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Sobre o conceito de tolerância em Habermas

2017, Aufklärung: journal of philosophy

AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial DOI: http://dx.doi.org/10.18012/arf.2016.34032 Recebido: 30/09/2016 | Aceito: 30/10/2016 Licença: Creative Commons 4.0 International (CC BY 4.0) SOBRE O CONCEITO DE TOLERÂNCIA EM HABERMAS [ON HABERMAS'S CONCEPT OF TOLERANCE] Wescley Fernandes * RESUMO: O presente trabalho aborda o problema da compreensão e justificação do conceito habermasiano de tolerância (Toleranz) nas sociedades marcadas por diferentes e incompatíveis (conflitantes) imagens de mundo (verschiedene und unverträgliche Weltbildern), onde se elaboram e articulam os contextos da justificação (Kontexte der Rechtfertigung) e o contexto da tolerância (Kontext der Toleranz). A meu ver, Habermas estabelece uma distinção ambivalente entre tolerância e não discriminação, baseada em uma dissonância cognitiva (kognitive Uneinheitlichkeit) aplicável às imagens de mundo (Weltbildern) concorrentes e mutuamente excludentes, resultando em uma diferenciação das expectativas normativas referente à resolução de dilemas que envolvem formas de vida culturalmente diferenciadas. Nas situações em que as objeções a crenças e práticas de uma forma de vida particular não se encontram baseadas em razões públicas (öffentliche Gründe), não caberia falar em tolerância, mas na luta pela igualdade de direitos de cidadania e reconhecimento de direitos culturais. A dificuldade consiste em declarar quais crenças e práticas seriam “eticamente objetáveis ou erradas”, mas que não poderiam ser igualmente julgadas, com base em “razões públicas”, como “moralmente rejeitáveis”, dada a existência de razões de aceitação (que não eliminam, mas superam as razões de objeção) e, portanto, objeto da tolerância, bem como aquelas crenças e práticas que não poderiam ser toleradas sob ABSCTRACT: This paper addresses the problem of understanding and justification of Habermas' concept of tolerance (Toleranz) in societies with different and incompatible (conflicting) world images (verschiedene und unverträgliche Weltbildern), which develops and articulates the contexts of justification (Kontexte der Rechtfertigung) and the context of tolerance (Kontext der Toleranz). At my point of view, Habermas establishes an ambivalent distinction between tolerance and non­discrimination, based on a cognitive dissonance (kognitive Uneinheitlichkeit) applicable to the world images (Weltbildern) competing and mutually exclusive, resulting in a differentiation of normative expectations regarding the resolution of dilemmas involve culturally different ways of life. In situations where the objections to beliefs and practices of a particular way of life are not based on public reasons (öffentliche Gründe), not fit speaking on tolerance, but in the struggle for equal citizenship rights and recognition of cultural rights. The difficulty is to declare what beliefs and practices would be "ethically objectionable or wrong", but which could not also be judged on the basis of "public reason" as "morally discarded", given the existence of acceptance reasons (which do not eliminate but overcome the objection reasons) and therefore object of tolerance and as well as those beliefs and practices that could not be tolerated under any moral justification based on "public reasons" (beliefs and practices also "ethically objectionable or wrong" and * Professor Assistente da Universidade Federal do Maranhão, UFMA. Doutorando em Filosofia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ. m@ilto: [email protected] Maikon Chaider Silva Scaldaferro AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 62 qualquer justificação moral baseada em “razões públicas” (crenças e práticas igualmente “eticamente objetáveis ou erradas” e “moralmente rejeitáveis”). Além disso, como ressalta Forst, nem sempre é possível estabelecer quais razões são “públicas” e podem constituir o fundamento de objeções razoáveis às crenças e práticas de alguém considerado “eticamente diferente” de “nós” ou ainda, como assevera Lafont, se estas mesmas razões estariam “disponíveis”. PALAVRAS­CHAVE: Tolerância; Discriminação; Justificação pública "morally discarded"). In addition, as emphasized Forst is not always possible to establishes what reasons are "public" and can form the basis of reasonable objections to the beliefs and practices of someone considered "ethically different" from "us" or yet, as asserts Lafont, if the same reasons would be "available". KEYWORDS: Tolerance. Discrimination. Public justification. I INTRODUÇÃO1 C onsiderada a partir da perspectiva dos processos de aprendizagem social (soziale Lernprozess)2 e da modernização cultural e social, a integração social3 constitui um importante problema não apenas para as teorias sociológicas que se ocupam com a ação social4, mas, sobretudo, para a filosofia política contemporânea.5 Trata­se de compreender as “[...] condições subjacentes à ordem social, na medida em que estas se enquadrem no plano analítico das interações simples”6. A teoria sociológica da ação tem em vista não apenas a compreensão dos aspectos formais da ação social, mas os mecanismos de coordenação de ações capazes de explicar como é possível alcançar o estabelecimento de uma rede regular e estável de interações sociais. Para responder a esta questão é preciso determinar, por sua vez, como se estabelecem os padrões de interação e qual a importância das sequências de ações para a coordenação de ações segundo regras7. Do ponto de vista da filosofia política contemporânea, a atualidade da questão da integração social associa­se ao não menos complexo problema da razoabilidade dos custos sociais assumidos individualmente pelos cidadãos e coletivamente pelas comunidades políticas no que diz respeito ao processo de estabilização da sociedade através das instituições sociais, ainda que o “desacordo razoável”, baseado em razões epistêmicas neutras e imparciais, seja uma característica dos regimes democráticos liberais, marcados pelo pluralismo das formas de vida (Lebensformen). Se for verdade que o processo de modernização cultural e social solapou as bases do pensamento metafísico ocidental8, tal fato explicaria por que tanto a religião quanto as formas substantivas de vida ética não podem mais figurar enquanto fundamento público (legitimação) da moral socialmente partilhada; e se “[...] a validação de regras morais obrigatórias para todos não pode mais ser explicada com fundamentos e interpretações que pressupõem a existência e o papel de um deus transcendental, criador e salvador”9, tampouco as questões fundamentais da filosofia prática, que jamais silenciam no mundo da vida (Lebenswelt) – “[...] o lugar transcendental em que os falantes e ouvintes se encontram; onde podem levantar, uns em relação aos outros, a pretensão de que suas exteriorizações condizem com o mundo objetivo, social ou subjetivo”10 – podem ser resolvidas a priori, “[...] sem nenhuma mediação, sem passar pelo filtro da objetivação social.”11 Assim, cabe perguntar: como sujeitos pertencentes a formas de vida plurais e multiculturais podem pleitear direitos fundamentais e culturais em idênticos contextos de igualdade e liberdade? O que se encontra em jogo, pois, é a garantia da inclusão igual de todos os cidadãos12 sob a forma de uma cidadania multicultural socialmente expandida13 em face do processo de decomposição da eticidade das comunidades tradicionais, que baseavam Sobre o conceito de tolerância em Habermas esse conceito de racionalidade comunicativa traz consigo conotações que, no fundo, retrocedem à experiência central da força espontaneamente unitiva e geradora de consenso própria à fala argumentativa, em que diversos participantes superam sua concepções inicialmente subjetivas para então, graças à concordância de convicções racionalmente motivadas, assegurar­se ao mesmo tempo da unidade do mundo objetivo e da intersubjetividade de seu contexto vital18. O conceito de racionalidade comunicativa parte de certos pressupostos idealizantes – pragmático­transcendentais – da situação de fala e argumentação que são mobilizados nos contextos da justificação19: a) “a suposição comum de um mundo independente dos objetos existentes”; b) “a suposição recíproca da racionalidade ou da ‘imputabilidade’”; c) “a incondicionalidade de exigências de validez ultrapassadora de contextos, como verdade e correção moral”; d) “[e] os pressupostos da argumentação repletos de exigências, que os participantes conservam para a descentralização de suas perspectivas de interpretações.”20 Estes pressupostos ou pressuposições são condições que precisam ser satisfeitas para que ocorra o entendimento mútuo (ou desentendimento) entre falantes e atores que procuram resolver de forma não conflituosa, via debate público (öffentlichen Streit), os problemas ligados a coordenação de ações e de legitimidade e justificação de normas de ação. O ultrapassamento das situações de conflito representa uma “transcendência a partir de dentro”21, isto é, em que o “ideal” (consenso ou dissenso) é alcançado na disputa discursiva deste “lado” – a dimensão pragmática do mundo da vida – à luz do conflito entre interpretações concorrentes que ocorrem nos contextos fluidificados comunicativamente do Lebenswelt.22 A resolução de questões pragmáticas, ético­políticas e morais, bem como dos problemas de legitimidade e justificação de normas de ação ocorre por meio de processos de aprendizagem social, cujo medium, neste caso, é a justificação pública que ocorre sob o pano de fundo do mundo da vida. Ao destranscendentalizar o uso da razão, situando­a ao nível do Lebenswelt, a teoria da ação comunicativa23 demarca como campo gravitacional das idealizações as pretensões de validade levantadas por sujeitos que buscam orientar­se mutuamente acerca do que falar e agir. Dessa forma, as questões ligadas à compreensibilidade, verdade, correção normativa e veracidade passam a ser resolvidas ao nível das exteriorizações simbólicas elaboradas linguisticamente pelo auditório da comunidade ilimitada de comunicação que argumenta com base em “razões públicas”, constituindo um procedimento empírico que desempenha as funções de estabilização de opiniões, a eliminação de incertezas e a aquisição de convicções não problemáticas alcançadas intersubjetivamente, situado ao nível da discursividade orientada ao entendimento mútuo enquanto télos do agir comunicativo. O modelo habermasiano de Teoria Crítica recorrerá ao uso da pragmática formal da linguagem transformada em racionalidade comunicativa (kommunikativen Rationalität), cuja arquitetônica tornou possível a elaboração de uma Ética do Discurso24, da Teoria Procedimental do Direito e do Modelo de Democracia Deliberativa25, que constituem parte do itinerário do programa emancipatório habermasiano (ao lado das teorias da evolução social, da sociedade e da modernidade). Resultado do exercício da autonomia moral, política e jurídica da sociedade, a emancipação encontra sua possibilidade sob a forma idealizada de 63 AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial suas formas de vida em imagens de mundo substantivas. Após a “linguistic turn”14, a autoridade epistêmica (epistemische Autorität) dos conceitos da metafísica deslocou­se para o discurso epistêmico da justificação normativa baseada em “razões públicas” (öffentliche Gründe), requerendo a exigência de superação da razão prática enquanto faculdade subjetiva, seja de um sujeito singular – o sujeito transcendental kantiano, por exemplo –, seja de um macrossujeito sociopolítico – a vontade geral rousseauniana. Isso significa que os conflitos no mundo da vida social envolvendo questões pragmáticas15, ético­políticas16 e morais17 podem ser resolvidos à luz da explicitação e aplicação do conceito de racionalidade comunicativa. De acordo com Habermas, Maikon Chaider Silva Scaldaferro AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 64 uma comunidade real de comunicação que se orienta pela remoção dos obstáculos à efetivação de uma comunicação livre de distorções – pressões, coerções, autoenganos, uso instrumental­estratégico da linguagem, colonização do mundo da vida por imperativos sistêmicos funcionais (dinheiro e poder administrativo) e influência dos meios de comunicação de massa – estabelecida entre seus membros, o mundo da vida e o sistema social. A reconstrução26 da racionalidade operada por Habermas consiste em um processo de correção não só de hipóteses científicas, mas também de problemas que envolvem a correção de normas de ação morais, ético­políticas e pragmáticas, consistindo em uma permanente “revisão das razões” sob os quais aquelas hipóteses e estas normas de ação encontram­se fundadas. Dessa forma, as questões ligadas às dimensões estruturantes do mundo da vida (sociedade, cultura e personalidade) devem ser consideradas como “questões científicas abertas” a serem resolvidas por meio da argumentação racional e da tomada de decisão democrática (demokratischen Entscheidungsfindung). Em que pesem as diferenciações teóricas características que estruturam e explicam a sociedade moderna, sobretudo o papel de destaque que ganhou a racionalização social e cultural dos conteúdos do mundo da vida, os cidadãos de um Estado democrático liberal, capazes de coordenar suas ações através de práticas discursivas intersubjetivas, exercem a sua autonomia ao deliberarem publicamente acerca dos ajustes sociais, econômicos, políticos, jurídicos e ambientais vinculados ao funcionamento de instituições sociais, sem deixar de depender destas últimas, vinculando liberdade e dependência. Por sua vez, o mundo da vida constitui o horizonte referencial pragmático (pragmatische Bezugshorizont) em que falantes e ouvintes, como sujeitos políticos livres e iguais, certificam­se através da crítica e confirmação de suas respectivas pretensões de validade normativa acerca da resolução dos dissensos via “uso público da razão” (öffentlichen Gebrauch der Vernunft). Isto posto, a teoria habermasiana da sociedade visa conciliar sistema e mundo da vida recorrendo ao conceito de racionalidade comunicativa, (supostamente) capaz de explicar a evolução e o processo de diferenciação e modernização social e cultural das sociedades ocidentais, além de apresentar uma solução ao déficit de normatização das sociedades pós­seculares (postsäkularen Gesellchaft)27, caracterizadas pelo pluralismo das formas de vida, identificadas à verbalização (Versplachlichung) do sagrado e à compreensão de que normas morais e jurídicas são passíveis de crítica em termos de verdade (mediante a justificação discursiva intersubjetiva orientada conforme o “uso público da razão”). Tendo como contexto tal descrição de época e referencial teórico (I), o presente trabalho aborda o problema da compreensão e justificação do conceito habermasiano de tolerância (Toleranz) nas sociedades marcadas por diferentes e incompatíveis imagens de mundo (verschiedene und unverträgliche Weltbildern), onde se elaboram e articulam os contextos da justificação (Kontexte der Rechtfertigung) e o contexto da tolerância (Kontext der Toleranz), além de discutir algumas questões (aparentemente) não tratadas (ou ignoradas) por Habermas no debate sobre a tolerância (II). Não obstante a secularização do Estado democrático liberal, este permanece devedor da eticidade (Sittlichkeit) pré­política oriunda das formas de vida (Lebensformen) religiosa, considerada uma das fontes28 da solidariedade civil (staatsbürgerliche Solidarität). O processo de modernização cultural e social das esferas de valor não implicou no desaparecimento da religião da esfera pública (Öffentlichkeit), contrariando o prognóstico weberiano do deslocamento do fenômeno religioso para o interior da esfera da vida privada. Para Habermas, trata­se de um desafio cognitivo (kognitive Herausforderung) pensar a coexistência entre pluralismo religioso e democracia à luz do conceito de tolerância. Na análise do problema, os paradoxos da tolerância são confrontados com a exigência de respeito ao princípio da igual inclusão de cidadãos no Estado democrático liberal em face do conflito cognitivo entre crenças (Glaube) e práticas (Praxis) e formas de vida, que põem em risco a integração social da comunidade política. No centro dessa discussão encontra­se o problema da compreensão e justificação da tolerância, seja como virtude política (Habermas), seja como virtude da justiça (Forst) em Sobre o conceito de tolerância em Habermas II O CONCEITO DE TOLERÂNCIA EM HABERMAS A história do conceito de tolerância remete às guerras de religião que ocorreram na Europa no Século XVI. Inicialmente, a tolerância designa o ato de transigir entre duas religiões que mantêm um cisma. A transigência entre cidadãos pertencentes a religiões em cisma assumiu a forma de uma frágil coexistência32 social, consistindo em uma espécie de modus vivendi estabelecido entre estes grupos de fiéis que, similares em poder e força, e na iminência futura de um conflito, optaram por fundar um modelo de paz social baseado na estratégia mútua da autopreservação dos respectivos grupos33. Na passagem do Século XVI ao XVII, o conceito de tolerância assume um sentido jurídico, ocasião em que os governos dos Estados nacionais editam os primeiros documentos que obrigam legalmente a funcionários e uma maioria ortodoxa a manter um comportamento tolerante em face de minorias religiosas como os luteranos, huguenotes e papistas34. Tal versão da tolerância pode ser descrita como a permissão qualificada35 que uma autoridade ou uma maioria concede a uma minoria – religiosa, étnico­racial, linguística, etc. – para que esta possa viver de acordo com suas crenças e práticas, desde que aceite a dominação da autoridade ou da maioria, expressando suas tradições dentro dos limites legalmente estabelecidos, sem reivindicar qualquer possibilidade de status público e igualitário daquelas.36 Documentos históricos como Edict of Nantes, de 1598, o Act Concerning Religion, de 1649, Toleration Act, de 1689 e o Tolerazpatent, de 1781, são exemplos desse 65 AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial face do preconceito e discriminação dirigidos a minorias (étnico­raciais, linguísticas, religiosas, de gênero, e outras) que lutam pelo reconhecimento de direitos culturais e pela igualdade de cidadania. Um conceito adequado de tolerância deve estar apto a superar o mero modus vivendi – a simples adaptação ou coexistência não conflituosa – enquanto forma de integração social entre cidadãos de uma mesma comunidade política, embora identificados com formas de vida culturamente diferentes e inconciliáveis. Entretanto, a meu ver, Habermas estabelece uma distinção ambivalente entre tolerância e não discriminação, baseada em uma dissonância cognitiva (kognitive Uneinheitlichkeit) aplicável apenas às imagens de mundo (Weltbildern) concorrentes e mutuamente excludentes, resultando em uma diferenciação das expectativas normativas referente à resolução de dilemas que envolvem formas de vida culturalmente diferenciadas. Ainda que Habermas desloque a tolerância para o campo das dissonâncias cognitivas ligadas a imagens de mundo conflitantes e inconciliáveis, as crenças e práticas das formas de vida multiculturais permanecem dependentes de suas respectivas visões de mundo (Weltanschauungen). Nas situações em que as objeções a crenças e práticas de uma forma de vida particular não se encontram baseadas em razões públicas (öffentliche Gründe), não cabe falar em tolerância, mas sim em não discriminação (ou não preconceito), isto é, na luta pela igualdade de direitos de cidadania e reconhecimento de direitos culturais. A dificuldade consiste em declarar quais crenças e práticas seriam “eticamente objetáveis ou erradas”, mas que não poderiam ser igualmente julgadas, com base em “razões públicas”, como “moralmente rejeitáveis”, dada a existência de razões de aceitação (que não eliminam, mas superam as razões de objeção) e, portanto, objeto da tolerância, bem como aquelas crenças e práticas que não poderiam ser toleradas sob qualquer justificação moral baseada em “razões públicas” (crenças e práticas igualmente “eticamente objetáveis ou erradas” e “moralmente rejeitáveis”)29. Além disso, como ressalta Rainer Forst, nem sempre é possível estabelecer quais razões são “públicas” e podem constituir o fundamento de objeções razoáveis às crenças e práticas de alguém considerado “eticamente diferente” de “nós”30, ou ainda, como assevera Lafont, se estas mesmas razões estariam “disponíveis”31. Por fim, sem a pretensão ingênua de encerrar o debate em torno do conceito e da prática da tolerância nas sociedades contemporâneas, apresento algumas considerações finais sobre o tema (III). Maikon Chaider Silva Scaldaferro AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 66 modelo jurídico de tolerância baseado na expectativa de comportamento normativo de uma autoridade ou maioria em face de uma minoria ou minorias que haviam sido oprimidas e perseguidas em um passado recente. Entretanto, tais atos legais não previam a reciprocidade política, de cidadania ou cultural entre estas comunidades (majoritárias e minoritárias)37. Na língua alemã, o conceito de tolerância (Toleranz) expressa “[...] tanto uma ordem jurídica que garante tolerância, como a virtude política do trato tolerante”38, reunindo em um só conceito o que a língua inglesa cinde em dois, isto é, “[...] ‘tolerance’ enquanto virtude ou disposição para o comportamento e ‘toleration’, que constitui um ato jurídico.”39 Em face dos dilemas morais e políticos que envolvem a identidade, a alteridade, a inclusão e o reconhecimento, Habermas tem procurado em suas obras reabilitar o projeto filosófico da modernidade por meio da reconstrução dos conceitos de razão e racionalidade. E enquanto tema ou problema da modernidade, o conceito de tolerância deve ser ele mesmo a expressão “[...] de uma razão que reconduza, sem apagar as distâncias, que una, sem reduzir o que é distinto ao mesmo denominador, que entre estranhos torne reconhecível o que é comum, mas deixe ao outro a sua alteridade40.” Por isso, a tolerância não pode mais ser concebida como mera paciência, concessão ou generosidade para com o Outro ou Outrem. Vejamos o porquê. A tolerância é uma virtude política central na cultura política liberal, não sendo identificável a “virtude do comportamento civil” ou “a disposição para cooperar e fazer concessões”41, pois seu objeto diz respeito àquilo que não pode ser negociado entre as pessoas, isto é, suas respectivas visões de mundo (Weltanschauungen) não compartilháveis, inconciliáveis e, em muitas casos, conflituosas, determinando as formas de vida (Lebensformen) assumidas pelos indivíduos em uma sociedade. A tolerância diz respeito a uma dissonância cognitiva ligada a rejeição das convicções dos outros42. Habermas formula uma moral da inclusão equitativa que tem como pressupostos a não indiferença e a não apreciação das crenças e atitudes alheias. É por isso que o filósofo alemão entende “a tolerância religiosa como precursora de direitos culturais”43, pois não há nada que oponha as pessoas de modo mais substancial do que suas respectivas formas de vida religiosa enquanto expressão de uma doutrina abrangente (comprehensive doctrine)44. A tolerância religiosa é, pois, a forma mais ampla da tolerância política45. Dito de outra maneira, a condição de possibilidade para o trato social baseado na tolerância é a de que as pessoas rejeitem mutuamente suas crenças e práticas em função de um conflito cognitivo baseado em “boas razões”. Convém esclarecer esta pressuposição. “Boas razões” são aquelas alcançadas mediante o “uso público da razão”, isto é, “[...] a perspectiva comum a partir da qual os cidadãos se convencem reciprocamente do que seja justo ou injusto, com a força do melhor argumento. É tão­somente essa perspectiva do uso público da razão, partilhada por todos, que confere objetividade às convicções morais”47. São as “pessoas razoáveis” – “[...] aquelas que tienen um sentido de justicia, y estando dispuestas y siendo capaces así de tener en cuenta las condiciones equitativas de la cooperación; pero son también personas que tienen conciencia del carácter falible del conocimiento humano y – en reconocimiento de estas ‘cargas de la razón” – están dispuestas a justificar públicamente su concepción de la justicia política”48 – que alcançam as “boas razões” ou “razões públicas” via “uso público da razão” na esfera pública. Dito isso, pode­se afirmar que nem toda rejeição a crenças e práticas podem ser consideradas razoáveis, portanto, objeto de um dissenso razoável (conflito cognitivo). Rainer Forst refere­se a esta pressuposição recorrendo ao conceito de “componente de rejeição” da tolerância, o que significa dizer que “[...] é essencial para o conceito de tolerância que as crenças ou as práticas toleradas sejam consideradas objetáveis e erradas ou más em um sentido relevante”49, e esta certificação apenas pode ser alcançada no espaço público do uso da razão, lugar da diferenciação entre questões morais e questões ético­ políticas. Questões morais interessam a coletividade dos cidadãos na medida em que dizem respeito às consequências e efeitos colaterais do processo de fundamentação de normas via discursos práticos. Questões ético­políticas dizem respeito à “vida boa” que cada cidadão em sua vida particular deseja alcançar por meio da realização dos seus projetos de vida. Por isso, questões morais são sempre objeto da tolerância, ao passo que nem todas as questões Sobre o conceito de tolerância em Habermas [...] os anseios de verdade de todas as imagens de mundo racionais contam da mesma forma, sendo que se entendem por ‘racionais’ as imagens de mundo concorrentes entre si, sob a consciência reflexiva de que o próprio anseio de verdade só poderá prevalecer a longo prazo em discursos públicos se apresentar melhores razões55, [III] a compreensão de que [...] a controvérsia sobre verdades metafísicas e religiosas permanece aberta sob as condições do pluralismo contínuo, é apenas a ‘racionalidade’ dessa consciência reflexiva que pode por ora transferir­se como predicado de validação, passando de imagens de mundo racionais a uma concepção política de justiça compatível com todas as doutrinas desse mesmo tipo racional56, a clareza de que em um cenário pós­metafísico e pós­secular, a questão da tolerância exige a [IV] primazia do justo sobre o bem, isto é, que [...] questões de justiça são acessíveis a uma decisão fundada – fundada no sentido de uma aceitabilidade racional –, porque elas, a partir de uma perspectiva descingida de modo ideal, referem­se ao que corresponde equanimemente aos interesses de todos57, resultando em um consenso sobreposto (overlapping consensus) enquanto ajuste e expectativa de comportamento decorrente de um compromisso normativo que “[...] repousa sobre as respectivas e diversas razões das partes envolvidas”58 durante o procedimento democrático de produção legislativa, ocasião em que os destinatários do direito tornam­se 67 AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial ético­políticas reivindicam o trato tolerante, mas somente àquelas identificadas a conflitos que resultam de crenças e práticas não apenas “eticamente objetáveis ou erradas”, mas também “moralmente rejeitáveis”, porque estão baseadas em dissonâncias cognitivas acerca de visões de mundo conflitantes e inconciliáveis, e não em algum tipo de preconceito ou discriminação em relação a crenças e práticas que requerem um direito à justificação baseado no “uso público da razão”. Crenças e práticas ligadas à rejeição – discriminação e preconceito – de negros, índios, mulheres, homoafetivos, transgêneros, pobres, nordestinos, estrangeiros, refugiados, etc. exemplificam casos em que o conceito de tolerância não pode ser aplicado, pois constituem violações à igualdade de direitos de cidadania e ao reconhecimento de direitos culturais. Reivindicar um comportamento tolerante para com aqueles que rejeitam as pessoas que estão incluídas nos segmentos sociais mencionados significaria admitir que existem “razões minimamente razoáveis”50 para aceitarmos atos discriminatórios e preconceituosos. Tampouco podemos requerer que aqueles que discriminam e agem de maneira preconceituosa sejam tolerantes para com aqueles que são “diferentes”, pois, como explica Forst, correremos “[...] o risco de declarar que seus preconceitos sejam juízos éticos legítimos ou, ao menos, razoavelmente possíveis”51. Nestes casos, a resposta adequada seria “[...] a crítica aos preconceitos e o combate à discriminação, isto é, lutar por igualdade de direitos e não por ‘mais tolerância’”52. Ao mesmo tempo, nós mesmos precisamos avaliar, a partir do “uso da razão pública”, nossas reservas quanto às crenças e práticas que identificamos, segundo nossos pré­conceitos, como fundamentalistas, racistas, sexistas, xenófobas etnocêntricas, nacionalistas radicais etc. Onde há preconceito e discriminação não há espaço para a tolerância, mas em um sentido muito diferente do que se costume afirmar. Isso porque a tolerância enquanto virtude política do liberalismo político reivindica a manutenção das crenças e práticas de pessoas que pensam e agem diferente de “nós”. A tolerância requer [I] que o atributo “racional” possa ser compreendido, em “[...] analogia a um programa de verdade não­semântico, purificado de noções de correspondência, [...] como um predicado para a validade de enunciados normativos”53 em que crenças e práticas podem alcançar sua justificação pública com base em “razões epistêmicas”54, [II] a consideração de que Maikon Chaider Silva Scaldaferro AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 68 também os seus co­autores, [V] e “[...] o reconhecimento recíproco de formas de vida diversas”59, que se efetiva sob a forma do [VI] respeito60 e da “inclusão com sensibilidade para as diferenças”61 étnico­raciais, nacionais, linguísticas, religiosas, de gênero, etc., com igualdade de direitos de cidadania e a ampliação de direitos culturais e, por fim, a explicitação do [VIII] “contexto da tolerância”, isto é, a “situação contextual” em que tolerante e tolerado – os sujeitos da tolerância –, o objeto da tolerância e as razões da tolerância são especificados62, tendo em vista questões práticas que envolvem crenças e práticas de diferentes modos de vida que requerem validação e justificação com base em “boas razões”63. Estes requisitos (embora não sejam os únicos possíveis, como veremos) certificam sob quais condições uma sociedade pós­metafísica e pós­secular pode alcançar sua autonomia político­moral. Duas são as ordens de razões que procuram justificar a prática da tolerância. Pertence a primeira ordem às razões morais e constitucionais expressas no reconhecimento universal da “[...] norma da igual inclusão de todos os cidadãos [...] no interior da comunidade política [...]”64. Neste caso (e se compreendi adequadamente a formulação de Habermas), pode­se afirmar – e eis a ambivalência – que a tolerância possui uma face jurídica identificada ao não preconceito e a não discriminação. Esta (possível) ambivalência65 do conceito habermasiano de tolerância pode ser observada quando Habermas refere­se à segunda ordem de razões, as razões epistêmicas, isto é, as razões alcançadas por meio do “uso público da razão” quando da mobilização dos fluxos comunicativos, cujos conteúdos são argumentos apresentados na esfera pública, tendo em vista a solução de questões práticas. Na medida em que determinadas crenças e práticas de uma forma de vida em particular estão fundadas em argumentos cujos conteúdos são razões epistêmicas igualmente relevantes, porque derivadas de imagens de mundo conflitantes e inconciliáveis, vemo­nos em um “beco sem saída”, em virtude das alternativas de solução baseadas em argumentos duplamente excludentes. Como alternativa as concepções de tolerância como permissão e coexistência, Habermas formula o conceito de tolerância enquanto virtude política66 ligada a dissonâncias cognitivas, demarcando, desse modo, seu campo de aplicação e recorrendo a um consenso normativo capaz de “[...] neutralizar na dimensão social do tratamento igual”67 os conflitos entre visões de mundo inconciliáveis. Assim, o conceito habermasiano de tolerância adquire um status jurídico em sua ambivalente formulação. Ambivalente, porque embora situada ao nível das dissonâncias cognitivas (que não podem ser resolvidas) entre imagens de mundo metafísicas e religiosas, Habermas acaba por se ver obrigado a “deflacionar” tais dissonâncias, no sentido de não mais buscar um consenso entre as razões epistêmicas das imagens de mundo em “si mesmas”. A mudança de estratégia consiste em deslocar o problema da “[...] validade de uma concepção de justiça dependente da verdade de uma imagem de mundo ‘racional’, seja ela qual for”68, para a análise dos [...] diferentes anseios de validação que vinculamos a enunciados descritivos, avaliativos e normativos (de diferentes tipos) independentemente daquela síndrome característica a reivindicações de validação disparadas de maneira obscura nas interpretações religiosas e metafísicas do mundo69. A “deflação” consiste em uma mudança de orientação metodológica. As “razões epistêmicas” das imagens de mundo (doutrinas abrangentes) reivindicam igual status de verdade. E é exatamente nesse ponto que reside o problema: entre as diversas doutrinas abrangentes existentes, qual pode ser declarada como “verdadeira”? O Cristianismo? O Budismo? O Judaísmo? O Hinduísmo? O Taoísmo? O Islamismo? Ou mesmo o Ateísmo? Adotando uma posição diferente de John Rawls, para quem as “[...] doutrinas metafísicas e interpretações religiosas do mundo podem ser verdadeiras ou falsas”70, Habermas procura preservar a opacidade dos conteúdos religiosos sem, no entanto, negar os pontenciais heurísticos e semântico­normativos das imagens religiosas de mundo. Se para Rawls “[...] uma concepção política de justiça só poderia ser verdadeira se fosse não apenas compatível com doutrinas como essas, mas também dedutível de uma doutrina verdadeira”71, para Habermas, entretanto, a filosofia política deve conservar a neutralidade ideológica acerca da Sobre o conceito de tolerância em Habermas verdade das imagens de mundo72, adotando uma justificação pós­metafísica e pós­secular baseada no agnosticismo metodológico73. Habermas explica: Imagens de mundo metafísicas e religiosas articulam respostas éticas às formas de vida e a constituição das identidades e planos de vida. O que importa, então, é a autenticidade dos estilos de vida, e não a verdade dos enunciados das imagens de mundo75. Imagens de mundo interpretam a realidade como um todo dotado de compreensão “abrangente”, não podendo ser reduzidas a um conjunto ordenado de proposições descritivas, pois “[...] elas não se diluem em sentenças aptas à verificação e tampouco constituem um sistema simbólico que seja verdadeiro ou falso como tal”76. Por isso, escreve Habermas, é mais sensato analisar os diferentes anseios de validação que vinculamos a enunciados descritivos, avaliativos e normativos (de diferentes tipos) independentemente daquela síndrome característica a reivindicações de validação disparadas de maneira obscura nas interpretações religiosas e metafísicas de mundo77. Habermas não concorda com a posição assumida por Rawls de que as imagens de mundo que estabilizam as identidades das formas de vida sejam passíveis de verificação. E Rawls o faz, segundo Habermas, em razão da convicção de que “[...] não pode haver uma moral profana pairando livremente, por assim dizer, ou que convicções morais precisam estar alojadas em doutrinas metafísicas ou religiosas”78, e [...] isso estaria de acordo com a maneira como Rawls se posiciona diante do problema de um consenso abrangente: o modelo que tem diante de si é o da institucionalização da liberdade de crença e consciência que, por via política, pôs fim às guerras civis de caráter confessional, na Era Moderna79. Para Habermas, a realização histórica do princípio da tolerância permanece devedora da justificação pública pós­metafísica e pós­religiosa, baseada em “boas razões”, do direito à liberdade de crença e consciência80, a clef de voûte da instauração do pluralismo religioso e do regime de tolerância mútua81 entre credos e doutrinas abrangentes divergentes, que envolvem tanto cidadãos religiosos quanto cidadãos seculares, e tendo como pano de fundo uma cultura política liberal e um mundo da vida pós­secularizado. As exigências cognitivas são elevadas quanto à tentativa de instituição de um regime de tolerância em face dos dilemas do multiculturalismo e da ordem dos direitos humanos, pois “[...] as tensões cognitivas entre diferentes conjuntos de valores de subculturas igualmente reconhecidas requerem uma forma de tolerância diferente das que contradições entre visões de mundo concorrentes necessitam.”82 Em que pesem as contribuições de autores como Spinoza83, Locke84 e Voltaire85 para a formulação de uma justificativa moderna do regime político da tolerância (ao rechaçarem o conceito unilateral de tolerância como permissão que encontra sua gênese no Estado absolutista), apenas em Pierre Bayle encontra­se a formulação inicial do conceito de tolerância como “[...] reconhecimento mútuo dos direitos de expressão religiosa pelos próprios cidadãos”86, com base em “[...] razões estritamente universais.”87 Tomando por exemplo o papel do Mufti88 e do Papa enquanto intérpretes legítimos do Alcorão e da Bíblia em suas respectivas comunidades religiosas, Bayle nos leva a refletir acerca da perspectiva do outro, do moral point of view, da universalização das crenças e práticas que julgamos moralmente conforme a “natureza do agir humano”. Por que o Mufti poderia acusar o Papa de doutrinação quando este envia emissários ao mundo islâmico para levar o Evangelho, se aquele poderia igualmente enviar seus emissários ao mundo ocidental para levar a 69 AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial [...] o pensamento pós­metafísico deve adotar uma atitude simultaneamente agnóstica e receptiva diante da religião, ou seja, que se oponha a uma determinação estritamente secularista das razões publicamente aceitáveis sem, com isso, comprometer sua autocompreensão secular [...]74. Maikon Chaider Silva Scaldaferro mensagem do Profeta (Maomé)? Poderia o Papa acusar o Mufti de obrigar pessoas estranhas a nos converterem, quando ele mesmo envia seus missionários à Índia para salvar as almas dos mulçumanos? Com esse exemplo, Habermas explica porque Bayle foi o precursor da “[...] assunção de perspectivas recíprocas [...]”89 em questões morais, sendo o antecessor de Kant. Habermas explica: AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 70 Se pretendemos levar em consideração a presumida imparcialidade dos julgamentos morais e a pretensão categórica de validade das normas vinculatórias, temos de desatrelar a perspectiva horizontal (dentro da qual são regradas as relações interpessoais) da perspectiva vertical (a dos projetos individuais de vida), e tornar independente a resposta a pergunta genuinamente morais. A pergunta abstrata sobre o que é do interesse uniforme de todos ultrapassa a pergunta ética contextualizada a respeito do que é o melhor para nós. A intuição de que as questões da justiça surgem de uma ampliação idealizadora do questionamento ético continua, porém, fazendo sentido. Se interpretarmos a justiça como aquilo que é igualmente bom para todos, o “bem” contido na moral constitui uma ponte entre justiça e solidariedade. Pois também a justiça entendida universalisticamente exige que uma pessoa responda pela outra – e que, aliás, cada um também responda pelo estranho, que formou a sua identidade em circunstâncias de vida totalmente diferentes e entende­se a si mesmo à luz de tradições que não são as próprias90. Nem por razões pragmáticas, nem por razões mercantilistas, nem por razões legalistas. Goethe, por exemplo, recusa qualquer tentativa de justificar a tolerância com base na benevolência ou condescendência, na transigência, no mero interesse legal ou econômico. Para o poeta e literato alemão, tolerar significar insultar!91 A tolerância revela sua ambivalência quando requer, ao mesmo tempo, a inclusão e a exclusão; a inclusão daqueles cujas crenças e práticas são consideradas eticamente erradas, mas moralmente toleráveis, e a exclusão daqueles cujas crenças e práticas são consideradas moralmente intoleráveis. O paradoxo da tolerância observado por Goethe consiste no fato de que “[...] todo ato de transigência tem de circunscrever, ao mesmo tempo, um âmbito de características daquilo que precisa ser aceito e, como isso, tal ato traça, inevitavelmente, um limite à própria tolerância. Nenhuma inclusão sem exclusão.”92 Quando os limites da tolerância são traçados de forma arbitrária ou autoritária, o terreno da intolerância também é demarcado. É em virtude desta constatação que Rainer Forst afirma que “[...] os limites da tolerância devem ser postados onde a intolerância começa. A tolerância só pode ser exigida em face daqueles que são tolerantes; é uma questão de simples reciprocidade”93. Neste ponto, Habermas e Forst estão de acordo quanto ao fato de que apenas a adoção do moral point of view, isto é, a adoção da perspectiva do outro, ou “[...] a concepção de liberdades iguais para todos e a fixação de um domínio de tolerância capaz de convencer simetricamente a todos os atingidos são capazes de extrair da tolerância o aguilhão da intolerância [...]”94. O paradoxo indicado por Goethe – o paradoxo da arbitrariedade – pode ser superado na medida em que indivíduos pertencentes a uma comunidade política culturalmente liberal constituem comunicativamente suas identidades em condições de reconhecimento mútuo: “Todos os que podem ser afetados pela prática futura devem concordar voluntariamente com as condições sob as quais desejam exercitar a tolerância mútua.”95 Esse paradoxo foi superado pela emergência da democracia moderna. Os cismas entre as religiões obrigaram o Estado a procurar sua legitimidade em um fundamento racional desvinculado da religião. Ao mesmo tempo, a justificação racional da tolerância religiosa revelou­se a chave para solução do fundamento racional do Estado: a legitimação neutra baseada na inclusão universalista e igualitária na adoção mútua de perspectivas. Isto significa que a legitimação do poder político, bem como a formação da vontade democrática e da opinião pública são resultados da institucionalização da deliberação na esfera pública. “A tolerância religiosa é um componente básico do Estado constitucional democrático”96. A imunização do Estado constitucional democrático contra a violência e o terror do fundamentalismo e, por conseguinte, a existência de uma consciência religiosa reflexiva e Sobre o conceito de tolerância em Habermas O papel do membro da comunidade se diferencia do papel do cidadão. Como o Estado liberal depende da integração política de seus cidadãos e como essa integração não pode ficar restrita a um mero modus vivendi, essa diferenciação das condições de membro não pode esgotar­se numa simples adaptação cognitiva do etos religioso às leis impostas pela sociedade secular. Antes é necessário que a ordem jurídica universalista e a moral igualitária da sociedade sejam de tal maneira conectadas internamente ao etos da comunidade e que um elemento decorra consistentemente do outro98. Os cidadãos crentes sabem que, do ponto de vista da expectativa normativa, seus interesses estão assegurados pelo direito civil e, sobretudo, pela Constituição (Verfassung). Por meio da esfera pública informal99, a comunidade religiosa, como parte da sociedade civil, pode influenciar as instituições do poder político como um todo por meio do processo democrático de formação da opinião pública e da vontade política. No jogo democrático das “razões públicas” exige­se um relacionamento autorreflexivo dos cidadãos religiosos e seculares acerca dos limites de seus respectivos enfoques cognitivos, sem a distribuição assimétrica de “cargas de julgamento” (burdens of judgement) ou hierarquização dos modos de vida de cidadãos religiosos e seculares (paradoxo da assimetria). Uma vez que o dissenso é inevitável em questões práticas de interesse coletivo, consideradas a partir de imagens de mundo conflitantes e inconciliáveis, exige­se uma carga de tolerância sempre maior dada à complexidade social. A tolerância em relação ao dissenso torna­se, pois, um dos pressupostos incontornáveis da democracia liberal. Sobre isto, escreve Habermas: A conquista chave da tolerância religiosa é absorver e prevenir a destrutividade social do irreconciliável dissenso. Tal dissenso não deve destruir os laços sociais que conectam crentes em uma fé e crentes em outras como membros de uma só sociedade secular. A tolerância recíproca com a crença inflexivelmente rejeitada do outro requer, em âmbito social, uma diferenciação da própria comunidade e da sociedade como um todo – uma diferenciação que, do ponto de vista da religião, deve ser justificado de maneira convincente se conflitos de lealdade estabelecidos não forem apaziguados. Uma diferenciação pacífica entre as duas formas de adesão não se exaure na adaptação superficial do ethos religioso às leis da sociedade secular, mas reclama o desenvolvimento, a partir do interior do ethos da comunidade religiosa, de eles cognitivos com a substância moral da constituição democrática100. Trata­se, pois, de um caminho de mão dupla. A democracia precisa legitimar­se com base em uma visão de mundo pluralista enquanto as religiões e seus adeptos necessitam reconhecer os princípios morais e legais da sociedade pós­secular na interioridade particular do ethos. A despolitização das religiões universais, a inclusão de minorias religiosas na comunidade política e a disseminação da tolerância como virtude política (Habermas) constituem estímulos para a ampliação de direitos culturais101. O caso da livre expressão da religião é um exemplo paradigmático da inclusão, reconhecimento e ampliação da igualdade de direitos culturais, permitindo às comunidades culturalmente minoritárias “[...] igual acesso às formas de comunicação da própria comunidade, às tradições e práticas que as pessoas precisam para manter sua identidade 71 AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial tolerante pressupõe a adoção do “[...] princípio constitucional da igual inclusão de todos”97. Uma vez que a consciência religiosa reconheceu os processos de adaptação inerentes ao contexto vital das sociedades modernas – secularização do conhecimento, neutralização do poder do Estado e a liberdade religiosa –, as religiões viram­se obrigadas a deflacionar suas visões de mundo (Weltanschauungen) fundadas nas doutrinas abrangentes (compreensive doctrine) correspondentes. Doravante, a vida religiosa separou­se da vida pública, embora não se possa dizer que estas duas dimensões da vida não permaneçam intercambiadas: Maikon Chaider Silva Scaldaferro AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 72 pessoal.102” A preservação e reprodução da língua e do modo de viver, a garantia da liberdade de associação e do ensino doutrinário, bem como a preservação dos rituais e cerimônias religiosas são indispensáveis para a construção de um modelo de inclusão com sensibilidade para as diferenças103 inerentes a minorias religiosas, étnico­raciais, nacionais e linguísticas. Por isso, o problema dos limites da tolerância ampliaram a discussão sobre a inclusão do Outro, levando ao desenvolvimento do tema da cidadania multicultural104, razão pela qual ao conceito de “pessoas naturais” (natural persons)105 seguiu­se o desenvolvimento do conceito abstrato de “pessoal legal” (legal person), objeto das políticas do reconhecimento que tratam de “direitos individuais” e que “[...] garantem a todos os cidadãos igual acesso a ambientes culturais, relações interpessoais, e tradições – na medida em que esses são materiais para a formação ou manutenção de suas respectivas identidades pessoais”106. O princípio civil da igual inclusão procura garantir direitos culturais iguais, sobretudo, àqueles grupos estatisticamente numerados que não formaram suas identidades coletivas e modos de vida em meio a uma eticidade substantiva (Hegel), como minorias étnico­raciais, nacionais, imigrantes ou subculturas nativas, descendentes de culturas quilombolas, etc107. Esses grupos [mulheres, homoafetivos, transgêneros, portadores de necessidades especiais, etc.] podem, em casos de lapso temporal – isto é, em casos de ‘dessincronicidade histórica’ – achar mais difícil alcançar o requerido elo cognitivo com o ethos interno da moralidade dos direitos humanos como amparado por seu ambiente social e político do que comunidades religiosas que podem se inspirar nos mais avançados recursos conceituais de uma ou outra religião do mundo108. O conceito de uma constituição democrática pluralista do ponto de vista da diferenciação cultural constitui o élan para a integração dos cidadãos que se identificam a diferentes formas de vida sob a forma de uma política cultural do reconhecimento mútuo de identidades culturais coletivas. Assim, as idiossincrasias culturais permanecem mantidas na medida em que cada cidadão percebe a si mesmo como membro integrado da mesma comunidade política no limite de cada cultura particular integrante da sociedade, graças ao mecanismo da justificação pública dos direitos culturais. Embora o conceito de “doutrinas compreensivas” e as distinções didáticas estabelecidas entre “visões de mundo”, “sistema de crenças”, “modos de vida” e “valores guia” ajudem a compreender por que a tolerância não deve ser identificada à coexistência conforme um modus vivendi, benevolência, paciência, generosidade ou concessão com relação às crenças e práticas de alguém, Habermas aparentemente ignora ou não trata de algumas questões que julgo serem de capital importância para a determinação do trato tolerante para com o Outro ou Outrem – “Eles”. Se Habermas estiver certo ao declarar que “[...] a expectativa normativa de que estejamos aptos a conviver com os que possuem diferentes estilos de vida éticos e valores guias é de uma natureza diferente da suposição de que devemos aceitar a diferença entre verdades religiosas ou entre visões de mundo contrárias [...]”109; se nossos impulsos existenciais, que orientam nossas práticas e atitudes correntes, advém de crenças concorrentes110; se “[...] apenas nos casos que envolvem visões de mundo concorrentes a tolerância significa aceitar reivindicações de validade mutuamente exclusivas”111; e se apenas nesse sentido estrito pode­se falar em “[...] tolerância – enquanto igual respeito para todos – [que] significa a disposição para neutralizar o impacto prático de uma dissonância cognitiva que, apesar de em seu próprio domínio, requer que a resolvamos”112, o que fazer quando não há “razões públicas” claramente disponíveis capazes neutralizar as dissonâncias cognitivas mencionadas por Habermas, ou quando não há “razões públicas” razoáveis possíveis capazes de distinguir quais crenças e práticas são eticamente relevantes a ponto de serem objeto (ou não) da tolerância, uma vez que estamos obrigados, como afirma Habermas, a neutralizar as dissonâncias cognitivas existentes entre “nós” e “eles”? Sobre o conceito de tolerância em Habermas III CONSIDERAÇÕES FINAIS 73 AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial Em Os Limites da Tolerância113, Forst definiu a tolerância como um conceito normativamente dependente de um direito à justificação114. As crenças e práticas dos indivíduos e as medidas sociais de instituições político­jurídicas que determinam a vida social dos cidadãos deveriam submeter­se ao escrutínio da justificação pública de normas conforme o “uso público da razão”. Isto significa que em uma democracia reflexiva, consciente de seus princípios políticos e jurídicos, o princípio de justificação da justiça requer que os cidadãos reconheçam a reciprocidade e a generalidade como critérios que conferem legitimidade às normas que determinam a vida social dos cidadãos. A reciprocidade implica que necessidades, recursos e direitos só podem ser requeridos por algum grupo de cidadãos senão são negados a outros grupos de cidadãos. Além disso, “nossas próprias razões” – necessidades, interesses e valores – não devem sobrepor­se aos dos demais cidadãos quando do processo de justificação pública115. Quanto ao critério da generalidade, as razões que justificam as “normas básicas” devem ser aceitas e compartilhadas reciprocamente por todos os cidadãos, pertençam estes aos grupos dominantes ou minorias. É em função dos critérios de reciprocidade e generalidade que as normas gerais só podem ser invalidas por um dissenso razoável cujas objeções estejam baseadas em razões públicas116. O direito à justificação requer a apresentação pública de razões para “objeções éticas” e razões para “rejeição moral” para demarcação dos limites da tolerância/intolerância: “Aqueles que se toleram mutuamente consideram as concepções éticas um do outro erradas e mal­formadas, mas mediante razões que o outro pode justificadamente rejeitar, com base em suas próprias visões e concepções do bem”117. Entretanto, a justificação baseada em razões para objeções éticas não são suficientes para suplantar as razões baseadas em razões para rejeições morais quando do conflito entre crenças e práticas. Segundo Forst, “os limites da tolerância são, portanto, atingidos, quando um grupo tenta dominar os demais fazendo de suas visões rejeitáveis a norma geral. Tal negação do direito à justificação é uma forma de intolerância que não pode ser tolerada”118. Aos discutir o tema das “obrigações deliberativas da cidadania democrática”, Cristina Lafont119 chama atenção para o problema da “plenitude das razões públicas”. O problema emerge quando os cidadãos que possuem valores morais conflitantes são obrigados a justificar na esfera pública suas crenças e práticas em relação a temas controversos e que envolvem direta ou indiretamente a prática da tolerância, como o casamento entre pessoas homoafetivas, novos arranjos familiares (famílias constituídas por casais homoafetivos), aborto, eutanásia, uso de símbolos religiosos em repartições público­ estatais, ensino religioso nas escolas, etc. Ocorre que pelo fato de muitos cidadãos basearem suas convicções sobre o bem e questões fundamentais de justiça em valores religiosos, estes se encontram obrigados a recorrerem a razões políticas ou públicas quando se vêem obrigados a justificar alguma política coerciva do qual são beneficiários. Essa, entretanto, é uma sobrecarga cognitiva (burdens of judgement) que deveria recair tanto sobre os ombros de cidadãos religiosos quanto de cidadãos seculares, embora normalmente recaia sobre aqueles. Para Lafont, tanto a solução dada por Rawls (proviso) quanto por Habermas (institutional translation proviso) relativa aos tipos de razões que poderiam ser aceitas legitimamente nos debates na esfera pública oferecem problemas. No caso de Rawls, o proviso obriga os cidadãos religiosos a dar prioridade a razões não religiosas nos debates sobre questões de justiça, colocando em risco a integração social entre os respectivos grupos de cidadãos, pois o proviso requer dos cidadãos religiosos uma atitude epistêmica autorreflexiva acerca dos limites de suas crenças e práticas e o reconhecimento da autoridade da ciência e a laicidade do Estado, cindindo a identidade do indivíduo em um papel privado e outro público. Por sua vez, Habermas argumenta que, além do que o proviso requer, deve ser considerada ainda a possibilidade de verdade de outras religiões e o potencial heurístico e semântico­normativo dos conteúdos religiosos, sem ficar suficientemente claro onde e como Maikon Chaider Silva Scaldaferro AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 74 ocorrerá essa tradução institucional, se na esfera pública informal ou na esfera pública formal e a quem caberá realizá­la, sem deixar de mencionar o problema do déficit institucional da esfera pública e como ele afeta esta questão. Na medida em que a responsabilidade mútua (mutual accountability) constitui um dos princípios da legitimidade política de uma democracia liberal, espera­se que tanto cidadãos religiosos quanto seculares sejam capazes de apresentar, no momento oportuno do debate público, as razões públicas que eles sinceramente acreditam ser compatíveis com os compromissos democráticos básicos e justificáveis às objeções a políticas coercivas que possam beneficiar algum dos lados, resguardando­se o status da cidadania livre e igual. Mas se uma política coerciva não justificável (com base em razões públicas) pode implicar em um ato de intolerância, qual é a implicação do fato de que os cidadãos (religiosos ou seculares) não possam alcançar as “razões públicas” requeridas para a justificação de certas crenças e práticas que, por isso, correm o risco de tornarem­se intolerantes? Existe alguma implicação relevante para o debate em torno da tolerância o fato dos cidadãos recorrerem a razões que eles ou elas mesmos não acreditam sinceramente (ou argumentem de boa fé), apenas para satisfazer o critério liberal da legitimidade democrática, isto é, “[...] que os cidadãos devem abster­se de impor uma política coerciva até que todas as objeções baseadas sobre razões geralmente aceitáveis para cidadãos democráticos tenham sido derrotadas com sucesso”?120 Em outras palavras: pode­se agir de maneira instrumental com relação a nossas posições cognitivas (epistêmicas)? Os cidadãos, especialmente os religiosos, poderiam recorrer a razões as quais eles sinceramente não acreditam, ferindo, assim, a pretensão de validade referente à veracidade subjetiva (agir dramatúrgico)? Em função disso, cabe ainda perguntar: o trato tolerante de cidadãos religiosos para com cidadãos seculares não estaria sobrecarregado em suas exigências epistêmicas? Não estou convencido de que Habermas resolve satisfatoriamente estas questões movendo a sua “institutional translation proviso” da esfera pública informal para a esfera pública formal e, portanto, admitindo que cidadãos religiosos possam recorrer a argumentos baseados em “razões não públicas” quanto a questões políticas fundamentais de justiça e sobre elementos constitucionais, desde que tais questões fiquem circunscritas a esfera pública informal. Tampouco acredito, como Lafont, que os funcionários públicos, magistrados, legisladores, etc. (no âmbito da esfera pública formal) sejam capazes de alcançar o tempo todo, mesmo sendo obrigados a isso, a tradução cooperativa em casos de conflito entre “razões não públicas” e “razões públicas”. Para Lafont, Habermas não traça claramente a distinção entre o “direito a incluir no debate público quaisquer visões e razões que alguém acredite honestamente” e o “direito de ser dispensado da obrigação de comprometer­se com razões aceitáveis geralmente”121. Não obstante, permanece a exigência de que apenas quando desejarem transformar seus discursos privados, baseados em “razões não públicas”, em discursos públicos com pretensões de validade normativa, acerca de questões fundamentais de justiça ou sobre elementos constitucionais, os cidadãos religiosos deverão respeitar a dimensão epistêmica da democracia deliberativa. Dessa forma, as obrigações deliberativas de cidadania apresentam exigências epistêmicas diferentes, se considerarmos os sujeitos, o lugar da deliberação e a pretensões de validade envolvidas. O conteúdo de tolerância (respeito) não pode ser determinado nem pela autoridade política das instituições básicas do Estado, nem pela maioria dos cidadãos com base em concepções éticas do bem ou do modo de vida legítimo, “[...] uma vez que essas concepções possam ser criticadas por outros cidadãos como interessadas e particularistas”122. Os limites da tolerância estão, pois, sob a dependência do direito à justificação que qualquer participante de discursos práticos deve e, portanto, pode reivindicar, bem como das razões de objeção, aceitação e rejeição, ligadas a crenças e práticas baseadas em diferentes e incompatíveis (conflitantes) imagens de mundo. É certamente desejável que os cidadãos (seculares e religiosos) possam superar as dissonâncias cognitivas entre imagens de mundo diferentes e incompatíveis (conflitantes) através do alcance de pressuposições cognitivas (epistêmicas)123 enquanto resultado de processos de aprendizagem social (soziale Lernprozess), condição necessária à integração Sobre o conceito de tolerância em Habermas REFERÊNCIAS APEL, Karl­Otto. Transformação da Filosofia I: Filosofia Analítica, Semiótica, Hermenêutica. São Paulo: Loyola, 2002. 445 p. (Leituras filosóficas). ARAÚJO, Luiz Bernardo Leite. Apresentação à edição brasileira de Fé e Saber. In: HABERMAS, Jürgen. Fé e Saber. São Paulo: UNESP, 2013. 60 p. pp. XIII­XX. ________. Tolerância e Reconhecimento em Habermas. In: MARTINS, Cléia Aparecida; POKER, José Geraldo (Orgs). Reconhecimento, Direito e Discursividade em Habermas. São Paulo: FAP­UNIFESP, 2014. 441 p. pp. 273­289. ________. 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E é desejável na medida em que representa não apenas a certificação autocrítica dos limites da razão secular, mas igualmente o reconhecimento da autoridade do conhecimento científico pelas comunidades religiosas124, a relevância heurística das imagens religiosas do mundo125 e da tradução cooperativa dos potenciais semântico­normativos dos conteúdos religiosos126. Maikon Chaider Silva Scaldaferro AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 76 ________. Teoria do Agir Comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. Vol. I. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. 704 p. ________. Teoria do Agir Comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. Vol. II. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. 811 p. ________. Intolerância e discriminação. Perspectiva Filosófica, vol. 2, nº 40, 2013, pp. 01­13. ________. RAWLS, John. Debate sobre el liberalismo político. Barcelona: Paidós, 2014. 181 p. (Pensamiento contemporáneo 45). HERRERO, Francisco Javier. Ética do Discurso. In: OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Correntes Fundamentais da Ética Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2000. 255 p. pp. 163­192. LAFONT, Cristina. Religion and The Public Sphere: What are the obligations of democratic citizenship? In: CALHOUN, Craig; MENDIETA, Eduardo, VANANTWERPEN, Jonathan. Habermas and Religion. Cambridge: Polity Press, 2013. (E­book) MACHADO, Costa (Org.). Constituição Federal interpretada: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. 3. ed. Barueri, SP: Manole, 2012. 1364 p. NOBRE, M.; REPA, L. (Orgs.). Habermas e a reconstrução: sobre a categoria central da Teoria Crítica habermasiana. Campinas: Papirus, 2012. 205 p. RAWLS, John. O direito dos povos. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 259 p. (Justiça e direito). ________. O liberalismo político. Ampl. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. 636 p. (Biblioteca jurídica WMF). NOTAS 1 Durante a elaboração deste texto, apenas em parte de sua Introdução servi­me de trechos e notas retirados de “Sociedade civil, Poder comunicativo e Democratização da Esfera Pública”, artigo originalmente apresentado sob a forma de paper no Colóquio Internacional Justiça, Democracia e Emoções Políticas em Perspectiva Transnacional, evento realizado na Fundação Joaquim Nabuco, entre os dias 27 e 29 de abril de 2015, com o apoio da CAPES, Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado do Pernambuco – FACEPE, UFPE, Goethe Universität/Frankfurt am Main e do Centro Cultural Brasil­Alemanha – CCBA, e posteriormente publicado na Revista Saberes (UFRN), v. 1, n. 12, Set. 2015, 132­171, bem como dos textos “Poder Comunicativo, Esfera Pública e Democracia deliberativa”, comunicação oral apresentada no X Colóquio Habermas & I Colóquio de Filosofia da Informação, e que integra os Anais do referido evento, realizado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT, entre os dias 09 e 11 de setembro de 2014, na UNIRIO, e “Habermas leitor de Rousseau: Sobre o nexo interno entre Soberania popular e Direitos Humanos”, publicado na Revista InterEspaço: Revista de Geografia e Interdisciplinaridade da UFMA, v. 2, n. 4, p. 119­146, jun. 2016. 2 A evolução social ocorre por meio da superação de problemas sistêmicos não resolvidos e economicamente condicionantes, constituindo­se em desafios evolutivos que “forçam” a transformação das estruturas normativas da sociedade enquanto resultado de processos de aprendizagem social mediados linguisticamente e que têm como pano de fundo o mundo da vida. Cf. HABERMAS, Jürgen. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 14. Tal evolução depende de processos de aprendizagem social que procuram solucionar problemas de coordenação, legitimidade e justificação da ação social. De acordo com a Teoria da Ação Comunicativa, o desenvolvimento das estruturas normativas do mundo da vida requer a ampliação do recurso à racionalidade comunicativa enquanto mecanismo de coordenação, legitimidade e justificação da ação social, e que ocorre nos diferentes níveis estruturantes do mundo da vida (cultura, sociedade e personalidade), constituindo um exemplo de processo de aprendizagem. Cf. HABERMAS, Jürgen. Teoria do Agir Comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. Vol. II. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 263. “As sociedades aprendem à proporção que resolvem problemas, os quais constituem desafios a serem enfrentados no âmbito de um processo evolucionário. Que tipo de problemas? Os que sobrecarregam as capacidades de controle, acessíveis nos limites de determinada formação social. As sociedades podem aprender de modo evolucionário à medida que aproveitam as ideias morais e jurídicas contidas nas imagens de mundo, a fim de Sobre o conceito de tolerância em Habermas 77 AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial reorganizar os sistemas de ações e para criar novas formas de integração. Tal processo pode ser imaginado como a incorporação institucional de estruturas de racionalidade já delineadas na esfera institucional.” HABERMAS, Jürgen. Teoria do Agir Comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. Vol. II. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 567. Recorrendo a psicologia da aprendizagem de Jean Piaget e a teoria do desenvolvimento da consciência moral de Lawrence Kohlberg, Habermas elabora sua versão da aprendizagem moral pautada na concepção de que juízos morais podem ser declarados “corretos” (cognitivismo moral) em analogia ao conceito de “verdade”. Cf. HABERMAS, Jürgen. Verdade e Justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004, p. 274. 3 “A integração social, que se realiza através de normas, valores e entendimento, só passa a ser inteiramente tarefa dos que agem comunicativamente na medida em que normas e valores forem diluídos comunicativamente e expostos ao jogo livre de argumentos mobilizados, e na medida em que levarmos em conta a diferença categorial entre aceitabilidade e simples aceitação.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 58. 4 “As teorias sociológicas da ação apresentam um interesse pelo esclarecimento do conceito de acção social. Um caso exemplar de acção social é certamente a cooperação entre (pelo menos dois) actores que coordenam as suas acções instrumentais para a execução de um plano de acção comum; é que segundo esse modelo podem analisar­se, por exemplo, casos elementares de trabalho social. Por isso vou partir da questão geral de como é possível a acção na sua vertente social. A questão de <Como é possível a acção social?> é somente o reverso da outra questão: <Como é possível a ordem social?>. Uma teoria da acção que queira responder a estas questões tem de ser capaz de indicar as condições em que Alter pode <concertar> as suas ações com as de Ego.” HABERMAS, Jürgen. Obras Escolhidas: Fundamentação Linguística da Sociologia. Vol. I. Lisboa: Edições 70, 2010, p. 137. 5 Sobre as diferenças entre estas análises, ver HABERMAS, Jürgen. Obras Escolhidas: Fundamentação Linguística da Sociologia. Vol. I. Lisboa: Edições 70, 2010, p. 138 e ss. Ver também HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro: estudos de teoria política. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2004. 6 HABERMAS, Jürgen. Obras Escolhidas: Fundamentação Linguística da Sociologia. Vol. I. Lisboa: Edições 70, 2010, p. 137. 7 Cf. HABERMAS, Jürgen. Obras Escolhidas: Fundamentação Linguística da Sociologia. Vol. I. Lisboa: Edições 70, 2010, p. 137. 8 Na obra Pensamento Pós-Metafísico (1988), Habermas refere­se ao pensamento metafísico ocidental nos seguintes termos: “Negligenciando a linha aristotélica, e talvez simplificando de um modo um pouco abusivo, designo como ‘metafísico’ o pensamento de um idealismo filosófico que remonta a Platão e que se estende através de Plotino e do neoplatonismo, de Agostinho e Tomás de Aquino, Nicolau de Cusa e Pico de Mirandola, Descartes, Espinosa e Leibniz até Kant, Schelling, Fichte e Hegel. O materialismo da Antiguidade e o cepticismo, o nominalismo, tardo­medieval e o empirismo moderno são, todos eles, movimentos antimetafísicos que, no entanto, se mantêm confinados ao horizonte das possibilidades de pensamento aberto pela metafísica.” HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-Metafísico: ensaios filosóficos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 54. Sob esta variedade de autores e abordagens estão os aspectos que caracterizam o pensamento filosófico ocidental: (I) O pensamento da Identidade: o pensamento metafísico é o pensamento sobre a unidade na totalidade representada a partir do conceito. A metafísica procura pelo infinito – o fundamento – enquanto causa do mundo e das coisas em sua finitude. O fundamento – Deus, Natureza ou Ser – deve explicar as coisas e acontecimentos mundanos em sua variedade – as categorias aristotélicas – em sua particularidade, singularidade e universalidade. O Uno e o Múltiplo, a Identidade e a Diferença constituem a relação fundamente da metafísica unindo a Lógica à Ontologia; (II) O Idealismo: no conceito de Ser reside a chave explicativa para a reconciliação entre Uno e Todo. A unidade ordenada resulta dos esforços do pensamento abstrato em alcançar o Ser, a essência e a diversidade dos fenômenos. A ideia platônica representa a forma da variedade fenomênica. E na ideia do Bem todas as demais ideias encontram sua causa. Por meio do conceito, o Ser revela­as como universal, necessário e intemporal; (III) A Prima philosophia como Filosofia da consciência: a transposição do paradigma ontológico para o paradigma mentalista ocorre pela “descoberta” da subjetividade como novo fundamento. A autoconsciência do sujeito torna­se a chave para a representação dos Maikon Chaider Silva Scaldaferro AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 78 objetos. A subjetividade é o elemento transcendental que torna possível a realidade mediante as categorias do entendimento. A unidade repousa na atividade criadora da subjetividade transcendental em sua dinâmica autorreferente; e (IV) O conceito forte de Teoria: a Filosofia, ao contrário da Religião, toma o bíos theoretikos – a vida dedicada à contemplação – com caminho para a “salvação”. A vida teórica constitui a forma de vida exemplar através do caminho à verdade. A vida teórica permite que participemos do divino apesar da nossa finitude. A teoria permite a superação dos contextos das experiências em direção ao conhecimento do universal. Cf. HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-Metafísico: ensaios filosóficos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 55 e ss. 9 HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do outro: estudos de teoria política. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2004, p. 21. 10 HABERMAS, Jürgen. Teoria do Agir Comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. Vol. II. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 231. 11 HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 26. 12 Cf. HABERMAS, Jürgen. Intolerância e discriminação. Perspectiva Filosófica, Vol. 2, nº 40, 2013, pp. 01­13, p. 09­10. 13 Ver também KYMLICKA, Will. Multicultural Citizenship: A Liberal Theory of Minority Rights. Oxford; New York: Clarendon Press, 2003 (reimpressão em paperback). 14 A “linguistic turn” ou “virada linguística” designa o processo de substituição do paradigma da filosofia da consciência ou da filosofia do sujeito pelo paradigma da linguagem na filosofia ocidental. Na base da “linguistic turn” está a ideia de que razão opera através da linguagem enquanto meio incontornável de constituição do sentido da realidade. O sujeito transcendental kantiano é substituído por uma razão destranscendentalizada e enraizada no contexto histórico de sujeitos linguísticos que procuram entender­se mutuamente acerca de questões teóricas e práticas à luz dos pressupostos da pragmática universal, “[...] constituindo um projeto de destranscendentalização dos sujeitos cognoscentes da pragmática formal que, de forma semelhante ao historicismo, contextualismo e pragmatismo, os transforma em sujeitos reais, de carne e osso, situados temporal e espacialmente [...].” ARAGÃO, Lucia. Apresentação. In: Agir comunicativo e Razão destranscendentalizada. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002, p. 10. A “linguistic turn” tornou possível a elaboração do conceito pragmático de verdade no qual fatos e questões pragmáticas, ético-políticas e morais podem ser defendidos e justificados “em analogia” ao conceito semântico de verdade, isto é, transformando “a verdade” em aceitabilidade racional expressa sob a forma de quatro (4) pretensões de validade: compreensibilidade, verdade, correção normativa e veracidade. Cf. HABERMAS, Jürgen. Teoria do Agir Comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. Vol. 1. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 84. No caso de Habermas, sua “linguistic turn” implica, especialmente, em uma superação do transcendentalismo kantiano ou idealismo transcendental por um realismo interno. Se no paradigma da filosofia da consciência o conceito de verdade possui uma função constitutiva, a partir da “linguistic turn” o conceito de verdade passar a adquirir uma função regulativa, tendo como pano de fundo os referentes mundanos pertencentes aos contextos do mundo da vida. Cf. ARAGÃO, Lucia. Apresentação. In: Agir comunicativo e Razão destranscendentalizada. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002, p. 12. De acordo com Habermas, a partir da “linguistic turn” “os sujeitos capazes de linguagem e ação pode ser orientar desde o horizonte de seus mundos da vida respectivos para os mundos interiores. Não há referências mundanas pura e simplesmente livres de contextos. Heidegger e Wittgenstein mostraram, cada um a seu modo, que a consciência dos objetos transcendentais de Kant se nutre de abstrações falsas. Os contextos dos mundos da vida e as práticas linguísticas nas quais os sujeitos socializados ‘desde sempre’ se encontram, revelam o mundo da perspectiva das tradições e costumes instituidores de significados. Os pertencentes a uma comunidade de linguagem local experimentam tudo o que ocorre no mundo à luz de uma pré­ compreensão ‘gramatical’ habitual, não como objetos neutros. A relação retrospectiva da objetividade do mundo com a intersubjetividade do entendimento entre os participantes da comunicação, suposta no agir e no falar, esclarece as mediações linguísticas dos referentes mundanos.” HABERMAS, Jürgen. Agir comunicativo e Razão destranscendentalizada. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002, p. 45­46. Sobre o olhar habermasiano acerca da “linguistic turn”, ver ainda HABERMAS, Jürgen. Pensamento Pós-Metafísico: ensaios filosóficos. Coimbra: Almedina, 2004, Parte I. Retorno à Metafísica, 3. Temas do Pensamento Pós­Metafísico, IV. A viragem linguística, pp. 68­72; Sobre o conceito de tolerância em Habermas 79 AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial e Parte II. A viragem pragmática, pp. 77­155. Para um exame histórico do processo de desenvolvimento do paradigma da “linguistic turn” e dos seus pressupostos filosóficos, ver APEL, Karl­Otto. Transformação da Filosofia I: Filosofia Analítica, Semiótica, Hermenêutica. São Paulo: Loyola, 2000, e também APEL, Karl­Otto. Transformação da Filosofia II: O a priori da comunidade de comunicação. São Paulo: Loyola, 2000. 15 Questões pragmáticas dizem respeito ao problema da escolha dos meios que um ator pode lançar mão para a consecução (via ação social) de preferências e fins dados antecipadamente. Além disso, o conflito entre fins ou mesmo a sua indeterminação constituem exemplos de questões pragmáticas, cuja solução deve ser alcançada por meio de uma avaliação racional baseada em princípios e valores aceitos intersubjetivamente via discursos pragmáticos. Meios, preferências e fins são esclarecidos com base em argumentos que disponibilizam o saber empírico disponível em vista a uma tomada de decisão razoável capaz de equacionar consequências, efeitos colaterais e o resultado de eventuais decisões alternativas. Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 200­201. Segundo Habermas, “a ponderação de fins, orientada por valores, e a ponderação pragmática de meios, leva a recomendações hipotéticas que colocam em relação às causas e efeitos, de acordo com preferências axiológicas e finalidades. Essas instruções para a ação têm a forma semântica de imperativos condicionados.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 200. 16 Questões ético-políticas versam sobre o problema da indeterminação dos valores que devem orientar a forma de vida da comunidade política. Esta indeterminação resulta de um conflito entre orientações axiológicas expressas sob a forma de preferências antagônicas acerca da forma de vida ética que permita a cada membro da comunidade política realizar seu próprio projeto de vida enquanto participante de um ethos intersubjetivamente compartilhado. “O que é a vida boa?”, “O que devemos fazer?”, “Como eu devo viver?”, “Que tipo de vida é bom para mim?” são questões de ordem ético­existencial que expõe toda a fragilidade da convivência humana no contexto de um mundo da vida marcado pelo pluralismo e multiculturalismo das formas de vida. Estas perguntas expõem os problemas da apropriação e autocompreensão que os membros da comunidade política produzem acercas das tradições e formas de vida nas quais se imiscuem. De acordo com Habermas, “o esclarecimento dessa autocompreensão é dado por uma hermenêutica que se apropria criticamente das próprias tradições, contribuindo deste modo para a conscientização intersubjetiva de convicções axiológicas e orientações de vida autênticas. Questões éticas encontram uma resposta nos conselhos clínicos para a reconstrução de uma forma de vida consciente e assumida criticamente. Tais conselhos ligam o componente descritivo das tradições, que marcam a identidade, ao projeto normativo de um modo de vida exemplar, o qual se justifica a partir das tomadas de posição em relação a esta gênese.” HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 201­202. São os discursos éticos que se encarregam de fundamentar tais conselhos clínicos acerca do que é “bom para nós” na medida em que procuram ultrapassar o contexto de justificação do agir baseado em preferências ou fins subjetivos. Seus argumentos explicam a autocompreensão da forma de vida historicamente transmitida aos membros da comunidade política e por eles reconhecida como apropriada para a construção de uma conduta de vida autêntica. Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 202. 17 Questões morais têm como objeto a justiça, pois versam sobre “o que é igualmente bom para todos”. Concernem ao modo como é possível regular a convivência dos cidadãos da comunidade política segundo a perspectiva normativa do “interesse simétrico de todos”, isto é, sob a condição de que qualquer norma só poderá ser declarada justa se todos – enquanto pessoas racionais – puderem concordar com o fato de que a norma em questão deverá ser seguida por qualquer outra pessoa em situação semelhante de aplicação (considerando suas consequências e efeitos colaterais à luz das possibilidades alternativas de regragem). Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 142 e ss.; p. 203­203; Cf. HABERMAS, Jürgen. Consciência moral e Agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 86. Como afirma Habermas, “mandamentos morais têm a forma semântica de imperativos categóricos ou incondicionais”, porém destranscendentalizados graças à transformação da racionalidade comunicativa em Maikon Chaider Silva Scaldaferro AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 80 discursos morais cujo télos é o entendimento mútuo acerca da legitimidade (ou recusa) da norma em questão. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 203. Assim, os discursos morais devem fundamentar­se em argumentos baseados razões públicas, capazes de demonstrar que uma “norma X” é capaz de generalizar interesses. Ao término do procedimento de justificação pública, o que deve ser feito é, pois, o justo. 18 HABERMAS, Jürgen. Teoria do Agir Comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social. Vol. 1. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 37. 19 “Do ponto de vista normativo”, explica Rainer Forst, “as pessoas estão ‘situadas’ em contextos diferentes: são membros de comunidades diferentes (étnicas, jurídicas, políticas e morais), nas quais se defrontam com questões práticas que têm de ser respondidas com boas razões no interior das mesmas. Por isso, uma teoria moral deve começar em contextos práticos intersubjetivos para reconstruir os modos diferentes de validação e justificação segundo os quais as pessoas ‘autônomas’ agem ‘corretamente’. Uma investigação mais precisa dessas esferas normativas mostrará em que sentido nelas pode­ se falar de ‘justificação’. Essa análise é o ponto de partida para a discussão de conflitos normativos possíveis no interior – e entre esses contextos – e para uma concepção detalhada do conceito de autonomia.” FORST, Rainer. Contextos da Justificação: Filosofia política para além de liberalismo e comunitarismo. São Paulo: Boitempo, 2010, p. 287. O contexto da justificação deve ser especificado: O que é a “justificação”? Quem decide o que é a “justificação”? Qual é o objeto da “justificação”? Quais são as condições e limites da “justificação”? Quais crenças, ações e práticas podem ser objeto de “justificação”? O que não pode ser objeto de “justificação”? 20 HABERMAS, Jürgen. Agir comunicativo e Razão destranscendentalizada. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002, p. 35. 21 Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 35. 22 Cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 45. 23 “O conceito da acção comunicativa obriga­nos a considerar os actores também como locutores e ouvintes que se referem a algo no mundo objectivo, social ou subjectivo, fazendo simultaneamente valer pretensões de validade recíprocas sujeitas a serem aceites ou contestadas. Os actores já não se referem linearmente a algo no mundo objectivo, social ou objectivo, mas relativizam o seu enunciado sobre algo no mundo perante a possibilidade da sua validade ser contestada por outros actores. O entendimento funciona como mecanismo coordenador de acções de tal modo que os participantes de uma interação chegam a um acordo sobre a validade que reivindicam para o seus enunciados, ou seja, reconhecem no plano intersubjetivo pretensões de validade que fazem valer de forma recíproca.” HABERMAS, Jürgen. Obras Escolhidas: Fundamentação Linguística da Sociologia. Vol. I. Lisboa: Edições 70, 2010, p. 153. 24 Como explica Francisco Javier Herrero, a Ética do Discurso consiste em um modelo de fundamentação de normas morais baseado nos pressupostos transcendentais do discurso argumentativo enquanto procedimento para a formação pública da vontade, permitindo aos sujeitos históricos, dotados de personalidade, socializados e pertencentes a uma cultura, alcançarem o entendimento mútuo necessário à resolução de problemas prático­ morais e prático­políticos no mundo da vida. Cf. HERRERO, Francisco Javier. Ética do Discurso. In: OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Correntes Fundamentais da Ética Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 169 e ss. Por meio do Princípio de Universalização (“U”) – segundo o qual “[...] toda norma válida deve satisfazer a seguinte condição: que as consequências e efeitos colaterais, que (previsivelmente) resultarem para a satisfação dos interesses de cada um dos indivíduos do fato de ser ela universalmente seguida, possam ser aceitos [sem coação] por todos os concernidos (e preferidos a todas as consequências das possibilidades alternativas e conhecidas de regragem)” – e do Princípio do Discurso (“D”) – segundo o qual “[...] só podem reclamar validez as normas que encontrem (ou possam encontrar) o assentimento de todos os concernidos enquanto participantes de um discurso prático” –, Habermas destranscendentaliza o Imperativo Categórico de Kant, transformando­o em um discurso prático capaz de generalizar normativamente o interesse de todos, isto é, que cada um possa “[...] adotar os pontos de vista uns dos outros, exercício que leva ao que Piaget chama de uma progressiva ‘destranscendentalização’ da compreensão egocêntrica e etnocêntrica que cada qual tem de si mesmo e do mundo.” HABERMAS, Jürgen. A Ética Sobre o conceito de tolerância em Habermas 81 AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial do Discurso e a Questão da Verdade. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 10 e ss. Sobre a fundamentação da Ética do Discurso e seus pressupostos pragmático transcendentais, ver HABERMAS, Jürgen. Notas Programáticas para a Fundamentação de uma Ética do Discurso. In: Consciência moral e Agir comunicativo. Rio de Janeiro: Brasiliense, pp. 61­141. Ainda segundo Herrero, o mérito da Ética do Discurso está em permitir “[...] a participação discursiva e responsável de todo ser humano como ser livre e solidário na solução racional dos problemas da vida, oferece a fundamentação de uma ética pós­convencional e a possibilidade de uma organização da responsabilidade solidária, capaz de enfrentar os grandes desafios nacionais e mundiais que a condição humana atual nos coloca.” Cf. HERRERO, Francisco Javier. Ética do Discurso. In: OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Correntes Fundamentais da Ética Contemporânea. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 189. 25 “A democracia deliberativa é um modelo de democracia de duas camadas. As instituições relativamente formais da democracia representativa formam uma camada; as interações informais de um público que forma sua opinião em uma esfera pública bem­ordenada formam a outra. Embora informais, essas interações devem ocorrer sob certas condições, de modo que a formação da opinião seja autêntica e não coagida. Essas condições incluem certo padrão de igualdade e respeito, que suprem o conteúdo de uma esfera pública bem ordenada. Uma esfera pública democratizada ou bem ordenada deve oferecer a todos, especialmente a grupos marginalizados, a oportunidade de participar na formação, na influência e na crítica da opinião pública”. CHAMBERS, Simome. A política da Teoria Crítica. In: RUSH, Fred (Org.). Teoria Crítica. Aparecida: Ideias & Letras, 2008, p. 279. Para uma introdução crítica ao modelo de democracia deliberativa, ver CUNNINGHAM, Frank. Teorias da Democracia: uma introdução crítica. Porto Alegre: Artmed, 2009 e GUTMANN, Amy; THOMPSON, Dennis. O que significa democracia deliberativa? Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC, 2007, ano I, nº 1. 26 Sobre a ideia de reconstrução, Habermas expressa a seguinte compreensão: “Reconstrução significa, em nosso contexto, que uma teoria é desmontada e recomposta de modo novo, a fim de melhor atingir a meta que ela própria se fixou: esse é o modo normal [quero dizer: normal também para os marxistas] de se comportar diante de uma teoria que, sob diversos aspectos, carece de revisão, mas cujo potencial de estímulo não chegou ainda a se esgotar.” HABERMAS, J. Para a Reconstrução do Materialismo Histórico. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 11. A ideia de reconstrução não deve ser reduzida a um conjunto de procedimentos metodológicos que visam alcançar alguma finalidade (meramente) teórica. Antes, a reconstrução traz em seu bojo duas orientações fundamentais da teoria crítica, [I] a identificação dos potenciais emancipatórios da realidade social atual, [II] bem como a crítica e incorporação dos alcances e limites das teorias sociais não críticas (teorias tradicionais). A reconstrução é um projeto teórico que pretende liberar os potenciais (não plenamente desenvolvidos) de racionalidade inerentes à reprodução social, compreendidos enquanto fio condutor dos processos de desenvolvimento da sociedade em face às patologias sociais. Sua pretensão consiste em explorar os potenciais de racionalidade inerente à reprodução simbólica da vida social, as regras, estruturas e critérios de avaliação que orientam os processos sociais. Cf. NOBRE, Marcos; REPA, Luiz. Breve apresentação. In: NOBRE, M.; REPA, L. (Orgs.). Habermas e a reconstrução: sobre a categoria central da Teoria Crítica habermasiana. Campinas: Papirus, 2012, p. 08. 27 As sociedades pós-seculares são caracterizadas pela persistente presença da religião na esfera pública não obstante o processo de modernização social e cultural pelo qual passaram, possibilitando a verbalização (Versplachlichung) do sagrado via racionalização dos conteúdos religiosos. Habermas vê a religião como uma das fontes da solidariedade civil (staatsbürgerliche Solidarität) em função do aspecto motivacional e do potencial semântico-normativo dos seus conteúdos, que não podem ser reproduzidos tão somente pela dimensão normativa do Estado democrático liberal. Cf. HABERMAS, Jürgen. Dialética da Secularização: sobre razão e religião. 3. ed. Aparecida: Ideias & Letras, 2007; Ver também HABERMAS, Jürgen. Fé e Saber. São Paulo: UNESP, 2013; e HABERMAS, Jürgen. Nachmetaphysisches Denken II. Aufsätze und Repliken. Erste Auflage. Berlin: Suhrkamp, 2012. 28 A solidariedade civil (staatsbürgerliche Solidarität) tem como fontes: a) a formação discursiva da moral e do direito; b) o procedimentalismo democrático; e c) os potenciais semântico­ normativos dos conteúdos religiosos. Estas fontes são analisadas em suas particularidades Maikon Chaider Silva Scaldaferro AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 82 conforme o escopo dos textos habermasianos. Sobre o tema da solidariedade no pensamento habermasiano, ver HABERMAS, Jürgen. Teoria do Agir Comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. Vol. II. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2002; HABERMAS, Jürgen. Consciência Moral e Agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003; HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Vols. I e II. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003; HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro: estudos de teoria política. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2004; HABERMAS, Jürgen. Dialética da Secularização: sobre razão e religião. Aparecida, SP: Ideias & Letras, 2007; HABEERMAS, Jürgen. Entre Naturalismo e Religião: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2007; HABERMAS, Jürgen. Fé e Saber. São Paulo: UNESP, 2013; HABERMAS, Jürgen. Na esteira da tecnocracia: pequenos escritos políticos XII. São Paulo: UNESP, 2014; HABERMAS, Jürgen. Nachmetaphysisches Denken II. Aufsätze und Repliken. Erste Auflage. Berlin: Suhrkamp, 2012. 29 Cf. FORST, Rainer. Os Limites da Tolerância. Novos Estudos Cebrap, ed. 84, jul. 2009, pp. 15­29, p. 21; Cf. FORST, The Limits of Toleration. Constellations. vol. 11, n. 3, 2004, pp. 313­325, p. 316. 30 Cf. FORST, Os Limites da Tolerância, p. 28; Cf. FORST, The Limits of Toleration, p. 322. 31 LAFONT, Cristina. Religion and The Public Sphere: What are the obligations of democratic citizenship? In: CALHOUN, Craig; MENDIETA, Eduardo, VANANTWERPEN, Jonathan. Habermas and Religion. Cambridge: Polity Press, 2013, p. 23. 32 Cf. FORST, Rainer. Toleration, Justice and Reason. In: McKINNON, Catriona; CASTIGLIONE, Dario (Ed). The culture of toleration in diverse societies. Reasonable tolerance. Manchester: Manchester University Press, 2003, p. 74. Em suas análises sobre o conceito de tolerância, Rainer Forst tem apresentado quatro (4) concepções de tolerância que representam diferentes compreensões deste conceito: I) Tolerância como permissão; II) Tolerância como coexistência; III) Tolerância como respeito; IV) Tolerância como estima. Sobre o conceito de tolerância como coexistência, Forst expressa o seguinte: “The second conception, which can be called the co­existence conception, is similar to the permission conception in regarding toleration as the best means to end or avoid conflict. Here also toleration is not understood as a value in itself or as a moral duty: it is primarily justfied in a pragmatic­instrumental way.” FORST, Toleration, Justice and Reason, p. 74. Ver também FORST, Rainer. Toleration and Democracy. Journal of Social Philosophy, vol. 45, nº 01, Spring 2014, pp. 65­75. 33 Cf. ARAÚJO, Luiz Bernardo Leite. Tolerância e Reconhecimento em Habermas. In: MARTINS, Cléia Aparecida; POKER, José Geraldo (Orgs). Reconhecimento, Direito e Discursividade em Habermas. São Paulo: FAP­UNIFESP, 2014, p. 278. 34 Cf. HABERMAS, Entre Naturalismo e Religião, p. 279. 35 Acerca da concepção de tolerância como permissão, Forst afirma: “Here, toleration is a relation between na authority or a minority and a dissenting, ‘different’ minority (or various minorities). Toleration then means that the authority (or majority) gives qualified permission to the members of the minority to live according to their beliefs on the condition that the minority accepts the dominant position of the authority (or majority). As long as the expression of their difference is limited – that is, is na exercitium privatum, as it was traditionally called – and as long as the groups do not claim equal public and political status, they can be tolerated on both pragmatic and principled grounds.” FORST, Toleration, Justice and Reason, p. 73. 36 Cf. FORST, Toleration, Justice and Reason, p. 73­74. 37 Cf. HABERMAS, A tolerância religiosa como precursora de direitos culturais, p. 279. 38 HABERMAS, A tolerância religiosa como precursora de direitos culturais, p. 280. 39 HABERMAS, A tolerância religiosa como precursora de direitos culturais, p. 280. 40 HABERMAS, Jürgen. Passado como futuro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993, p. 112. 41 HABERMAS, Jürgen. Intolerância e discriminação. Perspectiva Filosófica, vol. 2, nº 40, 2013, p. 02. 42 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 03. 43 HABERMAS, A tolerância religiosa como precursora de direitos culturais, p. 280. 44 Cf. RAWLS, John. O liberalismo político. Ampl. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, 70 e ss. 45 Cf. HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 03. 46 Cf. HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 03. 47 HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro: estudos de teoria política. 2. ed. São Paulo: Sobre o conceito de tolerância em Habermas 83 AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial Loyola, 2004, p. 83. Conforme a descrição consagrada por John Rawls, em O liberalismo político, “a razão pública é característica de um povo democrático: é a razão de seus cidadãos, daqueles que compartilham do status da cidadania igual. O objeto da razão dos cidadãos é o bem do público, aquilo que a concepção política de justiça requer da estrutura básica institucional da sociedade e os propósitos e fins a serviço dos quais tal estrutura deve se colocar. A razão pública, então, é pública de três maneiras; como a razão dos cidadãos como tais, é a razão do público; seu objeto é o bem do público, além de questões de justiça fundamental; e sua natureza e seu conteúdo são públicos, uma vez que são determinados pelos ideais e princípios expressos pela concepção política de justiça da sociedade e são conduzidos à vista de todos sobre essa base.” RAWLS, John. O liberalismo político. Ampl. São Paulo: WMF Martins Fontes, 250­251. Em O direito dos povos, Rawls afirma que “[...] a forma e o conteúdo dessa razão [pública] – a maneira como é compreendida pelos cidadãos e como ela interpreta sua relação política – são parte da própria ideia de democracia. Isso porque uma característica básica da democracia é o pluralismo razoável – o fato de que uma pluralidade de doutrinas abrangentes razoáveis e conflitantes, religiosas, filosóficas e morais, é o resultado normal da sua cultura de instituições livres. Os cidadãos percebem que não podem chegar a um acordo ou mesmo aproximar­se da compreensão mútua com base nas suas doutrinas abrangentes irreconciliáveis. Em vista disso, precisam considerar que tipos de razões podem oferecer razoavelmente um ao outro quando estão em jogo perguntas políticas fundamentais. Proponho que, na razão pública, as doutrinas abrangentes de verdade ou direito sejam substituídas por uma ideia do politicamente razoável dirigido aos cidadãos como cidadãos. É central para a ideia de razão pública que ela não crítica nem ataca nenhuma doutrina abrangente, religiosa ou não, exceto na medida em que essa doutrina seja incompatível com os elementos essenciais da razão pública e de uma sociedade política democrática. A exigência básica é que uma doutrina razoável aceite um regime democrático constitucional e a lei legítima que o acompanha. Embora as sociedades democráticas dirvijam quanto às doutrinas específicas que nelas são influentes e ativas – como diferem nas democracias ocidentais da Europa, Estados Unidos, Israel e Índia –, encontrar uma ideia adequada de razão pública é um interesse que confronta a todas elas.” RAWLS, John. O direito dos povos. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 173­174. 48 HABERMAS, Jürgen. Reconciliación mediante el uso público de la razón. In: HABERMAS, Jürgen; RAWLS, John. Debate sobre el liberalismo político. 1. ed. 5. imp. Barcelona: Paidós, 2014, p. 60. 49 FORST, Os Limites da Tolerância, p. 19. 50 FORST, Os Limites da Tolerância, p. 29. 51 FORST, Os Limites da Tolerância, p. 29; HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 03. Recentemente, no Brasil, uma médica pediatra recusou o atendimento ao filho de uma suplente de vereador pelo Partido dos Trabalhadores – PT, em Porto Alegre. Em meio à crise institucional e da representação na política brasileira, em que a alta cúpula do PT vinculada ao poder executivo federal é acusada de participação em crimes ligados à corrupção, acusação que paira sobre o ex­presidente e a atual presidenta da República, a médica apresentou como justificativa para a negação a qualquer atendimento médico futuro o seguinte argumento: “Depois de todos os acontecimentos da semana e culminando com o de ontem, onde houve escárnio e deboche do Lula ao vivo e a cores, para todos verem, eu estou sem a mínima condição de ser pediatra do teu filho.” E ainda: “Estou profundamente abalada, decepcionada e não posso de forma nenhuma passar por cima dos meus princípios”, [...] "em caráter irrevogável." Ao que segue, a suplente de vereador afirmou que se trata de “[...] um caso de intolerância política que ultrapassou todos os limites. Quando as crianças começam a ser atingidas, realmente precisamos parar para refletir. A polarização ideológica, que deveria gerar um debate político, está gerando apenas violência, discriminação e ataques.” Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/politica/medico­pode­se­recusar­a­atender­paciente­por­ divergencia­politica. Acesso em: 03/04/2016. Conforme as análises de Habermas e Forst, este é um exemplo típico de discriminação política, mas não intolerância. Não há dissonância cognitiva vinculada a visões de mundo conflitantes e inconciliáveis. O Código de Ética do Conselho Federal de Medicina estabelece no Capítulo I, Item VII, que “o médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje”, salvo na condição em que não haja outro médico para prestar o atendimento ou em caso de emergência. O artigo 36 do Capítulo V do Código de Ética prevê ainda que o médico pode abandonar Maikon Chaider Silva Scaldaferro AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 84 tratamento médico já iniciado “ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional”. A alegada “reserva de consciência” informada pela médica em função dos argumentos publicamente apresentados não se justifica com base na ideia de “razão pública” e do “uso público da razão”, tal como apresentados Rawls e seguido por Habermas e Forst. O “direito à justificação”, segundo Forst, requer uma explicitação pública das razões que um indivíduo levanta para justificar uma prática ou norma com caráter vinculante socialmente. A apresentação destas razões na esfera pública representa um elemento inexorável dos “contextos de justificação”. Sobre isto, ver FORST, Rainer. Das Recht auf Rechtfertigung. Elemente einer konstruktivistischen Theorie der Gerechtigkeit. 6. Auflage. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2012, especialmente os Capítulos 1 e 2. Convém ressaltar que a Constituição Federal – CF de 1988, em seu artigo 3º, inciso IV, veda expressamente qualquer tipo de ato discriminatório ou de preconceito, constituindo um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. A meu ver, a CF acerta ao falar em “preconceito” e “discriminação”, pois à luz de uma interpretação principológica do texto legal, há um equívoco na interpretação, por parte da médica, acerca do que significa “reserva de consciência”, e o Código de Ética Médica dever ser interpretado a partir dos dispositivos legais previstos na CF, e não de maneira autárquica. A divergência política em questão é de caráter ideológico, e não se encontra baseada em uma doutrina abrangente (comprehensive doctrine) que possa fornecer um motivo íntimo eticamente relevante e público para negar o atendimento médico, como no caso do aborto, por exemplo, em que um médico pode se negar a realizar tal procedimento em razão de uma compreensão religiosa acerca do valor da vida informado pela religião que este professa (objeção de consciência). Portanto, há limites para a “reserva de consciência”, pois nem todo argumento pessoal (privado) contém razões que o tornam, além de eticamente relevante, públicamente justificável na perspectiva do moral point of view, isto é, adotável por qualquer outra pessoal em situação similar de conflito moral. Não podemos nem reivindicar que a médica seja tolerante para com a “mãe petista” do seu paciente, nem nós mesmos sermos tolerantes para com a atitude da “médica antipetista”, pois não é a tolerância que está em jogo aqui, mas a violação expressa de pelo menos dois direitos fundamentais do cidadão, o direito a saúde e o direito ao tratamento médico adequado, sem deixarmos de mencionar a dignidade humana. 52 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 03. 53 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 83. 54 HABERMAS, A tolerância religiosa como precursora de direitos culturais, p. 280; FORST, Os limites da tolerância, p. 20; FORST, Toleration, justice and reason, p. 74. 55 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 84. E ainda: “‘Reasonable comprehensive doctrines’ distinguem­se afinal por meio do reconhecimento dos ‘burdens of proof’, de modo que comunidades de fé concorrentes possam aceitar – ‘for the time being’ – uma ‘reasonable disagreement’ como fundamento de sua convivência pacífica.” HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 84. 56 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 84. 57 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 85. 58 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 105. 59 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 142. 60 HABERMAS, A tolerância religiosa como precursora de direitos culturais, p. 280. 61 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 170. 62 FORST, Os limites da tolerância, p. 19. 63 FORST, Contextos da Justiça, p. 287. 64 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 03. 65 A (possível) ambivalência pode ser observada no § 6 do texto Intolerância e discriminação (na tradução brasileira supramencionada) e no § 5 de Intolerance and discrimination (no original em inglês supramencionado), publicada em I. CON., Oxford University Press and New York University School of Law, v. 1, n. 1, 2003, pp. 2­12. Reproduzo aqui (tradução e no original) a passagem em questão: “This norm of equal inclusion of every citizen must be universally recognized within a political community before we can mutually expect tolerance from one another. It is this shared standard of non­discrimination that first provides the moral and constitutional reasons for toleration, exactly those reasons that trump the first­order epistemic reasons for a rejection of the other’s persons merely Sobre o conceito de tolerância em Habermas 85 AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial tolerated truth claims.” HABERMAS, Intolerance and discrimination, p. 03­04; “A norma da igual inclusão de todos os cidadãos dever ser reconhecida universalmente no interior de uma comunidade política antes que esperemos tolerância mútua de uns para com os outros. É este padrão compartilhado de não­discriminação que inicialmente provê as razões morais e constitucionais para a tolerância, exatamente as razões que suplantam as razões epistêmicas de primeira ordem para a rejeição das reivindicações da verdade meramente toleradas dos outros.” HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 03. 66 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 02. 67 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 04. 68 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 85. 69 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 85. 70 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 84. 71 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 84. 72 Cf. HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 84; Cf. ARAÚJO, Luiz Bernardo Leite. Apresentação à edição brasileira. In: HABERMAS, Jürgen. Fé e Saber. São Paulo: UNESP, 2013, p. XIV­XVI. 73 Cf. HABERMAS, Jürgen. Dialética da Secularização: sobre razão e religião. 3. ed. Aparecida, SP: Ideias & Letras, p. 24, p. 32; HABERMAS, Jürgen. Fé e Saber. São Paulo: UNESP, 2013, p. XIX. 74 ARAÚJO, Luiz Bernardo Leite. Apresentação à edição brasileira. In: HABERMAS, Jürgen. Fé e Saber. São Paulo: UNESP, 2013, p. XIX. 75 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 85. 76 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 85. 77 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 85. 78 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 86. 79 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 86. 80 Cf. HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 86. 81 Cf. ARAÚJO, Luiz Bernardo Leite. Apresentação à edição brasileira. In: HABERMAS, Jürgen. Fé e Saber. São Paulo: UNESP, 2013, p. XVII. 82 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 04. 83 Ver SPINOZA, Baruch. Tratado Teológico-Político. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 84 Ver LOCKE, John. Carta sobre a Tolerância. In: LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo Civil e outros escritos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994, pp. 235­289. 85 Ver VOLTAIRE. Tratado sobre a Tolerância: a propósito da morte de Jean Calas. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 86 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 04. 87 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 04. 88 “Mufti” (em árabe: ‫ ;ﻱِﺕْﻑُﻡ‬transl.: muftī) é o nome dado ao acadêmico ou especialista islâmico reconhecidamente autorizado por sua capacidade a interpretar a Lei Islâmica (“Charia”), podendo emitir uma “fataawa” ou "fatwas", isto é, uma interpretação legal no Islamismo sobre um tema específico ou controverso, mediante a solicitação de um particular ou juiz, esclarecendo a fiqh, a jurisprudência islâmica. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mufti; https://pt.wikipedia.org/wiki/Fatwa. Acesso em: 07/04/2016. 89 HABERMAS, A tolerância religiosa como precursora de direitos culturais, p. 281; HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 05. 90 HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 43. 91 Cf. HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 05; HABERMAS, A tolerância religiosa como precursora de direitos culturais, p. 281. 92 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 05; HABERMAS, A tolerância religiosa como precursora de direitos culturais, p. 281. 93 FORST, Os limites da tolerância, p. 16; Na versão em inglês, FORST, The Limits of Toleration, p. 313. 94 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 05; HABERMAS, A tolerância religiosa como precursora de direitos culturais, p. 281. 95 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 05. 96 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 06. 97 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 06. 98 HABERMAS, Dialética da Secularização, p. 54. 99 Habermas estabelece a distinção entre a esfera pública “informal”, composta por associações privadas (sindicatos), instituições culturais (academias de ciências e artes), grupos de Maikon Chaider Silva Scaldaferro interesse com preocupações públicas (associação de moradores), igrejas, instituições de caridade, entre outras, e a esfera pública “formal”, constituída pelo parlamento (poder legislativo), tribunais de direito (poder judiciário), instituições do governo e da administração (poder executivo). Cf. HABERMAS, Entre Naturalismo e Religião, p. 147. AUFKLÄRUNG, João Pessoa, v.4, p.61­86, abril, 2017, Edição Especial 86 100 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 08. 101 Cf. HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 09. 102 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 10. 103 Cf. HABERMAS, A Inclusão do Outro, p. 170. 104 Sobre isto, ver KYMLICKA, Will. Multicultural Citizenship: A Liberal Theory of Minority Rights. New York: Oxford University Press, 2003. (Reprinted in Paperback). Para o tema da “cidadania multicultural”, ler o Capítulo 2 – As Políticas do Multiculturalismo, p. 10­ 33. O tema da tolerância é apresentado no Capítulo 8 – Tolerância e seus limites, p. 152­ 172. 105 CF. HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 10. “Pessoas naturais” são aquelas que formam suas identidades a partir da socialização em contextos de comunicação e reconhecimento mútuo, consolidando suas identidades, articulando seu autoconhecimento ao desenvolvimento dos seus planos de vida. 106 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 11. 107 Cf. HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 11. 108 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 11. 109 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 13. 110 Cf. HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 13. 111 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 13. 112 HABERMAS, Intolerância e discriminação, p. 13. 113 Cf. FORST, Rainer. The Limits of Toleration. Constellations. vol. 11, nº 3, 2004, pp. 313­ 325. 114 Cf. FORST, Os Limites da Tolerância, p. 15; p. 18. 115 Cf. FORST, Os Limites da Tolerância, p. 22. 116 Cf. FORST, Os Limites da Tolerância, p. 22. 117 FORST, Os Limites da Tolerância, p. 23. 118 FORST, Os Limites da Tolerância, p. 23. 119 Cf. LAFONT, Religion and The Public Sphere: What are the obligations of democratic citizenship?, p. 43. 120 LAFONT, Religion and The Public Sphere: What are the obligations of democratic citizenship?, p. 13­14. 121 LAFONT, Religion and The Public Sphere: What are the obligations of democratic citizenship?, p. 29. 122 FORST, Os Limites da Tolerância, p. 21. 123 Cf. HABERMAS, Entre Naturalismo e Religião, p. 155. 124 Cf. HABERMAS, Entre Naturalismo e Religião, p. 158; Cf. LAFONT, Religion and The Public Sphere: What are the obligations of democratic citizenship?, p. 32­33. 125 Cf. ARAÚJO, Luiz Bernardo Leite. Apresentação à edição brasileira de Fé e Saber. In: HABERMAS, Jürgen. Fé e Saber. São Paulo: UNESP, 2013, p. XVI. 126 Cf. HABERMAS, Dialética da Secularização, p. 14.