JANEIRO
FEVEREIRO
2021
www.revistademarinha.com
Marinha
Guerra
de
Diretor: Alexandre da Fonseca
Nº 1019 - janeiro/fevereiro 2021 - Preço Continente - 5,00 € - PERIODICIDADE BIMESTRAL
Vessel Traffic
Services (VTS)
Segurança e Monitorização em tempo real no Controlo
de Trafego Marítimo.
indracompany.com
FICHA TÉCNICA
ANO: 84
Nº 1019
FUNDADOR
MAURÍCIO DE OLIVEIRA
ANTERIORES DIRETORES
MAURÍCIO DE OLIVEIRA
GABRIEL LOBO FIALHO
EDITOR/DIRETOR
ALEXANDRE DA FONSECA
DIRETOR ADJUNTO
JOÃO RODRIGUES GONÇALVES
LUÍS MIGUEL CORREIA
SÍTIO NA INTERNET
JOÃO RODRIGUES GONÇALVES
COLABORADORES PERMANENTES
ANTÓNIO BALCÃO REIS
ANTÓNIO PETERS
ARMANDO MARQUES GUEDES
ARTUR PIRES (Setúbal/Sesimbra)
AUGUSTO SALGADO
CARLOS ALBERTO TIAGO (Peniche)
ÉLVIO LEÃO (Porto Santo)
FERNANDO PAIVA LEAL (Leixões)
ISABEL PAIVA LEAL (Leixões)
ISABEL PEREIRA (Faro)
JOÃO BRITO SUBTIL (S. Miguel/Açores)
JOÃO FERNANDES ABREU (Madeira)
LUIS FILIPE MORAZZO (Sotavento/Alg.)
LUIS MONTEIRO (Barlavento/Alg.)
MANUEL OLIVEIRA MARTINS (Viana do Castelo)
MIGUEL VIEIRA DE CASTRO (Sines)
ORLANDO TEMES DE OLIVEIRA
PAULO GAMA FRANCO
REINALDO DELGADO (Póvoa de Varzim/Vila do Conde)
RUI MATOS
Os artigos publicados na Revista de Marinha e assinados
refletem as perspetivas dos seus autores. Os artigos e fotografias incluídos nesta edição não podem ser reproduzidos sem
autorização.
Capa: O N.R.P. SINES, a navegar com mar encrespado ao largo da costa, numa feliz aguarela do
pintor de arte e nosso estimado assinante, Sr. Fernando Lemos Gomes
ÍNDICE DE ANUNCIANTES
INDRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CAPA
CASA DA SENHORA DO OUTEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04
TECNOVERITAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05
ULLMAN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09
J. GARRAIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
CONFORNAULUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
GRUPO SOUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
APL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
HEMPEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
OREY TÉCNICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
DOURO AZUL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
UAVISION . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
LIDERANÇA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
ALGA PLUS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
WESTSEA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
SABSEG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
MUSEU DE MARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
GALP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
PREVINAVE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
APSS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
PLANUS NÁUTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
CLUBE D. CARLOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
BENSAÚDE MARÍTIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
INDUMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
REBOPORT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
EMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
DGRM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
LINDLEY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
CLASSIBOATS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
EDIÇÕES REVISTA DE MARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
LOJA DO MUSEU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
EDIÇÕES BY THE BOOK . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
SEAVENTY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
RADIO HOLLAND . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA
IH . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA
LISNAVE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CONTRA-CAPA
Prefácio
No primeiro número de 2021 daremos, como é usual, um merecido destaque ao tema “Marinhas de Guerra”, com ênfase na
nossa “Briosa”.
A Marinha procura recuperar do período da crise económica
de 2011 – 2015, que afetou significativamente o investimento, a
manutenção e o treino; a estes problemas acresce hoje a falta
de pessoal e a clarificação de competências na área da fiscalização.
O investimento é fundamental, quer no upgrade das unidades, quer na substituição das que se tornaram obsoletas. No que se refere a fragatas, importa acelerar, e
financiar adequadamente, a modernização da classe VASCO DA GAMA, excelentes
plataformas ainda com muito potencial. E começar desde já a perspetivar as “Fragatas
de Nova Geração”, procurando parceiros entre as Marinhas Aliadas para um programa conjunto. A construção de nova série de patrulhas oceânicos, que a necessidade
de reforço de patrulha das águas do Algarve face à imigração ilegal acentua, está a
atrasar-se, e haverá que não esquecer que os patrulhas costeiros classe Tejo foram
construídos na Dinamarca em 1992 e que as lanchas de fiscalização classe ARGOS
tem já 30 anos!
Os programas de construção naval, ou de modernização, têm, como se sabe, um
grande potencial para o envolvimento da nossa indústria, assim exista o adequado
planeamento.
A manutenção e o treino são mais fáceis de recuperar, como já o dissemos no ano
passado, desde que os orçamentos anuais, de forma consistente, o permitam.
O recrutamento terá de ser abordado de forma pragmática; se a Marinha, se as
Forças Armadas querem recrutar, terão de competir no mercado de trabalho com as
empresas e com as Forças de Segurança, o que implica vencimentos e incentivos
adequados.
Recentemente a atribuição de um navio com capacidade oceânica à GNR originou
alguma polémica; gostaria de aqui deixar duas ideias apenas, e a “declaração de interesses” de ter servido 43 anos na Marinha.
A primeira é que o Estado deve clarificar perfeitamente as competências dos diversos
organismos; a competição entre estes não deverá existir, a colaboração e o apoio mútuos
devem ser incentivados. Recorde-se a situação que existe em França onde o Prefeito
Marítimo, um Vice-Almirante na dependência do Primeiro Ministro, coordena a atividade
de todos os meios dos diversos organismos do Estado no mar.
A segunda é que cada organização deve fazer aquilo para que tem vocação, aquilo
que melhor sabe fazer. E para andar no mar, uma Marinha de “duplo uso” terá certamente mais vocação do que a GNR … Haverá problemas constitucionais? Organize-se uma Guarda-Costeira dentro da Marinha, com o mesmo Comandante e usando o
mesmo pessoal e a mesma logística do material. Sugiro mesmo que se espreite como
a Noruega, um país à nossa dimensão, se organizou neste âmbito.
A fechar, votos de um excelente Ano Novo de 2021, COVID free, se Deus quiser!
Alexandre da Fonseca
[email protected]
Estatuto Editorial
A Revista de Marinha é uma publicação cujo título é propriedade da firma “Editora Náutica
Nacional, Lda”, sociedade por quotas, sendo seus únicos sócios o presente editor e diretor e sua
mulher.
O tema central da revista é o Mar, cuja importância na economia, na segurança, na cultura
e na identidade nacional é por demais evidente. Este tema será abordado nas suas múltiplas
facetas, com destaque para os assuntos relativos às ciências do mar, às atividades portuárias e
às Marinhas de Guerra, de Comércio, de Pesca e de Recreio, quer de Portugal, quer dos outros
Estados lusófonos.
A Revista de Marinha é uma publicação periódica, bimestral, independente, que se rege por
critérios jornalísticos rigorosos. Os artigos e as notícias que insere terão uma análise factual, a
procura do contraditório e quando aplicável, farão uma crítica construtiva. Os autores dos artigos
serão diversificados, acolhendo-se sobre o mesmo tema opiniões diversas, que possibilitem aos
nossos leitores – a nossa verdadeira razão de ser – formarem eles próprios a sua opinião.
Na orientação geral dos conteúdos da revista, no seu equilíbrio e no relevo dado aos vários
assuntos será tida em conta a opinião do Conselho Editorial.
Revista de Marinha (ERC nº 104351): Endereço da Sede e Redação - Av. Elias Garcia, Nº 20, 4º Esq. 1000 -149 Lisboa. Propriedade da ENN – Editora Náutica Nacional, Lda.,
NIPC 501 700 536. Tm. 91 996 47 38, Tel. 21 580 98 91, e-mail:
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nº 211781; Depósito legal nº 18 573/87. O capital desta empresa está repartido por duas quotas iguais, de 50% cada, pertencentes a Henrique Alexandre Machado da Silva da Fonseca e Maria de
Fátima Rueda Cabral Sacadura Alexandre da Fonseca. Paginação, Impressão e Acabamento: Estria, Produções Gráficas, S.A., Rua Torcato Jorge, Nº 1, Sub-Cave, 2675-359 Odivelas, Tel.
21 938 56 69, E-mail:
[email protected]; Site: estria.wix.com/estria; Tiragem deste número: 2900 exemplares; Distribuição: VASP, Tel. 21 439 85 07.
84.O Ano
Sumário
ATUALIDADE NACIONAL
FRAGATA CORTE REAL REGRESSA DE MISSÃO ............ 5
EID TEM NOVO DIRETOR EXECUTIVO ............................ 6
AGEPOR COM NOVOS CORPOS SOCIAIS ...................... 6
BOOT DUSELDORF 2021 FOI CANCELADA .................... 6
TECNOVERITAS FORNECE A MARINHA GREGA ............ 7
INSPETORES DE PESCA PORTUGUESES
EM MISSÃO DA EFCA ...................................................... 7
PORTUGUESA COORDENA EXPLORAÇÃO
DO MAR PROFUNDO ...................................................... 8
APS ADQUIRE UMA EMBARCAÇÃO DE PILOTOS .......... 9
SUBSTITUIÇÃO DA FROTA
DE SALVA-VIDAS EM FRANÇA ...................................... 10
REPARAÇÃO DO MOLHE NORTE
DO PORTO DE VIANA .................................................... 10
ANC E ENN ASSINAM PROTOCOLO ............................. 10
SUNCONCEPT – UM ESTALEIRO NAVAL DE RECREIO
NA VANGUARDA DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ......... 11
NOVA GRUA EQUIPA O PORTO DA PRAIA DA VITÓRIA 12
O NOVO MOLHE NO PORTINHO DE ANGEIRAS ........... 12
EMBARCAÇÃO PORTUGUESA FINALISTA
EM PRÉMIOS INTERNACIONAIS ................................... 13
NAVALRIA AUTORIZADA A RECICLAR NAVIOS ............ 13
TERMINAL XXI – PSA SINES ADJUDICA EXPANSÃO .... 14
DOCAPESCA LANÇA SITE “LOTA EM CASA” ................ 14
COMODORO DIOGO ARROTEIA COMANDA
FORÇA EUROPEIA NA OPERAÇÃO ATALANTA ............ 15
CONSTRUÇÃO DE PONTE-CAIS
NO PORTO DAS LAJES DAS FLORES ........................... 17
A ESCUNA WILDE SWAN ESCALOU LEIXÕES .............. 17
APDL REUNIU O CONSELHO
DE NAVEGABILIDADE DO DOURO ................................ 18
MUNICÍPIO VIANENSE HOMENAGEOU
JOÃO ÁLVARES FAGUNDES ......................................... 18
ARMADOR VAI REGISTAR NAVIOS
DE CRUZEIRO NA MADEIRA ......................................... 19
MITIGANDO O CHOQUE E AS VIBRAÇÕES .................. 20
ESTRATÉGIA & GEOPOLÍTICA
O CRUZADOR REPÚBLICA NA CHINA .......................... 54
CRÓNICAS
TRANSPORTES & LOGÍSTICA ....................................... 66
SEGURANÇA MARÍTIMA ................................................ 68
O MAR COMO PATRIMÓNIO ......................................... 22
MERGULHO ................................................................... 70
OS AÇORES E A SEGURANÇA NO ATLÂNTICO ........... 42
ENERGIAS RENOVÁVEIS MARINHAS ............................ 72
MODELISMO .................................................................. 74
DESPORTOS NÁUTICOS ............................................... 76
MARINHA DE GUERRA
PATRIMÓNIO MARÍTIMO ............................................... 78
A MODERNIZAÇÃO DAS FRAGATAS
CLASSE VASCO DA GAMA ........................................... 26
O COMANDO PORTUGUÊS DA FORÇA NAVAL
DA UNIÃO EUROPEIA NA SOMÁLIA .............................. 30
ESCAPARATE
SEA POWER: THE HISTORY AND GEOPOLITICS
OF THE WORLD'S OCEANS .......................................... 80
O “PLANO ESTRATÉGICO DA MARINHA”
DO BRASIL (PEM 2040) ................................................. 33
O DRAMA DE CANTO E CASTRO .................................. 82
CONTRIBUIÇÃO DA MARINHA ANGOLANA
NO DESENVOLVIMENTO DO PAÍS ................................ 36
NA ROTA DE DIOGO CÃO (1975) .................................. 83
A FORÇA NAVAL LIGEIRA DE TIMOR-LESTE ................ 38
REVISTA “VAI D'ARRINCA” ............................................ 84
MIA A BORDO! ............................................................... 82
REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA .................................. 84
O NAVIO-ESCOLA MIRCEA ........................................... 58
ARQUIVO HISTÓRICO
CULTURA MARÍTIMA
A Revista de Marinha HÁ MAIS
DE OITENTA ANOS… Nº 73 ........................................... 85
MUSEU DE MARINHA .................................................... 44
ASSOCIAÇÃO “ECONOMIA AZUL
- UNIDOS PELO MAR”
O COMANDO DE UNIDADES DE FUZILEIROS ............... 46
TO
N
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A
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2
DE
S
4
“INCRÍVEL ARMADA” – A HISTÓRIA DA TG 24.1 ........... 50
NAVIOS DO DESPACHO 100 ......................................... 64
FORMAÇÃO E TREINO
Casa
da Senhora
do Outeiro
HISTÓRIA MARÍTIMA
ENTREVISTA
RESTAURO DA CAPELA-FAROL
DE S. MIGUEL-O-ANJO ................................................. 16
TRANSINSULAR REFORÇA SERVIÇO
“MADEIRA EXPRESSO” ................................................. 16
JANELA ÚNICA LOGÍSTICA AVANÇA
NOS PORTOS NACIONAIS ............................................ 48
UNTERGANG: O FIM DRAMÁTICO
DA KAISERLICHE MARINE ............................................. 60
ZAIRE COMBATE A PIRATARIA
NO GOLFO DA GUINÉ ................................................... 15
NOVO SITE DE ANÚNCIOS CLASSIFICADO
DE EMBARCAÇÕES À VELA E A MOTOR ...................... 15
PORTOS & ATIVIDADES
PORTUÁRIAS
NTE
A
N
I
S
AS
ISTA
V
E
R
DA
INHA
R
A
M
DE
revistademarinha.com
RELATÓRIO DA COMISSÃO EUROPEIA 2020
SOBRE A ECONOMIA AZUL .......................................... 86
Apartamentos
Turísticos
• ALGARVE
• COLARES
• BEIRA ALTA
Outeiro de Matados
Chãs de Tavares – 3330-034 Mangualde
E-mail:
[email protected]
809 891 / Tlm.:
964 738
· Tel.:
1019215
Janeiro/Fevereiro
2021 919
· Revista
de Marinha
Atualidade Nacional
Fragata CORTE REAL
regressa de missão
NRP CORTE REAL regressou a
Lisboa no dia 15 de dezembro,
após cinco meses e meio de missão como navio-almirante do Standing
NATO Maritime Group 1 (SNMG1).
Desde o dia 30 de julho, a fragata
CORTE REAL como navio-almirante do
SNMG1, embarcou o Comandante da
Força, o Comodoro Vizinha Mirones, da
Marinha Portuguesa, e o seu Estado-Maior
internacional.
O SNMG1 é uma das quatro forças navais permanentes da NATO, destinadas a
contribuir para a defesa coletiva, apoiando
o esforço contínuo de dissuasão e segurança. Sob comando português, o SNMG1
integrou navios tipo fragata de nacionalidade canadiana, belga, francesa, dinamarquesa e inglesa.
Ao longo de 165 dias de missão e 2.350
horas de navegação, a fragata CORTE
O
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
REAL contribuiu ativamente para a segurança e conhecimento situacional marítimo
nas áreas do Atlântico Norte, Mar do Norte, Mar Báltico e Mar da Noruega, inclusive
navegando a Norte do Círculo Polar Ártico.
Além do empenhamento em operações
reais, participou em vários exercícios internacionais, nomeadamente o JOINT WARRIOR 202, ORCA 20 e o FLOTEX 2020.
Destaca-se ainda o embarque, inédito,
de um destacamento de helicópteros da
Marinha Alemã, com uma aeronave Lynx
MK 88A, que operou a bordo do navio
português durante, aproximadamente, três
semanas, com todo o sucesso.
A fragata CORTE REAL atracou no Terminal de Cruzeiros de Lisboa, acompanhada pelo navio canadiano HMCS TORONTO. A cerimónia de receção ao navio foi
presidida pelo Ministro da Defesa Nacional,
Professor Doutor João Gomes Cravinho,
· revistademarinha.com
estando igualmente presentes o Chefe
do Estado-Maior da Armada, Almirante
António Mendes Calado, e o Chefe do
Estado-Maior do Comando Conjunto para
as Operações Militares, Tenente-General
Marco Serronha, entre outras entidades
civis, diplomáticas e militares.
Está previsto, no quadro de uma rotação pelos países que participam regularmente nesta força naval, Portugal entregar
o Comando do SNMG1 ao Canadá no próximo dia 18 de janeiro, em cerimónia a decorrer no Terminal de Cruzeiros de Lisboa.
A fragata CORTE REAL é presentemente comandada pelo Capitão-de-fragata
António Jacinto Coelho Gomes e possui
uma guarnição de cerca de 180 militares, incluindo duas equipas do pelotão de
abordagem do Corpo de Fuzileiros, uma
equipa de mergulhadores-sapadores e
uma equipa médica.
5
84.O Ano
EID TEM NOVO DIRETOR EXECUTIVO
O grupo tecnológico COHORT, Plc anunciou em
princípios de dezembro a
nomeação do Engº Frederico
Lemos para Presidente Executivo da EID, S.A., empresa
portuguesa
especializada
em sistemas de comunicações para a área da defesa,
sucedendo ao Engº António
Marcos Lopes, desde 1 de
Dezembro.
Frederico Lemos, que
conta com mais de 20 anos de experiência
na área da defesa, tanto no sector público
como no privado, integra a Administração
Executiva da EID S.A. proveniente da Embraer S.A., onde ocupou o cargo de Vice-Presidente de Vendas e Desenvolvimento
de Negócios para os mercados do Médio
Oriente, Ásia e Sul de África.
Cidadão português, engenheiro aeroespacial e com pós-graduações em negócios, inovação e liderança, anteriormente
desempenhou diversas funções na área de
Desenvolvimento de Negócios de Defesa na Embraer
e na OGMA (Indústria Aeronáutica de Portugal, S.A.,
do grupo Embraer), além de
Gestor de Projetos e Programas na Força Aérea Portuguesa, onde prestou serviço
como oficial de carreira.
Sobre esta recente nomeação, o Director Executivo da COHORT Plc, Grupo
britânico na área da defesa
onde a EID se integra, afirmou … estou
muito satisfeito em dar as boas-vindas
ao Eng.º Frederico Lemos como o novo
Presidente Executivo da EID. A sua experiência nas Forças Armadas Portuguesas
e na indústria da defesa internacional será
vital para elevar a EID à próxima fase do
seu desenvolvimento. Terei muito gosto
em trabalhar com ele nos próximos meses e anos. Referiu ainda que … gostaria
também de aproveitar esta oportunidade
para expressar os meus agradecimentos
ao Eng.º António Marcos Lopes pelos serviços prestados e pelo grande contributo
para a EID, para os seus clientes e colaboradores.
Na ocasião o Engº Frederico Lemos
referiu ser … com muita satisfação que
aceito a nomeação para liderar a EID. A
empresa possui soluções tecnológicas
únicas para comunicações de defesa e
uma equipa talentosa e experiente que a
posiciona bem para continuar a servir as
Forças Armadas Portuguesas e internacionais, bem como para expandir a sua
atividade para novos mercados e áreas
de negócio.
A Revista de Marinha, que desde há
muitos anos colabora com a EID no âmbito da comunicação, formula ao Engº Frederico Lemos votos de muitos sucessos
empresariais. Ao Engº Marcos Lopes, na
sua merecida reforma e recordando que foi
Oficial da Reserva Naval, desejamos que
nesta sua nova fase da vida encontre sempre ventos bonançosos e de feição, mares
calmos e águas abertas e safas!
AGEPOR COM NOVOS CORPOS SOCIAIS
Em 3 de dezembro de 2020 o
Conselho Nacional da AGEPOR
elegeu a sua Direção Nacional
que ficará assim constituída:
• Presidente – João Silva (NAVEX)
• Vice-Presidente – Isabel
Azevedo (ONE – Shipping)
• Vice-Presidente – Luís Paz da Silva
(MARMEDSA)
• Vice-Presidente – Marco Vale (MSC)
• Vice-Presidente – Rui d’Orey (Orey,
Comércio e Navegação)
Como Diretor –
Executivo mantém-se o Dr. António
Belmar da Costa,
nosso
estimado
assinante e que
com a RM já tem
colaborado
no
passado.
A AGEPOR – Associação
dos Agentes de Navegação
de Portugal é conhecida
pelo seu espírito construtivo
e disponível, e também pela rigorosa defesa dos interesses de mais de cem as-
sociados, pela defesa dos
armadores que os agentes
representam, pela defesa
dos portos portugueses e
pela defesa da eficiência
portuária na sua dimensão
de pilar da economia.
A Revista de Marinha
aproveita a oportunidade
para formular aos novos
Corpos Sociais da Agepor
votos de muito sucesso no
desempenho das suas funções; que os ventos vos sejam sempre
favoráveis e os mares calmos!
BOOT DUSSELDORF 2021 FOI CANCELADA
a 30 de janeiro de 2022. A Boot é a mais
importante feira europeia de náutica de recreio, mergulho e atividades relacionadas,
tendo diversas empresa e organismos portugueses marcado honrosa presença nos
últimos anos.
A organização da Messe Dusseldorf é
representada em Portugal pela firma Representações Walter & Cia, tel 21 355 6254,
e-mail
[email protected], endereço postal
Largo Andaluz, nº 15, 3º Dto 1050 – 004
Lisboa.
A Boot Dusseldorf, que tradicionalmente
se realizava em fins de janeiro foi primeiramente adiada para a primavera e recentemente cancelada.
As razões desse cancelamento percebem-se bem; inicialmente admitiu-se que
com o início da vacinação a Pandemia COVID-19 já estaria dominada em abril, contudo a situação foi reavaliada e a 21 de janeiro
a direção da Messe Dusseldorf decidiu cancelar a realização da feira em 2021.
Está prevista uma nova edição de 21
6
revistademarinha.com
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
TECNOVERITAS FORNECE A MARINHA GREGA
A firma tecnológica Portuguesa TecnoVeritas, sedeada em Mafra, está a fornecer à Marinha de Guerra da Grécia, em
particular para os navios de ataque rápido
(FPB’s) da Classe ROUSSEN, equipamentos de monitorização de performance do sistema propulsor, nomeadamente
Dinamómetros e Torsiómetros, para as
quatro linhas de veios, bem assim como
as consolas e respetivo software para serem integrados no sistema de gestão da
plataforma. Os sistemas fornecidos possibilitam o acompanhamento em tempo real
do desempenho da instalação propulsora
e permitem também a determinação do
aumento da resistência do casco, sendo
uma informação particularmente relevante dada a elevada velocidade e potência
instalada nesta classe de navios. Os sistemas em apreço foram já fornecidos para
diversas Marinhas de Guerra, nomeadamente da India e Malta, tendo sido concebidos e fabricados pela TecnoVeritas.
Tais sistemas têm tido particular procura,
revelando o crescente interesse na moni-
Os sensores “Optipower” montados numa linha de veios.
torização do desempenho da propulsão e
no impacto ambiental.
As FPB’s em apreço, em número de
7, são uma variante alargada do design
bem-sucedido da Classe VITA, em serviço nas Marinhas do Quatar e de Omã.
Com um comprimento entre perpendicu-
lares de 62 m, boca de 9,5 m e um calado
de apenas 2,6 m, para um deslocamento
a plena carga de 668 toneladas, estes navios têm uma tripulação de 45 homens e
velocidade máxima de 35 nós.
Em termos de sistemas de armas, as
FPB’s da Classe ROUSSEN são fortemente armadas para as suas dimensões
pois dispõem de uma peça principal de
76 mm, misseis antinavio EXOCET MM40
Block 2 e um lançador de mísseis superfície-ar RAM e 2 peças antiaéreas de 30
mm de fogo rápido. Os sensores e o sistema de comando e controlo são de origem francesa. Está previsto ter lugar um
upgrade do sistema de combate destes
navios com a introdução do míssil HARPOON e a substituição de alguns sensores.
A Revista de Marinha congratula-se
com este sucesso comercial da Tecnoveritas; que na sua atividade empresarial
esta firma encontre sempre ventos bonançosos e de feição, mares calmos e
águas abertas e safas!
INSPETORES DE PESCA PORTUGUESES EM MISSÃO DA EFCA
A EFCA – European Fisheries Control
Agency, sedeada em Vigo, é a agência da
União Europeia (UE) que coordena as operações de controlo das pescas e que apoia
os Estados Membros (EM) na aplicação
eficaz e uniforme da Política Comum das
Pescas. De assinalar que o cumprimento
da Política Comum das Pescas é um pré-requisito para a sustentabilidade do setor.
A EFCA fretou um navio com capacidade oceânica, o LUNDY SENTINEL, com 61
m de comprimento, construído em 2015
e de bandeira portuguesa. Este navio dispõe de 3 embarcações, uma das quais
semirrígida, com capacidade de inspeção
(boarding). Em 2020 operou na inspeção
de pescas em áreas críticas do Mediterrâneo, Mar Negro, Báltico, Mar do Norte e no
Atlântico Ocidental.
Como navio de inspeção de pescas o
LUNDY SENTINEL controla e inspeciona
embarcações de pesca e os respetivos
navios de apoio em águas internacionais,
de países terceiros e de EM. Esta atividade é coordenada por um representante
da EFCA a bordo, estando também embarcados inspetores de pesca dos EM e,
no caso de deslocações para zonas de
gestão regional das pescas, como a NAFO
– North Atlantic Fisheries Organization, inspetores de países terceiros. Com a existência a bordo de inspetores de diferentes
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
países, a EFCA procura atingir no campo
operacional transparência e uma aplicação
uniforme da legislação.
O LUNDY SENTINEL poderá ainda colaborar em funções de Guarda Costeira,
tais como busca e salvamento, controlo de
fronteiras e combate à poluição, em cooperação com autoridades dos EM e / ou de
duas outras agências, a FRONTEX – European Border and Coast Guard Agency e a
EMSA – European Maritime Safety Agency.
· revistademarinha.com
A 14ª patrulha em 2020 do LUNDY
SENTINEL foi uma das mais longas em
águas internacionais e a mais longa com
inspetores dos EM a bordo. Nesta patrulha os inspetores de pesca eram uma
equipa mista que incluía inspetores portugueses, inspetores da NAFO, da NEAFC
– North East Atlantic Fisheries Comission
e da ICCAT – International Commission
for the Conservation of Atlantic Tunas.
Foi ainda a primeira patrulha com inspetores dos EM a bordo depois de seis meses de pausa devido à pandemia COVID
19. Nesta missão as operações incluíram
zonas de três áreas críticas, da NAFO,
da NEAFC e da ICCAT. Por outro lado,
o Oficial de Ligação da EFCA a bordo
coordenou as operações com as de um
navio Canadiano de inspeção de pescas
que operava na mesma área. Foram inspecionados sete navios de pesca, tendo
sido averiguado se cumpriam as regras
especificas das áreas onde operavam e
as regras da UE.
Durante esta patrulha o LUNDY SENTINEL teve de navegar sob condições meteorológicas adversas, designadamente
evadindo-se das depressões cavadas EPSILON e ZETA, mas assegurou o cumprimento dos objetivos da missão, trazendo
por fim as equipas de inspetores de pesca
embarcados para terra, em segurança.
7
84.O Ano
Portuguesa coordena
exploração do mar profundo
epois de Marte, é, provavelmente, o
mais enigmático local que a humanidade não pisou: o mar profundo.
Simbolicamente batizado de Challenger
150, em alusão ao ponto mais profundo do
planeta (a Challenger Deep), um novo programa com cientistas de todo o mundo propõe-se trazer à superfície o conhecimento
que ainda se esconde nas profundezas dos
oceanos.
Ao leme deste programa, a bióloga portuguesa Ana Hilário, do Centro de Estudos
do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro (UA), quer fazer com que
o programa Challenger 150 seja uma referência da Década das Nações Unidas da
Ciência do Oceano para o Desenvolvimento
Sustentável.
O mar profundo, as vastas extensões de
água e fundos marinhos entre os 200 e os
11.000 m abaixo da superfície do oceano,
é reconhecido globalmente como uma importante fronteira da ciência e da descoberta, aponta a Prof. Doutora Ana Hilário,
doutorada em biologia e coordenadora do
Challenger 150 a par com Kerry Howell, investigadora na Universidade de Plymouth
(Reino Unido) e especialista em Ecologia do
Mar Profundo.
Apesar de o mar profundo representar cerca de 60 % da superfície da Terra,
aponta a investigadora da Universidade de
Aveiro, uma grande parte permanece completamente inexplorada e a Humanidade
conhece muito pouco sobre os seus habitats e como estes contribuem para a saúde
de todo o planeta.
Para colmatar esta lacuna, Ana Hilário e
Kerry Howell juntaram à sua volta uma equipa de cientistas de 45 instituições, de 17
países, que se propõem um programa de
investigação, com a duração de 10 anos,
dedicado ao estudo do mar profundo. De
Portugal, para além da equipa da UA, contribuíram para o desenho do programa também cientistas do CIIMAR (Universidade do
Porto), do Okeanos (Universidade dos Açores) e do CIMA (Universidade do Algarve).
O Challenger 150 – refira-se que o ano
2022 marca o 150º aniversário da expedição do navio HMS CHALLENGER que circum-navegou o globo, mapeando o fundo
do mar, registando a temperatura global do
oceano, e proporcionando a primeira perspetiva da vida no mar profundo - irá coincidir com a Década das Nações Unidas da
Ciência do Oceano para o Desenvolvimento
questões como a exploração mineira nos
fundos oceânicos, a pesca e a conservação
da biodiversidade, bem como a política climática.
D
8
MAIS E MELHOR COLABORAÇÃO
E CONHECIMENTO
Sustentável, que decorre de 2021 a 2030.
Este programa, esperam os cientistas,
irá também gerar mais dados geológicos,
físicos, biogeoquímicos e biológicos através
da inovação e da aplicação de novas tecnologias, e utilizar estes dados para compreender como as mudanças no mar profundo afetam todo o meio marinho e a vida
no planeta. Este novo conhecimento será
usado para apoiar a tomada de decisões a
nível regional, nacional e internacional sobre
revistademarinha.com
Mas o mergulho no mar profundo do
programa Challenger 150 só será possível
através da cooperação internacional. Por
isso, os investigadores do programa publicaram no dia 25 de novembro um apelo na
revista “Nature Ecology and Evolution” enquanto, simultaneamente, publicavam um
esquema detalhado do Challenger 150 na
revista “Frontiers in Marine Science”.
Liderada por membros das redes internacionais Deep-Ocean Stewardship Initiative (DOSI) e Scientific Committee on Oceanic Research (SCOR), a lista de autores
dos dois artigos inclui cientistas de países
desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento de seis dos sete continentes. Os
cientistas alegam que a Década anunciada
pela ONU proporciona uma oportunidade
ímpar de unir a comunidade científica internacional para dar um salto gigantesco no
nosso conhecimento das profundezas dos
mares.
A nossa visão é a de que, dentro de 10
anos, qualquer decisão que possa ter impacto no mar profundo, seja de que forma
for, será tomada com base num conhecimento científico sólido dos oceanos, aponta
Kerry Howell. Para que isso seja alcançado,
sublinha a investigadora britânica … é necessário que haja consenso e colaboração
internacional.
Ana Hilário antevê que a Década das
Nações Unidas a que atrás se aludiu proporcione a oportunidade de construir um
programa a longo prazo de formação e
capacitação de recursos humanos em ciências do oceano. Com o Challenger 150 …
pretendemos formar a próxima geração
de biólogos do mar profundo. Vamos concentrar-nos na formação de cientistas de
países em desenvolvimento, mas também
de jovens cientistas de todas as nações, incluindo Portugal. Tal formação, acredita, irá
criar uma rede reforçada que permitirá aos
países exercer plenamente o seu papel nos
debates internacionais sobre a utilização
dos recursos marinhos dentro e fora das
suas fronteiras nacionais.
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
APS adquire uma embarcação de pilotos
m outubro de 2020 a APS – Administração dos Portos de Sines e do
Algarve, S.A. assinou um contrato
com a firma “Safehaven Marine”, de Cork,
Irlanda, para a construção de uma nova
embarcação de pilotos do tipo “Interceptor
48”.
A Safehaven forneceu recentemente
duas embarcações deste tipo para o porto
de S. Ciprian, na Galiza, e em 2019 outra, à APDL, para Leixões. A Safehaven
fabricou já 45 embarcações de pilotos das
quais 9 operam em portos portugueses,
designadamente em Aveiro, 5 em portos
espanhóis e uma em Maputo, Moçambique.
A embarcação em apreço tem 14,9 m
de comprimento, uma boca de 4,4 m e um
calado de 1,3 m, e um deslocamento carregado de 18,8 tons. O casco está dividido
em quatro compartimentos estanques e
tem capacidade para auto-adriçamento.
A propulsão é assegurada por motores
Volvo e dois hélices de 4 pás, com uma
velocidade operacional de 25 nós. O tanque de combustível tem uma capacidade
de 1.800 lts e a aguada é de 110 lts. A
embarcação dispõe de um conjunto generoso de equipamentos de comunicações
e de navegação, incluindo radar, sonda,
E
GPS e ECDIS. Na cabine, com um baixo
nível de ruído, podem sentar-se 7 pessoas
em assentos que mitigam o choque e as
vibrações, e nas acomodações de vante
podem ser transportados mais 6 passageiros. O casco está protegido com defensas
em toda a volta e preparado para os impactos que podem ocorrer em condições
de mau tempo, quando das atracações
para transferência de pilotos. Oferecem
uma plataforma estável para estas operações, onde o risco está sempre presente,
e podem operar até ventos de força 8 / 9
e ondulação de mais de 5 m. Dispõe ainda
na popa de um eficaz sistema de recolha
de náufragos, para o caso de um “homem
ao mar”.
A gama “Interceptor”, com cascos
construídos em GRP, compreende os modelos 38, 42, 48 e 55, com comprimentos
entre os 11,7 m e os 16,5 m. O modelo
com maior sucesso comercial tem sido o
“Interceptor 48”, introduzido em 2010.
A firma “Safehaven Marine” foi fundada
em 1996 e constrói diversos tipos de pequenos navios e embarcações e as embarcações de pilotos da gama “Interceptor”,
o seu core business. São considerados
líderes neste campo e ganharam considerável reputação pela construção de embarcações de pilotos de cascos fortes, de
excelentes qualidades náuticas em condições meteorológicas adversas e com uma
propulsão muito fiável.
O representante para a Península Ibérica da “Safehaven”, desde 2008, é o Cte.
Ronald Goddard, nosso estimado assinante. Serviu na Royal Navy 35 anos, como
piloto de helicópteros, comandou a fragata
HMS PENELOPE e o seu último cargo foi
ser adido de Defesa junto da Embaixada
Britânica em Lisboa, cidade onde presentemente reside.
www
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
· revistademarinha.com
9
84.O Ano
SUBSTITUIÇÃO DA FROTA DE SALVA-VIDAS EM FRANÇA
A SNSM – Association des Sauveteurs
en Mer lançou recentemente um concurso para um grande projeto de substituição
dos salva-vidas baseados nas costas de
França, quer na Europa quer no Ultramar.
Os trabalhos iniciaram-se em 2014 visando definir uma gama simplificada e
coerente de diversos tipos de salva-vidas,
otimizados para as diferentes circunstâncias e com possibilidade de serem customizados em função do local de operação,
onde estarão baseados. Foram ainda identificadas as necessidades em número e
tipo de unidades, em função dos acidentes
ocorridos no passado. Com velocidades
da ordem dos 28 nós os três tipos de unidades de maiores dimensões dispõem de
generosas facilidades de comunicações,
designadamente digitais, e de um sistema
de recolha de náufragos na área da popa,
com um patim / plataforma que permite
uma operação segura para a tripulação
dos salva-vidas no decurso da recolha dos
náufragos.
A gama atrás referida inclui 7 tipos de
unidades, duas oceânicas, com 17 m e
14,5 m de comprimento, uma costeira,
com 12 m, duas semirrígidas, com 8,5 m
e com 6,4 m, um bote de borracha com
motor de popa e um jet-ski, estas duas
últimas unidades para operarem junto à
costa, em barras de rios, na aproximação
a portos ou no apoio às praias.
Está prevista a construção de cerca de
140 unidades no decurso de um período
de 10 anos, envolvendo um investimento
superior a 100 M€, com financiamentos
da Administração Central, das Administra-
ções Regionais e Locais e ainda de donativos privados.
O contrato para a conceção detalhada
e construção dos salva-vidas foi ganho em
17 de outubro de 2020 por um consórcio
liderado pelos Estaleiros Couach, sitos na
bacia de Arcachon, região de Bordéus. Integram também este consórcio o estaleiro
Z Nautic, o gabinete de arquitetura naval
Barreau-Neuman e o Gabinete de Estudos
Numeca, especializado na simulação numérica de mecânica de fluidos.
REPARAÇÃO DO MOLHE NORTE DO PORTO DE VIANA
A intervenção “A” da Empreitada de
Reparação e Reforço do Molhe Norte do
Porto de Viana do Castelo, adjudicada em
julho de 2019 e iniciada em 2 de setembro,
com a presença da então Ministra do Mar
Ana Paulo Vitorino, foi concluída em outubro do corrente ano de 2020.
A obra compreendia … o reforço do talude existente no extradorso do tronco do
molhe, com enrocamentos de gama 90-120
KN, com declive 2:1; o reforço do talude
existente no intradorso do tronco do molhe,
com enrocamentos que se encontravam
depositados no terrapleno junto ao molhe;
reparação do pavimento de betão nas exten-
sões danificadas do coroamento do molhe, e
importou em 2,1 milhões de euros.
Fazem ainda parte da empreitada mais
4 intervenções com um custo estimado
de 19,5 milhões de euros, para reforço
do molhe, que passam pela substituição
e reforço dos atuais doles artificiais e/ou
enrocamentos, por outros superiores, de
forma a garantir maior segurança naquela
importante infraestrutura portuária, cada
vez mais relevante do ponto de vista económico para o país, como referiu na altura
a Engª Ana Paula Vitorino.
Vista do molhe de Sul para Norte, após a reparação. (foto do autor)
Manuel de Oliveira Martins
ANC E ENN ASSINAM PROTOCOLO
No passado dia 9 de dezembro de
2020, nas instalações do Clube Militar
Naval, em Lisboa, a ANC – Associação
Nacional de Cruzeiros e a ENN – Editora Náutica Nacional, Lda, proprietária do
título Revista de Marinha, representados respetivamente pelo Engº Paulo
Murta Xavier, Presidente da Direção e
pelo V/Alm. Alexandre da Fonseca, sócio-gerente, assinaram um novo protocolo
de colaboração. Este protocolo substituiu
10
um documento anterior, datado de 16 de
março de 2012, e entrou imediatamente
em vigor.
Prevista a oferta de assinaturas grátis,
por um ano, aos novos associados da
ANC e um conjunto de facilidades adicionais para os seus membros; por seu lado
a ANC divulgará entre os seus associados
a RM e comercializará na sua sede os livros publicados pelas “Edições Revista de
Marinha”.
revistademarinha.com
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
SunConcept – um Estaleiro Naval
de Recreio na vanguarda
da inovação tecnológica
s estaleiros navais de recreio no
nosso País têm vindo a revelar uma
resiliência notável, assente numa capacidade de inovação tecnológica, da qual a
RM tem dado conta aos seus leitores.
Desta feita damos nota do trabalho de
vanguarda que tem vindo a ser realizado
pela Sun Concept, um estaleiro instalado
em Olhão e que é um verdadeiro exemplo
de capacidade de inovação tecnológica,
que visitámos no passado dia 13 de setembro.
A Sun Concept – Solar Boat Builders é
um estaleiro de construção naval totalmente
dedicado ao desenvolvimento e construção
de embarcações sustentáveis, movidas a
energia solar. O projeto, iniciado há mais de
5 anos, conta já com dois modelos construídos em série e com perto de 30 embarcações construídas e a navegar, de Norte a
Sul de Portugal.
O conceito há 5 anos era apenas isso
mesmo. Hoje é uma realidade reconhecida
no mercado, e com qualidade e fiabilidade
comprovadas. Atualmente a aquisição de
uma embarcação electro-solar é uma opção
como qualquer outra, mas com uma panóplia de vantagens quando comparada com
embarcações com motores de combustão.
Durante a visita que a RM realizou ao
estaleiro da Sun Concept, visita durante a
qual fomos acompanhados pelo Dr. João
Bastos, Diretor-geral da empresa, foi-nos
dado a conhecer um pouco do dia-a-dia
do estaleiro, seguido de um teste de mar de
um CAT 12.0 Cruise, nas águas da Ria Formosa. Esta embarcação que se encontrava
em testes finais foi adquirida por um cliente
alemão e será entregue em Berlim proximamente.
O estaleiro tem um total de 24 trabalhadores, dos quais 17 estão adstritos à produção. Durante a visita foi possível ver uma
embarcação do primeiro modelo lançado
pela empresa, um SunSailer 7.0, ainda em
fase de fabrico, bem como o início da cons-
O
trução de um novo CAT 12.0, desta feita a
versão lounge, para um operador marítimo-turístico nacional.
O método de produção utilizado pela Sun
Concept é muito evoluído, sendo as peças
em fibra de vidro construídas por core infusion, com resinas de vinilester. Este método
permite a produção de peças com muita
resistência, leves e com acabamentos de
superior qualidade, incluindo peças de grandes dimensões, como é o caso dos cascos
do modelo CAT 12.0, que são construídos
em monopeça de 12 m de comprimento.
A instalação da propulsão elétrica bem
como os sistemas periféricos e todo o complexo sistema de energia solar é feita in-house, o que diz bem da capacidade tecnológica adquirida pela empresa ao longo dos
anos que leva de laboração.
A embarcação que tivemos oportunidade de testar é um Sun Concept CAT 12.0
Cruise, construído em carbono. Trata-se de
um catamarã com 11,9 m de comprimento
e 5,95 de boca, com certificado CE A, B e
C, até 16 passageiros. Possui uma motorização de 2 x 20 kW Sail Drive azimutal, de
marca Krautler, e conta com um banco de
baterias de 150 kW, carregadas por painéis
solares com capacidade de 6 kWh de pico.
Atinge uma velocidade máxima de 10 nós,
mas a velocidade de cruzeiro situa-se nos
6/7 nós, velocidade muito confortável e silenciosa. A não existência de ruídos de motores, fumos e cheiros é uma sensação apenas comparável a navegar à vela, mas com
o conforto de uma embarcação a motor.
A nível de interiores, o Sun Concept CAT
12.0 é um autêntico pequeno apartamento
de razoável dimensão, que permite níveis de
conforto que só um catamaran pode oferecer, com acabamentos semelhantes ao que
de melhor se faz no mercado. Conta com
área de cozinha, zona de estar e refeições,
uma significativa capacidade de arrumação
e até uma chaise long, para relaxar. Cada
um dos cascos comporta uma suite para
casal e uma casa de banho com chuveiro,
com áreas generosas e confortáveis.
No exterior, existe uma zona de refeições, simpática e agradável que convida ao
desfrute. No poço da popa localizam-se as
escadas de acesso à água. À proa a embarcação conta com um solário de amplas
dimensões onde podem estar 6 pessoas
em simultâneo.
A excelência deste produto está bem expressa no facto de ter sido nomeado para a
atribuição do Prémio de Melhor Multicasco
do Ano de 2021, organizado pela prestigiada revista norte-americana Multicoques
Hulls World.
Em conclusão, estamos perante uma
embarcação de fácil manobra, com um grau
de conforto superior e com um nível de ruido
quase inaudível. É como se navegássemos à
vela, embora propulsionados por um motor
de última geração. Com uma visibilidade assegurada por amplas janelas panorâmicas a
toda a volta, a experiência de navegar neste
CAT 12.0 é verdadeiramente inolvidável.
Cabe-nos referir que se trata de uma embarcação única na sua categoria, uma vez
que é o único catamaran elétrico de médias
dimensões no mercado internacional, pois
as embarcações concorrentes são de maior
dimensão e volume, o que permite antever
uma grande aceitação. Ou seja, este produto ocupa por mérito próprio um nicho de
mercado a nível internacional, um lugar que
os desenvolvimentos tecnológicos que se
esperam tornarão ainda mais apetecível.
Eduardo de Almeida Faria
11
84.O Ano
NOVA GRUA EQUIPA O PORTO DA PRAIA DA VITÓRIA
mentar a competitividade como também a
segurança e rapidez das operações a cais,
promovendo uma melhoria das condições
de movimentação de cargas aos agentes
económicos da ilha Terceira.
A firma Almovi conta já com vários anos
de parceria com a empresa “Portos dos
Açores, SA”, tendo fornecido diversos
equipamentos de elevação e movimentação de cargas. A empresa dispõe de
numerosas gamas de equipamento portuário: gruas portuárias, pórticos sobre
pneus, reachstackers e forklifts, autogruas
de diversas capacidades e plataformas
elevatórias, entre outros equipamentos
indispensáveis a uma moderna e eficiente
gestão portuária.
O Porto da Praia da Vitória, na Ilha Terceira, nos Açores, apresenta agora capacidade de operação reforçada graças
à aquisição de uma nova grua móvel portuária, da marca Gottwald, recentemente fornecida pela firma Almovi, do Grupo
Lindley.
Com capacidade para 100 tons, a grua
Gottwald mod 3 proporciona um raio de
trabalho até 40 m e uma velocidade de
içamento de 120 m/minuto, sendo utilizada para movimentação de contentores e
outras cargas em navios até 2.500 TEU’s
(classe standard).
Este equipamento pesado, adquirido no
seguimento da estratégia de melhoria operacional deste porto, pretende não só au-
O NOVO MOLHE NO PORTINHO DE ANGEIRAS
Recordamos a cerimónia que decorreu
em 2 de maio de 2018, no Ministério do
Mar, ocasião em que a então Ministra do
Mar, Engª. Ana Paula Vitorino oficializou o
contrato que permitiu a construção desta
infraestrutura, com a previsão inicial de ficar pronta em agosto de 2019 … se tudo
corresse bem, nas palavras da Srª Ministra.
Mais disse que … se tratava de terminar
a II fase da intervenção em Angeiras, visando criar melhores condições de abrigo e segurança para os pescadores e suas embarcações, durante a aproximação e partidas
para o mar. A construção do molhe, que é
a componente mais pesada da intervenção,
irá dar mais identidade ao porto, transformando aquela frente marítima num verdadeiro porto de pesca, sublinhou.
Posteriormente, a Governante procedeu
à visita das obras em curso, em 25 de junho
de 2019, afirmando estar ciente das dificuldades da construção do molhe, por motivo
da agitação do mar no Inverno, mas apesar
de tudo esperava ser possível concluir os
trabalhos no prazo acordado de 18 meses.
Tal como antecipado, as condições de mar
12
não ajudaram, obrigando à paralisação dos
trabalhos durante 6 meses, porém, apesar
das condicionantes, as obras, segundo a
Ministra, estavam um mês adiantadas em
relação ao prazo e incluíam a recuperação
da lota e da rampa de acesso das embarcações.
As obras do Abrigo na Zona Piscatória
de Angeiras, que estão sendo executadas
pela firma “Teixeira Duarte – Engenharia e
Construções, S.A.”, depois de retomadas
em março de 2019, têm decorrido de acordo com o calendário, estando o corpo do
molhe praticamente construído com o enrocamento (pedras utilizadas para conter o
mar) colocado.
Mais, foi dado conhecimento que as fases seguintes da empreitada passam pela
conclusão da construção da cabeça do
cais, através da aplicação de blocos em
concreto de 10 tons, do tipo “antifer”, e
pela execução da superestrutura em concreto no coroamento, ao longo de todo o
desenvolvimento longitudinal da estrutura,
ficando instalado na extremidade do molhe
um farolim.
A nova infraestrutura cujo valor orçou em
cerca de 3,8 M€, foi financiada em 75% por
fundos comunitários ao abrigo do programa
Mar 2020. Há, contudo, uma alteração ao
projeto inicial, de acordo com uma informação prestada no local, em função da necessidade de serem aumentados 10 m de cais
ao molhe já construído, no sentido de ser
anulada a ressaca que resulta da presença
de dois rochedos, que se encontram submersos, na entrada do canal de navegação.
Apraz-nos confirmar que a empresa Teixeira Duarte participa que os trabalhos de
construção do molhe foram dados por concluídos na sua totalidade, nos últimos dias
do passado mês de outubro de 2020. O
que falta saber nesta altura, quando estas
linhas se escrevem, é se a obra de tão grande interesse e utilidade, vai merecer por parte da Direção-Geral de Recursos Naturais,
Segurança e Serviços Marítimos (DGRM)
uma condigna cerimónia de inauguração,
que admitimos não ter ainda data marcada
devido aos problemas da pandemia.
Reinaldo Delgado
Atualidade Nacional
EMBARCAÇÃO PORTUGUESA FINALISTA
EM PRÉMIOS INTERNACIONAIS
O “ROM 28” é construído em Portugal
pela firma ROM Boats, sedeada em Aveiro,
e é finalista em dois dos mais importantes
prémios da indústria náutica na Europa e
no Mundo, o European Powerboat of the
Year Award e o Best of Boats Award, edições de 2021 e 2020 respetivamente. Estas nomeações são o resultado da votação
de um coletivo de juízes, após realização
de testes de mar e avaliação da embarcação ROM 28 que decorreram em diversos
momentos do ano ao largo de Troia.
Este é o primeiro modelo desenhado e
construído pela ROM Boats e pertence a
uma série limitada a 20 unidades, numeradas, feitas à medida de cada cliente, estando prevista a sua presença na próxima
feira Boot Dusseldorf.
Com cerca de 8 m de comprimento,
uma boca de 2,6 m, um calado de 0,6 m e
um peso de 2.700 Kgs, tem acabamentos
premium e equipamentos topo de gama
em todas as versões. As motorizações
variam entre os 250 e os 450 HP e pode
transportar até 8 pax.
Cada unidade ROM 28 é única e exclusiva, dada a infinidade de opções de personalização que são possíveis, algo que
não é comum fazer-se em embarcações
desta dimensão. Este enorme leque de
possibilidades faz com que a ROM Boats
seja um dos únicos estaleiros
europeus a fazer embarcações
personalizadas, à medida dos
seus clientes.
O estaleiro chega ao detalhe do corte das espumas dos
bancos e seleção do tipo de
tecido ou pele pretendido para
os estofos, cor e tipo de costuras, volante
personalizado, cor e desenho das linhas
do deck, forma das almofadas do solário,
entre outros, algo que não é comum fazer-se em embarcações desta dimensão.
Este enorme leque de possibilidade de
personalização faz com que a ROM Boats
seja um dos únicos estaleiros europeus a
fazer barcos à medida dos seus clientes,
com o nível de acabamentos habitualmente visto apenas no setor dos super e me-
gayachts. Aspetos comuns a
todas as unidades produzidas
são o para-brisas em vidro temperado laminado, os parafusos
polidos à mão e todos perfeitamente alinhados, a domótica
desenvolvida à medida, a atenção aos detalhes, a excelente
navegabilidade e conforto e, não menos
importante, o suporte pós-venda assegurado diretamente pelo fabricante.
Com estas nomeações inéditas para
Portugal, a ROM Boats consegue colocar
o país na linha da frente da construção
de embarcações de recreio, valorizando
o know how, o saber fazer português, e
competindo com os melhores do mundo.
O anúncio dos vencedores do prémio
Best of Boats foi celebrado no dia 19 de
novembro em Berlim e no que respeita aos
European Powerboat of the Year, conhecer-se-ão os vencedores em Düsseldorf.
Para nós, Revista de Marinha, independentemente dos resultados, o simples
facto do ROM 28 estar nos “nomeados”,
no grupo das embarcações finalistas nestes dois prémios é algo que importa assinalar e celebrar. Que nas suas singraduras
os estaleiros ROM Boats encontrem sempre os sucessos empresariais e comerciais
a que com todo o mérito fazem jus!
NAVALRIA AUTORIZADA A RECICLAR NAVIOS
A firma “Navalria”, com sede em Aveiro
e participada a 100% pelo Grupo Martifer,
recebeu recentemente a aprovação, por
parte da Comissão Europeia, para que o
seu estaleiro integre a lista das infraestruturas autorizados a fazer a reciclagem de
navios.
Segundo noticiou o ‘Jornal Económico’,
a firma “Navalria – Docas, Construções e
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
· revistademarinha.com
Reparações Navais, Lda” passa agora,
com esta luz verde comunitária, a estar
apta a executar processos de reciclagem
de navios nos seus estaleiros na Ria de
Aveiro. Recorde-se que, em Portugal, a
Navalria é, atualmente, a única empresa
com estaleiro apto para proceder às desmontagens e recuperação de materiais de
sucata de navios abatidos.
13
84.O Ano
TERMINAL XXI – PSA SINES ADJUDICA EXPANSÃO
A firma PSA SINES, concessionária do
Terminal de Contentores do Porto de Sines
(Terminal XXI), adjudicou a primeira fase de
expansão desta infraestrutura portuária ao
agrupamento MOTA-ENGIL, ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A. / ETERMAR –
ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A. na
sequência do concurso lançado em agosto de 2020.
Esta fase da ampliação compreende a
construção de mais 204 m de comprimento de cais, por forma a dotar o Terminal de
um cais corrido com 1.150 m até ao final
de 2021, representando um investimento
privado de 16,5 M€. Esta é a primeira fase
de expansão após o processo de renegociação da concessão do Terminal XXI que,
na sua configuração final, apresentará um
cais com 1.750 m a ser construído de forma faseada.
O projeto de expansão do Terminal XXI
é o resultado do aditamento ao contrato
de concessão celebrado entre a Administração dos Portos de Sines e do Algarve
(APS) e a PSA Sines, permitindo agora a
realização de novos investimentos referentes à ampliação do cais e modernização
do Terminal, projetando o aumento da capacidade de movimentação anual de 2,3
para 4,1 milhões de TEU’s (contentores de
20 pés).
O Terminal XXI é atualmente um importante hub de transhipment e representa já
uma importante porta de entrada e saída
no hinterland ibérico, sendo parte integrante das principais rotas marítimas internacionais, às quais estão alocados os maiores navios porta-contentores do mundo
em operação.
Este investimento vem reforçar a capaci-
dade do Terminal em receber vários navios
megacarriers em simultâneo, aumentando
assim a sua oferta operacional ao mesmo
tempo que reforça a sua importância para
o desenvolvimento económico do Alentejo
e do país em geral.
DOCAPESCA LANÇA SITE “LOTA EM CASA”
A Docapesca lançou em princípios de
dezembro o site “Lota em Casa” (www.
lotaemcasa.pt) que permite ao consumidor final identificar os locais de venda de
pescado fresco com origem nas lotas portuguesas em cada região, incluindo mercados municipais, peixarias, grandes superfícies e mesmo os novos circuitos curtos
de comercialização de pescado (cabazes).
Através da localização GPS, o novo site
apresenta todos os pontos de venda aderentes ao “CCL – Comprovativo de Compra em Lota” perto de nossas casas, disponibilizando também uma funcionalidade
que permite ao utilizador aumentar o raio
de pesquisa até aos 100 km.
A garantia de origem é dada através da
etiqueta “CCL – Comprovativo de Compra
em Lota”, a qual indica ao consumidor que
está a adquirir pescado capturado por embarcações nacionais na costa portuguesa,
que adota as regras de rastreabilidade
exigidas por lei, respeita a sazonalidade
14
de cada espécie e as quotas de pesca
estabelecidas, preservando os stocks piscícolas.
O CCL e o site “Lota em Casa” visam
contribuir para a promoção de uma alimentação saudável com recurso a produtos
frescos e de proximidade e, consequen-
revistademarinha.com
temente, para a valorização do pescado
português e indiretamente para o aumento
dos rendimentos dos profissionais da pesca. O “Lota em Casa” divulga também os
novos “cabazes de pescado” existentes no
nosso país (Cabaz do Peixe – www.cabazdopeixe.pt e Cabaz Frescomar – www.
aapf.pt), aos quais o consumidor pode
aderir para comprar pescado fresco de
elevada qualidade e excelente relação qualidade / preço, diretamente a associações
de pescadores locais, valorizando assim a
pequena pesca artesanal. Os cabazes são
compostos por pescado pronto a cozinhar
(escamado e eviscerado), variado, fresco e
da época.
O site apresenta ainda receitas de pescado e informação sobre as principais
espécies existentes na costa portuguesa,
conteúdos que serão regularmente atualizados e aumentados. Este projeto da Docapesca insere-se no programa Simplex
2020/2021.
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
COMODORO DIOGO ARROTEIA COMANDA
FORÇA EUROPEIA NA OPERAÇÃO ATALANTA
O Comodoro Diogo Arroteia, da Marinha
Portuguesa, apoiado por um Estado-Maior
que integra cinco militares daquele ramo
das Forças Armadas a par de elementos
doutras marinhas Europeias, irá comandar a Força Naval Europeia na Operação
Atalanta (EUNAVFOR – Somália), entre os
meses de dezembro de 2020 e março de
2021, na área ao largo do Corno de África,
no Oceano Índico.
No âmbito das excelentes relações bilaterais existentes entre Espanha e Portugal,
os militares da Marinha Portuguesa vão
estar embarcados a bordo do navio-chefe
da força, a fragata SPS REINA SOFIA, da
Armada Espanhola, e durante 4 meses o
Comodoro Arroteia será responsável por
comandar, controlar e coordenar toda a
atividade operacional da Operação Atalanta, designadamente os navios e as aerona-
ves atribuídas à missão. O Comodoro Diogo Arroteia assumiu funções no comando
da EUNAVFOR – Somália, no dia 2 de dezembro de 2020.
A EUNAVFOR - Somália tem como
finalidades proteger os navios do Programa Alimentar Mundial (WFP) e toda a
navegação considerada vulnerável, assim
como prevenir atos de pirataria e de roubo no alto-mar. A força terá ainda como
missão monitorizar as atividades de pesca
na costa da Somália e apoiar outras missões da União Europeia e de Organizações Internacionais sediadas na Somália,
com vista a melhorar a segurança marítima na região.
ZAIRE COMBATE A PIRATARIA NO GOLFO DA GUINÉ
O navio patrulha ZAIRE, da Marinha
Portuguesa, em missão de capacitação
operacional da Guarda Costeira de São
Tomé e Príncipe e ali baseado, respondeu
a um pedido de auxílio do navio mercante
ZHEN HUA 7, alvo de um ataque de piratas
no passado dia 13 de novembro.
O ataque, que ocorreu a cerca de 80 mi
a Noroeste da ilha de São Tomé, dentro
da ZEE daquele país, levou ao rapto de 14
dos 27 tripulantes do navio mercante e fez
um ferido a bordo, devido ao disparo de
armas de fogo.
O ZAIRE foi ativado em resposta a esta
situação, que contou ainda com presença no local da fragata italiana ITS MAR-
TINENGO e do navio patrulha oceânico
espanhol SPS TORNADO. O navio português acompanhou a situação junto do
navio mercante, enquanto a fragata italiana prestou assistência ao tripulante ferido
e procedeu à evacuação do mesmo para
um Hospital. Quando os navios de guerra
chegaram ao local, os 14 tripulantes raptados já se encontravam em parte incerta.
O ZAIRE, atualmente operado por uma
guarnição mista, constituída por militares
portugueses e santomenses, prossegue
a sua missão de capacitação da Guarda
Costeira de São Tomé e Príncipe, ilustrando a importância da cooperação bilateral
entre os países lusófonos, contribuindo,
através de um esforço conjunto, como
esta situação evidencia, para a segurança
na região.
NOVO SITE DE ANÚNCIOS CLASSIFICADOS
DE EMBARCAÇÕES À VELA E A MOTOR
No início do mês de novembro de 2020
foi apresentado ao mercado o site “ClassiBoats”, um novo site português de anúncios classificados de embarcações à vela e
a motor. Trata-se de uma plataforma online
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
para uso apenas por profissionais do setor
náutico.
Várias empresas náuticas, brokers e
dealers, estão já a anunciar no site “ClassiBoats” e outros estão em processo de
registo ou de negociação. Várias parcerias
foram já estabelecidas com empresas de
renome, o que traz esperança e confiança
no futuro. Este site nasceu da necessidade
de se revitalizar o setor náutico em Portugal, agilizando o encontro entre quem procura embarcações e quem as quer vender.
A “ClassiBoats”, que pretende vir a ser
um motor de busca de referência no setor
náutico nacional, está sedeada no Algarve,
na Marina de Vilamoura e tem como con-
· revistademarinha.com
tactos os t/m 91 460 9221 e 96 748 8779,
e-mail
[email protected]. Ao seu Diretor – Geral, Sr. João Roseiro, a Revista de
Marinha formula votos sinceros de muitos
sucessos comerciais e empresariais.
15
84.O Ano
RESTAURO DA CAPELA-FAROL DE S. MIGUEL-O-ANJO
Para melhor compreensão relativamente aos trabalhos realizados no restauro da
Capela-Farol, um pequeno, mas emblemático edifício na cidade do Porto cuja construção data originalmente de 1528, teremos de nos reportar à notícia publicada na
RM 988, de nov / dez de 2015, pg 15, da
qual extraímos os dois primeiros parágrafos, como segue:
No dia 24 de julho de 2015, teve lugar
a assinatura de um protocolo de colaboração entre a Direção Regional de Cultura
do Norte, a Associação Comercial do Porto, a APDL - Administração dos Portos do
Douro, Leixões e Viana do Castelo e a Marinha Portuguesa, com vista ao restauro e
valorização do Farol-Capela de S. Miguel-o-Anjo, situado na zona da Cantareira, na
cidade do Porto. Trata-se de uma peça
de arquitetura marítima de valor singular
no panorama do património nacional, pois
além de ser simultaneamente o primeiro
farol construído de raiz no país, é também
um dos mais antigos faróis existentes na
Península e por toda a Europa.
Os trabalhos de restauro da Capela-Farol estavam previstos ser concluídos no
período de ano e meio, orçando num valor
na ordem dos 580 m€, comparticipados
pelas entidades signatárias do acima referido protocolo.
Do conjunto de obras que, entretanto,
foram sendo executadas, a Marinha Portuguesa deu por terminados os trabalhos
de recuperação da Estação de Socorros a
Náufragos, ali localizada, ainda dentro do
prazo acordado, o que mereceu rasgados
elogios do ex-Ministro da Defesa Azeredo
Lopes.
E, ato contínuo, foi também terminada a
recuperação da área envolvente, que havia
ficado a cargo da APDL, trabalho esse de
cariz ambientalista, que efetivamente veio
valorizar substancialmente aquele espaço,
por onde circulam grande número de turistas nacionais e estrangeiros.
Quanto aos restantes trabalhos a serem
realizados, é algo constrangedor salientar
a dececionante participação da Direção
Regional de Cultura do Norte, por ter permitido que as obras em curso, na Torre
Semafórica construída no século XIX, servindo igualmente de posto de observação
dos pilotos da barra, se tivessem prolongado até finais de agosto a princípios de
setembro do corrente ano de 2020.
Se por um lado está cumprido um dos
principais objetivos, que visava a abertura de uma porta através da referida torre,
para ser possível ter acesso ao interior do
edifício, lamenta-se constatar que a Capela-Farol propriamente dita ficou esquecida,
para futuros trabalhos, cuja previsão de
realização muito provavelmente ninguém
sabe ou desejará responder.
Reinaldo Delgado
TRANSINSULAR REFORÇA SERVIÇO “MADEIRA EXPRESSO”
A Transinsular, empresa do Grupo ETE
que mantém o abastecimento regular das
Regiões Autónomas, reforça agora o serviço “Madeira Expresso” com a colocação
em itinerário do novo navio ILHA DA MADEIRA, em exclusivo ao serviço daquela
Região Autónoma.
Seis anos após um navio com o mesmo
nome deixar de servir a Madeira, o Grupo
ETE traz de novo para junto dos madeirenses, um navio que pela sua designação e
propósito recorda um marco no desenvolvimento desta Região Autónoma entre os
anos de 1987 e 2014. Uma nova unidade regressa agora para uma comissão de
serviço a favor da comunidade madeirense, completando com a chegada ao porto
do Caniçal, a sua viagem inaugural que se
iniciou em Lisboa no passado dia 20 de
novembro.
Registado em bandeira nacional e batizado em honra da RAM, o novo navio, unicamente ao serviço desta Região Autónoma, está dimensionado para responder na
íntegra às especificidades e aos horários
do itinerário, particularmente nestes tempos exigentes de crise pandémica. Tem,
ainda as caraterísticas necessárias para
assegurar a regularidade de serviço em
tempo de retoma, quando o turismo e a
16
economia recuperarem o dinamismo. Com
capacidade para 440 TEU’s (carga seca e
reefer, viaturas e carga geral), o navio ILHA
DA MADEIRA mantém as escalas semanais – Lisboa e Leixões - do serviço “Madeira Expresso” oferecido pela Transinsular, continuando a promover a proximidade
deste arquipélago com o Continente.
Conforme destaca Matthieu Roger,
CEO da Transinsular … embora se vivam
tempos de muita incerteza, na Transinsular
mantemo-nos operacionais e a assegurar
revistademarinha.com
o abastecimento das Regiões Autónomas,
permitindo continuar a responder com o
mesmo compromisso que sempre assumimos com estas populações e com os
agentes económicos. A introdução deste navio no itinerário da Madeira é para a
Transinsular um motivo de orgulho, mas
também mais um sinal de proximidade
com a comunidade madeirense e de que
nos mantemos atentos no que respeita à
satisfação daquelas que são as suas reais
necessidades.
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
CONSTRUÇÃO DE PONTE-CAIS NO PORTO DAS LAJES DAS FLORES
A firma “Portos dos Açores, S.A.” e o
consórcio adjudicatário assinaram em princípios de novembro de 2020 o contrato
para a execução da empreitada de construção de uma ponte-cais no Porto das Lajes
das Flores, no âmbito da contenção dos
prejuízos decorrentes da passagem nos
Açores do furacão “Lorenzo”
A obra tem em vista garantir os abastecimentos regulares de bens e mercadorias às
ilhas das Flores e do Corvo, mostrando-se
indispensável realizar, para tanto, um conjunto de obras de emergência que permitam utilizar as instalações, os cais e os terraplenos ainda com capacidade operacional,
apesar das suas limitações, bem como criar
áreas de acostagem para os navios.
Nesta empreitada está prevista a construção de uma ponte-cais, que será implantada a cerca de 27 m do enraizamento do
molhe do núcleo de recreio náutico, segun-
do um alinhamento paralelo ao molhe principal do porto, o qual irá, por seu lado, ser
reconstruído por completo, nos próximos
anos.
Aquela estrutura terá um comprimento total de aproximadamente 167 m, dos
quais 147,2 são acostáveis, e apresenta
20 m de largura, sendo equipada com os
necessários acessórios de cais, como defensas, cabeços de amarração e tomadas
de energia. Ali vão também ser executadas
as infraestruturas para a instalação das condutas de abastecimento de combustíveis e
ligação ao respetivo parque de armazenamento da ilha das Flores.
A obra comporta ainda a construção de
uma rampa Ro-Ro, a implantar no enraizamento da ponte-cais e a realização de uma
dragagem junto ao antigo cais aderente
ao molhe, na área necessária para garantir
operações sem constrangimentos naquela
ponte-cais.
O preço da empreitada objeto deste
contrato, agora assinado, é de 17,4 M€, ao
qual acresce o IVA à taxa legal, e o prazo de
execução da empreitada, a cargo do Consórcio Etermar - Engenharia e Construção
/ Sacyr Somague/ Tecnovia-Açores, está
fixado em 22 meses.
A ESCUNA WILDE SWAN ESCALOU LEIXÕES
A escuna holandesa WYLDE SWAN
esteve em Leixões entre 10 e 14 de novembro, procedente de Scheveningen, na
Holanda. Tem previsto continuar a viagem
com destino a Santa Cruz de Tenerife.
O navio que completou recentemente 100 anos de serviço, participou na
Rendez-Vous 2017 Tall Ship Regatta, na
The Tall Ships Races 2018 e 2019, e ainda na Liberty Tall Ships Regatta, também
em 2019, mas o mais natural é apreciar a
escuna como Navio-Escola, sempre que
recebe a bordo alunos universitários com
vocação maritimista.
Durante a sua já longa existência, convirá
recordar ter sido batizada como BROMBERG (de 1920 a 1939), HARRIET (de 1939
a 1949), ARE (1949 a 1960), GAUPOY (de
1960 a 1974), JEMO (de 1974 a 2009), e
finalmente como WYLDE SWAN, tal como
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
a conhecemos nesta que admitimos possa
ter sido a sua primeira visita a Leixões.
Construída na Alemanha, no estaleiro
Deutsche Werke Kiel A.G., foi pensada
para operar com razoável velocidade, atingindo um máximo de 15 nós, na pesca do
arenque no mar do Norte. E porque sem-
· revistademarinha.com
pre demonstrou excelente navegabilidade,
foi por duas vezes alongada, em 1925 e
1940, para posterior utilização no serviço
comercial, até 2007, amarrando depois
para ser adaptada a Navio-Escola, tendo
os trabalhos sido concluídos em janeiro de
2010.
É propriedade de Rood Boven Groen,
de Harlingen, está matriculada no porto de
Makkum, desloca 269 tons, tem 62 m de
comprimento, 7,37 m de boca e 1.130 m2
de área velica. Utiliza habitualmente 12 tripulantes e pode acomodar 36 a 38 passageiros. Por norma efetua viagens pelo Norte da Europa, Báltico, Mar do Norte, Mar
Negro, Mediterrâneo, Atlântico e Caribe, e
Costas Este e Oeste dos Estados Unidos
e Canadá.
Reinaldo Delgado
17
84.O Ano
APDL REUNIU O CONSELHO DE NAVEGABILIDADE DO DOURO
A Administração dos Portos do Douro,
Leixões e Viana do Castelo (APDL) reuniu
no dia 11 de novembro o “Conselho de
Navegabilidade do Douro” para debater
questões relacionadas com as opções futuras de investimento para dar resposta às
necessidades do desenvolvimento da atividade da via navegável do Douro. .
Na sua terceira reunião desde 2018,
este Conselho que é agora presidido por
Nuno Araújo, presidente da APDL, foram
debatidas ainda questões de formação, a
melhoria da legislação e atividades de promoção turística.
No final do encontro, Nuno Araújo sublinhou a importância do espírito de cooperação e de partilha de ideias que definem
o “Conselho de Navegabilidade do Douro”,
assinalando … o debate, a discussão e a
aproximação de pontos de vista dos Conselheiros, bem como o trabalho conjunto
desenvolvido por um número considerável
de entidades com o propósito único de
promover o crescimento sustentável da
Via Navegável do Douro é absolutamente
fulcral para fazer face à atual situação de
pandemia.
Este conselho é composto por representantes da APDL, CCDR-N, Agência
Portuguesa do Ambiente, Direção-Geral
de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), Capitania do
Porto do Douro, REN – Rede Elétrica
Nacional e EDP. Do grupo fazem ainda
parte as Associações Comerciais e Industriais, os concessionários dos portos
fluviais da Via Navegável, os operadores
de navegação comercial, das atividades
marítimo-turísticas e das atividades de
pesca e, ainda, o representante dos municípios ribeirinhos, José Manuel Gonçalves, Presidente da Câmara Municipal do
Peso da Régua.
Recorde-se que o “Conselho de Navegabilidade do Douro” funciona como um
órgão consultivo que deverá pronunciar-se
sobre questões de interesse para a gestão
da Via Navegável e propor as ações que
considere adequadas à exploração do rio
Douro e dos seus portos,.
MUNICÍPIO VIANENSE HOMENAGEOU JOÃO ÁLVARES FAGUNDES
A decisão do município de Viana do
Castelo de homenagear a memória deste
ilustre vianense nos 500 anos da descoberta da Terra Nova no Dia Nacional do Mar,
em 16 de novembro de 2020 é o reconhecimento da importância que a descoberta
da Terra Nova teve para a economia e o
desenvolvimento nacional para a época, tal
como atualmente o mar representa.
Presume-se que João Álvares Fagundes
terá descoberto a Terra Nova por volta de
1520, há cerca de 500 anos. Esta dedução
baseia-se na carta de 1521 outorgada pelo
Rei D. Manuel I concedendo ao navegador
a posse e jurisdição das “Ilhas Fagundas”
que ele descobriu na Baía de Placência na
Terra Nova.
É singular a forma como o navegador
pôs os nomes às ilhas designando-as segundo o santoral romano. A ilha de Santo
António a 13 de junho, S. João a 24 e a 29
18
Descerramento de uma lápide alusiva à efeméride pelo Presidente da Câmara Municipal
de Viana do Castelo, eng.º José Maria Costa
e pelo Capitão do Porto, CFrag Luís José Sameiro Matias.
São Pedro. No mês de julho surgiram as
duas ilhas de Sant’Ana no dia 26 e no dia
29 o arquipélago de São Pantaleão onde
se situa a ilha de Pitigão. Em agosto não
existem descobertas tudo levando a crer
que estivessem na pesca do bacalhau.
revistademarinha.com
No dia 14 de setembro encontrou a ilha
de Santa Cruz que apelidou de Fagunda,
situada ao Sul do cabo Race e rumando
para ocidente em busca do caminho de
regresso foi dar ao arquipélago das Onze
Mil Virgens no dia 21 de outubro. Existe
outra teoria, que não nega a primeira,
atribuindo as designações de S. João,
S. Pedro, Santo António e Santa Ana
aos nomes das quatro portas da muralha
de Viana naquela época. Por outro lado,
Onze Mil Virgens e S. Pantaleão eram devoções próprias dos mareantes de Viana
enquanto que a Santa Cruz era veneração
da família Fagundes.
Embora outros navegadores portugueses tivessem andado por essas paragens,
é irrefutável a descoberta da Terra Nova
por João Álvares Fagundes.
Manuel de Oliveira Martins
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
ARMADOR VAI REGISTAR NAVIOS DE CRUZEIRO NA MADEIRA
Numa altura em que a Madeira procura
voltar aos palcos internacionais, tanto na
área do turismo como na captação de investimento estrangeiro, designadamente,
através do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), para atenuar os
efeitos negativos derivados da pandemia,
o investimento do armador internacional
SunStone Ships é uma boa notícia.
Esta companhia de navios de cruzeiro,
com sede em Miami nos EUA e em Copenhaga na Europa, especializada em "viagens de expedição", irá registar no Registo
Internacional de Navios da Madeira (MAR)
14 unidades e também instalar uma empresa de serviços no CINM.
A instalação da empresa na Região
implicará, nesta fase, a criação de 5 postos de trabalho. Para além desses novos
empregos, está igualmente previsto pela
companhia de cruzeiros a contratação de
pessoal para trabalhar a bordo, designadamente de profissionais madeirenses com
formação em hotelaria.
Assim, mais uma vez se provam os efeitos positivos transversais induzidas pelo
CINM na economia e sociedade madeirense, possibilitando que uma companhia de
cruzeiros internacional que aqui se instala
recrute madeirenses com experiência profissional na área de hotelaria, contribuindo para mitigar umas das consequências
mais negativas decorrentes da crise provocada pela pandemia. A opção deste ar-
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
mador internacional pela Madeira constitui
uma demonstração do impacto do CINM
na economia real da Região, gerando sinergias com a economia local, com claras
repercussões nas receitas fiscais, na criação de emprego, quer em terra quer no
mar, e diversificando a estrutura de bens e
serviços regional.
Recorde-se que um conjunto de alterações legislativas recentes vieram
proporcionar maior competitividade ao
Registo Internacional de Navios da Madeira. Após a aprovação da Lei sobre a
utilização de segurança privada armada
a bordo dos navios de bandeira portuguesa, destacam-se entre as medidas
alteradas e melhoradas a simplificação e
a agilização dos prazos e procedimentos
de registo dos navios, que passarão a
· revistademarinha.com
ser efetuados por via eletrónica ou por
correio e não apenas presencialmente,
e as mudanças no regime de hipotecas.
Estas alterações correspondem a um
conjunto de soluções que vinham sendo sugeridas há largos anos, tanto pela
SDM como por armadores e operadores
relacionados com o shipping, para dotar
a legislação que regulamenta estas matérias de condições idênticas às existentes nos registos europeus que concorrem diretamente com o MAR.
Os dados mais recentes revelam que o
MAR continua a assinalar uma tendência
positiva de crescimento. Presentemente,
com quase 700 navios registadas, o MAR
mantém uma posição cimeira entre os registos internacionais europeus, quer em
número de navios quer em tonelagem.
19
84.O Ano
Mitigando o choque e as vibrações
esta entrevista Jacob Ullman
relata-nos a interessante história da “Ullman Dynamics”, uma
firma pioneira no desenvolvimento e no
uso de equipamento de mitigação do
choque e das vibrações a bordo de embarcações de alta velocidade.
N
Revista de Marinha – Julgo que a
Ullman Dynamics foi a primeira firma
a conceber e a construir assentos que
mitigavam o choque e as vibrações nos
anos 90 do século passado. Como é
que isso começou?
Jacob Ullman – Quando o meu Pai,
Johan Ullman, médico naval, em 1984,
esteve colocado na 1ª Flotilha de Ataque
de Superfície da Marinha Sueca, constatou que mais de 80% dos conscritos que
terminavam o serviço militar obrigatório,
após terem servido durante um ano a bordo de vedetas torpedeiras, se queixavam
de dores nas costas. Isto preocupou-o
bastante, pois existe a convicção de que
os jovens terminam a prestação do seu
serviço militar em melhor forma física do
que quando o iniciavam.
O meu Pai começou a preparação dos
seus trabalhos de doutoramento no Departamento de Ortopedia Ocupacional
no Hospital Universitário de Sahlgrenska
tentando identificar o que é que realmente
acontece ao esqueleto humano quando
sujeito a cargas severas de choques repetidos. Baseado nos resultados científicos a que chegou, sugeriu então um novo
conceito, que designou por UCS – Ullman
Cockpit System. Isto foi tão radical como
simples; essencialmente retirar a cadeira, o leme e o acelerador do motor
e substituí-los por uma sela suspensa
e um volante de motociclo! Fez uso
também das reações intuitivas e instantâneas do cérebro e dos reflexos
musculares naturais do corpo para au-
20
mentar o instinto humano de evitar a dor e
o sofrimento. Foi nestes conceitos básicos
que o meu Pai baseou o desenvolvimento
dos seus produtos e equipamentos.
Deve-se compreender que muitos no
mundo marítimo viram que o sistema de
leme tipo volante de motociclo era um
passo demasiado grande … a step too
far. Embora sistemas deste tipo fossem
aceites pela Guarda Costeira Sueca e pelo
próprio Serviço de Socorros a Náufragos
Sueco, era um conceito demasiado radical para ser aceite num mercado mais
vasto. Os bancos por ele concebidos e
estudados, por outro lado, tiveram enorme sucesso e continuam ainda hoje a ser
usados pelos profissionais em operações
offshore, em mais de 70 países, por todo
o mundo.
RM – Em que sentido a
vossa linha de produtos
evoluiu ao longo dos anos?
Jacob Ullman – Tudo começou quando a Guarda Cos-
teira Sueca encomendou quatro bancos
semelhantes ao banco concebido no projeto de investigação. Este banco não tinha
nenhum apoio para as costas e quase não
era almofadado. Mesmo assim, a Guarda
Costeira Sueca queria estes bancos para
uma embarcação semirrígida de 8 m que
estava em desenvolvimento. Na realidade,
todos os bancos, todos os acessórios,
e todas as posteriores evoluções foram
baseados em pedidos específicos das
pessoas ou entidades que precisavam de
melhores condições de trabalho; sistemas
que pudessem oferecer a mitigação dos
impactos e um maior conforto.
A atividade de Investigação & Desenvolvimento nestes últimos vinte anos focou-se na mitigação do impacto lateral e na
expansão do envelope de uso operacional,
assegurando que até impactos de 20 G e
até um máximo de 165 Kgs de peso total,
os profissionais devidamente equipados
não experimentam episódios do tipo “saltar da cadeira”, ou mesmo serem ejetados
para o mar, devido às forças do impacto
lateral.
Ano após ano, cada componente foi
testada continuamente com o objetivo de
melhorar a sua eficiência, eficácia e qualidade. Isto inclui o formato das cadeiras,
a tecnologia das molas, a absorção das
vibrações e do choque, os estofos, os suportes para mãos e pés e ainda a tecnologia para instalar/fixar as cadeiras.
Hoje a lista dos produtos fabricados
inclui uma dúzia de modelos de cadeiras
e bancos desenvolvidos para diferentes
aplicações, desde semirrígidas lançadas
de avião para a água às pontes de catamarans de 80 m de comprimento e de alta
velocidade e ainda embarcações offshore
Entrevista
e de competição capazes de velocidades
acima dos 100 nós.
RM – A importância das dinâmicas
ergonómicas aparenta não ter sido
ainda reconhecida no mundo das embarcações. Foi esta a razão da Ullman
se interessar pela conceção de consolas?
RM – Pode descrever-nos os principio-chave que influenciam o desenvolvimento dos sistemas de mitigação de
choque e vibrações?
Jacob Ullman – Tendo experimentado
nos anos 90 do século passado diversas
tecnologias “tradicionais” de bancos em
suspensão, concluímos rapidamente que
estas conceções não resolviam os problemas que identificamos. Era necessário um
conceito radicalmente novo. Com este objetivo desenvolvemos o conceito de “mola
de folha dupla”, que funcionou mesmo melhor do que antecipáramos. Este sistema
trouxe uma redução do peso dos bancos,
que não necessitam de manutenção e que
são praticamente indestrutíveis.
RM – Quando falamos de semirrígidas, os bancos fixos tipo “jockey”
tornaram-se nos últimos anos um equipamento standard. Quais as diferenças,
em termos de segurança e conforto que
o vosso produto traz?
Jacob Ullman – É bem conhecido que
estar sentado em bancos fixos traz maiores impactos à coluna vertebral humana
do que aqueles que são medidos no próprio casco da embarcação, e que algumas
horas de navegação em mar encrespado
pode causar significativa fadiga física. Dores na coluna vertebral tem sido registadas com frequência e alguns tripulantes
de embarcações de alta velocidade tem
sido ejetados para fora da borda, atirados
ao mar. Por outro lado, estar de pé não
é melhor; quando estamos com as pernas
hirtas, direitas, e recebemos um choque, a
coluna é afetada e pode sofrer uma lesão
permanente.
É por estas razões que os bancos tipo
“jockey” da Ullman se tornaram items standard em muitas Marinhas, Guardas Costeiras e nas embarcações utilizadas pelas
forças especiais em todo o mundo, designadamente nos Royal Marines do Reino Unido. Pouco depois o mercado das
embarcações de recreio rápidas acordou
e os nossos bancos passaram a equipar
também o seu segmento premium.
Presentemente, com uma cada vez
maior procura de cadeiras com adequada suspensão em cada vez mais navios
e embarcações rápidos, as nossas cadeiras grandes do tipo não – “jockey”, assim
como as cadeiras Ullman reforçadas e
totalmente almofadadas tem aumentado em volume de vendas. Os elementos
essenciais para a segurança e conforto
mantem-se os mesmos; um sistema que
não projeta o ocupante, providencia suspensão vertical e horizontal e proporciona
uma postura ótima e o seu controlo.
Com cerca de 14.000 bancos e cadeiras vendidos na área militar e profissional
nos últimos 18 anos, em mais de 70 países e na sua grande maioria ainda em uso,
registámos 0 (zero) relatos de lesões e 0
(zero) relatos de projeção para fora da borda. Este é um track record único, de que
nos orgulhamos.
Jacob Ullman – Exatamente. Se conhecer os princípios da mecânica e a biomecânica humana, não é difícil conceber
uma consola ou uma ponte de comando
que permita um controlo total – visual e
táctil – com uma visão geral dos instrumentos e do mar em frente, mantendo
uma postura correta enquanto operando o
leme e os diversos comandos relacionados
com a navegação.
É por estas razões que o artigo “Como
conceber pontes de comando e consolas
em embarcações de alta velocidade”, publicado pelo Dr. Ullman, trouxe novos standards para os estaleiros navais de todo o
mundo.
RM – Quais as perspetivas de futuro para a Ullman Dynamics e para onde
nos leva a tecnologia?
Jacob Ullman – Continuaremos com o
trabalho científico necessário para preencher algumas falhas de conhecimento e
para estabelecer as bases de novas tecnologias que protejam as pessoas.
Podemos esperar ver novas tecnologias
aplicadas num futuro próximo: produtos
criados para aumentar os envelopes operacionais de embarcações e navios de alta
velocidade.
Ajudar os utilizadores de embarcações,
quer profissionais quer de recreio, a recolher o melhor das suas experiências na
água, em segurança e conforto, independentemente das condições meteorológicas, este é e será o nosso objetivo!
OBSERVAÇÃO:
Muito agradecemos à revista “Powerboats &
RIB Magazine” (Reino Unido) a autorização
para publicar esta entrevista. Ver o endereço
website www.powerboatsandrib.com .
21
84.O Ano
O Mar como Património
por António Barreto*
identidade nacional poderá definir-se
de muitas maneiras. Não vou discutir agora, aqui, os conceitos. Apenas
direi que conto, para a minha definição de
identidade, com a natureza ou a geografia,
o património e a história.
Nada de singular define uma identidade
nacional. Não há uma característica que,
por si só, resuma um país, uma nação, um
povo ou um Estado. É no conjunto de vários
traços e factores, que poderemos detectar
uma particularidade, um conjunto que forma uma personalidade, que faz com que
um país seja único. Portugal não escapa à
regra.
A singularidade de Portugal (e de qualquer outro país) reside na combinação única
da sua natureza com a geografia e a história.
A geografia mais o património de um país é,
em grande parte, a sua identidade. O património é o que não é a natureza. É toda a
criação cultural, técnica, artística e ideológica de um povo.
Como tão bem afirmou Orlando Ribeiro, Portugal é Mediterrânico, Atlântico e de
transição. E situa-se no extremo ocidente do
Continente Europeu. Esta combinação dá-lhe um pouco de originalidade. Já a cultura
material e artística oferece um paradoxo.
Por um lado, é o que parece mais específico e original. Por outro, não é um factor
diferenciador absoluto. Na verdade, essa
cultura é tipicamente europeia e cristã. As
grandes correntes patrimoniais europeias
estão todas aqui presentes: românica, gó-
A
22
tica, renascentista, maneirista, barroca e
romântica. Nesse aspecto, novamente, a
identidade portuguesa reside na maneira
como se combinam estas correntes e estas
influências.
No cruzamento da natureza e da geografia com a cultura material e artística, começamos a aproximar-nos da identidade do
país, do que faz dele uma entidade singular.
Acrescente-se a história, designadamente a
história política. É esta que vai afirmar Portugal como país diferente, como entidade
nacional especial.
Segundo alguns dos nossos melhores
autores, Alexandre Herculano, Oliveira Martins, Leite de Vasconcelos, Orlando Ribeiro
e José Mattoso, Portugal não nasce da unidade, mas sim do que é diverso. Também
Alberto Sampaio, António José Saraiva e
Eduardo Lourenço contribuíram de modo
decisivo para concretizar e reflectir a identidade nacional, feita sempre a meio caminho
entre a geografia, a história e o património.
Em todos eles, está presente a ideia de que
Portugal nasceu da diversidade. Por outras
palavras, de uma pluralidade sem nome,
emanou a unidade.
É o Estado, os seus monarcas, soldados,
instituições e seguramente o seu povo que
vão construir um país. É o Estado português
que constrói a nação, não o contrário, como
poderá ter acontecido noutros países. O Estado e a política, os militares, os artesãos, os
camponeses, os sacerdotes e os monges fizeram um país e uma nação.
revistademarinha.com
Portugal iniciou-se em terra, mas fez-se
no mar. Portugal fez-se contra Espanha e
através do mar. O vizinho, concorrente e
rival, ajudou, por oposição, no carácter e
na organização. Sem querer, obrigou os
Portugueses a virar costas e ir para outros
destinos. Para o mar e para o mundo. A História de Portugal é uma história de fixação
da fronteira terrestre, de transferência de um
povo para o litoral, de estabelecimento perto
da costa e de navegação pelo mar.
Repito: Portugal fez-se contra Espanha.
Isto é, no mar. Sem o mar, Portugal ficaria
mais pobre e talvez espanhol. Foi o mar que
obrigou a uma nova vocação, um novo destino. É bem provável que, sem o mar, Portugal não fosse hoje um país independente.
No concerto das nações, Portugal valeu por
ser rival de Espanha e por ajudar a dividir a
Ibéria, mas também porque havia o Brasil e
África, quer dizer, o mar.
O mar é uma das primeiras realidades
da identidade nacional. Tal como as montanhas, os rios, o clima e as planícies, são estas as condições naturais. Além das influências ibéricas, é o mar que traça o perfil de
Portugal. Mas o mar foi sendo apropriado e
utilizado. O mar acabou por ser património.
O mar já não é apenas natureza. Tal como o
montado alentejano ou os socalcos durienses, o mar passou a fazer parte da identidade do país.
O mar criou a pesca, a alimentação, a
economia, a navegação e o transporte. Depois, criou os descobrimentos e as econo· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Estratégia & Geopolítica
mias no mundo, as viagens, o comércio, a
escravatura, a colonização e a emigração.
Antes disso, tinha criado escolas e navegação, construção naval e manutenção, oceanografia e cosmografia, arte de viajar e navegar. Com toda esta carga, o mar deu ainda
as várias economias da energia, da ciência e
da investigação.
A ligação de Portugal ao mar nunca foi
desmentida. É realçada por toda a gente
que escreve sobre Portugal. É sublinhada
pelos que reflectem sobre uma estratégia
para Portugal. É valorizada pelos que discutem o futuro de Portugal na Europa e no
mundo. Não se conhecem contestações
claras daquela ligação. Nem sequer o Velho
do Restelo pode ser invocado: na verdade,
ele vitupera a Glória, a Fama, a Ambição e a
Cobiça, não o mar nem a navegação.
O mar é quase personagem de “Os Lusíadas”, escrito maior da identidade nacional, ou antes, escrito que funda a identidade
nacional. Naquele poema, concebido para
celebrar e narrar os feitos do mar e das
descobertas, logo na segunda linha o mar é
invocado: … que da ocidental praia lusitana,
por mares nunca dantes navegados. O mar
passou a ser português, porque Camões
assim o disse e estabeleceu. A identidade
nacional não é um dado, não é um ponto de
partida, não é uma condição. A identidade
é uma construção permanente, móvel, humana e contraditória. A identidade pode até
ser um mito que se transforma em verdade.
Uma lenda em que se acredita. Camões não
criou nem descobriu o mar, que já lá estava.
Descobriu o Portugal do mar ou o mar de
Portugal …
Séculos depois de “Os Lusíadas”, o hino
nacional não deixaria de começar, significativamente, pela conhecida linha “Heróis do
mar…”. Mais tarde ainda, o mais importante
poeta português contemporâneo, Fernando
Pessoa, na “Mensagem”, não tem dúvidas:
“Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português…”. E Unamuno
terá dito que … foi o mar que fez Portugal.
Além de real, o mar também é, para
Portugal, mito e lenda. Quando esta se
transforma em facto, “imprima-se a lenda”,
diz-se em filme célebre. Quando o mito se
transforma em facto, passa a ser verdade.
A independência de Portugal é um mito tornado verdadeiro. É uma lenda feita verdade
e realidade. Os mitos são assim. Existem.
Uns totalmente falsos, outros apenas parcialmente. Uns incertos, outros metafóricos.
Nunca inteiramente verdadeiros. Mas existem. Por isso são mitos. Por isso quase parecem inspirar os povos.
O mar é natureza. Por definição, não faz
parte do património de um país, entendendo
este como essencialmente cultural e técnico. O património é obra humana e resulta
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
da história e da cultura. Mas há realidades
naturais que se transformam, pela história,
pela cultura e pela técnica, em obras de
património. Assim é com o mar para os
Portugueses. O mar da pesca, da marinha,
das viagens, dos transportes, das praias,
do desporto, dos recursos económicos, da
fonte de energia, dos civis e dos militares é
património. O mar do poema, da literatura,
da mitologia, do sonho, dos descobrimentos, da expansão, do império, da Europa e
da economia é património e identidade. Há
um mar igual ao dos outros, há um mar que
é português. Como há uma cultura igual à
europeia e uma cultura portuguesa.
De todos os factores de afirmação nacional, o mar poderá ser seguramente, na
Europa, o mais importante e com vastas
potencialidades, mas sobretudo o mais singular. A qualidade da mão-de-obra, certas
produções industriais, o vinho e a cortiça,
as praias e o clima, as tradições e a paisa-
O Infante D. Henrique, escultura em gesso de
Simões de Almeida Júnior, na SGL.
gem, são alguns dos factores de atracção
do país, da sociedade e da economia. Mas
todos eles parecem iguais aos de outros,
não distinguem forçosamente um país e um
contributo. Praias convidativas, excelentes
vinhos, um clima extraordinário, bons sapatos e têxteis, automóveis baratos, uma
mão-de-obra de qualidade e outros tantos
trunfos fazem o nosso orgulho e chamam
estrangeiros, mas tenhamos a certeza de
que os outros países também os têm. Nada
disso nos distingue, nada disso pode ser
considerado como contributo insubstituível.
Não se trata aqui de nacionalismo ou de
patriotismo económico, mas tão só do realismo necessário a sustentar a posição de
Portugal no mundo.
Pergunte-se: o que tem Portugal de especial para dar ao mundo? Qual a força
singular de Portugal para a Europa e para
o mundo? A resposta, para alguns, não faz
dúvidas: o mar, a plataforma continental,
as actividades e os recursos marítimos, as
potencialidades marítimas e geográficas
· revistademarinha.com
e o valor estratégico de Portugal poderão
constituir o mais forte e mais específico contributo de Portugal para a Europa. Desde
que, evidentemente, estudado, investigado,
cuidado, aproveitado, explorado e protegido. Desde que considerado como prioridade nacional. Não uma prioridade entre
dezenas, como é frequente entre nós, onde
nunca faltam as prioridades destinadas a
demonstrar que nada ficou esquecido, mas
sim como uma das principais.
O conceito estratégico de defesa nacional, na sua última versão de 2013, é ambíguo nas definições e na determinação das
prioridades. O Atlântico Norte e o Atlântico
no seu todo são a segunda e a terceira áreas
de importância estratégica para Portugal,
sendo a Europa a primeira, no que é uma
definição equívoca, sugerindo quase que a
Europa, na sua versão continental, pode ser
considerada sem o mar ou sem o Atlântico.
O que me parece desajustado.
O conceito estratégico refere as prioridades nacionais para o Estado, a segurança,
a defesa e a estrutura militar. Em boa teoria,
para toda a sociedade, mas até pelo seu
título, parece apenas desejar focar a vertente de defesa nacional. Não é unânime,
pois claro, nem recolhe consenso absoluto.
Como nada na vida, muito menos na política
nacional. Mas deveria ou poderia ser mais
preciso. A definição dos objectivos nacionais permanentes e conjunturais, por exemplo, relega para posição subalterna o mar e
a sua especificidade. Neste “Conceito”, o
mar, em todas as suas acepções, aparece
subalterno e referido em elencos de importância relativa.
Este conceito estratégico de defesa
nacional não define com o devido rigor as
prioridades nacionais, nem sobretudo se
preocupa em estabelecer os trunfos e as
prioridades essenciais. Por outras palavras,
o conceito estratégico define mal o contributo de Portugal para a União Europeia,
a Europa e o mundo. O que tem Portugal realmente de estratégico? O que deve
Portugal proteger e promover em simultâneo como seus trunfos e suas realidades
originais? Para muitos, é indiscutível que
se trata do mar, do Atlântico, da ZEE e da
plataforma continental. E neste conjunto
devemos incluir todas as actividades, recursos e potencialidades disponíveis, desde as
económicas às biológicas, passando pelas
energéticas, as educativas, as de circulação
e transporte, as de controlo de navegação,
as de construção e reparação naval, as de
formação, as de investigação oceanográfica, as de lazer e desporto …
Note-se que esta importância para Portugal também o seria para a Europa e sua
União. É incompreensível, por exemplo, que
Portugal, os seus aliados e a União Europeia
23
84.O Ano
não se tenham ainda empenhado em construir, gradualmente, em Portugal, muito especialmente nos Açores, um grande centro
europeu ou instituto de investigações atlânticas, com áreas de interesse em todos os
domínios, da oceanografia à astronáutica,
da investigação à formação de cientistas,
de técnicos e de marinheiros … tem sido
certamente por miopia portuguesa e dos
nossos aliados que um tal Centro não exista. Chegou mesmo a haver uma resolução
aprovada por unanimidade na Assembleia
da República, há várias décadas, no sentido de recomendar ao governo que se iniciassem esforços nesse sentido. Apesar da
unanimidade, a resolução desapareceu nos
esconsos legislativos. Os nossos aliados
poderão ter a desculpa da concorrência,
ou simplesmente do ciúme, o que é errado,
mas é natural. A União Europeia e a NATO
poderão ter a desculpa de não se quererem
envolver em decisões controversas, o que é
um desperdício, mas previsível. Já Portugal,
ao subalternizar uma hipótese como esta,
não tem desculpas. Será que as dezenas
de “institutos europeus” de toda espécie,
da universidade à tecnologia, da igualdade
de género às telecomunicações, têm mais
importância e mais relevo para o futuro dos
Europeus do que o mar?
Em todo o seu esplendor, na história e no
futuro, nas capacidades e potencialidades,
o mar pode ser o mais importante e mais
específico contributo português para a Europa. Para o que é preciso não só história
e recordação, não só cultura e património,
mas também ciência e investimento. Ciências exactas, oceanográficas, ciências de
energia, da fauna e da flora, estudo e exploração da plataforma continental e das 200
milhas de Zona Exclusiva, escolas de inves24
tigação, observação oceanográfica e astrofísica, transportes e comunicação, pesca,
conservas, atividade portuária e construção
e reparação naval: o catálogo não tem fim.
Segundo os especialistas, nomeadamente Augusto Mateus e Ernâni Lopes, a fileira
da economia do mar, ainda longe das suas
enormes capacidades, empregará hoje mais
de 100.000 pessoas e será responsável por
qualquer coisa como 8 mil milhões de euros
de produto. Trata-se, evidentemente, de um
dos mais promissores sectores de actividade, produção, emprego e investigação da
nossa economia. Com as vantagens, como
ponto de partida, da tradição, do conhecimento adquirido, da posição geográfica e
da especificidade no conjunto das nações.
É tão evidente a importância vital do mar
para o nosso país, tanto no passado como
para o futuro, que é arrepiante ver como tantos o marginalizam e o consideram subalterno relativamente a outras possíveis prioridades nacionais. Deste ponto de vista, o mar
e o património têm um destino comum: são
os dois enjeitados da política nacional relativamente à presença de Portugal no mundo.
De ambos se dizem maravilhas. A ambos se
atribuem prioridades indiscutíveis. Para ambos, só se conhecem elogios. Perante ambos, todos sonham e tremem de emoção.
Mas não é com emoções que se trata do
futuro e se cuida da estratégia nacional. É
com factos, planos, recursos, equipamento,
estudo e investigação, e formação de cientistas, técnicos e marinheiros. A Defesa Nacional é um caso especial. Há décadas que
vivemos ciclos sucessivos de emagrecimento, para além, dizem muitos, dos mínimos
necessários. Com este empobrecimento
da Defesa, veio também o da Marinha e
respectivas ciências e escolas do mar. Em
revistademarinha.com
paralelo, separou-se a sociedade civil da defesa e dos compromissos militares, naquele
que foi um dos grandes erros das últimas
décadas. Nas condições em que foi feita, a
supressão do serviço obrigatório, militar ou
civil, não parece ter constituído um progresso real para o país e para os seus cidadãos.
No caso do mar, perdeu-se em várias
frentes. Na defesa e segurança. Na economia e na ciência. Na afirmação internacional
e no contributo para a Europa.
Há quase quarenta anos, no momento de
aprovação da Lei das 200 milhas marítimas,
foi referido o conceito ou o velho princípio de
que o mar é recurso e território, não apenas
local de passagem e transporte. Foi então
dito que a política marítima era um nosso
contributo específico para a construção europeia. E ainda foi sublinhado … que não há
só países grandes e pequenos: há países
que aproveitam bem ou que aproveitam
mal os seus recursos naturais, geográficos
e humanos. Se não queremos ser o país
pequeno da Europa, o que quer dizer pobre e dependente, já sabemos o caminho
que temos a seguir: aproveitar ao máximo,
de modo racional, sem depredações, o país
que temos! Palavras antigas que ainda hoje
parecem válidas.
Até porque pode ser hoje ultrapassada a
velha questão da oposição entre a Europa e
o Atlântico. É verdade que pode haver uma
tónica diferente em cada termo da alternativa, mas também é verdade que a via mais
fértil consiste na da ligação entre os dois,
trazer o Atlântico para a Europa, estender a
Europa para o Atlântico. Portugal pode desempenhar um papel de primeira importância neste modelo de desenvolvimento. Por
outras palavras, o mar português pode ser
também o mar da Europa.
Tempo houve em que o mar e a Europa
se excluíam. Um contra a outra! A Europa
contra o mar! Esse dilema parece ultrapassado. Ou antes, há modos de evitar o dilema: de trazer o Atlântico para a Europa e
levar a Europa para o Atlântico. O que quer
dizer que o Atlântico não é fronteira de Portugal, nem da Europa: é uma extensão de
Portugal e da Europa. Pode pensar-se que
estamos a jogar com as palavras, mas sabemos que não: os dilemas e as escolhas
estão aí para que saibamos optar.
A este propósito, vale a pena perguntar:
para que servem a independência, o património e a autonomia? Em tempos de integração europeia, de globalização e de reforço das alianças internacionais, não estarão
estes valores tradicionais a necessitar de
revisão urgente? É provável que sim, que necessitem de revisão, como tudo na vida. Mas
o essencial é justamente o oposto à afirmação hipotética inicial: é nesses tempos que
a autonomia e o património adquirem mais
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Estratégia & Geopolítica
valor, não por razões meramente simbólicas,
mas porque esses são valores que aumentam a personalidade e o carácter de um
povo, muito especialmente as liberdades.
A integração internacional tende a homogeneizar, em processo que apaga a autonomia. O excesso de igualdade de instituições,
de costumes e de comportamentos não é
recomendável, é um traço dos regimes tendencialmente totalitários. Veja-se como, na
história, os que aspiraram ao despotismo ou
ao totalitarismo têm uma especial inclinação
para a igualdade. A igualdade pressupõe
um poder superior, que a impõe; sugere a
eliminação do mérito e do esforço, que distinguem; e consagra um condicionamento
das liberdades criativas que diversificam. É
por estas razões que cada país, mesmo em
tempo de integração internacional, tem dever e interesse em preservar a autonomia e o
património, pois são as suas liberdades que
estão em causa.
Não quero referir governos em concreto,
mas a verdade é que o mar, na sua mais
vasta acepção, tem perdido importância
em Portugal nas últimas décadas. Todos
os estudiosos o dizem. Qualquer que seja
o ponto de vista, em termos absolutos ou
relativos, na economia, na marinha, na ciência, no transporte ou no investimento, o mar
parece ter ficado para trás.
Em todos os capítulos, marinha armada e
mercante, transporte de mercadorias, pesca, turismo e lazer, o mar tem perdido im-
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
portância, tem declinado ou não se tem desenvolvido a par dos nossos parceiros. Esta
evolução ainda está hoje por estudar. O que
levou os Portugueses a escolher outras vias,
a desaproveitar a sua geografia, a perder a
competição com outros países, a recorrer
a outros mercados e serviços para as necessidades relacionadas com as actividades
marítimas? Foram escolhas deliberadas? De
quem? Foram consequências imprevistas
de outras opções? Quais? O continente europeu, a rodovia, a aviação, o comércio de
importação, a falta de recursos científicos e
técnicos, a contenção da Armada e da Marinha e a fractura entre interesses públicos
e privados foram as causas desta espécie
de declínio verificado ao longo das últimas
décadas?
Terá havido erros na concepção das políticas públicas? Estratégias que se revelaram
desacertadas? É possível imaginar que o
mar tenha sido de tal modo identificado com
o anterior regime autoritário, com a guerra
colonial e com a falta de liberdades que os
responsáveis pelo novo regime terão evitado
ou ignorado o tema? A discussão presta-se
evidentemente a especulação. Mas parece
razoável admitir que foram cometidos erros
de avaliação.
É verdade que Portugal esteve empenhado em todas as negociações internacionais
de desenvolvimento e regulação das actividades marítimas e piscatórias. Parece que
Portugal acompanhou, de modo activo e
· revistademarinha.com
com protagonismo, a evolução do Direito
Marítimo, a definição de Zonas Exclusivas e
de Plataformas Continentais e a reorganização internacional das actividades marítimas.
É mesmo referido, com frequência, que essa
participação de Portugal teve momentos altos, com o empenho profissional de oficiais,
académicos, técnicos e especialistas de alto
calibre. Mas fica-se com a impressão de que
se tratou de uma participação de super-estrutura, isto é, sem acompanhamento efectivo e prático na economia, nas instituições,
nas empresas, nas escolas, na frota e nas
actividades científicas à altura da participação internacional.
Estou convencido de que é possível recuperar caminho e tempo perdidos. Não voltando atrás, avançando. Com investimento
e formação. Mas a minha convicção não
faz ciência. É bem possível que estejamos
à beira de uma perda histórica. Em tempos
de refundação ou de reorganização da Europa, seria importante que as autoridades,
assim como a sociedade civil e académica,
aproveitassem esta oportunidade para rever
o empenho essencial no futuro do país.
* Professor Universitário
OBSERVAÇÃO:
Texto elaborado para a conferencia de abertura
do Ano Académico de 2019 da Academia de Marinha, proferida em 8 de janeiro. Muito se agradece à Presidência da Academia de Marinha a
autorização para a sua reprodução.
25
84.O Ano
A Modernização das Fragatas Classe
VASCO DA GAMA
por António Coelho Cândido*
1. INTRODUÇÃO
As três fragatas MEKO 200 PN da
classe VASCO DA GAMA (FFGH VG),
construídas na Alemanha no final da década de oitenta do século passado, foram
projetadas e construídas obedecendo a
requisitos operacionais fundamentados
em cenários substancialmente díspares
da realidade atual (i.e. guerra fria NATO
- Pacto de Varsóvia em confronto com
os atuais cenários de missões de combate à pirataria) incorporando tecnologia
que, decorridas mais de duas décadas e
meia de intensa exploração operacional,
se encontra logística e/ou funcionalmente
obsoleta. Existe, pois, não só a necessidade, mas, também, a oportunidade de,
simultaneamente, assegurar a sustentabilidade dos sistemas até ao final do seu
ciclo de vida, adequando-os ao atual espectro de missões.
A necessidade de assegurar a sustentação das FFGH VG durante o período remanescente do seu ciclo de vida, previsto
ocorrer até 2035, compele à minimização
da sua obsolescência logística, técnica e
operacional pela via da sua manutenção
e modernização, racional e pragmática,
e assume contornos de um programa
transversal, contemplando um conjunto
de projetos com elevado grau de integração e de transversalidade técnica, sem os
quais os navios deterão apenas capacidades operacionais residuais, não sustentáveis, até ao final da sua vida.
26
Antes de nos focarmos no processo
de modernização das FFGH VG, apresentam-se alguns conceitos relacionados
com a gestão do Ciclo de Vida (CV) de
um navio, simplificados, mas essenciais a
todo o processo de aquisição e de sustentação logística dos meios de ação
naval (designação normalmente utilizada
para caraterizar os navios e aeronaves da
Marinha).
O CV (fig. 1) pode ser descrito como
o período que decorre desde o início do
projeto de aquisição até ao final de vida
útil, onde se inclui o período de abate.
Aproximadamente a meio da vida útil, surge a designação MLU (Mid-Life Upgrade),
cujo significado representa uma modernização que deve ocorrer por essa altura, e
que está na génese deste artigo.
O CV contempla vários Ciclos de Manutenção (CM), que incluem um período
operacional seguido de um período de
manutenção mais prolongado. O CM típico da Marinha vai desde os 36 meses
para os pequenos navios até aos 80 meses para os submarinos.
O MLU, no caso das FFGH, deve ocorrer após cerca de 20 anos de operação e
tem como objetivo dotar o navio de novos
sistemas (decorrentes, ou não, de novos
requisitos operacionais), essencialmente
por duas ordens de razões: obsolescência logística ou obsolescência operacional. A obsolescência logística é fácil de
compreender para sistemas com mais de
20 anos, enquanto que a obsolescência
operacional está relacionada com o “estado da arte”, requerendo a sua substituição por novas tecnologias, para manter,
e até melhorar, a capacidade operacional
destas plataformas, equiparando-as às
novas construções.
Realça-se, também, a redução significativa do impacte ambiental associado ao
MLU pela aplicação de novos sistemas e
materiais, amigos do ambiente, promovendo-se o alinhamento normativo nesta
área, sempre em evolução.
Outro conceito importante é o Apoio
Logístico Integrado (ALI, ou ILS – Integrated Logistics Support), que consiste numa
metodologia aplicável a todos os projetos
de aquisição de novos sistemas/equipamentos, compreendendo uma abordagem disciplinada que influencia e desenvolve as melhores soluções de apoio
logístico para a sustentação dos meios,
ao longo do seu CV.
Os processos do ALI (fig. 2)(1) têm como
objetivos principais:
• Influenciar o projeto de aquisição/
construção, garantindo que as infraestruturas, ferramentas especiais, lotes de
sobressalentes e a formação e treino são
otimizados para maximizar a fiabilidade/
disponibilidade dos meios, sistemas e
equipamentos ao longo de todo o CV;
• Preparar a sustentação dos meios,
adotando as melhores soluções para a
Marinha de Guerra
sustentação integrada e otimizada ao longo do CV, garantindo o aprontamento e
disponibilidade do apoio logístico desde o
início da operação dos meios (fig. 1).
Os projetos de aquisição de novos
meios navais não se focam apenas na
fase de aquisição/construção, mas sim
em todo o seu CV, para que sejam racionalizados os custos, através da adoção
de soluções de apoio logístico integradas
e otimizadas, desde a fase de projeto até
ao fim de vida (fig. 2).
Foi ao abrigo destes conceitos, entre
outros, que foram construídas as FFGH
VG, entrando ao serviço no início da década de noventa do século passado, tendo
sido projetadas com base em requisitos
operacionais fundamentados em cenários
de emprego diferentes dos atuais, que são
mais diversificados, complexos e em rápida evolução, de que são exemplo o terrorismo marítimo, a proliferação de armas, o
tráfico, a migração irregular e a pirataria.
A atualização de capacidades, especialmente as de guerra antissubmarina,
em navios conhecidos pela sua robustez
e com capacidade para operar dois helicópteros, contribuirá significativamente
para o valor militar desta plataforma, evidenciando o comprometimento de Portugal para a segurança marítima global.
Fig. 1
2. PROGRAMA
Pretende-se com este programa estender a vida útil das FFGH VG até 2035,
tendo já sido realizada uma análise de
mercado, a fim de definir o custo de modernização por navio e o correspondente
nível de ambição, incluindo o número de
navios a modernizar, face ao orçamento
disponível.
O desenvolvimento do programa visa
maximizar a comunalidade de configuração entre estas fragatas e as fragatas da
classe BARTOLOMEU DIAS, minimizando
Soluções globais
de pintura
que respeitam
o meio ambiente
Mais de cem anos de experiência
e confiança em todo o mundo.
Hempel (Portugal), S.A.
Vale de Cantadores, 2954-002 Palmela
Tel: 212 352 326, Fax: 212 352 292
E-mail:
[email protected]
hempel.pt
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
· revistademarinha.com
27
84.O Ano
Fig. 2
o impacto financeiro e de planeamento,
assim como o risco, através de soluções
de aquisição comuns.
Tendo sido identificado e caracterizado em termos técnicos, financeiros e de
planeamento, o universo dos projetos que
constituem o programa de modernização,
privilegiou-se, em primeiro lugar, a erradicação da obsolescência logística, e em
seguida, o aumento de desempenho e de
capacidade combatente.
Neste contexto e no seguimento do
Conceito Tecnológico de referência desenvolvido, foram identificados e caracterizados em termos técnicos, financeiros e
de planeamento, o universo dos projetos
que irão constituir o Programa de MLU
das FFGH VG, privilegiando-se, como
referido, a erradicação da obsolescência
logística em capacidades imperativas já
existentes a bordo.
Pela sua criticidade e importância
destaca-se a necessidade de modernização dos “cérebros do navio”, nomeadamente, o sistema de gestão de combate
(CMS – Combat Management System) e
o sistema de gestão da plataforma (lPMS
– Integrated Platform Management System):
• O CMS é um sistema nevrálgico, que
confere ao navio capacidade de processamento e análise, constituindo-se como
o elemento funcional integrador da informação proveniente dos vários sensores,
apresentando-a de forma operacionalmente legível ao operador, permitindo o
28
estabelecimento das possíveis ações num
dado cenário operacional.
• O IPMS é outro sistema nevrálgico
que assegura o comando, controlo e gestão da plataforma, garantindo a adequada
operação dos sistemas e a segurança do
navio. Adicionalmente, mercê do elevadíssimo nível de automação que possui,
poderá vir a permitir uma redução no número de operadores embarcados.
Adicionalmente, dos restantes projetos
previstos no programa de modernização,
revestem-se de particular importância:
• O Electronic Warfare System (EW),
sistema constituído pelos subsistemas de
Electronic Counter Measures (ECM), vulgo jammer, e Electronic Support Measures (ESM) é, no atual contexto operacional, essencial às operações navais, pelo
nível de informação e conhecimento que
confere à plataforma.
• O Integrated Communications Control System (ICCS), sistema produzido
pela empresa nacional EID, representa
a maior incorporação de tecnologia, expertise e incorporação de mais-valia da
indústria nacional no âmbito do presente
Programa. O atual sistema SICC existente
a bordo encontra-se perto da obsolescência logística, sendo de importância
fulcral assegurar a sua sustentabilidade e
uma performance que permita uma gestão eficiente e eficaz das comunicações.
• O Electro-Optical Surveillance System, permitirá dar resposta aos requisitos
de defesa própria, proteção de força e de
revistademarinha.com
deteção de ameaças de guerra assimétrica, devendo ter capacidade para detetar,
identificar e seguir alvos, através das suas
assinaturas visuais ou infravermelhas.
Este sistema, que se pretende integrar
com o CMS, permitirá uma capacidade
de reação muito elevada.
• Os Tactical Data Links (TDL), baseados em processamento digital de alta
velocidade, visam eliminar as limitações
operacionais dos antigos sistemas, assegurando uma maior interoperabilidade
e integração ao nível NATO, conferindo
uma maior capacidade combatente às
plataformas.
O período planeado para a execução
do programa decorre entre 2023 e 2029,
revestindo-se de um carácter progressivo, minimizando a indisponibilidade dos
navios e fazendo coincidir a sua gradual
implementação a bordo com os períodos
de manutenção planeada. Prevê-se que
haja necessidade de efetuar a terceirização do desenvolvimento de algumas
soluções detalhadas de engenharia e da
gestão de alguns dos seus projetos.
O custo total previsto na Lei de Programação Militar (LPM), para o MLU FFGH
VG, é de 120M€.
3. DESAFIOS
E OPORTUNIDADES
Esta modernização distingue-se de
qualquer programa de aquisição de navios pela multiplicidade de contratos e
projetos complexos que a Marinha terá de
gerir em simultâneo. O programa constitui um momento único para desenvolver
e capacitar a empresa Arsenal do Alfeite,
S.A. em projetos de grande envergadura
e complexidade, salvaguardando assim
uma infraestrutura que se pretende capaz
de responder às necessidades de uma
Marinha de Guerra. Por outro lado, num
contexto em que se perspetivam novos
e desafiantes projetos, importa edificar
estruturas de recursos humanos capazes
de gerir, acompanhar e fiscalizar este tipo
de projetos, onde o acompanhamento
próximo das várias etapas do Programa,
por parte do utilizador final, se reveste de
particular importância.
A exemplo do atual ICCS, produzido
pela empresa nacional ElD, que representou a maior incorporação de tecnologia e
de produção da indústria nacional nestes
navios, com grande expressão a nível internacional, também noutros sistemas,
existem oportunidades de envolvimento
de empresas nacionais, especialmente no
Follow-On Support. Neste âmbito, a existência de empresas nacionais com partici· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Marinha de Guerra
pação direta no fornecimento de sobressalentes e na manutenção de sistemas
de comando, controlo e comunicações é
fundamental para a prontidão dos navios.
Ainda como desafios a ter em conta
em qualquer modernização na atualidade,
salientam-se o ciberespaço e os sistemas
não tripulados. No futuro, os ataques cibernéticos, com o objetivo de bloquear
o “comando e controlo”, serão cada vez
mais prováveis e, por conseguinte, ter-se-á de assegurar a resiliência cibernética
dos sistemas. Também assistiremos a um
aumento massivo do uso de sistemas não
tripulados, onde a inteligência artificial terá
um papel crescentemente decisivo para
a autonomização, e consequentemente
para o aumento da eficácia e eficiência
destes meios.
Estamos assim diante de um ambiente
complexo que envolverá a ordem mundial
com incertezas e mudanças repentinas,
pelo que os diversos intervenientes que
melhor interpretarem e se ajustarem aos
desafios emergentes estarão na linha da
frente para apresentarem as soluções
mais inovadoras, amigas do ambiente,
economicamente viáveis, sustentáveis e
fiáveis, sendo este último ponto crucial
para a indústria militar naval.
4. CONCLUSÕES
A modernização de meia-vida das
FFGH VG servirá, simplesmente, como
paliativo para as reais necessidades da
Marinha e de Portugal no médio prazo.
Ao abordar este tema, não podemos deixar de referir a necessidade de edificar
a regeneração da Capacidade Oceânica
de Superfície, através de uma “Nova Geração de Fragatas”, garantindo que este
investimento é compreendido e abraçado
pela sociedade portuguesa num quadro
de grandes limitações financeiras. Num
contexto em que as Marinhas do Século XXI se deparam com um ambiente
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
multifacetado, altamente complexo e de
grande exigência, onde uma nova geografia marítima mundial surge, por via da
delimitação das plataformas continentais,
situação que terá implicações nas relações internacionais. O desafio torna-se
ainda maior, porquanto a tecnologia e as
soluções de baixo custo atualmente existentes podem vir a apontar caminhos que,
inevitavelmente, comprometerão a sustentabilidade operacional da Marinha. Por
conseguinte, para que Portugal continue
a salvaguardar a sua autonomia estratégica, as fragatas, a par de submarinos e
de navios-reabastecedores, constituem
a base da esquadra de qualquer nação
marítima e o meio fundamental para assegurar o controlo do mar nos espaços
marítimos.
Tal como no passado, pensar uma
marinha é um desafio de longo prazo e
o investimento em meios navais de eleva-
· revistademarinha.com
do custo e grande complexidade deverá
ser pensado em função do ambiente estratégico presente e futuro, naturalmente
alinhado com as Missões e Tarefas decorrentes dos diplomas estruturantes da
defesa nacional e das Forças Armadas,
tornando-se assim necessário, considerando o fim do ciclo de vida das atuais
fragatas em 2035, começar desde já a
desenhar o futuro modelo, adaptado às
circunstâncias do país.
* Superintendente do Material
Vice-almirante
NOTA:
(1) Acrónimos da fig. 2: FMECA - Failure Modes Effects and Criticality Analysis; RCM - Reliability Centered Maintenance; LORA - Level
of Repair Analysis; PHS&T - Package, Handling, Storage and Transportation; SA - Supportability Analysis; SSP - Supply Support
Procedures.
29
84.O Ano
O Comando Português da Força Naval
da União Europeia na Somália
por José Vizinha Mirones*
A IMPORTÂNCIA
DO OCEANO ÍNDICO
O Oceano Índico cobre um quinto da
área total do oceano mundial e é limitado
pelo continente africano e pela Península Arábica, pelas águas costeiras da Índia,
pelo golfo de Bengala, perto de Mianmar e
da Indonésia, e pelo subcontinente australiano.
As rotas comerciais que o cruzam ligam
a Ásia à Europa e transportam cerca de um
terço do comércio global, a esmagadora
maioria do qual é transportado ao longo de
um número limitado de linhas de comunicação marítimas altamente congestionadas
e fáceis de perturbar, as Sea Lines of Comunication (SLOC’s). Estima-se que 30%
das reservas mundiais de gás e petróleo
residam nesta área geográfica.
A União Europeia (UE), muito dependente do transporte marítimo para o desenvolvimento da sua economia tem,
assim, consequentemente, interesse estratégico na segurança destas linhas de
comunicação que permitem o acesso regular aos diversos bens que abastecem a
complexa cadeia global de abastecimento
e produção.
A segurança das SLOC’s do oceano
Índico é também de importância vital para
o crescimento das economias emergentes
do Sul e do Leste Asiático, bem como para
a economia mundial em geral. Os pontos
de estrangulamento (choke points) destas
rotas, estrategicamente localizados, são
extremamente vulneráveis a ataques perturbadores, tanto de agentes estatais como
não estatais, incluindo piratas e terroristas.
Por outro lado, as contingências no mar
têm não só o potencial de afetar os preços,
já voláteis, do petróleo, mas também podem ter efeitos dramáticos nas empresas
que dependem, por princípio, da produção
e entrega just in time, no contexto de redes
globais de produção.
Estas SLOC’s, no entanto, estão longe
de ser seguras. A criminalidade organizada
bem como as tensões e os conflitos regionais colocam em perigo estes itinerários
vitais, ameaçando a livre passagem da navegação por diversos pontos de estrangulamento regionais como o Canal de Suez,
o estreito de Bab el Mandeb ou o estreito
de Ormuz.
30
1. A OPERAÇÃO ATALANTA
A pirataria ao largo da costa da Somália
desenvolveu-se como uma séria ameaça à
navegação internacional há cerca de dez
anos. No seu auge, em janeiro de 2011, os
piratas somalis mantiveram reféns mais de
730 tripulantes e 30 navios. A presença naval da UE, através da EU NAVFOR Somália
- Operação ATALANTA, e de outras forças,
contribuiu para reduzir drasticamente os
ataques dos piratas a apenas duas tentativas infrutíferas em 2018. Não obstante,
em 21 abr 2019, ocorreu um ataque a duas
embarcações de pesca, que resultou na
detenção pela EU NAVFOR dos indivíduos
suspeitos e posterior entrega para procedimento criminal na República das Seicheles.
Este evento demonstra que a pirataria ao
largo da Costa da Somália está contida,
mas não foi erradicada, existindo condições
para a renovada prática destes ilícitos, tanto
no mar territorial da Somália como no alto
mar.
A EU NAVFOR Somália opera numa área
de operações que abrange o Sul do Mar
Vermelho, o Golfo de Áden e uma grande
parte do Oceano Índico, incluindo as ilhas
Seicheles e as ilhas Comores. Inclui igualmente a faixa costeira da Somália, bem
como o seu mar territorial e águas internas.
O presente mandato baseia-se em várias
resoluções do Conselho de Segurança das
Nações Unidas, com o objetivo de:
• Proteger os navios do Programa de
Ajuda Alimentar Mundial, e outros navios
vulneráveis, em trânsito na área de operações;
• Combater a pirataria e o roubo armado
no mar;
• Apoiar as missões congéneres e outros
instrumentos da UE;
• Contribuir para a implementação de
SLOC’s e choke points no Oceano Índico.
revistademarinha.com
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Marinha de Guerra
O relacionamento institucional com autoridades dos Estados costeiros e com
diversos líderes e atores locais e regionais,
num crescente envolvimento diplomático,
assumiu particular importância durante o
comando português e correspondeu, na
prática, à lógica de uma abordagem abrangente (comprehensive approach) que é característica da UE.
projetos da UE no âmbito da segurança
marítima;
• Monitorizar a atividade dos pesqueiros
ao largo da costa da Somália.
A. OS MEIOS E AS CAPACIDADES
A composição da EU NAVFOR Somália
muda constantemente devido à frequente
rotação das unidades e varia em função
da época das monções no Oceano Índico.
No período do comando português, que
decorreu durante a monção de nordeste, a
constituição da força integrou várias unidades militares de Estados Membros da UE,
incluindo até três navios em simultâneo,
duas aeronaves de patrulha e reconhecimento marítimo, helicópteros, veículos
aéreos não-tripulados, fuzileiros, forças de
operações especiais francesas e um destacamento autónomo de proteção de navios,
de nacionalidade sérvia, embarcado num
navio mercante fretado pelo Programa de
Ajuda Alimentar Mundial.
Para além das unidades da EU NAVFOR,
existe na área de operações uma presença
naval internacional considerável, composta
por meios que integram diversas coligações
e por unidades nacionais de países como a
China, a Índia, o Japão, a Coreia do Sul, a
Rússia e os EUA - todos com mandatos e
objetivos de missão variáveis.
Sendo as operações de reconhecimento e vigilância, que desenvolvem em
articulação com as aeronaves de patrulha
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
B. O COMANDO PORTUGUÊS
Destacamento sérvio autónomo de proteção
de navios.
marítima, a principal atividade dos navios,
realizam quando exequível, reuniões de
oportunidade com as comunidades marítimas, a fim de obter uma melhor compreensão das práticas marítimas na região. Estes encontros, realizados no mar, a bordo
das embarcações e navios mercantes, aos
quais se acede através de aproximações
amigáveis, permitem estabelecer um contacto direto com as tripulações e sensibilizar
os Comandantes para as melhores práticas
de autoproteção contra a pirataria.
Os meios da EU NAVFOR apoiam também outras missões da UE que operam na
Somália, contribuem para a capacitação
das Marinhas e Guardas Costeiras de países da região e para o controlo da atividade da pesca, particularmente junto à costa
somali.
· revistademarinha.com
Foi com este enquadramento que, entre
3 dez 2019 e 17 mar 2020, a EU NAVFOR
Somália foi comandada por um Comodoro
da Marinha de Portugal.
O Comando, apoiado por um estado-maior internacional, foi exercido, a bordo
de dois navios espanhóis, as fragatas VICTORIA e NUMANCIA. Este facto deu-nos
uma grande satisfação pessoal, trouxe-nos
um grande sentimento de responsabilidade
e significou um incentivo para continuar a
contribuir para um futuro que aposte na
amizade, no respeito e no aprofundamento
da colaboração operacional entre as Marinhas de Portugal e de Espanha.
Constatámos que, presentemente, a
área de operações regista um conjunto de
atividades ilícitas e irregulares com origem
ou, de alguma forma, relacionadas com
grupos criminosos sedeados na Somália.
Em paralelo, e com potencial para modificar o atual estado de segurança no mar,
com especial incidência no Golfo de Áden,
31
84.O Ano
Encontros de trabalho com diversas entidades.
no Estreito de Bab el Mandeb e no sul do
Mar Vermelho, faz-se sentir a instabilidade
potenciada pelo conflito no Iémen. Simultaneamente, as fortes tensões regionais na
zona do Estreito de Ormuz e do Golfo Pérsico têm conduzido a uma presença crescente de meios militares, incluindo europeus.
Por outro lado, a presente diminuição da
prática de atos de pirataria, referida anteriormente, pode significar que os grupos ou
redes que se dedicavam àquela atividade,
se dedicam agora a outras práticas ilícitas,
podendo, eventualmente, reverter para a
atividade inicial, a qualquer momento, se
estiverem reunidas condições favoráveis.
A EU NAVFOR Somália conta presentemente com um número reduzido de meios
e capacidades. Esta situação exigiu a adaptação do funcionamento do Comando e do
estado-maior embarcado para que, com
menos recursos, se pudesse cumprir o
mandato, proporcionando o mesmo nível
de proteção à navegação vulnerável. Neste
contexto, foram testados diferentes métodos e níveis de colaboração e integração
com diversos atores regionais e locais, a fim
de complementar a capacidade de conhecimento situacional da Força e de aumentar
a cooperação com outras partes interessadas, militares e civis, presentes na área de
operações.
Intensificámos a colaboração com o Serviço Europeu de Ação Externa e com as outras missões europeias no terreno, com o
objetivo de, através de uma ação concertada, cumprir de forma mais eficaz e eficiente
a missão, convencidos de que o diálogo, a
partilha de informação e a conjugação de
recursos são condições prévias na luta contra a insegurança no mar e no desenvolviAproximação
amigável a uma
embarcação.
32
Militares portugueses do Estado-Maior Internacinal da 33ª Rotação do Comando da Operação
Atalanta.
mento de respostas aos desafios marítimos
que vão muito além da pirataria.
O EMBARQUE NAS FRAGATAS
ESPANHOLAS
Foi num contexto de grande compreensão, profundo respeito institucional e consideração pessoal ímpar que fomos protagonistas duma cooperação militar acrescida, e
única, mesmo a nível europeu, entre Portugal e Espanha.
Durante a nossa estadia a bordo das
fragatas VICTORIA e NUMANCIA, tivemos
a oportunidade de testemunhar a experiência, o profissionalismo e a dedicação das
guarnições espanholas. O calor humano
com que fomos recebidos fez-nos sentir em
casa desde o primeiro momento: a linguagem nunca foi uma barreira, pelo contrário,
foi sempre uma ponte.
Por outro lado, a oportunidade navegar
em navios espanhóis, num momento relevante para ambos os países, permitiu vivenciar, em local privilegiado, a celebração do
quinto centenário da viagem de circum-navegação iniciada de forma pioneira por Fernão de Magalhães e completada, brilhantemente, por Juan Sebastián de Elcano. Esta
epopeia de 500 anos encarna a importância
do esforço individual, mas sobretudo do esforço coletivo, da perseverança, da capacidade de trabalho e da responsabilidade,
Navios da EU NAVFOR Somália.
princípios éticos e morais que partilhamos
e que continuam a ter uma importância vital
nas nossas Marinhas.
Terminada esta missão, estamos certos
e confiantes de que os princípios éticos e
morais que partilhamos com a Armada
Española continuarão a regular o nosso
trabalho, marcado por um forte sentido de
serviço público, e, por isso, continuaremos
a trabalhar com rigor, fraternidade, serenidade, verdade e justiça, em benefício da
sociedade e dos nossos concidadãos.
* Comodoro
OBSERVAÇÃO:
Este texto foi elaborado com o apoio dos oficiais portugueses do estado-maior internacional da 33ª rotação do Comando da Operação
ATALANTA.
Marinha de Guerra
O “Plano Estratégico da Marinha”
do Brasil (PEM 2040)
por Victor Lopo Cajarabille*
a sequência da promulgação pelo
Comandante da Marinha do Brasil,
Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Júnior, de um documento intitulado “Política Naval”, em abril de 2019, surge agora o “Plano Estratégico da Marinha” (PEM
2040). Este novo documento, emanado da
mesma entidade, foi entregue ao Presidente da República do Brasil e ao Ministro da
Defesa em 10 de setembro de 2020.
O PEM é elaborado pelo Estado-Maior
da Armada e aprovado pelo Comandante
da Marinha do Brasil, tendo um horizonte
temporal de 20 anos, devendo ser revisto
de 4 em 4 anos. Visa estabelecer os planos
de médio e longo prazo (até 2040) da Marinha do Brasil, tendo sido elaborado após
vastas discussões e numerosos trabalhos,
com a participação de militares e civis, formadores de opinião e representantes das
comunidades académica e científica.
Trata-se de um texto perfeitamente alinhado com a Política Naval anteriormente
definida e naturalmente condicionado pela
Política Nacional de Defesa, Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa
Nacional. No essencial, desenvolve e detalha as orientações, objetivos e programas já
anunciados na órbita da Política Naval.
Assinale-se em primeiro lugar a atenção
N
dedicada a todo o edifício conceptual ao nível da Defesa Nacional e das Forças Armadas, bem como a integração de personalidades civis qualificadas na preparação dos
documentos de suporte.
O PEM 2040 tem um cariz mais operacional do que a Política Naval, mas mantém
o foco nos objetivos navais e na projeção
para o futuro. Torna-se assim mais esclarecedor no que respeita ao sistema de forças
navais que a Marinha do Brasil ambiciona.
Para além da clássica mensagem do
Comandante da Marinha, a substância elucidativa encontra-se distribuída por vários
capítulos, bem significativos:
1. Ambiente operacional
2. Ameaças
3. Conceito estratégico marítimo-naval
4. Mapa estratégico da Marinha
5. Ações estratégicas navais
O ambiente operacional abrange a área
marítima e fluvial e salienta a sua importância para o desenvolvimento e segurança
do Brasil. Neste capítulo fazem-se considerações teóricas sobre o poder marítimo,
suas funções e fatores condicionantes,
sempre que possível com aplicações concretas à realidade brasileira. As áreas com
maior prioridade são naturalmente as que
já estavam definidas na Política Naval, ou
seja, o Atlântico Sul e a “Amazónia azul”(1),
mas agora com a indicação precisa do
paralelo 16º Norte(2), como limite superior
das áreas prioritárias, o que abrange praticamente a metade Sul do arquipélago de
Cabo Verde.
No capítulo das ameaças, percebe-se
que o Brasil encara a sério a possibilidade
de um ataque vindo do mar ou a coação
por potência naval de maior dimensão e até
a defesa NBQR(3), por parte de forças navais, aeronavais e de fuzileiros. Deste modo,
são necessários meios adequados para
contrariar tais ameaças. No que respeita às
outras ameaças relativas à segurança no
mar parece não se afastarem da moldura
habitual dos tempos modernos: pirataria,
terrorismo marítimo, pesca ilegal, acesso
ilegal a conhecimentos, criminalidade organizada, questões ambientais, disputas por
recursos naturais e ameaças cibernéticas.
No que concerne ao conceito estratégico marítimo-naval afigura-se que talvez seja
um pouco excessivo num documento com
caraterísticas de pendor mais operacional.
São explorados os conceitos de “Comba-
33
84.O Ano
te no Mar” e “Combate pelo Mar”, sendo
que este último se refere à proteção dos
recursos existentes no mar. Contudo, descrevem-se os princípios da guerra, manifestamente inseridos de modo forçado, focando depois as oportunidades de diplomacia
naval, acompanhadas de exemplos.
Na realidade, para além de alguns elementos dispersos, certamente válidos,
não se consegue descortinar uma linha
conceptual estratégica de natureza marítimo-naval bem definida. Para mencionar
sistemas considerados muito relevantes,
como sejam, o Sistema de Gerenciamento
da Amazónia Azul(4) e o Centro Integrado
de Segurança Marítima, recorre-se a uma
subsecção de requisitos para um sistema
defensivo proactivo. Aproveita-se também
para atribuir elevada “pro-atividade”(5) ao
submarino de propulsão nuclear.
Merece algum esclarecimento a seguinte
afirmação, que consta na página 37: … a
denominada Plataforma Continental, que
pode chegar a 350 milhas náuticas da costa. Na verdade, em certos casos(6), a Plataforma Continental reconhecida poderá
ultrapassar as 350 milhas náuticas da costa
(linhas de base). O Brasil, na sua proposta de extensão, apresenta duas pequenas
áreas nestas condições, e Portugal também
na região dos Açores.
Voltando ao texto em apreço, faltam
analisar dois capítulos que estão bastante
interligados e que já constavam na Política
Naval, embora de forma muito mais condensada. Constituem a parte mais concreta
e explicativa do PEM 2040, já que descrevem com algum detalhe os programas de
desenvolvimento e reequipamento da Marinha do Brasil para os próximos 20 anos.
Merecem assim a maior atenção e permitem apurar os sistemas de forças a edificar
e quais as suas tendências e objetivos principais. Também nesta parte se inserem alguns elementos talvez dispensáveis, como
sejam os “Valores da Marinha”.
Os objetivos navais estão divididos em
três grandes grupos, consoante as áreas
primordiais a que se destinam: Resultados
para a sociedade (contributo no âmbito
34
militar e civil de ordem geral), Processos
(sistema de força naval propriamente dito)
e institucional (administração de pessoal e
financeira). A cada um dos Objetivos Navais
(OBNAVs), corresponde uma Estratégia
Naval (EN) e diversas Ações Estratégicas
Navais (AENs). Assim, cada EN constitui
uma explanação do objetivo visado e cada
AEN consiste na realidade num projeto que
se encontra descrito e está atribuído a uma
entidade responsável.
Paralelamente, existe um processo
de recolha de índices e indicadores para
acompanhamento da eficiência e eficácia
dos projetos, bem como um Comité de
Gestão Estratégica da Marinha (COGEM)
que deverá verificar as metas alcançadas.
São enunciadas 51 AEN, mas na parte
final do documento são considerados estratégicos pela Marinha Brasileira sete programas (uma combinação de várias AEN no
entendimento adotado) a seguir mencionados:
– Gestão do pessoal e sua valorização,
que inclui a saúde e família naval;
– Programa nuclear da Marinha, que visa
a construção de um submarino de propulsão nuclear;
– Construção do núcleo do poder naval,
que abrange a obtenção de meios navais
e que adiante se mencionará com algum
detalhe;
– Obtenção da capacidade operacional
plena, que se refere à modernização de
instalações, dotações de sobressalentes,
armas e munições;
– Sistema de Gerenciamento da Amazónia Azul, já referido;
– Ampliação do apoio logístico, que consiste fundamentalmente na criação de um
complexo naval de uso múltiplo próximo da
foz do rio Amazonas;
– Mentalidade marítima, que diz espeito
à consciencialização da sociedade relativamente à necessidade e importância do
poder marítimo e ao incremento da mentalidade marítima.
Para além destes programas estratégirevistademarinha.com
cos, merecem ainda especial realce os seguintes projetos:
– Incrementar a capacidade contra
ameaças híbridas;
– Contribuir para a garantia dos Poderes
Constitucionais e da Lei e da Ordem;
– Apoiar a presença brasileira no continente Antártico;
– Fortalecer a Comissão Interministerial
para os Recursos do Mar (CIRM), que é
constituída por representantes de diversos
órgãos e Ministérios e coordenada pelo Comandante da Marinha;
– Fomentar a participação das Marinhas
amigas na ZOPACAS(7);
– Ampliar a participação em operações
de paz e humanitárias;
– Obter o sistema de aeronaves remotamente pilotadas;
– Desenvolver a capacidade de defesa
NBQR;
Desenvolver os projetos de míssil anti-navio nacional e anti-navio ar-superfície;
– Desenvolver parcerias estratégicas
com o setor industrial marítimo para a elaboração de projetos de construção ou reparação de navios para uso comercial e
militar;
– Criar o esquadrão de guerra cibernética;
– Desenvolver a capacidade de interceção de comunicações por satélite;
Relativamente à renovação da esquadra
e de outros meios navais há a registar um
conjunto apreciável de aquisições e modernizações:
– Continuação da construção do submarino nuclear, atrás citado;
– Aquisição de um navio com capacidade de controlo de áreas marítimas;
– Construção de 4 novas fragatas da
classe TAMANDARÉ com elevado poder
combatente;
– Construção em curso de 4 novos
submarinos convencionais da classe RIACHUELO, (Scorpéne modificado) com
apoio da França;
– Construção de um navio de apoio logístico móvel;
– Aquisição de navios anfíbios, navios de
contramedidas de minas e navios de instrução;
– Navios patrulhas e navios hidro-oceanográficos;
– Reequipamento dos fuzileiros;
– Aviões de asa fixa, helicópteros com
capacidade anti-submarina e outros helicópteros.
Pode-se facilmente concluir que o programa de aquisições previsto para a Marinha do Brasil nos próximos 20 anos é muito
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Marinha de Guerra
ambicioso e dificilmente será cumprido na
sua totalidade. Para além dos custos envolvidos, a execução de numerosos projetos
simultaneamente raramente é viável em
tempo de paz e muito menos quando não
existem inimigos bem identificados, como é
o caso do Brasil.
No plano da segurança e autoridade do
Estado no mar, o Brasil já possui mais de
20 Patrulhas de várias classes, que podem
ser apoiados por navios maiores e até por
submarinos convencionais.
Contudo, existem grandes lacunas
em termos de navios combatentes e o
PEM 2040, mesmo que cumprido, não
vai transformar a Marinha brasileira numa
grande potência naval. Poderá classificar-se como uma Marinha média de projeção
regional.
As atuais 6 fragatas e os 4 submarinos,
embora tenham sido beneficiados com modernizações, estão longe das modernas
capacidades deste tipo de navios. Por isso,
o Brasil pretende construir rapidamente 4
fragatas tecnologicamente avançadas e
também novos submarinos convencionais.
Porém os submarinos não serão equipados
com AIP(8), o que lhes retira bastante valor
combatente.
Quanto ao submarino nuclear, quando estiver operacional, será uma unidade
de valor muito importante. O projeto dura
há décadas e não se sabe quando ficará
concluído. Por outro lado, uma unidade é
manifestamente pouco se o Brasil se quiser
afirmar como uma potência naval de pro-
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
2040 é um documento que foi escrito especialmente para consumo interno, exaltando as funções da Marinha e justificando o
investimento que se preconiza. No que se
refere ao reflexo externo do poder naval que
se possa demostrar, não será muito impressionante, mas regista-se que vai haver
um esforço no sentido do seu incremento,
o que poderá continuar no longo prazo, até
se atingir um patamar superior. Haverá que
aguardar o próximo PEM, a publicar em
2024, para verificar os progressos alcançados.
* V/Alm., ref
jeção superior à regional. O mínimo seriam
3 unidades e isso não está ao alcance do
Brasil nas próximas décadas.
Apesar do que antecede, a obtenção de
um navio com capacidade de controlo de
áreas marítimas (desconhecem-se os requisitos), juntamente com o Porta Helicópteros
Multipropósito já existente, os navios anfíbios, o novo material para os fuzileiros e ainda um conjunto apreciável de outros tipos
de navios e meios aéreos, mostram uma
pujança estimulante da Marinha do Brasil
Uma nota final para observar que o PEM
· revistademarinha.com
NOTAS:
(1) Espaços marítimos de soberania ou jurisdição nacional do Brasil.
(2) O paralelo 16° Norte passa exatamente na
ilha da Boavista (Cabo Verde).
(3) Nuclear, Biológica, Química e Radiológica.
(4) Consiste num conjunto de sistemas destinados a ampliar a capacidade de monitorização e
controle das águas jurisdicionais e das regiões
de busca e salvamento sob responsabilidade do
Brasil.
(5) Na grafia brasileira “proatividade”.
(6) Em determinadas condições de configuração da margem continental pode-se aplicar a
regra de 100 milhas medidas a partir da isóbata
dos 2.500 m, mesmo que ultrapasse as 350 milhas da costa.
(7) Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.
(8) Air Independent propulsion. Em português,
propulsão independente do ar, o que permite ao
submarino operar sem necessidade de acesso
ao oxigénio atmosférico, portanto sem vir à superfície com alguma frequência para carregar
baterias.
35
84.O Ano
Contribuição da Marinha Angolana
no Desenvolvimento do País
por Valentim Alberto António*
existência de consideráveis recursos
naturais marinhos vivos e não vivos
nas águas jurisdicionais Angolanas
suscita especial atenção no que tange à vigilância e à proteção dessa vasta área.
A exploração de cerca de 95% do petróleo e do gás natural é feita no mar, e esse
mesmo espaço é atravessado por linhas de
comunicação e rotas comercias importantes, mostrando-se um desafio adicional a
gestão deste mesmo espaço, e a sua exploração comercial e científica sustentável.
Do ponto de vista da Defesa e Soberania
Nacional, o mar Angolano é um grande património a ser protegido e preservado de
ameaças. É à Marinha Angolana que cabe a
incumbência de proteger a vasta área marítima do Pais, em cooperação com outros
organismos do Estado.
A Marinha Angolana foi criada a 10 de
julho de 1976. Na altura da sua criação, o
primeiro Presidente de Angola proferiu um
importante discurso de que apresentamos
algumas citações: … eu insisto nesta necessidade de defesa … diante de nós temos um facto que não devemos também
esquecer, é que para proteger o nosso
território nacional a Marinha é necessária. A
proteção das nossas águas territoriais onde
até agora têm vindo a piratear muitos navios
estrangeiros, que fazem a pesca, é um facto que devemos evitar no futuro, devemos
neutralizar aqueles que querem de qualquer
maneira roubar o que existe no nosso país,
ou que pretenderão, talvez, através do mar
atacar o nosso país.
Este discurso foi decisivo, pois o Dr.
Agostinho Neto demonstrava ter uma visão
estratégica, que considerava o mar um importante recurso pelas suas potencialidades económicas, e pelas ameaças e riscos
que suscitava. Nesta época a Marinha Angolana herdou do espólio da Armada colonial Portuguesa doze lanchas de patrulha e
A
fiscalização das classes ARGOS e BELLATRIX, um navio hidrográfico, duas lanchas
de desembarque grandes, duas lanchas de
desembarque médias e uma lancha de desembarque pequena.
Nos anos subsequentes, e de uma forma faseada, até a década de 90 do século
XX, foram sendo aumentados à Marinha
Angolana diversas unidades navais com
capacidade de emprego de mísseis, torpedos e artilharia reativa de grosso calibre
para “amaciamento” de alvos na costa, uma
aeronave de patrulha marítima e estações
de radar costeiras com cobertura total da
costa. Por outro lado, não foi descurada a
formação de pessoal em diversas especialidades de marinha, para exploração, emprego e manutenção do armamento e dos
meios técnicos.
As preocupações apresentadas pelo Dr.
Agostinho Neto há 44 anos relativas à prote-
ção e preservação dos recursos marinhos,
revelam-se atualmente e cada vez mais,
uma preocupação dos estados costeiros e
das organizações mundiais e regionais. Por
exemplo, a ONU estabeleceu, para os anos
2021-2030, a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. O
propósito é incentivar governos, e sociedade civil a desenvolver ações que ajudem a
cumprir o objetivo nº 14 da lista dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável cujo
tema é a “Conservação e Uso Sustentável
dos Oceanos, dos Mares e dos Recursos
Marinhos para o Desenvolvimento Sustentável”.
Por sua vez a União Africana (UA), na
sua Estratégia Marítima Integrada de África 2050, reconhece que o futuro do continente, tanto em termos de oportunidades
como de desafios, está ligado ao espaço
marítimo que o cerca. O vasto domínio africano contém imensos recursos que, quando totalmente explorados, irão fornecer às
sociedades africanas recursos adicionais
significativos para fortalecer os seus contínuos esforços de desenvolvimento, incluindo a segurança alimentar e energética. Por
sua vez, o desenvolvimento é uma base essencial para a estabilidade e sustentabilidade da paz no continente. A UA reconhece
também que este processo de desenvolvimento é quase impossível de alcançar sem
segurança – tanto em terra como no mar,
lembrando que dos 54 Estados africanos,
16 não possuem ligação direta com o mar.
Como é sabido, hoje mais que nunca, os
estados costeiros, assim como o alto mar,
estão expostos a uma multiplicidade de
ameaças e riscos, que tiram partido do mar
e carecem de resposta da parte dos Estados e organizações internacionais, já que os
efeitos que produzem são altamente prejudiciais às economias e à segurança. Nesse
tipo de ameaças constam sobretudo as ati-
O NGOLA KILUANGE,
um dos dois patrulhas
oceânicos de 62 m,
utilizados na
fiscalização da pesca.
36
Marinha de Guerra
vidades de pesca ilegal, tráficos ilícitos de
pessoas, armas, drogas, contrabandos, (incluindo o branqueamento de capitais), imigração clandestina, crimes ambientais, derrame de petróleo, roubo de petróleo/roubo
de petróleo bruto bem como a descarga de
resíduos tóxicos e de lixo hospitalar. Estas
atividades são deliberadamente dissimuladas e o seu combate exige a mobilização
de meios e recursos, na maioria dos casos
multissectoriais. Outras ameaças assumem
formas mais explícitas, e constituem-se
num verdadeiro perigo para a navegação,
como a pirataria e assalto à mão armada
contra navios.
Nesse sentido, a interoperabilidade é
fundamental, e o efetivo monitoramento do
mar impede a realização de atividades não
sustentáveis, como a pesca predatória e a
ocorrência de acidentes ambientais, como
vazamento de combustível, evitando prejuízos como a perda de habitats marinhos,
a contaminação química e a poluição dos
mares.
O Executivo Angolano e a sociedade civil em geral hoje estão cientes de que não
é o petróleo que irá resolver todos os seus
problemas, e concluiu-se mesmo que a diversificação da economia é na verdade o
melhor caminho. O mar Angolano para além
do petróleo e gás, possui outros recursos
valiosos que podem concorrer na produção
da riqueza nacional; os mesmos devem
ser protegidos, porque são cobiçados por
agentes que se dedicam a atividades ilegais.
Seria muito valioso ter-se na mão dados sobre a atividade de exploração ilegal do mar
para que se tivesse a ideia exata dos prejuízos que ela causa ao país. Angola, como
muito outros estados no mundo, tem dificuldades em assegurar o controlo eficiente
da atividade no mar, porque a fiscalização
ainda não cumpre o seu verdadeiro papel,
pela exiguidade dos meios de que dispõe
para este fim ou por serem meios inadequados. Identificados os constrangimentos,
o Estado Angolano está buscando soluções
para se ultrapassar esta situação. Existe a
Uma unidade de Fuzileiros Navais, nas comemorações dos 40 anos da Marinha de Angola.
consciência de que se tem de defender os
bens do domínio público que se encontram
no mar, nomeadamente os recursos biológicos e não biológicos. Nesse sentido o
Executivo Angolano tomou a decisão, em
execução, de fazer investimentos públicos
na modernização da Marinha. O esforço
desta modernização engloba uma ampla
gama de programas de aquisição de plataformas e apoio C4ISR (comando e controlo,
comunicações, computadores, inteligência,
vigilância e reconhecimento).
O esforço de modernização da Marinha
inclui também a melhoria na manutenção e
na logística, o aprimoramento da qualidade
do pessoal através da educação e treino,
para além de contar com o recurso da cooperação de diferentes países, de entre eles
Portugal. Oficiais instrutores portugueses
apoiam a formação de cadetes angolanos
na sua própria Escola Naval, e também os
cadetes do 5º ano formados na Academia
Naval em Angola, realizam um estágio em
Portugal, em unidades da Armada portuguesa.
O esforço de modernização da Marinha
é considerado pelo Executivo Angolano
como tendo como objetivo o desenvolvimento das capacidades necessárias para
alcançar um maior grau de controlo ou domínio do que se passa na Zona Económica
Exclusiva, Mar Territorial e vias fluviais, assim como assegurar a atividade de “busca e
salvamento” marítimo e a cooperação com
outras nações na manutenção da ordem e
segurança no mar.
Valerá sempre a pena que se façam investimentos públicos a nível da fiscalização
marítima, para que o país possa contar livremente com os imensos recursos marinhos
neles existentes, para que deles tire o maior
proveito. O mar angolano está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento nacional,
razão pela qual a sua gestão pressupõe
uma filosofia de intervenção, cada vez mais
consentânea com as ambições legítimas e
as expectativas de Angola em ser um país
próspero e virado para o futuro.
* Vice-almirante (Angola)
CURSO | DIRIGENTES E EXECUTIVOS DE TOPO
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37
84.O Ano
A Base Naval de Hera,
cerca de uma dezena
de kms a leste de Dili,
vista do lado do mar.
A Força Naval Ligeira
de Timor-Leste
por João da Silva* e Rui Nunes Ferreira**
Força Naval Ligeira de Timor-Leste,
com apenas 18 anos e com um período conturbado em 2006/2007,
está em fase de estabilidade estrutural (em
elaboração e para aprovação ainda este
ano, a futura Lei Orgânica) e ainda a ganhar
a consolidação do espírito marinheiro dos
seus militares. De realçar que dos 50 militares que começaram nesta componente
em 2002, apenas 25 continuam nas suas
fileiras.
A
TIMOR-LESTE E O SEU MAR
Antes de descrever a atual situação da
Componente Naval, é de todo fundamental
caraterizar a importância estratégica do mar
para o quinto país mais jovem do mundo.
Como é sabido a importância do mar
tem sido demonstrada, como fator permanente do sistema internacional, quer sob
a perspetiva económica, quer no plano da
segurança. A política externa dos Estados,
em geral, e dos estados costeiros em particular, deve contemplar o mar com um sentimento reforçado e com interesse especial.
Tendo em conta estes fatores geoestratégicos, Timor-Leste poderá, em termos de
comércio internacional, ser uma verdadeira
plataforma entre o Índico e o Pacífico com
todas as vantagens que poderão advir para
o desenvolvimento sustentado da sua economia. O potencial estratégico do mar timorense exige que sejam equacionadas as necessárias infraestruturas portuárias e outras
relacionadas com a exploração dos hidrocarbonetos, devendo ser tido em conta nos
38
planos estratégicos de desenvolvimento
económico de Timor-Leste(1). De assinalar
que o mar é constantemente referido nos
discursos das entidades deste país, assim
como em entrevistas aos órgãos de comunicação social por parte de cidadãos timorenses de referência como é o caso do Dr.
Ramos-Horta numa entrevista á televisão
timorense em dezembro de 2018.
De referir também as palavras do atual
Presidente de Timor-Leste (Dr. Francisco
Guterres Lú Olo) na Conferência Internacional “Timor-Leste: O Século do Mar”, promovida pelo Instituto de Defesa Nacional de
Timor-Leste (IDN-TL) em agosto de 2018
… Timor-Leste é um pequeno país quando,
na verdade, a sua plataforma continental é
bastante grande e o país deve ser visto não
como um país periférico, mas sim como
um país de articulação transoceânica, que
se situa numa das quatro rotas comerciais
marítimas mais utilizadas na ligação entre os
oceanos Índico e Pacífico, facto que acentua o seu potencial geoestratégico. Isto só
denota a importância de Timor-Leste ter
uma Componente Naval sólida e pronta
para acompanhar o desenvolvimento do
país e controlar as águas sob sua jurisdição, tendo este tema sido referido no discurso do Presidente Dr. Francisco Guterres
Lú Olo, durante as comemorações do 16º
aniversário da Componente Naval Ligeira,
em Hera(2), dando enfase … à importância
e necessidade de melhorar as condições
de manutenção em terra da frota naval e
a necessidade de presença constante da
Componente Naval nas águas territoriais
mauberes.
Nas palavras do Almirante Silva Ribeiro,
durante uma apresentação no Instituto de
Defesa Nacional Timorense em agosto de
2019, como contributo da sua visão estratégica para que a posição geopolítica
de Timor-Leste atinja as suas finalidades
políticas futuras, com uma necessidade de
adotar uma visão estratégica para o mar …
não há organização nem direito que levem
os países vizinhos a prescindir dos seus interesses, se os timorenses não tiverem plena consciência, enorme inteligência e total
empenho na contenção das ameaças e na
exploração das oportunidades relacionadas
com o mar que é seu.
PORTUGAL NA GÉNESE DA
COMPONENTE DA FORÇA NAVAL
LIGEIRA
A Componente Naval Ligeira das FALINTIL – Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL) tem sido apoiada e assessorada por
Cte João da Silva.
revistademarinha.com
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Marinha de Guerra
Portugal através da sua Cooperação no Domínio da Defesa com militares da Marinha
e dos outros ramos (no âmbito dos Cursos
de Português para fins específicos) desde
2001, ou seja, antes mesmos da independência (ou restauração da independência
na perspetiva timorense) do país.
Em fevereiro de 2001 as forças de guerrilha, as gloriosas FALENTIL (Forças Armadas de Libertação de Timor-Leste), como a
elas se refere o preâmbulo da Constituição
da República Democrática de Timor-Leste
(CRDTL),transformam-se em FALENTIL-FDTL(3) e os seus elementos são divididos
por áreas de atuação, já com o pensamento na futura organização militar em Componentes. É então fundado, em Aileu, o Centro
Formação de Treinamento Temporário para
a Componente da Força Naval Ligeira; este
seria o início da primeira organização militar
naval de Timor-Leste. Em setembro desse
ano, já em Metinaro, iniciaram-se os Cursos
de Especialização em Navegação, Comunicações, Mecânica e Eletricidade, cursos
esses ministrados por formadores e assessores da Marinha Portuguesa.
Refira-se que no começo desse ano de
2001, Portugal iniciou o aprontamento de
duas lanchas classe ALBATROZ e enviou
para Timor-Leste todo o equipamento de
apoio à instrução, assim como sobressalentes, material de consumo, ferramentas,
máquinas para o apetrechamento de uma
oficina, etc. Nesse mesmo pacote de apoio
foram enviados os equipamentos para a
montagem de uma rede de comunicações
nos Pontos de Apoio Navais.
Em dezembro desse ano chegaram a Timor-Leste duas lanchas classe ALBATROZ
oferecidas por Portugal: NRTL OE-CUSSE
(ex-NRP ALBATROZ) e NRTL ATAÚRO
(ex-NRP AÇOR). A 12 de janeiro de 2002
realizou-se a Cerimónia Protocolar da entrega das lanchas a Timor e a Cerimónia de
Batismo dos navios. Presidiu à cerimónia o
Administrador da UNTAET(4), Dr. Sérgio Vieira de Mello, tendo sido madrinhas do NRTL
OE-CUSSE, a Sr.ª Biraldi, ex-guerrilheira
Cte Nunes Ferreira.
das FALINTIL, e do NRTL ATAÚRO a então
Ministra das Finanças, Dr.ª Fernanda Borges(5). Em representação do Estado Português esteve presente Sua Excelência o Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada,
o saudoso Almirante Vieira Matias. O 12 de
Janeiro passou a ser considerado o Dia da
Componente da Força Naval Ligeira.
No início de 2006 origina-se o movimento dos “peticionários”(6) que cria uma enorme crise nas F-FDTL e, principalmente, na
Componente Naval, onde 45% dos militares
desta componente são afastados das fileiras. Em maio do mesmo ano dá-se o início
da segunda revolta, liderada pelo MAJ Alfredo Reinado. Com esta revolta, cerca de
50% dos afetivos das F-FDTL desertaram,
uns peticionários da causa do MAJ Reinado, outros simplesmente abandonaram as
Forças Armadas por vontade própria. Todo
o plano de formação da componente naval
foi posto em causa uma vez que parte do
pessoal formado deixou de estar disponível e
as guarnições das lanchas ficaram reduzidas
a menos de uma. A anarquia e o laxismo instauraram-se contribuindo para a avançada
degradação dos equipamentos. Por motivos
de segurança a assessoria portuguesa esteve ausente do país de agosto a outubro de
2006. Com esta interrupção temporal ficou-se com a sensação de que todo o esfor-
ço passado foi em vão, uma vez que quase
tudo voltou ao estado inicial. Todavia, com
continuado apoio de Portugal e dos assessores da Marinha Portuguesa, a Componente Naval foi renascendo das cinzas.
Em setembro de 2010 é concluído o primeiro curso de Fuzileiros, fornecendo pela
primeira vez na sua história a capacidade
anfíbia militar a Timor-Leste. Este curso foi
ministrado por militares fuzileiros do Corpo
de Fuzileiros da Marinha de Portugal durante 4 meses em Timor-Leste, destacados
para esse efeito.
Até dezembro de 2016 a assessoria portuguesa, na área da componente naval, formou centenas de militares timorenses, realizando 8 cursos de especialização em várias
áreas de marinha (Manobra, Taifa, Logística, Eletromecânica, Operações, Artilharia,
Comunicações, Mergulhadores) e 3 cursos
de especialização de Fuzileiros em terras
de Lorosa’e. Este esforço e o excelente trabalho realizado pelos militares portugueses
que passaram por estas terras longínquas
a Oriente, ainda hoje está vincado na relação luso-timorense dos militares das duas
nações irmãs, espelhado na amizade e na
confiança no trabalho e no relacionamento
do dia a dia.
OS MEIOS NAVAIS
NA HISTÓRIA DAS F-FDTL
Em junho de 2010, 8 anos depois da entrada ao serviço dos primeiros dois navios,
Timor-Leste recebe, por compra, dois navios patrulha chineses da Classe Shanghai
III (Type 62-1G) com 45 m de comprimento,
NRTL JACO e NRTL BETANO. Com a vinda
destes navios, a capacidade de atuação da
Componente Naval deixa de estar limitada
à costa e adquire, pela primeira vez na sua
jovem história, a capacidade de presença
oceânica.
Em setembro de 2011 recebe por oferta
da República da Coreia (Coreia do Sul) 3 navios em segunda mão: 1 patrulha da Classe
Cul�vo Sustentável de Macroalgas do Atlân�co
Cer�ficação Biológica
Agrónomos Marinhos desde 2012
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39
84.O Ano
REFLEXÃO SOBRE O FUTURO
NRTL Betano e NRTL Jaco.
Chamsuri com 37 m, NRTL KAMANASSA
e duas lanchas Yard Utility Boat (YUB) com
21 m, NRTL DÍLI e NRTL HERA. Estes dois
últimos foram entregues, em maio de 2012,
por decisão política, à Unidade de Polícia
Marítima (unidade pertencente à PNTL(7))
Finalmente em janeiro de 2014 a República Popular da China ofereceu a Timor-Leste
2 lanchas Type 966Y com 12 m de comprimento, NRTL PARASSA e NRTL LIFAU.
De referir que em 2012 foram adquiridas à
Indonésia duas lanchas de assalto rápido
(LAR)(8) para reforçar a capacidade de abordagem rápida da Força de Fuzileiros e por
consequência da própria componente. No
entanto, devido a uma avaria mecânica grave em 2015, e por dificuldades de manutenção e logística por falência da empresa
que as forneceu, as lanchas encontram-se
inoperacionais(9).
Na atualidade, com o início do processo de abate das lanchas portuguesas(10)
em 2019 e com o futuro incerto do navio
patrulha NRTL KAMANASSA(11) em 2020,
a Componente Naval ficará somente com
4 navios no efetivo. No entanto, já pensando no futuro, Timor-Leste irá receber dois
navios patrulha da GUARDIAN class (comprimento 40 m), provenientes da Austrália,
com entrega prevista para 2023 (de que falaremos mais à frente) e tem já em estudo a
aquisição de mais meios por forma a reforçar a presença naval no seu vasto território
marítimo(12).
2017-2021 com Timor-Leste (5º Programa
Quadro)(13), no âmbito da Cooperação no
Domínio da Defesa (CDD), sob a alçada da
Direção-Geral de Política de Defesa Nacional (DGPDN) do Ministério da Defesa Nacional de Portugal.
Esta cooperação abrange várias áreas
desde a formação, planeamento, assessoria técnica e apoio em várias atividades
da Componente Naval. Neste momento
a equipa do projeto é constituída por um
Diretor Técnico (Capitão-de-fragata), um
Assessor Técnico para a área do Destacamento de Fuzileiros (1º Tenente) e um militar técnico de qualquer ramo das Forças
Armadas como Professor de Português,
sendo reforçada ocasionalmente, para
efeitos de formação específica e apoio específico, por Assessores Técnicos Temporários.
Para termos noção da complexidade e
do desafio da construção da Componente
da Força Naval Ligeira das F-FDTL, apesar
de Timor-Leste ser um país arquipelágico(14), o seu povo esteve sempre virado para
a montanha e para o seu interior. A pesca e
as atividades ligadas ao mar sempre foram
residuais, e a sua ação de guerrilha permanentemente ligada à estratégia terrestre e
às operações baseadas em ações de infantaria. No entanto, o seu futuro está definitiva
e inevitavelmente ligado ao mar e ao seu
património marítimo. E este é o seu grande
desafio: tornar o seu povo, um povo com
visão marítima.
Um dos maiores desafios será a criação
de uma Autoridade Marítima forte, robusta
e coesa, em que a participação ativa e de
liderança das F-FDTL é fundamental para
o seu sucesso e, consequentemente, para
o controlo e gestão efetiva do seu espaço
marítimo. Num país pequeno e com limitações a nível financeiro e de manutenção
de meios, a utilização de uma competência
militar naval de “duplo uso” é fundamental
para uma organização de sucesso no Sistema de Autoridade Marítima (SAM) Nacional.
Fruto da experiência adquirida nos últimos anos, tem-se identificado aspetos que
necessitam ser corrigidos, uma vez que
tem prejudicado a atividade operacional,
em particular a necessidade de ser definido
um quadro orçamental para a Componente
Naval adequado aos ciclos de manutenção
necessários para as unidades navais e ao
seu funcionamento interno.
A necessidade de garantir a autoridade
do Estado em todos os espaços marítimos
sob soberania ou jurisdição de Timor-Leste,
obriga à necessidade de um dispositivo na-
O 5º PROGRAMA QUADRO DE
COOPERAÇÃO COM TIMOR-LESTE
(2017-2021)
Atualmente a cooperação militar portuguesa está baseada no Programa Quadro
40
Aula prática curso de Electromecânicos.
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Marinha de Guerra
val robusto e permanente, em que o ideal
seria a presença de dois navios patrulhas
costeiros a operar na costa norte e um navio patrulha oceânico em patrulhamento na
costa sul, tendo em conta a salvaguarda de
uma reserva operacional de meios, assim
como respeitando os ciclos de manutenção
relativos a cada meio operacional. E deveremos ter em atenção que o seu crescimento
deve ser coerente e sustentado.
Timor-Leste irá receber dois navios patrulha GUARDIAN class, com entrega prevista para 2023, como já foi referido anteriormente. Este projeto está enquadrado no
programa australiano Pacific Patrol Boat Replacement Program (PPBRP), que planeia a
entrega pela Austrália de várias unidades
a 12 nações/ilhas do Pacífico. O sucesso
deste projeto, assim como a continuação
do trabalho conjunto das assessorias militares de Portugal e das restantes cooperações internacionais será muito importante
para a estabilização e consolidação do futuro da Componente da Força Naval Ligeira
das F-FDTL da RDTL.
* Comandante da Componente da Força
Naval Ligeira das F-FDTL
** Capitão de Fragata
Cooperação no Domínio da Defesa
com Timor-Leste
Diretor do Projeto nº 3
[email protected]
NOTAS:
(1) De referir que 95% das exportações/importações de Timor-Leste são efetuadas por via
marítima.
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
(2) Hera é um suco (equivalente à divisão administrativa “freguesia” em Portugal) do Posto Administrativo de Cristo Rei, a leste do Município
de Díli.
(3) Nos termos da Constituição Timorense, que
entrou em vigor a 20 de maio de 2020, o seu
artigo 146.º determina que as Forças Armadas
de Timor-Leste, FALINTIL-FDTL, são compostas exclusivamente por cidadãos timorenses,
sendo responsáveis pela defesa militar da República Democrática de Timor-Leste e a sua
organização é única para todo o território nacional. Às FALINTIL-FDTL compete garantir a
independência nacional, a integridade territorial e a liberdade e segurança das populações
contra qualquer agressão ou ameaça externa,
no respeito pela ordem constitucional. As FALINTIL-FDTL são apartidárias e devem obediência, nos termos da Constituição e das leis, aos
órgãos de soberania competentes, sendo-lhes
vedada qualquer intervenção política.
(4) A UNTAET, na sigla em inglês, ou Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (outubro de 1999 a maio de 2002) foi a
missão das Nações Unidas com o mandato do
Conselho de Segurança da ONU para proceder
à administração de transição para a independência plena do país. O mandato desta missão
incluía plena autoridade legislativa, executiva e
judiciária para gerir todo o território de Timor-Leste.
(5) Não deixa de ser curiosa a escolha dos nomes para estes navios. O Enclave de Oe-Cusse
Ambeno foi o primeiro local onde os portugueses
aportaram no início do século XVI à ilha de Timor.
Ataúro, uma ilha em frente a Díli, foi o local onde
a Administração Portuguesa se refugiou durante
o conturbado ano de 1975 e de onde o último Governador Português partiu para Portugal.
(6) A crise surgiu de uma disputa no seio das
F-FDTL quando militares da zona oeste do país
protestaram contra o facto de se sentirem reiteradamente discriminados em prol dos seus
camaradas da zona leste (zona tradicional da
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guerrilha). Os militares da zona leste (em tétum,
Lorosa’e) compunham a maioria dos elementos
das F-FDTL, tanto mais que muitos deles eram
antigos guerrilheiros que participaram na Luta
da Libertação. Em contraste, os “Loromonu”
(palavra em tétum que significa sol poente ou
pessoas da zona ocidental) participaram menos ativamente na Luta pelo que tiveram menos
oportunidades de singrar na nova estrutura militar. Também existiram tensões entre as forças
armadas e a polícia nacional, composta principalmente de “Loromonu” e até mesmo por ex-membros do exército indonésio.
(7) Polícia Nacional de Timor-Leste, sob alçada
do Ministério da Administração Interna.
(8) X10 RIB da North Sea Boats.
(9) Não se prevê a sua reparação devido aos
custos associados. Em estudo encontra-se a
aquisição de novos meios deste tipo.
(10) Navios com mais de 45 anos de serviço
(Portugal + Timor-Leste).
(11) Navios com mais de 35 anos de serviço (Coreia do Sul + Timor-Leste).
(12) A 6 de março de 2018, após um longo e por
vezes conturbado processo, Timor-Leste e a
Austrália assinaram na sede das Nações Unidas
o tratado que estabelece as respetivas fronteiras marítimas no Mar de Timor. Quando se
escreve este artigo Timor-Leste e a Indonésia
continuam a negociar a delimitação das suas
fonteiras terrestres e marítimas.
(13) Assinado em Lisboa a 23 de maio de 2017
pelos Ministros da Defesa Nacional de ambos
os países, Dr. José Alberto Azeredo Lopes por
parte de Portugal e Sr. Cirilo José Jacob Valadares Cristóvão por parte de Timor-Leste.
(14) Diz-nos o n.º 1 do artigo 4.º da Constituição
Timorense que o território da República Democrática de Timor-Leste compreende a superfície
terrestre, a zona marítima e o espaço aéreo delimitados pelas fronteiras nacionais, que historicamente integram a parte oriental da ilha de
Timor, o enclave de Oe-Cusse Ambeno, a ilha
de Ataúro e o ilhéu de Jaco.
41
84.O Ano
Os Açores e a Segurança no Atlântico
por João Nobre de Carvalho*
Subareas do Comando Aliado do Atlânico, Comando Aliado do Canal da Mancha, Comando das Aproximações do Báltico e Comando do Sul da Europa (NATO-1959).
os Séculos XV a XVIII a segurança
no Atlântico envolvente dos Açores
era inexistente, perante as grandes
limitações da Marinha Portuguesa de então. Piratas argelinos, turcos, franceses
e ingleses assolavam todas as ilhas do
Arquipélago. Chacinavam os habitantes,
sujeitavam-nos ao cativeiro para obtenção de resgate ou para os vender como
escravos no Norte de África, destruíam e
pilhavam as habitações, os locais de culto
e as culturas. A população, já causticada
pelos sismos, defendia-se como podia
seguindo uma tática de guerrilha, criando
esconderijos, armadilhas e silos subterrâneos, tendo sido construídas pouco a
pouco fortificações costeiras dotadas de
artilharia, permitindo repelir com sucesso
muitos ataques.
Os corsários eram atraídos pelos tesouros transportados pelos galeões espanhóis
vindos do México, bem como pelas esquadras portuguesas regressando da Índia pela
volta do largo, para aproveitar os ventos
favoráveis. Os nautas faziam ali aguada e
reabasteciam de víveres. Estrategicamente
situado no Atlântico Norte em três grupos
abrangendo mais de 600 Km na direção
N
42
Noroeste-Sueste, a cerca de 1.360 Km a
Oeste da Península Ibérica, 1.500 Km a Noroeste de Marrocos e 2.980 Km a Sueste
de Newfoundland (Terra Nova), no Canadá,
o posicionamento geográfico do Arquipélago dos Açores entre a Europa, a África e
a América ditava a sua importância estratégica.
Segundo Avelino de Freitas de Menezes,
Reitor da Universidade dos Açores, numa
conferência proferida na Horta em 2009, o
Reino, no século XVI, constituiu a “Armada
das Ilhas”, que navegava uma vez por ano
de Lisboa para os Açores, cruzando pela
ilha Terceira e pelo Grupo Ocidental, para
proteger as esquadras regressadas de
Goa. Além disso reforçou significativamente a construção das fortificações costeiras
nas ilhas e por volta de 1527 nomeou um
Provedor das Armadas da Ilha Terceira, que
assumiu os encargos do provimento e da
reparação das frotas da Índia, bem como o
dever de reforçar a capacidade dissuasora
da Armada das Ilhas.
Na Guerra Civil portuguesa de 18261834, os Liberais venceram os Absolutistas
na Praia da Vitória, na Ilha Terceira, onde se
estabeleceu o Quartel-General do novo rerevistademarinha.com
gime português e o Conselho de Regência
da Rainha D.ª Maria II.
No século XX a I Grande Guerra Mundial
(1914/18) motiva a instalação de um ponto
de apoio naval norte-americano em Ponta
Delgada, onde havia sido construído um
porto artificial, conferindo projeção estratégica à ilha de S. Miguel.
Durante a II Grande Guerra Mundial
(1939/45), segundo o bem documentado
livro de José António Saraiva “Salazar – A
queda de Uma Cadeira que Não Existia”,
perante a crescente ameaça submarina da
Alemanha aos navios Aliados no Atlântico,
o Presidente Roosevelt dos Estados-Unidos
da América, em maio de 1941 faz ameaças
veladas de ocupação de Portugal por considerar que não tem força para defender os
Açores e Cabo Verde. Em 16 de maio desse
ano o Senador Claude Pepper, da Flórida,
pede publicamente que tropas americanas
ocupem esses arquipélagos. Salazar reage
com dureza e envia contingentes das Forças
Armadas Portuguesas para esses destinos,
principalmente para os Açores. Um mês depois, nos primeiros dias de junho, Roosevelt
dá ordem para avançar a operação “Gray”,
cuja missão é ocupar os Açores com 28.000
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Estratégia & Geopolítica
homens do Exército e Fuzileiros. Porém, dois
dias depois, suspende a operação à última
hora, parece que por pressão inglesa e a 21
de julho escreve uma carta a Salazar em que
promete respeitar a soberania portuguesa
sobre os Açores sob a condição de esta ser
garantida pelo Governo Português. A seguir
ao ataque dos japoneses a Pearl Harbour,
no Pacífico, em 7 de dezembro de 1941, os
EUA entram na guerra e aumentam a pressão para ocupar os Açores. Em 3 de fevereiro de 1943 os alemães sofrem a derrota
de Estalinegrado e Roosevelt, para apressar
o desfecho do conflito quer convencer o
Primeiro-Ministro inglês a invadir os Açores,
o que este então recusa. Churchill, contudo,
em 2 de agosto manda preparar a operação
“Life Belt” com esse objetivo.
A 18 de agosto, Salazar assina o Acordo Luso-Britânico das Lajes e os EUA logo
solicitaram condições idênticas. Como é
sabido, a utilização desta Base Aérea pela
Royal Air Force, US Army Air Force e US
Navy permitiu aos Aliados dar cobertura
aérea no meio do Atlântico aos comboios
de navios mercantes e atacar com sucesso
os submarinos e os aviões de patrulha alemães. Em 1944 os EUA construíram uma
base aérea na ilha de Santa Maria, utilizada
por pouco tempo, sendo em 1945 edificada
uma nova base, na ilha Terceira.
Durante os longos períodos de “Guerra
Fria” entre o Ocidente e a União Soviética,
os aviões de patrulha marítima P-3 ORION
dos EUA baseados nas Lajes patrulharam o Atlântico em missões de deteção e
seguimento dos submarinos e vasos de
guerra soviéticos. A Base Aérea das Lajes
e os portos artificiais da Praia da Vitória e
de Ponta Delgada, constituem contributos
muito importantes da participação de Portugal na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), de que é membro fundador. Portugal, por ser parte deste tratado,
pode ver-se envolvido numa guerra, se um
aliado da OTAN for atacado e invocar o seu
Artigo 5º.
A vasta Zona Económica Exclusiva (ZEE)
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
Um avião de luta anti-submarina PB4Y-1 Liberator na base britânica das Lajes em 1944 com insignias britânicas e norte-americanas.
portuguesa, outro importante ativo de Portugal na União Europeia, deve-se em grande parte à Região Autónoma dos Açores.
Como é sabido, o cenário internacional
reflete os interesses dos Estados e encontra-se em evolução permanente, sofrendo
por vezes sobressaltos imprevisíveis, como
a pandemia do COVID 19 que nos afeta,
reduzindo presentemente o transporte marítimo e aéreo a mínimos históricos, mas espera-se que a situação vá melhorando progressivamente. Em termos geoestratégicos
o mundo de hoje é multipolar, decorre uma
nova “Guerra Fria” entre a Rússia e a OTAN,
afirma-se a China, a superpotência asiática
emergente, perante a retração da superpotência americana e o desinvestimento na
defesa por parte da União Europeia, num
cenário mundial de múltiplas guerras limitadas, apoiadas por uns e por outros.
O número de Estados dotados da arma
nuclear, nem todos seguindo regimes democráticos e alguns ligados a movimentos
terroristas, continua a proliferar. A quantidade, a velocidade, a autonomia em imersão
e a capacidade letal dos submarinos nas
Marinhas das várias potências tem vindo a
aumentar, nomeadamente os dotados de
mísseis balísticos intercontinentais transpor-
· revistademarinha.com
tando ogivas nucleares. Uma guerra nuclear
pode ser desencadeada inclusivamente por
acidente ou por atos deliberados de ciberguerra sobre infraestruturas críticas e de desinformação, podendo esta última conduzir
a uma apreciação errada da gravidade e da
inevitabilidade da ameaça. Acresce assim
que a hipótese de eclosão de uma Terceira
Guerra Mundial não pode ser afastada.
A política, a estratégia, a tática e a técnica estão estreitamente ligadas, influenciam-se mutuamente, os pontos fortes de ontem
poderão deixar de sê-lo amanhã, mas as
aeronaves militares, incluindo as não tripuladas, os drones e os navios de guerra, precisam de manutenção e de se reabastecer
da forma mais económica num teatro de
operações. Em abril de 2020, recorde-se,
foi aberto um concurso para realização de
obras no já cinquentenário Depósito POL
NATO de Ponta Delgada, orçadas em cerca
de 6 milhões de Euros.
A geografia continua a ser um fator importantíssimo na política e na estratégia,
sendo certo que a Região Autónoma dos
Açores permanece no centro de um Atlântico, que se quer seguro.
* Contra-Almirante, ref.
43
84.O Ano
Museu de Marinha
Um mundo de descobertas
por José António Favinha*
undado em 22 de julho de 1863 por
D. Luís I, o Museu de Marinha é um
dos mais antigos museus nacionais,
detendo um espólio riquíssimo e único que
testemunha com esplendor o relacionamento da comunidade portuguesa com o
mar, e bem assim a história e a cultura marítima de Portugal.
Sendo um órgão de natureza cultural da
Marinha, não se limita a ser o “museu da
marinha militar”, afirma-se igualmente como
o museu das marinhas mercante, de recreio
e de pesca, contribuindo dessa forma para
preservar e desenvolver a forte relação do
país com o mar, e para a divulgar junto dos
muitos turistas que nos visitam.
Durante a sua já longa história o Museu
de Marinha (MM) conheceu diversas localizações. Inicialmente foi instalado na Sala
do Risco da Escola Naval, no antigo Arsenal
de Marinha, com uma função essencialmente didática. Quando a Escola Naval foi
transferida para o Alfeite em 1936, o Museu
permaneceu na Sala do Risco e tornou-se
autónomo, sendo seu primeiro diretor o
Capitão-de-mar-e-guerra Quirino da Fonseca. A doação da extraordinária coleção de
Henrique Maufroy de Seixas à Marinha, em
1948, constituída por mais de 300 peças,
entre as quais várias tipologias de modelos
de navios, a que se juntaram vários milhares
de fotografias que tinham por tema o mar,
deu um impulso significativo às coleções do
Museu. As condições da doação impunham
a sua exibição num local condigno, o que
conduziu à transferência do Museu, com
F
44
Astrolabio sacramento – um dos tesouros do
museu de marinha.
caráter provisório, para o Palácio do Conde
de Farrobo, nas Laranjeiras, em 1949.
O estudo e o debate, em que intervieram, entre outros, o Almirante Gago Coutinho e o Comandante Quirino da Fonseca,
sobre a constituição e a edificação de um
Museu Marítimo português, teve um desenvolvimento decisivo no início dos anos 60
do Século XX. De facto, em 15 de agosto
de 1962 o Museu de Marinha é transferido
para o complexo dos Jerónimos, após a
construção, de raiz, do Pavilhão das Galeotas - primeira instalação do género em
Portugal para albergar as galeotas reais - e
da ala poente, segundo um projeto do arquiteto Frederico George.
Nas décadas de 70 e 80 do Século XX, o
Museu de Marinha aumentou as suas coleções e renovou a sua exposição permanente. Registe-se, no início de 1970, a inauguração do piso 01, onde se instalam novas
salas expositivas. Nos anos 80, salienta-se
a constituição de uma notável coleção de
astrolábios náuticos e o contributo de investigadores, de que se citam os nomes
do Vice-almirante Avelino Teixeira da Mota,
do Comandante Estácio dos Reis e do Arquiteto Lixa Filgueiras. Contando com mais
de 25.000 peças, o acervo do Museu de
Marinha é constituído por coleções de carácter diversificado, que incluem peças das
armadas de Vasco da Gama, o hidroavião
em que Gago Coutinho e Sacadura Cabral
completaram a travessia área do Atlântico
sul, as Galeotas Reais, uma coleção de astrolábios náuticos, a maior do Mundo, constituída por nove peças, e outros instrumentos de navegação, espécimes e réplicas
rigorosas da cartografia da época dos Descobrimentos, modelos de navios de guerra,
navios mercantes, embarcações de pesca
e quadros de pintores famosos como João
Vaz, Roger Chapelet, ou de aguarelistas
como o Cte. Pinto Basto. Dispõe ainda de
140.000 fotografias e 1.500 desenhos e
planos de navios e embarcações.
Entrada e ala poente
do museu de marinha.
Cultura Marítima
Em 2019 atingiu-se o número de
175.000 visitantes, valor que coloca o MM
como um dos museus mais procurados e
visitados do país.
Contando com quase 10.000 m2 de
área expositiva, o Museu tem em curso um
programa de longo prazo para requalificar
a sua atratividade através da renovação da
exposição permanente, nomeadamente
implementando uma comunicação de conteúdos de acordo com os novos padrões
da museologia e com recurso a novas tecnologias. De acordo com o estabelecido, já
se concluiu a renovação toda a ala poente
do Museu, com a finalização, em 2019, dos
trabalhos na Sala dos Grandes Veleiros. O
trabalho de Museografia da renovação desta Sala foi premiado em 2020 pela Associação Portuguesa de Museologia (APOM).O
projeto de renovação da Sala do Século
XIX á atualidade encontra-se em fase de
conclusão, cumprindo com a calendarização fixada, por forma a concluir o programa de renovação em 2023, por ocasião da
comemoração dos 160 anos da criação do
MM.
A divulgação cultural inclui um programa
dinâmico de exposições temáticas temporárias, que evoquem figuras ou factos de
interesse histórico, associados a atividades
do mar e possibilitando uma porta aberta a
iniciativas da sociedade portuguesa. Durante o último ano estiveram patentes ao público as exposições temporárias “Marinheiros
da Esperança”; “I.MER.SÃO” do jornalista
David Araújo sobre a missão da Polícia Marítima na Grécia; “Gago Coutinho. Viajante e
Explorador” e “Mulheres Pescadoras”. Teve
lugar, também, a reposição da exposição
temporária “Paquetes Portugueses”, na
Sala Henrique Maufroy de Seixas.
Para além do complexo dos Jerónimos,
o Museu de Marinha integra o edifício da
ex – Fábrica Nacional de Cordoaria, o Pólo
Museológico de Cacilhas composto pela
fragata D. FERNANDO II e GLÓRIA e o
submarino BARRACUDA, o Museu Marítimo Almirante Ramalho Ortigão em Faro, no
Departamento Marítimo do Sul, o polo museológico do Farol do Cabo de S. Marta e
o Pólo Museológico do Farol do Cabo de S.
Vicente. A Marinha do Tejo constitui ainda
um polo vivo do MM.
O MM esteve encerrado ao público no
período de 12 de março a 18 de maio de
2020, como consequência das restrições
colocadas pela pandemia do COVID 19,
interrompendo-se assim a oportunidade de
visitar os seus tesouros, no complexo dos
Jerónimos.
Esta situação acelerou a tendência de
digitalização do Museu, nomeadamente
das suas coleções e de comunicação dos
seus conteúdos e programação, ações
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
O bergantim real em exposição no pavilhão das galeotas.
essas que têm vindo a decorrer, de forma
progressiva, nos últimos anos. O contacto
do público e dos investigadores com as coleções e peças do museu não se limita hoje
às visitas presenciais. É possível efetuar a
consulta dos registos do museu através
da aplicação InWeb na página de internet
do MM, no chamado “Museu Digital” (https://museudigital.marinha.pt/pesquisa/).
O acesso pode ainda ter lugar através do
Portal das Instituições de Memória da Defesa Nacional (https://portalmemoria.defesa.
gov.pt/).
A gestão integrada das diferentes coleções do museu, nomeadamente o acervo
de peças, o Centro de Documentação, o
Arquivo Histórico de Imagens da Marinha
e o Arquivo de Desenhos e Planos é realizada desde 2011 com o programa InPatrimonium. Esta base de dados gere o registo
e todos os aspetos relacionados com o
espólio museológico, como os empréstimos, movimentos de peças, intervenções
de conservação e restauro, exposições e
outros eventos realizados pelo Museu e a
consulta do seu acervo através da aplicação InWeb.
No período de confinamento incrementou-se a produção de vídeos com conteúdos sobre o Museu, as suas coleções e
ações on-line de mediação cultural, procurando-se manter a ligação com o seu público tradicional e criar empatia com novos
públicos, em particular com os mais jovens.
Para além de poderem ser acedidos através
do sítio da internet do museu (https://ccm.
marinha.pt/pt/museu), no link “O Museu em
sua Casa”, os vídeos são divulgados nas
redes sociais, nomeadamente nas páginas
de Facebook da Marinha Portuguesa e da
CCM - Comissão Cultural de Marinha. Foi
igualmente inaugurada a página do INSTAGRAM do Museu de Marinha (@MuseuMarinha) dirigida aos jovens. Encontram-se
ainda em desenvolvimento projetos para
elaboração de guias digitais para visitantes,
recorrendo aos códigos QR e para se poderem efetuar visitas virtuais.
· revistademarinha.com
O aumento destas atividades através de
suportes e plataformas digitais, com acento
na divulgação e comunicação pela internet,
são reveladoras da importância crescente
do desenvolvimento de conteúdos adequados dos museus, visando a realidade virtual
/ digital, verificando-se uma intensificação
da sua procura em tempo de confinamento.
Esta alteração do produto a oferecer impõe
a necessidade de aperfeiçoamento de novas competências para os profissionais dos
museus, representando um desafio adicional á sua gestão.
O programa educativo e de mediação
cultural do MM, encontra-se focado nas escolas e nos grupos organizados, realizando-se visitas guiadas temáticas ou de carácter
geral e ainda visitas teatralizadas realizadas
com o recurso a parceiros do Museu.
O MM tem como objetivo ser mais inclusivo nos seus públicos, tendo para esse
efeito elaborado um projeto de melhoria de
acessibilidades que foi aprovado pelo Turismo de Portugal, que irá contribuir com 70%
do financiamento necessário.
A cooperação com a Escola Naval e com
o CINAV na área da investigação científica
é complementada com um protocolo com
a Universidade Lusófona, existindo ainda
uma intensa cooperação com vários museus municipais.
A pandemia COVID 19 teve um impacto
significativo na programação das exposições temporárias, com diversos parceiros
a cancelaram as atividades programadas
para o corrente ano. A exposição sobre o
Almirante Gago Coutinho teve a sua exibição na Torre Oca prolongada até ao fim
do ano de 2020, e em 2021 terão lugar as
exposições comemorativas “Fuzileiros 400 anos” e “Centenário do nascimento do
CAlm Rogério de Oliveira”.
Caro leitor, endereçamos-lhe um convite
para visitar o Museu de Marinha e os seus
tesouros e a seguir-nos no mundo digital!
* Diretor do Museu de Marinha
Comodoro
[email protected]
45
84.O Ano
O Comando de Unidades de Fuzileiros
Breve Reflexão
por Luís Loureiro Nunes*
oi recentemente editado pelas “Edições Revista de Marinha”, uma
chancela da Editora Náutica Nacional, Lda, com inegável e justo sucesso, o
livro “Comandar no Mar”, agora também
na versão em língua inglesa. As diversas
experiencias de comando, em diferentes
navios, que neste livro se apresentam e
descrevem, são por si só, um excelente e
único documento de liderança, ética, relações humanas e de organização, útil não
apenas a quem comanda no mar, mas a
todos quantos têm responsabilidades de
chefia e condução de pessoal, em quaisquer outros ambientes ou circunstâncias.
Na sequência deste livro, foi para mim
impossível não me lembrar que, na Marinha de Guerra Portuguesa (MGP), existem
outros tipos de Unidades e de Comandos,
para além do comando no mar, que atuam
em diferentes ambientes e com diferentes
objetivos. E esses ambientes e objetivos,
determinam diferentes abordagens da
ação de comando.
É o caso das Unidades de Fuzileiros
(UF’s).
De facto, o Corpo de Fuzileiros e as
suas UF’s, constituem um universo específico dentro da MGP, composto por
militares que, em simultâneo, necessitam de possuir valências de marinheiros
e de infantes. Estas duas realidades, tão
distintas, exigem um tipo de disciplina
claramente percebida, consentida e, ao
mesmo tempo, autónoma. É ao Comandante fuzileiro que cabe incutir e transmitir,
ao pessoal que comanda, esta atitude e
postura aparentemente contraditórias. Ser
disciplinado e, em simultâneo, autónomo.
Capaz de decidir, de acordo com aquelas
que sabe serem as intenções do Comandante, sem impedir que a missão prossiga,
F
46
por ausência deste, num determinado local
ou circunstância. Este princípio aplica-se a
todos os escalões hierárquicos.
O Comandante Fuzileiro deverá estar
apto a utilizar um estilo de liderança flexível, seja ela mais autoritária ou com pendor
mais liberal, conforme a leitura que faça,
em cada momento, da situação que enfrenta e das características do pessoal que
comanda. Mas seja qual for esse tipo de liderança, ela terá igualmente como suporte
imprescindível o exemplo, a confiança e o
sentido do humano.
A NAVEGAR
Quando no mar, a navegar, embarcados nos navios da MGP, os Fuzileiros são
marinheiros, integrados nas guarnições e
jamais se constituindo como elementos
estranhos ou perturbadores das normais
rotinas de bordo. Cumprem as funções e
tarefas que lhes são atribuídas, estando
familiarizados com a linguagem e nomenclaturas navais, com as práticas e até com
as tradições que fazem parte intrínseca do
Ser Marinheiro. Estes embarques podem
ter caracter permanente, como no caso
das equipas de abordagem, ou podem ser
temporários, constituindo parte de uma
operação ou exercício anfíbio. Enquanto
embarcados, os Fuzileiros apenas se distinguem dos demais elementos da guarnição, pelo camuflado que normalmente
envergam. São marinheiros de “corpo
inteiro”. Nestas circunstâncias, a ação de
comando é exercida sem distinção da restante guarnição. Usando os mesmos princípios, rotinas e “liturgias”, sem surpresas
e com total normalidade.
O DESEMBARQUE
No caso de um exercício ou de uma operação anfíbia, terminada a fase de travessia,
durante a qual a força de desembarque, de
maior ou menor dimensão, é transportada
para a área do objetivo e uma vez iniciada
a sua projeção para terra, dá-se início a
uma complexa transição de cenários e de
ambientes. Na verdade, é este o momento
claramente definidor do “ADN” dos Fuzileiros. O momento onde reside a verdadeira e
única justificação para a sua existência.
Conseguir ultrapassar a área da rebentação, a linha que separa o mar e a terra,
Formação e Treino
de dia ou de noite, com bom ou mau tempo, seja em praia de areia ou em costa rochosa ou escarpada, mantendo o controlo, a organização, a força e a capacidade
para prosseguir a ação em terra, de forma
autónoma, esse é o grande e exclusivo desafio do Comandante Fuzileiro. É nos momentos imediatamente após terem posto
os pés em terra, ou na rocha ou na falésia,
que todos olham para o Comandante e se
certificam que nele podem confiar as suas
vidas. E esse Comandante, igualmente
molhado, cansado, sujeito a todas as vicissitudes, desconfortos e intempéries,
carregando a mesma mochila pesada e o
mesmo armamento que todos os demais,
tem de ser uma espécie de farol tranquilizador e motivador, para todos quantos o
seguem e nele confiam. Se assim não for
… não cumpre a sua missão. O marinheiro
é, agora, infante.
EM TERRA
Uma vez em terra, o marinheiro transforma-se em combatente terrestre, deixam
de existir anteparas, vigias ou escotilhas,
não há mais bombordo e estibordo. Agora
há que saber navegação terrestre e aproveitar as características do terreno. As linhas de água, os montes, as escarpas, a
floresta, as áreas urbanizadas, são o novo
ambiente e as novas circunstâncias. Há
que ter o suporte físico, técnico e mental
adequados.
O cansaço é igual para todos, da mesma forma que o frio, a sede ou o calor. Ou
o mal-estar do arbusto onde se encontra
camuflagem, mas que alberga milhões de
mosquitos. Os ambientes e a linguagem
mudaram, mantendo-se sempre a necessidade de uma ação de comando adequada,
atenta e consistente. Mais do que nunca,
mantém-se a necessidade de uma liderança forte, onde, uma vez mais, o exemplo é
a melhor e única forma de manter a coesão, a eficácia, a determinação e, mais que
nada, a motivação de todo o pessoal. E é
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
CONCLUSÃO
aqui que o Comandante, que antes estava
a bordo, tem de identificar as novas circunstâncias e de a elas se adaptar.
A sua ação de comando é agora incomparavelmente mais próxima.
A forma de exercer esse comando será,
também por isso, menos protegida, mais á
vista de todos os subordinados que para
ele olham tentando perceber se algo vai
mal ou se podem estar tranquilos e confiantes nas decisões de quem os lidera.
Se quisermos resumir, de forma quase
telegráfica, as ideias chave que conduzirão
à boa e eficaz ação de comando, em terra, concluiremos que são, no essencial, as
seguintes:
Proximidade e confiança – Sem cair na
tentação de curto-circuitar a cadeia de comando estabelecida. Esta atitude, ocorre
quando a autoconfiança ou a confiança
nos escalões intermédios, é escassa ou
inexistente. O Comandante, nestes casos,
transforma-se em simples “mandante”, gerando mal-estar, desconfiança e prejudicial
conflito.
Exemplo e sensata alegria – Única forma
para conseguir que o seu pessoal o siga
sem dúvidas ou receios. Verdadeiramente
não existem “Comandantes tristes”. O entusiamo necessário para superar os obstáculos e as dificuldades, só vem da alegria
e do orgulho de sermos quem somos, de
acreditarmos no que fazemos e, claro, de
sabermos transmitir esse estado de espírito a quem nos segue.
Motivação e determinação – São simples consequências das anteriores ideias.
· revistademarinha.com
Terminada a ação em terra, o Comandante e o seu pessoal, regressarão ao mar
e ao navio onde, de novo, se irão integrar.
Agora será outra vez a vaga forte, o enjoo,
a rotina marinheira a marcar os dias que
se seguem. Esta dicotomia marca e define
formas de ser e de estar, únicas nas Forças Armadas de qualquer país.
Em Portugal, os Oficiais fuzileiros são,
por sábia decisão, formados na mesma Escola Naval, de onde saem todas as restantes classes da MGP. Ostentam o mesmo
uniforme e o mesmo “botão de ancora”. Aí
nascem e se fomentam laços inquebráveis
de camaradagem, amizade e solidariedade, indispensáveis no desenvolvimento das suas vidas e carreiras futuras. Em
terra, os fuzileiros vestem camuflado, mas
dormem em “cobertas”; comem ração de
combate, mas as armas são guardadas na
“escotaria” e os médicos e enfermeiros….
estão na “botica”. Só marinheiros sabem
“descodificar” esta linguagem.
Fuzileiros e guarnições dos navios, conhecem-se e sabem daquilo que ambos
necessitam. Entendem-se e complementam-se.
Os Fuzileiros são, também por isso, o
produto final da combinação equilibrada e
feliz, do humanismo marinheiro com o espírito da infantaria. Ninguém mais possui
estas características. E se, por absurdo,
algum estudioso, um dia, decidir acabar
com os fuzileiros, por alguma razão daquelas que que só alguns, poucos, entendem,
se isso acontecer, então podemos estar
certos de que mais tarde ou mais cedo,
outro Estado Maior, concluirá, após exaustivos estudos e análises, que é necessário
treinar uma Força, composta por gente
que consiga “molhar os pés” sem temer
morrer afogada. E tudo terá de começar
do princípio.
Talvez isso não aconteça.
* CMG fz, ref
[email protected]
47
84.O Ano
Janela Única Logística avança
nos portos nacionais
por José Carlos Simão*
projeto de implementação da Janela Única Logística (JUL) está a
avançar consistentemente, quer
nos nós locais (portos marítimos e portos
secos), quer no nó nacional na Administração Marítima (camada nacional). O planeamento de implementação foi ajustado face
à pandemia, tendo os trabalhos, com a
prudência e segurança necessárias, nunca
parado, e os resultados estão a chegar a
todos os portos nacionais.
A JUL já está em funcionamento nos
portos marítimos do Funchal, Caniçal, Porto Santo, Sines, Faro, Portimão, Figueira
da Foz, Aveiro e Setúbal. Neste momento, trabalha-se já nos portos marítimos de
Lisboa, Açores e Leixões para a transição
destes portos para a JUL e decorrem simultaneamente os trabalhos na DGRM
para a camada nacional, que dará resposta às exigências europeias no âmbito
dos atos declarativos do transporte marítimo. Também alguns portos secos estão
a avançar.
A JUL instalada nos portos já em funcionamento, para além de ser desenvolvida com o mais avançado estado-da-arte
tecnológico, suporta todos os processos
anteriormente existentes na Janela Única
Portuária (JUP - o sistema que antecede
a JUL) relativos ao transporte marítimo e
incorpora já novos processos relativos ao
O
48
transporte ferroviário, transporte rodoviário
e ligação aos portos secos. Estão também
a ser testadas novas funcionalidades relativas à rastreabilidade da carga, ao acompanhamento da “última milha” de transporte, apoio à pilotagem e gestão de marinas,
entre outras.
Finalmente, estão também a ser preparados todos os processos e desenvolvimentos tecnológicos relativos aos controlos das portarias rodoferroviárias, com
automatização das mesmas, sejam elas
nos terminais marítimos ou nos portos secos no hinterland, funcionando estes últimos como extended gateways dos primeiros. As funcionalidades do Cartão Único
Portuário são agora também suportadas
na JUL de forma nativa, bem como toda
a plataforma informática apresenta uma
nova usabilidade e ambiente gráfico.
Para os utilizadores finais é disponibilizada uma única experiência de utilização
nacional, pois é disponibilizado um único
ambiente multiporto, através de uma única
conta de acesso nacional, acessível numa
lógica multiplataforma tecnológica, seja
num computador de secretária, seja no tablet ou no smartphone.
É um caminho que está a ser percorrido de forma faseada, tendo em vista uma
visão global de longo prazo. Em cada nó a
plataforma informática é instalada com as
revistademarinha.com
funções essenciais a esse nó, sendo depois evoluída com novas funcionalidades
de integração na rede.
A visão para a JUL assume o desenvolvimento de uma proposta de transformação digital e criação de valor nas redes
portuárias e logísticas. E assume também
a ambição de colocar os portos e redes logísticas nacionais na liderança do estado-da-arte dos processos de digitalização a
nível mundial.
A JUL alarga substancialmente o âmbito de operação da anterior Janela Única
Portuária e incorpora diversas inovações
na digitalização dos processos de negócio.
Evolui-se das operações portuárias para
corredores multimodais, integrando o transporte terrestre, ferroviário e também os portos secos / plataformas multimodais e operações de “última milha”. Tudo isto em forte
alinhamento com as autoridades no sentido
de agilizar e desmaterializar processos.
Trata-se de um processo de desenvolvimento evolutivo, de forma a cobrir, completamente, toda a cadeia de transporte
no hinterland. Está também em preparação a ligação ao foreland, nomeadamente
através da partilha de eventos com outras
plataformas eletrónicas e sistemas de comunidades portuárias, com o objetivo de
no futuro disponibilizar visibilidade total
porta-a-porta sobre os fluxos logísticos.
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Portos & Atividades Portuárias
Desta forma, está a ser seguido o caminho e a visão prevista no Decreto-Lei n.º
158/2019, que criou a JUL e o seu contexto de funcionamento, através de todos
os portos nacionais e dos seus corredores
multimodais e logísticos, com forte integração dos portos secos nos hinterlands, e
envolvendo todas as entidades com responsabilidades nos transportes e nas mercadorias, desde logo a DGRM e todas as
Administrações Portuárias, bem como as
restantes autoridades e agentes económicos envolvidos. Este caminho e visão estão em linha com os principais instrumentos europeus para o setor, nomeadamente
com o Regulamento da European Maritime
Single Window environment (EMSWe) e o
Regulamento electronic Freight Transport
Information (eFTI).
No que respeita à camada nacional da
JUL, a mesma funciona na DGRM, operando como ponto nodal e central para comunicação de toda a informação operacional
nos diversos âmbitos, incluindo as funcionalidades que permitirão dar resposta a diversas funcionalidades de cariz operacional e de controlo, certificação, bem como
os processos de aprovação de diversos
planos (p.e. ISPS ou Gestão de Resíduos),
que no seu conjunto respondem a regulamentos e diretivas nas mais diversas áreas
relacionadas com as atividades no mar.
Na camada nacional, destaca-se também o acompanhamento de navios na ZEE
portuguesa, através da integração da mes-
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
ma com o Sistema VTS Português, que
permite em tempo real acompanhar a navegação nas suas diversas vertentes, obter
informações operacionais e administrativas
sobre os navios, bem como registar e partilhar todos os eventos relacionados com a
navegação correspondendo assim aos requisitos da diretiva 2002/59/CE (revista), e
através do envio e receção da informação
marítima para a Comissão Europeia cumpre com os requisitos do sistema europeu
de acompanhamento de tráfego e informação marítima – SafeSeaNet.
Com este projeto, está a ser, pela primeira vez, implementada em Portugal uma
solução global de gestão de informação,
· revistademarinha.com
reporting e despacho eletrónico multimodal, que responde a requisitos locais, mas
funciona de forma integrada e com controlo nacional.
A concretização da visão para a JUL,
promove uma convergência para que no
futuro a gestão dos processos logísticos
seja feita numa perspetiva de otimização
das redes como um todo (inteligência colaborativa da rede), substituindo gradualmente o modelo tradicional de otimizações
pontuais ao nível de cada nodo da rede.
É esta a proposta de valor que a JUL
disponibiliza.
* Diretor-Geral da DGRM
49
84.O Ano
“Incrível Armada”
a história da TG 24.1
Parte I
por José Castro Centeno*
INTRODUÇÃO
Numa conversa de câmara, na Messe
de Oficiais das INIC (Instalações Navais
da Ilha do Cabo), em Luanda, Angola,
nos fins de dezembro de 1974, surgiu espontaneamente a designação de “Incrível
Armada”, para o conjunto de nove navios
(uns a reboque, outros pelos seus próprios meios, uns cinzentos, outros num
verde maquilhado pela ferrugem) entrados na Baía de Luanda, vindos de Cabo
Verde, pouco antes do Natal, (23 de Dez),
daquele ano de 1974.
A designação pegou e acabou por ficar na história da Marinha, até hoje. Para
conseguir levar a bom porto este resumidíssimo relato, precisei do apoio de muitos dos participantes na viagem, com especial relevo para os excelentes e únicos
elementos (escritos e gráficos) que foram
disponibilizados pelo Comandante Duarte
Costa, então Comandante do NRP ANTÓNIO ENES, e em acumulação, no exercício das funções de Comandante da Força então criada, a TG 24.1 (Task Group).
Para além destes elementos decisivos
para a elaboração do presente trabalho,
não posso deixar de dar especial relevo,
também, aos elementos disponibilizados,
pelo, à altura, Imediato do NRP SCHULTZ
XAVIER, o atual CMG ref Vaz Ferreira, e
ainda pelo Engenheiro Sarsfield Cabral,
então SUBTEN RN e Oficial Imediato da
LDG NRP Alfange.
Os diferentes protagonistas desta missão passam a ser referidos neste artigo
pelos postos e funções que tinham e
desempenhavam na altura em que a via-
50
gem ocorreu, em dezembro de 1974, por
uma questão de facilidade de exposição,
e cuja compreensão antecipadamente
agradeço.
A DECISÃO
Corria o final de 1974, pairando ainda
no ar o espírito de abril e o respirar da
liberdade, já as Lanchas de Fiscalização
Grande (LFG’s) e as Lanchas de Desembarque Grande (LDG’s), que tinham feito
parte do dispositivo naval durante a guerra na Guiné, haviam sido deslocalizadas,
pelos próprios meios, em setembro e outubro desse ano, para o Porto Grande do
Mindelo, em Cabo Verde. O PAIGC tinha
declarado unilateralmente em Madina do
Bué, a independência da Guiné, em maio
de 1973, e em setembro de 1974, Portugal reconheceu essa independência,
sendo a bandeira portuguesa arriada na
cidade de Cacine, e içada a bandeira do
novo Estado, numa singela cerimónia militar. Á saída da Guiné, e a cerca de 100
milhas a Oeste da Ponta do Caió, na Foz
do Rio Cacheu, foram afundadas, no dia
21 de setembro de 1974, duas das LFG´s,
a CASSIOPEIA e a SAGITÁRIO, uma vez
que se encontravam em fabricos no SAO
(Serviços de Apoio Oficinal) e de nessa
O SCHULTZ XAVIER, no Porto Grande
do Mindelo, em Cabo Verde, de braço
dado com as LFG’s que iria levar
a reboque (nov. 1974).
altura já não disporem das respectivas
guarnições.
Restavam assim cinco LFG’s, e duas
LDG’s, atracadas ao cais do Porto Grande do Mindelo (https://youtu.be/dbf7Z8qi3MY), a aguardar decisão superior sobre
o seu futuro. Navegar para Norte, era uma
das opções a considerar, mas que atentas
as condições operacionais dos navios, não
seria a mais adequada, pelas previsões de
tempo e mar que, naquela época do ano
(Outono/Inverno), não seriam as mais recomendáveis. Acrescia a esta situação a
necessidade de colmatar o vazio no dispositivo naval de Angola, por forma a permitir o regresso ao Continente das quatro
unidades da classe CACINE, ainda novas e
ultimamente atribuídas ao Comando Naval
de Angola. Julga-se que terão sido estes
os fatores determinantes para a tomada
de decisão de deslocar os navios retirados
da Guiné para Angola, e assim originarem
a missão com a denominação operacional
TG 24.1, a que. como já referido, a “voz
da abita” haveria de apelidar de “Incrível
Armada”. Neste sentido deslocou-se ao
Mindelo, o CTEN ECN Ribeiro da Silva (entretanto infelizmente já falecido) que avaliou
e estabeleceu as condições técnicas que
os navios deveriam satisfazer para cumprir
a missão, ou seja navegar do Porto Grande
do Mindelo até Luanda.
História Marítima
OS NAVIOS E AS GUARNIÇÕES
Os navios já atracados no Porto Grande
do Mindelo, desde meados de setembro de
1974, eram as já referidas cinco LFG’s, da
classe Argos, a ARGOS, a DRAGÃO, a HIDRA, a LIRA e a ORION (https://youtu.be/
wBUSnrP_vRI), bem como as duas LDG’s,
a ALFANGE e a ARÍETE, chegadas em outubro. Estes navios, que tinham dado um
importante apoio às operações no teatro
operacional da Guiné, e uma esforçada atividade nos últimos anos de guerra, tendo
para esse tipo de missões sido reforçados com chapas balísticas (1/4 polegada)
na ponte, no casco, na área da casa das
máquinas e dos auxiliares, estando ainda
pintados com uma cor verde escura (mais
ou menos desbotada pela ferrugem), como
camuflagem, para atuarem no cenário de
guerra dos rios da Guiné. Foram estes os
navios que foram avaliados pelo CTEN ECN
Ribeiro da Silva, que se deslocou a Cabo
Verde, bem como por outros técnicos do
Comando Naval de Cabo Verde, chegando-se à conclusão que duas LFG’s, a LIRA e
a ORÍON, e as duas LDG’s, a ALFANGE e a
ARÍETE, estariam em condições de fazer a
viagem pelos seus próprios meios, ao contrário das restantes três LFG’s, a ARGOS, a
DRAGÃO, e a HIDRA, que como tal, teriam
de ser rebocadas para Luanda.
Foi nestas condições constituída, em
novembro de 1974, a TG 24.1, que incluía
todas as referidas unidades e a corveta
ANTÓNIO ENES, que se encontrava em
comissão de serviço em Cabo Verde desde outubro de 1973, e cujo Comandante o
CTEN M Rodrigues Consolado, tinha sido
rendido pelo CTEN M Duarte Costa, poucos dias antes, no dia 25 de outubro de
1974, tendo sido este nomeado CTG 24.1.
Integrou ainda a TG 24.1, com vista ao
reboque das três LFG’s, impossibilitadas de
navegar autonomamente, o navio balizador
NRP SCHULTZ XAVIER, saído de Lisboa no
dia 23 de novembro de 1974, depois de ter
embarcado todo o equipamento considerado necessário para a missão, principalmente material de reboque (cabos, elementos
de ligação, e outros apetrechos, como baterias e células fotoelétricas para os sistemas de sinalização dos navios).
A ANTÓNIO ENES, agora comandada
pelo CTEN M Duarte Costa , que, como já
referido, foi nomeado em acumulação Comandante da TG 24.1, tinha como Oficial
Imediato, o 1.ºTEN M Serras Simões, Chefe do Serviço de Máquinas o 1.ºTEN EMQ
Baganha Fernandes, que tinha rendido o
1.ºTEN EMQ Miguel Judas, desembarcado em Bissau nos princípios de setembro
de 1974, Chefe do Serviço de Artilharia, o
2.ºTEN M Cambraia Duarte, Chefe do ServiRevista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
As LFG’s e as LDG’s, depois de retiradas da
Guiné, e aqui atracadas no Porto Grande do
Mindelo, Cabo Verde (nov. 1974).
ço de Abastecimento, o 2.ºTEN AN Santos
Zoio (entretanto já falecido), Chefe do Serviço de Eletrotecnia, o 2.ºTEN SE Barbeitos
Paulino, Chefe do Serviço de Comunicações e de Navegação, o G/M M José Castro Centeno (promovido a 2.ºTEN durante a
viagem) e o SUBTEN RN Meneses Bastos,
que era o Chefe do Serviço de Armas Submarinas (A/S) e de Informações em Combate (IC), destacado ainda antes do inicio
da viagem, e por isso substituído pelo 2.º
TEN. M Cambraia Duarte, que passou a
acumular o cargo de Chefe do Serviço de
Armas Submarinas (A/S), tendo o G/M M
José Castro Centeno, assumido também
em acumulação as funções de Chefe do
Serviço de Informações em Combate (IC),
oficiais aos quais se juntou o 2.º TEN MN
Siracusa Leal, que tinha sido deslocado de
Lisboa para apoiar a viagem.
O balizador SCHULTZ XAVIER chegou,
como já referido, ao Porto Grande do Mindelo no dia 27 de novembro, comandado
pelo CTEN M Faria Roncon, tendo como
Oficial Imediato o 1.ºTEN M Vaz Ferreira e
Chefe do Serviço de Máquinas o 1.ºTEN
EMQ Gago Lopes. Foram de imediato iniciados os trabalhos de preparação dos
cabos de reboque e os sistemas de iluminação autónomos a instalar em cada navio,
alimentados por baterias, e comutados por
células fotoelétricas.
A LIRA, era comandada pelo 1.ºTEN M
Martins Soares (promovido a CTEN durante
a viagem, e, entretanto, já falecido), tendo
como Oficial Imediato, o STEN RN Pescaria Costa, e embarcado durante a viagem
o 1.ºTEN M Rebelo Duarte, Comandante da ARGOS, que seguia a reboque do
SCHULTZ XAVIER, e o 1.ºTEN M Vidal de
Pinho, que foi recebendo o comando do
navio durante a viagem, tomando posse já
em Luanda.
A ORÍON, era comandada pelo 1.ºTEN
M Azevedo Coutinho, tendo como Oficial
Imediato, o STEN RN Silva Barbosa, e embarcado durante a viagem o 1.ºTEN M Ferreira Pires, Comandante da DRAGÃO, que
seguia também a reboque do SCHULTZ
XAVIER.
A ARÍETE, era comandada pelo 1.ºTEN
M Alexandre da Fonseca, tendo como Oficial Imediato o SUBTEN RN Eduardo Mendia.
A ALFANGE, era comandada pelo 1.º
TEN M Sabino Guerreiro, tendo como Oficial
Imediato o SUBTEN RN Sarsfield Cabral,
tendo durante a viagem sofrido uma avaria,
que não foi possível reparar, na ligação dos
motores PP aos veios, acabando por ter de
ser rebocada pela ANTÓNIO ENES, logo a
partir dos primeiros dias da travessia.
A ARGOS, a HIDRA, e a DRAGÃO seguiram como já referido, a reboque, sem
levarem guarnições a bordo.
A PREPARAÇÃO
Uma LFG (Lancha de Fiscalização Grande),
preparada, em postos de faina, para um reabastecimento (dez. 1974).
· revistademarinha.com
Tomada a decisão de deslocar para Angola os navios retirados da Guiné em fins de
1974, e depois da avaliação efetuada das
suas condições de navegabilidade, importava agora efetuar os preparativos para uma
viagem oceânica de mais de 3.000 milhas
náuticas, entre o Porto Grande do Mindelo,
em Cabo Verde, e Luanda, em Angola.
A referida avaliação determinou, como já
referido, que três das LFG’s teriam de seguir a reboque do SCHULTZ XAVIER, que
51
84.O Ano
A ANTÓNIO ENES, ainda na versão
com o radar MLA1B, e a antena
omnidireccional de TV, num mastro
no parque do heli (nov. 1974).
tinha sido deslocado de Lisboa trazendo a
bordo todo o material necessário à missão.
A primeira tarefa foi a de selar, o melhor possível, os cascos das três LFG’s a
rebocar, em todas as tomadas de água e
contactos com o mar, isto no sentido de
garantir a sua estanqueidade. A viagem viria
a provar que houve uma falha no isolamento
das madres dos lemes dos navios rebocados, o que obrigou a algumas intervenções
em alto mar, das quais falaremos mais à
frente.
Esta operação que poderia pôr em causa o sucesso da missão, foi concluída, tendo de seguida sido estendidas, no convés
da cada uma das LFG’s que iriam a reboque, as respetivas amarras e os cabos de
reboque, colhidos em aduchas, primeiro,
no convés da ARGOS, um total de 1.000
jardas, para serem largadas até á popa do
SCHULTZ XAVIER, um total de 800 jardas,
no convés da HIDRA, para serem largadas
até à popa da ARGOS, e também um total de 800 jardas, no convés da DRAGÃO,
para serem igualmente largadas até à popa
da HIDRA. Assim o reboque ficaria, como
ficou, com um comprimento total de cerca
de 2.600 jardas.
Foram ainda instaladas, pelo pessoal do
SCHULTZ XAVIER, as baterias a bordo das
três LFG’s que seriam rebocadas, e as respetivas células fotoelétricas, que permitiriam
acender/apagar automaticamente as luzes
de presença dos navios durante o arco noturno. Esta medida era essencial para permitir assinalar os navios que iam a reboque,
que era longo (2.600 jardas), quando se
atravessassem as linhas de navegação do
Imagem do Google Earth
com o percurso entre
Cabo Verde, S. Tomé e Angola.
52
revistademarinha.com
Cabo da Boa Esperança para a Europa, em
particular para afastar dos navios de grande
porte bem como de toda a navegação no
Golfo da Guiné. Constatou-se que foi providencial esta solução aquando do trânsito.
Importa agora referir que o desenvolvimento da navegação eletrónica, ainda não
se tinha verificado naquele ano de 1974 (já
existiam sistemas radiogoniométricos, e outras novidades como o Loran C, o qual requeria cartas próprias e tinha uma cobertura fraca para algumas áreas do globo, como
era o caso), o que obrigava a que a navegação durante o trânsito fosse totalmente
efetuada através de navegação estimada
e observações astronómicas, aos crepúsculos, matutinos e vespertinos, e as observações do Sol, em ante e pós meridianas,
para cruzarem com as retas de latitude, tiradas com a altura do Sol na sua passagem
meridiana. Os preparativos implicaram, particularmente a bordo da ANTÓNIO ENES,
do SCHULTZ XAVIER, e também dos outros navios da TG 24.1 que navegavam pelos seus próprios meios, que se verificasse
a existência de todas as cartas náuticas em
papel, devidamente atualizadas, as publicações náuticas necessárias (Ex: Almanaque
Náutico, Tabelas HO’s, Tabelas Fontoura &
Coutinho, Tabela de Marés, Lista de Faróis,
“Star Finder”) e restante documentação
náutica e equipamento de suporte. A ANTÓNIO ENES teria de garantir a navegação,
naturalmente com o apoio diário dos restantes navios da TG 24.1.
A corveta ANTÓNIO ENES, como único
navio oceânico da força, estava equipada e
preparada para esta viagem, tinha um radar
de aviso aéreo (MLA 1B), que permitia maiores distancias de deteção a terra (embora
com algumas limitações, desde o inicio da
comissão, por problemas na malha de impulsos) e um radar de navegação garantindo ainda as comunicações, particularmente
através de um transmissor, com 1 MW de
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
História Marítima
A LDG (Lancha de Desembarque Grande) ARIETE, navegando algures no Golfo da Guiné (dez.
1974).
lisbonproject.com
potência, que em Cabo Verde, nos permitia,
de uma forma consistente, fazer serviço diretamente com a Rádio Naval de Algés.
Os preparativos, em termos funcionais,
estavam, pois, praticamente conseguidos
faltando ainda as questões, talvez as mais
sensíveis, que se prendiam com a reduzidíssima autonomia dos navios. As necessidades de combustível, as aguadas, o pão e
os géneros alimentícios, tinham de ser periodicamente avaliadas, obrigando no mínimo a uma paragem em S. Tomé e Príncipe,
a mais de 2.300 milhas do Porto Grande do
Mindelo, e de seguida a pouco mais de 700
milhas de Luanda.
É de toda a justiça realçar aqui o total e
esforçado empenho de oficiais, sargentos e
praças de toda a TG 24.1 na preparação
da viagem, mas não posso deixar de dar
um especial relevo ao pessoal do Serviço de Abastecimento da ANTÓNIO ENES
e homenagear o seu Chefe de Serviço, o
2.ºTEN AN Santos Zoio, entretanto prematuramente falecido. O aprovisionamento do
navio foi sua responsabilidade, e também
o estabelecimento de reservas que pudessem acudir a alguma necessidade dos
outros navios, como foi o caso do fabrico
de pão, que era distribuído frequentemente
pelos diversos navios da força, das mais diversas formas, como é apanágio do poder
de improviso do ser português.
As LDG’s, no caso da ALFANGE, carregou no respetivo poço, água potável em
bidons de 200 litros, tendo chegado mesmo a utilizar um dos tanques de lastro do
navio com água potável, a qual acabou por
não poder ser utilizada, por estar contaminada. A ARÍETE tinha uma aguada de 60
tons, que foi suficiente, e carregou no poço
cerca de 60 bidons de gasóleo, que vieram
a ser úteis para reabastecer de gasóleo a
LIRA, pouco antes da chegada a S. Tomé,
numa situação de mar chão, tendo para o
efeito atracado em alto mar à ARÍETE. Sempre que oportuno também se trocaram outro tipo de géneros, em particular entre as
LFG’s e as LDG´s.
* CMG M, ref
[email protected]
OBSERVAÇÃO:
A Parte II deste artigo, estruturada em dois pontos, o planeamento e a viagem, será publicada
num dos próximos números da Revista de Marinha.
NOTA:
Os links inseridos no texto em itálico, e entre
parêntesis, destinam-se a facultar o acesso a
pequeníssimos vídeos por mim efetuados, durante a viagem da “Incrível Armada”, em 1974,
agora disponibilizados na Internet através do
meu canal no Youtube. Os referidos vídeos,
não são públicos, só estando visíveis através
dos referidos links.
JJC
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
· revistademarinha.com
53
84.O Ano
O cruzador REPÚBLICA na China
Uma Comissão Feliz
por José Cervaens Rodrigues*
m 1932 o Ministério da Marinha publicou os Relatórios do Comodoro
Guilherme Ivens Ferraz sobre a comissão de serviço que o cruzador REPÚBLICA realizou em Macau e em Shanghai entre
agosto de 1925 e setembro de 1927. Neste
período decorria na China uma Guerra Civil
entre as diversas fações em que o poder
se dividiu após a queda da dinastia Qing e,
mais marcadamente, após a morte de Sun
Yat-Sen, o fundador da República Chinesa,
em março de 1925. A tradicional animosidade contra os estrangeiros e o isolamento
da China agravado pelas Guerras do Ópio,
era um dos poucos fatores de união entre
as forças que se combatiam. Dessa guerra
civil, das ameaças sobre o território de Macau e sobre a numerosa colónia portuguesa
em Shanghai, bem como sobre Hong Kong
e as concessões estrangeiras, o Comodoro
Ivens Ferraz dá-nos conta nesta publicação
em que apenas suprimiu partes reservadas,
e significativamente dedicou aos oficiais que
serviram sob o seu comando, em particular os do REPÚBLICA, manifestando ainda
apreço aos sargentos e praças do navio pelo
brio, correção e disciplina de que deram provas. Da narrativa ressaltam as suas excecionais qualidades de liderança, de marinheiro e
diplomata, e invulgares qualidades humanas.
E
I - ANTECEDENTES
Ivens Ferraz coloca o início do conflito
da China com a Inglaterra em abril de 1834
54
com o fim do monopólio da Companhia das
Índias Orientais. A importação de ópio fora
proibida pelo Comissário Imperial Lin Zexu,
e aprovada pelo Imperador Daoguang,
contudo, o ópio produzido em Bengala
continuou a ser introduzido ilegalmente na
China por comerciantes privados. Em 1839
o ópio existente nos armazéns ingleses foi
confiscado e destruído. A Inglaterra enviou
navios que afundaram uma armada de juncos e bloquearam portos. A China assinou
em agosto de 1842 o Tratado de Paz de
Nanking tendo de abrir ao comércio externo
cinco portos, ceder a ilha de Hong Kong e
pagar uma indemnização. Em 8 de Outubro
de 1856, autoridades chinesas apresaram
em Cantão uma lorcha que arvorava bandeira inglesa e a sua tripulação, alegando
que estava a praticar contrabando e pirataria. O missionário francês Chapdelaine foi
assassinado no mesmo ano. Em represália, em julho de 1857, ingleses e franceses
subiram o rio das Pérolas, desembarcaram
em Cantão e capturaram o Governador,
que exilaram para Calcutá. Começaram
negociações das quais resultou o Tratado
de Tientsin que o Imperador não aceitou.
Forças anglo-francesas avançaram sobre
Pequim e derrotaram as forças imperiais,
tendo saqueado e incendiado o Palácio
de Verão. A 7 de junho de 1860 o Príncipe Gong assinou a Convenção de Pequim
em que a China se comprometeu a abrir ao
comércio mais dez portos, a permitir a instalação de legações da Inglaterra, Estados
Unidos e França, conceder liberdade de
revistademarinha.com
navegação no Yangtzé e livre movimento
de comerciantes e missionários. A Inglaterra recebeu Kowloon, no continente. Os
dois Tratados, Nanquim e Tientsin, e outros decorrentes de novos conflitos com a
França e com o Japão, foram considerados
desiguais, unequal, uma humilhação que a
China nunca esqueceria.
Em 1866 nasceu perto de Macau Sun
Yat-Sen. Jovem militante republicano, foi
preso e exilou-se no Japão e na Europa.
De regresso à China, organizou em 1893
a Sociedade da Regeneração, precursora
do Kuomintang, dirigida contra a dinastia
e Governo Manchus. Em 1900, os Boxers,
praticantes de artes marciais, revoltaram-se, cercando as legações. As potências
ocidentais e o Japão reuniram uma esquadra e desembarcaram uma força que ao fim
de 55 dias libertou o Bairro das Legações
e saqueou a Cidade Proibida. Em outubro
de 1911 eclodiu em Wuchang uma Revolução Republicana que alastrou a todo o país
tendo o Dr. Sun assumido a Presidência, a
que renunciaria pouco depois. Durante a I
Grande Guerra (1914-18) a China enviou
um corpo de trabalhadores para a Europa,
confiando na promessa da devolução dos
territórios pertencentes às potências vencidas. Ora, pelo Tratado de Versalhes, os
territórios das concessões alemãs e austro-húngaras foram entregues ao Japão, o
que originou indignação e tumultos. Em
1921, perante a instabilidade governativa,
Sun Yat-Sen reassumiu a Presidência e
em 1924 reuniu o primeiro Congresso do
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
História Marítima
Kuomintang. Numa tentativa de reunificar o País, e
apesar de sofrer de cancro em estado avançado,
foi a Pequim onde morreu
em março de 1925, deixando o país desunido.
Chiang Kai Shek, militar
formado no Japão, Comandante da Academia
de Whampoa, assumiu o
Comando-em-Chefe das
Forças do Kuomintang.
Na luta pela sucessão
do Dr. Sun, forças do Kuomintang, enquadradas por conselheiros russos, atacaram
tropas de Yunnan entrincheiradas em Cantão, massacrando-as. Na euforia da vitória
ameaçaram invadir a concessão franco-britânica na ilha de Shameen, onde Portugal tinha representação diplomática. A 23
de junho deu-se o ataque concentrado nas
duas pontes que unem a ilha ao continente,
testemunhado pelo Cônsul Português. Foi
frustrado em poucos minutos, com centenas de baixas chinesas. No mesmo mês
The Canton Gazette publicou um manifesto
anti-Português: …o nosso povo organizou
a União para a conquista de Macau… Imperialistas Portugueses largai as mãos
de Macau. Perante esta ameaça o governo
português decidiu reforçar o dispositivo naval na China.
II – O CRUZADOR
REPÚBLICA EM MACAU
Em 24 de Junho de 1925 o Ministro da
Marinha, Pereira da Silva nomeou o CMG
Guilherme Ivens Ferraz Comandante do
cruzador REPÚBLICA, com ordem de largar para Macau em missão de soberania.
Foi escolhido para Imediato o CTEN Eduardo Cândido Lopes Vilarinho, oficial da inteira confiança do Comandante e conhecedor
do navio. A urgência não permitiu atrasar a
saída do REPÚBLICA para limpeza e pintura do casco. O navio saiu o Tejo na tarde
do dia 28, com apresentação de pessoal
até à última hora. Já no mar, foi recebido
um telegrama do Presidente da República
com palavras de apreço e incentivo, que o
Comandante agradeceu sensibilizado. No
entanto não tinha havido tempo para adquirir algum equipamento essencial para uma
longa viagem seguida de comissão de serviço em clima quente. Além disso o carvão
metido em Lisboa era de péssima qualidade
pelo que teve de se escalar La Valetta, para
reabastecer. Seguiu para Port Said onde
entrou na doca flutuante da Companhia do
Canal do Suez a 15 de julho. Além da limpeza e pintura do casco, foi reparada uma
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
avaria no veio, executada
a limpeza das caldeiras e
condensadores, efetuadas beneficiações na artilharia, conveses e paióis.
Após meter carvão e fazer
aguada, largou a 17, canal
abaixo. No Mar Vermelho
suportou temperaturas
muito elevadas e, no Índico, um violento temporal
que atrasou a chegada a
Colombo. Com a acalmia
demandou o Estreito de
Malaca, escalou Singapura para novo reabastecimento chegando ao porto exterior
de Macau a 15 de agosto. O Comandante
Ivens Ferraz assumiu o cargo de Comandante-em-Chefe das Forças Navais Portuguesas no Oriente, com o posto de Comodoro, sendo-lhe confiada a elaboração de
um Plano de Defesa Naval de Macau. As
principais ameaças eram o boicote à entrada de frescos, quer por terra, quer por mar
e o corte do abastecimento de água feito
por barcaças na Ilha de Lapa. Nas águas
adjacentes persistiam atos de pirataria com
o desvio de navios para portos chineses,
pedindo os piratas elevados resgates para
a sua libertação. Ivens Ferraz descreve a
sua primeira missão quando em dezembro
o REPÚBLICA se deslocou ao importante
porto de Hoihow, na ilha de Hanan, para
proteção dos portugueses residentes na
Ilha, face à ameaça de invasão por tropas
vermelhas. Acompanhado pelo Comissário
da Alfândega, Nolasco, e por um aterrorizado intérprete, foi ao quartel-general do
temido general Tang Pun-yan. Após longa
espera, guardados à vista, foram admitidos
à sua presença. O Comodoro Ivens Ferraz
manteve longo diálogo com Tang que acabou por garantir a segurança dos residentes
estrangeiros. Em Macau recebeu os agradecimentos dos cônsules, francês e inglês,
pela segurança que a presença do cruzador
português tinha transmitido.
No dia 1 de maio um biplano espanhol,
pilotado pelo Capitão Gallarza, aterrou inesperadamente em Macau. Fazia parte do
raid aéreo Madrid-Manila e ao aterrar bateu
numa árvore danificando as asas e o montante. Outro aparelho que partira de Hanoi,
pilotado pelo Capitão Loriga, tinha desaparecido. Saíram para buscas a canhoneira
PÁTRIA, a lancha-canhoneira MACAU e a
lancha DEMÉTRIO CINATTI. Poucas horas depois, a PÁTRIA encontrou um navio
chinês que transportava o piloto e o seu
mecânico. Seguiram-se dias festivos que
culminaram num jantar no Hotel Boa Vista
oferecido aos oficiais espanhóis pelos seus
camaradas portugueses a que compareceu
o Governador. Ivens Ferraz proferiu um bri-
· revistademarinha.com
lhante discurso exaltando os feitos de navegação de portugueses e espanhóis referindo o raid aéreo Lisboa-Macau de Sarmento
de Beires e Brito Pais. Reparado com os
recursos locais o aparelho de Gallarza, os
dois pilotos fizeram juntos a parte final da
viagem com o apoio do REPÚBLICA, que
se deslocou para um ponto pré-combinado
onde lançou fumo, entrando em Manila no
dia 12. Nessa noite teve lugar um jantar
no Casino Espanhol a que compareceram
todos os oficiais disponíveis do navio português com o seu Comandante. O Cônsul
Geral de Espanha fez um empolgado discurso, enaltecendo a amizade entre os dois
povos, agradecendo o acolhimento que os
pilotos tiveram em Macau e o apoio recebido. No dia seguinte Ivens Ferraz apresentou
cumprimentos ao Governador Americano
das Filipinas, ao General Comandante-em-Chefe e ao Almirante Superintendente do
Arsenal de Cavite. Por todos foi recebido
com a maior deferência e observação das
normas protocolares. A seguir a novo repasto em honra da guarnição do REPÚBLICA em que participaram oficiais, sargentos
e praças, e da retribuição a bordo de um
jantar a 40 individualidades escolhidas entre
as autoridades locais e a colónia espanhola, pago por quotização entre os oficiais de
bordo, o navio largou para Macau. No dia
da chegada receava-se uma invasão do
território, o que não se verificou, mas continuou a atividade grevista, sendo cobrados
impostos junto às Portas do Cerco e em
repartições clandestinas que controlavam
as mercadorias importadas e exportadas
por via marítima. No II Congresso reunido
em Cantão, Chiang Kai-shek considerou o
Kuomintang como a única força capaz de
unificar a China e acusou os “Senhores da
Guerra” do Norte de estarem a fazer o jogo
dos imperialistas, ou seja das Potências Europeias, os Estados Unidos e o Japão. Mas
é já evidente uma cisão no Kuomintang entre a ala radical, do Ministro dos Negócios
Estrangeiros de Cantão, Eugène Chen, natural da Trinidad, e a moderada, nacionalista
e anti-Rússia, que considera prepotente e
humilhante a atitude deste país. O Governo de Cantão prepara uma expedição ao
norte verificando-se grandes movimentos
de tropas em todo o Kuangdong. Chiang
Kai-shek foi investido no supremo comando militar e no supremo poder civil tendo
apelado à disciplina, espírito de sacrifício e
coragem dos soldados do Exército Republicano Nacionalista. O Governo de Pequim, o
único reconhecido internacionalmente, não
tem força. A China está dividida em meia
dúzia de “reinos” que fazem e desfazem
alianças. Parafraseando Metternich, Ivens
Ferraz comenta … a China é apenas uma
“expressão geográfica”.
55
84.O Ano
Em julho o Comodoro Ivens Ferraz revelou a sua vertente de homem de cultura
e de respeito pela tradição ao deslocar-se
na lancha-canhoneira MACAU à missão
jesuíta portuguesa de Shiu-hing, tendo subido o rio Xi até Wuchow. Os missionários
Matteo Ricci e Michele Ruggieri, vindos de
Macau, instalaram em 1583, em Shiu-hing
a primeira missão jesuíta tendo recebido autorização para pregar a Fé Cristã no Celeste
Império. Quando em 1910 os jesuítas foram
expulsos de Portugal, a missão passou a
viver apenas da generosidade do Governo
de Macau. O Superior da Missão expressou
ao Comodoro Ivens Ferraz a sua profunda
gratidão.
A 15 de agosto o REPÚBLICA partiu para
a Índia por ordem de Lisboa. Contudo, já
perto de Singapura, recebeu contra-ordem
para regressar a Macau. Durante a ausência do cruzador os grevistas revistaram embarcações e cobraram impostos tendo-se
registado incidentes nas Portas do Cerco e
foi cortado o abastecimento de água que
passou a vir da Taipa. A presença do cruzador impunha respeito e era indispensável.
Em outubro terminou a greve, e os piquetes
e as suas lanchas armadas desapareceram.
O abastecimento de água voltou a fazer-se
na ilha da Lapa. Os navios portugueses que
saíram para Cantão fizeram a viagem sem
qualquer incidente.
Entretanto o exército nacionalista invadira já a província de Hunan, rumo ao norte,
dispondo o Kuomintang de dez corpos de
exército sob o comando único de Chiang
enquanto o Norte tinha seis, atuando independentemente. Chiang Kai-shek afirmou
que, uma vez vitoriosa a Revolução, seriam
anulados os Tratados Injustos, abolidas as
extraterritorialidades e as concessões. O
Governo de Cantão prometeu combater
piratas e bandidos, regular as disputas laborais e reorganizar a administração e as
finanças. Porém, numa Missão Portuguesa,
um missionário foi espancado e em Fuchow, a missão espanhola, foi saqueada e
no convento raptadas 300 educandas, sem
que as forças nacionalistas interviessem. O
Governo Espanhol fez seguir para a China o
cruzador BLAS DE LEZO.
Nas zonas internacionais de Shanghai
viviam 50.000 estrangeiros, sendo a colónia
portuguesa superior a 3.000 residentes, na
maioria macaenses, pelo que o Comodoro
Ivens Ferraz considerou que se justificava
a presença de pelo menos mais um navio
para reforço de Macau e que o REPÚBLICA
deveria seguir para o Yangtzé. Comunicou
para Lisboa o agravamento da situação e
os movimentos das unidades navais estrangeiras. Refere que a ausência de uma unidade naval portuguesa em Shanghai tem
sido objeto de comentários desfavorá56
veis. No dia 5 de março o Comodoro Ivens
Ferraz recebeu um telegrama do Cônsul
Geral de Portugal em Shanghai com o seguinte teor … parece estão finalmente sanadas as dificuldades vinda REPÚBLICA cuja
presença tenho solicitado há muito tempo.
Rogo Vexa informar data partida. Ivens
Ferraz estranha esta referência pois, quer
o Governador, quer ele próprio, já tinham
manifestado a disponibilidade de seguir
para Shanghai. Noutro telegrama o Cônsul
acrescenta: … oportuno vinda Shanghai
sem demora REPÚBLICA trazendo alguns
soldados infantaria europeus. Partida deve
fazer-se sem espalhafato acentuando bem
o único objetivo proteção eventual pessoas
bens nacionais.
III - O REPÚBLICA EM SHANGAI
O REPÚBLICA embarcou um destacamento do Exército comandado por um tenente e constituído por um sargento e 26
praças, saindo no dia 6 de março. A viagem
decorreu sem incidentes embora retardada
por um espesso nevoeiro e pelos inúmeros
juncos de pesca que encontrou na sua rota.
No dia 10, sob intenso frio, tomou piloto na
foz do Yangtzé e subiu o rio, perfeitamente balizado. Em Woosung, à entrada de
Shanghai, encontrou cinco cruzadores da
Armada Chinesa de Pequim, tendo salvado com 13 tiros ao distintivo do almirante
Yang, salva que foi prontamente retribuída.
No rio Whampoo, em frente ao Cais da Alfândega de Shanghai, estavam amarrados
a bóias de proa e popa os navios-chefe
PITTSBURGH, do Almirante americano Clarence Williams, (senior foreign officer in port)
e HAWKINS, do Vice-almirante inglês Sir
Reginald Tyrwhitt. Seguiam-se os restantes
navios, num total de 63. Tendo chegado
tarde, o REPÚBLICA foi remetido 4 mi para
montante do referido cais sendo muito morosas as comunicações com terra.
Fizeram-se os cumprimentos protocolares tendo o Comandante-em-Chefe das
revistademarinha.com
Forças estrangeiras em Shanghai ido a bordo do REPÚBLICA Em resposta ao reparo
de Ivens Ferraz por a nossa representação
ser tão modesta, o General Duncan replicou
… mesmo fossem apenas dois homens a
bandeira portuguesa seria sempre bem-vinda junto das forças inglesas. O Vosso apoio
moral vale tanto como o de uma grande
potência. Comenta Ivens Ferraz … parece
evidente ter existido anteriormente alguma desconfiança relativamente às intenções de Portugal. No dia 14 participou, a
bordo do PITTSBUGH, na conferência dos
Comandantes, sob a presidência do Almirante Williams, sendo acordado não permitir
combates naquela zona do rio, nem a passagem de forças terrestres ou combates
navais.
A defesa da cidade está confiada a
12.000 ingleses, um corpo de voluntários
de 1.600 homens, sendo 130 portugueses, e 15.000 polícias. O destacamento
português, composto por 50 marinheiros
da força de desembarque e pelo contingente do Exército embarcado em Macau,
foi aquartelado no Grémio Lusitano. Foi-lhe
atribuída a defesa da Ponte de Yalu e de
três redutos, numa área de patrulha onde
residiam milhares de operários. As temperaturas eram muito baixas tendo nevado.
O REPÚBLICA foi designado como navio-chefe do grupo de montante com o espanhol BLAS DE LEZO, uma canhoneira americana, e uma francesa. A 20 de março as
forças nacionalistas entraram em Shanghai
tendo ocorrido pilhagens no bairro chinês
resolvidas pelo Comandante Militar, General Pi, que rapidamente aderiu às forças de
Chiang, tal como já havia feito o Almirante
Yang. No Yangtzé continuaram a verificar-se incidentes pelo que a navegação é feita
em comboios.
Em junho as atividades militares deslocaram-se para norte pelo que deixava de
se justificar a presença de um contingente
português. Ivens Ferraz lembra as atenções
que a colónia portuguesa em Shanghai dispensou ao REPÚBLICA, tendo chegado em
março com neve e temperaturas baixíssimas; as senhoras portuguesas então acorreram levando chá, café, comida e tabaco.
Os oficiais foram recebidos com carinho
em suas casas, salientando a permanente
disponibilidade do Cônsul Geral Paula Brito.
Tiveram lugar saraus musicais e espetáculos para entretenimento do pessoal. A 9 de
julho o Cônsul Geral ofereceu um chá dançante a três centenas de convidados. No
final entregou uma placa com a inscrição:
Ao cruzador REPÚBLICA pelo brilhantismo com que representou a Pátria e defendeu a colónia portuguesa durante os
mais trágicos dias da história de Shanghai. A Colónia Portuguesa reconheci· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
História Marítima
da. A exemplo de outras nações, preparou-se um desfile militar. Para apresentar um
maior efetivo Ivens Ferraz dera ordem ao
ADAMASTOR para treinar a guarnição em
exercícios de infantaria. O desfile teve lugar
na manhã de 10 de julho sob o comando
do CTEN Eduardo Vilarinho. Um Batalhão
de Marinha a 9 pelotões, o contingente
do Exército e a Companhia de Voluntários
“Coronel Mesquita”, desfilaram perante o
representante do Comandante das Forças
Internacionais, da Força de Defesa Terrestre e de centenas de pessoas. Impressionou muito favoravelmente o garbo e porte
militar da Marinha Portuguesa, a correção
no manejo de armas, e o rigor de toda a
movimentação. Foram louvados o Comandante Vilarinho e todos os oficiais, sargentos e praças que participaram no desfile. O
REPÚBLICA largou de Shanghai a 11 de
julho sendo rendido pelo ADAMASTOR.
IV – EPÍLOGO
Em Macau aproximava-se o dia da partida para Lisboa e começavam as despedidas. Mas ainda haveria uma prova a superar. A 19 de agosto quando Ivens Ferraz
almoçava com o Imediato em casa do Director das Obras Públicas, recebeu aviso
de que se aproximava um tufão. O Imediato
seguiu para bordo para preparar o navio
que estava amarrado a nova boia no Porto
Exterior. Esta merecia toda a confiança no
que toca à fixação no fundo, amarras e correntes, mas a mesma confiança não dava
a própria boia. Ao meio dia do dia seguinte, o tufão foi localizado a 70 milhas a SE
e às 13 horas içado o sinal 7, indicativo de
tufão muito próximo. O vento crescera rapidamente atingindo 100 a 130 km/h, com
rajadas. Um navio chinês, fundeado pela
amura de EB, garrava, aproximando-se do
REPÚBLICA. Cerca das 15h30 uma forte
rajada de 190 km/h rebentou a amarra e o
navio ficou à deriva. O Comandante decidiu
sair para o mar, com a máquina a toda a
força, passando pela popa do navio chinês.
Mas com o vento o REPÚBLICA abateu e
aproximou-se da ponta oeste do molhe de
entrada pelo que foram largados ambos os
ferros. O navio tocou com a popa no quebra-mar que prolongava o cais. Foi o momento de maior perigo pois a máquina teve
de parar. Como por milagre o navio passou
sobre o enrocamento, caindo no fundão do
outro lado. A máquina voltou a funcionar
tendo-se o REPÚBLICA aguentado durante várias horas parecendo que por vezes o
vento o arrastava para terra e outras que
a máquina o conseguia afastar do perigo.
Esta odisseia foi seguida com angústia do
Palácio de Santa Sancha pelo Governador
Tamagnini, seus familiares e colaboradores. Cerca das 21 horas o vento acalmou
e o navio pode fundear em lugar seguro. A
passagem do tufão durou dez horas quando o normal era não ultrapassar as duas.
No prefácio da publicação o Governador
de Macau Tamagnini Barbosa destaca a …
decisão e energia, do Comandante Ivens
Ferraz, referindo o … quadro épico e real
que se apresentava aos meus olhos, em
momentos de ansiedade infinita, em transes
cruéis que se pressentiam em cada onda
que vinha, eu vi o valor da vontade de um
homem, secundado pelo esforço de todos
para vencer e venceram.
Após as despedidas oficiais o navio largou para Hong Kong onde entrou em doca
seca sendo observadas apenas ligeiras
amolgadelas nas obras vivas e uma pá da
hélice partida. Após as necessárias reparações o navio saiu para Singapura onde se
encontrou com o PERO DE ALENQUER.
Neste porto foi recebida a notícia da promoção por distinção a Contra-Almirante de
Ivens Ferraz que a 14 de setembro entregou
o Comando ao CTEN Vilarinho e ofereceu
um jantar de despedida aos oficiais. A 19 o
REPÚBLICA largou para Moçambique e dali
para Luanda onde tomou novo Comandante, regressando a Lisboa.
O CALM Ivens Ferraz regressou de paquete com a satisfação de ter cumprido
uma missão muito difícil num ambiente
adverso, com escassos recursos, mas dispondo de uma equipa de primeira ordem,
muito jovem no que toca à oficialidade, liderada por um Imediato leal, extremamente
competente e dedicado.
Em 1932 o Ministério da Marinha decidiu
em boa hora a publicação do seu Relatório
para fixar uma página brilhante da Marinha
no século XX, o mesmo tendo feito a Academia da Marinha com a sua reedição em
2006.
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57
84.O Ano
O Navio-Escola MIRCEA
por José Sousa Luís*
NS MIRCEA é o atual navio de instrução da Marinha Romena. Este
belo navio, aparelhado em barca,
foi construído e lançado à água em 22
de setembro de 1938 em Hamburgo, nos
Estaleiros da Blohm & Voss, tendo içado
pela primeira vez a bandeira nacional da
Roménia em 27 de abril de 1939. Na sua
primeira viagem o navio largou deste porto alemão a 29 de março de 1939, praticando os portos de Southampton, Lisboa,
La Valeta e entrando pela primeira vez em
Constança, o seu porto de base, a 17 de
maio do mesmo ano. Desta forma Portugal, e mais concretamente Lisboa, fazem
parte da história deste Navio-Escola.
Em 2019, no âmbito das celebrações do
seu 80º aniversário, o NS MIRCEA voltou
a atracar em Hamburgo, onde foi realizada
uma cerimónia que contou com a presença
de diversas entidades da Marinha Romena
e da Marinha Alemã. Largando de Hamburgo o MIRCEA recriou a sua primeira viagem, voltando a praticar os mesmos portos
e consequentemente Lisboa. Durante a sua
estadia na nossa capital foi realizada, junto
ao túmulo de Vasco da Gama, no Mosteiro
dos Jerónimos, uma cerimónia de homenagem aos navegadores portugueses e uma
O
Na sua proa o MIRCEA ostenta orgulhosamente a figura de proa do seu patrono, Mircea cel
Bãtrãn, (foto do autor).
delegação de 40 cadetes romenos visitaram a nossa Escola Naval e a fragata NRP
VASCO DA GAMA. Foi ainda dada uma
receção a bordo do MIRCEA que contou
com diversas entidades civis e militares
portuguesas e romenas.
Nessa viagem, para além dos 57 cadetes da Escola Naval romena e dos 32 alunos da Escola de Sargentos, encontravam-se embarcados, dois oficiais albaneses e
13 cadetes estrageiros, das Marinhas da
Bulgária, China, França, Polonia, Portugal
e Ucrânia. Durante o embarque no MIRCEA o instruendo tem oportunidade de
manobrar e operar o velame do navio, realizar as funções de “marinheiro do leme”,
“vigia” e “ronda” e praticar navegação costeira. Todas estas funções são intercaladas
com aulas de diversas disciplinas.
Ao longo dos seus 80 anos o MIRCEA
praticou já diversos portos da Europa, Médio Oriente, Norte de Africa e América do
Norte, tendo atracado em Lisboa com alguma regularidade.
Concebido sob os mesmos planos do
GORCH FOCH I, este elegante navio, é o
quarto navio-irmão de um conjunto de cinco Navios-Escola.
Na sua proa o MIRCEA ostenta orgulhosamente a carranca do seu patrono,
Mircea cel Bãtrãn, que reinou na Valáquia
(uma das regiões da atual Roménia) entre
1386 e 1418. O seu nome significa Mircea
o Velho, de forma a não ser confundido
com o seu neto, que possuía o mesmo
nome. Enquanto governou, o Rei Mircea
promoveu o desenvolvimento económico
da Valáquia, organizou o exército e criou
um sistema de alianças que lhe permitiu
defender a independência do país e suster
as investidas do Imperio Otomano. Foi no
seu reinado que as voláteis fronteiras da
Valáquia atingiram a sua maior dimensão e
NS MIRCEA a navegar
à vela com todo o pano
(foto gentilmente cedida
pelo MIRCEA).
58
Marinha de Guerra
graças ao fomento económico os seus navios navegaram não só no Mar Negro, mas
também no Mediterrânio e no Mar Egeu, o
que lhe valeu o cognome de “líder até ao
grande mar”.
Este veleiro não é primeiro navio que a
Marinha de Guerra Romena possui com
o nome de MIRCEA. Com a conquista da
independência ao Imperio Otomano em
1877 e a criação, em 1881, do Reino da
Roménia, foi mandado construir em Inglaterra, em 1882, um navio aparelhado em
brigue para a então Marinha Real Romena,
batizado de MIRCEA.
O atual MIRCEA possui, desde a sua
construção, as amuradas do castelo da
proa e do castelo da popa pintadas de
amarelo, característica que facilmente o
diferencia dos restantes navios da classe,
facilitando a sua identificação.
A classe de navios a que o MIRCEA
pertence é constituída pelos seguintes veleiros: O GORCH FOCH I, construído em
1933, (ex-navio escola TOVARISHCH da
ex-URSS e da Ucrânia) é atualmente um
navio museu da Associação Alemã dos
Amigos dos Grandes Veleiros, encontrando-se atracado em Stralsund, na Alemanha; o HORST WESSEL, contruído em
1936 (atual USCGC EAGLE da Guarda
Costeira dos Estados Unidos); o ALBERT
LEO SCHLAGETER, construído em 1937
(atual NRP SAGRES da Marinha Portuguesa); o NS MIRCEA, construído em 1938,
numa encomenda destinada à Marinha
Romena e o GORCH FOCH II, construído
em 1958, sendo o atual navio escola da
Marinha de Guerra Alemã. Todos estes
navios foram construídos nos Estaleiros
da Blohm & Voss, em Hamburgo, sendo
o NS MIRCEA o único que não foi construído com o intento de servir a Marinha
de Guerra Alemã. O GORCH FOCH I e o
NS MIRCEA tem ainda a particularidade de
possuírem um casco cerca de 7 m mais
curto do que os restantes navios.
Em 1939, possuindo já três Navios-Escola, a Alemanha inicia a construção
de um quarto ainda antes de se iniciar a II
Grande Guerra Mundial, estando previsto
batizá-lo de HERBERT NORKUS. O seu
casco é lançado à água ainda em 1939,
mas, devido ao conflito, nunca chega a
ser concluído. Acaba por ser afundado em
1947 ao largo da Dinamarca, no Skagerrak.
De realçar que com o fim da II Grande
Guerra Mundial e a perda, em 1945, dos
seus 3 Navios-Escola como despojos de
guerra, a Alemanha, ciente da importância
de um veleiro na formação marinheira dos
seus cadetes constrói em 1958 uma unidade sob os mesmos planos dos seus antigos Navios-Escola e do MIRCEA, o que
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
Cerimónia de homenagem aos navegadores portugueses com a presença da Senhora Ioana Bivolaru, Embaixadora da Roménia em Portugal, do Coronel Marian Voicu, Adido de Defesa romeno, do
CALM Simões Marques, Comandante da Escola Naval e de cadetes romenos e portugueses (foto
gentilmente cedida pelo MIRCEA).
atesta o sucesso deste projeto e as boas
qualidades náuticas destes veleiros.
Em 1976, no âmbito das celebrações do bicentenário da independência
dos Estados Unidos da América (EUA),
foi organizado um encontro de grandes
veleiros, denominado Operation Sail´76.
Aproveitando a regata entre Hamilton, na
Bermuda e Newport, nos EUA, foi criado
um troféu exclusivamente para estes cinco
navios irmãos, denominado Five Sisters,
nome pelo qual são conhecidos internacionalmente. Após uma largada atribulada
e uma renhida competição entre o então
TOVARISHCH (atual GORCH FOCK I), o
EAGLE, a SAGRES, o MIRCEA e o GORCH FOCK (atual GORCH FOCK II) o troféu foi conquistado por este último. Ficou
então estipulado que sempre que os cinco
navios irmãos se encontrassem em regata
este troféu voltaria a ser disputado. Tal não
voltou a acontecer até aos dias de hoje! As
five sisters nunca mais se reencontraram,
nem em regata, nem em nenhum porto.
Curiosamente os únicos portos onde estiveram juntos foram os portos de Hamilton,
Newport e Nova York, praticados durante
a Op. Sail´76.
Sendo o GORCH FOCK I atualmente
um navio museu, dificilmente o troféu Five
Sisters voltará a ser disputado e os cinco
navios-irmãos se voltarão a reencontrar.
No entanto os reencontros entre dois ou
três navios irmãos ocorrem esporadicamente. Na penúltima escala que o MIRSEA fez em Lisboa, no dia 20 de agosto
de 2017, voltou a encontrar-se com a
SAGRES. Estando o navio escola romeno
atracado no Cais da Rocha e o irmão português a iniciar uma Viagem de Instrução
com os cadetes do 1º ano da Escola Naval, o NRP SAGRES passou ao largo do
NS MIRCEA, tendo-se efetuado o tradicional cumprimento estipulado no cerimonial
marítimo.
Cientes que não vai ser possível juntar
os cinco navios irmãos num futuro próximo, esperemos que o MIRCEA e os restantes Navios-Escola irmãos pratiquem
os portos nacionais com regularidade e
que se encontrem esporadicamente nos
diversos festivais náuticos e encontros de
grandes veleiros que ocorrem pela Europa
e América.
* Oficial da Armada
[email protected]
Navio em faina geral de mastros (foto gentilmente cedida pelo MIRCEA).
· revistademarinha.com
NOTAS:
(1) Nava Scoala (Navio Escola em romeno).
(2) Navio da República Portuguesa.
(3) União de Repúblicas Socialistas Soviéticas.
(4) US Coast Guard Cutter.
(5) A Marinha de Guerra Alemã teve as designações de Reichmarine, entre 1919 e 1935, de
Kriegsmarine, entre 1935 e 1945, de Bundesmarine, de 1955 até 1990, quando a Marinha da
Alemanha Federal se funde com a Marinha da
Alemanha de Leste, passando-se a designar de
Deutshe Marine, desde 1995 até hoje.
59
84.O Ano
Untergang: o fim dramático
da Kaiserliche Marine
*Vasco Gil Mantas
s 11h20 da manhã do dia 21 de junho de 1919, o cruzador EMDEN,
navio-chefe do Contra-Almirante Ludwig von Reuter, Comandante da Esquadra Alemã internada em Scapa Flow desde
o dia 22 de novembro de 1918, içou o sinal: Todos os Comandantes e Comandante superior dos torpedeiros. Parágrafo 11.
Execução. Comandante da Esquadra de
Internamento. Este sinal, que os navios internados da Hochseeflotte aguardavam já
desde as 10h00, constava da ordem P.39,
difundida no dia 17, na previsão de que o
período estabelecido para manutenção do
armistício, a terminar a 21, não seria renovado. O parágrafo 11 determinava o afundamento imediato da Esquadra.
Este momento marca o fim trágico da
formidável Kaiserliche Marine, instrumento
privilegiado da Weltpolitik germânica resultante da hegemonia prussiana após a
vitória de 1870 e do entusiasmo navalista
do Kaiser Guilherme II e do Almirante Von
Tirpitz, que conferiu à frota, de acordo com
a sua Teoria do Risco, uma função de fleet
in being. A formação técnica e a circunstância de representar o único ramo supra-nacional das forças armadas alemãs, de
forte espírito nacionalista e dependente do
Imperador, sugeria uma estratégia diferente para a Hochseeflotte, vencedora tática
na Jutlândia em 1916 e depois preterida
pela Handelskrieg submarina, impotente
para contrariar o bloqueio que estrangulou a Alemanha, dado o falhanço do Pla-
À
60
O CALM Ludwig von Reuter, Comandante da
Esquadra de Internamento.
no Schlieffen, que previa o fim da guerra a
ocidente em 42 dias! Na verdade, depois
da Jutlândia, as grandes unidades da Esquadra de Alto-Mar foram remetidas à inatividade, minando o moral das equipagens
à medida que a guerra se prolongava.
As primeiras perturbações na frota
verificaram-se em 1917, ano de grande
agitação nos dois campos em conflito,
no caso alemão causada em parte pela
difícil situação dos abastecimentos, que
levou a designar o Inverno de 1916-1917
como o ano dos nabos (Steckrübenwinter). Todavia, 1917 terminou sob melhores
auspícios. Embora a entrada dos EUA no
conflito constituísse um fator negativo, a
sua incidência na Frente Ocidental tardaria
ainda a fazer-se sentir e a Alemanha ganhou preciosos meses e o reforço dessa
frente com tropas deslocadas da frente
russa, onde o império czarista colapsara.
Também foi o ano em que a ofensiva submarina, agora irrestrita, destruiu a maior
tonelagem de sempre: 6.078.125 tons.
Em 1918 a Alemanha teve ainda possibilidade de impedir a derrota, desfechando grandes ofensivas na Frente Ocidental
entre março e julho, mas acabou por perder a superioridade numérica e a iniciativa
estratégica, não conseguindo os U-boot
perturbar o transporte das tropas americanas para a Europa, adivinhando-se os
dias de desordem que se aproximavam
com o início do Outono. É difícil estabelecer a time-line dos incidentes iniciados
com insubordinações nos navios e em terra, desenvolvidas num ambiente social de
grande tensão, rapidamente aproveitado
por elementos radicais e estimulado pela
difusão da proposta do Presidente Wilson
para terminar o conflito, os célebres 14
Points enunciados no mês de janeiro sem
conhecimento dos Aliados.
A 3 de Outubro o Príncipe Maximilian
von Baden assumiu a chefia do governo,
com o apoio de representantes de partidos presentes no Reichstag, seguindo-se
História Marítima
o envio ao Presidente Wilson de três notas
solicitando condições para um armistício.
Wilson atrasou a resposta, incluindo como
condição a abdicação de Guilherme II, decisão que terá levado os responsáveis da
Marinha, Almirantes Scheer e Von Hipper,
em 24 de Outubro, a admitir a continuação
da luta empenhando a Hochseeflotte num
ataque à Grand Fleet, sem conhecimento
do governo e sem atender ao estado de
espírito das tripulações e de parte da população civil, sobretudo nos grandes centros urbanos, bem definido por uma frase
de A. T. Mahan: Men may be discontented
at the lack of political privilege; they will be
yet more uneasy if they come to lack bread.
Depois, é tudo muito rápido. A 29 de
Outubro a operação foi impedida por parte
das equipagens dos navios de linha, reunidos em Wilhelmshaven, alargando-se a sedição a Kiel e a outras cidades. A 4 de Novembro marinheiros, soldados e operários
dominam a cidade e a base naval de Kiel,
assumindo o controlo da frota, exigindo
o fim da guerra e a abdicação do Kaiser.
Num crescendo de incidentes incontroláveis, um dos mais graves sucedeu a bordo
do couraçado KÖNIG, onde o Comandante foi ferido e dois oficiais mortos ao tentarem impedir que a bandeira imperial fosse
arriada.
Maximilian von Baden, doente com a
chamada gripe espanhola, enviou, a 6 de
novembro, o Secretário de Estado Matthias
Erzberger negociar as condições de armistício com os Aliados. O dia 9 de novembro
viu duas vezes proclamar a República em
Berlim, o que já sucedera em Munique no
dia 7, e o anúncio da abdicação do Kaiser feito por Von Baden, que se demite,
transferindo o poder ao agora Chanceler
Friedrich Ebert. Foi com esta situação caótica que a delegação alemã encarregada
de negociar com os Aliados se defrontou,
quando o Marechal Hindenburgo pediu
instantemente a Matthias Erzberger, no dia
10 de novembro, a assinatura do Armistício, quaisquer que fossem as condições,
o que aconteceu em Compiègne a 11 de
Novembro. O que se passou depois é em
grande parte consequência desta funesta
situação, de forma nenhuma alheia à tese
da punhalada nas costas, de larga utilização política posterior.
Que estipulava o Armistício em relação à
frota? As cláusulas navais do Armistício são
numerosas, 13 ao todo (XX a XXXIII), e não
permitem dúvidas quanto ao seu verdadeiro significado: a rendição das forças navais
alemãs. A cláusula XXII determinava a entrega incondicional de todos os submarinos aos Aliados e aos Estados-Unidos, em
portos a designar. A cláusula XXIII é a que
se relaciona diretamente com a HochseeRevista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
flotte. Transcrevemo-la de seguida: Os navios de guerra da Frota de Alto-Mar alemã
que os Aliados e os Estados Unidos designarem serão imediatamente desarmados e
em seguida internados em portos neutros
ou, na sua falta, em portos das potências
aliadas. Estes portos serão designados
pelos Aliados e pelos Estados-Unidos. Os
navios aí permanecerão sob a vigilância
dos Aliados e dos Estados Unidos, apenas
com uma equipagem de guarda a bordo.
As determinações dos Aliados compreendem: 6 cruzadores-couraçados; 10 couraçados; 8 cruzadores ligeiros (dois deles
lança-minas); 50 destroyers dos tipos mais
recentes […]. Todos os navios designados
para serem internados deverão estar prontos a deixar os portos alemães sete dias
depois de assinado o Armistício. Ser-lhes-á indicada por T.S.F a rota a seguir.
Não foi fácil conseguir alguma acalmia
que permitisse aprestar a frota, na mão de
“conselhos de marinheiros” e com grande
parte da oficialidade desembarcada. O comando da chamada Esquadra de Travessia, depois da recusa de Von Hipper, foi
entregue a Ludwig von Reuter, reunindo-se os navios em Wilhelmshaven, e após a
solução de vários problemas complicados,
como o do pavilhão sob o qual a frota, a
caminho de um destino ainda desconhecido, navegaria. Zarpou a 19 de novembro,
sem munições e com pouco combustível,
e a 21 encontrou-se com uma imponente
escolta britânica, seguindo para o Firth of
Fort, onde teve lugar uma rigorosa inspeção. Durante a travessia perdeu-se o torpedeiro V 30, afundado por uma mina.
O Almirante Beatty ordenou que o pavilhão alemão fosse arriado dos navios, não
61
84.O Ano
voltando a ser içado sem prévia autorização. Queria assim o Comandante britânico,
usando de uma medida contrária ao direito
no que respeita a navios internados, confirmar a rendição da frota alemã, embora reconhecendo a autoridade dos oficiais alemães no exercício legal das suas funções,
o que viria a revelar-se difícil. No dia 22,
depois de minuciosamente inspecionada,
a frota recebeu ordem para navegar para
Scapa Flow, onde se encontrou reunida a
28 de novembro. Na verdade, tratava-se
de uma frota aprisionada em consequência de um ato de má-fé dos Aliados.
As condições de vida a bordo de navios cuja construção não tivera em conta
a comodidade das tripulações, dado que
a estratégia decidida para a Hochseeflotte
não exigia longas permanências no mar,
eram penosas, ampliadas pelo isolamento.
O abastecimento em víveres era assegurado a partir da Alemanha através de um
cargueiro e o correio, censurado, através
de unidades não internadas, uma vez por
semana. Os ingleses mantiveram o abastecimento de carvão e água à esquadra,
mas obrigaram a enviar da Alemanha tabaco e sabão, difíceis de obter, ao contrário
da aguardente, com as previsíveis consequências sobre tripulações desmoralizadas e indisciplinadas, cujos efetivos foram
sendo reduzidos.
As negociações foram-se arrastando em
Versalhes, quase sempre na ignorância de
Von Reuter, cujas informações provinham
muitas vezes, de jornais ingleses, uma vez
que as comunicações via rádio foram impedidas. Tudo leva a crer que o Almirante tivesse decidido afundar a esquadra já
no mês de março, talvez por indicação do
Almirante Von Trotha, novo chefe da agora Reichsmarine. A transferência de Von
Reuter para o EMDEN pode relacionar-se
com o plano que se preparava, pois, este
cruzador estava estabilizado do ponto de
vista disciplinar e encontrava-se fundeado
numa posição conveniente. A 8 de Maio os
Aliados apresentaram as condições para
assinatura da paz, cujas cláusulas referentes ao futuro da frota e ao desarmamento
naval da Alemanha eram draconianas e
claras. Restava, agora, afundar a frota, o
que começou a ser preparado cautelosa-
Medalha alemã comemorativa do afundamento
da Hochseeflote em Scapa Flow.
mente nos inícios de junho. O começo do
Verão veria o fim da Hochseeflotte.
A saída da esquadra inglesa do Firth of
Forth para manobras, comandada pelo
Almirante Fremantle, facilitou a execução
da operação, que não encontrou oposição
por parte das guarnições. À medida que
se iniciava a sabotagem, sobretudo através da abertura das válvulas de fundo, os
tripulantes iam abandonando os navios
nos escaleres, por vezes alvo do fogo das
embarcações de vigilância inglesas, que
causou 10 mortos e 16 feridos. Esta cena
estranha foi testemunhada por uma excursão escolar que viera observar a frota internada, a bordo do ferry de turismo FLYING
KESTREL.
O primeiro navio a desaparecer foi o
FRIEDRICH DER GROSSE, às 12h16, e o
último o HINDENBURG, às 17h00. Apesar
de tentativas para impedir o afundamento
de algumas unidades a sabotagem foi um
êxito: 10 couraçados, 5 cruzadores de batalha, 5 cruzadores ligeiros e 45 torpedeiros afundados. Em abril de 1920, a exemplo do que se passou em Scapa Flow, os
tripulantes do couraçado THÜRINGEN
tentaram sem resultado afundá-lo ao largo
de Cherburgo, durante a travessia para entrega aos franceses.
Nos anos seguintes foram realizadas
complicadas operações de reflutuação,
destinadas a recuperar navios, a fim de
aproveitar os materiais, sobretudo o aço
das couraças. O último destes navios a
ser recuperado foi o cruzador de batalha
DERFFLINGER, em agosto de 1939. Da
frota alemã permanecem no fundo três
couraçados, quatro cruzadores e um torpedeiro, com exceção de três cruzadores
e do torpedeiro bizarramente vendidos no
eBay em julho de 2019, apesar de classificados como bens históricos em 1979, o
que levanta dúvidas quanto ao seu futuro,
uma vez que são importantes fontes de
aço isento de contaminação nuclear. Estes
naufrágios representam locais de atração
para mergulhadores lúdicos, uma vez que
se encontram a relativamente pouca profundidade.
O artigo 184 do Tratado de Paz justificava a ação de Von Reuter, pois determinava
a espoliação da frota. A reação dos Aliados
foi naturalmente violenta, tanto mais que
França e Itália exigiam um quarto da frota,
cada. Os britânicos, cuja imprensa já abordara a necessidade da sua destruição, não
deixaram de a publicitar como um crime de
guerra, sem que o caso os tivesse realmente
preocupado, antes pelo contrário. Na realidade, a distribuição dos navios fortaleceria
o poder naval de potências concorrentes,
solução que nunca os entusiasmou, embora não desagradasse aos Estados Unidos.
O Almirante Rosslyn Wemyss, membro da
Comissão do Armistício, declarou a propósito … I look upon the sinking of the German
Fleet as a real blessing. It disposes once
and for all, the thorny question of the redistribution of these ships.
O repatriamento das equipagens, aprisionadas, fez-se lentamente. Von Reuter
regressou à Alemanha em janeiro de 1920,
a bordo do transporte de prisioneiros
LISBOA, um vapor alemão da empresa
Oldenburg-Portugiesische Dampfschiffs-Rhederei apresado pelos ingleses, e teve
bom acolhimento público. Dadas as drásticas limitações quantitativas e qualitativas
impostas à Reichsmarine pelo Tratado
de Versalhes, abandonou a Armada no
mesmo ano. Seja como for, o episódio de
Scapa Flow foi visto na Alemanha como
contestação ao que se designará como o
Diktat de Versalhes, com consequências
políticas relevantes. Para muitos alemães,
o feito do U-47 de Günther Prien em Scapa Flow, em outubro de 1939, representou
o ato final da desafronta iniciada a 21 de
junho de 1919.
* Professor Universitário (Univ. Coimbra)
Academia de Marinha
[email protected]
O cruzador de batalha
HINDENBURG soçobra.
Em segundo plano
vê-se o cruzador
NÜRNBERG.
62
revistademarinha.com
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
84.O Ano
N/T INFANTE DOM HENRIQUE (1961 – 1988)
por Luís Miguel Correia*
INFANTE DOM HENRIQUE, o
maior navio de passageiros português do século XX, foi o último
sonho de Bernardino Corrêa, fundador da
Colonial e seu timoneiro durante 35 anos,
concretizado em 1957, pelo seu sucessor,
Soares da Fonseca, que tudo fez no sentido de o INFANTE ser um verdadeiro “Navio
de Estado”, moderno, eficiente e bonito –
uma galeria flutuante de arte contemporânea portuguesa.
O
O reforço da frota nas linhas de África
desenhava-se já quando, a 2 de janeiro
de 1953 Bernardino Corrêa e o arquiteto
Andrade Barreto visitaram o ANDREA DORIA em Lisboa no cruzeiro inaugural. Desembarcaram maravilhados e a influência
arquitetónica do paquete italiano refletiu-se
no INFANTE DOM HENRIQUE, em muitos
aspetos, da chaminé Lascroux à estátua
do Infante, passando pela disposição dos
interiores e perfil exterior.
O navio era bom demais para os portugueses, desprezado após 14 anos de
operação; foi necessário um grego amigo
de Portugal, George Potamianos, para lhe
devolver a dignidade e prolongar a vida em
1988 como VASCO DA GAMA.
* Historiador Naval e Fotógrafo
Diretor da EIN-Náutica
Apartado nº 3115 1302-902 LISBOA
[email protected]
http://lmcshipsandthesea.blogspot.com
DESCRIÇÃO N/T INFANTE DOM HENRIQUE
Características
técnicas:
navio
de passageiros a turbinas, construído de aço, em 1959-1961. N.º Lloyd´s:
5160805. N.º oficial: H 478; indicativo
de chamada: CSBI. Porto de registo:
Lisboa (registado na Capitania do Porto de Lisboa a 2-10-1961, livro 18, folha 31). Arqueação bruta: 23.306 tons;
Arqueação líquida: 13.658 tons; Porte
bruto: 11.358 tons. Deslocamento leve
/ máximo: 13.048 / 24.406 tons. Capacidade de carga: 4 porões para 10.504
m3 de carga geral, incluindo 582 m3 de
carga frigorífica. Comprimento ff.: 195,57
m; Comprimento pp.: 179,00 m; Boca:
24,58 m; Pontal: 14,30 m; Calado: 8,23
m. Máquina: 2 grupos de turbinas a vapor Westinghouse, com 22.000 shp a
130 rpm, 2 hélices de 4 pás. Velocidade:
21 nós. Passageiros: 1.018 (156 - 1ª, 384
em turística A, 478 em turística B). Tripulantes: 325. Custo: 752.000.000 francos
belgas, o equivalente a 450.000.000$00.
64
História: o INFANTE DOM HENRIQUE
foi construído na Bélgica, pela Société
Anonyme Cockerill-Ougrée (construção n.º
814), para a Companhia Colonial de Navegação (CCN). Contrato assinado a 1912-1957. A 23-03-1959 assentamento da
quilha, em Antuérpia; lançamento a 29-041960. Madrinha: Dª. Maria Teresa Isabel
Soares da Fonseca, mulher do Presidente
da CCN, Dr. Soares da Fonseca. A 7-021961 o INFANTE iniciou as provas de mar
(7/8/9-02-1961; velocidade máxima de
22,78 nós, velocidade média 21,76 nós),
verificando-se problemas de vibrações. As
hélices de 3 pás foram substituídas por
outras, de 4 e o INFANTE foi entregue ao
armador a 18-09-1961, largando a 19-09
de Antuérpia para Lisboa (21-09) sob o
comando do Capitão Paulo da Conceição
Baptista. A 28 e 29-09 foi visitado pelo Presidente Américo Tomás. O INFANTE iniciou a viagem inaugural a 4-10-1961, para
o Funchal, São Tomé, Luanda, Lobito, Morevistademarinha.com
çâmedes, Cabo, Lourenço Marques, Beira, Moçambique, Nacala e Porto Amélia.
Em 1962-63 o INFANTE DOM HENRIQUE
transportou o Presidente da República em
viagens oficiais: a 23-07-1962 o Presidente
embarcou no Funchal, para Lisboa (24-07).
De 6 a 16-09-1963, o Presidente seguiu no
INFANTE de Lisboa para Luanda, embarcando novamente a 7-10 rumo a Lisboa,
via São Tomé e Funchal, desembarcando
no Terreiro do Paço a 17-10-1963. Na viagem 66, iniciada a 12-03-1971, o INFANTE
passou a limitar o itinerário a Angola, (Las
Palmas, Luanda e Lobito). De início, estas
viagens eram intercaladas com o itinerário
da África Oriental, mas progressivamente
foram sendo feitas menos viagens a Moçambique. Em 12-1971 / 14-01-1972, o
INFANTE fez 2 cruzeiros no Índico baseado
em Durban, fretado à companhia Peltours.
De 22-08 a 18-09-1972 efetuou o cruzeiro
dos 150 anos da independência do Brasil,
(Lisboa, Funchal, Recife, Salvador, Rio de
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Despacho 100
Janeiro, São Vicente e Las Palmas, com
817 passageiros). O INFANTE fez cruzeiros
de fim de ano à Madeira em 1973, 1974 e
1975 e de 5 a 14-04-1974 fez o cruzeiro
da Páscoa ao Mediterrâneo (Lisboa, Nápoles, Génova, Cannes e Gibraltar). A 4-021974 o INFANTE foi transferido para a CTM
– Companhia Portuguesa de Transportes
Marítimos, por fusão das companhias Colonial e Insulana, e registado de novo em
Lisboa a 5-07-1974 (n.º. oficial: I 468). Na
viagem n.º 98, com saída de Lisboa a 1708-1974, transportou passageiros para o
Funchal (18-08) e Ponta Delgada (20-08),
após o que reabasteceu de combustível
no Funchal (21-08), seguindo para Lobito
(29-08) e Luanda. De 4-06 a 10-07-1975
foi fretado ao Ministério do Exército como
transporte de tropas para ir a Lourenço
Marques (18/24-06) e Luanda (30-06/107), por altura da independência de Moçambique. De 10-11 a 24-12-1975 fez a
113.ª. e última viagem, a África, (de Lisboa
a Cabo Verde e Moçambique), tendo no
regresso arribado a Walvis Bay e Dacar
com incêndio numa caldeira. De 28-121975 a 3-01-1976, último cruzeiro (Lisboa
– Funchal – Lisboa). Em 1976 foi imobilizado no Tejo. Vendido por 47.406.000$00
ao Gabinete da Área de Sines (GAS) em
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
1977, o INFANTE saiu de Lisboa a reboque
a 31-05-1977 para Setúbal, e foi convertido na Setenave para serviço estático (retirados as hélices e estabilizadores e instalada uma caldeira auxiliar). Entregue ao GAS
em Setúbal a 25-11, a 27-11-1977 seguiu
a reboque para Sines, sendo colocado
numa lagoa artificial. A 28-07-1980 começou a funcionar como navio-acomodação,
administrado pela firma Cantal – Cantinas
e Alojamentos, Lda. O registo CTM foi
cancelado a 18-03-1982, data de novo registo em Lisboa, como Auxiliar Local, (nº.
oficial LX-132-AL), propriedade do GAS.
A 10-09-1985 o Gabinete da Área de Sines decidiu vender o INFANTE ao armador
George P. Potamianos, o que veio a ser
concretizado em 1986, por USD $850.001
(100.000.000$00). O navio saiu de Sines a
5-11-1986, para Lisboa (6-11). A 16-021987 passou a propriedade da firma Great
Warwick Co. Inc., do Panamá, por escritura
dessa data em Lisboa, mantendo bandeira
portuguesa. A 18-02-1988 foi registado no
Panamá pela companhia Trans World Cruises, Inc., do Panamá. Registo português
cancelado a 22-02-1988. A 24-02-1988
o INFANTE foi rebocado de Lisboa para o
Pireu (4-03), e reconstruido pelo estaleiro
Nafsi S.A. de 10-03 a 20-11-1988, por 50
· revistademarinha.com
milhões de USD. Com o nome VASCO DA
GAMA e registo panamiano, 16.063 TAB,
8.969 TAL, 11.179 TDW e lotação para
660 passageiros em classe única, o navio
regressou a Lisboa a 29-11-1988, e largou
no cruzeiro inaugural a Ceuta e Casablanca, a 1-12-1988. O VASCO DA GAMA
operou para o mercado alemão de 121988 a 01-1990, seguindo-se temporadas
de cruzeiros no Mediterrâneo, Brasil e Caraíbas. Vendido a 3-07-1995 à companhia
Cruise Holdings (Cruise Corporation Ltd.,
Hamilton, Bermuda), passando a chamar-se SEAWIND CROWN. Em 1997 integrou
a frota da Premier Cruises, operando nas
Caraíbas, Brasil, México e Mediterrâneo.
A 14-09-2000 a Premier Cruises faliu e o
SEAWIND CROWN imobilizou em Barcelona de 18-09-2000 a 28-12-2003. Vendido
a 26-08-2003 à firma Global Marine Systems, por 1,93 milhões de USD, e reativado para posicionamento no Oriente para
desmantelar. Com o nome BARCELONA,
bandeira da Geórgia, registo em Batumi,
(Premier Operations Ltd., Georgia), saiu
de Barcelona a 28-12-2003 para Valletta,
Port Said, Singapura, sendo entregue em
Guangzhou, China, aos sucateiros Pan Yu,
para desmantelar, no final de 02-2004. Demolição concluída em 05-2004.
65
84.O Ano
Transportando minério de ferro
por António Balcão Reis*
minério de ferro de Moncorvo volta à
atualidade. A mina, agora da Aethel
Partners, foi reativada a 1 de março
de 2020. É um daqueles projetos que periodicamente hiberna para de novo voltar a
mostrar-se como de muito interesse.
A viabilidade económica da exploração
de uma mina de ferro é condicionada pela
cotação do minério, que é caracterizada
por uma grande volatilidade. Para minério
com o teor de referência de 62% de ferro,
tivemos em 2011 valores médios de 140
dólares/ton, 40 dólares/ton em 2015, subiu para 90 dólares/ton no início de 2020,
prevendo-se que possa ultrapassar os 150
dólares/ton já no início de 2021, valores
suficientemente díspares para justificar o
cíclico variar de interesse, abandono de
projetos e sua retoma.
Porém, não foi esta volatilidade, que
motivou o texto desta crónica.
A exploração do minério de Moncorvo
propicia discorrer sobre como o transporte
do minério de ferro é um exemplo do transporte multimodal(1) (da mina ao cliente final,
são usados, quase sem exceção, diversos
modos de transporte) e as condições em
que o transporte é viabilizado, são um fator
determinante da viabilidade económica da
exploração.
O
MINÉRIO DE MONCORVO
As minas de Moncorvo, na serra de Reboredo, situam-se a uma distância média
de 15 km na margem direita do rio Douro,
e a cerca de 160 km da foz.
É apresentada pelos atuais concessionários como a segunda maior jazida da
Europa, prevendo 1,5 milhões de toneladas no primeiro ano e 6 milhões
com extração estabilizada, mas
será pouco mais que uma anã
comparada com as maiores
minas em exploração.
O transporte do minério de
Moncorvo já foi tratado, em
mais de uma ocasião, nas páginas da RM. (2) (3)
Pelos anos 80 do século passado, o cliente natural para o ferro de
Moncorvo foi a Siderurgia Nacional no Seixal, o que por si justificava a efetivação de
um plano de navegabilidade do rio Douro, permitindo o transporte por via flúvio-marítima (ou fluviomarinha), até ao Seixal.
Foi outra a solução adotada. O minério foi
transportado por via férrea até Leixões e
daí por via marítima até ao Seixal.
Em 2013, já sem a Siderurgia Nacional, a opção natural seria levar o minério
para o porto de exportação. O Grupo ETE,
Empresa de Tráfego e Estiva, S.A, em parceria com a concessionária MTI, Ferro de
Moncorvo, S.A., aponta o transporte fluvial, como sendo o mais favorável, economicamente e sob o ponto de vista ambiental. As embarcações propostas não
seriam, no entanto, as mais adequadas às exigentes condições
impostas pelas características
de navegação do rio Douro,
que conforme avisadamente
comentou Beça Gil … requerem a utilização de embarcações dotadas de propulsão
própria e com boas condições
de manobrabilidade(3).
O Eng. Óscar Mota, claro defensor
da alternativa flúvio-marítima, propõe embarcações com … deslocamento máximo
de 2.900 tons e um porte útil de cerca de
2.200, com dois propulsores azimutais e
um impulsor transversal de proa(4).
.
KIRUNA E MALMBERGET
Kiruna e Malmberget, no Norte da Suécia, na Lapónia, acima do círculo polar, são
Locomotivas
IORE da LKAB.
66
Transportes & Logística
Linha do Douro (Foto obtida na internet de
“Transportes & Negócios” de 28.12.2015) .
apresentadas como as maiores minas de
ferro subterrâneas do mundo. Com teores
médios de 48% de ferro e 0,9% de fósforo,
e com a extração a mais de 1.000 metros
de profundidade, pareceriam pouco atrativas, mas são exploradas desde 1890,
continuam a receber fortes investimentos
e são uma das mais importantes fontes da
riqueza da Suécia. Sinal da confiança no
futuro é o plano da empresa estatal proprietária, Luossavaara-Kiirunavaara AB,
abreviadamente LKAB, de deslocalização
de 5.000 residências, afetando 10.000
pessoas nas comunidades de Kiruna e
Malmberget, para permitir a continuação e
expansão da exploração.
A produção em Kiruna ascende a 26
milhões de ton/ano de minério em bruto (ROM, run-of-mine), ou seja, tal como
extraído, com impurezas, originando 15
milhões de toneladas de pelotas (pellets).
No mesmo perímetro mineiro, as minas de
Malmberget, têm uma produção de 5 milhões de ton/ano.
O minério é transportado por ferrovia,
de via única eletrificada, para os portos
de Narvik, na Noruega e Luleå, no extremo Norte do mar Báltico (Golfo de Bótnia),
de onde é exportado para siderurgias na
Europa, Norte de África, Médio Oriente e
Sudeste de Ásia. Só uma pequena parte
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
do minério fica na Suécia, na siderurgia de
Luleå. A ferrovia essencialmente mineira é
também explorada turisticamente, dado
atravessar as belas e ásperas paisagens
do Norte da Suécia e Noruega.
As moderadas distâncias aos portos
permitem um transporte por ferrovia competitivo em termos de custos e sustentabilidade. Potentes locomotivas IORE rebocam composições de 750 m e 6.800 tons,
formadas por 68 vagões de 100 tons de
capacidade. Num processo de rentabilização, no retorno as composições transportam aditivos necessários ao processo de
refinamento do mineral.
Ferrovia de Kiruna a Narvik e Luleå.
MINAS DE CARAJÁS
Em Carajás, no Sudeste do Pará, na
Amazónia brasileira, a Vale (do Rio Doce),
opera o maior complexo mineiro a céu
aberto do mundo, com minério de ferro
com o alto teor de 66,7%.
Numa logística global/vertical a Vale
gere minas, ferrovias, navios e portos,
controlando toda a logística do transporte
do minério. O minério no seu estado bruto
é transportado da mina para uma unidade de concentração, onde é transformado
em pelotas, por correias transportadoras,
numa rede de 30 km, substituindo os grandes camiões e simplificando as manobras
de carga e descarga do minério, com significativas vantagens ambientais. Da mina
para o Terminal do Porto de Ponta da Madeira, em São Luís do Maranhão o minério é transportado por ferrovia na “Estrada
de Ferro Carajás”, num longo percurso de
perto de 1.000 km, inicialmente de via única, já duplicada em cerca de 600 km, com
capacidade para 230 milhões de tons/ano
de minério.
Em coerência o porto de São Luís tem
vindo a ser ampliado e modernizado. De
São Luís, o minério destinado à Ásia e concretamente à China, principal cliente do
ferro brasileiro, é transportado em navios
· revistademarinha.com
mineraleiros, nos designados Valemax, da
família dos VLOC (very large ore carrier),
carregando 400.000 tons de minério. Na
Malásia, em Teluk Rubiah, funciona um
centro de distribuição, onde o minério de
Carajás é misturado com diferentes tipos
de minérios de ferro (blender), criando
produtos diferenciados para fins e clientes
específicos.
Variam as situações, mas os transportes
são invariavelmente um fator determinante
da viabilidade económica dos projetos.
* C/ Alm. Eng. Const Naval, ref
Membro da Secção de Transportes da SGL
[email protected]
NOTAS:
(1) Transporte multimodal – transporte de
mercadorias efetuado pelo menos por dois
modos diferentes de transporte, por exemplo
ferroviário e marítimo ou marítimo e rodoviário.
Será suportado por um contrato de transporte multimodal. Se são usados dois meios de
transporte iguais, por exemplo passagem de
um navio para outro navio, não se justifica falar
em transporte multimodal, na medida em que
só está em jogo um único modo de transporte, devendo ser usada a designação transporte
combinado.
(2) RM set-out 2012, Óscar Mota, “Navegação
do Douro e minério de Moncorvo”.
(3) RM, jul-ago 2015, Beça Gil, “Rio Douro, via
de comunicação e fonte de energia”.
67
84.O Ano
Será que todos estão interessados
na Segurança de quem anda no Mar?
por OTO*
EMSA (European Maritime Safety
Agency) publicou o seu Relatório
Anual de Acidentes e Incidentes para
o período de 2014 - 19. Para este quadriénio indica que foram registadas 19.500
ocorrências que envolveram 21.392 navios.
Destes acidentes e incidentes, em 320 resultaram 469 mortes, e em 5.434 resultaram 6.210 feridos. De referir que foram analisados 1.801 acidentes, e que em 54% é
atribuída culpa à “acção humana”.
No ano de 2019 a situação melhorou
tendo sido registadas 2.062 ocorrências e
baixado para 63 os acidentes considerados
muito graves. Estiveram envolvidos 1.382
navios e resultaram 19 mortes. Muito embora seja de realçar a melhoria havida, será de estranhar
como se mantém elevado o
número de ocorrências. Isto
mesmo sendo conhecida
a panóplia de convenções,
códigos, regulamentos e
muita recomendação referente aos navios, à navegação, ao trabalho a bordo,
ou seja, a toda a actividade
marítima. Será somente o comportamento
e o desempenho humano que justifica tal
situação?
A esta pergunta não será dispiciendo ter
em atenção um trabalho apresentado, em
Junho de 2019, no 4º “World Maritime Rescue Congress” que teve lugar em Vancouver, Canadá, organizado pelo IMFR (International Maritime Rescue Federation).
Conforme é anunciado, o objectivo
destes congressos é a partilha de ideias e
experiências sobre “Busca e Salvamento”
dando seguimento ao principal objectivo da
IMFR que é juntar os países para que sejam
fortalecidos conhecimentos e capacidades.
E foi neste fórum que a International Orga-
A
68
nization of Masters, Mates & Pilots apresentou um trabalho de investigação, que
curiosamente, na sua introdução afirma: “A
melhor resposta SAR é aquela que não é
necessário executar”.
Baseado na experiência dos seus autores, o trabalho tenta encontrar justificação
para que, pesem embora os esforços de
regulação preventiva da IMO (International
Maritime Organization) e da ILO (International Labour Organization),
as ocorrências no transporte marítimo continuem a
verificar-se, reconhecendo
que a prevenção é a chave.
E adiantam, desde logo, que
… as pressões do negócio
do transporte marítimo conduzem a conflitos com o regime regulatório.
Na primeira parte do documento é relembrado o funcionamento
das diversas organizações com responsabilidade regulatória no transporte marítimo
internacional.
Começa pelos “registos de conveniência” que permitem aos armadores registar
os seus navios num dos cerca de 30 existentes. Estes, estão normalmente sediados
em países com áreas em regime de zona
franca, muitas vezes geridos por empresas
que tem por objectivo o lucro e que disponibilizam aos armadores não só a nacionalidade dos seus navios como também regras próprias no que respeita a impostos,
contratações ou regulamentos ambientais.
Acresce que, existindo competição entre
os registos, haverá tendência para procurar
oferecer condições mais aliciantes aos seus
clientes.
As Nações Unidas, através da IMO, sua
“agência especializada”, incentivou o estabelecimento de níveis mínimos para o transporte marítimo no que respeita à segurança,
poluição e emissões dos navios. Na IMO,
de que fazem parte 174 estados membros,
têm ainda assento com estatuto consultivo
mais de 60 organizações não-governamentais, como sejam sociedades classificadoras e organizações de trabalhadores, sendo
o local onde se debatem as convenções e
códigos respeitantes às diversas vertentes
da construção e equipamento dos navios,
segurança da navegação, comunicações,
trabalho a bordo, busca e salvamento e sobrevivência no mar. De registar que a IMO
não tem poder para aplicação dos normativos que gera, pelo que é obrigação dos
Estados Membros adoptá-los na sua legislação interna.
A IACS - International Association of
Classification Societies, constituída por 12
tipos de sociedades, em que cada uma se
dedica à inspeção / verificação de um sector do navio, é reconhecida pela IMO como
o seu principal consultor para o estabelecimento de níveis de segurança, sendo, no
entanto, a única organização não-governamental a ter capacidade para estabelecer
e aplicar as suas próprias regras. Muitas
vezes, os Estados-Membros não tem capacidade, experiência ou pessoal habilitado
para levar a efeito as inspecções previstas
nas convenções e códigos IMO, e delegam
nas RO (Recognized Organizations) estas
funções; cada Estado Membro decidirá em
que extensão e em que campos as delegam. Assim sendo, não raras vezes, as RO
e seus inspectores, agindo em nome do
Estado-Membro, são os responsáveis pela
verificação da conformidade dos navios ao
normativo aplicável.
De acordo com o código “International
Segurança Marítima
Safety Management” (ISM) as empresas
armadoras deverão manter um “Safety Management System” (SMS) que contemple
a sua política de gestão de segurança, de
gestão do pessoal e de prevenção de poluição, de modo a ser dado cumprimento
à regulamentação em vigor. O principal objectivo deste sistema de gestão é permitir
a ligação da gestão da segurança a bordo
com o armador através do DPA (Designated Person Ashore) – elemento com ligação
ao mais elevado patamar de decisão da
empresa. Em contrapartida, o SMS obriga
o navio a comunicar para o armador eventuais deficiências relativas à segurança a
bordo e suas causas e também a garantir
o seu registo. Com esta ligação, as condições de segurança na operação do navio
ficariam, igualmente, na responsabilidade
do armador.
E, importante ressalva, é apontado no
documento o facto de o armador ter total
liberdade de escolher o Estado de Bandeira e também, a “sociedade classificadora”,
assim como o facto da aplicação da lei ser
exclusiva de cada Estado de Bandeira.
Através do “Port State Control” (PSC) os
Estados de Bandeira têm o direito de exercer nos seus portos a fiscalização relativa
à condição de operação do navio e seus
equipamentos. A experiência tem mostrado
a grande eficácia do PSC, nomeadamente
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
no controlo do cumprimento do normativo
por parte dos Estado de Bandeira ou das
“Sociedades Classificadoras”.
Feito o elenco das entidades relevantes
para a gestão da segurança do transporte
marítimo tudo levaria a supor que os interesses do shipping não colidiriam com
o sistema regulatório da segurança. Mas
tal não se verifica, e existem conflitos que
certamente estão na base de acidentes ou
incidentes:
– a existência de diversos “registos de
conveniência” que competem entre si para
disponibilizarem condições mais vantajosas
para os armadores;
– os armadores tem a faculdade de poder escolher livremente o local de registo
dos seus navios assim como a Sociedade
Classificadora, alimentando assim a competição;
– tendo em conta a composição dos fora
da IMO, será inevitável que certos interesses comerciais sejam tidos em conta nas
suas decisões;
– o normativo aprovado pela IMO terá
aplicação só após ser acolhido na legislação de cada País membro, abrindo caminho a diferentes quadros regulatórios a vigorar em simultâneo;
– é interesse económico do armador que
o navio esteja o mínimo tempo parado; as
tripulações que detectam problemas relati-
· revistademarinha.com
vos à segurança são incentivadas a não os
relatar.
– muitos lugares de topo nas organizações que regulam o transporte marítimo
são ocupados por desconhecedores do
que é andar no mar;
– pela lei geral aplicada ao transporte
marítimo internacional, os gestores ao mais
alto nível, não tem sido responsabilizados
pelos acidentes devidos a não conformidades, com o argumento de não terem tido
delas conhecimento;
– haverá falhas no trabalho dos inspectores, por ocultação das tripulações.
Assim será impossível não considerar
que o sistema regulatório do transporte marítimo não esteja sujeito a pressões dos interesses económicos. E como recomendação, os autores do documento defendem,
que com as novas capacidades tecnológicas, a responsabilização pela segurança
“pode e deve” ser repartida pelos operadores, armadores, sociedades de classificação e Estados de Bandeira. Será que
haverá esperança que tal aconteça? Quem
anda no Mar ficará agradecido.
*
[email protected]
NOTA:
O autor não segue o novo A.O.
69
84.O Ano
Rebreathers Semi-fechados
em Mergulho Recreativo
Parte III
por Paulo Franco*
A pequena quantidade de bolhas
libertadas durante o mergulho
com equipamentos SCR permite
uma maior interação com a vida
subaquática. (Fonte: https://www.
deeperblue.com/mares-introduces
-the-revolutionary-horizon-scr/).
as duas anteriores crónicas dedicadas aos Rebreathers Semi-fechados e a sua aplicabilidade e utilização em mergulho recreativo, abordámos
as principais características deste tipo de
equipamentos, o seu princípio de funcionamento e as suas variantes. Nesta crónica final dedicada ao tema vamos abordar o
desenvolvimento de modelos com objectivos lúdicos e a sua crescente utilização por
mergulhadores recreativos.
Embora a utilização de equipamentos
recicladores semi-fechados esteja consolidada há várias décadas no âmbito militar,
a sua introdução em termos recreativos,
nos últimos anos do século passado, foi tímida e irregular. Este começo menos forte
deve-se, fundamentalmente, ao facto destes primeiros equipamentos serem SCRa,
Rebreathers Semi-fechados Activos (ver
crónica anterior publicada na RM), que
apresentavam algumas limitações fruto da
sua juventude e forte herança, em termos
de conceito de funcionamento, que traziam dos seus congéneres militares o que,
conjugado com um custo relativamente
elevado para o universo recreativo, levou
N
70
Os equipamentos “recicladores semifechados”
(SCR), funcionam como “extensores” do tempo de fundo através da otimização da reserva
de gás transportada pelo mergulhador. (Fonte:
Foto do Autor / Fotógrafo: Simon Almén).
revistademarinha.com
a que a sua aceitação e implementação
fosse pouco consensual, sendo ultrapassados neste âmbito pelos equipamentos
recicladores fechados (CCR – Closed Circuit Rebreathers).
A experiência de cerca de três décadas
de utilização de CCR em contexto recreativo, os avanços tecnológicos em termos
de materiais e eletrónica, aliados à simplicidade e fiabilidade dos equipamentos
semifechados, permite neste momento o
desenvolvimento e produção de equipamentos mais fiáveis, seguros e de custo
mais reduzido e com uma consequente
melhor aceitação por parte do mercado
recreativo.
Os atuais equipamentos são, fundamentalmente SCRh, recicladores semifechados híbridos, que juntam a simplicidade
e fiabilidade dos equipamentos SCRa com
a vantagem tecnológica e flexibilidade dos
SCRe, recicladores semi-fechados eletrónicos, resultando em máquinas mais confortáveis, seguras e adaptadas às necessidades, expectativas e especificidades do
mergulho com objetivos lúdicos. Integram
computadores que controlam a eletrónica
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Mergulho
dos equipamentos e calculam, simultaneamente, a absorção do nitrogénio ao longo
do mergulho em função das misturas de
Nitrox utilizadas, monitorizando os restantes parâmetros que estão disponíveis nos
computadores de mergulho comuns.
Este tipo de equipamento utiliza exclusivamente mistura(s) de Nitrox, sendo este
um dos fatores de diferenciação entre os
SCR e CCR, sendo que nos CCR é utilizada uma garrafa de Oxigénio puro e outra
com uma mistura “diluente”, que pode ser
ar, Nitrox ou Trimix. Esta característica permite aumentar a segurança, simplicidade
de preparação, verificação e operação dos
SCR, o que oferece uma indubitável vantagem para mergulhadores menos experientes ou que procuram recicladores que,
não comprometendo a segurança, sejam
menos exigentes em termos de utilização.
O recurso a novos materiais e a produção em série, incorporando tecnologia e
conceitos comprovados pela sua utilização em equipamentos CCR, permite agora
a chegada ao mercado recreativo deste
tipo de máquinas a preços mais acessíveis
e aliciantes.
Conforme referimos na primeira crónica
desta sequência dedicada aos SCR, estes
equipamentos funcionam, fundamentalmente, como extensores de autonomia
dos gases transportados pelos mergulhadores, permitindo aumentar significativamente o tempo de permanência em imersão. De forma a tirar o maior partido desta
característica, alguns dos SCR atuais,
permitem ainda a utilização de uma ou
duas misturas de Nitrox, uma de “fundo”
e outra para descompressão, podendo
desta forma o mergulhador fazer mergulho
descompressivo otimizando o regresso à
superfície com uma mistura mais rica em
oxigénio.
Outra característica muito apreciada
é a associada à respiração em circuito semifechado, muito mais silenciosa e
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
Os modernos SCRh podem utilizar uma ou duas misturas de Nitrox, permitindo otimizar os mergulhos descompressivos através da utilização de gases mais “ricos”. (Fonte: SSI – Scuba Schools
International)
discreta em imersão quando comparada
com um equipamento em circuito aberto
pela menor presença de bolhas, tornando o utilizador menos conspícuo no meio
marinho, o que permite uma aproximação
maior aos animais que ali habitam. Esta
característica, apreciada pela maioria dos
mergulhadores, é diferenciadora para os
apaixonados pela fotografia e vídeo subaquático, especialmente quando o objetivo
é a obtenção de imagens de vida marinha. Uma outra vantagem, mais discreta
e menos mensurável empiricamente, é o
aumento do conforto térmico e a diminuição da desidratação durante o mergulho,
resultado de o gás no circuito respiratório
ser mais húmido e quente que o respirado
em circuito aberto.
Naturalmente, as desvantagens destes
equipamentos são a sua maior complexidade que se reflete numa preparação,
operação e manutenção mais demorada e
· revistademarinha.com
exigente em termos de cuidado e atenção,
implicando também a necessidade de treino complementar por parte do utilizador.
O custo de aquisição inicial, mais alto, e
maiores necessidades logísticas de utilização surgem também como obstáculos
à sua maior disseminação em termos recreativos.
Dedicámos as últimas três crónicas de
mergulho na RM aos equipamentos recicladores semifechados recreativos - SCR
- abordando o seu princípio de funcionamento, características e diferentes modos
de funcionamento. Percebemos assim as
suas mais marcantes vantagens e inconvenientes e, consequentemente, a sua
aplicabilidade em imersões recreativas, explorando as mais valias da nova geração
de SCR e o renascer de uma tendência no
mergulho recreativo.
*
[email protected]
71
84.O Ano
Impulsionando o Setor
Eólico Offshore em Portugal
por Amorina Armayor*
WavEC Offshore Renewables coordena o projeto TWIND, dedicado
à área da energia eólica offshore,
que reúne outras três entidades de investigação de renome a nível internacional:
Tecnalia Research & Innovation (Espanha),
Offshore Renewable Energy Catapult (Reino Unido) e Universidade Técnica de Delft
(Países Baixos). O projeto foi aprovado
para financiamento no âmbito do Programa - Quadro Horizonte 2020 da UE.
O TWIND teve início em julho de 2019
e terá uma duração de três anos e meio.
Com um orçamento total de 796 m€, o
O
72
projeto visa criar uma rede de excelência
para dinamizar um leque de profissionais e
estagiários de investigação especializados
no domínio da energia eólica offshore, com
vista a apoiar uma indústria emergente em
Portugal em que se antecipa um crescimento acentuado, mas que não tem ainda
uma base de formação dedicada.
Devido às restrições resultantes da
pandemia COVID 19, as atividades com
empresas inicialmente planeadas para
decorrerem em formato presencial foram
adaptadas para o formato online. A primeira sessão online teve lugar a 30 de setemrevistademarinha.com
bro, focando-se nas oportunidades de financiamento para projetos eólicos offshore
na Europa.
A gravação da sessão e as respetivas
apresentações podem ser encontradas no
website do projeto(1).
Uma parte importante das atividades
com empresas tem sido a criação de uma
matriz da cadeia logística de energia eólica
offshore em Portugal(2), cuja versão completa pode ser consultada no website do
projeto. Através dos contactos estabelecidos com o tecido empresarial tem sido notório o interesse pelo estado atual do setor
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Energias Renováveis Marinhas
e também pela sua evolução nos próximos
anos.
A matriz será atualizada periodicamente até ao final do projeto em dezembro de
2022, contando até agora com o contributo de 62 empresas localizadas nos seguintes países:
A segunda edição da matriz está em
preparação. As empresas interessadas
devem entrar em contato com amorina.
[email protected]. Os serviços incluídos cobrem uma ampla gama de áreas e
setores, como Desenvolvimento e consentimento, Infraestrutura, Instalação e comissionamento, Operação e manutenção e
Serviços profissionais.
Para além da componente tecnológica,
uma parte importante da cadeia de valor está relacionada com o licenciamento
e monitorização ambiental dos projetos
offshore, uma vez que, tal como sucede
noutros países, a instalação dos projetos
está sujeita à obtenção de diversas licen-
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
ças, como por exemplo o Título de Utilização Privativa do Espaço Marítimo e a
licença de ligação à rede elétrica.
Nos próximos anos serão realizadas no
âmbito do projeto mais atividades de networking, onde se irão abordar diversos temas de interesse, incluindo licenciamento
e plataformas offshore, entre outros.
· revistademarinha.com
Para obter mais informações sobre o
projeto, consulte o nosso website: http://
twindproject.eu/
NOTAS:
(1) https://twindproject.eu/documentation/
(2) https://twindproject.eu/news-and-events/
73
84.O Ano
N.R.P. ALJEZUR
Guiné 1973
por Rui Matos*
António Nunes é um modelista
com tanto tempo de atividade na
área como eu, só que na maior
parte foi sempre adepto dos “Jogos de
Guerra” – sendo assim definido o tipo e
escala de modelismo utilizado. Segunda
Grande Guerra Mundial, conflitos modernos e o recente interesse pela Guerra Colonial originaram o modelo que vos trago.
Não sendo um novato, o António inclusive
já fez masters para uma firma inglesa, que
depois os produz e comercializa, como por
exemplo a Berliet(1), mas esta é uma das
suas primeiras incursões na área naval.
O intento inicial da LFP (Lancha de Fiscalização Pequena) era ter um modelo básico para poder participar nos “Jogos de
Guerra” feito com um misto de construção
de raiz “normal” em plástico e de impressão 3D, com algumas peças já feitas, provenientes de sets de melhoramento. Mas
ao mostrar o progresso do seu trabalho
online no grupo “Amantes de Modelismo”(2)
houve “alguém” que o “chateou” para refinar detalhes, para incluir outros, para que
deixasse de ter algo que “se parece com”,
para passar a ser uma versão reduzida (1 /
72) da Lancha em questão.
Felizmente as minhas sugestões foram
ouvidas (lidas) pelo António que com curiosidade e com algumas dificuldades ultrapassadas, sempre com o apoio de quem
O
74
estava a seguir o desenvolvimento do seu
trabalho, levaram este modelo a bom porto. O trabalho de pesquisa realizado(3) fez
inclusive, com que entrasse em contacto
com um dos Comandantes da ALVOR –
algo sempre gratificante. Inúmeros pormenores foram sendo acrescentados, nomeadamente na ponte (não perfeitamente
visível dada a cobertura da mesma), no
revistademarinha.com
armamento específico(4) desta classe, e
tantos outros pormenores enriquecendo
o modelo. Para vincar ainda mais a época retratada e a zona de ação, a cor verde
que alguns navios (LFP’s, LDM’s, LDG’s)
usaram na Guiné, faz com que seja único
e apelativo. Com alguns “volumes” e envelhecimentos para lhe dar um ar usado,
números de amura e juntando elementos
da guarnição em modo de descanso –
nem todos, que além de darem a noção
de escala, dão-lhe também cor e certa
animação.
Deixo-vos com uma pequena sele-
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Modelismo
ção de fotografias do trabalho terminado,
pronto agora para ficar numa vitrina com
orgulho, em vez de ser apenas mais um
elemento numa mesa de jogo representando a Marinha de Guerra Portuguesa num
teatro de guerra, nos rios da Guiné!
Parabéns António Nunes – venha o próximo desafio.
Bons modelos!
*
[email protected]
NOTA:
Aparentemente o “bicho naval” atacou, e uma
LDM à escala 1/72, também versão “Guerra do
Ultramar”, está já em curso… força António, e
siga a Marinha!
REFERÊNCIAS ONLINE:
1. https://sandsmodels.com/product/berliete-gbc-8kt-6x6-truck/
2. https://www.facebook.com/groups/2177917
21641906/user/100002446727292
3. https://www.marinha.pt/conteudos_externos/
Revista_Armada/2007/#p=62
4: Exceto os balaustres, a Oerlikon de 20 m/m foi
o único kit usado na LFP ALJEZUR. O lança-foguetes de 37 m/m foi inteiramente feito de raiz.
https://www.scalemates.com/kits/um-military-technics-650-001-oerlikon-20-mm-70-0-79-mk4-usa-gun--226540.
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
· revistademarinha.com
75
84.O Ano
Sem ovos não se fazem omeletes
À conversa com José Manuel Constantino…
por António Peters*
“Que o Desporto em Portugal seja um
dia considerado um Assunto de Estado”
"…possível vencer o desânimo, a resignação e o conformismo, mesmo perante as maiores adversidades”
“…só algumas federações colaboram em parceria com o COP”
“Tóquio está para acontecer” e a náutica estará presente
Espera-se “Um Novo Rumo para o
Desporto”
“…compete a cada um contribuir
com a sua parte”
título sugestiona que hoje poderíamos falar de gastronomia, sem
dúvida, especialidade bem mais
adequada aos tempos de confinamento
que se vivem, mas não, é o recurso a uma
expressão muito usual na língua portuguesa, escusando-nos a definir o conceito e a
mensagem do seu conteúdo.
Em Abril de 2013 regozijámo-nos com a
eleição de José Manuel Constantino para
Presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), para um cargo em que viria dar
continuidade aos 17 anos de obra do seu
antecessor, José Vicente de Moura. Felicitámos, e bem, o vencedor, foi o primeiro
licenciado em Desporto a ocupar este lugar
de vital importância nacional. O Desporto é
um dos melhores Embaixadores, para este
ou qualquer país do mundo, que queira
singrar e realçar o testemunho da sua identidade. Portugal tem-na e deverá navegar
nessa ambição.
No seu discurso de posse, em 2013,
exaltou a esperança que lhe ia na alma: …
possível vencer o desânimo, a resignação e o conformismo, mesmo perante
as maiores adversidades, e lutar por um
desporto mais forte, mais competitivo
e mais desenvolvido. Nunca duvidámos
deste crer e objectivo em o fazer. Para além
de nós a maioria dos agentes do desporto
nacional também assim acreditam, a sua
reeleição para um segundo mandato foi a
confirmação. Tínhamos e temos “cozinheiro”.
A Revista de Marinha, no pressuposto de um melhor conhecimento do trabalho
desenvolvido na via do desporto Olímpico
em Portugal e das respectivas consequências nas modalidades náuticas, solicitou
uma reunião para o efeito com o Presidente
O
76
do COP. José Manuel Constantino, amavelmente e profissionalmente, como é sua
índole, recebeu-nos para uma agradável
conversa realista.
Nos vários temas conversados, ficámos
elucidados dos múltiplos aperfeiçoamentos implementados nos últimos anos, no
objectivo de uma melhor preparação olímpica, onde novas complementaridades de
serviços médicos e acções técnicas são facultadas a todas as federações olímpicas,
que delas queiram usufruir para os seus
atletas. São prerrogativas e facilidades capazes de ajudar e simplificar, a fazer a dife-
revistademarinha.com
rença entre o óptimo e o êxito. Todos estes
benefícios são válidos, mas só se tornam
úteis, se houver interesse na sua aplicação.
Infelizmente, estas meritórias ferramentas,
de valor inquestionável, nem sempre são
aproveitadas na totalidade pela generalidade das federações porque só algumas sentem necessidade de procurar e colaborar
activamente em parceria com o COP.
Satisfez-nos saber que as federações
mais interessadas, são poucas, mas são
elas que melhores desempenhos demonstram, uma das que muito coopera é a Canoagem, única da náutica, facto que corrobora o sentimento que temos enaltecido de
empenho colectivo de dirigentes e atletas,
que não desanimam no rumo a Tóquio.
Nesta esclarecedora conversa com J.M.
Constantino, confirmámos o que dele conhecíamos e apreciamos: inteligente, sensato, culto, sabedor da “arte”, determinado
e tantos outros atributos de Homem de valor de excelência, para a sociedade e para
o Desporto. Atributos em consonância com
as respostas dadas às questões formuladas, como foi o caso: se tivesse de regulamentar algo em prol do desporto o que
implementaria?
Tudo está bem regulamentado e existe,
agora compete a cada um contribuir com
a sua parte, às instituições o que está determinado, aos dirigentes gerir e fazerem
cumprir, e aos atletas terem vontade de
empenho em o fazerem(1).
Num dos inevitáveis temas de conversa, sobre as angústias que o nosso povo
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Desportos Náuticos
se apodera de quadriénio em quadriénio,
quando a Bandeira Nacional não sobe
nos mastros dos pódios mais visionados
no mundo, percebemos que não há uma
resposta concreta e determinante. Perfeitamente plausível e criterioso, pelas variadíssimas premissas abrangentes, desde: a
dimensão territorial e populacional do país;
empenho dos vários intervenientes; outras
vicissitudes, de carácter particular, intrínsecas dos vários intervenientes com a impossibilidade de serem controladas ou aperfeiçoadas sem ajuda e vontade dos próprios.
O Estado, faz o seu papel com os meios
disponíveis e com as limitações existentes.
O autor comenta - durante os JO as
esperanças estão ao rubro, observando,
que muitas vezes são alimentadas pelos
comentadores de futebol, que no interregno de épocas se transformam em especialistas das várias modalidades, interpretando o geral (modalidades) pelo particular
(futebol), onde a preparação, facilidades
de treino, recursos económicos e disponibilidades pessoais dos atletas “em jogo”,
não são de todo comparáveis. Não deve
ser o palco olímpico, de quatro em quatro
anos, o cenário propício para se transformar em calvário das frustrações acumuladas, dos insucessos futebolísticos, onde
se subestimam os fracassos no desejo de
medalhas de atletas maioritariamente amadores, muitos deles conjugando uma vida
desportiva com uma carreira académica e/
ou profissional, e na maioria das vezes com
verbas insuficientes. Mais, não é digno cruxificarem atletas, quando por vezes batem
os seus recordes pessoais e nacionais. O
incomparável não é comparável.
Com os actuais dados e o optimismo
substanciado do Presidente do COP, “Tóquio está para acontecer”, e a náutica nacional estará presente em quatro modalidades
(Canoagem, Natação, Vela e Surf), desta vez
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
O surfista Nick Von Rupp.
com uma estreante, o Surf, que esperançará a sede dos nautas de surfar uma boa
prestação e assim ajudar a valorizar o Mar
de Portugal. A RM, lamenta até ao momento, o não apuramento de uma equipa de
Remo e deposita e deseja êxito a toda a comitiva e aos marinheiros empenhados nesse desígnio. A maior frota está a bordo da
Canoagem e é nela que embarca o sonho
português. Não é impunemente que somos
brindados sistematicamente com o aparecimento de excelentes prestações mundiais,
pelos nossos canoístas. Força Portugal!
Para terminar e por comungarmos do
mesmo ideal de José Manuel Constantino,
salientamos o desejo que nos expressou à
última pergunta: qual o sonho que gostava
de ver realizado para o Desporto Nacional?
- Que o Desporto em Portugal seja um
dia considerado um Assunto de Estado,
a exemplo da Educação, Saúde e Ciência
…e acrescentamos nós, …uma Cultura
mais empenhada!
· revistademarinha.com
Seria injusto terminar e não citar Pierre
de Coubertain, o pai do Olimpismo da era
moderna - A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las - e José
Manuel Constantino merece-as, nós como
marinheiros, aguardamos para Portugal a
concretização de uma esperança deixada
no título de uma das suas boas obras “Um
Novo Rumo para o Desporto”. Que não
tarde!
Que se encontre, …não a galinha dos
ovos de ouro, …basta só a cesta dos
ovos, porque cozinheiro já há!
*
[email protected]
OBSERVAÇÃO:
O autor não cumpre o novo acordo ortográfico
NOTA:
(1) não são palavras textuais, mas o autor julga
transmitir o vocalizado.
77
84.O Ano
Navio de Salvamento NEWA
(pré-1914)
por Augusto Salgado*
ma das zonas com um maior número de naufrágios na Península Ibérica, e mesmo da Europa,
situa-se na Galiza, mais concretamente
na zona NW, conhecida pela Costa de
la Muerte. Na zona compreendida entre
os Cabos Roncudo e Finisterra, só entre
1870 e 1972 ocorreram nada menos que
148 naufrágios, dos quais apenas 9 foram embarcações de pesca. Desta quase
centena e meia de naufrágios, resultaram
533 mortos. Outros autores apontam para
cerca de 200 naufrágios e quase 3.000 vítimas mortais, mas até 1987. Navios portugueses foram seis, dos quais resultaram
apenas quatro mortos. Á semelhança da
barra de Lisboa, é quase impossível determinar o número de navios/embarcações
ou de mortos ocorridos nessa zona, se
tivermos em conta que estas águas eram
navegadas já desde a época dos fenícios,
ou romanos, e sem contar com as embarcações locais.
Face a este elevado número de acidentes marítimos, eu tinha a perceção de
que, pelo menos desde meados do século
XX, era comum que navios de salvamento, muitas vezes designados de “salvádegos”, fossem habitualmente posicionados
na zona. Tal terá ocorrido, por exemplo,
no caso do tristemente célebre petroleiro
PRESTIGE. O que eu desconhecia era que
este tipo de navios já operava na zona,
pelo menos, desde os inícios do século XX.
E que, entre eles, se encontrava o “nosso”
NS PATRÃO LOPES, na altura a navegar
sob a bandeira alemã e com o nome de
NEWA (ver RM 991).
U
78
Peça lança-cabos do PATRÃO LOPES (Museu
de Marinha).
A primeira referência a este navio surge
a 15 de agosto de 1904, quando o NEWA
larga do porto de La Coruña, também debaixo de um imenso temporal, para tentar
recuperar o vapor britânico DILIGENT, que
tinha encalhado no dia anterior a 4 ou 5
milhas de Vilán (perto da Ponta de Boi). A
Outra vista do
PATRÃO LOPES
(Museu de
Marinha).
bordo do rebocador seguia o Comandante do vapor inglês, de nome Sinclair pois,
apesar das terríveis condições meteorológicas, todos os tripulantes tinham conseguido chegar sãos e salvos a terra. Após o
NEWA aguentar nas proximidades do DILIGENT cerca de 72 horas, debaixo de forte
temporal, uma acalmia do tempo permitiu
ao Comandante do rebocador alemão, de
nome Graint, passar um cabo de reboque
ao navio sinistrado e rumar a La Coruña. O
temporal, que, entretanto, tinha voltado a
agravar-se, obrigou a que o trem de reboque permanecesse a noite ao largo, antes
de tentar entrar, na madrugada seguinte,
na baía de La Coruña. Logo pela manhã,
e indo contra as indicações do piloto local, Senhor Pereira, o Comandante alemão
tentou entrar na baía sem encurtar o cabo
de reboque. Esta decisão fez com que o
DILIGENT se perdesse de vez, agora nos
baixos da Guisanda, situados à entrada do
porto de La Coruña, para desespero do
Comandante inglês, certamente.
A segunda referência às ações do
NEWA no Norte da Península Ibérica ocorre seis anos depois, mais concretamente
a 28 de janeiro de 1910. Às seis da manhã desse dia, um navio russo, de nome
Património Marítimo
MARIE, naufragou à entrada do porto de
Corcubión. O navio transportava carvão e
apesar das primeiras informações indicarem que se tinha perdido toda a tripulação,
apenas um dos tripulantes tinha morrido.
De imediato, saíram do Porto e de Vigo
dois rebocadores para tentar resgatar o
navio encalhado. O NEWA foi o que saiu
da cidade portuguesa. Infelizmente, face
aos danos que o navio tinha sofrido nas
obras vivas, não foi possível salvar o mencionado navio russo.
Como referido na anterior crónica, quatro anos depois, o NEWA já se encontrava
a operar na zona de Gibraltar. Curiosamente, estes dois episódios ocorrem durante os meses de Inverno, enquanto as
informações de 1914 são referentes aos
meses de Verão. Será que era esse o padrão de operação habitual do navio?
Estes dados aqui apresentados foram
obtidos a partir de uma obra que já tinha
comprado há vários anos, mas, como na
altura o NEWA, ou seja, o NS PATRÃO
LOPES, não era tema de pesquisa, estes
pequenos episódios passaram despercebidos. Devagar vamos recuperando a his-
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
Outra vista do PATRÃO LOPES (Museu de Marinha).
tória deste nosso “pequeno herói” e talvez
um dia seja possível publicá-la ...
Mais leituras:
José Baña Heim, Costa de la Muerte, 5ª
· revistademarinha.com
ed., La Coruña, London, imp. Venus artes
gráficas, 1980.
* Oficial da Armada e Investigador do CHFLUL e do CINAV
79
84.O Ano
SEA POWER: THE HISTORY AND GEOPOLITICS
OF THE WORLD’S OCEANS
Discorrer sobre o PODER NO MAR e o
que ele possa representar para a humanidade neste dealbar do séc. XXI, também
conhecido pelo século do mar, não é tarefa
fácil numa época onde uma globalização
cada vez mais económica e competitiva se
evidencia, um desenvolvimento tecnológico concomitante acelera e os conceitos
de soberania, de fronteira, de segurança e
defesa e até de poder, de algum modo se
modificam.
Um tempo em que o paradigma civilizacional parece ser outro e uma
“Era da informação” predomina.
Uma Era muito marcada, entre outros aspetos, por uma geopolítica
de fluxos e espaços e em que a
própria tipologia do conflito e da
ameaça se alterou e os perigos e
os riscos que se colocam à humanidade são de tal ordem que não
há país algum no mundo que por
si só consiga ultrapassar as dificuldades que se lhe deparam.
Pese embora todo este intricado panorama o autor, o Almirante
James Stavridis, da Marinha Americana que foi, também, o único Almirante que em 70 anos de Aliança
Atlântica desempenhou as funções
de Comandante Supremo na Europa (SACEUR), com uma carreira
de 37 anos de serviço ativo, 11
dos quais embarcado, recorrendo
à conhecida técnica da objectividade dirigida, mergulha fundo no
passado e na História do seu país,
da Europa e do Mundo, para melhor, compreendendo o presente,
perspetivar o futuro e, em particular, o papel que o SEA POWER
americano e o das marinhas de
guerra em geral, poderão ter neste
Séc. XXI, na sua construção e na
defesa da paz e segurança.
Desse ponto de vista, o ALM
James Stavridis não se fica por
olhar, apenas, os exemplos da História,
recordando-nos, entre outros, os feitos de
portugueses e espanhóis, de holandeses,
de franceses e ingleses e o papel por eles
desempenhado na abertura das hoje designadas auto-estradas do mar, olha, também, a Geografia e a importância da sua
imutabilidade, dos portos e das cidades (i.
e. Lisboa), das linhas de costa e dos seus
recortes, bem como da Geopolítica e dos
grandes espaços oceânicos.
E é exatamente imbuído deste espírito e
80
com o propósito de nos demonstrar que o
mar, do ponto de vista estratégico, ou seja,
do seu uso deliberado, porque aí se prosseguem interesses, é uma entidade geopolítica única (the sea is one) e, hoje, da
maior relevância pelos novos usos que eles
e as plataformas continentais nos proporcionam, que o autor nos acompanha numa
visita por si guiada ao longo das principais
“massas de água” mundiais.
Visita o Pacifico (the mother of all the
oceans), o Atlântico (the cradle of coloni-
zation), o Índico (the future Sea) e o Ártico
(promise and peril), bem como alguns dos
mais importantes mares tributários: Mediterrâneo (where war at sea began), Mar do
Sul da China (a likely zone of conflict), Mar
das Caraíbas (stalled in the past) e ainda o
chamado Mar sem Lei, onde os oceanos
são vistos como zonas apetecíveis de ilicitude (Crime Zones).
E fá-lo com base em toda a sua longa
experiência de mar, trazendo à colação,
de forma simples e interessante, questões
revistademarinha.com
várias, quer de natureza tática e operacional que hoje se colocam às Marinhas e
ao Poder Naval, quer de um outro cariz,
este mais informativo e sensível da política
e da grande estratégia, quando se pensa
nos diversos continentes, nos países ribeirinhos e/ou arquipelágicos e, acima de
tudo, na relação deles com os outros, seja
ela uma relação de cooperação, competição e / ou conflito com amigos ou aliados,
oponentes ou adversários.
E se este meu camarada da Marinha
Americana fala, e bem, de Política, ao abordar a problemática do
SEA POWER, o livro não poderia
igualmente deixar de falar de Estratégia, essa grande disciplina da
organização e do emprego dos
meios. E, neste preciso contexto fá-lo de uma forma exímia ao
apresentar-nos o modo e a forma
como esta relação, da América - a
Superpotência Marítima - com os
Oceanos e o mundo da maritimidade, se processa e desenvolve,
dedicando o autor o último capítulo do livro à “Estratégia Naval americana para o século XXI”.
Elucida-nos, então, o ALM James Stavridis sobre o caminho que
neste particular a própria estratégia marítima americana foi tendo desde 1986 e de forma muito
especial e pragmática depois do
final da guerra fria, em função das
mudanças entretanto operadas no
mundo e no ambiente estratégico.
Em 1992, e explorando a capacidade expedicionária da Marinha,
foi o célebre documento Power …
from the Sea, em 1994, e numa
tentativa de repor a presença
avançada, o Forward … from the
Sea, em 2002, depois das Torres
Gémeas, e preocupados com os
atos terroristas e os danos colaterais nos navios (e as armas anti-acesso e anti-navio - A2/AD) a estratégia
SEAPOWER 21 e, em 2008, de forma inovadora, apresentam uma “Estratégia Cooperativa para o Século XXI” em linha com a
máxima do ALM Johnson, o Chief of Naval
Operations da Marinha Americana quando,
em 2000, afirmava … there is no substitute
for beeing there.
O propósito desta última alteração e
a grande novidade foi a de envolver num
mesmo esforço, e no mar, pela primeira vez, a NAVY, o MARINE CORPS e a
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Escaparate
COAST GUARD com o objetivo simples e
muito claro de, cooperando e coordenando ações, conciliar a nível estratégico e
superior as duas conceções sob as quais
o mar pode ser visto: por um lado, como
espaço militar de defesa e projeção de poder e por outro, como espaço de desenvolvimento económico sustentável que é
preciso proteger.
Mas os americanos não se ficaram por
aqui e é isso que o autor nos sublinha,
recordando-nos que uma nova função se
abre assim ao Poder Naval: a de assegurar igualmente a “segurança marítima” nas
áreas de sua responsabilidade, envolvendo nesse propósito e nas operações que
lhe dão corpo - as Maritime Support Operations - a sua Marinha e, desejavelmente,
também as Marinhas de guerra amigas
e aliadas (a Marinha dos 1.000 navios),
agregadas numa autêntica comunidade
de interesses ligados ao mar, alargada ao
mundo e à partilha de responsabilidades e
cooperação.
E daí que em 2015 na prossecução
deste mesmo desiderato os americanos
promulguem uma nova estratégia marítima intitulada “Uma Estratégia Cooperativa para o Poder Marítimo do Séc. XXI”.
Com ela pretendem que o poder naval e
as Marinhas acedam a todos os espaços e
domínios de terra, mar, ar, espaço e ciberespaço, e onde a melhoria das ações de
planeamento e coordenação a desenvolver
interna e externamente, entre eles e com
terceiros, se tornariam num marco determinante do sucesso e onde, em especial,
a … guerra da manobra eletromagnética, é
tida como uma relevante novidade e a interoperabilidade de plataformas, sistemas,
armas e equipamentos o critério-chave
a destacar e o imprescindível requisito a
considerar.
O autor, consciente de que o mar continua a desempenhar um enorme papel na
globalização e é tido como um fator relevante da vida e da política internacional,
sublinha, como eu, que o mais relevante
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
será sempre “defender o sistema” no seu
todo, das inúmeras vulnerabilidades que
o afetam. Nesse sentido continuará a ser
uma obrigação das Marinhas, assegurar o
“controlo das linhas de comunicação”, as
SLOC’s e fazê-lo de uma forma mais extensiva e global até do que acontecia no
passado, de par, obviamente, com o seu
papel de sempre na “proteção e defesa”
do território emerso e imerso e, bem assim, na “dissuasão”, na “projeção de força
em terra”, coerciva ou humanitária e, hoje,
nalguns casos, também, na “defesa antimíssil”.
Concomitantemente pugnar pela “manutenção da boa ordem no mar” e, em
especial, nos espaços de responsabilidade nacional será outra das incumbências
das Marinhas. Controlar e proteger bens e
recursos, atuando contra a pesca ilegal, a
pirataria, o terrorismo transnacional, o tráfego de armas, drogas, pessoas e quaisquer outros fins ilícitos, garantindo, como
um bem maior e inestimável, de acordo
com a Convenção das Nações Unidas de
Montego Bay, de 1982, a liberdade de navegação nos mares e nos oceanos de todo
o mundo.
E tudo isto obriga, como o autor, e bem,
nos realça, a ter uma estrutura de forças
devidamente balanceada e equilibrada no
conjunto das suas capacidades e valências, distribuindo o esforço por funções
de cariz militar e não militar, por unidades
high tech e low tech, a ponto de Geoffrery
Till, outro dos grandes académicos e advogados do poder naval, a este propósito,
afirmar que esta dualidade de funções de
alguns tipos de plataformas navais será
mesmo o aspeto principal a ter em conta
quando hoje se olham as Marinhas e os
seus modelos de desenvolvimento.
O ALM James Stavridis como bom marinheiro que foi e uma referência que é seguramente na sua Marinha não poderia tratar
esta questão do Poder no Mar sem trazer à
colação o nome desse grande geopolítico
e profeta das coisas do mar que foi o seu
· revistademarinha.com
camarada de armas Alfred Thayer MAHAN
(1840-1914) e fazê-lo quanto a mim, de
uma forma assaz sui-generis e interessante, que consistiu em olhar à sua teoria e
às ideias por ele ventiladas junto do Presidente Theodore Roosevelt e de outros
grandes estadistas mundiais e europeus,
e verificar quantas das suas máximas são
passiveis, hoje, de serem consideradas
como propostas razoavelmente válidas e
exequíveis.
A parte final desta obra é, pois, dedicada à análise desta aliciante problemática
e as conclusões a que o autor chega são
muito interessantes, pela forma bem organizada e sustentada como as apresenta,
mas também pela vasta informação que
sobre o “Poder no Mar” o ALM James Stavridis nos disponibiliza e veicula e, ainda,
pela resposta que nos oferece à questão
de Mahan que tão habilmente soube trazer
à colação.
Está, pois, de parabéns o autor pela excelência do seu trabalho – um must-read
book – nas palavras do, entretanto, falecido ex-oficial de Marinha e Senador Jonh
McCain, mas também a Revista de Marinha por neste tempo de globalização ter
resolvido chamar a atenção do público em
geral, dos marinheiros, profissionais ou não,
de políticos, jornalistas e comentadores,
em particular, para esta importante obra,
a qual funciona de certo modo, e no meu
entendimento, como que uma homenagem
que a revista, volvidos que são 500 anos,
faz ao feito desse grande navegador e Comandante que foi Fernão de Magalhães, o
português que, ao serviço dos Reis de Espanha, estudou, preparou e empreendeu a
1ª Viagem de circum-navegação do globo
(1519-1522) e que depois da sua morte,
em 27 abr 1521, numa emboscada, na Ilha
de Mactan, nas Filipinas, foi finalizada em
Sanlúcar de Barrameda, Espanha, por Juan
Sebastián d’Elcano, em 6 set 1522.
João M. L. Pires Neves
VALM, ref
81
84.O Ano
O DRAMA DE CANTO E CASTRO
Trata-se de uma obra de Maurício de
Oliveira … jornalista multifacetado, com
um especial interesse pela Marinha, agora reeditado numa parceria entre o Museu
da Presidência da República e a Imprensa
Nacional. Com o subtítulo “Um monárquico Presidente da República”, esta obra de
1944 traz-nos notas biográficas de João
do Canto e Castro Silva Antunes, Presidente da República no conturbado período entre dezembro de 1918 e outubro de
1919.
O livro abre com uma mensagem do
Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que
assinala as dificuldades que o país atravessava cem anos atrás, após o assassinato
de Sidónio Pais, com grave crise económica, social e também de saúde, com a
pneumónica, e enaltece Canto e Castro,
que soube pôr de parte convicções pessoais para servir a Pátria.
Segue-se um interessante prefácio do
historiador Rui Ramos, “Um Presidente Militar”, que ajuda a contextualizar Canto e
Castro na sua época, e uma curta biografia
de Maurício de Oliveira.
O livro original, agora reeditado, abre
com o texto “Apontamentos para um per-
fil” onde se constata a
amizade entre o biógrafo e o biografado … um
aluno distinto do Colégio Luso-Inglês, depois
combatente intrépido
de África, governador
colonial austero, oficial
da Armada sabedor e
brilhante, Ministro da
Marinha enérgico e
justo e Presidente da
República conciliador,
tolerante e nobre. Seguem-se cinco capítulos “Oficial de Marinha
e Governador Colonial”,
“Ministro da Marinha”,
“Presidente da República”, “Exilado da vida e
dos homens” e “A derradeira viagem”.
Além da biografia de uma interessante
personalidade o livro aborda o período dos
anos 90 do século XIX aos anos trinta do
século XX, referindo curiosos detalhes da
vida política e social.
Canto e Castro nasceu em 1862 e teve
uma carreira naval de sucesso, com di-
versas comissões de
embarque, algumas em
África, onde também
desempenhou funções
de Governador Colonial, em Lourenço Marques, Moçâmedes e
na Ilha do Príncipe. De
temperamento afável
e discreto, costumava
passar os meses de
verão na vivenda “Josefina”, na Praia das
Maçãs … na serena
contemplação do mar
que sempre o seduziu.
Em síntese um livro
que é um contributo
para conhecer melhor
uma personalidade e
um período da nossa história, que se lê com
muito agrado e que se recomenda.
Aos interessados aqui deixamos os contactos do Museu da Presidência, tel 21 361
4660, e-mail
[email protected], endereço postal, Palácio Nacional de Belém,
Calçada da Ajuda, 1349-022 Lisboa.
A.F.
MIA A BORDO!
UMA VISITA AO NAVIO GIL EANNES
Acabamos de receber este livro na nossa redação, da autoria de Francisca Lima
e com ilustrações de Rute Gonzalez, por
simpatia da Fundação Gil Eannes; a Revista de Marinha muito agradece à Fundação esta amável oferta.
Trata-se de uma obra muito atrativa e
pedagógica, dirigida sobretudo ao público
infantil e juvenil, como
o título e a capa indicam, em que Francisca Lima recorre
à técnica literária de
uma história relevante narrada dentro de
uma outra história envolvente, como uma
pintura dentro de uma
moldura.
Na verdade, a autora - psicóloga, atriz e
encenadora – já com
outras obras publicadas, usando a mesma
protagonista
“Mia”,
relata-nos, com mui82
ta criatividade, a visita da gata Mia desta
vez ao navio-museu GIL EANNES, um
ex-libris da cidade de Viana do Castelo,
escondida entre um grupo de alunos em
visita de estudo. E assim nos vai contando a história deste antigo navio-hospital,
agora navio-museu, atracado ao cais em
Viana do Castelo, na foz do rio Lima, mas
em tempos navio com
a importante missão
de apoio aos valentes
portugueses enviados
à pesca do bacalhau
em navios à vela - os
lugres - durante duras
campanhas nas águas
gélidas e perigosas da
Terra Nova e Gronelândia.
Entre os capítulos
IV e X, quase sem darmos conta, a narradora conduz-nos a uma
outra dimensão e fala-nos da faina maior, da
pesca do bacalhau ...
revistademarinha.com
e ... enfim, não podemos aqui revelar tudo,
até porque este livro com excelente encadernação e apresentação, será uma ótima
sugestão de presente com conteúdo, graça e interesse para quem tem filhos pequenos, ou netos, pois estamos certos de que
fará as delícias de miúdos e graúdos ...
Parabéns à autora e à ilustradora, assim
como à Fundação Gil Eannes, a Editora,
ao patrocinar mais uma vez a divulgação
e defesa do rico património cultural português e o valor dos mareantes de sempre,
que não devem e não podem ser esquecidos.
O livro custa 12€, IVA incluído, e está
à venda na loja do navio-museu GIL EANNES, ou na loja online da Fundação Gil
Eannes www.fundacaogileannes.pt . Pode
obter informações adicionais através do
e-mail
[email protected], tel
25 880 9710 ou 91 453 4707, endereço
postal, navio–museu GIL EANNES, antiga
doca comercial, 4900 – 321 Viana do Castelo.
F.F.
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Escaparate
NA ROTA DE DIOGO CÃO (1975)
A epopeia marítima portuguesa está prenhe de factos inverosímeis, alguns de tal
intrepidez que dá que pensar se são factos
heroicos ou atitudes irresponsáveis … mas
como a sorte protege os audazes, a maior
parte das vezes o impossível é
conseguido.
A narrativa espelhada neste
livro é um exemplo daqueles portugueses, da cepa dos nossos
antepassados navegadores, que,
sem grandes conhecimentos de
navegação e em mar alto, navegaram pelos quatro cantos do
Mundo, sulcando “os mares nunca dantes navegados” por outras
gentes.
Foram seis os heróis corajosos
- ou inconscientes - desta aventura. Cinco deles sem qualquer
experiência de mar ou de como
conduzir uma embarcação pela
agulha de marear (bússola), sendo a exceção deste intrépido ou
inconsciente grupo o proprietário e mestre da traineira PAULO
JORGE, de seu nome José Barafusta e cujos conhecimentos
de navegação eram com terra à
vista. Saíram de Luanda por mar,
a única fronteira possível além da
aérea, por onde os portugueses
tinham entrado, fugindo ao terror
que então estava em vigor em Angola e ao mesmo tempo salvando o que pudessem dos parcos
bens móveis, conseguidos com
o seu esforço de trabalho árduo.
O livro é escrito num português
escorreito narrando os acontecimentos da aventura marítima, intercalados
com as vivências do autor na Mãe Pátria e
em Angola, onde chegou com a idade de
17 anos.
Os protagonistas navegaram, pasme-se,
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
com um mapa do continente africano da revista que a TAP inseria no bolso existente
na parte de trás dos assentos dos aviões!
Este vosso comentador também foi protagonista de uma viagem idêntica, relatada
na RM 1008 (pg 48 a 51), mas era oficial do
ofício da navegação em longo curso. Além
disso, sabia ainda orientar-se pelos astros e
já tinha efetuado aquele percurso dezenas
de vezes, em navios de passageiros e de
· revistademarinha.com
carga geral. Pelo contrário, os heróis navegadores protagonistas da façanha em análise não sabiam o que era BB ou EB, nem tão
pouco como fazer leme orientando-se pela
agulha de marear. Havia, porém, inteligência a bordo. Graças a ela, lá conseguiram chegar até aos nossos
navios de pesca a operar no Cabo
Branco, que depois lhes deram a
devida assistência e os conduziram até Portugal. Curiosamente,
o mestre José Barafusta é natural
da Fuzeta e de ali perto, de Olhão,
tinham partido para o Rio de Janeiro os 17 intrépidos navegadores do caíque BOM SUCESSO,
para dar a boa nova à família real
portuguesa sobre a expulsão dos
exércitos invasores franceses. Foi
também de Olhão que partiram
os grandes povoadores do sul de
Angola, em canoas de pesca, palhabotes e caíques. Há registo de
que em janeiro de 1893 uma família de Olhão (Manuel de 24 anos,
Carolina de 21 e o filho Manuel
de 18 meses) navegou 41 dias
pelo Atlântico, até aportarem a
Moçâmedes. As fraldas do bebé
Manuel eram secas no mastro da
embarcação …
São estórias anónimas de portugueses com forte vocação marítima, mas infelizmente hoje sem
navios para navegar.
“Na rota de Diogo Cão (1975)"
é um livro que aconselhamos
a ler. Um lenitivo para o nosso
confinamento. Tem um custo de
capa de 15,00€ e aos eventuais
interessados indicamos um contacto para a
sua aquisição, o e-mail do autor
[email protected].
J.B. Saltão
83
84.O Ano
REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA
A Revista Marítima Brasileira (RMB) é uma
publicação oficial da Marinha do Brasil (MB),
sendo publicada desde 1851; é assim uma
das revistas navais mais antigas do mundo.
A RMB é presentemente editada pela Diretoria do Património Histórico e Documentação da Marinha, em formato de bolso. Nas
suas mais de 300 páginas inclui um conjunto de artigos de autor e as secções “Necrológio”, “O lado pitoresco da vida naval”,
“Aconteceu há cem anos”, “Revista das revistas” e “Noticiário Marítimo”, com notícias
de interesse relativas à MB e à comunidade
marítima brasileira. Os artigos de autor abordam temas muito variados desde a Política
à Estratégia, da Liderança à História Marítima e da Construção Naval e Armamento às
Operações Navais e à Gestão.
O número que comentamos, relativo a jul
/set de 2020, faz capa com oportunas imagens alusivas à pandemia COVID 19.
Neste número são apresentados 19 artigos, que abordam uma lista diversificada
de temas, designadamente a saúde naval
e o combate a pandemias. De assinalar o
texto “Os vírus influenza
e coronavírus e os grandes flagelos de saúde
publica nos séculos XX
e XXI”, de que é autor o
CMG Henrique Portela Guedes, da Marinha
Portuguesa, nosso estimado colaborador e
assinante.
Na rúbrica “revista
das revistas” há uma
curiosa referência ao
artigo “O midlife update
das fragatas da classe
BARTOLOMEU DIAS”,
do CMG ecn Rodrigues
Mateus, publicado na
nossa RM 1016, que
nos deu uma particular satisfação, e “Programa Copernicus”, da 2º Ten. Joana Costa
Canas, publicado nos Anais do CMN, jul dez 2019.
De entre as muitas notícias de caráter
marítimo, focadas na realidade do Brasil,
merece destaque uma
simpática
referência
ao livro “Comandar no
Mar”, das “Edições Revista de Marinha”.
Em síntese, uma revista que aborda temas
navais e marítimos de
interesse e que nos permite acompanhar o desenvolvimento da mais
importante Marinha da
América do Sul, com
efetivos da ordem dos
70.000 militares.
A RMB pode ser objeto de assinatura, com
um custo anual de 40
U.S. dólares. Os contactos da redação da revista são e-mail
[email protected] , endereço
postal Rua Dom Manuel, nº 15, Praça XV
de novembro, Centro 20.010 – 090 Rio de
Janeiro RJ Brasil.
A.F.
REVISTA “VAI D’ARRINCA”
125 ANOS! PARABÉNS AO GINÁSIO CLUBE FIGUEIRENSE!
Comemorações em tempo de vírus,
assim se intitula o prefácio da revista “Vai
d’ Arrinca”, do Ginásio Cube Figueirense,
com que a sua ilustre Diretora, a Dra. Alice
Mano-Carbonnier, abre este número da revista anual, publicada em junho último.
Nesta publicação, com uma tiragem de
1.000 exemplares, 31 páginas e distribuição gratuita, encontramos uma profusão
de imagens e fotos de qualidade, interessantes artigos de e sobre atletas, assim como
de conhecidas personalidades da nossa
sociedade, notícias das
diferentes modalidades
desportivas, referências
ao património, ao museu, etc.
A 28 de Outubro
de 2019, o Conselho
Geral constituíra uma
comissão organizadora das comemorações
do 125º aniversário do
Clube; a Comissão de
Honra era mesmo presidida pelo Presidente
da República. Contu84
do, o programa de atividades apresentado
em dezembro veio a ser inviabilizado pelas graves consequências da pandemia.
Assim, colóquios, regatas, etc, tudo teve
de ser suspenso e adiado para datas futuras ... Porém, no dia 1 de janeiro 2020,
o sócio nº1, Senhor José Rolinho Sopas,
ainda pôde hastear a bandeira do Clube,
marcando o início das comemorações
dos 125 anos do Ginásio, na presença de
muitos associados, em
animado convívio de ginasistas!
Nas palavras de
José Manuel Constantino, Presidente do Comité Olímpico de Portugal, o Ginásio está de
parabéns, porque mais
do que um simples clube desportivo ele é ...
um espaço identitário
(...) exemplo da fusão
de um clube com a sua
cidade e a sua história.
Ana Lúcio Rolo, Presidente da Direção, por
sua vez, revela-nos que
em 2019, o Ginásio
revistademarinha.com
promoveu um total de 36 eventos, 8 a nível
internacional, 6 a nível nacional e 22 a nível
local. E apesar de uma paragem forçada,
as suas palavras são de esperança, dizendo que apesar das perdas avultadas pelo
encerramento obrigatório das instalações
… melhores dias virão para poder cumprir
até ao final do ano, o que resta do programa de comemorações.
Neste número da revista encontramos
recordações de tempos e momentos inesquecíveis: a Fundação, os 25 anos (1920),
as Bodas de Ouro (1945), as Bodas de
Diamante (1970), o Centenário (1995), e
também, entre outros artigos e temas de
importância, referência aos vários atletas
distinguidos com o Prémio Nacional Bento
Pessoa - Casino da Figueira.
A Revista de Marinha agradece a
amável oferta da vossa revista e felicita vivamente os responsáveis do Ginásio Clube Figueirense pelo seu trabalho notável,
assim como pela atribuição da “Bandeira
da Ética”, pelo IPDJ, e a distinção no I Podium Diário de Coimbra, em 2019, com o
prémio “Clube da Região”. Parabéns ao
Ginásio Clube Figueirense!
F.F.
· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha
Arquivo Histórico
A Revista de Marinha
há mais de oitenta anos… nº 73
ste número da Revista de Marinha, datado de 20 de fevereiro de
1940, faz capa com a condecoração do Almirante Laborde pelo Presidente
Lebrun, no decurso de uma sua visita a
Brest.
A abrir, uma longa “crónica da situação internacional”,
assinada por Francisco Velloso, e intitulada “A Conferencia
de Belgrado”, com o subtítulo
“entre duas tendências que
se afrontam, as potências do
Entendimento Balcânico declaram a sua neutralidade”.
O “Entendimento Balcânico”,
pacto assinado em 1934 entre
a Grécia, a Jugoslávia, a Roménia e a Turquia, em reunião
que teve então lugar em Belgrado acentua a sua neutralidade face à beligerância entre a
Alemanha e os Aliados, França
e Reino Unido. Contudo, nos
Balcãs outras potências como a
Itália e a URSS moviam as suas
influências e no pacto faltavam
a Hungria e a Bulgária que mantinham reivindicações territoriais.
Num texto curioso e oportuno
um Capitão da Marinha Mercante inglesa, o ex-Comandante do
ASHELEA, afundado pelo GRAF
SPEE, relata a batalha do Rio da
Prata vista pelos olhos de um prisioneiro. Encontravam-se a bordo
do navio alemão 31 prisioneiros,
dos quais cinco eram Comandantes de
navios mercantes afundados, todos libertados em Montevideu, quando da curta
estadia do navio naquele porto.
E
Revista de Marinha ·
1019 Janeiro/Fevereiro 2021
Em “Eu vi morrer o EMDEN” relata-se um evento ocorrido em novembro de
1914; o cruzador ligeiro alemão EMDEN,
em guerra de corso no Pacifico, desembarcou uma força na ilha Direction, nas
Ilhas dos Cocos, para
destruir amarrações de cabos submarinos
e uma estação radiotelegráfica inglesa.
Contudo, o EMDEN havia sido avistado
ao aproximar-se para fundear, tendo sido
· revistademarinha.com
dado o alarme. O cruzador pesado australiano SIDNEY, que se encontrava nas proximidades, atacou o EMDEN que acabou
por encalhar numa praia. A sua força de
desembarque, comandada pelo
Oficial Imediato, von Mucke, que
estava em terra, conseguiu fugir
num pequeno veleiro que ali se
encontrava, dirigindo-se para Penang, onde embarcou num navio
mercante alemão. Este navio desembarcou-os mais tarde em Djeddah, na Arábia, então governada
pela Turquia, aliada da Alemanha.
Dez meses depois da partida da
ilha Direction chegavam a Constantinopla. Extraordinário, na
verdade!
A rúbrica “A guerra no mar”
cobre o período de 27 de janeiro
a 8 de fevereiro; de assinalar a
7 de fevereiro o torpedeamento
do ARMANISTAN, de bandeira
inglesa, a cerca de 30 mi da
barra do Tejo e a abordagem
do NIASSA, ao largo da Cidade
do Cabo por um navio de guerra britânico que capturou seis
alemães que viajavam a bordo.
Por fim a rubrica “Livros e
outras publicações” que aborda “Nas águas da Gasconha”,
de Dídio Costa, Oficial da
Marinha do Brasil, “Maquinas
Marítimas – Curso Elementar”, pelo Engº Aluíno Martins
da Silva, que … é um livro muito útil para
os alunos marinheiros–fogueiros e que foi
aprovado na Escola de Mecânicos da Armada, e “Aspetos do Problema Bacalhoeiro”, do 2º Ten. Tomaz Augusto Centeno.
85
84.O Ano
Associação Economia Azul – Unidos pelo Mar
Relatório da Comissão Europeia 2020
sobre a Economia Azul
A Comissão Europeia publicou o Relatório de 2020 sobre a
“economia azul” da UE, que traça o panorama do desempenho
dos setores económicos ligados aos oceanos e ao ambiente
costeiro e tira a conclusão que os setores “azuis” vão contribuir
fortemente para a recuperação que a pandemia originou.
Apesar das graves repercussões da pandemia de COVID 19
sobre setores como o turismo
costeiro e marítimo e as pescas
e a aquicultura, globalmente a
economia azul tem um enorme
potencial em termos de contribuição para uma recuperação
sustentada e ecológica.
Tendo representado um volume de negócios de 750 mil
M€ em 2018, a Economia Azul
da UE está de saúde. Nesse
mesmo ano, empregava 5 milhões de pessoas, o que representa um aumento significativo, de 11,6 %, relativamente
ao ano anterior
O Comissário Europeu
responsável pelo Ambiente,
Oceanos e Pescas, Virginijus
Sinkevicius declarou que … as
energias renováveis marítimas,
os alimentos provenientes do
mar, o turismo costeiro e marítimo sustentável, a bio economia azul e muitas outras atividades vão sair desta crise mais
fortes, mais saudáveis, mais
resilientes e mais sustentáveis
e permitem atenuar o impacto
do confinamento e proteger os empregos na “economia azul” e
o bem-estar das comunidades costeiras sem abdicar das nossas ambições ambientais.
Normalmente associado a atividades tradicionais como a
pesca e o transporte, uma das questões que está na base deste
otimismo, é o facto de ser notório que o meio marinho alberga
um número cada vez maior de setores emergentes e inovadores,
entre os quais o das energias marinhas renováveis. Neste mo-
mento a EU é líder mundial em tecnologia da energia oceânica e
está no bom caminho para produzir até 35 % da sua eletricidade a partir de fontes offshore até 2050. Atualmente, graças ao
desenvolvimento destas novas tecnologias, a União Europeia já
tem uma quota de 70% da totalidade da energia das ondas e
das marés que é produzida em todo o mundo.
O desenvolvimento sustentável de outros sectores da
Economia Azul tem sido conseguido à custa da diminuição
de gases com efeito de estufa e mesmo nos setores mais
clássicos como a pesca, tem
sido notória a correlação entre
a sustentabilidade das operações e os resultados económicos positivos.
Estima-se que a “economia
azul” represente 1,5% do VAB
- valor acrescentado bruto na
economia da zona euro e 2.2%
da totalidade de emprego, e
esta tendência deve manter-se
para os próximos anos.
COVID-19
Nesta data ainda não é possível contabilizar o impacto do
COVID 19 nos vários setores
da “economia azul”, mas é certo que uns sofreram mais que
outros.
De acordo com avaliações
recentes, os setores que mais sofreram e deverão ter uma recuperação mais lenta são o turismo costeiro, os estaleiros navais
e as reparações de navios e os recursos marinhos não vivos.
Outros setores tais como os transportes marítimos, atividades
portuárias, energias renováveis e bio economia, embora tenham
sofrido forte impacto deverão recuperar mais depressa. Por outro lado, os setores emergentes da “economia azul” deverão sofre impactos limitados e demonstrar rápida recuperação.
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