Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba - PR – 04 a 09/09/2017
TV News Archive como construto e lugar de memória na web1
Gustavo Daudt Fischer2
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS
Resumo
O presente artigo propõe discutir o TV News Archive, projeto online de arquivamento de
programas de notícia de emissoras norte-americanas, vinculado ao Internet Archive
(www.archive.org). Ao dissecar (Kilpp, 2010) e escavar (Huhtamo, 1997) algumas de
suas interfaces e lógicas operativas, identificamos devires da tecnocultura televisiva (mais
“editoriais” e da própria web (mais “formais”) produzindo tensões dialéticas que nos
permitem avançar sobre a compreensão deste fenômeno como um construto de memória,
ao qual associamos os debates de Kilpp (2005) sobre televisão e memória e Pierre Nora
(1993) sobre os lugares de memória.
Palavras-chave: web, TV News Archive, memória, televisão.
Introdução
Ao longo dos últimos anos, temos cartografado e discutido as características de
diversas iniciativas presentes no ambiente online que temos chamado de “construtos de
memória” de materiais midiáticos (da própria web ou de outros meios, como a televisão)
e de softwares. Neste mapa de ocorrências, encontramos desde ideias que se posicionam
com ambições de amplo arquivamento de produtos culturais diversos, como o Internet
Archive (que será mencionado novamente neste texto) até iniciativas mais experimentais
como The Restart Page e do projeto One Terabyte of Kilobyte Age, ambos debatidos
anteriormente (Fischer, 2015 e 2016, respectivamente)3. A observação destes fenômenos
passa por três questões norteadoras. A primeira é de ordem tecnocultural, nos
perguntando o que estas iniciativas dizem sobre o nosso tempo, na medida em que
entendemos que estes construtos operam como resposta ao devir da obsolescência
programada que se estende não apenas para produtos no sentido estrito do termo, mas
também para a própria produção midiática. A segunda diz respeito a problematizar essas
iniciativas como imagens dialéticas - aqui inscreve-se a proposta Benjaminiana neste
1
Trabalho apresentado no GP Estudos de Televisão e Televisualidade do XVII Encontro dos Grupos de Pesquisa em
Comunicação, evento componente do 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da UNISINOS, email:
[email protected]
3 Estas e outras produções compõe o projeto de pesquisa “Memória das/nas interfaces: do audiovisual às
audiovisualidades soterradas” e pode ser localizado em www.memorianasinterfaces.com.br
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sentido, tal qual Didi-Huberman (1998) retoma e atualiza – dentre as quais as de
lembrança e do esquecimento brilham fortemente, em um movimento que nos leva para
a terceira angulação da qual nos deteremos de forma um pouco mais enfática neste
trabalho através do contato com um dos observáveis de nossa pesquisa, o TV News
Archive: que construto de memória é esse, dadas as especificidades de suas lógicas
operativas4 e da própria discussão específica da relação entre televisão e memória? Para
tanto, a ideia de construto recebe contribuições a partir da proposta de Pierre Nora sobre
lugares de memória, e a relação entre televisão e memória traz alguns apontamentos
provocativos de Kilpp (2005). O TV News Archive, por sua vez, tem algumas de suas
interfaces dissecadas e escavadas, aproximando nos de duas operações metodológicas que
entendemos complementares, conforme propõe Kilpp (2010) e Huhtamo (1997),
respectivamente. Ao fina, tecemos algumas reflexões, considerado o quadro aqui
montado.
Aproximações teórico-metodológicas para refletir sobre os construtos de memória
na web
Já mencionamos em trabalhos anteriores (Fischer, 2015) a perspectiva de
entendermos a web como solo, terreno e portanto potente de ser escavada para dar a ver
aspectos usualmente menos recorrentes nas pesquisas em Comunicação, que costuma
interessar-se – sem demérito a isso - por fenômenos que se estabelecem no campo do
online muitas vezes voltadas para a discussão da atualização dos ofícios ou dos produtos
midiáticos (os “novos” jornalismos, a publicidade “2.0”, etc.) e da presença ubíqua das
redes sociais em diferentes práticas de afirmação identitária, mobilizações sociais, etc. Já
os aspectos que nos interessam dizem respeito a reflexões que advém continuamente do
desejo por observar “as tendências comunicacionais, memoriais, projetuais e
experimentais do audiovisual, inscrevendo-o em um campo heterogêneo de formatos,
suportes e tecnologias que atravessam e transcendem as mídias, por convergência e
dispersão”5, conforme nossa filiação através do grupo de pesquisa Audiovisualidades e
Tecnocultura: comunicação, memória e design (TCAv). Do ponto de vista metodológico,
faremos movimentos escavatórios, inspiradas por reflexões em amadurecimento a partir
4
Por lógicas operativas entendemos o conjunto de procedimentos identificáveis nas interfaces que fazem com que
um website oferte suas características específicas para um usuário.
5
Fonte: http://tecnoculturaaudiovisual.com.br/?p=151 (Acesso julho de 2015)
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de convocações dos estudos de arqueologia da mídia (Huhtamo, 1997) e em combinação
com as ideias de Kilpp (2010) em relação aos processos de dissecação das imagens que
temos buscado realizar no âmbito da web.
O que articula a perspectiva das audiovisualidades e da tecnocultura com estes
acionamentos metodológicos passa por algumas considerações sobre a ideia de memória
que nos interessa aqui, na medida em que ela opera dialeticamente, tal qual Deleuze
(1999) sintetiza a proposta de Henri Bergson sobre o misto enquanto constituído por duas
tendências6. De um lado, temos a memória como uma virtualidade, uma duração que
permite que pensemos as coisas mais em função do tempo do que do espaço. A outra
tendência, coalescente a essa é da ordem dos atuais, das materialidades que especializam
o tempo. Essa é uma noção importante para pensarmos que qualquer meio, imagem
técnica, produto midiático, etc. É nesse sentido que podemos problematizar “um campo
heterogêneo de formatos”, como é o caso do TV News Archive, e perceber nas suas
interfaces e lógicas operativas, diferentes camadas de memórias dos meios televisivo e da
web em tensionamento.
A ideia de um construto de memória na web para abrigar, organizar, indexar,
catalogar, exibir materiais midiáticos tem permitido diversas reflexões sobre devires
preservacionistas, nostálgicos e efêmeros da web. No caso do TV News Archive,
poderíamos acrescentar de forma específica, os debates a respeito da memória da
televisão, conforme afirma Kilpp (2005) ao pensar estas relações com ênfase no Brasil:
“[c]onhecer os modos como a televisão produz memória e os modos mais ou menos
discretos que ela usa para sabotar memória é uma questão estratégica para a pesquisa (...).
A autora avança para propor três questões decorrentes desta afirmação, na perspectiva de
pensar “as associações mais ou menos fortes entre memória e televisão” no imaginário: a
necessidade de uma retomada crítica sobre as relações emblemáticas entre televisão e
história, a tensão entre a noção de memória nacional e memória televisiva,
constantemente replicada pelas possibilidades de remakes e reprises (possíveis desde a
chegada do videoteipe) e, finalmente, a necessidade de reivindicar o direito a acessar as
imagens produzidas pela televisão, na perspectiva de Derrida (1998) quando trata do
“direito de mirada”: “[o] fato de ter acesso a estes arquivos, poder analisar seu conteúdo,
6
As reflexões de Henri Bergson vem, em especial, do livro Matéria e Memória (1999).
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as modalidades de seleção, interpretação, manipulação que presidiram sua produção e
circulação, tudo isto é portanto um direito do cidadão” (p.51)7.
Além da articulação com o televisivo, queremos convocar algumas considerações
a partir do historiador francês Pierre Nora (1993) com relação as dimensões de história e
memória, com ênfase na sua proposta sobre “lugares de memória. ” A visão do autor
sobre a memória como “aberta a permanente evolução” e “vulnerável a todos os usos e
manipulações, suscetível de longas latências e de repentinas revitalizações” (p. 9) vai
tanto ao encontro da ideia de virtual-atual em Bergson como das observações de Kilpp
sobre a tensa relação entre a televisão e memória nacional. Para compreender melhor esta
questão, avançamos para a síntese de Vieira (2015) sobre a ideia de lugares de memória
em Nora:
Pierre Nora observa que vivemos a aceleração da história, que produz, cada vez
mais rapidamente, um passado morto, a percepção geral de algo desaparecido
(1993, p. 7). Para o autor, a mundialização, a democratização, a massificação, a
midiatização causaram o desmoronamento da memória: o fim das sociedadesmemória, que asseguravam a conservação e transmissão de valores; o fim das
ideologias-memória, que garantiam a passagem regular do passado para o futuro
ou indicavam o que se deveria reter do passado para preparar este futuro (idem,
p. 8). Os lugares de memória nascem e vivem, portanto, do sentimento de que
não há memória espontânea, de que é preciso criar arquivos (...) (p.1, online).
Avançando para a nossa tecnocultura, a ideia de lugar de memória viria para Nora
“na contramão do excesso de arquivo” (Pinto, 2013). Este frenesi por arquivamento
também é mencionado por Manovich (2000) quando fala da tendência digitalizadora que
chegava com o surgimento das chamadas novas mídias computacionais e por Beigelmann
(2014) quando se preocupa sobre as obras de “net art” cuja existência é altamente
contextual:
[N]unca se falou tanto de memória como hoje em dia, e nunca foi tão difícil ter
acesso ao nosso passado recente. Difícil negar. Poucas palavras tornaram-se tão
corriqueiras no século XXI como “memória”. (...) [A] memória converteu-se um
aspecto elementar do cotidiano. Tornou-se um dado quantificável, uma medida e
até um indicador de status social” (p.2).
Suely Pinto (2013), outra leitora de Nora, esclarece a especificidade do lugar de
memória:
7
El hecho de tener acceso a esos archivos, poder analizar su contenido,las modalidades de selección, interpretación,
manipulación que presidieron su producción y circulación, todo eso es por lo tanto um derecho dei ciudadano.
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Não seriam ações de comemoração, como bem lembrou Nora (1993), mas de
subjetivação do espaço. Deixar vir os fantasmas de tempos diante de um nãotempo, de um não-dito, de um não-lugar. Memórias de um grupo singular e não
de um sujeito institucionalizado, eleito como detentor de poder corroborado pelos
vestígios documentais institucionais (p. 91).
Seria possível – e, em última instância – necessário, avançar mais nesta reflexão
sobre os lugares de memória, mas o faremos, de forma parcial, durante e após um percurso
escavatório inicial sobre o TV News Archive. A ideia de escavação é entendida por nós
como uma proposta que tem no procedimento de dissecação um de seus acionamentos.
Segundo Kilpp (2010), se trata de um procedimento técnico para retirar as imagens de
seu fluxo habitual (no nosso caso, o da web e da autora, a televisão) e permitir que se
façam intervenções sobre elas (não necessariamente plasticamente identificadas como tal,
mas também), autenticando determinadas lógicas, operações, características, estratégias
que costumam se dar uma zona de maior opacidade, considerando que nossos
acionamentos como espectadores ou usuários vai em direção a objetivos mais brilhantes
(fruir a novela, curtir uma publicação em uma rede social, etc). Ao dissecar determinadas
imagens, poderemos realizar escavações de determinados tempos, durações, memórias
que ali se inscrevem, ou ainda diríamos, produziremos camadas.
Camadas são estratificáveis e arqueologizáveis (dissecáveis, rastreáveis,
autenticáveis) e nos permitem ver que tempos – profundos e mais à tona coalescem, que
elementos são memoriais, enfim, o que nelas dura de midiático, audiovisual, tecnológico,
gráfico. Ou, em uma aproximação com a reflexão de Erkki Huhtamo (1997) a respeito da
arqueologia da mídia, a escavação objetiva “estudar elementos e motivos cíclicos que
subjazem e guiam o desenvolvimento da cultura da mídia. ”8
É nessa perspectiva que ingressamos no TV News Archive, problematizando
memória e lugar de memória, entre a web e a televisão e produzindo movimentos
dissecatórios e de escavação.
Conhecendo o TV News Archive
Criado em setembro de 2012, o TV News Archive compõe um dos diferentes
serviços de acesso a materiais originários de diferentes suportes, linguagens e tempos que
8
Há outros desdobramentos para o debate sobre as escavações em Huhtamo e a relação com as culturas midiáticas do
passado que pode ser buscada em Simone Natale (2015).
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estrutura uma iniciativa macro chamada Internet Archive (www.archive.org), que se
autodenomina como “uma biblioteca sem fins lucrativos e gratuita de milhões de livros,
filmes, softwares, música, websites e mais. ” Dentre as diferentes sessões desta macrobiblioteca, encontram-se serviços de busca pelo “passado” da web através do serviço
“Wayback Machine” que além de também constituir-se como um construto de memória,
tornou-se um importante recurso mídio-arqueológico na execução das escavações em
trabalhos anteriores (ver Fischer, 2015), além de emuladores de games (Classic PC
Games9), repositórios de áudio, etc10. Em relação ao TV News Archive, encontramos ainda
as seguintes afirmações sobre o serviço:
Lançada em setembro de 2012, este serviço de biblioteca de pesquisa tem como
objetivo aprimorar as capacidades de jornalistas, acadêmicos, professores,
bibliotecários, organizações civis e outros cidadãos engajados. Ele redireciona o
close caption para permitir aos usuários a busca, citação e empréstimo de
programas de notícias televisivos norte-americanos. Disponível sem custo, o
público pode usar o índice de texto rastreável e clips de streaming curto para
explorar as notícias televisivas, descobrir importantes recursos, compreender
contextos, avaliar assertividade dos fatos, engajar com outros e compartilhar
percepções. (...) A biblioteca de pesquisa contém mais de 1.396.000 programas
de notícias coletados ao longo de mais de 4 anos de redes e estações nacionais
dos Estados Unidos em San Francisco e Washington D.C. O arquivo é atualizado
com novas transmissões 24 horas depois de serem exibidos. Materiais mais
antigos também estão sendo adicionados. (TV NEWS ARCHIVE, online, acesso
julho/2017)11.
Acrescentamos, também, na Figura 1, a captura da interface inicial do serviço
(Figura 1), da qual queremos destacar, em nossa dissecação, quatro elementos, indicados
graficamente e com letras de “a” até “d”.
9
https://archive.org/details/classicpcgamesb
De certa forma, esta gigantesca biblioteca que abriga múltiplas mídias reflete uma das tensões/dialéticas mais fortes
da web que poderíamos chamar de seus processos de centralização-descentralização, na medida em que convivem
projetos mais “fechados” (como será o caso do TV News Archive) com espaços abertos e destinados ao público em
geral colocar seus próprios conteúdos (como se fossem doações a biblioteca).
10
11
Launched in September 2012, this research library service is intended to enhance the capabilities of journalists,
scholars, teachers, librarians, civic organizations and other engaged citizens. It repurposes closed captioning to enable
users to search, quote and borrow U.S. TV news programs. Available at no charge, the public can use the index of
searchable text and short streamed clips to explore TV news, discover important resources, understand context, evaluate
assertions of fact, engage with others and share insights. (...) The research library contains more than 1,396,000 news
programs collected over 4+ years from national U.S. networks and stations in San Francisco and Washington D.C. The
archive is updated with new broadcasts 24 hours after they are aired. Older materials are also being added.
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a
b
c
d
a
Figura 1: Captura da interface inicial do TV News Archive – Fonte: https://archive.org/details/tv (acesso em
julho/2017).
Na região marcada “a”, percebemos inicialmente a inscrição do TV News Archive
dentro do Internet Archive (nos termos de Kilpp) através da presença das barras pretas
superior e inferior que funcionam como organizadoras da navegação por outros serviços
da macro biblioteca. Apesar de imageticamente menos protagonista que o restante da
interface do serviço, esta presença das barras enfatiza ao usuário que ele pode transitar
para outros construtos de memória e, simultaneamente, encontra-se permanentemente na
camada “Internet Archive” da experiência. É também na barra inferior que encontramos
o link “about” no qual foi possível, ao clicá-lo, chegar a textos que descrevem o serviço.
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Além do que expusemos anteriormente, ali também é colocado que a proposta é inspirada
em outra iniciativa de memorialização da televisão norte-americana, a Vanderbilt
University’s Television News Archive Project12 que, embora informe que vem gravando
e arquivando programas televisivos de notícias desde 1968 (muito mais abrangente nesse
caso que o TV News Archive, não disponibiliza o material online, trabalhando com acesso
para membros-patrocinadores. O destaque que damos a esta informação nos auxilia em
duas especulações. Primeiro, se podemos considerar que em nossa sociedade perdura um
devir preservacionista, nos parece que nos EUA a televisão é entendida como um de seus
produtos culturais mais relevantes e, adicionalmente, as “news” ocupam um espaço
privilegiado nessa perspectiva, a televisão “séria”, que informa, reporta fatos. Segundo,
o TV News Archive, ainda que não deixe de citar sua inspiração em um outro arquivo, o
faz discretamente e assim acaba por incorporar uma característica forte das produções da
web (independente de suas intenções arquivadoras ou não): enunciar-se inaugural, inédita,
ainda que suas especificidades sejam relevantes a ponto de seguirmos avançando em
nossas escavações.
A região designada como “b” abriga uma importante parte da experiência pelo TV
News Archive e que esteticamente replica a recorrente proposta de diversos mecanismos
de busca da web em que o nome do serviço é justaposto a “search box” na qual o usuário
digita o (s) termo (s) que deseja pesquisar. É preciso, no entanto, atentar para o texto préinserido na caixa de busca que avisa “busque pelas legendas ocultas (closed captions) de
2009 até ontem”, pois ao seu lado, encontra-se um asterisco que, ao ser clicado abre uma
janela sobre a interface inicial permitindo que o usuário configura novos filtros,
lembrando outra vez uma prática canônica das interfaces web, a chamada busca avançada.
Figura 2: Excerto da página inicial do TV News com destaque para a busca avançada. Fonte:
https://archive.org/details/tv (acesso em julho/2017).
12
https://tvnews.vanderbilt.edu/ Acesso julho/2017
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Ainda temos nesta região, logo abaixo, de quatro informações complementares
que “vendem” as principais características do serviço, a saber: “BUSQUE pelo sistema
de legendas ocultas de programas de notícias norte-americanos”, “COMPARTILHE
trechos de programas customizáveis e rastreie sua popularidade”, “VEJA trechos de
1.400.000 programas desde 2009”, “PEGUE POR EMPRÉSTIMO um DVD de qualquer
programa completo”. Nesta região “b” novamente a camada da web impõe-se fortemente
através do design que convoca nossa imagens-lembrança (Bergson, 1999) de outros
mecanismos de busca (o fundo branco googliano, a caixa de busca centralizada) e da
possibilidade de encontrar trechos dentre mais de 1,4 milhão catalogados com ênfase na
quantidade, justificando a ideia de um banco de dados, uma característica durante dos
ambientes online.
A região “C” apresenta, aparentemente, escolhas editoriais por parte do TV News
Archive, dando ênfase na página principal do serviço diferentes critérios de curadoria dos
programas ou trechos. Estes conjuntos não são iguais entre si: o primeiro, Special
Collections, é constituído por diferentes “coleções” (10 coleções separadas em conjuntos
de 5 por navegação “lateral”) uma das práticas mais facilmente reconhecíveis em diversas
iniciativas molduradas pelo Internet Archive. Ao clicar em uma destas coleções, por
exemplo, “Trump Archive”, o usuário passa para uma nova página, na qual vai encontrar
mais modos de organização dos trechos de vídeo, descrição da coleção, etc, conforme
figura a seguir:
Figura 3 Excerto da coleção "Trump Archive". Fonte: https://archive.org/details/trumparchive (acesso em julho/2017)
As outras formas de reunir partem da unidade trechos (e não coleções, como no
caso anterior) de programas presentes na interface inicial e organizam-se em três
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conjuntos: “Recent Factchecks” (Recentes Comprovações de Fatos) com 30 trechos de
vídeos, “Recent Quotes” (Citações Recentes) com 25 trechos de vídeos e “Trending
Yesterday” (aqui, em uma tradução mais livre, o que estava em evidência ontem),
novamente com 30 trechos de vídeos13 . Não gratuitamente falamos em escolhas editoriais
em relação a disponibilização de determinadas coleções neste espaço. Nos parece que o
TV News Archive se preocupa em fazer a televisão contemporânea norte-americana
coalescer como memória com o arquivo de notícias além de, também, inserir o dna da
web nas suas lógicas operativas. Por um lado, as coleções “Trump Archive” e “Recent
Factchecks” remetem ao estado atual dos programas de “News” norte-americanos na sua
relação com o atual presidente Donald Trump, construída desde a campanha eleitoral de
2016 em torno de acusações mútuas entre Trump e imprensa a respeito do caráter falso
seja do que era noticiado (fake news) seja da verificação de afirmações de Trump sobre
diversos temas (checagem – fact check). Já a coleção “Trending Yesterday” nos remete
a ideia de “trending topics” (assuntos do momento) que se apresenta em redes sociais
como Twitter e também se atualiza em portais de notícias em menus de notícias “mais
lidas”, “mais comentadas”, entre outros. Estamos longe, portanto, da ideia de um
antiquário de programas de televisão voltados para notícias (aspecto já estimulado pela
perspectiva de um arquivo de que inicia em 2009). Para comentar a coleção “Recent
Quotes”, vamos para a região “d” de nossa dissecação.
O que estamos chamando de “trecho de vídeo” na verdade, apresenta-se como
uma espécie de “ficha catalográfica” (região “d” de nossa dissecação) relativa a presença
daquele trecho dentro das lógicas operativas do TV News Archive, conforme figura a
seguir:
13
. Os trechos são organizados em conjuntos de 5 aparecendo por vez na interface, com navegação lateral que
convoca mais 5 e assim por diante.
10
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Figura 4 - excerto da interface incial do TV News Archive. Fonte: https://archive.org/details/tv (acesso em julho/2017).
É facilmente identificável a presença de uma imagem referente ao trecho, o título
do programa e emissora (Newsmakers, CSPAN, respectivamente) e nos ícones logo
abaixo as menções ao número de visualizações do trecho (33) e citação do texto do trecho
(ícone com aspas) e número de vezes que o trecho foi destacado (ícone estrela). O ícone
laranja com aspas designa que esta ficha pertence ao conjunto “Recent Quotes”. Ao
clicarmos sobre esta ficha, somo direcionados a uma outra página, na qual este trecho
(conforme o Tv News Archive, os trechos são sempre de 60 segundos) finalmente poderá
ser assistido enquanto vídeo, mas dentro de um conjunto de elementos na interface que
novamente colocam o devir “biblioteca” ou a memória “colecionadora” em ação com o
usuário, quase na perspectiva de Galloway (2006) quando usa a expressão para pensar na
natureza dos jogos digitais (nos termos do autor, o software roda e o jogador joga). A
proposta da função “quotes” (citações) possibilita, justamente pela apropriação do closed
caption como elemento central da organização do TV News Archive, a possibilidade de o
usuário selecionar partes do texto e realizar uma “citação” através de uma das alternativas
de compartilhamento do trecho. Este é o caso exemplificado na Figura 5, na qual está
centralizada e em tamanho maior perante os demais trechos, aquele que teve uma parte
do texto (closed caption) “citada” por um usuário pela possibilidade de compartilhamento
na rede social Twitter14. A interface ali presente ainda oferta a possibilidade de
navegarmos nos trechos adjacentes (antes e depois do trecho incialmente selecionado),
apresenta uma linha de tempo com a minutagem do programa, os textos referentes aos
14
A citação replica o trecho em vídeo e o texto citado até a postagem de determinadas redes sociais do usuário
(Facebook, Tumblr, Google Plus são algumas das possíveis).
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trechos sob cada vídeo, número de vezes que o trecho foi executado, além de outros
elementos descritivos na parte não capturada desta página.
Figura
5
excerto
da
página
de
visualização
de
programas,
disponível
https://archive.org/details/CSPAN_20140413_220000_Newsmakers/start/1258.6/end/1268.6, acesso julho/2017
em
Queremos propor que esta interface retratada na Figura 5 além de, mais uma vez,
demonstrar a tensão na convivência das camadas tevê e web, nos oferece outras
características para problematiza-la. Anunciado desde a descrição do funcionamento do
serviço na página inicial, a ideia do uso do closed caption atualiza a presença de outra
camada nesta relação, a softwarização dos diversos processos de produção. As legendas
ocultas tornam-se dados que podem ser apropriados para novos fins, na infraestrutura do
digital, tornam-se maleáveis e adaptáveis a novos contextos/usos. Os textos destinados a
garantir acessibilidade do telespectador com deficiência auditiva saem da condição de
ocultos (closed) para uma condição protagonista na experiência de conhecer os arquivos
de notícias. De certa forma, esta característica nos instiga a uma insinuação em relação à
memória da programação de televisão do tipo “News”: notícia ainda é como texto por
excelência (por aqueles que a arquivam e organizam suas coleções, pelo menos, ainda
que diríamos que redações e laboratórios de ensino seguem pregando também nessa
perspectiva). Já a interface inicial do TV News Archive nos explicitava que o caminho
para encontrar trechos, programas e coleções passa pela busca por palavras, expressões
que estão presentes via legendas ocultas. Aqui, na figura 5, a interface que dissecamos
deixa isso ainda mais evidente ao justapor os previews de vídeo com o textos respectivos.
Por outro lado, é esta mesma interface que, ao fatiar programas em trechos, trazer o áudio
off para a superfície (ainda que limitado a ideia de “texto”), dar condições de seleção de
textos, compartilhamento para outros espaços da web e até mesmo encomenda do
12
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programa inteiro em formato DVD, parece tentar responder a solicitação de Kilpp (2005)
por relações mais “amigáveis entre os que fazem televisão, pesquisam ou a assistem, e
para que possamos todos nos apropriar mais rapidamente do televisivo e das éticas
originais que a tv instaura tecnicamente” e, para tanto, “todos nós deveríamos poder
desconstruir panoramas televisivos, desmontar as molduras e analisar os quadros de
experiência e significação (p. 146)”. Teríamos então, no construto de memória do TV
News Archive uma potência dissecadora a ser exercida pelo usuário? Que tipo de direito
de mirada (ainda que a partir de 2009, limitado a determinadas emissoras, captadas em
determinadas cidades, dentre outras circunstâncias específicas) seria esse?
Considerações finais
Se a memória é viva (Nora) e é vida (Bergson), em nossa atual tecnocultura
instauram-se diversas espacializações desta memória por diferentes iniciativas que
tentamos perceber como construtos, talvez mais especificamente construtos na web que
“imagicizam” por determinadas lógicas operativas o arquivamento, a coleção, as mídias
e - como a ocorrência específica do TV News Archive que examinamos aqui, através da
dissecação de imagens das interfaces e da escavação de camadas durantes - a própria TV,
a notícia e, em última instância, relações entre memória e televisão, memória e web, TV
e web.
Estas relações puderam ser apontadas dentro das regiões dissecadas e nos levam
a retomar a ideia do TV News Archive como construto de memória a partir das reflexões
sobre lugares de memória nos termos de Pierre Nora. Como sintoma de uma sociedade
que tudo quer arquivar, nos parece que a ideia de Nora é potente, mas será o TV News
Archive livre da presença da institucionalização em prol de “falar ao subjetivo” (Pinto,
2013)? De um lado afirmaríamos que sim, pois aparentemente não se filia às emissoras
das quais arquiva seu conteúdo e oferta ao usuário (ou ao “coletivo”) alternativas para
“adentrar” as “News”, atualizando o direito a mirada de Derrida conforme lembrado por
Kilpp, permitindo uma espécie de subjetivação do espaço. No entanto, como também
percebemos, o TV News Archive se constrói tentando sincronizar-se com o “ao vivo”
televisivo e das redes sociais (coleções sobre Trump e sobre o que está “em evidência”
dão a entender isso) e está sempre sob a guarda do Internet Archive, que pode fazer o
papel de “instituição” aqui.
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É o próprio “arquivo de TV” que parece, ao final, produzir sua própria recusa em ser
obsoleto, tal qual “o jornal de ontem” que ele arquiva. Essa recusa é tanto por tentar se
mostrar contemporâneo através de lógicas da web (formais) e da TV (editoriais), como
por apresentar maneiras de colocar o arquivo-notícia (trecho) em circulação para além
das “paredes” do próprio TV News Archive. Caso efetivamente esses usos possibilitados
pelo TV News Archive tornem-se frequentes, poderíamos especular uma disputa
(dificilmente igualitária) entre a produção de arquivos-tevê entre espectadores e redes de
tevê que seria sediada, atualmente, nas chamadas redes sociais. Isso, no entanto, não
retiraria uma adaptação a pergunta caetana: quem lê [assiste, cita, compartilha e vê] tanta
notícia?
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