ANÁLISE INTEGRADA DA PAISAGEM DA RAIA CENTRAL PORTUGUESA
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ANÁLISE INTEGRADA DA
PAISAGEM DA RAIA CENTRAL PORTUGUESA
Emanuel de Castro
Escola Superior de Educação, Comunicação e Desporto da Guarda,
Av. Dr. Francisco Sá Carneiro, 50, CEP 6300-559, Guarda, Portugal, e-mail:
[email protected]
Lúcio Cunha
Instituto de Estudos Geográficos da Universidade de Coimbra,
Largo da Porta Férrea, CEP 3004-530, Coimbra, Portugal, e-mail:
[email protected]
Norberto Pinto dos Santos
Centro de Estudos Geográficos, Colégio de S. Jerónimo, CEP 3040-552,
Coimbra, Portugal, e-mail:
[email protected]
Resumo
Os factores naturais (geomorfologia, geologia, clima, hidrografia, solos e vegetação) constituem apenas um dos eixos
conceptuais daquilo que designamos paisagem. A par destes, a ocupação humana e as suas actividades, assim como
os recursos culturais (materiais e imateriais), concorrem para incutir nos territórios identidade e unicidade próprias, ou
seja, a sua paisagem.
No sentido de compreendermos a unidade da paisagem da Raia Central Portuguesa, o presente artigo incidirá na realização
de uma análise integrada desse território composto por 15 municípios e 360 freguesias. Assim, através da aplicação
de metodologias estatísticas multivariadas (Análise de Componentes Principais e Análise Cluster), pretendemos identificar
conjuntos de indivíduos espaciais com características semelhantes, a partir das relações estabelecidas entre diferentes
variáveis caracterizadoras da paisagem. Esses procedimentos metodológicos levar-nos-ão a um segundo objectivo, que
reside na identificação de elementos paisagísticos que possam constituir um recurso para o desenvolvimento da Raia
Central, assente no seu potencial endógeno.
Palavras-chave: Raia Central Portuguesa, estatística multivariada, unidades de paisagem, potencial endógeno.
Introdução
A paisagem é constituída por um conjunto de
elementos, dos quais fazem parte os processos naturais
e a utilização que deles fazem os grupos humanos, apresentando determinada organização e estrutura espacial.
Qualquer uma das componentes existentes apresenta clara
dependência em relação a um todo, resultando sempre da
sua interacção no tempo e no espaço. Desta forma, é a
materialização das componentes físicas e humanas que
reveste de sentido aquilo a que chamamos paisagem e que
constitui, no fundo, o território.
Neste sentido, ao analisarmos a paisagem estamos
a tentar construir a evolução da história natural e cultural
de determinado território, aspecto fundamental na percepção
da especificidade de cada espaço, com vista ao seu
desenvolvimento sustentado, assente no que existe de mais
importante, a sua paisagem material e imaterial. A compreensão
da paisagem implica, assim, o conhecimento de inúmeros
factores, como a litologia, o relevo, a hidrografia, o clima,
os solos, a flora e a fauna, a estrutura ecológica, o uso
do solo e todas as outras expressões da actividade humana
ao longo do tempo, bem como a análise da sua articulação,
o que resulta numa realidade multifacetada.
A análise integrada da paisagem tem merecido
atenção de inúmeros autores, incluindo os de Portugal.
Na verdade, a paisagem é analisada como um recurso para
o desenvolvimento (Cunha, 1995), numa perspectiva em
que os elementos constituintes da mesma, quer sejam
naturais ou de origem humana, possam ser valorizados
e potencializados, numa tentativa de promoção do desenvolvimento de territórios marginais, como é o caso do
presente. Contudo, a paisagem portuguesa enquanto
objecto de estudo raramente tem sido abordada no seu
todo e de modo sistemático, ainda que pese os seus
interessantes contrastes, fruto de um conjunto de factores
que actuam ou marcaram o território português.
Uma vez que se pretende que o presente trabalho
constitua uma análise integrada da paisagem, as componentes estudadas terão de ser representativas de uma
visão holística de todo o contexto territorial, incluindo
necessariamente aspectos de índole natural (geologia
e litologia, geomorfologia, climatologia, hidrografia e
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CASTRO, CUNHA & SANTOS
coberto vegetal), tal como as formas de ocupação humana,
os seus impactos no território e as interacções que se
estabelecem entre esses dois domínios de uma paisagem.
Assim, para além do estudo de elementos que incutem na
análise uma visão naturalista, iremos introduzir outros
(demografia, estrutura sócio-económica e ocupação do solo)
que possibilitam o sentido integrado que quisemos incutir.
apresentação metodológica. A delimitação agora traçada
pretende demonstrar a variabilidade paisagística, num espaço
marcado por grande fragilidade em termos ambientais e pela
existência de importantíssimo recurso para o desenvolvimento
dessa Região, o território, num sector do país onde se
registam dinâmicas demográficas desfavoráveis.
Área de Estudo
Perante os objectivos inicialmente fixados para o
presente trabalho, análise integrada da paisagem, é
forçosa a aplicação de uma metodologia de análise que
nos permita não só tirar algumas conclusões relativas à
estrutura da mesma, como perspectivar padrões espaciais,
tendo em conta o possível aproveitamento ou usufruto
da paisagem em estudo. Assim, em função da pergunta
de partida por nós formulada, o desenho metodológico
incidiu em quatro pontos fundamentais:
1. Divisão da área de estudo em polígonos de recolha de
dados.
2. Elaboração de uma matriz de dados inicial.
3. Aplicação metodológica que permitisse a identificação
de unidades de paisagem (Análise Factorial de Componentes Principais).
4. Projecção do potencial endógeno da paisagem delimitada.
O primeiro passo na formulação dos princípios
metodológicos que regeram essa dissertação centraramse na definição de uma grelha territorial que funcionasse
como base espacial para a recolha de indicadores capazes
de caracterizar e definir a “nossa” paisagem, optando-se
pela “freguesia” (Figura 1).
Metodologia
A Raia Central Portuguesa constitui um território
complexo em nível social, económico e demográfico, mas
com um carácter da paisagem bem vincado, na qual se
evidenciam os elementos naturais que a constituem. De
facto, destaca-se nesse território a riqueza e a variedade
da paisagem, entendida sobretudo como um complexo
sistema de factos e de valores, originados essencialmente
pelo contexto evolutivo desses territórios. Apesar de não
se poder falar, exclusivamente, em paisagens naturais, são
os elementos da natureza (morfologia, água, vegetação)
aqueles que mais valorizam essa paisagem (Cunha, 1995).
O território que aqui designamos por Raia Central
corresponde administrativamente a três sub-regiões (NUTs
III: Beira Interior Norte, Beira Interior Sul e Cova da Beira),
das quais fazem parte 15 concelhos (Meda, Figueira de
Castelo Rodrigo, Pinhel, Trancoso, Almeida, Celorico da
Beira, Guarda, Sabugal, Manteigas, Belmonte, Covilhã,
Penamacor, Fundão, Idanha-a-Nova e Castelo Branco). Por
outro lado, a análise da paisagem, propriamente dita, será
realizada através de uma divisão poligonal do território
coincidente com as 360 freguesias que administrativamente
dividem a nossa área de estudo, tal como explicado na
Fronteira
Freguesias
N
0
30
60 km
Região
Centro
Espanha
Área de
estudo
0
100
200 km
0
30
60 km
Figura 1 Identificação da base espacial de recolha de informação.
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ANÁLISE INTEGRADA DA PAISAGEM DA RAIA CENTRAL PORTUGUESA
Em função dessa divisão territorial da área de estudo
foi possível elaborar uma matriz de dados inicial que
materializasse os principais elementos (factores) que
caracterizam a paisagem. Dando expressão ao nosso
principal objectivo, a análise holística da paisagem da Raia
Central. As diferentes componentes da paisagem foram
objecto de uma análise estatística capaz de identificar
diferentes unidades de paisagem, no conjunto da nossa
área de estudo. Assim, ensaiámos um método de abordagem
baseado na aplicação de métodos estatísticos multivariados,
nomeadamente a análise factorial de componentes principais. Essa metodologia tem por finalidade a identificação
de novas variáveis (factores), em menor número que as
iniciais, sem que exista perda significativa da informação
desse conjunto.
Os factores são calculados através de uma medida
de associação (coeficiente de correlação) que transforma
um conjunto de variáveis correlacionadas em variáveis não
correlacionáveis (componentes principais), que resultam
de combinações lineares do conjunto inicial. Assim, o
primeiro factor explica o máximo possível da variância dos
dados originais, o segundo explica o máximo da variância
ainda não explicada e assim sucessivamente (Fernandes,
2004).
A partir dessa análise a que submetemos os indicadores da paisagem, foi possível determinar conjuntos de
indivíduos estatísticos (freguesias) que apresentam
paisagens semelhantes, ou pelo menos caracterizadas pelas
mesmas variáveis. Assim, o conjunto inicial dos indicadores,
distribuídos pelos 360 indivíduos, será agrupado num
reduzido número de factores. O peso explicativo de cada
variável para os diferentes factores é dado pela matriz de
saturações. Contudo, não podemos tirar as devidas
conclusões sem que se faça a correspondência com a matriz
de scores.
Torna-se fundamental que se relacionem as variáveis
com a sua distribuição espacial, ou seja, se existem
determinadas variáveis que estão melhor representadas
em determinado factor, também existem unidades (indivíduos
espaciais) cuja situação é explicada com maior evidência
por um dos factores presentes, realidade que nos permitirá
encontrar diferenças, ou semelhanças, no nível das unidades
de paisagem, situação conseguida através da análise
classificatória ou cluster.
O campo metodológico agora apresentado permitiunos determinar as unidades de paisagem que figuram como
um dos objectivos deste trabalho. Porém, tal não estará
completa sem que se esboce uma aproximação metodológica
àquilo que resolvemos designar, uma vez que não encontramos uma terminologia mais apropriada, o potencial
endógeno “da paisagem”. Desta forma, iremos projectar
quatro potenciais usos ou funções que o território pode
apresentar, a partir dos resultados surgidos na análise de
componentes principais e, principalmente, na análise
classificatória ou cluster.
141
Análise Integrada da Paisagem
Com base nos indicadores escolhidos, construída
a matriz inicial de dados, estes foram sintetizados através
da análise factorial. Esse método baseia-se numa técnica
de análise exploratória de dados que tem por objectivo
descobrir e analisar a estrutura de um conjunto de variáveis
interrelacionadas, de modo a construir uma escala de
medidas para factores (intrínsecos) que de alguma forma
(mais ou menos explícita) controlam as variáveis originais
(Maroco, 2003). O método de extracção utilizado foi o das
componentes principais, colmatando o facto de as variáveis
em análise não apresentarem a mesma amplitude de medida.
Contudo, do conjunto dos 50 indicadores iniciais
foi necessário eliminar alguns que apresentavam peso
reduzido na variância factorial. Assim, foram retirados os
indicadores com comunalidades (as comunalidades são
a proporção da variância explicativa pelos factores comuns
numa variável, resultando da soma dos pesos factoriais,
elevados ao quadrado, em cada um dos eixos (Hair et al.,
2003)) inferiores a 0,4 e pesos factoriais abaixo de +/– 0,5.
A análise ficou, assim, reduzida a um conjunto de 33
indicadores que correspondem aos mais interrelacionados.
Com esse novo conjunto de variáveis foram extraídos quatro
factores que explicam aproximadamente 70% da variância
comum total.
Mais importante que esse obstáculo metodológico
são os resultados que as próximas matrizes nos mostram.
A primeira, designada por Matriz de Saturações, traduz
a associação de cada variável com os diferentes eixos
factoriais (factores), permitindo, desta forma, interpretar
os pesos explicativos em função dos diferentes elementos
de paisagem e a sua importância no conjunto da análise,
materializando-se em grandes domínios caracterizadores,
nomeadamente para a unicidade paisagística, tendo em
conta os valores das variáveis utilizadas.
O factor 1 (Litologia e Ocupação do Solo), tal como
obriga o modelo teórico, é aquele que apresenta maior
variância comum, ultrapassando os 40% da informação
contida na matriz inicial de dados. Nesse factor obtiveramse pesos factoriais positivos com algum significado em
variáveis relacionadas com o substrato litológico e
pedológico e no predomínio de determinadas espécies
arbóreas. Assim, as áreas onde predominam as rochas
xistentas, um coberto vegetal com forte peso das espécies
resinosas, das quais se destaca o Pinheiro Bravo (Pinus
pinaster), um comando significativo da floresta, como já
vimos essencialmente resinosa, e por solos da família dos
litossolos (solos associados aos mediterrânicos pardos
ou vermelhos de xistos ou grauvaques), registram variâncias
elevadas e positivas. Em contrapartida, existem indicadores
com pesos factoriais negativos, que traduzem uma forte
ausência desses elementos ou um comportamento anómalo
destas variáveis nos territórios em questão. A litologia
predominantemente granítica, a existência de espécies
florestais folhosas, nomeadamente o castanheiro (Castanea
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CASTRO, CUNHA & SANTOS
sativa), a forte presença de espécies arbustivas ou de
vegetação degradada sobre um solo da família dos
cambissolos (solos mais espessos, mais evoluídos com
um horizonte rico em matéria orgânica, surgindo em áreas
de relevo mais suave ou em fundo de vale com abundância
de água, com forte aptidão para a agricultura), são os
indicadores que revelam saturações negativas.
Em função dessa análise indicativa podemos dizer
que os indivíduos espaciais cuja variância é mais elevada
no primeiro factor sugerem uma paisagem caracterizada
por solos pobres e com fraca aptidão agrícola, assentes
em rochas predominantemente xistentas ou xisto-grauváquicas, com forte abandono agrícola e populacional. Por
outro lado, a paisagem visual é controlada pela coexistência de “pinhal” e coberto vegetal degradado, muitas
vezes resultado do abandono agrícola e florestal, quase
sempre acompanhados pelo êxodo rural.
O segundo factor (População), que no domínio da
análise factorial de componentes principais apresenta
variância inferior ao primeiro, aproximadamente 15%, e
superior ao terceiro, apresenta pesos factoriais totalmente
positivos. Esse factor aproxima-se praticamente do conjunto
de variáveis que compõem o terceiro grupo que identificámos na matriz de correlações. Desta forma, os elementos
relacionados com a população, ou melhor dizendo, a forte
presença populacional condiciona as paisagens associadas
a esse eixo factorial. A população absoluta e relativa, o
crescimento natural, a densidade populacional, a percentagem de nados vivos e a variação da população no
último período intercensitário têm peso factorial bastante
elevado, em alguns casos próximos de 1. Uma última variável
fortemente relacionada com o poder explicativo deste factor
é a relativa ao número total de edifícios, facto que corrobora
a tendência paisagística demonstrada por este eixo.
No contexto metodológico da análise de componentes
principais, podemos designar esse grupo de demográfico,
materializado numa paisagem com fortes características
urbanas, densamente povoado, que contrasta nitidamente
com as paisagens envolventes, onde predomina uma
realidade de baixa densidade. Como veremos mais à frente
neste trabalho, são os territórios citadinos os que maior
peso têm na definição deste factor.
O factor 3 (Agricultura), responsável por 10% da
variância total, aponta para uma realidade paisagística
contrastada com aquela que o primeiro factor sugere, não
só pelas características do próprio solo, como do uso que
dele fazem os grupos humanos. Assim, observam-se pesos
factoriais positivos com relevância em indicadores
relacionados com o tipo de solo dominante, o predomínio
de vegetação arbórea folhosa e as áreas agrícolas.
Encontramos, então, com frequência, territórios com
significativa presença de espécies folhosas, sobretudo o
eucalipto (Eucalyptus globulus), embora também possamos
encontrar manchas de sobreiros (Quercus suber) e
azinheiras (Quercus ilex spp rotundifolia), estas últimas
associadas a sistemas agrícolas. Para além desses aspectos,
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surgem variáveis positivas relacionadas com a percentagem
de superfície agrícola útil, nitidamente associada a solos
do tipo luviossolos (solos constituídos por depósitos de
aluviões, correspondendo aos “fluvents” da moderna
classificação americana, com razoável aptidão agrícola),
e ainda o índice de envelhecimento. Em contrapartida, a
variável taxa de actividade surge com um peso factorial
negativo nesse sector, o que demonstra a escassez de
população activa nesses territórios.
Os sectores da Raia Central representados por esse
factor apresentam, em regra, uma paisagem caracterizada
quer pela presença de floresta de folhosas (com predomínio do eucalipto), quer pelos espaços agrícolas. São
paisagens claramente rurais e agrícolas, ajudadas pela
natureza dos solos, com forte envelhecimento da população, onde se nota já clara diminuição da população
economicamente activa, ainda com o predomínio do sector
primário.
Por fim, o quarto factor (Geomorfologia), aquele que
apresenta menor variância relativamente aos três primeiros,
de aproximadamente 6%, está associado, pelos resultados
estatísticos obtidos, a paisagens influenciadas pelos
aspectos relacionados com a geomorfologia do terreno
e com as questões climáticas. Os pesos factoriais positivos
de quase todas as variáveis estão intrinsecamente associados à altitude média e aos declives, às variáveis climáticas
(neste caso a precipitação), à presença de áreas protegidas,
marcadas por solos do tipo ranker (solos pouco espessos
associados a altitudes elevadas e declives fortes), e ainda
à área ocupada por povoações. Por outro lado, com pesos
factoriais negativos surgem as variáveis relacionadas com
a presença de olival e a temperatura média. Tal como
observamos nas correlações, essas duas variáveis apresentam relação inversa com as restantes, uma vez que com
a maior altitude a temperatura tende a diminuir, facto que
se torna limitante para o desenvolvimento de espécies como
a oliveira (Olea europaea).
Os indivíduos ou freguesias com uma paisagem
marcada por esse factor caracterizam-se pela existência
de relevos acidentados (topografia irregular e de elevada
altitude) com elevados valores de precipitação e
temperaturas baixas (decorrentes do gradiente térmico
vertical). A paisagem é ainda influenciada pela existência
de solos do tipo ranker, associados à altitude, e pela
presença de áreas com estatuto jurídico de protecção
(áreas protegidas).
Todavia, as saturações factoriais ou os pesos
factoriais de cada variável nos respectivos eixos, por si
só, não nos revelam a espacialidade paisagística que
queremos demonstrar. No fundo, na tentativa de dar
conteúdo ao objectivo principal do nosso trabalho,
encontrar unidades de paisagem, temos de recorrer a uma
segunda matriz factorial. Assim, o recurso às coordenadas,
notas factoriais ou scores (matriz de scores), torna possível
essa relação entre as variáveis originais traduzidas pelos
factores e os indivíduos estatísticos, permitindo-nos aferir
ANÁLISE INTEGRADA DA PAISAGEM DA RAIA CENTRAL PORTUGUESA
as associações territoriais que se estabelecem no nível da
paisagem e melhor compreender as relações reproduzidos
anteriormente, relativas às contribuições das variáveis.
O valor dos scores resulta das coordenadas dos
indivíduos originais nos factores, a partir das distâncias
entre uns e outros, o que traduz as oposições espaciais
no nível dos diferentes eixos factoriais. Assim, em função
desses resultados podemos individualizar as diferentes
143
unidades da Raia Central Portuguesa que apresentam
paisagens com características que traduzem as variáveis
seleccionadas e resumidas pelos factores retidos na Análise
de Componentes Principais. Com esse procedimento
metodológico seremos capazes de atribuir espacialidade
aos diferentes elementos e, por outro lado, compreender
os fenómenos que estão na base do carácter de cada trecho
de paisagem (Figura 2).
N
Meda
Figueira de Castelo Rodrigo
Trancoso
Pinhel
Almeida
Celorico da Beira
Guarda
Belmonte
Espanha
Manteigas
Sabugal
Covilhã
Penamacor
Fundão
Toponímia
Raia Central Portuguesa
Potencial Endógeno
Litologia e ocupação do solo
Positivo
Idanha-a-Nova
Negativo
População
Positivo
Negativo
Castelo Branco
Agricultura
Positivo
Negativo
Geomorfologia
Positivo
Negativo
0
12
24 km
Figura 2 Identificação de unidades de paisagem a partir da Análise Factorial de Componentes Principais.
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144
CASTRO, CUNHA & SANTOS
A Tabela 1 permite, assim, uma leitura das principais
oposições observadas no território em análise. Esse assunto
será retomado no próximo ponto, através da análise
classificatória ou cluster, com objectivo de retirarmos o
máximo poder analítico deste método de análise da paisagem.
Potencial Endógeno da Paisagem
Após a análise factorial de componentes principais
concretizada no ponto anterior, optámos por aplicar outro
método estatístico que nos garanta a agregação dos
diferentes indivíduos espaciais em função das suas
características dissociativas ou associativas, através do
cálculo das distâncias euclidianas. Passamos, então, para
a análise classificatória ou cluster que constitui um processo
que permite classificar indivíduos ou variáveis em grupos
ou tipos que se distinguem entre si. O objectivo desse
modelo estatístico de análise é que cada observação
pertencente a determinado cluster seja similar a todas as
outras pertencentes ao mesmo cluster e seja diferente das
observações pertencentes a outros grupos de indivíduos
(Maroco, 2003).
Desta forma, utilizaram-se como variáveis iniciais os
quatro factores extraídos da análise factorial anterior, os
quais sintetizam as relações entre os 32 indicadores iniciais.
No propósito do cumprimento objectivo e metodológico
foi escolhido o método de Ward, tendo por base a análise
da distribuição dos clusters, bem como pelo facto de muitos
estudos terem concluído ser este o método que apresenta
melhores resultados (Roca & Leitão, 2005). Através do
método de Ward são agrupados os indivíduos (freguesias)
que provoquem aumento mínimo no valor da soma dos
quadrados dos erros. A obtenção desse valor pressupõe
o cálculo da média das variáveis para cada grupo, do
quadrado das distâncias euclidianas entre essas médias
e dos valores das variáveis para todos os itens, calculando
ainda a soma das distâncias para todas as freguesias.
Consegue-se, assim, minimizar a variância interna dentro
do cluster e maximizar a variância entre diferentes clusters.
O mesmo é dizer que se obtêm grupos de indivíduos com
forte homogeneidade e forte heterogeneidade entre si. Da
aplicação do método podemos projectar os potenciais usos
ou funções decorrentes dos resultados obtidos.
Neste sentido, é necessário transformar esse património paisagístico, que no fundo é todo o território, palco
da acção humana, causa e consequência do mesmo, num
recurso aproveitável, enquanto tal, pelos grupos humanos.
Essa questão é tão mais importante quando estamos
perante um território no qual os valores naturais e históricos
não são suficientes para estagnar ou inverter o contínuo,
e cada vez mais preocupante, despovoamento, principalmente nos espaços marcadamente rurais.
Os potenciais usos ou funções que agora projectamos resultam da análise comparativa entre os diferentes
clusters, e entre estes e os pesos factoriais encontrados
na Análise de Componentes Principais. Em função das suas
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principais características procurámos espacializar aquela
que seria a função mais importante, a partir do seu potencial
endógeno. A maior mancha ou unidade é ocupada por
paisagens com vocação turística, ou pelo menos o seu
desenvolvimento pode passar por esta actividade indutora.
Tal opção se deve às características intrínsecas dessas
paisagens e à ausência de outros elementos. Neste sentido,
é necessário transformar esse património paisagístico, que
no fundo é todo o território, palco da acção humana, causa
e consequência do mesmo, num recurso aproveitável,
enquanto tal, pelos grupos humanos. Essa questão é tão
mais importante quando estamos perante um território no
qual os valores naturais e históricos não são suficientes
para estagnar ou inverter o contínuo, e cada vez mais
preocupante, despovoamento, principalmente nos espaços
marcadamente rurais. Os potenciais usos ou funções que
agora projectamos resultam da análise comparativa entre
os diferentes clusters, e entre estes e os pesos factoriais
encontrados na Análise de Componentes que se sobreponham a estes, capazes de lhe conferir um carácter de
unicidade. Por outro lado, a existência de um património
cultural (natural e histórico) relevante leva-nos a acreditar
que a principal função, neste momento, pode passar por
esta actividade. Contudo, tal não significa que estas
funções se excluam, porém, tentámos representar os
elementos mais marcantes para a definição de unidades
de paisagem (Figura 3).
O carácter único de cada lugar é o reflexo da disponibilidade de recursos materiais e imateriais e da integração
em sistemas e redes, aos níveis global, regional e local,
como, entre outros, os ciclos naturais e os sistemas sociais,
os recursos naturais e humanos, o capital físico e social
e, necessariamente, os modos de vida que caracterizam
cada unidade de paisagem. As paisagens são fundamentais
para o reconhecimento dessas identidades, através das
suas características, tanto naturais como culturais, que
se constituem como os ingredientes essenciais que
emergem nas formas de registros baseados na observação
e nos procedimentos analíticos (Roca & Oliveira, 2005).
As classificações apresentadas, denominadas por
unidades de paisagem, têm características entre si de alguma
homogeneidade, com elementos capazes de suportar a sua
identidade, sendo em função desta que se pode processar
o aproveitamento das mesmas com vista ao desenvolvimento desses territórios. Não nos podemos esquecer que
estamos perante áreas de grande fragilidade demográfica
e social e também, por que não dizê-lo, naturais, onde o
desenvolvimento, principalmente das áreas rurais de baixa
densidade, deve passar pelo aproveitamento dos recursos
endógenos que mais não são que a sua paisagem, enquanto
elemento síntese das dinâmicas territoriais. Nesta perspectiva, podemos sintetizar (Tabela 2) os recursos potenciais
de cada unidade definida e seu possível aproveitamento,
de modo a dinamizar, revitalizar e desenvolver o território
compreendido pela Raia Central Portuguesa.
ANÁLISE INTEGRADA DA PAISAGEM DA RAIA CENTRAL PORTUGUESA
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Tabela 1 Síntese das oposições espaciais encontradas.
Factores
(unidades de paisagem)
Factor 1 – Litologia e Ocupação do Solo
(parte da superfície da Meseta e sector SW da área de
estudo)
Características
Factor 2 – População
(coincidente com as principais áreas urbanas da Raia
Central)
Factor 3 – Agricultura
(essencialmente a sul da Cordilheira Central, nas
superfícies de Castelo Branco e Alto Alentejo, e algumas
manchas a Norte)
Factor 4 – Geomorfologia
(coincidente com os principais sistemas montanhosos)
Síntese Final
Os resultados obtidos com essas metodologias
representam uma abordagem inovadora relativamente ao
conceito de limite entre unidades de paisagem contíguas.
Essa análise torna-se assim distinta das que estão frequentemente presentes noutras metodologias, em que a definição
de um limite, sob a forma de um traço mais ou menos rígido,
corresponde a uma representação cartográfica simplificada.
Por outro lado, este estudo pode corresponder a um
significativo contributo para a aplicação dessas metodologias, na sua maioria relacionadas com a sistematização
e organização dos dados iniciais.
As unidades de paisagem identificadas devem constituir
áreas de planeamento, com características semelhantes, nas
quais os elementos de ordem natural, antrópica e cultural
estejam identificados. Desta forma, as medidas de desenvolvimento integrado adquirem condições para maior eficácia
e coerência, do ponto de vista dos seus recursos e do seu
possível aproveitamento. Como fizemos referência no ponto
anterior, a actividade turística pode constituir um cluster
privilegiado de desenvolvimento da Raia Central, através de
planos integrados intermunicipais e até transfronteiriços. A
utilização dos recursos de forma sustentada e coerente deve
permitir o crescimento de iniciativas privadas e públicas,
· Paisagem árida
· Predomínio de solos pobres com fraca
aptidão agrícola (litossolos)
· Floresta de resinosas (Pinus pinaster) e
vegetação arbustiva degradada
· Paisagem urbana
· Elevada densidade populacional
· Forte densidade de construção
· Ausência marcante do elemento
população
· Paisagem rural/agrícola
· Solos com razoável aptidão agrícola
(luviossolos)
· População envelhecida
· Predomínio da floresta de folhosas
(Eucalyptus globulus)
· Paisagens naturais
· Altitudes elevadas
· Valores de precipitação significativos
· Baixas temperaturas médias
· Existência de espaços naturais
classificados (áreas protegidas)
assentes no território e na constituição de imagens de marca
baseadas na própria paisagem.
A refuncionalização de alguns elementos patrimoniais
e a constituição de centros de interpretação são medidas
que não devem ser descoradas quando se pretende que
a paisagem constitua um factor de desenvolvimento Este
só o pode ser efectivamente se no território identificarmos
áreas com características semelhantes entre si, mas distintas
de outras, com carácter e unidade bem definidos. A
elaboração de Planos Integrados de Desenvolvimento deve
ter presente a heterogeneidade das paisagens e dos seus
valores naturais e humanos. Não nos podemos esquecer,
contudo, de que qualquer medida dessa natureza deve ser
elaborada com o objectivo de revitalizar algumas áreas
marginais da Raia Central Portuguesa, objectivo impossível se não forem criadas condições de fixação e atracção
para as populações.
Um trabalho com essas características constitui
apenas uma aproximação metodológica perante determinado
objectivo, e como tal não se trata de um estudo acabado.
Constituindo um primeiro contributo para a identificação
de unidades de paisagem e para a sua valorização, o
presente trabalho pode ser o ponto de partida para outros
desta natureza.
Minerva, 5(2): 139-147
146
CASTRO, CUNHA & SANTOS
N
Meda
Figueira de Castelo Rodrigo
Trancoso
Pinhel
Almeida
Celorico da Beira
Guarda
Belmonte
Espanha
Manteigas
Sabugal
Covilhã
Penamacor
Fundão
Idanha-a-Nova
Toponímia
Raia Central Portuguesa
Potencial Endógeno
Castelo Branco
Principais funções
Urbano
Agrícola/silvícola
Turismo e lazer
Patrimônio natural
0
Figura 3
Minerva, 5(2): 139-147
12
Definição de unidades de paisagem em função do seu potencial endógeno.
24 km
ANÁLISE INTEGRADA DA PAISAGEM DA RAIA CENTRAL PORTUGUESA
147
Tabela 2 Potencial endógeno da paisagem da Raia Central Portuguesa.
Principais funções
(unidades de paisagem)
Urbano
(principais sedes de concelho: Guarda,
Covilhã, Fundão, Castelo Branco, Pinhel)
Agrícola e silvícola
(predomina essencialmente na Cova da
Beira, superfícies de Castelo Branco e
Alto Alentejo e alguns sectores a Norte
da Cordilheira Central)
Turismo/lazer
(grande parte da “Superfície da Meseta” e
parte da “Superfície de Castelo Branco”
até Penamacor)
Conservação da natureza
(coincidente com as principais
delimitações das áreas protegidas)
Medidas de desenvolvimento
· Incentivo à fixação das populações
· Melhoria das acessibilidades entre os espaços urbanos e o
rural
· Devem constituir espaços dinâmicos, indutores do
desenvolvimento das áreas envolventes
· Modernização dos sistemas agrícolas
· Aumento da atractividade destes espaços de modo a
inverter um cenário de desenvolvimento
· Incentivo à prática turística através das tipologias ligadas
ao “mundo rural”
· Utilização dos elementos da paisagem como recurso
turístico de excelência
· Elaboração de itinerários temáticos em função dos
diferentes recursos existentes
· Valorização e conservação do património cultural
existente (veja-se o caso do programa das Aldeias
Históricas)
· Existência de infraestruturas de apoio turístico que
permitam a efectiva prática desta actividade
· Refuncionalização de alguns espaços e infraestruturas
· Elaboração de planos integrados de conservação da
paisagem
· Medidas de protecção dos elementos naturais mais
representativos
· Gestão sustentável destes espaços, no sentido das
interacções entre os grupos humanos e os elementos
naturais
· Reconhecimento das populações endógenas como
“factores-chave” da valorização e conservação das Áreas
Protegidas
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