma de inveja – atitude programada na nossa
natureza. (Estudos demonstram que os macacos sentem inveja.) Comece
com um experimento simples: da próxima vez que ouvir ou ler sobre o
sucesso repentino de alguém no seu campo, note o sentimento inevitável de
querer o mesmo (a pontada) e a hostilidade subsequente, ainda que vaga,
em direção à pessoa que você inveja. Acontece de forma rápida e é fácil
deixar de perceber a transição, mas tente flagrá-la. É natural passar por essa
sequência emocional, e não deveria haver nenhuma culpa envolvida nisso.
Observar-se e notar mais desses exemplos só vai ajudá-lo no lento processo
de ir além da inveja.
Sejamos realistas, porém, e entendamos que é quase impossível nos
livrarmos da compulsão de nos equipararmos aos demais; ela está
impregnada a fundo na nossa natureza como animais sociais. Aspire a uma
transformação gradativa dessa inclinação em algo positivo, produtivo e prósocial. A seguir estão cinco exercícios simples que o ajudarão a conseguir
isso.
Aproxime-se daquilo que você inveja. Esse sentimento prospera na
proximidade relativa – num ambiente corporativo em que as pessoas se
veem todos os dias, numa família, numa vizinhança, num grupo de colegas.
No entanto, os indivíduos tendem a esconder os seus problemas e mostrar
apenas o seu melhor. Só ouvimos falar de seus triunfos, dos novos
relacionamentos, das ideias brilhantes que lhes renderão uma mina de ouro.
Se nos aproximarmos – conhecendo as brigas que ocorrem em particular, ou
o chefe horrível que vem com o novo emprego –, teríamos menos motivo
para os invejar. Nada é tão perfeito quanto parece, e muitas vezes estamos
enganados. Passe algum tempo com a família que você inveja e deseja que
fosse sua, e começará a reavaliar a sua opinião.
Se o leitor sente inveja daqueles com maior fama e que recebem mais
atenção, lembre-se de que tudo isso vem acompanhado de bastante
hostilidade e de um escrutínio que é bem doloroso. Os ricos muitas vezes
são infelizes. Leia qualquer relato sobre os últimos dez anos da vida de
Aristotle Onassis (1906-1975), um dos homens mais providos de dinheiro
da história, casado com a encantadora Jacqueline Kennedy, e saberá que a
riqueza lhe acarretou pesadelos intermináveis, inclusive filhos mimados e
indiferentes.
O processo de aproximação é duplo: por um lado, tente ver de fato por
trás das fachadas reluzentes das pessoas e, por outro, apenas imagine as
desvantagens inevitáveis que vêm com a posição que ocupam. Isso não é o
mesmo que as nivelar. Você não vai diminuir as conquistas daqueles que são
brilhantes, mas mitigará a inveja que sentiria por aspectos da vida pessoal
deles.
Faça comparações negativas. Normalmente nos concentramos em
quem parece possuir mais do que nós, mas seria sábio observar os que têm
menos. Há sempre inúmeras pessoas para se usar numa comparação assim.
Elas vivem em ambientes mais desagradáveis, lidam com mais ameaças na
vida e têm níveis mais profundos de insegurança quanto ao futuro. Veja
amigos cuja situação é bem pior do que a sua. Isso deveria estimular não
apenas a sua empatia pelos muitos que têm menos, mas também uma
gratidão maior por aquilo que você já tem – o melhor antídoto contra a
inveja.
Como um exercício relacionado, anote todos os aspectos positivos na
sua vida que você tende a subestimar: as pessoas que têm se mostrado
bondosas e úteis, a saúde de que você desfruta no momento. A gratidão é
um músculo que exige exercício ou acabará se atrofiando.
Pratique o mitfreude. O schadenfreude, o prazer que se sente diante da
dor dos outros, está nitidamente relacionado à inveja, como demonstram
vários estudos. Quando invejamos alguém, somos propensos a sentir
entusiasmo, até mesmo euforia, se essa pessoa enfrenta um obstáculo ou
sofre de alguma maneira. Entretanto, seria sábio praticar o oposto, que o
filósofo Friedrich Nietzsche chamou de mitfreude, ou “alegrar-se com”.
Como ele escreveu, “A serpente que nos pica quer nos ferir e se alegra
quando o faz; o animal mais inferior é capaz de imaginar o sofrimento de
outros. Contudo, imaginar a alegria de outros e se alegrar com isso é o
privilégio mais elevado dos animais mais elevados”.
Isso significa que, em vez de apenas dar os parabéns pela boa sorte de
alguém, algo que é fácil de fazer e de esquecer, tente de fato sentir a alegria
dele, como uma forma de empatia. Essa atitude talvez seja pouco natural, já
que a nossa primeira tendência é ter uma pontada de inveja, mas podemos
nos treinar para imaginar como é, para os outros, vivenciar essa felicidade
ou satisfação. Não apenas limparemos a nossa mente da inveja mesquinha,
mas também criaremos uma forma incomum de afinidade. Ao sermos o
alvo do mitfreude, nós sentimos a excitação genuína do outro pela nossa boa
sorte, em vez de ouvirmos apenas palavras, o que nos induz a sentir o
mesmo por ele. Como é uma ocorrência tão rara, contém um grande poder
para unir as pessoas. E, ao internalizarmos a alegria alheia, aumentamos a
própria capacidade de sentir essa emoção em relação às nossas
experiências.
Transforme a inveja em emulação. Não temos como deter o
mecanismo de comparação no nosso cérebro, por isso é melhor redirecionálo para algo produtivo e criativo. Em vez de querer ferir ou roubar aquele
que obteve mais, deveríamos desejar nos elevar até o nível dele. Desse
modo, a inveja se torna um incentivo para buscar a excelência. Podemos até
tentar nos manter próximos a pessoas que estimulem esses desejos
competitivos, que sejam ligeiramente melhor do que nós em termos de
habilidades.
Realizar tal trabalho requer algumas transições psicológicas. Em
primeiro lugar, devemos passar a acreditar que temos a capacidade de nos
elevar. A confiança nas nossas habilidades gerais para aprender e nos
aprimorar servirá como um tremendo antídoto à inveja. Em vez de desejar
ter o que outra pessoa tem e apelar à sabotagem por causa da nossa
fraqueza, sentiremos o impulso para obter o mesmo para nós e acreditar em
nossa habilidade de fazê-lo. Em segundo lugar, precisamos desenvolver um
trabalho ético sólido para apoiar esse processo. Agindo de maneira rigorosa
e persistente, seremos capazes de superar quase qualquer obstáculo e elevar
a nossa posição. Indivíduos preguiçosos e indisciplinados têm uma
predisposição muito maior à inveja.
Em relação a isso, ter uma noção de propósito, um senso da sua
vocação, é uma boa maneira de se imunizar contra a inveja. Você se
concentra na sua própria vida e nos seus planos, que são claros e
revigorantes. O que lhe dá satisfação é compreender o seu potencial, em vez
de conquistar a atenção do público, que é fugaz. A necessidade de tecer
comparações diminui e o senso de amor-próprio vem de dentro, não de fora.
Admire a grandeza humana. A admiração é o oposto absoluto da
inveja – estamos reconhecendo as realizações das pessoas, celebrando-as,
sem ter que nos sentir inseguros. Admitimos a superioridade delas nas artes
ou ciências ou nos negócios, sem sofrer por causa disso. No entanto, isso
vai ainda mais além. Ao reconhecer a grandeza de alguém, celebramos o
potencial mais elevado na nossa espécie. Vivenciamos o mitfreude com o
melhor da natureza humana. Compartilhamos o orgulho que resulta de
qualquer grande realização humana. Esse tipo de admiração nos eleva
acima da mesquinharia da vida cotidiana e tem um efeito tranquilizador.
Embora seja mais fácil admirar, sem qualquer mácula de inveja, aqueles
que já estão mortos, inclua pelo menos uma pessoa viva no seu panteão. Se
você for jovem o bastante, esses objetos de admiração também podem
servir como modelos a serem seguidos, pelo menos até certo ponto.
Por fim, vale a pena cultivar momentos na vida em que sentimos imensa
satisfação e felicidade independentes do nosso próprio sucesso ou
realizações. Isso acontece normalmente quando nos encontramos numa bela
paisagem – as montanhas, o mar, uma floresta. Não sentimos os olhos dos
outros nos espreitando e comparando, ou a necessidade de ter mais atenção
ou de nos afirmarmos. Somos envoltos apenas em êxtase pelo que vemos, o
que é intensamente terapêutico. E ocorre quando contemplamos a
imensidão do universo, o conjunto fantástico de circunstâncias que
precisaram acontecer para que nascêssemos, o vasto alcance do tempo antes
de nós e depois de nós. São ocasiões sublimes e tão afastadas da
mesquinharia e dos venenos da inveja quanto é possível.
Pois não muitos homens […] conseguem amar um amigo cuja sorte prospera
sem lhe invejar; e sobre mente invejosa
o veneno frio se agarra e o sofrimento dobra
que a vida lhe traz. Das próprias feridas ele precisa tratar,
e como uma maldição a alegria do outro experimentar.
– Ésquilo
11
Conheça os seus limites
A Lei da Grandiosidade
Nós, seres humanos, sentimos profunda necessidade de ter uma opinião
positiva de nós mesmos. Se esse julgamento sobre nossa bondade, talento e
maestria divergir demais da realidade, nos tornaremos pedantes.
Imaginaremos a nossa superioridade. Muitas vezes, uma pequena dose de
êxito erguerá a nossa grandiosidade natural a níveis ainda mais perigosos.
A nossa auto-opinião elevada terá sido agora confirmada pelos
acontecimentos. Esquecemos o papel que a sorte ou a colaboração dos
outros desempenhou no nosso triunfo. Imaginamos que temos o toque de
Midas. Perdendo o contato com o que é real, tomamos decisões irracionais.
É por isso que o nosso sucesso muitas vezes não dura. Procure por sinais
da grandiosidade elevada em si mesmo e nos demais – a certeza prepotente
de que os seus planos terão um resultado positivo; uma sensibilidade
excessiva a críticas; o desdém por qualquer forma de autoridade.
Neutralize a influência da grandiosidade ao manter uma avaliação realista
de si mesmo e das suas limitações. Atrele todos os sentimentos de
brilhantismo ao seu trabalho, às suas conquistas e às suas contribuições à
sociedade.
A ILUSÃO DO SUCESSO
No verão de 1984, Michael Eisner (n. 1942), presidente do estúdio de
cinema Paramount Pictures, não tinha mais como ignorar a inquietude que o
atormentava havia meses. Estava impaciente para mudar de plataforma e
chacoalhar os alicerces de Hollywood. Esse desassossego o acompanhara
pela vida inteira. Eisner começou a carreira na emissora ABC e, sem nunca
se acomodar demais em nenhum departamento, depois de nove anos de
várias promoções, chegou à posição de diretor de programação do horário
nobre. No entanto, o mundo da televisão começou a lhe parecer pequeno e
restrito. Precisava de uma plataforma maior, mais imponente. Em 1976,
Barry Diller – ex-diretor da ABC e então presidente da Paramount Pictures
– lhe ofereceu a oportunidade de dirigir o estúdio cinematográfico da
Paramount, e Eisner aceitou de imediato.
Fazia muito tempo que a Paramount enfrentava uma crise, mas,
trabalhando com Diller, Eisner a transformou no estúdio mais badalado de
Hollywood, com uma série impressionante de filmes de sucesso, como: Os
embalos de sábado à noite; Grease: nos tempos da brilhantina;
Flashdance: Em ritmo de embalo, e Laços de ternura. Embora Diller por
certo houvesse desempenhado um papel nessa reviravolta, Eisner se via
como a principal força motriz por trás do sucesso do estúdio. Afinal, ele
inventara uma fórmula infalível para criar filmes lucrativos.
O segredo era manter os custos baixos, uma obsessão dele. Para
conseguir isso, um filme deveria começar com um grande conceito, que
fosse original, fácil de resumir e dramático. Os executivos poderiam
contratar os roteiristas, diretores e atores mais caros para uma obra
cinematográfica, mas todo o dinheiro do mundo seria desperdiçado se a
ideia subjacente fosse fraca. Os filmes com um conceito forte, porém, se
vendiam por conta própria. Um estúdio poderia expandir as dimensões
dessas produções relativamente baratas e, mesmo que obtivessem apenas
um êxito moderado, garantiriam um fluxo constante de renda. Esse
raciocínio ia de encontro à mentalidade do fim da década de 1970, que
privilegiava os blockbusters, mas quem se oporia aos lucros inegáveis que
Eisner estava produzindo para a Paramount? Eisner imortalizou essa
fórmula num memorando que logo se espalhou por Hollywood e se tornou a
sua regra básica.
Entretanto, depois de tantos anos compartilhando a luz dos holofotes
com Diller na Paramount, tentando agradar os diretores executivos da
corporação e lutando contra diretores de publicidade e o departamento
financeiro, Eisner estava farto. Quem dera ele pudesse administrar o seu
próprio estúdio, sem restrições. Com a fórmula que havia concebido e a sua
ambição implacável, conseguiria construir o maior e mais lucrativo império
de entretenimento do mundo. Estava cansado de ter outras pessoas se
aproveitando das suas ideias e do seu sucesso. Operando sozinho no topo,
controlaria o espetáculo e levaria todo o crédito.
Eisner contemplou o próximo passo crucial da sua carreira naquele
verão de 1984 e encontrou o alvo perfeito para as suas ambições: a Walt
Disney Company. À primeira vista, essa pareceria uma escolha
desconcertante. Desde a morte de Walt Disney em 1966, o estúdio
cinematográfico da empresa se mostrava parado no tempo, tornando-se cada
vez mais estranho a cada ano. Funcionava mais como um clube para
homens sem graça. Muitos executivos paravam de trabalhar depois do
almoço e passavam as tardes jogando cartas, ou relaxando na sauna que
havia no local. Quase ninguém era despedido. Produziam um filme de
animação a cada quatro anos – em 1983, apenas três com atores reais. Não
tinham realizado nenhuma obra de sucesso desde Se meu fusca falasse, em
1968. O lote de filmagens da Disney em Burbank parecia quase uma cidade
fantasma. O ator Tom Hanks, que trabalhou no lote em 1983, o descreveu
como “uma estação de ônibus interurbanos da década de 1950”.
Graças à sua condição dilapidada, porém, aquele seria o local perfeito
para Eisner pôr a sua magia para funcionar. O estúdio e a corporação só
poderiam progredir. Os membros da diretoria estavam desesperados para
reverter a situação e evitar uma oferta pública de aquisição hostil. Eisner
ditaria os termos da sua posição de liderança. Apresentando-se a Roy
Disney (sobrinho de Walt e o maior acionista da Disney) como o salvador
da empresa, expôs um plano detalhado e inspirador para uma guinada
dramática (maior do que a da Paramount), e Roy foi convencido. Com a
bênção deste, a diretoria aprovou a escolha e, em setembro de 1984, Eisner
foi nomeado presidente da diretoria e diretor executivo da Walt Disney
Company. Frank Wells, ex-diretor da Warner Bros., ocupou o cargo de
presidente
e
diretor
de
operações,
concentrando-se
no
aspecto
administrativo. Em todas as questões, era Eisner quem comandava; Wells
estava lá para ajudá-lo e servi-lo.
Eisner não perdeu tempo. Embarcou numa imensa reestruturação da
empresa, que levou à demissão de mais de mil funcionários, e começou a
preencher as vagas executivas com pessoal da Paramount. Um dos nomes
mais notáveis desse grupo foi Jeffrey Katzenberg (n. 1950), antes seu braço
direito na Paramount e agora nomeado diretor da Walt Disney Studios.
Katzenberg era abrasivo e bem rude, mas ninguém em Hollywood era mais
eficiente ou trabalhava mais. Ele simplesmente produzia resultados.
Em poucos meses, a Disney começou a lançar uma série impressionante
de sucessos, aderindo à fórmula de Eisner. E 15 dos primeiros 17 filmes
(como Um vagabundo na alta roda e Uma cilada para Roger Rabbit)
renderam lucros, uma maré de êxito quase inédita para qualquer estúdio em
Hollywood.
Certo dia, quando Eisner e Wells exploravam o lote em Burbank,
entraram na biblioteca da Disney e descobriram centenas de desenhos da
era dourada que nunca haviam sido exibidos. Lá, em prateleiras
intermináveis, estavam guardados os grandes sucessos da animação clássica
da empresa. Os olhos de Eisner se iluminaram ao ver esse tesouro. Ele
poderia relançar todos esses desenhos e filmes de animação em vídeo (o
mercado de filmes em videocassete estava em plena explosão), o que seria
puro lucro. Com base nesses desenhos, a companhia criaria lojas para
vender os vários personagens da Disney – esta era, na prática, uma mina de
ouro esperando para ser explorada, e Eisner tiraria o máximo proveito disso.
Logo as lojas abriram, os vídeos venderam aos montes, continuaram a
obter lucro dos sucessos cinematográficos e o preço das ações da Disney
subiu de forma vertiginosa, substituindo a Paramount como o estúdio mais
badalado na cidade. Querendo cultivar uma presença mais pública, Eisner
decidiu reviver o velho The Wonderful World of Disney (O mundo
maravilhoso de Disney), um programa de televisão de uma hora de duração
produzido nas décadas de 1950 e 1960, e apresentado pelo próprio Walt
Disney. Desta vez, Eisner seria o apresentador. Não tinha muita
naturalidade diante das câmeras, mas sentia que o público passaria a gostar
dele. Era capaz de ser uma presença reconfortante para as crianças, como
Walt havia sido. Na verdade, começou a sentir que os dois estavam, de
algum modo, magicamente conectados, como se ele fosse mais do que
apenas o diretor da corporação, mas o filho natural e sucessor do próprio
Walt Disney.
A despeito de todo o sucesso, a velha inquietude retornou. Precisava de
um novo projeto, um desafio maior, e logo o encontrou. A Walt Disney
Company tinha planos de criar um parque temático na Europa. O último a
ser inaugurado, a Disneylândia de Tóquio em 1983, fora um sucesso. Os
encarregados desse tipo de empreendimento haviam selecionado dois locais
em potencial para a nova Disneylândia – um perto de Barcelona, na
Espanha, e o outro junto a Paris. Embora o terreno em Barcelona fizesse
mais sentido econômico, já que o clima da região era muito melhor, Eisner
escolheu o terreno francês. Aquele seria mais do que um parque temático,
mas uma afirmação cultural. Contrataria os melhores arquitetos do mundo.
Diferentemente dos costumeiros castelos de fibra de vidro encontrados nos
outros parques, na Euro Disney – como viria a ser chamada – eles seriam
construídos com mármore rosa e teriam vitrais artesanais coloridos
reproduzindo cenas de vários contos de fadas. Seria um local que até as
esnobes elites francesas se entusiasmariam por visitar. Eisner adorava
arquitetura, e teria a oportunidade de ser um Médici da era moderna.
Com o passar dos anos, os custos da Euro Disney se avolumavam.
Deixando de lado a obsessão habitual com baixos custos, Eisner sentia que,
se a construíssem da maneira correta, as multidões viriam e eles acabariam
recuperando os investimentos. Contudo, quando finalmente o parque abriu
as portas em 1992, conforme planejado, logo se tornou evidente que Eisner
não compreendia os gostos e hábitos de férias dos franceses. Estes não
estavam dispostos a esperar em fila para visitar as atrações, em especial se o
clima não estivesse bom. Como nos outros parques temáticos, cervejas e
vinhos não eram servidos, o que era um sacrilégio para os franceses; os
quartos de hotel eram caros demais para uma família permanecer por mais
do que uma noite; e, apesar de toda a atenção aos detalhes, os castelos de
mármore rosa ainda pareciam versões bregas dos originais.
O público que compareceu foi apenas metade do que Eisner predissera.
As dívidas que a Disney contraiu na construção haviam inchado e o
dinheiro que vinha dos visitantes não pagava nem os juros sobre elas. A
situação prometia ser um desastre, o primeiro da carreira gloriosa dele.
Quando finalmente aceitou a realidade, decidiu que Frank Wells era o
culpado de tudo. Era a função dele supervisionar a saúde financeira do
projeto, e ele havia fracassado. Enquanto antes Eisner só tivera as palavras
mais positivas para descrever o relacionamento de trabalho entre os dois,
agora muitas vezes se queixava do seu vice-comandante e contemplou a
ideia de despedi-lo.
Em meio a esse fiasco crescente, Eisner pressentiu uma nova ameaça no
horizonte – Jeffrey Katzenberg, sobre quem havia um dia se referido como
o seu golden retriever, um cão tão leal e trabalhador. Katzenberg
supervisionou a série de triunfos iniciais do estúdio, inclusive o maior de
todos, A bela e a fera, o filme que deu partida à renascença do
Departamento de Animação da Disney. No entanto, algo nele deixava
Eisner cada vez mais nervoso. Talvez fosse o memorando que o colega
redigira em 1990, em que dissecava a série de fracassos que a Disney havia
produzido recentemente com atores reais. “Desde 1984, temos aos poucos
nos afastado da nossa visão original de como administrar uma empresa”,
escreveu. Katzenberg criticou a decisão do estúdio de partir para filmes de
orçamento maior, como Dick Tracy, tentando realizar “filmes de evento”. A
Disney sucumbira à “mentalidade dos blockbusters” e perdera a alma no
processo.
O memorando deixou Eisner desconfortável. Dick Tracy fora o seu
projeto de estimação. Será que Katzenberg estava criticando o chefe de
maneira indireta? Quando pensou nisso, pareceu-lhe que aquela era uma
imitação clara do seu próprio memorando infame na Paramount, em que
havia defendido filmes mais baratos e de alto conceito. Agora lhe ocorria
que Katzenberg se via como o próximo Eisner. Talvez quisesse lhe roubar o
emprego, questionando-lhe a autoridade de modo sutil. Essas ideias o
corroíam. Por que ele o excluía agora das reuniões sobre roteiros?
O Departamento de Animação logo se tornou o gerador principal de
lucros do estúdio, com novos sucessos como Aladdin e, em seguida, O rei
leão, que havia sido o bebê de Katzenberg – ele mesmo concebera a história
e a desenvolveu do início ao fim. Artigos em revistas agora começavam a
apresentá-lo como o gênio criativo por trás do ressurgimento da Disney no
gênero. E quanto a Roy Disney, o vice-presidente do Departamento de
Animação? E quanto ao próprio Eisner, que estava no comando de tudo?
Para este, Katzenberg estava manipulando a imprensa, engrandecendo a
própria imagem. Um executivo lhe relatou que Katzenberg andava por aí
dizendo: “Sou o Walt Disney dos dias de hoje”. A suspeita logo se
transformou em ódio. Eisner não aguentava mais a presença dele.
Então, em março de 1994, Frank Wells morreu num acidente de
helicóptero durante uma excursão de esqui. Para tranquilizar os acionistas e
a Wall Street, Eisner logo anunciou que ele assumiria a posição como
presidente. Entretanto, de repente, lá veio Katzenberg, amolando-o com
telefonemas e memorandos, lembrando-o de lhe ter prometido o cargo de
presidente se Wells algum dia deixasse a empresa. Que gesto insensível, tão
cedo após a tragédia. Eisner parou de lhe retornar as chamadas.
Por fim, em agosto de 1994, Eisner demitiu Jeffrey Katzenberg, para o
espanto de quase todos em Hollywood. Ele havia despedido o executivo
cinematográfico mais bem-sucedido da cidade. O rei leão se tornara um dos
filmes mais lucrativos na história de Hollywood. Katzenberg esteve por trás
da aquisição da produtora Miramax pela Disney, o que foi considerado uma
façanha excelente com o êxito subsequente do filme Pulp fiction: tempo de
violência. Parecia loucura da parte de Eisner, mas ele não se importava.
Finalmente livre daquela sombra, conseguiria relaxar e elevar a Disney a
um nível superior, sozinho e sem mais distrações.
Para provar que não perdera o tino para os negócios, logo deslumbrou o
mundo do entretenimento ao engendrar a compra pela Disney do grupo
midiático ABC. A absoluta audácia dessa proeza mais uma vez o tornou o
centro das atenções. Estava agora erigindo um império do entretenimento
além do que qualquer um já havia tentado ou imaginado. Essa manobra,
porém, lhe gerou um problema. A empresa, na prática, dobrara de tamanho.
Era complexa demais, grande demais para um homem só. Apenas um ano
antes, ele passara por uma cirurgia cardíaca, e não era capaz de suportar a
fadiga adicional.
Precisava de outro Frank Wells, e os seus pensamentos logo se voltaram
para o velho amigo Michael Ovitz, um dos fundadores e o diretor da
agência de publicidade Creative Artists Agency. Ovitz era o maior
negociante da história de Hollywood, talvez o homem mais poderoso da
cidade. Juntos, dominariam o campo. Muitos dentro da indústria o
aconselharam a não realizar a contratação – Ovitz não era como Frank
Wells; não era das finanças ou um mestre dos detalhes, como o próprio
Ovitz admitia. Eisner ignorou os conselhos. As pessoas estavam sendo
convencionais demais na sua forma de raciocínio. Decidiu convencer Ovitz
a deixar a CAA, fazendo-lhe uma oferta muito lucrativa que incluía o título
de presidente. Em várias conversações lhe garantiu que, embora este seria o
segundo no comando, eles um dia administrariam a empresa como
colíderes.
Num telefonema, Ovitz por fim concordou com todos os termos, mas
Eisner percebeu, no momento em que desligou, que havia cometido o maior
erro da sua vida. O que ele estava pensando? Mesmo que fossem amigos
íntimos, como é que dois homens com personalidades tão grandiosas
conseguiriam trabalhar juntos? Ovitz tinha sede de poder. Seria o mesmo
problema enfrentado com Katzenberg, só que dobrado. Mas era tarde
demais. Convencera a diretoria a aprovar a contratação. A sua própria
reputação e o seu processo decisório como diretor executivo estavam em
jogo. Teria que dar um jeito de aquilo dar certo.
Logo se decidiu por uma estratégia: limitaria as responsabilidades de
Ovitz, mantendo-o sob rédeas curtas, e o faria se provar como presidente.
Desse modo, poderia conquistar a confiança de Eisner e obter mais poder.
Desde o primeiro dia, Eisner quis lhe sinalizar quem era o chefe. Em vez de
colocá-lo no velho escritório de Frank Wells, no sexto andar da sede da
Disney, junto ao de Eisner, ele o alocou num escritório bem modesto no
quinto andar. Ovitz gostava de esbanjar dinheiro com presentes e festas
luxuosas para cativar as pessoas; Eisner ordenou à sua equipe que
monitorasse cada centavo que o novo funcionário gastasse nessas coisas, e
lhe vigiasse todos os movimentos. Será que Ovitz contatava outros
executivos pelas costas de Eisner? Este não toleraria outro Katzenberg.
Em pouco tempo, a seguinte dinâmica se desenvolveu: Ovitz o abordava
com algum projeto em potencial, e Eisner não o desencorajava de explorar
as possibilidades. No entanto, na hora de fechar um acordo sobre o projeto,
este respondia com um enfático não. Lentamente, o boato se espalhou pela
indústria de que Ovitz havia perdido o tino para os negócios e não
conseguia mais fechar acordos. E ele começou a entrar em pânico. Estava
desesperado para provar que era digno da contratação. Ofereceu-se para se
mudar para Nova York a fim de ajudar a administrar a ABC, já que a fusão
das duas empresas não estava transcorrendo com muita facilidade, mas
Eisner recusou, ordenando aos subordinados que mantivessem distância de
Ovitz. Este não era alguém em quem se pudesse confiar – era filho de um
vendedor de bebidas alcoólicas no Vale de São Fernando, na Califórnia, e,
como o pai, era apenas um vendedor de fala mansa. Era viciado na atenção
da imprensa. Dentro da empresa, Ovitz fora completamente isolado.
À medida que os meses dessa saga se arrastavam, Ovitz percebeu o que
estava acontecendo, e se queixou com amargura a Eisner. Ele havia deixado
a agência que fundara para trabalhar na Disney; apostara a própria
reputação no que faria como presidente, e Eisner lhe estava destruindo a
reputação. Ninguém o respeitava mais na empresa. O modo como Eisner o
tratava era totalmente sádico. Na mente deste, porém, Ovitz fracassara no
teste que havia lhe dado; ele não se provara paciente; não era nenhum Frank
Wells. Em dezembro de 1996, depois de meros quatorze meses no cargo,
Ovitz foi despedido, levando com ele uma alta soma de indenização pela
rescisão do contrato. Foi uma queda rápida e vertiginosa na desgraça.
Por fim liberado do seu grande erro, Eisner começou a consolidar o
poder dentro da empresa. A ABC não ia muito bem. Ele teria que intervir e
assumir o controle. Passou a participar das reuniões sobre programação;
falava dos seus velhos tempos na ABC e dos programas que havia criado
para a emissora, como Laverne & Shirley e Happy Days. A ABC precisava
retornar àquela velha filosofia e produzir programas de alto conceito para a
família.
Quando a internet começou a decolar, Eisner teve que se envolver em
grande escala. Vetou a compra da Yahoo!, instigada por seus executivos.
Em vez disso, a Disney criaria o seu próprio portal de internet, chamado
Go. Com o passar dos anos, ele havia aprendido a lição – era sempre melhor
projetar e administrar o seu próprio espetáculo. A Disney dominaria a
internet. Ele se provara um gênio das reviravoltas duas vezes antes e, com a
companhia agora em declínio, o faria uma terceira vez.
Em pouco tempo, porém, uma onda de desastres atingiu a corporação,
uma após a outra. Logo depois de ter sido despedido, Katzenberg processou
a Disney pelo bônus – baseado no seu desempenho – que lhe era devido
segundo o contrato dele. Ovitz, quando era ainda presidente, tentou entrar
num acordo antes que o caso fosse para o tribunal e tinha conseguido que
Katzenberg aceitasse a soma de 90 milhões de dólares, mas, no último
minuto, Eisner vetou o acerto, convicto de que não devia nada a
Katzenberg. Em 2001, o juiz decidiu a favor de Katzenberg, a quem a
empresa teria que pagar a quantia colossal de 280 milhões de dólares. A
Disney devotara vastos recursos à criação do portal Go, cujo fracasso foi
tão terrível que precisou ser fechado. Os custos da Euro Disney ainda lhes
sugavam o sangue. A Disney tinha uma parceria com a Pixar, e os dois
estúdios produziram juntos sucessos como Toy Story. Entretanto, Steve
Jobs, agora diretor executivo da Pixar e profundamente ressentido com o
microgerenciamento de Eisner, deixou claro que jamais trabalharia com eles
de novo. A ABC demonstrava um baixo desempenho. Os filmes que a
Disney produzia eram, na maioria, não apenas fracassos, mas fracassos
dispendiosos, culminando no maior de todos, Pearl Harbor, lançado em
maio de 2001.
De repente, parecia que Roy Disney havia perdido a fé em Eisner. O
preço das ações da empresa despencava. Ele disse a Eisner que seria melhor
se este se demitisse. Que ingratidão, que atrevimento! Ele, Eisner, era o
homem que, sozinho, a resgatara do mundo dos mortos. Salvara Roy do
desastre e lhe fizera uma fortuna. Justo Roy, que alguns consideravam o
sobrinho idiota de Walt. E agora, no momento mais sombrio que Eisner já
enfrentara, queria trai-lo? Eisner nunca se sentira tão furioso. Revidou
rápido, forçando Roy a se afastar da diretoria. Isso pareceu apenas encorajar
Roy, que organizou uma revolta dos acionistas conhecida como “Salve a
Disney”, os quais, em março de 2004, votaram a favor de uma condenação
brutal da liderança de Eisner.
Pouco tempo depois, a diretoria decidiu tirar Eisner da posição de
presidente. O império que ele construíra estava desmoronando. Em
setembro de 2005, sem quase nenhum aliado no qual se apoiar e se sentindo
sozinho e traído, Eisner se demitiu oficialmente da Disney. Como é que
tudo se desfez tão rápido? Eles sentiriam a falta dele, Eisner disse a amigos,
referindo-se a Hollywood como um todo; nunca haveria outro como ele.
Interpretação: Podemos dizer que Michael Eisner, em certo ponto da
carreira, sucumbiu a uma forma de delírio em relação ao poder, com o seu
raciocínio se separando tanto da realidade que ele acabou tomando decisões
empresariais que tiveram consequências desastrosas. Vamos agora seguir o
progresso dessa forma particular de delírio desde que emergiu e lhe
dominou a mente.
No início da sua carreira na ABC, o jovem Eisner entendia bem a
realidade. Era terrivelmente pragmático. Compreendia e explorava as
próprias forças ao máximo – a sua natureza ambiciosa e competitiva, a ética
de trabalho intensa, o senso apurado para o que a média dos norteamericanos apreciava em termos de entretenimento. Eisner tinha uma mente
ágil e a capacidade de encorajar os outros a pensar de forma criativa.
Apoiando-se nessas forças, evoluiu rápido na sua vida profissional. Possuía
um grau elevado de confiança nos próprios talentos, e a série de promoções
que recebeu na ABC confirmou essa auto-opinião. Ele podia se dar ao luxo
de ser um pouco arrogante, pois havia aprendido muito no emprego, e as
suas habilidades como programador de televisão melhoraram imensamente.
Seguia numa via rápida para chegar ao topo, o que alcançou aos 34 anos, ao
ser nomeado diretor da programação do horário nobre da ABC.
Sendo um homem de grandes ambições, logo sentiu que o mercado
televisivo era algo restritivo. Havia limites para os tipos de entretenimento
que ele poderia programar. O mundo cinematográfico oferecia algo mais
solto, grandioso e glamoroso. Era natural, portanto, que aceitasse o cargo na
Paramount. Nesta empresa, porém, algo ocorreu que deu início ao processo
sutil que lhe desequilibrou a mente. Como a plataforma era maior e ele era
o diretor do estúdio, começou a receber a atenção da imprensa e do público.
Era retratado em capas de revistas como o executivo cinematográfico de
mais sucesso em Hollywood. Isso era qualitativamente diferente da atenção
e satisfação que obtivera com as promoções na ABC. Agora, ele tinha a
admiração de milhões de pessoas. Como a opinião delas poderia estar
errada? Segundo elas, ele era um gênio, um novo tipo de herói alterando o
panorama do sistema dos estúdios.
Isso era inebriante. Era inevitável que elevasse a sua estimativa das
próprias habilidades. Entretanto, um grande perigo surgiu também. O
sucesso que Eisner havia tido na Paramount não foi apenas de sua autoria.
Quando ele chegou ao estúdio, muitos filmes já estavam em pré-produção,
inclusive Os embalos de sábado à noite, que incitaria a reviravolta. Barry
Diller era o contraponto perfeito para Eisner, cujas ideias discutia sem parar,
forçando-o a aprimorá-las. Contudo, inflado pela atenção que recebia agora,
Eisner tinha que imaginar que merecia os louvores que lhe consagravam
estritamente por seus próprios méritos, e, desse modo, era natural que
subtraísse do seu sucesso as contribuições alheias e a sorte de agir no
momento certo. Agora a sua mente se distanciava sutilmente da realidade.
Em vez de se preocupar rigorosamente com o público e em como entretê-lo,
passou a se concentrar cada vez mais em si mesmo, acreditando no mito da
sua grandeza como promulgado por outros. Imaginava que tinha o toque de
Midas.
Na Disney, o padrão se repetiu e se tornou mais intenso. Ele se deleitou
no resplendor do seu incrível sucesso lá, esquecendo-se rápido da boa sorte
que tivera ao herdar o acervo da empresa bem na época da explosão dos
videocassetes e do entretenimento em família. Desprezou o papel crucial
que Wells desempenhava em contrabalançá-lo. Com a sua noção de
grandiosidade crescendo, enfrentou um dilema. Viciara-se na atenção
resultante de criar um espetáculo, produzir algo sensacional. Não conseguia
se contentar com o sucesso simples e com os lucros crescentes. Tinha que
acrescentar mais ao mito para mantê-lo vivo. A Euro Disney seria a
resposta. Mostraria ao mundo que ele não era só um executivo corporativo,
mas um homem da renovação.
Ao construir o empreendimento, se recusou a dar ouvidos a conselheiros
experientes que recomendaram o terreno em Barcelona e defenderam um
parque temático modesto para manter os custos baixos. Não prestou atenção
à cultura francesa, mas dirigiu tudo a partir de Burbank. Agia na crença de
que as suas habilidades como diretor de um estúdio cinematográfico se
transfeririam para parques temáticos e arquitetura. Com certeza estava
superestimando os seus poderes criativos, e agora as suas decisões
empresariais revelavam um desligamento da realidade vasto o bastante para
ser qualificado como um delírio. Uma vez que esse desequilíbrio mental se
estabelece, só tende a piorar, pois voltar à Terra significa admitir que a autoopinião elevada estava errada, e o animal humano quase nunca admite algo
assim. Em vez disso, a tendência é culpar os outros por cada fracasso e
contratempo.
Nas garras desse delírio, ele cometeu o erro mais sério de todos – a
demissão de Jeffrey Katzenberg. O sistema da Disney dependia de um fluxo
constante de novos sucessos com filmes de animação, o que alimentava as
lojas e os parques temáticos com novos personagens, mercadorias, atrações
e meios de publicidade. Era evidente que Katzenberg havia desenvolvido
um talento para criar esses sucessos, como exemplificado pelo êxito sem
precedentes de O rei leão. Despedi-lo pôs toda a linha de montagem em
risco. Quem assumiria agora? Por certo não seria Roy Disney, ou o próprio
Eisner? Além disso, ele deveria saber que Katzenberg levaria as suas
habilidades para outro lugar, o que de fato aconteceu, quando este se tornou
cofundador de um novo estúdio, a DreamWorks. Lá ele produziu mais
filmes de animação de sucesso. A existência de um novo estúdio elevou o
preço do salário dos animadores talentosos, aumentando em muito o custo
de produção de um filme de animação e ameaçando todo o sistema de
lucros da Disney. Entretanto, em vez de se agarrar a essa realidade, Eisner
estava mais concentrado na competição pela atenção. A ascensão de
Katzenberg ameaçava a sua auto-opinião elevada, e Eisner teve que
sacrificar lucros e pragmatismo para tranquilizar o próprio ego.
A espiral descendente havia começado. A aquisição da ABC, sob a
crença de que maior é melhor, revelou o desligamento crescente de Eisner
da realidade. A televisão era um modelo de negócios moribundo na era das
novas mídias. Não seria uma decisão empresarial realista, mas um golpe
publicitário. Ele criara um mastodonte do entretenimento, uma massa sem
nenhuma identidade clara. A contratação e demissão de Ovitz revelaram um
nível ainda maior de delírio. As pessoas tinham se tornado meros
instrumentos para o uso de Eisner. Ovitz era considerado o homem mais
temido e poderoso de Hollywood. Talvez Eisner fosse movido de maneira
inconsciente pelo desejo de humilhar Ovitz. Se conseguisse fazê-lo suplicar
por migalhas, ele seria o homem mais poderoso de Hollywood.
Em pouco tempo, todos os problemas gerados pelo processo de
raciocínio delirante de Eisner começaram a despencar, um após o outro – os
custos cada vez mais altos da Euro Disney, o bônus de Katzenberg, a
indenização pela rescisão do contrato de Ovitz. Os membros da diretoria
não tinham mais como ignorar a queda do preço das ações. As demissões de
Katzenberg e Ovitz tornaram Eisner o homem mais odiado em Hollywood
e, à medida que a sua sorte decaía, todos os seus inimigos saíram das
sombras para acelerar a sua destruição: sua queda do poder foi rápida e
estrondosa.
Entenda: a história de Michael Eisner está muito mais próxima de você
do que imagina. O destino dele poderia muito bem ser o seu, embora, com
toda a probabilidade, em dimensões menores. O motivo é simples: nós,
seres humanos, possuímos uma fraqueza latente que nos empurrará para um
processo delirante sem que tenhamos sequer consciência dessa dinâmica.
Ela vem da nossa tendência natural a superestimar as nossas habilidades.
Costumamos ter uma auto-opinião que é um pouco elevada em relação à
realidade. Temos uma necessidade profunda de nos sentirmos superiores
aos outros em alguma coisa – inteligência, beleza, charme, popularidade ou
virtuosidade. Isso pode ser positivo. Uma dose de confiança nos impele a
aceitar desafios, a ir além dos nossos limites e a aprender no processo. No
entanto, uma vez que tenhamos experimentado o sucesso em qualquer nível
– o aumento da atenção de um indivíduo ou grupo, uma promoção, o
financiamento de um projeto –, a autoconfiança tenderá a crescer em
extrema velocidade, e haverá uma discrepância cada vez maior entre a autoopinião e a realidade.
Qualquer sucesso que tenhamos na vida depende inevitavelmente de
alguma sorte, da ação no momento certo, das contribuições de outros, dos
professores que nos ajudaram ao longo do caminho, dos caprichos do
público que precisa de algo novo. A nossa tendência é esquecer tudo isso e
imaginar que qualquer êxito resulta do nosso ser superior. Começamos a
pressupor que somos capazes de lidar com novos desafios muito antes de
estarmos prontos. Afinal, as pessoas confirmam a nossa grandeza ao nos
devotar a sua atenção, e queremos mantê-la. Imaginamos que temos o toque
de Midas e que agora conseguiremos transferir de forma mágica as nossas
habilidades para outro meio ou campo. Sem perceber, nos sintonizamos
mais com o nosso ego e as nossas fantasias do que com aqueles para quem
trabalhamos ou com o nosso público. Nós nos distanciamos dos que estão
nos ajudando, vendo-os como ferramentas a serem usadas. E tendemos a
culpar os outros por quaisquer fracassos que venham a ocorrer. O sucesso
tem uma atração irresistível que tende a nos nublar a mente.
A sua tarefa é a seguinte: depois de qualquer tipo de triunfo, analise os
componentes. Veja o elemento inevitável da sorte, assim como o papel que
outras pessoas, inclusive mentores, desempenharam no seu êxito. Isso
neutralizará a tendência a inflar os seus poderes. Lembre-se de que com o
sucesso vem a complacência, já que a atenção se torna mais importante do
que o trabalho, e velhas estratégias se repetem. Com o sucesso, você deve
aumentar a sua vigilância. Vire a página com cada projeto novo, começando
do zero. Tente prestar menos atenção ao aplauso à medida que este
aumentar. Veja as limitações do que é capaz de realizar e aceite-as,
trabalhando com o que tem. Não acredite que maior é melhor; consolidar e
concentrar as suas forças costuma ser a opção mais sábia. Tenha cuidado
para não ofender os outros com a sua noção crescente de superioridade –
você vai precisar de aliados. Compense o efeito narcótico do sucesso
mantendo os pés bem firmes no chão. O poder que construir dessa forma
lenta e orgânica será mais real e duradouro. Lembre-se: os deuses são
impiedosos com os que voam alto demais nas asas da grandiosidade, e o
farão pagar o preço.
Simplesmente existir jamais havia sido o bastante para ele; sempre quisera mais.
Talvez fosse apenas por conta da força dos seus desejos que ele se via como um
homem a quem era permitido mais do que aos outros.
— Fiódor Dostoiévski, Crime e castigo
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Digamos que o leitor tenha um projeto a realizar, ou que exista um
indivíduo ou grupo de pessoas que deseje persuadir a fazer algo.
Poderíamos descrever uma atitude realista em relação a atingir esses
objetivos da seguinte maneira: conseguir o que você quer é raramente fácil.
O sucesso dependerá muito de esforço e de alguma sorte. Para fazer o seu
projeto dar certo, é provável que tenha de descartar a sua estratégia inicial –
as circunstâncias estão sempre mudando e você precisa manter a mente
aberta. Aqueles que estiver tentando alcançar nunca responderão
exatamente do modo como imaginava ou esperava. Na maioria das vezes,
os indivíduos vão surpreendê-lo ou frustrá-lo com as suas reações. Eles têm
as suas próprias necessidades, experiências e psicologia específicas, que são
diferentes das suas. A fim de impressionar os seus alvos, concentre-se neles,
no espírito deles. Se não conseguir realizar o que quer, terá que examinar
com cuidado o que saiu errado e se esforçar para aprender com essa
experiência.
Pense no projeto ou tarefa à sua frente como um bloco de mármore que
você tem de esculpir em algo preciso e belo. O bloco é muito maior do que
você e o material é bem resistente, mas a tarefa não é impossível. Com
esforço, concentração e adaptabilidade suficientes, aos poucos esculpirá o
que precisa. Comece, porém, com um senso apropriado de proporções – os
objetivos serão difíceis de se atingir, as pessoas se mostrarão resistentes, e
há limites para o que você é capaz de realizar. Com essa atitude realista,
será reunida a paciência necessária, podendo-se partir para o trabalho.
Imagine, porém, que o seu cérebro sucumbiu a uma doença psicológica
que afeta a sua percepção de dimensão e proporção. Em vez de ver a tarefa
diante de si como bem grande e o material como resistente, sob a influência
dessa enfermidade você perceberá o bloco de mármore como relativamente
pequeno e maleável. Perdendo o senso de proporção, acreditará que não
levará muito tempo para modelá-lo na imagem do produto final que tem em
mente. Imaginará que as pessoas que está tentando alcançar não são
resistentes por natureza, mas bem previsíveis. Sabe como responderão à sua
grande ideia – vão adorá-la. Na verdade, elas precisam de você e do seu
trabalho mais do que você necessita delas. São elas que o deveriam
procurar. A ênfase não está no que você precisa fazer para obter o sucesso,
mas no que acredita que merece. Você prevê toda a atenção que esse projeto
lhe trará, mas, se fracassar, a culpa só pode ser dos outros, pois você tem
dons, a sua causa é correta, e só os maliciosos e invejosos se colocariam no
seu caminho.
Chamemos essa doença psicológica de grandiosidade. Ao sentir os seus
efeitos, as proporções realistas normais são invertidas – a sua identidade se
torna maior e melhor do que qualquer coisa em redor. Essa é a lente pela
qual você enxerga a tarefa e aqueles que precisa atingir. Não é meramente
um narcisismo profundo (veja o Capítulo 2), no qual tudo precisa girar em
torno de si. É ver-se como um ser maior (a raiz da palavra grandiosidade
significa “grande”), superior e digno não somente de atenção, mas de ser
adorado. É um sentimento de ser não apenas humano, mas divino.
O leitor talvez pense nos líderes poderosos e egocêntricos na esfera
pública como os que contraem essa doença, mas estaria bem enganado
nessa suposição. Com certeza encontramos muitas pessoas influentes, como
Michael Eisner, com versões de alto grau de grandiosidade, em que a
atenção e louvores recebidos criam um aumento mais intenso da identidade.
No entanto, há uma versão cotidiana de baixo nível desse mal que é comum
a quase todos nós, pois é um traço entranhado na natureza humana. Resulta
da nossa necessidade profunda de nos sentirmos importantes, estimados e
superiores em relação a alguma coisa.
É raro que você tome consciência da sua própria grandiosidade, pois,
por natureza, ela altera a sua percepção da realidade e torna difícil fazer
uma avaliação precisa de si mesmo. Desse modo, não dá para perceber os
problemas que ela talvez lhe esteja causando neste mesmo momento. A sua
grandiosidade de baixo nível o levará a superestimar as suas próprias
habilidades e talentos, e a subestimar os obstáculos que enfrenta. E assim
assumirá tarefas que estão além da sua capacidade real. Sentirá que os
indivíduos responderão à sua ideia de uma maneira específica e, quando não
o fizerem, você se aborrecerá e culpará os outros.
Talvez o leitor passe a se sentir inquieto e faça uma mudança repentina
na sua carreira, sem se dar conta de que a grandiosidade está na raiz disso –
o seu trabalho atual não está confirmando a sua grandeza e superioridade,
pois, para ser grande de verdade, seriam necessários anos mais de
treinamento e o desenvolvimento de novas habilidades. Seria melhor
desistir e se deixar atrair pelas possibilidades de novas ofertas profissionais,
o que lhe permite entreter fantasias de grandeza. Dessa maneira, nunca
domina nada por completo. Talvez tenha dezenas de ideias boas que nunca
tenta executar, pois isso o levaria a enfrentar a realidade do verdadeiro nível
das suas aptidões. Sem ter consciência disso, você talvez se torne um pouco
mais passivo – esperando que os outros o entendam, lhe deem o que quer,
tratando-o bem. Em vez de lhes conquistar os elogios, você se sente
merecedor deles.
Em todos esses casos, a sua grandiosidade de baixo grau o impedirá de
aprender com base nos seus erros e de se desenvolver, pois você parte da
hipótese de que já é grande e importante, e é difícil demais admitir o
contrário.
A sua tarefa como estudante da natureza humana é tripla: em primeiro
lugar, entenda o fenômeno da grandiosidade em si, por que ela é tão
entranhada na natureza humana e a razão de, hoje em dia, ser possível
encontrar mais pessoas grandiosas no mundo do que nunca. Em segundo
lugar, reconheça os sinais da grandiosidade e saiba como lidar com os
indivíduos que os exibem. Em terceiro lugar, e mais importante, identifique
os sinais da doença em si mesmo e aprenda não somente a controlar as suas
tendências grandiosas, mas também a canalizar essa energia em algo
produtivo (veja mais sobre isso em “A grandiosidade pragmática”, na
página 408).
Segundo o renomado psicanalista Heinz Kohut (1913-1981), a
grandiosidade tem raízes no início da nossa vida. Nos nossos primeiros
meses, a maioria de nós cria um vínculo forte com a mãe. Não tínhamos
nenhuma noção de uma identidade separada. Ela atendia a todas as nossas
necessidades. Passamos a acreditar que o seio que nos alimentava fazia
parte de nós mesmos. Éramos onipotentes – tudo o que tínhamos de fazer
era sentir fome ou qualquer necessidade, e a mãe estaria lá para nos atender,
como se tivéssemos o poder mágico de controlá-la. Depois, porém, aos
poucos, passamos por uma segunda fase em que fomos forçados a enfrentar
a realidade – a nossa mãe era um ente separado com outras pessoas às quais
atender. Não éramos onipotentes, mas bem frágeis, muito pequenos e
dependentes. Essa compreensão foi dolorosa e motivo de muitos dos nossos
ataques de birra – tínhamos uma necessidade profunda de nos afirmarmos,
de demonstrar que não éramos tão impotentes e de fantasiar sobre poderes
que não possuíamos. (É comum que as crianças imaginem terem a
habilidade de ver através das paredes, voar ou ler a mente dos outros, e é
por isso que se sentem atraídas a histórias de super-heróis.)
Ao crescermos, talvez já não sejamos pequenos no aspecto físico, mas o
nosso senso de insignificância só piora. Percebemos que somos uma única
pessoa não apenas numa família maior, na escola ou na cidade, mas num
planeta inteiro com bilhões de habitantes. A nossa vida é relativamente
curta. Temos habilidades e uma capacidade intelectual limitadas. Há tanto
que não conseguimos controlar, em especial em relação à nossa carreira e às
tendências globais. A ideia de que morreremos e seremos rapidamente
esquecidos, engolidos pela eternidade, é bem intolerável. Queremos nos
sentir significativos de alguma maneira, protestar contra a nossa pequenez
natural, expandir a nossa noção de identidade. O que vivenciamos aos 3 ou
4 anos de idade nos assombra de forma inconsciente pela vida inteira.
Alternamos entre momentos em que sentimos a nossa pequenez e aqueles
em que tentamos negá-la. Isso nos deixa predispostos a encontrar meios de
imaginar a nossa superioridade.
Algumas crianças não passam pela segunda fase da primeira infância
em que precisam enfrentar a sua pequenez relativa, e são mais vulneráveis a
formas mais profundas de grandiosidade mais tarde na vida. São mimadas,
superprotegidas. A mãe e o pai continuam a fazê-las se sentirem o centro do
universo, resguardando-as da dor de enfrentar a realidade. O que quer que
elas desejem se torna uma ordem para os pais. Se qualquer tentativa for
feita de incutir um mínimo de disciplina, estes se verão diante de um acesso
de raiva. Além disso, elas passam a desdenhar qualquer forma de
autoridade. Em comparação com si mesmas e com o que conseguem obter,
a figura paterna lhes parece bem fraca.
Os mimos na infância marcam essas crianças para toda a vida. Elas
precisam ser adoradas. Tornam-se peritas em manipular os outros para que
as mimem e lhes encham de atenções. Sentem-se naturalmente melhores do
que todos acima delas. Caso possuam algum talento, talvez consigam subir
bastante na vida, à medida que a noção de terem nascido com uma coroa na
cabeça se torna uma profecia autorrealizada. Diferentemente de outros,
nunca alternam de verdade entre sentimentos de pequenez e de grandeza; só
conhecem esta última. Eisner com certeza tinha um histórico desse tipo,
com uma mãe que lhe atendia todas as necessidades, fazia as tarefas de casa
para ele e o protegia do pai indiferente e, às vezes, cruel.
No passado, nós, seres humanos, éramos capazes de canalizar a nossa
necessidade grandiosa na religião. Em tempos antigos, o nosso senso de
pequenez não era apenas inculcado em nós pelos muitos anos que
passávamos como dependentes dos nossos pais; vinha também da nossa
fraqueza em relação aos poderes hostis da natureza. Os deuses e espíritos
representavam esses poderes elementares da natureza que eclipsavam os
nossos. Ao adorá-los, nós lhes obtínhamos a proteção. Conectados a algo
muito maior do que nós mesmos, nos sentíamos ampliados. Afinal, os
deuses ou Deus se importavam com a nossa tribo ou cidade, com a nossa
alma individual, um sinal da nossa significância. Não morríamos e
desaparecíamos simplesmente. Muitos séculos mais tarde, de maneira
similar, nós canalizamos essa energia na adoração de líderes que
representavam uma grande causa e que promoviam uma utopia futura,
como Napoleão Bonaparte e a Revolução Francesa, ou Mao Tsé-Tung e o
comunismo.
Hoje, no mundo ocidental, as religiões e grandes causas perderam o seu
poder unificador; temos mais dificuldade para acreditar nelas e satisfazer a
nossa energia grandiosa por meio da identificação com um poder maior. A
necessidade de nos sentirmos maiores e significativos, porém, não
desaparece simplesmente; está mais forte do que nunca. E, na ausência de
outros canais, as pessoas tenderão a direcionar essa energia para si mesmas,
encontrando uma maneira de expandir a sua noção de identidade, de se
sentirem grandes e superiores. Embora seja raro que tenham ciência disso, o
que estão escolhendo idealizar e adorar é o próprio ego. Por essa razão,
encontramos cada vez mais indivíduos grandiosos entre nós.
Outros fatores também contribuíram para a intensificação da
grandiosidade. Em primeiro lugar, mais do que no passado, há muitas
pessoas que foram superprotegidas na infância. A sensação de um dia terem
sido o centro do universo é algo difícil de esquecer. Elas passam a crer que
tudo que fazem ou produzem deve ser considerado precioso e digno de
atenção. Em segundo lugar, encontramos cada vez mais indivíduos que
demonstram pouco ou nenhum respeito pela autoridade ou por especialistas
de qualquer espécie, não importando o nível de treinamento e experiência
destes, mesmo que essas pessoas não tenham nenhum. “Por que a opinião
deles deveria ser mais válida do que a minha?”, elas se perguntam.
“Ninguém é tão bom assim; o ser humano com poder é apenas mais
privilegiado.” “Os meus textos e a minha música são tão legítimos e dignos
quanto os de qualquer um.” Sem a noção de que alguém mereça estar acima
delas e ser tratado como uma autoridade, elas se posicionam entre os mais
elevados.
Em terceiro lugar, a tecnologia nos dá a impressão de que tudo na vida é
tão rápido e fácil quanto a informação que vislumbramos na internet. Ela
nos incute a crença de que não temos mais que passar anos aprendendo uma
habilidade; em vez disso, por meio de truques e com algumas horas de
prática por semana, podemos nos tornar proficientes em qualquer tema. De
maneira análoga, acreditamos que os nossos talentos são transferíveis com
facilidade: “A minha habilidade de escrever significa que também consigo
dirigir um filme”. Entretanto, mais do que tudo, são as redes sociais que
espalham o vírus da grandiosidade, por meio das quais temos poderes quase
ilimitados de expandir a nossa presença, de criar a ilusão de que somos
adorados por milhares ou milhões. Somos capazes de ter a fama e
ubiquidade de reis e rainhas do passado, ou até dos próprios deuses.
Com todos esses elementos combinados, é mais difícil do que nunca
para qualquer um de nós manter uma atitude realista e um senso bem
proporcionado de identidade.
Ao observar os outros ao redor, compreenda que a grandiosidade deles
(e a sua) pode surgir de muitas formas diferentes. Na maioria dos casos, os
indivíduos tentarão satisfazer o desejo de conquistar prestígio social. Talvez
aleguem que estão interessados no trabalho em si ou em fazer uma
contribuição para a humanidade, mas muitas vezes, lá no fundo, o que os
motiva de fato é a necessidade de atenção, de ter a sua auto-opinião
confirmada por outros que os admiram, de se sentirem poderosos e
engrandecidos. Os talentosos conseguem obter a atenção de que precisam
por muitos anos ou mais, mas é inevitável que, como na história de Eisner, a
necessidade de receber elogios leve-os a extrapolar os seus limites.
Se as pessoas o desapontarem com as próprias carreiras, mas ainda
acreditarem que são talentosas e não reconhecidas, elas talvez se voltem a
compensações diversas – drogas, álcool, sexo com o maior número de
parceiros possível, compras, uma atitude superior e zombeteira etc. Aqueles
com uma grandiosidade não satisfeita muitas vezes acabarão repletos de
uma energia maníaca – num momento contando a todos sobre os grandes
roteiros que vão escrever ou as muitas mulheres que vão seduzir, e no outro
caindo em depressão ao passo que a realidade se intromete.
O ser humano ainda tende a idealizar líderes e idolatrá-los, e você deve
ver isso como uma forma de grandiosidade. Ao acreditar que alguém mais
tornará tudo maravilhoso, os seguidores sentem parte dessa grandeza. A
mente deles decola junto com a retórica do líder. Sentem-se superiores aos
que não acreditam. Ou, num nível mais pessoal, idealizam com frequência
aqueles que amam, elevando-os ao status de deuses ou deusas e, por
extensão, sentindo parte desse poder refletida neles mesmos.
No mundo de hoje, você também notará a prevalência de formas
negativas de grandiosidade. Muitos sentem a necessidade de disfarçar os
próprios impulsos grandiosos não apenas dos outros, mas também de si
mesmos. Farão espetáculos frequentes da própria humildade – não estão
interessados no poder ou em se sentirem importantes, ou assim o dizem.
Estão felizes com a sua pequena sorte na vida. Não querem muitas posses,
não têm um carro e desdenham o status. No entanto, você notará que têm
uma necessidade de exibir essa humildade em público. É uma humildade
grandiosa, a maneira de obterem atenção e de se sentirem moralmente
superiores.
Uma variação disso é a vítima grandiosa, que sofreu muito e foi
vitimada inúmeras vezes. Embora talvez goste de se retratar apenas como
azarada ou infeliz, você notará que ela por vezes tem uma tendência a se
apaixonar pelos piores tipos em relacionamentos íntimos, ou a se colocar
em circunstâncias em que não há dúvida de que enfrentará o fracasso e o
sofrimento. Em essência, é compelida a criar o drama que a transformará
numa vítima. Como se constata, qualquer relacionamento com ela terá que
revolver em torno das necessidades dela; ela sofreu demais no passado para
cuidar das necessidades de outros. É o centro do universo. Sentir e
expressar a própria má sorte lhe dá uma sensação de importância, de ser
superior em termos de sofrimento.
É possível medir os níveis de grandiosidade do ser humano de várias
maneiras simples. Por exemplo, perceba como os indivíduos respondem a
críticas contra eles ou o seu trabalho. É normal para qualquer um de nós se
sentir defensivo e um pouco aborrecido quando criticado. No entanto,
alguns se mostram furiosos e histéricos, pois colocamos em dúvida o seu
senso de grandeza. É certo que alguém assim tem níveis elevados de
grandiosidade. De forma análoga, esses tipos talvez consigam ocultar a
fúria por trás de uma expressão de dor e martírio, que tem a intenção de
fazê-lo se sentir culpado. A ênfase não está na crítica em si e no que eles
precisam aprender, mas no seu senso de ressentimento.
Se as pessoas são bem-sucedidas, perceba como elas agem em
momentos mais íntimos. São capazes de relaxar e rir de si mesmas,
descartando a máscara que vestem? Ou passaram a se identificar tanto com
a poderosa imagem pública que ela se transfere para a vida privada? Nesse
último caso, passaram a acreditar no próprio mito e estão nas garras da
poderosa grandiosidade.
Indivíduos grandiosos costumam ser grandes falastrões. Assumem o
crédito por qualquer coisa que seja apenas tangencial ao trabalho deles;
inventam sucessos passados. Falam da própria presciência, como previram
certas tendências ou predisseram determinados acontecimentos, sem que
nada disso possa ser confirmado. Ao ouvir esse papo, desconfie
duplamente. Se as pessoas na esfera pública de repente disserem algo que
lhes cria problemas por parecerem insensíveis, você pode atribuir isso à
potente grandiosidade delas. Estão tão sintonizadas às suas próprias
opiniões maravilhosas que pressupõem que os demais as interpretarão no
espírito correto e concordarão com elas.
Os tipos grandiosos mais elevados demonstram níveis baixos de
empatia. Não são bons ouvintes. Quando a atenção não está neles, têm um
olhar distante no rosto, e os dedos se remexem de impaciência. Apenas
quando os holofotes se voltam para eles é que se tornam animados. Tendem
a ver os outros como extensões de si mesmos – ferramentas a serem
utilizadas em seus esquemas, fontes de atenção. Por fim, exibem
comportamentos não verbais que só podem ser descritos como grandiosos.
Os gestos são exagerados e dramáticos. Numa reunião, ocupam bastante
espaço pessoal. A voz tende a ser mais alta do que a dos colegas, e falam
rápido, não dando a ninguém a oportunidade de interrompê-los.
Seja indulgente com os que exibem níveis moderados de grandiosidade.
Quase todos nós alternamos entre períodos em que nos sentimos superiores
e maravilhosos, e outros em que retornamos à Terra. Veja esses momentos
de realismo nas pessoas como sinais de normalidade. Contudo, com aqueles
cuja auto-opinião é tão elevada que não se permitem quaisquer dúvidas, é
melhor evitar relacionamentos ou envolvimentos. Em relações íntimas,
tenderão a exigir a adoração unilateral. Se forem seus empregados,
parceiros de negócios ou chefes, inflarão as próprias habilidades. O nível de
confiança deles o distrairá das deficiências nas suas ideias, hábitos de
trabalho e caráter. Se você não tiver como evitar o relacionamento com uma
pessoa assim, tenha ciência da tendência dela de se sentir convicta do
sucesso das próprias ideias, e mantenha o ceticismo. Examine as ideias em
si e não se deixe levar pela autocrença sedutora dela. Não se iluda pensando
que conseguirá confrontá-la e trazê-la de volta à realidade; você talvez
acabe desencadeando uma resposta furiosa.
Se acontecer de esses tipos serem seus rivais, sorte sua. É fácil provocálos e fazê-los reagir de maneira exagerada. Lançar dúvidas sobre a
excelência deles os deixará apopléticos e duplamente irracionais.
Por fim, lide com as suas próprias tendências grandiosas. A
grandiosidade tem algumas utilizações positivas e produtivas. A
exuberância e a autocrença elevada que vem com ela podem ser canalizadas
no seu trabalho e ajudar a inspirá-lo. (Veja mais sobre isso em “A
grandiosidade pragmática”, na página 408.) Entretanto, em termos gerais,
seria melhor aceitar as suas limitações e trabalhar com o que tem, em vez de
fantasiar sobre poderes divinos que nunca possuirá. A melhor proteção
possível contra a grandiosidade é manter uma atitude realista. Você sabe a
que assuntos e atividades se sente atraído por natureza. Não tem como ser
habilidoso em tudo. Aposte nos seus pontos fortes e não imagine que
conseguirá ser fantástico em tudo que decidir concretizar. Tenha um
entendimento completo dos seus níveis de energia, do quanto pode se
esforçar de forma sensata e de como isso se altera com a idade. E
compreenda muito bem a sua posição social – os seus aliados, as pessoas
com quem tem maior afinidade, o público natural para o seu trabalho. Não é
possível agradar a todos.
Essa autoconsciência tem um componente físico com o qual você
precisa se sensibilizar. Quando realizar atividades que combinam com as
suas inclinações naturais, sentirá facilidade. Aprenderá mais rápido. Terá
mais energia e tolerará o tédio que vem acompanhado do ato de aprender
qualquer coisa importante. Se assumir atividades demais, mais do que
aquilo com que é capaz de lidar, você se sentirá não apenas exausto, mas
também irritável e nervoso. Será suscetível a dores de cabeça. Ao se ter
sucesso na vida, é natural ter um pouco de medo, como se a boa sorte
pudesse desaparecer. Com esse medo, os perigos que viriam de subir alto
demais (quase como uma vertigem) e de se sentir superior ao extremo. A
sua ansiedade lhe diz para retornar à Terra. Escute o seu corpo quando este
sinalizar que você está trabalhando contra as suas próprias forças.
Conhecendo a si mesmo, aceitará as suas limitações. Você é só uma
pessoa entre muitas no mundo, e não é por natureza superior a ninguém.
Não é nem um deus nem um anjo, mas um ser humano com defeitos, assim
como o resto de nós. Aceite o fato de que não conseguirá controlar as
pessoas em torno de você e que nenhuma estratégia é infalível. A natureza
humana é imprevisível demais. Com esse autoconhecimento e aceitação dos
seus limites, terá uma noção de proporções. Buscará a grandeza no seu
trabalho. E, quando sentir o impulso de nutrir uma opinião mais elevada de
si mesmo do que seria razoável, esse autoconhecimento lhe servirá como
um mecanismo gravitacional, puxando-o de volta para baixo e
direcionando-o para ações e decisões que sirvam melhor à sua natureza
específica.
Ser realista e pragmático é o que torna os seres humanos tão poderosos.
É assim que superamos as nossas fraquezas físicas num ambiente hostil há
milhares de anos, e aprendemos a trabalhar com outros, formar
comunidades e construir ferramentas poderosas para sobreviver. Embora
tenhamos nos desviado desse pragmatismo, já que não precisamos mais
contar com a nossa esperteza para sobreviver, essa é, na verdade, a nossa
natureza real como o animal social proeminente no planeta. Ao ser mais
realista, você se torna simplesmente mais humano.
O LÍDER GRANDIOSO
Se as pessoas com níveis elevados de grandiosidade também possuírem
algum talento e muita energia assertiva, conseguirão alcançar posições de
grande poder. A sua ousadia e autoconfiança chamarão atenção e lhes darão
uma presença exuberante. Mesmerizados pela imagem delas, muitas vezes
deixaremos de ver a irracionalidade subjacente no seu processo decisório e
as seguiremos direto para algum desastre. Elas conseguem ser bastante
destrutivas.
Compreenda um fato simples sobre esses tipos – eles dependem da
atenção que lhes damos. Sem a nossa atenção, sem serem adorados pelo
público, não podem validar a sua auto-opinião elevada; nesses casos, a
própria autoconfiança, da qual dependem, se desvanece. Para nos
impressionar e nos distrair da realidade, empregam certos truques teatrais. É
nossa obrigação enxergar esses truques, desmistificá-los e os reduzi-los de
volta a dimensões humanas. Ao fazê-lo, resistiremos ao seu encanto e
evitaremos seus perigos. A seguir estão seis ilusões comuns que eles gostam
de criar.
“Estou predestinado”. Os líderes grandiosos tentam muitas vezes
passar a impressão de que, de algum modo, estão predestinados à grandeza.
Contam histórias sobre a infância e juventude que indicam que têm algo de
único,
como
se
o
destino
lhes
houvesse
escolhido.
Destacam
acontecimentos que demonstraram desde cedo a sua força ou criatividade
atípicas, seja inventando essas histórias ou reinterpretando o passado.
Relatam contos do início da carreira em que superaram obstáculos
intransponíveis. O futuro grande líder já estava em gestação em tenra idade,
ou assim eles fazem parecer. Mantenha-se cético. Estão tentando construir
um mito, no qual é provável que eles mesmos tenham passado a acreditar.
Procure por fatos mais mundanos por trás dos contos sobre o destino e, se
possível, divulgue-os.
“Sou o/a homem/mulher comum”. Em alguns casos, os líderes
grandiosos talvez tenham surgido das classes mais baixas, mas, em geral,
têm históricos relativamente privilegiados ou, por causa do seu sucesso, têm
vivido distante das preocupações dos indivíduos comuns há muito tempo.
Mesmo assim, é absolutamente essencial para eles se apresentarem ao
público como bem representativos do homem ou da mulher comum. Apenas
por meio dessa imagem conseguem atrair a atenção e a adoração de uma
quantidade suficiente de pessoas para satisfazê-los.
Indira Gandhi, primeira-ministra da Índia de 1966 a 1977, e também de
1980 a 1984, veio da realeza política, sendo que o pai, Jawaharlal Nehru,
foi eleito primeiro-ministro do país antes de todos. Ela foi educada na
Europa e viveu a maior parte da vida longe dos segmentos mais pobres de
seu país. Entretanto, como uma líder grandiosa que, mais tarde, se tornaria
bem autoritária, posicionou-se como alguém do povo, a voz deste falando
por ela. Gandhi alterava o linguajar ao se dirigir a grandes multidões e
empregava metáforas domésticas quando visitava pequenas aldeias. Vestia o
sári do mesmo jeito que as mulheres locais, e comia com as mãos. Gostava
de se apresentar como “Mãe Indira”, que governava a Índia de uma forma
maternal, familiar. E esse estilo que ela assumiu foi bem eficiente para
vencer eleições, mesmo que fosse pura encenação.
O truque que os líderes grandiosos utilizam é colocar ênfase nos gostos
culturais, não no estrato social do qual vieram de fato. Eles voam na
primeira classe e vestem os ternos mais caros, mas contrabalançam isso ao
dar a impressão de terem os mesmos gostos culinários do público, de
gostarem dos mesmos filmes que os outros e de evitarem a todo custo
qualquer sombra de elitismo cultural. Na realidade, esforçam-se ao máximo
para ridicularizar as elites, mesmo que provavelmente dependam desses
especialistas para guiá-los. São apenas como a gente comum por aí, mas
com muito mais dinheiro e poder. O público consegue agora se identificar
com eles apesar das contradições óbvias. Contudo, a grandiosidade disso
vai além de somente conseguir atenção. Esses líderes se inflam de maneira
incrível graças à identificação com as massas. Não são apenas um homem
ou uma mulher, mas incorporam toda uma nação ou grupo de interesse.
Segui-los é ser leal ao grupo em si. Criticá-los é querer crucificá-los e trair a
causa.
Até no prosaico mundo corporativo dos negócios há essa identificação
de estilo religioso: Eisner, por exemplo, gostava de se apresentar como a
encarnação de todo o espírito da Disney, seja lá o que for que isso
significasse. Se notar esses paradoxos e formas primitivas de associação
popular, recue e analise a realidade do que está acontecendo. Você
encontrará no âmago disso algo quase mítico, bem irracional e bastante
perigoso, no sentido de que o líder grandioso agora se sente no direito de
fazer o que quiser em nome do público.
“Eu os libertarei”. Esses tipos chegam com frequência ao poder em
momentos de dificuldades e crise. Emitem uma autoconfiança que é
reconfortante ao público ou aos acionistas. Serão eles que livrarão as
pessoas dos muitos problemas que estão enfrentando. A fim de conseguir
isso, fazem promessas vastas, mas vagas. Fazendo-as vastas, inspiram
sonhos; deixando-as vagas, evitam que qualquer um lhes cobre se não
forem cumpridas, já que nada foi especificado. Quanto mais grandiosas
forem as promessas e visões do futuro, maior será a fé inspirada. A
mensagem precisa ser simples de digerir, redutível a uma palavra de ordem
e prometer algo amplo que desperte emoções. Como parte dessa estratégia,
esses tipos requerem bodes expiatórios, em geral as elites ou pessoas de
fora, a fim de estreitar a identificação de grupo e atiçar ainda mais as
emoções. O movimento em redor do líder começa a se cristalizar em torno
do ódio a esses bodes expiatórios, que passam a representar toda gota da dor
e da injustiça que cada pessoa na multidão já vivenciou. A promessa deles
de
derrubar
esses
inimigos
inventados
aumenta
o
seu
poder
exponencialmente.
O que o leitor descobrirá aqui é que eles estão criando um culto, mais
do que liderando um movimento político ou empresa. Você verá que o
nome, imagem e palavra de ordem deles serão reproduzidos em grande
quantidade e assumirão uma ubiquidade divina. Certas cores, símbolos e
talvez música serão empregados para unir a identidade do grupo e apelar
aos instintos humanos mais básicos. Aqueles que agora acreditam no culto
se verão duplamente mesmerizados e dispostos a desculpar qualquer tipo de
ação. Nesse ponto, nada dissuadirá os que acreditam de verdade, mas você
precisa manter o seu distanciamento interno e os seus poderes analíticos.
“Eu reescrevo as regras”. Um desejo secreto dos seres humanos é se
livrar das regras e convenções típicas que predominam em qualquer campo,
para conquistar o poder seguindo apenas a própria luz interior. Quando os
líderes grandiosos alegam ter esses poderes, no fundo nos sentimos
entusiasmados e queremos acreditar neles.
Michael Cimino foi o diretor de O franco-atirador (1978), premiado
com o Oscar de melhor filme. Pare aqueles que trabalharam com e para ele,
porém, Cimino não era apenas um diretor de cinema, mas um gênio especial
numa missão para abalar o rígido sistema corporativo de Hollywood. Para o
seu projeto seguinte, O portal do paraíso (1980), ele negociou um contrato
totalmente inédito na história de Hollywood, um que lhe permitia aumentar
o orçamento como quisesse e criar precisamente o filme que tinha em
mente, sem condições. No estúdio, Cimino passou semanas ensaiando com
os atores a forma correta de patinar que ele precisava para uma única cena.
Certo dia, aguardou por horas antes de ligar as câmeras, até que o tipo
perfeito de nuvem entrasse em quadro. Os custos decolaram e o filme
inicial que ele entregou tinha mais de cinco horas de duração. No fim, O
portal do paraíso foi um dos maiores desastres da história de Hollywood, e
acabou por destruir a carreira dele. Parecia que o contrato tradicional, na
verdade, servia a um propósito – refrear a grandiosidade natural de qualquer
diretor de cinema e fazê-lo trabalhar dentro de certas limitações. A maioria
das regras tem bom senso e racionalidade.
Numa variação disso, os líderes grandiosos por vezes se apoiarão nas
suas instituições, menosprezando a necessidade de grupos de estudo ou
qualquer forma de avaliação científica. Eles têm uma conexão interna
especial com a verdade. Gostam de criar o mito de que os seus instintos o
levaram a sucessos fantásticos, mas um escrutínio maior revelará que
oferecem palpites certos e errados na mesma medida. Quando você ouvir
líderes se apresentarem como rebeldes supremos, capazes de descartar as
regras e a ciência, veja isso apenas como um sinal de loucura, não de
inspiração divina.
“Tenho o toque de Midas”. Aqueles com uma grandiosidade elevada
tentarão criar a lenda de que nunca fracassaram de verdade. Se tiveram
fracassos ou percalços na carreira, foi sempre culpa de outros que os
traíram. Douglas MacArthur, general do Exército norte-americano, era um
gênio em termos de desviar a culpa; pelo que ele contava jamais perdeu
uma batalha em toda a sua carreira, embora a realidade era que havia
fracassado muitas vezes. No entanto, ao alardear os seus sucessos e
encontrando justificativas intermináveis para as suas derrotas (como
traições), ele criou o mito de que tinha poderes mágicos no campo de
batalha. É inevitável que os líderes grandiosos recorram a esse tipo de
magia propagandística.
Relacionada a isso está a crença de que são capazes de transferir os seus
talentos com facilidade – o executivo cinematográfico consegue projetar
parques temáticos, um empresário pode se tornar o líder de uma nação. Por
terem dons mágicos, tentam fazer qualquer coisa que os atraia. Em geral,
essa é uma manobra fatal da parte deles, à medida que procuram realizar
algo além das suas capacidades e logo se veem esmagados pela
complexidade e pelo caos resultante da sua falta de experiência. Ao lidar
com esses tipos, observe com cuidado o histórico deles e note quantos
fracassos colossais já enfrentaram. Embora seja improvável que as pessoas
sob a influência da sua grandiosidade lhe deem ouvidos, divulgue a verdade
sobre o histórico deles da maneira mais neutra possível.
“Sou inatingível”. O líder grandioso assume riscos. É isso que costuma
chamar atenção em primeiro lugar, e, combinado com o sucesso que por
vezes acompanha os ousados, ele dá a impressão de ser monumental.
Entretanto, essa ousadia não está bem sob controle. Ele precisa realizar
ações que criem um espetáculo a fim de manter a atenção que lhe alimenta a
auto-opinião. Não consegue descansar ou recuar, pois isso causaria um
declínio na sua publicidade. Para piorar, o líder grandioso passa a se sentir
inatingível, pois tantas vezes no passado conseguiu se dar bem por meio de
manobras arriscadas, e, caso tenha tido percalços, conseguiu superá-los com
ainda mais audácia. Além disso, essas atividades intrépidas fizeram que se
sentisse mais vivo e extasiado. Passam a fazer o efeito de uma droga. Ele
precisa de riscos e recompensas maiores para manter a sensação de
imunidade divina. Consegue trabalhar vinte horas por dia sob esse tipo de
pressão. É capaz de andar através do fogo.
Na verdade, ele é bem inatingível, até que vai longe demais e realiza
aquela manobra arrogante fatal que põe tudo a perder. Essa poderia ser a
viagem grandiosa de MacArthur pelos Estados Unidos depois da Guerra da
Coreia, quando a sua necessidade irracional de atenção se tornou
dolorosamente aparente; ou a decisão trágica de Mao de lançar a Revolução
Cultural; ou Stan O’Neal, diretor executivo da Merrill Lynch, destruindo
uma das instituições financeiras mais antigas dos Estados Unidos ao insistir
nos títulos garantidos por créditos hipotecários quando todos os demais
estavam desistindo deles. De súbito, a aura de imunidade é despedaçada.
Isso ocorre porque essas decisões foram determinadas não por
considerações racionais, mas pela necessidade de obter atenção e glória; no
fim, a realidade os alcançou com um golpe brutal.
Em geral, ao interagir com o líder grandioso, tente encolher a imagem
sagrada e gloriosa que erigiram. Eles terão uma reação exagerada e os
seguidores deles enlouquecerão de raiva, mas, aos poucos, alguns
seguidores
talvez
passem
a
reconsiderar
a
situação.
Criar
um
desencantamento viral é a sua melhor esperança.
A GRANDIOSIDADE PRAGMÁTICA
A grandiosidade é um tipo de energia primordial que todos possuímos.
Ela nos impele a querer algo mais do que aquilo que temos, a buscar o
reconhecimento e a estima dos outros e a sentir uma conexão com algo
maior. O problema não é a energia em si, que pode ser empregada para
alimentar as nossas ambições, mas a direção que ela toma. Em geral, a
grandiosidade nos faz imaginar que somos melhores do que somos de
verdade. Chamemos isso de grandiosidade fantástica, pois é baseada nas
nossas fantasias e na impressão distorcida que temos da atenção que
recebemos. A outra forma, que chamaremos de grandiosidade pragmática,
não é fácil de ser conquistada e não nos vem naturalmente, mas pode ser
uma fonte de autossatisfação e poder tremendos.
A grandiosidade pragmática é baseada não na fantasia, mas na
realidade. A energia é canalizada no nosso trabalho e vontade de atingir
metas, solucionar problemas ou melhorar relacionamentos. Ela nos impele a
desenvolver e apurar as nossas habilidades. Por meio das nossas conquistas,
nós nos sentiremos maiores. Atrairemos a atenção pelo nosso trabalho, o
que é gratificante e nos mantém energizados, mas o senso maior de
gratificação vem da superação das nossas fraquezas. O desejo por atenção é
mantido sob controle e subordinado. A nossa autoestima se eleva, mas
ligada a conquistas reais, não a fantasias nebulosas e subjetivas. Sentimos a
nossa presença alargada pelo trabalho, pela nossa contribuição à sociedade.
Embora a maneira exata de canalizar a energia dependa do seu campo e
nível de habilidade, os cinco princípios básicos a seguir são essenciais para
se obter um alto grau de autossatisfação que resulte dessa forma de
grandiosidade ancorada na realidade.
Aceite as suas necessidades grandiosas. Você precisa começar a partir
de uma posição de honestidade. Deve admitir para si mesmo que quer se
sentir importante e ser o centro das atenções. Isso é natural. Sim, você quer
se sentir superior. Tem ambições como qualquer outro. No passado, as suas
necessidades grandiosas talvez o tenham levado a tomar algumas decisões
ruins, que hoje você é capaz de reconhecer e analisar. A negação é a sua
pior inimiga. Apenas por meio da autoconsciência conseguirá transformar a
energia em algo prático e produtivo.
Concentre a energia. A grandiosidade fantástica o fará flutuar por
diversas ideias fantásticas, imaginando todos os louvores e a atenção que
receberá, mas nunca concretizando nenhuma delas. Faça o oposto: adquira o
hábito de se concentrar de maneira profunda e completa num único projeto
ou problema. É bom que o seu objetivo seja relativamente simples de se
alcançar, dentro de um período de alguns meses, e não anos. Divida isso em
minipassos e minimetas ao longo do caminho. O seu objetivo aqui é entrar
num estado de fluxo, em que a sua mente se torne cada vez mais absorvida
no trabalho, ao ponto em que ideias lhe surgirão em horas estranhas. Essa
sensação de fluxo deve ser prazerosa e viciante. Não se permita fantasiar
sobre outros projetos no horizonte. Absorva-se no trabalho da maneira mais
profunda possível. Se não entrar nesse estado de fluxo, é inevitável que
passe a fazer muitas tarefas ao mesmo tempo e pare de se concentrar.
Esforce-se para superar isso.
Você pode fazer isso com um projeto fora do seu trabalho profissional.
O que importa não é o número de horas, mas a intensidade e o esforço
consistente que dedica a ele.
É bom que esse projeto envolva habilidades que você já tem ou que está
no processo de desenvolver. O seu objetivo é ver um aprimoramento
contínuo no seu grau de habilidade, que com certeza virá da intensidade do
seu foco. A sua autoconfiança crescerá. Isso provavelmente será o
suficiente para mantê-lo progredindo.
Mantenha um diálogo com a realidade. O seu projeto começará com
uma ideia e você, ao apurá-la, deixará a sua imaginação alçar voo, abrindose para várias possibilidades. Em certo ponto, passará da fase de
planejamento para a execução. Então, você deverá buscar a opinião e as
críticas de pessoas que respeita e do seu público natural. Ouça sobre os
defeitos e inadequações do seu plano, pois essa é a única maneira de
aprimorar as suas habilidades. Se o projeto não tiver os resultados que
imaginou, ou se o problema não for solucionado, aceite isso como a melhor
maneira de aprender. Analise em profundidade o que você fez de errado,
sendo o mais severo possível.
Depois de receber essa resposta e ter analisado os resultados, retorne a
esse projeto ou comece um novo, deixando a imaginação correr solta outra
vez, mas incorporando o que aprendeu com a experiência. Faça desse
processo um ciclo sem fim, notando com entusiasmo o quanto se aprimora
desse modo. Se permanecer por tempo demais na fase da imaginação, o que
criar tenderá a ser grandioso e desligado da realidade. Se escutar as críticas
e tentar tornar o trabalho uma reflexão completa do que os outros lhe
disserem ou desejam, este sairá convencional e sem graça. Ao manter um
diálogo contínuo entre a realidade (as críticas) e a sua imaginação, você
criará algo prático e poderoso.
Se você tiver sucesso com os seus projetos, é nesse momento que deve
se afastar da atenção que estiver recebendo. Examine o papel que a sorte
desempenhou no seu êxito, ou a ajuda que recebeu de outros. Resista à
tendência de cair no delírio do sucesso. Ao se concentrar na próxima ideia,
imagine-se de volta à estaca zero. Cada novo projeto representa um novo
desafio e uma abordagem diferente. Talvez venha a fracassar. Você precisa
do mesmo nível de concentração que empregou no último projeto. Nunca se
deite sobre os louros ou perca a intensidade.
Procure desafios calibrados. O problema com a grandiosidade
fantástica é que, sob seu efeito, você imagina algum novo objetivo enorme
que nunca vai alcançar – aquele romance brilhante que vai escrever, a
empresa lucrativa que vai criar. O desafio é tão grande que você talvez
comece, mas logo vai desistir ao perceber que não está à altura dele. Ou, se
for o tipo ambicioso e assertivo, talvez tente ir até o fim, porém acabará na
síndrome da Euro Disney, esgotado, fracassando de forma espetacular,
culpando outros pelo fiasco e nunca aprendendo com a experiência.
O seu objetivo com a grandiosidade pragmática é procurar o tempo todo
por desafios só um pouco acima do seu grau de habilidades. Se os projetos
que tentar estiverem abaixo ou no mesmo nível da sua capacidade, você se
entediará com facilidade e perderá o foco. Se for ambicioso demais, se
sentirá esmagado pelo fracasso. Entretanto, se os projetos forem calibrados
para serem mais desafiadores do que o anterior, mas a um grau moderado,
você se sentirá entusiasmado e energizado. É preciso estar à altura desse
desafio, para que os seus níveis de concentração cresçam também. Esse é o
caminho ideal em direção ao aprendizado. Se fracassar, não se sentirá
derrotado e aprenderá ainda mais; se for bem-sucedido, a sua autoconfiança
aumentará, mas atrelada ao trabalho e à conclusão do desafio. O seu senso
de realização satisfará a sua necessidade de grandeza.
Libere a sua energia grandiosa. Uma vez que tiver domado essa
energia, fazendo-a servir às suas ambições e metas, sinta-se à vontade para
liberá-la ocasionalmente. Pense nela como um animal selvagem que precisa
correr em liberdade de vez em quando, para que a inquietação não o leve à
loucura. Isso significa que você pode às vezes acalentar ideias ou projetos
que representem desafios maiores do que já considerou no passado. Você se
sentirá cada vez mais confiante e vai querer testar a si mesmo. Pense em
desenvolver uma nova habilidade num campo não relacionado, ou escrever
aquele romance que um dia considerou uma distração em relação ao seu
trabalho real. Ou simplesmente dê rédeas soltas à sua imaginação quando
estiver no processo de planejamento.
Se você estiver na esfera pública e precisar se apresentar diante de
outros, livre-se do comedimento que desenvolveu e deixe a sua energia
grandiosa preenchê-lo com níveis elevados de autoconfiança. Isso animará
os seus gestos e lhe dará maior carisma. Se for um líder e o seu grupo
estiver enfrentando dificuldades ou uma crise, permita-se ser atipicamente
grandioso e confiante no sucesso da sua missão, a fim de motivar e inspirar
o grupo. Foi esse tipo de grandiosidade que tornou Winston Churchill um
líder tão eficaz durante a Segunda Guerra Mundial.
De qualquer modo, você pode se permitir a sensação de ser divino pelo
que alcançou com as suas habilidades aprimoradas e conquistas reais. Se
tiver trabalhado bem os outros princípios, vai conseguir colocar os pés
novamente no chão depois de alguns dias ou horas de exuberância
grandiosa.
Por fim, na raiz da nossa grandiosidade infantil estava um sentimento de
conexão intensa com a mãe, que era tão completo e satisfatório que
passamos muito do nosso tempo tentando recapturá-lo de alguma maneira.
É a fonte do nosso desejo de transcender a nossa existência banal, de querer
algo tão imenso que não conseguimos expressar. Temos vislumbres dessa
conexão original nos relacionamentos íntimos e em momentos de amor
incondicional, mas estes são raros e passageiros. Entrar num estado de fluxo
com o nosso trabalho ou cultivar níveis mais profundos de empatia com as
pessoas (veja o Capítulo 2) nos dará mais momentos assim e satisfará esse
impulso. Nós nos sentiremos unidos com o trabalho ou com outras pessoas.
Seremos capazes de levar isso ainda mais além ao experimentar uma
conexão mais profunda com a própria vida, aquilo que Sigmund Freud
chamava de “o sentimento oceânico”.
Pense nisso da seguinte maneira: a formação da própria vida no planeta
Terra, há muitos bilhões de anos, exigiu uma concatenação de
acontecimentos altamente improváveis. Iniciou-se com um experimento
tênue que poderia ter expirado a qualquer momento logo no princípio. A
evolução desde então, de tantas formas de vida, é impressionante, em cujo
ponto final está o único animal que, pelo que sabemos, tem consciência
desse processo todo: o ser humano.
O fato de você estar vivo é um evento igualmente improvável e
espantoso. Exigiu uma cadeia muito específica de acontecimentos que levou
ao encontro entre os seus pais e o seu nascimento, e tudo isso poderia ter
ocorrido de maneira bem diferente. No momento em que lê estas linhas,
você tem consciência da vida que vive, assim como bilhões de outras
pessoas, mas apenas por um período breve, até que morte chegue. Absorver
essa realidade por completo é o que chamaremos de Sublime. (Veja mais
sobre isso no Capítulo 18.) Não é possível colocar isso em palavras. É
estupendo demais. Sentir-se parte desse tênue experimento da vida é um
tipo de grandiosidade invertida – você não se perturba com a sua pequenez
relativa, extático com a noção de ser uma gota nesse oceano.
Então, subjugado pelas aflições que sofri em conexão com meus filhos, parti outra vez
e indaguei ao deus o que eu deveria fazer para passar o resto da minha vida o mais
feliz possível; e ele me respondeu: “Conheça a ti mesmo, Creso – assim viverás e
serás feliz”. […] [Contudo,] cativado pela riqueza que eu tinha e por aqueles que me
imploravam para que eu os liderasse, pelos presentes que me deram e pelas pessoas
que me lisonjeavam, dizendo que, se eu consentisse em assumir o comando, elas me
obedeceriam e eu seria o maior de todos os homens – inflado por essas palavras,
quando todos os príncipes em redor me escolheram para liderá-los na guerra, eu
aceitei o comando, julgando-me apto a ser o maior; no entanto, ao que parece, eu não
me conhecia. Pois imaginei que era capaz de continuar a guerra contra vocês; mas não
sou páreo para vocês. […] Portanto, como eu não tinha o conhecimento, levo aqui o
que mereço.
— Xenofonte, A educação de Ciro
12
Reconecte-se com o masculino ou o
feminino dentro de você
A Lei da Rigidez dos Gêneros
Todos nós temos qualidades masculinas e femininas – parte disso é
genético, e parte vem da influência profunda do genitor do sexo oposto.
Entretanto, na necessidade de apresentar uma identidade consistente à
sociedade, tendemos a reprimir essas qualidades, nos identificando de
maneira excessiva com o papel masculino ou feminino que é esperado de
nós. E pagamos o preço por isso. Perdemos dimensões valiosas do nosso
caráter. O nosso raciocínio e a nossa maneira de agir se tornam rígidos. Os
nossos relacionamentos com membros do sexo oposto sofrem à medida que
projetamos neles as nossas fantasias e hostilidades. Você deve tomar
consciência desses traços masculinos ou femininos perdidos e se reconectar
gradualmente a eles, libertando, no processo, os seus poderes criativos.
Você se tornará mais fluido no seu raciocínio. Ao expor os subtons
masculinos ou femininos do seu caráter, fascinará as pessoas ao ser
autêntico. Não interprete o papel esperado do gênero; em vez disso, crie um
que se adéque a você.
O GÊNERO AUTÊNTICO
Quando menina, Catarina Sforza sonhava com grandes façanhas das
quais tomaria parte como membro da ilustre família Sforza de Milão.
Nascida em 1463, Catarina era filha ilegítima de uma bela aristocrata
milanesa e de Galeácio Maria Sforza, que se tornou o duque de Milão após
a morte do pai em 1466. Como duque, Galeácio ordenou que a filha fosse
levada para o seu castelo, Porta Giovia, onde ele vivia com a nova esposa, e
que ela fosse criada como um legítimo membro da família Sforza. Lá, a
madrasta de Catarina a tratava como se fosse sua filha. A menina receberia
a educação mais refinada. O homem que havia servido como tutor de
Galeácio, o famoso humanista Francesco Filelfo, seria o tutor de garota,
ensinando-lhe latim, grego, filosofia, ciências e até história militar.
Vendo-se sozinha com frequência, Catarina perambulava quase todos os
dias pela vasta biblioteca do castelo, uma das maiores da Europa. Ela tinha
os seus livros favoritos, que lia repetidas vezes. Um desses era um relato
histórico da família Sforza, escrito pelo próprio Filelfo, no estilo de
Homero. Ali, naquele tomo enorme com ilustrações detalhadas, ela lia sobre
a impressionante ascensão ao poder da família Sforza, de condottiere
(capitães em exércitos mercenários) ao governo do ducado de Milão. Os
Sforzas eram renomados por sua inteligência e bravura em combate. Além
disso, ela adorava contos de cavalaria de verdadeiros cavaleiros em
armadura, e as narrativas de grandes líderes do passado; entre essas, uma de
suas favoritas era Sobre as mulheres famosas, de Boccaccio, que contava as
façanhas das mulheres mais celebradas da história. E enquanto passava o
tempo na biblioteca, com todas essas obras convergindo em sua mente,
fantasiava sobre a glória futura da família, com ela de algum modo no meio
de tudo aquilo. E no centro dessas fantasias estava a imagem de seu pai, um
homem que, para ela, era tão grande e lendário quanto qualquer um sobre
quem tivesse lido.
Embora os encontros com Galeácio fossem muitas vezes breves, eram
intensos para Catarina. Ele a tratava como igual, maravilhando-se com a
inteligência dela e encorajando-a nos estudos. Desde cedo, a garota se
identificava com o pai – vivenciando os traumas e triunfos dele como se
fossem dela. Assim como todas as crianças Sforza, inclusive as meninas,
Catarina foi ensinada a lutar com espadas e passou por um treinamento
físico rigoroso. Como parte desse lado da sua educação, ela saía em
expedições de caça com a família nos bosques próximos de Pavia.
Aprendeu a caçar e matar javalis selvagens, cervos e outros animais. Nessas
excursões, observava o pai com admiração. Ele era um cavaleiro hábil,
cavalgando com tanta impetuosidade, como se nada o pudesse ferir. Nas
caçadas, enfrentando os maiores animais, não demonstrava nenhum vestígio
de medo. Na corte, era o diplomata supremo, mas sempre se mantinha em
posição de vantagem. E lhe confidenciou os seus métodos – pense no que
está por vir, planeje várias jogadas de antemão, sempre com o objetivo de
tomar a iniciativa em qualquer situação.
Galeácio tinha outro lado, porém, que aprofundava a identificação dos
dois. Adorava espetáculos; era como um artista. Catarina jamais se
esqueceria da vez em que a família viajou pela região e visitou Florença,
levando com eles vários grupos teatrais, com os atores vestindo fantasias
bizarras. Jantaram no campo, dentro das tendas mais belamente coloridas.
Durante a marcha, os cavalos com adornos resplandecentes e os soldados
que os acompanhavam – todos enfeitados com as cores dos Sforza, escarlate
e branco – enchiam a paisagem. Era uma visão excitante e hipnótica, toda
orquestrada pelo pai dela. Galeácio gostava de se vestir sempre conforme a
última moda em Milão, com sofisticadas túnicas de seda incrustadas de
joias. Ela passou a compartilhar desse interesse, e roupas e joias se tornaram
a sua paixão. Ele talvez parecesse tão viril em batalha, mas Catarina o via
chorar como uma criança quando escutava o seu coral predileto. Ele tinha
um apetite insaciável por todos os aspectos da vida, e o amor e a admiração
que a filha sentia por ele não tinham limites.
Assim, em 1473, quando o pai informou Catarina, então com 10 anos,
do casamento que lhe arranjara, o único pensamento que teve foi o de
cumprir o seu dever como membro da família Sforza e agradá-lo. O homem
que Galeácio escolhera para ela era Girolamo Riario, o sobrinho de 31 anos
do Papa Sisto IV, um matrimônio que cimentaria uma aliança valiosa entre
Roma e Milão. Como parte do arranjo, o papa compraria a cidade de Ímola,
na região da Romanha, que os Sforza haviam tomado décadas antes, e
nomearia o novo casal conde e condessa de Ímola. Mais tarde, acrescentaria
a cidade vizinha de Forlì às suas posses, o que lhe deu o controle de uma
área com localização bem estratégica no nordeste da Itália, ao sul de
Veneza.
O marido de Catarina, nos primeiros encontros entre os dois, deu a
impressão de ser um homem bem desagradável. Era mal-humorado,
absorvido em si mesmo e temperamental. Parecia interessado nela apenas
pelo sexo, e mal conseguia esperar para que a garota chegasse à maioridade.
Felizmente, ele continuava a viver em Roma e ela permaneceu em Milão.
No entanto, anos mais tarde, alguns aristocratas milaneses descontentes
assassinaram o amado pai de Catarina, e o poder dos Sforzas parecia correr
perigo. A posição dela como peão de um casamento para solidificar a
parceria com Roma era agora mais importante do que nunca. Ela logo se
instalou em Roma, onde teria que fazer o papel de esposa exemplar e se
manter nas boas graças do marido. Contudo, quanto mais via de Girolamo,
menos o respeitava. Ele tinha o pavio curto, fazendo inimigos aonde quer
que fosse. Ela não imaginara que um homem pudesse ser tão fraco e,
comparado com o pai, Girolamo perdia em todos os aspectos.
Catarina voltou a sua atenção para o papa, esforçando-se muito para
conquistar a sua boa vontade e a dos seus cortesãos. Era agora uma bela
jovem de cabelos loiros, uma novidade em Roma. Ordenou que os vestidos
mais sofisticados fossem enviados de Milão e fez questão de nunca ser vista
trajando o mesmo vestido duas vezes. Se a vissem com um turbante e um
longo véu, a peça de repente se tornava a nova moda. Ela se deleitava com a
atenção que recebia como a mulher mais em voga em Roma, com Botticelli
usando-a como modelo para algumas das suas pinturas mais importantes.
Por ser tão educada e culta, deliciava os artistas e escritores da cidade, e os
romanos começaram a se afeiçoar a ela.
Em poucos anos, porém, tudo desmoronou. O marido instigou uma rixa
com uma das principais famílias da Itália, os Colonna. Então, em 1484, o
papa morreu de forma repentina e, sem a sua proteção, Catarina e o marido
se viram em grave perigo. Os Colonna planejavam uma vingança. Os
romanos detestavam Girolamo e era quase certo que o novo papa seria
amigo dos Colonna, o que levaria o casal a perder tudo, inclusive as cidades
de Forlì e Ímola. Considerando a posição precária da família dela em Milão,
a situação começava a parecer desesperadora.
Até que um novo papa fosse eleito, Girolamo continuaria como o
capitão dos exércitos papais, agora postados bem junto a Roma. Por dias,
Catarina observou o marido, que estava paralisado de medo e incapaz de
tomar uma decisão. Ele não se atrevia a entrar em Roma, temendo uma
batalha com os Colonna e os seus muitos aliados nas ruas apinhadas.
Resolveu esperar, mas, com o passar do tempo, as suas opções pareceram
diminuir, e as notícias só pioravam – multidões haviam saqueado o palácio
em que moravam; os poucos aliados que tinham em Roma agora os
desertavam; os cardeais estavam congregados para eleger o novo papa.
Era agosto e o calor sufocante deixou Catarina – grávida de sete meses
do quarto filho – sentindo-se fraca e com náuseas constantes. Entretanto, ao
contemplar a tragédia iminente, a lembrança do pai começou a lhe ocupar a
mente; era como se ela sentisse o espírito de Galeácio dentro de si.
Pensando em como ele analisaria a situação que ela enfrentava, sentiu uma
corrente de excitação ao formular um plano audacioso. Sem contar a
ninguém das suas intenções, no breu da noite montou um cavalo e saiu do
campo às escondidas, cavalgando o mais rápido possível até Roma.
Como imaginara, na condição em que estava, ninguém a reconheceu, e
lhe permitiram que entrasse na cidade. Ela foi direto ao Castelo de Santo
Ângelo, o ponto mais estratégico de Roma – do outro lado do rio Tibre em
relação ao centro da cidade, e perto do Vaticano. Graças aos muros
impregnáveis e os canhões que poderiam mirar contra qualquer parte de
Roma, aquele que controlasse o local exerceria poder sobre a cidade. Roma
estava em tumulto, as multidões enchiam as ruas em todos os lugares. Santo
Ângelo era ainda guardado por um tenente leal a Girolamo. Identificandose, Catarina obteve permissão para entrar.
Uma vez lá dentro, em nome do marido, tomou posse do castelo,
expulsando o tenente, em quem não confiava. Mandando uma mensagem
aos soldados que permaneciam leais a ela, Catarina conseguiu, em segredo,
levar para dentro mais tropas. Com os canhões de Santo Ângelo agora
apontando para todas as estradas que ligavam ao Vaticano, ela tornou
impossível para os cardeais se encontrarem em um único local e elegerem o
novo papa. Para provar que as ameaças eram reais, mandou que os soldados
disparassem os canhões como alerta. Estava falando sério. Os termos de
rendição do castelo eram simples – que se garantisse que todas as
propriedades dos Riario permaneceriam nas mãos deles, inclusive Forlì e
Ímola.
Noites após ter tomado Santo Ângelo, Catarina vestiu algumas peças de
armadura por sobre o vestido e marchou ao longo dos baluartes do castelo.
Aquilo lhe deu uma sensação de grande poder, tão acima da cidade,
observando os homens frenéticos abaixo, que não tinham como lutar contra
ela, uma simples mulher capengando por causa da gravidez. Quando um
mensageiro do cardeal, que estava organizando o conclave para eleger o
novo papa, foi enviado para negociar e se mostrou relutante em concordar
com as condições de rendição, ela berrou dos baluartes para que todos
ouvissem: “Quer dizer que [o cardeal] quer uma batalha de inteligência
comigo, é isso? O que ele não entende é que eu tenho o cérebro do duque
Galeácio e sou tão brilhante quanto ele!”.
Aguardando a resposta, ela sabia que estava no controle da situação. O
seu único temor era que o marido se rendesse e a traísse, ou que o calor de
agosto a deixasse doente demais para se manter na espera. Por fim,
percebendo a determinação de Catarina, um grupo de cardeais veio ao
castelo para negociar, e eles concordaram com as exigências dela. Na
manhã seguinte, quando a ponte levadiça foi baixada para permitir que a
condessa deixasse Santo Ângelo, notou que uma multidão enorme tentava
se aproximar dela. Romanos de todas as classes haviam vindo para
vislumbrar a mulher que controlara Roma por onze dias. Antes,
consideravam a condessa uma jovem frívola maníaca por roupas, o
bichinho de estimação do papa; agora a fitavam atônitos – ela trajava um
dos seus vestidos de seda, com uma espada pesada pendendo de um cinto
masculino, a gravidez mais do que evidente. Nunca tinham visto algo assim.
Com os seus títulos agora assegurados, o conde e a condessa se
mudaram para Forlì a fim de governar os seus domínios. Sem mais fundos
vindos do papado, a preocupação principal de Girolamo era como obter
mais dinheiro, por isso aumentou os impostos aos súditos, despertando
muito descontentamento no processo. Em pouco tempo fez inimigos entre a
poderosa família Orsi na região. Temendo atentados contra a sua vida, ele
se confinou ao palácio. Gradualmente, Catarina assumiu a maior parte da
administração cotidiana do território. Pensando no futuro, instalou um
aliado em quem confiava como novo comandante do castelo Ravaldino, que
dominava a área. Ela fez tudo que pôde para conquistar a simpatia do povo
local, mas, em poucos anos, o marido causara danos demais.
Em 14 de abril de 1488, um grupo de homens em armadura e liderados
por Ludovico Orsi invadiu o palácio, matando o conde a facadas e atirandolhe o corpo pela janela, na praça da cidade. A condessa, jantando com a
família num aposento próximo, ouviu os gritos e empurrou rapidamente os
seis filhos para um quarto mais seguro na torre do palácio. Trancou a porta
e, por uma janela, sob a qual vários dos seus aliados mais confiáveis haviam
se reunido, ela lhes gritou instruções: deveriam notificar as forças em Milão
e os outros aliados dela na região e encorajá-los a enviar exércitos para
resgatá-la; sob nenhuma circunstância o guardião de Ravaldino deveria
render o castelo. Em poucos minutos, os assassinos invadiram aquele
aposento, tomando Catarina e as crianças como prisioneiras.
Vários dias depois, Ludovico Orsi e o companheiro conspirador
Giacomo del Ronche levaram Catarina para Ravaldino – a condessa deveria
dar ordens ao comandante do castelo para que o rendesse aos assassinos.
Quando Tommaso Feo, o comandante que ela nomeara para o cargo, olhou
do topo dos baluartes, Catarina dava a impressão de temer pela própria vida.
Com a voz embargada de emoção, implorou a Feo que entregasse a
fortaleza, mas ele se recusou.
Enquanto os dois continuavam com o diálogo, Ronche e Orsi sentiram
que a condessa e Feo estavam fazendo algum tipo de jogo, falando em
código. Ronche perdeu a paciência. Pressionando a ponta afiada da lança
com força contra o peito de Catarina, ameaçou empalá-la a menos que ela
convencesse Feo a se render, e a fitou com o seu olhar mais vil. De repente,
a expressão dela mudou. Ela se apoiou mais na lâmina, o rosto a poucos
centímetros de Ronche, e, com a voz carregada de desdém, lhe disse: “Ah,
Giacomo del Ronche, não tente me meter medo […]. Você pode me ferir,
mas não tem como me assustar, pois sou filha de um homem que não
conhecia o medo. Faça o que quiser: você matou o meu senhor, por certo
pode me matar. Afinal, sou apenas uma mulher!”. Confundidos pelas
palavras e pela atitude dela, Ronche e Orsi decidiram que precisavam
encontrar outros meios de pressioná-la.
Vários dias depois, Feo comunicou aos assassinos que ele entregaria a
fortaleza, mas só se a condessa lhe pagasse os salários atrasados e assinasse
uma carta que o absolvesse de qualquer culpa pela rendição. Mais uma vez,
Orsi e Ronche a levaram ao castelo e a observaram com atenção enquanto
parecia negociar com Feo. Por fim, este insistiu que Catarina entrasse na
fortaleza para assinar o documento. Temia que os assassinos estivessem
tentando enganá-lo e exigiu que ela fosse sozinha. Uma vez que a carta
tivesse sido assinada, ele faria o que havia prometido.
Os conspiradores, sentindo que não tinham opção, cederam ao pedido,
mas deram à condessa um curto espaço de tempo para concluir o acordo.
Por um breve instante, bem quando desapareceu por trás da ponte levadiça
de Ravaldino, ela se virou com um olhar de escárnio e dirigiu a Ronche e
Orsi um gesto obsceno. Todo o drama dos últimos dias fora planejado e
encenado por ela e Feo, com quem vinha se comunicando por meio de
diversos mensageiros. Sabia que os milaneses tinham enviado um exército
para resgatá-la e só o que ela tinha a fazer era ganhar tempo. Algumas horas
mais tarde, Feo surgiu nos baluartes e berrou que manteria a condessa como
refém, e ponto-final.
Os assassinos, enfurecidos, estavam fartos. No dia seguinte, retornaram
ao castelo com as seis crianças e chamaram Catarina aos baluartes. Com
adagas e lanças apontadas da maneira mais ameaçadora para elas, que
choravam e imploravam por misericórdia, eles exigiram que Catarina
rendesse a fortaleza ou eles lhe matariam todos os filhos. Com certeza já
haviam provado que estavam mais do que dispostos a derramar sangue. Ela
poderia ser destemida e uma Sforza, mas nenhuma mãe seria capaz de ver
os filhos morrerem diante dos seus olhos. Catarina não perdeu tempo.
Berrou em resposta: “Vão em frente, imbecis! Já estou grávida de outro
filho do conde Riario, e tenho o necessário para conceber mais!”. E ergueu
as saias, enfatizando o que queria dizer.
Catarina previra a manobra com as crianças e havia calculado que os
assassinos eram fracos e indecisos – eles deveriam tê-la matado e a sua
família logo no primeiro dia, em meio ao tumulto. Agora, não se atreviam a
assassiná-los a sangue frio: sabiam que os Sforzas, a caminho de Forlì, se
vingariam deles de maneira horripilante caso o fizessem. E caso se rendesse
agora, ela e as crianças seriam todas feitas prisioneiras, e algum veneno
seria eventualmente misturado à comida delas. Catarina precisava continuar
a ganhar tempo. A fim de enfatizar a sua determinação, depois de se recusar
a se render, ordenou que os canhões do castelo atirassem contra o palácio de
Orsi.
Dez dias mais tarde, um exército milanês chegou para resgatá-la, e os
assassinos dispersaram. A condessa foi logo devolvida ao poder, com o
novo papa lhe confirmando o governo como regente até que o filho mais
velho, Ottaviano, chegasse à maioridade. E à medida que a notícia de tudo
que ela havia feito – e gritado aos assassinos dos baluartes de Ravaldino –
se espalhou pela Itália, a lenda de Catarina Sforza, a bela condessa guerreira
de Forlì, começou a ganhar vida própria.
Em menos de um ano após a morte do marido, a condessa havia tomado
um amante, Giacomo Feo, irmão do comandante que ela instalara em
Ravaldino. Giacomo era sete anos mais jovem que Catarina, e o absoluto
oposto de Girolamo – belo e viril, vindo das classes mais pobres, e tendo
trabalhado como cavalariço da família Riario. E mais importante: não
apenas a amava, mas a adorava e lhe devotava toda a sua atenção. Catarina
havia passado a vida toda controlando as emoções e subordinando os
interesses
pessoais
às
questões
práticas.
Sentindo-se
de
repente
deslumbrada pela afeição de Giacomo, perdeu o autocontrole habitual e se
apaixonou perdidamente por ele.
Tornou Giacomo o novo comandante de Ravaldino. Como ele agora
tinha que viver no castelo, ela construiu dentro deste um palácio para si, do
qual raramente saía. Giacomo sentia-se bastante incerto quanto à sua
posição. Catarina o ordenou cavaleiro e, numa cerimônia secreta, os dois se
casaram. A fim de amainar as inseguranças dele, foi lhe passando cada vez
mais poder para governar sobre Forlì e Ímola, e começou a se retirar das
questões públicas. Ignorava os avisos dos cortesãos e diplomatas de que
Giacomo só cuidava dos próprios interesses e não tinha o controle da
situação, e não deu ouvidos aos filhos, que temiam que o padrasto tivesse
planos de se livrar deles. Aos olhos dela, o marido era incapaz de fazer
qualquer coisa de errado. Então, certo dia de 1495, quando o casal deixou o
castelo para um piquenique, um grupo de assassinos cercou o marido e o
matou bem diante dos olhos dela.
Apanhada de surpresa, Catarina reagiu com fúria. Reuniu os
conspiradores e mandou que fossem executados e que as suas famílias
fossem aprisionadas. Nos meses que se seguiram, ela caiu numa depressão
profunda, contemplando até o suicídio. O que lhe acontecera nos últimos
anos? Como perdera o caminho e cedera o poder? E os seus sonhos de
menina e o espírito do pai, que também era o dela? Algo lhe nublara a
mente. Ela se voltou para a religião e tornou a governar as suas terras. Aos
poucos, se recuperou.
Então, certo dia, recebeu a visita de Giovanni de Médici, de 31 anos,
membro da famosa família e um dos principais negociantes de Florença,
que viera para formar laços comerciais entre as cidades. Mais do que
qualquer outro, ele a lembrava do pai. Era bonito, inteligente, extremamente
culto, mas tinha uma suavidade de caráter. Finalmente um homem no
mesmo nível dela em termos de conhecimento, poder e refinamento. A
admiração era mútua. Logo se tornaram inseparáveis, e em 1498 eles se
casaram, unindo duas das famílias mais ilustres da Itália.
Agora ela podia sonhar com a criação de um grande poder regional, mas
acontecimentos fora do seu controle lhe estragariam os planos. No mesmo
ano, Giovanni morreu de uma doença. E, antes que tivesse tempo de se
lamentar por ele, Catarina teve de lidar com a ameaça mais recente e
perigosa de todas ao seu território: o novo papa, Alexandre VI (conhecido
anteriormente como Rodrigo Bórgia), estava de olho em Forlì e queria
estender os domínios papais por meio de conquistas, com o filho César
Bórgia servindo como comandante das forças papais. Forlì seria uma
aquisição essencial para o papa, e ele deu início a manobras políticas para
isolar Catarina e os seus aliados.
A fim de se preparar para a invasão iminente, Catarina formou uma
nova aliança com os venezianos e construiu uma série complexa de defesas
em torno de Ravaldino. O papa tentou pressioná-la a entregar o seu
território, fazendo-lhe todo tipo de promessas em retorno. Ela sabia que não
deveria confiar num Bórgia. Entretanto, no outono de 1499, parecia que o
fim estava próximo. O papa se aliara à França, e César Bórgia surgiu na
região com um exército de 12 mil homens, fortalecidos pela adição de 2 mil
soldados franceses experientes, que tomaram Ímola rapidamente e entraram
com facilidade na própria cidade de Forlì. Tudo que restara era Ravaldino,
que, no fim de dezembro, foi cercado pelas tropas de Bórgia.
Em 26 de dezembro, o próprio César Bórgia cavalgou até o castelo no
seu cavalo branco, vestido todo de preto – uma visão impressionante.
Observando dos baluartes e contemplando a cena, Catarina pensou no pai.
Era o aniversário do seu assassinato. Ele representava tudo a que ela dava
valor, e não o desapontaria. Era a mais parecida com ele dentre todos os
filhos. Como Galeácio teria feito, ela pensou no que estava por vir – seu
plano era ganhar tempo até que os seus aliados remanescentes viessem em
sua defesa. Fortificara Ravaldino de maneira inteligente, de uma forma que
lhe permitia continuar recuando por trás de barricadas se as muralhas
fossem penetradas. No fim, teriam que arrancar o castelo dela à força, e
estava mais do que preparada para morrer defendendo-o, de espada na mão.
Ao ouvir Bórgia se dirigir a ela, tornou-se claro que este viera para
lisonjear e cortejar – todos conheciam a reputação dele como um sedutor
diabólico, e muitos na Itália imaginavam que Catarina tinha uma moral
duvidosa. A condessa escutou e sorriu, lembrando-o de vez em quando das
façanhas passadas dela e do renome de que gozava como membro da
família Sforza – se ele queria que ela se rendesse, teria que se esforçar mais.
Bórgia continuou a cortejá-la e pediu para lhe falar pessoalmente.
Catarina pareceu sucumbir por fim ao charme dele; era mulher, afinal, e
ordenou que a ponte levadiça fosse baixada e começou a andar na direção
dele. Ele continuou a insistir, e ela lhe deu certos olhares e sorrisos que
indicavam que estava caindo em seu encanto. Agora apenas alguns
centímetros os separavam. Bórgia tentou lhe tocar o braço, e ela recuou de
um modo brincalhão. Os dois deveriam discutir a questão no castelo, disse a
condessa com uma expressão recatada, e começou a andar para trás,
convidando-o a segui-la. Ao tentar alcançá-la, notou que a ponte levadiça
começou a subir, e pulou de volta para o outro lado bem a tempo. Furioso e
embaraçado pelo truque em que havia caído, jurou vingança.
Nos poucos dias que se seguiram, ele desencadeou uma torrente de tiros
de canhão contra as muralhas do castelo, abrindo por fim uma brecha. Os
soldados de Bórgia invadiram, liderados pelos franceses, que eram mais
experientes. Travou-se um combate corpo a corpo, e Catarina lutou à frente
das suas tropas remanescentes. O líder dos soldados franceses, Yves
d’Allegre, ficou espantado quando a bela condessa – com a couraça
ornamentada da armadura por cima do vestido – atacou os franceses da
linha de frente, manejando a espada com destreza, sem nenhum vestígio de
medo.
Catarina e os seus soldados estavam prestes a recuar mais para dentro
do castelo, na esperança de prolongar a batalha por alguns dias, como ela
havia planejado, quando um dos seus próprios soldados a agarrou por trás e,
segurando a espada contra a garganta da condessa, levou-a para o outro
lado. Bórgia pusera a cabeça dela a prêmio, e o traidor estava interessado
naquela recompensa. O sítio havia terminado, e o próprio Bórgia tomou
posse do seu grande prêmio. Naquela noite, ele a estuprou e a manteve
confinada num dos seus aposentos, tentando convencer o mundo de que a
infame condessa guerreira sucumbira voluntariamente ao seu charme.
Mesmo sob pressão, Catarina se recusou a assinar o documento cedendo
o seu território e, por isso, foi levada a Roma e jogada na temida prisão do
Castelo de Santo Ângelo. Por um longo ano, numa cela pequena e sem
janelas, ela tolerou a solidão e as torturas intermináveis concebidas pelos
Bórgias. A sua saúde se deteriorou e parecia destinada a morrer na prisão,
resistindo até o fim, mas o cavalheiresco capitão francês Yves d’Allegre
caíra em seus encantos. Ele continuou a exigir, em nome do rei da França,
que ela fosse libertada, e por fim obteve sucesso, transportando-a em
segurança até Florença.
Ao se retirar da vida pública, Catarina começou a receber cartas de
homens de todas as partes da Europa. Alguns a haviam visto ao longo dos
anos; a maioria só ouvira falar dela. Mostravam-se obcecados por sua
história, confessavam-lhe o seu amor e lhe imploravam por alguma
lembrancinha, alguma relíquia que pudessem adorar. Um dos que
conseguiram vislumbrá-la na primeira vez em que ela foi a Roma escreveu:
“Se eu durmo, parece que estou com você; se eu como, esqueço a comida e
falo com você […]. Você está gravada no meu coração”. Enfraquecida pelo
ano que passou na prisão, a condessa morreu em 1509.
Interpretação: Na época de Catarina Sforza, os papéis que uma mulher
podia desempenhar eram rigorosamente limitados. O primordial era ser uma
boa mãe e esposa, mas, se não fosse casada, poderia devotar a vida à
religião ou, em casos raros, se tornar uma cortesã. Era como se um círculo
houvesse sido desenhado em torno de cada mulher, que não se atrevia a
explorar além dele. Internalizando essas restrições aos primeiros anos de
vida e ao receber a sua educação inicial, se estudasse apenas um número
limitado de assuntos e praticasse somente certas habilidades, não teria como
expandir a sua função mesmo que quisesse. Conhecimento era poder.
Catarina se destaca como uma exceção impressionante, e isso ocorreu
porque ela se beneficiou de uma confluência única de circunstâncias. Os
Sforza eram novos no poder. Haviam descoberto, na sua ascensão ao topo,
que uma esposa forte e capaz era de grande assistência. Desenvolveram a
prática de treinar as filhas na caça e na esgrima como uma forma de tornálas mais fortes e destemidas – qualidades importantes para se ter como
peões de casamentos. O pai de Catarina, porém, levou isso mais adiante.
Talvez ele visse na filha um reflexo feminino de si mesmo. Dar-lhe o
mesmo tutor que o havia ensinado sinalizava que sentia uma espécie de
identificação entre eles.
Desse modo, um experimento singular se iniciou no castelo de Porta
Giovia. Isolada do mundo exterior e munida de um grau tremendo de
liberdade, Catarina conseguiu se desenvolver em qualquer direção que
desejasse. Intelectualmente, ela pôde explorar todas as formas de
conhecimento. Teve a oportunidade de satisfazer todos os seus interesses
naturais – no caso dela, moda e artes. No treinamento físico, deu rédeas
soltas ao próprio espírito ousado e aventureiro. Nessa educação inicial, foi
capaz de expressar as muitas facetas diferentes do seu caráter.
Assim, quando entrou na vida pública aos 10 anos de idade, era natural
que se movesse para além do círculo restrito imposto às mulheres.
Interpretava muitos papéis. Como membro obediente da família Sforza,
podia ser a esposa leal; de natureza empática e carinhosa, podia ser a mãe
devotada. Sentia grande prazer em ser a mais bela e elegante da corte papal.
Entretanto, quando as ações do marido pareceram condenar tanto Catarina
quanto a família, ela se sentiu convocada para desempenhar outro papel.
Treinada para pensar por si mesma e inspirada pelo pai, transformou-se no
soldado intrépido, colocando uma cidade inteira sob o seu controle. Podia
ser uma estrategista perspicaz, planejando vários movimentos, prevendo
uma crise. Era capaz de liderar as suas tropas, de espada na mão. Quando
menina, fantasiara sobre a possibilidade de interpretar esses diversos papéis,
e era para ela natural e profundamente satisfatório fazê-lo na vida real.
Poderíamos dizer que Catarina tinha um espírito feminino com um
pronunciado subtom masculino, o inverso do pai. E esses traços femininos e
masculinos se misturavam, dando-lhe um estilo único de raciocínio e ação.
No que dizia respeito ao governo, demonstrava um alto grau de empatia,
algo bastante atípico na época. Quando a praga atingiu Forlì, ela confortou
os doentes, com grande risco para a própria vida. Estava disposta a sofrer as
piores condições na prisão a fim de proteger a herança dos filhos, um ato
raro de sacrifício para alguém com poder. Contudo, ao mesmo tempo, era
uma negociante astuta e agressiva e não tolerava fracos ou incompetentes.
Era ambiciosa e tinha orgulho disso.
Em conflitos, sempre concebia estratégias a fim de ludibriar os
adversários agressivos e evitar o derramamento de sangue. Utilizando seus
dotes femininos, ela encontrou um meio para que César Bórgia fosse à
ponte levadiça mais tarde, tentou atraí-lo cada vez mais para dentro do
castelo, capturando-o numa batalha prolongada, dando aos aliados dela
tempo suficiente para resgatá-la. E quase teve êxito em ambos os esforços.
Essa habilidade de interpretar muitos papéis diferentes, de mesclar o
masculino com o feminino, era a fonte do seu poder. A única vez em que
abdicou disso foi durante o casamento com Giacomo Feo. Quando se
apaixonou por Feo, viu-se numa posição bastante vulnerável. As pressões
sobre ela haviam sido imensas – lidando com um marido imprestável e
abusivo, sobrevivendo a várias gravidezes que a debilitaram, mantendo as
tênues alianças políticas que havia construído. Desse modo, ao vivenciar
subitamente a veneração de Feo, era natural que buscasse um alívio dos
seus fardos, abdicar do poder e do controle em troca do amor. Entretanto, ao
se reduzir ao papel de esposa devotada, precisou reprimir o caráter
naturalmente expansivo. Teve de empregar a sua energia tranquilizando as
inseguranças do marido. No processo, perdeu toda a iniciativa e pagou o
preço, enfrentando uma depressão profunda que quase a matou. Ela
aprendeu a lição e, depois disso, se manteria fiel a si mesma pelo resto da
vida.
Talvez o que surpreenda mais sobre a história de Catarina Sforza seja o
efeito que ela tinha nos homens e mulheres da época. Esperaríamos que as
pessoas a condenassem como uma bruxa ou mulher varonil, que a
renegassem por todo o desprezo que demonstrava pelas convenções de
gêneros. Em vez disso, fascinava quase todos que entravam em contato com
ela. As mulheres lhe admiravam a força. Isabella d’Este, governante de
Mântua e sua contemporânea, a julgava inspiradora e escreveu após a
captura de Catarina por Bórgia: “Se os franceses criticam a covardia dos
nossos homens, pelo menos deveriam louvar a bravura e o valor das
mulheres italianas”. Homens de todos os tipos – artistas, soldados,
sacerdotes, nobres, servos – estavam obcecados por ela. Até aqueles que a
queriam destruir, como César Bórgia, sentiam uma atração inicial e o desejo
de possuí-la.
Ao conversarem com ela sobre batalhas e estratégias, os homens
sentiam que falavam com um igual, não com aquelas que lhes faziam parte
da vida, com quem mal conseguiam conversar. Eles também tinham um
papel a desempenhar, que não era tão restritivo quanto o de uma mulher,
mas que também possuía as suas desvantagens. Esperava-se que eles
estivessem sempre no controle, valentes e invencíveis. Em segredo,
atraíam-se por essa pessoa perigosa com quem podiam perder o controle.
Ela não era uma boneca feminina, toda passiva e existindo apenas para
agradar os homens. Sendo irreprimida e autêntica, inspirava neles o desejo
de se soltarem também, de irem além dos seus próprios papéis restritos.
Entenda: você talvez imagine que muito mudou quanto ao papel dos
gêneros, que o mundo de Catarina Sforza está distante demais do nosso para
ser relevante. Entretanto, se pensar assim, estará redondamente enganado.
Os detalhes específicos dos papéis dos gêneros talvez flutuem de acordo
com a cultura e a época, mas o padrão é, em essência, o mesmo: todos
nascemos como seres completos, com muitas facetas. Temos qualidades do
sexo oposto, tanto pela genética quanto pela influência do genitor. O nosso
caráter apresenta profundezas e dimensões naturais. Há estudos que
demonstram que, nos primeiros anos de vida, os meninos são, na verdade,
mais reativos em termos emocionais do que as meninas. Eles têm níveis
elevados de empatia e sensibilidade. As meninas têm um espírito
aventureiro e exploratório que é natural a elas, além de uma força de
vontade poderosa, que gostam de empregar para transformar o ambiente.
Ao crescermos, porém, temos de apresentar ao mundo uma identidade
consistente, e desempenhar certos papéis e nos mostrar à altura de certas
expectativas, podando e removendo as nossas qualidades naturais. Os
meninos perdem a rica gama de emoções e, no esforço para progredirem,
reprimem a sua empatia natural. As meninas precisam sacrificar o seu lado
assertivo, devendo ser simpáticas, sorridentes, respeitosas, sempre levando
em consideração os sentimentos dos outros antes dos delas. Uma mulher
pode ser a chefe, mas deve ser terna e flexível, nunca agressiva demais.
Nesse processo, nós nos tornamos cada vez mais rasos, conformandonos aos papéis esperados pela nossa cultura e época. Perdemos partes ricas
e valiosas do nosso caráter. Às vezes, conseguimos compreender isso
apenas ao encontrarmos aqueles que são menos reprimidos e ao nos
sentirmos fascinados por eles. Com certeza, Catarina Sforza provocava esse
efeito. Há também muitos equivalentes do sexo masculino na história – o
primeiro-ministro britânico do século 19 Benjamin Disraeli, Duke
Ellington, John F. Kennedy, David Bowie, todos foram homens que
expressavam subtons femininos inconfundíveis e que intrigavam as pessoas
por causa disso.
A sua tarefa é se libertar da rigidez que o domina quando você se
identifica em excesso com o papel do gênero esperado. O poder está em
explorar o meio-termo entre o masculino e o feminino, em ir contra as
expectativas dos indivíduos. Retorne aos lados mais duros ou suaves do seu
caráter que você perdeu ou reprimiu. Ao se relacionar com as pessoas,
expanda o seu repertório ao desenvolver uma empatia maior, ou ao aprender
a ser menos obsequioso. Ao confrontar um problema ou resistir aos outros,
treine-se para responder de maneiras diferentes – atacando quando
normalmente defenderia, ou vice-versa. No seu raciocínio, aprenda a
mesclar o analítico com o intuitivo a fim de se tornar mais criativo (veja
mais sobre isso na seção final deste capítulo).
Não tenha medo de expor o lado mais sensível ou ambicioso do seu
caráter. Essas suas partes reprimidas estão ansiosas para serem liberadas.
No teatro da vida, expanda os papéis que interpreta. Não se preocupe com
as reações das pessoas a quaisquer mudanças suas que elas perceberem.
Você não é tão fácil assim de categorizar, o que as fascinará e lhe dará o
poder de brincar com as percepções que elas têm de você, alterando-as à
vontade.
É o engodo terrível do amor que ele comece ao nos envolver num jogo não com uma
mulher do mundo externo, mas com uma boneca modelada no nosso cérebro – aliás, a
única mulher que temos sempre à nossa disposição, a única que poderemos possuir.
— Marcel Proust
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Os seres humanos gostam de acreditar que são consistentes e maduros, e
que têm um controle razoável sobre a própria vida. Tomamos decisões com
base em considerações racionais, naquilo que nos beneficiará mais. Temos
livre-arbítrio. Sabemos quem somos, mais ou menos. Entretanto, essas autoopiniões são todas facilmente despedaçadas sob um aspecto particular –
quando nos apaixonamos.
Ao nos apaixonarmos, nos tornamos vulneráveis a emoções que não
conseguimos controlar. Não temos como explicar de forma racional as
nossas escolhas de parceiros, as quais muitas vezes acabam se revelando
bem infelizes. Muitos de nós terão pelo menos um relacionamento bemsucedido na vida, mas tendemos a ter muito mais dos que não deram certo,
que não tiveram um final feliz. E repetimos frequentemente os mesmos
tipos de escolha ruim ao buscar parceiros, como se fôssemos compelidos
por algum demônio interior.
Gostamos de dizer a nós mesmos, em retrospecto, que um tipo de
loucura temporária nos dominou quando estávamos apaixonados. Pensamos
como as exceções do nosso caráter, não a regra. Contudo, consideremos por
agora a possibilidade oposta – na nossa vida consciente cotidiana, somos
sonâmbulos, sem consciência de quem somos de verdade; apresentamos
uma fachada de razoabilidade ao mundo, e confundimos a máscara com a
realidade. Quando nos apaixonamos, somos, na verdade, mais nós mesmos.
A máscara cai. Compreendemos, então, a profundidade com que as forças
inconscientes determinam muitas das nossas ações. Conectamo-nos à
essência irracional da nossa natureza.
Vejamos algumas das mudanças comuns que ocorrem quando nos
apaixonamos.
Normalmente, a nossa mente vive num estado de distração. Quanto mais
profunda é a nossa paixão, porém, mais a nossa atenção é absorvida por
completo pela outra pessoa. Nós nos tornamos obcecados.
Gostamos de apresentar uma aparência específica ao mundo, uma que
enfatize os nossos pontos fortes. Quando nos apaixonamos, contudo, os
traços opostos muitas vezes vêm mais à tona. Uma pessoa que, em geral, é
forte e independente pode de repente se tornar mais indefesa, dependente e
histérica. Alguém carinhoso e empático pode subitamente adotar uma
postura tirânica, exigente e absorta em si mesma.
Como adultos, nos sentimos relativamente maduros e práticos, mas no
amor podemos, de repente, regredir a comportamentos que só podemos
descrever como infantis. Vivenciamos medos e inseguranças exagerados ao
extremo. Ficamos aterrorizados diante da ideia de sermos abandonados,
como um bebê deixado sozinho por alguns minutos. Passamos por
alterações radicais de ânimos – do amor ao ódio, da confiança à paranoia.
Em geral, gostamos de imaginar que julgamos bem o caráter dos outros.
Ao nos encantarmos ou apaixonarmos por alguém, contudo, confundimos o
narcisista com o gênio, o sufocador com o carinhoso, o preguiçoso com o
rebelde excitante, o controlador com o protetor. Há quem enxergue a
verdade e tente nos abrir os olhos quanto a essas fantasias, mas não lhe
damos ouvidos. E o que é pior, muitas vezes continuaremos a cometer os
mesmos erros de julgamento repetidas vezes.
Ao observar esses estados alterados, talvez nos vejamos tentados a
descrevê-los como formas de possessão. Normalmente agimos de acordo
com a personalidade racional A, mas, sob a influência da paixão, a
personalidade irracional B começa a emergir. A princípio, A e B se
alternam e até se mesclam uma à outra, mas quanto mais nos apaixonamos,
mais é a personalidade B que domina. Esta vê qualidades que não estão nos
indivíduos, age de maneiras contraproducentes e até autodestrutivas, é bem
imatura, tem expectativas irreais e toma decisões que, mais tarde, podem
parecer misteriosas para a personalidade A.
Quando se trata do nosso comportamento nessas situações, nunca
entendemos completamente o que está acontecendo. Muito do nosso
inconsciente está em ação, e não temos nenhum acesso racional a esses
processos. No entanto, o eminente psicólogo Carl Jung – que analisou
milhares de homens e mulheres com histórias de dolorosos casos de amor,
no decorrer da sua longuíssima carreira – ofereceu talvez a explicação mais
profunda para o que nos acontece quando nos apaixonamos. Segundo Jung,
somos de fato possuídos nesses momentos. Ele deu à entidade
(personalidade B) que nos domina o nome anima (para o masculino) e
animus (para o feminino). Essa entidade existe dentro do nosso
inconsciente, mas sobe à superfície quando alguém do sexo oposto nos
fascina. O que se segue é a origem da anima e do animus, e como operam.
Todos nós possuímos hormônios e genes do sexo oposto. Esses traços
contrassexuais são minoria (em graus maiores ou menores, dependendo do
indivíduo), mas os encontramos dentro de todos nós, formando uma parte
do nosso caráter. De igual significância é a influência do genitor do sexo
oposto, de quem absorvemos traços femininos ou masculino, sobre a nossa
psique.
Nos nossos primeiros anos de vida, estamos completamente abertos e
suscetíveis às influências dos outros. O genitor do sexo oposto foi o nosso
primeiro encontro com alguém dramaticamente diferente de nós. Ao nos
relacionarmos com a natureza estranha dessa pessoa, muito da nossa
personalidade foi formada em resposta a esse relacionamento, tornando-se
mais complexa e multifacetada. (Com o genitor do mesmo sexo, há muitas
vezes um nível de conforto e identificação imediata que não exige a mesma
energia adaptativa.)
Por exemplo, os meninos pequenos por vezes se sentem confortáveis
expressando emoções e traços que aprenderam com a mãe, como a afeição
explícita, a empatia e a sensibilidade. As meninas pequenas, por outro lado,
costumam se sentir confortáveis expressando traços que aprenderam do pai,
como a agressão, a ousadia, o rigor intelectual e a destreza física. Cada
criança pode também já ter em si, por natureza, esses traços do gênero
oposto. Além disso, cada genitor terá também um lado Sombra que a
criança deve assimilar ou enfrentar. Por exemplo, uma mãe pode ser
narcisista e não empática, e um pai pode ser dominador ou fraco em vez de
protetor e forte.
As crianças precisam se adaptar a isso. De todo modo, o menino e a
menina internalizarão as qualidades positivas e negativas do genitor do sexo
oposto de maneiras inconscientes e profundas. E a associação com o genitor
do sexo oposto será carregada com todo tipo de emoções – conexões físicas
e sensuais, e tremendos sentimentos de excitação, fascinação ou
desapontamento pelo que não lhes foi dado.
Logo, porém, vem um período crítico na nossa vida em que devemos
nos separar dos nossos pais e construir a nossa identidade. E a forma mais
simples e poderosa de criar essa identidade é em torno de papéis de gênero,
o masculino e o feminino. O menino tenderá a ter uma relação ambivalente
com a mãe que o marcará por toda a vida. Por um lado, ele anseia pela
segurança e atenção devotada que ela lhe oferece; por outro, se sente
ameaçado por ela, como se o sufocasse com a sua feminilidade e ele
pudesse se perder. Teme a autoridade dela e o poder que exerce sobre a vida
dele. A partir de certa idade, sente a necessidade de se diferenciar. Precisa
estabelecer o próprio senso de identidade masculina. Com certeza, as
mudanças físicas que ocorrem à medida que cresce alimentarão essa
identidade com o masculino, mas, no processo, ele tenderá a se identificar
até demais com esse papel (a menos que, em vez disso, se identifique com o
papel feminino), intensificando a tenacidade e independência, para enfatizar
a sua separação em relação à mãe. Os outros lados do seu caráter – a
empatia, a gentileza, a necessidade de se conectar, que ele absorveu da mãe
ou que eram parte dele por natureza – tenderão a se tornar reprimidos e
afundar no inconsciente.
A menina talvez tenha um espírito aventureiro e incorpore a força de
vontade e determinação do pai na sua própria personalidade. Entretanto, ao
crescer, é provável que se sinta pressionada para se conformar a certas
normas culturais e a construir a sua identidade em torno do que é
considerado feminino. Espera-se que as meninas sejam simpáticas, doces e
obsequiosas, que ponham os interesses dos outros acima dos delas e que
domem quaisquer traços rebeldes, de forma a parecerem bonitas e serem
objetos do desejo. Na mente de uma menina específica, essas expectativas
se transformam em vozes que ela escuta julgando-a o tempo todo e fazendoa duvidar do próprio valor. Essas pressões talvez sejam mais sutis nos dias
de hoje, mas ainda exercem uma influência poderosa. Os lados mais
curiosos, agressivos e sombrios do seu caráter – tanto os que vieram
naturalmente quanto os absorvidos do pai – tenderão a se tornar reprimidos
e afundar no inconsciente se ela adotar um papel feminino mais tradicional.
A parte feminina inconsciente do menino e do homem é o que Jung
chama de anima; a faceta masculina inconsciente da menina e da mulher é o
animus. Como são lados de nós enterrados bem fundo, nunca estamos bem
conscientes deles na nossa vida cotidiana. Contudo, uma vez que tenhamos
nos fascinado com uma pessoa do sexo oposto, a anima e o animus
despertam. A atração que sentimos em relação ao outro pode ser puramente
física, mas, na maior parte das vezes, a pessoa que chama a nossa atenção
apresenta inconscientemente alguma semelhança – física ou psicológica –
com a nossa mãe ou pai. Lembre-se de que esse relacionamento primordial
está repleto de uma energia carregada de excitação e de obsessões que são
reprimidas, mas que anseiam por escapar. Aquele que ativa essas
associações em nós chamará nossa atenção como um ímã, mesmo que não
tenhamos consciência da fonte da nossa atração.
Se o relacionamento com a mãe ou com o pai era majoritariamente
positivo, tenderemos a projetar no outro as qualidades desejáveis que ele
(ou ela) tinha, na esperança de reviver aquele paraíso inicial. Imagine, por
exemplo, um jovem cuja mãe o adorava e acalentava. Ele talvez tivesse sido
um menino doce e carinhoso, devotado a ela e refletindo essa energia
acalentadora, mas reprimiu esses traços em si mesmo ao crescer e se tornar
um homem independente com uma imagem masculina a manter. Na mulher
que desencadeia uma associação com a mãe dele, ele verá a capacidade de
adorá-lo, que é o seu anseio secreto. Esse sentimento de conseguir o que
quer intensificará a excitação e a atração física. Ela o suprirá com as
qualidades que ele nunca desenvolveu em si mesmo, apaixonando-se pela
própria anima, na forma da mulher desejada.
Se os sentimentos em relação à mãe ou ao pai eram, na maior parte,
ambivalentes (com atenção inconstante), muitas vezes tentaremos consertar
o relacionamento original nos apaixonando por alguém que nos lembre da
figura materna ou paterna imperfeita, na esperança de que conseguiremos
subtrair as qualidades negativas e obter o que nunca tivemos de fato na
infância. Se o relacionamento foi majoritariamente negativo, é possível que
busquemos alguém com as qualidades opostas às da mãe ou do pai, por
vezes de uma natureza sombria. Por exemplo, uma menina cujo pai fosse
severo, distante e crítico em demasia talvez tenha o desejo secreto de se
rebelar, mas não se atreva. Como uma jovem mulher, ela pode vir a se sentir
atraída por um jovem rebelde e não convencional que represente o lado
indomado que nunca foi capaz de expressar, e que é o exato oposto do pai.
O rebelde é o animus dela, agora exteriorizado na forma do jovem.
De qualquer modo, não importa se a associação é positiva, negativa ou
ambivalente; emoções poderosas são desencadeadas e, ao nos sentirmos
transportados à relação primordial da nossa infância, agimos de maneiras
que são por vezes contrárias à identidade que apresentamos. Nós nos
tornamos histéricos, carentes, obsessivos, controladores. A anima e o
animus têm as suas próprias personalidades e, por isso, quando despertam,
agimos como a personalidade B. Tendo em vista que não estamos de fato
nos relacionando com mulheres e homens como eles são, mas, sim, com as
nossas próprias projeções, acabaremos nos desapontando com eles, como se
fossem culpados de não serem o que havíamos imaginado. O
relacionamento muitas vezes tenderá a desmoronar graças a erros de
interpretação e comunicação de ambos os lados e, sem termos consciência
da fonte disso, passaremos precisamente pelo mesmo ciclo com a próxima
pessoa.
Há variações infinitas desses padrões, pois cada um tem circunstâncias e
mesclas específicas de masculino e feminino. Por exemplo, há homens mais
psicologicamente femininos do que as mulheres, e mulheres mais
psicologicamente masculinas do que os homens. Se for heterossexual, o
homem se sentirá atraído por mulheres masculinas que têm qualidades que
ele nunca desenvolveu em si mesmo. Ele tem mais animus do que anima. A
mulher, por sua vez, se sentirá atraída por homens femininos. Existem
muitos desses casais contrassexuais, alguns mais evidentes do que outros, e
podem ser bem-sucedidos se ambos conseguirem o que quiserem – um
exemplo histórico famoso seria o compositor Frédéric Chopin e a escritora
George Sand, em que Sand agia mais como um marido e Chopin como uma
esposa. Se forem homossexuais, o homem e a mulher também buscarão as
qualidades contrassexuais pouco desenvolvidas dentro de si mesmos. Em
geral, o ser humano carece de um equilíbrio, se identificando em excesso
com o masculino ou o feminino, e se sentindo atraído pelo absoluto oposto.
A sua tarefa como estudante da natureza humana é tripla: em primeiro
lugar, tente observar a anima e o animus quando estes se manifestarem nos
indivíduos, em especial nos relacionamentos íntimos deles. Ao prestar
atenção aos comportamentos e padrões nessas situações, você terá acesso ao
inconsciente desses indivíduos, o que normalmente lhe é negado. Verá
partes que eles reprimiram, e ser capaz de usar esse conhecimento pode ser
muito mais útil do que imagina. Preste atenção especial àqueles
hipermasculinos ou hiperfemininos. Não há dúvida de que, por baixo da
superfície, se esconde uma anima bem feminina no homem e um animus
bem masculino na mulher. Quando as pessoas se excedem ao reprimir as
suas qualidades femininas ou masculinas, estas tenderão a escapar em
forma caricaturesca.
O homem hipermasculino, por exemplo, será secretamente obcecado
por roupas e pela própria aparência. Demonstrará um interesse atípico pelo
aspecto das pessoas, inclusive de outros homens, e emitirá julgamentos
arrogantes sobre isso. Richard Nixon tentava de forma desesperada projetar
uma imagem de macho àqueles que trabalhavam para ele como presidente,
mas se preocupava o tempo todo com a cor dos ternos que eles vestiam e as
cortinas do escritório. O homem hipermasculino expressará opiniões fortes
sobre carros, tecnologia ou política que não são baseadas em conhecimento
real, e se tornará bem histérico ao se defender quando lhe chamarem a
atenção a esse respeito, com acessos de birra ou fazendo beicinho. Sempre
tenta conter as emoções, mas estas muitas vezes têm vida própria. Por
exemplo, sem querer, ele se tornará bem sentimental.
A mulher hiperfeminina frequentemente ocultará uma grande dose de
raiva e ressentimentos reprimidos em relação ao papel que tem sido forçada
a representar. O comportamento sedutor de menina que demonstra diante
dos homens é, na verdade, uma artimanha para obter poder, provocar,
capturar e ferir o alvo. O lado masculino dela vazará em comportamentos
passivo-agressivos, em tentativas de dominar seus relacionamentos com as
pessoas de maneiras dissimuladas. Por baixo da fachada doce e obsequiosa,
consegue ser bem determinada e crítica em relação aos outros. A sua
determinação, sempre velada, transparecerá na teimosia bastante irracional
quanto a assuntos mesquinhos.
A sua segunda tarefa é tomar consciência do mecanismo de projeção
dentro de você. (Leia sobre alguns tipos comuns de projeção na próxima
seção.) As projeções têm um papel positivo a desempenhar na sua vida, e
seria impossível impedi-las mesmo que você quisesse, pois são automáticas
e inconscientes. Sem elas, você não se veria prestando grande atenção a
uma pessoa, tornando-se fascinado por ela, idealizando-a e se apaixonado.
Contudo, uma vez que o relacionamento se desenvolva, tenha o poder e a
consciência de retirar as projeções, de forma a começar a ver as mulheres e
os homens como são de fato. Ao fazer isso, talvez se dê conta de como
vocês são, na verdade, altamente incompatíveis, ou o contrário. Depois de
se conectar com o indivíduo real, poderá continuar a idealizá-lo, mas isso se
dará com base nas qualidades positivas verdadeiras que ele possui. Talvez
julgue que os defeitos dele fazem parte do seu charme. Você conseguirá
realizar tudo isso ao tomar ciência dos seus próprios padrões e dos tipos de
qualidades que tende a projetar sobre os outros.
Isso também é importante no que diz respeito aos relacionamentos com
o sexo oposto que não são íntimos. Imagine que, no ambiente de um
escritório, um colega critica o seu trabalho ou adia uma reunião que você
solicitou. Se essa pessoa calhar de ser do sexo oposto, todos os tipos de
emoção – ressentimentos, temores, desapontamentos, hostilidades – serão
incitados, junto com várias projeções, ao passo que, com alguém do mesmo
sexo, a resposta seria bem menos intensa. Observando essa dinâmica na
vida cotidiana, você será mais capaz de controlá-la e ter relações mais
sossegadas com aqueles do sexo oposto.
A sua terceira tarefa é olhar para dentro, ver essas qualidades femininas
ou masculinas que estão reprimidas e pouco desenvolvidas dentro de você.
Flagre vislumbres da sua anima ou do seu animus nos seus relacionamentos
com o sexo oposto. Aquela assertividade que você deseja ver num homem,
ou empatia numa mulher, é algo que precisa desenvolver dentro de si,
exteriorizando esse subtom feminino ou masculino. Essencialmente, precisa
integrar na sua personalidade cotidiana os traços que estão dentro de você,
mas reprimidos. Eles não vão mais operar de maneira independente ou
automática, na forma de uma possessão, mas se tornarão parte da sua
identidade cotidiana, e as pessoas se sentirão atraídas pela autenticidade que
perceberão em você. (Veja mais sobre isso na seção final deste capítulo.)
Por fim, quando se trata dos papéis de gênero, gostamos de imaginar
uma linha contínua de progresso levando à perfeita igualdade, e acreditar
que não estamos longe de atingir esse ideal. Entretanto, isso está distante de
ser verdade. Embora, por um lado, estejamos vendo um progresso nítido,
por outro, que é mais profundo, há uma tensão e polarização crescentes
entre os sexos, como se os velhos padrões de desigualdade entre homens e
mulheres exercessem uma influência inconsciente sobre nós.
Essa tensão às vezes se assemelha a uma guerra, e resulta de uma
distância psicológica cada vez maior entre os gêneros, com indivíduos do
sexo oposto se assemelhando a criaturas alienígenas, com hábitos e padrões
de comportamento que não conseguimos nem começar a decifrar. A
distância pode se transformar em agressividade entre alguns. Embora isso
seja visível tanto em homens como em mulheres, a hostilidade é maior entre
os primeiros. Talvez isso esteja relacionado à hostilidade latente que muitos
deles sentem em relação à figura materna, e ao sentimento de dependência e
fraqueza que ela desencadeia de forma inconsciente. A noção dos homens
sobre masculinidade muitas vezes tem uma faceta defensiva que revela
inseguranças subjacentes, as quais se tornaram apenas mais agudas com a
alteração dos papéis dos gêneros, aumentando a desconfiança entre homens
e mulheres.
Esse enfrentamento exterior entre gêneros, porém, é somente o reflexo
de um conflito interno não resolvido. Enquanto o aspecto interior feminino
ou masculino for negado, a distância exterior só vai crescer. Quando
transpusermos internamente essa distância, a nossa atitude em relação ao
sexo oposto mudará também. Sentiremos uma conexão mais profunda.
Conseguiremos conversar e nos relacionar com o sexo oposto como se fosse
parte de nós mesmos. A polaridade ainda existirá e nos levará a sentirmos
atração e a nos apaixonarmos, mas agora isso incluirá o desejo de nos
aproximarmos do feminino ou do masculino. Isso é bem diferente da
polarização entre os gêneros, em que a distância e a hostilidade acabam
vindo à tona nos relacionamentos e afastam as pessoas. A conexão interna
vai melhorar imensamente a conexão externa, e esse deveria ser o ideal
almejado.
A PROJEÇÃO DE GÊNERO – TIPOS
Embora existam variações infinitas, a seguir você encontrará seis dos
tipos mais comuns de projeção de gênero. Utilize esse conhecimento de três
maneiras: em primeiro lugar, reconheça em si mesmo qualquer tendência
em direção a uma dessas formas de projeção, o que o ajudará a obter um
entendimento profundo sobre os seus primeiros anos de vida e tornará
muito mais fácil remover as suas projeções sobre os outros. Em segundo
lugar, empregue isso como uma ferramenta inestimável para obter acesso ao
inconsciente dos outros, para lhes ver a anima e o animus em ação.
E, por fim, preste atenção à maneira como as pessoas projetarão em
você as fantasias e necessidades delas. Tenha em mente que, quando é o
alvo das projeções de outros, a tentação é querer estar à altura da
idealização que eles têm de você, de ser a fantasia deles. Você vai se deixar
levar pela excitação e querer acreditar que é tão maravilhoso, forte ou
empático quanto imaginam. Sem se dar conta, começará a desempenhar o
papel que eles querem, tornando-se a figura materna ou paterna pela qual
anseiam. É inevitável, porém, que passe a se ressentir disso – você não
conseguirá ser você mesmo; não será apreciado pelas suas qualidades
verdadeiras. É melhor ter consciência dessa dinâmica antes que ela o faça
prisioneiro.
O romântico diabólico. Para a mulher nessa situação, o homem que a
fascina (em geral, mais velho e bem-sucedido) talvez pareça um libertino, o
tipo que não consegue deixar de paquerar jovens moças. No entanto, ele
também é romântico e, quando se apaixona, a cobre de atenção. Ela decide
seduzi-lo e se torna o alvo da sua atenção. Encenará as fantasias dele. Como
ele não vai querer mudar e constituir uma família com ela? A mulher se
deleitará no amor dele. Entretanto, de algum modo, ele não é tão forte,
masculino ou romântico quanto ela o imaginou. É um pouco absorto em si
mesmo. Ela não obtém a atenção desejada, ou esta não dura muito tempo.
Ele não vai mudar, e por isso ele a abandona.
Essa é uma projeção comum em mulheres que tiveram relacionamentos
intensos, até provocantes, com o pai, o qual muitas vezes considera a esposa
entediante e a jovem filha mais encantadora e divertida. Voltando-se para a
garota em busca de inspiração, a deixa viciada na sua atenção e adepta a
representar o papel do tipo de menina que o papai quer. Isso dá a ela uma
sensação de poder; torna-se seu objetivo de vida recapturar essa atenção.
Qualquer associação com a figura paterna incitará o mecanismo de
projeção, e ela inventará ou exagerará a natureza romântica do homem.
Um exemplo básico desse tipo seria Jacqueline Kennedy Onassis. O pai
dela, Jack Bouvier, adorava as duas filhas, mas Jacqueline era a favorita.
Jack era perigosamente bonito e arrojado, um narcisista obcecado com o
próprio corpo e com as roupas elegantes que vestia. Considerava-se um
machão que gostava de correr riscos, mas, sob essa fachada, era na verdade
bem feminino em seus gostos e totalmente imaturo. Era um mulherengo
notório. Tratava Jackie mais como uma companheira de brincadeiras e
como amante do que como filha. Para Jackie, ele era incapaz de fazer algo
errado. Ela sentia um orgulho perverso pela popularidade dele entre as
mulheres. Nas brigas frequentes entre a mãe e o pai, ela sempre ficava do
lado dele. Em comparação com o pai divertido, a mãe era rígida e puritana.
Passando tanto tempo com ele, mesmo após o divórcio dos pais, e
pensando nele o tempo todo, Jackie absorveu de modo profundo a energia e
o espírito dele. Quando moça, voltou toda a atenção a homens mais velhos,
poderosos e pouco convencionais, com quem poderia recriar o papel que
desempenhou com o pai – sempre a menininha que precisa do seu amor,
mas também bastante provocante. E sempre se desapontava com aqueles
que escolhia. John F. Kennedy foi o mais próximo do seu ideal, pois em
tantos aspectos ele era bem como seu pai em aparência e espírito. Kennedy,
porém, nunca lhe daria a atenção pela qual ela ansiava. Era absorto demais
em si mesmo, ocupado em casos com outras mulheres. Não era bem o tipo
romântico. Ela se sentia constantemente frustrada com esse relacionamento,
mas estava presa a esse padrão, mais tarde se casando com Aristotle
Onassis, mais velho, pouco convencional e de grande poder, e que parecia
altamente elegante e romântico, mas que a trataria de maneira horrível e a
trairia o tempo todo.
As mulheres nessa situação foram aprisionadas pela atenção que
receberam do pai na infância. Precisam ser sempre encantadoras,
inspiradoras e provocantes a fim de atrair os holofotes mais tarde. O animus
delas é sedutor, mas com uma faceta agressiva e masculina, por terem
absorvido tanto da energia do pai. Entretanto, estão numa busca contínua
por um homem que não existe. Mesmo que este fosse de todo atencioso e
incansavelmente romântico, elas se entediariam. Ele lhes pareceria fraco
demais. Sentem-se, no fundo, atraídas pelo lado demoníaco do homem que
fantasiam e pelo narcisismo que lhe é inerente. E se ressentirão, com o
passar dos anos, da quantidade de energia que precisam gastar para atender
às fantasias dele e pelo quão pouco ganham com isso. Essas mulheres só
conseguirão escapar dessa armadilha se enxergarem o padrão em si,
pararem de mitificar o pai e se concentrarem, em vez disso, nos danos que
ele causou com a atenção inapropriada que lhes prestou.
A mulher elusiva da perfeição. Ele acredita ter encontrado a mulher
ideal, que lhe dará aquilo que faltava nos relacionamentos anteriores:
alguma rebeldia, ou conforto e compaixão, ou uma fagulha criativa. Embora
tenha se encontrado poucas vezes com ela, imagina toda espécie de
experiências positivas ao seu lado. Quanto mais pensa nela, mais certeza
tem de que não seria capaz de viver sem essa mulher. Ao ouvi-lo falar dessa
pessoa perfeita, você notará que não há muitos detalhes concretos sobre o
que a torna assim. Se ele conseguir formar um relacionamento com ela,
logo se sentirá desencantado. Ela não é o que ele havia imaginado; o
enganou. Esse homem, então, passa a projetar a sua fantasia na mulher
seguinte.
Essa é uma forma comum de projeção dos homens. Contém todos os
elementos que ele acredita nunca ter recebido da mãe e das outras mulheres
em sua vida. O seu par ideal lhe assombrará os sonhos, e não lhe surgirá na
forma de alguém que conhece; é uma mulher criada na sua imaginação –
muitas vezes jovem, elusiva, mas prometendo algo formidável. Na vida
real, certos tipos de mulher tenderão a incitar essa projeção. Costuma ser
bem difícil de definir e se encaixa no que Freud chamava de mulher
narcisista – independente, que não precisa de um homem nem de ninguém
para completá-la. Talvez seja essencialmente um pouco fria e pareça uma
tela em branco na qual os homens podem projetar o que quiserem. Ou
pareçam ter um espírito livre, cheio de energia criativa, mas sem um senso
claro da identidade própria. Para os homens, serve como uma musa, uma
centelha brilhante para a imaginação deles, um chamariz que os faz
libertarem a própria mente enrijecida.
Os homens predispostos a essa projeção muitas vezes tiveram mães que
não estavam de todo presentes para eles, talvez esperando que o filho desse
a ela a atenção e validação que não obtinha do marido. Por causa dessa
inversão, quando o menino se torna um homem, ele sente dentro de si um
grande vazio que precisa preencher de maneira constante. Não consegue
verbalizar com exatidão o que quer ou do que sente falta, o que leva à
vagueza da sua fantasia. Passará a vida procurando por essa figura elusiva e
nunca se acertará com uma mulher de carne e osso: a próxima será a mulher
perfeita. Caso se apaixone pelo tipo narcisista, repetirá o problema que
vivenciou com a mãe, enamorando-se de uma pessoa que não é capaz de lhe
dar o que ele quer. A própria anima dele é um pouco sonhadora,
introspectiva e temperamental, que é o comportamento que ele tenderá a
exibir quando se apaixonar.
Esse tipo de homem precisa reconhecer a natureza desse padrão; na
verdade, tem de encontrar e interagir com uma mulher real, lhe aceitar os
defeitos inevitáveis e lhe dar mais de si mesmo. Costuma preferir ir à caça
da fantasia, porque nessa situação estará no controle e terá a liberdade de
partir quando a realidade se instalar. Para romper o padrão, deverá desistir
de parte desse controle. Quando se trata da necessidade de ter uma musa,
precisa aprender a encontrar essa inspiração em si mesmo, expondo mais da
anima que tem dentro de si. Ele está alienado demais do seu próprio espírito
feminino e tem de libertar os seus processos de pensamento. Sem precisar
da rebeldia da mulher das suas fantasias, ele se relacionará melhor com as
mulheres reais em sua vida.
O rebelde adorável. Para a mulher que se sente atraída por esse tipo, o
homem que a intriga tem um desdém notável pela autoridade. Ele é um não
conformista e, diferentemente do romântico diabólico, costuma ser jovem e
não tão bem-sucedido. Tenderá também a não pertencer ao círculo habitual
de conhecidos dela. Ter um relacionamento com ele seria uma espécie de
tabu – com certeza, o pai dela não aprovaria, e talvez nem mesmo os
amigos ou colegas. Se um relacionamento passa a existir, porém, ela verá
um lado bem diferente dele: não consegue manter um bom emprego não por
ser um rebelde, mas por preguiça e ineficácia; apesar das tatuagens e da
cabeça raspada, é bastante convencional, controlador e dominador. O
relacionamento será rompido, mas a fantasia sobreviverá.
A mulher com essa projeção muitas vezes tem um pai forte e patriarcal
que era distante e rígido, representando a ordem, as regras e as convenções.
Era bastante crítico da filha, que nunca era boa, bonita ou inteligente o
bastante. Ela internalizou essa voz e a escuta em sua cabeça o tempo todo.
Quando menina, sonhava em se rebelar ou se afirmar contra o controle do
pai, mas logo se viu reduzida a obedecer e fazer o papel de filha obsequiosa.
O desejo de se rebelar foi reprimido e passou para o animus, que é bastante
raivoso e ressentido. Em vez de desenvolver a rebeldia nela mesma, tenta
exteriorizá-la na forma do homem rebelde. Caso note uma figura masculina
que possa ser assim, com base na aparência, ela projetará fantasias que são
intensas e sexuais. Muitas vezes escolherá um homem relativamente jovem
porque isso o torna menos ameaçador, menos patriarcal. No entanto, a
juventude e imaturidade tornam quase impossível a formação de um
relacionamento estável, e o lado raivoso dela virá à tona e se sentirá
desencantada.
Uma vez que uma mulher reconheça que é propensa a essa projeção,
deve aceitar este fato simples: o que ela quer de verdade é desenvolver em
si mesma a independência, a assertividade e o poder de desobedecer. Nunca
é tarde demais para fazê-lo, mas essas qualidades precisam ser construídas e
desenvolvidas passo a passo, com desafios diários em que pratique dizer
não, quebre algumas regras etc. Ao se tornar mais assertiva, poderá começar
a ter relacionamentos que sejam mais iguais e satisfatórios.
A mulher caída. Para o homem em questão, a mulher que o fascina
parece tão diferente daquelas que ele já conheceu. Talvez venha de outra
cultura ou classe social, ou não seja tão educada quanto ele; talvez haja algo
de dúbio sobre o seu caráter ou passado. Com certeza, é menos contida em
termos físicos do que a maioria das mulheres. Ele a considera terrena – ela
dá a impressão de precisar de proteção, educação e dinheiro – e ele a
resgatará e elevará. No entanto, de algum modo, quanto mais se aproxima
dela, menos as coisas se desenrolam como ele esperava.
Em Do lado de Swann, primeiro volume do romance Em busca do
tempo perdido, de Marcel Proust, o protagonista, Charles Swann – baseado
numa pessoa real –, é um esteta, um conhecedor das artes. É também um
Don Juan com um medo mortal de qualquer relacionamento ou forma de
compromisso. Seduziu muitas mulheres da classe dele, até que conhece
Odette, que veio de um círculo social bem diferente. Ela é inculta, um
pouco vulgar, e alguns a chamariam de cortesã. Ela o intriga. Certo dia, ao
analisar a reprodução de uma cena bíblica de um afresco de Botticelli,
decide que ela o lembra de uma mulher na pintura. Agora se sente fascinado
e começa a idealizá-la. Odette deve ter tido uma vida difícil, e merece algo
melhor. Apesar do medo de compromissos, ele se casará com ela e a
educará a respeito dos aspectos mais refinados da vida. O que não
compreende é que ela não se assemelha em nada à mulher sobre a qual está
fantasiando. É extremamente inteligente e determinada, muito mais forte do
que ele, e acabará transformando-o em seu escravo passivo e continuará a
ter casos com outros homens e mulheres.
Os homens desse tipo costumam ter figuras maternas fortes na infância.
Eles se tornam meninos bons e obedientes, alunos excelentes na escola.
Sentem-se atraídos de maneira consciente por mulheres cultas, por aquelas
que parecem boas e perfeitas. No entanto, inconscientemente, são seduzidos
pelas imperfeitas, más ou de caráter dúbio. No fundo, anseiam pelo oposto
deles mesmos. É a divisão clássica entre mãe/prostituta – querem a figura
da mãe como esposa, mas sentem uma atração física muito mais forte pela
prostituta, a mulher caída, o tipo que gosta de exibir o corpo. Reprimiram o
aspecto brincalhão, sensual e terreno do próprio caráter quando eram
meninos. São rígidos e civilizados demais. A única forma pela qual
conseguem se relacionar com essas qualidades é por meio de mulheres que
aparentam ser tão diferentes deles mesmos. Como Swann, descobrem um
jeito de idealizá-las com alguma referência erudita que não tem nenhuma
relação com a realidade. Projetam nelas fraqueza e vulnerabilidade,
convencendo-se de que as querem ajudar e proteger. Contudo, o que os atrai
de verdade são o perigo e os prazeres indecentes que elas parecem
prometer. Subestimando a força delas, muitas vezes acabam se tornando
peões dessas mulheres. A anima deles é passiva e masoquista.
Os homens que praticam esse tipo de projeção precisam desenvolver os
lados menos convencionais do próprio caráter. Devem sair da zona de
conforto e tentar sozinhos novas experiências, desafios e até um pouquinho
de perigo que os ajude a relaxar. Talvez necessitem assumir mais riscos no
trabalho. Também têm de desenvolver o lado mais físico e sensual do
caráter. Sem terem que buscar no tipo da mulher caída aquilo pelo qual
anseiam, serão capazes de começar a realmente satisfazer os seus desejos
com qualquer tipo de mulher, sem esperar de forma passiva que ela os
desencaminhe, mas iniciando de modo ativo os seus prazeres secretos.
O homem superior. Ele dá a impressão de ser brilhante, talentoso, forte
e estável. Irradia autoconfiança e poder. Poderia ser um empresário
eminente, um professor universitário, um artista, um guru. Embora seja
mais velho e não muito atraente em termos físicos, a sua autoconfiança lhe
dá uma aura atrativa. Para a mulher que se fascina com esse tipo, um
relacionamento com ele lhe daria uma sensação indireta de força e
superioridade.
No romance Middlemarch: um estudo da vida provinciana (1872), de
George Eliot, a órfã Dorothea Brooke (criada pelo tio abastado) tem 19
anos, é muito bonita e seria um ótimo partido. De fato, um jovem chamado
Sir James Chettam a está cortejando. Contudo, certa noite, ela encontra
Edward Causabon, um rico proprietário de terras, bem mais velho, que
devotou a vida a atividades acadêmicas, e ele a intriga. Ela começa a lhe dar
atenção e ele a corteja, para o horror da irmã e do tio de Dorothea. Para
ambos, Causabon é feio, com verrugas no rosto e a tez pálida. Faz muito
barulho ao mastigar, e fala muito pouco. Dorothea, porém, acredita que ele
está muito acima das outras pessoas para se preocupar com a etiqueta. Seu
rosto é cheio de uma qualidade espiritual. Fala pouco porque ninguém o
entenderia. Casar-se com ele seria como se casar com Pascal ou Kant. A
garota aprenderia grego e latim, e o ajudaria a completar a sua grande obraprima, A chave para todas as mitologias. E ele ajudaria a educá-la e elevála; seria o pai de quem, inconscientemente, sentia falta. Apenas depois de se
casarem, Dorothea descobre a verdade: ele está morto por dentro, é muito
controlador e a vê como uma secretária especial. Ela se torna prisioneira de
um casamento sem amor.
Embora os detalhes de um relacionamento sejam bem diferentes hoje,
esse tipo de projeção é bem comum entre as mulheres. Resulta de
sentimentos de inferioridade. A mulher, nesse caso, interiorizou as vozes do
pai e de outros que a criticaram, lhe baixando a autoestima ao lhe dizerem
quem ela é e como deve se comportar. Sem ter jamais desenvolvido a
própria força ou autoconfiança, tende a procurar por essas qualidades nos
homens e exagerar quaisquer traços delas. Muitos daqueles que se sentem
atraídos por ela lhe percebem a baixa autoestima e consideram isso
encantador. Gostam da atenção adoradora de uma mulher, em geral mais
jovem, a quem podem comandar e controlar. Isso seria o caso clássico do
professor seduzindo a aluna. Como é raro que esses homens sejam de fato
tão brilhantes, inteligentes e autoconfiantes quanto ela imagina, a mulher ou
se desaponta e vai embora, ou permanece aprisionada pela sua própria baixa
autoestima, cedendo às manipulações deles e se culpando por quaisquer
problemas.
O que essa mulher precisa fazer primeiro é compreender que a fonte da
sua insegurança são as opiniões críticas dos outros, as quais ela aceitou e
internalizou. Não resulta de uma falta inerente de inteligência ou valor. Ela
deve trabalhar de forma ativa para desenvolver a assertividade e
autoconfiança por meio de ações – assumir projetos, iniciar um negócio,
aprender um ofício. Em relação aos homens, deve se ver naturalmente igual
a eles, com o mesmo potencial para força e criatividade que eles têm, ou até
mais. Com uma autoconfiança genuína, será capaz de medir o valor e
caráter verdadeiros dos homens que vier a conhecer.
A mulher para adorá-lo. Ele é determinado e ambicioso, mas tem uma
vida difícil. O mundo lá fora é cruel e impiedoso, e não é fácil encontrar
qualquer conforto. Sente que lhe falta algo, até que surge uma mulher que
lhe é atenciosa, calorosa e cativante. Ela parece admirá-lo, completá-lo e
confortá-lo. Esse homem se sente irresistivelmente atraído a ela e à energia
dela. No entanto, à medida que o relacionamento se desenvolve, ela não
parece mais tão simpática e atenciosa. Com certeza parou de admirá-lo, e
ele conclui que foi enganado ou que ela mudou. Uma traição dessas o deixa
furioso.
Essa projeção do homem em geral resulta de um tipo específico de
relacionamento com a mãe – esta adora o filho e o inunda de atenção.
Talvez isso seja uma compensação por nunca ter conseguido o que queria
do marido, enchendo o filho de autoconfiança. Ele se torna viciado nessa
atenção e anseia pela presença calorosa e envolvente da mãe, que é o que
ela quer.
Quando cresce, costuma se tornar bem ambicioso, sempre tentando se
mostrar à altura das expectativas da mãe. Esforça-se bastante, escolhe um
determinado tipo de mulher para almejar, e então a posiciona sutilmente de
maneira que ela interprete o papel de mãe – confortando-o, adorando-o e
lhe inflando o ego. Em muitos casos, a mulher acabará compreendendo que
foi manipulada e se ressentirá disso. Deixará de ser tão gentil e obsequiosa.
Ele a culpará por ter mudado, mas, na verdade, é ele que está projetando
qualidades que nunca estiveram lá de fato e tentando fazê-la se conformar
às suas expectativas. A ruptura subsequente será muito dolorosa para o
homem, pois ele havia investido a energia dos seus primeiros anos de vida e
sentirá que a figura materna o abandonou. Mesmo que tenha sucesso em
fazer a mulher interpretar esse papel, ele mesmo se ressentirá da própria
dependência em relação a ela, a mesma dependência e ambivalência que
sentia quanto à mãe. Talvez sabote o relacionamento ou se afaste. A anima
dele tem uma faceta severa e recriminadora, sempre pronta para se queixar
e culpar os outros.
O homem, neste caso, precisa enxergar o padrão desses relacionamentos
da sua vida. Isso deveria sinalizar a ele a necessidade de desenvolver por
dentro mais das qualidades maternas que ele projeta nas mulheres. Deve ver
a natureza da sua ambição como um produto do desejo de agradar a mãe e
estar à altura das expectativas dela. Tende a se esforçar demais. Precisa
aprender a confortar e acalentar a si mesmo, a se afastar de tempos em
tempos, e se satisfazer com as próprias conquistas. Precisa ser capaz de
cuidar de si. Isso melhorará de maneira drástica os seus relacionamentos.
Ele dará mais, em vez de esperar que o adorem e tomem conta dele. E se
relacionará com as mulheres como elas são; no fim, estas talvez acabem se
sentindo inconscientemente impelidas a oferecer mais do conforto de que
ele necessita, sem serem forçadas a isso.
O HOMEM E A MULHER ORIGINAIS
A experiência comum para nós, seres humanos, é que a certo ponto da
vida – em geral, em torno dos 50 anos de idade – passamos pelo que é
conhecido como a crise da meia-idade. O nosso trabalho se tornou
mecânico e sem graça. Os nossos relacionamentos íntimos perderam a
excitação e a energia. Ansiamos por mudanças, e as buscamos por meio de
uma nova carreira ou relacionamento, algumas experiências novas, até
mesmo algum perigo. Essas mudanças talvez nos deem uma sacudida
terapêutica de curto prazo, mas deixam a fonte real do problema intocada, e
o mal-estar voltará.
Examinemos esse fenômeno por um ângulo diferente – como uma crise
de identidade. Quando crianças, tínhamos uma noção bem fluida de quem
éramos. Absorvíamos a energia de todos e de tudo em redor. Sentíamos uma
gama bem ampla de emoções e estávamos abertos a experiências.
Entretanto, na juventude, tivemos de moldar uma identidade social que
fosse coesa e que nos permitisse nos encaixarmos num grupo. Para tanto,
tivemos que podar e estreitar o nosso espírito livre. E muito desse
estreitamento girou em torno dos papéis de gênero. Precisamos reprimir os
aspectos masculinos ou femininos de nós mesmos, a fim de sentir e
apresentar uma identidade mais consistente.
No fim da adolescência e nos primeiros anos da fase adulta, ajustamos
de forma contínua essa identidade a fim de nos encaixarmos – ainda é um
trabalho em andamento, e extraímos algum prazer da construção dessa
identidade. Sentimos que a nossa vida pode partir em muitas direções, e
muitas possibilidades nos encantam. Contudo, à medida que o tempo passa,
o papel do gênero que interpretamos se torna cada vez mais fixo, e
começamos a perceber que perdemos algo essencial, que somos quase
estranhos em relação a quem éramos na juventude. As nossas energias
criativas acabaram. É natural que busquemos do lado de fora a fonte dessa
crise, mas ela vem de dentro. Nós nos tornamos desequilibrados,
identificados de modo rígido demais com o nosso papel e com a máscara
que apresentamos aos outros. A nossa natureza original incorporou mais das
qualidades que absorvemos da mãe ou do pai, e dos traços do sexo oposto
que são biologicamente parte de nós. A certa altura, nos rebelamos por
dentro contra a perda do que é, de maneira tão essencial, uma parte de nós.
Em culturas primitivas em todo o mundo, a mulher ou o homem mais
sábio da tribo era o xamã, o curandeiro capaz de se comunicar com o
mundo dos espíritos. O homem xamã tinha uma mulher, ou esposa interior,
a quem escutava com atenção e que o guiava. A mulher xamã tinha o
marido interior. O poder dos xamãs vinha da profundidade da comunicação
com essa figura interna, que era sentida como uma mulher ou homem real
que vinha de dentro. A figura do xamã reflete uma verdade psicológica
profunda à qual os nossos ancestrais mais primitivos tinham acesso. Na
realidade, nos mitos de muitas culturas antigas – persa, hebraica, grega,
egípcia –, acreditava-se que os seres humanos originais eram masculinos e
femininos ao mesmo tempo; isso os tornava tão poderosos que os deuses os
temiam e, por isso, os dividiram em dois.
Entenda: o retorno à sua natureza original contém um poder elementar.
Ao se relacionar mais com as partes naturais femininas ou masculinas
dentro de si, você desencadeará uma energia que tem sido reprimida; a sua
mente vai recuperar a fluidez natural; você alcançará um entendimento e
relações melhores com aqueles do sexo oposto, e, ao se livrar da atitude
defensiva que mantém a respeito do seu papel de gênero, se sentirá seguro
com quem você é. Esse retorno requer que brinque com estilos de pensar e
de agir que sejam mais masculinos ou femininos, dependendo do seu
desequilíbrio. Contudo, antes de descrever esse processo, precisamos
primeiro lidar com um preconceito humano enraizado a fundo sobre o
masculino e o feminino.
Por milênios, têm sido os homens que, em grande medida, definiram os
papéis masculinos e femininos, e que impuseram julgamentos de valores
sobre eles. Os estilos femininos de pensar eram associados à
irracionalidade, e as formas femininas de agir eram vistas como fracas e
inferiores.
Podemos
ter
progredido
externamente
em
termos
da
desigualdade entre os gêneros, mas por dentro esses julgamentos ainda têm
raízes profundas em nós. O estilo masculino de pensar é ainda avaliado
como superior, e a feminilidade continua sendo vista como suave e fraca.
Muitas mulheres interiorizaram esses julgamentos, sentindo que ser igual
significa ser capaz de serem tão fortes e agressivas quanto os homens. No
entanto, o que é de fato necessário no mundo moderno é que o masculino e
o feminino sejam vistos como iguais no seu potencial para o poder de
raciocínio e força de ação, porém de modos diferentes.
Digamos que existam estilos femininos e masculinos em se tratando de
pensar, agir, aprender a partir de experiências e se relacionar com outras
pessoas, os quais têm se refletido no comportamento de homens e mulheres
por milhares de anos. Alguns estão ligados a diferenças psicológicas; outros
resultam majoritariamente da cultura. Com certeza existem homens com
estilos mais femininos e mulheres com estilos mais masculinos, mas quase
todos nós temos um desequilíbrio que pende para um lado ou para o outro.
A nossa tarefa é nos abrirmos para o oposto. Temos apenas a nossa rigidez a
perder.
Os estilos masculino e feminino de pensar. O pensamento masculino
tende a se concentrar no que separa os fenômenos uns dos outros e a
categorizá-los. Busca contrastes entre os elementos a fim de rotulá-los
melhor. Quer desmontar as coisas, como uma máquina, e analisar as partes
distintas que formam o todo. O processo de raciocínio é linear, descobrindo
a sequência de passos que levam a um evento. Prefere observar a partir de
fora, com um distanciamento emocional. A maneira masculina de pensar
tende pela especialização, por escavar mais fundo em busca de algo
específico. Sente prazer ao descobrir a ordem dos fenômenos. Constrói
estruturas complexas, seja num livro ou nos negócios.
O pensamento feminino se orienta de um jeito diferente. Gosta de se
concentrar no todo, no modo como as partes se conectam umas às outras, na
estrutura total. Ao observar um grupo de pessoas, quer ver como elas se
relacionam umas com as outras. Em vez de congelar os fenômenos no
tempo a fim de examiná-los, concentra-se no processo orgânico em si, em
como uma coisa se transforma em outra. Ao resolver um quebra-cabeça, o
estilo feminino prefere meditar sobre vários aspectos, absorver os padrões e
deixar que as respostas ou soluções venham ao indivíduo com o tempo,
como se precisassem ser cozinhadas. Essa forma de pensamento leva a
descobertas quando as conexões ocultas entre os elementos de repente se
tornam visíveis em vislumbres intuitivos. Em vez da especialização, ela tem
mais interesse em como campos ou formas de conhecimento diferentes
conseguem se conectar uns aos outros. Ao estudar outra cultura, por
exemplo, vai querer se aproximar mais dela, entender como é vivenciada
por dentro. É mais sensível às informações extraídas dos sentidos, não
somente do raciocínio abstrato.
Por tempo demais o estilo masculino tem sido visto como mais racional
e científico, mas isso não reflete a realidade. Todos os maiores cientistas da
história apresentam uma mescla poderosa dos estilos masculino e feminino.
As maiores descobertas do biólogo Louis Pasteur resultaram da sua
habilidade de abrir a mente para o maior número de explicações possível,
de deixá-las cozinhando a fim de enxergar as conexões entre fenômenos de
larga amplitude. Einstein atribuiu todas as suas maiores descobertas a
intuições, em que longas horas de raciocínio deram lugar a introspecções
súbitas sobre a interconexão de certos fatos. A antropóloga Margaret Mead
utilizou os modelos abstratos mais recentes da sua época para analisar com
rigor as culturas indígenas, mas combinou isso com meses vivendo em meio
a essas culturas e obtendo uma perspectiva a partir de uma posição interior.
Nos negócios, Warren Buffett é o exemplo de alguém que mescla os
dois estilos. Ao considerar se deve comprar uma empresa, ele a divide nas
partes que a compõem e as analisa em profundidade estatística, mas
também tenta obter uma noção de sua estrutura total, de como os
funcionários se relacionam entre si, do espírito de grupo incutido pelo
homem ou mulher na chefia – muitos dos elementos intangíveis que a
maioria dos empresários ignora. Ele estuda a empresa tanto do lado de fora
como de dentro.
Quase todas as pessoas se inclinam mais em direção a um dos estilos de
pensamento. O que você deve fazer é criar um equilíbrio ao se inclinar mais
na direção oposta. Se pender para o lado masculino, amplie os campos que
você
estuda,
encontrando
conexões
entre
formas
diferentes
de
conhecimento. Ao procurar por soluções, considere mais possibilidades,
devote mais tempo ao processo deliberativo e permita-se associações mais
livres. Leve a sério as intuições que lhe vierem depois de muita deliberação,
e não descarte o valor das emoções no pensamento. Sem uma sensação de
entusiasmo e inspiração, o seu pensamento pode se tornar estagnado e sem
vida.
Se você pende mais para a direção feminina, precisa ser capaz de se
concentrar e se aprofundar em problemas específicos, contendo o impulso
de expandir a sua pesquisa e se envolver em muitas tarefas ao mesmo
tempo. Encontre prazer em penetrar num único aspecto de um problema.
Reconstruir uma cadeia causal e refiná-la de maneira contínua dará
profundidade ao seu pensamento. Você tende a ver estrutura e ordem como
tediosas, dando ênfase maior à expressão de uma ideia e a se sentir
inspirado por ela. Em vez disso, extraia prazer da atenção intensa devotada
à estrutura de um livro, de um argumento ou um projeto. Ser criativo e claro
quanto à estrutura dará ao seu material o poder de influenciar as pessoas. Às
vezes você precisará ganhar uma distância emocional maior a fim de
entender um problema, e deverá se forçar a fazer isso.
Os estilos masculino e feminino de agir. Quando se trata de agir, a
tendência masculina é avançar, explorar a situação, atacar e vencer. Se
houver obstáculos no trajeto, tentará forçar o caminho, num desejo que foi
expressado de maneira apropriada por Aníbal, líder militar da Antiguidade:
“Encontrarei um caminho, ou abrirei um”. Extrai prazer ao permanecer na
ofensiva e assumir riscos. Prefere manter a independência e o espaço para
manobras.
Ao enfrentar um problema ou a necessidade de agir, o estilo feminino
costuma preferir se afastar a princípio da situação imediata e contemplar as
opções com maior cuidado. Com frequência, procura por maneiras de evitar
o conflito, de apaziguar as relações, de vencer sem ter que partir para a
batalha. Às vezes, a melhor ação é a inação – deixar a dinâmica correr
sozinha a fim entendê-la melhor; deixar que o inimigo se enforque com as
próprias ações agressivas.
Esse era o estilo da rainha Elisabete I, cuja estratégia primordial era
esperar para ver: diante de uma invasão iminente da imensa Armada Naval
espanhola, ela decidiu não se comprometer com nenhuma estratégia até
saber com exatidão quando a Armada seria lançada e as condições
climáticas do momento, esforçando-se para retardar o seu avanço e deixar
que o mau tempo a destruísse, com perda mínima de vida para os ingleses.
Em vez de partir para o ataque, o estilo feminino prepara armadilhas ao
inimigo. A independência não é um valor essencial da ação; na verdade, é
melhor se concentrar em relacionamentos interdependentes e em como um
movimento poderia ferir um aliado e prejudicar uma aliança num efeito
cascata.
No Ocidente, o estilo feminino de tecer estratégias e agir é julgado
instintivamente como fraco e tímido. Em outras culturas, porém, é visto de
maneira bem diferente. Para os estrategistas chineses, a wu-wei, ou a
inação, é muitas vezes o ápice da sabedoria, e a ação agressiva é um sinal
de estupidez, já que diminui o número de opções. Há, na realidade, uma
força tremenda contida no estilo feminino – paciência, adaptabilidade e
flexibilidade. Para o grande guerreiro samurai Miyamoto Musashi, a
habilidade de recuar e aguardar, permitindo que o adversário se cansasse
mentalmente antes de contra-atacar, era crucial para o sucesso.
Aqueles com inclinação masculina e agressiva obteriam o equilíbrio ao
se treinarem para recuar antes de se decidir por qualquer ação. Considere a
possibilidade de que é melhor esperar para ver como os eventos
transcorrerão, ou até mesmo não esboçar nenhuma reação. Agir sem uma
ponderação adequada revela fraqueza e falta de autocontrole. Para
conseguir o equilíbrio, tente sempre considerar os relacionamentos
interdependentes em que estiver envolvido e como cada grupo ou indivíduo
será afetado por qualquer ação. Caso se descubra bloqueado na carreia
profissional mais tarde na vida, vai precisar aprender o poder de se afastar e
refletir sobre quem você é, quais são as suas necessidades, forças e
fraquezas, e quais são os seus interesses verdadeiros antes de tomar
qualquer decisão importante. Isso talvez exija semanas ou meses de
introspecção. Alguns dos maiores líderes da história apuraram as suas
melhores ideias na prisão. Como diriam os franceses, reculer pour mieux
sauter (“recuar para dar um salto melhor”).
Para os de estilo feminino, é melhor se acostumar a graus variados de
conflito e confrontação, de modo que qualquer evasão seja estratégica, e
não produto do medo. Isso requer passos miúdos, enfrentando as pessoas
em pequenos aspectos de situações cotidianas antes de lidar com conflitos
maiores. Abandone a necessidade de sempre ponderar os sentimentos da
outra parte; às vezes, há indivíduos ruins que precisam ser derrotados, e ser
empático a eles só lhes aumenta o poder. Você precisa se sentir confortável
dizendo “não” e recusando os pedidos dos outros. Às vezes, quando tenta
amainar uma situação, não é por empatia ou estratégia, mas pela aversão à
ideia de desagradar. Você se treinou para ser obsequioso, e precisa se livrar
desse impulso. Deve se reconectar ao espírito ousado e aventureiro que já
teve um dia e ampliar as suas opções estratégicas tanto na ofensiva como na
defensiva. Às vezes, você pensa demais e cogita opções demais. Agir
apenas por agir pode ser algo terapêutico, e agir de forma agressiva pode
confundir os seus adversários.
Os estilos masculino e feminino de autoavaliação e aprendizado.
Como alguns estudos têm demonstrado, quando os homens cometem erros,
eles tendem a olhar para fora e encontrar outras pessoas ou circunstâncias a
quem culpar. A noção de identidade dos homens está atrelada de maneira
profunda ao seu sucesso, e eles não gostam de olhar para o interior caso
venham a fracassar. Isso torna difícil que aprendam com os seus erros. Por
outro lado, tenderão a sentir que são completamente responsáveis por
qualquer sucesso na vida. Isso os cegará para o elemento da sorte e para o
auxílio que obtiveram de outros, o que lhes alimentará as tendências à
grandiosidade (veja mais sobre isso no Capítulo 11). De maneira análoga, se
houver algum problema, o estilo masculino é o do tentar resolvê-lo sozinho
– pedir ajuda seria uma admissão de fraqueza. Em geral, os homens
superestimam as próprias habilidades e demonstram uma autoconfiança
nelas, mas estas, com frequência, não são justificadas pelas circunstâncias.
Para as mulheres, é o oposto: quando há um fracasso, tendem a culpar a
si mesmas e olhar para dentro. Se houver sucesso, elas são mais propensas a
examinar o papel que outros tiveram ao ajudá-las. Consideram fácil pedir
assistência; não veem isso como um sinal de inadequação pessoal. Tendem
a subestimar as próprias habilidades e são menos predispostas à
autoconfiança grandiosa que costuma mover os homens.
Para aqueles com estilo masculino, quando se trata de aprender e se
aprimorar, é melhor reverter a ordem – olhar para dentro ao cometer erros, e
para fora quando obtiver sucesso. Poderá ser muito benéfico abandonar a
noção de que o seu ego é o maior responsável pelo sucesso de cada ação ou
decisão que tomar. Desenvolva essa inversão como um hábito. Não tenha
medo de pedir a ajuda ou a opinião de outros; ao contrário, torne isso um
hábito também. A fraqueza vem da inabilidade de fazer perguntas e
aprender. Reduza a sua auto-opinião. Você não é tão fantástico ou
habilidoso quanto imagina. Isso o incitará a se aprimorar de verdade.
Para aqueles com o estilo feminino, é fácil se condenar após fracassos
ou erros. A introspecção pode ir longe demais. Podemos dizer o mesmo da
atribuição do sucesso a outros. As mulheres, mais do que os homens,
sofrerão de baixa autoestima, o que não é algo natural, mas adquirido. Elas
muitas vezes interiorizam as vozes críticas dos demais. Jung as chamava de
vozes do animus: todos os homens que julgaram as mulheres por sua
aparência e inteligência ao longo de sua vida. Você deve flagrar essas vozes
quando elas se fizerem ouvir, e se livrar delas. Como os fracassos e as
críticas podem afetá-lo de maneira profunda demais, você talvez passe a ter
medo de tentar de novo, o que vai reduzir as suas possibilidades de
aprendizado. Adote mais da autoconfiança masculina, sem a estupidez que a
acompanha. Nos seus encontros cotidianos, tente abandonar ou minimizar
as suas respostas emocionais aos acontecimentos, e os observe a partir de
uma distância maior. Você estará se treinando para não levar as coisas para
o lado pessoal.
Os estilos masculino e feminino de liderança e de se relacionar com
as pessoas. Assim como com os chimpanzés machos, numa situação de
grupo, o estilo masculino é exigir um líder, e ou aspirar a esse papel ou
obter o poder ao se tornar o seguidor mais leal. Os líderes designarão vários
subalternos para lhes cumprir as ordens. Os homens formam hierarquias e
punem os que saem de linha. São bem conscientes do posicionamento
social, hiperalertas quanto ao seu lugar no grupo. Os líderes tenderão a
empregar algum elemento de medo para manter o grupo coeso. O estilo
masculino de liderança é identificar metas claras e alcançá-las. Coloca a
ênfase nos resultados, não importando como estes sejam alcançados.
O estilo feminino é mais voltado à manutenção do espírito de grupo e a
garantir a tranquilidade dos relacionamentos, com menos diferenças entre
os indivíduos. É mais empático, considerando os sentimentos de cada
membro e tentando envolvê-los mais no processo decisório. Os resultados
são importantes, mas também a maneira como estes são atingidos, o
processo.
Para aqueles do estilo masculino, é importante ampliar o conceito de
liderança. Ao pensar de forma mais profunda sobre os indivíduos na equipe
e tecer estratégias que os envolvam mais, você terá resultados superiores,
mobilizando a energia e criatividade do grupo. Estudos demonstram que os
meninos são mais empáticos que as meninas, altamente sintonizados, por
exemplo, às emoções da mãe. Entretanto, a empatia é, aos poucos,
arrancada dos homens à medida que eles passam a desenvolver o estilo
assertivo. Alguns dos maiores líderes masculinos da história, porém,
conseguiram reter e desenvolver a empatia. Sir Ernest Henry Shackleton
(veja o Capítulo 2) não era menos homem por sua consideração constante
em relação às emoções de cada um dos homens pelos quais era responsável
– era simplesmente um líder mais forte e eficaz. O mesmo pode ser dito de
Abraham Lincoln.
Aqueles do estilo feminino não devem ter medo de assumir um papel de
liderança forte, em especial em momentos de crise. Considerar os
sentimentos de todos e incorporar as ideias de muitos o enfraquecerá e
desvitalizará os seus planos. Embora não haja dúvida de que as mulheres
sejam melhores ouvintes, às vezes é melhor saber quando parar de escutar e
ir adiante com o plano que você escolheu. Uma vez que tenha identificado
os tolos, os incompetentes e os hiperegoístas do grupo, é melhor despedi-los
e até mesmo sentir prazer ao se livrar dos que prejudicavam a equipe
inteira. Incutir um toque de medo nos seus subalternos não é sempre algo
ruim.
Por fim, pense nisso da seguinte forma: somos compelidos por natureza
a querer nos aproximar do que é feminino ou masculino, na forma de uma
atração por outra pessoa. Entretanto, se formos sábios, compreenderemos
que somos igualmente compelidos a nos aproximar do sexo oposto
interiormente. Por séculos, os homens veem as mulheres como musas,
fontes de inspiração. A verdade é que a musa, para ambos os gêneros, está
no interior. Aproximar-se da sua anima ou animus o deixará mais próximo
do seu inconsciente, que contém tesouros criativos inexplorados. O fascínio
sentido em relação ao feminino ou ao masculino nos outros você sentirá,
agora, em relação ao seu trabalho, ao seu processo de pensamento e à vida
em geral. Assim como com os xamãs, essa esposa ou marido interior se
tornará a fonte de poderes incríveis.
O que é mais belo nos homens viris é algo feminino; o que é mais belo nas mulheres
femininas é algo masculino.
— Susan Sontag
13
Avance com um senso de propósito
A Lei da Falta de Perspectiva
Diferentemente dos animais, cujos instintos os guiam para longe dos
perigos, os seres humanos têm que confiar nas suas decisões conscientes.
Fazemos o melhor que podemos no que diz respeito à nossa trajetória
profissional e aos obstáculos inevitáveis que enfrentamos na vida. No
entanto, num canto da nossa mente, percebemos uma falta generalizada de
direcionamento, como se fôssemos levados para um lado e para o outro
pelos nossos ânimos e pelas opiniões dos outros. Como fomos parar neste
emprego, neste lugar? Esse movimento à deriva pode levar a becos sem
saída. O jeito de evitar essa sorte é desenvolver um senso de propósito,
descobrindo a nossa vocação na vida, e utilizando esse conhecimento para
guiar as nossas decisões. Passamos a nos conhecer melhor – os nossos
gostos e inclinações. Confiamos em nós mesmos, sabendo quais batalhas e
desvios evitar. Até os nossos momentos de dúvida, até os nossos fracassos
têm um propósito: o de nos fortalecer. Com essa energia e direcionamento,
as nossas ações têm uma força irrefreável.
A VOZ
Crescendo numa vizinhança repleta de famílias afro-americanas de
classe média em Atlanta, na Geórgia, Martin Luther King Jr. (1929-1968)
teve uma infância agradável e despreocupada. O pai, Martin Sênior, era
pastor da grande e próspera Igreja Batista Ebenézer na cidade, de forma que
os King eram relativamente ricos. Os pais eram carinhosos e devotados aos
filhos. A vida doméstica era estável e confortável, e incluía a Vó King, que
mimava o jovem Martin Jr. Ele tinha um amplo círculo de amizades. Os
poucos encontros que teve com o racismo, fora da vizinhança, macularam
essa infância idílica, mas o deixaram relativamente incólume. Martin Jr.,
porém, era extremamente sensível aos sentimentos daqueles em redor. Ao
crescer, percebeu algo no pai que começou a incitar um pouco de tensão e
desconforto internos.
O pai era um disciplinador severo que estabeleceu limites de
comportamento para as três crianças da família. Quando Martin Jr. se
portava mal em qualquer aspecto, ele o açoitava, dizendo ao menino que
essa era a única maneira de transformá-lo num homem de verdade. Os
açoites continuaram até que o garoto completasse 15 anos. Certa vez, ele o
flagrou num evento social da igreja dançando com uma garota, e a bronca
que deu no filho na frente dos amigos deste foi tão veemente que Martin Jr.
se esforçou para nunca mais causar o desprazer do pai, para que aquela
experiência não se repetisse. No entanto, nada dessa disciplina era
transmitida com a menor indicação de hostilidade. A afeição de Martin
Sênior pelo filho era real e palpável demais para o rapaz sentir algo além de
culpa por desapontá-lo.
E esse sentimento de culpa era ainda mais angustiante para Martin Jr.
por causa das grandes expectativas que o pai tinha a respeito do filho.
Quando menino, Martin Jr. demonstrava um talento atípico com as palavras;
era capaz de convencer os amigos a fazer quase qualquer coisa, e a sua
eloquência era bem precoce. Era inteligente, sem dúvida. Um plano se
formou na mente de Martin Sênior, em que o filho mais velho seguiria seus
passos, frequentando Morehouse College, uma universidade privada em
Atlanta, sendo ordenado como pastor, servindo como copastor em Ebenézer
e, por fim, herdando dele a posição, assim como ele mesmo havia herdado a
sua do sogro.
Às vezes compartilhava esse plano com o filho, mas mais do que tudo o
menino sentia o peso das expectativas do pai pelo jeito orgulhoso com que o
fitava e tratava. E isso o deixava nervoso. Admirava-o profundamente – um
homem de altos princípios –, contudo não conseguia deixar de evitar a
sensação de que aumentavam as diferenças de gostos e temperamento entre
os dois. O filho era mais despreocupado, gostava de ir a festas, se vestir
bem, namorar garotas e dançar. Ao crescer, desenvolveu um lado bastante
sério e introspectivo, e se voltou aos livros e ao aprendizado. Era quase
como se houvesse duas pessoas dentro dele – uma social, a outra solitária e
reflexiva. O pai, por sua vez, não era nem um pouco complicado.
Em se tratando de religião, Martin Jr. tinha as suas dúvidas. A fé do pai
era forte, mas simples. Era um fundamentalista que acreditava numa
interpretação literal da Bíblia. Os seus sermões miravam nas emoções dos
paroquianos, e estes respondiam à altura. Martin Jr., por outro lado, tinha
um temperamento calmo, era racional e prático. O pai parecia mais
preocupado em ajudar os outros quanto à vida após a morte, enquanto o
filho estava mais interessado na vida terrena e em como esta poderia ser
aprimorada e apreciada.
A ideia de se tornar pastor intensificou esses conflitos internos. Às
vezes, ele conseguia se imaginar seguindo a carreira do pai. Como alguém
com uma sensibilidade profunda a qualquer forma de sofrimento ou
injustiça, servir como pastor seria o modo perfeito de canalizar o desejo de
ajudar as pessoas. No entanto, será que ele conseguiria fazê-lo, com uma fé
tão tênue? Detestava qualquer tipo de confronto com o pai, com quem era
impossível argumentar, desenvolvendo a estratégia de sempre dizer sim a
qualquer coisa que ele dissesse. A sua maneira de lidar com a tensão dentro
de si era adiar qualquer decisão que pudesse causar uma ruptura. Desse
modo, ao se formar no ensino médio, aos 15 anos, decidiu estudar em
Morehouse College, para o deleite de Martin Sênior. Contudo, tinha um
plano em mente – estudaria tudo que o interessava e decidiria sozinho o
caminho a seguir.
Nos primeiros meses, ele pensou na carreira de Medicina, depois em
Sociologia e, então, Direito. Continuava a mudar de ideia a respeito da sua
especialização, entusiasmado com todos os assuntos agora disponíveis a ele.
Teve aulas de estudos bíblicos, e se surpreendeu de forma positiva com a
profunda sabedoria terrena do livro. Havia professores em Morehouse que
abordavam o cristianismo por um ângulo bem intelectual, e Martin Jr.
considerou isso bem interessante. Ao chegar ao seu último ano, havia
mudado de ideia de novo: seria de fato ordenado como pastor, e ingressaria
no Seminário Teológico Crozer, no estado da Pensilvânia, para obter o
bacharelado em Teologia. Agora o pai estava bem empolgado. Entendia que
era melhor deixar Martin Jr. explorar a religião por conta própria, desde que
ele terminasse em Ebenézer.
Em Crozer, Martin Jr. descobriu todo um outro lado do cristianismo,
com ênfase no compromisso social e no ativismo político. Leu todos os
principais filósofos, devorou as obras de Karl Marx, e se tornou fascinado
pela história de Mahatma Gandhi. Contente com a vida acadêmica, decidiu
continuar os estudos na Universidade de Boston, onde ganhou a reputação
entre os professores de ser um aluno brilhante. No entanto, em 1954,
quando fazia o doutorado em Teologia Sistemática, pela Universidade de
Boston, não teve mais como adiar o inevitável. O pai lhe havia preparado
uma oferta irrecusável – uma posição como copastor em Ebenézer e um
emprego de meio período como professor em Morehouse College, onde
poderia continuar os estudos acadêmicos que adorava.
Martin se casara havia pouco, e a esposa, Coretta, queria que eles
permanecessem no norte, onde a vida seria mais fácil do que no sul
conturbado. Ele seria capaz de conseguir um cargo como professor em
quase qualquer universidade que quisesse. Ambas as opções eram
tentadoras: Ebenézer ou ensinar numa universidade no norte. Com certeza,
as duas lhe proporcionariam uma vida confortável.
Nos últimos meses, porém, ele havia tido um visão diferente do futuro.
Não conseguia explicar racionalmente de onde vinha aquilo, mas lhe estava
claro: ele retornaria ao sul, onde sentia uma conexão primordial às suas
raízes, e se tornaria o pastor de uma grande congregação numa cidade de
bom tamanho, um lugar em que tivesse a oportunidade de ajudar as pessoas,
servir à comunidade e fazer uma diferença na prática. No entanto, isso não
seria em Atlanta, como o pai planejara. Martin Jr. não estava destinado a ser
professor ou um mero pregador aos moldes do pai. Teria que resistir ao
caminho fácil. E essa visão se tornara forte demais para que continuasse a
negá-la – desagradaria ao pai, dando-lhe a notícia da maneira mais gentil
possível.
Vários meses após se formar, ele ouvir falar de uma vaga na Igreja
Batista da Avenida Dexter em Montgomery, no Alabama. Visitou o local e
deu um sermão lá, impressionando os líderes da igreja. Sentiu que a
congregação em Dexter era mais solene e contemplativa que em Ebenézer,
o que se adequava ao seu temperamento. Coretta tentou dissuadir o marido
dessa escolha, pois havia crescido perto de Montgomery, e sabia como a
segregação era feroz na cidade, e que muitas tensões desagradáveis se
agitavam sob a superfície. Martin encontraria lá um racismo virulento que
jamais enfrentara na sua vida relativamente protegida. Para Martin Sênior,
Dexter e Montgomery significavam encrencas, então ele apoiou a opinião
de Coretta. Entretanto, quando Dexter ofereceu o cargo a Martin Jr., este
não sentiu a ambivalência habitual e a necessidade de analisar a questão.
Por algum motivo, tinha certeza da escolha; parecia correta e fortuita.
Tendo se estabelecido em Dexter, Martin Jr. lutou bastante para impor a
sua autoridade (sabia que seria visto como jovem demais para aquela
posição). Devotou uma grande quantidade de tempo e esforço aos seus
sermões. Pregar se tornou a sua paixão, e logo ganhou a reputação de ser o
pregador mais formidável da região. No entanto, diferentemente de outros
pastores, os seus sermões eram repletos de ideias e inspirados por todos os
livros que havia lido, e conseguiu tornar essas ideias relevantes à vida
cotidiana da congregação. O tema principal que ele começou a desenvolver
era o poder do amor para transformar as pessoas, um poder que era muito
pouco utilizado no mundo e que os negros teriam de adotar em relação aos
opressores brancos a fim de mudar a situação.
Ele se tornou ativo na assembleia local da Associação Nacional para o
Progresso de Pessoas de Cor (National Association for the Advancement of
Colored People, ou NAACP), mas, quando lhe ofereceram o título de
presidente da assembleia, ele recusou. Coretta havia acabado de dar à luz a
primeira filha deles, e as responsabilidades como pai e pastor já eram
grandes o suficiente. Permaneceria bastante ativo na política local, mas o
seu dever era para com a igreja e a família. Deleitava-se com a vida simples
e satisfatória que levava. A congregação o adorava.
No início de dezembro de 1955, “Dr. King” (como era conhecido)
observou com grande interesse um movimento de protesto que começou a
se formar em Montgomery. Uma senhora negra chamada Rosa Parks havia
se recusado a ceder o lugar dela no ônibus a um homem branco, como era
imposto pela lei local para ônibus segregados. Parks, ativista na assembleia
da NAACP, passara anos se queixando desse tratamento aos negros e do
comportamento abusivo dos motoristas daqueles veículos. Estava farta. Por
ter desafiado a lei, ela foi presa. Isso serviu como catalisador para os
ativistas em Montgomery, que decidiram boicotar por um dia os ônibus da
cidade como demonstração de solidariedade. Logo o boicote se estendeu
para uma semana, e a seguir para várias semanas, à medida que os
organizadores conseguiam criar um sistema substituto de transporte. Um
dos organizadores do boicote, E. D. Nixon, pediu a King que ele tomasse
um papel de liderança no movimento, mas este se mostrou relutante. Tinha
pouco tempo disponível, por causa do trabalho com a congregação. Faria o
que pudesse para demonstrar o seu apoio.
Com o boicote se ampliando, tornou-se evidente aos líderes do
movimento que a assembleia local da NAACP não era grande o bastante
para lidar com ele. Decidiram formar uma nova organização, chamada
Associação para o Aprimoramento de Montgomery (Montgomery
Improvement Association, ou MIA). Por causa da sua juventude, eloquência
e o que pareciam ser dons naturais de liderança, King foi nomeado
presidente pelos fundadores da MIA, numa reunião local. Era uma oferta
que eles suspeitavam que King talvez recusasse – sabiam das suas
hesitações no passado. Ele, porém, sentiu a energia no aposento e a fé nele.
Sem
a
sua
premeditação
cuidadosa
que
lhe
era
característica,
repentinamente decidiu aceitar.
À medida que o boicote continuava, os administradores brancos que
controlavam a cidade se tornaram cada vez mais categóricos quanto à
recusa de dar fim às práticas de segregacionismo nos ônibus da cidade. A
tensão aumentava – muitos tiros e agressões miravam os negros envolvidos
no boicote. Nos discursos que fazia para grandes multidões nas reuniões da
MIA, King desenvolveu o tema da resistência não violenta, invocando o
nome de Gandhi. Eles derrotariam o outro lado por meio de protestos
pacíficos e boicotes justificados; levariam a campanha mais longe, visando
à integração completa dos locais públicos de Montgomery. Agora, as
autoridades viam King como um homem perigoso, um intrometido de fora
do Estado. Deram início a uma campanha de boatos, inventando e
espalhando todo tipo de histórias sobre as indiscrições juvenis de King,
insinuando que ele era comunista.
Quase toda noite recebia telefonemas com ameaças à vida dele e da
família, as quais, em Montgomery, não deveriam ser ignoradas. Sendo um
homem normalmente reservado, ele não apreciava toda a atenção da
imprensa, que agora se tornara nacional. Havia muitas brigas internas na
liderança da MIA, e os brancos no poder eram altamente ardilosos e
diabólicos. Aquilo era muito mais do que ele tinha previsto quando decidiu
se tornar líder da MIA.
Várias semanas depois de assumir a liderança, King foi preso enquanto
dirigia, supostamente por excesso de velocidade, e colocado numa cela
lotada com os criminosos mais embrutecidos. Depois que a fiança foi paga,
um julgamento foi marcado para dois dias mais tarde. E quem poderia saber
que acusações seriam inventadas? Na noite anterior ao julgamento, recebeu
outro telefonema: “Preto, estamos cansados de você e da sua balbúrdia. E se
você não deixar a cidade em três dias, a gente vai explodir o seu crânio e a
sua casa”. Algo no tom de voz da pessoa lhe deu calafrios – aquilo soava
como mais do que apenas uma ameaça.
Ele tentou dormir naquela noite, mas não conseguiu, pois a voz do
homem ao telefone ecoava-lhe na mente. Foi para a cozinha preparar um
pouco de café e se acalmar. Estava tremendo, perdendo a coragem e a
autoconfiança. Será que não havia um meio gracioso de se retirar da
liderança e retornar à vida confortável de um mero pastor? Ao se examinar
e contemplar o próprio passado, percebeu que, até aquelas últimas semanas,
jamais enfrentara verdadeiras adversidades. A vida sempre fora
relativamente fácil e feliz para ele. Os pais lhe haviam dado tudo. Ele não
sabia o que era viver numa ansiedade tão intensa.
Ao mergulhar mais fundo nessas considerações, percebeu que
simplesmente herdara a religião do pai. Nunca se comunicara de maneira
pessoal com Deus ou sentira a presença dele dentro de si. Pensou na filha
recém-nascida e na esposa que amava. Não aguentaria muito mais disso.
Não poderia telefonar para o pai em busca de conselhos ou consolo – já
passava muito da meia-noite. Sentiu uma onda de pânico.
De repente, algo lhe ocorreu – só existia um jeito de sair daquela crise.
Ele curvou a cabeça sobre a xícara de café e orou com uma sensação de
urgência que nunca sentira antes: “Senhor, devo confessar que estou fraco
agora. Estou hesitando. Estou perdendo a coragem. E não posso permitir
que as pessoas me vejam assim, pois, se me virem enfraquecido e perdendo
a coragem, elas começarão a enfraquecer”. Naquele momento, com toda a
clareza, ouviu uma voz partindo de dentro: “Martin Luther, defenda a
retidão. Defenda a justiça. Defenda a verdade. E eis que estarei com você,
até mesmo no fim do mundo”. A voz – do Senhor, tinha certeza – prometeu
que nunca o abandonaria, que retornaria a ele quando precisasse. Quase que
de imediato, King sentiu uma sensação de alívio tremendo, o fardo das
dúvidas e ansiedade lhe sendo erguido dos ombros. Não conseguiu conter o
choro.
Várias noites mais tarde, enquanto King participava de uma reunião da
MIA, uma bomba explodiu na casa dele. Por pura sorte, a esposa e a filha
saíram ilesas. Ao ser informado do que aconteceu, se manteve calmo.
Sentiu que nada o abalaria agora. Em discurso para uma multidão furiosa de
apoiadores negros que se congregaram fora da casa dele, King disse: “Nós
não estamos defendendo a violência. Queremos amar os nossos inimigos.
Quero que vocês amem os nossos inimigos. Sejam bons a eles. Amem todos
eles e digam-lhes que vocês os amam”. Depois do atentado, o pai lhe
implorou que retornasse com a família para Atlanta, mas, com o apoio de
Coretta, Martin Jr. se recusou a partir.
Nos meses seguintes, haveria muitos desafios com a luta para manter o
boicote e continuar a pressionar o governo local. Ao fim de 1956, a
Suprema Corte finalmente confirmou a decisão de um tribunal inferior que
dava fim à segregação nos ônibus de Montgomery. Na manhã de 18 de
dezembro, King foi o primeiro passageiro a entrar no ônibus e se sentar
onde ele quisesse. Foi uma grande vitória.
Seguiu-se a atenção e fama nacionais, e, com elas, novos problemas e
dores de cabeça sem fim. As ameaças de morte continuavam. Os líderes
negros mais velhos da MIA e da NAACP passaram a se ressentir da atenção
que ele recebia agora. As brigas internas e os conflitos de egos se tornaram
quase intoleráveis. King decidiu começar uma nova organização, chamada
Conferência da Liderança Cristã do Sul (Southern Christian Leadership
Conference, ou SCLC), com o propósito de expandir o movimento para
além de Montgomery. Para King, porém, as lutas internas e a inveja apenas
o seguiram.
Em 1959, ele voltou à sua cidade natal para servir como copastor em
Ebenézer e liderar diversas campanhas da SCLC a partir da sede em
Atlanta. Para algumas pessoas do movimento, ele era carismático e
dominador demais, e as suas campanhas eram excessivamente ambiciosas;
para outros, era fraco, disposto a ceder em acordos com as autoridades
brancas. As críticas de ambos os lados eram implacáveis. Entretanto, o que
aumentava mais o fardo de King eram as táticas traiçoeiras e exasperantes
dos brancos no poder, os quais não tinham nenhuma intenção de aceitar
qualquer mudança substancial nas leis de segregação ou nas práticas que
desencorajavam os negros a se registrarem para votar. Eles negociaram com
King e aceitaram as concessões, mas, assim que os boicotes e ocupações
pararam, encontraram todo tipo de brechas nos acordos e voltaram atrás.
Numa campanha que King liderou em Albany, na Geórgia, para dar fim
à segregação na cidade, o prefeito e o chefe de polícia fizeram um
espetáculo de calma exagerada, dando a entender que King e a SCLC eram
um grupo irracional, vindo de fora apenas para incitar problemas.
A campanha em Albany foi, em grande parte, um fracasso, o que deixou
King deprimido e exausto. Tornou-se um padrão que, nesses momentos,
sentisse saudade dos dias mais simples e tranquilos do passado – a infância
feliz, os anos agradáveis na universidade, o primeiro ano e meio em Dexter.
Talvez devesse se afastar da liderança e devotar o seu tempo a pregar,
escrever e ensinar. Esses pensamentos lhe ocorriam com frequência cada
vez maior.
Então, ao fim de 1962, outra pessoa solicitou seu serviço: Fred
Shuttlesworth, um dos principais ativistas negros em Birmingham, no
Alabama, implorou a King e à SCLC que o ajudassem nos seus esforços
contra a segregação em lojas no centro da cidade. Aquela era uma das
cidades do país onde a segregação era mais feroz. Em vez de obedecer às
leis federais que exigiam que locais públicos, como piscinas, não poderiam
ser segregados, esses lugares foram simplesmente fechados. Qualquer
forma de protesto contra as práticas segregacionistas era rebatida com
violência poderosa e terrorismo. Birmingham passou a ser conhecida como
“Bombingham”, por causa das bombas que explodiam com frequência. E
supervisionando esse bastião do sul segregado estava o chefe de polícia,
Bull Connor, que dava a impressão de se deliciar com a oportunidade de
empregar a força – açoites, cães, mangueiras de alta pressão, cassetetes.
Essa seria, com certeza, a campanha mais perigosa até então. Tudo
dentro de King lhe sugeria que recusasse. As velhas dúvidas e temores lhe
retornaram. E se houvesse mortes, e a violência atingisse King e a família
dele? E se fracassasse? Enfrentou mais noites de insônia enquanto
agonizava ante essa decisão.
Então, a voz de sete anos atrás lhe retornou, tão alta e clara quanto
antes: a tarefa dele era defender a justiça; não pensar em si, mas na missão.
Que tolice era ter medo de novo. Sim, era a missão dele ir a Birmingham.
No entanto, ao contemplar a questão, não conseguia deixar de analisar com
mais profundidade o que a voz lhe disse. Defender a justiça significava
produzi-la de alguma maneira real e prática, não apenas falar e aceitar
acordos inúteis. O medo de desapontar as pessoas e fracassar o havia
tornado cauteloso demais. Ele teria que ser mais estratégico e corajoso
dessa vez, elevar os riscos e vencer. Nada mais de temores ou dúvidas.
Aceitou a oferta de Shuttlesworth e, ao planejar a campanha com a sua
equipe, deixou claro que precisavam aprender com os erros do passado.
King lhes expôs a natureza da situação que enfrentavam. O governo de
Kennedy se revelara incrivelmente cauteloso em relação aos direitos civis.
O presidente temia alienar os democratas sulistas no Congresso, dos quais
ele dependia. Fazia grandes promessas, mas, na hora de cumpri-las,
enrolava.
O que tinham de fazer em Birmingham era provocar uma crise nacional,
que fosse sangrenta e horripilante. O racismo e a segregação no sul eram,
em larga medida, invisíveis para os brancos moderados. Birmingham
parecia apenas como qualquer outra cidade pacata do sul. O objetivo
precisava ser expor tanto o racismo aos brancos que assistiam à televisão a
ponto de lhes afetar a consciência e, com uma noção crescente de
indignação, fazê-los pressionar o governo de Kennedy até que ele não
conseguisse mais resistir. Acima de tudo, King contava com a cooperação
de Bull Connor para realizar os seus planos – a reação exagerada do chefe
de polícia à intensidade da campanha seria crucial para todo o drama que
tinham esperanças de encenar.
Em abril de 1963, King e a sua equipe colocaram o plano em execução.
Atacaram em diversas frentes com ocupações e manifestações. Embora se
sentisse relutante por causa do medo da cadeia, ele se fez ser preso. Isso
conquistaria mais publicidade e incitaria a população local a lhe seguir o
exemplo. No entanto, a campanha tinha uma vulnerabilidade fatal que se
tornou aparente apenas quando ela já estava em andamento: o apoio dos
negros ao movimento era tépido. Muitos negros em Birmingham se
ressentiam contra o estilo autocrático de Shuttlesworth; outros, com bons
motivos, temiam a violência que Connor desencadearia. King dependia de
grandes multidões vociferantes, mas o que conseguiu estava longe disso. A
imprensa nacional, sem pressentir uma boa história, começou a ir embora.
Então, um dos líderes da equipe, James Bevel, teve uma ideia: tentariam
obter a participação dos alunos das escolas locais. King tinha seus temores e
argumentava que não deveriam envolver ninguém com menos de 14 anos,
mas Bevel o lembrou dos altos riscos e da necessidade de números, e ele
cedeu. Muitos membros da organização e simpatizantes se surpreenderam
ao ver que King era capaz de ser tão pragmático e estratégico ao utilizar os
jovens, mas a campanha tinha um propósito mais elevado, e não era hora de
ser tão delicado.
Os estudantes responderam com enorme entusiasmo. Era exatamente do
que o movimento precisava. Eles encheram as ruas de Birmingham, com
mais audácia e exaltação do que os pais. Logo estavam enchendo as
cadeias. A imprensa voltou em massa, e lá vieram as mangueiras de alta
pressão, os cães e os cassetetes, atingindo adolescentes e crianças. Em
pouco tempo, as telas de televisão dos Estados Unidos transmitiam as cenas
tensas, dramáticas e sangrentas que se seguiram. Multidões imensas agora
compareciam aos discursos de King, promovendo o apoio pela causa. As
autoridades federais foram forçadas a intervir a fim de diminuir a tensão.
King aprendera a lição do passado – precisava manter a pressão até o
fim. Os representantes da estrutura do poder branco abriram, com
relutância, negociações com ele. Ao mesmo tempo, King permitiu aos
manifestantes que continuassem as passeatas pelo centro da cidade, partindo
de todas as direções e levando a força policial de Connor a se estender até
não poder mais. Os comerciantes locais, atemorizados, estavam fartos e
pediam aos negociadores brancos que se esforçassem para obter um acordo
abrangente com os líderes negros, essencialmente para acabar com a
segregação das lojas no centro da cidade e concordar com a contratação de
funcionários negros.
Foi o seu maior triunfo até então; ele havia cumprido a sua meta
ambiciosa. Não importava agora se as autoridades brancas voltassem atrás,
como era inevitável que o fizessem; Kennedy havia sido pego na armadilha,
a sua própria consciência estava incomodada pelo que viu em Birmingham.
Logo depois do acordo, o presidente se dirigiu à nação pela televisão,
explicando a necessidade do progresso imediato em relação aos direitos
civis e propondo algumas novas leis ambiciosas. Isso levou à Lei dos
Direitos Civis de 1964, que abriu o caminho para a Lei dos Direitos de Voto
de 1965. King se tornou o líder inquestionável do movimento dos direitos
civis e, pouco depois, o vencedor de um Prêmio Nobel da Paz. O dinheiro
agora jorrava para dentro da SCLC, e o movimento dava a impressão de ter
ganhado um ímpeto inescapável. Contudo, assim como antes, os problemas
e fardos de King pareciam só aumentar a cada nova vitória.
Nos anos que se seguiram aos eventos em Birmingham, ele sentiu que
uma reação poderosa se formava, entre os conservadores e republicanos,
contra as conquistas do movimento. Lutariam para deter outros progressos.
King descobriu que o FBI instalara dispositivos de escuta nos seus quartos
de hotel e o espionava havia anos; estavam agora vazando histórias e boatos
para diversos jornais. Ele viu os Estados Unidos decaírem em ciclos de
violência, começando com o assassinato de Kennedy.
Presenciou uma nova geração de ativistas negros emergir sob a bandeira
do Black Power (“Poder Negro”), e estes criticavam a adesão de King à não
violência como fraca e antiquada. Quando King transferiu a campanha para
Chicago, a fim de tentar deter as práticas discriminatórias de moradia por lá,
firmou um acordo com as autoridades locais, mas ativistas negros por todo
o país o criticaram com severidade – ele havia se contentado com muito
pouco. Logo após, o público de uma Igreja Batista em Chicago o vaiou bem
alto, encobrindo a sua fala com o cântico “Black Power”.
Ele passou a se sentir deprimido e melancólico. No início de 1965, viu
imagens da Guerra do Vietnã, numa revista, que o deixaram nauseado.
Havia algo de profundamente errado com o país. Naquele verão, viajou pela
vizinhança de Watts em Los Angeles, na Califórnia, após os protestos
violentos que marcaram a região. A visão de tanta pobreza e devastação o
deixou estupefato. Ali, no coração de uma das cidades mais afluentes dos
Estados Unidos, o centro da indústria da fantasia, estava uma enorme
vizinhança em que um número altíssimo de pessoas vivia na pobreza e sem
esperança para o futuro. E estas eram, em larga medida, invisíveis. Os
Estados Unidos possuíam um câncer em seu sistema – desigualdades
extremas em relação à riqueza e a disposição de gastar somas vastas de
dinheiro numa guerra absurda, enquanto os negros nos centros urbanos
eram deixados para apodrecer e protestar.
A depressão agora se mesclava a uma raiva crescente. Em conversas
com amigos, as pessoas lhe notavam uma nova faceta. Num retiro com a
equipe, ele disse: “Há tantas pessoas que veem o poder e o amor como
opostos extremos […]. [No entanto,] os dois se completam. O poder sem
amor é imprudente, e o amor sem poder é sentimental”. Em outro retiro,
falou de táticas novas. Ele nunca abandonaria a não violência como método,
mas a campanha de desobediência civil teria que ser alterada e
intensificada. “A não violência deve amadurecer para um nível superior
[…], a desobediência civil em massa. É preciso que haja mais do que uma
declaração para a sociedade em geral, é necessário que exista uma força que
interrompa o seu funcionamento em algum ponto fundamental.” O
movimento não visava à integração dos negros nos valores da sociedade
norte-americana, mas à alteração real desses valores em suas raízes.
Ele acrescentaria ao movimento dos direitos civis a necessidade de lidar
com a pobreza nos centros urbanos e protestar contra a Guerra do Vietnã.
Em 4 de abril de 1967, anunciou a ampliação da luta num discurso que
recebeu muita atenção, quase toda negativa. Até os seus apoiadores mais
ardentes o criticaram. Incluir a Guerra do Vietnã só alienaria o público da
causa dos direitos civis, eles argumentaram. Irritaria o governo de Lyndon
Johnson, de cujo apoio dependiam. Não era parte da missão dele falar de
maneira tão ampla.
Ele jamais se sentira tão sozinho, tão atacado por tantos críticos. Ao fim
de 1968, a depressão se tornou mais profunda do que nunca. Sentia que o
fim estava próximo – um dos seus muitos inimigos o mataria por tudo que
fizera e dissera. Estava exausto pela tensão e se sentia espiritualmente
perdido. Em março daquele ano, um pastor de Memphis, no Tennessee,
convidou King à sua cidade, na esperança de que este ajudasse a apoiar uma
greve dos lixeiros negros, que haviam sido tratados de maneira horrível.
Houve passeatas, boicotes e protestos, e a polícia reagira com brutalidade.
A situação era explosiva. King adiou a resposta; sentia-se esgotado.
Entretanto, como tantas vezes ocorria nessas circunstâncias, compreendeu
que era dever dele fazer o que pudesse, por isso concordou. Em 18 de
março, discursou a uma multidão enorme em Memphis, e a reação
entusiasmada o animou. Ouviu mais uma vez aquela voz apoiando-o e
encorajando-o a prosseguir. Essa cidade devia ser uma parte fundamental da
missão dele.
Nas semanas seguintes, voltou a Memphis para oferecer apoio e auxílio
contra a resistência acirrada das autoridades locais. Na noite de quarta-feira,
4 de abril, ele discursou a outra multidão: “Temos alguns dias difíceis pela
frente. Porém, isso não importa para mim agora, porque estive no topo da
montanha […]. Como qualquer um, eu gostaria de viver uma longa vida
[…]. Mas não estou preocupado com isso agora. Só quero fazer a vontade
de Deus. Ele me permitiu subir a montanha, e eu olhei em redor, e vi a Terra
Prometida. Talvez eu não chegue lá com vocês. No entanto, quero que
vocês saibam esta noite que nós, como um povo, chegaremos à Terra
Prometida”. O discurso o deixou revigorado e de bom humor. No dia
seguinte, ele expressou um pouco de preocupação sobre uma passeata
marcada que poderia se tornar violenta, mas disse que o medo não os
deveria impedir de ir adiante. “Prefiro morrer a ter medo”, disse a um
assessor. Naquela noite, se vestiu e se preparou para um jantar num
restaurante com os assessores e, atrasando-se, apareceu por fim na sacada
do lado de fora do quarto de motel onde estava hospedado, quando um tiro
de rifle ressoou e uma única bala lhe perfurou o pescoço. Ele morreu uma
hora depois.
Interpretação: Martin Luther King Jr. era um homem complexo, cujo
caráter tinha muitas facetas. Havia o King que adorava o prazer, as roupas
elegantes, mulheres, dançar, comer e tinha um comportamento travesso.
Havia o King pragmático, que sempre queria resolver os problemas das
pessoas e considerar as questões em grande detalhe. O King sensível e
introspectivo foi um lado que o levou cada vez mais a buscas espirituais.
Essas facetas por vezes entravam em conflito dentro dele, fazendo-o
sucumbir a ânimos passageiros. Era isso que frequentemente o enchia de
agonia diante da necessidade de tomar decisões. Os seus companheiros
muitas vezes se perturbavam pela profundidade com que ele considerava as
opções e pelo quanto duvidava de si mesmo, imaginando-se indigno do
papel que havia sido chamado a desempenhar.
O relacionamento com o pai refletia essa complexidade. Por um lado,
amava-o e respeitava-o de verdade, a ponto de contemplar a ideia de se
tornar pastor e lhe copiar o estilo de liderança. Por outro, tomou consciência
desde bem pequeno dos perigos que enfrentaria caso se permitisse ser
sobrepujado pela presença dominante do pai. O irmão mais jovem, A. D.
King, que carecia dessa consciência (um fato que lhe causou muito
sofrimento na vida), se tornou pastor, mas nunca conseguiu estabelecer a
sua independência. Teve uma carreira errática, mudando-se de uma igreja
para a outra. Desenvolveu alcoolismo e, mais tarde na vida, revelou ter uma
característica evidentemente autodestrutiva que preocupava o irmão mais
velho. A. D. vivia sob a sombra do pai.
Algo no fundo de Martin Jr. o impeliu a estabelecer alguma distância e
autonomia. Isso significava não se rebelar de forma precipitada contra a
figura paterna, o que acabaria apenas revelando como havia sido definido
por ela de maneira inversa. Isso significava que ele precisava entender as
diferenças entre os dois e utilizá-las como instrumentos para criar espaço;
assimilar o melhor do pai (a disciplina, o senso elevado de princípios, a
natureza carinhosa), e seguir o próprio caminho quando algo dentro de si o
instasse a fazê-lo. Ele se ensinou a dar ouvidos a essas intuições, o que
levou à decisão de começar a carreira pública em Montgomery e aceitar a
liderança da MIA. Nesses momentos, era como se fosse capaz de prever o
seu destino e largar o hábito de analisar demais as questões.
Então, algumas semanas depois de se tornar o líder da MIA, quando
começou a sentir a tensão crescente acarretada pela posição, as muitas
facetas do seu caráter tomaram o controle de forma repentina e o levaram a
uma crise interna. Havia o King que duvidava de si mesmo, temeroso,
pragmático, que se frustrava com os obstáculos e brigas internas sem fim e
que ansiava por uma vida mais simples e mais agradável. Esse conflito
interno o paralisava. E quando tudo isso chegou ao ápice na noite em que
entrou na cozinha, de repente aquelas inclinações e intuições que o haviam
guiado antes se transformaram numa voz real, a voz de Deus, esclarecendolhe o destino e oferecendo apoio contínuo. Ele escutou essa voz de dentro
com tanta clareza que ela ecoaria e reverberaria pelo resto da vida.
A partir daí, em conversas e discursos, sempre se referia a essa “voz”
que agora o guiava e com a qual as dúvidas, os temores e os conflitos
internos debilitantes desapareceriam. Ele se sentia integrado num nível
inteiramente novo. Com certeza os ânimos e ansiedades retornariam, mas a
voz também voltaria, tornando-lhe a missão clara.
As pessoas com frequência se surpreendiam, e até se sentiam
perturbadas, com o grau de estratégia que ele demonstrou à medida que o
seu papel de liderança se expandiu para uma dimensão nacional. Durante e
após cada campanha pelos direitos civis, conduzia uma análise profunda das
ações e reações de cada lado, aprendendo lições e apurando as suas táticas.
Para alguns, isso não combinava com a sua posição como líder espiritual –
por exemplo, a opção de utilizar crianças e adolescentes em Birmingham
como um meio de encher as cadeias da cidade. Os pastores não deveriam
pensar dessa forma. Para King, porém, esse pragmatismo estava
intimamente ligado à sua missão. Inspirar os outros somente com discursos
era sentimental, e ele detestava isso. Não pensar a fundo nos resultados era
apenas buscar atenção a fim de parecer virtuoso, e gratificar o ego. Queria
gerar mudanças, alterar de forma dramática e palpável as condições dos
negros no sul dos Estados Unidos.
Dessa maneira, passou a entender que o jogo se tratava de obter a
vantagem sobre os brancos no poder, que resistiam à mudança em todas as
etapas. Ele precisava empregar ocupações e boicotes para maximizar o
sofrimento que sentiam, até durante o processo de negociação. Tinha de
maximizar a atenção da imprensa e levar às salas de estar da população
branca do país a realidade horrível da vida dos negros no sul, atingindo
assim a sua consciência. Ele tinha que manter o movimento unido em face
do desejo crescente de violência entre os negros mais jovens. E quando a
voz o lembrou do seu propósito derradeiro, de defender e criar a justiça de
verdade, ele naturalmente se sentiu compelido a ampliar a luta em uma
campanha de desobediência civil em massa.
De certa forma, King serviria como a voz da população negra norteamericana, assumindo um papel similar ao da voz que o guiava. E se
esforçaria para unificar a causa e manter o movimento concentrado em
resultados práticos em vez de brigas internas debilitantes.
Os acessos de depressão, que se tornaram mais frequentes nos últimos
anos da vida dele, resultavam da sua imensa sensibilidade não somente às
pessoas ao redor (à inveja e às críticas constantes que enfrentava), mas ao
zeitgeist. Ele sentiu antes dos outros o ânimo nos Estados Unidos, a
realidade sinistra do conflito no Vietnã, o desespero nos centros urbanos, a
inquietude dos jovens e a ânsia de escapar da realidade por meio das drogas,
a covardia da liderança política. Associava isso à sua própria sensação de
tragédia iminente – sabia que seria assassinado. Esses ânimos o oprimiam.
No entanto, a voz que ouviu tantos anos antes em Montgomery lhe permitiu
silenciar os temores e se erguer acima da depressão. Sempre que se sentia
conectado à sua missão e ao seu propósito na vida, experimentava um ar de
profunda realização. Estava fazendo o que fora chamado a fazer, e não
trocaria a sua sina pela de ninguém. Nos seus últimos dias, a conexão se
tornou mais intensa: levaria a mudança ao povo de Memphis, mas o destino
poria um fim nisso.
Entenda: sob muitos aspectos, o dilema que King enfrentou é o que
todos nós encaramos na vida, por causa de um elemento profundo da
natureza humana. Somos todos complexos. Gostamos de apresentar uma
fachada consistente e madura ao mundo, mas sabemos que, por dentro,
somos sujeitos a muitos ânimos diferentes, e vestimos muitas máscaras
diferentes, dependendo das circunstâncias. Podemos ser práticos, sociais,
introspectivos ou irracionais, dependendo do ânimo do momento. E esse
caos interior na verdade nos provoca sofrimento. Carecemos de um senso
de coesão e direcionamento na vida. Poderíamos escolher inúmeros
caminhos, dependendo das nossas emoções voláteis, que nos arrastam para
um lado e para o outro. Por que vir aqui em vez de ir para lá?
Perambulamos pela vida, nunca atingindo bem as metas que sentimos ser
tão importantes para nós, ou compreendendo o nosso potencial. Os
momentos em que temos clareza e propósito são fugazes. Para aliviar a dor
da nossa falta de propósito, talvez venhamos a nos envolver com diversos
vícios, buscar novas formas de prazer, ou nos entregar a alguma causa que
nos interesse por alguns meses ou semanas.
A única resposta para o dilema é a solução de King – encontrar um
sentido mais elevado de propósito, uma missão que nos forneça o nosso
próprio direcionamento, não o de pais, amigos ou colegas. Essa está
conectada de forma íntima à nossa individualidade, ao que nos torna únicos.
Como King expressou: “Temos a responsabilidade de tentar descobrir para
o que servimos, a nossa obra de vida, o que fomos chamados a realizar. E
depois de descobrirmos isso, devemos tentar fazê-lo com toda a força e
poder de que somos capazes”. Essa “obra de vida” é o que nos estava
destinado, como determinado pelas nossas habilidades, características e
inclinações específicas. É a nossa vocação na vida. Para King, era um
impulso para encontrar o seu próprio caminho, fundir o prático com o
espiritual. Achar esse senso mais elevado de propósito nos dá integração e o
direcionamento que todos desejamos.
Considere essa “obra de vida” algo que lhe fale por dentro – uma voz, a
qual muitas vezes o alertará quando você estiver se envolvendo em
complicações desnecessárias ou prestes a seguir uma trajetória profissional
que não é adequada ao seu caráter, pelo nervosismo que sentir. Ela o
direcionará para atividades e metas que combinam com a sua natureza.
Quando der ouvidos a ela, você se sentirá dono de uma claridade e
plenitude maior. Se prestar bastante atenção, ela o guiará em direção ao seu
destino específico, e pode ser encarada como algo espiritual ou algo
pessoal, ou ambos.
Não é a voz do seu ego, que quer atenção e gratificação rápida, algo que
o divide por dentro ainda mais. Em vez disso, ela o faz se concentrar no
trabalho e no que precisa fazer. Às vezes é difícil ouvi-la, pois a sua cabeça
está repleta de vozes de outras pessoas lhe dizendo o que deveria ou não
realizar. Ouvir essa voz requer introspecção, esforço e prática. Quando
seguir o seu direcionamento, coisas boas tenderão a acontecer. Você tem a
força interior para fazer o que precisa e não se deixar levar pelos outros, que
têm os seus próprios interesses. Escutá-la o conectará às suas metas mais
elevadas e o ajudará a evitar desvios. Ela o tornará mais estratégico, focado
e adaptável. Uma vez que a tenha escutado e entendido o seu propósito, não
haverá retorno. O seu curso está marcado, e se desviar dele causará
ansiedade e sofrimento.
Aquele que tem por que viver consegue suportar quase qualquer como.
— Friedrich Nietzsche
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
No mundo de hoje, os seres humanos enfrentam uma situação
característica: assim que a educação na escola termina, nos vemos de súbito
jogados no mercado de trabalho, em que as pessoas são impiedosas e a
competição é acirrada. Apenas alguns anos antes, se tivéssemos sorte, os
nossos pais atendiam às nossas necessidades e estavam lá para nos guiar;
em alguns casos, eram superprotetores. Agora, nos vemos sozinhos, com
pouca ou nenhuma experiência de vida com a qual contar. Precisamos tomar
decisões e fazer escolhas que afetarão o nosso futuro inteiro.
Num passado não tão distante, a carreira e as opções de vida dos
indivíduos eram um tanto limitadas; se assentavam em funções ou papéis
específicos disponíveis a eles e permaneciam lá por décadas. Certas figuras
mais velhas – mentores, membros da família, líderes religiosos – poderiam
oferecer algum direcionamento, caso necessário. No entanto, é difícil
encontrar essa estabilidade e auxílio hoje em dia, pois o mundo muda cada
vez mais rápido. Todos estão ocupados com a luta árdua para obter sucesso;
as pessoas nunca estiveram tão preocupadas com as próprias necessidades e
interesses. Os conselhos dos pais talvez sejam totalmente antiquados nessa
nova ordem. Enfrentando essa situação geral sem precedentes, tendemos a
reagir em uma de duas maneiras.
Alguns de nós, entusiasmados com todas as mudanças, embarcam de
verdade nessa nova ordem. Somos jovens e cheios de energia. A
diversidade de oportunidades oferecidas pelo mundo digital nos atordoa.
Podemos experimentar, tentar muitos empregos diferentes, ter muitas
relações e aventuras diferentes. Compromissos com uma única carreira ou
pessoa parecem restrições desnecessárias à nossa liberdade. Obedecer às
ordens e dar ouvidos a figuras de autoridade é antiquado. É melhor
explorar, se divertir e ser franco. Um dia virá em que compreenderemos
exatamente o que devemos fazer com a nossa vida. Nesse meio-tempo, a
nossa motivação principal é manter a liberdade de fazer o que desejamos e
de ir aonde bem entendemos.
Alguns de nós, porém, reagem da maneira oposta: temendo o caos,
optamos de forma rápida por uma carreira que seja prática e lucrativa, de
preferência relacionada a algo que seja do nosso interesse, mas não
necessariamente. Nós nos contentamos com um relacionamento íntimo;
talvez até continuemos a nos agarrar aos nossos pais. O que nos motiva é,
de algum modo, consolidar a estabilidade que é tão difícil de encontrar
neste mundo.
Ambos os caminhos, contudo, tendem a causar alguns problemas mais
adiante. No primeiro caso, ao tentar tantas coisas, nunca desenvolvemos de
fato habilidades sólidas em nenhuma área em particular. Sentimos
dificuldade em nos concentrar numa atividade específica por muito tempo,
pois estamos acostumados a esvoaçar por aí e nos distrairmos, o que torna
duas vezes mais difícil aprender novas habilidades se quisermos. Por causa
disso, as nossas possibilidades profissionais começam a se estreitar.
Acabamos aprisionados, mudando de um emprego para o outro. Talvez
agora queiramos um relacionamento que dure, mas não desenvolvemos a
tolerância para fazer concessões, e não conseguimos deixar de nos irritar
com as restrições à nossa liberdade que uma relação duradoura representa.
Embora não gostemos de admitir isso a nós mesmos, a nossa liberdade pode
começar a nos cansar.
No segundo caso, a profissão à qual nos comprometemos aos vinte e
poucos anos talvez comece a parecer um pouco sem graça ao chegarmos
aos 30. Nós a escolhemos por motivos práticos, e tem pouca conexão com o
que nos interessa de fato na vida. Passamos a ter a sensação de que é só um
emprego. A nossa mente se desliga do trabalho. E agora aquela diversidade
de oportunidades do mundo moderno começa a nos tentar quando atingimos
a meia-idade. Talvez precisemos de algo novo e excitante – outra carreira
ou relacionamento, ou uma aventura.
Em ambos os casos, fazemos o possível para lidar com as nossas
frustrações. Contudo, com o passar dos anos, começamos a vivenciar
períodos de sofrimento que não conseguimos negar ou reprimir. Em geral,
não temos consciência da raiz do nosso desconforto – a falta de propósito e
de um direcionamento real na vida.
Esse sofrimento surge de diversas formas.
Passamos a nos sentir cada vez mais entediados. Sem um envolvimento
real com o trabalho, nos voltamos a várias distrações que ocupem a nossa
mente inquieta. Pela lei dos rendimentos decrescentes, precisamos
constantemente encontrar novos modos mais intensos de diversão – a última
tendência do entretenimento, viagens para um local exótico, um novo guru
ou causa a seguir, passatempos que são experimentados e logo
abandonados, vícios de todos os tipos. Só quando estamos sozinhos ou em
momentos de desânimo é que sentimos o tédio crônico que motiva muitas
das nossas ações e nos corrói por dentro.
Passamos a nos sentir cada vez mais inseguros. Todos temos sonhos e
uma noção do nosso próprio potencial. Caso tenhamos perambulado pela
vida sem um propósito ou perdido o caminho, começamos a tomar
consciência da discrepância entre os nossos sonhos e a realidade. Não temos
nenhuma realização genuína. Invejamos aqueles que têm. O nosso ego se
fragiliza, levando-nos a uma armadilha. Somos fracos demais para tolerar
críticas. Aprender requer a admissão de que não sabemos tudo e de que
precisamos nos aprimorar, mas nos sentimos inseguros demais para admitir
isso, e assim as nossas ideias se tornam fixas e as nossas habilidades,
estagnadas – o que disfarçamos com um ar de certeza e opiniões fortes, ou
com uma superioridade moral. No entanto, não conseguimos nos livrar da
insegurança subjacente.
Com frequência, nos sentimos ansiosos e tensos, mas nunca temos bem
certeza do porquê. A vida envolve obstáculos e dificuldades inevitáveis,
mas passamos a maior parte do tempo tentando evitar algo doloroso. Talvez
não tenhamos aceitado responsabilidades que teriam nos acarretado a
possibilidade de fracassar. Nós nos esquivamos das escolhas difíceis e
situações desgastantes, as quais afloram no presente: somos forçados a
terminar algo no prazo, ou nos tornamos ambiciosos de repente e queremos
realizar um sonho nosso. Não aprendemos no passado a lidar com elas, e a
ansiedade e a tensão nos oprimem. A nossa evasão leva a uma ansiedade
leve e contínua.
E, por fim, nos sentimos deprimidos. Todos queremos acreditar que a
vida tem propósito e sentido, que estamos conectados a algo maior do que
nós mesmos. Queremos sentir que o que realizamos tem algum peso e
significância. Sem essa convicção, enfrentamos uma sensação de vazio e
depressão que atribuiremos a outros fatores.
Entenda: essa sensação de estar perdido e confuso não é culpa de
ninguém. É a reação natural a ter nascido numa época de grandes mudanças
e caos. Os antigos sistemas de apoio do passado – religiões, causas
universais nas quais se acreditar, a coesão social – desapareceram quase
todos, pelo menos no mundo ocidental. Também estão se esvaindo as
convenções, regras e tabus complexos que costumavam canalizar o
comportamento. Estamos todos à deriva, e não é de admirar que tantas
pessoas se percam em vícios e na depressão.
O problema aqui é simples: por natureza, os seres humanos anseiam por
uma noção de direcionamento. Outros organismos vivos se apoiam em
instintos complexos para lhes guiar e determinar o comportamento. Nós
passamos a confiar na nossa consciência. No entanto, a mente humana é um
poço sem fundo – nos fornece espaços mentais infinitos a serem explorados.
A nossa imaginação é capaz de nos levar a qualquer lugar e fabricar
qualquer coisa. A qualquer momento, poderíamos escolher seguir em
centenas de direções diferentes. Sem sistemas de crença ou convenções
instalados, parecemos não ter nenhum ponto cardeal óbvio para guiar o
nosso comportamento e as nossas decisões, e isso pode ser enlouquecedor.
Felizmente, há uma maneira de sair dessa situação, e está disponível,
por natureza, a cada um de nós. Não há necessidade de procurarmos por
gurus ou nos tornarmos nostálgicos em relação ao passado e às suas
certezas. Uma bússola e um sistema guia existem. Estão no ato de
procurarmos e descobrirmos o propósito individual da nossa vida. Esse é o
caminho tomado pelos maiores realizadores e contribuintes do progresso da
cultura humana, e só temos que enxergá-lo para tomá-lo. Aqui está como
isso funciona.
Cada ser humano individual é radicalmente singular. Essa singularidade
tem um propósito e está inscrita em nós de três maneiras: a configuração
exclusiva do nosso DNA, a forma específica como o nosso cérebro está
programado e as experiências por que passamos na vida, as quais são
diferentes das de todos os outros. Considere essa singularidade como uma
semente que é plantada ao nascimento, com potencial para crescer. Na
natureza, num ecossistema próspero, é possível observar um alto nível de
diversidade entre as espécies, as quais operam em equilíbrio. O sistema,
então, é rico e se alimenta de si mesmo, criando espécies mais novas e mais
interrelações. Os ecossistemas com pouca diversidade são bem inférteis, e
têm saúde muito mais tênue. Nós, seres humanos, operamos no nosso
próprio ecossistema cultural. Por toda a história, vemos que as culturas mais
saudáveis e celebradas têm sido as que encorajaram e exploraram a maior
diversidade interna entre os indivíduos – a antiga Atenas, a dinastia Sung na
China, a Renascença italiana, a década de 1920 no mundo ocidental, para
mencionar algumas. Esses foram períodos de criatividade tremenda, pontos
altos da história. Podemos contrastá-los com o conformismo e a esterilidade
cultural das ditaduras.
Ao fazer a nossa singularidade florescer no decorrer da vida, por meio
das nossas habilidades específicas e da natureza característica do nosso
trabalho, contribuímos com essa diversidade tão necessária. Essa
singularidade de fato transcende a nossa existência individual; está
carimbada em nós pela própria natureza. Como explicar o motivo pelo qual
somos atraídos à música, ou a ajudar os outros, ou a formas específicas de
conhecimento? Herdamos essa atração, que tem o seu propósito.
O esforço para cultivar essa singularidade e nos conectar a ela nos
fornece um caminho a seguir, um sistema de direcionamento interno pela
vida. No entanto, ligar-se a esse sistema não é fácil. Normalmente, os sinais
da nossa singularidade são mais nítidos para nós mesmos durante a primeira
infância. Sentimos uma atração natural a temas ou atividades específicos,
apesar da influência dos nossos pais. Chamemos isso de inclinações
primordiais, as quais falam conosco, como uma voz. Entretanto, ao
crescermos, a voz é abafada pelos nossos pais, colegas, professores e pela
cultura geral. Dizem-nos do que devemos gostar, o que é bom, o que não é
bom. Começamos a perder a noção de quem somos, do que nos torna
diferentes. Escolhemos trajetórias profissionais que não são adequadas à
nossa natureza.
Para nos ligarmos a esse sistema de direcionamento, temos de tornar a
conexão com a nossa singularidade o mais forte possível, e aprender a
confiar naquela voz. (Veja mais sobre isso no item “Descubra a sua vocação
na vida”, na próxima seção.) Ao conseguirmos fazer isso, seremos muito
bem recompensados. Teremos um senso de direção, na forma de uma
trajetória geral de carreira que combinará com as nossas inclinações
específicas.
Teremos
uma
vocação.
Saberemos
quais
habilidades
precisamos e queremos desenvolver. Possuiremos metas e submetas.
Quando nos desviarmos do nosso caminho ou nos envolvermos em
problemas que nos distraem das nossas metas, nos sentiremos
desconfortáveis e logo retomaremos o curso. Talvez exploremos e tenhamos
aventuras, o que é natural quando somos jovens, mas há um direcionamento
relativo para a nossa exploração que nos libertará das dúvidas e distrações
contínuas.
Esse caminho não requer que sigamos uma única linha simples, ou que
as nossas inclinações sejam focadas de forma muito estreita. Talvez sejamos
atraídos por vários tipos de conhecimento. O nosso caminho envolve
dominar uma variedade de habilidades e combiná-las de maneiras bem
inventivas e criativas. Essa foi a genialidade de Leonardo da Vinci, que uniu
os seus interesses em artes, ciências, arquitetura e engenharia, dominando
cada uma dessas disciplinas. Esse modo de seguir o caminho combina com
os nossos gostos modernos e ecléticos e com o nosso amor pela ampla
exploração.
Quando ativamos esse sistema de direcionamento interno, todas as
emoções negativas que nos atormentam na nossa falta de propósito são
neutralizadas e até se tornam positivas. Por exemplo, talvez sintamos tédio
no processo de acumular habilidades. Praticar pode ser enfadonho. No
entanto, é possível abraçar o tédio, sabendo dos tremendos benefícios que
virão. Estamos aprendendo algo que nos entusiasma. Não ansiamos por
distrações constantes. A nossa mente se absorve com prazer no trabalho.
Desenvolvemos a habilidade de nos concentrar profundamente, e com essa
concentração, ganhamos ímpeto. Retemos aquilo que absorvemos porque
estamos
envolvidos
emocionalmente
com
o
aprendizado.
Assim,
aprendemos mais rápido, o que gera uma energia criativa. Com a mente
repleta de informações novas, as ideias começam a surgir do nada. Atingir
esses níveis criativos é bem gratificante, e torna mais fácil acrescentar
novas habilidades ao nosso repertório.
Com um senso de propósito, nos sentimos muito menos inseguros.
Temos uma noção geral de estarmos progredindo, atingindo o nosso
potencial, ou parte dele. Podemos começar a examinar as nossas várias
conquistas do passado, grandes ou pequenas. Realizamos muitas coisas. Há
momentos de dúvidas, mas que costumam estar relacionadas mais à
qualidade do nosso trabalho do que ao nosso amor-próprio – será que
demos o melhor de nós mesmos? Concentrando-nos mais no trabalho em si
e na sua qualidade do que naquilo que as pessoas pensam de nós,
conseguiremos distinguir entre as críticas práticas e as maliciosas. Teremos
uma adaptabilidade interior, que nos ajudará a nos recuperarmos dos
fracassos e aprender com eles. Saberemos quem somos, e essa
autoconsciência se tornará a nossa âncora na vida.
Com esse sistema de direcionamento instalado, podemos transformar a
ansiedade e a tensão em emoções positivas. Ao tentar alcançar os nossos
objetivos – escrever um livro, criar uma empresa, vencer uma campanha
política –, temos que administrar uma grande dose de ansiedade e incerteza,
tomando decisões diárias sobre o que fazer. No processo, aprendemos a
controlar os nossos níveis de ansiedade – se pensamos demais sobre até
onde precisamos ir, talvez nos sintamos sobrecarregados. Em vez disso,
aprendemos a nos concentrar em objetivos melhores ao longo do caminho,
mantendo, ao mesmo tempo, um grau de urgência. Desenvolvemos a
habilidade de regular a nossa ansiedade – o suficiente para nos manter
avançando e continuando a aprimorar o trabalho, mas não a ponto de nos
paralisar. Essa é uma habilidade importante na vida.
Desenvolvemos uma tolerância alta para a tensão também, e até nos
alimentamos dela. Nós, seres humanos, fomos de fato construídos para lidar
bem com a tensão. A nossa mente inquieta e energética prospera melhor
quando estamos ativos mental e fisicamente, com a adrenalina bombeando
nas veias. A tendência das pessoas a envelhecer e se deteriorar mais rápido
logo depois de se aposentarem é um fenômeno conhecido; a mente não tem
mais nada do que se alimentar, os pensamentos ansiosos vêm à tona e elas
se tornam menos ativas. Manter alguma tensão, e saber como lidar com ela,
melhora a nossa saúde.
Por fim, com um senso de propósito, somos menos propensos à
depressão. Sim, os momentos de melancolia são inevitáveis, e até bemvindos, e fazem que nos afastemos e reavaliemos a nós mesmos, como
aconteceu com King. Entretanto, com maior frequência, nós nos sentimos
entusiasmados e elevados acima da mesquinharia que marca tantas vezes a
vida cotidiana no mundo moderno. Estamos numa missão, cumprindo a
obra da nossa vida, contribuindo para algo maior do que nós mesmos, e isso
nos enobrece. Temos momentos de grande plenitude que nos alimentam.
Mesmo a morte perde o seu impacto. O que conquistamos sobreviverá ao
nosso fim, e não há aquele sentimento debilitante de termos desperdiçado o
nosso potencial.
Pense nisso desta maneira: na história militar, podemos identificar dois
tipos de exército – aqueles que lutam por uma causa ou uma ideia, e os que
lutam por dinheiro, como parte de um emprego. Os que vão à guerra por
uma causa, como os exércitos de Napoleão Bonaparte lutando para expandir
a Revolução Francesa, o fazem com uma intensidade maior. Eles atrelam o
seu destino individual ao da causa e da nação; estão mais dispostos a morrer
em batalha pela causa. Os menos entusiásticos são contagiados pelo espírito
de grupo. O general pode pedir mais dos seus soldados. Os batalhões são
mais unidos, e os vários líderes dos batalhões são mais criativos. Lutar por
uma causa é a atitude conhecida como um multiplicador de força – quanto
maior a conexão à causa, maior a motivação, o que se traduz num poder
maior. Um exército assim, por vezes, consegue derrotar um maior, mas
menos motivado.
Podemos dizer algo análogo sobre a vida: atuar com um alto senso de
propósito é um multiplicador de força. Todas as suas decisões e ações têm
um poder maior por trás delas porque são guiadas por uma ideia e propósito
centrais. As muitas facetas do seu caráter são canalizadas nesse propósito,
dando-lhe uma energia contínua. A sua concentração e habilidade de se
recuperar de adversidades lhe dão um ímpeto inescapável. Você consegue
exigir mais de si mesmo. E, num mundo em que tantas pessoas estão à
deriva, você as superará com facilidade e atrairá a atenção de todos por
causa disso. Os indivíduos vão querer estar perto de você para absorver o
seu entusiasmo.
A sua tarefa como estudante da natureza humana é dupla: em primeiro
lugar, tome consciência do papel primordial que um senso de propósito
desempenha na vida humana. Por causa da nossa natureza, a necessidade de
um propósito tem uma atração gravitacional a que ninguém consegue
resistir. Observe as pessoas em redor e avalie o que lhes guia o
comportamento, vendo padrões nas escolhas que fizerem. Será que a
motivação primária delas é a liberdade de fazerem o que bem entendem?
Estão em busca de prazer, dinheiro, atenção, poder pelo seu próprio mérito,
ou uma causa à qual se juntar? Todos esses são o que chamaremos de
propósitos falsos, e levam a um comportamento obsessivo e a vários becos
sem saída. (Veja mais sobre propósitos falsos na última seção deste
capítulo.) Uma vez que tiver identificado indivíduos motivados por um
propósito falso, evite contratá-los ou trabalhar com eles, pois tenderão a
arrastá-lo para baixo com a sua energia improdutiva.
Você também notará algumas pessoas que lutam para encontrar um
propósito na forma de uma vocação na vida. Talvez consiga ajudá-las ou
vocês consigam se ajudar um ao outro. E, por fim, o leitor reconhecerá
algumas com senso relativamente elevado de propósito. Pode ser alguém
jovem que parece destinado à grandeza. Você deve buscar a amizade delas e
se contagiar com seu entusiasmo. Outras serão mais velhas, com uma série
de conquistas já realizadas. A estas, você deve se associar de qualquer
maneira possível, pois o impulsionarão para frente.
A sua segunda tarefa é encontrar o seu senso de propósito e elevá-lo,
tornando a conexão a ele o mais profunda que conseguir. (Veja mais sobre
isso na próxima seção.) Se você for jovem, utilize o que encontrar para
fornecer uma estrutura geral à sua energia inquieta. Explore o mundo
livremente, acumule aventuras, mas tudo dentro de certa estrutura. E o que
é mais importante, acumule habilidades. Se você for mais velho e tiver
perdido o caminho, use as habilidades que já adquiriu e encontre maneiras
de canalizá-las de modo suave na direção que enfim combinará com as suas
inclinações e espírito. Evite alterações súbitas e drásticas de carreira que
não sejam práticas.
Tenha em mente que a sua contribuição à cultura pode ser de várias
formas. Você não precisa se tornar um empresário ou figurar amplamente
no palco mundial; pode fazer o mesmo atuando como uma pessoa num
grupo ou organização, desde que mantenha um ponto de vista forte que seja
seu e o utilize para exercer influência de maneira graciosa. O seu caminho
pode envolver trabalho físico e artesanato – orgulhe-se da excelência do seu
trabalho, deixando a sua marca característica de qualidade. Pode ser criando
uma família da melhor maneira possível. Nenhuma vocação é superior a
outra. O que importa é que esteja atrelada a uma necessidade e inclinação
pessoais, e que a sua energia o guie em direção ao aprimoramento e ao
aprendizado contínuo por meio da experiência.
De qualquer forma, cultive ao máximo a sua singularidade e a
originalidade que a acompanha. Num mundo repleto de pessoas que
parecem altamente intercambiáveis, você não pode ser substituído. Você é
único. A sua combinação de habilidades e experiências não é replicável.
Isso representa a verdadeira liberdade e o poder derradeiro que nós, seres
humanos, possuímos.
ESTRATÉGIAS PARA DESENVOLVER UM ALTO SENSO DE PROPÓSITO
Uma vez que tenha se comprometido a desenvolver ou fortalecer o seu
senso de propósito, então o trabalho árduo começa. Você vai enfrentar
muitos inimigos e obstáculos impedindo o seu progresso – as vozes dos
outros que o distraem e incutem dúvidas sobre a sua vocação e
singularidade; o seu próprio tédio e frustrações com o trabalho em si e o seu
lento avanço; a falta de críticas confiáveis de pessoas que possam ajudá-lo;
os níveis de ansiedade com que precisa lidar, e, por fim, a exaustão
completa que muitas vezes acompanha o trabalho focado durante longos
períodos. As cinco estratégias seguintes o ajudarão a superar esses
obstáculos. Não estão ordenadas de maneira rígida, mas a primeira é o
ponto de partida essencial. Coloque todas em prática a fim de garantir o
movimento contínuo para a frente.
Descubra a sua vocação na vida. Você dá início a essa estratégia
procurando por sinais de inclinações primordiais nos seus primeiros anos de
vida, quando elas costumam ser mais nítidas. Alguns indivíduos se lembram
com facilidade dessas inclinações iniciais, mas, para muitos de nós, isso
requer alguma introspecção e investigação. Procure por momentos em que
sentiu um fascínio incomum por um tema em particular, ou por certos
objetos, ou por atividades específicas e maneiras de brincar.
Marie Curie, grande cientista do século 19 e início do século 20,
recordava-se com clareza do momento em que, aos 4 anos de idade, entrou
no escritório do pai, subitamente mesmerizada pela visão de todo tipo de
tubos e instrumentos de medida para vários experimentos químicos,
guardados atrás de um armário de vidro polido. Por toda a vida ela sentiria
um arrepio similar sempre que entrava num laboratório. Para Anton
Tchekhov, foi assistir a uma peça teatral quando menino, na cidadezinha em
que vivia. Toda aquela atmosfera de faz de conta o comoveu. Para Steve
Jobs, foi passar por uma loja de eletrônicos quando criança e ver tantos
dispositivos fantásticos na vitrine, maravilhando-se com a sua concepção e
complexidade. Para Tiger Woods, foi a experiência de ver, aos 2 anos de
idade, o pai lançar bolas de golfe para dentro de uma rede na garagem, e
não conseguir conter a excitação e o desejo de imitá-lo. Para o escritor JeanPaul Sartre, foi a fascinação na infância com as palavras impressas numa
página, e os possíveis significados mágicos que cada palavra possuía.
Esses momentos de atração visceral vieram de maneira repentina e sem
nenhum encorajamento dos pais ou de amigos. Seria difícil colocar em
palavras por que ocorreram; são sinais de algo além do nosso controle
pessoal. A atriz Ingrid Bergman foi quem expressou isso melhor, ao falar do
fascínio que sentia pelo ato de representar na frente da câmera de cinema do
pai quando ainda era pequena: “Eu não escolhi atuar. A atuação me
escolheu”. Às vezes, essas ocasiões nos vêm quando somos mais velhos,
como quando Martin Luther King Jr. compreendeu a sua missão na vida ao
ver-se envolvido no boicote aos ônibus de Montgomery. E às vezes ocorrem
quando observamos outras pessoas que são mestres no seu campo.
Quando jovem, o futuro diretor japonês de cinema Akira Kurosawa se
sentia bastante à deriva. Tentou pintar, depois foi assistente de diretor em
filmes, um trabalho que detestou. Estava pronto para desistir quando foi
escolhido para trabalhar para o diretor Kajirō Yamamoto em 1936.
Observando esse grande mestre em ação, de repente os olhos de Kurosawa
se abriram para as possibilidades mágicas do cinema, e compreendeu a
própria vocação. Como descreveu mais tarde: “Foi como se o vento sobre
uma montanha soprasse contra o meu rosto. Com isso me refiro àquele
vento maravilhosamente refrescante que você sente depois de uma escalada
árdua e dolorosa. O sopro daquele vento lhe diz que você está atingindo o
topo. Então você se põe de pé no topo e olha para baixo, para toda a
paisagem que se abre. Quando me pus de pé por trás de Yama-san na sua
cadeira de diretor junto à câmera, meu coração se encheu desse mesmo
sentimento – ‘Finalmente cheguei’”.
Como outro sinal, examine os momentos da sua vida em que certas
tarefas ou atividades lhe pareceram naturais ou fáceis, como se você
nadasse com a corrente. Ao realizar essas atividades, o tédio da prática
torna-se mais tolerável. As críticas das pessoas não o desencorajam com
tanta facilidade; você quer aprender. Contraste isso com outros temas ou
tarefas que considera profundamente enfadonhos e pouco gratificantes, que
o frustram.
Em relação a isso, descubra a inteligência específica para a qual o seu
cérebro está programado. No livro Estruturas da mente, o psicólogo
Howard Gardner lista certas formas de inteligência para as quais as pessoas
costumam ter um dom ou afinidade especial. Poderiam ser a matemática e a
lógica, atividades físicas, palavras, imagens ou música. Acrescente-se a isso
a inteligência social, uma sensibilidade superior quanto aos outros. Quando
estiver envolvido na atividade que lhe der a sensação de ser a correta, ela
corresponderá à forma de inteligência para a qual o seu cérebro é mais
adequado.
A partir desses vários fatores, você deverá ser capaz de identificar o
esboço da sua vocação. Em essência, ao passar por esse processo, estará
descobrindo a si mesmo, o que o torna diferente, o que precede as opiniões
dos outros. Haverá mais familiaridade com as coisas de que, por natureza,
gosta ou não gosta. Na vida, tendemos a perder o contato com as nossas
preferências, influenciados de modo intenso pelo que outros fazem e pela
cultura. Você vai subtrair essas influências externas. Quanto mais profunda
for a conexão que formar com a sua vocação, mais será capaz de resistir às
ideias ruins dos outros e ativar o seu sistema de direcionamento interno.
Devote algum tempo a esse processo, utilizando um diário se for necessário.
Desenvolva o hábito de se acessar e se escutar, de forma a monitorar
continuamente o seu progresso e ajustar essa vocação às várias etapas da
sua vida.
Se você for jovem e estiver no início da carreira profissional, explore
um campo relativamente amplo relacionado às suas inclinações – por
exemplo, se a sua afinidade é por palavras e pela escrita, tente todos os tipos
diferentes de escrita até encontrar o encaixe perfeito. Se for mais velho e
tiver mais experiência, use as habilidades que já desenvolveu e descubra
uma maneira de adaptá-las na direção da sua verdadeira vocação. Lembrese de que a vocação pode combinar vários campos que o fascinam. Para
Jobs, por exemplo, era a intersecção de tecnologia e design. Mantenha o
processo sem um limite de tempo determinado; a sua experiência o instruirá
quanto ao caminho.
Não tente pular a etapa de descobrir a sua vocação ou imaginar que ela
lhe virá por conta própria. Embora para alguns surja cedo na vida ou num
momento de inspiração súbita, para a maioria de nós isso requer
introspecção e esforço contínuos. Experimentar com as habilidades e
opções relacionadas à sua personalidade e às suas inclinações não é apenas
o passo mais essencial do desenvolvimento de um senso elevado de
propósito; é talvez o mais importante. Saber profundamente quem você é,
reconhecendo a sua singularidade, tornará mais fácil evitar todas as outras
armadilhas da natureza humana.
Utilize os impulsos negativos e de resistência. A chave para o sucesso
em qualquer campo é desenvolver primeiro habilidades em várias áreas, as
quais você poderá mais tarde combinar de maneiras únicas e criativas. No
entanto, o processo de fazê-lo pode ser enfadonho e sofrido, à medida que
toma consciência das suas limitações e falta relativa de habilidade. A
maioria das pessoas, de modo consciente ou inconsciente, busca evitar o
tédio, a dor e qualquer forma de adversidade, tentando se colocar em
lugares onde enfrentará menos críticas e nos quais as chances de fracasso
serão minimizadas. Você precisa tomar a decisão de seguir na direção
contrária. Aceite as experiências negativas, as limitações e até o sofrimento
como ótimos meios de elevar o nível das suas habilidades e apurar o seu
senso de propósito.
Em se tratando de exercícios, entenda a importância de manter níveis
toleráveis de dor e desconforto, pois mais tarde eles lhe renderão força,
resistência e outras sensações positivas. Você obterá o mesmo ao aceitar de
verdade o tédio na sua prática. A frustração é um sinal de que se está
fazendo progressos, pois a mente está tomando consciência dos níveis mais
elevados de habilidades que ainda tem de alcançar.
Utilize e adote qualquer tipo de prazo. Caso dê a si mesmo um ano para
terminar um projeto ou abrir uma empresa, em geral você vai levar um ano
ou mais. Se optar por três meses, vai terminar mais cedo, e a energia
concentrada com que trabalhar elevará o seu nível de habilidade e tornará o
resultado final muito melhor. Se necessário, fabrique prazos razoavelmente
apertados a fim de intensificar o seu senso de propósito.
Thomas Edison sabia que levava tempo demais em suas invenções, por
isso desenvolveu o hábito de falar a jornalistas sobre as grandes qualidades
das suas criações futuras, exagerando na descrição das ideias. Com a
publicidade, seria agora colocado na posição de ter que cumprir o
prometido, e em relativamente pouco tempo, ou seria ridicularizado. Teria
de se mostrar à altura do desafio, e quase sempre conseguia. Hakuin, grande
mestre Zen do século 18, levou isso mais longe. Sentia-se muito frustrado
com certos koans (anedotas paradoxais criadas para induzir a iluminação)
apresentados a ele por seu mestre. A falta de progresso o deixou
desesperado, por isso prometeu a si mesmo, com toda a seriedade: “Se em
sete dias eu não tiver dominado todos esses koans, vou me matar”. A
estratégia funcionou e continuou a funcionar, até que ele atingiu a
iluminação total.
À medida que progredir no seu caminho, você estará cada vez mais
sujeito às críticas dos outros. Algumas delas talvez sejam construtivas e
dignas da sua atenção, mas muitas serão o fruto da inveja. Você reconhecerá
este último tipo pelo tom emocional da pessoa ao expressar opiniões
negativas. Esses indivíduos vão um pouco longe demais, falam com certo
excesso de veemência; levam as coisas para o lado pessoal, incutindo
dúvidas sobre a sua habilidade geral, enfatizando a sua personalidade mais
do que o trabalho; não mencionam detalhes específicos sobre o que e como
melhorar. Tendo reconhecido esse tipo de crítica, o truque é não o
internalizar de jeito nenhum. Tornar-se defensivo é sinal de que foi atingido.
Em vez disso, use as opiniões negativas deles para motivá-lo e aumentar o
seu senso de propósito.
Absorva a energia propositada. Nós, seres humanos, somos
extremamente suscetíveis aos ânimos e à energia das outras pessoas. Por
esse motivo, evite o contato excessivo com aqueles que têm um senso baixo
ou falso de propósito. Por outro lado, tente sempre encontrar aqueles com
um senso elevado de propósito e se associar a eles. Alguém assim poderia
ser o perfeito mentor ou professor ou parceiro num projeto, tendendo a
inspirar o melhor em você. Além disso, será mais fácil e até revigorante
receber as críticas dele.
Essa foi a estratégia com que Coco Chanel (veja o Capítulo 5) angariou
tanto poder. Ela começou numa posição de grande fraqueza – uma órfã com
pouco ou nenhum recurso na vida. Quando tinha vinte e poucos anos,
compreendeu que a sua vocação era conceber roupas e criar a sua própria
linha de moda. Precisava desesperadamente de alguém que a guiasse,
porém, em especial no quesito administrativo. Procurou por pessoas que
pudessem ajudá-la a encontrar o caminho. Aos 25 anos, conheceu o alvo
perfeito, um rico empresário inglês mais velho chamado Arthur “Boy”
Capel. Ela se sentiu atraída pela ambição dele, pela sua experiência em
vários campos, seu conhecimento das artes e o seu pragmatismo implacável.
Coco se apegou a Capel com enorme veemência, e este foi capaz de
incutir nela a confiança de que ela se tornaria uma estilista famosa,
educando-a em relação à administração de negócios em geral. Ofereceu-lhe
críticas severas (as quais ela aceitaria por causa do profundo respeito que
lhe nutria), guiando-a nas primeiras decisões importantes ao estabelecer o
negócio. Graças a Capel, Chanel desenvolveu um senso bem apurado de
propósito que manteve por toda a vida; sem essa influência, o caminho dela
teria sido muito confuso e difícil. Mais tarde, Chanel continuou retornando
a essa estratégia. Encontrou outros homens e mulheres com habilidades que
ela não tinha ou que precisava fortalecer – graciosidade social, marketing,
um faro para as tendências culturais –, com quem cultivou relacionamentos
que lhe permitiram aprender.
Nesse caso, é bom conhecer aqueles que sejam pragmáticos, e não
apenas os que são carismáticos ou visionários. Você quer o conselho prático
deles, e lhes absorver a disposição de concluir projetos. Se for possível,
junte ao seu redor um grupo de pessoas de campos diferentes, como amigos
ou parceiros, que tenham uma energia similar. Vocês ajudarão a elevar o
senso de propósito uns dos outros. Não se contente com associações ou
mentores virtuais. Estes não terão o mesmo efeito.
Crie uma escada de metas descendentes. Atuar com metas de longo
prazo lhe dará tremenda claridade e determinação. Essas metas – um projeto
ou negócio a ser criado, por exemplo – são relativamente ambiciosas, o
bastante para extrair o melhor de você. O problema, porém, é que também
tenderão a gerar ansiedade à medida que você examinar tudo o que tiver de
alcançar pelo ponto de vista atual. Para lidar com essa ansiedade, crie uma
escada com as pequenas metas que compõe o caminho, desde o seu objetivo
final até o ponto onde se encontra. Esses objetivos devem ser mais simples
quanto mais baixo na escada você estiver, e deve atingi-los em períodos
relativamente curtos de tempo, o que lhe dará momentos de satisfação e um
senso de propósito. Sempre divida as tarefas em partes menores; tenha
micrometas a cada dia ou semana. Isso o ajudará a se concentrar e evitar
complicações ou desvios que desperdiçariam a sua energia.
Além disso, lembre-se o tempo todo da meta maior, de não a perder de
vista ou se embaralhar demais em detalhes. De tempos em tempos, retorne à
sua visão original e imagine a satisfação imensa que sentirá quando ela se
concretizar. Isso lhe dará clareza e inspiração para progredir. Também é
bom ter um pouco de flexibilidade no processo. Em certos momentos, você
vai reavaliar o seu progresso e ajustar as várias metas conforme o
necessário, aprendendo constantemente a partir da experiência, adaptando e
aprimorando o seu objetivo original.
Lembre-se de que o que você busca é uma série de resultados e
realizações práticas, não uma lista de sonhos não concretizados e projetos
abortados. Trabalhar com metas menores e integradas o moverá nessa
direção.
Perca-se no seu trabalho. A maior dificuldade que o leitor vai
enfrentar para manter um senso elevado e consistente de propósito talvez
seja o nível de comprometimento que é necessário com o passar do tempo,
além dos sacrifícios que o acompanham. Você terá de lidar com muitos
momentos de frustração, tédio e fracasso, e as tentações incessantes da
nossa cultura por prazeres mais imediatos. Os benefícios listados
anteriormente nas “Chaves para a natureza humana” muitas vezes não são
aparentes de imediato, e, com o passar dos anos, você talvez venha a se
sentir esgotado. Para contrabalançar esse tédio, tenha momentos de fluxo
em que a sua mente mergulha tão fundo no trabalho que você é transportado
para além do seu ego, experimentando uma sensação de calma profunda e
euforia. O psicólogo Abraham Maslow chamou isso de “experiências de
pico” – uma vez que alguém passe por isso, será mudado para sempre. Você
sentirá a necessidade de repeti-la; os prazeres mais imediatos que o mundo
oferece empalidecem em comparação. E, quando se sentir recompensado
pela sua dedicação e por seus sacrifícios, o seu senso de propósito será
intensificado.
Essas experiências não podem ser fabricadas, mas você tem como
montar o palco para elas e aumentar bastante a chance de que ocorram. Em
primeiro lugar, é essencial esperar até que esteja mais adiante no processo –
tendo realizado pelo menos mais da metade de um projeto, ou depois de
muitos anos de estudo no seu campo. A sua mente, então, será preenchida
por todos os tipos de informação e prática, amadurecidas para uma
experiência de pico.
Em segundo lugar, planeje se entregar ao trabalho por um tempo
ininterrupto – quantas horas e dias na semana for possível. Com esse fim,
você deve eliminar de forma rigorosa o nível habitual de distrações, até
mesmo fazer planos para desaparecer por algum tempo. Pense nisso como
um tipo de retiro religioso. Steve Jobs fechava a porta do escritório, passava
o dia inteiro em sua sala e esperava até entrar num estado de foco profundo.
Uma vez que você se torne hábil nisso, conseguirá fazê-lo quase em
qualquer lugar. Einstein era notório por alcançar um estado tão profundo de
absorção que se perdia nas ruas da cidade ou enquanto velejava num lago.
Em terceiro lugar, a ênfase deve ser no trabalho, nunca em você mesmo
ou no desejo de reconhecimento. Você está fundindo a sua mente com o
trabalho em si, e qualquer pensamento invasivo do seu ego ou dúvidas
sobre a sua pessoa ou obsessões vão interromper o fluxo, o qual não é
apenas imensamente terapêutico, mas também gera resultados criativos
incríveis.
Durante o tempo em que a atriz Ingrid Bergman estava envolvida num
projeto cinematográfico em particular, ela lhe dedicava cada gota de
energia, esquecendo-se de tudo mais. Diferentemente de outros atores, que
davam importância maior ao dinheiro ou à atenção que recebiam, Bergman
via apenas a oportunidade de encarnar por completo o papel que
representaria e traria à vida. Com esse propósito, interagia com os
roteiristas e diretores, alterando inclusive o papel em si e partes do diálogo,
tornando-as mais reais. Suas ideias eram quase sempre excelentes e
baseadas numa contemplação profunda a respeito do personagem, então ela
tinha credibilidade nesse aspecto.
Depois que Bergman tivesse ido longe o bastante no processo do texto e
raciocínio, ela passava dias ou semanas fundindo-se com o papel e sem
interagir com outras pessoas. Esquecendo-se de todo o sofrimento da
própria vida – a perda dos pais quando era jovem, o marido abusivo –,
obtinha momentos de alegria genuína, traduzindo essas experiências de pico
para a tela. O público sentia algo de profundamente realista na atuação dela,
e se identificava de maneira incomum com os personagens interpretados por
Bergman. Para ela, saber que teria essas experiências periódicas, por meio
das quais geraria resultados, a mantinha além da dor e dos sacrifícios que
exigia de si mesma.
Considere isso uma forma de devoção religiosa à sua obra de vida e que
acabará produzindo momentos de união com o trabalho em si, mas também
um tipo de êxtase que é impossível de verbalizar até que o tenha
experimentado.
O ENGODO DOS FALSOS PROPÓSITOS
A atração gravitacional que sentimos pela ideia de encontrar um
propósito é oriunda de dois elementos da natureza humana: em primeiro
lugar, por sermos incapazes de confiar nos instintos como fazem outros
animais, precisamos de algum meio de obter um senso de direção, uma
maneira de guiar e restringir o nosso comportamento; em segundo, temos
consciência de nossa pequenez como indivíduos num universo com bilhões
de outros como nós. Estamos cientes da nossa mortalidade e de como
seremos, no fim de tudo, engolidos pela eternidade. Sentimos a necessidade
de sermos maiores do que apenas os indivíduos que somos, e conectados a
algo que nos transcenda.
Sendo a natureza humana o que é, porém, muitos buscam criar um
propósito e uma sensação de transcendência que demandem pouco, querem
encontrá-los da maneira mais fácil e acessível, com o mínimo de esforço.
Essas pessoas se entregam a falsos propósitos, aqueles que somente
fornecem ilusão. Podemos contrastá-los com os propósitos reais da seguinte
maneira: estes vêm de dentro; são uma ideia, uma vocação, um senso de
missão ao qual nos sentimos conectados pessoal e intimamente. São nossos.
Talvez tenhamos sido inspirados por outros, mas ninguém os impôs nem
pode tirá-los de nós. Se formos religiosos, não aceitamos a ortodoxia
apenas; passamos por uma introspecção rigorosa e tornamos a nossa crença
interna, verdadeira para nós mesmos. Os falsos propósitos, ao contrário, têm
raízes em fontes externas – por exemplo, sistemas de crença que nos
engolem por inteiro ou conformismo ao que os outros fazem.
O propósito real nos eleva, para um nível mais humano. Aprimoramos
as nossas habilidades e apuramos a mente; percebemos o nosso potencial e
contribuímos à sociedade. Os falsos propósitos, ao contrário, nos arrastam
para baixo, para o lado animal da nossa natureza: vícios, perda dos poderes
mentais, conformismo irracional e cinismo.
É crucial que tomemos consciência dessas formas falsas e inferiores de
propósito, pelas quais é inevitável não se deixar levar em alguma época da
vida, pois são fáceis, populares e demandam pouco. Se conseguirmos
eliminar o impulso em direção a elas, gravitaremos de modo natural rumo
às formas superiores, na nossa busca inescapável por sentido e propósito.
Aqui estão cinco dos falsos propósitos mais comuns que têm tentado os
seres humanos desde o início da civilização.
A busca por prazer. Para muitos de nós, o trabalho é apenas uma
necessidade irritante. O que nos motiva de verdade é evitar o sofrimento, e
encontrar tanto prazer quanto possível no nosso tempo extra. E os prazeres
que
buscamos
tomam
várias
formas,
como
sexo,
estimulantes,
entretenimento, comida, compras, jogos de azar, modas tecnológicas e
brincadeiras de todos os tipos.
Não importa quais sejam os objetos da busca, eles tendem a levar a uma
dinâmica de rendimentos decrescentes. Os momentos de prazer que
obtemos tendem a se tornar maçantes por meio da repetição. Precisamos
cada vez mais deles, ou de diversões sempre novas. Com frequência, a
nossa necessidade se transforma em vício, e com a dependência vem a
deterioração da saúde e das capacidades mentais. Somos possuídos pelos
objetos por que ansiamos, e nos perdemos. Sob a influência das drogas e do
álcool, por exemplo, podemos nos sentir temporariamente transportados
para além da banalidade da vida.
Esse falso propósito é muito comum no mundo de hoje, em especial por
causa da cornucópia de distrações entre as quais podemos escolher.
Contudo, isso vai contra o elemento básico da natureza humana: a fim de
obter níveis mais profundos de prazer, temos que aprender a nos limitar. Ler
uma variedade de livros de entretenimento um atrás do outro provoca uma
sensação de satisfação menor a cada obra; com a mente inundada e
superestimulada, precisaremos de mais informação. O efeito após a leitura e
absorção de um ótimo livro é relaxante e enaltecedor à medida que
descobrimos as riquezas ocultas naquelas páginas, nas quais pensamos de
novo e de novo quando estamos longe delas.
Todos precisamos de momentos de prazer fora do trabalho para aliviar a
tensão. Entretanto, quando atuamos com um senso de propósito,
compreendemos o valor de nos limitar, de optar pela profundidade da
experiência em vez da estimulação excessiva.
Causas e cultos. As pessoas têm uma necessidade profunda de acreditar
em algo e, na ausência de grandes sistemas unificadores de crença, esse
vácuo é facilmente preenchido por todo tipo de microcausas e cultos.
Notamos que esses grupos tendem a não durar muito tempo. Em dez anos já
parecem antiquados. Durante a sua breve existência, os afiliados
empregarão a convicção extrema e a hipérbole no lugar de uma visão clara
do que estão buscando. Com esse fim, inimigos serão encontrados com
rapidez e acusados de serem a fonte de tudo que há de errado no mundo.
Esses grupos se tornam o canal para que os indivíduos descarreguem as
suas frustrações pessoais, a inveja e o ódio. Eles também passam a se sentir
superiores, como parte de um grupinho com acesso especial à verdade.
É possível reconhecer uma microcausa ou culto pela maneira vaga como
os discípulos expressam o que querem. Eles não conseguem descrever o
tipo de mundo ou sociedade que desejam em termos concretos e práticos, e
muito de sua razão de ser gira em torno de definições negativas: “Livrem-se
desses indivíduos ou dessas práticas, e o mundo se tornará um paraíso”. São
desprovidos de qualquer noção de estratégia ou formas definidas de
alcançar os seus objetivos nebulosos, o que é um sinal claro de que a função
do grupo é apenas desabafar as emoções.
Muitas vezes eles realizarão enormes manifestações públicas em que as
pessoas se contagiarão pelo tamanho da multidão e pelos sentimentos
compartilhados. Por toda a história, governantes maliciosos têm empregado
essa tática com grande efeito. Indivíduos numa multidão são altamente
sugestionáveis. Por meio de frases curtas e simples, com muitas repetições,
são convencidos a gritar palavras de ordem e engolir as ideias mais
absurdas e irracionais. Numa multidão, se sentem livres de qualquer
responsabilidade pessoal, o que pode levar à violência. Veem-se
transportados para além de si mesmos e não tão ínfimos, mas esse
engrandecimento é uma ilusão. Na verdade, se tornam menores ao perderem
a vontade e a voz individual.
Aliar-nos a uma causa pode ser parte importante do nosso senso de
propósito, como foi para Martin Luther King Jr. Entretanto, ela deve
emergir de um processo interno em que tenhamos pensado a fundo sobre o
assunto e em que estejamos nos comprometendo à causa como parte da
nossa obra de vida. Não somos apenas uma engrenagem na máquina de um
grupo desses, mas contribuintes ativos, colocando a nossa singularidade em
ação, sem imitar a linha de comando do grupo. Não estamos participando
por uma necessidade de gratificar o nosso ego ou de desabafar emoções
desagradáveis, mas em razão de uma sede por justiça e verdade que vem de
nosso senso de propósito.
Dinheiro e sucesso. Para muitas pessoas, a busca por dinheiro e posição
social pode lhes fornecer bastante motivação e foco. Esses tipos
considerariam a descoberta da sua vocação na vida uma perda de tempo
monumental; encarariam-na como antiquada. Contudo, no longo prazo, essa
filosofia costuma render os resultados mais impraticáveis.
Em primeiro lugar, na maior parte das vezes, pessoas assim entram no
campo em que possam ganhar o máximo de dinheiro o mais rápido
possível. Visam aos maiores salários. As opções de carreira que tomam têm
pouca ou nenhuma conexão com as suas verdadeiras inclinações. Os
campos que escolhem tenderão a ser repletos de outros caçadores
insaciáveis de fortuna e sucesso, por isso a competição é voraz. Se forem
dedicadas o bastante, talvez consigam se dar bem por algum tempo, mas, ao
envelhecer, começarão a se sentir inquietas e um pouco entediadas.
Tentarão formas diferentes de obter dinheiro e sucesso; precisarão de novos
desafios. Terão de continuar encontrando modos de se motivarem. Por
vezes, cometerão grandes erros na busca obsessiva por dinheiro, pois
pensam tanto no curto prazo, como vimos com aqueles que entraram de
cabeça no frenesi dos derivativos que levou à crise financeira de 2008.
Em segundo lugar, fortuna e sucesso duradouros resultam da
originalidade, e não de seguir de forma insensata o caminho que outros já
trilharam. Se fizermos do dinheiro o nosso objetivo principal, nunca
cultivaremos a nossa singularidade, e alguém mais jovem e ambicioso
acabará por nos suplantar algum dia.
E, por fim, o que costuma motivar o ser humano nessa missão é
simplesmente ter mais dinheiro e status do que os outros, e se sentir
superior. Com esse padrão, é difícil saber quando temos o suficiente, pois
sempre há aqueles que têm mais. Desse modo, a missão é infinita e
exaustiva. E já que a conexão ao trabalho não é pessoal, essas pessoas se
alienam de si mesmas; a busca carece de espírito; são viciadas no trabalho
sem uma vocação verdadeira. Podem se tornar deprimidas ou maníacas, e é
comum que percam o que conquistaram caso se tornem maníacas o
suficiente.
Todos conhecemos os efeitos da “hiperintensão”: quando queremos ou
precisamos desesperadamente dormir, é menos provável que consigamos
adormecer. Caso seja fundamental que apresentemos a melhor palestra
possível numa conferência, nos tornamos hiperansiosos em relação ao
resultado e o nosso desempenho decai. Se estamos desesperados para
encontrar um parceiro íntimo ou fazer amizades, é mais provável que
acabemos repelindo as pessoas. Se, em vez disso, relaxarmos e nos
concentrarmos em outras coisas, pode ser que consigamos cair no sono ou
dar uma boa palestra ou encantar os outros. As coisas mais prazerosas da
vida ocorrem como resultado de algo não pretendido ou aguardado de
maneira direta. Quando tentamos fabricar momentos felizes, eles tendem a
nos desapontar.
O mesmo se aplica à busca insistente por fortuna e sucesso. Muitos dos
indivíduos mais ricos, famosos e bem-sucedidos não começaram com uma
obsessão por dinheiro e status. Um exemplo clássico seria Steve Jobs, que
acumulou uma fortuna considerável na sua vida relativamente curta. Ele, na
verdade, se importava muito pouco com bens materiais. O seu foco único
estava na criação dos melhores designs originais, e quando o fazia a boa
sorte o seguia. Concentre-se em manter um senso elevado de propósito, e o
sucesso virá até você naturalmente.
Atenção: a humanidade sempre buscou a fama e a atenção como uma
maneira de se sentir maior e mais importante, tornando-se dependente do
número de pessoas que a aplaudem, do tamanho do exército que comanda,
da multidão de cortesões que a serve. Contudo, esse falso senso de
propósito tem se tornado bem democratizado e disseminado por meio das
redes sociais. Agora, quase qualquer um de nós tem a quantidade de atenção
com que os reis e conquistadores do passado só poderiam ter sonhado.
Nossa autoimagem e autoestima se atrelam à atenção que recebemos no dia
a dia. Nas redes sociais, isso costuma exigir que fiquemos cada vez mais
escandalosos, a fim de atrair olhares. É uma missão exaustiva e alienante, à
medida que nos tornamos mais palhaços do que qualquer outra coisa. E a
cada momento em que a atenção diminui um pouquinho que seja, uma dor
corrosiva nos devora: estamos perdendo tudo? Quem está sugando o fluxo
de atenção que costumava ser nosso?
Assim como com o dinheiro e o sucesso, temos uma oportunidade muito
maior de atrair a atenção ao desenvolver um alto senso de propósito e criar
uma obra que atraia as pessoas de maneira natural. Quando a atenção é
inesperada, como com o sucesso súbito, ela é ainda mais prazerosa.
Cinismo. Segundo Friedrich Nietzsche: “O homem preferiria ter o vazio
como propósito a ser vazio de propósito”. O cinismo, a sensação de que não
há nenhum propósito ou sentido na vida, é o que chamaremos de ter “o
vazio como propósito”. No mundo atual, com a desilusão crescente com a
política e com os sistemas de crença do passado, essa forma de falso
propósito está se tornando cada vez mais comum.
Esse cinismo envolve algumas das seguintes crenças, ou todas elas: a
vida é absurda, sem sentido e aleatória. Os padrões que definem aquilo que
é verdade, os níveis ideais de excelência ou significado das coisas são
completamente antiquados. Tudo é relativo. Os julgamentos das pessoas são
apenas interpretações do mundo, nenhum é melhor do que o outro. Todos os
políticos são corruptos, por isso não vale mesmo a pena se envolver; é
melhor se abster ou escolher um líder que destrua tudo de maneira
deliberada. Indivíduos bem-sucedidos chegam lá subvertendo o sistema.
Não se deve confiar em nenhuma forma de autoridade. Analise o que há por
trás das motivações das pessoas e você verá que são egoístas. A realidade é
bem brutal e desagradável; é melhor aceitar isso e ser cético. É bem difícil
levar qualquer coisa a sério; deveríamos todos apenas rir e nos divertir. Dá
no mesmo.
Essa postura se apresenta como legal e moderna. Os que a demonstram
têm um ar um tanto apático e sardônico que lhes dá a aparência de
enxergarem através de tudo. No entanto, tal atitude não é o que parece. Por
trás dela, há uma pose adolescente que dá a impressão de não se importar, o
que caracteriza um grande temor de tentar e fracassar, de se destacar e ser
ridicularizado. Ela resulta da pura preguiça e oferece aos seus crentes algum
consolo pela sua falta de realizações.
Como caçadores de propósito e sentido, queremos seguir na direção
contrária. A realidade não é brutal e desagradável – contém muito de
sublime, belo e digno de admiração. Vemos isso nas grandes obras de outros
realizadores. Queremos ter mais encontros com o Sublime. Nada é mais
impressionante do que o próprio cérebro humano, a sua complexidade, o
potencial inexplorado. Queremos concretizar algo desse potencial na nossa
vida, sem chafurdar numa atitude cínica e preguiçosa. Captamos um
propósito por trás de tudo que vivenciamos e vemos. No fim, o que
queremos é fundir a curiosidade e a excitação que sentimos em relação ao
mundo quando éramos crianças, quando quase tudo parecia encantador,
com a nossa inteligência adulta.
Toda a lei da existência humana consiste em nada mais do que um homem ser sempre
capaz de se curvar à grandeza imensurável. Se as pessoas são privadas da grandeza
imensurável, não viverão, e morrerão em desespero. O imensurável e o infinito são tão
necessários ao homem quanto o pequeno planeta que ele habita.
— Fiódor Dostoiévski
14
Resista à pressão descendente do grupo
A Lei do Conformismo
Há uma faceta do nosso caráter da qual não costumamos ter consciência –
a nossa personalidade social, aquela pessoa diferente em que nos
transformamos quando atuamos em grupos. Em ambientes assim, imitamos
inconscientemente o que os outros dizem e fazem. Pensamos de modo
diferente, mais preocupados em nos encaixar e acreditar nas mesmas coisas
em que as pessoas acreditam. Sentimos emoções diferentes, contagiados
pelos ânimos do grupo. Somos mais propensos a assumir riscos, a agir de
maneira irracional, pois todos o fazem. Essa personalidade social pode vir
a dominar quem somos. Ao dar tanta atenção assim aos demais e adequar o
nosso comportamento ao deles, perdemos aos poucos um senso de
singularidade e a capacidade de pensar por nós mesmos. A única solução é
desenvolver a autoconsciência e um entendimento superior das mudanças
que podem nos ocorrer quando estamos dentro de grupos. Com essa
inteligência, podemos nos tornar excelentes atores sociais capazes de nos
encaixarmos exteriormente e de cooperarmos com outros num nível
elevado, retendo, ao mesmo tempo, a nossa independência e racionalidade.
UM EXPERIMENTO SOBRE A NATUREZA HUMANA
Quando menino, crescendo na China comunista, Gao Jianhua (n. 1952)
sonhava em se tornar um grande escritor. Adorava a literatura, e os
professores o elogiavam por seus ensaios e poemas. Em 1964, foi admitido
na Escola Secundária Yizhen (ESY), não muito longe de onde a família
vivia. Situada na cidade de Yizhen, a muitas centenas de quilômetros ao
norte de Pequim, a ESY era rotulada como uma “escola-chave” – mais de
90% dos seus alunos seguiam para a faculdade. Era difícil de entrar e
bastante respeitada. Na ESY, Jianhua era um menino quieto e estudioso;
tinha a ambição de se formar em seis anos e com notas máximas, boas o
bastante para conquistar uma vaga na Universidade de Pequim, de onde
lançaria a carreira literária com que sonhava.
Os alunos da ESY viviam no campus, e a vida lá era bem enfadonha, já
que o Partido Comunista regulamentava quase todos os aspectos da rotina
na China, inclusive a educação. Havia exercícios militares diários, aulas
propagandísticas, deveres de trabalhos manuais e aulas normais, que eram
bem rigorosas.
Na ESY, Jianhua desenvolveu uma grande amizade com um colega
chamado Fangpu, que talvez fosse o comunista mais entusiasmado na
escola. Pálido, magro e de óculos, Fangpu tinha a aparência de um
revolucionário intelectual. Era quatro anos mais velho do que Jianhua, mas
eles haviam descoberto uma afinidade no amor comum que nutriam pela
literatura e no desejo de se tornarem escritores. Tinham as suas diferenças: a
poesia de Fangpu era centrada em temas políticos, ele idolatrava o
presidente Mao Tsé-Tung e queria lhe emular não apenas a escrita, mas a
carreira revolucionária; Jianhua, por sua vez, tinha pouco interesse em
política, apesar de o pai ser um respeitado comunista veterano de guerra e
funcionário governamental. No entanto, os dois apreciavam as discussões
literárias que tinham, e Fangpu tratava Jianhua como um irmão caçula.
Em maio de 1966, quando Jianhua estava entretido em seus estudos,
preparando-se para os exames finais do segundo ano, Fangpu o visitou,
mais animado do que de costume. Ele vinha devorando os jornais de
Pequim para se manter atualizado quanto às tendências na capital, e lera
recentemente sobre um debate literário iniciado por vários intelectuais
renomados, algo que tinha de compartilhar com o amigo.
Esses intelectuais haviam acusado escritores famosos e respeitados de
ocultar mensagens contrarrevolucionárias em suas peças, filmes e artigos de
revista, baseando essas acusações em leituras cuidadosas de certas
passagens nas obras destes, as quais poderiam ser vistas como críticas
veladas ao próprio Mao. “Certas pessoas estão usando a arte e a literatura
para atacar o partido e o socialismo”, disse Fangpu. “Esse debate diz
respeito ao futuro da revolução”, disse ele, “e Mao deve estar por trás de
tudo”. Para Jianhua, aquilo tudo soava um pouco tedioso e acadêmico, mas
ele confiava nos instintos do amigo mais velho, e prometeu que
acompanharia os acontecimentos pelos jornais.
As palavras de Fangpu se revelaram proféticas: em uma semana, os
jornais de toda a China haviam passado a reportar a história do debate
acirrado. Os professores da ESY começaram a falar sobre alguns desses
artigos de jornal nas aulas. Certo dia, o secretário do Partido Comunista na
escola, um homem barrigudo chamado Ding Yi, convocou uma assembleia
e fez um discurso repetindo, quase que palavra por palavra, um editorial
contra os escritores contrarrevolucionários. Com certeza havia algo no ar.
Os alunos agora precisavam devotar várias horas de todos os dias às
discussões sobre as novidades mais recentes do debate.
Em toda a cidade de Pequim, cartazes com letras enormes haviam
aparecido atacando a “linha negra antipartidária”, referindo-se àqueles que,
em segredo, tentavam frear a revolução comunista. Ding forneceu aos
alunos material para fabricar os seus próprios cartazes, e eles se dedicaram
com entusiasmo à tarefa. Na maior parte, copiavam os de Pequim; Zongwei,
um artista talentoso e amigo de Jianhua, criou os cartazes mais interessantes
de todos, com a sua caligrafia elegante. Em poucos dias, quase todas as
paredes da escola estavam cobertas, e o secretário Ding andava pelo campus
lendo-os, sorrindo e aprovando o trabalho. Para Jianhua, tudo isso era bem
diferente e excitante, e ele adorou o novo visual do lugar.
A campanha em Pequim se concentrou sobre intelectuais locais que
todos conheciam, mas em Yizhen isso parecia bem distante. Se a China
estava sendo infiltrada por todo tipo de contrarrevolucionários, isso
significava que provavelmente haviam infiltrado a própria escola, e o único
local lógico para os alunos procurarem por esses inimigos de classe era
entre os professores e os funcionários. Eles começaram a escrutinar as
palestras e lições em busca de mensagens ocultas, assim como os
intelectuais tinham feito com a obra dos escritores famosos.
Liu, que dava aulas de Geografia, sempre falava das belas paisagens da
China, mas quase nunca mencionava as palavras inspiradoras de Mao. Será
que isso significava algo? O pai do professor de Física Feng era norteamericano e servira na Marinha dos Estados Unidos; seria o professor, na
verdade, imperialista? Li, que ensinava Chinês, havia a princípio lutado
junto aos nacionalistas contra os comunistas durante a revolução, mas
mudou de lado no último ano. Os alunos sempre confiaram nessa versão
dos acontecimentos, e Li era o docente predileto de Jianhua por ter tanto
talento para contar histórias. Contudo, em retrospecto, parecia um pouco
conservador e burguês. Será que, no fundo, ainda era um nacionalista
contrarrevolucionário? Em pouco tempo, a fim de questionar o fervor de
alguns desses professores, passaram a surgir cartazes, os quais o secretário
Ding ordenou que fossem banidos, pois os julgou uma aplicação trivial do
debate.
Em junho, o movimento que tomara conta de Pequim e, a seguir, de
toda a China, adquirira um nome – a Grande Revolução Cultural Socialista.
Foi de fato o próprio Mao que instigara tudo ao encomendar os artigos nos
jornais, e ele seria o líder permanente do novo movimento. Temia que a
China estivesse retrocedendo ao seu passado feudal. As maneiras antigas de
pensar e agir haviam retornado. As burocracias tinham se tornado terrenos
férteis para um novo tipo de elite. Os camponeses permaneciam
relativamente impotentes.
Sua ideia era emitir um alerta para reviver o espírito revolucionário, a
fim de que a geração mais nova vivenciasse a revolução em primeira mão,
fazendo que eles mesmos a realizassem. Proclamou aos jovens que era
“correto se rebelar”, mas a palavra que empregou em chinês para isso foi
zao fan, que literalmente significa virar tudo de ponta-cabeça. Era o dever
deles questionar a autoridade, disse. Aqueles que trabalhavam em segredo
para empurrar a China de volta ao passado ele chamou de “revisionistas”, e
implorou aos estudantes que o ajudassem a descobrir os revisionistas,
arrancando-os da nova China revolucionária.
Tomando esses pronunciamentos de Mao como uma convocação à ação,
Fangpu criou o cartaz mais audacioso que qualquer um já tinha visto – era
um ataque direto ao próprio secretário Ding. Este era não só o secretário do
partido na escola, mas também um veterano da revolução e uma figura
altamente respeitada. Segundo Fangpu, porém, o fato de Ding ter proibido a
crítica aos professores provava que ele era revisionista, determinado a
suprimir o espírito de questionamento que Mao encorajara. Isso gerou um
rebuliço. Os alunos haviam sido treinados a obedecer às autoridades sem
questioná-las, em especial os respeitados membros do partido. Fangpu
quebrara esse tabu. Será que fora longe demais?
Dias depois da aparição do cartaz de Fangpu, alguns estranhos de
Pequim chegaram ao campus. Faziam parte de “equipes de trabalho”
enviadas às escolas da China para ajudar a supervisionar e manter a
disciplina durante a Revolução Cultural em andamento. A equipe de
trabalho em ESY ordenou que Fangpu se desculpasse publicamente ao
secretário Ding. Ao mesmo tempo, porém, eliminaram a censura aos
cartazes que criticavam os professores. Assim como nas escolas em toda a
China, suspenderam todas as classes e exames na ESY. Os estudantes
deveriam se devotar à revolução, sob o olhar atento das equipes.
Sentindo-se repentinamente livres da opressão do passado e de todos os
hábitos de obediência que lhes haviam sido inculcados, os alunos da ESY
começaram a atacar de forma descarada aqueles professores que
demonstraram menos zelo revolucionário ou que foram pouco gentis com
eles.
Jianhua se sentiu compelido a participar da campanha, mas isso era
difícil – ele gostava de quase todos os professores. Contudo, não queria dar
a impressão de ser revisionista. Além disso, respeitava a sabedoria e a
autoridade de Mao. Decidiu criar um cartaz atacando a professora Wen, que
o havia criticado certa vez por não se interessar o suficiente por política, o
que o incomodara na época. Ele compôs a crítica da maneira mais gentil
possível. Outros deram continuidade à iniciativa e foram mais além com os
ataques contra Wen, e Jianhua se sentiu culpado.
A fim de satisfazer a raiva crescente dos estudantes, professores
confessaram alguns pecadilhos revolucionários, mas isso fez os alunos
pensarem que havia ainda mais escondido. Mais pressão precisava ser
aplicada para que revelassem a verdade, e um aluno apelidado de “Pequeno
Bawang” (bawang significa “inspetor”, numa referência ao gosto dele por
dar ordens) teve uma ideia de como fazer isso. Ele havia lido a descrição de
Mao sobre como, durante a revolução da década de 1940, os camponeses
tinham capturado os proprietários de terras mais notórios, forçando-os a
desfilar pelas cidades usando enormes chapéus que os rotulavam como
ignorantes, e com pesadas tábuas de madeira – com inscrições que
descreviam os crimes de cada um – penduradas no pescoço. A fim de evitar
essa humilhação pública, com certeza os professores confessariam a
verdade. Todos concordaram em tentar essa estratégia, e o primeiro alvo
desse tratamento foi Li, o professor favorito de Jianhua.
Acusado de ter fingido a sua conversão ao comunismo, começaram a
circular histórias de que Li teria contado a outros professores sobre as
visitas que fizera a bordéis em Xangai. Era evidente que tinha uma vida
secreta, e Jianhua agora estava desapontado com ele. A China antes da
revolução comunista havia sido um lugar cruel e, se Li estava trabalhando
para trazê-lo de volta, só podia odiá-lo. Recusando-se a confessar quaisquer
crimes, Li foi o primeiro a ser forçado a desfilar pela escola com o chapéu
de ignorante e a tábua pendurada no pescoço. No caminho, alguns alunos
derramaram um balde de cola para cartazes sobre a cabeça dele. Jianhua
seguiu o desfile de longe, tentando reprimir o desconforto ante a
humilhação do docente.
Liderados pelo Pequeno Bawang, impuseram o mesmo destino a mais
professores, com os chapéus de ignorante se tornando insuportavelmente
altos e as tábuas, mais pesadas. Imitando os irmãos e irmãs revolucionários
de Pequim, os estudantes iniciaram “sessões de luta” em que forçavam
certos professores a adotarem a posição de avião a jato – um aluno de pé de
cada lado, forçando-os a se ajoelharem, puxando-lhes os cabelos para trás, e
segurando-lhes os braços para os lados e para trás, como as asas de um
avião a jato. Aquilo lhes causava muita dor, e parecia funcionar, pois,
depois de uma hora ou duas de zombaria, muitos começavam a confessar.
Os alunos estavam certos nas suas suspeitas – a escola estava apinhada de
revisionistas, bem debaixo do nariz deles!
Logo a atenção deles se voltou para o vice-diretor, Ling Sheng, pois
tinham descoberto que era filho de um notório proprietário de terras. Ele era
o terceiro funcionário na hierarquia da escola, o que tornou essa notícia
ainda mais obscena. Jianhua havia sido enviado ao escritório dele uma vez
por mau comportamento, e Sheng fora bem leniente, o que o rapaz apreciara
na época. Os alunos o trancaram num quarto, onde deveria permanecer
entre as sessões de luta, mas uma manhã Jianhua, servindo como guarda de
plantão, abriu o cômodo e descobriu que o vice-diretor havia se enforcado.
Mais uma vez ele se esforçou para reprimir o desconforto, mas precisava
admitir que o suicídio dava a impressão de que Lin Sheng era de fato
culpado de algo.
Certo dia, em meio a tudo isso, Jianhua encontrou Fangpu, que
transbordava de excitação. Desde o pedido público forçado de desculpas
pelo cartaz atacando Ding, ele tentava passar despercebido. Havia passado o
tempo devorando os textos de Mao e Marx e planejando o seu próximo
passo. Vinha agora de Pequim a notícia de que as equipes de trabalho
deveriam se retirar de todas as escolas; os estudantes formariam o seu
próprio comitê para governá-la, escolhendo um funcionário dela como líder.
Fangpu planejava ser o líder estudantil do comitê, e travaria uma revolução
aberta contra o secretário Ding. Jianhua só podia admirar a bravura e
persistência do amigo.
Por meio do Pequeno Bawang, que forçava cada vez mais confissões
dos professores, Fangpu descobriu que o secretário Ding havia tido casos
amorosos com pelo menos duas professoras, o que revelava a sua hipocrisia
audaciosa. Ele era um que sempre esbravejava contra a decadência
ocidental e advertia os estudantes de Yizhen a manterem distância uns dos
outros. Bawang e Fangpu lhe saquearam o escritório e descobriram que ele
acumulava cupons de comida e possuía um rádio sofisticado e garrafas de
bom vinho, tudo escondido.
Agora os cartazes atacando Ding enchiam as paredes. Até Jianhua se
sentiu indignado com o comportamento do secretário. Logo, Ding Yi foi
forçado a desfilar pela escola, e depois pela cidade de Yizhen, com um
tambor bem pesado amarrado ao pescoço e um gigantesco chapéu de
ignorante na cabeça, decorado com desenhos de monstros. Enquanto batia
no tambor com uma mão e segurava o chapéu com a outra, precisava cantar:
“Eu sou Ding Yi, boi demoníaco e espírito de cobra”. Os cidadãos de
Yizhen, que conheciam o secretário Ding, observaram boquiabertos o
espetáculo. O mundo de fato virara de ponta-cabeça.
Pelo meio do verão, a maioria dos professores havia fugido. Quando
chegou a hora de formar o comitê que governaria a escola, apenas uns
poucos permaneciam para lhes servir como presidente. Nomearam como tal
um docente pouco conhecido e bastante indefeso chamado Deng Zeng,
tendo Fangpu como líder estudantil. A seguir, a equipe de trabalho deixou a
ESY, e Deng e o comitê estavam no comando.
À medida que os alunos deram prosseguimento à revolução, Jianhua se
sentia cada vez mais entusiasmado. Ele e o amigo Zongwei carregavam
velhas lanças e espadas ao patrulhar a escola procurando por espiões, o que
lhe recordava dos romances que adorava ler. Marchavam em colunas até a
cidade, agitando enormes bandeiras vermelhas, carregando grandes cartazes
do presidente Mao e cópias do seu livrinho vermelho, entoando palavras de
ordem, batendo tambores e pratos. Era tudo tão dramático que lhes dava a
sensação de estarem de fato participando de uma revolução. Certo dia,
marcharam por Yizhen arrancando os letreiros de lojas e placas de ruas que
fossem vestígios da China pré-revolucionária. Mao teria orgulho deles.
Em Pequim, alguns estudantes haviam formado grupos para apoiar e
defender Mao na sua Revolução Cultural. Atendiam pelo nome de Guarda
Vermelha e usavam braçadeiras em vermelho-vivo. Mao aprovou essa
iniciativa, e agora unidades da Guarda Vermelha começavam a surgir nas
escolas e universidades em todo o país, sendo admitidos nesta apenas os
revolucionários mais puros e fervorosos. A competição para se juntar ao
grupo era feroz. Graças ao passado ilustre do pai, Jianhua se tornou
membro, deleitando-se com os olhares de admiração dos colegas estudantes
e dos cidadãos locais, que notavam a braçadeira vermelha que ele nunca
tirava.
Houve um pequeno problema, porém, em meio a esses acontecimentos
excitantes: numa visita ao lar para ver a família, na cidade próxima de
Lingzhi, Jianhua soube que estudantes locais acusaram o pai dele de ser
revisionista e de se importar mais com a economia e o cultivo da fazenda do
que com a revolução. Fizeram-no ser dispensado da sua posição no
governo. Ele teve que passar por diversas sessões de luta na posição de
avião a jato; a família estava em desgraça. Embora Jianhua amasse e
admirasse o pai e se preocupasse com ele, não conseguia deixar de temer
que, se a notícia daquela desgraça chegasse à escola, perderia a braçadeira
vermelha e seria marginalizado. Ele teria de tomar cuidado ao falar sobre a
família.
Ao voltar para a escola muitas semanas mais tarde, notou algumas
mudanças radicais por lá. Fangpu consolidara o poder e formara um novo
grupo chamado Tropa O-Leste-É-Vermelho. Ele e o seu time haviam
expulsado o presidente Deng e estavam agora no comando da escola.
Fundaram o seu próprio jornal, chamado Notícias do campo de batalha,
para promover e defender as próprias ações. Jianhua também soube que
outro professor morrera sob circunstâncias suspeitas.
Certo dia, Fangpu visitou Jianhua e o convidou para ser um dos
repórteres principais do Notícias do campo de batalha. O amigo lhe parecia
diferente – havia ganhado peso, não estava tão pálido e tentava deixar a
barba crescer. Aquela era uma oferta tentadora, mas algo fez Jianhua
recusar, e Fangpu não gostou disso, embora tentasse disfarçar a irritação
com um sorriso forçado. Fangpu estava começando a assustar Jianhua.
Os alunos agora se juntavam em massa à Tropa O-Leste-É-Vermelho,
mas em poucas semanas um grupo rival, que se denominava os Rebeldes
Vermelhos, emergiu no campus. Seu líder era Mengzhe, um aluno cujos
pais eram camponeses e que defendia uma revolução mais tolerante,
baseada na razão, e não na violência, o que compreendia como uma forma
mais pura de maoismo. Ele conquistou afiliados, inclusive o irmão mais
velho de Jianhua, Weihua, que era aluno da ESY. Sua popularidade
crescente enfureceu Fangpu, que o chamava de monarquista, sentimentalista
e contrarrevolucionário dissimulado. Fangpu e seus seguidores destruíram o
escritório dos Rebeldes Vermelhos e ameaçaram fazer algo pior. Embora
com a certeza de que isso poderia causar uma ruptura completa em sua
amizade com Fangpu, Jianhua contemplou a ideia de se juntar aos Rebeldes
Vermelhos. Sentia-se atraído pelo idealismo deles.
Bem quando a tensão entre os dois lados se agravava ao ponto de virar
uma guerra declarada, um representante das Forças Armadas chinesas foi ao
campus e anunciou que Mao havia despachado unidades do Exército para
todo o país a fim de assumir o controle das escolas. O caos e a violência
crescentes que consumiam a ESY afetavam também as fábricas e os
escritórios governamentais, a China como um todo. A Revolução Cultural
estava fora de controle. Em pouco tempo, 36 soldados chegaram ao campus,
parte de uma unidade do Exército conhecida como a 901, dando ordens para
que todas as facções debandassem e que as aulas fossem retomadas.
Haveria exercícios militares e a disciplina seria restabelecida.
Muito havia mudado nos oito meses desde que tudo começara, e os
alunos não conseguiram aceitar um retorno tão repentino à disciplina.
Aborrecidos, eles não compareciam às aulas. Fangpu se encarregou da
campanha para expulsar os soldados: afixou cartazes acusando a 901 de ser
formada por inimigos da Revolução Cultural. Certo dia, ele e os seus
seguidores atacaram um dos oficiais do Exército com um estilingue e o
feriram. Embora os estudantes temessem represálias, a unidade 901 foi de
súbito retirada do campus sem nenhuma explicação.
Os alunos estavam agora completamente sozinhos, e esse parecia um
prospecto assustador. Eles logo se aliaram a um dos dois grupos. Alguns se
juntaram à Tropa O-Leste-É-Vermelho porque era maior e oferecia posições
melhores; outros se uniram aos Rebeldes Vermelhos porque detestavam
Fangpu e o Pequeno Bawang; e houve quem escolhesse um dos dois por
acreditar que era mais revolucionário. Jianhua ficou ao lado dos Rebeldes
Vermelhos, assim como o amigo Zongwei.
Cada parte tinha certeza de representar o verdadeiro espírito da
Revolução Cultural. À medida que gritavam uns com os outros e discutiam,
brigas físicas eclodiram, e não havia ninguém para detê-los. Em pouco
tempo, os alunos estavam levando bastões e varas para as lutas, e os
ferimentos aumentaram. Certo dia, membros da Tropa O-Leste-É-Vermelho
capturaram alguns Rebeldes Vermelhos e os mantiveram prisioneiros. Os
companheiros destes não conseguiram descobrir nada sobre o destino deles.
Em meio a esse momento de tensão, os Rebeldes Vermelhos
descobriram que um dos seus membros, uma aluna chamada Yulan, era na
verdade espiã para o lado adversário. Furiosos com essas táticas, eles a
amarraram e começaram a bater nela, a fim de saber se havia mais espiões.
Para o horror de Jianhua, que considerou isso uma traição dos ideais do
grupo, espancaram-na e a feriram, mas ela não revelou nada. Pouco tempo
depois, Yulan foi trocada pelos prisioneiros mantidos pela Tropa O-Leste-ÉVermelho, mas agora a antipatia entre os dois lados alcançara um ponto de
ruptura.
Semanas mais tarde, a Tropa O-Leste-É-Vermelho deixou em massa a
escola e estabeleceu o seu quartel-general num prédio que haviam tomado
na cidade. Mengzhe decidiu formar um time de guerrilheiros que operaria
em Yizhen à noite para vigiar a Tropa e realizar alguns trabalhos de
sabotagem. Jianhua foi designado ao time como repórter. Era um trabalho
excitante. Ao encontrar o inimigo, as batalhas com estilingues irrompiam,
até que as Tropas capturaram um dos guerrilheiros Rebeldes, chamado
Heping. Alguns dias depois, ele foi encontrado morto num hospital. As
tropas o haviam levado para um passeio de jipe pelo deserto, com uma meia
na boca, e ele sufocou no caminho. Agora até mesmo Mengzhe estava farto
e jurou vingança por aquele ato horrível. Jianhua só poderia concordar com
ele.
À medida que os conflitos se espalhavam, os cidadãos fugiam e prédios
inteiros eram abandonados, e saqueadores os vasculhavam à procura de
bens. Os Rebeldes Vermelhos logo partiram para a ofensiva. Trabalhando
com artesãos locais, fabricaram espadas e lanças da melhor qualidade. As
fatalidades aumentaram. Por fim, os Rebeldes cercaram a fortaleza da Tropa
na cidade e prepararam um ataque final. A Tropa fugiu, deixando para trás
um pequeno bando de alunos soldados no prédio. Os Rebeldes exigiram que
estes se rendessem e, de repente, de uma janela do terceiro andar, a jovem
Yulan gritou: “Prefiro morrer a me render a vocês!”. Com a bandeira
vermelha da Tropa na mão, ela gritou: “Longa vida ao presidente Mao!”, e
pulou. Jianhua encontrou o corpo sem vida dela no chão, embrulhado na
bandeira. A devoção da garota à causa o assombrou e impressionou.
Agora no controle, os Rebeldes Vermelhos estabeleceram o seu quartelgeneral na escola e prepararam as defesas para uma contraofensiva da
Tropa. Construíram uma fábrica de munições temporária no campus.
Alguns alunos haviam aprendido a fazer granadas e vários dispositivos
explosivos poderosos. Uma explosão acidental matou muitos deles, mas o
trabalho prosseguiu. Zongwei, o artista, estava farto; de algum modo, as
origens nobres dos Rebeldes Vermelhos tinham se perdido, e ele temia a
expansão da violência; fugiu de Yizhen para sempre. Jianhua perdeu o
respeito pelo amigo. Como Zongwei pôde esquecer aqueles que se feriram
ou morreram pela causa? Desistir agora seria dizer que tudo fora em vão.
Não seria covarde como o amigo. Além disso, a Tropa O-Leste-É-Vermelho
era simplesmente maligna e capaz de fazer qualquer coisa para tomar o
poder. Eles haviam traído a revolução.
Enquanto a vida na escola se estabilizava e os Rebeldes Vermelhos
construíam as suas defesas, Jianhua visitou a família, a quem não via fazia
algum tempo. Quando voltou à escola certa noite, porém, não conseguiu
acreditar nos próprios olhos: os Rebeldes Vermelhos tinham desaparecido; a
bandeira do grupo não tremulava mais sobre a escola. Por todos os cantos
havia soldados armados. Finalmente, ele encontrou alguns camaradas se
escondendo num prédio da escola, e estes lhe contaram o que acontecera:
Mao estava reafirmando a sua autoridade de uma vez por todas; escolhia
lados em vários conflitos locais para ajudar a criar alguma ordem; e os
soldados no condado nomearam a Tropa O-Leste-É-Vermelho como o
grupo mais legitimamente revolucionário. As repercussões disso seriam
medonhas.
Jianhua e vários outros camaradas decidiram tentar escapar e se
reagrupar nas montanhas, para onde Mengzhe parecia ter fugido, mas havia
um bloqueio cercando todo o condado e eles foram forçados a retornar à
escola, que se tornara mais uma prisão, supervisionada pela Tropa O-LesteÉ-Vermelho.
Agora os Rebeldes só poderiam esperar o pior. Para a Tropa, eles eram
um bando de contrarrevolucionários que lhes haviam espancado e matado
os camaradas. Então, certo dia, quando os Rebeldes Vermelhos no campus
foram agrupados numa sala, os líderes da Tropa, inclusive Fangpu e o
Pequeno Bawang, entraram com granadas presas aos cintos. Fangpu
segurava uma lista de todos os que deveriam ser retirados da sala,
nitidamente para algum propósito nefasto. Fangpu se mostrou amistoso com
Jianhua e lhe disse que não era tarde para mudar de lado, mas Jianhua não o
via mais sob a mesma luz. A amabilidade de Fangpu o fez parecer ainda
mais sinistro.
Naquela noite, eles escutaram de um prédio próximo os berros dos
camaradas cujos nomes constavam da lista. Depois, chegaram-lhes a notícia
de que membros da Tropa haviam capturado Mengzhe, espancando-o e
levando-o de volta à escola, onde também estava preso. A sala vizinha à
qual Jianhua e os amigos dormiam agora, eles observaram, teve as janelas
tapadas com cobertores pelo Pequeno Bawang e a sua equipe. Estavam
transformando o aposento numa câmara de tortura. Logo notaram exmembros do grupo dos Rebeldes Vermelhos mancando pelo campus, com
medo de falar com qualquer um. Então foi a vez de Jianhua de ser levado
para a outra sala. Foi vendado e amarrado a uma cadeira na posição mais
desconfortável. Queriam que ele assinasse uma declaração de retratação e,
quando ele hesitou, começaram a bater nele com a perna de uma cadeira.
Jianhua gritou: “Vocês não podem fazer isso comigo. Somos colegas de
escola. Somos irmãos de classe […]”.
O Pequeno Bawang não aceitaria isso. Jianhua precisava confessar os
crimes que havia cometido, a parte que desempenhara nas várias batalhas na
cidade, e listar os nomes de outros Rebeldes Vermelhos escondidos em
algum lugar do campus. Os golpes nas pernas se intensificaram, e eles
passaram a golpeá-lo na cabeça. Ainda vendado, temia pela própria vida e,
em pânico, forneceu de repente o nome de um companheiro Rebelde, Dusu.
Finalmente, eles carregaram Jianhua, incapaz de andar, para fora da sala.
Sentiu logo um imenso arrependimento por ter mencionado Dusu. Que
covarde havia sido. Ele tentou avisar o rapaz, mas já era tarde demais. A
tortura dos outros Rebeldes Vermelhos continuou na sala vizinha, inclusive
do irmão de Jianhua, Weihua, espancado até ser reduzido a uma massa
sangrenta. Mengzhe teve a cabeça raspada e, quando foi visto a seguir, o
rosto estava coberto com os hematomas mais horripilantes.
Certo dia, Jianhua foi informado de que o seu amigo e camarada
Zongwei havia sido capturado e, quando Jianhua foi vê-lo, estava
inconsciente, as pernas nuas repletas de grandes perfurações, o sangue
escorrendo para todos os lados. Fora açoitado com ganchos de ferro por se
recusar a admitir os seus crimes. Como o indefeso Zongwei poderia inspirar
tamanha selvageria? Jianhua correu para buscar um médico, mas, quando
retornou, já era tarde demais: Zongwei morreu nos braços do amigo. O
corpo foi retirado rapidamente, e uma história foi inventada para explicar
como ele falecera. Ordenaram a Jianhua que permanecesse calado. Uma
professora que se recusou a confirmar num atestado juramentado a versão
oficial da Tropa sobre a morte de Zongwei foi espancada e estuprada pelo
Pequeno Bawang e seus seguidores.
Nos meses que se seguiram, Fangpu expandiu os seus poderes, sendo
que ele em essência governava a escola, e as aulas foram retomadas.
Notícias do campo de batalha era o único jornal permitido. A própria escola
foi rebatizada como Escola Secundária O-Leste-É-Vermelho. Com o poder
da Tropa assegurado, a câmara de tortura foi desmontada. As aulas
consistiam, na maior parte, de recitar textos de Mao. Todas as manhãs, eles
se reuniam diante de um cartaz gigantesco do presidente Mao e, brandindo
os livrinhos vermelhos, entoavam cânticos desejando-lhe uma longa vida.
Os membros da Tropa iniciaram um processo escrupuloso de reescrever
o passado. Mantinham exibições para celebrar as próprias vitórias, cheias de
fotografias manipuladas e relatos falsos de notícias, tudo para reforçar a
versão deles dos acontecimentos. Uma estátua enorme do presidente Mao,
cinco vezes maior do que o próprio, estava agora instalada no portão da
escola, impondo-se a todo o resto. Os ex-membros do grupo dos Rebeldes
Vermelhos tiveram de usar braçadeiras brancas que descreviam os seus
diversos crimes. Eram forçados a se prostrar e encostar a testa no chão
diante da estátua de Mao várias vezes ao dia, enquanto os colegas os
chutavam por trás. Os ex-Rebeldes Vermelhos, assim como os professores
vilipendiados, haviam se tornado intimidados e obedientes.
Jianhua foi forçado a realizar os trabalhos mais degradantes e, farto
disso, no início do verão de 1968, retornou à terra natal. O pai o enviou,
junto com o irmão, a uma fazenda remota nas montanhas onde estariam
seguros e trabalhariam como operários. Em setembro, determinado a
concluir os estudos, Jianhua voltou à escola. Os poucos meses fora lhe
haviam dado alguma perspectiva e agora ele via a Escola Secundária OLeste-É-Vermelho sob uma luz diferente: por todos os cantos encontrou
sinais de destruição incrível – salas de aula completamente demolidas, sem
mesas ou cadeiras, as paredes repletas de cartazes descascando e o reboco
em ruínas; os laboratórios de Ciência sem nenhum equipamento; pilhas de
entulho por todo o campus; sepulturas sem identificação; o salão de música
detonado por uma bomba; e quase nenhum professor ou funcionário
respeitável para retomar a educação dos alunos.
Toda essa destruição em poucos anos, e por quê? Pelo que Heping,
Yulan, Zongwei e tantos outros haviam morrido? Pelo que estavam lutando?
O que tinham aprendido? Não conseguia mais entender, e o desperdício
daquelas vidas tão jovens o encheu de desgosto e desespero.
Pouco tempo depois, Jianhua e o irmão se juntaram ao Exército, para
escapar da escola e enterrar aquelas lembranças. Nos anos que se seguiram,
ao dirigir um caminhão do Exército entregando pedras e cimento, ele e os
camaradas assistiram ao desmantelamento gradual da Revolução Cultural,
com todos os antigos líderes caindo em desgraça. Depois da morte de Mao
em 1976, o próprio Partido Comunista condenou finalmente a Revolução
Cultural como uma catástrofe nacional.
Interpretação: A história narrada e os personagens vieram do livro
Born Red (Nascido vermelho em inglês, 1987), de Gao Yuan. (O nome do
autor era Gao Jianhua, porém ele o mudou após a Revolução Cultural.) É o
relato não fictício dos eventos de que participou na sua escola durante a
Revolução Cultural.
Em essência, ela foi a tentativa de Mao de tentar alterar a natureza
humana em si. Segundo ele, por milênios de capitalismo em diversos
formatos, os seres humanos haviam se tornado individualistas e
conservadores, presos às suas classes sociais. Mao queria apagar o passado
e começar de novo. Como explicou: “Uma folha de papel em branco não
tem manchas, e assim as imagens mais novas e belas podem ser pintadas
sobre ela”. Para conseguir essa tela em branco, teria que agitar as águas
numa escala colossal ao arrancar pela raiz os velhos hábitos e maneiras de
pensar, e ao erradicar o respeito cego das pessoas por aqueles em posições
de autoridade. Uma vez que tivesse conseguido isso, Mao começaria a
pintar algo novo e ousado numa folha em branco. O resultado seria uma
geração renovada que passaria a construir uma sociedade sem classes que
não carregaria os fardos do passado.
Os acontecimentos descritos em Born Red revelam, num microcosmo, o
resultado do experimento de Mao: não é possível desenraizar a natureza
humana; tente alterá-la e ela apenas reemergirá em maneiras e formatos
diferentes. As consequências de centenas de milhares de anos de evolução e
desenvolvimento não podem ser remodeladas radicalmente por algum
esquema, em especial quando envolve o comportamento das pessoas em
grupos, que se conformam de modo inevitável com certos padrões antigos.
(Embora seja tentador ver o que aconteceu na ESY como mais relevante em
termos do comportamento adolescente em grupos, os jovens muitas vezes
representam a natureza humana numa forma mais nua e pura do que os
adultos, que sabem melhor como disfarçar as suas motivações. Em todo
caso, o que aconteceu na escola ocorreu em toda a China – em escritórios
governamentais, fábricas, dentro do Exército –, entre chineses de todas as
idades, de maneira assustadoramente similar.) Vejamos a forma exata como
o experimento de Mao fracassou e o que ele demonstra sobre a natureza
humana.
Mao tinha a seguinte estratégia específica para executar essa ideia
ousada: concentrar a atenção das pessoas num inimigo legítimo (nesse caso,
os revisionistas, aqueles que, de maneira consciente ou inconsciente, se
agarravam ao passado), encorajando-as, em especial os jovens, a enfrentar
com vigor essa força reacionária, mas também a enfrentar qualquer forma
estabelecida de autoridade. Nessa luta, os chineses seriam capazes de se
libertar dos velhos padrões de pensamento e ação; finalmente se livrariam
das elites e dos sistemas de categorização, e se unificariam como uma
classe revolucionária com um entendimento claro de por que estavam
lutando.
A estratégia dele, porém, tinha um defeito fatal no seu âmago: quando
os indivíduos atuam em grupos, eles não empregam o pensamento sutil e a
análise profunda. Apenas aqueles com um grau de calma e desapego são
capazes disso. As pessoas em grupos se sentem emocionais e excitadas. O
seu desejo primário é se encaixar no espírito de grupo. O pensamento delas
tende a ser simplista – o bem contra o mal, do nosso lado ou contra nós.
Criar o caos de forma deliberada, como fez Mao, só garante que todos
cairão nesses padrões primitivos de pensamento, já que é assustador demais
para os seres humanos viver com muita confusão e incerteza.
Veja como os alunos da ESY responderam à convocação de Mao à ação:
ao se defrontarem pela primeira vez com a Revolução Cultural, eles apenas
transformaram o próprio Mao na nova autoridade que os guiaria. Engoliram
as ideias dele com muito pouca reflexão pessoal. Imitaram as ações de
outros em Pequim da maneira mais convencional. Procurando por
revisionistas, tenderam a basear o julgamento em aparências – as roupas
que os professores vestiam, a comida ou vinhos especiais que bebiam, as
maneiras deles, o histórico familiar. Essas aparências eram bem falsas. A
professora Wen era radical em suas crenças, mas foi julgada como
revisionista com base na sua predileção pela moda de estilo ocidental.
Na velha ordem, deveriam oferecer obediência total aos professores
todo-poderosos; apesar de estarem de repente libertos de tudo isso,
permaneceram emocionalmente ligados ao passado. Os docentes ainda
pareciam
todo-poderosos,
mas
agora
como
contrarrevolucionários
manipuladores. O ressentimento reprimido dos alunos por terem que ser tão
obedientes agora se transformava em raiva e no desejo de serem os que
oprimiam e puniam. Quando os professores confessaram crimes que, na
maior parte, nunca tinham cometido (a fim de evitar punições ainda
maiores), isso apenas pareceu confirmar a paranoia dos estudantes. Eles
haviam invertido os papéis de obedientes em opressores, mas o raciocínio
deles se tornara ainda mais simplista e irracional, o oposto das intenções de
Mao.
No vácuo de poder que Mao havia criado, outra dinâmica imemorial de
grupo emergiu: aqueles naturalmente mais assertivos, agressivos e até
sádicos (nesse caso, Fangpu e o Pequeno Bawang) abriram caminho à força
e assumiram o poder, enquanto os que eram mais passivos (Jianhua,
Zongwei) recuaram em silêncio para o segundo plano, tornando-se
seguidores. Os tipos agressivos da ESY agora formavam uma nova classe
de elite, distribuindo regalias e privilégios. De maneira semelhante, em
meio a toda a confusão que a Revolução Cultural gerou, os estudantes se
tornaram ainda mais obcecados com o seu status dentro do grupo.
Perguntavam-se quem estava na categoria vermelha entre eles, e quem
estava na preta. Era melhor ser camponês ou proletário? Como dar um jeito
de se tornar membro da Guarda Vermelha e receber a bela braçadeira
vermelha, símbolo da elite revolucionária? Em vez de se voltarem de forma
natural em direção a uma nova ordem igualitária, os alunos continuavam a
se esforçar para alcançar posições superiores.
Quando todas as formas de autoridade foram removidas e os estudantes
dirigiam a escola, não havia nada que impedisse o próximo e mais perigoso
estágio da dinâmica de grupo – a divisão em facções tribais. Por natureza,
nós, seres humanos, rejeitamos tentativas de qualquer um de monopolizar o
poder, como Fangpu tentou fazer, pois isso tira as oportunidades de outras
pessoas ambiciosas e agressivas. Também cria grandes agrupamentos em
que membros individuais se sentem um tanto perdidos. De maneira quase
automática, os grupos se subdividirão em facções menores e tribos rivais.
Na tribo rival, um novo líder carismático (nesse caso, Mengzhe) assume o
poder e os membros conseguem se identificar com mais facilidade com o
número menor de camaradas. Os laços são fortes e fortalecidos ainda mais
pela luta contra o inimigo tribal. Os indivíduos talvez pensem que estão se
juntando por causa das ideias ou metas diferentes dessa ou daquela tribo,
mas o que querem mais do que tudo é o sentimento de pertencer a um grupo
e a uma identidade tribal clara.
Examine as diferenças reais entre a Tropa O-Leste-É-Vermelho e os
Rebeldes Vermelhos. À medida que a batalha entre eles se intensificou, era
difícil dizer pelo que estavam lutando, a não ser assumir o poder sobre o
outro grupo. Uma ação forte ou malévola de um lado invocava uma
represália do outro, e qualquer tipo de violência parecia totalmente
justificada.
Não
poderia
haver
nenhum
meio-termo,
nenhum
questionamento da virtude da causa deles. A tribo está sempre certa, e dizer
o contrário é traí-la, como fez Zongwei.
Mao queria construir uma cidadania chinesa unificada, clara quanto aos
seus objetivos; em vez disso, o país todo degringolou em batalhas tribais
desconectadas por completo do propósito original da Revolução Cultural.
Para piorar a situação, a taxa de criminalidade disparou e a economia
desacelerou até parar, já que ninguém se sentia encorajado a trabalhar ou
fabricar nada. As massas haviam se tornado ainda mais preguiçosas e mais
ressentidas do que durante a velha ordem.
Na primavera de 1968, o único recurso de Mao foi instituir um estado
policial. Centenas de milhares de pessoas foram jogadas em prisões. O
Exército assumiu o controle na prática. Para ajudar a restaurar a ordem e o
respeito pela autoridade, Mao se converteu numa figura cultuada, com a sua
imagem sendo venerada e as suas palavras repetidas como preces
revolucionárias. É interessante notar como a forma de repressão de Fangpu
na ESY – a tortura, o reescrever da história, o controle de toda a imprensa –
espelhava o que Mao estava fazendo por todo o país. A nova sociedade
revolucionária que Mao (assim como Fangpu) queria agora se assemelhava
aos regimes mais repressivos e supersticiosos da China feudal. Como o pai
de Jianhua, ele mesmo vítima da Revolução Cultural, costumava dizer ao
filho: “Uma coisa se transforma no oposto se for pressionada demais”.
Entenda: tenderemos a imaginar que essa história é um exemplo
extremo que tem pouca relevância em relação à nossa vida e aos grupos a
que pertencemos. Afinal, navegamos por espaços cheios de pessoas
sofisticadas em escritórios de alta tecnologia, em que todos se mostram tão
polidos e civilizados. Nós nos vemos de maneira similar: temos os nossos
ideais progressistas e o nosso pensamento independente. Entretanto, muito
disso é ilusão. Se nos observarmos com atenção e honestidade, teríamos de
admitir que, no momento em que entramos no nosso ambiente de trabalho
ou em qualquer grupo, sofremos uma mudança. Passamos com facilidade
para modos primitivos de pensamento e comportamento, sem nos darmos
conta.
Junto aos outros, tendemos naturalmente a nos sentirmos inseguros
quanto ao que eles pensam de nós. Sentimos uma pressão para nos
encaixarmos e, para conseguir isso, começamos a moldar os nossos
pensamentos e crenças às ortodoxias do grupo. Imitamos de maneira
inconsciente os demais membros – na aparência, nas expressões verbais e
nas ideias. Tendemos a nos preocupar bastante com o nosso status e com
onde nos situamos na hierarquia: “Estou recebendo o mesmo respeito que
os meus colegas recebem?”. Esse é o lado primata da nossa natureza, pois
compartilhamos essa obsessão pelo status com os nossos parentes
chimpanzés. Dependendo dos padrões da primeira infância, no ambiente de
grupo nos tornamos mais passivos ou mais agressivos do que o normal,
revelando as facetas menos desenvolvidas do nosso caráter.
Em relação aos líderes, em geral não os vemos como pessoas comuns.
Tendemos a nos sentir impressionados e intimidados pela presença deles,
como
se
possuíssem
poderes
míticos
extraordinários.
Quando
contemplamos o rival ou inimigo principal do nosso grupo, não deixamos
de nos sentir um pouco passionais e zangados, e de exagerar quaisquer
qualidades negativas. Se outros se sentem ansiosos ou indignados por algo,
com frequência somos contagiados. Todos esses elementos são indicações
sutis de estarmos sob a influência do grupo. Se estivermos passando pelas
transformações supramencionadas, podemos ter certeza de que o mesmo
está ocorrendo com nossos colegas.
Agora imagine uma ameaça exterior ao bem-estar ou estabilidade do
nosso grupo, uma crise de algum tipo. Todas as reações anteriores seriam
intensificadas pela tensão, e o nosso grupo aparentemente civilizado e
sofisticado poderia se tornar bem volátil. Sentiríamos uma pressão maior
para provar a nossa lealdade e seguir em linha com tudo que o grupo
defendesse. O nosso pensamento sobre o rival/inimigo se tornaria ainda
mais simplista e passional. Estaríamos sujeitos a ondas mais poderosas de
emoções virais, inclusive de pânico, ódio ou grandiosidade. O nosso grupo
poderia se dividir em facções com dinâmicas tribais. Líderes carismáticos
emergiriam com facilidade para explorar essa volatilidade. Se a pressão for
grande demais, pode revelar o potencial para a agressão que jaz sob a
superfície de quase qualquer grupo. No entanto, mesmo que consigamos
nos impedir de partir para a violência declarada, a dinâmica primitiva que
assume o controle pode ter consequências graves, à medida que se tem
reações exageradas e se tomam decisões com base em temores exacerbados
e na excitação incontrolável.
Para resistir a essa pressão descendente que os grupos exercem de modo
inevitável sobre nós, precisamos conduzir um experimento sobre a natureza
humana muito diferente do de Mao, com um único objetivo em mente –
desenvolver a habilidade de nos separar do grupo e criar um espaço mental
para
o
verdadeiro
pensamento
independente.
Começaremos
esse
experimento ao aceitar a realidade do efeito poderoso que o grupo tem
sobre nós. Seremos brutalmente honestos conosco mesmos, cientes de como
a nossa necessidade de nos encaixarmos molda e distorce o nosso
pensamento. Será que essa ansiedade ou indignação que sentimos vem só de
dentro, ou é inspirada pelos demais? Devemos observar a nossa tendência a
demonizar o inimigo e controlá-la. Temos de nos treinar para não venerar às
cegas os nossos líderes; nós os respeitaremos por suas realizações, sem
sentir a necessidade de deificá-los. É preciso ter cuidado especial em torno
daqueles com um apelo carismático, e tentar desmistificá-los e trazê-los de
volta à Terra. Com essa consciência, começaremos a resistir e nos separar.
Como parte desse experimento, precisamos não apenas aceitar a
natureza humana, mas trabalhar com o que temos para torná-la produtiva.
Sentimos de maneira inevitável a necessidade de obter status e
reconhecimento, portanto não neguemos isso. Pelo contrário, vamos
cultivar esse status e reconhecimento por meio da excelência do nosso
trabalho. Devemos aceitar a nossa necessidade de pertencer ao grupo e
provar a nossa lealdade, mas o façamos de formas mais positivas –
questionando as decisões do conjunto que poderiam prejudicar ele próprio
no longo prazo; fornecendo opiniões divergentes; conduzindo-o numa
direção mais racional, de modo gentil e estratégico. Utilizemos a natureza
viral das emoções no grupo, mas operando sobre uma reunião diferente de
emoções: se permanecermos calmos e pacientes, nos concentrando nos
resultados e na cooperação com outros a fim de realizar atividades práticas,
começaremos a espalhar esse espírito entre todos. E, ao dominarmos de
forma gradual a parte primitiva do nosso caráter dentro do ambiente
passional do grupo, emergiremos como indivíduos realmente independentes
e racionais – o ponto de conclusão do nosso experimento.
Quando as pessoas estão livres para fazerem o que bem entenderem, costumam imitar
umas às outras.
— Eric Hoffer
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Em certas ocasiões da vida, nós, seres humanos, experimentamos uma
energia poderosa, que produz sensações diferentes de qualquer outra, mas
essa energia é algo que raramente discutimos ou analisamos. É possível
descrevê-la como um sentimento intenso de pertencer a um grupo, e
costumamos ter essa experiência nas seguintes situações.
Digamos que nos encontramos em meio a um grande público assistindo
a um espetáculo musical, um evento esportivo ou comício político. Em
determinado momento, somos atravessados por ondas de excitação, raiva ou
alegria, compartilhadas por milhares de indivíduos. Essas emoções crescem
dentro de nós de maneira automática. Não conseguimos vivenciar isso
quando estamos sozinhos ou com apenas algumas pessoas. Nesse ambiente
de grupo maior, podemos ser levados a dizer ou fazer coisas que jamais
diríamos ou faríamos sozinhos.
De forma análoga, talvez tenhamos que dar uma palestra a um grupo. Se
não estivermos nervosos demais e o público se mantiver do nosso lado,
experimentaremos
as
emoções
crescerem
por
dentro.
Nós
nos
alimentaremos da reação do público. A nossa voz mudará para um timbre e
tonalidade que nunca utilizamos na vida cotidiana; os nossos gestos e
linguagem corporal se tornarão animados de maneira atípica. Talvez
provemos isso também a partir do outro lado, quando escutamos um orador
carismático. Aquela pessoa parece dispor de algum tipo de força especial
que merece o nosso respeito e que nos enche de um entusiasmo crescente.
Ou talvez nos encontremos realizando uma atividade num grupo com
uma meta crucial a ser alcançada num curto espaço de tempo. Nós nos
sentimos compelidos a fazer mais do que faríamos normalmente, trabalhar
com mais dedicação. Recebemos uma carga de energia que vem do
sentimento de conexão com aqueles que estão com o mesmo espírito de
urgência. Chega um ponto em que os membros do grupo não têm nem
mesmo que conversar – estão todos sincronizados e conseguem até prever
os pensamentos dos colegas.
Os sentimentos descritos anteriormente não são registrados de maneira
racional; eles nos vêm em sensações corporais automáticas – arrepios,
coração acelerado, um aumento de vitalidade e força. Chamemos essa
energia de força social, um tipo de campo de força invisível que afeta e une
um grupo de pessoas por meio das sensações compartilhadas e que cria um
sentimento intenso de conexão.
Se confrontarmos esse campo de força como forasteiros, ele tenderá a
induzir a ansiedade. Por exemplo, quando viajamos para um lugar com uma
cultura muito diferente da nossa. Ou quando entramos num emprego num
local de trabalho em que as pessoas parecem ter o seu próprio jeito de se
relacionar umas com as outras, com um tipo de linguagem secreta. Ou
quando caminhamos por uma vizinhança de uma classe social muito
diferente daquela a que estamos habituados – muito mais rica ou mais
pobre. Nesses momentos, temos consciência de que não pertencemos àquele
lugar, que os outros nos veem como forasteiros, e bem lá no fundo nos
sentimos desconfortáveis e excepcionalmente alertas, embora na verdade
não tenhamos nada a temer.
Podemos observar vários elementos interessantes a respeito da força
social: em primeiro lugar, ela existe dentro de nós e fora de nós ao mesmo
tempo. Quando experimentamos as sensações corporais supramencionadas,
temos quase certeza de que os outros ao nosso lado estão passando pelo
mesmo. Sentimos a força interior, mas pensamos nela como exterior a nós.
Essa é uma sensação incomum, talvez equivalente àquela que nos acomete
quando estamos apaixonados e vivenciamos uma energia compartilhada
entre nós e o objeto do nosso amor.
Também podemos dizer que essa força difere, dependendo do tamanho
e da química do grupo específico. Em geral, quanto maior o grupo, mais
intenso é o efeito. Quando estamos num grupo muito grande de pessoas que
parecem compartilhar as nossas ideias ou valores, vem a nós um fluxo de
força e vitalidade maior, assim como um calor comunitário proveniente do
sentimento de pertencimento. Há algo impressionante e sublime nessa força
multiplicada numa grande multidão. Esse aumento da energia e do
entusiasmo pode facilmente se transformar em raiva e violência na presença
de um inimigo. A combinação específica de indivíduos determina o seu
efeito também. Se o líder for carismático e cheio de energia, isso será
filtrado pelo grupo ou pelas massas reunidas. Se muitos têm uma tendência
emocional característica à raiva ou à alegria, isso vai alterar o ânimo
coletivo.
E, por fim, somos atraídos por essa força. Nós nos sentimos atraídos
pela quantidade – um estádio lotado de torcedores de um time, um coro de
pessoas cantando, passeatas, carnavais, concertos, assembleias religiosas e
comícios políticos. Nessas situações, revivemos o que os nossos ancestrais
inventaram e refinaram: a reunião do clã, soldados unidos marchando em
colunas diante das muralhas da cidade, os primeiros espetáculos teatrais e
de gladiadores. Subtraindo a minoria que se sente assustada com esses
ajuntamentos, em geral, gostamos das multidões partidárias por serem como
são, nos fazendo sentir vivos e importantes. Isso pode se tornar um vício –
somos compelidos a nos expor a essa energia repetidas vezes. A música e a
dança são o epítome desse aspecto da força social. O grupo vivencia o ritmo
e a melodia como um só, e a música e a dança estão entre as formas mais
antigas que criamos para satisfazer essa ânsia, para exteriorizar essa força.
É possível observar outro aspecto da força social na sua forma reversa:
quando passamos por um período prolongado de isolamento. Prisioneiros
em confinamento solitário e exploradores isolados em regiões remotas (veja
o relato de Richard E. Byrd sobre os cinco meses angustiantes que passou
em isolamento na Antártica, no livro Sozinho) começam a se sentir
desconectados da realidade e a imaginar que as suas personalidades estão se
desintegrando. Tornam-se propensos a alucinações complexas. O que mais
lhes faz falta não é apenas a presença de pessoas junto a eles, mas o olhar
dos outros a mirá-los. Formamos todo o nosso conceito de nós mesmos nos
primeiros meses de vida ao observarmos a mãe; o olhar que ela nos retribui
nos deu a noção de que existíamos; ela nos disse quem éramos pela maneira
como nos fitava. Quando adultos, experimentamos o mesmo tipo de
validação não verbal e senso de identidade por meio dos olhares dos outros
que nos observam. Nunca temos consciência disso; um isolamento
prolongado seria necessário para compreender o fenômeno.
Essa é a força social no seu nível mais básico. Apenas o olhar das outras
pessoas nos assegura de que somos reais e completos, e que nos
encaixamos.
A força social se faz sentir no nosso mundo virtual e nas multidões
virtuais. É menos intensa do que estar numa multidão real, mas percebemos
a presença de outros de forma simulada por meio da tela (dentro e fora de
nós), e consultamos o tempo todo o nosso celular como um tipo de par de
olhos substitutos voltado para nós.
A força social entre os seres humanos é somente uma versão mais
complexa do que todos os animais sociais vivenciam. Os animais sociais
estão sempre sintonizados com as emoções dos outros dentro do grupo,
cientes do seu papel no bando e determinados a se encaixarem. (Entre os
primatas mais elevados, isso inclui imitar os de nível superior como
demonstração de inferioridade.) Eles emitem sinais físicos complexos que
permitem ao grupo se comunicar e cooperar. Têm hábitos de higiene mútua
que estreitam os laços entre eles, e caçar em conjunto tem um efeito similar.
Vivenciam uma energia compartilhada meramente por se reunirem.
Os seres humanos talvez pareçam muito mais sofisticados, mas a
mesma dinâmica ocorre entre nós também, num nível completamente
subverbal. Percebemos e sentimos o que outros no grupo sentem. Temos
uma necessidade urgente de nos encaixarmos e de desempenhar o nosso
papel. Somos propensos a copiar de modo inconsciente gestos e expressões,
em especial dos líderes. Ainda gostamos de caçar em bandos, por meio das
redes sociais ou onde quer que seja aceitável expressar a nossa raiva. Temos
os nossos próprios rituais para estreitar laços – assembleias religiosas ou
políticas, espetáculos, campanhas militares. E, com toda certeza, sentimos a
energia coletiva que passa por qualquer reunião de pessoas com ideias afins.
O mais peculiar a respeito dessa força que existe dentro de nós é o quão
pouco discutimos ou analisamos algo que é obviamente comum à nossa
experiência. Parte disso resulta do fato de que é difícil estudar essas
sensações com rigor científico. Entretanto, há também certa determinação
nessa ignorância; bem no fundo, esse fenômeno nos perturba. As nossas
reações automáticas num grupo, ou a nossa propensão a imitar os outros,
nos lembra dos aspectos mais primitivos da nossa natureza, das nossas
raízes animais. Queremos nos imaginar não apenas como civilizados e
sofisticados, mas também como indivíduos com controle consciente de
muito do que fazemos. O nosso comportamento grupal tende a despedaçar
esse mito, e os exemplos históricos como a Revolução Cultural nos deixam
assustados com aquilo que somos capazes de fazer. Não gostamos de nos
ver como animais sociais atuando sob compulsões específicas. Isso ofende a
nossa auto-opinião como espécie.
Entenda: a força social não é nem positiva nem negativa, mas somente
uma parte fisiológica da nossa natureza, e muitos aspectos dela que
evoluíram há muito tempo são bem perigosos no mundo moderno. Por
exemplo, a suspeita profunda que tendemos a ter em relação a pessoas que
não fazem parte do nosso grupo, e a nossa necessidade de demonizá-las,
evoluiu entre os nossos primeiros ancestrais por causa do perigo tremendo
das doenças infecciosas e das intenções agressivas de caçadores-coletores
rivais. Contudo, esse tipo de reação em conjunto já não é tão relevante no
século 21. Na realidade, graças à nossa destreza tecnológica, elas são por
vezes a raiz do nosso comportamento mais violento e genocida. Em geral,
na medida em que a força social tende a prejudicar a nossa habilidade de
pensar de modo independente e racional, é possível dizer que ela exerce
uma pressão descendente em direção às formas mais primitivas de
comportamento, o que é inadequado às condições modernas.
A força social, porém, pode ser utilizada e moldada para propósitos
positivos, para a cooperação e empatia de alto nível, para uma pressão
ascendente, que experimentamos ao criar algo juntos dentro de um grupo.
O problema que enfrentamos como animais sociais não é que sintamos
essa força, o que ocorre de modo automático, mas que neguemos a sua
existência.
Somos
influenciados
pelas
pessoas
sem
percebermos.
Acostumados a seguir de maneira inconsciente o que os outros dizem e
fazem, perdemos a habilidade de pensar por nós mesmos. Ao enfrentar
decisões cruciais na vida, apenas copiamos o que os outros fazem ou damos
ouvidos àqueles que repetem ideias convencionais. Isso pode levar a muitas
decisões inapropriadas. Também perdemos contato com o que nos torna
únicos, a fonte do nosso poder como indivíduos (veja mais sobre isso no
Capítulo 13).
Alguns de nós, conscientes dessas tendências da nossa natureza,
escolhem se rebelar e se tornar não conformistas. Entretanto, isso talvez
seja uma atitude igualmente irracional e autodestrutiva. Somos criaturas
sociais. Dependemos da nossa habilidade de trabalhar com os outros. A
rebelião por seu próprio mérito apenas nos marginaliza.
O que precisamos mais do que tudo é da inteligência de grupo, a qual
inclui um entendimento completo do efeito que um aglomerado de
indivíduos tem sobre os nossos pensamentos e emoções. Com essa
consciência, seremos capazes de resistir à pressão descendente. Também
inclui o entendimento de como os grupos humanos atuam de acordo com
certas leis e dinâmicas, que tornam mais fácil navegar por esses espaços.
Com essa inteligência, conseguiremos fazer uma dança delicada – nós nos
tornaremos atores sociais talentosos e nos encaixaremos exteriormente,
enquanto por dentro manteremos alguma distância e espaço mental para
pensarmos por conta própria. Com esse grau de independência,
conseguiremos tomar decisões na vida apropriadas a quem somos e às
nossas circunstâncias.
Para adquirir essa inteligência, precisamos estudar e dominar os dois
aspectos da força social delineados anteriormente: o efeito individual dos
grupos sobre nós, e os padrões e dinâmicas em que os grupos quase sempre
tenderão a cair.
O EFEITO INDIVIDUAL
O desejo de se encaixar. Digamos que o leitor entre num grupo, como
parte de um novo emprego, por exemplo. À medida que tenta se ajustar ao
ambiente, você toma consciência de que as pessoas o estão estudando e
julgando como um forasteiro. Num nível não verbal, sente os olhares delas
procurando por pistas. Você começa a se perguntar: “Eu me encaixo aqui?
Eu disse as coisas certas? O que pensam de mim?”. Ao entrar em um grupo,
o primeiro e principal efeito sobre você é o desejo de se encaixar e
cimentar a noção de pertencer a ele. Quanto mais se encaixar, menor será o
desafio que você apresentará ao grupo e aos valores dele. Isso vai
minimizar o escrutínio enfrentado e a ansiedade que acompanha o processo.
A primeira forma de fazer isso é por meio da aparência. Você se veste e
se apresenta mais ou menos como os outros no grupo. Há sempre uma
pequena porcentagem de pessoas que gostam de se destacar pelo visual,
mas que conseguem se conformar no que se refere a ideias e valores. A
maioria de nós, porém, se sente desconfortável ao exibir uma aparência
muito diferente, e fazemos o possível para passar despercebidos. Adotamos
as vestimentas e o visual que dizem a coisa certa: “Sou uma pessoa séria,
trabalho bastante; talvez tenha estilo, mas não ao ponto de me destacar”.
A segunda e mais importante maneira de se encaixar é adotar ideias,
crenças e valores do grupo. Você talvez comece a empregar expressões
verbais semelhantes às dos outros, um sinal do que está ocorrendo sob a
superfície. As suas próprias ideias se moldam aos poucos às deles. Algumas
pessoas talvez se rebelem exteriormente contra esse conformismo, mas, em
geral, são tipos que acabarão despedidos ou marginalizados. Você talvez se
apegue a algumas crenças ou opiniões particulares que, em larga medida,
mantém para si, mas não sobre questões importantes para o conjunto.
Quanto mais tempo passar com o grupo, mais forte e insidioso é esse efeito.
Se você o observasse pelo lado de fora, notaria uma uniformidade geral
de pensamento que é bem surpreendente, considerando que, como
indivíduos, todos nos diferenciamos bastante uns dos outros em termos de
temperamento e histórico. Esse é um sinal da moldagem e conformidade
sutis que ocorrem. Você talvez tenha se juntado a um grupo porque
compartilha das mesmas ideias e valores, mas vai descobrir com o tempo
que partes do seu pensamento que eram um pouco diferentes dos demais,
refletindo a sua singularidade, são podadas aos poucos, como um arbusto
aparado, de forma que em quase todas as questões você concorde com o
grupo.
Você não nota tudo isso no momento em que acontece. É algo que
ocorre de maneira inconsciente. Na realidade, a tendência é negar
enfaticamente que essa conformidade já ocorreu. Imaginará que chegou a
essas ideias sozinho, que escolheu acreditar nisso e pensar aquilo; não quer
confrontar a força social que atua em você e que o faz passar despercebido e
aumentar a sua sensação de pertencimento. No longo prazo, é muito melhor
enfrentar a sua conformidade ao ethos do grupo, de forma a ter consciência
disso no momento em que acontece e controlar o processo até certo ponto.
A necessidade de atuar. Esse primeiro efeito gera o segundo – no
ambiente de grupo, estamos sempre atuando. Não apenas nos conformamos
nas aparências e pensamento, mas exageramos a nossa concordância e
demonstramos aos demais que nos encaixamos. No grupo, nós nos
tornamos atores, moldando o que dizemos e fazemos de forma que os
outros nos aceitem e apreciem, e nos vejam como membros leais do time.
As nossas atuações se alteram dependendo do tamanho do conjunto e da sua
estrutura específica – supervisores ou colegas ou amigos. Talvez
comecemos com uma dose de distância interna nessas atuações,
conscientes, por exemplo, de que estamos sendo mais obsequiosos do que o
normal em relação ao chefe. Contudo, com o passar do tempo, ao
representar o papel, começamos a sentir o que estamos demonstrando, a
distância interna derrete e a máscara que vestimos se funde com a nossa
personalidade. Em vez de pensar em sorrir nos momentos apropriados,
grudamos um sorriso automático no rosto.
Como parte dessa atuação, minimizamos os nossos defeitos e exibimos
o que consideramos os nossos pontos fortes. Mostramos autoconfiança.
Agimos de forma mais altruísta. Estudos revelam que é muito mais provável
que doemos dinheiro ou ajudemos alguém a atravessar a rua quando somos
observados. No grupo, garantimos que as pessoas vejam que apoiamos as
causas certas; publicamos as nossas opiniões progressistas de maneira
proeminente nas redes sociais. Também asseguramos que outros nos vejam
trabalhando de forma árdua e por horas a mais. Quando estamos sozinhos,
muitas vezes ensaiamos em nossa mente o que diremos ou faremos na nossa
próxima atuação.
Não imagine que é melhor expor apenas a sua personalidade natural ou
se rebelar contra isso. Não há nada menos natural do que reprimir essa
necessidade de atuar, que até os chimpanzés revelam num nível elevado. Se
você quiser parecer natural, como se estivesse confortável consigo mesmo,
interprete esse papel; treine-se para não se sentir nervoso, e molde a sua
aparência para que, na sua naturalidade, você não ofenda as pessoas ou os
valores do grupo. Aqueles que fazem cara feia e se recusam a atuar acabam
marginalizados, já que o grupo expulsa inconscientemente esses tipos.
De qualquer forma, você não deveria sentir nenhuma vergonha por
causa dessa necessidade; não há nada que possa fazer sobre isso, já que, no
grupo, moldamos de forma inconsciente o nosso comportamento para
conseguirmos nos encaixar. É melhor ter consciência disso, reter aquela
distância interior e se transformar num ator ciente e hábil, capaz de alterar a
sua expressão para se encaixar no subgrupo e impressionar as pessoas com
as suas qualidades positivas.
Contágio emocional. Quando bebês, somos extremamente sensíveis
aos ânimos e emoções da nossa mãe; os sorrisos dela inspiravam os nossos,
a ansiedade dela nos deixava tensos. Desenvolvemos esse alto grau de
empatia em relação às emoções da mãe como um mecanismo de defesa há
muito tempo. Como todos os animais sociais, somos preparados desde tenra
idade para perceber e captar as emoções dos outros, em especial daqueles
que nos são próximos. Esse é o terceiro efeito que o grupo tem sobre nós –
o contágio das emoções.
Numa situação em que estamos sozinhos, temos consciência dos nossos
ânimos em mutação, mas, no momento em que entramos no grupo e
sentimos o olhar dos outros sobre nós, inconscientemente percebemos os
ânimos e emoções deles, que, caso sejam fortes o bastante, podem substituir
as nossas. Além disso, entre aqueles com quem nos sentimos confortáveis e
com quem nos encaixamos, somos menos defensivos e mais vulneráveis ao
efeito do contágio.
Certas emoções são mais contagiosas do que outras, e ansiedade e medo
são as mais fortes de todas. Entre os nossos ancestrais, se uma pessoa
percebia um perigo, era importante que os outros o notassem também. No
entanto, no nosso ambiente atual, em que as ameaças são menos imediatas,
é mais comum que uma ansiedade de baixo grau se espalhe de forma rápida
pelo grupo, desencadeada por perigos possíveis ou imaginados. Outras
emoções bem contagiosas são a alegria e a excitação, a fadiga e a apatia, e a
raiva e o ódio intensos. O desejo também é bastante contagioso. Se vemos
que outros querem possuir algo ou seguem alguma tendência nova, somos
facilmente infectados pelo mesmo impulso.
Todos esses efeitos têm uma dinâmica autorrealizada: se três pessoas se
sentem ansiosas, deve haver um bom motivo para isso. Agora nós nos
tornamos a quarta, e isso adquire uma realidade que os outros julgam
convincente. Quanto mais indivíduos sentem essa ansiedade, mais serão
infectados, e mais intensa ela se tornará dentro de cada um.
É possível observar isso em você mesmo ao examinar as suas próprias
emoções no momento atual e tentar decifrar o efeito que outros possam ter
sobre elas. Será que o medo que está sentindo está relacionado a algo diante
de você num sentido imediato, ou é mais indireto, inferido a partir de algo
que ouviu ou percebeu nos outros? Tente flagrar o fenômeno quando ele
ocorrer. É necessário discernir quais emoções são as mais contagiosas para
você, e como as suas emoções se alteram com os vários grupos e subgrupos
pelos quais passa. Ter consciência desse processo lhe dará o poder de
controlá-lo.
Hipercerteza. Quando estamos sozinhos e pensamos em nossos planos
e decisões, é natural que tenhamos dúvidas. Será que escolhemos a carreira
profissional correta? Será que dissemos a coisa certa no trabalho? Será que
estamos adotando a melhor estratégia? No entanto, dentro do grupo, esse
mecanismo de dúvida e reflexão é neutralizado. Digamos que o grupo tenha
decido adotar uma estratégia importante. Sentimos a urgência de agir.
Discutir e deliberar é cansativo, e aonde isso vai dar? Sentimos a pressão
para decidir e apoiar a decisão. Se discordarmos, poderíamos ser
marginalizados ou excluídos, e temos medo desses cenários. Além disso, se
todos parecem concordar que esse é o plano certo de ação, somos
compelidos a ter confiança na decisão. Desse modo, o quarto efeito sobre
nós é fazer que tenhamos mais certeza sobre o que nós e os nossos colegas
estamos fazendo, o que nos torna todos mais propensos a assumir riscos.
Isso é o que acontece em manias e bolhas financeiras – se todos estão
apostando no preço das tulipas ou nas ações da Companhia dos Mares do
Sul (veja o Capítulo 6) ou em créditos hipotecários, o lucro deve ser certo.
Aqueles que questionam estão apenas sendo cautelosos demais. Como
indivíduos, é difícil resistir àquilo de que os outros parecem estar tão certos.
Não queremos perder a oportunidade. Além disso, se fôssemos apenas uns
poucos comprando essas ações e fracassássemos, nós nos sentiríamos
ridículos e envergonhados, lamentavelmente responsáveis por termos sido
idiotas. Contudo, com milhares de outros fazendo o mesmo, estamos
protegidos de sermos responsabilizados, o que aumenta a probabilidade de
assumirmos riscos no ambiente de grupo.
Se tivéssemos, como indivíduos, algum plano que fosse claramente
ridículo, outros nos alertariam e colocariam nossos pés de volta no chão,
mas num grupo acontece o oposto – todos parecem validar o esquema, não
importa o quão absurdo seja (por exemplo, invadir o Iraque e esperar ser
recebido como uma força libertadora), e não há nenhuma perspectiva
externa para nos dar um balde de água fria.
Sempre que se sentir excepcionalmente certo e entusiasmado a respeito
de um plano ou ideia, recue e avalie se é um efeito viral do grupo atuando
sobre você. Se conseguir se desligar por um momento do seu entusiasmo,
notará como o seu pensamento é utilizado para racionalizar as suas
emoções, procurando confirmar essa certeza que você quer sentir. Nunca
abra mão da sua habilidade de duvidar, refletir e considerar outras opções –
a sua racionalidade como indivíduo é a sua única proteção contra a loucura
que pode dominar um grupo.
A DINÂMICA DE GRUPO
Desde o princípio da história, observamos certos padrões em que os
grupos humanos se encaixam quase automaticamente, como se fossem
sujeitos a leis matemáticas ou físicas específicas. A seguir estão as
dinâmicas mais comuns que você deve estudar nos grupos aos quais
pertence ou por que passa.
Cultura de grupo. Quando viajamos para outro país, estamos cientes
das diferenças na cultura em relação à nossa. Os habitantes locais não
apenas têm o seu próprio idioma, mas também costumes, maneiras de ver o
mundo e de pensar, que são diferentes dos nossos. Isso é mais evidente
entre nações cujas tradições são antigas, mas é possível ver o mesmo
acontecendo, num grau mais sutil, numa empresa ou escritório. Tudo isso
faz parte da força social, que mescla e gera a unidade do grupo com base na
composição particular dos membros.
Ao observar o seu próprio grupo e a cultura dele, pense em termos de
estilo e do ânimo geral que prevalece. É estruturado de forma casual, com
estilo descontraído? Ou é organizado de cima para baixo, com os membros
temendo sair de linha ou infringir a disciplina? Os componentes se sentem
superiores e afastados do resto do mundo, demonstrando uma atitude
elitista, ou se orgulham do seu populismo? O grupo se vê como inovador ou
mais tradicional?
As informações fluem com facilidade por todo o grupo, dando-lhe uma
impressão de abertura, ou a liderança controla e monopoliza o fluxo? Ele
tem uma personalidade masculina – uma faceta hipercompetitiva e uma
cadeia de comando mais rígida – ou um espírito mais fluido e feminino –
que enfatiza a cooperação sobre a hierarquia? Parece repleto de problemas e
desunião, com os membros mais preocupados com o próprio ego do que em
obter resultados reais, ou enfatiza a produtividade e a qualidade do
trabalho? Para responder a essas perguntas, não preste muita atenção ao que
o grupo diz sobre si mesmo, examinando, em vez disso, as ações e o tom
emocional que prevalece dentro dele.
O estilo pode ter graus das qualidades citadas, ou combinações delas,
mas o grupo sempre terá algum tipo de cultura e espírito identificáveis. É
preciso manter duas coisas em mente: em primeiro lugar, a cultura
frequentemente estará centrada num ideal que o grupo imagina para si
mesmo – liberal, moderno, progressista, implacavelmente competitivo, de
bom gosto etc. Ele talvez não esteja à altura desse ideal, mas, na medida em
que tenta alcançá-lo, o ideal atua como um mito que une seus membros. Em
segundo lugar, essa cultura muitas vezes vai refletir os fundadores do grupo,
em especial se tiverem uma personalidade forte. Com o próprio estilo rígido
ou casual, eles deixaram por lá a sua marca, mesmo que o grupo agora
tenha milhares de membros. Entretanto, novos líderes que se virem em
meio a uma cultura que já está estabelecida serão, em muitos casos,
completamente absorvidos por ela, mesmo que tenham pensado em alterála.
O Departamento de Defesa dos Estados Unidos, situado no Pentágono,
emergiu da Segunda Guerra Mundial com um espírito muito forte e
agressivo. Tanto o presidente Kennedy quanto o presidente Johnson tinham
as suas próprias opiniões sobre o Pentágono e a respeito de como alterar a
sua cultura; ambos queriam evitar o envolvimento dos Estados Unidos na
Guerra do Vietnã. No entanto, essa cultura agressiva acabou alterando as
ideias deles e os arrastando para a guerra. Muitos diretores de cinema em
Hollywood pensaram em fazer tudo ao seu próprio modo, apenas para se
verem engolidos por uma cultura entranhada que enfatiza o controle de
cima para baixo e microgerenciado por produtores, com memorandos
intermináveis. Essa cultura existe há cerca de noventa anos, e nenhum
indivíduo foi capaz de alterá-la.
É melhor estar ciente disso e compreender que, quanto maior é o
conjunto e mais antiga e estabelecida é a cultura, mais provável é você ser
controlado pelo grupo, e não o contrário.
Tenha o seguinte em mente: não importa o tipo de cultura, ou quão
transformadora ela tenha sido em sua origem; quanto maior e mais velho é
o grupo, mais conservador ele se torna. Esse é o resultado inevitável do
desejo de manter o que as pessoas realizaram ou construíram, e de confiar
em métodos testados e comprovados para manter o status quo. Esse
conservadorismo, que se esgueira para dentro, muitas vezes acaba sendo a
morte do grupo, pois este aos poucos perde a habilidade de se adaptar.
Regras e códigos grupais. Para qualquer grupo humano, a desordem e
a anarquia são perturbadoras demais. Por essa razão, padrões de conduta e
regras sobre como agir evoluem de maneira rápida e se estabelecem, os
quais nunca são escritos, mas implícitos. Se você os violar de alguma
maneira, corre o risco de se tornar insignificante ou de ser despedido, sem
saber necessariamente a causa. Dessa forma, o grupo impõe a sua própria
ordem sem a necessidade de um policiamento ativo. Os códigos
regulamentarão a aparência aceitável, quanta conversa casual é encorajada
em reuniões, a qualidade da obediência em relação aos chefes, a ética de
trabalho esperada etc.
Quando você é novo num grupo, precisa prestar atenção redobrada a
esses códigos tácitos. Observe quem está ascendendo e quem está decaindo
– sinais dos padrões que governam o sucesso e o fracasso. O sucesso resulta
mais de resultados ou de conversações políticas? Note se as pessoas
trabalham de forma árdua quando não são observadas pelos chefes. Você
poderia trabalhar em excesso, fazer um trabalho bom demais e acabar
despedido por gerar, com isso, uma má impressão nos seus colegas. É
inevitável que existam “vacas sagradas” dentro do grupo – indivíduos ou
crenças que nunca devem ser criticados. Considere tudo isso como
armadilhas que você precisa evitar a todo custo. Às vezes, um membro
específico de categoria mais elevada policia, na prática, o cumprimento das
regras e dos códigos. Identifique-o e evite qualquer atrito com ele. Não vale
a pena.
A corte do grupo. Observe qualquer comunidade de chimpanzés no
zoológico e notará a existência de um macho alfa e de outros chimpanzés
que adaptam o próprio comportamento ao dele, adulando-o, imitando-o e se
esforçando para criar laços mais próximos com ele. Essa é a versão préhumana da corte. As pessoas criaram uma versão mais complexa nas cortes
aristocráticas, ainda nas primeiras civilizações. Na corte aristocrática, os
membros subalternos dependem do favor do rei ou da rainha para
sobreviver e prosperar; o objetivo do jogo é se aproximar do homem ou
mulher no topo sem alienar os outros cortesãos, ou formar uma aliança para
depor o líder, o que é sempre uma iniciativa arriscada.
Hoje em dia, a corte se forma em torno do executivo da indústria
cinematográfica, do chefe de um departamento acadêmico, do diretor
executivo de uma empresa, do líder político, do dono de uma galeria de
arte, de um crítico ou artista com poder cultural. Num grupo grande, há
subcortes formadas em torno de sublíderes. Quanto mais poderoso o líder,
mais intenso é o jogo. Os cortesãos podem parecer diferentes agora, mas o
comportamento e as estratégias deles são basicamente os mesmos. Você
deve tomar nota de alguns desses padrões comportamentais.
Em primeiro lugar, os cortesãos têm que conquistar a atenção dos
líderes e agradá-los de algum modo. A forma mais imediata de conseguir
isso é por meio da adulação, já que é inevitável que os líderes tenham
grandes egos e uma sede de ter validada a sua auto-opinião elevada. A
adulação pode fazer maravilhas, mas tem os seus riscos. Se for muito óbvia,
o adulador dá a impressão de desespero, e se torna fácil lhe perceber a
estratégia. Os melhores cortesãos sabem como ajustar a adulação às
inseguranças específicas do líder e torná-la menos direta. Eles se
concentram em tecer elogios por qualidades que ninguém nunca se
importou em prestar atenção, mas que precisam de uma validação a mais.
Se todos elogiam o líder por sua astúcia nos negócios, mas não pelo seu
refinamento cultural, é melhor mirar neste último. Espelhar as ideias e
valores dele, sem usar exatamente as mesmas palavras, é uma maneira bem
eficiente de adulação indireta.
Tenha em mente que as formas de adulação aceitáveis variam em cada
corte. No meio artístico, ela deve ser mais efusiva do que na academia ou na
política. Adapte a sua adulação ao espírito do grupo, e torne-a o mais
indireta possível.
É claro que é sempre sensato impressionar os chefes com a sua
eficiência e torná-los dependentes da sua proficiência, mas tenha cuidado
para não levar isso longe demais: se eles julgarem que você é muito bom no
que faz, talvez passem a temer essa dependência e se perguntem sobre a sua
ambição. Deixe-os confortáveis quanto à superioridade que acreditam
possuir.
Em segundo lugar, preste enorme atenção aos demais cortesãos. Caso
você se destaque muito, seja visto como brilhante ou charmoso demais,
despertará inveja e será levado à morte por mil facadas. É bom ter o maior
número possível de cortesãos do seu lado. Aprenda a minimizar os seus
sucessos, a escutar bem (ou dar a impressão de escutar) as ideias dos outros,
dê-lhes crédito de forma estratégica e os elogie em reuniões, notando as
inseguranças deles. Se precisar agir contra cortesãos específicos, faça-o da
maneira mais indireta possível, esforçando-se para isolá-los aos poucos do
grupo, sem nunca parecer agressivo demais. Supõe-se que as cortes sejam
sempre civilizadas. Tenha consciência de que os melhores cortesãos são
atores excelentes e que os seus sorrisos e declarações de lealdade significam
muito pouco. Na corte, não vale a pena ser ingênuo. Sem paranoia, tente
questionar os motivos das pessoas.
Em terceiro lugar, você precisa ter consciência dos tipos de cortesãos
que vai encontrar na maioria das cortes e dos perigos específicos que eles
representam. Um cortesão agressivo mas esperto e que sinta pouco peso na
consciência pode sobrepujar o grupo com rapidez. (Veja mais sobre os tipos
de cortesãos na próxima seção.)
Tenha em mente que não há jeito de sair da dinâmica da corte. Tentar
agir como se fosse superior aos jogos políticos ou às necessidades de adular
o líder só o tornará mais suspeito aos outros; ninguém gosta dessa atitude
prepotente. Tudo que vai conseguir com a sua “honestidade” é ser
marginalizado. É melhor ser o cortesão excelente e descobrir algum prazer
no jogo da estratégia da corte.
O inimigo do grupo. Como foi mencionado anteriormente, os nossos
ancestrais sentiam, como um reflexo ante a visão de qualquer forasteiro ao
grupo, medo. A base para esse sentimento, que se transformava facilmente
em ódio, pode muito bem ter sido real, mas a existência de tribos rivais
também tinha um efeito colateral positivo – o de unificar o grupo e estreitar
os seus laços. Além disso, se encaixava bem com a maneira como o cérebro
humano processa as informações, por meio de pares de binários opostos –
luz e escuridão, bem e mal, nós contra eles. Hoje, no nosso mundo moderno
e sofisticado, você notará essa dinâmica muito antiga ainda em ação:
qualquer grupo se concentrará, como que por reflexo, em algum inimigo
odiado, real ou imaginado, a fim de unificar a tribo. Como Anton Tchekhov
comentou certa vez: “O amor, a amizade e o respeito não unem as pessoas
tanto quanto o ódio comum por alguma coisa”. Desde tempos imemoriais,
os líderes têm explorado esse reflexo de inimizade para obter o poder,
utilizando a existência do rival ou do inimigo para justificar quase tudo e
para distrair os seguidores, a fim de que estes não vissem as deficiências
dos que os comandavam. O inimigo é descrito como “imoral”, “irracional”,
“não confiável”, ou “agressivo”, numa implicação de que o “nosso” grupo é
o oposto. Nenhum dos lados gosta de admitir que não tem uma ética pura,
ou que tem intenções agressivas, ou que é governado pela emoção – é
sempre o outro lado que é assim. No fim, a necessidade de nos sentirmos
como parte da tribo e contra o outro lado é mais importante do que as
diferenças em si, que tendem a ser bastante exageradas.
Observe o grupo de que faz parte, e é inevitável que veja algum tipo de
inimigo ou bicho-papão contra o qual resistir. Você precisa da habilidade de
se separar dessa dinâmica e ver o “inimigo” como ele é, sem as distorções.
Não é uma boa ideia expressar abertamente o seu ceticismo – você poderia
dar a impressão de ser desleal. Em vez disso, mantenha a mente aberta de
forma a conseguir resistir à pressão descendente e às reações exageradas
que partem dessas emoções tribais. Leve isso ainda mais adiante
aprendendo sobre o inimigo, adaptando algumas das suas melhores
estratégias.
Facções de grupos. Tendo passado tempo suficiente, os indivíduos
dentro de um grupo começarão a se dividir em facções. O motivo dessa
dinâmica é simples: num grupo, recebemos um encorajamento narcisista
por estarmos cercados daqueles que compartilham os nossos valores.
Entretanto, num grupo que supera um determinado tamanho, isso se torna
abstrato demais. As diferenças entre os membros se tornam perceptíveis. O
nosso poder individual de influenciar o conjunto é reduzido. Queremos algo
mais imediato, por isso formamos subgrupos e panelinhas com aqueles que
se assemelham ainda mais a nós, trazendo de volta o encorajamento
narcisista. Com os subgrupos, temos agora o poder de nos dividir, o que
aumenta a noção de autoimportância dos membros. Após algum tempo, a
facção passará pela sua própria subdivisão interna, e assim por diante. Essas
divisões ocorrem de forma inconsciente, quase como se respondêssemos a
um conjunto de leis mecânicas da fissão de grupos.
Se uma facção se torna forte o bastante, os seus membros começarão a
dar mais precedência aos seus interesses do que aos do grupo maior. Alguns
líderes tentam explorar essa dinâmica jogando uma facção contra a outra,
numa estratégia de dividir e conquistar: quanto mais as facções brigam
entre si, mais fracas se tornam, e maior é o poder nas mãos do homem ou
mulher no topo. Mao Tsé-Tung era um mestre desse jogo, mas é um jogo
perigoso, pois tende a se desperdiçar tempo demais lidando com briguinhas
internas, e isso talvez torne difícil controlar todas elas. Caso sejam deixadas
por conta própria, as facções podem se tornar tão poderosas a ponto de
tomar o comando e depor ou controlar os próprios líderes. É melhor
estreitar os laços do grupo todo criando uma cultura positiva que
entusiasme e unifique os membros, tornando as facções menos atraentes.
(Veja mais sobre isso na última seção deste capítulo.)
Uma facção à qual se deve prestar atenção especial é aquela formada
por indivíduos nos escalões mais elevados, os quais identificamos como as
elites do grupo. Embora as elites em si às vezes se dividam em facções
rivais, o que é bem frequente, num momento crucial elas se unirão e lutarão
para preservar o seu status. O clã tende a cuidar de si mesmo, e isso é ainda
mais verdadeiro em relação aos poderosos. É inevitável que eles consigam
burlar as regras do grupo para garantir que sejam favorecidos. Nestes
tempos democráticos, tentarão acobertar isso alegando que o que estão
fazendo é para o bem maior do grupo. Se as elites prosperarem, todos
prosperarão, dizem eles. Entretanto, você nunca verá a facção da elite fazer
algo que lhe diminua o poder, ou se sacrificar de verdade. De algum modo,
são sempre aqueles que não fazem parte das elites que precisam se
sacrificar. Tente não se deixar enganar pelas racionalizações e
acobertamentos da elite, e ver essa facção pelo que ela é.
A sua tarefa como estudante da natureza humana é dupla: em primeiro
lugar, precisa se tornar um observador excelente de si mesmo ao interagir
com grupos de qualquer tamanho. Comece com a suposição de que você
não é tão individual quanto imagina. Em grande medida, os seus
pensamentos e o seu sistema de crenças são muitíssimo influenciados pelas
pessoas que o criaram, pelos colegas no trabalho, pelos amigos e pela
cultura em geral. Seja impiedosamente franco consigo mesmo. Note que
quanto mais tempo você permanece num emprego ou dentro de um grupo
em particular, mais as suas ideias e crenças se alteram. Você está sob uma
pressão sutil para se conciliar com o grupo e se encaixar, e responderá a isso
sem se dar conta.
Para ver isso com clareza, pense em quantas vezes promoveu uma ideia
contrária ao que o grupo queria em alguma questão fundamental e a
sustentou por um longo período de tempo. É provável que esses momentos
sejam raros. Examine as decisões ruins que o grupo tomou e quantas vezes
você o acompanhou. Se esse conformismo se tornar arraigado demais, você
perderá a habilidade de raciocinar por conta própria, e esse é o seu dom
mais precioso como ser humano. Como um experimento de raciocínio, tente
às vezes entreter uma ideia que seja o total oposto do grupo de que participa
ou da sabedoria convencional. Veja se há algum valor em nadar
deliberadamente contra a corrente.
Somos permeáveis à influência do grupo. O que nos torna mais
permeáveis são as nossas inseguranças. Quanto menos certeza temos sobre
o nosso valor como indivíduos, mais somos levados, de forma inconsciente,
a nos encaixarmos e a passarmos despercebidos no espírito do grupo. Ao
demonstrar a nossa conformidade, a fim de conquistar a aprovação
superficial dos outros membros, escondemos as nossas inseguranças deles e
de nós mesmos. No entanto, essa aprovação é fugaz; as nossas inseguranças
nos corroem, e temos de conseguir a atenção das pessoas o tempo todo para
nos sentirmos validados. O seu objetivo deve ser baixar a sua
permeabilidade, elevando a sua autoestima. Se você se sentir forte e
autoconfiante a respeito do que o torna único – os seus gostos, valores e
experiências –, conseguirá resistir com mais facilidade aos efeitos do grupo.
Além disso, ao se apoiar no seu trabalho e nas suas realizações para ancorar
a sua auto-opinião, você não se verá obrigado a buscar o tempo todo a
aprovação e atenção dos demais.
Não se trata de se tornar absorvido em si mesmo e isolado –
superficialmente, faça o possível para se encaixar, mas, por dentro, sujeite
as ideias e crenças do grupo a um escrutínio constante, comparando-as com
as suas, adaptando as que têm mérito parcial ou total e rejeitando as que vão
contra a sua experiência. Concentre-se nas ideias em si, não na fonte delas.
A sua segunda tarefa é se tornar um excelente observador dos grupos
dos quais participa ou com que interage. Considere-se um antropólogo
estudando os estranhos hábitos de uma tribo estrangeira. Examine a fundo a
cultura do seu grupo, a “sensação” de fazer parte dela, contrastando essa
impressão com a de outros grupos com que trabalhou ou aos quais
pertenceu. Você vai flagrar a força social no momento em que ela
transforma o conjunto num organismo, a soma sendo maior do que as
partes.
A maioria das pessoas intui as regras e os códigos de comportamento do
grupo. Leve isso mais adiante, observando-os em ação e tornando o seu
conhecimento deles mais consciente: por que existem? O que inferem sobre
o grupo? Obter uma apreciação mais profunda da cultura e dos códigos
tornará muito mais fácil navegar o espaço social e manter uma dose de
separação. Você não tentará mudar o que não pode ser mudado. Em relação
às facções inevitáveis que emergirem, é melhor não se alinhar a nenhuma e
deixar que os outros lutem por você. Não é necessário pertencer a uma
facção para extrair um encorajamento narcisista. Tenha opções estratégicas
e espaço de manobra para conseguir muitos aliados e expandir a sua base de
poder.
O seu objetivo nessa segunda tarefa é se manter tão próximo da
realidade quanto possível. Os grupos tendem a compartilhar crenças e
formas de ver o mundo que são unilaterais, dão peso maior às informações
que se encaixam nas suas noções preconcebidas, exageram as características
dos rivais ou inimigos, tornam-se excessivamente otimistas quanto aos
próprios planos. Caso leve isso longe demais, o grupo pode passar a
defender crenças bem iludidas, e as suas ações chegarão às fronteiras da
loucura. Observá-lo com certo distanciamento o ajudará a ter consciência
do efeito de distorção sobre a sua percepção que resulta de estar tão
entrincheirado num grupo. As suas estratégias e decisões serão todas mais
eficientes por causa disso.
Assim como os grupos tendem a exercer uma pressão descendente sobre
as nossas emoções e comportamentos, também podemos experimentar ou
imaginar o oposto – um grupo que exerce uma pressão ascendente.
Chamaremos esse ideal de grupo da realidade. Consiste de membros que se
sentem livres para contribuir com opiniões diversas, que têm a mente
aberta, e cujo foco está na realização do trabalho e em cooperar num nível
elevado. Ao manter o seu espírito individual e os pés firmes na realidade,
você ajudará a criar ou enriquecer essa equipe ideal de pessoas. (Veja mais
sobre isso em “O grupo da realidade”, na página 556.)
Essa habilidade de observar o grupo e de conseguir se desligar dele é
mais crucial agora do que nunca por muitas razões. No passado, as pessoas
tinham uma noção mais estável e segura de fazerem parte de certos grupos.
Ser batista ou católico ou comunista ou um cidadão francês fornecia aos
indivíduos um senso poderoso de identidade e orgulho. Com o poder desses
sistemas de crença decrescendo em larga escala, perdemos essa segurança
interior, mas ainda retemos a mesma necessidade humana profunda de
pertencimento. Tantos de nós estão procurando por grupos aos quais se
juntar, famintos pela aprovação de outros que compartilhem os nossos
valores. Estamos mais permeáveis do que nunca. Isso nos deixa
entusiasmados para nos unirmos ao culto ou movimento político mais
recente. E nos torna bem suscetíveis à influência de algum líder
inescrupuloso que se aproveite dessa necessidade.
Em vez de formar grupos enormes, agora nos reunimos em tribos
pequeninas, para obter um encorajamento narcisista maior. Vemos os
grupos maiores com desconfiança. As redes sociais são cúmplices dessa
dinâmica ao facilitar o alastramento das opiniões e valores de foco estreito
da tribo e tornando-os virais. Contudo, essas tribos não duram muito; estão
sempre desaparecendo ou se reagrupando ou se subdividindo. E assim a
necessidade antiga de pertencer nunca é satisfeita e nos enlouquece.
O tribalismo tem as suas raízes nas partes mais profundas e primitivas
da nossa natureza, mas é hoje acompanhado de uma destreza tecnológica
bem maior, o que torna tudo muito mais perigoso. O que permitiu, há
milhares de anos, que uníssemos o nosso grupo com firmeza e
sobrevivêssemos poderia agora com facilidade levar à nossa extinção como
espécie. A tribo pressente, pela presença do inimigo, que a sua própria
existência está em jogo. Não há meios-termos. As batalhas são mais
intensas e violentas entre tribos.
É provável que o futuro da raça humana dependa da nossa habilidade de
transcender esse tribalismo e ver o nosso destino como estando
interconectado com o de todos os outros. Somos uma única espécie, todos
descendentes dos mesmos humanos originais, todos irmãos e irmãs. As
nossas diferenças são, na maioria, uma ilusão. Imaginar diferenças é parte
da loucura dos grupos. Precisamos nos ver como um grande grupo da
realidade e experimentar um senso profundo de fazer parte dele. Solucionar
os problemas que nos ameaçam, criados pelo homem, vai exigir a
cooperação num nível muito mais elevado e um espírito pragmático que
carece à tribo. Isso não significa o fim da diversidade das culturas e da
riqueza que ela oferece. Na verdade, o grupo da realidade encoraja a
diversidade interna.
Precisamos chegar à conclusão de que o grupo primário a que
pertencemos é o da raça humana. Esse é o nosso futuro inevitável. Qualquer
outra coisa é regressiva e perigosa demais.
A CORTE E OS CORTESÃOS
É óbvio que qualquer tipo de corte revolve em torno do líder, com o
poder dos cortesãos dependendo da proximidade relativa do seu
relacionamento com ele. Embora existam líderes de muitos tipos, há uma
dinâmica praticamente universal: os cortesãos (com exceção dos tipos
cínicos, como veremos a seguir) tenderão a idealizar aqueles no poder,
vendo-os como mais inteligentes, espertos, mais perfeitos do que são na
realidade. Isso tornará mais fácil para eles justificar o próprio
comportamento adulador.
Essa dinâmica é semelhante ao que todos nós vivenciamos na infância:
idealizávamos os nossos pais a fim de nos sentirmos mais seguros sobre o
poder que eles tinham sobre nós. Era assustador demais imaginá-los como
fracos ou incompetentes. Lidar com figuras de autoridade na corte tende a
nos levar de volta à infância e à dinâmica da família. A maneira como nos
adaptamos ao poder dos nossos pais e à presença dos nossos irmãos se
repetirá na forma adulta na corte. Se sentíamos uma necessidade profunda
de agradar os pais de todas as maneiras a fim de nos sentirmos mais
seguros, nós nos tornaremos na corte o tipo que busca satisfazer os outros.
Se nos ressentíamos dos nossos irmãos por nos roubarem a atenção dos pais
e tentávamos dominá-los, seremos o tipo invejoso e apelaremos ao
comportamento passivo-agressivo. Talvez queiramos monopolizar a atenção
dos líderes como, no passado, tentamos fazer com os nossos genitores.
Desse modo, podemos dizer que os cortesãos tendem a se classificar
como certos tipos, dependendo dos padrões profundos gerados na infância.
Alguns deles podem se tornar bem perigosos se acumularem poder dentro
da corte, e costumam ser hábeis em disfarçar as suas qualidades negativas, a
fim de crescer dentro do grupo. É melhor ser capaz de identificá-los o mais
cedo possível e tomar as ações defensivas necessárias. Seguem-se sete dos
tipos mais comuns que você vai encontrar.
O criador de intrigas. Esses indivíduos são especialmente difíceis de
reconhecer. Parecem nutrir uma lealdade intensa pelo chefe e pelo grupo.
Ninguém trabalha com mais ardor ou demonstra uma eficiência mais
implacável. No entanto, isso é uma máscara; por trás dos panos, estão
sempre criando desavenças a fim de acumular mais poder. Costumam sentir
desdém pelo chefe, um sentimento que escondem com cuidado. Acreditam
que seriam capazes de fazer um trabalho melhor, e anseiam pela
oportunidade de prová-lo. Talvez na infância tenham tido problemas em
relação à competitividade com a figura paterna.
Na corte de Richard Nixon, Alexander Haig (1924-2010) era o epítome
desse tipo. Formado na Academia Militar de West Point e condecorado
como herói de guerra no Vietnã, foi contratado como um dos muitos
assistentes de Henry Kissinger, o conselheiro de segurança nacional de
Nixon. A pequena corte do próprio Kissinger era repleta de homens de
histórico acadêmico brilhante. Haig não tinha como competir naquele nível;
mantinha-se distante das discussões políticas. Em vez disso, ele se adaptou
com tanta habilidade aos desejos e necessidades de Kissinger que cresceu
com rapidez dentro do grupo. Organizava-lhe a escrivaninha, otimizava a
sua agenda e realizava as tarefas mais humildes, até mesmo ajudando o
chefe a se vestir para uma noite importante. Suportava em silêncio seus
inúmeros acessos de raiva vulcânica. Entretanto, o que Kissinger não
percebeu foi a profundeza das ambições de Haig e o desprezo que este
sentia pelo chefe. Haig estava sempre atuando em favor do verdadeiro chefe
no jogo, o próprio Nixon.
Enquanto Kissinger estava fora quase todas as noites em alguma festa,
Nixon via a luz acesa no escritório de Haig todas as horas e, sendo ele
mesmo viciado no trabalho, não podia deixar de admirar isso. É claro que
Haig fazia questão de ficar até tarde quando Nixon estava lá para notá-lo.
Logo, este passou a tomar Haig emprestado para as suas próprias tarefas.
Em 1973, quando o escândalo Watergate aflorou, Nixon designou Haig
como chefe do Estado-maior. Isso enfureceu Kissinger – não apenas sentia
que Haig o havia utilizado para os seus próprios propósitos, mas agora tinha
de tratar Haig como seu superior hierárquico. Para tornar tudo pior, Haig
vira de perto todas as fraquezas de Kissinger e sabia de muitas das suas
sujeiras, e este tinha certeza de que o colega compartilharia essas
informações com Nixon, que adorava esse tipo de fofoca. Aos demais, Haig
era amigável e até charmoso. Por trás dos panos, porém, foi traiçoeiro com
quase todos no seu caminho, grampeando-lhes os telefones e colocando seu
nome nas ideias e memorandos deles.
À medida que a crise do Watergate se aprofundou e Nixon entrou em
depressão, Haig aos poucos assumiu as operações, com um zelo que
surpreendeu e desgostou muitas pessoas. Por vários meses, ele se tornou o
presidente na prática. Esse padrão se repetiu na sua carreira. Como
secretário de Estado de Ronald Reagan, após a tentativa de assassinato do
presidente em 1981, Haig disse a repórteres: “Eu estou no controle aqui”.
Para identificar as pessoas desse tipo, você deve olhar por trás da
fachada leal e eficiente e até do charme. Fique de olho nas manobras delas e
na impaciência que demonstram para crescer no grupo. Examine seu
histórico em busca de sinais de intriga. Elas são peritas em fazer os líderes e
outros se tornarem dependentes da eficácia delas como um meio de se
vincularem e assegurarem a própria posição. Preste atenção no tantinho de
dedicação extra que exibem para agradar o chefe e se mostrarem úteis.
Compreenda que, quando elas olham para você, estão pensando em como
utilizá-lo como uma ferramenta ou trampolim. Imaginando que foram
abençoadas com o brilhantismo, sentem pouco remorso ao fazer o que for
necessário para progredirem. É melhor se manter longe e não se tornar um
dos peões delas, nem o inimigo.
O agitador. Esse tipo costuma ser cheio de inseguranças, mas hábil em
disfarçá-las daqueles na corte. Sente um ressentimento e ciúme profundos
por aqueles que têm o que ele não tem, o que é parte do padrão que
vivenciaram na infância. O jogo do agitador é infectar o grupo com dúvidas
e ansiedades, criando problemas, o que o coloca no centro da ação e lhe
permite se aproximar do líder. Com frequência, escolhe como alvo outro
cortesão que lhe incita a inveja, sobre quem espalhará boatos e insinuações,
aproveitando-se da inveja latente dos outros cortesãos. O agitador terá
muitas informações secretas para o líder sobre os que poderiam ser menos
do que perfeitamente leais. Quanto mais tumulto e emoções ele conseguir
despertar, mais vantagem tirará da situação.
Se uma rebelião de algum tipo irromper de repente dentro da corte, pode
ter certeza de que o agitador está por trás disso. Basta apenas um bom
agitador numa corte para criar drama e discórdia sem fim, tornando a vida
intolerável para todos. Ele, na verdade, sente um prazer secreto em fazer
isso. Acoberta os próprios rastros se mostrando hipervirtuoso e indignado
com as “traições” dos demais. Projeta tamanha fachada de lealdade e
devoção à causa que é difícil suspeitar que seja manipulador.
Se perceber cortesãos que compartilham “inocentemente” com você
algum boato, tenha cuidado – eles talvez sejam desse tipo, e você talvez se
torne o alvo desses boatos algum dia. Se sentir que o grupo está
sucumbindo à ansiedade viral em relação a alguma ameaça vaga, tente
localizar a fonte disso – talvez exista um agitador em seu meio. Ele pode ser
traiçoeiro, projetando uma fachada bem alegre e otimista para disfarçar a
negatividade que o contorce por dentro. Olhe sempre por trás da máscara e
note o deleite secreto que esse tipo sente quando algo ruim acontece. Ao
lidar com um agitador conhecido, não o insulte de maneira direta ou
indireta, nem seja desrespeitoso. Mesmo que ele seja bem insensível aos
sentimentos daqueles que difama, é hipersensível a qualquer sinal de
desrespeito contra si e, já que sente menos remorsos do que você, tornará a
sua vida miserável por meio de campanhas passivo-agressivas.
O porteiro. O objetivo do jogo para esses tipos é obter acesso exclusivo
aos líderes, monopolizando o fluxo de informações que lhes chega. Podem
se parecer com o criador de intrigas pela disposição de usar as pessoas para
chegar a essa posição, mas, diferentemente deste tipo, a meta do porteiro
não é assumir o poder. Ele é motivado não por um desdém secreto pelos
outros, mas pela adoração intensa pela pessoa no topo. Costuma atingir a
sua posição lisonjeando o líder, a quem idealiza, por sua genialidade e
perfeição. (É possível até que exista um leve componente sexual nessa
atração.) Insinua-se nas graças do líderes ao lhe alimentar de maneira
considerável o narcisismo. O porteiro impede a aproximação de cortesãos
irritantes e protege o líder de brigas políticas mesquinhas, o que o faz
parecer bem útil.
Ao conquistar essa proximidade, ele também consegue ver o lado
sombrio do líder e lhe descobre as fraquezas, o que mantém este
inconscientemente vinculado ao porteiro ainda mais, a quem tem medo de
alienar. Ter tanto poder assim sobre o líder admirado é o objetivo do jogo.
Esse tipo também pode se tornar o policial da corte, garantindo que o grupo
siga as ideias e crenças do líder.
Uma vez que esteja instalado no poder, torna-se extremamente perigoso
– entrar em colisão com ele de qualquer maneira interromperá o acesso
crucial ao jogador mais importante, e a outros privilégios. Reconheça o
porteiro logo de início pela adulação desavergonhada ao chefe. É óbvio que
esse tipo veste uma máscara bem diferente, junto aos outros cortesãos, do
que aquela que apresenta ao líder, e você pode tentar juntar as pistas para
revelar essa duplicidade ao líder antes que seja tarde demais. Entretanto, os
porteiros costumam ser peritos em entender e manipular as inseguranças
dos chefes e compreendê-las melhor do que você. Eles podem facilmente
reverter os seus esforços. Em geral, é melhor reconhecer o poder dos
porteiros e se manter nas boas graças deles. Se você for um líder, tenha
cuidado com esses tipos, pois tenderão a isolá-lo do grupo, e o isolamento é
perigoso.
O facilitador da Sombra. Os líderes com frequência se veem numa
posição difícil. Precisam arcar com a responsabilidade pelo que acontece ao
grupo e com a tensão resultante do esforço. Ao mesmo tempo, devem
manter uma reputação irrepreensível. Mais do que as outras pessoas, têm
que manter o lado da Sombra (ver o Capítulo 9) em segredo. Isso talvez se
refira a desejos extraconjugais que precisem reprimir, ou à paranoia a
respeito da lealdade de todos em redor, ou à vontade de agir de forma
violenta contra um inimigo odiado. Sem que tenham consciência disso, a
Sombra deles quer emergir. Aí surge o facilitador, um dos cortesãos mais
espertos e diabólicos de todos.
Esse tipo com frequência está mais próximo da sua própria Sombra,
ciente dos seus desejos mais sombrios. Na infância, é provável que sentisse
esses desejos de maneira mais profunda, mas teve de reprimi-los, o que os
tornou ainda mais poderosos e obsessivos. Como adulto, ele busca
cúmplices com quem possa trazer a Sombra à tona. É um perito em detectar
desejos reprimidos nos outros, inclusive no líder. O facilitador talvez
comece a abordar em conversas alguns temas que são tabu, mas de uma
maneira jocosa e não ameaçadora. O líder cai no espírito e se abre um
pouco. Tendo estabelecido o contato com a Sombra deste, o facilitador
então leva isso mais adiante, com sugestões ao líder de possíveis ações,
formas de extravasar as frustrações, com o facilitador lidando com tudo e
servindo como proteção.
Charles Colson, assessor especial do Presidente Nixon, cavou um papel
assim para si mesmo. Sabia que o chefe era bem paranoico sobre todos os
inimigos que, supostamente, o cercavam. Nixon era também bastante
inseguro quanto à sua própria masculinidade e desejava punir os seus
supostos inimigos e demonstrar que tinha atitude. Sentia uma frustração
profunda por não ser capaz de realizar esses desejos. Colson instigou os
piores instintos de Nixon, permitindo que este desabafasse os seus
sentimentos em reuniões e depois Colson insinuava maneiras de colocá-los
em prática, como esquemas de vingança contra repórteres detestados; isso
era tentador e terapêutico demais para resistir. Colson partilhava de alguns
desses desejos sádicos ocultos também, e essa era a maneira perfeita de
satisfazer a própria Sombra.
Em qualquer corte, é inevitável que existam aqueles de baixo caráter,
que vivem maquinando e entrando em conflitos. Eles não são abertamente
violentos ou malignos, apenas sentem menos remorso do que os outros. Se
forem facilitadores e se insinuarem numa posição próxima ao chefe, não há
muito que você possa fazer. É perigoso demais contrariar esses tipos, a
menos que o que estejam planejando seja tão sombrio que valha a pena
arriscar a sua própria posição para detê-los. Anime-se com o fato de que a
carreira dos facilitadores costuma ser curta. Com frequência servem como
bode expiatório se o que defendiam, ou cometeram, se tornar público.
Tenha em mente que eles podem tentar fazer esse jogo com você. Não dê o
primeiro passo em qualquer ação duvidosa à qual tentarem atraí-lo. A sua
reputação limpa é o que você tem de mais importante. Mantenha uma
distância educada.
O bobo da corte. Quase toda corte tem um bobo. No passado, ele vestia
um chapéu com sinos, mas hoje surge em variedades e visuais diferentes.
Pode ser o cínico e zombeteiro da corte, que tem licença para caçoar de
quase todos e tudo, às vezes até dos próprios líderes, que toleram isso
porque demonstra uma aparente falta de inseguranças e senso de humor.
Outra variedade é o rebelde domesticado. Esse tipo tem a permissão de ir
contra o código de indumentária, exibir um comportamento mais casual e
defender opiniões não convencionais. Ele pode ser um pouco exuberante.
Em reuniões, diferentemente de todos os outros, tem autorização para
oferecer opiniões radicais contrárias ao grupo. Esses não conformistas
provam que os líderes encorajam a troca livre de opiniões, pelo menos na
aparência.
Esses tipos se encaixam nesses papéis porque, no fundo, têm medo da
responsabilidade e horror ao fracasso. Sabem que, como bobos, não são
levados a sério e recebem pouco poder de verdade. O humor e a atitude que
demonstram lhes dão um lugar na corte sem a tensão de terem que realizar
algo sério. A “rebeldia” deles nunca representa uma ameaça ou desafio reais
ao status quo. Na realidade, eles fazem os outros do grupo se sentirem um
pouco superiores ao esquisito da casa, mais confortáveis em se
conformarem às normas.
Nunca leve a existência do bobo como um sinal de que você pode lhe
imitar o comportamento com liberdade. Há um motivo pelo qual é raro que
haja mais de um bobo por corte. Se você sentir o impulso de se rebelar
contra as normas do grupo, é melhor mantê-lo o mais sutil possível. A corte
moderna muitas vezes tolera diferenças apenas nas aparências, mas nem
tanto em ideias ou na correção política. É melhor reservar o seu não
conformismo para a vida privada, ou até que tenha acumulado mais poder.
O espelho. Esses tipos costumam estar entre os cortesãos mais bemsucedidos de todos, pois são capazes de fazer o jogo duplo ao máximo. São
hábeis em encantar os líderes e os colegas cortesãos, mantendo uma base
ampla de apoio. O poder deles é ancorado na ideia de que, no fundo, todos
são narcisistas. São peritos em refletir para as outras pessoas os ânimos e
ideias delas mesmas, fazendo que sintam-se validadas sem perceberem a
manipulação, ao contrário do uso da adulação franca.
Na corte do presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt,
Frances Perkins, secretária do trabalho e conselheira de muitos anos de
FDR, era perita nesse jogo. Tinha um alto nível de empatia e conseguia
pressentir os ânimos de Roosevelt, aos quais se adaptava. Sabia que ele
adorava ouvir histórias, por isso, em qualquer ideia que lhe apresentasse, ela
incluía algum tipo de narrativa, e isso o encantava. Escutava a tudo o que
lhe dizia com muito mais atenção do que os outros, e mais tarde se referia
literalmente a algo “brilhante” que ele havia dito, o que provava a
intensidade com que o ouvia.
Se quisesse recomendar uma ação que talvez fosse recebida com alguma
resistência, introduzia o plano como se fosse uma das ideias antigas dele,
mas com uma leve modificação feita por ela. Perkins conseguia decifrar o
significado dos vários tipos de sorrisos de FDR, sabendo quando podia
avançar com a sua ideia e quando parar por completo. E fazia questão de
confirmar a imagem idealizada que ele tinha de si mesmo como o nobre
guerreiro lutando em favor dos desfavorecidos. Para os outros cortesãos, ela
se apresentava da maneira mais inofensiva, nunca brandindo a influência
que tinha sobre o chefe, e empregando o mesmo tipo de charme a todos que
lhe atravessam o caminho. Dessa maneira, era difícil que os outros
cortesãos se sentissem ameaçados por ela ou que lhe invejassem os poderes.
Esse é um papel que você talvez queira desempenhar na corte por causa
do poder que acarreta, mas, para conseguir, terá de ser um bom leitor das
pessoas, sensível aos seus sinais não verbais. Isso lançará um feitiço sobre
elas e lhes baixará a resistência. Em relação aos líderes, você precisa ter
ciência da opinião idealizada que têm de si mesmos e sempre confirmá-la
de alguma maneira, ou mesmo encorajá-los a se mostrar à altura dela. Os
que estão no topo são mais solitários e inseguros do que você imagina, e
vão engolir esse truque. Como foi mencionado, a adulação franca é perigosa
porque os indivíduos a percebem, mas, mesmo que notem o seu
espelhamento, continuarão encantados e vão querer mais.
O favorito e o saco de pancadas. Esses dois tipos ocupam os escalões
mais alto e mais baixo da corte, respectivamente. Todo rei ou rainha tem
que ter o seu favorito dentro da corte. Ao contrário dos outros tipos, cujo
poder em geral depende da eficiência e das demonstrações de lealdade
abjeta, a ascensão do favorito ao poder se baseia com frequência no cultivo
de um relacionamento mais pessoal e amigável. Logo de início, eles se
mostram relaxados e sociáveis junto ao líder, sem parecerem desrespeitosos.
Muitos líderes no fundo morrem de vontade de não terem que ser tão
formais e de estarem sempre no controle. Os que se sentem solitários
escolherão alguém para ocupar essa posição. Com o favorito, compartilham
segredos com prazer e concedem favores. Isso, é claro, vai despertar a
inveja dos outros cortesãos.
Essa posição é repleta de perigos. Em primeiro lugar, depende dos
sentimentos de amizade dos líderes, e é inevitável que esses sentimentos
sejam fugazes. O ser humano é mais sensível às palavras ou ações dos
amigos e, caso se sinta desapontado ou traído de alguma maneira, pode
passar da estima ao ódio. Em segundo lugar, o favorito recebe tanto
tratamento privilegiado que muitas vezes se torna arrogante e presunçoso.
Os líderes talvez se cansem. Os cortesãos já tinham ciúmes do favorito, mas
o aumento da arrogância só os alienará ainda mais. Quando os favoritos
caem em desgraça – e a história está abarrotada de casos assim –, a queda é
dura e dolorosa. Ninguém surge para defendê-los e, como a sua ascensão
não resultou de nenhuma habilidade especial, eles muitas vezes não têm
para onde ir. Evite a tentação de ocupar essa posição. Torne o seu poder
dependente das suas realizações e utilidade, não dos sentimentos de
amizade que as pessoas têm por você.
Assim como em qualquer parque infantil, na corte há quase sempre
alguém que faz o papel do saco de pancadas, de quem todos se veem
encorajados a rir de algum modo, sentindo-se superiores. Hoje em dia, as
pessoas são mais cuidadosas e politicamente corretas, mas essa necessidade
humana de um saco de pancadas está enraizada demais na nossa natureza.
Os indivíduos baseiam esse sentimento de superioridade na suposta
incompetência do saco de pancadas, ou nas suas opiniões não ortodoxas ou
na sua falta de sofisticação, ou em seja lá o que for que os faça parecerem
diferentes e inferiores em algum aspecto. Muito dessa zombaria será feita
pelas costas do alvo, mas este a perceberá. Não se envolva nessa dinâmica.
Ela o deixará embrutecido e degradado. Veja todos na corte como aliados
em potencial. Dentro desse ambiente impiedoso, tente fazer amizade com o
saco de pancadas, demonstrando uma maneira diferente de se comportar e
cortando a diversão desse jogo cruel.
O GRUPO DA REALIDADE
Quando um grupo de pessoas fracassa numa iniciativa, costumamos ver
a seguinte dinâmica se desenrolar: a primeira reação é examinar os atores
envolvidos e determinar os culpados. Talvez tenha sido o líder que, com a
sua ambição excessiva, levou o grupo ao fracasso, ou o assistente
incompetente, ou o adversário muito astuto. Talvez um pouco de má sorte
estivesse envolvida também. O líder ou o assistente podem ser despedidos e
uma nova equipe introduzida. A liderança aprende algumas lições a partir
dessa experiência, e estas são compartilhadas. Todos no grupo se sentem
satisfeitos e prontos para ir adiante. Então, alguns anos mais tarde, quase o
mesmo problema e o mesmo tipo de fracasso reincide, e as mesmas
soluções desgastadas são recicladas.
O motivo para esse padrão comum é simples: a culpa, na verdade, está
na dinâmica disfuncional do grupo, que tende a produzir assistentes
incompetentes e líderes grandiosos. E, a menos que isso seja consertado, os
problemas continuarão a se repetir com rostos diferentes.
Numa cultura disfuncional, os membros muitas vezes se confundem a
respeito dos papéis que desempenham e do direcionamento geral do grupo.
Em meio a essa confusão, as pessoas começam a pensar mais nos seus
próprios planos e interesses, e formam facções. Mais preocupadas com o
próprio status do que com a saúde do grupo, o ego delas se torna irritável, e
elas se mostram obcecadas com quem está ganhando mais. Nessa atmosfera
contenciosa, as maçãs ruins – os agitadores, os homens e mulheres de baixo
caráter – encontram diversas maneiras de incitar problemas e se
promoverem. Aqueles que são bons de conversa e jogos políticos, mas em
não muito mais que isso, prosperam, ascendem ao topo e se tornam
assistentes do líder. A mediocridade é preferida e recompensada.
O líder se vê arrastado para baixo por toda a dissensão e competição
internas. Sentindo-se vulnerável, cerca-se de cortesãos que lhe dizem o que
ele quer ouvir. Dentro desse casulo da corte, concebe planos malfeitos e
grandiosos, que são encorajados pelos cortesãos covardes. Despedir o líder
ou os seus assistentes não vai mudar nada. Os próximos vão apenas se ver
contaminados e transformados pela cultura disfuncional.
O que precisamos fazer para evitar essa armadilha é alterar a nossa
perspectiva: em vez de nos concentrarmos de imediato nos indivíduos e no
drama da ação fracassada, devemos focar a dinâmica geral do grupo.
Conserte a dinâmica, crie uma cultura produtiva, e assim não apenas evitará
todos os males, mas desencadeará uma pressão ascendente muito diferente
dentro do grupo.
O que cria uma dinâmica funcional e saudável é a habilidade do grupo
de manter um relacionamento firme com a realidade. A realidade para um
grupo é a seguinte: ele existe a fim de produzir realizações, criar algo e
solucionar problemas. Tem certos recursos com os quais pode contar – o
trabalho e as capacidades de cada membro, as finanças. Atua num ambiente
específico que é quase sempre bastante competitivo e em constante
mutação. O grupo saudável coloca a ênfase principal no trabalho em si, em
tirar o proveito máximo dos recursos e em se adaptar a todas as mudanças
inevitáveis. Sem perder tempo com jogos políticos infindáveis, consegue
realizar dez vezes mais do que um grupo disfuncional. Extrai o que há de
melhor na natureza humana – a empatia das pessoas, a habilidade destas de
trabalhar com outros num nível elevado. Permanece sendo o ideal para
todos nós. Chamemos esse ideal de o grupo da realidade.
Com certeza, o verdadeiro grupo da realidade é uma ocorrência rara na
história – até certo ponto, nós o vimos em ação com os famosos batalhões
de Napoleão Bonaparte, ou nos primeiros anos da IBM sob o comando de
Thomas Watson, ou no gabinete inicial formado por Franklin Roosevelt, ou
na equipe de filmagem que trabalhou por décadas para o grande diretor
John Ford, ou no time de basquete norte-americano Chicago Bulls sob a
liderança do técnico Phil Jackson. Desses exemplos, e outros, podemos
aprender algumas lições valiosas sobre os componentes do grupo da
realidade e sobre como ele pode ser moldado pelos líderes.
A seguir estão cinco estratégias essenciais para conseguir isso, todas as
quais devem ser colocadas em prática. Tenha em mente que, se você herdar
uma cultura firmemente estabelecida e disfuncional, a sua tarefa será mais
difícil e exigirá mais tempo. Você precisa ter determinação para efetuar as
mudanças que deseja e ter paciência, tendo cuidado para não deixar a
cultura assimilá-lo aos poucos. Pense nisso como uma guerra, em que o
inimigo não são os indivíduos, mas a dinâmica disfuncional do grupo.
Infunda um senso coletivo de propósito. Aquela força social que
compele as pessoas a quererem participar e se encaixar é algo que se deve
capturar e canalizar para um propósito mais elevado. Você conseguirá fazer
isso estabelecendo um ideal – o seu grupo deve ter um objetivo definido,
uma missão positiva que une os membros, que pode ser criar um produto
que seja superior e único e que torne a vida mais fácil e traga prazer; ou
melhorar as condições dos necessitados; ou resolver algum problema
aparentemente insolúvel. Essa é a realidade derradeira do grupo, o motivo
pelo qual ele foi formado em primeiro lugar. Não é vago ou implícito, mas
declarado e divulgado com clareza. Não importa qual seja o tipo de
trabalho, você deve enfatizar a excelência e criar algo da mais alta
qualidade. Lucrar ou ter sucesso deveria ser um resultado natural desse
ideal, e não a meta em si.
Para fazer isso funcionar, o grupo deve praticar o que você prega.
Quaisquer sinais de hipocrisia ou discrepância notável entre o ideal e a
realidade destruirão os seus esforços. Estabeleça um histórico de resultados
que reflita o ideal do grupo. Este tenderá a perder a conexão com o
propósito original, em especial quando obtiver algum sucesso. Continue a
lembrá-lo da missão, adaptando-a se necessário, mas nunca se desviando do
seu âmago.
Muitas vezes gostamos de reduzir o comportamento das pessoas a
motivações ordinárias – ganância, egoísmo e o desejo de atenção. Com
certeza todos temos um lado ordinário. Entretanto, também possuímos uma
faceta mais nobre e elevada que se sente frustrada com frequência e que não
consegue se expressar no mundo impiedoso da atualidade. Fazer os
indivíduos se sentirem parte integral de um grupo que está criando algo
importante atende a uma necessidade humana profunda que raramente é
satisfeita. Uma vez que os membros tenham experimentado essa sensação,
eles serão motivados a manter a dinâmica saudável viva e como algo vital.
Com o espírito de união relativamente elevado, o grupo policiará a si
mesmo. Quem é mesquinho e só se preocupa com o próprio ego se
destacará e será isolado. Com clareza sobre o que o grupo representa e o
papel que deve desempenhar, é menos provável que os membros formem
facções. Tudo se torna mais fácil e tranquilo se você incutir esse propósito
coletivo.
Reúna a equipe certa de assistentes. Como líder de um grupo da
realidade, você precisa ter a habilidade de se concentrar no panorama geral
e nas principais metas. Você tem um estoque limitado de energia mental, e
deve orientá-la com sabedoria. O maior obstáculo a isso é o medo de
delegar a autoridade. Se sucumbir ao microgerenciamento, a sua mente será
obscurecida por todos os detalhes que tentará controlar e pelas batalhas
entre os cortesãos. A sua própria confusão então se infiltrará no grupo,
arruinando o efeito da primeira estratégia.
O que você precisa fazer desde o princípio é cultivar uma equipe de
assistentes, incutidos com o seu espírito e com o senso coletivo de
propósito, em quem pode confiar para gerenciar a execução das ideias. Para
conseguir isso, tenha os padrões certos – não baseie a sua seleção no
charme das pessoas, e nunca contrate amigos. Você quer o indivíduo mais
competente para a função. Considere bem o caráter. Alguns conseguem ser
brilhantes, mas no fim as suas personalidades e egos venenosos os levam a
drenar o espírito do grupo. (Veja mais sobre julgamento de caráter no
Capítulo 4.)
Selecione para essa equipe aqueles que tenham as habilidades que você
não tem, cada indivíduo com as suas capacidades específicas. Eles devem
saber o papel que vão desempenhar. Também é bom que essa equipe de
assistentes seja diversa em temperamento, histórico e ideias. Devem
demonstrar disposição para dizer o que pensam e tomar iniciativa, tudo
dentro da estrutura do propósito do grupo. Podem até desafiar algumas
regras que pareçam antiquadas. Sentir que fazem parte de um grupo, mas
que também são capazes de empregar a própria criatividade para realizar
tarefas, despertará o melhor neles, e esse espírito se espalhará.
Para essa equipe de assistentes, e para o grupo como um todo,
certifique-se de que os membros sejam tratados de maneira mais ou menos
igual – ninguém dever ter privilégios especiais; distribua recompensas e
punições de modo justo e imparcial. Se alguns indivíduos específicos não
estiverem à altura do ideal, livre-se deles. Se você então trouxer novos
assistentes, eles naturalmente serão absorvidos pela dinâmica saudável.
Você deve também liderar pelo exemplo. Se houver sacrifícios a serem
feitos, ofereça tanto quanto qualquer outro membro. Ao fazer isso, tornará
mais difícil para as pessoas sentirem inveja ou ressentimentos, que
poderiam semear divisões e torná-las políticas.
Deixe as informações e as ideias fluírem com liberdade. À medida
que o grupo evoluir, o maior perigo para você é a lenta formação de uma
bolha ao seu redor. Os assistentes, tentando diminuir o seu fardo, podem
acabar isolando-o do que está acontecendo em todo o grupo e filtrar as
informações que lhe fornecem. Sem perceber, eles lhe dirão o que acreditam
que o agradará e conterão o ruído que é importante de se ouvir. A sua
perspectiva da realidade aos poucos se tornará distorcida e as suas decisões
refletirão esse fato.
Sem se sobrecarregar com detalhes, você deve estabelecer uma
dinâmica bem diferente. Considere a comunicação aberta de ideias e
informações – sobre rivais, sobre o que está acontecendo nas ruas ou entre o
seu público –, a essência vital do grupo. Esse foi o segredo do sucesso de
Napoleão Bonaparte no campo de batalha. Ele revisava pessoalmente os
relatórios concisos que lhe chegavam por intermédio de seus marechais de
campo, tenentes e outros de toda a cadeia de comando, inclusive os
soldados da infantaria. Isso lhe dava várias linhas de perspectiva quanto ao
desempenho do exército e das ações do inimigo. Queria o máximo de
informações não filtradas quanto possível antes de se decidir por uma
estratégia. Ele mantinha esses relatórios a um número razoavelmente
pequeno, mas a diversidade era o que lhe dava um panorama claro.
Para tanto, você deve encorajar a discussão franca em toda a
organização, com os membros confiando que podem fazer isso. Escute os
seus soldados rasos. As suas reuniões devem ser animadas, sem que as
pessoas se preocupem muito se vão ferir egos e ofender os outros; você
precisa de uma diversidade de opiniões. A fim de permitir essa franqueza,
tenha cuidado nessas discussões para não sinalizar a sua preferência por
uma opção ou decisão em particular, pois isso levará sutilmente a equipe a
seguir a sua liderança. Traga até especialistas e indivíduos de fora para
expandir a perspectiva do grupo.
Quanto mais abrangente for o processo de deliberação, maior será a
conexão à realidade, e melhores serão as suas decisões. É claro que o
processo pode levar tempo demais, mas a maioria das pessoas peca pelo
oposto, tomando decisões apressadas a partir de informações altamente
filtradas. Estabeleça o máximo de transparência possível: quando as
decisões forem tomadas, compartilhe com a equipe a maneira como chegou
a elas e com que propósito.
Estenda essa comunicação aberta à habilidade do grupo de criticar a si
mesmo e ao próprio desempenho, em especial após quaisquer erros ou
fracassos. Tente transformar isso numa experiência positiva e animada, com
o foco não em encontrar bodes expiatórios, mas no funcionamento geral do
grupo, que se mostrou abaixo do padrão. Você quer que o grupo continue
aprendendo e se aprimorando. Aprender a partir dos erros tornará a equipe
muito mais confiante ao seguir em frente.
Contagie o grupo com emoções produtivas. No ambiente de grupo, o
ser humano é, por natureza, mais emocional e permeável aos ânimos dos
outros. Você deve trabalhar com a natureza humana e transformar isso em
algo positivo ao contagiar o grupo com o conjunto apropriado de emoções.
As pessoas são mais suscetíveis aos ânimos e atitudes do líder do que ao de
qualquer outro. As emoções produtivas incluem a calma. Phil Jackson, o
treinador de basquete mais bem-sucedido da história, notou que muitos
treinadores tentavam incentivar o time antes de um jogo, deixando-os
entusiasmados e até zangados. Ele julgava muito mais produtivo incutir um
senso de tranquilidade que ajudava os atletas a executarem o plano de jogo
e a não reagirem de forma exagerada aos altos e baixos da partida. Como
parte dessa estratégia, sempre mantenha o grupo concentrado em completar
tarefas concretas, o que deixará a todos naturalmente calmos e com os pés
no chão.
Contagie o grupo com um senso de resolução que emane de você. Não
se aborreça com os contratempos; continue avançando e trabalhando nos
problemas. Seja persistente. O grupo perceberá isso, e indivíduos sentem
vergonha de se tornarem histéricos diante da menor alteração nas condições.
Tente transmitir ao grupo a sua autoconfiança, mas tenha cuidado para que
isso não degringole para uma noção de grandiosidade. A sua autoconfiança
e a do grupo resulta, em larga medida, de um histórico de sucesso. Altere as
rotinas de tempos em tempos, surpreenda a todos com algo novo e
desafiador. Isso acordará os membros e os tirará da complacência que pode
se estabelecer em qualquer grupo que obtém o sucesso.
O mais importante é que demonstrar a falta de medo e uma abertura
geral a novas ideias terá o efeito mais terapêutico de todos. Os membros do
grupo se tornarão menos defensivos, sendo encorajados a pensar por conta
própria, e a não operar como autômatos.
Construa um grupo experiente em conflitos. É essencial que você
conheça bem o seu grupo, as suas capacidades e fraquezas, e o máximo que
pode esperar dele. No entanto, as aparências enganam. No trabalho
cotidiano, as pessoas podem parecer motivadas, conectadas e produtivas.
Contudo, acrescente alguma tensão ou pressão ou até uma crise e, de
repente, verá um lado bem diferente delas. Algumas começam a pensar
mais em si mesmas e a se desconectar do espírito de grupo; outras se
tornam ansiosas demais e contagiam os demais com os seus temores. Parte
da realidade que você precisa comandar é a força real da sua equipe.
Seja capaz de avaliar a tenacidade interna relativa da equipe antes de ser
lançado numa crise. Dê a vários membros algumas tarefas relativamente
desafiadoras ou prazos de entrega mais curtos do que o habitual, e veja
como eles respondem. Algumas pessoas se provarão à altura das
circunstâncias e trabalharão ainda melhor sob pressão; considere-as um
tesouro a ser guardado. Lidere numa ação que seja nova e levemente mais
arriscada do que o normal. Observe com atenção como os indivíduos
reagem à ligeira quantidade de caos e incerteza que se desenrolar a partir
daí. É claro que, depois de quaisquer crises e fracassos, você deve utilizar
esses momentos como uma maneira de avaliar a força interior das pessoas,
ou a falta dela. Tolere alguns tipos temerosos que tenham outras virtudes,
mas não muitos.
No fim, você quer um grupo que tenha passado por alguns conflitos,
lidado com eles razoavelmente bem, e tenha sido testado sob pressão. Os
membros não desfalecem ao sinal de novos obstáculos e, na verdade, lhes
dão as boas-vindas. Dessa forma, conseguirá expandir os limites do que
pode pedir aos membros, e estes sentirão uma pressão ascendente poderosa
para superar desafios e provar a si mesmos. Um grupo assim é capaz de
mover montanhas.
Por fim, gostaríamos de nos concentrar na saúde psicológica dos
indivíduos, e em como um terapeuta talvez consiga consertar quaisquer
problemas que eles possam ter. O que não levamos em consideração,
porém, é que estar num grupo disfuncional pode tornar os indivíduos
instáveis e neuróticos. O oposto também é verdade: ao participar de um
grupo da realidade de alto funcionamento, é possível nos tornarmos
saudáveis
e
completos.
Essas
experiências
são
memoráveis
e
transformadoras. Aprendemos o valor da cooperação num nível elevado e a
ver o nosso destino entrelaçado com aqueles em redor. Desenvolvemos uma
empatia maior. Ganhamos confiança nas nossas próprias habilidades, que
são recompensadas num grupo assim. Nós nos sentimos conectados à
realidade. Somos levados pela pressão ascendente do grupo, alçando a
nossa natureza social ao nível alto que deveria ter. É o nosso dever, como
seres humanos esclarecidos, criar o maior número possível de grupos assim,
tornando a sociedade mais saudável no processo.
A loucura é algo raro nos indivíduos – mas é a regra em grupos, partidos, povos e
eras.
— Friedrich Nietzsche
15
Faça-os quererem segui-lo
A Lei da Inconsistência
Embora os estilos de liderança mudem com os tempos, uma constante
permanece: os indivíduos são sempre ambivalentes quanto àqueles no
poder. Eles querem ser guiados, mas também se sentir livres; querem ser
protegidos e desfrutar da prosperidade sem fazer sacrifícios; idolatram o
rei ao mesmo tempo que querem matá-lo. Na posição de líder de um grupo,
as pessoas estão sempre preparadas para se voltar contra você no instante
em que parecer fraco ou enfrentar um empecilho. Não sucumba aos
preconceitos da época, imaginando que o que você precisa fazer para lhes
conquistar a lealdade é dar a impressão de ser igual a elas, ou um amigo;
duvidarão da sua força, desconfiarão dos seus motivos e responderão com
descaso camuflado. A autoridade é a arte delicada de criar a aparência do
poder, da legitimidade e da justiça, e, ao mesmo tempo, fazer os indivíduos
se identificarem com você como um líder que está a serviço deles. Se quiser
liderar, precisa dominar essa arte desde cedo na vida. Uma vez que tenha
conquistado a confiança dos outros, eles se colocarão ao seu lado e o
aceitarão como líder, não importando as más circunstâncias.
A MALDIÇÃO DO MERECIMENTO
Na manhã de sábado, 14 de janeiro de 1559, ingleses de todas as classes
e idades começaram a se reunir nas ruas de Londres. Era a véspera da
coroação da nova soberana, Elisabete Tudor, então com 25 anos, que
passaria a ser conhecida como rainha Elisabete I. Por tradição, o novo
monarca sempre conduzia uma procissão cerimonial pela cidade. Para a
maioria, seria a primeira vez que veriam Elisabete.
Alguns na multidão estavam ansiosos – a Inglaterra estava em más
condições financeiras, o governo bastante endividado; havia mendigos por
todos os lados nas ruas das grandes cidades, e ladrões perambulavam pela
zona rural. O pior de tudo era que o país acabara de passar por uma
verdadeira guerra civil entre católicos e protestantes. O pai de Elisabete,
Henrique VIII (1491-1547), havia fundado a Igreja Anglicana e decidido
transformar a Inglaterra num país protestante. A filha do primeiro
casamento de Henrique foi coroada rainha com o nome de Maria I em 1553,
e tentou devolver o país à comunidade católica, iniciando uma espécie de
inquisição inglesa que lhe rendeu o apelido de “Bloody Mary” (“Maria
Sangrenta”). Após a morte dela no fim de 1558, Elisabete era a próxima na
linha de sucessão, mas seria essa uma boa hora para os ingleses serem
governados por uma mulher tão jovem e inexperiente?
Outros nutriam esperanças cautelosas: como a maioria da população da
Inglaterra, Elisabete era uma protestante devota e levaria o país de volta à
Igreja Anglicana. No entanto, nem otimistas nem pessimistas sabiam muito
sobre ela. Depois que Henrique VIII mandou que Ana Bolena (a sua
segunda esposa e mãe de Elisabete) fosse executada sob acusações falsas,
Elisabete não tinha ainda nem 3 anos, e passou então a ser repelida por uma
série de madrastas, de maneira que sua presença na corte tinha sido mínima.
O povo inglês sabia que ela havia tido uma infância difícil e que a rainha
Maria a detestava, até mesmo prendendo Elisabete na Torre de Londres em
1554. (Queria que Elisabete fosse executada sob a acusação de conspirar
contra a Coroa, mas não conseguiu reunir provas suficientes.) Como essas
experiências afetaram a jovem Elisabete? Seria ela tão impetuosa quanto o
pai ou tão arrogante quanto a meia-irmã, Maria? Com tanta coisa em jogo,
todos estavam curiosíssimos para saber mais sobre aquela mulher.
Para os ingleses, a procissão foi um dia de celebração e alegria, e
Elisabete não os desapontou nesse departamento. Foi um tremendo
espetáculo – tapeçarias coloridas nas paredes externas das casas, bandeiras
e flâmulas em cada janela, músicos e palhaços perambulando pelas ruas
entretendo a multidão.
Sob um pouco de neve, aquela que logo se tornaria rainha apareceu nas
ruas, e por onde passava a multidão se calava. Carregada numa liteira
aberta, ela vestia a mais bela túnica real dourada e as joias mais magníficas.
Tinha um rosto encantador e os olhos escuros cheios de vida. Contudo, à
medida que a procissão avançou e várias encenações foram representadas
em tributo a ela, os ingleses viram algo que nunca haviam testemunhado
antes ou conseguido imaginar: a rainha parecia gostar de se misturar ao
povo, e lágrimas lhe enchiam os olhos ao escutar com atenção, dos
londrinos mais pobres, pedidos e bênçãos para o reinado dela.
A sua maneira de falar era natural e até um pouco popular. O
entusiasmo crescente da multidão a infectava, e afeição dela pelo povo nas
ruas era bem evidente. Uma mulher mais velha e bem pobre lhe entregou
um ramo seco de alecrim para lhe dar sorte, e Elisabete o segurou com força
o dia inteiro.
Uma testemunha escreveu sobre Elisabete: “Se algum dia qualquer
pessoa teve o dom ou o estilo de conquistar o coração das pessoas, foi essa
rainha […]. Todas as suas habilidades estavam em ação, e cada ação parecia
uma ação bem deliberada: os olhos se voltavam para um, os ouvidos
escutavam outro, o julgamento cuidava de um terceiro, a um quarto ela
endereçava a sua fala; o espírito dela parecia estar em todos os lugares, mas
também tão inteiro nela mesma que parecia não poder estar em nenhum
outro lugar. De alguns ela se apiedava, a outros elogiava, a alguns
agradecia, com outros brincava de maneira agradável e inteligente […] e
distribuindo sorrisos, olhares e graças […] e, como resultado, as pessoas de
novo redobraram a manifestação das suas alegrias, e, mais tarde, com o
mais elevado esforço, encheram os ouvidos de todos os homens com
exultações desmedidas do seu príncipe”.Naquela noite, a cidade de Londres
fervilhava com as histórias do dia. Em tabernas e lares, comentários eram
ouvidos sobre a presença estranha e eletrizante de Elisabete. Reis e rainhas
apareciam com frequência diante do público, mas cercados de muita pompa
e ávidos por manter certa distância. Eles tinham a expectativa de que o povo
lhes obedeceria e os veneraria. No entanto, Elisabete parecia ávida por
conquistar o amor do povo, e isso encantou a todos que a viram naquele dia.
À medida que a notícia se espalhou pelo país, a afeição pela nova rainha
começou a aumentar entre os ingleses, que passaram a ter alguma esperança
em relação ao novo reinado.
Antes da coroação, Elisabete informou a Sir William Cecil que ela o
escolheria como seu ministro de confiança. Este, treze anos mais velho do
que a rainha, havia servido como um conselheiro importante de Eduardo
VI, meio-irmão de Elisabete, que governara após a morte de Henrique VIII,
em 1547, desde os 9 anos de idade até morrer, aos 15. Cecil conhecia
Elisabete desde os 14 anos dela; eles tinham interesses intelectuais
semelhantes e eram ambos protestantes devotos; envolviam-se em muitas
conversações animadas e possuíam uma relação amigável. De sua parte,
Cecil a entendia bem. Ela era extremamente inteligente, muito culta e falava
diversas línguas com fluência. Jogavam xadrez frequentemente, e ele se
impressionou com o estilo paciente dela e a maneira como costumava
planejar armadilhas complexas para as peças dele.
Cecil sabia que Elisabete fora educada em meio ao sofrimento. Ela
havia perdido não apenas a mãe quando era criança, mas também a
madrasta que mais amava, Catarina Howard, aos 8 anos. Catarina foi a
quinta esposa de Henrique e prima de Ana Bolena. Henrique ordenou que
ela fosse decapitada sob acusações falsas de adultério. Cecil também sabia
que os poucos meses que Elisabete passou na Torre de Londres haviam tido
um efeito traumático sobre ela, já que acreditara que seria executada a
qualquer momento. Ela emergiu de todas essas experiências como uma
jovem de afabilidade impressionante, mas Cecil sabia que, por trás desse
exterior, a mulher era determinada, temperamental e até traiçoeira.
No entanto, Cecil também tinha certeza de uma coisa: governar não era
para mulheres. A rainha Maria I havia sido a primeira mulher a governar de
verdade a Inglaterra, e se provara um desastre. Todos os ministros e
administradores do governo eram homens, e uma figura feminina não
aguentaria lidar com a competitividade e agressividade deles, ou dos
diplomatas estrangeiros, também homens. As mulheres eram emocionais e
instáveis demais. Elisabete talvez tivesse uma mente capaz, mas não detinha
a adaptabilidade para a função. Por essa razão, Cecil formulara um plano:
aos poucos, ele e os seus comparsas tomariam as rédeas, com a rainha
aconselhando, mas seguindo na maior parte as instruções dos ministros. E,
assim que possível, eles a casariam, de preferência com um protestante, e o
marido assumiria o comando e governaria como rei.
Quase desde o princípio do reinado dela, porém, Cecil percebeu que
esse plano não seria fácil de executar. A rainha era obstinada e tinha seus
próprios projetos. De certa maneira, ele não conseguiu deixar de se
impressionar. No primeiro dia de Elisabete na função, ela convocou uma
reunião e deixou claro aos futuros conselheiros que sabia mais do que eles
sobre a situação financeira do país; estava determinada a tornar o governo
solvente. Nomeou Cecil como secretário de Estado, e passou a se encontrar
com ele várias vezes ao dia, não lhe dando nenhum tempo para descansar.
Diferentemente do pai dela, que permitira que os ministros
administrassem tudo a fim de que pudesse passar o tempo caçando e
cortejando jovens mulheres, Elisabete punha as mãos na massa. Cecil estava
espantado com a quantidade de horas que ela dedicava ao cargo,
trabalhando ainda muito depois da meia-noite. Era meticulosa naquilo que
esperava dele e dos outros ministros e, de vez em quando, era bem
intimidadora. Se lhe agradava com o que dizia ou fazia, a rainha era só
sorrisos e um pouco coquete. No entanto, se algo desse errado ou se Cecil
discordasse dela de maneira muito veemente, Elisabete o excluía por vários
dias, e ele voltava para casa remoendo o seu nervosismo. Será que ela havia
perdido a confiança nele? Em algumas ocasiões, ela o olhava com aspereza
ou até o criticava no mesmo estilo tempestuoso do pai dela. Não, a rainha
não seria fácil de manobrar e, aos poucos, descobriu-se trabalhando de
forma mais árdua do que nunca para impressioná-la.
Como parte do plano para que os homens assumissem o poder de
maneira gradual, Cecil fazia questão de que toda a correspondência de
governos estrangeiros passasse primeiro pela mesa dele. Manteria a rainha
ignorante de várias questões importantes. Então, soube que ela havia
descoberto isso e, pelas costas de Cecil, dera ordens para que toda a
correspondência diplomática passasse por suas mãos. Era como um jogo de
xadrez, e Elisabete estava vários lances à frente. Cecil se enfureceu e a
acusou de lhe prejudicar o trabalho, mas a rainha se manteve firme e
ofereceu uma resposta bem lógica: diferentemente de Cecil, ela falava e lia
em todos os principais idiomas europeus e entendia as suas nuances, e seria
melhor para todos se conduzisse pessoalmente a diplomacia e atualizasse os
ministros nas questões estrangeiras. Era inútil argumentar, e ele logo
percebeu que, em se tratando de lidar com essa correspondência e reuniões
com diplomatas, Elisabete era uma excelente negociadora.
Aos poucos, a resistência dele diminuiu. Elisabete permaneceria no
comando, pelo menos nos primeiros anos do seu reinado; então, se casaria e
produziria o herdeiro necessário para a Inglaterra, e o marido assumiria o
governo. Não era natural que ela continuasse nesse papel como uma
governante solteira. Havia boatos de que confidenciara a várias amigas que
nunca se casaria, e que tinha um medo avassalador do matrimônio com base
no que vira acontecer com o pai. No entanto, Cecil não levava isso a sério.
Ela continuava a dizer a todos que tudo que importava era o bem maior da
Inglaterra, mas manter o país sem um herdeiro aparente era arriscar uma
guerra civil no futuro. Com certeza Elisabete veria a lógica nisso.
O objetivo dele era simples: conseguir que a rainha concordasse em se
casar com um príncipe estrangeiro a fim de forjar uma aliança que
beneficiasse os ingleses em sua situação enfraquecida. De preferência, um
príncipe protestante, mas, desde que não fosse um católico fanático, Cecil
aprovaria a escolha. Os franceses ofereceram a ela um casamento com o seu
rei de 14 anos, Carlos IX, e os Habsburgos defendiam a união dela com o
arquiduque Carlos da Áustria. O maior temor de Cecil era que Elisabete se
casasse com o único homem por quem ela tinha de fato se apaixonado,
Robert Dudley, conde de Leicester, um homem de posição social inferior
que incitaria todo tipo de dissensão e intriga dentro da corte inglesa.
Quando os representantes de diferentes países apresentavam as suas
propostas, Elisabete parecia favorecer uma, até que o seu interesse se
arrefecia. Se os espanhóis de repente criassem problemas no continente
europeu, ela começava negociações de casamento com os franceses para
fazer o rei Felipe II da Espanha passar a temer uma aliança franco-inglesa e
recuar, ou com o arquiduque Carlos da Áustria para apavorar tanto os
franceses quanto os espanhóis. Ano após ano, ela seguiu com esse jogo.
Confessou a Cecil que não tinha nenhum desejo de ser a esposa de
ninguém, mas, quando o Parlamento ameaçava lhe cortar os fundos caso ela
não prometesse se casar, suavizava o discurso e negociava com alguns dos
pretendentes. Então, uma vez que os fundos do Parlamento tivessem sido
assegurados, encontrava outra desculpa para interromper as conversas sobre
casamento – o príncipe ou o rei ou o arquiduque era jovem demais, um
católico fervoroso demais, não era do tipo dela, era efeminado demais, e
assim por diante. Nem mesmo Dudley conseguiu lhe quebrar a
determinação e convencê-la a se casar com ele.
Após alguns anos, com uma frustração crescente, Cecil por fim
compreendeu o jogo dela. Não havia nada que ele pudesse fazer, mas, ao
mesmo tempo, percebera que a rainha Elisabete I era, com quase toda a
certeza, uma governante mais capaz do que qualquer um dos pretendentes
estrangeiros. Ela era tão frugal com seus gastos que o governo não estava
mais em débito. Enquanto Espanha e França iam à ruína em guerras sem
fim, Elisabete mantinha com prudência a Inglaterra fora dos conflitos, e
logo o país passou a prosperar. Embora fosse protestante, tratava bem os
ingleses católicos, e a amargura quanto às guerras religiosas da década
anterior agora quase desaparecera. “Nunca houve uma mulher tão sábia
quanto a rainha Elisabete”, ele escreveria mais tarde, e, com o passar do
tempo, acabou desistindo da questão do casamento, e o próprio país aos
poucos se acostumou com a ideia da Rainha Virgem, casada com os seus
súditos.
Com o passar do tempo, porém, uma questão continuaria a corroer a
afeição do povo pela rainha, e até fez Cecil começar a duvidar da
competência dela: o destino de Maria Stuart, conhecida como Maria da
Escócia, prima de Elisabete. Maria era uma católica ferrenha, enquanto a
maior parte da Escócia se tornara protestante. Maria era a próxima na linha
de sucessão do trono da Inglaterra, e muitos católicos afirmavam que era, na
verdade, a rainha por direito. Os próprios escoceses passaram a desprezá-la
por causa dos sentimentos religiosos dela, dos casos de adultério e pelo
envolvimento aparente no assassinato do marido, Lorde Darnley. Em 1567,
ela foi forçada a abdicar do trono escocês em favor do filho infante, Jaime
VI. No ano seguinte, escapou da prisão na Escócia e fugiu para a Inglaterra,
submetendo-se à prima.
Elisabete tinha todos os motivos para detestar Maria e mandá-la de volta
à Escócia. Maria era o completo oposto de Elisabete – egoísta, frívola e
imoral. Era uma católica fervorosa e atraía para o seu entorno todos aqueles
na Inglaterra e arredores que queriam depor Elisabete e colocar um católico
no trono. Não era de confiança. Contudo, para o horror de Cecil, dos outros
conselheiros e do povo inglês, Elisabete permitiu que a prima permanecesse
no país sob uma leve forma de prisão domiciliar. Politicamente, isso não
parecia fazer sentido. A decisão enfureceu os escoceses e ameaçou as
relações entre os dois países.
Quando Maria começou a conspirar em segredo contra Elisabete, e
surgiram pedidos de todos os lados para que a primeira fosse executada por
traição, a rainha se recusou inexplicavelmente a tomar o que parecia ser a
medida racional. Seria aquele apenas um caso de um Tudor protegendo
outro? Será que Elisabete temia o precedente de executar uma rainha, e o
que isso significaria para o seu próprio destino? De qualquer forma, isso a
fazia parecer fraca e egoísta, como se o que importasse fosse proteger uma
rainha como ela.
Então, em 1586, Maria se envolveu no plano mais audacioso para
assassinar Elisabete, o que a teria tornado rainha da Inglaterra. Maria tinha
o apoio secreto do papa e da Espanha, e havia agora provas incontroversas
do envolvimento dela na conspiração. Isso ultrajou o povo, que imaginava
muito bem a guerra civil sangrenta que se seguiria caso o plano tivesse ido
adiante. Dessa vez, a pressão sobre Elisabete foi grande demais – não
importava que Maria tivesse sido rainha, ela tinha de ser executada. Mesmo
assim, Elisabete hesitava.
Um julgamento condenou Maria, mas Elisabete não se convencia a
assinar a sentença de morte. Para Cecil e aqueles na corte que a viam todos
os dias, a rainha jamais parecera tão perturbada. Por fim, em fevereiro do
ano seguinte, cedeu à pressão e assinou a sentença de morte. Maria foi
decapitada no dia seguinte. O país irrompeu em celebrações; Cecil e os
outros ministros suspiraram aliviados. Não haveria mais nenhuma
conspiração contra Elisabete, o que tornaria a falta de um herdeiro mais
fácil de tolerar. Apesar do erro aparente ao lidar com a situação, o povo
inglês a perdoou logo. Ela provara que era capaz de colocar o bem do país
acima de considerações pessoais, e a relutância que demonstrara de início
apenas tornou a decisão final ainda mais heroica.
O rei Felipe II da Espanha conhecia Elisabete havia muitos anos, tendo
sido casado com a meia-irmã dela, a rainha Maria I. Quando esta prendeu
Elisabete na Torre de Londres, Felipe conseguira suavizar a postura da
esposa e libertar Elisabete, a quem considerava bastante encantadora e de
admirável inteligência. Com o passar dos anos, porém, ele começou a temêla e a detestá-la. Ela era o principal obstáculo ao seu objetivo de
restabelecer a dominância do catolicismo, e teria de humilhá-la. Na opinião
dele, ela não era a rainha legítima da Inglaterra. Ele começou a infiltrar
padres jesuítas no país da rainha para que espalhassem a fé católica e, em
segredo, fomentassem uma rebelião. Construiu a sua marinha e fez
preparações furtivas para o que seria conhecida como a Empreitada da
Inglaterra, uma invasão gigantesca que subjugaria a ilha e a restauraria ao
catolicismo. A execução de Maria da Escócia foi a última gota – estava na
hora da invasão.
Felipe sentia uma confiança suprema no sucesso da Empreitada. Com o
tempo, estudara a sua grande rival. Elisabete era ardilosa e esperta, mas
tinha uma enorme desvantagem – era mulher. Sendo assim, não estava
preparada para liderar uma guerra. De fato, ela dava a impressão de ter
medo de um conflito armado, sempre negociando e encontrando uma
maneira de evitá-lo. Nunca prestava muita atenção às Forças Armadas. A
Marinha inglesa era relativamente pequena, com navios não tão grandes e
poderosos quanto os belos galeões espanhóis. A armada inglesa era bem
patética em comparação com a da Espanha. E Felipe tinha o ouro do Novo
Mundo para ajudá-lo a financiar o esforço de guerra.
Seus planos eram que a invasão ocorresse no verão de 1587, mas
naquele ano Sir Francis Drake invadiu a costa espanhola, destruindo muitos
navios no porto de Cádiz e roubando grandes tesouros em ouro. Felipe
adiou a invasão para o ano seguinte, e os custos de manter o exército e
construir mais galeões foram aumentando aos poucos.
Felipe havia supervisionado cada detalhe da invasão. Ele lançaria a
Invencível Armada de cerca de 130 navios, tripulados por mais 30 mil
homens. Destruiriam com facilidade a Marinha inglesa, se juntariam à
grande força espanhola nos Países Baixos, cruzariam o Canal da Mancha e
marchariam até Londres, onde capturariam a rainha e a levariam a
julgamento pela execução de Maria da Escócia. Ele, então, colocaria a filha
no trono da Inglaterra.
A armada foi lançada finalmente em maio de 1588 e, em julho, a frota
espanhola contornava a costa sudoeste da Inglaterra. Os galeões espanhóis
haviam aperfeiçoado uma determinada forma de combate: eram tão grandes
que conseguiam se aproximar dos navios inimigos, atracar e abordá-los com
um verdadeiro exército. Contudo, nunca tinham entrado em batalha com os
navios ingleses, bem menores e mais rápidos, com canhões de longo
alcance, e em águas muito mais turbulentas do que as do mar Mediterrâneo.
Eles não se deram bem.
Em 27 de julho, a armada ancorou em Calais, a poucos quilômetros de
onde o Exército espanhol a aguardava. No meio da noite, os ingleses
enviaram cinco brulotes não tripulados – embarcações carregadas de
madeira inflamável e piche – em direção aos galeões ancorados. Com os
ventos fortes da noite, o fogo se espalhou com rapidez de navio em navio.
Os galeões espanhóis tentaram se reagrupar mais longe da costa, mas
permanecerem numa formação dispersa, o que os tornou alvos fáceis para
os tiros de canhão dos rápidos navios ingleses. Quando o vento mudou de
novo de direção, os espanhóis foram forçados a recuar, para as regiões mais
tempestuosas do mar do Norte. Tentando contornar a Inglaterra e recuar
para a Espanha, perderam a maioria dos navios, e mais de 20 mil soldados
espanhóis morreram. Os ingleses não perderam nenhum navio e sofreram
apenas cem fatalidades. Foi uma das vitórias mais desiguais da história
militar.
Para Felipe, foi o momento mais humilhante de sua vida. Ele se retirou
para o seu palácio, onde se fechou por meses, contemplando o desastre. A
armada havia deixado a Espanha completamente falida e, nos anos que se
seguiram, a Inglaterra prosperaria, enquanto a Espanha se tornaria uma
potência de segunda categoria. De algum modo, Elisabete fora mais esperta
do que ele. Para os outros líderes europeus que a odiavam, ela agora parecia
invencível e uma governante a ser temida. O Papa Sisto V, que a
excomungara e abençoara a armada espanhola, agora exclamava: “Vejam só
como ela governa bem! É apenas uma mulher, senhora somente de meia
ilha, e, no entanto, se fez temida pela Espanha, pela França, pelo Império,
por todos!”.
Agora surgia na Inglaterra um verdadeiro culto à Rainha Virgem. Ela
era chamada de “Sua Sagrada Majestade”. Vislumbrá-la cavalgando por
Londres ou passeando em sua barca no rio Tâmisa era como uma
experiência religiosa.
Um grupo, porém, se provou menos suscetível a essa aura poderosa – a
nova geração de homens jovens que enchiam a corte real. Para eles,
Elisabete mostrava os sinais da idade. Eles lhes respeitavam as realizações,
mas a viam mais como a figura de uma mãe dominadora. A Inglaterra era
uma potência em ascensão. Esses jovens mereciam ter o seu nome
reconhecido no campo de batalha e, dessa forma, receber a aclamação do
povo. Entretanto, Elisabete os frustrava de maneira constante. Ela se
recusava a financiar uma campanha em larga escala para eliminar Felipe, ou
para ajudar os franceses na luta contra os espanhóis. Acreditavam que ela
estava cansada e que era hora de aquela geração animada e masculina
liderar a Inglaterra. E o jovem que simbolizava esse novo espírito era
Robert Devereux, o 2o conde de Essex.
Nascido em 1566, Essex era bonito e temperamental. Sabia que a rainha
tinha uma fraqueza por homens jovens, e a encantou rapidamente, tornandose o novo favorito dela. Ele a apreciava e admirava de maneira genuína,
mas, ao mesmo tempo, se ressentia do poder que ela tinha sobre o destino
dele. Essex começou a testá-la: pediu favores, em geral dinheiro. Ela lhe
deu o que pediu. Parecia gostar de mimá-lo. E, à medida que o
relacionamento avançou, Essex começou a vê-la como uma mulher
manipulável. Começou a criticá-la com bastante audácia na frente dos
outros cortesãos, e a rainha o deixou impune. Estipulou um limite, porém,
quando pediu por cargos políticos para ele e os amigos, e Essex então teve
um acesso de fúria. Era humilhante depender dos caprichos de uma mulher!
Contudo, dias mais tarde, ele se acalmou e voltou a empregar o seu charme
como ofensiva.
Mantido distante do poder político, Essex percebeu que a sua única
chance de fama e glória seria liderar o Exército inglês numa vitória.
Elisabete permitiu que ele comandasse algumas expedições militares
menores no continente europeu. O resultado foi misto – ele era valente, mas
não muito bom em estratégia. Então, em 1596, ele a persuadiu a deixá-lo
liderar uma incursão semelhante à de Francis Drake pela costa espanhola.
Dessa vez, a audácia de Essex foi bem recompensada, e a campanha foi um
sucesso. Para o povo inglês, agora um pouco inebriado com o novo status
como potência europeia, Essex representava o seu novo orgulho, tornando-
se o seu queridinho. Essex queria mais disso e continuou a pedir à rainha
por outra oportunidade de sair em batalha. Atribuía a relutância dela aos
muitos inimigos que ele havia feito na corte, homens que o invejavam.
Em 1598, a corte recebeu a notícia de que um bando de rebeldes
irlandeses sob o comando de Hugh O’Neill, 2o conde de Tyrone, avançava
por territórios da Irlanda controlados pela Inglaterra, causando destruição.
Essex ofereceu os seus serviços para liderar uma força que esmagaria a de
Tyrone. Ele implorou e insistiu, e Elisabete acabou cedendo. Confiante a
respeito do seu poder sobre a rainha, requisitou para a campanha o maior
exército já reunido pelos ingleses. Elisabete atendeu ao desejo dele. Pela
primeira vez, sentiu-se apreciado por ela de verdade. Ela tinha a estranha
habilidade de fazê-lo querer agradá-la. Ele lhe expressou a sua gratidão e
prometeu terminar a missão em pouco tempo. A Irlanda seria seu caminho
para o topo.
Uma vez lá, porém, os problemas se acumularam. Era o inverno de
1599; o clima era terrível e o terreno, incrivelmente pantanoso. Ele não
conseguia avançar com o seu enorme exército. Os irlandeses eram esquivos
e peritos no combate de guerrilha. Enquanto os ingleses seguiam mancando
nos seus campos, milhares de soldados morreram por doença, e outros
milhares começaram a desertar. Essex imaginava bem os seus muitos
inimigos na corte falando dele pelas costas. Tinha certeza de que a rainha e
vários ministros estavam planejando a queda dele.
Essex tinha que testá-la mais uma vez – pediu reforços. A rainha
concordou, mas ordenou que ele finalmente encontrasse e lutasse contra
Tyrone. De repente, a pressão era demais, e culpou Elisabete e os cortesãos
invejosos por tentarem apressá-lo. Sentia-se humilhado pela posição em que
estava e, ao fim do verão, concebeu um plano que daria um fim de uma vez
por todas à sua miséria – negociaria em segredo uma trégua com Tyrone,
depois retornaria à Inglaterra e marcharia até Londres com as suas tropas.
Ele forçaria a rainha a se livrar dos inimigos dele dentro da corte e lhe
assegurar a posição de principal conselheiro. Seria enérgico, mas respeitoso
quanto à posição dela; vendo-o em pessoa e com as tropas dele, a rainha por
certo cederia.
Após uma rápida marcha pela Inglaterra, ele apareceu de súbito certa
manhã, com o uniforme coberto de lama, nos aposentos de Elisabete. A
rainha, pega de surpresa e não sabendo se ele estava ali para prendê-la e
iniciar um golpe de Estado, manteve a compostura. Ela lhe ofereceu a mão
para que ele a beijasse e lhe disse que conversariam sobre a Irlanda mais
tarde naquele dia. A tranquilidade dela o deixou perplexo; não era o que ele
esperava. Ela tinha um tipo estranho de poder sobre ele. De algum modo, a
situação havia se invertido, e Essex concordou em adiar a conversa para
aquela tarde. Em poucas horas, viu-se capturado pelos soldados dela e
colocado em prisão domiciliar.
Contando com a sua influência sobre a rainha e como ela o havia
perdoado diversas vezes, ele lhe escreveu cartas e mais cartas, desculpandose por suas ações. Ela não respondeu. Isso nunca tinha acontecido antes, o
que o assustou. Por fim, em agosto de 1600, ela o libertou. Grato por isso e
planejando o seu retorno, ele lhe pediu apenas um favor – que lhe
restaurasse o monopólio que antes possuía sobre a venda de vinhos doces na
Inglaterra; estava terrivelmente endividado e essa era sua principal fonte de
renda. Para o grande desapontamento dele, Elisabete se recusou a atender
ao seu pedido. Ela estava planejando alguma jogada, tentando lhe ensinar
uma lição ou domá-lo, mas isso jamais aconteceria. A rainha havia ido
longe demais.
Essex se retirou para a sua casa em Londres e juntou ao seu redor todos
os nobres descontentes da Inglaterra. Ele os lideraria numa marcha até a
residência da rainha e tomaria o país. Previa que milhares de ingleses, que
ainda o adoravam, adeririam à causa dele e inflariam o tamanho das suas
tropas. No início de fevereiro de 1601, pôs o plano em ação. Para o seu
horror absoluto, os londrinos permaneceram em casa e o ignoraram.
Percebendo a imprudência da iniciativa, os outros soldados logo
desertaram. Vendo-se sozinho para todos os efeitos, recuou à própria casa.
Sabia que era o fim para ele, mas, pelo menos, manteria a atitude
desafiadora.
Naquela tarde, os soldados chegaram para prender Essex. Elisabete
arranjou um julgamento rápido, e ele foi declarado culpado de traição.
Dessa vez, a rainha não hesitou em assinar a sentença de morte. Durante o
julgamento, Essex manteve a atitude mais insolente. Morreria negando a
própria culpa e se recusando a pedir perdão.
Na noite anterior ao dia em que seria decapitado, a rainha enviou o seu
capelão pessoal para prepará-lo para o fim. Confrontado com esse
representante de Elisabete, que transmitia as últimas palavras dela para ele,
Essex começou a chorar. Todos aqueles momentos em que havia percebido
a autoridade dela, mas tentado resistir ao seu poder, inclusive naquela
manhã nos aposentos dela quando esta se pôs diante dele, tão altiva e segura
de si, de repente o devastavam. Confessou os seus crimes ao capelão. Essex
misturava em sua mente a imagem do julgamento iminente diante de Deus
com a majestade da rainha, e sentia o peso total da sua traição. Via o rosto
dela diante de si, e isso o apavorava.
Ele disse ao capelão: “Devo confessar ao senhor que sou o maior, mais
vil e mais ingrato traidor que já pisou na Terra”. A rainha estava certa em
executá-lo, disse ele. Essex pediu por uma execução privada para não
inflamar o público. Nas suas últimas palavras, pediu a Deus que
conservasse a rainha. Partiu para a morte com uma submissão e dignidade
tranquila que ninguém jamais havia visto nele ou suspeitava que ele fosse
capaz de demonstrar.
Interpretação: Ao se tornar rainha, Elisabete Tudor percebeu que
estava numa posição de suprema fragilidade. Diferentemente do pai e de
quase qualquer outro monarca inglês, não tinha nenhuma credibilidade
como governante, nem respeito ou autoridade aos quais recorrer. O país se
encontrava num estado enfraquecido. Ela era jovem demais, sem nenhuma
experiência política ou proximidade anterior ao poder de onde poderia ter
aprendido. Sim, era esperado que fosse obedecida pelo mero fato de ela
ocupar o trono, mas essa lealdade era tênue e poderia mudar com o menor
erro ou crise. E, em poucos meses ou anos, a rainha seria forçada a se casar
e, como bem sabia, o matrimônio poderia levar a todo tipo de problemas se
não produzisse rápido um herdeiro do sexo masculino.
O que tornava isso ainda mais preocupante era que Elisabete era
ambiciosa e muito inteligente; sentia-se mais do que capaz de governar a
Inglaterra. Tinha uma visão de como resolveria os muitos problemas do país
e o transformaria numa potência europeia. Um casamento seria ruim não
apenas para ela, mas para os ingleses também. O mais provável era que
fosse forçada a se casar com um príncipe estrangeiro, cuja lealdade seria
com o seu país de origem. Ele utilizaria a Inglaterra como peão nos jogos de
poder do continente europeu e drenaria os seus recursos ainda mais. No
entanto, considerando todas as probabilidades contra Elisabete, que
esperança ela tinha de governar sozinha? Decidiu, então, que a única
maneira de avançar era transformar a sua posição fraca numa vantagem,
construindo o seu próprio tipo de credibilidade e autoridade, que, no fim,
lhe daria poderes muito maiores do que os de qualquer rei pregresso.
O plano dela se baseava na seguinte lógica: os reis e rainhas da época
governavam com um tremendo senso de merecimento por causa da sua
linhagem e do status semidivino. Esperavam obediência e lealdade
completas. Não precisavam fazer nada para merecer isso; era fruto da sua
posição. Contudo, esse senso de merecimento tinha consequências. Os
súditos lhe prestavam homenagens, mas a conexão emocional a esses
governantes não era, em muitos casos, profunda. A população inglesa sentia
a distância que a separava do monarca, e o quão pouco os governantes se
importavam de fato com ela.
Esse senso de merecimento também lhes prejudicava a eficiência
política. Os ministros do governo se mostravam amedrontados e
intimidados diante de alguém como Henrique VIII, de forma que a energia
deles era gasta apaziguando o rei, em vez de na própria inteligência e nos
poderes criativos. Com esse senso de merecimento, os governantes
prestavam menos atenção aos detalhes do governo, que eram tediosos
demais; as guerras de conquista se tornaram o meio principal de obter
glórias e fornecer riquezas à aristocracia, mesmo que esses conflitos
drenassem os recursos do país. Alguns desses governantes eram
incrivelmente egoístas – Henrique VIII mandou executar a mãe de Elisabete
para que pudesse se casar com a sua amante mais recente, sem se importar
com a imagem tirânica que passaria aos ingleses. Maria da Escócia ordenou
o assassinato do marido para poder se casar com o amante.
Seria fácil para Elisabete se iludir e simplesmente esperar a lealdade que
vinha da sua augusta posição. No entanto, ela era esperta demais para cair
nessa armadilha. Seguiria de forma deliberada na direção oposta. Não
sentiria nenhum senso de merecimento. Teria sempre em mente a
fragilidade da sua posição real. Não esperaria passivamente por lealdade;
ela se tornaria ativa. Demonstraria que não era egoísta, que tudo que fazia
era motivado pelo bem maior do país. E se manteria alerta e incansável
nessa tarefa. Alteraria a maneira como os outros (súditos, ministros e rivais
estrangeiros) a percebiam – de uma mulher fraca e inexperiente para uma
figura de autoridade e grande poder. Formando laços bem profundos com os
ministros e os plebeus, superaria a inconstância natural das pessoas e
canalizaria as energias delas para o propósito de reconstruir a Inglaterra.
As primeiras aparições de Elisabete diante do povo inglês foram
concebidas de maneira inteligente, a fim de armar o palco para um novo
tipo de liderança. Cercada pela pompa real costumeira, acrescentou um
toque comum, que a fez parecer tanto reconfortante como majestosa. Não
estava fingindo. Tendo se sentido impotente na juventude, conseguia se
identificar com a arrumadeira mais pobre da Inglaterra. Indicava, por meio
da sua atitude, que estava do lado do povo, e que era sensível à opinião que
este tinha dela. Queria merecer a aprovação das pessoas. Consolidaria essa
empatia durante todo o seu reinado, e os laços entre a rainha e os súditos se
tornaram muito mais intensos do que os de qualquer governante do passado.
Com os ministros, a tarefa era mais delicada e difícil. Formavam um
grupo de homens sedentos pelo poder, com seus egos e a necessidade de se
sentirem mais espertos do que uma mulher, superiores a ela. Elisabete
dependia do auxílio e da boa vontade deles para governar o país, mas, se
revelasse muita dependência, eles passariam por cima dela. Assim, desde os
primeiros dias do seu reinado, deixou claro o seguinte: ela só se importava
com negócios; trabalharia mais do que todos eles; reduziria os gastos da
corte, sacrificando a própria renda no processo; e todas as atividades tinham
de ser destinadas a erguer a Inglaterra do buraco em que havia caído.
Demonstrou logo o seu conhecimento superior acerca das finanças do país e
o seu lado determinado em qualquer situação. Em certas ocasiões, reagia
com raiva se um ministro desse a impressão de promover os seus próprios
interesses, e essas explosões eram bem intimidadoras.
Na maior parte do tempo, porém, ela era calorosa e empática, em
sintonia com os ânimos variados desses homens. Em pouco tempo eles
passaram a querer agradá-la e lhe conquistar a aprovação. Não trabalhar
com afinco ou inteligência suficientes significaria o isolamento e alguma
frieza, algo que queriam inconscientemente evitar. Respeitavam o fato de
que Elisabete vivia à altura dos padrões elevados que ela mesma
estabelecera. Dessa maneira, a rainha aos poucos colocou esses ministros na
mesma posição em que se encontrava: precisando ganhar a confiança e o
respeito por meio de ações. Agora, em vez de uma cabala de ministros
egoístas e conspiradores, tinha uma equipe trabalhando para promover os
planos dela, e os resultados logo falaram por si.
Com esses métodos, ela adquiriu a credibilidade de que necessitava,
mas cometeu um grande erro – a maneira como lidou com Maria da
Escócia. Elisabete começara a crer um pouco no próprio merecimento,
sentindo que, nesse caso, sabia mais do que os ministros e que os receios
dela sobre executar uma rainha superavam todo o resto. E pagou um preço
considerável por essa política, ao sentir o respeito do povo por ela
diminuindo. Isso a magoou. O senso do bem maior era o que a guiava, mas,
nesse caso, o bem maior seria servido executando Maria. Elisabete estava
violando os seus próprios princípios.
Levou algum tempo, mas ela compreendeu o seu erro. Deu ao líder do
seu serviço secreto a tarefa de ludibriar Maria para que esta se envolvesse
no plano mais audacioso para se livrar de Elisabete. Agora, com provas
irrefutáveis da cumplicidade da prima, Elisabete podia tomar a medida que
a apavorava. No fim, ganhou ainda mais confiança dos ingleses ao ir contra
os próprios sentimentos pelo bem do país e, em essência, admitir o erro que
cometera. Era o tipo de resposta da opinião pública que quase nenhum
governante da época era capaz de obter.
Em relação aos rivais estrangeiros, em especial Felipe II, Elisabete não
era ingênua e entendia a situação: nada que ela houvesse feito merecia
qualquer medida de respeito ou trégua das incessantes conspirações para se
livrar dela. Eles a desrespeitavam por ser uma rainha solteira e uma mulher
que parecia temer conflitos e guerras. Em geral, ela ignorava tudo isso e se
mantinha fiel à missão de assegurar as finanças da Inglaterra. No entanto,
quando a invasão ao país era iminente, sabia que era hora de finalmente se
provar como a grande estrategista que era. E se aproveitaria do fato de que
Felipe subestimava a astúcia e tenacidade dela.
Se a guerra era necessária, ela a conduziria da forma mais econômica e
eficiente possível. Investiu grandes somas na criação do sistema de espiões
mais complexo da Europa, o que lhe permitiu saber de antemão os planos
da Espanha para a invasão, inclusive a data da partida dos navios. Com esse
conhecimento, contratou e custeou um exército no último minuto, poupando
enormes quantias de dinheiro. Financiou os ataques de Sir Francis Drake à
costa da Espanha e aos galeões no mar. Isso lhe permitiu enriquecer o
tesouro da Inglaterra e atrasar o lançamento da armada espanhola, o que
tornou tudo mais caro para Felipe.
Quando parecia certo que o lançamento ocorreria em poucos meses, ela
rapidamente construiu a Marinha inglesa, encomendando navios menores e
mais rápidos, mais baratos de se fabricar em grande quantidade e bem
adaptados aos mares ingleses. Ao contrário de Felipe, deixou a estratégia de
batalha nas mãos dos almirantes, mas fez uma exigência – queria que eles
enfrentassem a armada o mais próximo possível da Inglaterra. Isso daria a
vantagem aos ingleses, já que os galeões espanhóis não eram adequados
para os mares tempestuosos do norte, e os soldados dela, com a própria
nação às costas, lutariam com empenho ainda maior. No fim, a Espanha se
viu falida e nunca recuperou a antiga glória, enquanto a Inglaterra de
Elisabete era agora uma potência em ascensão. Depois dessa grande vitória,
porém, ela resistiu aos incentivos para levar a batalha à Espanha e aplicar
no país um golpe fatal. Não estava interessada em guerra pela glória ou
conquista, mas apenas para proteger os interesses do país.
Após a derrota da armada espanhola, a autoridade e credibilidade de
Elisabete pareciam intocáveis, mas ela nunca baixava a guarda. Sabia que,
com a idade e o sucesso, viria naturalmente o temido senso de merecimento
e a insensibilidade que o acompanhava. Como uma mulher governando
sozinha, não poderia permitir tamanho desapontamento. A rainha reteve a
assimilação dos ânimos das pessoas em redor, e percebeu que os homens
jovens que agora enchiam a corte tinham uma atitude bem diferente em
relação a ela. O respeito que demonstravam era pela posição dela, mas não
ia muito além disso. Mais uma vez, ela teria que lutar contra os egos
masculinos, mas, desta vez, sem poder se apoiar nos próprios charmes da
juventude e no coquetismo.
O objetivo dela com Essex era lhe domar e canalizar o espírito para o
bem do país, como havia feito com os ministros. Satisfez, então, os
incessantes pedidos dele por dinheiro e privilégios, tentando lhe acalmar as
inseguranças, mas quando ele quis que a rainha lhe desse algum poder
político esta estabeleceu limites. Essex tinha que se provar, ascender ao
nível dela, antes que Elisabete lhe passasse esses poderes. Quando ele tinha
acessos
de
birra,
ela
permanecia
calma
e
firme,
provando-lhe
inconscientemente a própria superioridade e a necessidade de autocontrole.
Quando se tornou claro que Essex não seria domado, ela deixou que ele
fosse longe o bastante com a sua conspiração para, assim, arruinar a
reputação dele, se livrando daquele câncer. Ao enfrentar a morte por seu
crime, não era apenas a imagem de Deus que aterrorizava Essex, mas a da
rainha, cuja aura de autoridade por fim sobrepujava o mais insolente e
presunçoso dos homens.
Entenda: embora não existam mais reis e rainhas com tanto poder em
nosso meio, hoje, mais do que nunca, o ser humano se comporta como se
fosse um membro da realeza. Nós nos sentimos merecedores de respeito no
trabalho, não importando o quão pouco tenhamos realizado. Imaginamos
que as pessoas deveriam levar as nossas ideias e projetos a sério, não
importando quão pouca ponderação investimos neles ou quão pobre seja o
nosso histórico. Esperamos receber ajuda na nossa carreira, porque somos
sinceros e temos as melhores intenções. Parte dessa forma moderna de
presunção talvez resulte de termos sido mimados demais pelos pais, que nos
convenceram de que tudo que fazíamos valia ouro. Outra parte pode ser a
consequência da tecnologia, que domina tanto a nossa vida e que nos mima
também. Ela nos dá poderes imensos sem que tenhamos que exercer
qualquer esforço real. Passamos a tomar esses poderes como garantidos e
acreditar que tudo na vida será bem fácil e rápido.
Qualquer que seja o motivo, esse fenômeno nos contamina a todos, e
devemos encarar esse senso de merecimento como uma maldição. Ele nos
leva a ignorar a realidade – as pessoas não têm nenhuma razão inerente para
nos oferecer confiança ou respeito só porque somos quem somos. Isso nos
torna preguiçosos, satisfeitos com a mera concepção ou o primeiro esboço
do nosso trabalho. Por que temos de melhorar o nosso desempenho ou nos
esforçar para nos aprimorarmos quando acreditamos que já somos tão
fantásticos? Nós nos tornamos insensíveis e absortos em nós mesmos. Ao
imaginar que os outros nos devem a sua confiança e respeito, nós lhes
negamos a força de vontade, a habilidade de julgarem por si mesmos, e isso
os enfurece. Talvez não percebamos, mas inspiramos o ressentimento dos
outros.
E se nos tornamos líderes ou sublíderes, o efeito dessa maldição só
piora. De maneira inconsciente, tendemos a nos acomodar e esperar que as
pessoas venham até nós com lealdade e respeito pela posição que
ocupamos. Na defensiva, ficamos irritados se as nossas ideias são
desafiadas, se a nossa inteligência e sabedoria são questionadas, até nos
assuntos mais ínfimos. Esperamos certos benefícios e privilégios e, se
houver sacrifícios a serem feitos, de algum modo sentimos que deveríamos
ser eximidos. Se cometermos um erro, é sempre culpa do outro, ou das
circunstâncias, ou de algum demônio interno passageiro fora do nosso
controle. Nunca é responsabilidade nossa.
Não nos damos conta de como isso afeta aqueles que lideramos, pois
notamos apenas os sorrisos e os acenos de aprovação dos indivíduos a tudo
que dizemos. Contudo, eles nos veem muito bem. Sentem o senso de
merecimento que projetamos, e com o tempo isso lhes diminui o respeito e
os desconectam da nossa influência. Num determinado ponto crítico, eles se
voltarão contra nós de forma tão abrupta que ficaremos chocados.
Como Elisabete, devemos perceber que estamos, na verdade, numa
posição vulnerável, e precisamos lutar para adotar a atitude oposta: não
esperar nada das pessoas em redor, daqueles a quem lideramos. Não se
mantenha na defensiva nem se acomode; seja completamente ativo – tudo
que obtiver dos outros, em especial o respeito, deve ser merecido. É
necessário que o ser humano se prove o tempo todo, demonstrando que a
sua preocupação primária não é consigo e com os próprios egos sensíveis,
mas com o bem do grupo. Nós precisamos ser responsáveis e empáticos de
verdade em relação aos ânimos das pessoas, mas com limites – temos de ser
severos e impiedosos com os que promovem os seus próprios interesses. Se
praticarmos o que pregamos, trabalhando com mais afinco do que os
demais, sacrificando os nossos interesses pessoais, se necessário, e
respondendo por todos os erros, a nossa expectativa será de que os
membros do grupo sigam o nosso exemplo e se provem também.
Com essa atitude, notaremos um efeito bem diferente. As pessoas se
abrirão à nossa influência; quando nos movermos na direção delas, elas se
moverão na nossa e vão querer conquistar a nossa aprovação e respeito.
Com essa conexão emocional, seremos perdoados com mais facilidade
pelos erros cometidos. A energia do grupo não será desperdiçada em brigas
incessantes e conflitos de egos, mas direcionada para o cumprimento de
metas e a realização de grandes iniciativas. Ao obter esses resultados,
formaremos uma aura de autoridade e poder que só crescerá com o tempo.
O que dizemos e fazemos parecerá carregar um peso maior, e a nossa
reputação nos precederá.
Essa […] é a estrada para a obediência da compulsão. No entanto, há um caminho
mais curto para um objetivo mais nobre, a obediência da vontade. Quando os
interesses da humanidade estão em jogo, ela obedecerá com alegria o homem que
acreditar ser mais sábio do que ela. Você pode comprovar isso em todos os aspectos:
veja como o doente implora ao médico que lhe diga o que fazer; como a tripulação de
um navio inteiro escuta o comandante.
— Xenofonte
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Nós, seres humanos, gostamos de acreditar que as emoções que
sentimos são simples e puras: amamos certas pessoas e odiamos outras,
respeitamos e admiramos esse indivíduo e não sentimos nada além de
desdém por aquele outro. A verdade é que isso quase nunca é o caso. É um
fato fundamental da natureza humana que as nossas emoções são quase
sempre ambivalentes, raramente puras e simples. Sentimos amor e
hostilidade ao mesmo tempo, ou admiração e inveja.
Essa ambivalência começou na nossa infância e estabeleceu o padrão
para o resto da nossa vida. Se os nossos pais eram relativamente atenciosos
e carinhosos, recordamos aquela fase com ternura, como um período
dourado. O que nos esquecemos, de maneira conveniente, é de que até com
pais assim tendemos a nos ressentir da nossa dependência em relação ao
amor e ao cuidado deles. Em alguns casos, nos sentimos sufocados.
Desejamos afirmar a nossa força de vontade, mostrar que seríamos capazes
de nos sustentar sozinhos. A dependência excessiva da atenção deles
poderia levar a uma ansiedade tremenda quanto à nossa vulnerabilidade se
eles partissem, por isso é inevitável que sintamos alguma hostilidade e
desejo de desobedecer, junto com a afeição.
Caso os genitores não tenham sido bons e carinhosos, mais tarde nós
nos ressentiremos e nos lembraremos apenas da frieza deles e da nossa
antipatia atual. Contudo, esqueceremos que, na infância, tendíamos a fazer
vista grossa desses traços negativos e encontrar maneiras de amá-los apesar
de como nos tratavam, e, de algum modo, nos culpar por não lhes merecer o
afeto. Considerando o fato de que dependíamos deles para a nossa
sobrevivência, sentir que não se importavam teria incitado ansiedade
demais. Misturados aos momentos de raiva e frustração estavam os
sentimentos de necessidade e amor.
Assim, quando uma emoção nos dominava na infância, outra jazia por
baixo, um subtom ambivalente contínuo. Como adultos, vivenciamos uma
ambivalência similar com os nossos amigos e parceiros íntimos, em
especial se nos sentirmos dependentes deles e vulneráveis.
Parte do motivo para essa ambivalência essencial é que as emoções
fortes e puras são assustadoras. Elas representam uma perda momentânea
de controle, parecem negar a nossa força de vontade e nós as equilibramos
inconscientemente com sentimentos contrários e conflitantes. E parte disso
resulta do fato de que os nossos ânimos estão sempre mudando e se
sobrepondo. Qualquer que seja a causa, não nos damos conta da nossa
própria ambivalência, porque contemplar a complexidade das nossas
emoções é desconcertante, e preferimos nos apoiar em explicações simples
para quem somos e o que estamos sentindo. Fazemos o mesmo com as
pessoas em redor, reduzindo as nossas interpretações dos sentimentos delas
para algo simples e digestível. Flagrar a nossa própria ambivalência latente
em ação exigiria esforço e muita honestidade da nossa parte.
Em nenhum outro aspecto essa faceta fundamental da natureza é mais
evidente do que no nosso relacionamento com os líderes, que associamos de
maneira inconsciente às figuras do pai e da mãe. E essa ambivalência atua
da seguinte forma.
Por um lado, reconhecemos por instinto a necessidade de líderes. Em
qualquer grupo, as pessoas têm os seus planos limitados e interesses
conflitantes. Os membros se sentem inseguros sobre a sua própria posição e
se esforçam para assegurá-la. Sem líderes que se coloquem acima desses
interesses e que enxerguem o quadro mais amplo, o grupo teria problemas,
as decisões difíceis nunca seriam tomadas e ninguém guiaria o navio.
Portanto, ansiamos por liderança e, inconscientemente, nos sentimos
desorientados, até histéricos, sem alguém que cumpra esse papel.
Por outro lado, também tendemos a temer e até desprezar quem está
acima de nós. Tememos que os que estão no poder se sentirão tentados a
utilizar os privilégios da posição para acumular mais poder e se enriquecer,
uma ocorrência bem comum. Além disso, somos criaturas voluntariosas.
Não nos sentimos confortáveis com a inferioridade e dependência
decorrentes de servir um líder. Queremos exercitar a nossa própria vontade
e sentir a nossa autonomia. Invejamos em segredo o reconhecimento e
privilégios de que os líderes dispõem. Essa ambivalência essencial pende
para o negativo quando os líderes dão sinais de abuso, insensibilidade ou
incompetência. Não importa o quão poderosos eles sejam, não importa o
quanto os admiremos, por baixo da superfície está essa ambivalência, o que
torna a lealdade dos indivíduos notoriamente inconsistente e volátil.
Aqueles no poder tenderão a notar apenas os sorrisos dos funcionários e
o aplauso que recebem em reuniões, e confundirão esse apoio com a
realidade. Não percebem que as pessoas quase sempre demonstram essa
deferência àqueles em posição superior, pois o destino delas está nas mãos
desses líderes e elas não podem se dar ao luxo de expressar os seus
verdadeiros sentimentos. Por essa razão, é raro que os líderes tenham
ciência da ambivalência subjacente que existe mesmo quando tudo está indo
bem. Caso cometam alguns erros, ou se o seu poder se tornar um pouco
instável, verão de repente a desconfiança e a perda de respeito que vinha
crescendo de forma invisível, com os membros do grupo ou do público se
voltando contra eles com uma intensidade surpreendente e chocante.
Observe o noticiário para ver a rapidez com que líderes em qualquer campo
perdem o apoio e o respeito, como são julgados pelo sucesso ou fracasso
mais recente.
Talvez sejamos tentados a acreditar que essa inconsistência é um
fenômeno mais moderno, produto dos tempos intensamente democráticos
em que vivemos. Afinal, os nossos ancestrais eram muito mais obedientes
do que os humanos modernos, ou assim pensamos. No entanto, esse não era
bem o caso. Muito tempo atrás, entre as culturas indígenas e as primeiras
civilizações, os chefes e reis que um dia haviam sido reverenciados eram
rotineiramente levados à morte caso mostrassem sinais de idade ou
fraqueza; ou se perdessem uma batalha; ou se uma seca súbita ocorresse, o
que significava que os deuses não os abençoavam mais; ou se fossem vistos
favorecendo o próprio clã à custa do grupo. Essas execuções eram
momentos de grande celebração, uma ocasião para liberar toda a hostilidade
reprimida em relação aos líderes. (Veja inúmeros exemplos disso em O
ramo de ouro, de James Frazer.)
Talvez, de maneira inconsciente, os nossos ancestrais temessem a ideia
de um único indivíduo permanecendo por muito tempo no comando, pois
percebiam o aspecto corruptor do poder; e talvez alguém novo e diferente
eles controlariam melhor. Em todo caso, por baixo da obediência, havia
uma tremenda cautela. Talvez não executemos mais os nossos chefes
tribais, mas ainda o fazemos de forma simbólica nas eleições e na mídia,
nos divertindo ao testemunhar a queda ritualística dos poderosos. Talvez
não os culpemos pela falta de chuva, mas os incriminamos por qualquer
declínio na economia, mesmo que a maior parte do que acontece na
economia esteja além do controle deles. Assim como com a chuva, eles
parecem ter perdido as bênçãos da boa sorte, dos deuses. No que diz
respeito à nossa ambivalência e desconfiança, não mudamos tanto quanto
imaginamos.
Por toda a história, porém, certos líderes notáveis têm sido capazes de
erigir uma muralha contra essa volatilidade, a fim de merecer um tipo de
respeito e apoio substanciais que lhes permitiu fazer grandes realizações
com o passar do tempo. Pense em Moisés, ou no imperador Aśoka da antiga
Índia, ou em Péricles (veja o Capítulo 1), ou no general romano Cipião
Africano, ou na rainha Elisabete I. Em tempos mais modernos, podemos
pensar em Abraham Lincoln, ou Martin Luther King Jr., ou Warren Buffett,
ou Angela Merkel, ou Steve Jobs. Chamemos esse poder de autoridade,
revertendo ao significado original da palavra, que vem de auctoritas em
latim, cuja raiz significa “expandir ou aumentar”.
Para os antigos romanos, aqueles que fundaram a república possuíam
uma sabedoria tremenda. Os ancestrais deles haviam demonstrado essa
sabedoria pela força e durabilidade das instituições que tinham estabelecido,
e pelo modo como transformaram uma cidade provinciana na potência
suprema do mundo conhecido. Na medida em que os senadores e líderes
romanos retornavam a essa sabedoria básica e incorporavam os ideais dos
fundadores, eles tinham autoridade – uma presença aumentada, uma
expansão do prestígio e da credibilidade. Esses líderes não precisavam
recorrer a discursos ou à força. Os cidadãos romanos lhes seguiam de bom
grado a sua liderança e lhes aceitavam as ideias e conselhos. As palavras e
os atos dos líderes carregavam um peso extra. Isso lhes dava mais liberdade
para tomar decisões difíceis; não eram julgados apenas pelo sucesso mais
recente.
Os romanos eram notórios por serem recalcitrantes e desconfiados em
relação àqueles no poder. A política deles podia degringolar com facilidade
numa guerra civil, o que aconteceu de fato em diversas ocasiões. Ter líderes
que
exsudavam
autoridade
era
uma
maneira
de controlar
essa
combatividade, de fazer realizações, de manter um grau de unidade. E isso
exigia que esses líderes incorporassem os ideais mais elevados, que
transcendiam a mesquinhez da vida política cotidiana.
Esse modelo romano, que representa uma aderência a um propósito
mais elevado, continua a ser o ingrediente essencial para todas as formas
verdadeiras de autoridade. E é assim que precisamos atuar se quisermos
estabelecer essa autoridade no mundo de hoje.
Antes de tudo, devemos entender a tarefa fundamental de qualquer líder
– fornecer uma visão de longo alcance, ver o quadro global, trabalhar para o
bem maior do grupo e manter a sua unidade. É isso que as pessoas desejam
dos seus líderes. Temos que evitar a impressão de sermos mesquinhos,
interesseiros ou indecisos. Mostrar sinais disso incitará a ambivalência. O
foco no futuro e no quadro mais amplo deveria consumir muito do nosso
pensamento. Com base nessa visão, é preciso estabelecer metas práticas e
guiar o grupo em direção a elas, tornando-nos mestres desse processo
visionário por meio da prática e da experiência.
Ao mesmo tempo, porém, é necessário ver a liderança como um
relacionamento dinâmico com aqueles que estão sendo liderados. É preciso
entender que é inconsciente o efeito do nosso menor gesto nos indivíduos,
por isso é essencial prestar enorme atenção à nossa atitude, ao tom que
estabelecemos. Temos que nos sintonizar aos ânimos mutáveis dos
membros do grupo, e nunca assumir que contamos com o apoio deles. A
nossa empatia deve ser visceral – precisamos sentir quando estão perdendo
o respeito por nós. Como parte dessa dinâmica, é fundamental entender que,
quando mostramos o nosso respeito e confiança pelos que estão abaixo de
nós, esses sentimentos fluem de volta para nós. Todos se abrem à nossa
influência. Devemos tentar ao máximo aliciar a força de vontade das
pessoas, fazendo-as se identificar com a missão do grupo, e querer
participar de forma ativa da concretização do nosso propósito mais elevado.
Essa
empatia,
porém,
nunca
pode
significar
tornar-se
desnecessariamente brando e maleável à vontade delas. Isso só emitirá um
sinal de fraqueza. No que se refere à nossa tarefa primária – fornecer uma
visão para o grupo e liderá-lo em direção às metas apropriadas –,
precisamos ser severos e inflexíveis. Sim, escutar as ideias dos outros e
incorporar as que forem boas é válido. No entanto, é preciso ter em mente
que o nosso entendimento dos detalhes gerais e do panorama global é
maior. Não devemos sucumbir às pressões políticas para parecermos mais
justos, e assim diluir a nossa visão, pois ela está além da política.
Representa a verdade e a realidade. Seja adaptável e forte ao compreender
isso, e impiedoso com os que tentarem sabotar essa visão ou trabalhar
contra o bem maior. A força e a empatia não são incompatíveis, como a
rainha Elisabete I bem demonstrou.
Quando os líderes não conseguem estabelecer esses pilares gêmeos da
autoridade – visão e empatia –, o que geralmente acontece é o seguinte: os
membros do grupo notam a desconexão e a distância entre eles e a
liderança. Sabem que, no fundo, são vistos como peões substituíveis.
Percebem a falta geral de direcionamento e as reações constantes táticas aos
acontecimentos. Desse modo, de maneiras sutis, começam a se sentir
ressentidos e a perder o respeito. Escutam com menos atenção ao que os
líderes dizem; passam mais horas do dia pensando nos próprios interesses e
em seu futuro particular; formam facções ou se juntam às já existentes;
trabalham a meia velocidade, ou a três quartos dela.
Se esses líderes, notando tudo isso, se tornarem mais rigorosos e
exigentes, os membros passarão a tomar uma atitude mais passivoagressiva; se maleáveis, implorando por mais apoio, receberão em troca
menos respeito, como se o grupo os estivesse liderando agora. Dessa
maneira, a equipe criará formas de atrito incessante com eles, os quais
talvez, a essa altura, sintam que têm de arrastá-la montanha acima. Essa
desavença, causada pela própria desatenção, é o motivo por que muitos
líderes realizam tão pouco e são tão medíocres.
Em contrapartida, se seguimos de maneira intuitiva ou consciente o
caminho que estabelece a autoridade, como descrito anteriormente,
causamos um efeito bem diferente na dinâmica geral. A ambivalência dos
membros ou do público não vai embora – isso violaria a natureza humana –,
mas se torna gerenciável. As pessoas ainda vão hesitar e ter momentos de
dúvida e inveja, mas elas nos perdoarão mais rápido por quaisquer erros e
deixarão de lado as suspeitas. Teremos estabelecido confiança suficiente
para que isso aconteça. Além do mais, os membros terão passado a temer o
que poderia ocorrer caso não fôssemos mais os líderes – a desunião, a falta
de clareza, as decisões ruins. Somos extremamente necessários a eles.
Agora, não estaremos mais lidando com o atrito invisível do grupo, mas
com o oposto. Os membros se sentirão comprometidos com a missão maior.
Seremos capazes de canalizar a energia criativa deles, em vez de ter que
arrastá-los conosco. Com essa lealdade no lugar, será mais fácil atingir as
metas e concretizar a nossa visão. Isso nos dá a presença aumentada da
autoridade, em que tudo que dizemos e fazemos tem um peso a mais.
Alcançar esse ideal está sempre dentro da nossa capacidade, e se
deixarem de nos respeitar e de confiar em nós, devemos ver isso como
nossa própria culpa.
A sua tarefa como estudante da natureza humana é tripla: em primeiro
lugar, torne-se um excelente observador do fenômeno da autoridade,
utilizando como instrumento de medida o grau de influência que as pessoas
exercem sem o uso de força ou de discursos motivacionais. Comece esse
processo examinando a sua própria família e avaliando se um dos seus pais,
e qual deles, lhe transmite maior autoridade. Considere os professores e
mentores na sua vida, alguns dos quais se distinguiram pelo poder marcante
que tiveram sobre você. As palavras e o exemplo que estabeleceram ainda
reverberam na sua mente. Observe os seus próprios chefes em ação,
analisando o efeito que têm não só sobre você e outros indivíduos, mas
também sobre o grupo como um todo. Por fim, atente-se para os diversos
líderes no noticiário. Em todos esses casos, determine a fonte da autoridade
deles ou a falta dela. Você deve discernir os momentos em que sua
autoridade cresce e míngua, e compreender por que isso acontece.
Em segundo lugar, é bom desenvolver alguns hábitos e estratégias (veja
a próxima seção) que lhe sirvam bem para projetar autoridade. Se você for
um aprendiz que aspira a uma posição de liderança, desenvolver essas
estratégias cedo lhe dará uma aura impressionante e atrativa no presente,
fazendo parecer que está destinado a ser poderoso. Se já ocupar uma
posição de liderança, aprimorá-las fortalecerá a sua autoridade e conexão
com o grupo.
Como parte desse processo, reflita sobre o efeito que causa nos outros:
você está sempre discutindo, tentando impor a sua vontade, encontrando
mais resistência do que esperava às suas ideias e projetos? As pessoas
acenam com a cabeça ao ouvir os seus conselhos e depois fazem o oposto?
Se você estiver apenas começando, às vezes não há como evitar isso – em
geral, os indivíduos não respeitam as ideias daqueles em posição inferior na
hierarquia; as mesmas ideias promulgadas por um chefe teriam um efeito
diferente. No entanto, às vezes isso resulta das suas próprias ações, se você
violar muitos dos princípios descritos anteriormente.
Não confunda os sorrisos e expressões de concordância das pessoas com
a realidade. Note-lhes a tensão quando o fazem; preste atenção especial às
ações delas. Considere qualquer resmungo como uma reflexão sobre a sua
autoridade. De modo geral, é melhor ampliar a sua sensibilidade aos outros,
procurando especialmente por aqueles momentos em que sente o
desrespeito ou o declínio da sua autoridade. Contudo, tenha em mente que
há sempre maçãs podres dentro de qualquer grupo, aqueles que sempre
reclamam e não serão conquistados não importa o que se faça. Adoram ser
passivo-agressivos e solapar qualquer um que ocupe uma posição de
liderança. Não se dê ao trabalho de empregar a empatia; nada funcionará
com eles. O truque é reconhecê-los o mais rápido possível e despedi-los ou
marginalizá-los. Ter um grupo unido e comprometido também tornará
muito mais fácil controlar esses tipos malévolos.
Em terceiro lugar, e o mais importante, não se deixe levar pelos
preconceitos contraprodutivos dos tempos em que vivemos, em que o
próprio conceito de autoridade é muitas vezes malcompreendido e
desprezado. Hoje em dia, confundimos a autoridade com os líderes em
geral, e é natural que tenhamos dúvidas quanto ao próprio conceito em si, já
que muitos deles no mundo se mostram mais interessados em preservar o
poder e enriquecer. Vivemos também numa era veementemente
democrática. “Por que deveríamos ter de seguir uma pessoa de autoridade e
assumir um papel inferior?”, nós talvez nos perguntemos. “Aqueles no
poder deveriam simplesmente fazer o trabalho deles; a autoridade é uma
relíquia dos reis e rainhas. Nós progredimos muito além disso.”
Esse desdém pela liderança e autoridade – a qual não reconhecemos
mais nas artes – tem infiltrado toda a nossa cultura. Todos são críticos
legítimos, e os padrões deveriam ser pessoais; o gosto e o julgamento de
ninguém deveriam ser vistos como superiores. No passado, os pais eram
considerados modelos de autoridade, mas estes não querem mais se ver
assim, com o papel de incutir nos filhos valores e cultura específicos. Em
vez disso, preferem se igualar, com um pouco mais de conhecimento e
experiência, para validar os sentimentos dos filhos e garantir que eles se
mantenham entretidos e ocupados o tempo todo. São mais como amigos
mais velhos. Essa mesma dinâmica niveladora se aplica a professores e
alunos, em que aprender precisa ser divertido.
Nessa atmosfera, os líderes começam a acreditar que são mais como
guardiões, mantendo-se ao longe e permitindo que o grupo tome as decisões
certas, fazendo tudo por consenso; ou a entreter a ideia de que o que
importa mais do que tudo é fazer as contas, absorver a massa de
informações disponível hoje. Os dados e algoritmos determinarão a direção
a tomar e são a verdadeira autoridade.
Todas essas ideias e valores tiveram consequências não intencionadas.
Sem uma autoridade nas artes, não há nada contra o que se rebelar, nenhum
movimento anterior para derrubar, ou pensamento profundo a ser
assimilado (e mais tarde até rejeitado). Há apenas um mundo amorfo de
tendências que cintilam por um instante e desaparecem com velocidade
cada vez maior. Sem os pais como figuras de autoridade, não conseguimos
passar pelo estágio crucial de rebeldia na adolescência, em que rejeitamos
as ideias deles e descobrimos a nossa própria identidade, pela qual
procuramos o tempo todo fora de nós mesmos. Crescemos perdidos. Sem
professores e mestres que reconheçamos como superiores e dignos de
respeito, não aprendemos a partir da experiência e sabedoria deles, nem
procuraremos, mais tarde, até mesmo superá-los com ideias novas e
melhores.
Sem líderes que dediquem muita energia mental para prever as
tendências e nos guiar para soluções de longo prazo, nos vemos sem saber
para onde ir. Já que nós, seres humanos, sempre precisamos de alguma
forma de autoridade como guia, tendemos a nos deixar levar, à medida que
essa situação se torna normal, por formas falsas de autoridade que
proliferam em tempos de caos e incerteza.
Um exemplo disso seria o ditador, que dá a ilusão de liderança e
direcionamento, mas não tem nenhuma visão real do caminho a seguir,
apenas ideias e ações que servem ao próprio ego e aumentam o seu senso de
controle. Outro seria o aproveitador, o líder que simula com esperteza o que
o público quer ouvir, criando a ilusão de ser sensível ao grupo e lhe dar o
que quer. Ou, então, o líder amigável, que imita o estilo e os maneirismos
dos demais, oferecendo o que parece ser o máximo em justiça, diversão e
consenso. E, ainda, a autoridade do grupo, que se torna muito mais
poderosa na era das redes sociais: o que as pessoas dizem ou fazem deve ser
verdadeiro e respeitado, por força dos números apenas. Entretanto, todas
essas formas falsas levam apenas a mais tumulto, caos e decisões ruins.
Como estudantes da natureza humana, devemos reconhecer a miríade de
perigos do nosso preconceito contra figuras de autoridade. Reconhecer
indivíduos de autoridade no mundo não é uma admissão da nossa própria
inferioridade, mas uma aceitação da natureza humana e da necessidade de
que essas figuras existam. Estas não deveriam ser vistas como interesseiras
ou tirânicas – na realidade, essas são as qualidades que lhes diminuem a
autoridade. Elas não são relíquias do passado, mas cumpridoras de uma
função necessária, e cujo estilo se adapta com os tempos. A autoridade pode
ser um fenômeno eminentemente democrático. Precisamos compreender
que muito do que está por trás das ideias progressistas de consenso, do líder
mínimo e dos pais como amigos é, na verdade, um grande medo da
responsabilidade, das decisões difíceis que precisam ser tomadas, de se
destacar e receber críticas. Precisamos nos mover na direção contrária,
aceitando os riscos e perigos que vêm com a liderança e a autoridade.
No mundo de hoje, os seres humanos se tornaram mais absortos em si
mesmos, mais tribais e determinados a se aterem a interesses limitados; são
consumidos pela barragem de informações que os inunda, ainda mais
inconsistentes no que diz respeito aos líderes. Desse modo, a necessidade de
que existam figuras verdadeiras de autoridade – com uma perspectiva
elevada, uma alta sintonia com o grupo e um senso do que o une – nunca foi
maior. Por causa disso, temos a tarefa de estabelecer a nossa autoridade e
assumir esse papel necessário.
ESTRATÉGIAS PARA ESTABELECER A AUTORIDADE
Lembre-se de que a essência da autoridade é ter pessoas que sigam
voluntariamente a sua liderança. Elas decidem anuir às suas palavras e
conselhos. Querem a sua sabedoria. Com certeza, você terá de empregar
força às vezes, além de recompensas e punições, e discursos inspiradores. É
só uma questão de quantidade. Quanto menos precisar desses instrumentos,
maior será a sua autoridade. Por essa razão, esforce-se de maneira contínua
para engajar a força de vontade dos outros e superar a resistência e
ambivalência naturais deles. É isso que as seguintes estratégias estão
destinadas a fazer. Coloque todas elas em prática.
Descubra o seu próprio estilo de autoridade: a autenticidade. A
autoridade que você estabelecer deve emergir de maneira natural do seu
caráter, das forças específicas que você possui. Pense em certos arquétipos
de autoridade: um deles se ajusta melhor a você. Um modelo notável é o
libertador, como Moisés ou Martin Luther King Jr., um indivíduo
determinado a livrar as pessoas do mal. Os libertadores sentem desprezo por
qualquer tipo de injustiça, em especial aquelas que afetam o grupo com o
qual se identificam. Eles têm muita convicção, e costumam ter tanto talento
com as palavras que todos se sentem atraídos a eles.
Outro arquétipo seria o fundador. Tipos assim estabelecem uma nova
ordem na política ou nos negócios, costumam ter um senso apurado das
tendências e uma grande aversão ao status quo, não são convencionais e
têm uma mente independente. O que mais gostam é de reformular e
inventar algo novo. Muitas pessoas se arrebanham naturalmente em torno
dos fundadores, pois estes representam alguma forma de progresso.
Relacionado a esse modelo está o artista visionário, como Pablo Picasso ou
o músico de jazz John Coltrane ou o diretor de cinema David Lynch. Esses
artistas aprendem as convenções do seu campo e então as viram de pontacabeça. Anseiam por um novo estilo e o criam. Graças às suas habilidades,
sempre encontram um público e seguidores.
Outros arquétipos incluiriam o buscador da verdade (alguém que não
tem nenhuma tolerância por mentiras ou politicagem); o pragmático
tranquilo (só quer consertar o que está quebrado, e tem uma paciência
infinita); o curandeiro (tem talento para encontrar aquilo que satisfará e
unificará as pessoas); o professor (sabe como levar as pessoas a iniciarem
uma ação e aprender com os próprios erros). Identifique-se com um deles,
ou com qualquer outro que seja notável na cultura.
Ao demonstrar um estilo que lhe seja natural, dará a impressão de que
ele é algo maior do que você, como se o seu senso de justiça ou faro para
tendências viesse do seu DNA ou fosse um dom divino. Você não tem como
deixar de lutar pela sua causa ou de criar uma nova ordem. Sem essa
naturalidade, a sua tentativa de exercer autoridade talvez pareça oportunista
e manipuladora demais, e que o seu apoio à causa ou tendência é só uma
artimanha para chegar ao poder. Quanto mais cedo reconhecer esse estilo,
melhor; você terá mais tempo para apurá-lo, adaptá-lo às mudanças na
cultura e em você mesmo, e exibir novas facetas que impressionem e
fascinem os outros. Ao mostrar sinais desse estilo desde o início da sua
carreira, parecerá ainda mais que há um poder superior que não poderia
deixar de seguir.
Concentre-se no exterior: a atitude. Nós, seres humanos, nos
absorvemos por natureza em nós mesmos e passamos o tempo nos
concentrando interiormente nas nossas emoções, mágoas, fantasias. Você
deve desenvolver o hábito de reverter isso o máximo possível. Há três
maneiras para tanto. Em primeiro lugar, apure a sua capacidade de ouvir,
focando as palavras e os sinais não verbais dos outros. Treine-se para ler
nas entrelinhas do que as pessoas dizem. Sintonize-se com os ânimos e
necessidades delas, e perceba o que lhes faz falta. Não leve os sorrisos e
olhares de aprovação como reais, mas sinta a tensão ou a fascinação
subjacente.
Em segundo lugar, dedique-se a merecer respeito. Não presuma que o
merece; o seu foco não deve estar nos seus sentimentos e no que os
indivíduos lhe devem por causa da sua posição e grandeza (uma
interiorização). Você precisa merecer o respeito deles ao respeitar as
necessidades individuais de cada um e provar que está trabalhando em
nome do bem maior. Em terceiro lugar, considere que ser um líder é uma
responsabilidade tremenda, que o bem-estar do grupo depende de cada
decisão sua. O que o motiva não deve ser ganhar a atenção dos outros, mas
gerar os melhores resultados possíveis para o maior número de pessoas.
Absorva-se no trabalho, não no ego. Sinta uma conexão profunda e visceral
ao grupo, vendo o seu destino e o dele como inteiramente entrelaçados.
Se você exsudar essa atitude, todos perceberão, e isso os deixará mais
abertos à sua influência. Eles serão atraídos a você pelo simples fato de que
é raro encontrar alguém tão sensível aos ânimos das pessoas e concentrado
de modo tão absoluto nos resultados. Isso o fará se destacar da multidão, e,
no fim, você receberá muito mais atenção dessa maneira do que ao sinalizar
a sua necessidade desesperada de ser popular e apreciado.
Cultive o terceiro olho: a visão. Em 401 a.C., 10 mil soldados
mercenários gregos, lutando em nome do príncipe persa Dario para tentar
tomar o Império do irmão dele, viram-se de repente perdendo a batalha e
encurralados no coração da Pérsia. Quando os vitoriosos enganaram os
líderes dos mercenários, convidando-os para um encontro a fim de discutir
o destino deles e, a seguir, os executando, tornou-se claro para os
sobreviventes que eles ou seriam assassinados ou vendidos como escravos
no dia seguinte. Naquela noite, perambularam pelo campo, lamentando a
própria sorte.
Entre eles estava o escritor Xenofonte, que estudara Filosofia como
discípulo de Sócrates e havia partido com os soldados como uma espécie de
repórter. Acreditava na supremacia do pensamento racional, em ver o
quadro por inteiro, a ideia geral por trás das aparições passageiras da vida
cotidiana – habilidades de raciocínio praticadas por ele durante muitos anos.
Naquela noite, ele teve uma visão de como os gregos poderiam escapar
do cerco e voltar para casa: viu-os se movendo devagar e em silêncio pela
Pérsia, sacrificando tudo pela velocidade, partindo de imediato, utilizando o
elemento surpresa para ganhar alguma distância. Pensou no que havia
adiante – no relevo, na rota a ser seguida, nos muitos inimigos que
enfrentariam, em como poderiam ajudar e empregar os cidadãos que se
revoltaram contra os persas. Ele os viu se livrando das carroças, vivendo da
terra e se movendo rápido, até mesmo no inverno. No espaço de algumas
horas, concebera os detalhes da retirada, toda inspirada pela percepção geral
da rota veloz em zigue-zague até o mar Mediterrâneo e a terra natal.
Embora não tivesse nenhuma experiência militar, a sua visão era tão
completa, e ele a comunicou com tanta confiança, que os soldados o
nomearam como líder. Levou muitos anos, e muitos desafios se seguiram,
com Xenofonte cada vez aplicando a sua visão global para determinar uma
estratégia, mas, no fim, ele provou o poder desse pensamento racional ao
liderá-los à segurança apesar dos imensos riscos que enfrentaram.
Essa história encarna a essência de toda a autoridade e o elemento mais
essencial para estabelecê-la. A maioria das pessoas se tranca no instante
atual. São predispostas a reagir de forma exagerada e a entrar em pânico, a
ver apenas uma parte limitada da realidade que o grupo enfrenta. Não
conseguem contemplar ideias alternativas ou priorizar. Aqueles que mantêm
a presença de espírito e elevam a perspectiva acima do momento exploram
poderes visionários da mente humana e cultivam esse terceiro olho para as
forças e tendências invisíveis. Eles se destacam do grupo, cumprem a
verdadeira função da liderança e criam a aura de autoridade ao darem a
impressão de possuírem a habilidade divina de prever o futuro. E esse é um
poder que pode ser praticado, desenvolvido e aplicado a qualquer situação.
O mais cedo possível, treine-se para se desconectar das emoções que
agitam o grupo. Force-se a elevar a sua visão, a imaginar o panorama mais
amplo. Esforce-se para ver os acontecimentos em si, não tingidos pelas
opiniões partidárias das pessoas. Considere a perspectiva do inimigo; escute
as ideias daqueles que estão de fora; abra a mente para possibilidades
diversas. Dessa maneira, você obterá uma noção da gestalt, ou do formato
geral da situação. Analise os prospectos das possíveis tendências, de como a
situação se desenrolará no futuro e, em especial, de como tudo poderia dar
errado. Tenha uma paciência infinita nesse exercício. Quanto mais você se
aprofundar, mais vai adquirir o poder de discernir o futuro de alguma
forma.
Aqueles que enfrentaram Napoleão Bonaparte no campo de batalha
muitas vezes tinham a impressão de que este lhes lia a mente e sabia dos
planos deles, mas ele apenas tinha considerado o futuro mais a fundo do que
o outro lado. O grande pensador e escritor alemão Johann Wolfgang von
Goethe parecia ter a habilidade espantosa de prever tendências futuras, mas
isso era fruto de anos de estudo e de pensamento global.
Uma vez que tenha a sua visão, recue lentamente para o presente,
criando uma maneira razoável e flexível de alcançar o seu objetivo. Quanto
mais raciocínio for empregado nesse processo, mais confiante você se
sentirá a respeito do seu plano, e essa confiança contagiará e convencerá os
outros. Se as pessoas duvidarem da sua visão, continue firme por dentro. O
tempo provará que você estava certo. Se não atingir as suas metas, tome
isso como sinal de que não foi longe o bastante com o seu raciocínio.
Lidere pelo exemplo: o tom. Como líder, você deve ser visto
trabalhando com o mesmo afinco, ou mais, do que todos os outros.
Estabeleça os padrões mais elevados para si mesmo. Seja consistente e
responsável. Se houver sacrifícios a serem feitos, seja o primeiro a realizálos pelo bem do grupo. Isso estabelece o tom apropriado. Os membros se
sentirão compelidos a estar à sua altura e conquistar a sua aprovação, assim
como ocorreu com os ministros de Elisabete. Eles internalizarão os seus
valores e passarão a imitá-lo de modo sutil. Você não terá de gritar e
bronquear para que trabalhem com mais avidez. Eles mesmos vão querer
fazer isso.
É importante estabelecer esse tom logo no princípio, pois as primeiras
impressões são cruciais. Se você tentar mais tarde expressar que quer liderar
pelo exemplo, isso parecerá forçado e não terá credibilidade. É de igual
importância demonstrar alguma tenacidade inicial; se as pessoas tiverem a
impressão preliminar de que é possível manipulá-lo, elas o farão sem
piedade. Estabeleça limites que sejam justos. Se os membros não
ascenderem aos níveis elevados que você sustenta, puna-os. O seu tom de
falar ou de escrever precisa ser peremptório e ousado. O ser humano sempre
respeita a força no líder, desde que isso não incite o medo em relação ao
abuso de poder. Se essa tenacidade não lhe for natural, desenvolva-a, ou
você não vai durar muito tempo na posição. Sempre haverá bastante tempo
para revelar aquele lado mais suave e bondoso que é o seu verdadeiro
caráter, mas, se começar suave, estará sinalizando que é um fracote.
Comece isso cedo na sua carreira, desenvolvendo ao máximo os padrões
elevados para o seu trabalho (veja mais sobre isso na próxima seção) e se
treinando para estar sempre ciente de como as suas maneiras e tom afetam
as pessoas das formas mais sutis.
Incite emoções conflitantes: a aura. A maioria das pessoas é
previsível demais. Para interagir bem em situações sociais, elas assumem
uma identidade que seja consistente – jovial, agradável, ousada e sensível.
Tentam ocultar outras qualidades que têm medo de mostrar. Como líder,
você precisa ser mais misterioso, estabelecer uma presença que as fascine.
Se o leitor emitir sinais ambíguos e demonstrar qualidades que sejam um
pouco contraditórias, levará os indivíduos a pausar as categorizações
instantâneas e pensar mais sobre quem você é de verdade. Quanto mais
pensarem em você, maior serão sua presença e autoridade.
Digamos que, por exemplo, você seja normalmente gentil e sensível,
mas revele um subtom severo, de intolerância em relação a certos tipos de
comportamento. Essa é a pose dos pais, que demonstram o seu amor ao
mesmo tempo que indicam limites e condições. A criança está aprisionada
entre o afeto e um toque de medo, e dessa tensão vem o respeito. Em geral,
tente manter os seus acessos de fúria ou recriminações no mínimo possível.
Se você for, na maior parte do tempo, calmo e empático, quando a sua raiva
aflorar, o contraste será grande e terá o poder de tornar as pessoas realmente
intimidadas e contritas.
Você pode misturar prudência a um subtom de ousadia a ser
demonstrado de vez em quando. Estude os problemas por um longo tempo,
mas, uma vez que a decisão tenha sido tomada, aja com grande energia e
audácia. Essa ousadia vem do nada e criará uma impressão forte. Ou mescle
o espiritual com um subtom de pragmatismo terreno. Essas eram as
qualidades paradoxais de Martin Luther King Jr. que fascinavam as pessoas.
Ou seja sociável e majestoso, como foi a rainha Elisabete I. Ou mescle o
masculino e o feminino. (Veja mais sobre isso no Capítulo 12.)
Em relação a isso, aprenda a equilibrar a presença e a ausência. Se você
for muito presente e familiar, sempre disponível e visível, parecerá banal
demais. Não haverá nenhum espaço para que as pessoas o idealizem. No
entanto, se for distante demais, elas não se identificarão com você. De
maneira geral, é melhor se apoiar um pouco mais na direção da ausência, de
forma que, quando aparecer diante do grupo, gere excitação e drama.
Fazendo isso da maneira correta, naqueles momentos em não estiver
disponível, elas pensarão em você. Hoje em dia, o ser humano perdeu essa
arte, mantendo-se presente e familiar demais, com todos os seus
movimentos expostos nas redes sociais. Isso talvez faça os outros
simpatizarem com você, mas também o torna igual a todos, e é impossível
projetar autoridade com uma presença tão ordinária.
Tenha em mente que falar demais é um tipo de presença excessiva que
irrita e revela fraqueza. O silêncio é uma forma de ausência e retirada que
atrai a atenção; expressa autocontrole e poder; quando você falar, terá um
efeito maior. De maneira análoga, se cometer um erro, não ofereça
explicações muito longas nem se desculpe demais. Deixe claro que aceita a
responsabilidade e que prestará contas por quaisquer fracassos, e siga em
frente. A sua contrição deveria ser relativamente silenciosa; as suas ações
subsequentes mostrarão que você aprendeu a lição. Evite parecer defensivo
ou choroso se for atacado. Você está acima disso.
Desenvolva essa aura bem cedo, como uma forma de cativar as pessoas.
Não faça essa mistura forte demais, ou parecerá insano. É um subtom que
as deixa curiosas no bom sentido. É uma questão de não fingir qualidades
que você não tem, mas de expor mais a sua complexidade natural.
Nunca dê a impressão de tomar; sempre dê: o tabu. Tomar dos
indivíduos algo que eles supunham que possuíam – dinheiro, direitos ou
privilégios, tempo pessoal – cria uma insegurança básica e levará ao
questionamento da sua autoridade e de todo o crédito que você acumulou.
Os membros do grupo se sentiriam incertos sobre o futuro da maneira mais
visceral. Você estaria incitando dúvidas acerca da sua legitimidade como
líder: “O que mais você vai tomar? Está abusando do poder que tem? Você
tem nos enganado esse tempo todo?”. Até mesmo a sugestão disso
prejudicará a sua reputação. Se sacrifícios forem necessários, seja o
primeiro a fazê-los, e que não sejam simplesmente simbólicos. Tente
emoldurar todas as perdas de recursos ou privilégios como temporárias, e
deixe claro que elas serão restauradas em pouco tempo. Siga o caminho da
rainha Elisabete I e torne a economia de recursos a sua preocupação
principal, a fim de nunca acabar nessa posição. Faça isso para poder se dar
ao luxo de ser generoso.
Em relação a isso, evite prometer muito. No calor do momento, seria
gostoso falar sobre as grandes realizações que fará pela equipe, mas as
pessoas costumam ter uma memória afiada para promessas e, se deixar de
cumpri-las, isso lhes permanecerá na mente, mesmo que você tente culpar
outros ou as circunstâncias. Se essa situação acontecer uma segunda vez, a
sua autoridade começará a erodir de forma acentuada. Não dar o que
prometeu entregar fará os outros sentirem que você lhes tomou algo. Todos
são capazes de falar bem e fazer promessas, por isso você se parecerá com
os demais, e o desapontamento será profundo.
Rejuvenesça a sua autoridade: a adaptabilidade. A sua autoridade
vai crescer com cada ação que inspirar confiança e respeito. Isso lhe dá o
luxo de se manter no poder por tempo suficiente para realizar grandes
projetos. No entanto, à medida que envelhece, a autoridade que estabeleceu
se torna rígida e tediosa. Você se transforma na figura do pai, que parece
opressora por ter monopolizado o poder por tanto tempo, não importa o
quanto o tenham admirado no passado. É inevitável que surja uma nova
geração que será imune ao seu charme, à aura que você criou. Ela o vê
como uma relíquia do passado. Você também tem a tendência de se tornar,
ao envelhecer, um pouco intolerante e tirânico, pois não consegue deixar de
esperar que os outros o sigam. Sem se dar conta, começará a se sentir
merecedor, e as pessoas perceberão isso. Além disso, o público quer
novidades e rostos diferentes.
O primeiro passo para evitar esse perigo é manter o tipo de sensibilidade
que Elisabete demonstrou por toda a vida, notando os ânimos por trás das
palavras das pessoas, avaliando o efeito que você provoca nos jovens e
recém-chegados. Perder essa empatia deve ser o seu maior temor, à medida
que começar a se insular na sua grande reputação.
O segundo passo é procurar por novos mercados e públicos aos quais
atrair, para que estes o forcem a se adaptar. Se possível, expanda o alcance
da sua autoridade. Não faça papel de bobo tentando atrair um público jovem
que você não consegue entender de verdade, mas tente alterar um pouco o
seu estilo com o passar dos anos. Nas artes, esse foi o segredo do sucesso
para Pablo Picasso, Alfred Hitchcock ou Coco Chanel, por exemplo. Essa
flexibilidade naqueles com 50 anos ou mais lhe dará um toque de divino e
imortal – o seu espírito permanecerá vivo e aberto, e a sua autoridade será
renovada.
A AUTORIDADE INTERIOR
Todos temos uma identidade superior e uma inferior. Em certos
momentos, sentimos com clareza uma parte ou outra se mostrar mais forte.
Quando realizamos algo, ou terminamos o que começamos, vêm até nós os
contornos dessa identidade superior. Nós a sentimos também quando
pensamos nos outros antes de em nós mesmos ou largamos do ego; ou, em
vez de apenas reagir aos eventos, damos um passo para trás e criamos uma
estratégia a respeito do melhor meio de avançar. No entanto, de igual
maneira, conhecemos muito bem a agitação da identidade inferior, ao
levarmos tudo para o lado pessoal e nos tornarmos mesquinhos, ou ao
fugirmos da realidade por meio de algum prazer viciante, ou desperdiçamos
tempo, ou quando estamos confusos e desmotivados.
Embora geralmente flutuemos entre essas duas facetas, se nos
examinarmos com atenção, teremos de admitir que a metade inferior é a
mais forte: é a mais primitiva e animal da nossa natureza. Se nada nos
impelir ao contrário, nos tornaremos naturalmente indolentes, buscaremos
prazeres rápidos, nos voltaremos para dentro e remoeremos questões
mesquinhas. Muitas vezes é preciso grande esforço e consciência para
domar essa metade inferior e pôr para fora o lado superior; este não é o
nosso primeiro impulso.
A chave para tornar a luta entre as duas faces mais equilibrada, e talvez
inclinar a balança para o lado superior, é cultivar o que chamaremos de
autoridade interior. Esta serve como a voz, a consciência da nossa
identidade superior. A voz já existe; nós a escutamos de vez em quando,
mas ela soa baixinho. Precisamos aumentar o volume e a frequência com
que a ouvimos. Pense nela ditando um código de comportamento, e todos os
dias devemos nos forçar a lhe prestar atenção. Ela nos diz o seguinte.
Você tem a responsabilidade de contribuir para a cultura e a época
em que vive. Neste momento, você está vivendo dos frutos de milhões de
pessoas que, no passado, tornaram a sua vida incomparavelmente mais fácil
por meio dos esforços e das invenções delas. Você tem se beneficiado de
uma educação que incorpora a sabedoria de milhares de anos de
experiência. É tão fácil menosprezar tudo isso, imaginar que tudo foi gerado
de maneira natural e que você tem o direito de ter esses poderes. Essa é a
perspectiva de crianças mimadas. Veja qualquer sinal dessa atitude dentro
de você como vergonhosa. Este mundo precisa de aprimoramento e
renovação constantes. Você está aqui não apenas para satisfazer os seus
impulsos e consumir o que já foi produzido, mas para criar e contribuir
também, para servir a um propósito mais elevado.
Para servir a esse propósito mais elevado, cultive o que é único em
você. Pare de escutar tanto as palavras e opiniões dos outros que lhe dizem
quem você é e do que deveria gostar e desgostar. Julgue as coisas e as
pessoas por si mesmo. Questione o que você pensa e por que se sente de
determinada maneira. Conheça-se a fundo – os seus gostos e inclinações
inatos, os campos que o atraem de maneira natural. Trabalhe todos os dias
para aprimorar essas habilidades que combinam com o seu propósito e
espírito únicos. Acrescente a diversidade de cultura necessária ao criar algo
que reflita a sua singularidade. Acolha aquilo que o torna diferente. O
verdadeiro motivo pelo qual se sente deprimido às vezes é que você não
está seguindo esse caminho. Os momentos de depressão são um chamado
para que você volte a escutar a sua autoridade interior.
Num mundo repleto de distrações sem fim, você precisa se
concentrar e priorizar. Certas atividades são uma perda de tempo.
Determinadas pessoas de natureza baixa vão atrapalhá-lo, e você precisa
evitá-las. Fique de olho nas suas metas de longo e curto prazo, e permaneça
concentrado e alerta. Permita-se o luxo de explorar e vaguear criativamente,
mas sempre com um propósito subjacente.
Você deve seguir os padrões mais elevados no seu trabalho. Lute
pela excelência, para construir algo que ressoe com o público e que seja
duradouro. Se fracassar nisso, você desapontará as pessoas, o que o deixará
envergonhado. A fim de manter esses padrões, desenvolva a autodisciplina
e os hábitos de trabalho adequados. Preste muita atenção aos detalhes das
suas atividades e coloque um valor superior no esforço. A primeira
concepção que lhe vier é, na maior parte das vezes, incompleta e
inadequada. Pense melhor e mais a fundo sobre as suas ideias, algumas das
quais você terá que descartar. Não se apegue aos seus planos iniciais, mas
seja duro com eles. Tenha em mente que a vida é curta e pode terminar a
qualquer dia. Você tem que ter um senso de urgência para fazer o máximo
nesse tempo limitado. Não são necessários prazos ou pessoas lhe dizendo o
que fazer e quando terminar. Toda a motivação de que precisa vem de
dentro. Você é completo é autossuficiente.
No que diz respeito a atuar com essa autoridade interna, podemos
considerar Leonardo da Vinci o nosso modelo. O lema da vida dele era
ostinato rigore, “rigor implacável”. Sempre que recebia uma encomenda,
ele ia muito além da tarefa, debruçando-se sobre cada detalhe para tornar o
trabalho mais realista e eficiente. Ninguém tinha que lhe dizer para fazer
isso. Leonardo era extremamente aplicado e exigente consigo mesmo.
Embora tivesse interesses bem amplos, quando atacava um problema
específico, era com foco completo. Tinha um senso de missão pessoal –
servir à humanidade, contribuir para o seu progresso. Impelido por essa
autoridade interior, forçou caminho além de todas as limitações que havia
herdado – sendo um filho ilegítimo com pouco direcionamento ou educação
no início da vida. Essa voz nos ajudará da mesma maneira a forçar o
caminho além dos obstáculos que a vida colocar no nosso trajeto.
À primeira vista, poderia parecer que ter essa voz dentro de nós levaria
a uma vida severa e desagradável, mas, na verdade, é o oposto. Não há nada
mais desorientador e deprimente do que ver os anos passarem sem um senso
de direção, tentando alcançar metas que ficam mudando e desperdiçando as
nossas energias da juventude. Do mesmo modo que a autoridade exterior
ajuda a manter o grupo unido, com uma energia canalizada em direção a
finalidades produtivas e mais elevadas, a autoridade interior lhe concede um
senso de coesão e força. Você não será corroído pela ansiedade que vem de
viver abaixo do seu potencial.
Ao sentir a identidade superior em ascensão, você poderá se dar ao luxo
de ceder aos desejos da metade inferior, de deixá-la extravasar por alguns
momentos para liberar a tensão e não se tornar prisioneiro da sua Sombra.
E, o que é mais importante, você não precisará mais do conforto e da
orientação dos pais ou do líder, tornando-se o seu próprio pai ou mãe, o seu
próprio líder, independente de fato, e atuando segundo a sua autoridade
interior.
O homem selecionado, o homem excelente, é encorajado pela necessidade interior a
recorrer a algum padrão além de si mesmo, superior a ele, cujo serviço aceite
livremente […]. Distinguimos o homem excelente do homem comum dizendo que o
primeiro é o que faz grandes exigências de si mesmo, e o último é o que não exige
nada de si, mas se contenta com o que é, e se deleita consigo mesmo. Contrário ao que
se costuma pensar, é o homem de excelência […] que vive numa servidão essencial. A
vida não tem sabor para ele a menos que a faça consistir no serviço a algo
transcendental. Por isso, ele não encara a necessidade de servir como uma opressão.
Quando, por acaso, essa necessidade faltar, ele se torna inquieto e inventa algum novo
padrão, mais difícil, mais exigente, com que se coagir. Essa é a vida vivida como uma
disciplina – a vida nobre.
— José Ortega y Gasset
16
Veja a hostilidade por trás da fachada
amigável
A Lei da Agressão
Na superfície, as pessoas ao seu redor parecem polidas e civilizadas.
Contudo, por baixo da máscara, é inevitável que todas lidem com
frustrações. Elas têm a necessidade de influenciar os outros e obter o poder
sobre as circunstâncias. Vendo as suas iniciativas bloqueadas, com
frequência tentam se afirmar de maneiras manipuladoras que o pegam de
surpresa. Além disso, há aqueles cuja necessidade de poder e cuja
impaciência para obtê-lo são maiores do que as dos outros. Eles se tornam
bem agressivos, intimidando os demais para conseguir o que querem, sendo
implacáveis e se dispondo a fazer quase de tudo. Você precisa se
transformar num excelente observador dos desejos agressivos insatisfeitos
dos indivíduos, prestando atenção especial aos passivo-agressivos e aos
agressores passivos em nosso meio. É preciso reconhecer os sinais – os
padrões de comportamento do passado, a necessidade obsessiva de
controlar tudo no ambiente – que indicam os tipos perigosos. Eles
dependem de torná-lo emocional – com medo, raiva – e incapaz de pensar
direito. Não lhes ceda esse poder. No que diz respeito à sua própria energia
agressiva, aprenda a domá-la e canalizá-la para propósitos produtivos,
afirmando-se, atacando os problemas com energia persistente, realizando
grandes ambições.
O AGRESSOR SOFISTICADO
No fim de 1857, Maurice B. Clark, um inglês de 28 anos que vivia em
Cleveland, no estado de Ohio, tomou a decisão mais importante da sua
jovem vida: pediria demissão do seu emprego confortável, como comprador
e vendedor de alto nível numa empresa de hortaliças, e começaria o seu
próprio negócio na mesma linha. Sua ambição era se tornar mais um
milionário naquela cidade vibrante e não possuía nada além de confiança
nas próprias capacidades para chegar lá: era um negociante nato com um
bom faro para fazer dinheiro.
Clark havia fugido da Inglaterra cerca de dez anos antes, temendo a
ameaça iminente de ser preso por ter agredido o patrão e o deixado
inconsciente. (O temperamento dele sempre foi difícil.) Emigrara para os
Estados Unidos, viajara para o oeste a partir de Nova York, realizara todo
tipo de biscates até acabar em Cleveland, onde ascendeu rápido entre as
fileiras dos comerciantes. Aquela era uma cidade próspera, situada junto a
um rio e ao lago Erie, que servia como um polo fundamental de transporte
conectando o leste ao oeste. Nunca haveria uma época melhor para Clark ir
em frente e fazer fortuna.
Existia apenas um problema: ele não dispunha de recursos suficientes
para começar o negócio. Precisaria de um colaborador com algum capital e,
considerando a questão, pensou num possível parceiro, um jovem chamado
John D. Rockefeller, de quem se tornara amigo numa faculdade de
Comércio que os dois frequentaram alguns anos antes.
À primeira vista, parecia uma escolha estranha. Rockefeller tinha só 18
anos, trabalhava como contador na Hewitt & Tuttle, uma firma de tamanho
considerável de transporte de hortaliças, e era em muitos aspectos o
completo oposto de Clark. Este adorava viver bem, com um gosto por
produtos finos, jogo e mulheres; era mal-humorado e combativo.
Rockefeller, por sua vez, era bem religioso, extraordinariamente sóbrio e
bem-educado para a idade. Como os dois poderiam se dar bem? E Clark
havia calculado que o sócio investiria pelo menos 2 mil dólares para pôr a
empresa em andamento. Como um contador de uma família de meios
limitados teria esses fundos? Em contrapartida, nos seus últimos dois anos
na Hewitt & Tuttle, Rockefeller conquistara a reputação de ser um dos
secretários mais eficientes e honestos da cidade, alguém em quem se podia
confiar para contabilizar cada centavo gasto e manter a empresa no azul. E
o mais importante: sendo ele tão jovem, seria fácil para Clark dominar o
relacionamento entre os dois. Valia a pena convidá-lo.
Para a surpresa de Clark, quando este sugeriu a sociedade, Rockefeller
não apenas aceitou prontamente a oportunidade, com entusiasmo pouco
característico, mas logo desembolsou os 2 mil dólares, tomando o dinheiro
emprestado de algum modo. Rockefeller se demitiu do emprego, e a nova
empresa, chamada Clark & Rockefeller, abriu as portas em abril de 1858.
Nos primeiros anos, Clark & Rockefeller era próspera. Os dois homens
equilibravam um ao outro, e os negócios eram abundantes em Cleveland.
Com o passar do tempo, porém, Clark começou a se sentir cada vez mais
irritado com o jovem, e a sentir até um leve desprezo por ele. Rockefeller
era mais austero do que imaginara; não tinha vícios discerníveis e seu maior
prazer parecia vir dos livros de contabilidade, que mantinha tão bem, e de
descobrir novas maneiras de poupar dinheiro. Embora ainda fosse tão novo,
sua postura já era curvada de tanto se debruçar sobre os livros-caixas dia e
noite. Vestia-se e agia como um banqueiro de meia-idade. O irmão mais
jovem de Clark, James, que trabalhava no escritório, o apelidou de
“superintendente da escola dominical”.
Aos poucos, Clark passou a vê-lo como tedioso e desinteressante
demais para ser um dos rostos do negócio. Introduziu, então, um novo sócio
de uma família de elite de Cleveland e tirou “Rockefeller” do nome da
companhia, na esperança de lucrar ainda mais. Surpreendentemente,
Rockefeller não objetou a isso; era absolutamente a favor de fazer mais
dinheiro e não se importava muito com títulos.
A empresa de hortaliças prosperava, mas logo se espalhou por
Cleveland a notícia de que havia uma nova mercadoria que poderia
provocar na região o equivalente a uma corrida do ouro – a descoberta
recente de ricas veias de petróleo na área próxima do oeste da Pensilvânia.
Em 1862, um jovem inglês chamado Samuel Andrews – um
investidor/empresário que conhecera Clark na Inglaterra – lhe visitou o
escritório, implorando que se tornasse sócio dele no ramo petrolífero.
Gabou-se do potencial ilimitado do petróleo e da série lucrativa de produtos
que poderiam construir com o material, além dos baixos custos de
produção. Com só um pouco de capital, conseguiriam fundar a própria
refinaria e ganhar uma fortuna.
A resposta de Clark foi morna. Era um negócio que passava por
tremendos altos e baixos, com os preços subindo e descendo de forma
contínua, e agora, com a Guerra Civil se alastrando, parecia um mau
momento para assumir um compromisso tão grande. Seria melhor se
envolver na área num nível menor. Contudo, Andrews fez a mesma oferta a
Rockefeller, e algo pareceu brilhar nos olhos do rapaz, que convenceu Clark
de que deveriam financiar a refinaria – ele mesmo garantiria o seu sucesso.
Clark nunca o havia visto tão entusiasmado com nada. Isso deve significar
alguma coisa, pensou, e cedeu à pressão dos dois homens. Em 1863, eles
formaram uma nova refinaria chamada Andrews, Clark & Companhia.
No mesmo ano, 20 outras refinarias brotaram em Cleveland, e a
competição era feroz. Para Clark, era bem divertido ver Rockefeller em
ação, pois este passava horas no trabalho, varrendo os pisos, polindo os
metais, rolando barris, empilhando tambores. Era como um caso de amor.
Ficava até tarde da noite tentando descobrir maneiras de otimizar a refinaria
e tirar mais dinheiro dela, e esta se tornou o principal gerador de lucros para
a empresa. Clark não podia deixar de celebrar o fato de ter concordado em
financiá-la. O petróleo, porém, tornara-se a obsessão de Rockefeller, e ele
bombardeava Clark o tempo todo com novas ideias de expansão, sempre
num período em que o preço daquele produto flutuava mais do que nunca.
Clark lhe disse para ir mais devagar; considerava o caos da indústria
petrolífera enervante.
Clark sentia cada vez mais dificuldade para esconder sua irritação, pois
Rockefeller estava se tornando um pouco presunçoso com o sucesso da
refinaria, e precisava lembrar o ex-contador de quem havia tido a ideia
inicial de fundar a empresa deles. Como um refrão, continuava a lhe dizer:
“O que você teria feito sem mim?”. Então, ao descobrir que Rockefeller
havia tomado emprestados 100 mil dólares para a refinaria sem consultá-lo,
ordenou, furioso, que o rapaz nunca mais agisse pelas suas costas e parasse
de tentar expandir o negócio. Entretanto, nada do que dissesse ou fizesse
pareceu detê-lo. Para alguém tão tranquilo e despretensioso, Rockefeller às
vezes era irritantemente obstinado, como uma criança. Alguns meses
depois, Rockefeller o abordou com outro pedido para que aprovasse um
grande empréstimo, e Clark por fim explodiu: “Se é assim que quer
conduzir os negócios, é melhor dissolvermos. Então, você gerencia os seus
próprios negócios do seu jeito”.
Clark não tinha nenhum interesse em romper a parceria naquele ponto –
era lucrativa demais e, apesar dos traços de personalidade que lhe davam
nos nervos, precisava de Rockefeller como o homem para cuidar dos
detalhes maçantes da empresa em crescimento. Queria apenas intimidá-lo
com aquela ameaça, que parecia ser a única maneira de fazê-lo recuar
naquela missão incansável de expandir a refinaria. Como era habitual,
Rockefeller disse pouco e pareceu adiar sua iniciativa.
Então, no mês seguinte, Rockefeller convidou Clark e Andrews à sua
casa para discutir os planos para o futuro e, apesar de todas as admoestações
anteriores, delineou ideias ainda mais ousadas para expandir a refinaria. E
mais uma vez Clark não conseguiu se controlar: “É melhor nós nos
separarmos!”, gritou. Então algo aconteceu: Rockefeller concordou com
isso e convenceu Clark e Andrews a afirmar que estavam todos a favor de
dissolver a sociedade. Fez isso sem o menor traço de raiva ou
ressentimento.
Clark jogava pôquer com frequência, e tinha certeza de que Rockefeller
estava blefando, tentando lhe forçar a mão. Caso se recusasse a ceder ao
desejo do jovem de expandir o negócio, Rockefeller teria de recuar. Ele não
tinha como prosseguir sozinho; precisava mais de Clark do que Clark
precisava dele. Rockefeller seria forçado a compreender que se precipitara e
pediria para retomar a parceria. Quando fizesse isso, seria humilhado. Clark
poderia estabelecer os termos e exigir que ele seguisse as suas instruções.
Para o seu espanto, porém, no dia seguinte Clark leu no jornal local o
anúncio da dissolução da empresa, e era óbvio que o próprio Rockefeller
publicara o aviso. Quando o confrontou mais tarde naquele dia, Rockefeller
respondeu com calma que estava apenas pondo em ação o que haviam
concordado no dia anterior, que aquilo fora ideia de Clark, para início de
conversa, e que pensava que este tinha razão. Sugeriu que eles fizessem um
leilão e vendessem a empresa pela maior oferta. Algo nas maneiras
desinteressadas e pragmáticas dele era enlouquecedor. Àquela altura,
concordar com o leilão não era a pior opção. Clark poderia fazer uma oferta
maior e se livrar de uma vez por todas daquele arrivista insuportável.
No dia do leilão, em fevereiro de 1865, Clark empregou um advogado
para representar o seu lado, enquanto Rockefeller representava a si mesmo,
outro sinal da sua arrogância e falta de sofisticação. O preço continuava a
subir aos poucos, e por fim Rockefeller ofereceu 72.500 dólares, uma
quantia absurda e chocante, uma soma que Clark não tinha como pagar.
Como ele poderia ter tanto dinheiro, e como seria capaz de administrar a
empresa sem Clark? Era evidente que perdera qualquer tino para os
negócios que já tivesse possuído. Se isso era o que ele estava disposto a
pagar, e se tinha mesmo os fundos, que ficasse com a empresa e que bons
ventos o levassem. Como parte da venda, Rockefeller ficou com a refinaria,
mas teve que abrir mão do negócio de hortaliças sem obter nenhuma
compensação. Clark estava mais do que satisfeito, embora o incomodasse
que Andrews tivesse decidido acompanhar Rockefeller e continuar sócio
deste.
Nos meses que se seguiram, porém, Maurice Clark começou a reavaliar
o que havia acontecido: teve a sensação desconfortável de que Rockefeller
planejara aquilo por meses, talvez mais de um ano. Devia ter cortejado
banqueiros e assegurado empréstimos bancários muito antes do leilão, para
ser capaz de pagar o preço elevado. Devia também ter assegurado de
antemão que Andrews permaneceria ao seu lado. Clark detectou um sinal de
exultação nos olhos de Rockefeller no dia que a refinaria se tornou dele,
algo que nunca vira antes naquele jovem tão sério. Será que aquela
aparência calma e enfadonha era só uma fachada? À medida que os anos
revelaram a fortuna imensa que Rockefeller acumularia com essa primeira
manobra, Clark não podia deixar de pensar que ele, de algum modo, fora
ludibriado.
O Coronel Oliver H. Payne era o equivalente a um membro da
aristocracia de Cleveland. Vinha de uma família ilustre que incluía um dos
fundadores da própria cidade, estudou na Universidade Yale e fora
condecorado como herói da Guerra Civil. Depois da guerra, fundara
diversas empresas comerciais de sucesso e tinha uma das mansões mais
elegantes da região, que ficava na avenida Euclid, apelidada de Corredor
dos Milionários. No entanto, suas ambições eram maiores, talvez políticas;
julgava ter o necessário para se tornar presidente.
Uma das suas empresas bem-sucedidas era uma refinaria, a segunda
maior na cidade. No fim de 1871, porém, começou a ouvir estranhos boatos
sobre algum tipo de acordo entre os proprietários de algumas refinarias e
das maiores ferrovias: estas últimas baixariam os preços do transporte para
as refinarias específicas que se juntassem a essa organização secreta, em
troca de um volume garantido de tráfego. Aquelas de fora veriam os preços
subir, tornando o negócio difícil, se não impossível. E o principal dono de
refinaria, e o único em Cleveland, por trás desse acordo parecia ser nada
mais nada menos que John D. Rockefeller.
Rockefeller havia expandido o seu negócio para duas refinarias em
Cleveland e rebatizado a empresa de Standard Oil – agora, a maior firma de
refinação de petróleo do país. A competição, todavia, continuava forte, até
mesmo dentro de Cleveland, então com 28 refinarias, contando as da
Standard Oil. Por causa desses negócios em ascensão, cada vez mais
milionários haviam construído as suas mansões na avenida Euclid.
Contudo, se Rockefeller controlasse a entrada nessa nova organização,
causaria grandes prejuízos aos competidores. E foi em meio a tais boatos
que fez arranjos para um encontro privado entre ele e Payne num banco em
Cleveland.
Payne conhecia bem Rockefeller. Haviam nascido com duas semanas de
diferença, frequentado a mesma escola de ensino secundário, e viviam
próximos na mesma avenida. Payne admirava a sabedoria que Rockefeller
tinha para negócios, mas também o temia, pois este era o tipo de homem
que não aguentava perder em nada. Se alguém o passasse numa carruagem,
fustigava os próprios cavalos para ultrapassá-la. Os dois frequentavam a
mesma igreja. Payne sabia que Rockefeller era um homem de altos
princípios, mas também muito misterioso e reticente.
No encontro marcado, Rockefeller confiou a Payne: este era o primeiro
não participante a quem contava da existência dessa organização secreta,
que seria chamada de Southern Improvement Company (SIC). Alegou que
foram os donos das ferrovias que surgiram com a ideia de fazer a SIC
aumentar os lucros, e que ele não teve nenhuma escolha a não ser entrar no
acordo, mas ele não convidou Payne a se juntar à SIC. Em vez disso,
ofereceu-se para comprar a refinaria dele por um ótimo preço, dando-lhe
uma quantidade substancial de ações da Standard Oil que, com certeza, lhe
renderiam uma fortuna e ofereceu colocá-lo na empresa como um executivo
de alto nível com um título ilustre. Ele lucraria muito mais desse modo do
que tentando competir com a Standard Oil.
Rockefeller disse tudo no tom mais polido. Continuaria a expandir e
levar um pouco de ordem, tão necessária, à anárquica indústria petrolífera.
Via isso como a sua cruzada, e estava convidando Payne para ser seu
companheiro dentro da Standard Oil. Era uma maneira persuasiva de
apresentar a proposta, mas Payne hesitou. Ele tinha momentos de
exasperação ao lidar com essa indústria imprevisível, mas não pensara em
vender a refinaria. Aquilo era tão repentino. Percebendo-lhe a indecisão,
Rockefeller lhe deu um olhar de grande simpatia e lhe ofereceu a
oportunidade de examinar os livros-caixas da Standard Oil, para convencêlo da futilidade da resistência. Payne não tinha como recusar a oferta, e o
que viu em poucas horas o assombrou: a Standard Oil tinha margens de
lucro consideravelmente maiores do que as dele. Ninguém suspeitara do
quanto a Standard Oil estava à frente das empresas rivais. Para Payne,
aquilo era o suficiente, e ele aceitou a oferta de Rockefeller.
A notícia daquela venda e os boatos crescentes da existência da SIC
abalaram completamente os outros proprietários de refinarias da cidade.
Rockefeller estava numa posição muito forte.
Em poucas semanas, J. W. Fawcett, da firma Fawcett & Critchley, outra
grande refinaria da cidade, recebeu uma visita de Rockefeller. A abordagem
dele teve um tom um pouco mais sinistro do que o utilizado com Payne: a
indústria era imprevisível demais; Cleveland estava mais longe das cidades
produtoras de petróleo, e os refinadores tinham que pagar mais para que o
petróleo bruto fosse enviado para lá; permaneciam sempre em
desvantagem; com o preço do petróleo continuando a flutuar, muitas
refinarias faliriam; Rockefeller as consolidaria e daria a Cleveland alguma
vantagem com as ferrovias; estava fazendo a todos eles um favor, livrandoos dos tremendos fardos do negócio e lhes dando dinheiro antes que
falissem, o que com certeza aconteceria graças à SIC.
O preço que ofereceu pela refinaria de Fawcett era menos generoso do
que ele havia pagado a Payne, assim como eram as ações e o cargo dentro
da Standard Oil que acompanhavam a proposta, e Fawcett sentiu-se bem
relutante em vender, mas um rápido estudo dos livros da Standard Oil o
deixaram estupefato, e ele se rendeu aos termos de Rockefeller.
Agora, cada vez mais proprietários de refinarias recebiam a visita de
Rockefeller, e um após o outro sucumbiu à pressão, já que resistir os
colocava numa posição de negociação mais fraca, à medida que o preço que
Rockefeller oferecia pelas refinarias ia baixando. Um proprietário que não
cedeu foi Isaac Hewitt, ex-chefe de Rockefeller quando este era um
contador inexperiente. Vender a refinaria a um preço tão baixo o levaria à
falência. Ele implorou a Rockefeller que tivesse misericórdia e que o
deixasse em paz com os seus negócios. Rockefeller, sempre gentil e polido,
disse a Hewitt que este não teria como competir com a Standard Oil no
futuro. “Tenho meios de fazer dinheiro dos quais que você desconhece”,
explicou. Hewitt vendeu a sua refinaria por mais da metade do preço que
havia pedido.
Pelo meio de março, a existência da SIC havia se tornado pública e a
pressão aumentava para que essa organização fosse dispersada ou sofresse
consequências legais. As ferrovias cederam, e o mesmo fez Rockefeller, que
não se mostrou tão decepcionado assim com a notícia. A questão foi
resolvida, a SIC desapareceu, mas nos meses seguintes algumas pessoas em
Cleveland começaram a se perguntar se a situação toda havia sido de fato o
que parecia. A SIC nunca foi efetivada; permanecera um boato, e a
Standard Oil, pelo jeito, foi a principal fonte do rumor. Nesse meio-tempo,
Rockefeller efetuou o que se tornou conhecido como o Massacre de
Cleveland – em apenas alguns meses, comprou 20 das 26 refinarias fora do
controle dele. Muitas das mansões elegantes dos ex-milionários da avenida
Euclid eram agora vendidas e fechadas com tábuas nas janelas, já que
Rockefeller havia metodicamente removido os proprietários dos negócios.
Agira como se as ferrovias estivessem por trás de todas as decisões da SIC,
mas talvez tivesse sido o contrário.
Nos anos que se seguiram, os empresários da indústria ferroviária
começaram a ter grandes receios em relação ao poder crescente da Standard
Oil. Depois do Massacre de Cleveland, Rockefeller empregou as mesmas
táticas contra outras refinarias em Pittsburgh, Filadélfia, e Nova York. O
método era sempre o mesmo: mirar primeiro nas maiores refinarias em cada
cidade, mostrar os livros-caixas – que eram agora ainda mais
impressionantes –, conseguir que alguns peixes grandes se rendessem e
incutir o pânico nos outros. De maneira impiedosa, vendia os próprios
produtos a preços bem inferiores aos daqueles que resistiam, expulsando os
concorrentes do mercado. Em 1875, Rockefeller controlava todos os
principais centros de refinação dos Estados Unidos e monopolizava, na
prática, o mercado mundial de querosene, o principal produto que se
utilizava na iluminação.
Esse poder lhe deu muito mais vantagem sobre os preços das ferrovias,
mas, para piorar a situação, começara a dominar os negócios relativos aos
oleodutos, que era a outra maneira de transportar petróleo. Rockefeller
construiu uma série de oleodutos por toda a Pensilvânia e obteve o controle
de várias ferrovias que ajudavam a transportar o petróleo pelo resto do
caminho até a costa leste, o que lhe rendeu a sua própria rede de transporte.
Se continuasse desimpedido nessa campanha, a sua posição seria
inexpugnável. E ninguém temia mais esse prospecto do que Tom Scott,
presidente da Pennsylvania Railroad, na época a maior e mais poderosa
corporação do país.
Scott levara uma vida de grande distinção. Durante a Guerra Civil,
servira como secretário assistente de guerra de Lincoln, encarregado de
garantir o funcionamento regular das ferrovias em auxílio às forças do
norte. Como diretor da Pennsylvania Railroad, tinha ambições de continuar
expandindo o alcance da empresa, mas, como Rockefeller lhe bloqueava o
caminho, era hora de partir para a batalha contra a Standard Oil.
Scott possuía todos os recursos necessários para derrotar Rockefeller, e
tinha um plano. Nos últimos anos, em antecipação às manobras de
Rockefeller, havia construído a sua própria rede gigantesca de oleodutos
que operaria em conjunção com a ferrovia para transportar o petróleo às
refinarias. Aumentaria a construção de novos oleodutos e compraria as
novas refinarias que surgissem, criando a sua própria rede rival, garantindo
à sua ferrovia negócios suficientes para deter o progresso de Rockefeller, e
trabalhando, em seguida, para enfraquecê-lo ainda mais. Contudo, quando o
que ele estava fazendo se tornou claro, a resposta de Rockefeller foi
totalmente inesperada e bem chocante: a Standard Oil fechou quase todas as
suas refinarias na Pensilvânia, deixando aos oleodutos e ferrovias de Scott
praticamente nenhum petróleo para transportar. Se conseguiam algum
petróleo, Rockefeller vendia o dele a preços bem mais baixos a quaisquer
refinarias fora do próprio sistema, sem parecer se importar com quanto os
preços cairiam. Ele também tornou difícil para Scott adquirir o óleo de que
a empresa precisava para lubrificar os motores e as rodas dos trens.
A Pennsylvania Railroad havia se sobrecarregado nessa campanha e
perdia dinheiro rapidamente, mas Rockefeller tinha que estar perdendo na
mesma medida. Era como se seu objetivo fosse um suicídio mútuo. Scott
havia avançado demais para recuar dessa guerra, por isso se concentrou em
cortar custos, despedindo centenas de funcionários e reduzindo os salários
dos que permaneceram. Os empregados de Scott revidaram com uma greve
geral dos ferroviários, que logo se tornou violenta e sangrenta, com
trabalhadores espalhados pelo Estado destruindo milhares de vagões de
carga da Pennsylvania Railroad. Scott retaliou de forma brutal, mas a greve
persistiu e os acionistas da Pennsylvania Railroad se mostraram cada vez
mais nervosos. Enquanto isso, Rockefeller parecia despreocupado e
continuou com a campanha de pressão, como se não tivesse nada a perder.
Scott estava farto. De algum modo, Rockefeller conseguia absorver
aquelas perdas colossais, mas ele não. O dinheiro havia literalmente se
esgotado. Ele não apenas concordou em dar fim à campanha, mas teve que
vender a Rockefeller a maior parte das suas refinarias, tanques de
armazenamento, navios a vapor e oleodutos. Scott nunca se recuperaria
dessa derrota humilhante e repentina: um ano mais tarde, sofreu um
derrame e, poucos anos depois, morreu aos 58 anos.
Embora parecesse que o controle de Rockefeller sobre a indústria
petrolífera fosse agora completo, um empresário e engenheiro chamado
Byron Benson teve uma ideia sobre como abrir um buraco naquele império
em expansão. Rockefeller ditava as regras com os seus imensos recursos,
mas não tinha como competir com o progresso tecnológico; o que lhe dava
uma vantagem era que os oleodutos eram relativamente curtos, com no
máximo 48 quilômetros de extensão. Ele conseguiu dominar a indústria ao
criar redes de oleodutos por toda a Pensilvânia e controlando muitas das
ferrovias que operavam entre as refinarias e os oleodutos. Mesmo que
alguém tivesse um oleoduto independente, em algum ponto dependeria da
Standard Oil para transportar o petróleo pelo resto do caminho.
Mas, e se Benson conseguisse projetar algo novo – um oleoduto longo e
contínuo que fosse dos campos de petróleo no oeste da Pensilvânia até a
costa leste? Dessa forma, ele seria capaz de entregar o petróleo diretamente
às poucas refinarias independentes da costa leste que restavam e lhes
garantir preços baixos, contornando a rede de Rockefeller. Isso
interromperia o avanço deste e, com mais alguns desses oleodutos de longo
alcance, os rivais da Standard Oil começariam a competir em termos mais
justos.
Não seria fácil. O oleoduto exigiria uma engenharia inovadora para
fazer o petróleo fluir para cima por sobre os montes e montanhas que
inevitavelmente encontraria no caminho, mas Benson vinha trabalhando
nessa questão e foi capaz de angariar de investidores grandes quantias, mais
do que o suficiente para cobrir os custos de construir esse oleoduto, já que
Rockefeller havia conquistando muitos inimigos e tantos temiam o seu
monopólio crescente.
Benson batizou a iniciativa de Tidewater Pipeline Company, e começou
a construção em 1878. Entretanto, quase de imediato, teve que lidar com
uma campanha insidiosa para deter as obras do oleoduto. Ele dependia de
vagões-tanques ferroviários para transportar os materiais pesados ao local
das obras, mas parecia que, com o passar dos anos, Rockefeller comprara a
maioria desses vagões e tinha, na prática, monopolizado o mercado. Onde
quer que tentasse encontrar vagões-tanques, havia subsidiárias da Standard
Oil que os controlavam. Benson teve de buscar outros meios de transportar
o material, e isso aumentou os custos e desperdiçou tempo valioso,
deixando-o ainda mais determinado a concluir o trabalho e se provar mais
esperto que Rockefeller.
Esse, porém, foi apenas o início. Benson precisava que a sua rota até o
mar fosse a mais simples possível, para economizar dinheiro, o que
significava atravessar o estado de Maryland. No entanto, ele agora recebia a
notícia de que, por meio de muitos subornos generosos, Rockefeller havia
convencido a assembleia legislativa de Maryland a dar os direitos
exclusivos sobre os oleodutos à Standard Oil. Isso significava que
Tidewater teria que passar pelas áreas mais acidentadas e até montanhosas
mais ao norte da Pensilvânia, tornando a rota mais tortuosa e o trabalho
mais caro.
Então, veio o golpe mais ameaçador de todos: Rockefeller deu início a
uma onda frenética e repentina de compra de imóveis, adquirindo grandes
extensões de terras cultiváveis na Pensilvânia, bem no caminho da
Tidewater até o mar. Nenhum preço parecia alto demais para a Standard
Oil. Benson fez o que pôde para resistir e comprar as suas próprias terras,
mas se espalhava um boato entre os fazendeiros da região sobre o perigo de
vender segmentos de terra à Tidewater – por ser tão longo, o oleoduto
estaria sujeito a vazamentos que arruinariam as colheitas. Era óbvio que a
Standard Oil era a fonte dos boatos, que funcionaram.
Para Benson, Rockefeller era como um demônio invisível e infatigável
que o atacava de todas as direções, forçando o aumento gradual dos custos e
da pressão. Contudo, Benson também era infatigável. Se Rockefeller
comprasse todo um vale, Benson fazia o oleoduto mudar de curso, mesmo
que isso exigisse subir mais montanhas. A rota se tornou um zigue-zague
ridículo, mas o oleoduto avançou pouco a pouco em direção ao leste e
chegou por fim à costa em maio de 1879.
Uma vez que o oleoduto foi posto em funcionamento, porém, ninguém
conseguia prever se o sistema completo de bombeamento conseguiria
transportar o petróleo pelos aclives íngremes. Aos poucos, o primeiro fluxo
de petróleo bruto percorreu o oleoduto, escalando até a montanha mais alta,
e, depois de sete dias, as primeiras gotas chegaram ao seu destino. A
Tidewater Pipeline foi considerada uma das grandes realizações de
engenharia da época, e Benson se tornou um herói do dia para a noite.
Finalmente, alguém havia sido mais esperto que Rockefeller e o derrotado.
Para o espanto de Benson, porém, Rockefeller só aumentou a pressão. A
Tidewater havia perdido dinheiro e tinha poucas reservas, mas lá estava
Rockefeller reduzindo de maneira drástica os preços pelos serviços dos
oleodutos e ferrovias da Standard Oil, transportando o petróleo
praticamente de graça. A Tidewater não conseguia encontrar uma gota de
petróleo para transportar, e isso deixou a empresa de joelhos. Em março de
1880, Benson estava farto, e fez um acordo com a Standard Oil nos termos
mais favoráveis que conseguiu, unindo as duas empresas. Entretanto, esse
foi só um passo preliminar. Nos meses que se seguiram, Rockefeller
comprou cada vez mais ações da Tidewater, colocando-a completamente
sob o seu controle. Como tantos outros antes dele, ao tentar lutar contra
Rockefeller, Benson só o tornou mais forte e mais invencível. Como alguém
poderia ter qualquer esperança de lutar contra uma força tão indomável?
Na década de 1880, a procura por querosene para iluminar residências e
escritórios explodiu, e Rockefeller controlava o mercado. E, em cidades
grandes e pequenas por todo o país, varejistas e donos de mercearias
começaram a notar um novo sistema revolucionário introduzido pela
Standard Oil. A empresa estabelecera tanques de armazenagem em todos os
cantos dos Estados Unidos e financiara vagões-tanques para transportar o
querosene para quase todas as regiões. Os vendedores da Standard Oil não
apenas forneciam pessoalmente o querosene às lojas, mas também iam de
casa em casa, vendendo aquecedores e fogões direto aos moradores, aos
menores preços.
Isso ameaçou os negócios de muitos varejistas locais, os quais, quando
protestaram, ouviram dos representantes da Standard Oil que dariam fim a
essa prática se eles vendessem exclusivamente os produtos da Standard Oil.
Para os que recusavam, a Standard Oil abria a sua própria mercearia na área
e, com preços baratos, levava à falência os donos de loja que se rebelavam.
Em algumas áreas, os varejistas furiosos se voltaram a empresas rivais,
como a Republic Oil, que se especializava em vender aos que detestavam
Rockefeller. Mal sabiam eles que a Standard Oil era, em segredo,
proprietária da Republic Oil.
Com todas essas práticas, Rockefeller criara um número cada vez maior
de inimigos, mas nenhum deles era tão obstinado e fanático quanto George
Rice, um homem que havia conseguido manter uma pequena refinaria
independente no estado de Ohio e tentado fazer congressistas investigarem
as práticas da Standard Oil. Publicou um boletim informativo chamado
Black Death (“Morte negra”), que compilava todos os artigos sobre
escândalos em torno de Rockefeller. Para encontrar, de algum modo, uma
forma de lucrar e esnobar Rockefeller, decidiu viajar pessoalmente e vender
o próprio querosene em diversas cidades, contornando o novo sistema que
havia monopolizado o mercado.
Era difícil de imaginar que a Standard Oil pudesse se importar com ele;
a quantidade de querosene que estava tentando vender era minúscula e o seu
sucesso era bem limitado. Entretanto, quando conseguiu que um varejista
em Louisville lhe comprasse meros 70 barris de querosene, descobriu de
repente que a ferrovia que concordara, enquanto ele estava na estrada, em
transportar o seu produto, agora se recusava a cumprir o combinado. Rice
sabia quem estava por trás disso, mas conseguiu encontrar outro meio, mais
caro, de obter os carregamentos de querosene.
Passou para outra cidade perto de Louisville, apenas para descobrir um
vendedor da Standard Oil que havia se antecipado à presença de Rice e
oferecido preços mais baixos. Rice se viu empurrado para locais cada vez
menores ainda mais ao sul, mas novamente os homens da Standard Oil lhe
bloquearam o caminho, e logo ele não conseguia vender nem mais uma
gota. Era como se houvesse espiões por todos os cantos lhe rastreando o
progresso. No entanto, mais do que isso, Rice sentia a presença ubíqua do
próprio Rockefeller, que por certo sabia da sua pequena campanha e havia
decidido esmagar o menor dos competidores a todo custo. Por fim,
compreendendo de verdade o que estava enfrentando, Rice desistiu da luta e
voltou para casa.
No início da década de 1900, depois que Rockefeller havia renunciado à
liderança da Standard Oil, ele começou a fascinar o público norteamericano. Ele era de longe o homem mais rico no mundo, o primeiro
bilionário do planeta, mas as histórias sobre como conduziu as suas batalhas
e sobre o monopólio que construíra levavam as pessoas a lhe questionar o
caráter. Era um recluso notório, e poucos sabiam algo de concreto a seu
respeito. Então, alguns dos seus inimigos iniciaram uma série de processos
legais para quebrar o monopólio da Standard Oil. Rockefeller foi forçado a
testemunhar e, para o espanto do público, não se parecia em nada com o
demônio que imaginaram. Como um repórter escreveu num jornal: “Ele
parece a encarnação da doçura e da luz. É impossível lhe perturbar a
serenidade […]. Às vezes, as suas maneiras eram levemente reprovadoras,
em outras, ternamente persuasivas, mas nunca revelou mau temperamento
ou irritação”. À medida que Rockefeller emergia como o filantropo mais
generoso do mundo, e que o público passava a apreciar o querosene barato
que fornecia, as pessoas mudaram de opinião sobre ele. Afinal, como
acionista majoritário da Standard Oil, ele tinha imensa influência, e havia
concordado em quebrar o monopólio da empresa. Mal sabiam elas que, por
trás dos panos, atuava como sempre fizera: encontrando brechas nas leis,
mantendo o monopólio por meio de acordos secretos e continuando no
controle. Ele não permitiria que ninguém lhe bloqueasse o caminho, e isso
com certeza incluía o governo.
Interpretação: A ascensão do poder de John D. Rockefeller precisa ser
vista como uma das mais impressionantes da história. Num período
relativamente curto de tempo (cerca de vinte anos), ele subiu do poço da
sociedade (a família havia passado por períodos de pobreza) para se tornar o
fundador e proprietário da maior corporação dos Estados Unidos, e, pouco
depois disso, emergir como o homem mais rico do mundo. No processo,
como é comum que aconteça nesses casos, a trajetória dele acabou envolta
em todo tipo de mitos. Ele era ou um demônio ou um deus do capitalismo.
No entanto, perdida em meio a todas essas reações emocionais está a
resposta à simples questão: como um homem – com tão pouca ajuda –
acumulou tanto poder em tão pouco tempo?
Se o examinarmos com atenção, devemos concluir que não foi por meio
de uma inteligência fantástica ou algum talento especial ou visão criativa.
Ele tinha algumas dessas qualidades, mas não o bastante para explicar o seu
sucesso ultrajante. Na realidade, aquilo que podemos lhe atribuir acima de
tudo é a força de vontade pura e incansável de que dispunha para dominar
completamente todas as situações e rivais que encontrava, e para explorar
cada oportunidade que lhe cruzava o caminho. Chamaremos isso de energia
agressiva, a qual pode ter propósitos produtivos (veja mais sobre isso na
última seção deste capítulo), e algumas das realizações de Rockefeller com
certeza beneficiaram a sociedade da sua época. Contudo, como costuma
acontecer com indivíduos altamente agressivos, essa energia o levou a
monopolizar, na prática, todo o poder de uma indústria complexa, fazendo-o
eliminar todos os rivais e possíveis competidores, contornar as leis para se
beneficiar, padronizar todas as práticas de acordo com os seus desejos, e, no
fim, reprimir a inovação na área.
Vamos agora separar a história de Rockfeller das reações emocionais
costumeiras e estudá-lo de forma desapaixonada, como um tipo de
espécime, para que isso nos ajude a entender a natureza dos indivíduos
altamente agressivos e o que leva uma grande quantidade de pessoas a se
submeterem à sua vontade. Dessa forma, aprenderemos também algumas
lições valiosas a respeito da natureza humana e de como devemos começar
a reagir contra aqueles que trabalham de forma contínua para monopolizar o
poder, muitas vezes em detrimento do resto de nós.
Rockefeller cresceu em circunstâncias peculiares. O pai dele, William,
era um vigarista notório e, desde o princípio, estabeleceu um padrão bem
desagradável para a família: deixava a esposa, Eliza, e os quatro filhos
(sendo John o mais velho) por meses sem fim no casebre precário em que
moravam, no oeste de Nova York, e viajava pela região pregando as suas
diversas tramoias. Durante esse tempo, eles mal tinham dinheiro que
bastasse para sobreviver. Eliza precisava encontrar uma maneira de
economizar cada centavo. Então, o pai reaparecia com maços de dinheiro e
presentes. Ele era divertido (um grande contador de histórias), mas, às
vezes, bastante cruel e até violento. Depois partia de novo, e o padrão se
repetia. Era impossível prever quando retornaria, e os membros da família
viviam sob tensão quando ele estava lá e, igualmente, quando não estava.
Na adolescência, John teve que trabalhar para ajudar a levar alguma
estabilidade às finanças da casa e, ao avançar na carreira, não conseguia se
livrar da ansiedade que o atormentava desde a infância. Sentia uma
necessidade desesperada de deixar tudo em ordem e previsível no seu
ambiente. Imergiu a fundo nos livros de contabilidade – nada era mais
previsível do que as adições e subtrações numa página do livro-caixa. Ao
mesmo tempo, tinha grandes ambições de fazer fortuna; o pai lhe incutira
um amor quase visceral pelo dinheiro.
Desse modo, quando descobriu o que seria capaz de realizar com uma
refinaria de petróleo, viu a sua grande oportunidade. Contudo, a atração
dele pela indústria petrolífera poderia, à primeira vista, parecer bem
estranha. Aquele era o ambiente do Oeste Selvagem, totalmente anárquico;
fortunas eram feitas e perdidas numa questão de meses. Em muitos
aspectos, a indústria petrolífera era como o pai – excitante, prometendo
riquezas súbitas, mas traiçoeira e imprevisível. De forma inconsciente, John
foi atraído a ela por essas mesmas razões – ele poderia reviver os piores
medos que sentira na infância e superá-los ao estabelecer um controle
rigoroso sobre a indústria. Seria como conquistar o próprio pai. O caos o
incitaria a ir mais longe, e ele trabalharia dobrado para domar esse mundo
selvagem.
Assim, nos primeiros anos da empresa, vemos a motivação que levaria a
todas as suas ações subsequentes: a necessidade avassaladora de controle.
Quanto mais complicada e difícil fosse essa tarefa, mais incansável era a
energia que aplicava para atingir essa meta. E dessa necessidade veio uma
segunda, de quase igual importância: justificar as ações agressivas ao
mundo e para si mesmo. Rockefeller era um homem intensamente religioso.
Não conseguia viver com a ideia de que o que motivava as suas ações era o
desejo de controlar as pessoas e adquirir as vastas somas de dinheiro
necessárias para esse propósito. Isso o obrigaria a se ver sob uma luz feia e
desalmada.
Para reprimir essa ideia, construiu o que chamaremos de narrativa do
agressor. Ele tinha que se convencer de que a sua missão pelo poder servia
a algum propósito mais elevado. Havia na época uma crença, entre os
protestantes, de que ganhar muito dinheiro era sinal da graça de Deus. Com
a fortuna, o indivíduo religioso poderia doar à comunidade e ajudar a apoiar
a paróquia local. Rockefeller, porém, levou isso mais longe. Acreditava que
estabelecer a ordem na indústria petrolífera era uma missão divina, como
pôr ordem no cosmos. Estava numa cruzada para levar preços baixos e
previsibilidade aos lares norte-americanos. Transformar a Standard Oil num
monopólio se adequava com perfeição às suas profundas convicções
religiosas.
Acreditando
com
sinceridade
nessa
cruzada,
sua
consciência
permanecia tranquila enquanto manipulava e arruinava de forma impiedosa
os rivais, enquanto subornava congressistas, passava por cima das leis,
formava falsas empresas rivais à Standard Oil, incitava e empregava a
violência de uma greve (contra a Pennsylvania Railroad) que o ajudaria no
longo prazo. A crença nessa narrativa o tornava ainda mais energético e
agressivo e, para aqueles que o enfrentavam, desconcertante – talvez
houvesse algo bom no que ele estava fazendo; talvez não fosse um demônio
afinal.
Por fim, para realizar o seu sonho de controle, Rockefeller se
transformou num leitor excelente dos homens e da sua psicologia. E as
qualidades que julgava serem as mais importantes a ser avaliadas nos
diversos rivais que enfrentava eram a adaptabilidade e a força de vontade
relativa. Ele percebia isso na linguagem corporal dos indivíduos e nos
padrões das suas ações. Eles concluiu que as pessoas, em geral, eram bem
fracas, guiadas pelas emoções, que mudavam dia a dia, queriam que tudo
fosse bem fácil na vida e tendiam a tomar o caminho de menor resistência.
Não tinham estômago para batalhas prolongadas. Visavam ao dinheiro para
os prazeres e confortos que lhes geravam, para iates e mansões. Tinham a
intenção de parecer poderosas, satisfazer o próprio ego. Era só deixá-las
com medo ou confusas ou frustradas, ou lhes oferecer uma saída, e elas se
rendiam à determinação superior de Rockefeller. Caso se zangassem,
melhor ainda. A raiva se consumia rápido, e Rockefeller sempre visava ao
longo prazo.
Veja como manipulou cada um dos antagonistas em seu caminho. Com
Clark, ele lhe alimentou com cuidado a arrogância e o deixou
propositadamente irritado, a fim de que este concordasse rápido com o
leilão apenas para se livrar de Rockefeller, sem pensar muito nas
consequências.
O Coronel Payne era um homem vaidoso e ganancioso. Era só lhe dar
bastante dinheiro e um bom título, e ele ficaria satisfeito e entregaria a
Rockefeller a sua refinaria. Para os outros proprietários de refinarias,
incutiu temores sobre o futuro incerto, utilizando a SIC como um
conveniente bicho-papão. Fez que se sentissem isolados e fracos, e semeou
o pânico. Sim, as refinarias dele eram mais lucrativas, como revelavam os
livros-caixas, mas os outros proprietários não consideraram que o próprio
Rockefeller era tão vulnerável quanto eles aos altos e baixos do negócio. Se
houvessem se unido em oposição àquela campanha, poderiam tê-la
neutralizado, mas foram colocados num estado emocional demais para que
pensassem direito, e entregaram as suas refinarias com facilidade.
No caso de Scott, Rockefeller o via como um homem beligerante,
enfurecido pela ameaça da Standard Oil à sua posição proeminente nos
negócios. Rockefeller entrou com prazer na guerra contra Scott e se
preparou para ela acumulando vastas quantias de dinheiro. Simplesmente
faria os seus recursos durarem mais do que os de Scott. E quanto mais este
se enfurecesse com suas táticas não ortodoxas, mais imprudente e impulsivo
se tornava, chegando ao ponto de tentar esmagar a greve dos ferroviários, o
que só deixou a sua posição mais fraca. Quanto a Benson, Rockefeller
reconheceu o tipo – o homem apaixonado pelo próprio brilhantismo e ávido
para obter atenção como o primeiro a derrotar a Standard Oil. Colocar
obstáculos no caminho dele só fez Benson se esforçar mais, o que lhe
enfraqueceu as finanças. Seria simples comprar a empresa dele no final,
quando estivesse cansado da pressão implacável de Rockefeller.
Como medida extra, Rockefeller sempre criava estratégias que levavam
os adversários a se sentirem impacientes e pressionados a agir com rapidez.
Clark só teve um dia para se planejar para o leilão. Os proprietários de
refinarias enfrentariam a miséria iminente em poucos meses se não as
vendessem a Rockefeller. Scott e Benson tiveram que se apressar nas suas
batalhas ou lidar com o prospecto de se verem sem dinheiro. Isso os tornava
mais emocionais e menos capazes de conceber estratégias.
Entenda: Rockefeller representa um tipo de indivíduo que é bem
provável que você encontre na sua área, ao qual nós chamaremos de
agressor sofisticado, em contraste com o agressor primitivo. Os agressores
primitivos têm o temperamento muito curto. Se alguém lhes provoca
sentimentos de inferioridade ou fraqueza, eles explodem. Não têm nenhum
autocontrole, portanto tendem a não avançar muito na vida, pois é
inevitável que intimidem e magoem muitas pessoas. Os agressores
sofisticados são muito mais traiçoeiros. Ascendem a posições no topo e
conseguem permanecer lá porque sabem como disfarçar as suas manobras,
apresentar uma fachada que distrai e jogar com as emoções dos demais.
Sabem que a maioria das pessoas não aprecia confrontos ou longas batalhas,
por isso conseguem intimidar ou cansar os outros. Dependem da nossa
docilidade tanto quanto da própria agressão.
Os agressores sofisticados que você encontrar não precisam ser tão
espetacularmente bem-sucedidos como um Rockefeller. Talvez seja o seu
chefe, o seu rival ou até um colega ardiloso tentando subir na vida. Você os
reconhecerá por um único sinal: eles chegam ao seu destino primariamente
graças à sua energia agressiva, não por meio de talentos especiais.
Valorizam mais o acúmulo de poder do que a qualidade do trabalho. Fazem
o que for necessário para assegurar a posição deles e esmagar qualquer tipo
de competição e desafio. Não gostam de compartilhar o poder.
Ao lidar com esse tipo, você tenderá a sentir raiva ou medo,
aumentando a presença deles e caindo nesse jogo. Você se sentirá obcecado
com o seu caráter maligno e deixará de prestar atenção ao que eles estão
tramando de verdade. Aquilo a que muitas vezes acaba se rendendo é a
aparência ou ilusão de força que eles projetam, a reputação agressiva. A
maneira de lidar com eles é baixar a temperatura emocional. Comece
olhando para o indivíduo, não para o mito ou a lenda. Entenda-lhe a
motivação primária – ganhar controle sobre o ambiente e as pessoas em
torno. Como com Rockefeller, essa necessidade de controle cobre vastas
camadas de ansiedades e inseguranças. Você precisa ver no interior dele a
criança assustada, aterrorizada por qualquer coisa que seja imprevisível.
Dessa maneira, enxergará suas dimensões verdadeiras, diminuindo-lhe a
habilidade de intimidá-lo.
Ele quer controlar os seus pensamentos e reações. Negue-lhe esse poder
ao se concentrar nas ações e estratégias dele, não nos seus próprios
sentimentos. Analise e antecipe as verdadeiras metas que essa pessoa
possui. Ela quer lhe inculcar a ideia de que você não tem opções, que a
rendição é não apenas inevitável mas a melhor saída. Contudo, sempre há
opções. Mesmo que esse tipo seja o seu chefe e você precise se render no
presente, mantenha a sua independência interior e planeje-se para o dia em
que ele cometer um erro e estiver enfraquecido, utilizando o seu
conhecimento dos pontos vulneráveis dele para ajudar a derrubá-lo.
Olhe por trás da narrativa dele e das tentativas astutas de distrair os
outros. Esse tipo muitas vezes se apresentará como um moralista ou a
vítima da malícia de outras pessoas. Quanto mais alto ele proclamar as suas
convicções, mais certeza você pode ter de que está escondendo algo. Às
vezes se mostra encantador e carismático, mas não se deixe hipnotizar por
essas aparências. Procure pelos padrões de comportamento. Caso ele tenha
tomado algo de alguém no passado, continuará a fazê-lo no presente. Nunca
forme sociedades com esses tipos, não importa o quão amigáveis e
charmosos aparentem ser. Eles gostam de pegar carona no seu trabalho
árduo, tomando o controle a seguir. A sua melhor defesa é uma avaliação
realista da força real e das intenções agressivas deles.
Para agir contra os agressores, seja tão sofisticado e ardiloso quanto
eles. Não tente entrar em combate direto. São implacáveis e costumam ter
poder suficiente para sobrepujá-lo num confronto. Você precisa ser mais
esperto do que eles, encontrando ângulos inesperados de ataque. Ameace
expor a hipocrisia da narrativa dessas pessoas ou seus atos sujos do passado
que tentaram manter escondidos do público. Dê a impressão de que uma
batalha com você custará mais do que haviam imaginado, que você também
está disposto a jogar um pouco sujo, mas apenas em defesa própria. Pareça
relativamente fraco e exposto, incitando-os a um ataque precipitado para o
qual você está preparado. Muitas vezes a estratégia mais sábia é se unir com
outros que tenham sofrido nas mãos deles, criando força e influência por
meio dos números.
Tenha em mente que os agressores com frequência conseguem o que
querem porque você tem medo de lutar contra eles, tendo muito a perder no
presente. Entretanto, calcule, em vez disso, o que tem a perder no longo
prazo – cada vez menos opções para obter poder e expandir na sua própria
área, uma vez que eles assumam uma posição dominante; a sua própria
dignidade e senso de autoestima ao decidir não se defender. Renda-se, e a
docilidade pode se tornar um hábito com consequências devastadoras para o
seu bem-estar. Utilize a existência dos agressores como um encorajamento
para o seu próprio espírito de combate e para construir a sua própria
confiança. Defender-se dos agressores e ser mais esperto do que eles é uma
das experiências mais satisfatórias e enobrecedoras que os seres humanos
podem vivenciar.
Os homens não são criaturas gentis e amigáveis que desejam o amor, e que só se
defendem quando atacadas […]. Um desejo poderoso de agressão tem que ser
reconhecido como parte da sua […] capacidade.
— Sigmund Freud
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Gostamos de pensar em nós mesmos como membros relativamente
pacíficos e simpáticos da sociedade. Somos animais sociais até o âmago, e
precisamos nos convencer de nossa lealdade e cooperatividade em relação
às comunidades a que pertencemos. Contudo, de vez em quando, todos nós
agimos de maneiras que vão contra essa auto-opinião – talvez num
momento em que sentimos que a nossa segurança no emprego esteja
ameaçada, ou que alguém esteja bloqueando o avanço da nossa carreira. Ou
talvez ao acreditarmos que não estamos recebendo a atenção e o
reconhecimento que merecemos. Ou talvez num momento de insegurança
financeira. Ou num relacionamento íntimo em que nos sentimos
especialmente frustrados na nossa tentativa de fazer a outra pessoa mudar
de comportamento, ou quando percebemos que ela está prestes a nos
abandonar.
Por frustração, raiva, insegurança, medo ou impaciência, nós nos vemos
de repente sendo mais assertivos do que o normal. Fazemos algo um pouco
extremo para manter o nosso emprego; tentamos arrancar um colega do
nosso caminho; apelamos para algum esquema dúbio a fim de assegurar
dinheiro fácil e rápido; vamos longe demais ao tentar conseguir atenção;
somos hostis e controladores em relação ao nosso parceiro ou parceira; nos
vingamos e atacamos alguém nas redes sociais. Nesses momentos,
passamos do limite e nos tornamos agressivos. Na maioria das vezes,
quando agimos dessa forma, racionalizamos o nosso comportamento tanto
para nós mesmos quanto para os outros: não tivemos nenhuma escolha; nos
sentíamos ameaçados; fomos tratados de maneira injusta; as pessoas se
mostravam indiferentes e nos magoaram; não começamos a briga. Dessa
maneira, somos capazes de manter a nossa auto-opinião como as criaturas
pacíficas que imaginamos que somos.
Embora seja raro que notemos isso, também é possível observar um
exemplo mais sutil das nossas tendências agressivas vindo à tona. Quando
enfrentamos tipos intimidadores que são mais agressivos do que nós, nos
vemos agindo de forma mais submissa do que o habitual e, caso eles
tenham algum poder, talvez um pouco mais bajuladora. Entretanto, ao
enfrentarmos aqueles claramente mais fracos e obedientes, com frequência
o leão em nós emerge de maneira inconsciente. Talvez decidamos ajudá-los,
mas, misturado a isso, está um sentimento de desprezo e superioridade.
Somos bem agressivos ao tentar ajudá-los, lhes dando ordens, sendo
categóricos em nossos conselhos. Ou, se tivermos pouca simpatia por eles,
talvez nos sintamos compelidos a usá-los de alguma maneira para os nossos
próprios propósitos, e talvez os pressionemos. Tudo ocorre de modo
inconsciente; em geral, não entendemos isso como agressividade, mas,
mesmo assim, ao compararmos a nossa força interior com a de outros, não
podemos deixar de baixar ou erguer o nosso nível de agressão em resposta.
Notamos essa divisão – entre o que pensamos de nós e o modo como
agimos de fato em certas ocasiões – no comportamento dos nossos amigos,
colegas e daqueles no noticiário. No ambiente de trabalho, é inevitável que
certas pessoas forcem o caminho para obter mais poder. Talvez tomem
crédito pelos nossos resultados, ou roubem as nossas ideias, ou nos afastem
de um projeto, ou se aliem de maneira vigorosa com aqueles no poder.
Vemos nas redes sociais o deleite que o ser humano sente ao se sentir
indignado, ao atacar e destruir os outros. Vemos a energia com que a
imprensa expõe o menor defeito daqueles no poder, e o frenesi que se
segue. Observamos a violência desenfreada nos filmes e jogos, mascarada
como entretenimento. E, enquanto isso, ninguém admite que é agressivo.
Na realidade, mais do que nunca as pessoas parecem tão modestas e
progressistas. A divisão é profunda.
O que isso significa é o seguinte: todos entendemos que os seres
humanos têm sido capazes de muita violência e agressão, tanto no passado
como no presente. Sabemos que, no mundo lá fora, existem criminosos
sinistros, empresários gananciosos e inescrupulosos, negociantes belicosos
e agressores sexuais. No entanto, criamos uma linha divisória nítida entre
nós e esses exemplos. Temos um bloqueio poderoso que nos impede de
imaginar qualquer tipo de continuum ou espectro no que diz respeito aos
nossos próprios momentos agressivos e aqueles da variedade mais extrema
em outros. Na verdade, definimos a palavra como uma descrição das
manifestações mais fortes de agressão, excluindo-nos. É sempre o outro que
é beligerante, que começa as brigas, que é agressivo.
Esse é um conceito bem errôneo da natureza humana. A agressão é uma
tendência latente em cada indivíduo humano, é programada na nossa
espécie. Nós nos tornamos o animal proeminente neste planeta
precisamente por causa da nossa energia agressiva, suplementada pela nossa
inteligência e astúcia. Não podemos separar essa agressividade da maneira
como atacamos os problemas, alteramos o meio ambiente para tornar a
nossa vida mais fácil, lutamos contra a injustiça, ou criamos algo em larga
escala. A raiz latina da palavra agressão significa “avançar”, e estamos
explorando essa energia quando afirmamos o nosso lugar neste mundo e
tentamos criar ou mudar algo.
A agressão pode servir para propósitos positivos. Ao mesmo tempo, sob
certas circunstâncias, essa energia pode nos levar a um comportamento
antissocial, a nos apropriarmos de coisas demais ou a intimidar os outros.
Esses aspectos positivos e negativos são dois lados da mesma moeda. E
embora alguns indivíduos sejam, de modo evidente, mais agressivos do que
outros, todos somos capazes de escorregar para esse lado negativo. Há um
continuum da agressão humana, e estamos todos no espectro.
Não ter consciência da nossa verdadeira natureza nos causa muitos
problemas. Podemos nos tornar negativamente agressivos sem perceber o
que está acontecendo, e depois pagar pelas consequências de termos ido
longe demais. Ou, desconfortáveis com os nossos próprios impulsos
assertivos e sabendo dos problemas que podem incitar, talvez tentemos
reprimir a nossa agressividade e dar a impressão de sermos paradigmas da
humildade e da bondade, apenas para nos tornarmos passivo-agressivos no
nosso comportamento. Não é possível negar ou reprimir essa energia: ela
emergirá de uma forma ou de outra. Entretanto, ao tomarmos consciência
dela, conseguiremos controlá-la e canalizá-la para propósitos produtivos e
positivos. Para fazer isso, devemos entender a fonte de toda a agressão
humana, como ela se torna negativa e por que algumas pessoas são mais
agressivas do que outras.
A FONTE DA AGRESSIVIDADE HUMANA
Diferentemente de qualquer outro animal, nós, seres humanos, temos
consciência da nossa própria mortalidade e de que podemos morrer a
qualquer momento. Conscientemente ou não, esse pensamento sempre nos
assombra. Sabemos que a nossa posição na vida nunca é segura: podemos
perder o emprego, a posição social e o nosso dinheiro, muitas vezes por
motivos além do nosso controle. As pessoas em redor são imprevisíveis na
mesma medida – nunca conseguimos ler seus pensamentos, prever suas
ações ou confiar por completo no seu apoio. Somos dependentes dos outros
que, com frequência, nos deixam na mão. Temos certos desejos inatos por
amor, excitação e estímulos, e muitas vezes está além do nosso controle
satisfazê-los como gostaríamos. Além disso, temos certas inseguranças
geradas por mágoas da infância. Se alguma pessoa ou evento estimula essas
nossas inseguranças e reabre nossas feridas, nos sentimos especialmente
vulneráveis e fracos.
Isso significa que os seres humanos são constantemente atormentados
por sentimentos de impotência que têm diversas raízes. Se esses
sentimentos forem fortes o bastante, ou durarem tempo suficiente, podem se
tornar insuportáveis. Somos criaturas voluntariosas que anseiam por poder,
um desejo que não é maligno ou antissocial, mas uma resposta natural à
percepção da nossa fraqueza e vulnerabilidade fundamentais. Em essência,
o que motiva muito do nosso comportamento é ter o controle sobre as
circunstâncias, sentir a conexão entre o que fazemos e o que obtemos –
sentir que somos capazes de influenciar as pessoas e os acontecimentos até
certo ponto. Isso mitiga o nosso senso de impotência e torna a
imprevisibilidade da vida tolerável.
Satisfazemos essa necessidade ao desenvolver habilidades consistentes
de trabalho, que nos ajudem a assegurar a nossa posição profissional e nos
deem uma sensação de controle sobre o futuro. Também tentamos
desenvolver habilidades sociais que nos permitam trabalhar com os outros,
lhes conquistar o afeto e ter um grau de influência sobre eles. Quanto à
nossa necessidade de excitação e estímulo, em geral escolhemos satisfazê-la
por meio de atividades variadas – esportes, entretenimento, sedução – que a
nossa cultura fornece ou aceita.
Todas essas atividades nos ajudam a ter controle sobre o que desejamos,
mas exigem que reconheçamos certas limitações. Para obter esse poder no
trabalho e em relacionamentos, precisamos ser pacientes. Não podemos
forçar as coisas. Leva tempo para assegurar uma posição profissional,
desenvolver poderes criativos genuínos, aprender como influenciar as
pessoas e encantá-las. Também requer que obedeçamos a determinados
códigos sociais e até leis. Não é possível fazer de tudo para avançar na
carreira nem forçar os outros a fazer o que queremos. Podemos chamar
esses códigos e leis de grades de proteção, entre as quais permanecemos
com cautela a fim de conquistar o poder e, ao mesmo tempo, continuar
sendo apreciados e respeitados.
Em certos momentos, porém, temos dificuldades para aceitar essas
limitações. Não conseguimos avançar na nossa carreira ou acumular
dinheiro tão rápido quanto gostaríamos. Não conseguimos convencer
ninguém a trabalhar conosco no nível que queremos, por isso nos sentimos
frustrados. Ou talvez uma velha ferida da infância seja reaberta de repente.
Caso tenhamos a suspeita de que o nosso parceiro esteja dando fim ao
relacionamento, e a frieza dos nossos pais nos tenha deixado com um
grande medo de sermos abandonados, é bem possível que tenhamos uma
reação exagerada e tentemos controlar a outra pessoa, empregando todos os
nossos poderes de manipulação e nos tornando bem agressivos. (Os
sentimentos de amor com frequência se transformam em hostilidade e
agressão, pois é ao nos apaixonarmos que nos sentimos mais dependentes,
vulneráveis e indefesos.)
Nesses casos, a nossa sede por dinheiro, poder, amor ou atenção
sobrepuja qualquer paciência que possamos ter. Talvez sejamos então
tentados a ir além das grades de proteção, buscando o poder e o controle de
uma forma que viola códigos tácitos e até leis. No entanto, a maioria de nós,
ao passar dos limites, se sente desconfortável e talvez arrependida.
Voltamos correndo para trás das grades de proteção, para as nossas
maneiras normais de buscar poder e controle. Esses atos agressivos ocorrem
em certos momentos da vida, mas não se tornam um padrão.
Esse não é o caso, porém, dos tipos com agressividade mais crônica. A
sensação de impotência ou frustração que sentimos de vez em quando os
atormenta com mais frequência e de maneira mais profunda. Sentem
insegurança e fragilidade persistentes, e precisam disfarçar isso com uma
quantidade incomum de poder e controle. A necessidade de poder desses
tipos é imediata e forte demais para que aceitem limitações, e suprime
qualquer sentimento de culpa ou responsabilidade social.
É possível que exista um componente genético nisso. A psicanalista
Melanie Klein, que se especializou no estudo de crianças pequenas, notou
que alguns bebês eram decididamente mais ansiosos e gananciosos do que
outros. Desde os primeiros dias de vida, mamavam no seio da mãe como se
o atacassem e quisessem sugá-lo até que secasse. Precisavam de mais
mimos e atenção do que os demais. Era quase impossível lhes conter o
choro e os acessos de birra. Eles sentiam um grau de impotência que
beirava a histeria constante.
Esses bebês eram uma minoria, mas ela os notava com alguma
frequência, e especulou que os agressivos crônicos talvez sejam versões
adultas dos bebês gananciosos. Simplesmente nasceram com uma
necessidade maior de controlar tudo em redor. Remoem-se mais por causa
dos sentimentos de mágoa ou inveja: “Por que os outros deveriam ter mais
do que eu?”. Quando sentem que estão perdendo o controle de alguma
forma, a tendência deles é exagerar a ameaça, reagir de modo descomedido
e agarrar muito mais do que é necessário.
Também é verdade que a vida familiar inicial desempenha um papel
decisivo. Segundo o psicanalista e escritor Erich Fromm, se os pais forem
muito dominadores, se reprimirem a necessidade das crianças de terem
poder e independência, por vezes elas se transformarão nos tipos que
gostam de dominar e tiranizar os outros. Se apanharam quando pequenas,
com frequência recorrerão a espancamentos e abuso físico quando adultas.
Dessa maneira, transformam a passividade forçada da infância em algo
ativo quando crescem, o que lhes dá a sensação de controle de que sentiam
tanta falta durante os primeiros anos de vida, por meio do comportamento
agressivo.
Seja qual for a causa dessas tendências, esses tipos não voltam correndo
para trás das grades de proteção, mas recorrem de forma constante ao
comportamento agressivo. Eles têm uma força de vontade excepcional e
pouca paciência para satisfazer os próprios desejos por meio de canais
aceitos pela sociedade. Precisam de algo mais forte e mais imediato. Se
forem do tipo primitivo, talvez se voltem para o comportamento criminoso,
ou apenas se transformem no típico valentão; se forem mais sofisticados,
aprenderão, até certo ponto, a controlar esse comportamento e utilizá-lo
quando necessário.
Isso significa que a agressão humana resulta de uma insegurança
subjacente, e não apenas de um impulso de ferir outras pessoas ou de lhes
roubar algo. Antes de qualquer impulso de tomar uma ação agressiva, os
agressores processam de modo inconsciente sentimentos de impotência e
ansiedade. Muitas vezes percebem ameaças que na realidade não existem,
ou as exageram. Agem para prevenir o ataque do outro que percebem, ou se
apoderam de algo a fim de dominar a situação que, pelo que sentem, está
lhes escapando do controle. (Esses sentimentos também provocam o tipo
positivo de agressão. A sensação de necessidade de lutar contra uma
injustiça ou de criar algo importante é precedida por sentimentos de
ansiedade e insegurança. Continua sendo uma tentativa de obter o controle
com propósitos positivos.) Ao estudarmos qualquer agressor crônico em
redor, devemos procurar pela insegurança subjacente, a ferida profunda, os
sentimentos reverberantes de impotência dos primeiros anos de vida.
É possível notar o seguinte fenômeno interessante: dominadores
costumam ser extremamente intolerantes quanto a qualquer tipo de
dissensão. Precisam estar cercados por bajuladores e ser lembrados o tempo
todo de sua grandeza e superioridade. Caso esses tipos tenham poderes
políticos, tentarão suprimir qualquer publicidade negativa e controlar o que
as pessoas dizem a respeito deles. Precisamos ver essa hipersensibilidade às
críticas como um sinal de grande fraqueza interior. Alguém que seja de fato
forte por dentro atura as críticas e as discussões francas sem se sentir
ameaçado pessoalmente. Em geral, os agressores e tipos autoritários são
peritos em esconder essa fraqueza interna profunda, projetando de forma
constante uma imagem de valentia e convicção. Contudo, devemos nos
treinar para olhar além da fachada e lhes ver a fragilidade interior. Isso nos
ajuda muito a controlar qualquer sentimento de medo ou intimidação que os
agressores adoram estimular.
Há outras qualidades dos agressivos crônicos que precisamos entender.
Em primeiro lugar, eles têm uma tolerância menor a sentimentos de
impotência e ansiedade do que o resto de nós. O que talvez nos deixe
frustrados ou inseguros vai muitas vezes desencadear neles uma reação
muito mais poderosa, além de fúria. Esse talvez seja o motivo por que a
agressão crônica seja muito mais comum entre homens do que entre as
mulheres. Os homens têm maior dificuldade de lidar com sentimentos de
dependência e impotência, algo que psicólogos notaram em bebês do sexo
masculino, e costumam ser mais inseguros acerca do seu status no local de
trabalho e em outros ambientes. Têm uma necessidade maior de se
afirmarem de forma contínua e de medir o efeito que exercem sobre os
outros. A sua autoestima está atrelada a sentimentos de poder, controle e
respeito às suas opiniões, por isso, em geral, é necessário menos estímulo
para desencadear uma reação agressiva neles. De todo jeito, devemos
sempre ter consciência de que o agressor crônico é mais irascível do que
nós, e, caso saibamos que estamos lidando com esse tipo, devemos ter
cuidado especial para não provocar nele, sem querer, uma resposta raivosa
ao desafiar sua autoestima ou criticá-lo.
Outro aspecto comum do comportamento agressivo é que ele pode
facilmente se tornar um vício. Ao exteriorizarem os seus desejos de maneira
franca e imediata, ao levarem a melhor sobre as pessoas por meio das suas
manobras, os agressores recebem uma descarga de adrenalina que pode se
tornar viciante. Eles se sentem estimulados e excitados, e as maneiras mais
aceitáveis na sociedade de aliviar o tédio lhes parecem tépidas em
comparação. (A euforia de ganhar dinheiro fácil, como corretores vendendo
investimentos duvidosos na Wall Street ou como criminosos roubando o
que encontrarem, tem certamente uma qualidade bem viciante.) À primeira
vista, isso talvez pareça autodestrutivo, já que cada erupção agressiva gera
mais inimigos e consequências não intencionadas. Entretanto, os agressores
costumam ser hábeis em usar comportamentos cada vez mais intimidadores,
para que poucos os desafiem.
Isso costuma provocar o fenômeno da armadilha do agressor: quanto
mais poder obtêm, e quanto maior for o seu império, mais pontos de
vulnerabilidade eles criam; terão mais rivais e inimigos com os quais se
preocupar, incitando a necessidade de serem cada vez mais agressivos e
ganharem cada vez mais poder. (Não há dúvida de que Rockefeller se
tornou vítima dessa dinâmica.) Eles também passam a sentir que parar de
agir dessa maneira os faria parecer fracos. Não importa o que os agressores
nos digam ou como tentem disfarçar as suas intenções; precisamos
compreender que é inevitável que o padrão de comportamento do passado
continue no presente, pois estão tanto viciados quanto aprisionados. Não
devemos jamais ser ingênuos ao lidar com eles. Os agressores serão
implacáveis. Se recuarem, é apenas por um momento. É raro que consigam
mudar esse padrão essencial do seu comportamento.
Além disso, os agressores veem os outros ao redor como objetos a
serem utilizados. Talvez tenham alguma empatia natural, mas, como a sua
necessidade de conquistar o poder e o controle é tão forte, não conseguem
ser pacientes o bastante para confiar apenas no próprio charme e
habilidades sociais. A fim de obter o que querem, precisam usar as pessoas,
e isso se torna um hábito que degrada qualquer empatia que tenham sentido
um dia. Necessitam de seguidores e discípulos, portanto se treinam para
ouvir, elogiar de vez em quando e fazer favores. O charme que exibem em
algumas ocasiões, porém, é só para causar impacto e tem pouco calor
humano por trás. Quando nos escutam, estão avaliando a nossa força de
vontade e vendo como podemos servir aos propósitos deles mais tarde. Se
nos elogiarem ou nos prestarem algum favor, é uma maneira de nos
aprisionar e nos comprometer. É possível notar isso em sinais não verbais,
nos olhos que nos encaram sem nos ver, na pouca atenção que prestam às
nossas histórias. Devemos sempre buscar nos tornar imunes a qualquer
tentativa de charme da parte deles, sabendo a que propósito este serve.
É interessante notar que, apesar de todas as qualidades sociais negativas
que os agressores não conseguem deixar de revelar, eles costumam ser
capazes de atrair seguidores suficientes para ajudá-los na busca pelo poder,
os quais muitas vezes têm os seus próprios problemas arraigados, os seus
próprios desejos agressivos frustrados. Consideram a autoconfiança e até a
insolência do agressor bem excitante e cativante, e se apaixonam pela
narrativa. São contagiados pela agressão do líder e a aplicam em outros,
talvez naqueles em posição inferior. Contudo, esse ambiente é cansativo, e
os que servem ao agressor levam chicotadas constantes na sua autoestima.
Junto à maioria dos agressores, a rotatividade é alta e os ânimos são baixos.
Como escreveu certa vez o dramaturgo grego Sófocles: “Quem quer que
entre na corte de um tirano se torna o seu escravo, apesar de ter ido lá como
um homem livre”.
A sua tarefa como estudante da natureza humana é tripla: em primeiro
lugar, pare de negar a realidade das suas tendências agressivas. Você está no
espectro da agressividade, como todos nós. É claro que há algumas pessoas
que estão numa posição mais baixa no espectro. Talvez não tenham
confiança na habilidade delas de conseguir o que querem; ou talvez apenas
tenham menos energia. No entanto, muitos de nós estão entre o ponto médio
e superior do espectro, com níveis de vontade relativamente fortes. Essa
energia assertiva deve ser gasta de alguma maneira, e tenderá a seguir em
uma de três direções.
Na primeira, canalizamos essa energia no trabalho, em alcançar as
metas com paciência (agressão controlada); na segunda, nós a canalizamos
num comportamento agressivo ou passivo-agressivo; por fim, nós a
voltamos para dentro na forma de autoaversão, direcionando a nossa raiva e
agressão contra os nossos próprios fracassos e ativando o nosso sabotador
interno (veja mais sobre isso adiante). Você precisa analisar como lida com
a sua energia assertiva. Um modo de se examinar é ver como você enfrenta
momentos de frustração e incerteza, situações em que tem menos controle.
Você tende a descontar os seus sentimentos nos outros, e ficar mais tenso e
irritado e a fazer coisas das quais se arrepende mais tarde? Internaliza a
raiva e se sente deprimido? Examine aquelas situações inevitáveis em que
foi além das grades de proteção. Você não é tão pacífico e gentil quanto
imagina. Observe o que o levou a se comportar assim, e como, durante
esses períodos, encontrou maneiras de racionalizar o seu comportamento.
Agora, com alguma distância, você talvez seja capaz de enxergar o que
havia por trás dessas racionalizações.
A sua meta não é reprimir essa energia assertiva, mas tomar consciência
dela quando esta o impulsionar para a frente, e canalizá-la de forma
produtiva. Admita para si mesmo que deseja profundamente exercer um
efeito sobre as pessoas e ter poder; para compreender isso, desenvolva
habilidades sociais e técnicas, e se torne mais paciente e adaptativo.
Discipline e dome a sua energia assertiva natural. É isso que chamaremos
de agressão controlada, e é o que o levará a fazer grandes conquistas. (Veja
mais sobre isso na última seção deste capítulo.)
A sua segunda tarefa é tornar-se um observador excelente da agressão
nas pessoas em redor. Quando olhar para o seu ambiente de trabalho, por
exemplo, imagine que consegue visualizar a guerra contínua entre os
diferentes níveis de vontade dos colegas e todas as direções, sentidos e
interseções desses conflitos. Aqueles que são mais assertivos parecem subir
ao topo, mas é inevitável que expressem sinais de submissão aos que estão
mais acima. Não é muito diferente das hierarquias que observamos entre os
chimpanzés. Se você parar de se concentrar nas palavras dos indivíduos e
na fachada que apresentam, e se voltar, em vez disso, para as ações e os
sinais não verbais deles, conseguirá quase sentir o nível de agressividade
que emanam.
Ao observar esse fenômeno, é importante ser tolerante em relação às
pessoas: todos passamos do limite em algum ponto e nos tornamos mais
agressivos do que o habitual, em geral por causa das circunstâncias. Quando
se trata daqueles que são poderosos e bem-sucedidos, é impossível alcançar
essas alturas sem níveis mais elevados de agressão e alguma manipulação.
Para fazer grandes realizações, temos de lhes perdoar o comportamento
rude e assertivo ocasional. O que você deve determinar é se está lidando
com agressores crônicos, que não conseguem tolerar críticas ou ser
desafiados em qualquer nível, pessoas cujo desejo por controle é excessivo,
e que vão engoli-lo em meio à missão infatigável delas para obter mais.
Procure por alguns sinais característicos. Em primeiro lugar, se tiverem
um número excepcionalmente alto de inimigos acumulados com o passar
dos anos, deve haver um motivo, e não aquele que lhe contam. Preste
bastante atenção em como justificam as ações deles no mundo. Os
agressores tenderão a se apresentar como cruzados, como gênios que não
conseguem evitar a maneira como se comportam. Dizem que estão criando
grandes obras ou ajudando os necessitados. As pessoas que se metem no
caminho deles são infiéis e malignas. Alegam, como fez Rockefeller, que
ninguém jamais foi tão criticado ou investigado quanto eles; são as vítimas,
não os agressores. Quanto mais gritadas e mais extremas forem as
narrativas deles, mais você pode ter certeza de estar lidando com agressores
crônicos. Concentre-se nas ações desses tipos, nos comportamentos do
passado, bem mais do que no que disserem.
Busque também por sinais mais sutis. É comum que os agressores
crônicos tenham personalidades obsessivas. Ter hábitos meticulosos e criar
um ambiente completamente previsível é o modo como exercem controle.
A obsessão por uma coisa ou pessoa indica um desejo de engoli-la por
inteiro. Além disso, preste atenção aos sinais não verbais. Notamos que
Rockefeller não conseguia tolerar que ninguém o ultrapassasse nas ruas. O
tipo agressor demonstra essas obsessões físicas – estar sempre na frente e
no centro. Em todo caso, quanto mais cedo você identificar esses sinais,
melhor.
Uma vez que tiver percebido que está lidando com esse tipo, empregue
até a última gota de energia para se desligar mentalmente e obter o controle
da sua reação emocional. Com frequência, o que acontece ao enfrentar
agressores é, a princípio, se sentir mesmerizado e, até certo ponto,
paralisado, como se estivesse na presença de uma cobra. Então, ao
processar o que eles fizeram, torna-se emocional – furioso, indignado,
assustado. Uma vez que se esteja nesse estado, eles terão facilidade em
manter a pessoa reagindo, e não pensando. A sua raiva não leva a nada
produtivo, mas se derrete em amargura e frustração com o passar do tempo.
A sua única resposta é encontrar uma maneira de se libertar do encanto
deles, pouco a pouco. Veja o que há por trás das manobras deles, contemple
a fraqueza subjacente que os propele, devolva-os às suas dimensões
originais. Sempre se concentre nos objetivos deles, no que estão buscando
de fato, e não nas distrações que oferecem.
Se uma batalha com alguém assim for inevitável, nunca se envolva num
confronto direto nem o desafie de modo aberto. Se for do tipo sofisticado,
ele empregará toda a sua astúcia para arruiná-lo, e será impiedoso. Sempre
lute com ele de forma indireta, procurando pelas vulnerabilidades
inevitáveis que está encobrindo. Talvez seja a reputação dúbia, ou algumas
ações especialmente sujas do passado que essa pessoa conseguiu manter em
segredo. Crie buracos na narrativa dela. Ao expor o que ela quer manter
oculto, você tem uma arma poderosa para dissuadi-la de efetuar ataques
contra você. Lembre-se de que o que o agressor crônico mais teme é perder
o controle. Pense no que o poderia assustar a ponto de desencadear uma
série de acontecimentos que saiam do controle. Faça a vitória fácil com que
ele contava em relação a você se tornar, de súbito, bem mais cara.
Os agressores, em geral, têm a vantagem de estarem dispostos a ir além
das grades de proteção com mais frequência e se afastarem mais do que
você. Isso lhes dá mais opções, mais manobras sujas com as quais poderão
surpreendê-lo. Nas negociações, o atacarão com alguma mudança de último
minuto ao que haviam concordado antes, violando todas as regras, mas
sabendo que você vai ceder porque chegou até aquele ponto e não quer
fracassar. E espalharão boatos e informações falsas para turvar as águas e
fazê-lo parecer tão dúbio quanto eles. Tente prever essas manipulações e
roubar dos agressores o elemento da surpresa.
De vez em quando, você também deve se dispor a se aventurar além das
grades da proteção, sabendo que essa é uma medida temporária de defesa.
Pratique a arte do engodo e os distraia, mostrando-se mais fraco do que é,
induzindo-os a um ataque que fará que sejam malvistos e para o qual você
preparou um contra-ataque ardiloso. Você pode até espalhar boatos que
tenderão a lhes desequilibrar a mente, já que não estão acostumados a ter
outros jogando com os mesmos truques. De qualquer maneira, com os
riscos sendo elevados, faça o cálculo de que derrotar os agressores é mais
importante do que manter a sua pureza.
Por fim, a sua terceira tarefa é se livrar da negação das tendências
agressivas na natureza humana em si pois elas são bem reais, e do que essa
agressão significa para o futuro da espécie. Essa negação tende a tomar a
forma de um de dois mitos nos quais é provável que você acredite. O
primeiro é que, muito tempo atrás, os seres humanos eram criaturas que
amavam a paz, em harmonia com a natureza e com outros humanos. É o
mito do nobre selvagem, do caçador-coletor inocente, cuja implicação é que
a civilização, junto com o desenvolvimento da propriedade privada e do
capitalismo, transformou os humanos pacíficos em criaturas agressivas e
egoístas; a nossa forma de sociedade é culpada por isso. Ao
desenvolvermos uma política e sistema social mais igualitários, poderíamos
reverter à nossa bondade natural e natureza pacífica.
Porém,
descobertas
recentes
em
antropologia
e
arqueologia
comprovaram, para além de qualquer sombra de dúvida, que os nossos
ancestrais (voltando dezenas de milhares de anos, muito antes da
civilização) se envolviam em guerras que eram tão sanguinárias e brutais
quanto qualquer uma no presente. Dificilmente eram pacíficos. Há também
numerosos exemplos de culturas indígenas destruindo muito da flora e da
fauna do seu ambiente, numa missão sem fim para encontrar fontes de
comida e abrigo, levando várias espécies à extinção e despojando regiões
inteiras de árvores. (Veja mais sobre isso em A guerra antes da civilização,
de Lawrence H. Keeley, e O terceiro chimpanzé, de Jared Diamond.) O
grande poder de cooperação dos seres humanos era usado nessas culturas
com a mesma frequência para ajudar a travar os conflitos mais sangrentos.
O outro mito, mais prevalente na atualidade, é que talvez tenhamos sido
violentos e agressivos no passado, mas que estamos no momento evoluindo
para além disso, nos tornando mais tolerantes, iluminados e guiados pelo
nosso lado bom. Contudo, os sinais da agressão humana são tão prevalentes
na nossa era como no passado. Podemos oferecer como evidência os
infindáveis ciclos de guerra, os atos de genocídio e a hostilidade crescente
entre os Estados e entre as etnias dentro dos Estados, que continuam a
existir ainda neste século. Os poderes imensos da tecnologia só aumentaram
os nossos poderes destrutivos, no que diz respeito à guerra. E a nossa
depredação do ambiente apenas piorou de maneira substancial, a despeito
de estarmos conscientes do problema.
Também observamos atualmente os níveis crescentes de desigualdade
no poder e na riqueza em todo o mundo, que se aproximam das disparidades
existentes séculos atrás, as quais continuam a se reproduzir na sociedade
humana, porque é inevitável que existam indivíduos simplesmente mais
agressivos do que outros no que diz respeito a acumular poder e riqueza.
Nenhuma regra ou lei parece conter isso. Os poderosos ditam as regras para
se beneficiarem. E as tendências monopolizadoras do século 19, como
exemplificadas pela Standard Oil – sinais da agressão corporativista –,
apenas se remodelaram para se adaptar às indústrias mais novas.
No passado, as pessoas assistiam a execuções como uma forma de
entretenimento. Não vamos mais tão longe, mas cada vez mais indivíduos
gostam de ver outros sendo humilhados em reality shows ou no noticiário, e
de se deleitar com jogos e filmes repletos de representações explícitas de
assassinatos e carnificina. (Também notamos que o nosso senso de humor
vem se tornando cada vez mais agressivo.)
Com a tecnologia, tornou-se mais fácil expressar e satisfazer os nossos
desejos agressivos. Sem ter que encarar os outros fisicamente, na internet as
nossas discussões e críticas passam a ser muito mais hostis, acaloradas e
pessoais. A internet também criou uma arma nova e poderosa – a guerra
cibernética. Os criminosos, como sempre fizeram, apenas se apropriaram da
tecnologia para se tornarem mais criativos e elusivos.
A agressão humana simplesmente se adapta às mais novas mídias e
inovações tecnológicas, encontrando maneiras de se expressar e desabafar
por meio delas. Qualquer que seja a nova invenção em comunicações daqui
a cem anos, é provável que sofra o mesmo destino. Como Gustave Flaubert
escreveu: “Diga o que quiser do progresso. Até quando você tira os caninos
de um tigre, e ele só consegue comer mingau, o seu coração continua sendo
o de um carnívoro”.
A agressão humana em indivíduos e em grupos tende a emergir ou se
acalorar quando nos sentimos indefesos e vulneráveis, e quando aumenta a
impaciência para se obter o controle e exercer um impacto. E, à medida que
uma quantidade cada vez maior de pessoas e grupos se sente dessa maneira,
podemos esperar mais desse fenômeno no futuro, não menos. As guerras se
tornarão mais sujas. Com o aumento das inseguranças, haverá mais
confrontos entre grupos políticos, culturas, gerações, homens e mulheres. E
as pessoas terão maneiras ainda melhores e mais sofisticadas de justificar a
agressão para si mesmas e para o mundo.
A negação está mais forte do que nunca – é sempre a outra pessoa, o
outro lado, a outra cultura que é mais agressiva e destrutiva. Precisamos
admitir finalmente o fato de que não é o outro, mas nós mesmos, todos nós,
não importa a época ou a cultura. Devemos aceitar esse fato da nossa
natureza antes mesmo de considerar a hipótese de superá-la. É somente por
meio da nossa consciência que conseguiremos começar a pensar no
progresso.
A PASSIVO-AGRESSIVIDADE – AS SUAS ESTRATÉGIAS E COMO COMBATÊ-LAS
A maioria de nós tem medo do confronto direto; queremos dar a
impressão de sermos razoavelmente polidos e sociáveis. Entretanto, é
muitas vezes impossível conseguir o nosso intento sem nos afirmarmos de
alguma maneira. As pessoas são teimosas e resistem à nossa influência, não
importa o quão simpáticos sejamos. E às vezes precisamos descarregar toda
essa tensão resultante de termos que ser tão respeitosos e corretos. Desse
modo, é inevitável que todos nós demonstremos um comportamento no qual
nos afirmamos, de maneira indireta, lutando por controle ou influência tão
sutilmente quanto possível. Talvez levemos um pouco mais de tempo para
responder às mensagens dos outros, a fim de sinalizar um tantinho de
desdém por eles; ou pareçamos elogiar as pessoas incluindo, porém, uma
crítica súbita que as provoque e lhes instile dúvidas. Às vezes, fazemos um
comentário que poderia ser considerado neutro, mas o nosso tom de voz e
expressão no rosto sugere que estamos aborrecidos, incitando alguma culpa.
Chamemos isso de passivo-agressividade, no sentido de que damos a
impressão de que estamos apenas sendo nós mesmos, e sem de fato
manipular ou tentar influenciar os demais. Mesmo assim, é enviada uma
mensagem que cria o efeito que desejamos. No entanto, nesses casos, nunca
somos tão passivos quanto parecemos. Num canto da mente, estamos
cientes de levar um tempo a mais para responder a alguém ou incluir uma
crítica num comentário, mas, ao mesmo tempo, também fingimos para nós
mesmos e para os outros que somos inocentes. (Os seres humanos são
capazes de manter esses pensamentos conflitantes andando lado a lado.) Em
geral, devemos considerar essa versão cotidiana de passivo-agressividade
como uma parte meramente irritante da vida social, algo de que todos
somos culpados. Deveríamos todos demonstrar o máximo de tolerância
possível quanto a essa passivo-agressividade de baixo grau que prospera na
sociedade civilizada.
Alguns, porém, são passivo-agressivos crônicos. Como os agressores
mais ativos, costumam apresentar um alto grau de energia e a necessidade
de ter o controle, mas também um medo do confronto direto. Muitos
tiveram pais dominantes ou negligentes; a agressão passiva se torna a
maneira deles de chamar atenção ou afirmar a própria vontade, e evitar
punições. Esse comportamento se torna um padrão quando adultos,
repetindo com frequência os mesmos tipos de estratégia que funcionaram na
infância. (Se observarmos bem o passivo-agressivo, veremos muitas vezes a
criança manipuladora transparecendo através da máscara adulta.)
Esses tipos crônicos operam num relacionamento pessoal ou de
trabalho, em que as suas estratégias passivo-agressivas afetam, gota a gota,
o outro indivíduo com o passar do tempo. São mestres do comportamento
ambíguo e elusivo – nunca temos certeza de que estejam nos atacando;
talvez seja só a nossa imaginação e estejamos paranoicos. Se fossem
agressivos de modo direto, nos zangaríamos e resistiríamos a eles, mas, ao
serem indiretos, semeiam a confusão e a exploram para obter o poder e o
controle. Se forem muito bons nisso e fisgarem as nossas emoções, terão
como tornar a nossa vida miserável.
Tenha em mente que os tipos de fato agressivos costumam ser bem
passivo-agressivos em certas ocasiões, como Rockefeller decerto era. A
passivo-agressividade é apenas uma arma adicional que utilizam para tentar
obter o controle. Em todo caso, a chave para nos defendermos contra os
passivo-agressivos é reconhecer o que estão tramando o mais cedo possível.
A seguir estão as estratégias mais comuns empregadas por esses
agressores, e algumas maneiras de neutralizá-las.
A estratégia da superioridade sutil. Um amigo, colega ou funcionário
chega atrasado todos os dias, mas tem sempre uma desculpa pronta que é
lógica, junto com uma desculpa que soa sincera. Ou, de forma análoga,
esses indivíduos se esquecem de reuniões, encontros importantes e prazos,
com justificativas impecáveis em mãos. Se esse comportamento se repetir
com muita frequência, você vai ficar mais irritado, mas, se os confrontar,
eles talvez tentem reverter a situação, pintando-o como impaciente e
insensível. Não é culpa deles, dizem – eles têm coisas demais em mente,
estão sendo pressionados por outros, são artistas temperamentais que não
têm como dar conta de tantos detalhes irritantes, estão sobrecarregados.
Talvez até o acusem de lhes aumentar a tensão.
Você precisa entender que, na raiz disso, está a necessidade de deixar
claro para você e para eles mesmos que são superiores de alguma forma.
Caso dissessem de forma explícita que se sentem superiores a você,
incorreriam em zombarias e humilhação. Eles querem que você sinta isso
de maneiras sutis, e, ao mesmo tempo, pretendem ser capazes de negar o
que estão fazendo. Colocar outra pessoa numa posição inferior é uma forma
de controle na qual são eles que definem o relacionamento. Preste atenção
ao padrão mais do que às desculpas, mas note também os sinais não verbais
quando se desculpam. O tom de voz é lamuriante, como se pensassem que o
problema é seu. As desculpas são exageradas para disfarçar a falta de
sinceridade; no fim, essas justificativas comunicam mais sobre os
problemas que enfrentam na vida do que a respeito dos fatos relativos ao
esquecimento deles. Não estão arrependidos.
Se esse for um comportamento crônico, você não deve se zangar ou
demonstrar a sua irritação – os passivo-agressivos se deliciam quando
conseguem provocá-lo. Em vez disso, permaneça calmo e espelhe de forma
sutil o comportamento deles, chamando atenção ao que estão fazendo e
induzindo alguma vergonha se for possível. Marque encontros ou
compromissos e os deixe na mão, ou chegue terrivelmente tarde com a mais
sincera das desculpas, tingida por um toque de ironia. Deixe-os se
remoendo sobre o que isso significa.
Quando o renomado psicoterapeuta Milton Erickson, ainda no início da
carreira, era professor de Medicina numa universidade, ele teve de lidar
com uma aluna bastante inteligente chamada Anne, que sempre chegava
tarde às aulas, depois se desculpava profusamente e com muita sinceridade.
Ela tirava a nota máxima em todas as provas. Sempre prometia chegar na
hora para a aula seguinte, mas nunca o fazia. Isso trazia problemas para os
colegas; com frequência, ela atrasava as palestras ou o trabalho de
laboratório. E, no primeiro dia de um dos cursos de Erickson, recorreu aos
seus velhos truques, mas o professor estava preparado. Quando chegou
atrasada, ele pediu que a classe inteira se levantasse e se curvasse para ela
numa reverência zombeteira; ele fez o mesmo. Mesmo depois da aula, à
medida que a garota caminhava pelo corredor, os alunos continuaram com
as reverências. A mensagem era clara – “Você não nos engana” – e,
embaraçada e envergonhada, ela parou de chegar atrasada.
Se estiver lidando com um chefe ou alguém numa posição de poder que
o force a esperar, a asserção de superioridade deles não será tão sutil. O
melhor que você pode fazer é se manter o mais calmo possível,
demonstrando a sua própria forma de superioridade ao ser paciente e
imperturbável.
A estratégia da simpatia. De algum modo, a pessoa com que você está
lidando é sempre a vítima – de uma hostilidade irracional, de circunstâncias
injustas, da sociedade em geral. Perceba que esses tipos parecem saborear o
drama das próprias histórias. Ninguém sofre mais do que eles. Se prestar
bastante atenção, conseguirá detectar uma expressão leve de tédio quando
escutam os problemas dos outros; não estão interessados. Como exageram a
suposta impotência deles, é natural que você sinta empatia, e, uma vez que
tenham provocado isso, passarão a pedir favores, cuidados a mais e atenção.
Esse é o controle que buscam. São hipersensíveis a qualquer sinal de dúvida
no seu rosto, e não querem ouvir conselhos nem sugestões de que possam
ter alguma culpa. Podem explodir e classificá-lo como um daqueles que os
atormentam.
O que talvez torne isso difícil de notar é que muitas vezes eles estão de
fato passando por alguma adversidade incomum e sofrimento pessoal, pois
são peritos em atrair o sofrimento. Escolhem parceiros que os desapontam;
têm uma atitude ruim no trabalho, que convida críticas; são negligentes
quanto a detalhes, o que faz tudo ao redor deles degringolar. Não é o destino
malévolo a que se deve culpar, mas algo dentro desses tipos que gosta e se
alimenta do drama. As pessoas que são vítimas legítimas não conseguem
deixar de sentir vergonha e embaraço pelo que lhes acontece, como parte de
uma antiquíssima superstição humana de que a má sorte de alguém é sinal
de que há algo errado com esse indivíduo. Essas verdadeiras vítimas não
gostam de contar as suas histórias. Elas o fazem com relutância. Os passivoagressivos, por outro lado, morrem de vontade de compartilhar o que lhes
aconteceu e se deleitar com a sua atenção.
Como parte disso, os passivo-agressivos demonstram diversos sintomas
e doenças – ataques de ansiedade, depressão, dores de cabeça – que fazem o
seu sofrimento parecer bem real. Desde a infância, todos somos capazes de
invocar esses sintomas para obter atenção e simpatia. Conseguimos adoecer
pelo excesso de preocupação; chegamos à depressão com a intensidade dos
nossos pensamentos. Você deve procurar pelo seguinte padrão: os sintomas
parecem retornar aos passivo-agressivos quando precisam de algo (como
um favor), quando veem que você está se afastando, quando se sentem
especialmente inseguros. De todo jeito, eles tendem a absorver o seu tempo
e espaço mental, contagiando-o com as necessidades e energia negativa
deles, e é muito difícil se desconectar.
Esses tipos muitas vezes se aproveitam daqueles com uma
predisposição a se sentirem culpados – os tipos sensíveis e prestativos. Para
lidar com a manipulação envolvida aqui, você precisa de alguma distância,
o que não é fácil. A única maneira de fazer isso é sentir alguma raiva e
ressentimento pelo tempo e energia que está desperdiçando ao tentar ajudálos, recebendo tão pouco em troca. É inevitável que o relacionamento penda
em favor deles no que diz respeito à atenção. Esse é o poder deles. Criar
alguma distância interna lhe permitirá ver melhor por trás da fachada que
apresentam e, após algum tempo, abandonar a relação tóxica. Não se sinta
mal por causa disso. Você se surpreenderá com a velocidade com que eles
encontrarão um novo alvo.
A estratégia da dependência. Você ganha a amizade repentina de uma
pessoa que é excepcionalmente atenciosa e preocupada com o seu bemestar. Ela o quer ajudar no seu trabalho ou em outras tarefas; quer ouvir as
suas histórias de sofrimentos e adversidades. É tão revigorante e incomum
receber tanta atenção. Você se vê tornando-se um pouco dependente do que
ela lhe dá. Contudo, de vez em quando, detecta alguma frieza da parte dela,
e se esforça para entender o que você poderia ter dito ou feito que levasse a
isso. Na realidade, não tem bem certeza se ela está aborrecida com você,
mas se flagra tentando agradá-la mesmo assim e, aos poucos, sem que se dê
conta, a dinâmica se reverteu, e as demonstrações de simpatia e
preocupação passaram dela para você.
Às vezes, uma dinâmica similar se desenrola entre pais e filhos. Uma
mãe, por exemplo, cobre a filha de amor e afeto, mantendo a menina presa a
ela. Se a filha tentar exercitar a sua independência em algum momento, a
mãe responde como se isso fosse um ato agressivo e desamoroso. Para não
se sentir culpada, a garota para de se afirmar e se esforça mais na tentativa
de merecer mais do afeto do qual se tornou dependente. O relacionamento
se inverteu. Mais tarde, a mãe exerce o controle sobre outros aspectos da
vida dela, inclusive dinheiro, carreira e parceiros íntimos. Essa dinâmica
também ocorre entre casais.
Uma variação dessa estratégia vem de pessoas que adoram fazer
promessas (de auxílio, de dinheiro, de emprego), mas não chegam a cumprilas. De algum modo, esquecem o que prometeram, ou dão apenas parte do
que foi assegurado, sempre com uma desculpa razoável. Se você se queixar,
elas o acusarão de ser ganancioso ou insensível. Você tem que ir atrás delas
para compensar a sua rudeza ou implorar para conseguir parte do que
prometeram.
De todo jeito, essa estratégia trata de obter o poder sobre outro
indivíduo. Aquele que passa a se sentir dependente retorna à posição de
criança carente e vulnerável, querendo mais. É difícil imaginar alguém tão
atencioso empregando isso como uma tática, o que duplica a dificuldade de
percebê-la. Você deve ter muita cautela em relação aos indivíduos muito
solícitos bem no início de uma relação. Não é natural, pois costumamos
desconfiar um pouco das pessoas no princípio de qualquer relacionamento.
Eles talvez estejam tentando torná-lo dependente de alguma maneira, por
isso mantenha alguma distância antes de poder lhes avaliar de verdade os
motivos. Se começarem a demonstrar frieza e você se sentir confuso sobre o
que fez, pode ter quase certeza de que estão utilizando essa estratégia. Se
reagirem com raiva ou consternação quando você tentar estabelecer alguma
distância ou independência, verá com clareza esse jogo de poder emergir.
Abandonar qualquer relacionamento desse tipo deve ser uma prioridade.
De maneira geral, tenha cautela quanto às promessas das pessoas e
nunca confie inteiramente nelas. Com aquelas que não as cumprem, é bem
provável que esse seja o padrão, e é melhor não ter nada a ver com esse
tipo.
A estratégia de insinuar dúvidas. No decorrer de uma conversa,
alguém que você conhece, talvez um amigo, deixa escapar um comentário
que o faz duvidar de si mesmo e se perguntar se ele o estava insultando de
algum modo. Talvez ele o elogie pelo seu trabalho mais recente, e
acrescente, com um leve sorriso, que imagina que você receberá muita
atenção por causa disso, ou muito dinheiro, numa sugestão de que essa foi,
de alguma maneira, a sua motivação dúbia. Ou dá a impressão de criticá-lo
com um elogio fraco: “Você até que se saiu bem para alguém com o seu
histórico”. Robespierre, um dos líderes do Terror da Revolução Francesa,
era mestre absoluto dessa estratégia. Ele passou a ver Georges Danton, seu
amigo e outro líder, como tendo se tornado um inimigo da revolução, mas
não queria dizer isso de forma explícita. Sua intenção era insinuar a ideia
para outros e amedrontá-lo. Em certa ocasião, numa assembleia,
Robespierre se levantou para apoiar o amigo, que havia sido acusado de
utilizar o seu poder no governo para enriquecer. Ao defendê-lo, repetiu
cuidadosamente e em grande detalhe todas as diversas acusações feitas
contra ele, e concluiu: “Eu talvez esteja errado sobre Danton, mas, como
um homem de família, ele só merece elogios”. Numa variação disso, as
pessoas dizem algo bem rude sobre você e, caso se mostre aborrecido, dirão
que estavam brincando: “Não aguenta uma piada?”. Elas interpretam frases
que você tenha dito numa luz levemente negativa e, se as corrigir,
responderão com inocência: “Mas eu só estou repetindo o que você disse!”.
Elas utilizam esses comentários insinuantes pelas suas costas também, para
semear dúvidas na mente de outros a seu respeito. Também serão as
primeiras a lhe contar qualquer má notícia, ou avaliações ruins, ou crítica de
outros, sempre se expressando com simpatia, mas, no fundo, se deliciando
com a sua dor.
O objetivo dessa estratégia é fazê-lo se sentir mal de uma forma que o
atinja e que o deixe pensando na insinuação por vários dias. Esses
indivíduos querem golpear a sua autoestima. Na maior parte das vezes, são
motivados pela inveja. O melhor contra-ataque é demonstrar que as
insinuações não têm nenhum efeito sobre você. Mantenha a calma.
“Concorde” com o elogio fraco e, quem sabe, retribua-o na mesma medida.
Eles querem provocá-lo, e você não deve lhes dar esse prazer. Sugerir que
compreende os truques deles talvez os infecte com as suas próprias dúvidas,
uma lição que vale a pena dar.
A estratégia de transferir a culpa. Com certas pessoas, você se sente
irritado e aborrecido por algo que fizeram. Talvez acredite que elas o
usaram, ou foram insensíveis ou ignoraram os seus pedidos para que
parassem com um comportamento desagradável. Mesmo antes de expressar
o seu desagrado, elas parecem ter notado o seu ânimo, e você detecta um
pouco de birra da parte delas. E, quando as confronta, elas se calam,
exibindo um olhar magoado ou desapontado. Não é o silêncio de alguém
com remorsos. Elas talvez respondam com um: “Está certo. Deixa para lá.
Se é assim que você se sente”. Quaisquer pedidos de desculpas da parte
delas são feitos de uma maneira que transmite, de forma sutil (por meio do
tom de voz ou de expressões faciais), alguma descrença de que tenham feito
algo errado.
Se forem bastante espertas, elas poderão, em resposta, mencionar algo
que você tenha dito ou feito no passado, mas que esqueceu, porém que
ainda as aborrece, mostrando que você não é tão inocente. Não soa como
algo que tenha dito ou feito, contudo você não tem bem certeza. Talvez,
para se defender, elas digam palavras que o provoquem e, quando você se
zangar, agora o poderão acusar de ser hostil, agressivo e injusto.
Seja qual for o tipo de resposta que oferecerem, você acaba tendo a
sensação de que talvez estivesse enganado o tempo todo. Talvez tenha
reagido com exagero, ou esteja paranoico. Ou até duvide um pouco da sua
sanidade – sabe que se sentiu irritado, mas talvez não possa confiar nos seus
próprios sentimentos. Agora é você que se sente culpado, como se fosse o
responsável pela tensão. E diz a si mesmo que é melhor se reavaliar e não
repetir essa experiência desagradável. Como um acréscimo a essa
estratégia, os passivo-agressivos são muitas vezes simpáticos e polidos para
com outras pessoas, usando esses truques apenas contra você, já que é você
que querem controlar. Se tentar contar aos demais sobre a sua confusão e
raiva, não receberá nenhuma simpatia, e a transferência da culpa terá o seu
efeito duplicado.
Essa estratégia é uma maneira de disfarçar todos os tipos de
comportamento desagradável, de se desviar de qualquer crítica e deixar os
indivíduos com medo de censurar o que estão fazendo. Dessa forma, os
passivo-agressivos conseguem obter o poder sobre as suas emoções e
manipulá-las como bem entenderem, fazendo o que quiserem com
impunidade. Eles estão explorando o fato de que muitos de nós, desde a
primeira infância, somos propensos a nos sentirmos culpados pelo menor
ímpeto. Essa estratégia é utilizada de maneira mais óbvia em
relacionamentos pessoais, mas você a encontrará em formas mais difusas no
ambiente de trabalho. O ser humano emprega a sua hipersensibilidade a
qualquer crítica, e o drama subsequente que incitar, para dissuadir os outros
de tentar confrontá-lo.
Para combater essa estratégia, você precisa ser capaz de perceber a
transferência de culpa e não se deixar afetar por ela. O seu objetivo não é
enfurecê-los, por isso não seja apanhado na armadilha da troca de
recriminações. Esses tipos são melhores nesse jogo dramático do que você,
e se deliciam com o poder de irritá-lo. Permaneça calmo e até justo,
aceitando parte da culpa pelo problema, se isso parecer certo. Compreenda
que é bem difícil fazê-los refletir sobre o próprio comportamento e alterálo; são sensíveis demais para tanto.
O que você precisa é ter o distanciamento necessário para vê-los como
são e se desconectar. Para ajudá-lo, aprenda a confiar nos seus sentimentos
passados. Nos momentos que esses tipos o irritarem, anote o que estão
fazendo e lhes memorize o comportamento. Talvez assim você compreenda
que está de fato tendo uma reação exagerada. No entanto, caso contrário,
poderá retornar a essas anotações para se convencer de que não está louco e
para interromper o mecanismo de transferência de culpa. Se não permitir
que a transferência ocorra, eles talvez se sintam desencorajados a utilizar
essa estratégia. Se isso não acontecer, é melhor diminuir o seu
envolvimento com o passivo-agressivo.
A estratégia da tirania passiva. A pessoa para quem você trabalha
parece fervilhar com energia, ideias e carisma. É um pouco desorganizada,
mas isso é normal – ela tem tanto a fazer, tantas responsabilidades e tantos
planos, que não consegue supervisionar tudo. Ela precisa de ajuda, e você
dá tudo de si para fornecê-la. Escuta as instruções dela com atenção
redobrada e tenta executá-las. De vez em quando, o elogia, e isso o mantém
trabalhando, mas às vezes grita com você por tê-la decepcionado, e isso lhe
fica gravado na mente mais do que os elogios.
Você nunca se sente confortável ou toma a sua posição como garantida.
Tem que se esforçar mais para evitar esses desabafos temperamentais.
Aquele para quem você trabalha é perfeccionista, com padrões tão elevados,
e você não está à altura dele. Você tenta pensar em modos de prever as
necessidades dele, e vive com o terror de desagradá-lo. Se lhe desse ordens
específicas, você simplesmente faria o que lhe pedisse. Contudo, ao ser um
pouco passivo e volúvel, ele o força a trabalhar dobrado para agradá-lo.
Essa estratégia costuma ser empregada, em geral contra os subalternos,
por aqueles que estão no poder, mas é aplicável por pessoas em
relacionamentos, com um parceiro tiranizando o outro ao se provar
simplesmente impossível de agradar. A manobra se baseia na seguinte
lógica: se os indivíduos souberem o que você quer e como conseguir isso,
eles terão algum poder sobre você. Se seguirem as suas instruções e fizerem
o que manda, você não tem como criticá-los. Se forem consistentes, você
talvez até se torne dependente do trabalho deles, e eles ameaçarão
abandoná-lo a fim de arrancar concessões de você. Entretanto, se não
tiverem nenhuma ideia do que funciona de fato, se não conseguirem
discernir com exatidão que tipo de comportamento atrai elogios e qual atrai
punições, eles não têm nenhum poder, nenhuma independência, e podem ser
convencidos a fazer de tudo. Como com um cão, um tapinha ocasional no
ombro lhes aprofundará a submissão. Era assim que Michael Eisner exercia
o controle ditatorial sobre todos em redor, inclusive Jeffrey Katzenberg
(veja mais sobre isso no Capítulo 11).
Se abandonarmos esses tiranos, estes não se incomodarão. Isso
demonstra que o indivíduo retém alguma independência, e encontrará um
substituo que seja mais submisso, pelo menos por enquanto. Talvez ele
intensifique também o seu comportamento difícil, a fim de testar certas
pessoas e fazê-las ir embora ou se submeterem. Esses tiranos podem tentar
agir como crianças indefesas. Apresentam-se como gênios ou artistas
temperamentais, e a necessidade urgente que eles demonstram, de que você
faça mais por eles, parece expressar a vulnerabilidade que possuem. Esse
tipo de pessoa emprega essa fraqueza simulada para justificar a natureza
mesquinha da sua tirania.
É muito difícil criar estratégias contra esses tipos, pois, na maioria das
vezes, eles são seus superiores e exercem um poder real sobre você.
Tendem a ser hipersensíveis e propensos a se enfurecerem, o que torna
qualquer forma de resistência ou desconexão interior difícil de manter. A
rebelião franca só vai piorar a situação. Em primeiro lugar, compreenda que
essa estratégia é mais consciente do que parece. Eles não são fracos e
indefesos, mas tiranos ardilosos. Em vez de se ater a qualquer coisa positiva
que digam ou façam, pense apenas nas manipulações e rudeza. A sua
habilidade de se desligar deles num nível emocional vai neutralizar a
presença obsessiva que tentam incutir. Contudo, no fim, nada vai funcionar
de verdade, pois, se eles detectarem o seu distanciamento por meio da
hipersensibilidade, o comportamento deles só vai se agravar. A única
solução real é se demitir e se recuperar. Nenhuma posição vale esse tipo de
abuso, pois você poderia levar anos para se recobrar dos danos à sua
autoestima.
A AGRESSÃO CONTROLADA
Nascemos com uma energia poderosa que é distintamente humana. Nós
a chamamos de força de vontade, assertividade ou até de agressividade, mas
ela se mescla à nossa inteligência e esperteza e nos foi revelada em seu
estado mais puro na infância. Essa energia nos torna ousados e aventureiros
não apenas em termos físicos, mas também mentais, nos levando a explorar
ideias e absorver o conhecimento. Ela nos fez procurar por amigos com
quem exploraríamos juntos. Também nos tornou incansáveis quanto a
buscar soluções para problemas ou conseguir o que queremos. (As crianças
costumam ser ousadas naquilo que pedem.) E nos abriu para o mundo e
para novas experiências. Se nos sentimos frustrados e impotentes por
longos períodos de tempo, essa mesma energia nos torna excepcionalmente
combativos.
Ao crescermos e nos depararmos cada vez mais com frustrações, com a
resistência dos outros e com sentimentos de impaciência para obter poder,
alguns de nós talvez se tornem agressivos crônicos. No entanto, outro
fenômeno é ainda mais comum: nós nos sentimos desconfortáveis e até
assustados com essa energia assertiva interior, e com o nosso próprio
potencial para o comportamento agressivo. Ser assertivo e aventureiro
poderia levar a alguma ação que fracassasse, o que nos deixaria expostos e
vulneráveis. Se expressarmos muito dessa energia, as pessoas talvez não
gostem de nós. Poderíamos incitar conflitos. Talvez os nossos pais tenham
também nos instilado alguma vergonha pelas nossas explosões agressivas.
De todo jeito, passamos a ver a parte agressiva da identidade como
perigosa. Contudo, já que essa energia não desaparece, ela se volta para
dentro, e criamos o que o grande psicanalista inglês Ronald Fairbairn
chamou de o sabotador interno.
O sabotador atua como um perseguidor interior, nos julgando e atacando
de forma contínua. Se estivermos prestes a tentar algo, ele nos lembra do
potencial para o fracasso. Tenta abafar qualquer exuberância, porque isso
abriria a porta para que outros nos criticassem. Ele nos deixa
desconfortáveis em relação a sensações fortes de prazer ou à expressão de
emoções profundas, e nos impele a reprimir as nossas ambições, a fim de
nos encaixarmos melhor no grupo e não nos destacarmos. Quer que
recuemos para dentro, onde podemos nos proteger, mesmo que isso cause
depressão, e nos leva a forjar uma identidade falsa para apresentar ao
mundo, uma que seja humilde e modesta. No fim, o sabotador interno atua
para diminuir a nossa energia e restringir o que fazemos, tornando o nosso
mundo mais manejável e previsível, mas também bem morto. É o mesmo
objetivo do agressor – obter o controle sobre a incerteza –, mas pelo método
oposto.
O sabotador interno também exerce um efeito amortecedor sobre os
nossos poderes mentais. Ele nos desencoraja de sermos ousados e
aventureiros no nosso raciocínio. Limitamos as nossas ideias e nos
contentamos com as opiniões convencionais do grupo, porque é mais
seguro. As pessoas criativas demonstram uma grande agressividade no seu
pensamento, tentando muitas opções e buscando soluções possíveis. Ao
tentar nos livrarmos de qualquer tipo de impulso agressivo, na verdade
frustramos as nossas próprias energias criativas.
Entenda: o problema nunca foi os seres humanos serem assertivos e
agressivos. Isso seria tornar a nossa própria natureza um problema. Os
aspectos positivos e negativos dessa energia são apenas dois lados da
mesma moeda. Tentar abafar o aspecto negativo, nos entregando ao
sabotador interno, só entorpece o aspecto positivo. O obstáculo real é que
não sabemos como canalizar essa energia de uma forma adulta, produtiva e
pró-social, a qual precisar ser aceita como totalmente humana e
potencialmente positiva. O que devemos fazer é domá-la e treiná-la para os
nossos próprios propósitos. Em vez de sermos agressivos crônicos, passivoagressivos ou reprimidos, tornaremos essa energia focada e racional. Como
todas as formas de energia, quando concentrada e sustentada, ela tem muito
mais força. Ao seguir esse caminho, vamos recobrar parte daquele espírito
puro que tínhamos quando crianças, nos sentindo mais ousados, integrados
e autênticos.
A seguir estão quatro elementos potencialmente positivos dessa energia
que podemos disciplinar e empregar, aprimorando o que a evolução nos
conferiu.
Ambição. Dizer que você é ambicioso, no mundo de hoje, é como
confessar algo um pouco sujo, revelando, talvez, um excesso de absorção
em si mesmo. No entanto, lembre-se da sua infância e juventude – você
com certeza cultivava grandes sonhos e ambições para a sua vida. Tinha
planos de deixar a sua marca neste mundo de algum jeito. Na sua mente,
contemplou diversas cenas de glórias futuras. Era um impulso natural da
sua parte, e você não se envergonhava disso. Então, ao crescer, é provável
que tenha tentado abafar esse impulso. Ou manteve as suas ambições
secretas e agiu com modéstia, ou parou de sonhar por completo, tentando
evitar parecer egocêntrico e ser julgado.
Muito desse desprezo pela ambição e por pessoas ambiciosas na nossa
cultura resulta, na verdade, de uma grande quantidade de inveja pelas
realizações dos outros. Abafar as suas ambições da juventude é um sinal de
que você não gosta de si mesmo ou não se respeita; não mais acredita que
merece ter o poder e o reconhecimento com o qual sonhou no passado. Isso
não o torna mais adulto, apenas aumenta a probabilidade de que fracasse –
ao reduzir as suas ambições, você limita as suas possibilidades e diminui a
sua energia. De todo jeito, ao tentar parecer não ambicioso, você acaba
sendo tão egocêntrico quanto qualquer outro; ser tão humilde e virtuoso é a
sua ambição, e você quer fazer um espetáculo disso.
Algumas pessoas permanecem ambiciosas ao crescerem, mas as suas
ambições são vagas demais. Querem sucesso, dinheiro e atenção. Por causa
dessa imprecisão, é difícil para elas sentir algum dia que satisfizeram os
seus desejos. O que constitui dinheiro ou sucesso ou poder suficientes? Sem
ter certeza do que almejam, não conseguem estabelecer um limite aos seus
desejos e, embora esse não seja sempre o caso, isso pode levá-las a um
comportamento agressivo, à medida que querem cada vez mais e não sabem
quando parar.
Em vez disso, o que você precisa fazer é aceitar essa sua parte infantil,
revisitar as suas primeiras ambições, adaptá-las à realidade atual e torná-las
o mais específicas possível. Você quer escrever um livro em particular,
expressando certas ideias ou emoções arraigadas; quer fundar o tipo de
empresa que sempre o fascinou; quer criar um movimento cultural ou
político para tratar de uma causa em especial. Essa ambição específica
talvez seja formidável o bastante, mas visualize com clareza o ponto final e
como chegar lá. Quanto mais claro você enxergar o que quer, maior será a
probabilidade de que o realizará. As suas ambições talvez envolvam
desafios, mas estes não devem estar tão acima das suas capacidades que
você esteja fadado ao fracasso.
Uma vez que o seu objetivo seja atingido, não importa quanto tempo
leve, você agora se voltará para uma nova ambição, um novo projeto,
sentindo uma imensa satisfação por ter completado o anterior. Não
interrompa esse processo ascendente, ganhando impulso. A chave está no
nível de desejo e energia agressiva que dedicar a cada projeto ambicioso.
Não se contamine com dúvidas ou culpa; você está em harmonia com a sua
natureza, e será amplamente recompensado por isso.
Persistência. Se você observar as crianças pequenas, vai notar como
são voluntariosas e infatigáveis quando querem algo. Essa persistência nos
é natural, mas é uma qualidade que tendemos a perder à medida que
crescemos e a nossa autoconfiança esmorece. Isso é o que costuma
acontecer mais tarde quando enfrentamos um problema ou alguma
resistência: invocamos a energia para atacar o problema, mas, num canto da
mente, temos algumas dúvidas – será que estamos à altura da tarefa? Essa
leve diminuição da autocrença se traduz numa redução da energia com que
atacamos o problema. Isso leva a um resultado menos eficiente, o que
aumenta ainda mais o volume das dúvidas lá no fundo, diminuindo o efeito
da nossa próxima ação ou manobra. A certa altura, aceitamos a derrota e
desistimos (contudo, cedo demais). Nós nos rendemos por dentro muito
antes de nos rendermos por fora.
O que você precisa entender é o seguinte: quase nada no mundo resiste
à persistente energia humana. Tudo cede se golpearmos o bastante com
força suficiente. Considere quantas pessoas formidáveis na história
obtiveram o sucesso dessa maneira. Foi a persistência meticulosa, por
muitos anos, que permitiu a Thomas Edison criar o formato apropriado da
lâmpada, e a Marie Curie inventar o rádio. Eles apenas continuaram quando
outros desistiram. No decorrer de dez anos, foi por meio de experimentos de
pensamento contínuo, noite e dia, explorando cada solução possível, que
Albert Einstein chegou enfim à teoria da relatividade. No campo espiritual,
Hakuin, o grande mestre Zen do século 18, foi capaz de chegar por fim à
iluminação total, e reviver uma ramificação morta do Zen, pois havia se
devotado à tarefa com persistência incansável por cerca de vinte anos. Essa
é a energia agressiva, não dividida por dentro, voltada com uma mira tão
precisa quanto um laser ao problema da resistência.
É porque a criança ou o cientista ou o praticante do Zen querem algo
com tanta intensidade que nada os deterá. Eles entendem o poder da
persistência, de modo que isso se torna uma profecia autorrealizada –
sabendo o seu valor, são capazes de invocar a energia e a autocrença para
solucionar o problema. Estão adotando o lema de Aníbal: “Encontrarei um
caminho, ou abrirei um”. Você deve fazer o mesmo. O truque é querer algo
com tanto fervor que nada o detenha ou entorpeça a sua energia. Encha-se
com o desejo necessário para atingir uma meta. Treine-se para não desistir
com a facilidade com que desistiu no passado. Continue atacando o
problema a partir de novos ângulos, novas maneiras. Esqueça as dúvidas no
fundo da sua mente e continue a golpear com força total, sabendo que
consegue atravessar qualquer barreira se não desistir. Uma vez que sinta o
poder dessa forma de ataque, continuará recorrendo a ele.
Destemor. Somos criaturas ousadas por natureza. Quando crianças, não
tínhamos medo de pedir mais ou de afirmar a nossa vontade. Éramos
incrivelmente adaptáveis e destemidos em muitos aspectos. O acanhamento
é uma qualidade que costumamos adquirir. É algo que surge do acúmulo
dos nossos medos enquanto crescemos e de uma perda de confiança em
relação ao nosso poder de conseguirmos o que queremos. Passamos a nos
preocupar demais com a maneira como as pessoas nos percebem e com o
que vão pensar se nos afirmarmos. Interiorizamos as dúvidas dos outros.
Começamos a temer qualquer tipo de conflito ou confronto, o que agitaria
as emoções e levaria a consequências que não temos como prever ou
controlar. Desenvolvemos o hábito de recuar. Não dizemos o que sentimos
mesmo quando seria apropriado, e deixamos de estabelecer limites para o
comportamento prejudicial dos outros. Temos dificuldade para pedir um
aumento de salário ou uma promoção ou o respeito que nos é devido. Perder
o nosso espírito ousado, que é uma forma positiva de agressividade, é
perder uma parte profunda da nossa identidade, o que será sempre doloroso.
Tente recobrar o destemor que costumava ter, por meio de etapas
graduais. A chave é, em primeiro lugar, se convencer de que você merece
coisas boas e melhores na vida. Uma vez que se sinta assim, treine-se para
dizer o que pensa ou até retrucar em situações cotidianas quando as pessoas
se provarem insensíveis. Aprenda a se defender. Você poderia advertir
aqueles que exibirem um comportamento passivo-agressivo, ou não ser tão
acanhado ao expressar uma opinião que eles talvez não compartilhem, ou ao
lhes dizer o que realmente pensa das ideias ruins deles. Muitas vezes você
perceberá, ao agir assim, que tem menos a temer do que imaginava. Talvez
até conquiste algum respeito. Tente fazer isso em pequenas doses todos os
dias.
Uma vez que tenha perdido o medo nesses encontros menos dramáticos,
comece a acelerar. Exija mais que ser bem tratado, ou ter o trabalho de
qualidade que realiza respeitado. Faça isso sem nenhum tom queixoso ou
defensivo. Deixe claro aos valentões que você não é tão fraco quanto
parece, ou tão fácil de manipular quanto os demais. Seja tão incansável
quanto eles ao defender os seus interesses. Em negociações, treine-se para
não se contentar com pouco, mas para fazer exigências mais ousadas e ver o
quanto consegue pressionar o outro lado.
Aplique essa ousadia crescente no seu trabalho. Não tenha tanto medo
de criar algo que seja único, ou de enfrentar críticas e fracasso. Assuma
riscos razoáveis e teste-se. Tudo isso deve crescer aos poucos, como um
músculo que estava atrofiado, por isso não arrisque uma batalha ou reação
agressiva em larga escala antes de ter se fortalecido. Contudo, uma vez que
tenha desenvolvido esse músculo, você se tornará confiante de que
consegue encarar qualquer adversidade na vida com uma atitude destemida.
Raiva. É natural e saudável que você sinta raiva de certos tipos de
pessoa: aqueles que impedem de forma injusta o seu progresso; os muitos
tolos que têm poder, mas que são preguiçosos e incompetentes; os críticos
hipócritas que advogam os seus clichês com tanta convicção e que o atacam
sem entender as suas opiniões. A lista é interminável. Sentir tanta raiva
pode ser um mecanismo de motivação poderoso para realizar algum tipo de
ação. Pode preenchê-lo com uma energia valiosa. Você deve aceitar a raiva
e empregá-la em toda a sua vida para esse propósito. O que talvez detenha o
seu progresso ou reprima a sua raiva é que ela parece ser uma emoção
altamente feia e tóxica, o que é frequentemente verdade na nossa cultura.
O que torna a raiva tóxica é o quanto ela está desconectada da realidade.
As pessoas canalizam as suas frustrações naturais numa raiva contra algum
inimigo obscuro ou bode expiatório, criado e promovido por demagogos.
Imaginam conspirações enormes por trás de realidades simples e
inescapáveis, como os impostos ou o globalismo ou as mudanças que fazem
parte de todos os períodos históricos. Acreditam que certas forças no mundo
são culpadas pela sua falta de sucesso ou poder, em vez da sua própria
impaciência e falta de esforço. Não há raciocínio por trás dessa raiva, por
isso ela não leva a nada e se torna destrutiva.
Você deve fazer o oposto. Direcione a sua raiva a forças e indivíduos
bem específicos. Analise a emoção. Tem certeza de que a sua frustração não
resulta das suas próprias deficiências? Você entende de fato o motivo da
raiva e a que ela deveria ser direcionada? Além de determinar se ela é
justificada e a que a raiva deveria ser direcionada, analise também a melhor
maneira de canalizar essa emoção, a melhor estratégia para derrotar os seus
adversários. A sua raiva deve ser controlada e realista, e visar à fonte real
do problema, sem jamais perder de vista o que a inspirou inicialmente.
A maioria dos indivíduos manifesta algum extravasamento catártico da
raiva, algum protesto gigantesco, e então a emoção se vai e as pessoas
retornam à complacência ou se tornam amarguradas. Você deve esfriar a sua
raiva; colocá-la para cozinhar em fogo brando em vez de fervê-la. A sua
raiva controlada lhe dará a resolução e a paciência de que vai precisar para
o que talvez seja uma luta mais longa do que havia imaginado. Deixe que a
falsidade ou injustiça permaneçam num canto da sua mente, mantendo-o
energizado. A verdadeira satisfação virá não num único espasmo de
emoção, mas quando conseguir derrotar de fato o valentão e expor os
ignorantes pelo que são.
Não tenha medo de utilizar a sua raiva no trabalho, em especial se esta
for aliada a alguma causa, ou se você estiver se expressando por meio de
algo criativo. Muitas vezes é a sensação de raiva contida que torna um
orador tão eficaz; essa era a fonte de boa parte do carisma de Malcolm X.
Observe as obras de arte mais duradouras e comoventes, e com frequência
vai ler ou sentir a raiva contida por trás delas. Somos todos tão cautelosos e
corretos que, quando sentimos a raiva canalizada com tanto cuidado num
filme ou num livro ou seja lá no que for, a sentimos como uma brisa fresca.
Atrai todas as nossas próprias frustrações e ressentimentos e os libera.
Reconhecemos que é algo real e autêntico. No seu trabalho expressivo,
nunca fuja da raiva, mas capture-a e canalize-a, deixando que sopre uma
sensação de vida e movimento para dentro das suas tarefas. Ao expressar
essa raiva, você sempre encontrará um público.
O poder é necessário para a comunicação. Colocar-se diante de um grupo hostil ou
indiferente e dizer o que tem em mente, ou transmitir com honestidade a um amigo
verdades que penetram fundo e magoam, exige autoafirmação, autoasserção, e até, de
vez em quando, agressão.
— Rollo May
17
Aproveite o momento histórico
A Lei da Miopia Geracional
O leitor nasceu numa geração que define quem você é mais do que
imagina. A sua geração quer se separar da anterior e estabelecer um novo
tom para o mundo. No processo, forma certos gostos, valores e maneiras de
pensar que você, como indivíduo, internaliza. Ao envelhecer, esses valores e
ideias geracionais tendem a fechar a sua mente para outros pontos de vista,
restringindo-a. A sua tarefa é entender da maneira mais profunda possível
essa influência poderosa sobre quem você é e como vê o mundo.
Conhecendo em profundidade o espírito da sua geração e dos tempos em
que vive, você será mais capaz de explorar o zeitgeist. Você será aquele a
prever e estabelecer as tendências pelas quais a sua geração anseia. Você
libertará a sua mente das restrições mentais colocadas sobre si pela sua
geração, e se aproximará mais do indivíduo que se imagina ser, com todo o
poder que a liberdade lhe oferecerá.
A MARÉ CRESCENTE
Em 10 de maio de 1774, o rei Luís XV da França morreu aos 64 anos, e,
embora o país vivesse o luto compulsório pelo monarca, muitos franceses
sentiam uma sensação de alívio. Ele havia governado a França por mais de
cinquenta anos. Deixou a nação num estado de prosperidade, como a
potência predominante da Europa, mas a situação estava mudando – a
classe média, em expansão, ansiava pelo poder, os camponeses estavam
inquietos e o povo em geral desejava algo novo. Por essa razão, foi com
grande esperança e afeição que o povo francês se voltou para o novo
governante, o rei Luís XVI, neto do rei falecido, então com apenas 20 anos.
Ele e a jovem esposa, Maria Antonieta, representavam uma nova geração
que decerto revitalizaria o país e a própria monarquia.
O jovem rei, porém, não compartilhava do otimismo dos súditos. Na
realidade, havia momentos em que beirava o pânico. Desde menino, o
prospecto de se tornar rei o apavorava. Comparado ao afável avô, Luís era
bem tímido quando se via cercado por pessoas; era um rapaz desajeitado,
sempre incerto e com medo de cometer erros. Sentia que o papel augusto de
rei da França estava além das suas capacidades. Agora, tendo ascendido ao
trono, não conseguia mais disfarçar as suas inseguranças da corte e do povo
francês. Contudo, ao se preparar para a coroação, marcada para a primavera
de 1775, Luís começou a se sentir diferente. Havia decidido estudar o ritual
da coroação em si, a fim de estar preparado e não cometer erros, e o que
aprendeu lhe deu de fato a confiança de que tanto precisava.
Segundo a lenda, o Espírito Santo enviara, por meio de uma pomba, um
óleo sagrado que era mantido numa igreja na cidade de Reims e que fora
utilizado para ungir todos os reis da França a partir do século 9. Uma vez
ungido com esse óleo, o rei era subitamente elevado além da posição de
mero mortal e imbuído de uma natureza divina, tornando-se o representante
de Deus na Terra. O ritual simbolizava o casamento do novo rei com a
igreja e o povo francês. Em seu corpo e espírito, então, agora encarnaria
toda a população, entrelaçando o destino de ambos e, santificado por Deus,
contaria com o direcionamento e a proteção do Senhor.
Na década de 1770, muitos franceses e sacerdotes progressistas haviam
passado a ver esse ritual como a relíquia de uma superstição do passado. No
entanto, Luís sentia o contrário. Para ele, a antiguidade do rito era
reconfortante. Acreditar no seu significado seria o meio de superar seus
medos e dúvidas. Ele seria amparado por um senso profundo de ter uma
missão, com a sua natureza divina sendo garantida pela unção.
Luís decidiu encenar esse ritual sagrado na sua forma mais original. E
iria ainda mais longe. No Palácio de Versalhes, ele notou que muitas das
pinturas e estátuas de Luís XIV o associavam a deuses romanos, uma
maneira de fortalecer simbolicamente a imagem da monarquia francesa
como algo antigo e inabalável. O novo rei decidiu que se cercaria com
imagens semelhantes para a parte pública da coroação, impressionando os
súditos com o espetáculo e os símbolos que escolhera.
A coroação de Luís XVI ocorreu em 11 de junho de 1775, e entre a
multidão do lado de fora da catedral, naquele dia quente, estava um turista
bem improvável – um rapaz de 15 anos chamado Georges-Jacques Danton,
aluno de um internato na cidade de Troyes e cuja família vinha da classe
camponesa, porém o pai conseguira se tornar advogado, alçando-os à classe
média em expansão na França. Este havia morrido quando Danton tinha 3
anos, e a mãe o criou na esperança de que o filho seguisse os passos do
marido, assegurando uma carreira sólida.
Danton tinha uma aparência bem estranha – alguns diriam que era feio,
pura e simplesmente. Tinha um físico bem grande para a idade dele, com
uma cabeça enorme e um rosto monstruoso. Tendo crescido na fazenda da
família, fora atacado duas vezes por touros, e os chifres lhe haviam
quebrado o nariz e fissurado o lábio superior. Algumas pessoas o
consideravam assustador, mas muitos se encantavam com a sua exuberância
juvenil e conseguiam lhe ignorar o rosto. O rapaz era simplesmente
destemido, sempre em busca de aventuras, e era esse espírito ousado que
atraía os demais a ele, em especial seus colegas.
Na escola que frequentava, os sacerdotes liberais que a dirigiam haviam
decidido dar um prêmio ao estudante que escrevesse o ensaio que melhor
descrevesse a coroação iminente, a sua necessidade e significado numa
época em que a França tentava se modernizar. Danton não era do tipo
intelectual. Preferia nadar no rio mais próximo e realizar qualquer outro tipo
de atividade física. A única matéria que o entusiasmava era História, em
especial a da Roma antiga. A sua figura histórica favorita era o grande
advogado e orador romano Cícero, com o qual se identificava, pois este
também teve as suas origens na classe média. Danton memorizou os
discursos de Cícero e desenvolveu o amor pela oratória. Com a sua voz
potente, era natural na arte, mas não muito bom em escrita.
Ele queria desesperadamente vencer o concurso de ensaios – isso lhe
elevaria de imediato o status entre os colegas. Chegou à conclusão, porém,
de que a única maneira de compensar suas habilidades literárias medíocres
era assistir à coroação em primeira mão e oferecer uma descrição vívida dos
acontecimentos. Ele também sentia uma estranha afinidade com o jovem
rei: a diferença de idade entre os dois não era grande, e ambos tinham um
porte físico grandalhão e não eram considerados bonitos de forma alguma.
Cabular a aula para ir até Reims, a apenas 13 quilômetros de distância,
era bem o tipo de aventura que sempre o entusiasmara. Ele disse aos
amigos: “Quero ver como se faz um rei”. Assim, partiu de forma sorrateira
para Reims na véspera da coroação e chegou lá bem na hora. Ele se moveu
pela multidão de franceses que se congregava fora da catedral. Soldados
brandindo lanças compridas barravam o caminho. Apenas a nobreza tinha a
permissão de entrar. Danton forçou o caminho o máximo que pôde, e
avistou o rei, que vestia a mais espetacular túnica cerimonial incrustada
com diamantes e ouro, subindo os degraus. A bela rainha o seguia num
vestido esplêndido, os cabelos empilhados a uma altura impossível, seguida
por outros membros da sua comitiva. De longe, pareciam todos figuras de
uma outra era, tão diferentes de qualquer um que Danton tivesse visto antes.
Ele aguardou com paciência do lado de fora pelo fim do ritual, quando o
rei reapareceu, agora ostentando uma coroa. Por um breve momento,
Danton viu o rosto de Luís mais de perto quando este passou, e se
surpreendeu ao notar que o rei lhe parecia bem comum, a despeito das
roupas e joias. Este então entrou na carruagem mais ornamentada
imaginável, chamada Sacre. Parecendo algo saído de um conto de fadas,
fora construída para a coroação e projetada para representar a carruagem de
Apolo, reluzindo como o sol (que era o símbolo do rei francês), e era
gigantesca. Em todos os lados havia estatuetas de ouro de deuses romanos.
No painel da porta diante de Danton, este observou uma pintura detalhada
de Luís XVI como um imperador romano sobre uma nuvem, chamando o
povo francês abaixo. O mais estranho de tudo era que a carruagem em si
ostentava uma enorme coroa de bronze.
A Sacre foi concebida para servir como o próprio símbolo da
monarquia, mítica e estonteante. Era uma visão e tanto, mas, por algum
motivo, parecia estranhamente deslocada – grande demais, radiante demais,
e, quando o rei embarcou, deu a impressão de engoli-lo. Era magnífica ou
grotesca? Danton não conseguiu se decidir.
O garoto retornou à escola mais tarde no mesmo dia, a cabeça girando
com todas aquelas imagens estranhas. Inspirado pelo que testemunhou,
compôs o melhor ensaio que já havia escrito e ganhou o concurso.
Nos anos após se formar pela escola em Troyes, Danton deixaria a mãe
orgulhosa. Em 1780, ele se mudou para Paris a fim de trabalhar como
secretário nos tribunais. Em poucos anos, foi aprovado no exame da Ordem
e passou a praticar a advocacia. No tribunal, com a sua voz ressoante e dons
de oratória, comandava a atenção de maneira natural e logo foi promovido.
E, ao se socializar com os colegas advogados e ler os jornais, detectou algo
estranho acontecendo na França: um descontentamento crescente com o rei,
com a rainha esbanjadora e com as arrogantes classes mais altas, a quem os
grandes pensadores da época ridicularizavam em peças e livros.
O problema principal eram as finanças do país – a França parecia estar
sempre à beira de ficar sem dinheiro. Na raiz disso, estava a estrutura
financeira vastamente antiquada do país. O povo francês estava sujeito a
todo tipo de impostos onerosos que datavam dos tempos feudais, mas o
clero e a nobreza eram, na maior parte, isentos desse fardo. Os impostos
sobre as classes média e baixa da França nunca conseguiam gerar renda
suficiente, em especial ao se considerarem os gastos luxuosos da corte
francesa, que só haviam piorado graças às festas requintadas de Maria
Antonieta e ao amor desta por coisas finas.
À medida que o suprimento de dinheiro acabava e o preço do pão
continuava a aumentar, e com milhões de pessoas passando fome, protestos
começaram a irromper por toda a zona rural e até em Paris. E em meio a
todo esse tumulto, o jovem rei se revelava indeciso demais para lidar com a
pressão.
Em 1787, quando a situação financeira se agravou, foi concedida a
Danton uma oportunidade única: uma posição como advogado no Conselho
do Rei, com um belo aumento de salário. Querendo se casar com uma moça
chamada Gabrielle, cujo pai se opunha ao casamento porque Danton não
recebia o suficiente, este aceitou a posição no conselho, apesar dos seus
temores de que estava embarcando num navio afundando. Dois dias mais
tarde, aquela união foi celebrada.
Danton fazia bem o seu trabalho, mas se viu cada vez mais absorvido
pelo tumulto em Paris. Juntou-se a um clube chamado Cordeliers, cujos
membros eram uma mescla de artistas boêmios e agitadores políticos.
Como se situava perto de seu apartamento, ele começou a passar boa parte
do dia lá, e logo estava participando dos debates estridentes sobre o futuro
da França, que se davam no clube. Sentia um novo espírito estranho no ar,
uma ousadia que fazia as pessoas repentinamente dizerem coisas sobre a
monarquia que nunca teriam dito alguns anos antes. Danton considerava
aquilo excitante e irresistível. Começou a fazer os seus próprios discursos
inflamados, concentrando-se na brutalidade das classes mais altas, e se
deleitava com a atenção que recebia.
Em 1788, foi-lhe oferecida uma posição superior no Conselho do Rei,
mas ele recusou. Disse ao ministro do rei que lhe apresentou a oferta que a
monarquia estava condenada: “Não se trata mais de reformas modestas”,
afirmou ele. “Estamos, mais do que nunca, à beira da revolução […]. Você
não vê a avalanche se aproximando?”.
Na primavera de 1789, Luís foi forçado a convocar uma assembleia
nacional para lidar com a falência que se avultava. A assembleia era
conhecida como os Estados Gerais, uma instituição criada para lidar com a
crise nacional, mas sempre como uma medida de último recurso, sendo que
a mais recente havia sido realizada em 1614, depois da morte do rei
Henrique IV. Ela reuniria representantes dos três Estados da França: a
nobreza, o clero e os plebeus pagadores de impostos. Embora a vasta
maioria do povo francês devesse ser representada pelos membros do
Terceiro Estado, o poder da assembleia pendia pesadamente em favor da
nobreza e do clero. Mesmo assim, os franceses tinham grandes esperanças
em relação aos Estados Gerais, e Luís relutara muito antes de convocar a
assembleia.
Apenas um mês antes da reunião dos Estados Gerais, protestos em Paris
haviam irrompido pelo preço do pão, e as tropas reais atiraram contra as
multidões, matando dezenas. Danton testemunhara o banho de sangue e
sentia que aquele era um momento de transformação nos ânimos das
pessoas, em especial das classes mais baixas, e nele mesmo. Ele
compartilhava a raiva e o desespero delas; não era mais possível apaziguálas com a retórica atual. Começou a discursar para multidões furiosas em
esquinas, atraindo seguidores e criando um nome para si mesmo. Para um
amigo que se surpreendeu com essa nova direção na vida de Danton, este
respondeu que era como ver uma maré forte no rio, mergulhar e deixar que
ela o carregasse para onde quer que fosse.
Ao se preparar para a congregação dos Estados Gerais, o rei Luís mal
conseguia conter a raiva e o ressentimento. Nos anos desde que chegara ao
poder, vários ministros das finanças o haviam avisado da crise iminente se a
França não reformasse o sistema tributário. Ele entendia isso e tentara
iniciar reformas, mas a nobreza e o clero, temendo aonde isso poderia levar,
haviam sido tão hostis a essas ideias que ele fora forçado a recuar. E agora,
com o tesouro do país quase vazio, a nobreza e o Terceiro Estado o
mantinham refém, obrigando-o a convocar os Estados Gerais e colocando-o
na posição de implorar por fundos para o seu povo.
Os Estados Gerais não eram uma parte tradicional do governo francês,
mas uma anomalia, um desafio ao direito divino do rei, uma receita para a
anarquia. Quem sabia o que era melhor para a França? Os súditos, que
tinham um milhão de opiniões diferentes? A nobreza, com os seus
interesses limitados e sede de poder? Não, apenas o rei seria capaz de
conduzir a nação por essa crise. Ele tentou recuperar o controle sobre essas
crianças arruaceiras.
O rei se decidiu pelo seguinte plano: ele lhes enfatizaria toda a
majestade da monarquia e da sua necessidade absoluta como o poder
supremo da França. Para fazer isso, organizaria os Estados Gerais em
Versalhes, algo que os seus conselheiros lhe avisaram para que não fizesse,
considerando a proximidade daquela cidade a Paris e todos os agitadores.
Luís argumentou que a maioria dos delegados do Terceiro Estado era da
classe média e relativamente moderada. Em meio à grandeza e a todos os
símbolos da monarquia francesa, os membros do Terceiro Estado não
poderiam deixar de pensar no que Luís XIV, o construtor de Versalhes,
criara e o quanto eles deviam à monarquia por ter transformado a França
numa grande potência. Luís organizaria uma cerimônia de abertura que
rivalizaria com a sua coroação e lembraria todos os Estados da origem
divina do seu reinado.
Tendo impressionado a todos com o peso do passado, ele então
concordaria em promover algumas reformas no sistema tributário, pelo que
o Terceiro Estado com certeza se mostraria grato. Ao mesmo tempo, porém,
deixaria claro que, sob nenhuma circunstância, a monarquia ou os primeiros
dois Estados abririam mão de quaisquer poderes ou privilégios. Desse
modo, o governo arrecadaria os fundos necessários por meio dos impostos,
e as tradições que ele deveria manter permaneceriam inalteradas.
As cerimônias de abertura transcorreram bem como ele havia planejado,
mas, para o seu horror, os representantes do Terceiro Estado não se
mostraram nada interessados nos esplendores do palácio e em toda a
pompa. A atitude deles beirou o desrespeito durante as cerimônias
religiosas. Não aplaudiram com muito ardor o discurso de abertura do rei,
cujas reformas tributárias propostas não eram o suficiente aos olhos deles.
E, com o passar das semanas, os membros do Terceiro Estado se tornaram
cada vez mais exigentes, insistindo agora que os três Estados tivessem
poder igualitário.
Quando o rei se recusou a lhes aceitar as exigências, eles fizeram o
impensável – declararam-se os verdadeiros representantes do povo francês,
iguais ao rei, e deram à sua congregação o título de Assembleia Nacional.
Propuseram a formação de uma monarquia constitucional, e alegaram ter o
amplo apoio do país. Se não conseguissem o que queriam, garantiriam que
o governo seria incapaz de arrecadar os impostos necessários. A certa
altura, quando o rei se enfureceu com essa forma de chantagem, lhes deu
ordens para que o Terceiro Estado debandasse do seu local de encontro, e
eles se recusaram, desobedecendo a um decreto real. Jamais um rei francês
testemunhara tamanha insubordinação das classes inferiores.
Ao encarar um levante crescente em todo o país, Luís sentiu a urgência
de eliminar o problema pela raiz. Decidiu esquecer quaisquer tentativas de
conciliação e, em vez disso, recorrer à força, convocando o Exército para
que este estabelecesse a ordem em Paris e além. Contudo, em 13 de julho,
mensageiros lhes reportaram notícias perturbadoras: a população, prevendo
que Luís empregaria as Forças Armadas, estava se armando rapidamente,
saqueando prisões militares. Os soldados franceses que haviam se
deslocado para sufocar a rebelião não eram confiáveis, muitos deles se
recusando a atirar contra os seus compatriotas. No dia seguinte, um vasto
contingente de parisienses invadiu a Bastilha, a prisão real da cidade e
símbolo das práticas mais opressivas da monarquia, e tomou o controle.
Paris estava nas mãos do povo agora, e não havia nada que Luís pudesse
fazer. Ele viu com horror a Assembleia Nacional, ainda reunida em
Versalhes, votar com rapidez em favor de eliminar os vários privilégios da
nobreza e do clero. Em nome do povo, votaram a favor de assumir o
controle da Igreja Católica e leiloar ao público as vastas terras que ela
possuía. Foram ainda além, proclamando que, a partir de então, todos os
cidadãos franceses eram iguais. Permitiriam que a monarquia sobrevivesse,
mas o povo e o rei compartilhariam o poder.
Nas semanas que se seguiram, à medida que os cortesãos, chocados e
apavorados com esses acontecimentos, fugiam rapidamente de Versalhes
para regiões mais seguras ou a outros países, o rei percebeu agora o impacto
total do que ocorrera nos últimos meses. Ele vagava pelos corredores do
palácio, praticamente sozinho. As pinturas e os augustos símbolos de Luís
XIV o fitavam com zombaria por tudo que o neto havia permitido sob o seu
governo.
De algum modo, ele tinha que retomar o controle sobre a França, e a
única forma de fazer isso era se apoiar ainda mais no Exército, encontrando
aqueles regimentos que permaneciam fiéis a ele. No meio de setembro,
ordenou que o Regimento de Flandres – contendo alguns dos melhores
soldados do país, famosos pela lealdade à monarquia – fosse para Versalhes.
Na noite de 1o de outubro, a guarda pessoal do rei decidiu oferecer um
banquete em honra do Regimento de Flandres, a que todos os cortesãos que
haviam permanecido no palácio, junto com o rei e a rainha, compareceram.
Os soldados se embebedaram. Gritaram saudações ao rei e juramentos
de lealdade à monarquia. Cantaram baladas ridicularizando o povo francês
nos termos mais obscenos. Agarraram punhados dos distintivos e fitas que
simbolizavam a revolução, pisoteando-os com as suas botas. O rei e a
rainha, tão desolados nos últimos tempos, viram tudo isso com um deleite
descarado – era um gostinho dos anos passados, quando a própria imagem
do casal real inspirava essas manifestações de afeição. Entretanto, histórias
sobre o que ocorrera nesse banquete logo se espalharam em Paris, causando
indignação e pânico. Parisienses de todas as classes suspeitavam que o rei
estivesse planejando algum tipo de contragolpe. Imaginaram a nobreza
retornando sob o comando de Luís e se vingando do povo francês.
Em poucos dias, o rei descobriu que milhares de parisienses agora
marchavam em direção a Versalhes. Estavam armados e arrastavam
canhões. Pensou em escapar com a família, mas hesitou. Logo se tornou
tarde demais, quando as multidões chegaram. Na manhã de 6 de outubro,
um grupo de cidadãos penetrou no palácio, matando todos no caminho.
Exigiram que Luís e a família fossem escoltados de volta a Paris, para que
os cidadãos franceses pudessem vigiá-lo e lhe garantir a lealdade à nova
ordem.
Luís não teve escolha: ele e a família traumatizada se apinharam numa
única carruagem. Ao seguirem para Paris, rodeados pelo povo, Luís viu as
cabeças dos soldados da guarda pessoal do rei sendo carregadas nas pontas
de longas lanças. O que o chocou ainda mais foi a visão de tantos homens e
mulheres cercando a carruagem, vestidos em trapos, emaciados pela fome,
pressionando os rostos contra a janela e praguejando contra ele e a rainha
com a linguagem mais vil. Não conseguia reconhecer os próprios súditos.
Aquele não era o povo francês que conhecera. Deveriam ser agitadores
estrangeiros, trazidos pelos inimigos para destruir a monarquia. De algum
modo, o mundo enlouquecera.
Em Paris, o rei, a família real e os poucos cortesãos que permaneceram
com eles foram hospedados no Palácio das Tulherias, uma residência real
que não era habitada havia centenas de anos.
Uma semana após a sua chegada a Paris, Luís recebeu a visita de um
homem estranho cujo rosto e maneiras o assustaram. Era Georges-Jacques
Danton, agora um dos líderes da Revolução Francesa. Em nome do povo
francês, deu as boas-vindas ao rei a Paris. Explicou que ele havia sido
membro do Conselho do Rei, e garantiu que a população era grata pelo rei
ter se submetido à vontade de todos, afirmando que existia ainda um papel
importante para Luís desempenhar como monarca caso este jurasse a sua
obediência à nova constituição.
Luís mal conseguia ouvir. Sentia-se petrificado diante da cabeça enorme
daquele homem, da roupa estranha que vestia (calças de cetim preto sobre
meias brancas de seda, e sapatos com fivelas, uma mescla de estilos de
moda que Luís nunca vira antes), e das maneiras dele, a fala rápida, a falta
de reverência e respeito ante a presença do rei. Ele se curvou com
graciosidade diante de Luís, mas se recusou a lhe beijar a mão, uma quebra
séria de protocolo. Quer dizer que aquele era um dos revolucionários, um
homem do povo? Luís nunca vira alguém assim, e considerou a experiência
bastante desagradável.
Durante os meses do verão de 1789, Danton havia, na maior parte,
apoiado as decisões da Assembleia Nacional, mas permanecera cauteloso
em relação à aristocracia, e queria garantir que eles perderiam
permanentemente os seus privilégios. A nobreza era a fonte da miséria do
país, e os franceses nunca deveriam se esquecer disso. Ele se tornara um
dos principais instigadores contra as classes superiores e, como tal,
angariara a desconfiança dos líderes burgueses e mais moderados da
revolução, que queriam ir mais devagar. Para eles, Danton era como um
ogro monstruoso e desvairado, e o haviam excluído dos seus círculos
sociais e de qualquer posição oficial no novo governo em formação.
Sentindo-se alienado e talvez se lembrando das suas próprias raízes,
Danton passou a se identificar cada vez mais com os sans-culottes (“sem
calças”), membros das classes mais baixas da França e os de espírito mais
revolucionário. Quando as notícias sobre o comportamento escandaloso do
Regimento de Flandres em 1o de outubro alcançaram Paris, Danton fora um
dos principais agitadores a marchar para Versalhes e, com aquele sucesso,
se tornou o líder dos Cordeliers. E foi nessa capacidade que ele visitou
Tulherias, tanto para discernir o grau de apoio do rei à nova constituição
como para lhe dar as boas-vindas.
Danton não podia deixar de se lembrar da coroação a que havia assistido
quatorze anos antes, com toda a sua pompa, pois, apesar de tudo que
acontecera nos últimos meses, o rei parecia inclinado a recriar o protocolo e
cerimônias de Versalhes. Vestia a túnica real, com a faixa e várias medalhas
presas ao casaco. Insistiu em antigas formalidades, e mantinha os servos em
uniformes ornamentados. Era tudo tão vazio, tão desconectado do que
estava acontecendo. Danton foi polido. Ainda sentia uma estranha simpatia
pelo rei, mas, agora, ao examiná-lo de perto, tudo o que via era uma relíquia
do passado. Duvidava que o rei seria leal à nova ordem. Deixou aquele
encontro mais convicto do que nunca de que a monarquia francesa se
tornara obsoleta.
Nos meses que se seguiram, o Luís professou a sua lealdade à nova
constituição, mas Danton suspeitava que estivesse fazendo um jogo duplo,
planejando ainda levar a monarquia e a nobreza de volta ao poder. Uma
coalizão de exércitos de outros países na Europa travava agora uma guerra
franca contra a revolução, com o objetivo de resgatar o rei e restaurar a
antiga ordem. E Danton tinha certeza de que o rei estava em comunicação
com eles.
Então, em junho de 1791, veio a notícia mais surpreendente de todas: de
algum modo, Luís escapara de Paris com a família numa carruagem. Alguns
dias mais tarde, foram capturados. Teria sido bem cômico, se não tivesse
sido tão preocupante. Todos haviam se vestido como membros comuns da
burguesia partindo para um passeio, mas tinham utilizado uma carruagem
esplêndida que não combinava com os trajes e que chamava a atenção. Eles
foram reconhecidos, capturados e levados de volta à capital.
Agora Danton sentia que o seu momento chegara. Os liberais e
moderados da revolução defendiam a ideia de que o rei era inocente, que
havia sido enganado para que escapasse, ou mesmo sequestrado. Eles
temiam o que ocorreria à França se a monarquia fosse abolida e como os
exércitos estrangeiros, agora fora das fronteiras do país, reagiriam se algo
acontecesse ao rei. Entretanto, para Danton, isso era absurdo. Estavam
apenas adiando o inevitável. A monarquia perdera o seu significado e
propósito; o rei havia se revelado um traidor, e eles não deveriam ter medo
de dizer isso. Era hora, proclamou ele, de a França se declarar uma
república e se livrar da monarquia de uma vez por todas.
A sua invocação por uma república começou a ressoar, em especial
entre os sans-culottes. Como sinal da sua influência crescente, Danton foi
eleito para o seu primeiro cargo oficial – promotor assistente da comuna
responsável por Paris – e começou a preencher a comuna com
simpatizantes, preparando-se para algo grande.
No verão seguinte, um amplo contingente de sans-culottes de Marselha
estava em Paris para celebrar o terceiro aniversário da revolução. Os
homens daquela cidade, entusiasmados com os brados de Danton em defesa
de uma república, se colocaram sob o seu comando e, durante os meses
inteiros de junho e julho, marcharam por Paris cantando hinos à revolução e
espalhando a exigência de Danton para a formação de uma república. A
cada dia, mais e mais pessoas se juntavam aos homens de Marselha.
Planejando em silêncio o seu golpe, Danton conquistou o controle da
comuna. Os seus membros agora votaram a favor de cessar o bloqueio das
várias pontes de Paris que levavam a Tulherias a partir da margem
esquerda, dando, na prática, fim a qualquer proteção para a família real, já
que as multidões poderiam marchar para dentro do palácio.
Na manhã de 10 de agosto, sinos de alarme soaram por toda a cidade e,
acompanhado de batidas constantes de tambor, um contingente gigantesco
de parisienses cruzou as muitas pontes para invadir Tulherias. A maior parte
dos guardas que protegiam o palácio debandou, e logo a família real foi
forçada a fugir para se salvar, refugiando-se na câmara próxima em que a
Assembleia Nacional se reunia. A multidão massacrou rapidamente os
soldados remanescentes que guardavam o palácio e assumiu o controle.
A tática de Danton havia funcionado – o povo se pronunciara e a
Assembleia Nacional votou em favor do fim da monarquia, removendo do
rei e da sua família quaisquer poderes e proteções que houvessem restado.
Num único golpe, Danton pôs fim à monarquia mais duradoura e poderosa
da Europa. Luís e a família foram transportados à Torre do Templo, um
mosteiro medieval que serviria como a sua prisão particular enquanto o
novo governo decidia o futuro deles. Danton foi então nomeado ministro da
justiça, e era, na prática, o líder da nova República da França.
Na Torre do Templo, Luís se viu separado da família, aguardando o
julgamento por traição em dezembro. Era agora chamado de Luís Capeto (o
sobrenome daquele que, no século 10, fundou o reinado francês que
terminaria com Luís XVI), um plebeu sem nenhum privilégio. Sozinho na
maior parte do tempo, pôde refletir sobre os traumas dos últimos três anos e
meio. Se pelo menos o povo francês tivesse continuado fiel a ele, teria
encontrado uma maneira de resolver todos os problemas. Ainda tinha
convicção de que demagogos hereges e agitadores estrangeiros haviam
arruinado o amor natural da população por ele.
Os revolucionários haviam descoberto recentemente uma coleção de
papéis que Luís escondera num cofre numa parede em Tulherias, entre os
quais estavam cartas que revelavam a gravidade com que ele havia
conspirado com potências estrangeiras para derrotar a revolução. Ele tinha
certeza agora de que seria sentenciado à morte, e se preparou para isso.
Para o seu julgamento diante da assembleia, Luís Capeto vestiu um
casaco simples, o tipo que qualquer cidadão de classe média trajava.
Ostentava agora uma barba. Mostrou-se triste e exausto, nem um pouco
como um rei. Contudo, qualquer simpatia que os juízes sentissem por ele
logo desapareceu quando os promotores leram as muitas acusações contra o
ex-rei, inclusive a de como ele conspirara para reverter a revolução. Um
mês mais tarde, o cidadão comum Capeto foi sentenciado a morrer na
guilhotina, com o próprio Danton emitindo um dos votos decisivos.
Luís estava determinado a demonstrar a sua coragem. Na manhã de 21
de janeiro, um dia frio e em que ventava, ele foi transportado à Praça da
Revolução, onde uma multidão imensa havia se reunido para testemunhar a
execução. Ela assistiu com assombro estupefato quando o homem teve as
mãos atadas e os cabelos cortados como um criminoso comum. Ele subiu os
degraus para a guilhotina e, antes de se ajoelhar sobre o bloco, gritou:
“Povo, eu morro inocente! Eu perdoo aqueles que me sentenciaram. Rezo a
Deus para que o meu sangue não escorra de novo sobre a França”. Quando
a lâmina caiu, ele emitiu um grito horrível. O carrasco ergueu a cabeça do
rei para que todos a pudessem ver. Depois de alguns brados de “Viva a
nação”, um silêncio sepulcral tombou sobre a multidão. Minutos mais tarde,
as pessoas correram para o cadafalso para mergulhar as mãos no sangue de
Luís e comprar mechas dos cabelos dele.
Como líder da Revolução Francesa, Danton agora enfrentava duas
forças bem intimidadoras: os exércitos invasores que continuavam a forçar
o caminho até Paris e o nervosismo dos cidadãos franceses, muitos dos
quais
exigiam
vingança
contra
a
aristocracia
e
todos
os
contrarrevolucionários. Para ir de encontro aos exércitos inimigos, Danton
lançou um enorme exército que criara com milhões de cidadãos, e, nos
primeiros meses da batalha, essas novas forças francesas inverteram a maré
da guerra.
Para canalizar o gosto do povo por vingança, ele estabeleceu um
tribunal revolucionário para impor a justiça de forma rápida aos suspeitos
de tentar restaurar a monarquia. O tribunal iniciou o que seria conhecido
como o Terror, ao mandar milhares à guilhotina, muitas vezes sob as
acusações mais superficiais.
Logo após a execução do rei, Danton viajou à Bélgica para ajudar a
supervisionar o esforço de guerra naquela frente. Enquanto estava lá,
recebeu a notícia de que a sua amada esposa, Gabrielle, havia falecido
durante um parto prematuro. Ele se sentiu horrivelmente culpado por não
estar ao lado dela naquele momento, e a ideia de que não tivera nenhuma
oportunidade de lhe dizer adeus e que jamais lhe veria o rosto de novo era
insuportável. Sem pensar nas consequências, abandonou a missão na
Bélgica e voltou às pressas para a França.
Quando chegou, a esposa já estava morta havia uma semana e jazia no
cemitério público. Dominado pelo sofrimento e pelo desejo de vê-la mais
uma vez, ele correu até onde ela estava enterrada, levando consigo um
amigo e algumas pás. Numa noite chuvosa e sem lua, conseguiram
encontrar o túmulo. Danton cavou e cavou e, com ajuda, ergueu o caixão do
solo, abrindo a tampa após muito esforço. Ele engasgou ao lhe ver o rosto
pálido. Tirou-a do caixão, abraçando-a com força contra o corpo,
implorando-lhe que o perdoasse. Beijou-a repetidas vezes nos lábios
gelados. Depois de algumas horas, finalmente a devolveu ao solo.
Nos meses que se seguiram, algo pareceu estar diferente em Danton.
Teria sido a perda da esposa, ou era a culpa que sentia agora por ter
desencadeado o Terror na França? Ele havia galgado a onda da revolução
até o pináculo do poder, mas agora queria seguir numa direção diferente.
Tornou-se menos envolvido nos assuntos de Estado e não era mais a favor
do Terror. Maximilien Robespierre, o seu principal rival pelo poder, notou
essa mudança e começou a espalhar o boato de que Danton perdera o fervor
revolucionário e não era mais de confiança. E essa campanha teve efeito:
quando chegou a hora de eleger os membros do corpo mais elevado do
governo, o Comitê de Segurança Pública, Danton não recebeu votos
suficientes e Robespierre o preencheu com os seus simpatizantes.
Danton agora trabalhava abertamente para dar fim ao Terror, por meio
de discursos e panfletos, mas isso só facilitou a situação do seu rival. Em 30
de março de 1794, Danton foi preso por traição e colocado diante do
tribunal revolucionário. Parecia irônico que o tribunal que ele havia
formado agora tinha em mãos o seu destino. As acusações contra si eram
baseadas puramente em insinuações, mas Robespierre garantiu que ele fosse
declarado culpado e sentenciado à morte. Danton gritou aos juízes: “O meu
nome está gravado em cada instituição da revolução – no Exército, nos
comitês, no tribunal. Eu me matei!”.
Naquela mesma tarde, ele e os outros homens condenados foram
colocados em carroças e levados para a Praça da Revolução. No caminho,
Danton passou pela residência onde Robespierre morava. “Você é o
próximo”, berrou com sua voz retumbante, apontando o dedo para o
apartamento de Robespierre. “Você me seguirá!”
Danton foi o último a ser executado naquele dia. Uma enorme multidão
seguira a carroça, e agora estava quieta enquanto ele subia os degraus. Ele
não podia deixar de pensar em Luís, a quem havia, com relutância,
mandado à guilhotina, e os muitos antigos amigos que morreram durante o
Terror. Levara alguns meses, mas tinha enjoado de todo aquele banho de
sangue, e sentia que a multidão diante dele se sentia da mesma forma. Ao
deitar o pescoço sobre o bloco, gritou para o carrasco: “Não se esqueça de
mostrar a minha cabeça para o povo. Vale a pena olhar!”.
Depois da execução de Danton, Robespierre lançou o que se tornaria
conhecido como o Grande Terror. Durante quatro meses turbulentos, o
tribunal enviou cerca de 20 mil franceses – homens e mulheres – à
guilhotina. No entanto, Danton havia previsto a mudança nos ânimos: o
público francês estava farto das execuções, e se voltou contra Robespierre
numa velocidade impressionante. No fim de julho, numa reunião acalorada
da assembleia, os membros votaram em favor da prisão de Robespierre. Ele
tentou se defender, mas as palavras lhe saíam com hesitação. Um dos
membros gritou: “É no sangue de Danton que está engasgando!”. Na manhã
seguinte, sem nenhum julgamento, Robespierre foi decapitado na guilhotina
e, dias mais tarde, a assembleia aboliu o tribunal revolucionário.
Na época da execução de Robespierre, os novos líderes da revolução
procuravam por maneiras de angariar fundos para as várias emergências que
a França estava enfrentando, e alguém mencionou a redescoberta recente da
magnífica carruagem da coroação, Sacre. Talvez eles pudessem vendê-la.
Alguns deles foram inspecioná-la e se horrorizaram diante do que
percebiam como uma monstruosidade pura. Um representante a descreveu
como “uma montagem hedionda construída a partir do ouro do povo e um
excesso de bajulação”. Todos concordaram que ninguém compraria algo tão
grotesco. Removeram o ouro da carruagem e o derreteram, enviando-o para
o tesouro. Despacharam o bronze que resgataram às casas de fundição da
república para ajudar a forjar alguns canhões, tão necessários. Quanto aos
painéis pintados nas portas, com todos os símbolos mitológicos, eles os
consideraram esquisitos demais para o gosto de qualquer um, e mandaram
que fossem queimados imediatamente.
Interpretação: Examinemos por um momento o mundo prérevolucionário na França pelos olhos do rei Luís XVI. Muito do que ele viu
parecia ser a mesma realidade que os reis anteriores haviam observado. O
rei ainda era considerado o governante absoluto da França, escolhido por
Deus para liderar a nação. As várias classes e Estados na França se
mantinham bem estáveis; as distinções entre a nobreza, o clero e o resto do
povo francês eram ainda majoritariamente respeitadas. Os plebeus gozavam
da relativa prosperidade que o próprio Luís herdara do avô.
Sim, existiam problemas financeiros, mas mesmo o grande Luís XIV
enfrentara essas crises, e elas haviam passado. Versalhes ainda era a joia
cintilante da Europa, o centro do mundo civilizado. A amada rainha de
Luís, Maria Antonieta, dava as festas mais espetaculares, que eram a inveja
de todos os aristocratas europeus. O próprio Luís não possuía interesse
nesses divertimentos, mas tinha as suas festas de caça e outros passatempos
bem corriqueiros pelos quais era obcecado.
A vida no palácio era bastante doce e relativamente tranquila. O mais
importante para Luís era que a glória e majestade da França, encarnadas nas
cerimônias e símbolos visuais, ainda carregassem o mesmo peso que tinham
no passado. Quem não se impressionava com os esplendores de Versalhes,
ou com os rituais da Igreja Católica? Ele era o governante de uma grande
nação, e não existia nenhum motivo para crer que a monarquia não
continuaria por muitos séculos, como já durara.
Sob a superfície do que ele enxergava, porém, havia sinais preocupantes
de descontentamento. Começando durante o reino de Luís XV, escritores
como Voltaire e Diderot começaram a ridicularizar a igreja e a monarquia
por todas as suas crenças retrógradas e supersticiosas. Eles refletiam um
novo espírito científico que se espalhava por toda a Europa, e era difícil
reconciliar isso com muitas das práticas da igreja e da nobreza. Suas ideias
se tornaram conhecidas como o Iluminismo, e eles começaram a ganhar
influência sobre a classe média em expansão, que se sentia excluída do
poder e pouco arrebatada por todo o simbolismo da monarquia.
Por trás da fachada aparentemente tranquila da nobreza, escondia-se um
número considerável de rachaduras. Muitos aristocratas haviam passado a
detestar o poder absolutista do rei, a quem viam como fraco e indigno do
respeito deles. Ansiavam por mais poder para eles mesmos.
Sociedades secretas brotavam por todos os cantos, promovendo uma
nova maneira de sociabilizar, bem longe do ambiente pomposo da corte.
Supremos entre elas estavam os maçons e as suas lojas, com os seus
próprios rituais secretos, das quais o próprio Danton era membro. As lojas
maçônicas eram viveiros de descontentamento em relação à monarquia,
sendo os membros bastante simpáticos às ideias do Iluminismo. Queriam
uma nova ordem na França. Em Paris, o teatro havia de repente se tornado o
local mais popular para se frequentar e no qual ser visto, muito mais
popular do que a igreja. E as peças encenadas agora ridicularizavam a
monarquia da maneira mais insolente.
E todos aqueles símbolos e cerimônias majestosos da monarquia, que
permaneceram relativamente inalterados, começavam a parecer bem vazios,
máscaras sem nada por trás. Os cortesãos não entendiam mais o que
estavam fazendo, ou por que o faziam, ao participarem dos complexos
rituais na companhia do rei. As pinturas, estátuas e fontes ornamentadas
com figuras mitológicas eram tão bonitas quanto antes, mas vistas apenas
como peças superficiais de arte, não como indicação de uma conexão
profunda com o passado glorioso da França.
Todos esses sinais eram sutis e díspares. Era difícil conectar todos eles a
qualquer tipo de tendência, muito menos com uma revolução. Poderiam
passar como curiosidades, novos passatempos para uma nação entediada,
sem qualquer significado subjacente. Entretanto, a crise se agravou no fim
da década de 1780, e, de súbito, esses exemplos isolados de
desencantamento começaram a se combinar numa força inegável. O preço
do pão havia subido, assim como o custo de vida, para todos os súditos
franceses. À medida que o descontentamento se alastrava, a nobreza e a
burguesia farejavam a fraqueza no rei e exigiam mais poder.
Agora o rei não tinha como ignorar o que estava acontecendo e, nos
Estados Gerais, a perda de respeito e o desencantamento lhes eram visíveis
demais no comportamento do Terceiro Estado. Luís, porém, só conseguia
ver aqueles acontecimentos pela lente da monarquia divina que ele havia
herdado e à qual se agarrava com tanto desespero. Esses súditos franceses
que o desrespeitavam e desobedeciam ao seu governo absoluto só poderiam
ser indivíduos hereges, e apenas uma minoria barulhenta. Desobedecer ao
seu comando era equivalente a um sacrilégio.
Como essas pessoas não eram persuadidas pelos símbolos do passado
glorioso, ele empregaria a força para fazer o passado e as tradições
prevalecerem. Contudo, uma vez que algo tenha perdido o seu encanto e
não cative mais, nenhuma quantidade de força o trará de volta à vida. E, em
outubro de 1789, na carruagem que o levou para sempre para longe de
Versalhes e do passado, tudo o que enxergava eram pessoas que não eram
seus súditos, mas estranhos de algum tipo. Ele teve que incluir Danton
nesse grupo. Na sua execução, dirigiu-se à multidão como se ainda fosse o
rei, perdoando-lhes os pecados. O povo, de sua parte, via só um ser
humano, despido de toda a sua glória pregressa, nada melhor do que eles.
Quando Georges-Jacques Danton olhou para o mesmo mundo do rei,
viu algo bem diferente. Ao contrário deste, não era tímido ou inseguro. Não
tinha nenhuma necessidade interior de confiar no passado para apoiá-lo.
Fora educado por sacerdotes liberais que lhe incutiram as ideias do
Iluminismo, e aos 15 anos, na coroação, teve um vislumbre fugaz do futuro,
intuindo por um momento como a monarquia e os seus símbolos haviam se
tornado vazios, e que o rei era só um homem comum.
Na década de 1780, ele começou a captar os sinais discrepantes da
mudança – desde o Conselho do Rei e o desrespeito crescente entre a classe
dos advogados, aos clubes e a vida nas ruas, onde um novo espírito era
detectável. Percebia o sofrimento das classes mais baixas e sentia uma
empatia com o seu senso de exclusão. E esse novo espírito não era apenas
político, mas também cultural. A juventude da geração de Danton se
cansara de toda aquela formalidade vazia da cultura francesa. Ansiava por
algo mais livre e espontâneo. Queria expressar as suas emoções aberta e
naturalmente. Almejava se livrar de todas as vestimentas e penteados
ornamentados e trajar roupas mais soltas com menos ostentação. Visava a
uma socialização mais aberta, à fraternização desimpedida de todas as
classes, como ocorria nos clubes de Paris.
Poderíamos chamar esse movimento cultural de a primeira explosão real
do Romantismo, valorizando emoções e sensações acima do intelecto e das
formalidades. Danton tanto exemplificava esse espírito romântico como o
entendia. Era um homem franco quanto aos seus sentimentos e cujos
discursos davam a sensação de uma efusão espontânea de ideias e emoções.
O desenterramento da esposa foi como algo tirado da literatura romântica,
uma expressão de emoção que teria sido inimaginável uns dez anos antes.
Esse seu lado era o que permitia ao público se identificar e se comover com
ele.
De uma maneira que o tornou bem único, Danton foi capaz de conectar
antes de todos o significado por trás daqueles sinais e prever a revolução em
massa que se aproximava. Um ávido nadador, ele comparava tudo isso à
maré num rio. Nada na vida humana é estático. Há sempre
descontentamento sob a superfície, e sede de mudanças. Às vezes isso é
bem sutil, e o rio parece plácido, mas ainda se move. Outras vezes, é como
uma onda, uma maré crescente que ninguém, nem mesmo um rei com poder
absoluto, é capaz de conter.
Para onde essa maré estava carregando os franceses? Aquela era a
pergunta crucial. Para Danton, logo se tornou evidente que ela seguia em
direção à formação de uma república. A monarquia era agora só uma
fachada. O seu espetáculo de majestade não impressionava mais as massas.
Estas agora sabiam que as ações do rei só cuidavam de deter o poder; viam
a aristocracia como um bando de ladrões, trabalhando pouco e sugando a
riqueza da França. Com tamanho desencantamento, não havia como voltar
atrás, nenhum meio-termo, nenhuma monarquia constitucional.
Como parte da sua perspicácia e sensibilidade, incomuns ao espírito dos
tempos, Danton entendeu, antes de qualquer um dos outros líderes
revolucionários, que o Terror que ele desencadeara fora um erro e que era
hora de encerrá-lo. Esse é o único exemplo em que o seu senso de momento
foi inexato, considerando que ele apostou nessa instituição pelo menos
muitos meses antes do público, dando aos inimigos e rivais uma abertura
para que se livrassem dele.
Entenda: o leitor talvez veja o rei Luís XVI como um exemplo
extremado de alguém fora de sintonia com os tempos, não particularmente
relevante à sua própria vida, mas, na verdade, ele está mais próximo de
você do que imagina. Como ele, é provável que você olhe para o presente
através da lente do passado. Quando examina o mundo em redor, ele parece,
em geral, igual ao do dia ou à semana, ou ao mês ou até ao ano anterior. As
pessoas agem mais ou menos do mesmo jeito. As instituições que detêm o
poder permanecem estáticas e não irão a lugar nenhum. A maneira como os
indivíduos pensam não mudou muito; as convenções que governam o
comportamento no seu campo são seguidas fielmente. Sim, talvez existam
alguns estilos e tendências novos na cultura, mas não são fatores
fundamentais ou sinais de uma mudança profunda. Apaziguado por essas
aparências, você imagina que a vida apenas prossegue como sempre o fez.
Abaixo da superfície, porém, a maré se move; nada na cultura humana
permanece estático. Aqueles que são mais jovens do que você não têm mais
o mesmo nível de respeito por alguns dos seus valores ou instituições. As
dinâmicas de poder – entre classes, regiões, indústrias – estão num estado
de fluxo. As pessoas começam a se socializar e interagir de formas
diferentes. Novos símbolos e mitos são formados, e os velhos vão
desaparecendo. Todas essas coisas podem parecer bem desconectadas até
que haja uma crise ou conflito, e o ser humano precise confrontar o que
antes parecia invisível ou isolado, na forma de algum tipo de revolução ou
demanda por mudanças.
Quando isso ocorre, alguns se sentirão, como o rei, bastante
desconfortáveis e se apegarão com ainda mais fervor ao passado. Vão se
unir para tentar conter a maré que avança, uma tarefa fútil. Os líderes se
sentirão ameaçados e se prenderão ainda mais às suas ideias convencionais.
Outros serão levados pela correnteza sem entender bem para onde ela leva
ou por que tudo está mudando.
O que você precisa é do poder que Danton possuía para fazer sentido de
tudo aquilo e agir da forma apropriada. E esse poder é uma função da visão,
de examinar os acontecimentos a partir de um ângulo diferente,
emoldurados de maneira nova. Ignore as interpretações convencionais que
os outros sem dúvida oferecerão ao enfrentar as mudanças. Deixe de lado os
hábitos mentais e as formas antigas de observar o mundo, pois podem lhe
turvar a visão. Contenha a tendência a moralizar e a julgar o que está
acontecendo. Apenas veja como as coisas são. Examine as subcorrentes de
descontentamento e desarmonia em relação ao status quo, que estão sempre
sob a superfície. Observe as conexões e os pontos em comum entre todos
esses sinais. Aos poucos, o fluxo, a maré em si, entra em foco, indicando
um curso, uma direção que está oculta para tantos outros.
Não pense nisso como algum exercício intelectual. Os intelectuais são
muitas vezes os últimos a discernirem de fato o espírito dos tempos, pois
estão ancorados demais em teorias e estruturas convencionais. Antes de
tudo, você deve ser capaz de sentir a mudança no ânimo coletivo, perceber
o modo como os outros estão divergindo do passado. Uma vez que tenha
sentido esse espírito, poderá começar a analisar o que está por trás dele. Por
que as pessoas estão insatisfeitas, e o que desejam de fato? Por que estão
gravitando em direção a esses novos estilos? Examine esses ídolos do
passado que já não exercem um encantamento, que parecem ridículos, que
são o alvo de zombaria, em especial entre os jovens. Eles são como a
carruagem de Luís. Quando detectar o suficiente dessa desilusão, você terá
certeza de que algo forte chegou à crista da onda.
Uma vez que tiver uma noção suficiente do que está acontecendo de
fato, seja ousado na maneira de reagir, dando voz ao que as pessoas estão
sentindo, mas que não entendem. Tenha cuidado para não avançar demais e
ser malcompreendido. Sempre alerta, sempre deixando de lado as suas
interpretações anteriores, você será capaz de aproveitar as oportunidades
num momento em que outros ainda nem começaram a detectá-las. Pense em
si mesmo como um inimigo do status quo, cujos proponentes, por sua vez, o
veem como alguém perigoso. Encare essa tarefa como absolutamente
necessária para a revitalização do espírito humano e da cultura geral, e
aprenda tudo que puder.
A nossa era é um momento de nascimento, e um período de transição. O espírito do
homem foi quebrado com a antiga ordem das coisas […] e com as antigas maneiras de
se pensar, e cabe à mente deixar que tudo isso afunde para as profundezas do passado
e iniciar a sua própria transformação […]. A frivolidade e o tédio que perturbam a
ordem estabelecida, o pressentimento vago de algo desconhecido, esses são os arautos
da mudança que se aproxima.
— G. W. F. Hegel
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Na cultura humana, vemos um fenômeno – mudanças de costumes e
estilos – que, à primeira vista, poderia parecer trivial, mas que, na verdade,
é bem profundo, revelando uma parte entranhada e fascinante da nossa
natureza. Considere os estilos de roupas, por exemplo. Nas lojas ou nos
desfiles de moda, talvez detectemos algumas tendências e mudanças que já
haviam começado sutilmente alguns meses antes. Volte para os estilos de
dez anos antes e, comparados com o presente, as diferenças são mais
aparentes. Volte vinte anos, e isso será ainda mais claro. Com essa distância
no tempo, conseguimos notar até um estilo em particular de vinte anos atrás
que agora provavelmente parece um pouco engraçado e ultrapassado.
Essas mudanças nos estilos de moda, que são tão detectáveis em
incrementos de décadas, podem ser caracterizadas como criações mais
soltas e mais românticas do que o estilo anterior, ou mais francamente
sexuais e conscientes do corpo, ou mais clássicas e elegantes, ou mais
berrantes e com mais ornamentos. Seria possível nomear várias outras
categorias de mudanças de estilo, mas, no fim, elas são limitadas em
número, e parecem surgir em ondas ou padrões detectáveis no decorrer de
várias décadas ou séculos. Por exemplo, o interesse em roupas mais simples
e clássicas retorna em diversos intervalos de tempo, não exatamente com os
mesmos intervalos, mas com certo grau de regularidade.
Esse fenômeno levanta algumas questões interessantes: essas mudanças
se relacionam com mais do que apenas o desejo por algo que seja novo e
diferente? Refletem mudanças mais profundas na psicologia e nos ânimos
das pessoas? E como essas mudanças ocorrem, para que possamos detectálas depois de certo tempo? Elas partem de uma dinâmica de cima para baixo
em que certos indivíduos e criadores de tendências iniciam uma mudança,
que é então captada aos poucos pelas massas e espalhada de forma viral?
Ou será que os próprios criadores de tendências estão respondendo a sinais
de alterações emitidas pela sociedade como um todo, por aquela força social
descrita no Capítulo 14, numa dinâmica de baixo para cima?
É possível fazer essas perguntas sobre estilos de música ou qualquer
outra manifestação cultural. Entretanto, também podemos indagar estilos de
pensar e teorizar, em como os argumentos de livros são construídos.
Cinquenta anos atrás, muitas ideias eram enraizadas em psicanálise e
sociologia, com escritores por diversas vezes vendo o ambiente como a
influência primordial do comportamento humano. O estilo era solto,
literário e tendendo a muitas especulações.
Agora, porém, tendem a girar em torno da genética e do cérebro
humano, com tudo tendo que ser apoiado por estudos e estatísticas. A mera
aparição de números numa página empresta certo ar de credibilidade ao
argumento. A especulação é malvista. As frases são mais curtas, com o
intuito de comunicar informações. No entanto, essa mudança no estilo de
teorizar não é nada novo. Notamos um vaivém similar – do literário e
especulativo ao sóbrio e ancorado em dados – a partir do século 18 até o
presente.
O que é fascinante nessas alterações de estilo é a gama limitada de
mudanças, a sua recorrência e a velocidade crescente com que as vemos
agora, como se testemunhássemos uma aceleração da inquietude e energia
nervosa dos seres humanos. Se examinarmos esse fenômeno bem de perto,
notaremos com bastante clareza que essas mudanças aparentemente
superficiais refletem de fato alterações mais profundas no ânimo e nos
valores das pessoas, emergindo de baixo para cima. Algo tão simples
quanto um desejo por estilos mais soltos de roupas, como aconteceu na
década de 1780, reflete uma alteração psicológica geral. Nada é inocente
nesse campo. Um interesse em cores mais vívidas, ou num som mais pesado
de música, tem algo a mais a dizer sobre o que está se agitando na mente
coletiva dos indivíduos dessa época.
E ao examinarmos esse fenômeno com ainda mais atenção, fazemos
também a seguinte descoberta: o que conduz essas mudanças é o sucesso
contínuo de novas gerações de jovens, que tentam criar algo mais relevante
à sua própria experiência do mundo e que reflita mais os seus valores e
espírito, seguindo numa direção diferente daquela da geração anterior.
(Podemos, em geral, descrever uma geração como um período englobando
em torno de 22 anos, com aqueles nascidos nas partes iniciais e finais dele
muitas vezes se identificando mais com a geração anterior ou com a
posterior.)
E esse padrão de mudança de uma geração para a outra é, em si, parte
de um padrão mais amplo na história, datando de milhares de anos atrás, em
que determinadas reações e alterações de valores ressurgem com
regularidade, o que sugere algo sobre a natureza humana que nos transcende
como indivíduos, e que nos programou para repetir esses padrões por algum
motivo.
Muitos de nós intuem a verdade sobre as gerações – como elas tendem a
ter um tipo de personalidade e como a geração mais jovem inicia tantas
mudanças. Alguns vivem em negação sobre o fenômeno, porque gostam de
imaginar que, como indivíduos, moldam o que pensam e aquilo em que
acreditam, ou que outras forças como classe, gênero e raça desempenham
um papel maior. Com certeza o estudo das gerações é impreciso; trata-se de
um tema sutil e elusivo. E outros fatores desempenham um papel também.
Contudo, uma análise profunda do fenômeno revela que este é, de fato,
muito mais influente do que costumamos imaginar e, de muitas maneiras, o
maior gerador de muito do que acontece na história.
E entender esse fenômeno geracional traz vários outros benefícios:
vemos quais forças moldaram a atitude dos nossos pais e, por sua vez, a
nossa, quando tentamos partir numa direção diferente. Temos uma noção
melhor das mudanças subjacentes ocorrendo em todas as áreas da sociedade
e começamos a conjeturar para onde o mundo está se encaminhando, prever
tendências futuras, e entender o papel que desempenhamos na moldagem
dos acontecimentos. Isso pode não apenas nos trazer grande poder social,
mas ter um efeito terapêutico e apaziguador sobre nós à medida que,
elevados
sobre
as
mudanças
caóticas
do
momento,
acontecimentos com algum distanciamento e equanimidade.
vemos
os
Chamaremos esse conhecimento de percepção geracional. Para obtê-la,
precisamos primeiro entender o efeito profundo que a nossa geração tem de
verdade sobre a maneira como vemos o mundo, e, em seguida, devemos
compreender os padrões geracionais mais amplos que moldam a história e
reconhecer onde o nosso período de tempo se encaixa no esquema geral.
O FENÔMENO GERACIONAL
Nos nossos primeiros anos de vida, somos esponjas, absorvendo a fundo
a energia, o estilo e as ideias dos nossos pais e professores. Aprendemos a
linguagem, certos valores essenciais, maneiras de pensar e de agir entre as
pessoas. A cultura da época aos poucos é inculcada em nós. A nossa mente
inteira está aberta nesse momento e, por causa disso, as nossas experiências
são mais intensas e ligadas a emoções fortes. Ao nos tornarmos alguns anos
mais velhos, tomamos consciência dos nossos colegas, aqueles que têm
mais ou menos a mesma idade, que passam pelo mesmo processo de
assimilação desse estranho mundo novo em que fomos lançados ao
nascermos.
Embora estejamos diante da mesma realidade vivenciada por todos os
que vivem no momento, nós a encaramos a partir de um ângulo peculiar – o
de uma criança, fisicamente menor, mais vulnerável, e dependente dos
adultos. Visto por esse ponto de vista, o mundo dos adultos se mostra bem
estranho, pois não entendemos muito bem o que os motiva ou preocupa, ou
com o que se importam. O que nossos pais tomam como uma questão séria
nós vemos, com frequência, como algo cômico ou esquisito. Podemos
assistir às mesmas formas de entretenimento a que eles assistem, mas nós as
vemos a partir da perspectiva de uma criança, que conta com pouca
experiência de vida. Não possuímos ainda o poder para afetar este mundo,
mas começamos a interpretá-lo a nosso próprio modo, e compartilhamos
essa interpretação com nossos colegas.
Então, quando chegamos à adolescência ou talvez mais tarde,
percebemos que somos parte de uma geração de jovens (concentrando-nos
mais naqueles com a nossa idade) com quem nos identificamos. Criamos
afinidades ligadas ao nosso modo específico de ver o mundo e ao senso de
humor similar que desenvolvemos; também tendemos a formar ideais
comuns sobre sucesso e atratividade, entre outros valores. Nesses anos, é
inevitável que passemos por um período de rebelião, lutando para encontrar
a nossa identidade, distinta da dos nossos pais. Isso nos torna muito
sintonizados com as aparências – a estilos e modas. Queremos mostrar que
pertencemos à nossa tribo geracional, com o seu próprio visual e
maneirismos.
Muitas vezes, um acontecimento ou uma tendência decisiva ocorre
durante esses anos da juventude – como uma guerra importante, um
escândalo político, uma crise financeira ou uma expansão econômica.
Também poderia ser a invenção de uma nova forma de tecnologia que tenha
um impacto marcante nos relacionamentos sociais. Como somos jovens e
impressionáveis, esses fatos têm uma influência decisiva na nossa
personalidade geracional em formação, deixando-nos cautelosos (se for
uma guerra ou uma crise econômica) ou ávidos por aventuras (se for algo
que incita a prosperidade ou a estabilidade). Naturalmente, nós os vemos de
maneira bem diferente dos nossos pais, e somos afetados de modo mais
intenso.
Ao nos tornarmos mais conscientes do que está acontecendo no mundo,
muitas vezes passamos a considerar as ideias e valores dos nossos pais
como um pouco inadequados à nossa própria experiência da realidade. O
que eles nos disseram ou nos ensinaram não soa tão relevante, e ansiamos
por ideias que tenham maior relação com a nossa experiência juvenil.
Nessa primeira fase da vida, moldamos uma perspectiva geracional. É
um tipo de atitude coletiva, à medida que absorvemos a cultura prevalecente
ao mesmo tempo que os nossos colegas, do ponto de vista da infância e da
juventude. Mas como somos novos demais para entender ou analisar essa
perspectiva, costumamos ser ignorantes sobre a sua formação e sobre como
ela influencia o que vemos e como interpretamos os acontecimentos.
Então, ao chegarmos aos 20 anos e, depois, aos 30, entramos numa nova
fase da vida e passamos por uma mudança. Agora estamos na posição de
assumir algum poder, de alterar de fato esse mundo segundo os nossos
próprios valores e ideais. À medida que progredimos no nosso trabalho,
começamos a influenciar sua cultura e política. É inevitável que entremos
em conflito com a geração mais velha, que tem retido o poder por um bom
tempo, quando ela insistir no próprio jeito de agir e avaliar os eventos.
Muitos deles nos veem como imaturos, não sofisticados, fracos,
indisciplinados, mimados, não esclarecidos e, decerto, despreparados para
assumir o poder.
Em alguns períodos, a cultura jovem que é gerada é tão forte que passa
a dominar a cultura como um todo – nas décadas de 1920 e 1960, por
exemplo. Em outros períodos, a geração mais velha em posições de
liderança é bem mais dominante, e a influência dos adultos que emergem
aos 20 anos de idade é bem menos notável. De todo jeito, em maior ou
menor grau, uma luta e um contraste ocorrem entre essas duas gerações e as
suas perspectivas.
Então, ao chegarmos aos 40 anos e à meia-idade, e assumirmos muitas
das posições de liderança na sociedade, começamos a notar jovens que
lutam pelo seu próprio poder e posição, e que nos julgam e consideram o
nosso próprio estilo e ideias bem irrelevantes. Começamos a julgá-los de
volta, descrevendo-os como imaturos, não sofisticados, fracos etc. Talvez
comecemos a entreter a noção de que o mundo está degringolando rápido,
que os valores que consideramos tão importantes não importam mais para
essa geração.
Quando avaliamos dessa forma, não nos damos conta de que estamos
reagindo de acordo com um padrão que existe por pelo menos três mil anos.
(Há uma inscrição numa tábua de argila da Babilônia que data em torno de
1000 a.C. que diz: “A juventude de hoje é podre, maligna, herege e
preguiçosa. Nunca será o que a juventude costumava ser, e jamais será
capaz de preservar a nossa cultura”. Há queixas similares em todas as
culturas e em todos os períodos de tempo.) Pensamos que julgamos a
geração mais jovem de forma objetiva, mas estamos apenas sucumbindo à
ilusão da nossa perspectiva. Também é verdade que provavelmente
sentimos alguma inveja oculta da juventude deles e lamentamos a perda da
nossa.
No que diz respeito às mudanças geradas pelas tensões entre duas
gerações, é possível dizer que a maioria delas parte dos jovens. Eles são
mais inquietos, buscando a sua própria identidade, estão mais sintonizados
ao grupo e em como se encaixam nele. Quando emergirem nos seus 30 e 40
anos, terão moldado o mundo com as suas mudanças e lhe dado uma
aparência e comportamento distintos daqueles concebidos pelos pais.
Ao estudar uma geração, é natural que vejamos variações dentro dela.
Encontramos indivíduos que são mais agressivos do que outros – eles
tendem a ser líderes, os que percebem os estilos e tendências da época e os
expressam primeiro – e que têm menos medo de romper com o passado e
desafiar a geração mais velha. Danton exemplifica esse tipo. Também há
um grupo muito maior de seguidores que não são tão agressivos, que
consideram mais excitante estar atualizado com as tendências, ajudando a
moldá-las e promovê-las. Por fim, também existem os rebeldes, aqueles que
desafiam a sua própria geração e se definem por seguir contra a corrente.
Isso poderia incluir os beatniks da década de 1950 ou aqueles jovens na
década de 1960 que gravitaram em direção à política conservadora.
Desses tipos rebeldes, podemos dizer que são tão marcados pela sua
geração quanto os demais, só que de maneira inversa. E, na realidade, muito
do mesmo espírito da geração é detectável sob essa versão inversa – por
exemplo, aqueles jovens que, na década de 1780, se uniram em apoio à
aristocracia e em defesa da monarquia muitas vezes sentiam um amor bem
romantizado pela antiga ordem; os jovens conservadores da década de 1960
eram tão dogmáticos, fanáticos e idealistas quanto os outros (a maioria dos
jovens) que tinham os valores inversos. É inevitável que a atitude
geracional domine a todos por dentro, não importando como tentem reagir
pessoalmente a ela. Não conseguimos nos retirar do momento histórico em
que nascemos.
Ao considerar essa atitude, devemos pensar em termos de uma
personalidade coletiva, ou o que chamaremos de espírito. A nossa geração
herdou dos nossos pais e do passado certos valores cruciais e maneiras de
ver o mundo que permanecem não questionadas. No entanto, a qualquer
momento, as pessoas de uma nova geração estão buscando algo mais vivo e
relevante, que expresse o que é diferente, o que está mudando no presente.
Essa noção do que está se movendo e evoluindo no presente, em oposição
ao que é herdado do passado, é o espírito coletivo em si, com a sua natureza
incansável e investigadora. Não é algo fácil de colocar em palavras. É mais
um ânimo, um tom emocional, uma maneira de os indivíduos se
relacionarem uns com os outros.
É por isso que costumamos associar mais facilmente o espírito
geracional ao estilo musical dominante, ou à tendência artística a um
determinado tipo de imagens, ou a um ânimo capturado pela literatura ou
pelos filmes daquela geração. Por exemplo, nada captura melhor o espírito
rebelde e o ritmo frenético da década de 1920 do que o jazz da época e o
som atrevido do saxofone, que era a nova mania.
Esse espírito tenderá a se alterar à medida que a nossa geração passar
pelas várias fases da vida. A maneira como nos relacionaremos
coletivamente com o mundo quando tivermos 50 anos não será a mesma
que foi quando tínhamos 20. As circunstâncias, os acontecimentos
históricos e o processo de envelhecimento modificarão o nosso espírito. No
entanto, como com qualquer indivíduo, há algo na personalidade geracional
que permanece intacto e que transcende o passar dos anos.
A famosa geração perdida da década de 1920, com as suas melindrosas
e o jazz rebelde, tinha obsessões e traços notáveis – festas de arromba,
álcool, sexo, dinheiro e sucesso, assim como uma atitude cínica e
embrutecida em relação à vida. Ao envelhecerem, os seus membros
tenderam a deixar de lado a busca de alguns desses prazeres e manias, mas,
nos últimos anos de vida, permaneceram bem severos, cínicos, materialistas
e atrevidos ao expressar as suas opiniões. Os baby boomers, que chegaram à
maioridade na década de 1960, demonstravam um idealismo intenso e uma
propensão a julgar e moralizar. Eles tenderam a reter essas qualidades, mas
os seus ideais e aquilo que pregavam se modificaram.
Se a nossa geração tem um espírito específico, poderíamos dizer o
mesmo do período em que estamos vivendo, que, em geral, engloba quatro
gerações vivas. A mescla destas, a tensão entre elas e os conflitos que
costumam acontecer criam o que chamaremos de espírito geral dos tempos,
ou o que é comumente conhecido como zeitgeist. Por exemplo, em se
tratando da década de 1960, não podemos separar os ânimos da poderosa
cultura jovem daquele período do antagonismo e horror que ela provocava
em quem era mais velho. A dinâmica e o espírito daquela época resultavam
da interação dramática de duas perspectivas conflitantes.
Para ver isso na sua própria experiência, considere os períodos no
passado em que você já estava vivo e consciente, pelo menos uns vinte anos
atrás, se você for velho o bastante. Com algum distanciamento, conseguirá
refletir sobre como era tudo diferente, o que pairava no ar, como as pessoas
interagiam, o grau de tensão da época. O espírito daquela fase não estava
apenas nos estilos e roupas que eram diferentes daqueles do presente, mas
também em algo social e coletivo, um ânimo geral ou uma sensação no ar.
Até as diferenças na moda e na arquitetura, as cores que se tornaram
populares e o visual dos carros denotam um espírito por trás de tudo isso,
que animava essas mudanças e escolhas.
Esse espírito pode ser caracterizado como rebelde e franco, com as
pessoas ávidas por todos os tipos de interação social; ou pode ser bem
fechado e cauteloso, com os indivíduos predispostos a se conformarem e
serem hipercorretos; pode ser cínico ou esperançoso, estático ou criativo. O
que você precisa fazer é ser capaz de medir o espírito do momento presente,
com um senso similar de distanciamento, e ver onde a sua geração se
encaixa no esquema geral da história, dando-lhe uma noção de para onde
tudo estaria se encaminhando.
OS PADRÕES GERACIONAIS
Desde o início dos registros históricos, certos escritores e pensadores
têm intuído um padrão da história humana. Foi talvez Ibn Khaldun, o
grande acadêmico islâmico do século 14, que primeiro formulou essa ideia
na teoria de que a história parece se mover em quatro atos, correspondendo
a quatro gerações.
A primeira geração é a dos revolucionários que provocam uma ruptura
radical com o passado, estabelecendo novos valores, mas promovendo
também algum caos na luta para criar essa ruptura. É comum que nessa
geração haja alguns grandes líderes ou profetas que influenciam a direção
da revolução e deixem a sua marca. Então, vêm os membros da segunda
geração, que anseiam por alguma ordem. Ainda sentem o calor da
revolução em si, que testemunharam quando ainda bem jovens, mas querem
estabilizar o mundo, ditar algumas convenções e dogmas.
Aqueles da terceira geração – tendo pouca conexão direta com os
fundadores da revolução – se sentem menos apaixonados por ela. São
pragmáticos. Querem solucionar os problemas e tornar a vida o mais
confortável possível. Não estão tão interessados em ideias, mas em
construir algo. No processo, tendem a drenar o espírito da revolução
original. O que predomina são as preocupações materiais, e as pessoas se
tornam bem individualistas.
A seguir vem a quarta geração, cujos membros sentem que a sociedade
perdeu a vitalidade, mas não têm bem certeza do que deveria substituí-la.
Começam a questionar os valores que herdaram, alguns se tornando bem
cínicos. Ninguém sabe mais no que acreditar. Algum tipo de crise emerge.
Então vem a geração revolucionária, que, unificada sob alguma crença
nova, por fim derruba a antiga ordem, e o ciclo continua. Essa revolução
pode ser extrema e violenta, ou talvez menos intensa, apenas com a
emergência de valores novos e diferentes.
Embora esse padrão decerto tenha variações e não seja uma ciência,
tendemos a ver muito dessa sequência geral na história. O que é mais
notável em tudo isso é a emergência da quarta geração e a crise de valores
que vem com ela. Esse período costuma ser o mais doloroso para se
atravessar – sentimos, como seres humanos, uma necessidade profunda de
acreditar em algo e, quando começamos a duvidar e questionar a velha
ordem e notamos um vácuo nos nossos valores, começamos até a
enlouquecer um pouco. Tendemos a nos agarrar aos sistemas de crença mais
recentes promovidos por charlatões e demagogos, que prosperam nesses
períodos. Procuramos por bodes expiatórios para todos os problemas que
surgem agora e para a insatisfação que se alastra. Sem uma crença unificada
para nos ancorar e acalmar, nós nos tornamos tribais, contando com alguma
pequena afinidade de grupo para nos dar a sensação de fazer parte de algo.
Muitas vezes, num período de crise, teremos a consciência da formação
de um subgrupo entre aqueles que se sentem especialmente nervosos e
ressentidos quanto à ruptura da ordem. Costumam ser pessoas que se
sentiam um pouco privilegiadas no passado, e o caos, assim como as
mudanças que se aproximam, ameaça o que elas consideravam garantido.
Elas querem se apegar ao passado, voltar a alguma era dourada de que se
lembram vagamente, e impedir qualquer revolução iminente. Estão
condenadas, pois é impossível deter o ciclo, ou trazer o passado de volta à
vida num passe de mágica. Contudo, à medida que esse período de crise
desaparecer e começar a se fundir com a época revolucionária, costumamos
detectar níveis crescentes de excitação, pois os que são jovens e têm sede
por algo novo sentem a aproximação das mudanças que colocaram em
movimento.
Parece que estamos atravessando esse período de crise, com a geração
que o está vivenciando em sua fase crucial da vida. Embora não tenhamos
como ver o quão próximos estamos do fim desses tempos, eles nunca duram
muito, pois o espírito humano não os tolera. Algum sistema de crenças
unificador está em gestação, e um novo conjunto de valores que não
enxergamos ainda está sendo gerado.
No coração desse padrão há um ritmo de vaivém contínuo que resulta da
reação das gerações emergentes contra os desequilíbrios e erros da geração
anterior. Se voltarmos quatro gerações em relação ao nosso próprio tempo,
veremos isso com clareza. Comecemos com a geração silenciosa.
Vivenciando a Grande Depressão quando crianças e chegando à maioridade
durante a Segunda Guerra Mundial e o período pós-guerra, ela se tornou
bem cautelosa e conservadora, valorizando a estabilidade, os confortos
materiais, e se encaixando com firmeza no grupo. A geração seguinte, os
baby boomers, considerava o conformismo dos pais bem sufocante.
Emergiu na década de 1960 e, sem ser atormentada pela realidade
financeira adversa que seus genitores enfrentaram, valorizava a expressão
pessoal, se aventurar e ser idealista.
Ela foi seguida pela Geração X, marcada pelo caos da década de 1960 e
pelos escândalos sociais e políticos subsequentes. Chegando à maioridade
nas décadas de 1980 e 1990, era pragmática e confrontadora, valorizando o
individualismo e a autossuficiência, e reagindo contra a hipocrisia e a
impraticabilidade do idealismo dos pais. Isso foi seguido pela Geração Y
(ou geração do milênio), traumatizada pelo terrorismo e por uma crise
financeira, opondo-se ao individualismo da geração anterior, buscando
segurança e trabalho em equipe, com um desgosto evidente pelo conflito e
pela confrontação.
A partir disso, é possível deduzir duas lições importantes: em primeiro
lugar, os nossos valores muitas vezes dependem de onde nos encaixamos
nesse padrão e de como a nossa geração resiste aos desequilíbrios
específicos da geração anterior. Simplesmente não seríamos a mesma
pessoa que somos hoje, com as mesmas atitudes e ideais, se tivéssemos
emergido durante as décadas de 1920 ou 1950 em vez de em períodos
posteriores. Com certeza colocamos o nosso espírito individual em cena
nesse drama e, na medida em que conseguirmos cultivar a nossa
singularidade, ganharemos o poder e a habilidade de direcionar o zeitgeist.
Entretanto, é fundamental que reconheçamos primeiro o papel dominante
que a nossa geração desempenha na nossa formação, e onde ela se encaixa
no padrão.
Em segundo lugar, notamos que as gerações parecem capazes apenas de
reagir e se mover na direção oposta daquela surgida anteriormente. Talvez
isso ocorra porque uma perspectiva geracional é formada na juventude,
quando somos mais inseguros e propensos a pensar em termos absolutos.
Um meio-termo, uma forma equilibrada de escolher o que seria bom ou
mau nos valores e tendências da geração anterior, parece contrário à nossa
natureza coletiva.
Por outro lado, esse padrão de vaivém tem um efeito salutar. Se uma
geração apenas avançasse com as tendências da anterior, é provável que
teríamos nos destruído há muito tempo. Imagine gerações que sucedessem a
rebeldia das décadas de 1920 ou 1960 continuando com o mesmo espírito, e
indo ainda mais além; ou uma que sucedesse a década de 1950
permanecendo tão conservadora e conformista quanto a anterior. Nós nos
sufocaríamos com tanta autoexpressão ou estagnação. O padrão talvez leve
a desequilíbrios, mas também garante a nossa revitalização.
Às vezes, as mudanças geradas num período revolucionário são bem
triviais e não duram além do seu ciclo. Outras vezes, porém, a partir de uma
crise intensa, uma revolução forja algo novo que dura por séculos e que
representa um progresso em direção a valores que são mais racionais e
empáticos. Ao ver esse padrão histórico, devemos reconhecer o que parece
ser um espírito humano geral que transcende qualquer época específica e
que nos mantém evoluindo. Se, por qualquer motivo, o ciclo se interromper,
estaremos condenados.
A sua tarefa como estudante da natureza humana é tripla: em primeiro
lugar, e acima de tudo, você deve alterar a sua atitude em relação à sua
própria geração. Gostamos de imaginar que somos autônomos e que os
nossos valores e ideias vêm de dentro, não de fora, mas esse, na verdade,
não é o caso. O seu objetivo é entender da forma mais abrangente possível a
profundidade com que o espírito da sua geração, e da época em que vive,
influenciou a maneira como você percebe o mundo.
Costumamos ser hipersensíveis no que diz respeito à nossa geração.
Essa perspectiva foi formada na nossa infância, quando éramos mais
vulneráveis, e o nosso laço emocional com os nossos colegas foi
estabelecido logo de início. Muitas vezes ouvimos uma geração mais velha
ou mais jovem nos criticando, e é natural que tenhamos uma atitude
defensiva. Quando se trata dos defeitos ou desequilíbrios da nossa geração,
a nossa tendência é vê-los como virtudes. Por exemplo, se crescemos numa
geração que era mais temerosa e cautelosa, é possível que hesitemos diante
de grandes responsabilidades, como possuir uma casa ou um carro.
Interpretaremos isso como um desejo por liberdade ou de ajudar o meio
ambiente, indispostos a confrontar os temores que estão de fato por trás
disso.
Não temos como entender a nossa geração da mesma maneira que
compreendemos um fato científico, como as características de um
organismo. É algo vivo dentro de nós, e nossa noção disso é maculada pelas
nossas próprias emoções e preconceitos. O que você deve fazer é tentar
atacar o problema sem julgamentos e moralismos, e ser o mais objetivo
quanto for humanamente possível. A personalidade da sua geração não é
nem positiva nem negativa; é apenas um florescimento do processo
orgânico descrito anteriormente.
Considere-se como o tipo de arqueólogo escavando o próprio passado e
o da sua geração, em busca de artefatos, de observações que você consiga
juntar para formar uma imagem do espírito subjacente. Quando examinar as
suas lembranças, tente fazê-lo com algum distanciamento, mesmo quando
recordar as emoções que sentiu na época. Flagre-se no processo inevitável
de emitir julgamentos de bem e mal sobre a sua geração ou a seguinte, e
deixe-os de lado. Desenvolva essa habilidade por meio da prática. Construir
essa atitude desempenhará um papel fundamental no seu desenvolvimento.
Com algum distanciamento e consciência, você se tornará muito mais do
que um seguidor da sua geração, ou do que um rebelde contra ela; poderá
moldar o seu próprio relacionamento com o zeitgeist e se tornar um criador
formidável de tendências.
A sua segunda tarefa é criar um tipo de perfil de personalidade da sua
geração, de maneira que você consiga entender o seu espírito no presente e
explorá-lo. Tenha em mente que há sempre nuances e exceções. Busque
traços comuns que sinalizem um espírito geral.
Comece esse processo analisando os acontecimentos decisivos que
ocorreram nos anos que antecederam a sua entrada no mercado de trabalho
e que desempenharam um grande papel na modelagem dessa personalidade.
Se esse período englobar mais ou menos 22 anos, costuma haver nele mais
que um acontecimento decisivo. Por exemplo, para aqueles que chegaram à
maioridade durante a década de 1930, houve a Depressão e depois o
advento da Segunda Guerra Mundial; para os baby boomers, a Guerra do
Vietnã e, mais tarde, o Watergate e os escândalos políticos do início da
década de 1970.
Os membros da Geração X eram crianças durante a revolução sexual e
adolescentes na era em que se tornou habitual que os pais deixassem os
filhos sozinhos em casa durante a maior parte do dia, sem supervisão. Para
a Geração Y, houve os atentados de 11 de setembro e, a seguir, a crise
financeira de 2008. Dependendo de onde você se encaixa, ambos os eventos
o influenciarão, mas um mais do que o outro, como ocorre mais perto dos
anos de formação entre os 10 e 18 anos, quando passamos a adquirir
consciência do mundo mais vasto e dos valores fundamentais em
desenvolvimento.
Algumas épocas, como a década de 1950, podem ser de estabilidade
relativa beirando a estagnação. Isso também terá um efeito poderoso,
considerando a inquietude da mente humana, em especial entre os jovens,
que passarão a ansiar por aventuras e oportunidades de agitar as coisas.
Você também deve levar em consideração qualquer grande avanço
tecnológico ou invenção que altere a forma como as pessoas interagem.
Tente mapear as ramificações desses acontecimentos decisivos. Preste
atenção especial ao efeito que possam ter tido no padrão de socialização que
caracterizará a sua geração. Se o acontecimento foi uma crise importante de
algum tipo, isso tenderá a fazer os membros da sua geração se unirem em
busca de conforto e segurança, valorizando o grupo e os sentimentos de
amor, e se mostrando avessos a confrontos. Um período de estabilidade e
ausência de acontecimentos fará você gravitar em direção a outras pessoas
em busca de aventura, experimentos em grupo, às vezes quase imprudentes.
Em geral, você tenderá a notar o estilo de se socializar dos seus colegas,
mais evidente quando eles tiverem em torno de 20 anos. Procure pelas
raízes disso.
Esses acontecimentos maiores terão um efeito na maneira como você
encara o sucesso e o dinheiro e determinarão se valoriza o status e a fortuna
ou valores menos materiais, como a criatividade e a expressão pessoal.
Como aqueles da sua geração encaram o fracasso numa iniciativa ou na
carreira será bem revelador – é um distintivo de vergonha, ou considerado
parte do processo empresarial, até mesmo uma experiência positiva? Você
poderá medir isso também pela época em que entrou no mercado de
trabalho. Sentiu a pressão para começar a fazer dinheiro de imediato, ou era
hora de explorar o mundo e ter aventuras, para se estabelecer em algo aos
30 anos?
Ao preencher esse perfil, analise a forma como você foi criado – com
moldes permissivos, supercontroladores, negligentes ou empáticos. O
famoso estilo permissivo daqueles que criaram os filhos na década de 1890
ajudou a desenvolver a atitude rebelde e despreocupada da geração perdida
da década de 1920. Os pais que foram profundamente afetados pela década
de 1960 acabaram se tornando bem absortos em si mesmos e um pouco
negligentes em relação aos filhos, que não podiam deixar de se sentir um
tanto alienados e até zangados por causa disso. Aqueles que são
superprotetores moldarão uma geração que teme sair da sua zona de
conforto. Esses estilos de criar suas crianças vêm em ondas. Quem foi
superprotegido não costuma se tornar um “pai helicóptero”, sempre
pairando sobre os filhos. Os seus próprios pais talvez tenham sido uma
exceção ao estilo prevalecente, mas você notará uma marca de
personalidade nos seus colegas, que se torna bem evidente na adolescência
e em torno dos 20 anos de idade.
Preste bastante atenção aos heróis e ícones de uma geração, aqueles que
expressam as qualidades que outros, no fundo, gostariam de ter também.
Eles costumam ser o tipo que conquista a celebridade na cultura jovem – os
rebeldes, os empresários de sucesso, os gurus, os ativistas – e indicam os
novos valores emergentes. De forma análoga, examine as tendências e
modas que dominam de súbito uma geração, como a popularidade repentina
das moedas digitais. Não encare essas tendências pelo seu valor nominal,
mas procure pelo espírito subjacente, a atração inconsciente por certos
valores ou ideais que elas revelam. Nada é trivial demais nessa análise.
Assim como um indivíduo, todas as gerações tenderão a ter um lado
inconsciente da sua personalidade, uma Sombra. Um bom sinal disso é
encontrado no estilo característico de humor que cada geração tende a
forjar. No humor, as pessoas liberam as suas frustrações e expressam as
suas inibições, e ele pode tender ao irracional ou a algo mais ousado ou até
agressivo. Uma geração talvez pareça puritana e correta, mas o seu humor é
vulgar e irreverente. É o lado da Sombra transparecendo.
Como parte disso, seria bom examinar o relacionamento entre os
gêneros na sua geração. Nas décadas de 1920 e 1930, os homens e mulheres
tentavam transpor as suas diferenças, se socializar o máximo possível em
grupos mistos. Os ícones masculinos eram muitas vezes bem femininos,
como Rudolph Valentino; e os ícones femininos tinham uma qualidade
masculina ou andrógina proeminente, como Marlene Dietrich e Josephine
Baker. Contraste isso com a década de 1950 e a divisão súbita e intensa
entre os gêneros, revelando um desconforto inconsciente e uma ruptura em
relação às tendências de inversão de gêneros que todos sentimos (veja o
Capítulo 12).
Ao observar a Sombra da sua geração, tenha em mente que a sua
tendência a um extremo – o materialismo, a espiritualidade, a aventura, a
segurança – esconde uma atração oculta pelo oposto. Uma geração como a
que chegou à maioridade na década de 1960 parecia desinteressada em
relação a bens materiais. Os seus valores principais eram espirituais e
interiores, sendo espontânea e interpretada como autêntica, tudo isso em
reação aos pais materialistas. Contudo, por baixo desse espírito, era possível
detectar uma atração secreta pelo lado material da vida, no desejo de
sempre ter o melhor de tudo – o sistema de som mais recente, as drogas da
melhor qualidade, as roupas mais bacanas. Essa atração se revelou em toda
a sua verdade durante os anos yuppie do fim da década de 1970 e início da
de 1980.
Com todo esse conhecimento acumulado, você conseguirá formar um
perfil abrangente da sua geração, tão complexo e orgânico quanto o
fenômeno em si.
A sua terceira tarefa, portanto, é expandir esse conhecimento para algo
mais amplo, tentando primeiro juntar os pedaços do que poderia ser
considerado
o
zeitgeist.
Nesse
sentido,
estude
especialmente
o
relacionamento entre as duas gerações dominantes: jovens adultos (entre 22
e 44 anos) e aqueles na meia-idade (45 a 66 anos). Não importa quão
próximos os pais e filhos dessas gerações pareçam ser, há sempre uma
tensão subjacente, junto com algum ressentimento e inveja. Há diferenças
naturais entre os valores dessas gerações e entre os modos como elas veem
o mundo. Examine essa tensão e determine qual geração tende a dominar e
como essa dinâmica de poder está se modificando no presente. Também
seria bom analisar em qual parte do padrão histórico mais amplo a sua
geração se encaixaria.
Essa percepção geral renderá vários benefícios importantes. Por
exemplo, a sua perspectiva geracional tende a criar um tipo específico de
miopia. Cada geração tende a algum desequilíbrio à medida que reage
contra a anterior. Ela vê e julga tudo segundo certos valores que defende em
detrimento de outros e fecha a mente para outras possibilidades. Podemos
ser tanto idealistas quanto pragmáticos, valorizar tanto o trabalho em equipe
quanto o nosso espírito individual etc. Há muito a ser ganho ao se olhar
para o mundo pela perspectiva dos seus pais ou dos seus filhos, e até ao se
adotar alguns dos valores deles. Sentir que a sua geração é superior é apenas
uma ilusão. A sua percepção o libertará desses bloqueios mentais, tornando
a sua mente mais fluida e criativa. Você será capaz de moldar os seus
próprios valores e ideias, e não ser somente um produto do seu tempo.
Com a sua percepção do zeitgeist geral, você também entenderá o
contexto histórico. Terá uma noção de para onde o mundo está indo.
Conseguirá prever o que vem a seguir. Com esse conhecimento, será capaz
de colocar o seu próprio espírito individual em ação e ajudar a modelar esse
futuro que está em gestação no presente.
Sentir uma conexão profunda com a corrente ininterrupta da história, e
com o seu papel nesse grande drama histórico, o preencherá com uma
calma que tornará tudo na vida mais suportável. Você não terá reações
exageradas diante do ultraje do dia. Não ficará vidrado na última tendência.
Terá consciência do padrão que tenderá a se voltar para uma direção
diferente num certo período de tempo. Caso se sinta em desarmonia com os
tempos, saberá que os dias ruins terão fim e poderá fazer a sua parte para
que a próxima onda aconteça.
Tenha em mente que é mais crucial do que nunca possuir esse
conhecimento, por dois motivos. Em primeiro lugar, apesar de quaisquer
sentimentos antiglobalistas que existam no mundo, a tecnologia e as redes
sociais nos unificaram de maneiras inalteráveis. Isso significa que as
pessoas de uma geração muitas vezes têm mais em comum com aquelas em
outras culturas, mas da mesma geração, do que com gerações mais velhas
dentro do seu próprio país. Essa conjuntura sem precedentes significa que o
zeitgeist está mais diretamente globalizado do que nunca, tornando o
conhecimento disso muito mais essencial e poderoso.
E em segundo lugar, por causa dessas mudanças nítidas iniciadas pelas
inovações tecnológicas, o ritmo se acelerou, criando uma dinâmica
autorrealizada. Os jovens se sentem quase viciados a esse ritmo e desejam
mais mudanças, mesmo que sejam de uma natureza trivial. Com o ritmo em
aceleração, há mais crises, que apenas apressam o processo. Esse ritmo
tenderá a deixá-lo tonto e fazê-lo perder a perspectiva. Você talvez imagine
que alguma mudança trivial seja revolucionária, e assim ignorará a
verdadeira mudança revolucionária que está ocorrendo. Você não
conseguirá se manter atualizado, muito menos prever o que vem a seguir.
Apenas a sua percepção geracional, a sua perspectiva histórica calma, lhe
permitirá dominar esses tempos.
ESTRATÉGIAS PARA EXPLORAR O ESPÍRITO DOS TEMPOS
Para tirar o máximo proveito do zeitgeist, comece com uma simples
premissa: você é o produto dos tempos assim como qualquer um; a geração
em que nasceu moldou os seus pensamentos e valores, esteja você
consciente disso ou não. Desse modo, se notar por dentro alguma frustração
com a situação do mundo ou com a geração mais velha, ou se observar que
há algo faltando na cultura, é quase certo que a sua geração está se sentindo
da mesma forma. E se você for aquele a expressar esse sentimento, o seu
trabalho encontrará uma ressonância com a sua geração e ajudará a moldar
o zeitgeist. Com isso em mente, ponha em prática algumas das seguintes
estratégias, ou todas elas.
Resista ao passado. Você talvez sinta uma necessidade profunda de
criar algo novo e mais relevante à sua geração, mas o passado quase sempre
exercerá uma forte atração sobre você, na forma dos valores dos seus pais,
valores que internalizou quando criança. É inevitável que você sinta um
pouco de medo e um conflito interior e, por causa disso, talvez hesite
quanto a partir na velocidade máxima com seja o que for que você faça ou
expresse, e a sua oposição às formas antigas de fazer as coisas tenderá a ser
bem tépida.
Em vez disso, force-se na direção contrária. Utilize o passado e os seus
valores ou ideias como algo ao que resistir com grande força, empregando
qualquer raiva que sinta para ajudá-lo nisso. Torne a sua ruptura com o
passado o mais brusca e clara possível. Expresse o que é tabu; despedace as
convenções que a geração mais velha segue. Tudo isso excitará e atrairá as
pessoas da sua geração, muitas das quais vão querer seguir o seu exemplo.
Foi sendo audacioso e se opondo à geração mais velha que o conde de
Essex simbolizou o espírito novo e confiante da Inglaterra pós-armada e se
tornou o queridinho da sua geração (veja mais sobre isso no Capítulo 15).
Danton conquistou o poder pelo esforço despendido ao desafiar a
monarquia e fomentar a república. Na década de 1920, a dançarina afroamericana Josephine Baker passou a exemplificar o novo espírito de
espontaneidade entre a geração perdida ao tornar as suas apresentações tão
irrefreadas e chocantes quanto possível. Ao romper de forma tão profunda
com as imagens passadas das recatadas primeiras-damas norte-americanas
anteriores, Jacqueline Kennedy se tornou o ícone do novo espírito do início
da década de 1960. Ao ir mais adiante nessa direção, você criará um
impacto com o que há de novo, e incitará desejos entre aqueles que estão
esperando para se manifestar.
Adapte o passado ao espírito do presente. Uma vez que você
identificar a essência do zeitgeist, seria uma estratégia sábia encontrar
algum momento ou período análogos na história. As frustrações e rebeliões
da sua geração decerto foram sentidas em alguma medida por uma geração
anterior e foram expressas de maneira dramática. Os líderes dessas gerações
passadas ressoam pela história e adquirem um tipo de tonalidade mítica
quanto mais se avança no tempo. Ao se associar com essas figuras ou
épocas, você dá um peso maior a qualquer movimento ou inovação que
estiver promovendo. Tome alguns dos símbolos e estilos emocionalmente
carregados desse período histórico e os adapte, dando a impressão de que o
que você está tentando fazer no presente é uma versão mais perfeita e
progressista daquilo que aconteceu no passado.
Ao fazer isso, pense em termos míticos e grandiloquentes. Danton se
associou a Cícero, cujos discursos e ações em favor da república romana e
contra a tirania tinham uma ressonância natural para muitos franceses e
davam à missão de Danton o grande peso do passado antigo. O cineasta
Akira Kurosawa trouxe de volta à vida o mundo do guerreiro samurai, tão
celebrado na cultura japonesa, mas recriado de forma a permitir que ele
fizesse comentários criteriosos sobre as questões e os ânimos do Japão do
período pós-guerra. Ao concorrer à presidência, John F. Kennedy queria
anunciar um novo espírito norte-americano que se moveria para além da
estagnação da década de 1950. Ele chamou os programas que iria iniciar de
Nova Fronteira, associando as suas ideias ao espírito pioneiro entranhado de
forma tão reverente na psique norte-americana. Essa imagem se tornou uma
parte poderosa do que o tornava atraente.
Ressuscite o espírito da infância. Ao trazer de volta à vida o espírito
dos seus primeiros anos de vida – o humor, os acontecimentos históricos
decisivos, os estilos e produtos do período, a sensação no ar que o afetava –,
você atingirá um público vasto, englobando todos que vivenciaram aqueles
anos de maneira semelhante. Foi um tempo da vida de grande intensidade
emocional e, ao recriá-lo de alguma forma, mas refletido pelos olhos de um
adulto, o seu trabalho ressoará junto aos seus colegas de geração. Você deve
empregar essa estratégia apenas se sentir uma conexão especialmente
poderosa com a sua infância. Caso contrário, a sua tentativa de recriar o
espírito parecerá forçada e sem vida.
Tenha em mente que o seu objetivo não é uma recriação literal do
passado, mas a captura do seu espírito. Para ter poder real, o ideal seria se
conectar a alguma questão ou problema no presente, e não apenas invocar
uma dose inconsequente de nostalgia. Se estiver inventando algo, tente
atualizar e incorporar sutilmente os estilos daquele período da infância,
explorando a atração inconsciente que sentimos por essa fase inicial da
vida.
Crie a nova configuração social. Faz parte da natureza humana que as
pessoas anseiem por mais interações sociais com aqueles com quem sentem
afinidade. Você sempre conquistará um grande poder ao construir uma nova
forma de interagir que atraia a sua geração. Organize um grupo em torno de
ideias e valores novos que estejam no ar, ou da tecnologia mais recente que
lhe permita unir de uma maneira original aqueles que pensam de forma
semelhante. Elimine os intermediários que costumavam estabelecer
barreiras que impediriam as associações mais livres de indivíduos. Nessa
nova forma de grupo, é sempre sábio introduzir alguns rituais que unam os
membros e alguns símbolos com os quais eles se identifiquem.
Vemos muitos exemplos disso no passado – os salons da França do
século 17, onde homens e mulheres conversavam abertamente e com
liberdade; nas lojas maçônicas na Europa do século 18, com os seus rituais
secretos e ar de subversão; nos speakeasies e clubes de jazz da década de
1920, em que reinava o espírito de “vale tudo”; ou, mais recentemente, nas
plataformas e grupos on-line, ou flash mobs. Ao utilizar essa estratégia,
pense nos elementos repressivos do passado de que o ser humano gostaria
de se livrar. Esses poderiam ser um período de retidão embrutecida ou
puritanismo, ou de conformismo extremo, ou da desvalorização do
individualismo e de todo o egoísmo que isso gera. O grupo que você
estabelecer permitirá o florescimento de um novo espírito e até oferecerá a
excitação de romper com a retidão e quebrar tabus do passado.
Subverta o espírito. Você talvez se veja em conflito com alguma parte
do espírito da sua geração ou do tempo em que vive. Talvez se identifique
com alguma tradição do passado que tenha sido substituída, ou os seus
valores sejam diferentes de alguma maneira por causa do seu próprio
temperamento individual. Qualquer que seja a razão, nunca é sábio pregar
ou moralizar ou condenar o espírito dos tempos. Você só acabará se
alienando. Se o espírito dos tempos for como uma maré ou uma correnteza,
é melhor encontrar uma maneira gentil de desviá-lo, em vez de lutar contra
a sua direção. Você terá mais poder e exercerá um efeito maior ao agir
dentro do zeitgeist e subvertê-lo.
Por exemplo, você pode criar algo – um livro, um filme, qualquer
produto – que tenha um visual e uma atmosfera dos tempos atuais, até num
nível exagerado. Entretanto, por meio do conteúdo que produz, você insere
ideias e um espírito que é um pouco diferente, que aponta para o valor do
passado que você prefere, ou retrata outra maneira possível de se relacionar
com os acontecimentos ou interpretá-los, ajudando a soltar a moldura
geracional apertada pela qual as pessoas veem o mundo delas.
Depois da Segunda Guerra Mundial, os famosos estilistas de moda
europeus sentiam um grande desdém pelo mercado norte-americano que
então dominava o mundo. Não gostavam da cultura popular que emergia e
da sua vulgaridade. A estilista Coco Chanel sempre havia enfatizado a
elegância em seus desenhos e decerto compartilhava em parte dessa
antipatia. Contudo, ela seguiu na direção oposta de outros estilistas da
época: aceitou o novo poder das mulheres norte-americanas e lhes satisfez o
desejo por roupas que fossem menos complexas e mais atléticas.
Conquistando-lhes a confiança e empregando a linguagem delas, Chanel
agora tinha um grande poder para alterar sutilmente os gostos norteamericanos, introduzindo mais da sua verdadeira sensibilidade e
transmitindo alguma elegância aos desenhos despojados que as norteamericanas adoravam. Desse modo, ajudou a redirecionar o zeitgeist na
moda, antecipando as mudanças do início da década de 1960. Esse é o
poder que vem de trabalhar com o espírito, em vez de contra ele.
Continue se adaptando. Foi na sua juventude que a sua geração
construiu esse espírito específico, um período de intensidade emocional que
costumamos recordar com carinho. O problema que você enfrenta é que, ao
envelhecer, tende a permanecer preso aos valores, ideias e estilos que
marcaram essa época. Você se torna um tipo de caricatura do passado para
os que são mais jovens, parando de evoluir com o seu pensamento. O tempo
o deixa para trás, o que o faz se apegar com ainda mais força ao passado
como a sua única âncora. E, à medida que envelhece, e cada vez mais
pessoas ocupam o palco público, você reduz a sua plateia.
Não é que você deva abandonar o espírito que o marcou, o que seria
impossível de qualquer maneira. Tentar imitar os estilos da geração mais
jovem só o fará parecer falso e ridículo. Modernize o seu espírito e adote, se
possível, alguns dos valores e ideias da geração mais jovem que o
interessam, ganhando um público novo e mais amplo ao mesclar a sua
experiência e perspectiva com as mudanças em andamento, tornando-se um
híbrido incomum e atraente.
Para o diretor cinematográfico Alfred Hitchcock, a década que moldou
a sua identidade e obra foi a de 1920, quando ele entrou na indústria e se
tornou diretor. O que importava mais naqueles filmes mudos era aperfeiçoar
a linguagem visual para contar uma história. Hitchcock dominou a arte de
utilizar ângulos e movimentos de câmera para fazer os espectadores se
sentirem no meio da história.
Ele nunca abandonou essa obsessão com a linguagem visual por todas
as seis décadas em que trabalhou como diretor, mas adaptou de forma
contínua o seu estilo – para os espetáculos de cores tão em voga na década
de 1950 e para os filmes populares de suspense e horror nas décadas de
1960 e 1970. Diferentemente de outros diretores que, ao envelhecerem,
saíram completamente de moda ou apenas tentaram imitar o estilo
contemporâneo, Hitchcock criou um híbrido do passado e do presente. Isso
deu aos seus filmes posteriores uma tremenda profundidade, pois ele havia
incorporado todas as adaptações de pontos anteriores da sua carreira. Os
filmes dele atraíam um grande público, mas eram únicos por causa dessas
camadas de inovações introduzidas na obra. Essa profundidade sempre terá
um efeito incrível sobre qualquer público, pois o seu trabalho parecerá se
estender além do tempo.
O SER HUMANO ALÉM DO TEMPO E DA MORTE
Nós, seres humanos, somos peritos em transformar tudo em que pomos
as mãos. Mudamos por completo o ambiente do planeta Terra para que se
adequasse aos nossos propósitos. Nós nos transformamos de uma espécie de
físico fraco no animal social mais proeminente e poderoso, efetivamente
aumentando e reprogramando o nosso cérebro no processo. Somos
irrequietos e a nossa inventividade não tem fim. No entanto, há uma área
que parece desafiar os nossos poderes de transformação – o próprio tempo.
Nascemos e entramos no fluxo da vida, e cada dia ele nos carrega para mais
perto da morte. O tempo é linear, sempre avançando, e não há nada que
possamos fazer para lhe deter o curso.
Passamos por várias fases, que nos marcam de acordo com padrões
além do nosso controle. O nosso corpo e mente desaceleram e perdem a
elasticidade da juventude. Impotentes, vemos cada vez mais jovens
encherem o palco da vida, empurrando-nos para os bastidores. Nascemos
num período da história e numa geração que não são da nossa escolha e que
parecem determinar tanto do que somos e do que nos acontece. A nossa
natureza ativa é neutralizada e, embora não registremos isso de forma
consciente, a nossa impotência aqui é a raiz de muito da nossa ansiedade e
crises de depressão.
Se olharmos mais de perto, porém, para a nossa experiência pessoal do
tempo, notamos algo peculiar: a passagem das horas e dos dias se altera
dependendo do nosso ânimo e circunstâncias. Uma criança e um adulto
vivenciam o tempo de maneiras bem diferentes. Para a primeira, ele se
move bem devagar; para o segundo, é rápido demais. Quando estamos
entediados, o tempo parece vazio, se arrastando; quando estamos
entusiasmados e nos divertindo, gostaríamos que ele fosse mais devagar.
Quando estamos calmos e contemplativos, ele talvez passe mais devagar,
mas a sensação é plena e satisfatória.
O que isso significa, em geral, é que o tempo é uma criação humana,
uma maneira de medirmos a sua passagem para os nossos próprios
propósitos, e a nossa experiência dessa criação artificial é bem subjetiva e
mutável. Temos o poder de atrasá-lo e acelerá-lo de forma consciente. O
nosso relacionamento com o tempo é mais maleável do que pensamos.
Embora não sejamos capazes de deter o processo de envelhecimento ou de
desafiar a realidade derradeira da morte, temos como alterar a experiência
desses fatores, transformando o que é doloroso e deprimente em algo bem
diferente. Podemos fazer o tempo nos parecer mais cilíndrico do que linear;
podemos até sair do fluxo e vivenciar formas de atemporalidade. Não temos
de permanecer trancados no porão da nossa geração e da sua perspectiva.
Embora isso possa parecer uma ideia ilusória, é possível indicar várias
figuras históricas – Leonardo da Vinci e Johann Wolfgang von Goethe, para
mencionar dois casos – que transcenderam de forma consciente a própria
era e descreveram a sua experiência transformada do tempo. É um ideal, um
que a nossa natureza ativa permite, e que vale a pena tentar alcançar em
alguma medida.
Aqui está como podemos aplicar essa abordagem ativa a quatro aspectos
elementares do tempo.
As fases da vida. Ao passarmos pelas fases da vida – juventude, início
da vida adulta, meia-idade, e velhice –, notamos em nós mesmos certas
mudanças comuns. Na nossa juventude, sentimos a vida de maneira mais
intensa. Somos mais emocionais e vulneráveis. A maioria de nós tende a ter
um foco voltado para o lado exterior, uma preocupação com o que as
pessoas pensam a nosso respeito e como nos encaixamos. Apesar de sermos
mais gregários, somos também propensos a comportamentos tolos e à noção
de termos uma superioridade moral.
Ao crescermos, a intensidade diminui, a nossa mente tende a se
restringir em torno de certas ideias e crenças convencionais. Aos poucos,
nos tornamos menos preocupados com o que dizem de nós, e assim nos
direcionamos mais para dentro. O que ganhamos às vezes nessas fases
posteriores é algum distanciamento da vida, algum autocontrole, e talvez a
sabedoria que vem das experiências acumuladas.
Temos o poder, porém, de mitigar ou deixar de lado as qualidades
negativas que costumam acompanhar certas fases da vida, desafiando, de
certo modo, o próprio processo de envelhecimento. Por exemplo, quando
somos jovens, podemos nos esforçar para diminuir a influência do grupo
sobre nós e não nos fixarmos tanto no que os outros estão pensando ou
fazendo. Podemos nos direcionar mais para dentro, buscar uma harmonia
maior com a nossa singularidade (veja mais sobre isso no Capítulo 13).
Podemos desenvolver de maneira consciente mais dessa distância interior
que nos vem com naturalidade com o passar dos anos, pensar com mais
profundidade sobre as nossas experiências, aprender lições a partir delas, e
desenvolver uma sabedoria prematura.
Ao envelhecermos, devemos lutar para reter as qualidades positivas da
juventude que costumam desaparecer com o passar dos anos. Por exemplo,
podemos reconquistar parte da curiosidade natural que tínhamos quando
crianças ao deixar de lado um pouco da nossa presunção e atitude de que
sabemos de tudo, algo que costuma nos dominar ao amadurecermos.
Devemos continuar a observar o mundo por uma moldura nova,
questionando os nossos próprios valores e preconceitos, tornando a nossa
mente mais fluida e criativa no processo. Como parte disso, podemos
aprender uma nova habilidade ou estudar uma nova matéria para que
sejamos levados de volta à alegria que sentíamos no passado, ao aprender
algo novo. Também podemos meditar sobre algumas das experiências mais
intensas da nossa juventude, colocando-nos de volta naqueles momentos
por meio da imaginação, nos conectando mais a fundo com quem éramos.
Sentiremos essa intensidade juvenil retornar em alguma medida nas nossas
experiências do presente.
Parte do motivo por que nos tornamos menos gregários com o passar
dos anos é que nos tornamos mais críticos e intolerantes quanto às
peculiaridades das pessoas, o que não amplia a nossa experiência de vida. É
possível alterar isso também ao entendermos melhor a natureza humana e
ao aceitarmos os outros como eles são.
Envelhecer tem um componente psicológico e pode ser uma profecia
autorrealizada. Nós nos convencemos de que estamos diminuindo o ritmo e
não conseguimos realizar ou tentar o mesmo que conseguíamos no passado,
e, ao agir de acordo como esses pensamentos, intensificamos esse processo,
que nos torna deprimidos e predispostos a desacelerar ainda mais. Vemos
ícones do passado que seguiram na direção oposta, como foi o caso de
Benjamin Franklin, que continuou desafiando seu corpo e sua mente
enquanto envelhecia, e que, pelo que se sabe, reteve uma atitude jovial e
encantadoramente infantil ainda aos 70 e 80 anos de idade.
Gerações atuais. A sua meta aqui é ser menos um produto da época em
que vive e ganhar a habilidade de transformar o seu relacionamento com a
sua geração. Uma maneira fundamental de fazer isso é por meio de
associações ativas com pessoas de gerações diferentes. Se você for mais
jovem, tente interagir mais com os mais velhos. Cultive um relacionamento
com alguns deles, os que demonstrarem um espírito com o qual você se
identifica, como mentores ou exemplos a serem seguidos. Com outros você
pode se relacionar como se fossem colegas – sem se sentir superior ou
inferior, mas prestando muita atenção aos seus valores, ideias e
perspectivas, ajudando a ampliar os seus próprios.
Se você for mais velho, inverta isso ao interagir de forma ativa com
aqueles da geração mais nova, não como um pai ou figura de autoridade,
mas como colega. Permita-se absorver o espírito, as maneiras diferentes de
pensar e o entusiasmo dos mais jovens. Aborde-os com a ideia de que eles
têm algo a lhe ensinar.
Ao interagir num nível mais autêntico com pessoas de gerações
diferentes, você criará um laço único – o de indivíduos vivos na mesma
época na história. Isso só expandirá a sua compreensão do zeitgeist.
Gerações passadas. Quando pensamos na história, tendemos a pintar o
passado como um tipo de caricatura morta e sem espírito. Talvez nos
sintamos presunçosos e superiores em relação às eras passadas, por isso nos
concentramos naqueles aspectos que indicam ideias e valores retrógrados
(sem percebermos que as gerações futuras farão o mesmo conosco), vendo
o que queremos ver. Ou então projetamos no passado ideias e valores do
presente, que têm pouca relação com o modo como as pessoas vivenciavam
o mundo no passado. Removemos a perspectiva geracional deles, algo que
vemos de maneira mais óbvia em filmes históricos, em que as pessoas
falam e agem bem como nós, só que em trajes de época. Ou apenas
ignoramos a história, imaginando que ela não tem nenhuma relevância com
a nossa experiência atual.
Precisamos nos livrar dessas noções e hábitos absurdos. Não somos tão
superiores àqueles no passado quanto gostaríamos de imaginar (veja as
questões da irracionalidade, miopia, inveja, grandiosidade, conformismo e
agressão nos capítulos anteriores). Houve momentos culturais na história
que foram superiores ao nosso quanto à democracia participativa, ou ao
pensamento criativo, ou à vitalidade cultural. Houve períodos no passado
em que o ser humano tinha uma compreensão melhor da psicologia e um
realismo revigorante que nos faria parecer bem iludidos em comparação.
Embora a natureza humana permaneça constante, aqueles no passado
enfrentaram circunstâncias diversas com níveis diferentes de tecnologia, e
tinham valores e crenças bem diferentes dos nossos, e não necessariamente
inferiores. Seus valores refletiam as suas circunstâncias diferentes, e nós os
teríamos compartilhado também.
O que é mais importante, porém, é que precisamos entender que o
passado não está, de jeito nenhum, morto. Não emergimos na vida como
folhas em branco, independentes de milhões de anos de evolução. Tudo o
que pensamos e vivenciamos, os nossos pensamentos e crenças mais
íntimos, são moldados pelas lutas das gerações passadas. Tantas das
maneiras com que nos relacionamos com o mundo hoje vêm de mudanças
no pensamento de muito tempo atrás.
Sempre que vemos pessoas que sacrificam tudo por alguma causa, elas
estão revivendo uma alteração de valores iniciada pelos primeiros cristãos
do século 1, que revolucionaram a nossa maneira de pensar ao devotar
todos os aspectos da vida a algum ideal. Sempre que nos apaixonamos e
idealizamos o ser amado, estamos revivendo as emoções que os trovadores
do século 12 introduziram no mundo ocidental, um sentimento que nunca
havia existido antes.
Quando enaltecemos as emoções e a espontaneidade acima do intelecto
e do esforço, estamos revivendo o que os movimentos do Romantismo do
século 18 introduziram pela primeira vez na nossa psicologia. Não temos
consciência disso tudo, mas nós, no presente, somos produtos mistos de
todas as mudanças acumuladas na psicologia e pensamento humanos. Ao
transformar o passado em algo morto, estamos apenas negando quem
somos. Nós nos tornamos bárbaros, sem raízes, desconectados da nossa
natureza.
Altere de modo radical a sua própria relação com a história, trazendo-a
de volta à vida dentro de você. Comece com alguma era do passado, uma
que o entusiasme em particular por qualquer motivo. Tente recriar o espírito
desses tempos, entrar na experiência subjetiva dos personagens sobre quem
está lendo, usando a sua imaginação ativa. Veja o mundo pelos olhos deles.
Faça uso dos excelentes livros escritos nos últimos cem anos para obter uma
noção da vida cotidiana nesses períodos específicos (por exemplo, Everyday
life in Ancient Rome, de Lionel Casson, ou O outono da Idade Média, de
Johan Huizinga). Na literatura da época, você detectará o espírito
prevalecente. Os romances de F. Scott Fitzgerald lhe darão uma conexão
bem mais vívida à Era do Jazz do que qualquer trabalho acadêmico sobre o
assunto. Deixe de lado qualquer tendência de julgar ou moralizar. As
pessoas vivenciaram o momento presente delas dentro de um contexto que
lhes fazia sentido. Você precisa entender isso de dentro para fora.
Dessa maneira, o leitor se sentirá diferente acerca de si mesmo. O seu
conceito de tempo se expandirá e você perceberá que, se o passado vive
dentro de você, o que faz hoje e o mundo em que vive sobreviverão e
afetarão o futuro, conectando-o com o espírito humano maior que se move
por meio de todos nós. Você, neste momento, é uma parte dessa corrente
ininterrupta. E isso pode ser uma experiência inebriante, uma estranha
insinuação de imortalidade.
O futuro. Entendemos o nosso efeito sobre o futuro de forma mais clara
no nosso relacionamento com os nossos filhos, ou com os jovens que
influenciamos, de algum modo, como professores ou mentores. Essa
influência durará anos após termos partido. Entretanto, o nosso trabalho,
aquilo que criamos e com que contribuímos à sociedade, exerce um poder
ainda maior e pode se tornar parte de uma estratégia consciente para nos
comunicarmos com aqueles no futuro e influenciá-los. Pensar dessa maneira
altera de fato o que dizemos e fazemos.
Leonardo da Vinci decerto seguiu essa estratégia. Ele tentava sempre
visualizar como o futuro seria, e viver nele por meio da sua imaginação.
Vemos provas disso nos seus desenhos de possíveis invenções que poderiam
existir, algumas das quais, como as máquinas voadoras, ele de fato tentou
criar. Ele também pensava a fundo sobre os valores que as pessoas no futuro
viriam a defender, valores que não existiam ainda nos tempos em que ele
vivia. Por exemplo, sentia uma afinidade profunda por animais e os via
como seres com almas, uma crença sem precedentes na época. Isso o
impeliu a se tornar vegetariano e a sair libertando aves das gaiolas no
mercado. Ele via toda a natureza como uma só, incluindo os seres humanos,
e imaginava um futuro em que essa crença seria compartilhada.
A grande romancista, filósofa e feminista Mary Wollstonecraft (17591797) acreditava que nós, seres humanos, somos mesmo capazes de criar o
futuro a partir de como o imaginamos no presente. Para ela, em sua curta
vida, muito disso veio ao criar um futuro em que os direitos das mulheres e,
o que é mais importante, os poderes de raciocínio delas receberiam o
mesmo peso que o dos homens. O fato de ela pensar nesses termos
realmente teve uma influência profunda no futuro.
Talvez um dos exemplos mais fantásticos disso seja o cientista,
romancista e filósofo Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), que
aspirava a um tipo de conhecimento universal, semelhante ao de Leonardo,
pelo que tentou dominar todas as formas de inteligência humana, mergulhar
em todos os períodos da história e, desse modo, ser capaz não apenas de ver
o futuro, mas de se comunicar com os seus habitantes. Ele previu muitas
das grandes tendências políticas dos séculos 19 e 20, inclusive a unificação
da Europa após a Segunda Guerra Mundial. Imaginou muitos dos avanços
tecnológicos e os efeitos que estes teriam no nosso espírito. Foi alguém que
tentou de fato viver fora do seu tempo, e os seus poderes proféticos eram
lendários entre os amigos.
Por fim, às vezes sentimos que nascemos no período errado da história,
fora de sintonia. No entanto, estamos trancados nesta época e precisamos
viver nela. Se esse for o caso, essa estratégia de imortalidade pode nos
trazer algum alívio. Teremos consciência dos ciclos da humanidade e de
como o pêndulo vai balançar e os tempos vão mudar, talvez depois que
tenhamos partido. Dessa forma, olharemos para o futuro e sentiremos uma
conexão com aqueles que viveram muito além deste momento terrível.
Poderemos tentar alcançá-los, torná-los parte do nosso público. Algum dia,
eles lerão sobre nós ou lerão as nossas palavras, e a conexão seguirá em
ambas as direções, indicando essa suprema habilidade de as pessoas
superarem a própria época e a finalidade da morte.
As deficiências de um homem são tomadas da sua época; as suas virtudes e grandeza
pertencem a ele mesmo.
— Johann Wolfgang von Goethe
18
Medite sobre a nossa mortalidade comum
A Lei da Negação da Morte
A maioria de nós passa o tempo todo evitando pensar na morte. Em vez
disso, deveríamos ter a inevitabilidade da morte sempre em mente.
Entender a brevidade da vida nos enche com um senso de propósito e
urgência para realizar os nossos objetivos. Ao nos treinarmos para
confrontar e aceitar essa realidade, teremos mais facilidade para lidar com
os obstáculos, separações e crises inevitáveis. Isso nos dará um senso de
proporção, daquilo que importa de fato na nossa curta existência. O ser
humano procura o tempo todo por maneiras de se separar dos outros e se
sentir superior. Em vez disso, devemos ver a mortalidade em todos, e
enxergar o modo como ela nos iguala e conecta. Ao nos tornarmos mais
cientes da nossa mortalidade, intensificaremos a nossa experiência de cada
aspecto da vida.
A BALA NO FLANCO
Quando criança, crescendo em Savannah, no estado norte-americano da
Geórgia, Mary Flannery O’Connor (1925-1964) sentia uma conexão forte e
poderosa com o pai, Edward. Parte disso vinha naturalmente da
impressionante semelhança física entre os dois – os mesmos olhos grandes
e penetrantes, as mesmas expressões faciais. No entanto, o que era mais
importante para Mary era que toda a maneira de eles pensarem e sentirem
parecia estar em sintonia perfeita. Ela percebia isso quando o pai
participava dos jogos que ela inventava – Edward entrava de forma tão
natural no espírito da coisa, e a imaginação dele se movia numa direção
muito similar à dela. Ambos tinham meios de se comunicar sem dizer uma
única palavra.
Mary, filha única, não sentia o mesmo em relação à mãe, Regina, que
vinha de uma classe social superior à do marido e que tinha aspirações de
ser uma figura importante na sociedade local. A mãe queria moldar a filha,
bem estudiosa e reclusa, numa perfeita dama sulista, mas Mary, teimosa e
voluntariosa, não cooperava. Considerava a mãe e os outros parentes um
pouco formais e superficiais. Aos 10 anos, ela escreveu uma série de
caricaturas deles, que ela chamou de “My Relitives” (grafia incorreta de My
Relatives, ou “Meus parentes”). Com espírito travesso, deixou que todos
lessem as vinhetas, e a reação deles foi, naturalmente, de choque – não
apenas por como haviam sido retratados, mas também pelo humor afiado da
menina de 10 anos.
Para o pai, porém, as caricaturas eram maravilhosas. Ele as colecionou
num livrinho que mostrava aos visitantes, prevendo um grande futuro para a
filha como escritora. Muitos reconheciam desde cedo que ela era diferente
das outras crianças, até um pouco excêntrica, e Mary se deleitava com o
orgulho que o pai expressava pelas qualidades incomuns dela.
Mary entendia-o tão bem que ela se assustou quando, no verão de 1937,
percebeu uma mudança na energia e espírito dele. A princípio era algo sutil
– erupções cutâneas no rosto, uma fadiga súbita que lhe acometia durante as
tardes. Ele começou a tirar sonecas cada vez mais longas e sofria crises
frequentes de gripe, com o corpo todo tremendo. De vez em quando, a
garota escutava por trás das portas quando os pais conversavam sobre
doenças, e o que ela conseguiu discernir era que havia algo de muito errado.
A firma imobiliária que o pai fundara alguns anos antes não estava indo
muito bem, e ele teve de desistir dela. Alguns meses depois, conseguiu
obter um emprego governamental em Atlanta, que não pagava muito bem.
Para administrar o orçamento apertado da família, Mary e a mãe se
mudaram para uma casa espaçosa que pertencia a parentes na cidade de
Milledgeville, no centro da Geórgia, não muito longe de Atlanta.
Em 1940, Edward estava fraco demais para continuar no emprego e se
mudou de volta para casa. Nos meses seguintes, Mary o viu se tornar mais
magro e debilitado a cada dia, atormentado por dores lancinantes nas juntas,
até falecer, afinal, em 1o de fevereiro de 1941, aos 45 anos. Meses mais
tarde, ela descobriu que a doença dele era conhecida como lúpus
eritematoso – uma enfermidade que faz o corpo produzir anticorpos que
atacam e enfraquecem os próprios tecidos saudáveis. (Hoje é conhecida
como lúpus eritematoso sistêmico, em sua versão mais grave.)
Após o falecimento do amado pai, Mary se sentiu abalada demais para
falar com qualquer um sobre a perda, mas confiou a um caderno secreto o
efeito que a morte teve sobre ela: “A realidade da morte desceu sobre nós e
uma consciência do poder de Deus rompeu a nossa complacência, como
uma bala no flanco. Um senso do dramático, do trágico, do infinito caiu
sobre nós, enchendo-nos de tristeza, mas mais do que tristeza, assombro”.
Ela teve a sensação de que uma parte dela morrera, tão ligados haviam sido
os dois na vida um do outro. No entanto, além da ferida súbita e violenta
infligida a ela, Mary foi levada a se perguntar sobre o que tudo significava
no esquema cósmico mais amplo. Intensamente devota à fé católica,
imaginava que tudo acontecia por algum motivo e era parte do plano
misterioso de Deus. Algo tão importante quanto a morte precoce do pai
precisava ter um sentido.
Nos meses seguintes, Mary passou por uma mudança. Ela se tornou
excepcionalmente séria e dedicada ao trabalho escolar, algo a que havia sido
bem indiferente no passado. Começou a escrever histórias mais longas e
ambiciosas. Frequentou a faculdade local para mulheres e impressionou os
professores com as suas habilidades literárias e a profundidade do seu
pensamento. Decidira que o pai lhe adivinhara corretamente o destino – ser
escritora.
Cada vez mais confiante em seus poderes criativos, decidiu que o seu
sucesso dependia de sair da Geórgia. Morar com a mãe em Milledgeville a
fazia se sentir claustrofóbica. Ela se inscreveu na Universidade de Iowa e
foi aceita com uma bolsa de estudos integral para o ano acadêmico que se
iniciava em 1945. A mãe lhe implorou que reconsiderasse, pensando que a
filha única era frágil demais para viver sozinha, mas Mary estava
determinada. E, matriculada na famosa Oficina Literária da universidade,
resolveu simplificar o nome para Flannery O’Connor, sinalizando a sua
nova identidade.
Trabalhando com determinação feroz e disciplina, Flannery passou a
atrair a atenção por seus contos e pelos personagens do sul que descrevia e
que parecia conhecer tão bem, expondo as qualidades sombrias e grotescas
ocultas sob a superfície da gentileza sulista. Ela recebeu convites de agentes
e editoras, e as revistas mais respeitadas aceitaram as histórias dela.
Depois de Iowa, Flannery se mudou para a costa leste, se estabelecendo
em Connecticut numa casa de campo dos amigos Sally e Robert Fitzgerald,
que lhe alugaram um quarto. Lá, sem distrações, ela trabalhou com ardor no
seu primeiro romance. O futuro parecia tão promissor, e tudo seguia de
acordo com o plano que ela traçara para si depois da morte do pai.
No Natal de 1949, ela voltou a Milledgeville para uma visita e, ao
chegar lá, sentiu-se bem doente; os médicos a diagnosticaram como tendo
nefroptose, ou rim flutuante. Ela precisaria de uma cirurgia e de algum
tempo para recuperação em casa. Tudo que queria era voltar para
Connecticut, estar com os amigos e terminar o romance dela, que estava se
tornando cada vez mais ambicioso.
Por fim, conseguiu retornar em março, mas no decorrer dos meses
seguintes passou a ter crises estranhas de dor nos braços. Consultou
médicos em Nova York, que diagnosticaram artrite reumatoide. Naquele
mês de dezembro, ela retornou à Geórgia mais uma vez para o Natal e, na
viagem de trem, sentiu-se terrivelmente mal. Quando foi recebida pelo tio,
mal conseguia andar. Sentia-se como se houvesse de repente se
transformado numa idosa frágil.
Atormentada pelas dores nas juntas e sofrendo com febres altas, foi
internada de imediato num hospital. Informaram-lhe que era um caso grave
de artrite reumatoide, e que levaria meses para que fosse estabilizada; ela
teria de permanecer em Milledgeville por um período indefinido. Flannery
não tinha muita fé nos médicos nem certeza do diagnóstico, mas estava
fraca demais para discutir. As febres a faziam sentir como se estivesse
morrendo.
Para tratá-la, os médicos lhe deram doses enormes de cortisona, a nova
droga miraculosa, que aliviou bastante a dor e a inflamação nas juntas.
Também lhe deu erupções de energia intensa que lhe perturbavam a mente,
a qual esvoaçava com todo tipo de pensamentos estranhos. Como efeito
colateral, seus cabelos caíram e o rosto inchou. Como parte da terapia,
precisava de transfusões frequentes de sangue. A vida dela havia tomado
um rumo sombrio.
Parecia-lhe uma coincidência bem estranha que, quando as febres eram
mais altas, ela tinha a sensação de estar ficando cega e paralisada. Apenas
alguns meses antes, quando ainda não estava doente, decidira fazer com que
o protagonista do seu romance cegasse a si mesmo. Será que previra o
próprio destino, ou a doença já estava lá, fazendo-a ter aqueles
pensamentos?
Sentindo a morte em seu rastro e escrevendo num ritmo rápido,
enquanto internada no hospital, ela terminou o romance, que batizou de
Sangue sábio, inspirado por todas as transfusões de sangue por que havia
passado. O romance tratava de um jovem, Hazel Motes, determinado a
espalhar a doutrina do ateísmo para uma nova era científica. Ele acredita ter
o “sangue sábio”, que não tem necessidade de nenhum tipo de orientação
espiritual. A narrativa conta o seu declínio até chegar ao assassinato e à
loucura, e foi publicada em 1952.
Depois de meses de hospitalização e de ter se recuperado o suficiente
em casa, Flannery voltou para Connecticut para uma visita aos Fitzgerald,
na esperança de que, no futuro próximo, conseguisse talvez retomar a antiga
vida na casa de campo deles. Um dia, enquanto ela e Sally passeavam de
carro pelo campo, Flannery mencionou a artrite reumatoide, e a amiga
decidiu afinal lhe contar a verdade, que a mãe superprotetora, em
combinação com os médicos, escondera dela: “Flannery, você não tem
artrite, você tem lúpus”. Flannery começou a tremer. Depois de alguns
momentos de silêncio, respondeu: “Bem, não é uma boa notícia. Porém, eu
não tenho como lhe agradecer por me contar […]. Eu pensei que tivesse
lúpus, e imaginei que estivesse enlouquecendo. Prefiro mesmo estar doente
a estar louca”. Apesar da reação calma, a notícia a deixou desnorteada. Era
como levar uma segunda bala no flanco, a sensação original retornando com
o dobro do impacto. Agora tinha certeza de que herdara a doença do pai. De
repente, tinha de encarar a realidade de que talvez ela não tivesse muito
tempo para viver, dada a rapidez com que Edward deteriorara. Agora estava
claro para ela que não haveria planos ou esperanças de ela viver em
qualquer outro lugar que não Milledgeville. Ela abreviou a estada em
Connecticut e voltou para casa, sentindo-se deprimida e confusa.
A mãe era agora a administradora da fazenda da família, chamada
Andalusia, nos arredores de Milledgeville. Flannery teria que passar o resto
dos dias por lá com a mãe, que cuidaria dela. Os médicos pareciam pensar
que ela teria uma expectativa normal de vida, graças a essa nova droga
milagrosa, mas Flannery não partilhava da confiança deles, vivenciando em
primeira mão os muitos efeitos colaterais adversos e indagando-se por
quanto tempo o corpo dela os suportaria.
Ela amava a mãe, mas eram muito diferentes. A mãe gostava de
conversar, e era obcecada com o status e as aparências. Nas primeiras
semanas em casa, Flannery teve uma sensação de pânico. Sempre havia
sido voluntariosa, como o pai. Gostava de viver nos seus próprios termos, e
a mãe era bem energética e intrometida. Além disso, Flannery associava a
sua habilidade criativa com uma vida fora da Geórgia, conhecendo o vasto
mundo, estando entre colegas com quem poderia conversar sobre assuntos
sérios. Ela sentira a mente se expandir diante desses horizontes mais
amplos.
Andalusia seria como uma prisão, e ela receava que a sua mente se
enrijecesse nessas circunstâncias. Entretanto, ao contemplar a morte que a
fitava no rosto, Flannery pensou a fundo no curso da sua vida. Estava claro
que o que importava para ela mais do que amigos ou onde moraria, ou até
mesmo a própria saúde, era a sua escrita, a expressão de todas as ideias e
impressões que acumulara. Tinha tantas histórias a escrever, e mais um
romance ou dois. Talvez, de algum modo estranho, esse retorno forçado ao
lar fosse uma bênção disfarçada, parte de algum outro plano para ela.
No quarto dela em Andalusia, longe do mundo, ela não teria nenhuma
distração possível. Deixaria claro à mãe que aquelas duas horas ou mais
pela manhã em que escrevia eram sagradas e não toleraria nenhuma
interrupção. Agora poderia concentrar toda a sua energia no trabalho,
mergulhar ainda mais nos personagens e trazê-los à vida. No coração da
Geórgia, escutando com atenção os visitantes e fazendeiros, seria capaz de
ouvir as vozes dos personagens, os seus padrões de fala, reverberando em
sua mente. Ela sentiria uma conexão ainda mais profunda com a terra, com
o sul, que a obcecava.
Nos seus passeios naqueles primeiros meses em casa, começou a sentir
a presença do pai – em fotografias, em objetos que ele apreciava, nos
cadernos dele que ela encontrou. A presença dele a assombrava. Ele havia
desejado que a filha se tornasse escritora; ela sabia disso. Talvez quisesse
que obtivesse sucesso onde ele havia fracassado. Agora a doença fatal que
compartilhavam os unia ainda mais; ela sentiria a mesma forma de
sofrimento que havia afligido o corpo dele. No entanto, escreveria mais e
mais, insensível à dor, de algum modo compreendendo o potencial que o
pai vira nela quando esta era criança.
Pensando dessa forma, percebeu que não tinha tempo a perder. Por
quantos anos mais viveria e teria a energia e claridade para escrever?
Concentrar-se no trabalho também a ajudaria a se livrar de qualquer
ansiedade sobre a doença. Quando estava escrevendo, conseguia esquecerse por completo de si mesma, habitando seus personagens. Era como uma
experiência religiosa em que perdia o ego. Como escreveu a um amigo,
comunicando a notícia da doença: “Consigo, com um olhar enviesado,
aceitar tudo isso como uma bênção”. Havia outras bênçãos a se considerar
também: sabendo tão cedo sobre a doença, ela teria tempo para se
acostumar com a ideia de morrer jovem, e isso amorteceria o golpe;
saborearia cada minuto, cada experiência, e aproveitaria ao máximo os
encontros limitados com pessoas de fora. Não poderia esperar muito da
vida, então tudo que obtivesse traria significado. Não havia necessidade de
se queixar ou de sentir pena de si mesma – todos teriam que morrer algum
dia. Agora seria mais fácil para ela não levar tão a sério as preocupações
mesquinhas que pareciam enervar tanto os outros. Era até mesmo capaz de
olhar para si mesma e rir das suas próprias pretensões como escritora, e
zombar de como parecia ridícula com a cabeça careca, tropeçando por aí
com uma bengala.
Ao voltar a escrever as suas histórias com um novo senso de
compromisso, Flannery sentiu outra mudança interior: uma consciência e
desgosto crescentes em relação ao curso da vida e da cultura nos Estados
Unidos na década de 1950. Sentia que as pessoas se tornavam cada vez
mais superficiais, obcecadas com bens materiais e assoladas pelo tédio,
como crianças. Estavam à deriva, sem alma, desconectadas do passado e da
religião, se debatendo sem qualquer senso mais elevado de propósito. E no
âmago desses problemas havia a inabilidade delas de enfrentar a própria
mortalidade e a seriedade disso.
Ela expressou parte disso numa história inspirada pela sua própria
doença, chamada “O resistente frio”. O personagem principal é um jovem
que volta para casa na Geórgia, mortalmente doente. Ao desembarcar do
trem, a mãe, lá para recebê-lo, “havia emitido um pequeno grito; ela se
mostrou horrorizada. Ele se alegrou por ela ter visto de imediato a morte no
rosto dele. A mãe, aos 60 anos, seria apresentada à realidade, e ele supunha
que a experiência, se não a matasse, a ajudaria a crescer”. Na opinião de
Flannery, os indivíduos estavam perdendo a sua humanidade e eram
capazes de todo tipo de crueldades. Não pareciam se importar muito uns
com os outros, e se sentiam bem superiores a qualquer tipo de forasteiro. Se
vissem o que ela havia visto – como o nosso tempo é tão curto, como todos
precisam sofrer e morrer –, isso alteraria o modo de viver deles; faria que
crescessem; derreteria toda aquela frieza. O que os leitores dela precisavam
era levar a sua própria “bala no flanco” para que o choque os arrancasse da
sua complacência. Ela conseguiria isso ao retratar, da maneira mais crua
possível, o egoísmo e a brutalidade que espreitava sob a superfície dos
personagens dela, que no exterior se mostravam tão agradáveis e banais.
O único problema que Flannery tinha que enfrentar com a sua nova vida
era a solidão esmagadora. Ela necessitava da companhia de pessoas para
apaziguá-la, e dependia do elenco de personagens com quem se encontrava
para lhe suprir material infindável para a sua obra. À medida que a sua fama
aumentou, com a publicação de Sangue sábio e das suas coleções de
histórias, ela pôde contar com a visita ocasional de outros autores e de fãs
da sua obra à fazenda, e vivia para esses momentos, aplicando toda a sua
energia para observar os visitantes e lhes explorar as profundezas.
Para preencher as lacunas entre esses encontros sociais, começou uma
longa correspondência com uma quantidade cada vez maior de amigos e
fãs, respondendo a quase todos que lhe escreviam. Muitos deles levavam
vidas bem complicadas. Havia um jovem na região meio-oeste do país que
tinha pensamentos suicidas e que estava à beira da loucura. E uma moça
brilhante da Geórgia, Betty Hester, sentia vergonha por ser lésbica e
escrevia confidências a Flannery, e as duas passaram a se corresponder com
regularidade. Flannery nunca julgava nenhum deles, sentindo que ela
mesma era bem estranha e fora da cultura predominante. A esse elenco cada
vez maior de personagens e desajustados, oferecia conselhos e compaixão,
sempre os encorajando a devotar as suas energias a algo exterior a eles
mesmos.
As cartas eram a mídia perfeita para Flannery, por lhe permitirem
manter alguma distância física das pessoas; ela temia a intimidade em
excesso, pois significaria apegar-se àqueles a quem logo teria que dizer
adeus. Dessa maneira, construiu aos poucos o universo social perfeito para
os seus propósitos.
Num dia de primavera em 1953, ela recebeu a visita de um dinamarquês
alto e belo, de 26 anos, chamado Erik Langkjaier. Era um vendedor
ambulante de livros escolares de uma grande editora, sendo que a região de
vendas dele abrangia quase todo o sul. Ele havia conhecido um professor
numa faculdade local que se ofereceu para apresentá-lo à grande
celebridade literária da Geórgia, Flannery O’Connor. No momento em que
entrou na casa, Flannery sentiu que eles tinham algum tipo de conexão
mística. Ela considerou Erik muito engraçado e culto. Era mesmo raro
conhecer alguém tão terreno naquela parte da Geórgia. A vida dele como
vendedor itinerante a fascinou; ela viu graça no fato de ele carregar consigo
uma “bíblia”, que era o nome pelo qual as pessoas naquele negócio
chamavam o catálogo de material promocional.
Algo naquela vida sem raízes a comoveu. Como Flannery, o pai de Erik
morreu quando este era jovem. Ela se abriu para Erik sobre o próprio pai e o
lúpus que havia herdado. Achava Erik atraente e se sentiu, de repente,
envergonhada quanto à própria aparência, fazendo piadas constantes sobre
si. Ela lhe deu uma cópia de Sangue sábio, com a inscrição: “Para Erik, que
tem o sangue sábio também”. Ele começou a programar as suas viagens de
forma a passar com frequência por Milledgeville e continuar as discussões
animadas entre os dois. Flannery aguardava cada visita com empolgação, e
sentia uma dor pelo vazio que ficava quando ele partia. Em maio de 1954,
ele lhe contou que estava tirando uma licença de seis meses do emprego
para voltar à Dinamarca, e sugeriu que eles fizessem um passeio de
despedida pelo condado, a atividade favorita dos dois. Estava anoitecendo
e, no meio do nada, ele estacionou o carro no acostamento da estrada e se
inclinou para beijá-la, o que ela aceitou de bom grado. Foi um beijo curto,
mas, para Flannery, bem memorável.
Ela lhe escreveu com regularidade e, claramente com saudades dele,
fazia referências discretas aos passeios de carro deles e ao quanto haviam
significado para ela. Em janeiro de 1955, ela iniciou uma história que
pareceu jorrar dela em poucos dias. (Normalmente, era uma escritora
meticulosa que passava as histórias por diversos rascunhos.) Deu-lhe o
título de “Gente boa da roça”. Um dos personagens era uma jovem cínica
com uma perna de pau que é cortejada por um vendedor ambulante de
Bíblias. Ela baixa a guarda de repente e permite que ele a seduza, fazendo o
seu próprio jogo com ele. Quando estão prestes a fazer amor num celeiro,
ele lhe implora para que a moça remova a perna de pau, como sinal de
confiança. Isso soa para ela como algo íntimo demais e uma violação de
todas as suas defesas, mas cede. Ele então foge correndo com a perna, para
nunca mais voltar.
Num canto da mente, Flannery sabia que Erik estava, de algum modo,
estendendo a estada dele na Europa. A história era a maneira dela de lidar
com isso, criando uma caricatura dos dois como o vendedor e a aleijada
cínica que havia baixado a guarda. Erik lhe roubara a perna de pau. Em
abril, ela sentia a ausência dele de forma intensa e lhe escreveu: “Sinto que,
se você estivesse aqui, poderíamos conversar sobre um milhão de assuntos
sem parar”. No entanto, no dia seguinte, recebeu uma carta dele anunciando
o seu noivado com uma dinamarquesa, e lhe contando dos planos do casal
de retornar aos Estados Unidos, onde ele retomaria o antigo emprego.
Ela havia intuído que algo parecido aconteceria, mas a notícia foi um
choque mesmo assim. Respondeu com o máximo de polidez, dando-lhe os
parabéns, e eles continuaram a se corresponder por vários anos, mas
Flannery não conseguiu se recuperar tão fácil dessa perda. Tentara se
proteger de quaisquer sentimentos profundos de separação, pois estes lhe
eram insuportáveis. Eram como pequenos lembretes da morte que a levaria
a qualquer momento, enquanto outros continuariam vivendo e amando. E
agora esses mesmos sentimentos de separação jorravam sobre ela.
Agora sabia como era a experiência do amor não correspondido, mas,
para ela, era diferente – sabia que aquela tinha sido a sua última
oportunidade e que sua vida seria, em essência, solitária, e isso tornava tudo
duplamente angustiante. Treinara-se para encarar a morte, então por que
deveria hesitar ao enfrentar essa forma mais recente de sofrimento?
Entendia o que tinha que fazer: transmutar aquela experiência dolorosa em
mais histórias e no seu segundo romance, e usá-la como um meio de
enriquecer o próprio conhecimento das pessoas e das vulnerabilidades
delas.
Nos anos seguintes, as drogas começaram a cobrar o seu preço no corpo
da moça, à medida que a cortisona lhe amoleceu o quadril e o maxilar, e lhe
tornou os braços por vezes fracos demais para datilografar. Ela logo passou
a precisar de muletas para se locomover. A luz do sol era a sua nêmese, pois
poderia reativar a erupção cutânea, por isso, para realizar caminhadas,
Flannery precisava cobrir cada centímetro do corpo, mesmo no calor
sufocante do verão. Os médicos tentaram suspender a cortisona para dar ao
corpo dela algum alívio, e isso lhe baixou a energia e fez com que escrever
fosse ainda mais difícil.
Sob toda a pressão dos últimos anos, ela havia conseguido publicar dois
romances e várias coleções de contos; era considerada uma das grandes
autoras norte-americanas da sua época, embora fosse ainda tão jovem.
Contudo, começou de repente a se sentir esgotada e incapaz de se expressar.
Mandou uma carta a um amigo, na primavera de 1962: “Venho escrevendo
há 16 anos e tenho a sensação de ter esgotado o meu potencial original e de
precisar agora do tipo de graça que aprofunda a percepção”. Certo dia,
pouco antes do Natal de 1963, ela desmaiou de súbito e foi levada para o
hospital. Os médicos a diagnosticaram como tendo anemia e começaram
uma série de transfusões de sangue para revivê-la. Flannery agora estava
fraca demais até para se sentar diante da máquina de escrever. Então, alguns
meses mais tarde, descobriram um tumor benigno que precisava ser
removido. O único receio era de que o trauma da cirurgia reativasse o lúpus
de alguma maneira, além dos poderosos episódios de febre por que passara
dez anos antes.
Em cartas a amigos, ela deu pouca importância a tudo isso.
Estranhamente, agora que estava em seu momento mais frágil, encontrou a
inspiração para redigir mais histórias e preparar uma nova coleção delas
para publicação no outono. No hospital, estudou as enfermeiras com
atenção e encontrou material para alguns personagens novos. Quando os
médicos lhe proibiram de trabalhar, ela concebeu histórias em sua cabeça e
as memorizou. Escondia cadernos sob o travesseiro. Tinha que continuar
escrevendo.
A cirurgia foi um sucesso, mas, no meio de março, se tornou claro que o
lúpus havia retornado com toda a força. Ela comparou a doença a um lobo
(lúpus é “lobo” em latim) enfurecido dentro de si, destruindo tudo. O
período de internação se estendeu, mas, apesar de tudo, Flannery conseguiu,
aqui e ali, cumprir as suas duas horas diárias de trabalho, escondendo o que
escrevia das enfermeiras e dos médicos. Estava com pressa para arrancar de
seu interior aquelas histórias antes que tudo terminasse.
Por fim, em 21 de julho, permitiram-lhe que voltasse para casa, e ela
sentia, no fundo, que o fim estava próximo; a lembrança dos últimos dias do
pai estava muito vívida dentro dela. Com ou sem dor, precisava trabalhar,
terminar as histórias e revisões que havia começado. Se conseguisse
trabalhar por apenas uma hora por dia, que fosse. Tinha que espremer até a
última gota de consciência que lhe restava e fazer uso dela. Compreendia o
seu destino como escritora e levara uma vida de riquezas incomparáveis.
Não havia nada agora do que se queixar ou se arrepender, a não ser as
histórias inacabadas.
Em 31 de julho, enquanto observava a chuva de verão de sua janela,
perdeu a consciência subitamente e foi levada às pressas ao hospital.
Morreu nas primeiras horas de 3 de agosto, aos 39 anos. Segundo os seus
desejos, Flannery foi enterrada ao lado do pai.
Interpretação: Nos anos após o surgimento do lúpus, Flannery
O’Connor percebeu um fenômeno peculiar: nas suas interações com
amigos, visitantes e correspondentes, ela muitas vezes se via fazendo o
papel de conselheira, dando aos outros instruções sobre como viver, onde
investir as energias, como manter a calma em meio às dificuldades e ter um
senso de propósito. Ao mesmo tempo, era ela que estava morrendo e
lidando com restrições físicas graves.
Sentia que cada vez mais pessoas nesse mundo haviam perdido seu
caminho. Não conseguiam se comprometer de coração com o próprio
trabalho ou com os seus relacionamentos. Estavam sempre desenvolvendo
hobbies numa atividade ou em outra, procurando por novos prazeres e
distrações, mas se sentindo bem vazias por dentro. Tendiam a desmoronar
diante das adversidades ou da solidão, e se voltavam para ela como alguém
sólido que seria capaz de lhes contar a verdade sobre elas mesmas e lhes
passar algum direcionamento.
Na sua opinião, a diferença entre ela e esses indivíduos era simples: ela
havia passado ano após anos encarando a morte sem pestanejar. Não se
entregava a esperanças vagas de futuro, não colocava a sua confiança na
Medicina nem afogava as mágoas no álcool ou no vício. Aceitou a sentença
de morte precoce imposta a ela, utilizando-a para os seus próprios fins.
Para Flannery, a proximidade da morte foi um chamado para que
passasse à ação, tivesse um senso de urgência, aprofundasse a sua fé
religiosa e incitasse a sua contemplação de todos os mistérios e incertezas
da vida. Ela empregou a proximidade da morte para aprender o que
importava de fato e evitar brigas mesquinhas e preocupações que
atormentavam os outros. E a usou para se ancorar no presente, e apreciar
cada momento e cada encontro.
Sabendo que a doença tinha um propósito, não havia necessidade de ter
pena de si mesma. Ao confrontá-la e lidar com ela com franqueza, Flannery
se fortaleceria, administraria a dor que lhe torturava o corpo, e continuaria
escrevendo. Quando foi atingida novamente, pela partida de Erik, conseguiu
recuperar o equilíbrio após vários meses, sem se tornar amargurada ou mais
reclusa.
Isso significa que estava bem confortável com a realidade derradeira
representada pela morte. Em contraste, tantas outras pessoas, inclusive
aquelas que ela conhecia, sofriam de um déficit de realidade, evitando o
pensamento da própria mortalidade e de outros aspectos desagradáveis da
vida.
Concentrar-se tão a fundo na sua mortalidade teve outra vantagem
importante: intensificou sua empatia e o senso de conexão com as pessoas.
Flannery tinha um relacionamento peculiar com a morte em geral: esta não
representava um destino reservado só para ela, sendo algo atrelado
intimamente com o pai. O sofrimento e morte dos dois estavam
entrelaçados. Via a própria proximidade da morte como um chamado para
levar isso mais adiante, para ver que todos nós estamos conectados por
meio da nossa mortalidade comum e tornados iguais por causa disso. É o
destino que todos compartilhamos e que deveria nos unir mais por esse
motivo. É algo que deveria nos sacudir para que largássemos qualquer
noção de superioridade ou isolamento.
A grande empatia e sentimento de unidade de Flannery com os outros,
evidenciados pelo seu forte desejo de se comunicar com todos os tipos de
pessoa, a levaram a, depois de algum tempo, abandonar uma das suas
maiores limitações: os sentimentos racistas em relação a afro-americanos,
algo que havia interiorizado a partir da atitude da mãe e de muitos outros no
sul do país. Ela viu isso com clareza em si mesma, contra o que lutou, em
especial em sua obra. No início da década de 1960, passou a apoiar o
movimento dos direitos civis liderado por Martin Luther King Jr. e, em suas
últimas histórias, expressou a visão de que todas as raças dos Estados
Unidos convergiriam um dia como iguais, superando essa mancha sombria
do passado do país.
Por mais de treze anos, Flannery O’Connor fitou o cano do rifle
apontado contra ela, recusando-se a desviar o olhar. É certo que a sua fé
religiosa a ajudou a manter o ânimo, mas, como a própria escritora sabia,
tantas pessoas religiosas são cheias de ilusões e evasões a respeito da sua
própria mortalidade, e tão capazes de complacência e mesquinhez quanto
qualquer um. Utilizar a doença fatal como um meio de viver a vida da
maneira mais intensa e satisfatória possível foi sua decisão particular.
Entenda: tendemos a ler histórias como as de Flannery O’Connor com o
mesmo distanciamento. Não conseguimos deixar de sentir um pouco de
alívio por nos encontrarmos numa posição muito mais confortável.
Contudo, cometemos um erro grave ao fazer isso. O destino dela é o nosso
– estamos todos no processo de morrer, todos encarando as mesmas
incertezas. Na realidade, ao ter a sua mortalidade tão presente e palpável,
ela tinha uma vantagem sobre nós: sentia-se compelida a enfrentar a morte e
fazer uso da sua consciência sobre ela.
Nós, por outro lado, somos capazes de dançar em torno do pensamento,
visualizar imensidões infinitas de tempo à nossa frente e levar a vida com
pequenos hobbies. E então, quando a realidade nos atinge, quando levamos
talvez a nossa própria bala no flanco na forma de uma crise inesperada na
carreira, ou um rompimento doloroso num relacionamento, ou a morte de
alguém próximo, ou mesmo a nossa própria doença letal, em geral, não
estamos preparados para lidar com isso.
O fato de evitarmos o pensamento da morte estabeleceu o nosso padrão
para lidar com outras realidades desagradáveis e adversidades. Facilmente
nos tornamos histéricos e perdemos o equilíbrio, culpando outros pelo
nosso destino e nos sentindo zangados e com pena de nós mesmos, ou
optamos por distrações e formas rápidas de amortecer a dor. Isso se torna
um hábito do qual não conseguimos nos livrar, e tendemos a sentir a
ansiedade e o vazio generalizados que resultam dessa evasão.
Antes que isso se torne um padrão para a vida inteira, precisamos
verdadeiramente sair desse estado de ilusão de maneira duradoura.
Devemos observar a nossa própria mortalidade sem pestanejar, e sem nos
enganar com alguma meditação fugaz e abstrata sobre isso. Precisamos nos
concentrar bem na incerteza que a morte representa – ela talvez venha
amanhã, assim como outras adversidades ou separações. Precisamos parar
de atrasar a nossa consciência e de nos sentir superiores e especiais, já que a
morte é o destino compartilhado por todos nós e algo que deveria nos unir
de uma maneira profundamente empática. Somos todos parte da irmandade
da morte.
Ao fazer isso, estabeleceremos um curso bem diferente para a nossa
trajetória. Ao transformar a morte numa presença familiar, entenderemos
como a vida é curta e o que deveria importar de verdade para nós.
Sentiremos uma noção de urgência e um compromisso maior com o nosso
trabalho e os nossos relacionamentos. Ao enfrentarmos uma crise, uma
separação ou uma doença, não vamos nos sentir tão apavorados e
devastados. Não sentiremos a necessidade de nos colocar em modo de
evasão. Conseguiremos aceitar que a vida envolve dor e sofrimento, e
utilizaremos esses momentos para nos fortalecer e aprender. E, como
aconteceu com Flannery, a consciência da nossa mortalidade nos liberará de
ilusões tolas e intensificará cada aspecto da nossa experiência.
Quando olho para o passado e penso em todo o tempo que desperdicei em erros e
ociosidade, sem o conhecimento necessário para viver, quando penso em quantas
vezes pequei contra o meu coração e a minha alma, o meu coração sangra. A vida é
um dom, a vida é alegria, cada minuto poderia ter sido uma eternidade de felicidade!
Quem dera a juventude entendesse! Agora a minha vida vai mudar; agora vou
renascer. Querido irmão, juro que não perderei a esperança. Manterei a minha alma
pura e o meu coração aberto. Eu renascerei para me tornar melhor.
— Fiódor Dostoiévski
CHAVES PARA A NATUREZA HUMANA
Se conseguíssemos recuar e, de algum modo, examinar o fluxo dos
nossos pensamentos diários, perceberíamos que eles tendem a circular em
torno das mesmas ansiedades, fantasias e ressentimentos, como um ciclo
contínuo. Até quando saímos para uma caminhada ou quando conversamos
com alguém, em geral permanecemos conectados a esse monólogo interior,
escutando e prestando atenção de forma apenas parcial ao que vemos ou
ouvimos.
De vez em quando, porém, certos acontecimentos desencadeiam uma
qualidade diferente de pensar e sentir. Digamos que partimos numa viagem
para uma terra estrangeira que nunca visitamos antes, fora da nossa zona de
conforto normal. De repente, os nossos sentidos acordam para a vida, e tudo
que vemos e ouvimos parece um pouco mais brilhante. Para evitar
problemas ou situações perigosas nesse lugar não familiar, temos de prestar
atenção.
De forma análoga, se estamos prestes a viajar e precisamos nos despedir
daqueles que amamos, a quem não veremos por algum tempo, talvez os
vejamos sob uma luz diferente. Em geral, não prestamos tanta atenção a
essas pessoas, mas agora lhes observamos de fato as expressões no rosto e
escutamos o que têm a dizer. A sensação de separação iminente nos deixa
mais emocionais e atentos.
Uma versão mais intensa disso ocorrerá se um ente querido – um dos
pais ou um parceiro ou um irmão – morrer. Esse indivíduo desempenhou
um grande papel na nossa vida; nós o internalizamos, e agora perdemos de
algum modo uma parte de nós mesmos. Ao lutar contra isso, a sombra da
nossa mortalidade se projeta sobre nós por um instante. Tomamos
consciência da permanência dessa perda e nos arrependemos por não termos
apreciado mais a pessoa perdida. Talvez até sintamos um pouco de raiva
pelo fato de a vida simplesmente seguir em frente para os outros, de eles
não se darem da conta da realidade da morte que se abateu sobre nós de
forma repentina.
Por vários dias, ou talvez semanas após essa perda, tenderemos a
encarar a vida de maneira diferente. As nossas emoções estarão mais cruas
e sensíveis. Estímulos específicos farão associações com aquele que
faleceu. Essa intensidade das emoções vai sumir, mas uma pequena porção
dela retornará cada vez que nos lembrarmos daquele que perdemos.
Se considerarmos a morte como a travessia de um limiar que geralmente
nos aterroriza, as experiências enumeradas anteriormente serão insinuações
da nossa própria morte, mas em doses menores. Separar-nos das pessoas
que conhecemos, viajar para uma terra estranha, entrar nitidamente numa
nova fase da vida, tudo isso envolve mudanças que nos fazem olhar para o
passado como se uma parte de nós houvesse morrido. Nesses momentos, e
durante as formas mais intensas de luto relacionado a mortes verdadeiras,
notamos uma apuração dos sentidos e um aprofundamento das emoções.
Pensamentos de uma ordem diferente nos ocorrem. Ficamos mais atentos. É
possível dizer que a nossa experiência de vida é qualitativamente diferente e
intensificada, como se por algum tempo nos tornássemos outra pessoa. É
claro que essa alteração nos nossos pensamentos, sentimentos e sentidos
será mais forte se nós mesmos sobrevivermos a um encontro com a morte.
Nada parecerá o mesmo depois de uma experiência assim.
Chamemos isso de efeito paradoxal da morte – esses encontros têm o
resultado paradoxal de fazer que nos sintamos mais alertas e vivos. É
possível explicar o efeito paradoxal da seguinte maneira.
Para nós, seres humanos, a morte é uma fonte não apenas de medo, mas
também de constrangimento. Somos o único animal com a consciência real
da nossa mortalidade iminente. Em geral, devemos o nosso poder como
espécie à nossa habilidade de pensar e refletir. Contudo, nesse caso em
particular, o nosso raciocínio não nos oferece nada além de agonia. Tudo
que vemos é a dor física envolvida na morte, a separação em relação aos
entes queridos e a incerteza sobre o momento exato de sua chegada.
Fazemos o possível para evitar esse pensamento, para nos distrair da
realidade, mas a percepção da morte permanece num canto da mente e
nunca conseguimos abandoná-la por completo.
Sentindo o impulso inconsciente para suavizar de algum modo o golpe
dessa percepção, os nossos primeiros ancestrais criaram um mundo de
espíritos, deuses e algum conceito de vida após a morte. A crença na vida
após a morte ajudou a mitigar o medo desta e até mesmo a lhe dar alguns
aspectos atraentes. Não eliminou a ansiedade da separação em relação aos
entes queridos nem diminuiu a dor física envolvida, mas ofereceu uma
compensação psicológica profunda para as ansiedades das quais,
aparentemente, não conseguimos nos livrar. Esse efeito foi fortalecido por
todos os rituais complexos e agradáveis que cercavam a passagem da morte.
No mundo de hoje, os nossos poderes crescentes de raciocínio e o nosso
conhecimento da ciência só tornaram o nosso constrangimento pior. Muitos
de nós já não têm nenhuma convicção no conceito de vida após a morte,
mas isso nos deixa sem compensações, com apenas a dura realidade nos
confrontando. Podemos tentar demonstrar coragem, fingir que aceitamos
essa realidade como adultos, mas não conseguimos apagar os nossos medos
elementares com tanta facilidade. No decorrer de algumas centenas de anos
dessa mudança na nossa percepção, não transformamos de repente uma das
partes mais profundas da nossa natureza, o nosso medo de morrer. Desse
modo, o que fazemos, em vez de criar sistemas de crença, como o da pósvida, é contar com a negação, reprimindo a percepção da morte o quanto for
possível. Fazemos isso de várias maneiras.
No passado, a morte era uma presença cotidiana e visceral nas cidades
grandes e pequenas, algo difícil de escapar. Chegada uma determinada
idade, a maioria das pessoas havia testemunhado a morte de alguém. Hoje,
em muitas partes do mundo, nós a tornamos invisível em larga medida, algo
que ocorre apenas em hospitais. (Fizemos algo semelhante com os animais
que comemos.) É possível passar pela maior parte da vida sem nunca
testemunhar fisicamente o que acontece. Isso dá um aspecto bem irreal ao
que é, de uma forma tão profunda, uma parte da vida. Essa irrealidade é
ampliada no entretenimento que consumimos, em que a morte é retratada de
forma bem caricaturesca, com dezenas de pessoas sofrendo mortes violentas
sem nenhuma emoção que as acompanhe a não ser pela excitação em
relação às imagens na tela. Isso revela o quão profunda é a necessidade de
reprimir a percepção e nos dessensibilizar em relação ao medo.
Além disso, em tempos recentes, passamos a venerar a juventude, a
criar um culto virtual em torno dela. Os objetos que envelheceram e os
filmes do passado nos fazem lembrar, de modo inconsciente, da brevidade
da vida e do destino que nos aguarda. Descobrimos maneiras de evitá-los,
de nos cercar do que é novo, original e popular. Alguns passaram mesmo a
supor que, por meio da tecnologia, seremos capazes de superar, de algum
jeito, a própria morte – o ápice da negação humana. Em geral, a tecnologia
nos dá a sensação de que temos poderes tão divinos que conseguiríamos
prolongar a vida e ignorar a realidade por bastante tempo. Nesse sentido,
não somos mais fortes do que os nossos ancestrais mais primitivos. Apenas
encontramos novos meios de nos iludir.
Como resultado disso tudo, é difícil encontrar qualquer um que esteja
disposto a conversar sobre o assunto como uma realidade pessoal que todos
enfrentamos, e discutir maneiras como poderíamos lidar com ela de forma
mais saudável. O tema é simplesmente tabu. E, pelas leis da natureza,
quando mergulhamos tão fundo na negação, o efeito paradoxal se apodera
de nós pelo aspecto negativo, tornando a nossa vida mais restrita e
semelhante à morte.
Tomamos consciência da nossa mortalidade bem cedo na infância, e isso
nos enche com uma ansiedade da qual não conseguimos recordar, mas que
foi muito real e visceral. É impossível negar essa ansiedade ou fazê-la
desaparecer por meio da força de vontade. Ela se estabelece dentro de nós
quando adultos numa forma latente poderosa. Quando decidimos reprimir a
ideia da morte, a nossa ansiedade só se torna mais forte pelo fato de não
confrontarmos a fonte dela. O mais ínfimo incidente ou incerteza sobre o
futuro tenderá a provocar essa ansiedade e até torná-la crônica. Para lutar
contra isso, tenderemos a estreitar o escopo dos nossos pensamentos e
atividades; se não deixarmos as nossas zonas de conforto em relação ao que
pensamos e fazemos, tornaremos a vida previsível e nos sentiremos menos
vulneráveis à ansiedade. Certas adições de comida ou estimulantes ou
formas de entretenimento terão um efeito entorpecedor semelhante.
Se levarmos isso longe demais, nos tornaremos cada vez mais absortos
em nós mesmos e menos dependentes das pessoas, que por vezes incitam as
nossas ansiedades com o seu comportamento imprevisível.
É possível descrever o contraste entre a vida e a morte da seguinte
maneira: a morte é a quietude absoluta, sem movimentos ou mudanças com
exceção da decomposição; na morte, somos separados dos outros e
deixados completamente sozinhos. A vida, por outro lado, é movimento, a
conexão com outros seres vivos e a diversidade das formas de vida. Ao
negar e reprimir a ideia da morte, alimentamos as nossas ansiedades e nos
tornamos mais mortos por dentro – separados dos outros, com pensamentos
habituais e repetitivos, com poucos movimentos ou mudanças em geral. Em
contrapartida, a familiaridade e intimidade com a morte e a habilidade de
confrontar a ideia dela têm o efeito paradoxal de fazer que nos sintamos
vivos, como a história de Flannery O’Connor ilustra bem.
Ao nos ligarmos à realidade da morte, nós nos conectamos de maneira
profunda à realidade e à plenitude da vida. Ao separarmos a vida da morte e
ao reprimirmos a nossa percepção desta, fazemos o oposto.
O que é necessário no mundo moderno é uma maneira de criarmos para
nós mesmos o efeito paradoxal positivo. O que se segue é uma tentativa de
nos ajudar a realizar isso, construindo uma filosofia prática para transformar
a consciência da nossa mortalidade em algo produtivo, que expanda a vida.
UMA FILOSOFIA DE VIDA POR MEIO DA MORTE
O problema para nós, seres humanos, é que temos consciência da nossa
mortalidade, mas sentimos medo de levar essa consciência adiante. É como
se estivéssemos na praia de um vasto oceano e nos impedíssemos de
explorá-lo, até mesmo dando as costas a ele. O propósito da nossa
consciência é sempre levá-la o mais longe possível. Essa é a fonte do nosso
poder como espécie, o que somos chamados a fazer. A filosofia que estamos
adotando depende da nossa habilidade de partir na direção oposta à que
costumamos seguir em relação à morte – de observá-la com mais atenção e
profundidade, deixar a praia e explorar uma forma diferente de abordar a
vida e a morte, levando isso o mais longe que conseguirmos.
A seguir estão cinco estratégias básicas, com os exercícios apropriados,
para nos ajudar a fazer isso. É melhor colocar todas elas em prática, para
que essa filosofia penetre na nossa consciência diária e altere a nossa
experiência a partir de dentro.
Torne essa percepção visceral. Por medo, convertemos a morte numa
abstração, um pensamento que consideramos apenas de vez em quando ou
reprimimos. Contudo, a vida não é um pensamento; é uma realidade de
carne e osso, algo que sentimos por dentro. Não existe vida sem morte. A
nossa mortalidade é uma realidade tão palpável quanto a vida. Do momento
em que nascemos, é uma presença dentro do nosso corpo, à medida que as
nossas células morrem e nós envelhecemos. Precisamos vivenciar isso dessa
maneira. Não deveríamos ver isso como algo mórbido ou aterrorizante.
Superar esse nosso bloqueio, em que a morte é uma abstração, tem um
imenso efeito libertador, nos conectando de maneira mais física ao mundo
em redor e apurando os nossos sentidos.
Em dezembro de 1849, o escritor Fiódor Dostoiévski, então com 27
anos e preso por ter participado de uma suposta conspiração contra o czar
russo, se viu sendo subitamente transportado, junto com os outros
prisioneiros, a uma praça em São Petersburgo, onde foram informados de
que estavam prestes a serem executados por seus crimes. A sentença de
morte era totalmente inesperada. Dostoiévski só teve alguns minutos para se
preparar antes de encarar o pelotão de fuzilamento. Naquele momento, foi
acometido por emoções que nunca havia sentido antes. Notou os raios de
luz batendo no domo de uma catedral e viu que toda vida era tão fugaz
quanto àqueles raios. Tudo lhe pareceu mais vibrante. Notou as expressões
no rosto dos outros prisioneiros, e como era possível perceber o terror por
trás das expressões de coragem. Era como se os pensamentos e sentimentos
deles houvessem se tornado transparentes.
No último instante, um representante do czar chegou à praça a cavalo,
anunciando que as sentenças haviam sido comutadas por muitos anos de
trabalhos forçados na Sibéria. Absolutamente devastado pelo roçar
psicológico com a morte, Dostoiévski se sentiu renascer. E a experiência
permaneceu entranhada nele pelo resto da vida, inspirando novas
profundezas de empatia e intensificando os seus poderes de observação.
Essa tem sido a experiência de outros que foram expostos à morte de uma
forma profunda e pessoal.
O motivo para esse efeito pode ser explicado pelo seguinte: em geral,
passamos pela vida num estado de distração, quase de sonho, com o nosso
olhar voltado para dentro. Muito da nossa atividade mental gira em torno de
fantasias e ressentimentos completamente internos e com pouca relação
com a realidade. A proximidade da morte de repente nos desperta, com o
nosso corpo inteiro respondendo à ameaça. Sentimos a descarga de
adrenalina, o sangue bombeando mais rápido para o cérebro e pelo sistema
nervoso. Isso concentra a mente num nível muito mais elevado, e notamos
novos detalhes, vemos o rosto das pessoas sob uma nova luz e sentimos a
transiência em tudo em redor, aprofundando as nossas respostas
emocionais. Esse efeito pode durar por anos, até mesmo décadas.
Não conseguimos reproduzir essa experiência sem arriscar a nossa vida,
mas somos capazes de obter parte do efeito por meio de doses menores.
Precisamos começar meditando sobre a nossa morte e procurando convertêla em algo mais real e físico. Para os guerreiros samurais japoneses, o
centro dos nossos nervos mais sensíveis e da nossa conexão com a vida
estava nos intestinos, nas vísceras; era também o centro da nossa conexão
com a morte, e eles meditavam o máximo possível sobre essa sensação, a
fim de criar uma percepção da morte física. No entanto, além dos intestinos,
também sentimos algo similar nos ossos quando estamos cansados, e nos
momentos antes de adormecermos – por alguns segundos, nos sentimos
passando de uma forma de consciência para outra, e essa passagem tem
uma sensação semelhante à morte. Não há nada a se temer nisso; na
realidade, ao nos movermos nessa direção, fazemos avanços importantes
para diminuir a nossa ansiedade crônica.
Podemos usar a nossa imaginação também, visualizando o dia que a
nossa morte chegar, onde seria e como viria. Devemos imaginar isso da
forma mais vívida possível. Poderia ser amanhã. Também podemos tentar
olhar para o mundo como se estivéssemos vendo tudo pela última vez – as
pessoas em redor, as vistas e sons do cotidiano, o ruído do tráfego, o canto
dos pássaros, a vista da nossa janela. Imaginemos tudo isso continuando
sem nós, e, de repente, nos sentiremos voltar à vida – esses mesmos
detalhes agora nos surgirão sob uma nova luz, não mais ignorados ou
percebidos apenas em parte. Deixe que a transiência de todas as formas de
vida lhe penetre a mente. A estabilidade e a solidez de tudo que vemos são
apenas ilusões.
Não devemos ter medo das pontadas de tristeza que resultarem dessa
percepção. A rigidez das nossas emoções, geralmente tão atreladas às
nossas necessidades e preocupações, agora relaxa diante do mundo e do
pesar da vida em si, e deveríamos dar as boas-vindas a isso. Como observou
Kenko, escritor japonês do século 14: “Se o homem nunca desaparecesse
como o orvalho de Adashino, nunca se dissipasse como a fumaça sobre
Toribeyama, mas permanecesse para sempre no mundo, como tudo perderia
o poder de nos comover! O que é mais precioso na vida é a incerteza”.
Desperte para a brevidade da vida. Quando nos desconectamos de
forma inconsciente da percepção da morte, forjamos um relacionamento
particular com o tempo – bem solto e distendido. Passamos a imaginar que
sempre temos mais tempo do que é a realidade. A nossa mente vagueia para
o futuro, onde todas as nossas esperanças e desejos se realizarão. Caso
tenhamos um plano ou objetivo, sentimos dificuldade para lhes dedicar
muita energia. Faremos isso amanhã, é o que dizemos. Talvez sejamos
tentados a trabalhar no presente em outro plano ou objetivo. Todos parecem
tão convidativos e diferentes, então como podemos nos comprometer de
forma integral com um ou outro? Experimentamos uma ansiedade
generalizada, ao sentir a necessidade de fazer realizações, mas estamos
sempre adiando o trabalho e dispersando as nossas forças.
Então, se um prazo nos é intimado para um projeto específico, aquele
relacionamento onírico com o tempo é despedaçado e, por algum motivo
misterioso, encontramos o foco para realizar em dias o que teria levado
semanas ou meses. A mudança imposta a nós pelo prazo tem um
componente físico: a nossa adrenalina está pulsando, enchendo-nos de
energia e concentrando a nossa mente, tornando-a mais criativa. É
revigorante sentir o compromisso total da mente e do corpo a um propósito
único, algo que vivenciamos raramente no mundo de hoje, no nosso estado
distraído.
Devemos pensar na nossa mortalidade como um tipo de prazo contínuo,
dando um efeito similar ao descrito anteriormente a todas as ações na vida.
Devemos parar de nos enganar: poderíamos morrer amanhã e, mesmo que
vivamos mais oitenta anos, é apenas uma gota no oceano da vastidão do
tempo, e passa sempre mais rápido do que imaginamos. Temos de despertar
para essa realidade e torná-la uma meditação contínua.
Essa meditação poderia levar algumas pessoas a pensar: Por que me dar
ao trabalho de tentar qualquer coisa? Para que fazer tanto esforço, quando
no fim apenas morreremos? É melhor viver para os prazeres do momento.
Essa não é, porém, uma avaliação realista, mas apenas outra forma de
evasão. A devoção aos prazeres e às distrações é uma forma de evitar
pensar nos seus custos e imaginar que somos capazes de enganar a morte ao
abafar os pensamentos sobre ela. Ao nos devotarmos aos prazeres, devemos
sempre buscar novas diversões para afastar o tédio, e isso é exaustivo.
Precisamos também ver as nossas necessidades e desejos como mais
importantes do que tudo. Com o passar do tempo, isso começa a nos parecer
maçante, e o nosso ego se torna bem irritável se não conseguimos o que
queremos.
Com o passar dos anos, ficamos cada vez mais amargurados e
ressentidos, assombrados pela noção de que não realizamos nada e
desperdiçamos o nosso potencial. Como observou William Hazlitt: “A
nossa repugnância à morte aumenta em proporção com a nossa consciência
de termos vivido em vão”.
Permita que a percepção da brevidade da vida esclareça as suas ações
cotidianas. Temos metas a atingir, projetos a realizar, relacionamentos a
aprimorar. Esse poderia ser o nosso último projeto desses, a nossa última
batalha na Terra, considerando as incertezas da vida, e devemos nos
comprometer por inteiro ao que fizermos. Com essa percepção contínua,
veremos o que importa de fato, e como as brigas mesquinhas e atividades
secundárias são distrações irritantes. Queremos aquela sensação de
realização que vem de concluir tarefas. Queremos perder o ego no
sentimento do fluxo, em que a nossa mente se une com aquilo em que
estamos trabalhando. Quando nos afastarmos do nosso trabalho, os prazeres
e as distrações que buscarmos terão mais significado e intensidade, pois
saberemos da sua transitoriedade.
Veja a mortalidade em todos. Em 1665, uma praga terrível infestou
Londres, matando cerca de 100 mil habitantes. O escritor Daniel Defoe
tinha apenas 5 anos na época, mas testemunhou o surto em primeira mão, e
este deixou uma impressão duradoura nele. Cerca de sessenta anos mais
tarde, ele decidiu recriar os acontecimentos de Londres naquele ano através
do olhar de um narrador mais velho, utilizando as suas próprias lembranças,
muita pesquisa e o diário do tio, criando o livro Um diário do ano da peste.
À medida que a praga avança, o narrador do livro percebe um fenômeno
peculiar: as pessoas tendem a sentir níveis bem mais elevados de empatia
em relação aos outros londrinos; as diferenças normais entre eles, em
especial
a
respeito
de
questões
religiosas,
desaparecem.
“Aqui
observamos”, ele escreve, “[…] que a visão da morte próxima logo
reconciliaria os homens de bons princípios uns aos outros, e que é em
especial graças à nossa fácil situação na vida, e por colocarmos essas
questões longe de nós, que as nossas rupturas são fomentadas, e o sangue
ruim prolongado […]. Outro ano da praga reconciliaria todas essas
diferenças; uma conversação íntima com a morte, ou com as doenças que
ameaçam matar, filtraria a escória do rancor do nosso temperamento,
removeria as animosidades dentre nós e nos levaria a ver com olhos
diferentes.”
Há muitos exemplos do que parece ser o oposto – seres humanos
massacrando milhares de outros, muitas vezes na guerra, sem que a visão
dessas mortes em massa estimule qualquer empatia. Entretanto, nesses
casos, os matadores se sentem separados daqueles a quem assassinam, a
quem deixaram de ver como humanos, mas, sim, sob o seu poder. Com a
praga, ninguém é poupado, não importa a riqueza ou posição na vida. Todos
correm o mesmo risco. Sentindo-se pessoalmente vulneráveis e vendo a
vulnerabilidade de todos os demais, o senso normal de distinção e privilégio
das pessoas se desfaz, e uma empatia incomum e generalizada emerge. Esse
poderia ser um estado natural da mente se conseguíssemos visualizar a
vulnerabilidade e mortalidade de outros como não separadas das nossas.
Com a nossa filosofia, queremos criar o efeito purificador que a praga
tem nas nossas tendências tribais e autoabsorção habitual. Queremos
começar isso numa dimensão menor, examinando primeiro aqueles em
redor, em casa e no ambiente de trabalho, vendo e imaginando a morte de
cada um e notando como isso alteraria de súbito a nossa percepção deles.
Como escreveu Schopenhauer: “A dor profunda que é sentida na morte de
cada alma amigável vem do sentimento de que há em cada indivíduo algo
que é inexpressível, específico a ele ou ela, e que está, portanto, perdido de
forma absoluta e inextricável”. Queremos ver essa singularidade da outra
pessoa no presente, expondo essas qualidades que havíamos menosprezado.
Queremos vivenciar a vulnerabilidade dela à dor e à morte, não apenas a
nossa.
Podemos levar essa meditação mais além. Examine os pedestres de
qualquer cidade populosa e note que, em noventa anos, é provável que
nenhum deles estará vivo, inclusive nós. Pense nos milhões e bilhões que já
nasceram e morreram, enterrados e esquecidos há muito tempo, tanto ricos
quanto pobres. Esses pensamentos dificultam manter o nosso próprio senso
de importância, a sensação de que somos especiais e de que a dor que
sofremos não é a mesma que a dos outros.
Quanto mais criarmos essa conexão visceral com as pessoas, por meio
da nossa mortalidade comum, melhor será a nossa capacidade de lidar com
a natureza humana em todas as suas variedades com tolerância e graça. Isso
não significa que deixaremos de estar alertas àqueles que são perigosos e
difíceis. Na realidade, ver a mortalidade e a vulnerabilidade até nos
indivíduos mais sórdidos nos ajudará a reduzi-los às suas devidas
dimensões e lidar com eles a partir de um espaço mais neutro e estratégico,
sem levar a sua sordidez para o lado pessoal.
Em geral, podemos dizer que o espectro da morte é o que nos impele em
direção a outros seres humanos e nos torna ávidos pelo amor. A morte e o
amor estão interconectados de maneira intrínseca. A separação derradeira e
a desintegração representada pela morte nos levam a nos unir e a nos
integrar com outros. A nossa consciência única da morte criou a nossa
forma particular de amor. E, por meio de um aprofundamento da nossa
percepção da morte, nós apenas fortaleceremos esse impulso, e nos
livraremos das divisões e separações sem vida que afligem a humanidade.
Aceite toda a dor e adversidade. A vida naturalmente envolve dor e
sofrimento. E a forma derradeira disso é a própria morte. Diante dessa
realidade, nós, seres humanos, temos uma decisão simples a fazer: podemos
tentar evitar os momentos dolorosos e lhes abafar os efeitos nos distraindo,
tomando drogas ou nos envolvendo com comportamentos viciosos.
Também podemos restringir o que fazemos – se não nos esforçarmos no
trabalho, se diminuirmos as nossas ambições, não nos exporemos ao
fracasso e ao ridículo. Se rompermos os nossos relacionamentos logo no
princípio, escaparemos de quaisquer momentos de dor aguda causada pela
separação.
Na raiz dessa abordagem está o medo da morte em si, que estabelece o
nosso relacionamento elementar com a dor e a adversidade, e a evasão se
torna o nosso padrão. Quando algo ruim acontece, a nossa reação natural é
nos queixarmos do que a vida nos deu, ou do que outros não fazem por nós,
e nos retirarmos ainda mais de situações desafiadoras. É quando ocorre o
efeito paradoxal negativo da morte.
A outra opção disponível para nós é nos comprometermos ao que
Friedrich Nietzsche chamou de amor fati (“amor do destino”): “A minha
fórmula de grandeza no ser humano é o amor fati: não querer ser nada além
do que é, não no futuro, não no passado, não em toda a eternidade. Não
apenas tolerar o que acontece por necessidade […], mas amá-lo”. Isso
significa o seguinte: há muito na vida que não temos como controlar, sendo
a morte o maior exemplo disso. Vivenciaremos doenças e dor física.
Seremos separados das pessoas. Enfrentaremos fracassos por causa dos
nossos próprios erros e da malevolência asquerosa de outros seres humanos.
E a nossa tarefa é aceitar essas situações e até acolhê-las, não pela dor, mas
pelas oportunidades de aprender e nos fortalecer. Ao fazer isso, legitimamos
a própria vida, aceitando todas as suas possibilidades. E no âmago disso
está a nossa aceitação completa da morte.
Colocamos isso em prática ao ver sempre os acontecimentos como
fatídicos – tudo acontece por algum motivo, e cabe a nós discernir a lição.
Quando adoecermos, entenderemos esses momentos como a oportunidade
perfeita para nos retirarmos do mundo e no afastarmos das suas distrações,
desacelerar, reavaliar o que estamos fazendo e apreciar os períodos muito
mais frequentes de boa saúde. Sermos capazes de nos acostumar a algum
grau de dor física, sem apelar de imediato para algo que a atenue, é uma
habilidade importante na vida.
Quando as pessoas resistirem à nossa vontade ou se voltarem contra
nós, tentaremos ponderar o que deu errado, descobrir como utilizar isso
para nos educar mais sobre a natureza humana e nos ensinar a lidar com os
que são esquivos e desagradáveis. Quando assumirmos riscos e
fracassarmos, receberemos bem a oportunidade de aprender com a
experiência. Quando os relacionamentos fracassarem, tentaremos ver o que
havia de errado na dinâmica, o que nos fazia falta e o que queremos do
nosso próximo relacionamento. Não nos fecharemos em casulos para nos
proteger de mais sofrimentos, evitando essas experiências.
Em todos esses casos, é claro que enfrentaremos a dor física e mental, e
não devemos nos iludir de que essa filosofia vai de imediato transformar um
negativo num positivo. Sabemos que é um processo e que temos de levar os
golpes, mas que, com o passar do tempo, a nossa mente trabalhará para
converter isso numa experiência de aprendizagem. Com a prática, se tornará
mais fácil e rápido fazer essa conversão.
Esse amor do destino tem o poder de alterar tudo que vivenciamos e
aliviar o fardo que carregamos. Por que se queixar disso ou daquilo,
quando, na verdade, acreditamos que esses acontecimentos ocorrem por um
motivo e que eles acabarão nos trazendo o esclarecimento? Por que sentir
inveja do que outros têm, quando possuímos algo muito maior – a
abordagem derradeira para as duras realidades da vida?
Abra a mente para o Sublime. Pense na morte como um tipo de limiar
que todos devemos atravessar. Desse modo, ela representa o último
mistério. Não é possível encontrar as palavras ou os conceitos para
expressar o que é. Estamos confrontando algo que é de todo desconhecido.
Nenhuma dose de ciência ou tecnologia ou conhecimento solucionará esse
enigma ou o verbalizará. Nós, seres humanos, nos iludimos com a ideia de
que sabemos de tudo, mas nesse limiar somos, afinal, deixados mudos e às
cegas.
Esse confronto com algo que não temos como conhecer ou verbalizar é
o que chamaremos de Sublime, cuja raiz latina significa “até o limiar”. O
Sublime é tudo que excede a nossa capacidade de conceber palavras ou
conceitos por ser grande, vasto, sombrio e misterioso demais. E, quando
enfrentamos essas coisas, sentimos um toque de medo, mas também de
admiração e curiosidade. Somos lembrados da nossa pequenez, do que é
mais vasto e mais poderoso do que a nossa vontade ínfima. Sentir o
Sublime é o antídoto perfeito para a nossa complacência e para as
preocupações mesquinhas acerca da vida cotidiana que nos consomem e nos
deixam sentindo bem vazios.
O modelo para sentir o Sublime vem da nossa meditação sobre a
mortalidade, mas é possível treinar a nossa mente para vivenciá-lo por meio
de outros pensamentos e ações. Por exemplo, quando observamos o céu à
noite, podemos deixar a mente sondar a infinidade do espaço e a pequenez
avassaladora do nosso planeta, perdido em toda a escuridão. Encontramos o
Sublime ao contemplar a origem da vida na Terra, há seja lá quantos bilhões
de anos, talvez em algum momento específico, e quão improvável era que
isso acontecesse, considerando os milhares de fatores que precisaram
convergir para que o experimento da vida começasse neste planeta. Essas
quantidades vastas de tempo e a verdadeira origem da vida excedem a nossa
capacidade de conceituá-las, e somos deixados com a sensação do Sublime.
Podemos levar isso mais adiante: há milhões de anos, o experimento
humano começou quando nos separamos dos nossos ancestrais primatas.
Entretanto, por causa da nossa natureza física fraca e por estarmos em
pequenos números, enfrentamos a ameaça contínua de extinção. Se esse
acontecimento muito provável houvesse ocorrido – como ocorreu para
tantas espécies, inclusive outras variedades de humanos –, o mundo teria
tomado uma rota bem diferente. Na realidade, o encontro entre os nossos
pais e o nosso nascimento contou com uma série de ocorrências aleatórias
que era igualmente improvável. Isso nos leva a encarar a nossa existência
atual como indivíduo, algo que tomamos como uma certeza, como uma
ocorrência das mais improváveis, se considerarmos todos os elementos
fortuitos que tiveram de se encaixar em seus devidos lugares.
Vivenciamos o Sublime ao contemplar outras formas de vida. Temos a
nossa própria crença sobre o que é real com base nos nossos sistemas
nervosos e de percepção, mas a realidade dos morcegos, que percebem o
mundo via ecolocalização, é de uma ordem diferente. Eles notam coisas
além do nosso sistema de percepção. Quais são os outros elementos que não
conseguimos perceber, as outras realidades invisíveis para nós? (As
descobertas mais recentes na maioria dos campos da ciência terão esse
efeito de abrir os nossos olhos, e ler artigos em qualquer revista científica
produzirá, em geral, alguns pensamentos sublimes.)
Também podemos nos expor a lugares no planeta em que todos os
nossos pontos cardeais normais se embaralhem – uma cultura muito
diferente ou certas paisagens onde o elemento humano pareça
especialmente ínfimo, como o mar aberto, uma vasta expansão de neve,
uma montanha extremamente alta. Ao nos confrontarmos de forma física
com o que nos miniaturiza, seremos forçados a reverter a nossa percepção
normal, em que somos o centro e a medida de tudo.
Diante do Sublime, sentimos um arrepio, um prenúncio da morte em si,
algo grande demais para que a nossa mente conceba. E, por um momento,
isso nos arrancará da nossa presunção e nos libertará do domínio mortal do
hábito e da banalidade.
Por fim, pense nessa filosofia nos seguintes termos: desde o início da
consciência humana, a nossa percepção da morte tem nos aterrorizado. Esse
terror tem moldado as nossas crenças, religiões, instituições e muitos dos
nossos comportamentos, de maneiras que não conseguimos ver ou entender.
Nós, seres humanos, nos tornamos escravos dos nossos medos e das nossas
evasões.
Quando invertemos isso, nos tornando mais conscientes da nossa
mortalidade, sentimos o gosto da verdadeira liberdade. Não sentimos mais a
necessidade de restringir o que pensamos e fazemos, a fim de tornar a vida
previsível. Podemos ser mais audaciosos sem termos medo das
consequências. Podemos nos livrar de todas as ilusões e vícios que
empregamos para aliviar a nossa ansiedade. Podemos nos dedicar por
completo ao nosso trabalho, aos nossos relacionamentos, a todas as nossas
ações. E, uma vez que tenhamos sentido um pouco dessa liberdade, vamos
querer explorar mais e expandir as nossas possibilidades enquanto o tempo
nos permitir.
Livremos a morte da sua estranheza, passemos a conhecê-la, nos acostumemos a ela.
Não tenhamos nada em mente com maior frequência do que a morte. A cada
momento, visualizemo-la em nossa imaginação em todos os seus aspectos […]. É
incerto onde a morte nos aguarda; esperemos por ela em todos os lugares. A
premeditação da morte é a premeditação da liberdade […]. Aquele que aprendeu a
morrer desaprendeu a ser escravo. Saber como morrer nos liberta de todas as sujeições
e restrições.
— Michel de Montaigne
Agradecimentos
Antes de tudo, eu gostaria de agradecer à Anna Biller por sua ajuda em
muitos aspectos deste livro – inclusive pela edição hábil, pelas incontáveis
ideias perspicazes que ela me deu durante as nossas discussões, bem como
por todo o amor e apoio ao longo do processo de escrita. Esta obra não seria
possível sem as suas muitas contribuições, pelas quais sou eternamente
grato.
Gostaria de agradecer ao meu agente Michael Carlisle, da Inkwell
Management, mestre da natureza humana, por todos os seus conselhos
valiosos e auxílio no projeto. Também da Inkwell, meus agradecimentos a
Michael Mungiello e Alexis Hurley, por levarem estas páginas a um público
global.
Tenho muitas pessoas a quem dizer obrigado na Penguin, sendo que a
mais importante é Andrea Schulz, minha editora, por todo o trabalho (muito
apreciado) sobre o texto e pelas nossas numerosas conversas, em que ela me
auxiliou a aguçar o conceito de natureza humana e compartilhou comigo as
próprias perspectivas a respeito do tema. Também devo agradecer à editora
original do projeto, Carolyn Carlson, assim como à Melanie Tortoroli, por
suas contribuições editoriais. E também à assistente de Andrea, Emily
Neuberger; ao ilustrador da capa, Colin Webber; no Departamento de
Marketing, à Kate Stark e Mary Stone, e à Carolyn Coleburn e Shannon
Twomey pelo trabalho realizado na parte de publicidade.
Preciso agradecer ao Andrew Franklin, editor da Profile Books na
Inglaterra, que me acompanhou no lançamento de todos os meus seis livros,
e em cuja astúcia literária e editorial eu sempre posso confiar.
Como sempre, devo agradecer ao Ryan Holiday, meu ex-aprendiz e
agora autor de best-sellers e mestre estrategista, por todas as suas sugestões
de pesquisa, ajuda com marketing e sabedoria geral.
Não posso me esquecer de agradecer ao Brutus, meu gato, que
supervisionou a produção dos meus últimos cinco livros e que me fez
entender o animal humano a partir de uma perspectiva bem diferente.
Eu gostaria de agradecer à minha querida irmã, Leslie, por todo amor e
apoio, e pelas muitas ideias que inspirou nesses anos. E é claro que preciso
agradecer à minha mãe tão paciente, Laurette, por tudo o que fez em minha
vida, em especial por incutir em mim um amor pelos livros e pela história.
E, por fim, gostaria de agradecer a todas aquelas pessoas inumeráveis
que me mostraram, por toda a minha vida, o pior e o melhor da natureza
humana, e que me forneceram material infindável para este trabalho.
Bibliografia selecionada
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A mundana, 252
Índice remissivo
ABC, 378, 383, 385, 387, 389
ABC News, 302
Abel e Caim, 353
Absalão, 66
Adaptabilidade, e autoridade, 603
Admiração, 375
Adolescente, O (Dostoiévski), 34
Adversidade, 139, 294
Agir, estilos masculinos e femininos de, 454-455
Agitador, 550
Agressão passiva/passivo-agressividade, 646-657
encantador passivo-agressivo, 325
estratégia da tirania passiva, 655
estratégia da simpatia, 649
estratégia da superioridade sutil, 648
estratégia de insinuar dúvidas, 652
estratégia de transferir a culpa, 653
estratégica da dependência, 651
Agressão(or), 16, 524, 609-664
agir contra a, 630
ambição e, 659-660
armadilha do agressor, 638
aspectos positivos e negativos da, 633
auto-opinião e, 631
como vício, 638
componente genético da, 151
controlada, 640, 641, 657-659
crônica, 636, 638
destemor e, 661-662
energia da, 625, 629, 633, 660
espectro da, 633, 640
examinar a sua própria, 640
fonte da, 634-646
gerações e, 692
insegurança e, 631
lutar sujo, 643
narrativa da, 626-627
negação da, 501
obsessões e, 642
persistência e, 660-661
primitiva, 628, 629
raiva e, 631, 640, 662-664
raiz da palavras, 633
sabotador interno e, 657, 658
sofisticada, 628, 629, 630, 637, 643
tecnologia e, 584
tolerância da, 638
Agressividade passiva, ver agressão, passiva
Aislabie, John, 202
Alcibíades, 51, 66
Álcool, Lei Seca e, 215
Alexandre VI, papa, 424
Alexandre, o Grande, 295
Alma, 298
Ambição, 659-660
amor do, 583
Amor fati, 746-747
Amor, do destino, 746
Amor-próprio, 62, 63, 68, 69
narcisismo e, 67
ver também narcisismo, narcisistas
Ana Bolena, 566, 568
Ana, rainha da Inglaterra, 202
Andrews, Samuel, 611, 612
Aníbal, 661 454
Anima e animus, 433, 435, 437-438, 441
Animais sociais, 12, 37, 45, 61, 110, 249, 363, 373, 529, 530, 631
Ânimos, 587
influência e, 249
parâmetros, 83
Anjos do inferno, 141, 144, 145
Ansiedade, 151, 482, 485, 486, 525, 749
agressão e, 632
grupos e força social e, 527
Antônio, Marco, 115, 136
Apaixonar-se, 242, 431-432, 440, 715
hostilidade e, 636
mudanças que ocorrem ao, 432
Aparência, e conformidade, 532
Aprendizagem, 485
estilos masculino e feminino de, 456-457
Aproveitador, 595
Aquecimento global, 213
Arte
autoridade na, 594
raiva na, 664
Artista visionário, 596
Aśoka, 54, 589
Assistentes, 559
Associação para o Aprimoramento de Montgomery (MIA), 466
Ataque a Pearl Harbor, 215
Atena, 23, 26, 31, 33, 41, 58
Atenas, 23, 24, 26, 27, 29, 262, 483
Atenção
busca de status por meio de, 16
busca de, 502
necessidade de, 12, 87-88
repentina, 49-50
Ateus, 327
Atitude, 265-299
alma e, 298
autoridade e, 596-597
definição de Jung de, 278
indiferente, 296
Atitude ansiosa, 285-286
Atitude defensiva, 227
Atitude do criador, 54
Atitude evitativa, 286
Atitude hostil, 283-284
Atitude realista, 392, 398, 401
Atitude reativa, 199, 214
Atitude ressentida, 290-292
Atitude, negativa (constritiva), 282-283
ansiosa, 285-286
depressiva, 288-290
evitativa, 286-288
hostil, 283-284
ressentida, 290-292
Atitude, positiva (expansiva), 292
adversidade e, 294
como encarar o mundo com, 293
energia e saúde e, 296-297
outras pessoas e, 297
ver a si mesmo com, 295
Atuação, 111, 112
grupos e, 533
método, 30
ver também dramatização
Augusto (Otávio), 115, 215
Aura, 158, 601-602
Ausência, 131
equilibrar presença e, 135, 602
saber como e quando se retirar, 190
silêncio, 602
Autenticidade, 301
autoridade e, 596-597
humildade e, 136
Autoabsorção, 67, 68, 69, 91, 110, 114, 325, 744
Autoavaliação e aprendizado, estilos masculino e feminino de, 456-457
Autoconfiança, 126, 129, 134, 135, 153, 293, 295, 316, 323, 563, 589-590
Autoconhecimento, 54-55
de limitações, 401
e superar traços negativos, 19
Autoconsciência, 153
grandiosidade e, 401
grupos e, 505
Autoestima, 63
Autoimagem, 62, 63, 64, 244, 245, 502
Autonomia, em auto-opinião, 243, 245, 246, 251
Auto-objetos, 65
Auto-opinião, 227-264
a sua própria, 264
agressão e, 631-632
autonomia em, 251
baixa, 246, 258
bondade em, 255
inteligência em, 253
personalizada, 244
ver grandiosidade
Autoridade, 565-607
adaptabilidade e, 603
atitude e, 507
aura e, 601
autenticidade e, 596-697
de grupo, 595
desdém por, 595-596
estratégias para estabelecer, 592, 596-604
formas falsas de, 595
interior, 604-605
nas artes, 594
pais como figuras de, 594, 595
promessas exageradas e, 604
tom e, 600-601
tomar e dar e, 602-603
ver também líderes, liderança
visão e, 598-599
Autossabotagem e comportamento autodestrutivo, 213, 313
Babilônios, 692
Baby boomers, 695, 698, 701
Baía dos Porcos, 368
Baker, Josephine, 331, 337, 703, 706
Balsan, Etienne, 117, 182
Banalidade, 328
Bassui, 264
Batalhas, inferno tático e, 218
Beaumarchais, Pierre-Augustin Caron de, 184, 254
Behrs, Sofia, 88
Benson, Byron, 620-621, 628
Bergman, Ingmar, 336
Bergman, Ingrid, 490, 496
Bevel, James, 471
Birmingham, Alabama, 469-470, 476
Black Death, 623
Blunt, Charles, 206
Blunt, John, 199-200
Bly, Robert, 332
Bobo da corte, 553
Boccaccio, Giovanni, 416
Bodas de Figaro, As (Beaumarchais), 254
Boicote aos ônibus de Montgomery, 490
Bolhas especulativas, 36, 50
Ato da Bolha Financeira, 205, 208
Companhia dos Mares do Sul, 36, 199-200
Bolhas financeiras, 205
Bondade, em auto-opinião, 243, 244, 255-256
Bórgia, César, 424-425, 428
Born Red (Gao), 519, 520
Botticelli, Sandro, 418, 446
Bouvier, Jack, 442
Bowie, David, 430
Bowlby, John, 14, 151
Brummell, Beau, 328
Buffett, Warren, 54, 162, 453, 589
Bülow, Hans von, 288-289
Buscador da verdade, 463-464
Byrd, Richard E., 528
Byrd, Robert, 236
Byron, George Gordon, Lord, 341, 344, 349
Caim e Abel, 353
Capacidade de concentração, 213
Capel, Arthur “Boy”, 178, 494
Caráter, 17-18, 151
cérebro e, 151
componente genético do, 151
consciência e encobrir defeitos do, 152
etimologia da palavra, 151
examinar e moldar o seu próprio, 154, 171, 172, 173
força do, 139-174
hábitos e, 139, 152, 153, 170-171
indicadores do, 156-163
padrão de apego na infância e, 151-152
poder e, 158
superior, 170-174
tipos tóxicos de, ver tipos tóxicos
traços conflitantes, 153
traços positivos, 153
Carlos II, arquiduque da Áustria, 570
Carlos IX, rei, 570
Carreira, 479-480
Cartuxa de Parma, A (Stendhal), 121
Caso de identidade, Um (Conan Doyle), 137
Cássio Severo, 156
Causas, 396, 482, 499-500, 533
Cecil, William, 568
Cérebro, 12, 37, 503, 689
caráter e, 151, 152, 171
habilidades de observação e, 114-115
imaginação e, 188
indução e, 186-187
interação social e, 70
maleabilidade na primeira infância, 152
neurônios espelhos no, 73
porções do, 38
raciocínio de curto prazo e, 212
sucesso súbito e, 49
César, Júlio, 51, 115, 215, 295
Chanel Nº 5, 180
Chanel, Gabrielle “Coco”, 175, 337, 369, 493, 709
Change (Watzlawick, Weakland, e Fisch), 259
Chaplin, Charlie, 331
Chekhov, Alexander, 267
Chekhov, Anton, 22, 54, 56, 265, 274, 275, 489
ilha Sacalina e, 272
Chekhov, Mikhail, 269
Chekhov, Nikolai, 267
Chekhov, Pavel Yegorovich, 269
Chekhov, Yegor Mikhailovich, 269
Chesterfield, Philip Stanhope, Lorde, 256
Chicago Bulls, 558
China, 305, 483
China comunista, 505
Revolução Cultural na, 53, 508, 512, 514, 519, 523
Chopin, Frédéric, 437
Churchill, Winston, 313, 331, 411
Cícero, 667, 707
Ciclo de notícias, 219
Cientistas, 453
Cimino, Michael, 405
Cinismo, 498
Cipião Africano, 589
Circunstâncias atuais, 188, 199
Clark, James, 611
Clark, Maurice B., 609, 614
Clinton, Bill, 51, 134
Cobiça, ver desejo
Cobras, na Índia, 215
Colson, Charles, 304, 552
Coltrane, John, 596
Columbo, 131
Companhia dos Mares do Sul, 36, 199, 200-203, 209
Comparações, 288
emulação, 374
negativas, 373-374
ver também inveja
Complacência, 187, 391, 562, 721
Comportamento compulsivo, 139-174
ver também caráter
Comportamento contraditório, 317, 323-338
Comunicação não verbal, 101-111
afinidade e, 250
diferenças culturais na, 117
domínio da, 134
e desenvolvimento das habilidades de observação, 110, 114-118
Erickson e, 101-111
evolução da, 112
interpretação da, 117
linguagem corporal, 114
observar a sua própria, 118
sinais ambíguos na, 116
sinais de dominância/submissão, 125-129
sinais de fraude, 129-132
sinais de desprezo/afeição, 119-125
validação e, 528
ver também expressões faciais
Conan Doyle, Arthur, 137
Conferência da Liderança Cristã do Sul (SCLC), 468
Confinamento solitário, 528
Conformismo, 14, 483, 498, 505
ver também grupos
Cônjuge, escolha de, 159
Connally, Tom, 227-228, 237
Connor, Bull, 470, 471
Consequências não intencionadas, 209, 215, 594, 639
Contrastes, 187
Conversação, 115, 241
escutar com atenção, 567
Corneille, Pierre, 257
Correção política, 170, 553
Cortes e cortesãos, 418, 423
Crawford, Joan, 172, 294
Criador de intrigas, 548
Crime e castigo (Dostoiévski), 392
Crise de meia-idade, 450
Crises financeiras, 335
de 1929, 36, 219
de 2008, 35, 701
Cristianismo, 245, 463, 464
Críticas, 662
agressão e, 638, 642
em vaivém, 358-359
senso de propósito e, 492
Cultos, 53, 185, 321, 405, 499
Cultura, 594
contribuição à, 488, 605
cultura jovem e, 693, 695
mudanças na, 685, 686, 687
jovem, 692, 695, 702
Cultura, grupo, 536, 545
Curandeiro, 597
Curie, Marie, 489, 660
D’Allegre, Yves, 426
D’Este, Isabella, 429
da Sombra, 320
Danton, Gabrielle, 5, 15
Danton, Georges-Jacques, 51, 652, 667, 668, 674, 675
Dario, 598
Darnley, Henry Stuart, Lorde, 572
Darwin, Charles, 54, 214
Davi, rei, 51, 353
de Erikson, 104-108
De Gaulle, Charles, 303, 310
de gênero, 440-443
Dean, John, 304, 308
Decourcelle, Pierre, 176
Defoe, Daniel, 743
Democracia, 24, 25, 30, 31, 32, 714
Deng Zeng, 714
Departamento de Defesa dos Estados Unidos, 538
Depressão, 477, 486, 549, 605, 650
atitude depressiva, 288-289
Depressão, Grande, 106, 698
atitude depressiva, 288-289
Desejo, 175-197
contagioso, 534
e saber como e quando se retirar, 190
estratégias para estimular, 189
ilícito, 194
indução e, 193
possessão e, 195-197
rivalidades do, 191
síndrome da “grama mais verde”, 185, 188, 195
supremo, 195
Destemor, 661-662
Destino, 14, 23
amor do, 583
Detalhes, perder-se em, 222
Diário do ano da peste, Um (Defoe), 743
Dick Tracy, 382
Diderot, Denis, 682
Dietrich, Marlene, 703
Diller, Barry, 378, 388
Ding Yi, 507, 511
Dinheiro, busca de, 500
Disney Company, 381
Euro Disney, 381, 386, 388, 390
Go, 386
Disney, Roy, 379, 383
Disney, Walt, 379, 380, 381
Disraeli, Benjamin, 253
Ditador, 26, 595
Do lado de Swann (Proust), 446
Dods, srta., 346
Doenças psicossomáticas, 287
Dostoiévski, Fiódor, 34, 131, 336, 392, 503, 734, 740
Drake, Francis, 573, 576, 582
Dramatização, 101-137
autenticidade e, 132-134
conotações negativas do termo, 132-134
gerenciamento de impressões, 132-134
ver também comunicação não verbal
DreamWorks, 389
Dreyfus, Alfred, 117
Dudley, Robert, 570, 571
Ecossistema cultural, 483
Ecossistemas, 483
Edison, Thomas, 492, 660
Eduardo VI, rei, 568
Educação de Ciro, A (Xenofonte), 413
Efeito camaleão, 73
Efeito cobra, 216
Efeito halo, 45
Efeitos dramáticos, 135
Egito, êxodo do, 185
Ego, 218, 242, 254, 293, 339, 604, 627
Ehrlichman, John, 304
Einstein, Albert, 331, 335, 453, 496, 661
Eisenhower, Dwight D., 194, 235, 302
Eisner, Michael, 366, 377, 378, 379, 383, 384, 386, 387-388, 390, 656
Ekman, Paul, 14, 123
Eliot, George, 15, 447
Elisabete I, rainha, 214, 222, 454, 565, 571, 603
Cecil e, 568
Essex e, 575
Felipe II e, 573
Maria da Escócia e, 571, 575, 577, 578, 706
Ellington, Duke, 430
Elogio
inveja e, 356-357
por esforço ou por talento, 257
Em busca do tempo perdido (Proust), 446
Embaixadores, Os (James), 116, 249
Emerson, Ralph Waldo, 225
Emoções, 9, 36, 586
ambivalência das, 586
dominar o seu lado emocional, 23-59
em grupos, 526, 534-535, 558-559
equilibrar pensamento e, 57-58
evolução das, 7, 41
examinar até as origens, 55
fatores inflamatórios, 47-59
fortes, 586
influência e, 258
redes sociais e, 15, 39
Sombra e, 317
tempo de reação e, 55
ver também irracionalidade
Empatia, 14, 19, 20, 41, 61-99
analítica, 74
atitude na, 71
em líderes, 589
em meninos, 430, 433, 454-456
grandiosidade e, 400
habilidade em, 75-76
ver também narcisismo, narcisistas
visceral, 72
Empreendedor radical, 329-340
Emulação, transmutar a inveja em, 374-375
Endurance, 93, 95
Energia, propositada, 493
Envelhecimento, 223, 224, 695, 711-712
Erickson, Milton, 101, 259, 649
Erro de Otelo, 117
Escândalo Watergate, 701
Escola Secundária O-Leste-É-Vermelho, 518
Escola Secundária Yizhen (ESY), 505
Escolhas/opções de vida, 479
Esnobe, 328
Espanha, 201, 222, 381, 571, 575, 582
Esparta, 23, 28
Espelhar e imitar, 73
Espelho, 554
Ésquilo, 376
Essex, Robert Devereux, conde de, 575, 576-578, 583, 706
Estilos de roupas, 688
Estradas do inferno, 144-145
Estratégia da dependência, 651
Estratégia da simpatia, 649-650
Estratégia da superioridade sutil, 648
Estratégia de insinuar dúvidas, 652-653
Estruturas da mente (Gardner), 491
Euro Disney, 381, 386, 388, 390
Evolução, 412
da natureza humana, 12
das comunicações não verbais, 112
das emoções, 12, 37
Excelência, 361, 606
Exércitos e, 486
Expectativas sobre os outros, 250
Experiências de pico, 296, 495
Explicações, buscar, 34
Expressões faciais, 73, 101
microexpressões, 114, 120, 122, 125, 131, 355-357
sorrisos, 123
Extrovertidos, 64, 151, 153, 159
narcisismo e, 63
Facilitador da Sombra, 551
Fairbairn, Ronald, 657
Falta de propósito, ver propósito, senso de
Fanático, 326-327
Fantasia, 184, 189, 195
Fatores inflamatórios, 47-53
Favorito, 555-556
Fawcett, J. W., 616
Febre do papel do telégrafo, 219
Feedback, 75
Felipe II da Espanha, rei, 222, 571, 573
Feo, Giacomo, 423, 429
Feo, Tommaso, 421
Ferrovias, 615
Pennsylvania Railroad, 619, 627
Filelfo, Francesco, 416
Fisch, Richard, 259
Fitzgerald, F. Scott, 716
Fitzgerald, Robert, 722
Fitzgerald, Sally, 722
Flaubert, Gustave, 645
Fluxo, 409, 495, 496
Foco, 606
Fofoca, 358, 371
Força social, 527
Força vital, 298
Ford, John, 558
França, 665-690
Assembleia Nacional na, 672-673
Estados Gerais na, 670, 671, 683
Regimento de Flandres na, 673, 675
Revolução na, 51, 86, 325, 396, 486, 652, 674, 679
Terror na, 679
Frankenstein (Shelley), 339, 341, 345
Franklin, Benjamin, 713
Fraude, 119
escala da, 132
sinais de, 129
Frazer, James, 588
Freiras da ordem de Santa Úrsula, 83
Freud, Sigmund, 318, 412, 631
Fundador, 596
Gandhi, Indira, 403
Gandhi, Mahatma, 464
Ganhos, repentinos, 49
Gao Yuan (Gao Jianhua), 505, 519
Gardner, Howard, 491
Gay, John, 203
General Tire Company, 145
Geração, explorar espírito da, 705-710
gênero, ver projeções de gênero
Genética, 689
agressão e, 637
caráter e, 161
Gente boa da roça (O’Connor), 728
Gerações, 665-717
a sua própria, 693
atuais, 713
cultura jovem e, 693
década de 1920, 692
década de 1950, 695
década de 1960, 692
estilos de pais das, 701
extensão das, 690
Geração X, 698
Geração Y (geração do milênio), 698
heróis e ícones das, 702
indivíduos agressivos em, 693-694
futuro, 716
lado da Sombra das, 703
mais jovem, julgamento da, 693
padrões nas, 696
passadas, 714
percepção geracional, 690
personalidade ou espírito das, 692, 694, 700
perspectiva das, 692
rebeldes das, 694
relacionamentos de gênero e, 704-705
tensão entre, 704
variações nas, 693-694
zeitgeist e, 477, 665, 695, 598, 700, 705, 706, 713
Gerenciamento de impressões, 113, 132-134
Go, 386
Godwin, William, 340
Goethe, Johann Wolfgang von, 600, 712, 717
Goldman Sachs, 369, 370
Grades de proteção, 635, 636, 641, 643
Graham, Katherine, 306
Grande Depressão, 106, 698
Grande falastrão, 166-167
Grandier, Urbain, 83
Grandiosidade, 377-473, 457
atitude realista e, 401, 402
concentração de energia e, 409
de baixo grau, 394,
desafios calibrados e, 410-411
empatia e, 400
fantástica, 408
formas negativas de, 398
gerenciar a sua própria, 402
grandes falastrões e, 399
humildade e, 399
invertida, 412
libere sua, 411
medir níveis de, 399
pragmática, 408
prevalência de, 398
raízes na infância da, 394-395, 411
religião e, 396
Grant, Ulysses S., 220
Greeley, Horace, 220
Grupos de realidade, 545, 547, 556-563
Grupos, 11, 111, 505-563
agitador no, 550, 557
assistentes nos, 559-560
atuar em, 533
autoridade do, 595
bobo da corte nos, 553
comunicação aberta nos, 560
conformismo aos, 505-563
corte e cortesãos nos, 539-541
criador de intrigas nos, 548-550
cultura dos, 536-537
desconfiança em relação aos que não estão nos, 530
diferenças e, 547
dinâmica de, 536-543
disfuncionais, 556, 557, 563
efeito de grupo, 52
efeitos individual nos, 531-536
elites nos, 421
emoções em, 52, 561-562
energia de pertencer a, 524, 542, 557
enormes, 546
espelho nos, 554-555
experiente em conflito, 436
facções nos, 542-546
facilitador da Sombra nos, 551-553
falar diante dos, 526
favorito nos, 555-556
força social nos, 527, 528, 529
hipercerteza nos, 535-536
inimigos dos, 541-542
inseguranças e, 543-544
inteligências dos, 531
lealdade aos, 525
metas dos, 526
necessidade de se encaixar nos, 525, 542
observar, 546
personalidade social e, 505
porteiro nos, 550-551
realidade e, 545, 547, 556-558
regras e códigos nos, 538-539
rituais nos, 529, 682
saco de pancadas nos, 555-556
senso de propósito nos, 558-550
separar-se dos, 525, 542
sucesso em, 539
tribalismo nos, 546
vacas sagradas nos, 539
viés de grupo, 45, 52
virtuais, 529
Guarda Vermelha, 512, 522
Guerra, 644
Guerra cibernética, 645
Guerra Civil Norte-Americana, 220, 231, 238, 572, 589, 612, 614
Guerra da Coreia, 231, 407
Guerra do Vietnã, 146, 306, 473, 474, 538, 701
Habilidades de observação, 114-118
de Erikson, 104-108
observar a si mesmo, 118
Hadamard, Jacques, 335
Haig, Alexander, 309, 548
Hakuin, 260, 493, 661
Haldeman, Bob, 157, 304
Haley, Alex, 73
Hanks, Tom, 379
Hazlitt, William, 743
Hegel, G. W. F., 687
Helicópteros, 145-146, 383
Henrique IV, rei da França, 670
Henrique VIII, rei da Inglaterra, 566, 568, 579
Heráclito, 149
Hesíodo, 367
Hess, E. H., 123
Hester, Betty, 727
Hewitt & Tuttle, 610
Hewitt, Isaac, 617
Hillary, Edmund, 97
Hipercerteza, 535
Hiperintensão, 501
Hiperperfeccionista, 163-164, 173
Hiss, Alger, 305
História, 715, 717
Hitchcock, Alfred, 604, 710
Hitler, Adolf, 79
Hoffer, Eric, 526
Hogg, Thomas, 344-345
Hollywood, 377, 378, 380, 384, 405, 538
Honestidade, 88, 135, 157, 184, 240, 247, 408, 523, 541, 664
Horácio, 317
Hostilidade, e amor, 636
Howard, Catarina, 568
Hudson, Huberht, 95
Hughes Aircraft, 142, 143
Hughes Tool Company, 140, 142
Hughes, Howard, Jr., 139, 140, 147, 171
Hughes, Howard, Sr., 140
Humano pacífico, mito do, 644
Humildade, 136, 634
grandiosa, 399
Humphrey, Hubert, 233, 234, 236, 301
Hunt, E. Howard, 307, 308
Hunt, Leigh, 343, 344, 347, 350
Hurley, Frank, 94
IBM, 558
Ibn Khaldun, 696
Ibsen, Henrik, 314
Identidade, 136
senso de, na infância, 450
social, 450
superior e inferior, 21-22
ver com atitude expansiva, 292-293
Idiota, O (Dostoiévski), 131
Ilha Sacalina, 272
Iluminismo, 682, 684
Ímã de dramas, 166
Imagem por ressonância magnética funcional (fMRI), 187-188
Imaginação, 20, 104, 183, 184, 188, 275, 482
cérebro e, 187
Imitação, repetição, e espelhamento, 73
Imortalidade, estratégia de, 717
Impotência, 635, 636, 711
Inclinações primordiais, 171, 484, 489
Inconsciente, 335
Indivíduos inflamatórios, 51, 56
Indução, 186
Indústria petrolífera, 612, 616, 619, 626, 627
Standard Oil, 615-628, 645
Infância, 662, 699
consciência da mortalidade na, 738
destemor na, 661
e ambivalência de emoções, 586
espírito da, 707
grandiosidade e, 394
inclinações primordiais na, 484, 489-490
inveja e, 359-360
lembrar/recordar, 186, 586
padrões de apego (conexão/ligações) na, 151-152, 159, 171
papéis de gênero na, 429, 434
poder dos pais na, 547
pontos de estímulo da, 48-49
senso de identidade na, 450
traços de caráter da, 330, 332, 334
ver também pais
Inferno tático, 218
Influência, 15, 227-241
ânimo da, 249-251
auto-opinião quanto a, 248-264
estratégias de, 248-261
inseguranças quanto a, 256-258
ouvinte atento em, 248
preconceito contra a ideia de, 246
resistência e teimosia a, 258-261
Insegurança(s), 322, 324, 631
agressão e, 633, 634-646
de outros, tranquilizar, 256-258
grupos e, 543
Instintos competitivos, apelar para, 252
Intelectuais, 686
Inteligência
de grupo, 531
em auto-opinião, 244, 245, 253-255
formas de, 491
Internet, 44, 645
ver também redes sociais
Introvertidos, 151, 159, 160
narcisismo e, 63
Inveja, 9, 14, 37, 101, 272, 339-376
admiração e, 375
além da, 372-376
aproximar-se do que se inveja, 373
comparações negativas, 373
disfarçar, 355
elogios e, 356
gatilhos da, 367-372
lidar com um ataque de um invejoso, 371
maledicência em, 357
microexpressões e, 355
Mitfreude e, 374
origens na infância, 359
passiva e ativa, 354
prevalência de, 369
raiva e, 38, 352
redes sociais e, 371
Schadenfreude e, 374
sinais de, 352, 354, 355
transmutar em emulação, 374
vaivém e, 358
Invidia, 356
Invulnerabilidade, em líderes, 407
Iraque, 536
Iribe, Paul, 369
Irracionalidade, 23-34
ciclos históricos de, 53
de alto grau, 42
de baixo grau, 42
definição, 40
fundamental, 36
racionalista rígido e, 327-328
ver também emoções; racionalidade
vieses e, ver vieses
Isolamento, 528-529
Jackson, Michael, 190, 329
Jackson, Phil, 561
Jackson, Reggie, 324, 363
Jaime VI, rei, 572
James, Henry, 116, 249
James, William, 76, 277
Jeanne dos Anjos (Jeanne de Belciel), 85-86
Jobs, Steve, 489, 491, 496, 501, 589, 335, 386
Johnson, Lady Bird, 230
Johnson, Lyndon Baines, 158, 228-229, 474, 538
Connally e, 227-228
Humphrey e, 232-233
Russell e, 230, 231, 232
Jorge I, rei, 201-202
José (personagem do Antigo Testamento), 214
Judeus, 117
Nixon e, 306
Wagner e, 320
Jung, Carl, 14, 278, 279, 315, 338, 433, 457
Katzenberg, Jeffrey, 366, 380, 382, 383, 389, 656
Kenko, 741
Kennedy, Jacqueline, 182, 331, 373, 706
Kennedy, John F., 194, 235, 301, 368, 430, 442, 707
assassinato de, 472
direitos civis e, 470
Nova Fronteira de, 707
Kennedy, Robert F., 306
Khrushchov, Nikita, 80
King, A. D., 475
King, Coretta Scott, 464, 465, 468
King, Martin Luther, Jr., 461, 475, 490, 500, 589, 596
assassinato de, 475
King, Martin Luther, Sr., 461-462, 465
Kirov, Serguei, 77
Kissinger, Henry, 304, 307, 310, 548
Klein, Melanie, 14, 151, 359, 636
Kohut, Heinz, 394
Kurosawa, Akira, 490, 707
La Bruyère, Jean de, 241
Lado sombrio, ver Sombra
Lagerfeld, Karl, 328
Langkjaier, Erik, 727
Law, John, 200,
Lee, Robert E., 220
Lei dos Direitos de Voto, 472
Lei Seca, 215
Lenin, Vladimir, 82
Leonardo da Vinci, 54, 606, 712, 716
Libertador, 596
Liddy, G. Gordon, 307
Líder amigável, 595
Líderes grandiosos, 402-403
Estou predestinado, 403
Eu os libertarei, 404
Eu reescrevo as regras, 405
Sou invulnerável, 407
Sou o/a homem/mulher comum, 403
Tenho o toque de Midas, 406
Líderes, liderança, 411, 416, 454, 455, 546, 558, 565
ambivalência e inconsistência em relação a, 587
autoridade de, ver autoridade
carismáticos, 522, 524
como figuras paternas, 587
cortes e cortesãos de, 529-542, 547-556
desdém por, 594
empatia em, 590
estilos masculino e feminino de, 457-459
grandioso, 402-408
grandiosos, ver líderes grandiosos
inimigos e, 541
lado sombrio e, 321
narcisistas, 66
visão de, 590, 598-600
Limites/limitação, aceitar, 401
ver também grandiosidade
Lin Sheng, 511
Lincoln, Abraham, 54, 75, 214, 220-221, 329, 331, 333, 458, 589, 618
Guerra Civil Norte-Americana e, 220, 231, 238
Linguagem corporal, 72, 94
ver também Comunicação não verbal
Linguagem, em influência, 259
Lisonja, 68, 169, 256, 258
Liszt, Cosima, 288
Liszt, Franz, 288
Long-Term Capital Management, 35
Luís XIV, rei, 122, 667, 673
Luís XV, rei, 665
Luís XVI, rei, 254, 666, 667, 668, 681, 685
carruagem da coroação de, 668
Lustig, Victor, 131
Lynch, David, 596
MacArthur, Douglas, 232, 406, 407
Maçons, 682
Madoff, Bernie, 131
Magruder, Jeb, 157
Mailer, Norman, 337
Malcolm X, 295, 664
Maledicência, 357
Mao Tsé-Tung, 396, 506, 542
Maquiavélico, 136, 257
Marco Aurélio, 54
Marguerite de Valois, 54
Maria Antonieta, 666, 669, 682
Maria da Escócia, 571, 573, 574, 580, 581
Maria I, rainha, 566, 568, 573
Martin, Billy, 324,
Marx, Karl, 464
Máscaras, 101, 136
ver também dramatização
Maslow, Abraham, 296, 495
May, Rollo, 664
McCarthy, interrogatórios de, 53
McCord, James, 307
McFarland, Ernest, 235
McGovern, George, 307
McNeish, Harry, 96
Mead, Margaret, 54, 453
Meade, George, 220
Médici, Giovanni de, 424
Médico e o monstro, O (Stevenson), 322
Medo, 22, 37
agressão e, 631-632
grupos e, 534
Mente flexível, 261-264
Mercado de trabalho, 479, 701
Merkel, Angela, 126, 589
Merrill Lynch, 407
Mestre inseguro, 365
Metáfora do cavaleiro e do cavalo, 57
Metas(Objetivos) 392, 484, 606
de grupo, 607
de longo prazo, 150, 199, 209, 212, 218, 221, 223-225, 494
escada de, 382-383
Método de Interpretação para o Ator, 134
Michelangelo, 367
Microexpressões, 355
Microtendências, 219
Middlemarch: um estudo da vida provinciana (Eliot), 447
Mignon, Canon, 84
Miopia, 199-225
consequências não intencionadas, 215-217
febre do papel do telégrafo, 219-221
inferno tático, 218-219
perdido em trivilidades, 222-223
sinais de, e estratégias para superar,
Miramax, 383
Mississippi Company, 200-201
Mistério, 136, 175, 184, 190
Mitfreude, 374
Miyamoto Musashi, 455
Moda, 688-689, 709
Moisés, 185, 589, 596
Montaigne, Michel de, 749
Montgomery, Alabama, 464
Moralidade, 155, 169-170, 189
Moralizador simplista, 169, 70
Morcegos, 748
Mortalidade, ver morte
Morte, 224, 710-717, 719
amor e, 746
como assunto tabu, 737
crença na vida após a morte e, 736
da pessoa amada, 735
despertar para a brevidade da vida e, 741
e aceitar a dor e adversidade, 745-747
efeito paradoxal da morte, 736
filosofia da vida por meio da, 739-749
invisibilidade da, no mundo moderno, 737
negação da, 737
no entretenimento, 738
percepção da criança da, 738
percepção visceral da, 739
Sublime e, 747-749
ver a mortalidade em todos, 743-745
vida contrastada com, 738
visualizar a sua própria, 740
Movimento dos direitos civis, 473, 732
Mulher caída, 445, 446
Mulher elusiva da perfeição, 443-444
Mulher para adorá-lo, 448
Mulheres
bondade e, 337
bem-sucedidas, inveja de, 368
ver também papéis de gênero e traços masculinos e femininos
Multiplicador de força, 487
Mundo, ver com atitude expansiva,
NAACP, 465
Napoleão, 396, 486, 558, 600
Narcisismo, narcisistas, 61-99
amor-próprio e, 67
casais, 88-93
controle completo, 77-83
escala de, 61-76
exemplos de tipos de, 77-99
extrovertidos, 64
funcionais, 67
introvertidos, 64
líderes, 66
preguiçoso arrogante, 362
profundos, 67, 70, 81, 87, 225, 393
saudáveis, 69
teatral, 83-88
ver também empatia
Natureza humana, 1-16
aceitação da, 56-57
evolução da, 12
leis da, 16-22
Negação, 318
Negras raízes (Haley), 73
Nehru, Jawaharlal, 403
Nero, 66
Nettles, Graig, 363
Newton, Isaac, 203, 206, 208, 209
Nícias, 29
Nietzsche, Friedrich, 14, 59, 263, 374, 479, 502, 563, 746
Nivelador, 361
Nixon, E. D., 466
Nixon, Hannah, 303
Nixon, Pat, 305
Nixon, Richard, 301, 302, 305
Colson e, 304, 306, 552
Eisenhower e, 302
gravações de, 303, 309
Guerra do Vietnã e, 306
Haig e, 548
Hiss e, 305
infância de, 311-312
Watergate e, 307, 308, 549
Nobre selvagem, 644
Notícias do campo de batalha, 513, 518
Nous, 31, 32
O’Brien, Larry, 306
O’Connor, Flannery, 719, 722, 727, 730, 732, 738
O’Neal, Stan, 407
observar a si mesmo, 118
Ódio, 320
Odlum, Floyd, 144
Olho maligno, 356
Onassis, Aristotle, 373, 442
Onassis, Jacqueline Kennedy, 331, 337, 442
Orsi, Ludovico, 421
Ortega y Gasset, José, 14, 607
Ostinato rigore, 606
Otávio, ver Augusto
Otelo (Shakespeare), 112
Ouvinte atento, 248
Ovitz, Michael, 384
Paciência, 221, 228
Padrão de apego livre/autônomo, 151
Padrão de apego protetor-ambivalente, 151-152
Padrão de conexão desorganizado, 151
Padrão de conexão evitativo, 151
Padrões de conexão entre mães e filhos, 151
Padrões de excelência, 606
Pais, 546, 601, 547, 691
como modelos de autoridade ou amigos, 594, 595
dependência das crianças em relação aos, 652
dominadores, 637
estilos de criar filhos dos, 702
líderes associados com, 587
ver também infância
Papa Alexandre, 424
Papéis de gênero e traços masculinos e femininos, 415-459
alterar papéis de gênero, 439-440
autoavaliação e aprendizagem de estilos e, 456
como anima e animus, 433-437, 441, 459
diferenças geracionais nos, 703
estilos de agir e, 454
estilos de pensar e, 452
homem hipermasculino, 438
igualdade e, 439
julgamentos de valores nos, 451
liderança e, 457-458
mulher hiperfeminina, 438
na infância, 430
Parâmetros das expressões e ânimos, 115-116
Paramount Pictures, 377, 378
Parceiro ou esposo, escolha de, 159
Parks, Rosa, 465-466
Pasteur, Louis, 335, 453
Pavese, Cesare, 174
Payne, Oliver H., 614
Pennsylvania Railroad, 618, 619, 627
Pennsylvania Railroad, 619, 627
Pensar, estilos masculino e feminino de, 452-454
Perdas, repentinas, 49
Perelle, Charles, 143
Péricles, 24-28, 30-34, 41, 53, 589
Perkins, Frances, 554
Pérsia, 598
Persistência, 660
Personalidade, 136
Personalidade social, 505
Personalizador, 165
Perspectiva
hipermetrope, 211
ver também miopia
Perspectiva hipermetrope, 211, 213-214
Persuasão, ver influência
Pessoas
como modelos de autoridade ou amigos, 594, 595
dependência das crianças em relação aos, 652
dominadores, 637
estilos de criar filhos dos, 702
líderes associados com, 587
ver também infância
Picasso, Pablo, 596, 604
Pixar, 386
Poder, 137, 172, 635
caráter e, 158
pragmatismo, 402
Pontos de estímulo da primeira infância, 48
Pornografia, 187
portal do paraíso, O, 405
Porteiro, 550
Posse, e desejo, 185
Potencial, realizar, 21
Pragmático tranquilo, 597
Prazer, busca de, 498, 742
Prazos, 492, 742
Preguiçoso arrogante, 362
Prêmio Nobel da Paz, 472
Presença, 175
equilibrar ausência e, 135, 602
Presentes e recompensas, 253
Price, Ray, 310
Primeiras impressões, 199, 323, 352, 600
Príncipe mimado, 167
Princípio do prazer, 43
Priorizar, 599, 605
Professor, 597
Projeção
da Sombra, 320
de gênero, 440-443
gênero, ver projeções de gênero
Projeções de gênero, 34, 341, 342-450
homem superior, 447
mulher caída, 445
mulher elusiva da perfeição, 443
mulher para adorá-lo, 448
rebelde adorável, 444
romântico diabólico, 441
Projeto Hércules, 142
Promessas, 603, 651
Propósito, senso de, 461-503
absorver energia propositada, 493-494
criar uma escala de valores descendentes, 494-495
descobrir a sua vocação na vida, 489-492
em grupos, 558
estratégias para desenvolver, 489-497
falsos propósitos em oposição a, 497
perder-se no trabalho, 495-497
utilizar impulsos negativos e de resistência, 492-493
Propósitos, falsos, 497
busca da atenção, 502
busca de dinheiro e sucesso, 500-501
busca do prazer, 498
causas e cultos, 499-500
cinismo, 502
propósito real em oposição a, 497
Proust, Marcel, 431, 446
Psiquiatria, 104
Psicanálise, 688
Público, adaptar-se a seu, 134
Putin, Vladimir, 127
Qualidade teatral da vida social, 112
ver também dramatização
Querefonte, 262
Racionalidade, 23, 31, 41, 42, 47, 53, 57, 58-59
definição, 40
estratégias em direção à, 54-59
racionalista rígido e, 327-328
ver também irracionalidade
Racionalista rígido, 327
Rafael, 367
Raiva, 10, 12, 32, 509
agressão e, 21, 640, 662-664
inveja e, 37, 352, 353
tóxica, 663
utilizar no trabalho, 664
Ramo de ouro, O (Frazer), 588
Reagan, Ronald, 549
Realidade, 130, 131, 159, 177, 188, 503, 748
Rebelde adorável, 444
Rebelde implacável, 164
Rebeldes Vermelhos, 513-518, 522
Recompensas e presentes, 253
Redes sociais, 15, 39, 52, 135, 193, 255, 321, 371, 397, 502, 529, 602, 705
agressão e, 631-632
grandiosidade e, 387
inveja e, 370
Reed, Luther, 141
Regras de comportamento, 118
Regras, 482
em grupos, 538-539
grandiosidade e, 405-406
Rei leão, O, 382, 383, 389
Religião, 155, 260, 321, 396, 427
grandiosidade e, 397
Repressão, 301-338
ver também Sombra
Republic Oil, 622
Resistência, 227-264
Resistente frio, O (O’Connor), 726
de outros, utilizar, 258
em desenvolver um senso de propósito, 492
Retrato de Dorian Gray, O (Wilde), 264
Revolução Cultural, 53, 407, 508, 509, 512, 514, 519
Riario, Girolamo, 417
Rice, George, 623
Richelieu, cardeal, 85, 256
Rigidez, influência e, 260
RKO Pictures, 144
Robespierre, Maximilien, 325, 680
Robinson, Isabel, 346
Rockefeller, John D., 610, 615, 624
Benson e, 620, 628
Clark e, 610, 627
Fawcett e, 616
infância de, 625-626
Payne e, 615-616
Rice e, 623
Scott e, 628
Rockefeller, William, 625
Romanos, 156, 418, 420, 589
Romântico diabólico, 441-442
Romantismo, 684, 715
Ronche, Giacomo del, 421
Roosevelt, Eleanor, 337
Roosevelt, Franklin Delano, 162, 234, 285, 554, 558
e Perkins, 554
Roosevelt, Sara, 285
Rubin, Robert, 369
Russell, Richard, 230
Sabotador interno, 657, 658
Saco de pancadas, 555
Sacre, carruagem da coroação, 668
Saldivar, Yolanda, 365
Salons, 708
Salvador, 169
Sand, George, 437
Sangue sábio (O’Connor), 723, 726, 727
Sans-culottes, 675
Santidade/qualidades virtuosas, 135, 255, 287, 313
Santo, 324
Sarkozy, Nicolas, 128
Sartre, Jean-Paul, 490
Saúde, 282
atitude expansiva e, 294
Saul, rei, 353
Schadenfreude, 356, 357, 371, 374
Schary, Dore, 144
Schopenhauer, Arthur, 9, 111, 197, 299, 356, 744
Schorr, Daniel, 306, 307
Scott, Tom, 618
Segunda Guerra Mundial, 141, 142, 231, 411, 538, 698, 701, 709, 717
Chanel e, 180
ataque a Pearl Harbor, 215
Selena, 365
Sentimento oceânico, 412
Sexualizador, 167
Sforza, Catarina, 415, 423, 427, 429
Sforza, Galeácio Maria, 415
Shackleton, Ernest Henry, 415
Shakespeare, William, 112, 117, 191
Sharp-Hughes Tool Company, 140
Shelley, Harriet, 340
Shelley, Mary, 339, 368
Jane Williams e, 340
Shelley, Percy Bysshe, 339
Shelley, Percy Florence, 339
Sherman, William Tecumseh, 221
Shuttlesworth, Fred, 469
Silêncio, 602
Simpático, 168-169, 173, 286
Sinais de desprezo/afeição, 119-125
Sinais submissão/dominância, 119, 125-129
Síndrome da “grama mais verde”, 185, 188, 195
Singularidade, 483, 484, 488, 500, 505, 532, 698, 744
Sintomas, psicossomáticos, 128, 286-287
Siracusa, 29
Sistema visual, 186
Sisto IV, Papa, 417
Sisto V, Papa, 575
Sobre as mulheres famosas (Boccaccio), 416
Sociologia, 463, 688
Sócrates, 214, 262, 598
Sófocles, 640
Sombra, 13, 18, 552, 607
aceitação/acolher da, 333
bondade e, 337
comportamento “acidental” e, 318
comportamento contraditório e, 313, 317, 323-330
criação de, 315
empreendedor radical e, 329
encantador passivo-agressivo e, 325
esnobe e, 328
explorar, 334
explosões emocionas e, 318
exponha a, 336
fanático e, 326
gerações e, 702
integração da, 330-338
Jung sobre, 315
líderes e, 321
negação e, 318
projeção e, 320
racionalista rígido e, 327
santo e, 324
sonhos e, 333
supervalorização, 318-319
valentão e, 324
ver, 331
Sonata a Kreutzer, A (Tolstói), 89
Sonhos, 312, 333
Sontag, Susan, 459
Sorrisos, 123
Southern Improvement Company (SIC), 615
Sozinho (Byrd), 528
Spruce Goose, 143
Stálin, Josef, 77, 80
Standard Oil, 615-624, 627, 645
Status
busca de, por meio de atenção, 15-16
necessidade de, 525
viciado no status, 363
Steinbrenner, George, 364
Stendhal, 121
Stevenson, Robert Louis, 322
Stewart, Martha, 371
Stowe, Harriet Beecher, 221
Sublime, 412, 747
Sucesso
busca de, 500-501
inveja e, 283
súbito, 49, 367
Suetônio, 291
Superidealização, 318
Superioridade
estratégia da superioridade sutil, 648
homem superior, 447-448
viés de, 46
Surin, Jean-Joseph, 84
Swift, Jonathan, 203
Tabus, 194, 320
Talman, William, 362
Tecnologia, 530, 584, 645, 591, 705
agressão e, 645
grandiosidade e, 397
internet, 70, 645
ver também redes sociais
Tédio, 481
Tempo, 155, 156, 162, 168, 600
Tensão, 482, 485-486
pressão crescente, 50-51
relacionamentos ao lidar com, 151-152
Terrorismo, 213, 470, 698
Thalberg, Irving, 294
Tibério, 291
Tidewater Pipeline Company, 620
Time, 302
Timidez, 120, 336
Tipos invejosos, 359-366, 368, 372
mestre inseguro, 365
nivelador, 361
preguiçoso arrogante, 362
viciado no status, 363
vinculador, 364
Tipos tóxicos, 18, 68, 163, 286
grande falastrão, 166
hiperperfeccionista, 163
ímã de dramas, 166
moralizador simplista, 169
personalizador, 165
príncipe mimado, 167
rebelde implacável, 164
salvador, 169
sexualizador, 167
simpático, 168
Tolstói, Leon, 88, 90, 91, 92
Tolstói, Sofia Behrs, 88, 89
Tom Sawyer (Twain), 251
Tom, e autoridade, 600
Tomada de decisões, 214
hipercerteza e, 535-536
Tribalismo, 546
Trivialidades, perdido em, 222
Tropa O-Leste-É-Vermelho, 513, 514, 515, 516, 522
Trovadores, 715
Truman, Harry, 231
Tydings, Millard, 231
Tyrone, Hugh O’Neill, conde de, 576
Ubiquidade, ilusão de, 184
União Soviética, 77, 79, 305
Utopia, 186, 396
Valentão, 324, 637
Valentino, Rudolph, 703
Validação, 65, 69, 81
não verbal, 528
ver também auto-opinião
Verdade, 184
Vício, 64, 150, 478, 481, 498, 528, 611, 731
Vida
conexão com a, 411-412
e despertar para a brevidade da, 741
fases da, 712-717
filosofia de, por meio da morte, 739-749
morte contrastada com a, 737
Vidal, Gore, 352
Viés(es),
ao interpretar sinais não verbais, 112
de aparência, 44, 45
de atribuição, 72
de confirmação, 43, 44
de convicção, 130
de culpa, 46
de grupo, 45, 52
de superioridade, 46
negativo, 187
Vigaristas, 272
Vinculador, 364-365
Visão, dos líderes, 589
Vítima grandiosa, 399
Voltaire, 682
Von Sternberg, Josef, 144
Voyeurismo, 194
Vozes do animus, 457
Wagner, Richard, 289, 320
Washington Post, 306, 307
Watson, Thomas, 558
Watzlawick, Paul, 259
Wayne, John, 144, 145
Weakland, John H., 259
Wells, Frank, 379, 382-384
Whitman, Walt, 99
Wilde, Oscar, 264
Wilder, Billy, 252
Williams, Edward, 340, 341
Williams, Jane, 341, 348, 358
Wilson, Woodrow, 304
Wollstonecraft, Mary, 340, 716
Wonderful World of Disney, The, 380
Woods, Tiger, 489
Wren, Christopher, 362
Wu-wei, 455
Xamãs, 451, 459
Xenofonte, 413, 585, 598, 599
Yahoo!, 385
Yamamoto, Kajirō, 490
Zao fan, 508
Zeitgeist, 477, 665, 695, 698, 700, 703-705, 706, 708, 714
Zeus, 31
Zhuge Liang, 214
ROBERT GREENE, autor best-seller #1 do The New York Times dos
livros As 48 leis do poder, As 33 estratégias da guerra, A arte da sedução e
Maestria, é um especialista renomado do poder das estratégias. Ele vive em
Los Angeles. Para saber mais, acesse:
RobertGreene
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Robert Greene
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#acreditamosnoslivros
1 A Ivy League é uma associação desportiva formada por oito universidades situadas no nordeste dos
Estados Unidos: as universidades de Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Pensilvânia,
Princeton e Yale. Essas escolas de elite são altamente prestigiadas por sua excelência acadêmica e
por seus exigentes critérios de seleção de alunos. (N. T.)
2 Karl Lagerfeld foi o diretor criativo da Chanel de 1983 até seu falecimento, em fevereiro de 2019,
um ano após Richard Greene publicar o original desta obra nos Estados Unidos. (N.E.)
3 Martha Stewart (n. 1941) é empresária e apresentadora de programas de televisão dedicados a
culinária, jardinagem, decoração e artesanato. Em 2004, num julgamento amplamente divulgado pela
mídia norte-americana, ela foi condenada a cinco meses de prisão e dois anos de liberdade
condicional por conspiração, obstrução e perjúrio. (N. T.)
Negocie qualquer coisa com qualquer
pessoa
Ferraz, Eduardo
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224 páginas
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Pouca gente é capaz de ser bem-sucedida no
trabalho ou na vida pessoal se não souber negociar
o básico no cotidiano. Por isso, se você não sabe ou
tem dificuldade para desenvolver essa habilidade,
está correndo o risco de ter grandes prejuízos
financeiros e emocionais, pois negociações ruins
costumam prejudicar o trabalho, os relacionamentos
e o dia a dia de qualquer um. Neste livro, o autor
best-seller, consultor e palestrante Eduardo Ferraz
apresenta técnicas práticas para você obter ótimos
resultados em pequenos e grandes acordos ao
negociar qualquer coisa com qualquer pessoa.
Alguns assuntos abordados • Qual o seu estilo de
negociação (teste) • Quais são seus motivadores
(teste) • Os trunfos mais poderosos e como usá-los •
Como evitar pontos falhos que destroem
negociações • O poder das alternativas para obter
melhores acordos • Como analisar seu interlocutor
ou oponente em poucos minutos • Gestão de
conflitos - como lidar com pessoas difíceis • Técnicas
para criar vínculo emocional • Quando e como
apresentar sua proposta • Como superar impasses e
objeções • Estratégias para realizar fechamentos
eficazes
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O coach de um trilhão de dólares
Schimdt, Eric
9788542217117
208 páginas
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Bill Campbell foi o maior coach do mundo. Seu
trabalho gerou um trilhão de dólares em valor de
mercado – na verdade, é pouco. Ele trabalhou ao
lado de Steve Jobs para salvar a Apple da falência.
Ajudou Eric Schmidt, Larry Page e Sergey Brin a
construírem o Google. As duas empresas sozinhas
passam da marca de um trilhão, e Bill ainda orientou
todos os grandes líderes e as melhores equipes do
Vale do Silício. De suas posições de diretores do
Google, Eric Schmidt, Jonathan Rosenberg e Alan
Eagle viram como Bill desenvolvia relacionamentos
de confiança, estimulava o crescimento pessoal,
infundia coragem, enfatizava a excelência
operacional e identificava tensões que
inevitavelmente surgem em ambientes ágeis.
Baseado em entrevistas com mais de oitenta
pessoas que conheciam Bill Campbell, os três
escreveram O coach de um trilhão de dólares. Aqui,
você encontrará as lições que levaram empresas
como YouTube e Facebook ao sucesso. Aprenda os
princípios essenciais que todo gestor, líder e
executivo deve saber. E, nas palavras de Bill, "não
faça merda".
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Este livro não vai te deixar rico
da Real, Startup
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240 páginas
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Talvez você tenha ouvido que o segredo para o
sucesso é acordar às 5 horas da manhã todos os
dias, mesmo que demore duas horas só para chegar
ao trabalho. Ou que o pensamento positivo é a
chave para ganhar seu primeiro milhão, não a
herança do seu pai. Até mesmo pode ter sido
lembrado que alguns bilionários abandonaram a
universidade para empreender, fazendo com que
você tenha se sentido angustiado ou fracassado.
Calma, existe muita fantasia sobre
empreendedorismo. Afirmações como essas não
possuem embasamento científico, ignoram
estatísticas e se provam falsas ao entrar em choque
com a realidade. Livros, especialistas e cursos que
deveriam preparar o aspirante ao mundo dos
negócios acabam fazendo o oposto ao ocultar
obstáculos e criar expectativas infundadas.
Empreender é se arriscar. E assumir riscos exige
cuidado e planejamento desprendido de ilusões.
Sonhar é importante, mas, sem segurança familiar,
condições financeiras e muita dedicação, pode virar
um pesadelo. Escrito por Startup da Real principal
perfil de empreendedorismo do Twitter e do Medium,
a nova edição revista e ampliada do best-seller Este
livro não vai te deixar rico apresentará fundamentos
importantes e confiáveis para que você possa se
aventurar nos negócios e buscar o sucesso que
sempre quis. Você aprenderá a não começar do
zero, a importância dos estudos para sua carreira,
tudo o que você precisa saber antes de começar seu
negócio e possíveis respostas para muitas outras
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O sistema Amazon
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O algoritmo da vitória
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Todos nós colecionamos vitórias e derrotas na vida.
A diferença está em aumentar as chances de vencer.
Nada melhor do que os esportes de alta
performance para ensinar isso. José Salibi Neto e
Adriana Salles Gomes fizeram uma abrangente
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Bolt, passando por times como o LA Lakers de Kobe
Bryant, o FC Barcelona de Lionel Messi e o New
England Patriots de Tom Brady, e descobriram, a
partir dos ensinamentos de grandes técnicos, uma
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Roberto Guimarães, Marta Károlyi, Nick Saban, Pep
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