Revista
Tópicos Educacionais
ISSN: 2448-0215 (VERSÃO ON-LINE)
----------------------------------------------------O MUNDO DO TRABALHO NA SALA DE AULA: UMA PROPOSTA
UTILIZANDO ANTIGUIDADE CLÁSSICA
THE WORLD OF WORK IN THE CLASSROOM: A PROPOSAL USING
CLASSICAL ANTIQUITY
Priscilla Gontijo Leite1
Lucas Guedes Pereira Arnaud Arroxelas2
Resumo: O artigo objetiva explanar alguns temas relacionados com o mundo do trabalho nas
sociedades antigas e a relação dessa dimensão com o ensino de História Antiga. Com isso, serão
abordados assuntos como a importância da categoria do trabalho na compreensão da sociedade, a
visão dos antigos quanto ao trabalho, o trabalho livre, o trabalho compulsório, os ofícios, as
mulheres e a relação do mundo do trabalho com o ensino da Antiguidade Clássica.
Palavras-chave: História do Trabalho. Ensino de História. História Antiga.
Abstract: The article aims to explain some themes related to the world of work in ancient
societies and the relation of this dimension to the teaching of Ancient History. This will address
issues such as the importance of the category of work in the understanding of society, the view of
the work be the ancients, free work, compulsory work, crafts, women and the relation of the world
of work to the teaching of Classic antiquity.
Keywords: Labour History. Teaching of history. Ancient History.
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Universidade Federal da Paraíba.
Universidade Federal da Paraíba.
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Na educação básica brasileira, o mundo do trabalho é apresentado aos alunos
majoritariamente ligado aos temas da escravidão no período colonial e da revolução
industrial, descrevendo seus impactos. Assim, o mundo do trabalho muitas vezes aparece
como um objeto descolado da realidade dos alunos, dificultando reflexões que
demonstrem a importância da dimensão do trabalho para a vida do homem. Ao centrar o
olhar na Antiguidade, o mundo do trabalho fica ainda mais distante do aluno, pois apenas
algumas linhas são dedicadas à escravidão. Mas ao mesmo tempo, há uma valorização
das grandes obras arquitetônicas e demais feitos, que infelizmente não são apresentados
como fruto do trabalho humano. Esse posicionamento corrobora para a continuidade da
visão equivocada da Antiguidade como exótica e distante, estando mais no campo da
fantasia do que da história (Leite, 2016, 16). Uma das terríveis consequências dessa visão
é o conteúdo da Antiguidade não estabelecer um diálogo frutífero com a
contemporaneidade, não tendo impacto na formação do aluno.
Considerando essas preocupações, o projeto de monitoria da disciplina de
História Antiga II buscou elaborar materiais didáticos com assuntos relativos ao mundo
do trabalho. Para iniciar os trabalhos, observou-se a abordagem de assuntos referentes ao
trabalho no mundo antigo, tanto em textos historiográficos como no tratamento desse
tema no ensino básico. Depois passou a pesquisa de fontes escritas e iconográficas, pois
a imagem é um recurso importante, capaz de num primeiro momento captar a atenção do
aluno e estimulá-lo para conhecer o tema. As fontes iconográficas não ficaram restritas
às produzidas na Antiguidade, e a opção em usar representações se deve a intenção de
destacar a temática da recepção na sala de aula, bem como ter elementos para explorar a
temática da relação entre a Antiguidade e a Modernidade.
Estabelecida a temática, passou a pensar sobre a importância do trabalho
enquanto uma categoria que auxilia na compreensão da sociedade e diante os inúmeros
autores que exploram a temática, utilizamos György Lukács por acreditar que seu
pensamento, no qual o trabalho assume uma posição essencial na sua concepção
ontológica e, por isso, é objeto de diversas análises e reflexões, possibilita uma melhor
compreensão a respeito dessa categoria, da sua relação e importância para a sociedade e
da contribuição que o estudo dessa dimensão pode ter para o ensino de História Antiga.
Dessa maneira, as pesquisas partiram da consideração de que o trabalho
constitui a protoforma do agir humano. Para realizar o trabalho, o homem realiza uma
prévia-ideação, que deverá ser objetivada, em seguida, há uma exteriorização, em que a
subjetividade humana é confrontada com a objetividade. Ao atuar em condições
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objetivas, novas condições serão gestadas, estas, por sua vez, irão impor novas
necessidades de atuação humana. Essa relação entre teleologia e causalidade constitui,
para Lukács (2010), o princípio determinante do movimento que é desencadeado pelo
trabalho, sendo essencial no processo de reprodução. É por meio disso que o homem pode
gerar o novo e impulsionar formas de sociabilidade humana.
A prévia-ideação, não obstante a singularidade existente nela, traz elementos
genéricos, a generalização na prévia-ideação ocorre por ela se direcionar a situações
genéricas e por trazer a relação entre passado, presente e futuro que se liga com o processo
de acumulação social ocorrido ao longo do desenvolvimento histórico. A objetivação
também possui elementos genéricos, apesar da existência também dos singulares; o novo
produzido pela atuação na realidade dada assume um caráter genérico, esse novo genérico
é condicionado pelo todo social e age sobre ele. Desse modo, a prévia-ideação realiza a
generalização idealmente, já a objetivação generaliza objetivamente, estando estas duas
generalizações interligadas, tendo em vista a própria ligação intrínseca entre préviaideação e objetivação. Desse modo, essa capacidade de generalização que o trabalho
possui é de grande importância para a formação do ser social. O trabalho possibilita que
se atue sobre a realidade, mudando-a e construindo novas condições concretas, o que é
construído se torna mais determinado pela atuação humana, estando, ao mesmo tempo,
menos submetido aos desígnios da natureza. Esse devir-humano constitui o processo
histórico de formação da generalidade humana. Desse modo, o ser social, enquanto um
complexo de complexos, é formado e se desenvolve por um processo que tem como
centro o trabalho. A totalidade social se põe como uma mediação entre o momento
predominante que é o trabalho e os complexos parciais, sendo a totalidade social o
momento predominante no desenvolvimento dos complexos. Esse devir-humano do
homem sofre influência e influencia a totalidade social e, justamente por ser por meio do
trabalho que se desenvolve o processo de generalização e por ele se interligar com a
totalidade social, trabalho e sociabilidade estão estreitamente relacionados, de modo que
essa dimensão assume enorme importância para a sociedade e para a vida social.
Portanto, seguindo uma interpretação muito baseada na ontologia lukácsiana,
podemos afirmar que o trabalho constitui a protoforma pela qual os homens atuam sobre
a realidade, assim, transformando-a e transformando a si mesmos. O trabalho é a categoria
ontologicamente fundante do ser social, estando no próprio âmago das relações sociais
engendradas pela humanidade, sendo um elemento essencial na formação da humanidade
enquanto gênero e nas suas mais diversas constituições societárias. O trabalho conduz à
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gênese do ser social e se interliga à totalidade social. Desse modo, o trabalho constitui um
fator essencial para a compreensão de qualquer sociedade, e, nesse caso, o mundo antigo
não constitui uma exceção. Assim, pode-se concluir que o trabalho corresponde a uma
dimensão vital para o funcionamento da sociedade grega e da romana e um elemento de
grande importância para a compreensão daquelas sociedades.
O trabalho na sociedade antiga: um debate sobre a escravidão
O mundo do trabalho na Antiguidade Clássica foi objeto de diversos estudos
abordando grande variedade de aspectos, como os realizados pelo historiador americano
Moses Finley, mas ocorrendo também no Brasil, como o caso dos empreendidos por
Fábio Duarte Joly, o que demonstra a importância dessa área. Mas, ao mesmo tempo, é
também alvo de constantes mal-entendidos que se encontram reproduzidos em diversos
meios, como a internet e, inclusive nas escolas; isso conduz à grande necessidade de
discussão desse tema.
Um primeiro aspecto importante de ser levantado diz respeito à visão dos
antigos em relação ao trabalho. A ideia de trabalho como hoje compreendemos não se
encontrava entre eles, inclusive, nem no latim nem no grego existe um correspondente
exato para a palavra trabalho. Era comum na Antiguidade Clássica uma visão de desprezo
pelo trabalho, que também significava um desprezo pelos trabalhadores, sendo, por outro
lado, louvada a ociosidade; mas esse desdém pelo trabalho não encontrava acolhida tão
forte entre as camadas subalternas. Essa desvalorização do trabalho expressava relações
entre grupos sociais, servindo como um elemento de distinção para a elite; desse modo,
era um fator que contribuía para a sua hegemonia. A valorização também variava de
acordo com o ofício, sendo o de agricultor o mais valorizado, enquanto outros, como o
de artesão ou de comerciante, sofriam forte desvalorização social. Porém, ao mesmo
tempo que havia essa desvalorização, existia a concepção de que para muitos era
necessário exercer algum ofício para o seu sustento, como pode ser observado na
passagem de Os trabalhos e os dias de Hesíodo.
Mas tu, sempre lembrado do nosso conselho,
trabalha, Perses, raça de Zeus, para que a Fome
te deteste e que te estime a bem coroada Deméter,
honrada, e te encha de alimento a despensa,
pois Fome sempre acompanha o homem indolente.
Deuses e homens partilham, contra quem vive
ocioso como um zangão, sem ferrão, da mesma raiva:
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consomem o trabalho das abelhas, os lerdos,
e o comem. Que te empenhes em articular obras certas
e a abastecer a despensa na hora oportuna.
Pelo trabalho os homens são rico de gado e de bens
e quem trabalha é muito mais caro aos deuses também
[e o mesmo serás para os homens: odeiam os lerdos.]
Trabalho não é vergonha. Vergonha é não trabalhar
se trabalhares, logo te inveja o preguiçoso
porque enriqueces. Sucesso e glória acompanham a riqueza.
Seja lá para quem for, trabalhar é melhor,
Se desvias a mente dos bens do vizinho
Para o trabalho e ganhas teu pão, como te aconselho
(Hesíodo, Os trabalhos e os dias, 298-316)
Apesar de aparecer a palavra trabalho na tradução, deve-se recordar que para
os gregos há diversos termos que podem designar o que entendemos por trabalho, termos
que indicam assim ora trabalhos concretos, ora esforço para executar uma determinada
atividade. No trecho é destacado o esforço para executar uma determinada tarefa, com a
valorização da atividade do campo por promover a ligação entre os homens (a
possibilidade de conseguir os meios para sustentar o oikos) e a ligação dos homens com
os deuses (dimensão sagrada, ainda mais que são produtos advindo da agropecuária que
são ofertados às divindades).
É comum a veiculação de uma visão que trata a sociedade grega e romana,
especialmente esta, como dividida entre uma parcela escrava que seria responsável por
exercer as atividades laborais e uma elite ociosa, estando os setores livres e pobres
vagando em um espaço pouco definido, muitas vezes vivendo de doações e
entretenimentos fornecidos pelos governos. Todavia, essa é uma visão extremamente
equivocada. A escravidão, ao contrário do que muitas vezes nos é apresentado, não
ocupou todos os postos de trabalho, de modo a ser a única forma de trabalho a operar na
sociedade; o seu número foi também alvo de muitos enganos, tendo sido posto acima do
que aparenta que foi. A maioria dos trabalhadores era composta por homens livres, que
estavam empregados em diversas formas de trabalho livre, desde o trabalho assalariado
até o sistema de arrendamento comum no campo, e também em diferentes ofícios.
Concomitante ao trabalho escravo, existiam outras formas de trabalho
compulsório, que poderiam tanto ocupar uma posição central na economia, como
periférica, ao lado de outros regimes de trabalho, no primeiro caso, temos os hilotas de
Esparta. Esses diferentes espectros em que o trabalho se encontrava, muitas vezes, são de
difícil definição. Essa dificuldade também se encontra na organização econômica e social;
mas é importante salientar que a existência de mais de uma forma de relação de produção
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não impede a definição de uma organização econômica, outra questão é que essa
definição não deve ocorrer pelo aspecto quantitativo. Dessa forma, a dimensão do
trabalho na Antiguidade Clássica era um elemento bastante presente na vida societária e
apresentando uma grande diversidade em sua composição.
A existência de um escravismo não é definida pela presença ou pela
quantidade de escravos em uma determinada sociedade, mas pela posição que a
escravidão assume na sociedade a ponto que condicione uma organização econômicosocial (CARDOSO, 1984). Essa situação pôde ser encontrada na Antiguidade Clássica
tanto no que se refere à Grécia, como a Roma. As particularidades existentes em cada
uma dessas sociedades não conduziram à negação do universal sob o qual estiveram tanto
a Grécia Antiga como a Roma Antiga.
Apesar de suas diferenças cronológicas (século VI a.C. na Grécia e III a.C.
em Roma), é possível atribuir condições comuns que possibilitaram a gênese do
escravismo antigo. Uma explicação muito comum é de que o escravismo teria sido
produzido pelas guerras, que teriam ofertado grande quantidade de escravos (CARDOSO,
1984). Porém, é incorreto afirmar que a oferta teria precedido e formado a demanda por
escravos, está mais correto afirmar o contrário, a demanda produziu a oferta que veio
supri-la; assim a formação do escravismo estaria mais relacionada com a expansão das
relações mercantis do que com a guerra. É nesse sentido que Moses Finley em Escravidão
antiga e ideologia moderna (1991) apresenta três condições para o surgimento dessa
procura, são elas: forte concentração da propriedade privada no campo, desenvolvimento
da produção mercantil e incapacidade de suprimir internamente a demanda de trabalho
escravo. A crise do escravismo aparece de maneira idêntica em ambos os locais, tendo
em vista que a Grécia, nesse período, estava incluída no Império Romano.
Quanto à condição do escravo é necessário que se compreenda que nele estava
presente, como afirma Moses Finley (1986), uma ambiguidade, em que, ao mesmo tempo,
assumia a forma de propriedade passível de comercialização, mas também era uma
pessoa. Desse modo, optou-se pela perspectiva que considera inadequada a utilização da
categoria de escravidão-mercadoria para se referir ao escravo da Antiguidade, pois esta
categoria restringe o escravo apenas a sua dimensão de mercadoria, o que é impossível
de se operar nesse caso. Nisso, também é importante observar um contraste entre o seu
estatuto jurídico e a sua condição efetiva na sociedade; na lei ele poderia ser um
instrumentum vocale, mas, na sua experiência cotidiana, ele não se encaixava plenamente
nesse termo.
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A propriedade de escravos era algo bastante difundido na Antiguidade
Clássica. Eles poderiam ser encontrados em diversas atividades, sendo elas desde as mais
degradantes, como os trabalhos nas minas, mas também em ofícios que possuiriam maior
valorização social. Ao lado de escravos era comum ver trabalharem homens livres.
Somava-se a essa variedade de destinos, certa variedade de posições sociais que eles
poderiam ocupar, sem que deixassem de estar marcados pelo seu estatuto de escravo. Isso
novamente atesta a grande complexidade existente em relação à escravidão na
Antiguidade, o que torna ineficazes certas tentativas simplificadoras e limitadas que
buscam compreender esse assunto.
Para o funcionamento do mecanismo de reposição da força do trabalho
escrava, três elementos eram essências (CARDOSO, 1984). A guerra era a principal fonte
para o reabastecimento de escravos, ocorrendo tanto pela captura direta por gregos ou
romanos, como pela compra de outros povos; assim, apesar de a guerra não ter sido a
causa que originou o escravismo, ela teve grande importância para o seu desenvolvimento
e reprodução. A segunda característica era que o futuro proprietário obtinha para si o
escravo por meio da compra. Por fim, temos uma baixa reprodução vegetativa de
escravos, o que fazia com que fosse necessário que constantemente houvesse o
abastecimento de fora da mão-de-obra.
A resistência dos escravos também se fazia presente, podendo ser tanto a
resistência individual, realizada principalmente através de pequenos atos, como
resistências coletivas, como o caso das revoltas, a exemplo da famosa revolta de
Espártaco. Todavia, as revoltas foram muito mais frequentes em Roma do que na Grécia,
devido à menor concentração de escravos nessa sociedade, aspecto que dificulta a
resistência coletiva. Em Roma também é observado uma maior presença do pecúlio, o
que contribuiu também para a maior quantidade de libertos nessa sociedade, onde também
tiveram um papel social mais importante.
A escravidão talvez seja a temática sobre a qual mais confusões foram
promulgadas, a divulgação delas ocorre de diversas maneiras, como por filmes ou até pela
própria escola, seja devido ao professor ou ao livro didático. Um dos principais enganos
veiculados trata-se do aspecto acima abordado de tratar a sociedade antiga como dividida
entre uma pequena elite e uma enorme massa de cativos que estariam responsabilizados
por todas as atividades, havendo naquela sociedade apenas senhores e escravos; tratandose, na verdade, de uma concepção que não é mais passível de sustentação. Outro aspecto
está em não observar a complexidade social que existe em torno do escravo, tratando-o
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de uma forma extremamente limitada, o que leva a interpretações errôneas. Com isso, o
professor deveria não só evitar esses erros, mas também procurar corrigir eles, tendo em
vista que a sua divulgação não se resume ao ambiente escolar.
Diante do intenso debate que o tema da escravidão promove e também dos
equívocos que proliferam no senso comum, optou-se em aprofundar nessa temática com
a elaboração de suportes didáticos. Ao constatar que os alunos da graduação possuíam a
ideia da escravidão antiga muito próxima a escravidão brasileira colonial, o projeto de
monitoria empenhou-se em elaborar um pequeno texto informativo sobre a discussão
historiográfica sobre o tema com o objetivo de ser lido pelos alunos antes da aula para
tornar mais proveitosa a discussão sobre o tema, pois boa parte dos equívocos já estaria
sanada. A alternativa de utilizar previamente um pequeno texto informativo ao invés de
um autor consagrado da historiografia se mostrou uma estratégia eficaz, pois a leitura
breve motivou os alunos a pesquisarem sobre o assunto. Outra atividade realizada foi um
plano de aula sobre a escravidão na Roma Antiga, que foi construída a partir de textos da
historiografia e com fontes antigas, utilizando ao todo dez fontes textuais e cinco fontes
iconográficas numa atividade em que ambas se complementavam. O plano de aula teve a
preocupação de utilizar fontes o máximo possível.
A utilização de fontes na sala de aula também é um recurso muito importante,
não só em relação à escravidão ou ao mundo do trabalho, mas para o ensino de História
Antiga como um todo; isso permitiria que os alunos observassem melhor a complexidade
existente em torno do escravo, contrastassem com falhas existentes em livros, além de
tornar o assunto mais palpável para eles. Por fim, é importante que o professor empreenda
comparações e diferenciações entre a escravidão antiga e a escravidão na América, em
especial no Brasil, devido a esse ser também um fator que acaba por confundir muitos
alunos, assim como por essa comparação contribuir para uma melhor compreensão do
aluno a respeito tanto da escravidão antiga como da escravidão brasileira. Tendo em vista
a importância de enfrentar esses problemas, procurou-se elaborar materiais didáticos
durante a monitoria, que contribuíram para que os estudantes evitassem esses equívocos
e futuramente, enquanto professores, propagasse-os, além de favorecer uma melhor
aprendizagem sobre a temática.
Durante o projeto, também se constatou que um meio importante de
desconstruir a visão equivocada sobre a escravidão antiga era valorizar outros aspectos
relacionados ao mundo do trabalho, principalmente os ofícios presentes na Antiguidade
Clássica. Portanto, passou-se à pesquisa sobre a temática e se observou fortes
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convergências entre o caso grego e o romano, mas também substanciais divergências que
não podem ser deixadas de lado. Entre as semelhanças podemos apontar a existência
comum de alguns ofícios e a grande importância e valorização que existia entre eles da
atividade de agricultor; já entre as diferenças, é observável a maior importância dos
soldados romanos e o processo de profissionalização do exército e uma maior presença
de pequenos produtores rurais entre os agricultores na Grécia. Analisar os ofícios no
mundo antigo nos permite entender melhor como o trabalho se dava na Antiguidade
Clássica e observar quem eram aqueles trabalhadores e como se encontravam naquelas
sociedades.
Desse modo, objetivando favorecer um melhor entendimento, é possível
realizar agrupamentos em alguns ofícios. Entre os quais, destacam-se: agricultores,
artesãos, comerciantes, marinheiros, soldados e políticos. Sobre cada um deles elaborouse uma ficha dividia em três partes: uma breve descrição sobre o ofício, uma fonte textual
e uma fonte iconográfica. Por fim, acrescentou-se uma lista de referências para o
aprofundamento sobre o tema. Foram realizadas fichas sobre Grécia e Roma e todas
foram disponibilizadas para os alunos. A importância desse material foi criar um
mecanismo para disponibilizar de forma fácil e rápida informações sobre o cotidiano do
mundo antigo que permitisse uma conexão direta com o presente. O mundo do trabalho
foi abordado desde as aulas que tratavam da organização social, da estrutura da cidade e
de suas obras arquitetônicas.
Os ofícios no mundo antigo
Sobre os agricultores, com os materiais desenvolvidos buscou destacar a sua
importância tanto na Grécia como em Roma. Ambas as econômicas eram assentadas na
produção agrícola, com um grande número de pessoas exercendo esse trabalho. Sua
atividade era de caráter agropastoril, havendo destaque para o cultivo de oliva, vinhas e
alguns cereais e para a criação de cabras, aves, equinos e bois, estes, além de servirem de
alimento, serviam para tração, função também desempenhada pelos equinos. O trabalho
na terra era algo muito valorizado entre os antigos, havendo também uma determinada
visão em que o bom soldado seria encontrado entre os agricultores. A produção poderia
ser voltada apenas para o abastecimento familiar (isso era mais comum entre os pequenos
produtores), como para a formação de um excedente a ser comercializado. Destacou-se a
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diversidade de regimes que envolviam os agricultores: alguns cultivavam a sua própria
terra; outros se encontravam empregados na terra de alguém, havendo tanto escravos
como livres; os que estavam submetidos ao sistema de arrendamento; e, no caso romano,
desenvolve-se o sistema de colonato. A posse da terra era um fator importante na
determinação da posição social do agricultor. As fontes indicam que em Roma havia uma
presença bem maior do latifúndio do que a Grécia, isso conduziu a que naquela a villa
fosse a unidade básica da produção agrária, havendo também grande absenteísmo; na
Grécia, com uma força maior da pequena produção, a família foi a unidade de produção
e consumo dos agricultores.
Já sobre os artesãos, destacou-se para os alunos as diferenças existentes
dentro do próprio grupo marcadas pela habilidade (aspecto importante para os artesãos),
objeto de trabalho e riqueza possuída. Alguns donos de oficinas poderiam obter grandes
lucros, mas a maioria dos artesãos vivia de maneira bastante modesta. Sua concentração
ocorria no meio urbano, inclusive, para algumas cidades esse setor tinha grande
importância para a sua economia, como é o caso de Pompéia (MARTIRE, 2008). A sua
atividade poderia ocorrer tanto em locais abertos como em fechados, preponderando
estes. Havia os artesãos que trabalhavam por conta própria; os que estavam empregados
a alguém, nesse caso era muito comum estarem lado a lado escravos e homens livres,
trabalhavam por jornadas ou por tarefas; os artesãos itinerantes; e em Roma também se
encontravam alguns artesãos que exerciam seu ofício em uma domus, trabalhando de
acordo com as necessidades da família. Os artesãos possuíam baixo prestígio social. Seu
trabalho era visto como um serviço a outra pessoa ou à comunidade. Os produtos
fabricados por eles poderiam ter função utilitária ou artística, destaca-se o trabalho com
metais, com couro e com cerâmica.
Na passagem abaixo de Demóstenes é possível observar a existência da
possibilidade de um dono de oficina obter grandes riquezas com este empreendimento,
além da presença de escravos que poderiam trabalhar conjuntamente com homens livres.
Meu pai, homens do júri, deixou duas oficinas, ambas somando um
grande negócio. Uma delas era uma oficina de espadas, empregando
trinta e dois ou trinta e três escravos, a maioria deles valendo cinco ou
seis minas cada um e nenhum deles valendo menos do que três minas.
A outra era uma oficina de sofá que empregava trinta escravos, dada ao
meu pai como compensação por uma dívida de quarenta minas.
(Demóstenes, Sobre o Quersoneso, 24-5, apud Melo, 2015, 152)
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Sobre o comércio, destacou-se para os alunos que ele poderia ser realizado
pelos próprios produtores, mas era mais comum que isso não ocorresse. Era realizado
principalmente em navios particulares. Quanto à Grécia, é comum uma divisão dos
comerciantes em três grupos. Os kápelos eram responsáveis pelo comércio local,
abastecendo o mercado interno, vendiam principalmente a varejo e produtos de uso
cotidiano e mais imediato. Os émpolos exerciam comércio a longa distância, ultramarino,
abastecendo as cidades, vendiam a atacado. Os náukleros tinham como característica
essencial o fato de serem donos de navios, mas podendo também comercializar
mercadorias neles. Esses dois últimos tipos são de difícil distinção, comumente se
confundindo entre si. Na Grécia, o comércio era realizado, principalmente, por metecos.
Em Roma, também era possível observar o comércio marítimo e o comércio
terrestre assumindo algumas diferenças entre si; nesse caso, o marítimo, por muitas vezes
ser mais barato, foi bem mais utilizado, assumindo grande importância. Em Roma, o
comércio poderia ocorrer tanto por demanda dos particulares, como o comércio de
redistribuição, oriundo de taxações ou requerimento de algum governante, mas a fronteira
entre os dois não era bem definida. Ele poderia ocorrer tanto dentro como fora das
fronteiras romanas, tendo sido o comércio interprovincial de grande importância. Desse
modo, o comércio possibilitou maior contato de Roma com outros povos fora do seu
domínio, bem como entre as regiões pertencentes ao império, com isso, ele contribuiu
com o processo de romanização.
Deve-se ter como execrável o lucro dos mercenários e os que compram
a inteligência, porque os que vendem a si mesmos colocam-se entre
escravos. A mesma coisa se poderá dizer dos comerciantes, que, para
vender por preço mais alto, ganham por força da calúnia, pois nada mais
infame que a calúnia. [...] O comércio, se é feito a varejo, é desprezível;
se é feito por atacado, traz fartura; se é vantajoso a todos e isento de
fraude, nada dele se pode dizer. Se o comerciante, quando enriquece,
ou quando se satisfaz com o que ganha, se retira do porto para o campo,
como muitas vezes se retira do mar para o porto, trazendo sua fortuna,
parece-me que tem direito a louvores. (Cícero, Dos Deveres, 42, apud.
Martire, 2008, p. 43)
Na passagem acima, o filósofo romano condena o comércio relacionado com
a fraude e a calúnia, mas, quando ele não apresenta essas características, Cicero também
não o trata como virtuoso. O pequeno comércio aparece nele ainda mais desvalorizado.
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Cícero ainda defende a inversão da riqueza obtida no comércio para a produção agrária.
Isso nos evidencia a visão negativa que existia em cima do comércio tanto em Roma como
na Grécia e a maior valorização do trabalho rural. Essa desvalorização contribuía em
Atenas para a maior presença de metecos nessa atividade, por eles terem maior
desprendimento frente a essas objeções que se punham.
O mar Mediterrâneo era vital para o desenvolvimento de Grécia e Roma, é
fácil encontrar a explicação para a valorização do mar para os antigos, mas dificilmente
se destaca a atividade dos marinheiros e por isso eles foram incluídos em uma ficha para
evidenciar a várias atividades relacionadas ao mar. Didaticamente podemos dividir os
marinheiros em quatro grupos: os que estavam relacionados à função militar, os
mercadores, os pescadores e os piratas. Entre a navegação militar, temos os navios de
guerra e os destinados ao transporte de tropas. O comércio marítimo trata-se, sobretudo,
do comércio de longa distância, atividade que produzia lucros maiores que o comércio
local; o comércio marítimo realizava o abastecimento de diversas cidades, inclusive
realizando o comércio de grãos que tinha uma grande importância para alguns locais. A
pesca era tanto um meio de obter renda, como de obter suplementação para a alimentação;
realizada, geralmente, em equipe; os pescadores possuíam status baixo, mas, livres; a
pesca foi muitas vezes incluída no espaço rural, mas, a pesca de alto mar não deveria ser
incluída na economia rural; o pescador de alto-mar era visto como a representação de algo
desconhecido, do “outro”. Os piratas, muitas vezes, eram corsários de cidades costeiras,
o comércio de escravos era uma das principais fontes de renda dos piratas.
Em Roma, os comerciantes que realizavam suas atividades pela via marítima
tinham grande importância, como foi visto, devido ao fato de o transporte marítimo ser
muitas vezes mais barato do que o terrestre, levando à maior importância daquele. O
transporte marítimo de soldados e a utilização de navios de guerra também eram comuns
em Roma, mas boa parte do deslocamento de soldados era feita por vias terrestres. Os
piratas durante alguns momentos aterrorizaram a autoridade romana sobre o
Mediterrâneo, realizando saques a cidades costeiras e comércio que ameaçava a
hegemonia romana, sendo motivo de discussão na política e de tomada de decisões
oficiais para o combate a eles, caso clássico disso foi a luta que Pompeu empreendeu
contra a pirataria no mediterrâneo. Muitas vezes, essa pirataria era financiada por cidades
que haviam perdido força no comércio face à dominação romana ou por governos que
não se sujeitaram ao domínio romano, como o caso de Mitrídates.
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Outra categoria que mereceu destaque na produção didática foram os
soldados, por apresentarem sociedades militarizadas como a espartana e a romana. No
caso romano, em que a conquista territorial foi muito presente na sua história, os soldados
assumiam grande importância e se desenvolveu uma forte cultura militar; essa relevância
pode ser constatada pelo fato de alguns políticos terem buscado apoio entre os militares
para que conseguissem alcançarem o poder, algumas vezes, ainda, chegando pela própria
via armada; no caso grego a evidência fica patente ao observarmos que o ideal de cidadão
esteve muito relacionado com o de soldado, ou também, no caso espartano, por a
educação estar estreitamente vinculada à função militar. O voluntariado foi a principal
forma de recrutamento, que, de início, era provincial, tornou-se regional e depois local;
essa regionalização contribuiu para o enraizamento local do soldado. Muitos romanos
possuíam a visão de que o soldado teria que ser de origem camponesa, com as mudanças
ocorridas no campo e na noção de cidadania essa ideia se perde. Em Roma, a vida militar
e a política estavam muito entrelaçadas. Até as reformas de Mário (107 a.C.), a
organização das legiões ocorria de modo censitário e o soldado tinha que pagar os seus
equipamentos, após elas, o armamento passou a ser custeado pelo Estado e o soldado
começou a receber soldo; isso, além de formar um exército permanente e profissional,
permitiu aos soldados ganhar status e enriquecer pelo espólio de guerras e pela
recompensa pelos serviços, muitas vezes, essa vinha na forma de terras. Todavia, havia
grande heterogeneidade de riquezas no meio militar. No início, o serviço no exército
estava restrito a romanos, sendo expandido posteriormente e, em meados do século II
d.C., sob Marco Aurélio, começou-se a admitir bárbaros.
Entre o final do século VIII e início do século VII a.C. há uma importante
mudança militar na Grécia, o exército deixa de estar baseado na cavalaria para passar a
ter como base os hoplitas. O soldado continuaria tendo que custear o seu armamento,
todavia, os custos que o hoplita teria que enfrentar era bem mais barato do que os do
cavaleiro, isso permitiu uma maior inclusão na função militar, gerando também
reivindicações de participação política. O combate realizado pelo hoplita não era
fundamentado no desempenho individual de cada soldado, era necessário uma atuação
coletiva. A solidariedade e disciplina resultadas da reforma hoplítica contribuíram para
solidificar a pólis e o sentimento de comunidade. Assim, a atuação militar na Grécia
esteve muito vinculada a ideais comunitários e de cidadania, o que foi quebrado com o
advento da especialização militar introduzida com o Império Macedônio, em que os
soldados passaram a combater por um soldo.
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Durante o trabalho sobre os ofícios, dois casos geraram discussões se
deveriam ou não ser incluídos: o caso dos políticos e das mulheres. Pensar os políticos
como exercendo um ofício é propor uma reflexão sobre a relação entre cidadania e
política no mundo antigo e, principalmente na atualidade, em que no Brasil, o exercício
do cargo de político possibilita o acesso a vários benefícios (auxílio-moradia, auxíliodeslocamento, auxílio-paletó) que está distante da realidade de vários trabalhadores
brasileiros. Dispostos a chamar a atenção para esses debates, os casos de Roma e Atenas
pareceram ser significativos, além de ir ao encontro de um dos conteúdos da disciplina,
que é o entendimento da democracia ateniense e da república romana.
A política, em Roma, não era apenas uma carreira, era também uma forma de
produzir “dignidade”, portanto, ela modela e organiza a vida social. Inicialmente, os
plebeus estavam impedidos de ocuparem magistraturas, porém, devido às revoltas
empreendidas por eles, conseguiram ampliar sua participação política e possuírem
magistraturas específicas; porém, foram incluídos critérios censitários. Para as mulheres
estava vedada a possibilidade de ocuparem cargos públicos. O cursus honorum contribuía
para suprir, por meio da experiência, a ausência de formação teórica; a necessidade de
cumprimento de alguns anos de serviço militar atesta o que foi dito anteriormente em
relação aos soldados, a íntima relação entre o exército e a política. A hereditariedade se
tornou prática, mas não era norma; apesar de ela ser determinante, devido ao mos
maiorum, não era o suficiente para garantir status. A vida política em Roma era
conturbada e perigosa. Também não havia uma clara separação entre público e privado.
A eloquência, a violência e o dinheiro eram armas comuns utilizadas pelos políticos.
Analisando o caso ateniense, pode-se observar grandes diferenças na
organização política em relação a Roma, o que implica também em condições diferentes
quanto aos políticos nessas duas sociedades. Em Atenas a atuação direta dos cidadãos
assumia uma importância bem maior do que em Roma, então a maior parte das tomadas
de decisões estava a cabo dos membros da assembleia. Não obstante, existiam alguns
cargos, que eram elegíveis e abertos para o acesso dos cidadãos, embora isso fosse
verdade, é observado que muitas vezes essas magistraturas eram ocupadas por membros
da aristocracia, que possuíam mais poder e influência, contribuindo para que isso
ocorresse. Havia ainda a figura do demagogo, que, na Grécia Antiga, possuía o
significado de condutor do povo, não assumindo, de imediato, o sentido negativo que hoje
lhe é atribuído. Mesmo nos momentos de decisões diretas por parte da assembleia, havia
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algumas pessoas que conseguiam exercer maior influência entre os membros da sessão,
muitas vezes uma pessoa com boa retórica e que conseguia encabeçar um projeto.
No caso das mulheres, é possível observar algumas diferenças importantes
entre Grécia e Roma. Para os gregos, o lugar das mulheres era no gineceu, onde
desfrutaria do ócio, mas poderiam se ocupar do trabalho de tecelagem. Por estar mais
tempo em ambiente fechado, sua pele deveria ser mais clara do que os que trabalhavam
ao ar livre. As mulheres pobres já se encontravam mais presentes no trabalho. Algumas
fontes indicam a sua presença na coleta de frutos realizada no campo, na venda de
produtos no mercado e até em oficinas, considerado um ambiente masculino.
Em Roma, as mulheres apresentavam maior liberdade do que as gregas, não
obstante as fortes restrições, o que foi intensificado no primeiro século do Império
Romano; isso conduziu a sua maior presença no mundo do trabalho em relação às
mulheres gregas, o que se refere tanto às escravas como às livres. No domus, existia a
parteira, a que recebia pessoas na porta da casa, a educatrix, a ornatrix, a ama-de-leite, a
dona de companhia, além da própria senhora que fiscalizava o cumprimento das tarefas
domésticas. Assim como na Grécia, foi localizada a presença de mulheres no artesanato
romano, que também era considerado um ofício masculino, tendo tido grande relevância
na produção têxtil. Também realizavam vendas no mercado. Exerciam atividades
artísticas. Cuidavam de locais que realizavam comércio. Tanto em Grécia como em
Roma, há a atuação no setor da prostituição, que assumia diferentes formas.
A abordagem sobre os ofícios em sala de aula também possui grande
importância no ensino de História Antiga. Essa temática permite que o aluno observe
algumas questões a respeito do mundo do trabalho na Antiguidade Clássica, como a
valorização de determinados ofícios e a desvalorização de outros. Também é essencial
para observar mais concretamente a realidade daqueles trabalhadores. O trabalho livre,
bem como a sua relação com o trabalho compulsório, fica mais visível a partir da análise
dos diversos ofícios. Aqui é aplicável a mesma observação feita a respeito da utilização
de fontes, sendo também de muita importância na abordagem desse assunto.
O trabalho na Antiguidade Clássica e o ensino de História Antiga
Os estudos sobre a História Antiga realizaram significativos avanços nos
últimos anos, seja na pesquisa sobre a Antiguidade Clássica, o que fica patente ao se
observar a quantidade de textos publicados, de realização de eventos e de formação de
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grupos de pesquisa em torno do mundo antigo, seja nas análises e propostas sobre o seu
ensino. Não obstante os desenvolvimentos realizados nas pesquisas sobre a Antiguidade,
percebe-se certo descompasso em relação com o ensino; embora o ensino superior esteja
sempre bem atualizado quanto a produção historiográfica, o ensino básico, muitas vezes,
não a acompanha, e é principalmente nesse nível onde as preocupações se encontram.
Desse modo, nota-se a propagação constante de diversos problemas no ensino, como a
utilização de teses, ideias e conceitos já ultrapassados, simplificações e anacronismos, ou
ainda uma abordagem que trata as sociedades antigas como atraentes, mas alheias ao
aluno e à realidade em que ele vive; sendo isso realizado tanto por parte de livros didáticos
como do professor, que, por outro lado, teria a importância em contribuir para que essa
situação seja evitada, o que leva à necessidade de uma boa formação do professor de
história nos cursos de graduação.
Essas questões dizem respeito ao ensino de História Antiga como um todo,
portanto, manifestam-se também no ensino de assuntos relacionados ao trabalho, onde
assumem algumas particularidades próprias a essa dimensão, mas que também contribui
para a superação de alguns elementos problemáticos no ensino da Antiguidade Clássica.
Essa contribuição se dá, principalmente, através de três questões.
A primeira se vincula diretamente ao que foi discutido a respeito da categoria
do trabalho e de sua importância na compreensão da sociedade, em uma argumentação
que esteve muito baseada na concepção ontológica de György Lukács. Portanto, a
abordagem de temáticas envolvendo o mundo do trabalho na Antiguidade Clássica
possibilitaria uma melhor compreensão por parte dos alunos das sociedades grega e
romana.
O segundo ponto diz respeito à ideia acima tratada de que é por meio do
trabalho que o gênero humano se constitui, estando essa categoria também interligada
com a totalidade social, e o trabalho sendo umas das formas pela qual o homem age sobre
a realidade mudando a si mesmo e ao seu meio. Assim, o estudo acerca do trabalho na
Antiguidade Clássica possibilitaria ao aluno observar a sociedade antiga como algo
formado pelo agir humano e pertencendo à própria história da humanidade. Duas
consequências inter-relacionadas decorrem daí. A primeira é que o mundo grego e
romano deixará de ser visto como algo exótico, objeto apenas de curiosidade, mas, sim,
como sociedades construídas pela humanidade. A outra é que a história antiga não deverá
ser vista como um assunto distante, que não apresenta nenhuma relação com o discente,
ou que serve apenas a título de curiosidade, pelo contrário, a Antiguidade fará parte da
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trajetória humana; assim, o estudo sobre o mundo do trabalho poderá aproximar o
estudante da sociedade antiga, gerando nele um sentimento de pertencimento àquela
realidade e interesse sobre ela. Como mostra Guarinello (2013), a Antiguidade pertence
a uma memória social e faz parte de nossa identidade, esse aspecto poderia ser melhor
enxergado pelos alunos com a abordagem de temáticas relacionadas com esse assunto.
O ensino da Antiguidade Clássica seria ainda enriquecido por um terceiro
fator. A História Antiga já foi muito vista como uma história dos grandes nomes e a partir
de uma abordagem factual, fenômeno que, na verdade, disse respeito à produção
historiográfica como um todo, não apenas a aquela que se deu em torno de Grécia e Roma.
Apesar de essa ser uma perspectiva muito questionada e já há certo tempo ultrapassada,
ela continua, muitas vezes, a ser reproduzida no ensino de história e no senso comum, em
que ensinar História Antiga seria falar sobre César ou Alexandre, deixando de lado grande
parte das pessoas que compunham aquelas sociedades. Assim, ao tratar dessa massa de
esquecidos, colaboraria para romper com essa visão comum a muitos alunos do ensino
básico, a História Antiga não seria apenas a história da aristocracia romana e grega, mas
também a história do escravo das minas do Laúrio ou do camponês da Península Itálica.
Considerações finais
A proposta de utilizar o mundo do trabalho para pensar a docência da História
Antiga se mostrou proveitosa e capaz de trazer elementos inovadores para o ensino,
primeiro ao proporcionar o contato do aluno com uma discussão teórica que normalmente
não compõe os programas de História Antiga. A discussão teórica baseada na concepção
ontológica do filósofo húngaro György Lukács, mostrou a sua importância para a
compreensão social e também trouxe elementos importantes para a posterior reflexão
sobre a maneira didática de abordar o mundo do trabalho na sala de aula.
Em seguida, observou-se algumas questões gerais a respeito do trabalho na
Antiguidade Clássica, como a visão dos antigos em relação ao trabalho e a relação entre
trabalho livre e compulsório. Quanto à escravidão, discutiu-se o que seria o escravismo,
a gênese e crise do escravismo, a noção de escravo, a presença dos escravos na sociedade,
a reposição da força de trabalho, as resistências e os libertos. Assim, foram abordados
temas de grande importância para a compreensão do trabalho nas sociedades antigas.
O terceiro tópico tratou ainda da temática dos ofícios que nos ajudam bastante
na compreensão de como o trabalho estava configurado na Antiguidade Clássica, além de
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nos permitir observar como se encontravam os trabalhadores no mundo antigo. Assim,
abordaram-se os seguintes ofícios: agricultores, artesãos, comerciantes, marinheiros,
soldados e políticos. Logo após, foi discutida a relação das mulheres com o trabalho,
observando como elas se encontravam no mundo do trabalho e a sua ligação com ele;
foram destacadas ainda as diferenças existentes entre Roma e Grécia em relação a essa
questão. Esse assunto nos permite observar melhor a condição da mulher na Antiguidade
Clássica e a relação entre gênero e trabalho.
Por fim, tratou-se da relação entre o trabalho na Antiguidade Clássica e o
ensino de História Antiga. Este teve grande vinculação com o primeiro, que tratou
teoricamente da categoria do trabalho. Observou-se a importância da abordagem de
temáticas envolvendo o trabalho na Antiguidade Clássica para uma melhor compreensão
dos alunos a respeito das sociedades antigas, para que ele observe o mundo antigo como
algo construído pelo agir humano, para realizar uma aproximação, uma relação de
pertencimento e interesse do aluno com o assunto e para questionar determinadas visões
que se difundem no senso comum. Para isso, é fundamental a criação de um suporte
didático, que permita o contato do aluno com as fontes, sejam elas textuais ou
iconográficas. Para criação desse material, foi necessário realizar escolhas, que muitas
vezes podem a primeira vista se mostrar incompletos aos olhos dos especialistas. Como
o foco era o alunado, principalmente dos primeiros períodos do curso de História, optouse em proporcionar um contato generalista e comparativo entre Grécia e Roma, por ser
justamente essa abordagem utilizada pelo livro didático no Brasil.
A elaboração do material, apresentado em linhas gerais ao longo do artigo, é
mais um exemplo das potencialidades do ensino de História Antiga e possibilidade de
estabelecer um diálogo entre a Antiguidade e o hoje de forma que seja significativa para
a vida do aluno. O mundo do trabalho, que hoje no Brasil, está às voltas de mudanças tão
radicais, deve sempre ocupar lugar de destaque no processo educativo, possibilitando ao
aluno se posicionar de forma crítica, exercendo sua cidadania plenamente, ainda que
constantemente ameaçada pelas pressões do mercado.
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Recebido em dezembro de 2019.
Aprovado em abril de 2020.
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