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REVISTA de MARINHA, no. 1019, Janeiro-Fevereiro, 2021

JANEIRO FEVEREIRO 2021 www.revistademarinha.com Marinha Guerra de Diretor: Alexandre da Fonseca Nº 1019 - janeiro/fevereiro 2021 - Preço Continente - 5,00 € - PERIODICIDADE BIMESTRAL Vessel Traffic Services (VTS) Segurança e Monitorização em tempo real no Controlo de Trafego Marítimo. indracompany.com FICHA TÉCNICA ANO: 84 Nº 1019 FUNDADOR MAURÍCIO DE OLIVEIRA ANTERIORES DIRETORES MAURÍCIO DE OLIVEIRA GABRIEL LOBO FIALHO EDITOR/DIRETOR ALEXANDRE DA FONSECA DIRETOR ADJUNTO JOÃO RODRIGUES GONÇALVES LUÍS MIGUEL CORREIA SÍTIO NA INTERNET JOÃO RODRIGUES GONÇALVES COLABORADORES PERMANENTES ANTÓNIO BALCÃO REIS ANTÓNIO PETERS ARMANDO MARQUES GUEDES ARTUR PIRES (Setúbal/Sesimbra) AUGUSTO SALGADO CARLOS ALBERTO TIAGO (Peniche) ÉLVIO LEÃO (Porto Santo) FERNANDO PAIVA LEAL (Leixões) ISABEL PAIVA LEAL (Leixões) ISABEL PEREIRA (Faro) JOÃO BRITO SUBTIL (S. Miguel/Açores) JOÃO FERNANDES ABREU (Madeira) LUIS FILIPE MORAZZO (Sotavento/Alg.) LUIS MONTEIRO (Barlavento/Alg.) MANUEL OLIVEIRA MARTINS (Viana do Castelo) MIGUEL VIEIRA DE CASTRO (Sines) ORLANDO TEMES DE OLIVEIRA PAULO GAMA FRANCO REINALDO DELGADO (Póvoa de Varzim/Vila do Conde) RUI MATOS Os artigos publicados na Revista de Marinha e assinados refletem as perspetivas dos seus autores. Os artigos e fotografias incluídos nesta edição não podem ser reproduzidos sem autorização. Capa: O N.R.P. SINES, a navegar com mar encrespado ao largo da costa, numa feliz aguarela do pintor de arte e nosso estimado assinante, Sr. Fernando Lemos Gomes ÍNDICE DE ANUNCIANTES INDRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CAPA CASA DA SENHORA DO OUTEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04 TECNOVERITAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 05 ULLMAN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09 J. GARRAIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 CONFORNAULUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 GRUPO SOUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 APL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 HEMPEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 OREY TÉCNICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 DOURO AZUL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 UAVISION . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 LIDERANÇA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 ALGA PLUS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 WESTSEA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 SABSEG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 MUSEU DE MARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 GALP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 PREVINAVE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 APSS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 PLANUS NÁUTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 CLUBE D. CARLOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 BENSAÚDE MARÍTIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 INDUMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 REBOPORT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 EMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 DGRM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 LINDLEY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 CLASSIBOATS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77 EDIÇÕES REVISTA DE MARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 LOJA DO MUSEU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 EDIÇÕES BY THE BOOK . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 SEAVENTY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 RADIO HOLLAND . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA IH . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA LISNAVE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CONTRA-CAPA Prefácio No primeiro número de 2021 daremos, como é usual, um merecido destaque ao tema “Marinhas de Guerra”, com ênfase na nossa “Briosa”. A Marinha procura recuperar do período da crise económica de 2011 – 2015, que afetou significativamente o investimento, a manutenção e o treino; a estes problemas acresce hoje a falta de pessoal e a clarificação de competências na área da fiscalização. O investimento é fundamental, quer no upgrade das unidades, quer na substituição das que se tornaram obsoletas. No que se refere a fragatas, importa acelerar, e financiar adequadamente, a modernização da classe VASCO DA GAMA, excelentes plataformas ainda com muito potencial. E começar desde já a perspetivar as “Fragatas de Nova Geração”, procurando parceiros entre as Marinhas Aliadas para um programa conjunto. A construção de nova série de patrulhas oceânicos, que a necessidade de reforço de patrulha das águas do Algarve face à imigração ilegal acentua, está a atrasar-se, e haverá que não esquecer que os patrulhas costeiros classe Tejo foram construídos na Dinamarca em 1992 e que as lanchas de fiscalização classe ARGOS tem já 30 anos! Os programas de construção naval, ou de modernização, têm, como se sabe, um grande potencial para o envolvimento da nossa indústria, assim exista o adequado planeamento. A manutenção e o treino são mais fáceis de recuperar, como já o dissemos no ano passado, desde que os orçamentos anuais, de forma consistente, o permitam. O recrutamento terá de ser abordado de forma pragmática; se a Marinha, se as Forças Armadas querem recrutar, terão de competir no mercado de trabalho com as empresas e com as Forças de Segurança, o que implica vencimentos e incentivos adequados. Recentemente a atribuição de um navio com capacidade oceânica à GNR originou alguma polémica; gostaria de aqui deixar duas ideias apenas, e a “declaração de interesses” de ter servido 43 anos na Marinha. A primeira é que o Estado deve clarificar perfeitamente as competências dos diversos organismos; a competição entre estes não deverá existir, a colaboração e o apoio mútuos devem ser incentivados. Recorde-se a situação que existe em França onde o Prefeito Marítimo, um Vice-Almirante na dependência do Primeiro Ministro, coordena a atividade de todos os meios dos diversos organismos do Estado no mar. A segunda é que cada organização deve fazer aquilo para que tem vocação, aquilo que melhor sabe fazer. E para andar no mar, uma Marinha de “duplo uso” terá certamente mais vocação do que a GNR … Haverá problemas constitucionais? Organize-se uma Guarda-Costeira dentro da Marinha, com o mesmo Comandante e usando o mesmo pessoal e a mesma logística do material. Sugiro mesmo que se espreite como a Noruega, um país à nossa dimensão, se organizou neste âmbito. A fechar, votos de um excelente Ano Novo de 2021, COVID free, se Deus quiser! Alexandre da Fonseca [email protected] Estatuto Editorial A Revista de Marinha é uma publicação cujo título é propriedade da firma “Editora Náutica Nacional, Lda”, sociedade por quotas, sendo seus únicos sócios o presente editor e diretor e sua mulher. O tema central da revista é o Mar, cuja importância na economia, na segurança, na cultura e na identidade nacional é por demais evidente. Este tema será abordado nas suas múltiplas facetas, com destaque para os assuntos relativos às ciências do mar, às atividades portuárias e às Marinhas de Guerra, de Comércio, de Pesca e de Recreio, quer de Portugal, quer dos outros Estados lusófonos. A Revista de Marinha é uma publicação periódica, bimestral, independente, que se rege por critérios jornalísticos rigorosos. Os artigos e as notícias que insere terão uma análise factual, a procura do contraditório e quando aplicável, farão uma crítica construtiva. Os autores dos artigos serão diversificados, acolhendo-se sobre o mesmo tema opiniões diversas, que possibilitem aos nossos leitores – a nossa verdadeira razão de ser – formarem eles próprios a sua opinião. Na orientação geral dos conteúdos da revista, no seu equilíbrio e no relevo dado aos vários assuntos será tida em conta a opinião do Conselho Editorial. Revista de Marinha (ERC nº 104351): Endereço da Sede e Redação - Av. Elias Garcia, Nº 20, 4º Esq. 1000 -149 Lisboa. Propriedade da ENN – Editora Náutica Nacional, Lda., NIPC 501 700 536. Tm. 91 996 47 38, Tel. 21 580 98 91, e-mail: [email protected], www.revistademarinha.com; a ENN está inscrita no registo das empresas jornalísticas sob o nº 211781; Depósito legal nº 18 573/87. O capital desta empresa está repartido por duas quotas iguais, de 50% cada, pertencentes a Henrique Alexandre Machado da Silva da Fonseca e Maria de Fátima Rueda Cabral Sacadura Alexandre da Fonseca. Paginação, Impressão e Acabamento: Estria, Produções Gráficas, S.A., Rua Torcato Jorge, Nº 1, Sub-Cave, 2675-359 Odivelas, Tel. 21 938 56 69, E-mail: [email protected]; Site: estria.wix.com/estria; Tiragem deste número: 2900 exemplares; Distribuição: VASP, Tel. 21 439 85 07. 84.O Ano Sumário ATUALIDADE NACIONAL FRAGATA CORTE REAL REGRESSA DE MISSÃO ............ 5 EID TEM NOVO DIRETOR EXECUTIVO ............................ 6 AGEPOR COM NOVOS CORPOS SOCIAIS ...................... 6 BOOT DUSELDORF 2021 FOI CANCELADA .................... 6 TECNOVERITAS FORNECE A MARINHA GREGA ............ 7 INSPETORES DE PESCA PORTUGUESES EM MISSÃO DA EFCA ...................................................... 7 PORTUGUESA COORDENA EXPLORAÇÃO DO MAR PROFUNDO ...................................................... 8 APS ADQUIRE UMA EMBARCAÇÃO DE PILOTOS .......... 9 SUBSTITUIÇÃO DA FROTA DE SALVA-VIDAS EM FRANÇA ...................................... 10 REPARAÇÃO DO MOLHE NORTE DO PORTO DE VIANA .................................................... 10 ANC E ENN ASSINAM PROTOCOLO ............................. 10 SUNCONCEPT – UM ESTALEIRO NAVAL DE RECREIO NA VANGUARDA DA INOVAÇÃO TECNOLÓGICA ......... 11 NOVA GRUA EQUIPA O PORTO DA PRAIA DA VITÓRIA 12 O NOVO MOLHE NO PORTINHO DE ANGEIRAS ........... 12 EMBARCAÇÃO PORTUGUESA FINALISTA EM PRÉMIOS INTERNACIONAIS ................................... 13 NAVALRIA AUTORIZADA A RECICLAR NAVIOS ............ 13 TERMINAL XXI – PSA SINES ADJUDICA EXPANSÃO .... 14 DOCAPESCA LANÇA SITE “LOTA EM CASA” ................ 14 COMODORO DIOGO ARROTEIA COMANDA FORÇA EUROPEIA NA OPERAÇÃO ATALANTA ............ 15 CONSTRUÇÃO DE PONTE-CAIS NO PORTO DAS LAJES DAS FLORES ........................... 17 A ESCUNA WILDE SWAN ESCALOU LEIXÕES .............. 17 APDL REUNIU O CONSELHO DE NAVEGABILIDADE DO DOURO ................................ 18 MUNICÍPIO VIANENSE HOMENAGEOU JOÃO ÁLVARES FAGUNDES ......................................... 18 ARMADOR VAI REGISTAR NAVIOS DE CRUZEIRO NA MADEIRA ......................................... 19 MITIGANDO O CHOQUE E AS VIBRAÇÕES .................. 20 ESTRATÉGIA & GEOPOLÍTICA O CRUZADOR REPÚBLICA NA CHINA .......................... 54 CRÓNICAS TRANSPORTES & LOGÍSTICA ....................................... 66 SEGURANÇA MARÍTIMA ................................................ 68 O MAR COMO PATRIMÓNIO ......................................... 22 MERGULHO ................................................................... 70 OS AÇORES E A SEGURANÇA NO ATLÂNTICO ........... 42 ENERGIAS RENOVÁVEIS MARINHAS ............................ 72 MODELISMO .................................................................. 74 DESPORTOS NÁUTICOS ............................................... 76 MARINHA DE GUERRA PATRIMÓNIO MARÍTIMO ............................................... 78 A MODERNIZAÇÃO DAS FRAGATAS CLASSE VASCO DA GAMA ........................................... 26 O COMANDO PORTUGUÊS DA FORÇA NAVAL DA UNIÃO EUROPEIA NA SOMÁLIA .............................. 30 ESCAPARATE SEA POWER: THE HISTORY AND GEOPOLITICS OF THE WORLD'S OCEANS .......................................... 80 O “PLANO ESTRATÉGICO DA MARINHA” DO BRASIL (PEM 2040) ................................................. 33 O DRAMA DE CANTO E CASTRO .................................. 82 CONTRIBUIÇÃO DA MARINHA ANGOLANA NO DESENVOLVIMENTO DO PAÍS ................................ 36 NA ROTA DE DIOGO CÃO (1975) .................................. 83 A FORÇA NAVAL LIGEIRA DE TIMOR-LESTE ................ 38 REVISTA “VAI D'ARRINCA” ............................................ 84 MIA A BORDO! ............................................................... 82 REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA .................................. 84 O NAVIO-ESCOLA MIRCEA ........................................... 58 ARQUIVO HISTÓRICO CULTURA MARÍTIMA A Revista de Marinha HÁ MAIS DE OITENTA ANOS… Nº 73 ........................................... 85 MUSEU DE MARINHA .................................................... 44 ASSOCIAÇÃO “ECONOMIA AZUL - UNIDOS PELO MAR” O COMANDO DE UNIDADES DE FUZILEIROS ............... 46 TO N O C S DE OS A % 0 2 DE S 4 “INCRÍVEL ARMADA” – A HISTÓRIA DA TG 24.1 ........... 50 NAVIOS DO DESPACHO 100 ......................................... 64 FORMAÇÃO E TREINO Casa da Senhora do Outeiro HISTÓRIA MARÍTIMA ENTREVISTA RESTAURO DA CAPELA-FAROL DE S. MIGUEL-O-ANJO ................................................. 16 TRANSINSULAR REFORÇA SERVIÇO “MADEIRA EXPRESSO” ................................................. 16 JANELA ÚNICA LOGÍSTICA AVANÇA NOS PORTOS NACIONAIS ............................................ 48 UNTERGANG: O FIM DRAMÁTICO DA KAISERLICHE MARINE ............................................. 60 ZAIRE COMBATE A PIRATARIA NO GOLFO DA GUINÉ ................................................... 15 NOVO SITE DE ANÚNCIOS CLASSIFICADO DE EMBARCAÇÕES À VELA E A MOTOR ...................... 15 PORTOS & ATIVIDADES PORTUÁRIAS NTE A N I S AS ISTA V E R DA INHA R A M DE revistademarinha.com RELATÓRIO DA COMISSÃO EUROPEIA 2020 SOBRE A ECONOMIA AZUL .......................................... 86 Apartamentos Turísticos • ALGARVE • COLARES • BEIRA ALTA Outeiro de Matados Chãs de Tavares – 3330-034 Mangualde E-mail: [email protected] 809 891 / Tlm.: 964 738 · Tel.: 1019215 Janeiro/Fevereiro 2021 919 · Revista de Marinha Atualidade Nacional Fragata CORTE REAL regressa de missão NRP CORTE REAL regressou a Lisboa no dia 15 de dezembro, após cinco meses e meio de missão como navio-almirante do Standing NATO Maritime Group 1 (SNMG1). Desde o dia 30 de julho, a fragata CORTE REAL como navio-almirante do SNMG1, embarcou o Comandante da Força, o Comodoro Vizinha Mirones, da Marinha Portuguesa, e o seu Estado-Maior internacional. O SNMG1 é uma das quatro forças navais permanentes da NATO, destinadas a contribuir para a defesa coletiva, apoiando o esforço contínuo de dissuasão e segurança. Sob comando português, o SNMG1 integrou navios tipo fragata de nacionalidade canadiana, belga, francesa, dinamarquesa e inglesa. Ao longo de 165 dias de missão e 2.350 horas de navegação, a fragata CORTE O Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 REAL contribuiu ativamente para a segurança e conhecimento situacional marítimo nas áreas do Atlântico Norte, Mar do Norte, Mar Báltico e Mar da Noruega, inclusive navegando a Norte do Círculo Polar Ártico. Além do empenhamento em operações reais, participou em vários exercícios internacionais, nomeadamente o JOINT WARRIOR 202, ORCA 20 e o FLOTEX 2020. Destaca-se ainda o embarque, inédito, de um destacamento de helicópteros da Marinha Alemã, com uma aeronave Lynx MK 88A, que operou a bordo do navio português durante, aproximadamente, três semanas, com todo o sucesso. A fragata CORTE REAL atracou no Terminal de Cruzeiros de Lisboa, acompanhada pelo navio canadiano HMCS TORONTO. A cerimónia de receção ao navio foi presidida pelo Ministro da Defesa Nacional, Professor Doutor João Gomes Cravinho, · revistademarinha.com estando igualmente presentes o Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante António Mendes Calado, e o Chefe do Estado-Maior do Comando Conjunto para as Operações Militares, Tenente-General Marco Serronha, entre outras entidades civis, diplomáticas e militares. Está previsto, no quadro de uma rotação pelos países que participam regularmente nesta força naval, Portugal entregar o Comando do SNMG1 ao Canadá no próximo dia 18 de janeiro, em cerimónia a decorrer no Terminal de Cruzeiros de Lisboa. A fragata CORTE REAL é presentemente comandada pelo Capitão-de-fragata António Jacinto Coelho Gomes e possui uma guarnição de cerca de 180 militares, incluindo duas equipas do pelotão de abordagem do Corpo de Fuzileiros, uma equipa de mergulhadores-sapadores e uma equipa médica. 5 84.O Ano EID TEM NOVO DIRETOR EXECUTIVO O grupo tecnológico COHORT, Plc anunciou em princípios de dezembro a nomeação do Engº Frederico Lemos para Presidente Executivo da EID, S.A., empresa portuguesa especializada em sistemas de comunicações para a área da defesa, sucedendo ao Engº António Marcos Lopes, desde 1 de Dezembro. Frederico Lemos, que conta com mais de 20 anos de experiência na área da defesa, tanto no sector público como no privado, integra a Administração Executiva da EID S.A. proveniente da Embraer S.A., onde ocupou o cargo de Vice-Presidente de Vendas e Desenvolvimento de Negócios para os mercados do Médio Oriente, Ásia e Sul de África. Cidadão português, engenheiro aeroespacial e com pós-graduações em negócios, inovação e liderança, anteriormente desempenhou diversas funções na área de Desenvolvimento de Negócios de Defesa na Embraer e na OGMA (Indústria Aeronáutica de Portugal, S.A., do grupo Embraer), além de Gestor de Projetos e Programas na Força Aérea Portuguesa, onde prestou serviço como oficial de carreira. Sobre esta recente nomeação, o Director Executivo da COHORT Plc, Grupo britânico na área da defesa onde a EID se integra, afirmou … estou muito satisfeito em dar as boas-vindas ao Eng.º Frederico Lemos como o novo Presidente Executivo da EID. A sua experiência nas Forças Armadas Portuguesas e na indústria da defesa internacional será vital para elevar a EID à próxima fase do seu desenvolvimento. Terei muito gosto em trabalhar com ele nos próximos meses e anos. Referiu ainda que … gostaria também de aproveitar esta oportunidade para expressar os meus agradecimentos ao Eng.º António Marcos Lopes pelos serviços prestados e pelo grande contributo para a EID, para os seus clientes e colaboradores. Na ocasião o Engº Frederico Lemos referiu ser … com muita satisfação que aceito a nomeação para liderar a EID. A empresa possui soluções tecnológicas únicas para comunicações de defesa e uma equipa talentosa e experiente que a posiciona bem para continuar a servir as Forças Armadas Portuguesas e internacionais, bem como para expandir a sua atividade para novos mercados e áreas de negócio. A Revista de Marinha, que desde há muitos anos colabora com a EID no âmbito da comunicação, formula ao Engº Frederico Lemos votos de muitos sucessos empresariais. Ao Engº Marcos Lopes, na sua merecida reforma e recordando que foi Oficial da Reserva Naval, desejamos que nesta sua nova fase da vida encontre sempre ventos bonançosos e de feição, mares calmos e águas abertas e safas! AGEPOR COM NOVOS CORPOS SOCIAIS Em 3 de dezembro de 2020 o Conselho Nacional da AGEPOR elegeu a sua Direção Nacional que ficará assim constituída: • Presidente – João Silva (NAVEX) • Vice-Presidente – Isabel Azevedo (ONE – Shipping) • Vice-Presidente – Luís Paz da Silva (MARMEDSA) • Vice-Presidente – Marco Vale (MSC) • Vice-Presidente – Rui d’Orey (Orey, Comércio e Navegação) Como Diretor – Executivo mantém-se o Dr. António Belmar da Costa, nosso estimado assinante e que com a RM já tem colaborado no passado. A AGEPOR – Associação dos Agentes de Navegação de Portugal é conhecida pelo seu espírito construtivo e disponível, e também pela rigorosa defesa dos interesses de mais de cem as- sociados, pela defesa dos armadores que os agentes representam, pela defesa dos portos portugueses e pela defesa da eficiência portuária na sua dimensão de pilar da economia. A Revista de Marinha aproveita a oportunidade para formular aos novos Corpos Sociais da Agepor votos de muito sucesso no desempenho das suas funções; que os ventos vos sejam sempre favoráveis e os mares calmos! BOOT DUSSELDORF 2021 FOI CANCELADA a 30 de janeiro de 2022. A Boot é a mais importante feira europeia de náutica de recreio, mergulho e atividades relacionadas, tendo diversas empresa e organismos portugueses marcado honrosa presença nos últimos anos. A organização da Messe Dusseldorf é representada em Portugal pela firma Representações Walter & Cia, tel 21 355 6254, e-mail [email protected], endereço postal Largo Andaluz, nº 15, 3º Dto 1050 – 004 Lisboa. A Boot Dusseldorf, que tradicionalmente se realizava em fins de janeiro foi primeiramente adiada para a primavera e recentemente cancelada. As razões desse cancelamento percebem-se bem; inicialmente admitiu-se que com o início da vacinação a Pandemia COVID-19 já estaria dominada em abril, contudo a situação foi reavaliada e a 21 de janeiro a direção da Messe Dusseldorf decidiu cancelar a realização da feira em 2021. Está prevista uma nova edição de 21 6 revistademarinha.com · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional TECNOVERITAS FORNECE A MARINHA GREGA A firma tecnológica Portuguesa TecnoVeritas, sedeada em Mafra, está a fornecer à Marinha de Guerra da Grécia, em particular para os navios de ataque rápido (FPB’s) da Classe ROUSSEN, equipamentos de monitorização de performance do sistema propulsor, nomeadamente Dinamómetros e Torsiómetros, para as quatro linhas de veios, bem assim como as consolas e respetivo software para serem integrados no sistema de gestão da plataforma. Os sistemas fornecidos possibilitam o acompanhamento em tempo real do desempenho da instalação propulsora e permitem também a determinação do aumento da resistência do casco, sendo uma informação particularmente relevante dada a elevada velocidade e potência instalada nesta classe de navios. Os sistemas em apreço foram já fornecidos para diversas Marinhas de Guerra, nomeadamente da India e Malta, tendo sido concebidos e fabricados pela TecnoVeritas. Tais sistemas têm tido particular procura, revelando o crescente interesse na moni- Os sensores “Optipower” montados numa linha de veios. torização do desempenho da propulsão e no impacto ambiental. As FPB’s em apreço, em número de 7, são uma variante alargada do design bem-sucedido da Classe VITA, em serviço nas Marinhas do Quatar e de Omã. Com um comprimento entre perpendicu- lares de 62 m, boca de 9,5 m e um calado de apenas 2,6 m, para um deslocamento a plena carga de 668 toneladas, estes navios têm uma tripulação de 45 homens e velocidade máxima de 35 nós. Em termos de sistemas de armas, as FPB’s da Classe ROUSSEN são fortemente armadas para as suas dimensões pois dispõem de uma peça principal de 76 mm, misseis antinavio EXOCET MM40 Block 2 e um lançador de mísseis superfície-ar RAM e 2 peças antiaéreas de 30 mm de fogo rápido. Os sensores e o sistema de comando e controlo são de origem francesa. Está previsto ter lugar um upgrade do sistema de combate destes navios com a introdução do míssil HARPOON e a substituição de alguns sensores. A Revista de Marinha congratula-se com este sucesso comercial da Tecnoveritas; que na sua atividade empresarial esta firma encontre sempre ventos bonançosos e de feição, mares calmos e águas abertas e safas! INSPETORES DE PESCA PORTUGUESES EM MISSÃO DA EFCA A EFCA – European Fisheries Control Agency, sedeada em Vigo, é a agência da União Europeia (UE) que coordena as operações de controlo das pescas e que apoia os Estados Membros (EM) na aplicação eficaz e uniforme da Política Comum das Pescas. De assinalar que o cumprimento da Política Comum das Pescas é um pré-requisito para a sustentabilidade do setor. A EFCA fretou um navio com capacidade oceânica, o LUNDY SENTINEL, com 61 m de comprimento, construído em 2015 e de bandeira portuguesa. Este navio dispõe de 3 embarcações, uma das quais semirrígida, com capacidade de inspeção (boarding). Em 2020 operou na inspeção de pescas em áreas críticas do Mediterrâneo, Mar Negro, Báltico, Mar do Norte e no Atlântico Ocidental. Como navio de inspeção de pescas o LUNDY SENTINEL controla e inspeciona embarcações de pesca e os respetivos navios de apoio em águas internacionais, de países terceiros e de EM. Esta atividade é coordenada por um representante da EFCA a bordo, estando também embarcados inspetores de pesca dos EM e, no caso de deslocações para zonas de gestão regional das pescas, como a NAFO – North Atlantic Fisheries Organization, inspetores de países terceiros. Com a existência a bordo de inspetores de diferentes Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 países, a EFCA procura atingir no campo operacional transparência e uma aplicação uniforme da legislação. O LUNDY SENTINEL poderá ainda colaborar em funções de Guarda Costeira, tais como busca e salvamento, controlo de fronteiras e combate à poluição, em cooperação com autoridades dos EM e / ou de duas outras agências, a FRONTEX – European Border and Coast Guard Agency e a EMSA – European Maritime Safety Agency. · revistademarinha.com A 14ª patrulha em 2020 do LUNDY SENTINEL foi uma das mais longas em águas internacionais e a mais longa com inspetores dos EM a bordo. Nesta patrulha os inspetores de pesca eram uma equipa mista que incluía inspetores portugueses, inspetores da NAFO, da NEAFC – North East Atlantic Fisheries Comission e da ICCAT – International Commission for the Conservation of Atlantic Tunas. Foi ainda a primeira patrulha com inspetores dos EM a bordo depois de seis meses de pausa devido à pandemia COVID 19. Nesta missão as operações incluíram zonas de três áreas críticas, da NAFO, da NEAFC e da ICCAT. Por outro lado, o Oficial de Ligação da EFCA a bordo coordenou as operações com as de um navio Canadiano de inspeção de pescas que operava na mesma área. Foram inspecionados sete navios de pesca, tendo sido averiguado se cumpriam as regras especificas das áreas onde operavam e as regras da UE. Durante esta patrulha o LUNDY SENTINEL teve de navegar sob condições meteorológicas adversas, designadamente evadindo-se das depressões cavadas EPSILON e ZETA, mas assegurou o cumprimento dos objetivos da missão, trazendo por fim as equipas de inspetores de pesca embarcados para terra, em segurança. 7 84.O Ano Portuguesa coordena exploração do mar profundo epois de Marte, é, provavelmente, o mais enigmático local que a humanidade não pisou: o mar profundo. Simbolicamente batizado de Challenger 150, em alusão ao ponto mais profundo do planeta (a Challenger Deep), um novo programa com cientistas de todo o mundo propõe-se trazer à superfície o conhecimento que ainda se esconde nas profundezas dos oceanos. Ao leme deste programa, a bióloga portuguesa Ana Hilário, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM) da Universidade de Aveiro (UA), quer fazer com que o programa Challenger 150 seja uma referência da Década das Nações Unidas da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável. O mar profundo, as vastas extensões de água e fundos marinhos entre os 200 e os 11.000 m abaixo da superfície do oceano, é reconhecido globalmente como uma importante fronteira da ciência e da descoberta, aponta a Prof. Doutora Ana Hilário, doutorada em biologia e coordenadora do Challenger 150 a par com Kerry Howell, investigadora na Universidade de Plymouth (Reino Unido) e especialista em Ecologia do Mar Profundo. Apesar de o mar profundo representar cerca de 60 % da superfície da Terra, aponta a investigadora da Universidade de Aveiro, uma grande parte permanece completamente inexplorada e a Humanidade conhece muito pouco sobre os seus habitats e como estes contribuem para a saúde de todo o planeta. Para colmatar esta lacuna, Ana Hilário e Kerry Howell juntaram à sua volta uma equipa de cientistas de 45 instituições, de 17 países, que se propõem um programa de investigação, com a duração de 10 anos, dedicado ao estudo do mar profundo. De Portugal, para além da equipa da UA, contribuíram para o desenho do programa também cientistas do CIIMAR (Universidade do Porto), do Okeanos (Universidade dos Açores) e do CIMA (Universidade do Algarve). O Challenger 150 – refira-se que o ano 2022 marca o 150º aniversário da expedição do navio HMS CHALLENGER que circum-navegou o globo, mapeando o fundo do mar, registando a temperatura global do oceano, e proporcionando a primeira perspetiva da vida no mar profundo - irá coincidir com a Década das Nações Unidas da Ciência do Oceano para o Desenvolvimento questões como a exploração mineira nos fundos oceânicos, a pesca e a conservação da biodiversidade, bem como a política climática. D 8 MAIS E MELHOR COLABORAÇÃO E CONHECIMENTO Sustentável, que decorre de 2021 a 2030. Este programa, esperam os cientistas, irá também gerar mais dados geológicos, físicos, biogeoquímicos e biológicos através da inovação e da aplicação de novas tecnologias, e utilizar estes dados para compreender como as mudanças no mar profundo afetam todo o meio marinho e a vida no planeta. Este novo conhecimento será usado para apoiar a tomada de decisões a nível regional, nacional e internacional sobre revistademarinha.com Mas o mergulho no mar profundo do programa Challenger 150 só será possível através da cooperação internacional. Por isso, os investigadores do programa publicaram no dia 25 de novembro um apelo na revista “Nature Ecology and Evolution” enquanto, simultaneamente, publicavam um esquema detalhado do Challenger 150 na revista “Frontiers in Marine Science”. Liderada por membros das redes internacionais Deep-Ocean Stewardship Initiative (DOSI) e Scientific Committee on Oceanic Research (SCOR), a lista de autores dos dois artigos inclui cientistas de países desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento de seis dos sete continentes. Os cientistas alegam que a Década anunciada pela ONU proporciona uma oportunidade ímpar de unir a comunidade científica internacional para dar um salto gigantesco no nosso conhecimento das profundezas dos mares. A nossa visão é a de que, dentro de 10 anos, qualquer decisão que possa ter impacto no mar profundo, seja de que forma for, será tomada com base num conhecimento científico sólido dos oceanos, aponta Kerry Howell. Para que isso seja alcançado, sublinha a investigadora britânica … é necessário que haja consenso e colaboração internacional. Ana Hilário antevê que a Década das Nações Unidas a que atrás se aludiu proporcione a oportunidade de construir um programa a longo prazo de formação e capacitação de recursos humanos em ciências do oceano. Com o Challenger 150 … pretendemos formar a próxima geração de biólogos do mar profundo. Vamos concentrar-nos na formação de cientistas de países em desenvolvimento, mas também de jovens cientistas de todas as nações, incluindo Portugal. Tal formação, acredita, irá criar uma rede reforçada que permitirá aos países exercer plenamente o seu papel nos debates internacionais sobre a utilização dos recursos marinhos dentro e fora das suas fronteiras nacionais. · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional APS adquire uma embarcação de pilotos m outubro de 2020 a APS – Administração dos Portos de Sines e do Algarve, S.A. assinou um contrato com a firma “Safehaven Marine”, de Cork, Irlanda, para a construção de uma nova embarcação de pilotos do tipo “Interceptor 48”. A Safehaven forneceu recentemente duas embarcações deste tipo para o porto de S. Ciprian, na Galiza, e em 2019 outra, à APDL, para Leixões. A Safehaven fabricou já 45 embarcações de pilotos das quais 9 operam em portos portugueses, designadamente em Aveiro, 5 em portos espanhóis e uma em Maputo, Moçambique. A embarcação em apreço tem 14,9 m de comprimento, uma boca de 4,4 m e um calado de 1,3 m, e um deslocamento carregado de 18,8 tons. O casco está dividido em quatro compartimentos estanques e tem capacidade para auto-adriçamento. A propulsão é assegurada por motores Volvo e dois hélices de 4 pás, com uma velocidade operacional de 25 nós. O tanque de combustível tem uma capacidade de 1.800 lts e a aguada é de 110 lts. A embarcação dispõe de um conjunto generoso de equipamentos de comunicações e de navegação, incluindo radar, sonda, E GPS e ECDIS. Na cabine, com um baixo nível de ruído, podem sentar-se 7 pessoas em assentos que mitigam o choque e as vibrações, e nas acomodações de vante podem ser transportados mais 6 passageiros. O casco está protegido com defensas em toda a volta e preparado para os impactos que podem ocorrer em condições de mau tempo, quando das atracações para transferência de pilotos. Oferecem uma plataforma estável para estas operações, onde o risco está sempre presente, e podem operar até ventos de força 8 / 9 e ondulação de mais de 5 m. Dispõe ainda na popa de um eficaz sistema de recolha de náufragos, para o caso de um “homem ao mar”. A gama “Interceptor”, com cascos construídos em GRP, compreende os modelos 38, 42, 48 e 55, com comprimentos entre os 11,7 m e os 16,5 m. O modelo com maior sucesso comercial tem sido o “Interceptor 48”, introduzido em 2010. A firma “Safehaven Marine” foi fundada em 1996 e constrói diversos tipos de pequenos navios e embarcações e as embarcações de pilotos da gama “Interceptor”, o seu core business. São considerados líderes neste campo e ganharam considerável reputação pela construção de embarcações de pilotos de cascos fortes, de excelentes qualidades náuticas em condições meteorológicas adversas e com uma propulsão muito fiável. O representante para a Península Ibérica da “Safehaven”, desde 2008, é o Cte. Ronald Goddard, nosso estimado assinante. Serviu na Royal Navy 35 anos, como piloto de helicópteros, comandou a fragata HMS PENELOPE e o seu último cargo foi ser adido de Defesa junto da Embaixada Britânica em Lisboa, cidade onde presentemente reside. www Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · revistademarinha.com 9 84.O Ano SUBSTITUIÇÃO DA FROTA DE SALVA-VIDAS EM FRANÇA A SNSM – Association des Sauveteurs en Mer lançou recentemente um concurso para um grande projeto de substituição dos salva-vidas baseados nas costas de França, quer na Europa quer no Ultramar. Os trabalhos iniciaram-se em 2014 visando definir uma gama simplificada e coerente de diversos tipos de salva-vidas, otimizados para as diferentes circunstâncias e com possibilidade de serem customizados em função do local de operação, onde estarão baseados. Foram ainda identificadas as necessidades em número e tipo de unidades, em função dos acidentes ocorridos no passado. Com velocidades da ordem dos 28 nós os três tipos de unidades de maiores dimensões dispõem de generosas facilidades de comunicações, designadamente digitais, e de um sistema de recolha de náufragos na área da popa, com um patim / plataforma que permite uma operação segura para a tripulação dos salva-vidas no decurso da recolha dos náufragos. A gama atrás referida inclui 7 tipos de unidades, duas oceânicas, com 17 m e 14,5 m de comprimento, uma costeira, com 12 m, duas semirrígidas, com 8,5 m e com 6,4 m, um bote de borracha com motor de popa e um jet-ski, estas duas últimas unidades para operarem junto à costa, em barras de rios, na aproximação a portos ou no apoio às praias. Está prevista a construção de cerca de 140 unidades no decurso de um período de 10 anos, envolvendo um investimento superior a 100 M€, com financiamentos da Administração Central, das Administra- ções Regionais e Locais e ainda de donativos privados. O contrato para a conceção detalhada e construção dos salva-vidas foi ganho em 17 de outubro de 2020 por um consórcio liderado pelos Estaleiros Couach, sitos na bacia de Arcachon, região de Bordéus. Integram também este consórcio o estaleiro Z Nautic, o gabinete de arquitetura naval Barreau-Neuman e o Gabinete de Estudos Numeca, especializado na simulação numérica de mecânica de fluidos. REPARAÇÃO DO MOLHE NORTE DO PORTO DE VIANA A intervenção “A” da Empreitada de Reparação e Reforço do Molhe Norte do Porto de Viana do Castelo, adjudicada em julho de 2019 e iniciada em 2 de setembro, com a presença da então Ministra do Mar Ana Paulo Vitorino, foi concluída em outubro do corrente ano de 2020. A obra compreendia … o reforço do talude existente no extradorso do tronco do molhe, com enrocamentos de gama 90-120 KN, com declive 2:1; o reforço do talude existente no intradorso do tronco do molhe, com enrocamentos que se encontravam depositados no terrapleno junto ao molhe; reparação do pavimento de betão nas exten- sões danificadas do coroamento do molhe, e importou em 2,1 milhões de euros. Fazem ainda parte da empreitada mais 4 intervenções com um custo estimado de 19,5 milhões de euros, para reforço do molhe, que passam pela substituição e reforço dos atuais doles artificiais e/ou enrocamentos, por outros superiores, de forma a garantir maior segurança naquela importante infraestrutura portuária, cada vez mais relevante do ponto de vista económico para o país, como referiu na altura a Engª Ana Paula Vitorino. Vista do molhe de Sul para Norte, após a reparação. (foto do autor) Manuel de Oliveira Martins ANC E ENN ASSINAM PROTOCOLO No passado dia 9 de dezembro de 2020, nas instalações do Clube Militar Naval, em Lisboa, a ANC – Associação Nacional de Cruzeiros e a ENN – Editora Náutica Nacional, Lda, proprietária do título Revista de Marinha, representados respetivamente pelo Engº Paulo Murta Xavier, Presidente da Direção e pelo V/Alm. Alexandre da Fonseca, sócio-gerente, assinaram um novo protocolo de colaboração. Este protocolo substituiu 10 um documento anterior, datado de 16 de março de 2012, e entrou imediatamente em vigor. Prevista a oferta de assinaturas grátis, por um ano, aos novos associados da ANC e um conjunto de facilidades adicionais para os seus membros; por seu lado a ANC divulgará entre os seus associados a RM e comercializará na sua sede os livros publicados pelas “Edições Revista de Marinha”. revistademarinha.com · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional SunConcept – um Estaleiro Naval de Recreio na vanguarda da inovação tecnológica s estaleiros navais de recreio no nosso País têm vindo a revelar uma resiliência notável, assente numa capacidade de inovação tecnológica, da qual a RM tem dado conta aos seus leitores. Desta feita damos nota do trabalho de vanguarda que tem vindo a ser realizado pela Sun Concept, um estaleiro instalado em Olhão e que é um verdadeiro exemplo de capacidade de inovação tecnológica, que visitámos no passado dia 13 de setembro. A Sun Concept – Solar Boat Builders é um estaleiro de construção naval totalmente dedicado ao desenvolvimento e construção de embarcações sustentáveis, movidas a energia solar. O projeto, iniciado há mais de 5 anos, conta já com dois modelos construídos em série e com perto de 30 embarcações construídas e a navegar, de Norte a Sul de Portugal. O conceito há 5 anos era apenas isso mesmo. Hoje é uma realidade reconhecida no mercado, e com qualidade e fiabilidade comprovadas. Atualmente a aquisição de uma embarcação electro-solar é uma opção como qualquer outra, mas com uma panóplia de vantagens quando comparada com embarcações com motores de combustão. Durante a visita que a RM realizou ao estaleiro da Sun Concept, visita durante a qual fomos acompanhados pelo Dr. João Bastos, Diretor-geral da empresa, foi-nos dado a conhecer um pouco do dia-a-dia do estaleiro, seguido de um teste de mar de um CAT 12.0 Cruise, nas águas da Ria Formosa. Esta embarcação que se encontrava em testes finais foi adquirida por um cliente alemão e será entregue em Berlim proximamente. O estaleiro tem um total de 24 trabalhadores, dos quais 17 estão adstritos à produção. Durante a visita foi possível ver uma embarcação do primeiro modelo lançado pela empresa, um SunSailer 7.0, ainda em fase de fabrico, bem como o início da cons- O trução de um novo CAT 12.0, desta feita a versão lounge, para um operador marítimo-turístico nacional. O método de produção utilizado pela Sun Concept é muito evoluído, sendo as peças em fibra de vidro construídas por core infusion, com resinas de vinilester. Este método permite a produção de peças com muita resistência, leves e com acabamentos de superior qualidade, incluindo peças de grandes dimensões, como é o caso dos cascos do modelo CAT 12.0, que são construídos em monopeça de 12 m de comprimento. A instalação da propulsão elétrica bem como os sistemas periféricos e todo o complexo sistema de energia solar é feita in-house, o que diz bem da capacidade tecnológica adquirida pela empresa ao longo dos anos que leva de laboração. A embarcação que tivemos oportunidade de testar é um Sun Concept CAT 12.0 Cruise, construído em carbono. Trata-se de um catamarã com 11,9 m de comprimento e 5,95 de boca, com certificado CE A, B e C, até 16 passageiros. Possui uma motorização de 2 x 20 kW Sail Drive azimutal, de marca Krautler, e conta com um banco de baterias de 150 kW, carregadas por painéis solares com capacidade de 6 kWh de pico. Atinge uma velocidade máxima de 10 nós, mas a velocidade de cruzeiro situa-se nos 6/7 nós, velocidade muito confortável e silenciosa. A não existência de ruídos de motores, fumos e cheiros é uma sensação apenas comparável a navegar à vela, mas com o conforto de uma embarcação a motor. A nível de interiores, o Sun Concept CAT 12.0 é um autêntico pequeno apartamento de razoável dimensão, que permite níveis de conforto que só um catamaran pode oferecer, com acabamentos semelhantes ao que de melhor se faz no mercado. Conta com área de cozinha, zona de estar e refeições, uma significativa capacidade de arrumação e até uma chaise long, para relaxar. Cada um dos cascos comporta uma suite para casal e uma casa de banho com chuveiro, com áreas generosas e confortáveis. No exterior, existe uma zona de refeições, simpática e agradável que convida ao desfrute. No poço da popa localizam-se as escadas de acesso à água. À proa a embarcação conta com um solário de amplas dimensões onde podem estar 6 pessoas em simultâneo. A excelência deste produto está bem expressa no facto de ter sido nomeado para a atribuição do Prémio de Melhor Multicasco do Ano de 2021, organizado pela prestigiada revista norte-americana Multicoques Hulls World. Em conclusão, estamos perante uma embarcação de fácil manobra, com um grau de conforto superior e com um nível de ruido quase inaudível. É como se navegássemos à vela, embora propulsionados por um motor de última geração. Com uma visibilidade assegurada por amplas janelas panorâmicas a toda a volta, a experiência de navegar neste CAT 12.0 é verdadeiramente inolvidável. Cabe-nos referir que se trata de uma embarcação única na sua categoria, uma vez que é o único catamaran elétrico de médias dimensões no mercado internacional, pois as embarcações concorrentes são de maior dimensão e volume, o que permite antever uma grande aceitação. Ou seja, este produto ocupa por mérito próprio um nicho de mercado a nível internacional, um lugar que os desenvolvimentos tecnológicos que se esperam tornarão ainda mais apetecível. Eduardo de Almeida Faria 11 84.O Ano NOVA GRUA EQUIPA O PORTO DA PRAIA DA VITÓRIA mentar a competitividade como também a segurança e rapidez das operações a cais, promovendo uma melhoria das condições de movimentação de cargas aos agentes económicos da ilha Terceira. A firma Almovi conta já com vários anos de parceria com a empresa “Portos dos Açores, SA”, tendo fornecido diversos equipamentos de elevação e movimentação de cargas. A empresa dispõe de numerosas gamas de equipamento portuário: gruas portuárias, pórticos sobre pneus, reachstackers e forklifts, autogruas de diversas capacidades e plataformas elevatórias, entre outros equipamentos indispensáveis a uma moderna e eficiente gestão portuária. O Porto da Praia da Vitória, na Ilha Terceira, nos Açores, apresenta agora capacidade de operação reforçada graças à aquisição de uma nova grua móvel portuária, da marca Gottwald, recentemente fornecida pela firma Almovi, do Grupo Lindley. Com capacidade para 100 tons, a grua Gottwald mod 3 proporciona um raio de trabalho até 40 m e uma velocidade de içamento de 120 m/minuto, sendo utilizada para movimentação de contentores e outras cargas em navios até 2.500 TEU’s (classe standard). Este equipamento pesado, adquirido no seguimento da estratégia de melhoria operacional deste porto, pretende não só au- O NOVO MOLHE NO PORTINHO DE ANGEIRAS Recordamos a cerimónia que decorreu em 2 de maio de 2018, no Ministério do Mar, ocasião em que a então Ministra do Mar, Engª. Ana Paula Vitorino oficializou o contrato que permitiu a construção desta infraestrutura, com a previsão inicial de ficar pronta em agosto de 2019 … se tudo corresse bem, nas palavras da Srª Ministra. Mais disse que … se tratava de terminar a II fase da intervenção em Angeiras, visando criar melhores condições de abrigo e segurança para os pescadores e suas embarcações, durante a aproximação e partidas para o mar. A construção do molhe, que é a componente mais pesada da intervenção, irá dar mais identidade ao porto, transformando aquela frente marítima num verdadeiro porto de pesca, sublinhou. Posteriormente, a Governante procedeu à visita das obras em curso, em 25 de junho de 2019, afirmando estar ciente das dificuldades da construção do molhe, por motivo da agitação do mar no Inverno, mas apesar de tudo esperava ser possível concluir os trabalhos no prazo acordado de 18 meses. Tal como antecipado, as condições de mar 12 não ajudaram, obrigando à paralisação dos trabalhos durante 6 meses, porém, apesar das condicionantes, as obras, segundo a Ministra, estavam um mês adiantadas em relação ao prazo e incluíam a recuperação da lota e da rampa de acesso das embarcações. As obras do Abrigo na Zona Piscatória de Angeiras, que estão sendo executadas pela firma “Teixeira Duarte – Engenharia e Construções, S.A.”, depois de retomadas em março de 2019, têm decorrido de acordo com o calendário, estando o corpo do molhe praticamente construído com o enrocamento (pedras utilizadas para conter o mar) colocado. Mais, foi dado conhecimento que as fases seguintes da empreitada passam pela conclusão da construção da cabeça do cais, através da aplicação de blocos em concreto de 10 tons, do tipo “antifer”, e pela execução da superestrutura em concreto no coroamento, ao longo de todo o desenvolvimento longitudinal da estrutura, ficando instalado na extremidade do molhe um farolim. A nova infraestrutura cujo valor orçou em cerca de 3,8 M€, foi financiada em 75% por fundos comunitários ao abrigo do programa Mar 2020. Há, contudo, uma alteração ao projeto inicial, de acordo com uma informação prestada no local, em função da necessidade de serem aumentados 10 m de cais ao molhe já construído, no sentido de ser anulada a ressaca que resulta da presença de dois rochedos, que se encontram submersos, na entrada do canal de navegação. Apraz-nos confirmar que a empresa Teixeira Duarte participa que os trabalhos de construção do molhe foram dados por concluídos na sua totalidade, nos últimos dias do passado mês de outubro de 2020. O que falta saber nesta altura, quando estas linhas se escrevem, é se a obra de tão grande interesse e utilidade, vai merecer por parte da Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) uma condigna cerimónia de inauguração, que admitimos não ter ainda data marcada devido aos problemas da pandemia. Reinaldo Delgado Atualidade Nacional EMBARCAÇÃO PORTUGUESA FINALISTA EM PRÉMIOS INTERNACIONAIS O “ROM 28” é construído em Portugal pela firma ROM Boats, sedeada em Aveiro, e é finalista em dois dos mais importantes prémios da indústria náutica na Europa e no Mundo, o European Powerboat of the Year Award e o Best of Boats Award, edições de 2021 e 2020 respetivamente. Estas nomeações são o resultado da votação de um coletivo de juízes, após realização de testes de mar e avaliação da embarcação ROM 28 que decorreram em diversos momentos do ano ao largo de Troia. Este é o primeiro modelo desenhado e construído pela ROM Boats e pertence a uma série limitada a 20 unidades, numeradas, feitas à medida de cada cliente, estando prevista a sua presença na próxima feira Boot Dusseldorf. Com cerca de 8 m de comprimento, uma boca de 2,6 m, um calado de 0,6 m e um peso de 2.700 Kgs, tem acabamentos premium e equipamentos topo de gama em todas as versões. As motorizações variam entre os 250 e os 450 HP e pode transportar até 8 pax. Cada unidade ROM 28 é única e exclusiva, dada a infinidade de opções de personalização que são possíveis, algo que não é comum fazer-se em embarcações desta dimensão. Este enorme leque de possibilidades faz com que a ROM Boats seja um dos únicos estaleiros europeus a fazer embarcações personalizadas, à medida dos seus clientes. O estaleiro chega ao detalhe do corte das espumas dos bancos e seleção do tipo de tecido ou pele pretendido para os estofos, cor e tipo de costuras, volante personalizado, cor e desenho das linhas do deck, forma das almofadas do solário, entre outros, algo que não é comum fazer-se em embarcações desta dimensão. Este enorme leque de possibilidade de personalização faz com que a ROM Boats seja um dos únicos estaleiros europeus a fazer barcos à medida dos seus clientes, com o nível de acabamentos habitualmente visto apenas no setor dos super e me- gayachts. Aspetos comuns a todas as unidades produzidas são o para-brisas em vidro temperado laminado, os parafusos polidos à mão e todos perfeitamente alinhados, a domótica desenvolvida à medida, a atenção aos detalhes, a excelente navegabilidade e conforto e, não menos importante, o suporte pós-venda assegurado diretamente pelo fabricante. Com estas nomeações inéditas para Portugal, a ROM Boats consegue colocar o país na linha da frente da construção de embarcações de recreio, valorizando o know how, o saber fazer português, e competindo com os melhores do mundo. O anúncio dos vencedores do prémio Best of Boats foi celebrado no dia 19 de novembro em Berlim e no que respeita aos European Powerboat of the Year, conhecer-se-ão os vencedores em Düsseldorf. Para nós, Revista de Marinha, independentemente dos resultados, o simples facto do ROM 28 estar nos “nomeados”, no grupo das embarcações finalistas nestes dois prémios é algo que importa assinalar e celebrar. Que nas suas singraduras os estaleiros ROM Boats encontrem sempre os sucessos empresariais e comerciais a que com todo o mérito fazem jus! NAVALRIA AUTORIZADA A RECICLAR NAVIOS A firma “Navalria”, com sede em Aveiro e participada a 100% pelo Grupo Martifer, recebeu recentemente a aprovação, por parte da Comissão Europeia, para que o seu estaleiro integre a lista das infraestruturas autorizados a fazer a reciclagem de navios. Segundo noticiou o ‘Jornal Económico’, a firma “Navalria – Docas, Construções e Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · revistademarinha.com Reparações Navais, Lda” passa agora, com esta luz verde comunitária, a estar apta a executar processos de reciclagem de navios nos seus estaleiros na Ria de Aveiro. Recorde-se que, em Portugal, a Navalria é, atualmente, a única empresa com estaleiro apto para proceder às desmontagens e recuperação de materiais de sucata de navios abatidos. 13 84.O Ano TERMINAL XXI – PSA SINES ADJUDICA EXPANSÃO A firma PSA SINES, concessionária do Terminal de Contentores do Porto de Sines (Terminal XXI), adjudicou a primeira fase de expansão desta infraestrutura portuária ao agrupamento MOTA-ENGIL, ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A. / ETERMAR – ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, S.A. na sequência do concurso lançado em agosto de 2020. Esta fase da ampliação compreende a construção de mais 204 m de comprimento de cais, por forma a dotar o Terminal de um cais corrido com 1.150 m até ao final de 2021, representando um investimento privado de 16,5 M€. Esta é a primeira fase de expansão após o processo de renegociação da concessão do Terminal XXI que, na sua configuração final, apresentará um cais com 1.750 m a ser construído de forma faseada. O projeto de expansão do Terminal XXI é o resultado do aditamento ao contrato de concessão celebrado entre a Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS) e a PSA Sines, permitindo agora a realização de novos investimentos referentes à ampliação do cais e modernização do Terminal, projetando o aumento da capacidade de movimentação anual de 2,3 para 4,1 milhões de TEU’s (contentores de 20 pés). O Terminal XXI é atualmente um importante hub de transhipment e representa já uma importante porta de entrada e saída no hinterland ibérico, sendo parte integrante das principais rotas marítimas internacionais, às quais estão alocados os maiores navios porta-contentores do mundo em operação. Este investimento vem reforçar a capaci- dade do Terminal em receber vários navios megacarriers em simultâneo, aumentando assim a sua oferta operacional ao mesmo tempo que reforça a sua importância para o desenvolvimento económico do Alentejo e do país em geral. DOCAPESCA LANÇA SITE “LOTA EM CASA” A Docapesca lançou em princípios de dezembro o site “Lota em Casa” (www. lotaemcasa.pt) que permite ao consumidor final identificar os locais de venda de pescado fresco com origem nas lotas portuguesas em cada região, incluindo mercados municipais, peixarias, grandes superfícies e mesmo os novos circuitos curtos de comercialização de pescado (cabazes). Através da localização GPS, o novo site apresenta todos os pontos de venda aderentes ao “CCL – Comprovativo de Compra em Lota” perto de nossas casas, disponibilizando também uma funcionalidade que permite ao utilizador aumentar o raio de pesquisa até aos 100 km. A garantia de origem é dada através da etiqueta “CCL – Comprovativo de Compra em Lota”, a qual indica ao consumidor que está a adquirir pescado capturado por embarcações nacionais na costa portuguesa, que adota as regras de rastreabilidade exigidas por lei, respeita a sazonalidade 14 de cada espécie e as quotas de pesca estabelecidas, preservando os stocks piscícolas. O CCL e o site “Lota em Casa” visam contribuir para a promoção de uma alimentação saudável com recurso a produtos frescos e de proximidade e, consequen- revistademarinha.com temente, para a valorização do pescado português e indiretamente para o aumento dos rendimentos dos profissionais da pesca. O “Lota em Casa” divulga também os novos “cabazes de pescado” existentes no nosso país (Cabaz do Peixe – www.cabazdopeixe.pt e Cabaz Frescomar – www. aapf.pt), aos quais o consumidor pode aderir para comprar pescado fresco de elevada qualidade e excelente relação qualidade / preço, diretamente a associações de pescadores locais, valorizando assim a pequena pesca artesanal. Os cabazes são compostos por pescado pronto a cozinhar (escamado e eviscerado), variado, fresco e da época. O site apresenta ainda receitas de pescado e informação sobre as principais espécies existentes na costa portuguesa, conteúdos que serão regularmente atualizados e aumentados. Este projeto da Docapesca insere-se no programa Simplex 2020/2021. · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional COMODORO DIOGO ARROTEIA COMANDA FORÇA EUROPEIA NA OPERAÇÃO ATALANTA O Comodoro Diogo Arroteia, da Marinha Portuguesa, apoiado por um Estado-Maior que integra cinco militares daquele ramo das Forças Armadas a par de elementos doutras marinhas Europeias, irá comandar a Força Naval Europeia na Operação Atalanta (EUNAVFOR – Somália), entre os meses de dezembro de 2020 e março de 2021, na área ao largo do Corno de África, no Oceano Índico. No âmbito das excelentes relações bilaterais existentes entre Espanha e Portugal, os militares da Marinha Portuguesa vão estar embarcados a bordo do navio-chefe da força, a fragata SPS REINA SOFIA, da Armada Espanhola, e durante 4 meses o Comodoro Arroteia será responsável por comandar, controlar e coordenar toda a atividade operacional da Operação Atalanta, designadamente os navios e as aerona- ves atribuídas à missão. O Comodoro Diogo Arroteia assumiu funções no comando da EUNAVFOR – Somália, no dia 2 de dezembro de 2020. A EUNAVFOR - Somália tem como finalidades proteger os navios do Programa Alimentar Mundial (WFP) e toda a navegação considerada vulnerável, assim como prevenir atos de pirataria e de roubo no alto-mar. A força terá ainda como missão monitorizar as atividades de pesca na costa da Somália e apoiar outras missões da União Europeia e de Organizações Internacionais sediadas na Somália, com vista a melhorar a segurança marítima na região. ZAIRE COMBATE A PIRATARIA NO GOLFO DA GUINÉ O navio patrulha ZAIRE, da Marinha Portuguesa, em missão de capacitação operacional da Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe e ali baseado, respondeu a um pedido de auxílio do navio mercante ZHEN HUA 7, alvo de um ataque de piratas no passado dia 13 de novembro. O ataque, que ocorreu a cerca de 80 mi a Noroeste da ilha de São Tomé, dentro da ZEE daquele país, levou ao rapto de 14 dos 27 tripulantes do navio mercante e fez um ferido a bordo, devido ao disparo de armas de fogo. O ZAIRE foi ativado em resposta a esta situação, que contou ainda com presença no local da fragata italiana ITS MAR- TINENGO e do navio patrulha oceânico espanhol SPS TORNADO. O navio português acompanhou a situação junto do navio mercante, enquanto a fragata italiana prestou assistência ao tripulante ferido e procedeu à evacuação do mesmo para um Hospital. Quando os navios de guerra chegaram ao local, os 14 tripulantes raptados já se encontravam em parte incerta. O ZAIRE, atualmente operado por uma guarnição mista, constituída por militares portugueses e santomenses, prossegue a sua missão de capacitação da Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe, ilustrando a importância da cooperação bilateral entre os países lusófonos, contribuindo, através de um esforço conjunto, como esta situação evidencia, para a segurança na região. NOVO SITE DE ANÚNCIOS CLASSIFICADOS DE EMBARCAÇÕES À VELA E A MOTOR No início do mês de novembro de 2020 foi apresentado ao mercado o site “ClassiBoats”, um novo site português de anúncios classificados de embarcações à vela e a motor. Trata-se de uma plataforma online Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 para uso apenas por profissionais do setor náutico. Várias empresas náuticas, brokers e dealers, estão já a anunciar no site “ClassiBoats” e outros estão em processo de registo ou de negociação. Várias parcerias foram já estabelecidas com empresas de renome, o que traz esperança e confiança no futuro. Este site nasceu da necessidade de se revitalizar o setor náutico em Portugal, agilizando o encontro entre quem procura embarcações e quem as quer vender. A “ClassiBoats”, que pretende vir a ser um motor de busca de referência no setor náutico nacional, está sedeada no Algarve, na Marina de Vilamoura e tem como con- · revistademarinha.com tactos os t/m 91 460 9221 e 96 748 8779, e-mail [email protected]. Ao seu Diretor – Geral, Sr. João Roseiro, a Revista de Marinha formula votos sinceros de muitos sucessos comerciais e empresariais. 15 84.O Ano RESTAURO DA CAPELA-FAROL DE S. MIGUEL-O-ANJO Para melhor compreensão relativamente aos trabalhos realizados no restauro da Capela-Farol, um pequeno, mas emblemático edifício na cidade do Porto cuja construção data originalmente de 1528, teremos de nos reportar à notícia publicada na RM 988, de nov / dez de 2015, pg 15, da qual extraímos os dois primeiros parágrafos, como segue: No dia 24 de julho de 2015, teve lugar a assinatura de um protocolo de colaboração entre a Direção Regional de Cultura do Norte, a Associação Comercial do Porto, a APDL - Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo e a Marinha Portuguesa, com vista ao restauro e valorização do Farol-Capela de S. Miguel-o-Anjo, situado na zona da Cantareira, na cidade do Porto. Trata-se de uma peça de arquitetura marítima de valor singular no panorama do património nacional, pois além de ser simultaneamente o primeiro farol construído de raiz no país, é também um dos mais antigos faróis existentes na Península e por toda a Europa. Os trabalhos de restauro da Capela-Farol estavam previstos ser concluídos no período de ano e meio, orçando num valor na ordem dos 580 m€, comparticipados pelas entidades signatárias do acima referido protocolo. Do conjunto de obras que, entretanto, foram sendo executadas, a Marinha Portuguesa deu por terminados os trabalhos de recuperação da Estação de Socorros a Náufragos, ali localizada, ainda dentro do prazo acordado, o que mereceu rasgados elogios do ex-Ministro da Defesa Azeredo Lopes. E, ato contínuo, foi também terminada a recuperação da área envolvente, que havia ficado a cargo da APDL, trabalho esse de cariz ambientalista, que efetivamente veio valorizar substancialmente aquele espaço, por onde circulam grande número de turistas nacionais e estrangeiros. Quanto aos restantes trabalhos a serem realizados, é algo constrangedor salientar a dececionante participação da Direção Regional de Cultura do Norte, por ter permitido que as obras em curso, na Torre Semafórica construída no século XIX, servindo igualmente de posto de observação dos pilotos da barra, se tivessem prolongado até finais de agosto a princípios de setembro do corrente ano de 2020. Se por um lado está cumprido um dos principais objetivos, que visava a abertura de uma porta através da referida torre, para ser possível ter acesso ao interior do edifício, lamenta-se constatar que a Capela-Farol propriamente dita ficou esquecida, para futuros trabalhos, cuja previsão de realização muito provavelmente ninguém sabe ou desejará responder. Reinaldo Delgado TRANSINSULAR REFORÇA SERVIÇO “MADEIRA EXPRESSO” A Transinsular, empresa do Grupo ETE que mantém o abastecimento regular das Regiões Autónomas, reforça agora o serviço “Madeira Expresso” com a colocação em itinerário do novo navio ILHA DA MADEIRA, em exclusivo ao serviço daquela Região Autónoma. Seis anos após um navio com o mesmo nome deixar de servir a Madeira, o Grupo ETE traz de novo para junto dos madeirenses, um navio que pela sua designação e propósito recorda um marco no desenvolvimento desta Região Autónoma entre os anos de 1987 e 2014. Uma nova unidade regressa agora para uma comissão de serviço a favor da comunidade madeirense, completando com a chegada ao porto do Caniçal, a sua viagem inaugural que se iniciou em Lisboa no passado dia 20 de novembro. Registado em bandeira nacional e batizado em honra da RAM, o novo navio, unicamente ao serviço desta Região Autónoma, está dimensionado para responder na íntegra às especificidades e aos horários do itinerário, particularmente nestes tempos exigentes de crise pandémica. Tem, ainda as caraterísticas necessárias para assegurar a regularidade de serviço em tempo de retoma, quando o turismo e a 16 economia recuperarem o dinamismo. Com capacidade para 440 TEU’s (carga seca e reefer, viaturas e carga geral), o navio ILHA DA MADEIRA mantém as escalas semanais – Lisboa e Leixões - do serviço “Madeira Expresso” oferecido pela Transinsular, continuando a promover a proximidade deste arquipélago com o Continente. Conforme destaca Matthieu Roger, CEO da Transinsular … embora se vivam tempos de muita incerteza, na Transinsular mantemo-nos operacionais e a assegurar revistademarinha.com o abastecimento das Regiões Autónomas, permitindo continuar a responder com o mesmo compromisso que sempre assumimos com estas populações e com os agentes económicos. A introdução deste navio no itinerário da Madeira é para a Transinsular um motivo de orgulho, mas também mais um sinal de proximidade com a comunidade madeirense e de que nos mantemos atentos no que respeita à satisfação daquelas que são as suas reais necessidades. · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional CONSTRUÇÃO DE PONTE-CAIS NO PORTO DAS LAJES DAS FLORES A firma “Portos dos Açores, S.A.” e o consórcio adjudicatário assinaram em princípios de novembro de 2020 o contrato para a execução da empreitada de construção de uma ponte-cais no Porto das Lajes das Flores, no âmbito da contenção dos prejuízos decorrentes da passagem nos Açores do furacão “Lorenzo” A obra tem em vista garantir os abastecimentos regulares de bens e mercadorias às ilhas das Flores e do Corvo, mostrando-se indispensável realizar, para tanto, um conjunto de obras de emergência que permitam utilizar as instalações, os cais e os terraplenos ainda com capacidade operacional, apesar das suas limitações, bem como criar áreas de acostagem para os navios. Nesta empreitada está prevista a construção de uma ponte-cais, que será implantada a cerca de 27 m do enraizamento do molhe do núcleo de recreio náutico, segun- do um alinhamento paralelo ao molhe principal do porto, o qual irá, por seu lado, ser reconstruído por completo, nos próximos anos. Aquela estrutura terá um comprimento total de aproximadamente 167 m, dos quais 147,2 são acostáveis, e apresenta 20 m de largura, sendo equipada com os necessários acessórios de cais, como defensas, cabeços de amarração e tomadas de energia. Ali vão também ser executadas as infraestruturas para a instalação das condutas de abastecimento de combustíveis e ligação ao respetivo parque de armazenamento da ilha das Flores. A obra comporta ainda a construção de uma rampa Ro-Ro, a implantar no enraizamento da ponte-cais e a realização de uma dragagem junto ao antigo cais aderente ao molhe, na área necessária para garantir operações sem constrangimentos naquela ponte-cais. O preço da empreitada objeto deste contrato, agora assinado, é de 17,4 M€, ao qual acresce o IVA à taxa legal, e o prazo de execução da empreitada, a cargo do Consórcio Etermar - Engenharia e Construção / Sacyr Somague/ Tecnovia-Açores, está fixado em 22 meses. A ESCUNA WILDE SWAN ESCALOU LEIXÕES A escuna holandesa WYLDE SWAN esteve em Leixões entre 10 e 14 de novembro, procedente de Scheveningen, na Holanda. Tem previsto continuar a viagem com destino a Santa Cruz de Tenerife. O navio que completou recentemente 100 anos de serviço, participou na Rendez-Vous 2017 Tall Ship Regatta, na The Tall Ships Races 2018 e 2019, e ainda na Liberty Tall Ships Regatta, também em 2019, mas o mais natural é apreciar a escuna como Navio-Escola, sempre que recebe a bordo alunos universitários com vocação maritimista. Durante a sua já longa existência, convirá recordar ter sido batizada como BROMBERG (de 1920 a 1939), HARRIET (de 1939 a 1949), ARE (1949 a 1960), GAUPOY (de 1960 a 1974), JEMO (de 1974 a 2009), e finalmente como WYLDE SWAN, tal como Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 a conhecemos nesta que admitimos possa ter sido a sua primeira visita a Leixões. Construída na Alemanha, no estaleiro Deutsche Werke Kiel A.G., foi pensada para operar com razoável velocidade, atingindo um máximo de 15 nós, na pesca do arenque no mar do Norte. E porque sem- · revistademarinha.com pre demonstrou excelente navegabilidade, foi por duas vezes alongada, em 1925 e 1940, para posterior utilização no serviço comercial, até 2007, amarrando depois para ser adaptada a Navio-Escola, tendo os trabalhos sido concluídos em janeiro de 2010. É propriedade de Rood Boven Groen, de Harlingen, está matriculada no porto de Makkum, desloca 269 tons, tem 62 m de comprimento, 7,37 m de boca e 1.130 m2 de área velica. Utiliza habitualmente 12 tripulantes e pode acomodar 36 a 38 passageiros. Por norma efetua viagens pelo Norte da Europa, Báltico, Mar do Norte, Mar Negro, Mediterrâneo, Atlântico e Caribe, e Costas Este e Oeste dos Estados Unidos e Canadá. Reinaldo Delgado 17 84.O Ano APDL REUNIU O CONSELHO DE NAVEGABILIDADE DO DOURO A Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL) reuniu no dia 11 de novembro o “Conselho de Navegabilidade do Douro” para debater questões relacionadas com as opções futuras de investimento para dar resposta às necessidades do desenvolvimento da atividade da via navegável do Douro. . Na sua terceira reunião desde 2018, este Conselho que é agora presidido por Nuno Araújo, presidente da APDL, foram debatidas ainda questões de formação, a melhoria da legislação e atividades de promoção turística. No final do encontro, Nuno Araújo sublinhou a importância do espírito de cooperação e de partilha de ideias que definem o “Conselho de Navegabilidade do Douro”, assinalando … o debate, a discussão e a aproximação de pontos de vista dos Conselheiros, bem como o trabalho conjunto desenvolvido por um número considerável de entidades com o propósito único de promover o crescimento sustentável da Via Navegável do Douro é absolutamente fulcral para fazer face à atual situação de pandemia. Este conselho é composto por representantes da APDL, CCDR-N, Agência Portuguesa do Ambiente, Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), Capitania do Porto do Douro, REN – Rede Elétrica Nacional e EDP. Do grupo fazem ainda parte as Associações Comerciais e Industriais, os concessionários dos portos fluviais da Via Navegável, os operadores de navegação comercial, das atividades marítimo-turísticas e das atividades de pesca e, ainda, o representante dos municípios ribeirinhos, José Manuel Gonçalves, Presidente da Câmara Municipal do Peso da Régua. Recorde-se que o “Conselho de Navegabilidade do Douro” funciona como um órgão consultivo que deverá pronunciar-se sobre questões de interesse para a gestão da Via Navegável e propor as ações que considere adequadas à exploração do rio Douro e dos seus portos,. MUNICÍPIO VIANENSE HOMENAGEOU JOÃO ÁLVARES FAGUNDES A decisão do município de Viana do Castelo de homenagear a memória deste ilustre vianense nos 500 anos da descoberta da Terra Nova no Dia Nacional do Mar, em 16 de novembro de 2020 é o reconhecimento da importância que a descoberta da Terra Nova teve para a economia e o desenvolvimento nacional para a época, tal como atualmente o mar representa. Presume-se que João Álvares Fagundes terá descoberto a Terra Nova por volta de 1520, há cerca de 500 anos. Esta dedução baseia-se na carta de 1521 outorgada pelo Rei D. Manuel I concedendo ao navegador a posse e jurisdição das “Ilhas Fagundas” que ele descobriu na Baía de Placência na Terra Nova. É singular a forma como o navegador pôs os nomes às ilhas designando-as segundo o santoral romano. A ilha de Santo António a 13 de junho, S. João a 24 e a 29 18 Descerramento de uma lápide alusiva à efeméride pelo Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, eng.º José Maria Costa e pelo Capitão do Porto, CFrag Luís José Sameiro Matias. São Pedro. No mês de julho surgiram as duas ilhas de Sant’Ana no dia 26 e no dia 29 o arquipélago de São Pantaleão onde se situa a ilha de Pitigão. Em agosto não existem descobertas tudo levando a crer que estivessem na pesca do bacalhau. revistademarinha.com No dia 14 de setembro encontrou a ilha de Santa Cruz que apelidou de Fagunda, situada ao Sul do cabo Race e rumando para ocidente em busca do caminho de regresso foi dar ao arquipélago das Onze Mil Virgens no dia 21 de outubro. Existe outra teoria, que não nega a primeira, atribuindo as designações de S. João, S. Pedro, Santo António e Santa Ana aos nomes das quatro portas da muralha de Viana naquela época. Por outro lado, Onze Mil Virgens e S. Pantaleão eram devoções próprias dos mareantes de Viana enquanto que a Santa Cruz era veneração da família Fagundes. Embora outros navegadores portugueses tivessem andado por essas paragens, é irrefutável a descoberta da Terra Nova por João Álvares Fagundes. Manuel de Oliveira Martins · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Atualidade Nacional ARMADOR VAI REGISTAR NAVIOS DE CRUZEIRO NA MADEIRA Numa altura em que a Madeira procura voltar aos palcos internacionais, tanto na área do turismo como na captação de investimento estrangeiro, designadamente, através do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM), para atenuar os efeitos negativos derivados da pandemia, o investimento do armador internacional SunStone Ships é uma boa notícia. Esta companhia de navios de cruzeiro, com sede em Miami nos EUA e em Copenhaga na Europa, especializada em "viagens de expedição", irá registar no Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) 14 unidades e também instalar uma empresa de serviços no CINM. A instalação da empresa na Região implicará, nesta fase, a criação de 5 postos de trabalho. Para além desses novos empregos, está igualmente previsto pela companhia de cruzeiros a contratação de pessoal para trabalhar a bordo, designadamente de profissionais madeirenses com formação em hotelaria. Assim, mais uma vez se provam os efeitos positivos transversais induzidas pelo CINM na economia e sociedade madeirense, possibilitando que uma companhia de cruzeiros internacional que aqui se instala recrute madeirenses com experiência profissional na área de hotelaria, contribuindo para mitigar umas das consequências mais negativas decorrentes da crise provocada pela pandemia. A opção deste ar- Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 mador internacional pela Madeira constitui uma demonstração do impacto do CINM na economia real da Região, gerando sinergias com a economia local, com claras repercussões nas receitas fiscais, na criação de emprego, quer em terra quer no mar, e diversificando a estrutura de bens e serviços regional. Recorde-se que um conjunto de alterações legislativas recentes vieram proporcionar maior competitividade ao Registo Internacional de Navios da Madeira. Após a aprovação da Lei sobre a utilização de segurança privada armada a bordo dos navios de bandeira portuguesa, destacam-se entre as medidas alteradas e melhoradas a simplificação e a agilização dos prazos e procedimentos de registo dos navios, que passarão a · revistademarinha.com ser efetuados por via eletrónica ou por correio e não apenas presencialmente, e as mudanças no regime de hipotecas. Estas alterações correspondem a um conjunto de soluções que vinham sendo sugeridas há largos anos, tanto pela SDM como por armadores e operadores relacionados com o shipping, para dotar a legislação que regulamenta estas matérias de condições idênticas às existentes nos registos europeus que concorrem diretamente com o MAR. Os dados mais recentes revelam que o MAR continua a assinalar uma tendência positiva de crescimento. Presentemente, com quase 700 navios registadas, o MAR mantém uma posição cimeira entre os registos internacionais europeus, quer em número de navios quer em tonelagem. 19 84.O Ano Mitigando o choque e as vibrações esta entrevista Jacob Ullman relata-nos a interessante história da “Ullman Dynamics”, uma firma pioneira no desenvolvimento e no uso de equipamento de mitigação do choque e das vibrações a bordo de embarcações de alta velocidade. N Revista de Marinha – Julgo que a Ullman Dynamics foi a primeira firma a conceber e a construir assentos que mitigavam o choque e as vibrações nos anos 90 do século passado. Como é que isso começou? Jacob Ullman – Quando o meu Pai, Johan Ullman, médico naval, em 1984, esteve colocado na 1ª Flotilha de Ataque de Superfície da Marinha Sueca, constatou que mais de 80% dos conscritos que terminavam o serviço militar obrigatório, após terem servido durante um ano a bordo de vedetas torpedeiras, se queixavam de dores nas costas. Isto preocupou-o bastante, pois existe a convicção de que os jovens terminam a prestação do seu serviço militar em melhor forma física do que quando o iniciavam. O meu Pai começou a preparação dos seus trabalhos de doutoramento no Departamento de Ortopedia Ocupacional no Hospital Universitário de Sahlgrenska tentando identificar o que é que realmente acontece ao esqueleto humano quando sujeito a cargas severas de choques repetidos. Baseado nos resultados científicos a que chegou, sugeriu então um novo conceito, que designou por UCS – Ullman Cockpit System. Isto foi tão radical como simples; essencialmente retirar a cadeira, o leme e o acelerador do motor e substituí-los por uma sela suspensa e um volante de motociclo! Fez uso também das reações intuitivas e instantâneas do cérebro e dos reflexos musculares naturais do corpo para au- 20 mentar o instinto humano de evitar a dor e o sofrimento. Foi nestes conceitos básicos que o meu Pai baseou o desenvolvimento dos seus produtos e equipamentos. Deve-se compreender que muitos no mundo marítimo viram que o sistema de leme tipo volante de motociclo era um passo demasiado grande … a step too far. Embora sistemas deste tipo fossem aceites pela Guarda Costeira Sueca e pelo próprio Serviço de Socorros a Náufragos Sueco, era um conceito demasiado radical para ser aceite num mercado mais vasto. Os bancos por ele concebidos e estudados, por outro lado, tiveram enorme sucesso e continuam ainda hoje a ser usados pelos profissionais em operações offshore, em mais de 70 países, por todo o mundo. RM – Em que sentido a vossa linha de produtos evoluiu ao longo dos anos? Jacob Ullman – Tudo começou quando a Guarda Cos- teira Sueca encomendou quatro bancos semelhantes ao banco concebido no projeto de investigação. Este banco não tinha nenhum apoio para as costas e quase não era almofadado. Mesmo assim, a Guarda Costeira Sueca queria estes bancos para uma embarcação semirrígida de 8 m que estava em desenvolvimento. Na realidade, todos os bancos, todos os acessórios, e todas as posteriores evoluções foram baseados em pedidos específicos das pessoas ou entidades que precisavam de melhores condições de trabalho; sistemas que pudessem oferecer a mitigação dos impactos e um maior conforto. A atividade de Investigação & Desenvolvimento nestes últimos vinte anos focou-se na mitigação do impacto lateral e na expansão do envelope de uso operacional, assegurando que até impactos de 20 G e até um máximo de 165 Kgs de peso total, os profissionais devidamente equipados não experimentam episódios do tipo “saltar da cadeira”, ou mesmo serem ejetados para o mar, devido às forças do impacto lateral. Ano após ano, cada componente foi testada continuamente com o objetivo de melhorar a sua eficiência, eficácia e qualidade. Isto inclui o formato das cadeiras, a tecnologia das molas, a absorção das vibrações e do choque, os estofos, os suportes para mãos e pés e ainda a tecnologia para instalar/fixar as cadeiras. Hoje a lista dos produtos fabricados inclui uma dúzia de modelos de cadeiras e bancos desenvolvidos para diferentes aplicações, desde semirrígidas lançadas de avião para a água às pontes de catamarans de 80 m de comprimento e de alta velocidade e ainda embarcações offshore Entrevista e de competição capazes de velocidades acima dos 100 nós. RM – A importância das dinâmicas ergonómicas aparenta não ter sido ainda reconhecida no mundo das embarcações. Foi esta a razão da Ullman se interessar pela conceção de consolas? RM – Pode descrever-nos os principio-chave que influenciam o desenvolvimento dos sistemas de mitigação de choque e vibrações? Jacob Ullman – Tendo experimentado nos anos 90 do século passado diversas tecnologias “tradicionais” de bancos em suspensão, concluímos rapidamente que estas conceções não resolviam os problemas que identificamos. Era necessário um conceito radicalmente novo. Com este objetivo desenvolvemos o conceito de “mola de folha dupla”, que funcionou mesmo melhor do que antecipáramos. Este sistema trouxe uma redução do peso dos bancos, que não necessitam de manutenção e que são praticamente indestrutíveis. RM – Quando falamos de semirrígidas, os bancos fixos tipo “jockey” tornaram-se nos últimos anos um equipamento standard. Quais as diferenças, em termos de segurança e conforto que o vosso produto traz? Jacob Ullman – É bem conhecido que estar sentado em bancos fixos traz maiores impactos à coluna vertebral humana do que aqueles que são medidos no próprio casco da embarcação, e que algumas horas de navegação em mar encrespado pode causar significativa fadiga física. Dores na coluna vertebral tem sido registadas com frequência e alguns tripulantes de embarcações de alta velocidade tem sido ejetados para fora da borda, atirados ao mar. Por outro lado, estar de pé não é melhor; quando estamos com as pernas hirtas, direitas, e recebemos um choque, a coluna é afetada e pode sofrer uma lesão permanente. É por estas razões que os bancos tipo “jockey” da Ullman se tornaram items standard em muitas Marinhas, Guardas Costeiras e nas embarcações utilizadas pelas forças especiais em todo o mundo, designadamente nos Royal Marines do Reino Unido. Pouco depois o mercado das embarcações de recreio rápidas acordou e os nossos bancos passaram a equipar também o seu segmento premium. Presentemente, com uma cada vez maior procura de cadeiras com adequada suspensão em cada vez mais navios e embarcações rápidos, as nossas cadeiras grandes do tipo não – “jockey”, assim como as cadeiras Ullman reforçadas e totalmente almofadadas tem aumentado em volume de vendas. Os elementos essenciais para a segurança e conforto mantem-se os mesmos; um sistema que não projeta o ocupante, providencia suspensão vertical e horizontal e proporciona uma postura ótima e o seu controlo. Com cerca de 14.000 bancos e cadeiras vendidos na área militar e profissional nos últimos 18 anos, em mais de 70 países e na sua grande maioria ainda em uso, registámos 0 (zero) relatos de lesões e 0 (zero) relatos de projeção para fora da borda. Este é um track record único, de que nos orgulhamos. Jacob Ullman – Exatamente. Se conhecer os princípios da mecânica e a biomecânica humana, não é difícil conceber uma consola ou uma ponte de comando que permita um controlo total – visual e táctil – com uma visão geral dos instrumentos e do mar em frente, mantendo uma postura correta enquanto operando o leme e os diversos comandos relacionados com a navegação. É por estas razões que o artigo “Como conceber pontes de comando e consolas em embarcações de alta velocidade”, publicado pelo Dr. Ullman, trouxe novos standards para os estaleiros navais de todo o mundo. RM – Quais as perspetivas de futuro para a Ullman Dynamics e para onde nos leva a tecnologia? Jacob Ullman – Continuaremos com o trabalho científico necessário para preencher algumas falhas de conhecimento e para estabelecer as bases de novas tecnologias que protejam as pessoas. Podemos esperar ver novas tecnologias aplicadas num futuro próximo: produtos criados para aumentar os envelopes operacionais de embarcações e navios de alta velocidade. Ajudar os utilizadores de embarcações, quer profissionais quer de recreio, a recolher o melhor das suas experiências na água, em segurança e conforto, independentemente das condições meteorológicas, este é e será o nosso objetivo! OBSERVAÇÃO: Muito agradecemos à revista “Powerboats & RIB Magazine” (Reino Unido) a autorização para publicar esta entrevista. Ver o endereço website www.powerboatsandrib.com . 21 84.O Ano O Mar como Património por António Barreto* identidade nacional poderá definir-se de muitas maneiras. Não vou discutir agora, aqui, os conceitos. Apenas direi que conto, para a minha definição de identidade, com a natureza ou a geografia, o património e a história. Nada de singular define uma identidade nacional. Não há uma característica que, por si só, resuma um país, uma nação, um povo ou um Estado. É no conjunto de vários traços e factores, que poderemos detectar uma particularidade, um conjunto que forma uma personalidade, que faz com que um país seja único. Portugal não escapa à regra. A singularidade de Portugal (e de qualquer outro país) reside na combinação única da sua natureza com a geografia e a história. A geografia mais o património de um país é, em grande parte, a sua identidade. O património é o que não é a natureza. É toda a criação cultural, técnica, artística e ideológica de um povo. Como tão bem afirmou Orlando Ribeiro, Portugal é Mediterrânico, Atlântico e de transição. E situa-se no extremo ocidente do Continente Europeu. Esta combinação dá-lhe um pouco de originalidade. Já a cultura material e artística oferece um paradoxo. Por um lado, é o que parece mais específico e original. Por outro, não é um factor diferenciador absoluto. Na verdade, essa cultura é tipicamente europeia e cristã. As grandes correntes patrimoniais europeias estão todas aqui presentes: românica, gó- A 22 tica, renascentista, maneirista, barroca e romântica. Nesse aspecto, novamente, a identidade portuguesa reside na maneira como se combinam estas correntes e estas influências. No cruzamento da natureza e da geografia com a cultura material e artística, começamos a aproximar-nos da identidade do país, do que faz dele uma entidade singular. Acrescente-se a história, designadamente a história política. É esta que vai afirmar Portugal como país diferente, como entidade nacional especial. Segundo alguns dos nossos melhores autores, Alexandre Herculano, Oliveira Martins, Leite de Vasconcelos, Orlando Ribeiro e José Mattoso, Portugal não nasce da unidade, mas sim do que é diverso. Também Alberto Sampaio, António José Saraiva e Eduardo Lourenço contribuíram de modo decisivo para concretizar e reflectir a identidade nacional, feita sempre a meio caminho entre a geografia, a história e o património. Em todos eles, está presente a ideia de que Portugal nasceu da diversidade. Por outras palavras, de uma pluralidade sem nome, emanou a unidade. É o Estado, os seus monarcas, soldados, instituições e seguramente o seu povo que vão construir um país. É o Estado português que constrói a nação, não o contrário, como poderá ter acontecido noutros países. O Estado e a política, os militares, os artesãos, os camponeses, os sacerdotes e os monges fizeram um país e uma nação. revistademarinha.com Portugal iniciou-se em terra, mas fez-se no mar. Portugal fez-se contra Espanha e através do mar. O vizinho, concorrente e rival, ajudou, por oposição, no carácter e na organização. Sem querer, obrigou os Portugueses a virar costas e ir para outros destinos. Para o mar e para o mundo. A História de Portugal é uma história de fixação da fronteira terrestre, de transferência de um povo para o litoral, de estabelecimento perto da costa e de navegação pelo mar. Repito: Portugal fez-se contra Espanha. Isto é, no mar. Sem o mar, Portugal ficaria mais pobre e talvez espanhol. Foi o mar que obrigou a uma nova vocação, um novo destino. É bem provável que, sem o mar, Portugal não fosse hoje um país independente. No concerto das nações, Portugal valeu por ser rival de Espanha e por ajudar a dividir a Ibéria, mas também porque havia o Brasil e África, quer dizer, o mar. O mar é uma das primeiras realidades da identidade nacional. Tal como as montanhas, os rios, o clima e as planícies, são estas as condições naturais. Além das influências ibéricas, é o mar que traça o perfil de Portugal. Mas o mar foi sendo apropriado e utilizado. O mar acabou por ser património. O mar já não é apenas natureza. Tal como o montado alentejano ou os socalcos durienses, o mar passou a fazer parte da identidade do país. O mar criou a pesca, a alimentação, a economia, a navegação e o transporte. Depois, criou os descobrimentos e as econo· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Estratégia & Geopolítica mias no mundo, as viagens, o comércio, a escravatura, a colonização e a emigração. Antes disso, tinha criado escolas e navegação, construção naval e manutenção, oceanografia e cosmografia, arte de viajar e navegar. Com toda esta carga, o mar deu ainda as várias economias da energia, da ciência e da investigação. A ligação de Portugal ao mar nunca foi desmentida. É realçada por toda a gente que escreve sobre Portugal. É sublinhada pelos que reflectem sobre uma estratégia para Portugal. É valorizada pelos que discutem o futuro de Portugal na Europa e no mundo. Não se conhecem contestações claras daquela ligação. Nem sequer o Velho do Restelo pode ser invocado: na verdade, ele vitupera a Glória, a Fama, a Ambição e a Cobiça, não o mar nem a navegação. O mar é quase personagem de “Os Lusíadas”, escrito maior da identidade nacional, ou antes, escrito que funda a identidade nacional. Naquele poema, concebido para celebrar e narrar os feitos do mar e das descobertas, logo na segunda linha o mar é invocado: … que da ocidental praia lusitana, por mares nunca dantes navegados. O mar passou a ser português, porque Camões assim o disse e estabeleceu. A identidade nacional não é um dado, não é um ponto de partida, não é uma condição. A identidade é uma construção permanente, móvel, humana e contraditória. A identidade pode até ser um mito que se transforma em verdade. Uma lenda em que se acredita. Camões não criou nem descobriu o mar, que já lá estava. Descobriu o Portugal do mar ou o mar de Portugal … Séculos depois de “Os Lusíadas”, o hino nacional não deixaria de começar, significativamente, pela conhecida linha “Heróis do mar…”. Mais tarde ainda, o mais importante poeta português contemporâneo, Fernando Pessoa, na “Mensagem”, não tem dúvidas: “Que o mar com fim será grego ou romano: O mar sem fim é português…”. E Unamuno terá dito que … foi o mar que fez Portugal. Além de real, o mar também é, para Portugal, mito e lenda. Quando esta se transforma em facto, “imprima-se a lenda”, diz-se em filme célebre. Quando o mito se transforma em facto, passa a ser verdade. A independência de Portugal é um mito tornado verdadeiro. É uma lenda feita verdade e realidade. Os mitos são assim. Existem. Uns totalmente falsos, outros apenas parcialmente. Uns incertos, outros metafóricos. Nunca inteiramente verdadeiros. Mas existem. Por isso são mitos. Por isso quase parecem inspirar os povos. O mar é natureza. Por definição, não faz parte do património de um país, entendendo este como essencialmente cultural e técnico. O património é obra humana e resulta Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 da história e da cultura. Mas há realidades naturais que se transformam, pela história, pela cultura e pela técnica, em obras de património. Assim é com o mar para os Portugueses. O mar da pesca, da marinha, das viagens, dos transportes, das praias, do desporto, dos recursos económicos, da fonte de energia, dos civis e dos militares é património. O mar do poema, da literatura, da mitologia, do sonho, dos descobrimentos, da expansão, do império, da Europa e da economia é património e identidade. Há um mar igual ao dos outros, há um mar que é português. Como há uma cultura igual à europeia e uma cultura portuguesa. De todos os factores de afirmação nacional, o mar poderá ser seguramente, na Europa, o mais importante e com vastas potencialidades, mas sobretudo o mais singular. A qualidade da mão-de-obra, certas produções industriais, o vinho e a cortiça, as praias e o clima, as tradições e a paisa- O Infante D. Henrique, escultura em gesso de Simões de Almeida Júnior, na SGL. gem, são alguns dos factores de atracção do país, da sociedade e da economia. Mas todos eles parecem iguais aos de outros, não distinguem forçosamente um país e um contributo. Praias convidativas, excelentes vinhos, um clima extraordinário, bons sapatos e têxteis, automóveis baratos, uma mão-de-obra de qualidade e outros tantos trunfos fazem o nosso orgulho e chamam estrangeiros, mas tenhamos a certeza de que os outros países também os têm. Nada disso nos distingue, nada disso pode ser considerado como contributo insubstituível. Não se trata aqui de nacionalismo ou de patriotismo económico, mas tão só do realismo necessário a sustentar a posição de Portugal no mundo. Pergunte-se: o que tem Portugal de especial para dar ao mundo? Qual a força singular de Portugal para a Europa e para o mundo? A resposta, para alguns, não faz dúvidas: o mar, a plataforma continental, as actividades e os recursos marítimos, as potencialidades marítimas e geográficas · revistademarinha.com e o valor estratégico de Portugal poderão constituir o mais forte e mais específico contributo de Portugal para a Europa. Desde que, evidentemente, estudado, investigado, cuidado, aproveitado, explorado e protegido. Desde que considerado como prioridade nacional. Não uma prioridade entre dezenas, como é frequente entre nós, onde nunca faltam as prioridades destinadas a demonstrar que nada ficou esquecido, mas sim como uma das principais. O conceito estratégico de defesa nacional, na sua última versão de 2013, é ambíguo nas definições e na determinação das prioridades. O Atlântico Norte e o Atlântico no seu todo são a segunda e a terceira áreas de importância estratégica para Portugal, sendo a Europa a primeira, no que é uma definição equívoca, sugerindo quase que a Europa, na sua versão continental, pode ser considerada sem o mar ou sem o Atlântico. O que me parece desajustado. O conceito estratégico refere as prioridades nacionais para o Estado, a segurança, a defesa e a estrutura militar. Em boa teoria, para toda a sociedade, mas até pelo seu título, parece apenas desejar focar a vertente de defesa nacional. Não é unânime, pois claro, nem recolhe consenso absoluto. Como nada na vida, muito menos na política nacional. Mas deveria ou poderia ser mais preciso. A definição dos objectivos nacionais permanentes e conjunturais, por exemplo, relega para posição subalterna o mar e a sua especificidade. Neste “Conceito”, o mar, em todas as suas acepções, aparece subalterno e referido em elencos de importância relativa. Este conceito estratégico de defesa nacional não define com o devido rigor as prioridades nacionais, nem sobretudo se preocupa em estabelecer os trunfos e as prioridades essenciais. Por outras palavras, o conceito estratégico define mal o contributo de Portugal para a União Europeia, a Europa e o mundo. O que tem Portugal realmente de estratégico? O que deve Portugal proteger e promover em simultâneo como seus trunfos e suas realidades originais? Para muitos, é indiscutível que se trata do mar, do Atlântico, da ZEE e da plataforma continental. E neste conjunto devemos incluir todas as actividades, recursos e potencialidades disponíveis, desde as económicas às biológicas, passando pelas energéticas, as educativas, as de circulação e transporte, as de controlo de navegação, as de construção e reparação naval, as de formação, as de investigação oceanográfica, as de lazer e desporto … Note-se que esta importância para Portugal também o seria para a Europa e sua União. É incompreensível, por exemplo, que Portugal, os seus aliados e a União Europeia 23 84.O Ano não se tenham ainda empenhado em construir, gradualmente, em Portugal, muito especialmente nos Açores, um grande centro europeu ou instituto de investigações atlânticas, com áreas de interesse em todos os domínios, da oceanografia à astronáutica, da investigação à formação de cientistas, de técnicos e de marinheiros … tem sido certamente por miopia portuguesa e dos nossos aliados que um tal Centro não exista. Chegou mesmo a haver uma resolução aprovada por unanimidade na Assembleia da República, há várias décadas, no sentido de recomendar ao governo que se iniciassem esforços nesse sentido. Apesar da unanimidade, a resolução desapareceu nos esconsos legislativos. Os nossos aliados poderão ter a desculpa da concorrência, ou simplesmente do ciúme, o que é errado, mas é natural. A União Europeia e a NATO poderão ter a desculpa de não se quererem envolver em decisões controversas, o que é um desperdício, mas previsível. Já Portugal, ao subalternizar uma hipótese como esta, não tem desculpas. Será que as dezenas de “institutos europeus” de toda espécie, da universidade à tecnologia, da igualdade de género às telecomunicações, têm mais importância e mais relevo para o futuro dos Europeus do que o mar? Em todo o seu esplendor, na história e no futuro, nas capacidades e potencialidades, o mar pode ser o mais importante e mais específico contributo português para a Europa. Para o que é preciso não só história e recordação, não só cultura e património, mas também ciência e investimento. Ciências exactas, oceanográficas, ciências de energia, da fauna e da flora, estudo e exploração da plataforma continental e das 200 milhas de Zona Exclusiva, escolas de inves24 tigação, observação oceanográfica e astrofísica, transportes e comunicação, pesca, conservas, atividade portuária e construção e reparação naval: o catálogo não tem fim. Segundo os especialistas, nomeadamente Augusto Mateus e Ernâni Lopes, a fileira da economia do mar, ainda longe das suas enormes capacidades, empregará hoje mais de 100.000 pessoas e será responsável por qualquer coisa como 8 mil milhões de euros de produto. Trata-se, evidentemente, de um dos mais promissores sectores de actividade, produção, emprego e investigação da nossa economia. Com as vantagens, como ponto de partida, da tradição, do conhecimento adquirido, da posição geográfica e da especificidade no conjunto das nações. É tão evidente a importância vital do mar para o nosso país, tanto no passado como para o futuro, que é arrepiante ver como tantos o marginalizam e o consideram subalterno relativamente a outras possíveis prioridades nacionais. Deste ponto de vista, o mar e o património têm um destino comum: são os dois enjeitados da política nacional relativamente à presença de Portugal no mundo. De ambos se dizem maravilhas. A ambos se atribuem prioridades indiscutíveis. Para ambos, só se conhecem elogios. Perante ambos, todos sonham e tremem de emoção. Mas não é com emoções que se trata do futuro e se cuida da estratégia nacional. É com factos, planos, recursos, equipamento, estudo e investigação, e formação de cientistas, técnicos e marinheiros. A Defesa Nacional é um caso especial. Há décadas que vivemos ciclos sucessivos de emagrecimento, para além, dizem muitos, dos mínimos necessários. Com este empobrecimento da Defesa, veio também o da Marinha e respectivas ciências e escolas do mar. Em revistademarinha.com paralelo, separou-se a sociedade civil da defesa e dos compromissos militares, naquele que foi um dos grandes erros das últimas décadas. Nas condições em que foi feita, a supressão do serviço obrigatório, militar ou civil, não parece ter constituído um progresso real para o país e para os seus cidadãos. No caso do mar, perdeu-se em várias frentes. Na defesa e segurança. Na economia e na ciência. Na afirmação internacional e no contributo para a Europa. Há quase quarenta anos, no momento de aprovação da Lei das 200 milhas marítimas, foi referido o conceito ou o velho princípio de que o mar é recurso e território, não apenas local de passagem e transporte. Foi então dito que a política marítima era um nosso contributo específico para a construção europeia. E ainda foi sublinhado … que não há só países grandes e pequenos: há países que aproveitam bem ou que aproveitam mal os seus recursos naturais, geográficos e humanos. Se não queremos ser o país pequeno da Europa, o que quer dizer pobre e dependente, já sabemos o caminho que temos a seguir: aproveitar ao máximo, de modo racional, sem depredações, o país que temos! Palavras antigas que ainda hoje parecem válidas. Até porque pode ser hoje ultrapassada a velha questão da oposição entre a Europa e o Atlântico. É verdade que pode haver uma tónica diferente em cada termo da alternativa, mas também é verdade que a via mais fértil consiste na da ligação entre os dois, trazer o Atlântico para a Europa, estender a Europa para o Atlântico. Portugal pode desempenhar um papel de primeira importância neste modelo de desenvolvimento. Por outras palavras, o mar português pode ser também o mar da Europa. Tempo houve em que o mar e a Europa se excluíam. Um contra a outra! A Europa contra o mar! Esse dilema parece ultrapassado. Ou antes, há modos de evitar o dilema: de trazer o Atlântico para a Europa e levar a Europa para o Atlântico. O que quer dizer que o Atlântico não é fronteira de Portugal, nem da Europa: é uma extensão de Portugal e da Europa. Pode pensar-se que estamos a jogar com as palavras, mas sabemos que não: os dilemas e as escolhas estão aí para que saibamos optar. A este propósito, vale a pena perguntar: para que servem a independência, o património e a autonomia? Em tempos de integração europeia, de globalização e de reforço das alianças internacionais, não estarão estes valores tradicionais a necessitar de revisão urgente? É provável que sim, que necessitem de revisão, como tudo na vida. Mas o essencial é justamente o oposto à afirmação hipotética inicial: é nesses tempos que a autonomia e o património adquirem mais · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Estratégia & Geopolítica valor, não por razões meramente simbólicas, mas porque esses são valores que aumentam a personalidade e o carácter de um povo, muito especialmente as liberdades. A integração internacional tende a homogeneizar, em processo que apaga a autonomia. O excesso de igualdade de instituições, de costumes e de comportamentos não é recomendável, é um traço dos regimes tendencialmente totalitários. Veja-se como, na história, os que aspiraram ao despotismo ou ao totalitarismo têm uma especial inclinação para a igualdade. A igualdade pressupõe um poder superior, que a impõe; sugere a eliminação do mérito e do esforço, que distinguem; e consagra um condicionamento das liberdades criativas que diversificam. É por estas razões que cada país, mesmo em tempo de integração internacional, tem dever e interesse em preservar a autonomia e o património, pois são as suas liberdades que estão em causa. Não quero referir governos em concreto, mas a verdade é que o mar, na sua mais vasta acepção, tem perdido importância em Portugal nas últimas décadas. Todos os estudiosos o dizem. Qualquer que seja o ponto de vista, em termos absolutos ou relativos, na economia, na marinha, na ciência, no transporte ou no investimento, o mar parece ter ficado para trás. Em todos os capítulos, marinha armada e mercante, transporte de mercadorias, pesca, turismo e lazer, o mar tem perdido im- Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 portância, tem declinado ou não se tem desenvolvido a par dos nossos parceiros. Esta evolução ainda está hoje por estudar. O que levou os Portugueses a escolher outras vias, a desaproveitar a sua geografia, a perder a competição com outros países, a recorrer a outros mercados e serviços para as necessidades relacionadas com as actividades marítimas? Foram escolhas deliberadas? De quem? Foram consequências imprevistas de outras opções? Quais? O continente europeu, a rodovia, a aviação, o comércio de importação, a falta de recursos científicos e técnicos, a contenção da Armada e da Marinha e a fractura entre interesses públicos e privados foram as causas desta espécie de declínio verificado ao longo das últimas décadas? Terá havido erros na concepção das políticas públicas? Estratégias que se revelaram desacertadas? É possível imaginar que o mar tenha sido de tal modo identificado com o anterior regime autoritário, com a guerra colonial e com a falta de liberdades que os responsáveis pelo novo regime terão evitado ou ignorado o tema? A discussão presta-se evidentemente a especulação. Mas parece razoável admitir que foram cometidos erros de avaliação. É verdade que Portugal esteve empenhado em todas as negociações internacionais de desenvolvimento e regulação das actividades marítimas e piscatórias. Parece que Portugal acompanhou, de modo activo e · revistademarinha.com com protagonismo, a evolução do Direito Marítimo, a definição de Zonas Exclusivas e de Plataformas Continentais e a reorganização internacional das actividades marítimas. É mesmo referido, com frequência, que essa participação de Portugal teve momentos altos, com o empenho profissional de oficiais, académicos, técnicos e especialistas de alto calibre. Mas fica-se com a impressão de que se tratou de uma participação de super-estrutura, isto é, sem acompanhamento efectivo e prático na economia, nas instituições, nas empresas, nas escolas, na frota e nas actividades científicas à altura da participação internacional. Estou convencido de que é possível recuperar caminho e tempo perdidos. Não voltando atrás, avançando. Com investimento e formação. Mas a minha convicção não faz ciência. É bem possível que estejamos à beira de uma perda histórica. Em tempos de refundação ou de reorganização da Europa, seria importante que as autoridades, assim como a sociedade civil e académica, aproveitassem esta oportunidade para rever o empenho essencial no futuro do país. * Professor Universitário OBSERVAÇÃO: Texto elaborado para a conferencia de abertura do Ano Académico de 2019 da Academia de Marinha, proferida em 8 de janeiro. Muito se agradece à Presidência da Academia de Marinha a autorização para a sua reprodução. 25 84.O Ano A Modernização das Fragatas Classe VASCO DA GAMA por António Coelho Cândido* 1. INTRODUÇÃO As três fragatas MEKO 200 PN da classe VASCO DA GAMA (FFGH VG), construídas na Alemanha no final da década de oitenta do século passado, foram projetadas e construídas obedecendo a requisitos operacionais fundamentados em cenários substancialmente díspares da realidade atual (i.e. guerra fria NATO - Pacto de Varsóvia em confronto com os atuais cenários de missões de combate à pirataria) incorporando tecnologia que, decorridas mais de duas décadas e meia de intensa exploração operacional, se encontra logística e/ou funcionalmente obsoleta. Existe, pois, não só a necessidade, mas, também, a oportunidade de, simultaneamente, assegurar a sustentabilidade dos sistemas até ao final do seu ciclo de vida, adequando-os ao atual espectro de missões. A necessidade de assegurar a sustentação das FFGH VG durante o período remanescente do seu ciclo de vida, previsto ocorrer até 2035, compele à minimização da sua obsolescência logística, técnica e operacional pela via da sua manutenção e modernização, racional e pragmática, e assume contornos de um programa transversal, contemplando um conjunto de projetos com elevado grau de integração e de transversalidade técnica, sem os quais os navios deterão apenas capacidades operacionais residuais, não sustentáveis, até ao final da sua vida. 26 Antes de nos focarmos no processo de modernização das FFGH VG, apresentam-se alguns conceitos relacionados com a gestão do Ciclo de Vida (CV) de um navio, simplificados, mas essenciais a todo o processo de aquisição e de sustentação logística dos meios de ação naval (designação normalmente utilizada para caraterizar os navios e aeronaves da Marinha). O CV (fig. 1) pode ser descrito como o período que decorre desde o início do projeto de aquisição até ao final de vida útil, onde se inclui o período de abate. Aproximadamente a meio da vida útil, surge a designação MLU (Mid-Life Upgrade), cujo significado representa uma modernização que deve ocorrer por essa altura, e que está na génese deste artigo. O CV contempla vários Ciclos de Manutenção (CM), que incluem um período operacional seguido de um período de manutenção mais prolongado. O CM típico da Marinha vai desde os 36 meses para os pequenos navios até aos 80 meses para os submarinos. O MLU, no caso das FFGH, deve ocorrer após cerca de 20 anos de operação e tem como objetivo dotar o navio de novos sistemas (decorrentes, ou não, de novos requisitos operacionais), essencialmente por duas ordens de razões: obsolescência logística ou obsolescência operacional. A obsolescência logística é fácil de compreender para sistemas com mais de 20 anos, enquanto que a obsolescência operacional está relacionada com o “estado da arte”, requerendo a sua substituição por novas tecnologias, para manter, e até melhorar, a capacidade operacional destas plataformas, equiparando-as às novas construções. Realça-se, também, a redução significativa do impacte ambiental associado ao MLU pela aplicação de novos sistemas e materiais, amigos do ambiente, promovendo-se o alinhamento normativo nesta área, sempre em evolução. Outro conceito importante é o Apoio Logístico Integrado (ALI, ou ILS – Integrated Logistics Support), que consiste numa metodologia aplicável a todos os projetos de aquisição de novos sistemas/equipamentos, compreendendo uma abordagem disciplinada que influencia e desenvolve as melhores soluções de apoio logístico para a sustentação dos meios, ao longo do seu CV. Os processos do ALI (fig. 2)(1) têm como objetivos principais: • Influenciar o projeto de aquisição/ construção, garantindo que as infraestruturas, ferramentas especiais, lotes de sobressalentes e a formação e treino são otimizados para maximizar a fiabilidade/ disponibilidade dos meios, sistemas e equipamentos ao longo de todo o CV; • Preparar a sustentação dos meios, adotando as melhores soluções para a Marinha de Guerra sustentação integrada e otimizada ao longo do CV, garantindo o aprontamento e disponibilidade do apoio logístico desde o início da operação dos meios (fig. 1). Os projetos de aquisição de novos meios navais não se focam apenas na fase de aquisição/construção, mas sim em todo o seu CV, para que sejam racionalizados os custos, através da adoção de soluções de apoio logístico integradas e otimizadas, desde a fase de projeto até ao fim de vida (fig. 2). Foi ao abrigo destes conceitos, entre outros, que foram construídas as FFGH VG, entrando ao serviço no início da década de noventa do século passado, tendo sido projetadas com base em requisitos operacionais fundamentados em cenários de emprego diferentes dos atuais, que são mais diversificados, complexos e em rápida evolução, de que são exemplo o terrorismo marítimo, a proliferação de armas, o tráfico, a migração irregular e a pirataria. A atualização de capacidades, especialmente as de guerra antissubmarina, em navios conhecidos pela sua robustez e com capacidade para operar dois helicópteros, contribuirá significativamente para o valor militar desta plataforma, evidenciando o comprometimento de Portugal para a segurança marítima global. Fig. 1 2. PROGRAMA Pretende-se com este programa estender a vida útil das FFGH VG até 2035, tendo já sido realizada uma análise de mercado, a fim de definir o custo de modernização por navio e o correspondente nível de ambição, incluindo o número de navios a modernizar, face ao orçamento disponível. O desenvolvimento do programa visa maximizar a comunalidade de configuração entre estas fragatas e as fragatas da classe BARTOLOMEU DIAS, minimizando Soluções globais de pintura que respeitam o meio ambiente Mais de cem anos de experiência e confiança em todo o mundo. Hempel (Portugal), S.A. Vale de Cantadores, 2954-002 Palmela Tel: 212 352 326, Fax: 212 352 292 E-mail: [email protected] hempel.pt Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · revistademarinha.com 27 84.O Ano Fig. 2 o impacto financeiro e de planeamento, assim como o risco, através de soluções de aquisição comuns. Tendo sido identificado e caracterizado em termos técnicos, financeiros e de planeamento, o universo dos projetos que constituem o programa de modernização, privilegiou-se, em primeiro lugar, a erradicação da obsolescência logística, e em seguida, o aumento de desempenho e de capacidade combatente. Neste contexto e no seguimento do Conceito Tecnológico de referência desenvolvido, foram identificados e caracterizados em termos técnicos, financeiros e de planeamento, o universo dos projetos que irão constituir o Programa de MLU das FFGH VG, privilegiando-se, como referido, a erradicação da obsolescência logística em capacidades imperativas já existentes a bordo. Pela sua criticidade e importância destaca-se a necessidade de modernização dos “cérebros do navio”, nomeadamente, o sistema de gestão de combate (CMS – Combat Management System) e o sistema de gestão da plataforma (lPMS – Integrated Platform Management System): • O CMS é um sistema nevrálgico, que confere ao navio capacidade de processamento e análise, constituindo-se como o elemento funcional integrador da informação proveniente dos vários sensores, apresentando-a de forma operacionalmente legível ao operador, permitindo o 28 estabelecimento das possíveis ações num dado cenário operacional. • O IPMS é outro sistema nevrálgico que assegura o comando, controlo e gestão da plataforma, garantindo a adequada operação dos sistemas e a segurança do navio. Adicionalmente, mercê do elevadíssimo nível de automação que possui, poderá vir a permitir uma redução no número de operadores embarcados. Adicionalmente, dos restantes projetos previstos no programa de modernização, revestem-se de particular importância: • O Electronic Warfare System (EW), sistema constituído pelos subsistemas de Electronic Counter Measures (ECM), vulgo jammer, e Electronic Support Measures (ESM) é, no atual contexto operacional, essencial às operações navais, pelo nível de informação e conhecimento que confere à plataforma. • O Integrated Communications Control System (ICCS), sistema produzido pela empresa nacional EID, representa a maior incorporação de tecnologia, expertise e incorporação de mais-valia da indústria nacional no âmbito do presente Programa. O atual sistema SICC existente a bordo encontra-se perto da obsolescência logística, sendo de importância fulcral assegurar a sua sustentabilidade e uma performance que permita uma gestão eficiente e eficaz das comunicações. • O Electro-Optical Surveillance System, permitirá dar resposta aos requisitos de defesa própria, proteção de força e de revistademarinha.com deteção de ameaças de guerra assimétrica, devendo ter capacidade para detetar, identificar e seguir alvos, através das suas assinaturas visuais ou infravermelhas. Este sistema, que se pretende integrar com o CMS, permitirá uma capacidade de reação muito elevada. • Os Tactical Data Links (TDL), baseados em processamento digital de alta velocidade, visam eliminar as limitações operacionais dos antigos sistemas, assegurando uma maior interoperabilidade e integração ao nível NATO, conferindo uma maior capacidade combatente às plataformas. O período planeado para a execução do programa decorre entre 2023 e 2029, revestindo-se de um carácter progressivo, minimizando a indisponibilidade dos navios e fazendo coincidir a sua gradual implementação a bordo com os períodos de manutenção planeada. Prevê-se que haja necessidade de efetuar a terceirização do desenvolvimento de algumas soluções detalhadas de engenharia e da gestão de alguns dos seus projetos. O custo total previsto na Lei de Programação Militar (LPM), para o MLU FFGH VG, é de 120M€. 3. DESAFIOS E OPORTUNIDADES Esta modernização distingue-se de qualquer programa de aquisição de navios pela multiplicidade de contratos e projetos complexos que a Marinha terá de gerir em simultâneo. O programa constitui um momento único para desenvolver e capacitar a empresa Arsenal do Alfeite, S.A. em projetos de grande envergadura e complexidade, salvaguardando assim uma infraestrutura que se pretende capaz de responder às necessidades de uma Marinha de Guerra. Por outro lado, num contexto em que se perspetivam novos e desafiantes projetos, importa edificar estruturas de recursos humanos capazes de gerir, acompanhar e fiscalizar este tipo de projetos, onde o acompanhamento próximo das várias etapas do Programa, por parte do utilizador final, se reveste de particular importância. A exemplo do atual ICCS, produzido pela empresa nacional ElD, que representou a maior incorporação de tecnologia e de produção da indústria nacional nestes navios, com grande expressão a nível internacional, também noutros sistemas, existem oportunidades de envolvimento de empresas nacionais, especialmente no Follow-On Support. Neste âmbito, a existência de empresas nacionais com partici· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Marinha de Guerra pação direta no fornecimento de sobressalentes e na manutenção de sistemas de comando, controlo e comunicações é fundamental para a prontidão dos navios. Ainda como desafios a ter em conta em qualquer modernização na atualidade, salientam-se o ciberespaço e os sistemas não tripulados. No futuro, os ataques cibernéticos, com o objetivo de bloquear o “comando e controlo”, serão cada vez mais prováveis e, por conseguinte, ter-se-á de assegurar a resiliência cibernética dos sistemas. Também assistiremos a um aumento massivo do uso de sistemas não tripulados, onde a inteligência artificial terá um papel crescentemente decisivo para a autonomização, e consequentemente para o aumento da eficácia e eficiência destes meios. Estamos assim diante de um ambiente complexo que envolverá a ordem mundial com incertezas e mudanças repentinas, pelo que os diversos intervenientes que melhor interpretarem e se ajustarem aos desafios emergentes estarão na linha da frente para apresentarem as soluções mais inovadoras, amigas do ambiente, economicamente viáveis, sustentáveis e fiáveis, sendo este último ponto crucial para a indústria militar naval. 4. CONCLUSÕES A modernização de meia-vida das FFGH VG servirá, simplesmente, como paliativo para as reais necessidades da Marinha e de Portugal no médio prazo. Ao abordar este tema, não podemos deixar de referir a necessidade de edificar a regeneração da Capacidade Oceânica de Superfície, através de uma “Nova Geração de Fragatas”, garantindo que este investimento é compreendido e abraçado pela sociedade portuguesa num quadro de grandes limitações financeiras. Num contexto em que as Marinhas do Século XXI se deparam com um ambiente Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 multifacetado, altamente complexo e de grande exigência, onde uma nova geografia marítima mundial surge, por via da delimitação das plataformas continentais, situação que terá implicações nas relações internacionais. O desafio torna-se ainda maior, porquanto a tecnologia e as soluções de baixo custo atualmente existentes podem vir a apontar caminhos que, inevitavelmente, comprometerão a sustentabilidade operacional da Marinha. Por conseguinte, para que Portugal continue a salvaguardar a sua autonomia estratégica, as fragatas, a par de submarinos e de navios-reabastecedores, constituem a base da esquadra de qualquer nação marítima e o meio fundamental para assegurar o controlo do mar nos espaços marítimos. Tal como no passado, pensar uma marinha é um desafio de longo prazo e o investimento em meios navais de eleva- · revistademarinha.com do custo e grande complexidade deverá ser pensado em função do ambiente estratégico presente e futuro, naturalmente alinhado com as Missões e Tarefas decorrentes dos diplomas estruturantes da defesa nacional e das Forças Armadas, tornando-se assim necessário, considerando o fim do ciclo de vida das atuais fragatas em 2035, começar desde já a desenhar o futuro modelo, adaptado às circunstâncias do país. * Superintendente do Material Vice-almirante NOTA: (1) Acrónimos da fig. 2: FMECA - Failure Modes Effects and Criticality Analysis; RCM - Reliability Centered Maintenance; LORA - Level of Repair Analysis; PHS&T - Package, Handling, Storage and Transportation; SA - Supportability Analysis; SSP - Supply Support Procedures. 29 84.O Ano O Comando Português da Força Naval da União Europeia na Somália por José Vizinha Mirones* A IMPORTÂNCIA DO OCEANO ÍNDICO O Oceano Índico cobre um quinto da área total do oceano mundial e é limitado pelo continente africano e pela Península Arábica, pelas águas costeiras da Índia, pelo golfo de Bengala, perto de Mianmar e da Indonésia, e pelo subcontinente australiano. As rotas comerciais que o cruzam ligam a Ásia à Europa e transportam cerca de um terço do comércio global, a esmagadora maioria do qual é transportado ao longo de um número limitado de linhas de comunicação marítimas altamente congestionadas e fáceis de perturbar, as Sea Lines of Comunication (SLOC’s). Estima-se que 30% das reservas mundiais de gás e petróleo residam nesta área geográfica. A União Europeia (UE), muito dependente do transporte marítimo para o desenvolvimento da sua economia tem, assim, consequentemente, interesse estratégico na segurança destas linhas de comunicação que permitem o acesso regular aos diversos bens que abastecem a complexa cadeia global de abastecimento e produção. A segurança das SLOC’s do oceano Índico é também de importância vital para o crescimento das economias emergentes do Sul e do Leste Asiático, bem como para a economia mundial em geral. Os pontos de estrangulamento (choke points) destas rotas, estrategicamente localizados, são extremamente vulneráveis a ataques perturbadores, tanto de agentes estatais como não estatais, incluindo piratas e terroristas. Por outro lado, as contingências no mar têm não só o potencial de afetar os preços, já voláteis, do petróleo, mas também podem ter efeitos dramáticos nas empresas que dependem, por princípio, da produção e entrega just in time, no contexto de redes globais de produção. Estas SLOC’s, no entanto, estão longe de ser seguras. A criminalidade organizada bem como as tensões e os conflitos regionais colocam em perigo estes itinerários vitais, ameaçando a livre passagem da navegação por diversos pontos de estrangulamento regionais como o Canal de Suez, o estreito de Bab el Mandeb ou o estreito de Ormuz. 30 1. A OPERAÇÃO ATALANTA A pirataria ao largo da costa da Somália desenvolveu-se como uma séria ameaça à navegação internacional há cerca de dez anos. No seu auge, em janeiro de 2011, os piratas somalis mantiveram reféns mais de 730 tripulantes e 30 navios. A presença naval da UE, através da EU NAVFOR Somália - Operação ATALANTA, e de outras forças, contribuiu para reduzir drasticamente os ataques dos piratas a apenas duas tentativas infrutíferas em 2018. Não obstante, em 21 abr 2019, ocorreu um ataque a duas embarcações de pesca, que resultou na detenção pela EU NAVFOR dos indivíduos suspeitos e posterior entrega para procedimento criminal na República das Seicheles. Este evento demonstra que a pirataria ao largo da Costa da Somália está contida, mas não foi erradicada, existindo condições para a renovada prática destes ilícitos, tanto no mar territorial da Somália como no alto mar. A EU NAVFOR Somália opera numa área de operações que abrange o Sul do Mar Vermelho, o Golfo de Áden e uma grande parte do Oceano Índico, incluindo as ilhas Seicheles e as ilhas Comores. Inclui igualmente a faixa costeira da Somália, bem como o seu mar territorial e águas internas. O presente mandato baseia-se em várias resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com o objetivo de: • Proteger os navios do Programa de Ajuda Alimentar Mundial, e outros navios vulneráveis, em trânsito na área de operações; • Combater a pirataria e o roubo armado no mar; • Apoiar as missões congéneres e outros instrumentos da UE; • Contribuir para a implementação de SLOC’s e choke points no Oceano Índico. revistademarinha.com · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Marinha de Guerra O relacionamento institucional com autoridades dos Estados costeiros e com diversos líderes e atores locais e regionais, num crescente envolvimento diplomático, assumiu particular importância durante o comando português e correspondeu, na prática, à lógica de uma abordagem abrangente (comprehensive approach) que é característica da UE. projetos da UE no âmbito da segurança marítima; • Monitorizar a atividade dos pesqueiros ao largo da costa da Somália. A. OS MEIOS E AS CAPACIDADES A composição da EU NAVFOR Somália muda constantemente devido à frequente rotação das unidades e varia em função da época das monções no Oceano Índico. No período do comando português, que decorreu durante a monção de nordeste, a constituição da força integrou várias unidades militares de Estados Membros da UE, incluindo até três navios em simultâneo, duas aeronaves de patrulha e reconhecimento marítimo, helicópteros, veículos aéreos não-tripulados, fuzileiros, forças de operações especiais francesas e um destacamento autónomo de proteção de navios, de nacionalidade sérvia, embarcado num navio mercante fretado pelo Programa de Ajuda Alimentar Mundial. Para além das unidades da EU NAVFOR, existe na área de operações uma presença naval internacional considerável, composta por meios que integram diversas coligações e por unidades nacionais de países como a China, a Índia, o Japão, a Coreia do Sul, a Rússia e os EUA - todos com mandatos e objetivos de missão variáveis. Sendo as operações de reconhecimento e vigilância, que desenvolvem em articulação com as aeronaves de patrulha Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 B. O COMANDO PORTUGUÊS Destacamento sérvio autónomo de proteção de navios. marítima, a principal atividade dos navios, realizam quando exequível, reuniões de oportunidade com as comunidades marítimas, a fim de obter uma melhor compreensão das práticas marítimas na região. Estes encontros, realizados no mar, a bordo das embarcações e navios mercantes, aos quais se acede através de aproximações amigáveis, permitem estabelecer um contacto direto com as tripulações e sensibilizar os Comandantes para as melhores práticas de autoproteção contra a pirataria. Os meios da EU NAVFOR apoiam também outras missões da UE que operam na Somália, contribuem para a capacitação das Marinhas e Guardas Costeiras de países da região e para o controlo da atividade da pesca, particularmente junto à costa somali. · revistademarinha.com Foi com este enquadramento que, entre 3 dez 2019 e 17 mar 2020, a EU NAVFOR Somália foi comandada por um Comodoro da Marinha de Portugal. O Comando, apoiado por um estado-maior internacional, foi exercido, a bordo de dois navios espanhóis, as fragatas VICTORIA e NUMANCIA. Este facto deu-nos uma grande satisfação pessoal, trouxe-nos um grande sentimento de responsabilidade e significou um incentivo para continuar a contribuir para um futuro que aposte na amizade, no respeito e no aprofundamento da colaboração operacional entre as Marinhas de Portugal e de Espanha. Constatámos que, presentemente, a área de operações regista um conjunto de atividades ilícitas e irregulares com origem ou, de alguma forma, relacionadas com grupos criminosos sedeados na Somália. Em paralelo, e com potencial para modificar o atual estado de segurança no mar, com especial incidência no Golfo de Áden, 31 84.O Ano Encontros de trabalho com diversas entidades. no Estreito de Bab el Mandeb e no sul do Mar Vermelho, faz-se sentir a instabilidade potenciada pelo conflito no Iémen. Simultaneamente, as fortes tensões regionais na zona do Estreito de Ormuz e do Golfo Pérsico têm conduzido a uma presença crescente de meios militares, incluindo europeus. Por outro lado, a presente diminuição da prática de atos de pirataria, referida anteriormente, pode significar que os grupos ou redes que se dedicavam àquela atividade, se dedicam agora a outras práticas ilícitas, podendo, eventualmente, reverter para a atividade inicial, a qualquer momento, se estiverem reunidas condições favoráveis. A EU NAVFOR Somália conta presentemente com um número reduzido de meios e capacidades. Esta situação exigiu a adaptação do funcionamento do Comando e do estado-maior embarcado para que, com menos recursos, se pudesse cumprir o mandato, proporcionando o mesmo nível de proteção à navegação vulnerável. Neste contexto, foram testados diferentes métodos e níveis de colaboração e integração com diversos atores regionais e locais, a fim de complementar a capacidade de conhecimento situacional da Força e de aumentar a cooperação com outras partes interessadas, militares e civis, presentes na área de operações. Intensificámos a colaboração com o Serviço Europeu de Ação Externa e com as outras missões europeias no terreno, com o objetivo de, através de uma ação concertada, cumprir de forma mais eficaz e eficiente a missão, convencidos de que o diálogo, a partilha de informação e a conjugação de recursos são condições prévias na luta contra a insegurança no mar e no desenvolviAproximação amigável a uma embarcação. 32 Militares portugueses do Estado-Maior Internacinal da 33ª Rotação do Comando da Operação Atalanta. mento de respostas aos desafios marítimos que vão muito além da pirataria. O EMBARQUE NAS FRAGATAS ESPANHOLAS Foi num contexto de grande compreensão, profundo respeito institucional e consideração pessoal ímpar que fomos protagonistas duma cooperação militar acrescida, e única, mesmo a nível europeu, entre Portugal e Espanha. Durante a nossa estadia a bordo das fragatas VICTORIA e NUMANCIA, tivemos a oportunidade de testemunhar a experiência, o profissionalismo e a dedicação das guarnições espanholas. O calor humano com que fomos recebidos fez-nos sentir em casa desde o primeiro momento: a linguagem nunca foi uma barreira, pelo contrário, foi sempre uma ponte. Por outro lado, a oportunidade navegar em navios espanhóis, num momento relevante para ambos os países, permitiu vivenciar, em local privilegiado, a celebração do quinto centenário da viagem de circum-navegação iniciada de forma pioneira por Fernão de Magalhães e completada, brilhantemente, por Juan Sebastián de Elcano. Esta epopeia de 500 anos encarna a importância do esforço individual, mas sobretudo do esforço coletivo, da perseverança, da capacidade de trabalho e da responsabilidade, Navios da EU NAVFOR Somália. princípios éticos e morais que partilhamos e que continuam a ter uma importância vital nas nossas Marinhas. Terminada esta missão, estamos certos e confiantes de que os princípios éticos e morais que partilhamos com a Armada Española continuarão a regular o nosso trabalho, marcado por um forte sentido de serviço público, e, por isso, continuaremos a trabalhar com rigor, fraternidade, serenidade, verdade e justiça, em benefício da sociedade e dos nossos concidadãos. * Comodoro OBSERVAÇÃO: Este texto foi elaborado com o apoio dos oficiais portugueses do estado-maior internacional da 33ª rotação do Comando da Operação ATALANTA. Marinha de Guerra O “Plano Estratégico da Marinha” do Brasil (PEM 2040) por Victor Lopo Cajarabille* a sequência da promulgação pelo Comandante da Marinha do Brasil, Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Júnior, de um documento intitulado “Política Naval”, em abril de 2019, surge agora o “Plano Estratégico da Marinha” (PEM 2040). Este novo documento, emanado da mesma entidade, foi entregue ao Presidente da República do Brasil e ao Ministro da Defesa em 10 de setembro de 2020. O PEM é elaborado pelo Estado-Maior da Armada e aprovado pelo Comandante da Marinha do Brasil, tendo um horizonte temporal de 20 anos, devendo ser revisto de 4 em 4 anos. Visa estabelecer os planos de médio e longo prazo (até 2040) da Marinha do Brasil, tendo sido elaborado após vastas discussões e numerosos trabalhos, com a participação de militares e civis, formadores de opinião e representantes das comunidades académica e científica. Trata-se de um texto perfeitamente alinhado com a Política Naval anteriormente definida e naturalmente condicionado pela Política Nacional de Defesa, Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. No essencial, desenvolve e detalha as orientações, objetivos e programas já anunciados na órbita da Política Naval. Assinale-se em primeiro lugar a atenção N dedicada a todo o edifício conceptual ao nível da Defesa Nacional e das Forças Armadas, bem como a integração de personalidades civis qualificadas na preparação dos documentos de suporte. O PEM 2040 tem um cariz mais operacional do que a Política Naval, mas mantém o foco nos objetivos navais e na projeção para o futuro. Torna-se assim mais esclarecedor no que respeita ao sistema de forças navais que a Marinha do Brasil ambiciona. Para além da clássica mensagem do Comandante da Marinha, a substância elucidativa encontra-se distribuída por vários capítulos, bem significativos: 1. Ambiente operacional 2. Ameaças 3. Conceito estratégico marítimo-naval 4. Mapa estratégico da Marinha 5. Ações estratégicas navais O ambiente operacional abrange a área marítima e fluvial e salienta a sua importância para o desenvolvimento e segurança do Brasil. Neste capítulo fazem-se considerações teóricas sobre o poder marítimo, suas funções e fatores condicionantes, sempre que possível com aplicações concretas à realidade brasileira. As áreas com maior prioridade são naturalmente as que já estavam definidas na Política Naval, ou seja, o Atlântico Sul e a “Amazónia azul”(1), mas agora com a indicação precisa do paralelo 16º Norte(2), como limite superior das áreas prioritárias, o que abrange praticamente a metade Sul do arquipélago de Cabo Verde. No capítulo das ameaças, percebe-se que o Brasil encara a sério a possibilidade de um ataque vindo do mar ou a coação por potência naval de maior dimensão e até a defesa NBQR(3), por parte de forças navais, aeronavais e de fuzileiros. Deste modo, são necessários meios adequados para contrariar tais ameaças. No que respeita às outras ameaças relativas à segurança no mar parece não se afastarem da moldura habitual dos tempos modernos: pirataria, terrorismo marítimo, pesca ilegal, acesso ilegal a conhecimentos, criminalidade organizada, questões ambientais, disputas por recursos naturais e ameaças cibernéticas. No que concerne ao conceito estratégico marítimo-naval afigura-se que talvez seja um pouco excessivo num documento com caraterísticas de pendor mais operacional. São explorados os conceitos de “Comba- 33 84.O Ano te no Mar” e “Combate pelo Mar”, sendo que este último se refere à proteção dos recursos existentes no mar. Contudo, descrevem-se os princípios da guerra, manifestamente inseridos de modo forçado, focando depois as oportunidades de diplomacia naval, acompanhadas de exemplos. Na realidade, para além de alguns elementos dispersos, certamente válidos, não se consegue descortinar uma linha conceptual estratégica de natureza marítimo-naval bem definida. Para mencionar sistemas considerados muito relevantes, como sejam, o Sistema de Gerenciamento da Amazónia Azul(4) e o Centro Integrado de Segurança Marítima, recorre-se a uma subsecção de requisitos para um sistema defensivo proactivo. Aproveita-se também para atribuir elevada “pro-atividade”(5) ao submarino de propulsão nuclear. Merece algum esclarecimento a seguinte afirmação, que consta na página 37: … a denominada Plataforma Continental, que pode chegar a 350 milhas náuticas da costa. Na verdade, em certos casos(6), a Plataforma Continental reconhecida poderá ultrapassar as 350 milhas náuticas da costa (linhas de base). O Brasil, na sua proposta de extensão, apresenta duas pequenas áreas nestas condições, e Portugal também na região dos Açores. Voltando ao texto em apreço, faltam analisar dois capítulos que estão bastante interligados e que já constavam na Política Naval, embora de forma muito mais condensada. Constituem a parte mais concreta e explicativa do PEM 2040, já que descrevem com algum detalhe os programas de desenvolvimento e reequipamento da Marinha do Brasil para os próximos 20 anos. Merecem assim a maior atenção e permitem apurar os sistemas de forças a edificar e quais as suas tendências e objetivos principais. Também nesta parte se inserem alguns elementos talvez dispensáveis, como sejam os “Valores da Marinha”. Os objetivos navais estão divididos em três grandes grupos, consoante as áreas primordiais a que se destinam: Resultados para a sociedade (contributo no âmbito 34 militar e civil de ordem geral), Processos (sistema de força naval propriamente dito) e institucional (administração de pessoal e financeira). A cada um dos Objetivos Navais (OBNAVs), corresponde uma Estratégia Naval (EN) e diversas Ações Estratégicas Navais (AENs). Assim, cada EN constitui uma explanação do objetivo visado e cada AEN consiste na realidade num projeto que se encontra descrito e está atribuído a uma entidade responsável. Paralelamente, existe um processo de recolha de índices e indicadores para acompanhamento da eficiência e eficácia dos projetos, bem como um Comité de Gestão Estratégica da Marinha (COGEM) que deverá verificar as metas alcançadas. São enunciadas 51 AEN, mas na parte final do documento são considerados estratégicos pela Marinha Brasileira sete programas (uma combinação de várias AEN no entendimento adotado) a seguir mencionados: – Gestão do pessoal e sua valorização, que inclui a saúde e família naval; – Programa nuclear da Marinha, que visa a construção de um submarino de propulsão nuclear; – Construção do núcleo do poder naval, que abrange a obtenção de meios navais e que adiante se mencionará com algum detalhe; – Obtenção da capacidade operacional plena, que se refere à modernização de instalações, dotações de sobressalentes, armas e munições; – Sistema de Gerenciamento da Amazónia Azul, já referido; – Ampliação do apoio logístico, que consiste fundamentalmente na criação de um complexo naval de uso múltiplo próximo da foz do rio Amazonas; – Mentalidade marítima, que diz espeito à consciencialização da sociedade relativamente à necessidade e importância do poder marítimo e ao incremento da mentalidade marítima. Para além destes programas estratégirevistademarinha.com cos, merecem ainda especial realce os seguintes projetos: – Incrementar a capacidade contra ameaças híbridas; – Contribuir para a garantia dos Poderes Constitucionais e da Lei e da Ordem; – Apoiar a presença brasileira no continente Antártico; – Fortalecer a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), que é constituída por representantes de diversos órgãos e Ministérios e coordenada pelo Comandante da Marinha; – Fomentar a participação das Marinhas amigas na ZOPACAS(7); – Ampliar a participação em operações de paz e humanitárias; – Obter o sistema de aeronaves remotamente pilotadas; – Desenvolver a capacidade de defesa NBQR; Desenvolver os projetos de míssil anti-navio nacional e anti-navio ar-superfície; – Desenvolver parcerias estratégicas com o setor industrial marítimo para a elaboração de projetos de construção ou reparação de navios para uso comercial e militar; – Criar o esquadrão de guerra cibernética; – Desenvolver a capacidade de interceção de comunicações por satélite; Relativamente à renovação da esquadra e de outros meios navais há a registar um conjunto apreciável de aquisições e modernizações: – Continuação da construção do submarino nuclear, atrás citado; – Aquisição de um navio com capacidade de controlo de áreas marítimas; – Construção de 4 novas fragatas da classe TAMANDARÉ com elevado poder combatente; – Construção em curso de 4 novos submarinos convencionais da classe RIACHUELO, (Scorpéne modificado) com apoio da França; – Construção de um navio de apoio logístico móvel; – Aquisição de navios anfíbios, navios de contramedidas de minas e navios de instrução; – Navios patrulhas e navios hidro-oceanográficos; – Reequipamento dos fuzileiros; – Aviões de asa fixa, helicópteros com capacidade anti-submarina e outros helicópteros. Pode-se facilmente concluir que o programa de aquisições previsto para a Marinha do Brasil nos próximos 20 anos é muito · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Marinha de Guerra ambicioso e dificilmente será cumprido na sua totalidade. Para além dos custos envolvidos, a execução de numerosos projetos simultaneamente raramente é viável em tempo de paz e muito menos quando não existem inimigos bem identificados, como é o caso do Brasil. No plano da segurança e autoridade do Estado no mar, o Brasil já possui mais de 20 Patrulhas de várias classes, que podem ser apoiados por navios maiores e até por submarinos convencionais. Contudo, existem grandes lacunas em termos de navios combatentes e o PEM 2040, mesmo que cumprido, não vai transformar a Marinha brasileira numa grande potência naval. Poderá classificar-se como uma Marinha média de projeção regional. As atuais 6 fragatas e os 4 submarinos, embora tenham sido beneficiados com modernizações, estão longe das modernas capacidades deste tipo de navios. Por isso, o Brasil pretende construir rapidamente 4 fragatas tecnologicamente avançadas e também novos submarinos convencionais. Porém os submarinos não serão equipados com AIP(8), o que lhes retira bastante valor combatente. Quanto ao submarino nuclear, quando estiver operacional, será uma unidade de valor muito importante. O projeto dura há décadas e não se sabe quando ficará concluído. Por outro lado, uma unidade é manifestamente pouco se o Brasil se quiser afirmar como uma potência naval de pro- Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 2040 é um documento que foi escrito especialmente para consumo interno, exaltando as funções da Marinha e justificando o investimento que se preconiza. No que se refere ao reflexo externo do poder naval que se possa demostrar, não será muito impressionante, mas regista-se que vai haver um esforço no sentido do seu incremento, o que poderá continuar no longo prazo, até se atingir um patamar superior. Haverá que aguardar o próximo PEM, a publicar em 2024, para verificar os progressos alcançados. * V/Alm., ref jeção superior à regional. O mínimo seriam 3 unidades e isso não está ao alcance do Brasil nas próximas décadas. Apesar do que antecede, a obtenção de um navio com capacidade de controlo de áreas marítimas (desconhecem-se os requisitos), juntamente com o Porta Helicópteros Multipropósito já existente, os navios anfíbios, o novo material para os fuzileiros e ainda um conjunto apreciável de outros tipos de navios e meios aéreos, mostram uma pujança estimulante da Marinha do Brasil Uma nota final para observar que o PEM · revistademarinha.com NOTAS: (1) Espaços marítimos de soberania ou jurisdição nacional do Brasil. (2) O paralelo 16° Norte passa exatamente na ilha da Boavista (Cabo Verde). (3) Nuclear, Biológica, Química e Radiológica. (4) Consiste num conjunto de sistemas destinados a ampliar a capacidade de monitorização e controle das águas jurisdicionais e das regiões de busca e salvamento sob responsabilidade do Brasil. (5) Na grafia brasileira “proatividade”. (6) Em determinadas condições de configuração da margem continental pode-se aplicar a regra de 100 milhas medidas a partir da isóbata dos 2.500 m, mesmo que ultrapasse as 350 milhas da costa. (7) Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul. (8) Air Independent propulsion. Em português, propulsão independente do ar, o que permite ao submarino operar sem necessidade de acesso ao oxigénio atmosférico, portanto sem vir à superfície com alguma frequência para carregar baterias. 35 84.O Ano Contribuição da Marinha Angolana no Desenvolvimento do País por Valentim Alberto António* existência de consideráveis recursos naturais marinhos vivos e não vivos nas águas jurisdicionais Angolanas suscita especial atenção no que tange à vigilância e à proteção dessa vasta área. A exploração de cerca de 95% do petróleo e do gás natural é feita no mar, e esse mesmo espaço é atravessado por linhas de comunicação e rotas comercias importantes, mostrando-se um desafio adicional a gestão deste mesmo espaço, e a sua exploração comercial e científica sustentável. Do ponto de vista da Defesa e Soberania Nacional, o mar Angolano é um grande património a ser protegido e preservado de ameaças. É à Marinha Angolana que cabe a incumbência de proteger a vasta área marítima do Pais, em cooperação com outros organismos do Estado. A Marinha Angolana foi criada a 10 de julho de 1976. Na altura da sua criação, o primeiro Presidente de Angola proferiu um importante discurso de que apresentamos algumas citações: … eu insisto nesta necessidade de defesa … diante de nós temos um facto que não devemos também esquecer, é que para proteger o nosso território nacional a Marinha é necessária. A proteção das nossas águas territoriais onde até agora têm vindo a piratear muitos navios estrangeiros, que fazem a pesca, é um facto que devemos evitar no futuro, devemos neutralizar aqueles que querem de qualquer maneira roubar o que existe no nosso país, ou que pretenderão, talvez, através do mar atacar o nosso país. Este discurso foi decisivo, pois o Dr. Agostinho Neto demonstrava ter uma visão estratégica, que considerava o mar um importante recurso pelas suas potencialidades económicas, e pelas ameaças e riscos que suscitava. Nesta época a Marinha Angolana herdou do espólio da Armada colonial Portuguesa doze lanchas de patrulha e A fiscalização das classes ARGOS e BELLATRIX, um navio hidrográfico, duas lanchas de desembarque grandes, duas lanchas de desembarque médias e uma lancha de desembarque pequena. Nos anos subsequentes, e de uma forma faseada, até a década de 90 do século XX, foram sendo aumentados à Marinha Angolana diversas unidades navais com capacidade de emprego de mísseis, torpedos e artilharia reativa de grosso calibre para “amaciamento” de alvos na costa, uma aeronave de patrulha marítima e estações de radar costeiras com cobertura total da costa. Por outro lado, não foi descurada a formação de pessoal em diversas especialidades de marinha, para exploração, emprego e manutenção do armamento e dos meios técnicos. As preocupações apresentadas pelo Dr. Agostinho Neto há 44 anos relativas à prote- ção e preservação dos recursos marinhos, revelam-se atualmente e cada vez mais, uma preocupação dos estados costeiros e das organizações mundiais e regionais. Por exemplo, a ONU estabeleceu, para os anos 2021-2030, a Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável. O propósito é incentivar governos, e sociedade civil a desenvolver ações que ajudem a cumprir o objetivo nº 14 da lista dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável cujo tema é a “Conservação e Uso Sustentável dos Oceanos, dos Mares e dos Recursos Marinhos para o Desenvolvimento Sustentável”. Por sua vez a União Africana (UA), na sua Estratégia Marítima Integrada de África 2050, reconhece que o futuro do continente, tanto em termos de oportunidades como de desafios, está ligado ao espaço marítimo que o cerca. O vasto domínio africano contém imensos recursos que, quando totalmente explorados, irão fornecer às sociedades africanas recursos adicionais significativos para fortalecer os seus contínuos esforços de desenvolvimento, incluindo a segurança alimentar e energética. Por sua vez, o desenvolvimento é uma base essencial para a estabilidade e sustentabilidade da paz no continente. A UA reconhece também que este processo de desenvolvimento é quase impossível de alcançar sem segurança – tanto em terra como no mar, lembrando que dos 54 Estados africanos, 16 não possuem ligação direta com o mar. Como é sabido, hoje mais que nunca, os estados costeiros, assim como o alto mar, estão expostos a uma multiplicidade de ameaças e riscos, que tiram partido do mar e carecem de resposta da parte dos Estados e organizações internacionais, já que os efeitos que produzem são altamente prejudiciais às economias e à segurança. Nesse tipo de ameaças constam sobretudo as ati- O NGOLA KILUANGE, um dos dois patrulhas oceânicos de 62 m, utilizados na fiscalização da pesca. 36 Marinha de Guerra vidades de pesca ilegal, tráficos ilícitos de pessoas, armas, drogas, contrabandos, (incluindo o branqueamento de capitais), imigração clandestina, crimes ambientais, derrame de petróleo, roubo de petróleo/roubo de petróleo bruto bem como a descarga de resíduos tóxicos e de lixo hospitalar. Estas atividades são deliberadamente dissimuladas e o seu combate exige a mobilização de meios e recursos, na maioria dos casos multissectoriais. Outras ameaças assumem formas mais explícitas, e constituem-se num verdadeiro perigo para a navegação, como a pirataria e assalto à mão armada contra navios. Nesse sentido, a interoperabilidade é fundamental, e o efetivo monitoramento do mar impede a realização de atividades não sustentáveis, como a pesca predatória e a ocorrência de acidentes ambientais, como vazamento de combustível, evitando prejuízos como a perda de habitats marinhos, a contaminação química e a poluição dos mares. O Executivo Angolano e a sociedade civil em geral hoje estão cientes de que não é o petróleo que irá resolver todos os seus problemas, e concluiu-se mesmo que a diversificação da economia é na verdade o melhor caminho. O mar Angolano para além do petróleo e gás, possui outros recursos valiosos que podem concorrer na produção da riqueza nacional; os mesmos devem ser protegidos, porque são cobiçados por agentes que se dedicam a atividades ilegais. Seria muito valioso ter-se na mão dados sobre a atividade de exploração ilegal do mar para que se tivesse a ideia exata dos prejuízos que ela causa ao país. Angola, como muito outros estados no mundo, tem dificuldades em assegurar o controlo eficiente da atividade no mar, porque a fiscalização ainda não cumpre o seu verdadeiro papel, pela exiguidade dos meios de que dispõe para este fim ou por serem meios inadequados. Identificados os constrangimentos, o Estado Angolano está buscando soluções para se ultrapassar esta situação. Existe a Uma unidade de Fuzileiros Navais, nas comemorações dos 40 anos da Marinha de Angola. consciência de que se tem de defender os bens do domínio público que se encontram no mar, nomeadamente os recursos biológicos e não biológicos. Nesse sentido o Executivo Angolano tomou a decisão, em execução, de fazer investimentos públicos na modernização da Marinha. O esforço desta modernização engloba uma ampla gama de programas de aquisição de plataformas e apoio C4ISR (comando e controlo, comunicações, computadores, inteligência, vigilância e reconhecimento). O esforço de modernização da Marinha inclui também a melhoria na manutenção e na logística, o aprimoramento da qualidade do pessoal através da educação e treino, para além de contar com o recurso da cooperação de diferentes países, de entre eles Portugal. Oficiais instrutores portugueses apoiam a formação de cadetes angolanos na sua própria Escola Naval, e também os cadetes do 5º ano formados na Academia Naval em Angola, realizam um estágio em Portugal, em unidades da Armada portuguesa. O esforço de modernização da Marinha é considerado pelo Executivo Angolano como tendo como objetivo o desenvolvimento das capacidades necessárias para alcançar um maior grau de controlo ou domínio do que se passa na Zona Económica Exclusiva, Mar Territorial e vias fluviais, assim como assegurar a atividade de “busca e salvamento” marítimo e a cooperação com outras nações na manutenção da ordem e segurança no mar. Valerá sempre a pena que se façam investimentos públicos a nível da fiscalização marítima, para que o país possa contar livremente com os imensos recursos marinhos neles existentes, para que deles tire o maior proveito. O mar angolano está intrinsecamente ligado ao desenvolvimento nacional, razão pela qual a sua gestão pressupõe uma filosofia de intervenção, cada vez mais consentânea com as ambições legítimas e as expectativas de Angola em ser um país próspero e virado para o futuro. * Vice-almirante (Angola) CURSO | DIRIGENTES E EXECUTIVOS DE TOPO LIDERANÇA & ALTA PERFORMANCE IMERSÃO EXPERIMENTAL EM TREINO DE MAR CANDIDATURAS ATÉ 15 ABRIL A REALIZAR 29, 30 E 31 MAIO HTTP://CBSE.ISCAC.PT Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · revistademarinha.com [email protected] 239 802 187 37 84.O Ano A Base Naval de Hera, cerca de uma dezena de kms a leste de Dili, vista do lado do mar. A Força Naval Ligeira de Timor-Leste por João da Silva* e Rui Nunes Ferreira** Força Naval Ligeira de Timor-Leste, com apenas 18 anos e com um período conturbado em 2006/2007, está em fase de estabilidade estrutural (em elaboração e para aprovação ainda este ano, a futura Lei Orgânica) e ainda a ganhar a consolidação do espírito marinheiro dos seus militares. De realçar que dos 50 militares que começaram nesta componente em 2002, apenas 25 continuam nas suas fileiras. A TIMOR-LESTE E O SEU MAR Antes de descrever a atual situação da Componente Naval, é de todo fundamental caraterizar a importância estratégica do mar para o quinto país mais jovem do mundo. Como é sabido a importância do mar tem sido demonstrada, como fator permanente do sistema internacional, quer sob a perspetiva económica, quer no plano da segurança. A política externa dos Estados, em geral, e dos estados costeiros em particular, deve contemplar o mar com um sentimento reforçado e com interesse especial. Tendo em conta estes fatores geoestratégicos, Timor-Leste poderá, em termos de comércio internacional, ser uma verdadeira plataforma entre o Índico e o Pacífico com todas as vantagens que poderão advir para o desenvolvimento sustentado da sua economia. O potencial estratégico do mar timorense exige que sejam equacionadas as necessárias infraestruturas portuárias e outras relacionadas com a exploração dos hidrocarbonetos, devendo ser tido em conta nos 38 planos estratégicos de desenvolvimento económico de Timor-Leste(1). De assinalar que o mar é constantemente referido nos discursos das entidades deste país, assim como em entrevistas aos órgãos de comunicação social por parte de cidadãos timorenses de referência como é o caso do Dr. Ramos-Horta numa entrevista á televisão timorense em dezembro de 2018. De referir também as palavras do atual Presidente de Timor-Leste (Dr. Francisco Guterres Lú Olo) na Conferência Internacional “Timor-Leste: O Século do Mar”, promovida pelo Instituto de Defesa Nacional de Timor-Leste (IDN-TL) em agosto de 2018 … Timor-Leste é um pequeno país quando, na verdade, a sua plataforma continental é bastante grande e o país deve ser visto não como um país periférico, mas sim como um país de articulação transoceânica, que se situa numa das quatro rotas comerciais marítimas mais utilizadas na ligação entre os oceanos Índico e Pacífico, facto que acentua o seu potencial geoestratégico. Isto só denota a importância de Timor-Leste ter uma Componente Naval sólida e pronta para acompanhar o desenvolvimento do país e controlar as águas sob sua jurisdição, tendo este tema sido referido no discurso do Presidente Dr. Francisco Guterres Lú Olo, durante as comemorações do 16º aniversário da Componente Naval Ligeira, em Hera(2), dando enfase … à importância e necessidade de melhorar as condições de manutenção em terra da frota naval e a necessidade de presença constante da Componente Naval nas águas territoriais mauberes. Nas palavras do Almirante Silva Ribeiro, durante uma apresentação no Instituto de Defesa Nacional Timorense em agosto de 2019, como contributo da sua visão estratégica para que a posição geopolítica de Timor-Leste atinja as suas finalidades políticas futuras, com uma necessidade de adotar uma visão estratégica para o mar … não há organização nem direito que levem os países vizinhos a prescindir dos seus interesses, se os timorenses não tiverem plena consciência, enorme inteligência e total empenho na contenção das ameaças e na exploração das oportunidades relacionadas com o mar que é seu. PORTUGAL NA GÉNESE DA COMPONENTE DA FORÇA NAVAL LIGEIRA A Componente Naval Ligeira das FALINTIL – Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL) tem sido apoiada e assessorada por Cte João da Silva. revistademarinha.com · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Marinha de Guerra Portugal através da sua Cooperação no Domínio da Defesa com militares da Marinha e dos outros ramos (no âmbito dos Cursos de Português para fins específicos) desde 2001, ou seja, antes mesmos da independência (ou restauração da independência na perspetiva timorense) do país. Em fevereiro de 2001 as forças de guerrilha, as gloriosas FALENTIL (Forças Armadas de Libertação de Timor-Leste), como a elas se refere o preâmbulo da Constituição da República Democrática de Timor-Leste (CRDTL),transformam-se em FALENTIL-FDTL(3) e os seus elementos são divididos por áreas de atuação, já com o pensamento na futura organização militar em Componentes. É então fundado, em Aileu, o Centro Formação de Treinamento Temporário para a Componente da Força Naval Ligeira; este seria o início da primeira organização militar naval de Timor-Leste. Em setembro desse ano, já em Metinaro, iniciaram-se os Cursos de Especialização em Navegação, Comunicações, Mecânica e Eletricidade, cursos esses ministrados por formadores e assessores da Marinha Portuguesa. Refira-se que no começo desse ano de 2001, Portugal iniciou o aprontamento de duas lanchas classe ALBATROZ e enviou para Timor-Leste todo o equipamento de apoio à instrução, assim como sobressalentes, material de consumo, ferramentas, máquinas para o apetrechamento de uma oficina, etc. Nesse mesmo pacote de apoio foram enviados os equipamentos para a montagem de uma rede de comunicações nos Pontos de Apoio Navais. Em dezembro desse ano chegaram a Timor-Leste duas lanchas classe ALBATROZ oferecidas por Portugal: NRTL OE-CUSSE (ex-NRP ALBATROZ) e NRTL ATAÚRO (ex-NRP AÇOR). A 12 de janeiro de 2002 realizou-se a Cerimónia Protocolar da entrega das lanchas a Timor e a Cerimónia de Batismo dos navios. Presidiu à cerimónia o Administrador da UNTAET(4), Dr. Sérgio Vieira de Mello, tendo sido madrinhas do NRTL OE-CUSSE, a Sr.ª Biraldi, ex-guerrilheira Cte Nunes Ferreira. das FALINTIL, e do NRTL ATAÚRO a então Ministra das Finanças, Dr.ª Fernanda Borges(5). Em representação do Estado Português esteve presente Sua Excelência o Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada, o saudoso Almirante Vieira Matias. O 12 de Janeiro passou a ser considerado o Dia da Componente da Força Naval Ligeira. No início de 2006 origina-se o movimento dos “peticionários”(6) que cria uma enorme crise nas F-FDTL e, principalmente, na Componente Naval, onde 45% dos militares desta componente são afastados das fileiras. Em maio do mesmo ano dá-se o início da segunda revolta, liderada pelo MAJ Alfredo Reinado. Com esta revolta, cerca de 50% dos afetivos das F-FDTL desertaram, uns peticionários da causa do MAJ Reinado, outros simplesmente abandonaram as Forças Armadas por vontade própria. Todo o plano de formação da componente naval foi posto em causa uma vez que parte do pessoal formado deixou de estar disponível e as guarnições das lanchas ficaram reduzidas a menos de uma. A anarquia e o laxismo instauraram-se contribuindo para a avançada degradação dos equipamentos. Por motivos de segurança a assessoria portuguesa esteve ausente do país de agosto a outubro de 2006. Com esta interrupção temporal ficou-se com a sensação de que todo o esfor- ço passado foi em vão, uma vez que quase tudo voltou ao estado inicial. Todavia, com continuado apoio de Portugal e dos assessores da Marinha Portuguesa, a Componente Naval foi renascendo das cinzas. Em setembro de 2010 é concluído o primeiro curso de Fuzileiros, fornecendo pela primeira vez na sua história a capacidade anfíbia militar a Timor-Leste. Este curso foi ministrado por militares fuzileiros do Corpo de Fuzileiros da Marinha de Portugal durante 4 meses em Timor-Leste, destacados para esse efeito. Até dezembro de 2016 a assessoria portuguesa, na área da componente naval, formou centenas de militares timorenses, realizando 8 cursos de especialização em várias áreas de marinha (Manobra, Taifa, Logística, Eletromecânica, Operações, Artilharia, Comunicações, Mergulhadores) e 3 cursos de especialização de Fuzileiros em terras de Lorosa’e. Este esforço e o excelente trabalho realizado pelos militares portugueses que passaram por estas terras longínquas a Oriente, ainda hoje está vincado na relação luso-timorense dos militares das duas nações irmãs, espelhado na amizade e na confiança no trabalho e no relacionamento do dia a dia. OS MEIOS NAVAIS NA HISTÓRIA DAS F-FDTL Em junho de 2010, 8 anos depois da entrada ao serviço dos primeiros dois navios, Timor-Leste recebe, por compra, dois navios patrulha chineses da Classe Shanghai III (Type 62-1G) com 45 m de comprimento, NRTL JACO e NRTL BETANO. Com a vinda destes navios, a capacidade de atuação da Componente Naval deixa de estar limitada à costa e adquire, pela primeira vez na sua jovem história, a capacidade de presença oceânica. Em setembro de 2011 recebe por oferta da República da Coreia (Coreia do Sul) 3 navios em segunda mão: 1 patrulha da Classe Cul�vo Sustentável de Macroalgas do Atlân�co Cer�ficação Biológica Agrónomos Marinhos desde 2012 PCI Íhavo www.algaplus.pt Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · revistademarinha.com 39 84.O Ano REFLEXÃO SOBRE O FUTURO NRTL Betano e NRTL Jaco. Chamsuri com 37 m, NRTL KAMANASSA e duas lanchas Yard Utility Boat (YUB) com 21 m, NRTL DÍLI e NRTL HERA. Estes dois últimos foram entregues, em maio de 2012, por decisão política, à Unidade de Polícia Marítima (unidade pertencente à PNTL(7)) Finalmente em janeiro de 2014 a República Popular da China ofereceu a Timor-Leste 2 lanchas Type 966Y com 12 m de comprimento, NRTL PARASSA e NRTL LIFAU. De referir que em 2012 foram adquiridas à Indonésia duas lanchas de assalto rápido (LAR)(8) para reforçar a capacidade de abordagem rápida da Força de Fuzileiros e por consequência da própria componente. No entanto, devido a uma avaria mecânica grave em 2015, e por dificuldades de manutenção e logística por falência da empresa que as forneceu, as lanchas encontram-se inoperacionais(9). Na atualidade, com o início do processo de abate das lanchas portuguesas(10) em 2019 e com o futuro incerto do navio patrulha NRTL KAMANASSA(11) em 2020, a Componente Naval ficará somente com 4 navios no efetivo. No entanto, já pensando no futuro, Timor-Leste irá receber dois navios patrulha da GUARDIAN class (comprimento 40 m), provenientes da Austrália, com entrega prevista para 2023 (de que falaremos mais à frente) e tem já em estudo a aquisição de mais meios por forma a reforçar a presença naval no seu vasto território marítimo(12). 2017-2021 com Timor-Leste (5º Programa Quadro)(13), no âmbito da Cooperação no Domínio da Defesa (CDD), sob a alçada da Direção-Geral de Política de Defesa Nacional (DGPDN) do Ministério da Defesa Nacional de Portugal. Esta cooperação abrange várias áreas desde a formação, planeamento, assessoria técnica e apoio em várias atividades da Componente Naval. Neste momento a equipa do projeto é constituída por um Diretor Técnico (Capitão-de-fragata), um Assessor Técnico para a área do Destacamento de Fuzileiros (1º Tenente) e um militar técnico de qualquer ramo das Forças Armadas como Professor de Português, sendo reforçada ocasionalmente, para efeitos de formação específica e apoio específico, por Assessores Técnicos Temporários. Para termos noção da complexidade e do desafio da construção da Componente da Força Naval Ligeira das F-FDTL, apesar de Timor-Leste ser um país arquipelágico(14), o seu povo esteve sempre virado para a montanha e para o seu interior. A pesca e as atividades ligadas ao mar sempre foram residuais, e a sua ação de guerrilha permanentemente ligada à estratégia terrestre e às operações baseadas em ações de infantaria. No entanto, o seu futuro está definitiva e inevitavelmente ligado ao mar e ao seu património marítimo. E este é o seu grande desafio: tornar o seu povo, um povo com visão marítima. Um dos maiores desafios será a criação de uma Autoridade Marítima forte, robusta e coesa, em que a participação ativa e de liderança das F-FDTL é fundamental para o seu sucesso e, consequentemente, para o controlo e gestão efetiva do seu espaço marítimo. Num país pequeno e com limitações a nível financeiro e de manutenção de meios, a utilização de uma competência militar naval de “duplo uso” é fundamental para uma organização de sucesso no Sistema de Autoridade Marítima (SAM) Nacional. Fruto da experiência adquirida nos últimos anos, tem-se identificado aspetos que necessitam ser corrigidos, uma vez que tem prejudicado a atividade operacional, em particular a necessidade de ser definido um quadro orçamental para a Componente Naval adequado aos ciclos de manutenção necessários para as unidades navais e ao seu funcionamento interno. A necessidade de garantir a autoridade do Estado em todos os espaços marítimos sob soberania ou jurisdição de Timor-Leste, obriga à necessidade de um dispositivo na- O 5º PROGRAMA QUADRO DE COOPERAÇÃO COM TIMOR-LESTE (2017-2021) Atualmente a cooperação militar portuguesa está baseada no Programa Quadro 40 Aula prática curso de Electromecânicos. revistademarinha.com · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Marinha de Guerra val robusto e permanente, em que o ideal seria a presença de dois navios patrulhas costeiros a operar na costa norte e um navio patrulha oceânico em patrulhamento na costa sul, tendo em conta a salvaguarda de uma reserva operacional de meios, assim como respeitando os ciclos de manutenção relativos a cada meio operacional. E deveremos ter em atenção que o seu crescimento deve ser coerente e sustentado. Timor-Leste irá receber dois navios patrulha GUARDIAN class, com entrega prevista para 2023, como já foi referido anteriormente. Este projeto está enquadrado no programa australiano Pacific Patrol Boat Replacement Program (PPBRP), que planeia a entrega pela Austrália de várias unidades a 12 nações/ilhas do Pacífico. O sucesso deste projeto, assim como a continuação do trabalho conjunto das assessorias militares de Portugal e das restantes cooperações internacionais será muito importante para a estabilização e consolidação do futuro da Componente da Força Naval Ligeira das F-FDTL da RDTL. * Comandante da Componente da Força Naval Ligeira das F-FDTL ** Capitão de Fragata Cooperação no Domínio da Defesa com Timor-Leste Diretor do Projeto nº 3 [email protected] NOTAS: (1) De referir que 95% das exportações/importações de Timor-Leste são efetuadas por via marítima. Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 (2) Hera é um suco (equivalente à divisão administrativa “freguesia” em Portugal) do Posto Administrativo de Cristo Rei, a leste do Município de Díli. (3) Nos termos da Constituição Timorense, que entrou em vigor a 20 de maio de 2020, o seu artigo 146.º determina que as Forças Armadas de Timor-Leste, FALINTIL-FDTL, são compostas exclusivamente por cidadãos timorenses, sendo responsáveis pela defesa militar da República Democrática de Timor-Leste e a sua organização é única para todo o território nacional. Às FALINTIL-FDTL compete garantir a independência nacional, a integridade territorial e a liberdade e segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externa, no respeito pela ordem constitucional. As FALINTIL-FDTL são apartidárias e devem obediência, nos termos da Constituição e das leis, aos órgãos de soberania competentes, sendo-lhes vedada qualquer intervenção política. (4) A UNTAET, na sigla em inglês, ou Administração Transitória das Nações Unidas em Timor-Leste (outubro de 1999 a maio de 2002) foi a missão das Nações Unidas com o mandato do Conselho de Segurança da ONU para proceder à administração de transição para a independência plena do país. O mandato desta missão incluía plena autoridade legislativa, executiva e judiciária para gerir todo o território de Timor-Leste. (5) Não deixa de ser curiosa a escolha dos nomes para estes navios. O Enclave de Oe-Cusse Ambeno foi o primeiro local onde os portugueses aportaram no início do século XVI à ilha de Timor. Ataúro, uma ilha em frente a Díli, foi o local onde a Administração Portuguesa se refugiou durante o conturbado ano de 1975 e de onde o último Governador Português partiu para Portugal. (6) A crise surgiu de uma disputa no seio das F-FDTL quando militares da zona oeste do país protestaram contra o facto de se sentirem reiteradamente discriminados em prol dos seus camaradas da zona leste (zona tradicional da · revistademarinha.com guerrilha). Os militares da zona leste (em tétum, Lorosa’e) compunham a maioria dos elementos das F-FDTL, tanto mais que muitos deles eram antigos guerrilheiros que participaram na Luta da Libertação. Em contraste, os “Loromonu” (palavra em tétum que significa sol poente ou pessoas da zona ocidental) participaram menos ativamente na Luta pelo que tiveram menos oportunidades de singrar na nova estrutura militar. Também existiram tensões entre as forças armadas e a polícia nacional, composta principalmente de “Loromonu” e até mesmo por ex-membros do exército indonésio. (7) Polícia Nacional de Timor-Leste, sob alçada do Ministério da Administração Interna. (8) X10 RIB da North Sea Boats. (9) Não se prevê a sua reparação devido aos custos associados. Em estudo encontra-se a aquisição de novos meios deste tipo. (10) Navios com mais de 45 anos de serviço (Portugal + Timor-Leste). (11) Navios com mais de 35 anos de serviço (Coreia do Sul + Timor-Leste). (12) A 6 de março de 2018, após um longo e por vezes conturbado processo, Timor-Leste e a Austrália assinaram na sede das Nações Unidas o tratado que estabelece as respetivas fronteiras marítimas no Mar de Timor. Quando se escreve este artigo Timor-Leste e a Indonésia continuam a negociar a delimitação das suas fonteiras terrestres e marítimas. (13) Assinado em Lisboa a 23 de maio de 2017 pelos Ministros da Defesa Nacional de ambos os países, Dr. José Alberto Azeredo Lopes por parte de Portugal e Sr. Cirilo José Jacob Valadares Cristóvão por parte de Timor-Leste. (14) Diz-nos o n.º 1 do artigo 4.º da Constituição Timorense que o território da República Democrática de Timor-Leste compreende a superfície terrestre, a zona marítima e o espaço aéreo delimitados pelas fronteiras nacionais, que historicamente integram a parte oriental da ilha de Timor, o enclave de Oe-Cusse Ambeno, a ilha de Ataúro e o ilhéu de Jaco. 41 84.O Ano Os Açores e a Segurança no Atlântico por João Nobre de Carvalho* Subareas do Comando Aliado do Atlânico, Comando Aliado do Canal da Mancha, Comando das Aproximações do Báltico e Comando do Sul da Europa (NATO-1959). os Séculos XV a XVIII a segurança no Atlântico envolvente dos Açores era inexistente, perante as grandes limitações da Marinha Portuguesa de então. Piratas argelinos, turcos, franceses e ingleses assolavam todas as ilhas do Arquipélago. Chacinavam os habitantes, sujeitavam-nos ao cativeiro para obtenção de resgate ou para os vender como escravos no Norte de África, destruíam e pilhavam as habitações, os locais de culto e as culturas. A população, já causticada pelos sismos, defendia-se como podia seguindo uma tática de guerrilha, criando esconderijos, armadilhas e silos subterrâneos, tendo sido construídas pouco a pouco fortificações costeiras dotadas de artilharia, permitindo repelir com sucesso muitos ataques. Os corsários eram atraídos pelos tesouros transportados pelos galeões espanhóis vindos do México, bem como pelas esquadras portuguesas regressando da Índia pela volta do largo, para aproveitar os ventos favoráveis. Os nautas faziam ali aguada e reabasteciam de víveres. Estrategicamente situado no Atlântico Norte em três grupos abrangendo mais de 600 Km na direção N 42 Noroeste-Sueste, a cerca de 1.360 Km a Oeste da Península Ibérica, 1.500 Km a Noroeste de Marrocos e 2.980 Km a Sueste de Newfoundland (Terra Nova), no Canadá, o posicionamento geográfico do Arquipélago dos Açores entre a Europa, a África e a América ditava a sua importância estratégica. Segundo Avelino de Freitas de Menezes, Reitor da Universidade dos Açores, numa conferência proferida na Horta em 2009, o Reino, no século XVI, constituiu a “Armada das Ilhas”, que navegava uma vez por ano de Lisboa para os Açores, cruzando pela ilha Terceira e pelo Grupo Ocidental, para proteger as esquadras regressadas de Goa. Além disso reforçou significativamente a construção das fortificações costeiras nas ilhas e por volta de 1527 nomeou um Provedor das Armadas da Ilha Terceira, que assumiu os encargos do provimento e da reparação das frotas da Índia, bem como o dever de reforçar a capacidade dissuasora da Armada das Ilhas. Na Guerra Civil portuguesa de 18261834, os Liberais venceram os Absolutistas na Praia da Vitória, na Ilha Terceira, onde se estabeleceu o Quartel-General do novo rerevistademarinha.com gime português e o Conselho de Regência da Rainha D.ª Maria II. No século XX a I Grande Guerra Mundial (1914/18) motiva a instalação de um ponto de apoio naval norte-americano em Ponta Delgada, onde havia sido construído um porto artificial, conferindo projeção estratégica à ilha de S. Miguel. Durante a II Grande Guerra Mundial (1939/45), segundo o bem documentado livro de José António Saraiva “Salazar – A queda de Uma Cadeira que Não Existia”, perante a crescente ameaça submarina da Alemanha aos navios Aliados no Atlântico, o Presidente Roosevelt dos Estados-Unidos da América, em maio de 1941 faz ameaças veladas de ocupação de Portugal por considerar que não tem força para defender os Açores e Cabo Verde. Em 16 de maio desse ano o Senador Claude Pepper, da Flórida, pede publicamente que tropas americanas ocupem esses arquipélagos. Salazar reage com dureza e envia contingentes das Forças Armadas Portuguesas para esses destinos, principalmente para os Açores. Um mês depois, nos primeiros dias de junho, Roosevelt dá ordem para avançar a operação “Gray”, cuja missão é ocupar os Açores com 28.000 · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Estratégia & Geopolítica homens do Exército e Fuzileiros. Porém, dois dias depois, suspende a operação à última hora, parece que por pressão inglesa e a 21 de julho escreve uma carta a Salazar em que promete respeitar a soberania portuguesa sobre os Açores sob a condição de esta ser garantida pelo Governo Português. A seguir ao ataque dos japoneses a Pearl Harbour, no Pacífico, em 7 de dezembro de 1941, os EUA entram na guerra e aumentam a pressão para ocupar os Açores. Em 3 de fevereiro de 1943 os alemães sofrem a derrota de Estalinegrado e Roosevelt, para apressar o desfecho do conflito quer convencer o Primeiro-Ministro inglês a invadir os Açores, o que este então recusa. Churchill, contudo, em 2 de agosto manda preparar a operação “Life Belt” com esse objetivo. A 18 de agosto, Salazar assina o Acordo Luso-Britânico das Lajes e os EUA logo solicitaram condições idênticas. Como é sabido, a utilização desta Base Aérea pela Royal Air Force, US Army Air Force e US Navy permitiu aos Aliados dar cobertura aérea no meio do Atlântico aos comboios de navios mercantes e atacar com sucesso os submarinos e os aviões de patrulha alemães. Em 1944 os EUA construíram uma base aérea na ilha de Santa Maria, utilizada por pouco tempo, sendo em 1945 edificada uma nova base, na ilha Terceira. Durante os longos períodos de “Guerra Fria” entre o Ocidente e a União Soviética, os aviões de patrulha marítima P-3 ORION dos EUA baseados nas Lajes patrulharam o Atlântico em missões de deteção e seguimento dos submarinos e vasos de guerra soviéticos. A Base Aérea das Lajes e os portos artificiais da Praia da Vitória e de Ponta Delgada, constituem contributos muito importantes da participação de Portugal na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), de que é membro fundador. Portugal, por ser parte deste tratado, pode ver-se envolvido numa guerra, se um aliado da OTAN for atacado e invocar o seu Artigo 5º. A vasta Zona Económica Exclusiva (ZEE) Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 Um avião de luta anti-submarina PB4Y-1 Liberator na base britânica das Lajes em 1944 com insignias britânicas e norte-americanas. portuguesa, outro importante ativo de Portugal na União Europeia, deve-se em grande parte à Região Autónoma dos Açores. Como é sabido, o cenário internacional reflete os interesses dos Estados e encontra-se em evolução permanente, sofrendo por vezes sobressaltos imprevisíveis, como a pandemia do COVID 19 que nos afeta, reduzindo presentemente o transporte marítimo e aéreo a mínimos históricos, mas espera-se que a situação vá melhorando progressivamente. Em termos geoestratégicos o mundo de hoje é multipolar, decorre uma nova “Guerra Fria” entre a Rússia e a OTAN, afirma-se a China, a superpotência asiática emergente, perante a retração da superpotência americana e o desinvestimento na defesa por parte da União Europeia, num cenário mundial de múltiplas guerras limitadas, apoiadas por uns e por outros. O número de Estados dotados da arma nuclear, nem todos seguindo regimes democráticos e alguns ligados a movimentos terroristas, continua a proliferar. A quantidade, a velocidade, a autonomia em imersão e a capacidade letal dos submarinos nas Marinhas das várias potências tem vindo a aumentar, nomeadamente os dotados de mísseis balísticos intercontinentais transpor- · revistademarinha.com tando ogivas nucleares. Uma guerra nuclear pode ser desencadeada inclusivamente por acidente ou por atos deliberados de ciberguerra sobre infraestruturas críticas e de desinformação, podendo esta última conduzir a uma apreciação errada da gravidade e da inevitabilidade da ameaça. Acresce assim que a hipótese de eclosão de uma Terceira Guerra Mundial não pode ser afastada. A política, a estratégia, a tática e a técnica estão estreitamente ligadas, influenciam-se mutuamente, os pontos fortes de ontem poderão deixar de sê-lo amanhã, mas as aeronaves militares, incluindo as não tripuladas, os drones e os navios de guerra, precisam de manutenção e de se reabastecer da forma mais económica num teatro de operações. Em abril de 2020, recorde-se, foi aberto um concurso para realização de obras no já cinquentenário Depósito POL NATO de Ponta Delgada, orçadas em cerca de 6 milhões de Euros. A geografia continua a ser um fator importantíssimo na política e na estratégia, sendo certo que a Região Autónoma dos Açores permanece no centro de um Atlântico, que se quer seguro. * Contra-Almirante, ref. 43 84.O Ano Museu de Marinha Um mundo de descobertas por José António Favinha* undado em 22 de julho de 1863 por D. Luís I, o Museu de Marinha é um dos mais antigos museus nacionais, detendo um espólio riquíssimo e único que testemunha com esplendor o relacionamento da comunidade portuguesa com o mar, e bem assim a história e a cultura marítima de Portugal. Sendo um órgão de natureza cultural da Marinha, não se limita a ser o “museu da marinha militar”, afirma-se igualmente como o museu das marinhas mercante, de recreio e de pesca, contribuindo dessa forma para preservar e desenvolver a forte relação do país com o mar, e para a divulgar junto dos muitos turistas que nos visitam. Durante a sua já longa história o Museu de Marinha (MM) conheceu diversas localizações. Inicialmente foi instalado na Sala do Risco da Escola Naval, no antigo Arsenal de Marinha, com uma função essencialmente didática. Quando a Escola Naval foi transferida para o Alfeite em 1936, o Museu permaneceu na Sala do Risco e tornou-se autónomo, sendo seu primeiro diretor o Capitão-de-mar-e-guerra Quirino da Fonseca. A doação da extraordinária coleção de Henrique Maufroy de Seixas à Marinha, em 1948, constituída por mais de 300 peças, entre as quais várias tipologias de modelos de navios, a que se juntaram vários milhares de fotografias que tinham por tema o mar, deu um impulso significativo às coleções do Museu. As condições da doação impunham a sua exibição num local condigno, o que conduziu à transferência do Museu, com F 44 Astrolabio sacramento – um dos tesouros do museu de marinha. caráter provisório, para o Palácio do Conde de Farrobo, nas Laranjeiras, em 1949. O estudo e o debate, em que intervieram, entre outros, o Almirante Gago Coutinho e o Comandante Quirino da Fonseca, sobre a constituição e a edificação de um Museu Marítimo português, teve um desenvolvimento decisivo no início dos anos 60 do Século XX. De facto, em 15 de agosto de 1962 o Museu de Marinha é transferido para o complexo dos Jerónimos, após a construção, de raiz, do Pavilhão das Galeotas - primeira instalação do género em Portugal para albergar as galeotas reais - e da ala poente, segundo um projeto do arquiteto Frederico George. Nas décadas de 70 e 80 do Século XX, o Museu de Marinha aumentou as suas coleções e renovou a sua exposição permanente. Registe-se, no início de 1970, a inauguração do piso 01, onde se instalam novas salas expositivas. Nos anos 80, salienta-se a constituição de uma notável coleção de astrolábios náuticos e o contributo de investigadores, de que se citam os nomes do Vice-almirante Avelino Teixeira da Mota, do Comandante Estácio dos Reis e do Arquiteto Lixa Filgueiras. Contando com mais de 25.000 peças, o acervo do Museu de Marinha é constituído por coleções de carácter diversificado, que incluem peças das armadas de Vasco da Gama, o hidroavião em que Gago Coutinho e Sacadura Cabral completaram a travessia área do Atlântico sul, as Galeotas Reais, uma coleção de astrolábios náuticos, a maior do Mundo, constituída por nove peças, e outros instrumentos de navegação, espécimes e réplicas rigorosas da cartografia da época dos Descobrimentos, modelos de navios de guerra, navios mercantes, embarcações de pesca e quadros de pintores famosos como João Vaz, Roger Chapelet, ou de aguarelistas como o Cte. Pinto Basto. Dispõe ainda de 140.000 fotografias e 1.500 desenhos e planos de navios e embarcações. Entrada e ala poente do museu de marinha. Cultura Marítima Em 2019 atingiu-se o número de 175.000 visitantes, valor que coloca o MM como um dos museus mais procurados e visitados do país. Contando com quase 10.000 m2 de área expositiva, o Museu tem em curso um programa de longo prazo para requalificar a sua atratividade através da renovação da exposição permanente, nomeadamente implementando uma comunicação de conteúdos de acordo com os novos padrões da museologia e com recurso a novas tecnologias. De acordo com o estabelecido, já se concluiu a renovação toda a ala poente do Museu, com a finalização, em 2019, dos trabalhos na Sala dos Grandes Veleiros. O trabalho de Museografia da renovação desta Sala foi premiado em 2020 pela Associação Portuguesa de Museologia (APOM).O projeto de renovação da Sala do Século XIX á atualidade encontra-se em fase de conclusão, cumprindo com a calendarização fixada, por forma a concluir o programa de renovação em 2023, por ocasião da comemoração dos 160 anos da criação do MM. A divulgação cultural inclui um programa dinâmico de exposições temáticas temporárias, que evoquem figuras ou factos de interesse histórico, associados a atividades do mar e possibilitando uma porta aberta a iniciativas da sociedade portuguesa. Durante o último ano estiveram patentes ao público as exposições temporárias “Marinheiros da Esperança”; “I.MER.SÃO” do jornalista David Araújo sobre a missão da Polícia Marítima na Grécia; “Gago Coutinho. Viajante e Explorador” e “Mulheres Pescadoras”. Teve lugar, também, a reposição da exposição temporária “Paquetes Portugueses”, na Sala Henrique Maufroy de Seixas. Para além do complexo dos Jerónimos, o Museu de Marinha integra o edifício da ex – Fábrica Nacional de Cordoaria, o Pólo Museológico de Cacilhas composto pela fragata D. FERNANDO II e GLÓRIA e o submarino BARRACUDA, o Museu Marítimo Almirante Ramalho Ortigão em Faro, no Departamento Marítimo do Sul, o polo museológico do Farol do Cabo de S. Marta e o Pólo Museológico do Farol do Cabo de S. Vicente. A Marinha do Tejo constitui ainda um polo vivo do MM. O MM esteve encerrado ao público no período de 12 de março a 18 de maio de 2020, como consequência das restrições colocadas pela pandemia do COVID 19, interrompendo-se assim a oportunidade de visitar os seus tesouros, no complexo dos Jerónimos. Esta situação acelerou a tendência de digitalização do Museu, nomeadamente das suas coleções e de comunicação dos seus conteúdos e programação, ações Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 O bergantim real em exposição no pavilhão das galeotas. essas que têm vindo a decorrer, de forma progressiva, nos últimos anos. O contacto do público e dos investigadores com as coleções e peças do museu não se limita hoje às visitas presenciais. É possível efetuar a consulta dos registos do museu através da aplicação InWeb na página de internet do MM, no chamado “Museu Digital” (https://museudigital.marinha.pt/pesquisa/). O acesso pode ainda ter lugar através do Portal das Instituições de Memória da Defesa Nacional (https://portalmemoria.defesa. gov.pt/). A gestão integrada das diferentes coleções do museu, nomeadamente o acervo de peças, o Centro de Documentação, o Arquivo Histórico de Imagens da Marinha e o Arquivo de Desenhos e Planos é realizada desde 2011 com o programa InPatrimonium. Esta base de dados gere o registo e todos os aspetos relacionados com o espólio museológico, como os empréstimos, movimentos de peças, intervenções de conservação e restauro, exposições e outros eventos realizados pelo Museu e a consulta do seu acervo através da aplicação InWeb. No período de confinamento incrementou-se a produção de vídeos com conteúdos sobre o Museu, as suas coleções e ações on-line de mediação cultural, procurando-se manter a ligação com o seu público tradicional e criar empatia com novos públicos, em particular com os mais jovens. Para além de poderem ser acedidos através do sítio da internet do museu (https://ccm. marinha.pt/pt/museu), no link “O Museu em sua Casa”, os vídeos são divulgados nas redes sociais, nomeadamente nas páginas de Facebook da Marinha Portuguesa e da CCM - Comissão Cultural de Marinha. Foi igualmente inaugurada a página do INSTAGRAM do Museu de Marinha (@MuseuMarinha) dirigida aos jovens. Encontram-se ainda em desenvolvimento projetos para elaboração de guias digitais para visitantes, recorrendo aos códigos QR e para se poderem efetuar visitas virtuais. · revistademarinha.com O aumento destas atividades através de suportes e plataformas digitais, com acento na divulgação e comunicação pela internet, são reveladoras da importância crescente do desenvolvimento de conteúdos adequados dos museus, visando a realidade virtual / digital, verificando-se uma intensificação da sua procura em tempo de confinamento. Esta alteração do produto a oferecer impõe a necessidade de aperfeiçoamento de novas competências para os profissionais dos museus, representando um desafio adicional á sua gestão. O programa educativo e de mediação cultural do MM, encontra-se focado nas escolas e nos grupos organizados, realizando-se visitas guiadas temáticas ou de carácter geral e ainda visitas teatralizadas realizadas com o recurso a parceiros do Museu. O MM tem como objetivo ser mais inclusivo nos seus públicos, tendo para esse efeito elaborado um projeto de melhoria de acessibilidades que foi aprovado pelo Turismo de Portugal, que irá contribuir com 70% do financiamento necessário. A cooperação com a Escola Naval e com o CINAV na área da investigação científica é complementada com um protocolo com a Universidade Lusófona, existindo ainda uma intensa cooperação com vários museus municipais. A pandemia COVID 19 teve um impacto significativo na programação das exposições temporárias, com diversos parceiros a cancelaram as atividades programadas para o corrente ano. A exposição sobre o Almirante Gago Coutinho teve a sua exibição na Torre Oca prolongada até ao fim do ano de 2020, e em 2021 terão lugar as exposições comemorativas “Fuzileiros 400 anos” e “Centenário do nascimento do CAlm Rogério de Oliveira”. Caro leitor, endereçamos-lhe um convite para visitar o Museu de Marinha e os seus tesouros e a seguir-nos no mundo digital! * Diretor do Museu de Marinha Comodoro [email protected] 45 84.O Ano O Comando de Unidades de Fuzileiros Breve Reflexão por Luís Loureiro Nunes* oi recentemente editado pelas “Edições Revista de Marinha”, uma chancela da Editora Náutica Nacional, Lda, com inegável e justo sucesso, o livro “Comandar no Mar”, agora também na versão em língua inglesa. As diversas experiencias de comando, em diferentes navios, que neste livro se apresentam e descrevem, são por si só, um excelente e único documento de liderança, ética, relações humanas e de organização, útil não apenas a quem comanda no mar, mas a todos quantos têm responsabilidades de chefia e condução de pessoal, em quaisquer outros ambientes ou circunstâncias. Na sequência deste livro, foi para mim impossível não me lembrar que, na Marinha de Guerra Portuguesa (MGP), existem outros tipos de Unidades e de Comandos, para além do comando no mar, que atuam em diferentes ambientes e com diferentes objetivos. E esses ambientes e objetivos, determinam diferentes abordagens da ação de comando. É o caso das Unidades de Fuzileiros (UF’s). De facto, o Corpo de Fuzileiros e as suas UF’s, constituem um universo específico dentro da MGP, composto por militares que, em simultâneo, necessitam de possuir valências de marinheiros e de infantes. Estas duas realidades, tão distintas, exigem um tipo de disciplina claramente percebida, consentida e, ao mesmo tempo, autónoma. É ao Comandante fuzileiro que cabe incutir e transmitir, ao pessoal que comanda, esta atitude e postura aparentemente contraditórias. Ser disciplinado e, em simultâneo, autónomo. Capaz de decidir, de acordo com aquelas que sabe serem as intenções do Comandante, sem impedir que a missão prossiga, F 46 por ausência deste, num determinado local ou circunstância. Este princípio aplica-se a todos os escalões hierárquicos. O Comandante Fuzileiro deverá estar apto a utilizar um estilo de liderança flexível, seja ela mais autoritária ou com pendor mais liberal, conforme a leitura que faça, em cada momento, da situação que enfrenta e das características do pessoal que comanda. Mas seja qual for esse tipo de liderança, ela terá igualmente como suporte imprescindível o exemplo, a confiança e o sentido do humano. A NAVEGAR Quando no mar, a navegar, embarcados nos navios da MGP, os Fuzileiros são marinheiros, integrados nas guarnições e jamais se constituindo como elementos estranhos ou perturbadores das normais rotinas de bordo. Cumprem as funções e tarefas que lhes são atribuídas, estando familiarizados com a linguagem e nomenclaturas navais, com as práticas e até com as tradições que fazem parte intrínseca do Ser Marinheiro. Estes embarques podem ter caracter permanente, como no caso das equipas de abordagem, ou podem ser temporários, constituindo parte de uma operação ou exercício anfíbio. Enquanto embarcados, os Fuzileiros apenas se distinguem dos demais elementos da guarnição, pelo camuflado que normalmente envergam. São marinheiros de “corpo inteiro”. Nestas circunstâncias, a ação de comando é exercida sem distinção da restante guarnição. Usando os mesmos princípios, rotinas e “liturgias”, sem surpresas e com total normalidade. O DESEMBARQUE No caso de um exercício ou de uma operação anfíbia, terminada a fase de travessia, durante a qual a força de desembarque, de maior ou menor dimensão, é transportada para a área do objetivo e uma vez iniciada a sua projeção para terra, dá-se início a uma complexa transição de cenários e de ambientes. Na verdade, é este o momento claramente definidor do “ADN” dos Fuzileiros. O momento onde reside a verdadeira e única justificação para a sua existência. Conseguir ultrapassar a área da rebentação, a linha que separa o mar e a terra, Formação e Treino de dia ou de noite, com bom ou mau tempo, seja em praia de areia ou em costa rochosa ou escarpada, mantendo o controlo, a organização, a força e a capacidade para prosseguir a ação em terra, de forma autónoma, esse é o grande e exclusivo desafio do Comandante Fuzileiro. É nos momentos imediatamente após terem posto os pés em terra, ou na rocha ou na falésia, que todos olham para o Comandante e se certificam que nele podem confiar as suas vidas. E esse Comandante, igualmente molhado, cansado, sujeito a todas as vicissitudes, desconfortos e intempéries, carregando a mesma mochila pesada e o mesmo armamento que todos os demais, tem de ser uma espécie de farol tranquilizador e motivador, para todos quantos o seguem e nele confiam. Se assim não for … não cumpre a sua missão. O marinheiro é, agora, infante. EM TERRA Uma vez em terra, o marinheiro transforma-se em combatente terrestre, deixam de existir anteparas, vigias ou escotilhas, não há mais bombordo e estibordo. Agora há que saber navegação terrestre e aproveitar as características do terreno. As linhas de água, os montes, as escarpas, a floresta, as áreas urbanizadas, são o novo ambiente e as novas circunstâncias. Há que ter o suporte físico, técnico e mental adequados. O cansaço é igual para todos, da mesma forma que o frio, a sede ou o calor. Ou o mal-estar do arbusto onde se encontra camuflagem, mas que alberga milhões de mosquitos. Os ambientes e a linguagem mudaram, mantendo-se sempre a necessidade de uma ação de comando adequada, atenta e consistente. Mais do que nunca, mantém-se a necessidade de uma liderança forte, onde, uma vez mais, o exemplo é a melhor e única forma de manter a coesão, a eficácia, a determinação e, mais que nada, a motivação de todo o pessoal. E é Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 CONCLUSÃO aqui que o Comandante, que antes estava a bordo, tem de identificar as novas circunstâncias e de a elas se adaptar. A sua ação de comando é agora incomparavelmente mais próxima. A forma de exercer esse comando será, também por isso, menos protegida, mais á vista de todos os subordinados que para ele olham tentando perceber se algo vai mal ou se podem estar tranquilos e confiantes nas decisões de quem os lidera. Se quisermos resumir, de forma quase telegráfica, as ideias chave que conduzirão à boa e eficaz ação de comando, em terra, concluiremos que são, no essencial, as seguintes: Proximidade e confiança – Sem cair na tentação de curto-circuitar a cadeia de comando estabelecida. Esta atitude, ocorre quando a autoconfiança ou a confiança nos escalões intermédios, é escassa ou inexistente. O Comandante, nestes casos, transforma-se em simples “mandante”, gerando mal-estar, desconfiança e prejudicial conflito. Exemplo e sensata alegria – Única forma para conseguir que o seu pessoal o siga sem dúvidas ou receios. Verdadeiramente não existem “Comandantes tristes”. O entusiamo necessário para superar os obstáculos e as dificuldades, só vem da alegria e do orgulho de sermos quem somos, de acreditarmos no que fazemos e, claro, de sabermos transmitir esse estado de espírito a quem nos segue. Motivação e determinação – São simples consequências das anteriores ideias. · revistademarinha.com Terminada a ação em terra, o Comandante e o seu pessoal, regressarão ao mar e ao navio onde, de novo, se irão integrar. Agora será outra vez a vaga forte, o enjoo, a rotina marinheira a marcar os dias que se seguem. Esta dicotomia marca e define formas de ser e de estar, únicas nas Forças Armadas de qualquer país. Em Portugal, os Oficiais fuzileiros são, por sábia decisão, formados na mesma Escola Naval, de onde saem todas as restantes classes da MGP. Ostentam o mesmo uniforme e o mesmo “botão de ancora”. Aí nascem e se fomentam laços inquebráveis de camaradagem, amizade e solidariedade, indispensáveis no desenvolvimento das suas vidas e carreiras futuras. Em terra, os fuzileiros vestem camuflado, mas dormem em “cobertas”; comem ração de combate, mas as armas são guardadas na “escotaria” e os médicos e enfermeiros…. estão na “botica”. Só marinheiros sabem “descodificar” esta linguagem. Fuzileiros e guarnições dos navios, conhecem-se e sabem daquilo que ambos necessitam. Entendem-se e complementam-se. Os Fuzileiros são, também por isso, o produto final da combinação equilibrada e feliz, do humanismo marinheiro com o espírito da infantaria. Ninguém mais possui estas características. E se, por absurdo, algum estudioso, um dia, decidir acabar com os fuzileiros, por alguma razão daquelas que que só alguns, poucos, entendem, se isso acontecer, então podemos estar certos de que mais tarde ou mais cedo, outro Estado Maior, concluirá, após exaustivos estudos e análises, que é necessário treinar uma Força, composta por gente que consiga “molhar os pés” sem temer morrer afogada. E tudo terá de começar do princípio. Talvez isso não aconteça. * CMG fz, ref [email protected] 47 84.O Ano Janela Única Logística avança nos portos nacionais por José Carlos Simão* projeto de implementação da Janela Única Logística (JUL) está a avançar consistentemente, quer nos nós locais (portos marítimos e portos secos), quer no nó nacional na Administração Marítima (camada nacional). O planeamento de implementação foi ajustado face à pandemia, tendo os trabalhos, com a prudência e segurança necessárias, nunca parado, e os resultados estão a chegar a todos os portos nacionais. A JUL já está em funcionamento nos portos marítimos do Funchal, Caniçal, Porto Santo, Sines, Faro, Portimão, Figueira da Foz, Aveiro e Setúbal. Neste momento, trabalha-se já nos portos marítimos de Lisboa, Açores e Leixões para a transição destes portos para a JUL e decorrem simultaneamente os trabalhos na DGRM para a camada nacional, que dará resposta às exigências europeias no âmbito dos atos declarativos do transporte marítimo. Também alguns portos secos estão a avançar. A JUL instalada nos portos já em funcionamento, para além de ser desenvolvida com o mais avançado estado-da-arte tecnológico, suporta todos os processos anteriormente existentes na Janela Única Portuária (JUP - o sistema que antecede a JUL) relativos ao transporte marítimo e incorpora já novos processos relativos ao O 48 transporte ferroviário, transporte rodoviário e ligação aos portos secos. Estão também a ser testadas novas funcionalidades relativas à rastreabilidade da carga, ao acompanhamento da “última milha” de transporte, apoio à pilotagem e gestão de marinas, entre outras. Finalmente, estão também a ser preparados todos os processos e desenvolvimentos tecnológicos relativos aos controlos das portarias rodoferroviárias, com automatização das mesmas, sejam elas nos terminais marítimos ou nos portos secos no hinterland, funcionando estes últimos como extended gateways dos primeiros. As funcionalidades do Cartão Único Portuário são agora também suportadas na JUL de forma nativa, bem como toda a plataforma informática apresenta uma nova usabilidade e ambiente gráfico. Para os utilizadores finais é disponibilizada uma única experiência de utilização nacional, pois é disponibilizado um único ambiente multiporto, através de uma única conta de acesso nacional, acessível numa lógica multiplataforma tecnológica, seja num computador de secretária, seja no tablet ou no smartphone. É um caminho que está a ser percorrido de forma faseada, tendo em vista uma visão global de longo prazo. Em cada nó a plataforma informática é instalada com as revistademarinha.com funções essenciais a esse nó, sendo depois evoluída com novas funcionalidades de integração na rede. A visão para a JUL assume o desenvolvimento de uma proposta de transformação digital e criação de valor nas redes portuárias e logísticas. E assume também a ambição de colocar os portos e redes logísticas nacionais na liderança do estado-da-arte dos processos de digitalização a nível mundial. A JUL alarga substancialmente o âmbito de operação da anterior Janela Única Portuária e incorpora diversas inovações na digitalização dos processos de negócio. Evolui-se das operações portuárias para corredores multimodais, integrando o transporte terrestre, ferroviário e também os portos secos / plataformas multimodais e operações de “última milha”. Tudo isto em forte alinhamento com as autoridades no sentido de agilizar e desmaterializar processos. Trata-se de um processo de desenvolvimento evolutivo, de forma a cobrir, completamente, toda a cadeia de transporte no hinterland. Está também em preparação a ligação ao foreland, nomeadamente através da partilha de eventos com outras plataformas eletrónicas e sistemas de comunidades portuárias, com o objetivo de no futuro disponibilizar visibilidade total porta-a-porta sobre os fluxos logísticos. · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Portos & Atividades Portuárias Desta forma, está a ser seguido o caminho e a visão prevista no Decreto-Lei n.º 158/2019, que criou a JUL e o seu contexto de funcionamento, através de todos os portos nacionais e dos seus corredores multimodais e logísticos, com forte integração dos portos secos nos hinterlands, e envolvendo todas as entidades com responsabilidades nos transportes e nas mercadorias, desde logo a DGRM e todas as Administrações Portuárias, bem como as restantes autoridades e agentes económicos envolvidos. Este caminho e visão estão em linha com os principais instrumentos europeus para o setor, nomeadamente com o Regulamento da European Maritime Single Window environment (EMSWe) e o Regulamento electronic Freight Transport Information (eFTI). No que respeita à camada nacional da JUL, a mesma funciona na DGRM, operando como ponto nodal e central para comunicação de toda a informação operacional nos diversos âmbitos, incluindo as funcionalidades que permitirão dar resposta a diversas funcionalidades de cariz operacional e de controlo, certificação, bem como os processos de aprovação de diversos planos (p.e. ISPS ou Gestão de Resíduos), que no seu conjunto respondem a regulamentos e diretivas nas mais diversas áreas relacionadas com as atividades no mar. Na camada nacional, destaca-se também o acompanhamento de navios na ZEE portuguesa, através da integração da mes- Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 ma com o Sistema VTS Português, que permite em tempo real acompanhar a navegação nas suas diversas vertentes, obter informações operacionais e administrativas sobre os navios, bem como registar e partilhar todos os eventos relacionados com a navegação correspondendo assim aos requisitos da diretiva 2002/59/CE (revista), e através do envio e receção da informação marítima para a Comissão Europeia cumpre com os requisitos do sistema europeu de acompanhamento de tráfego e informação marítima – SafeSeaNet. Com este projeto, está a ser, pela primeira vez, implementada em Portugal uma solução global de gestão de informação, · revistademarinha.com reporting e despacho eletrónico multimodal, que responde a requisitos locais, mas funciona de forma integrada e com controlo nacional. A concretização da visão para a JUL, promove uma convergência para que no futuro a gestão dos processos logísticos seja feita numa perspetiva de otimização das redes como um todo (inteligência colaborativa da rede), substituindo gradualmente o modelo tradicional de otimizações pontuais ao nível de cada nodo da rede. É esta a proposta de valor que a JUL disponibiliza. * Diretor-Geral da DGRM 49 84.O Ano “Incrível Armada” a história da TG 24.1 Parte I por José Castro Centeno* INTRODUÇÃO Numa conversa de câmara, na Messe de Oficiais das INIC (Instalações Navais da Ilha do Cabo), em Luanda, Angola, nos fins de dezembro de 1974, surgiu espontaneamente a designação de “Incrível Armada”, para o conjunto de nove navios (uns a reboque, outros pelos seus próprios meios, uns cinzentos, outros num verde maquilhado pela ferrugem) entrados na Baía de Luanda, vindos de Cabo Verde, pouco antes do Natal, (23 de Dez), daquele ano de 1974. A designação pegou e acabou por ficar na história da Marinha, até hoje. Para conseguir levar a bom porto este resumidíssimo relato, precisei do apoio de muitos dos participantes na viagem, com especial relevo para os excelentes e únicos elementos (escritos e gráficos) que foram disponibilizados pelo Comandante Duarte Costa, então Comandante do NRP ANTÓNIO ENES, e em acumulação, no exercício das funções de Comandante da Força então criada, a TG 24.1 (Task Group). Para além destes elementos decisivos para a elaboração do presente trabalho, não posso deixar de dar especial relevo, também, aos elementos disponibilizados, pelo, à altura, Imediato do NRP SCHULTZ XAVIER, o atual CMG ref Vaz Ferreira, e ainda pelo Engenheiro Sarsfield Cabral, então SUBTEN RN e Oficial Imediato da LDG NRP Alfange. Os diferentes protagonistas desta missão passam a ser referidos neste artigo pelos postos e funções que tinham e desempenhavam na altura em que a via- 50 gem ocorreu, em dezembro de 1974, por uma questão de facilidade de exposição, e cuja compreensão antecipadamente agradeço. A DECISÃO Corria o final de 1974, pairando ainda no ar o espírito de abril e o respirar da liberdade, já as Lanchas de Fiscalização Grande (LFG’s) e as Lanchas de Desembarque Grande (LDG’s), que tinham feito parte do dispositivo naval durante a guerra na Guiné, haviam sido deslocalizadas, pelos próprios meios, em setembro e outubro desse ano, para o Porto Grande do Mindelo, em Cabo Verde. O PAIGC tinha declarado unilateralmente em Madina do Bué, a independência da Guiné, em maio de 1973, e em setembro de 1974, Portugal reconheceu essa independência, sendo a bandeira portuguesa arriada na cidade de Cacine, e içada a bandeira do novo Estado, numa singela cerimónia militar. Á saída da Guiné, e a cerca de 100 milhas a Oeste da Ponta do Caió, na Foz do Rio Cacheu, foram afundadas, no dia 21 de setembro de 1974, duas das LFG´s, a CASSIOPEIA e a SAGITÁRIO, uma vez que se encontravam em fabricos no SAO (Serviços de Apoio Oficinal) e de nessa O SCHULTZ XAVIER, no Porto Grande do Mindelo, em Cabo Verde, de braço dado com as LFG’s que iria levar a reboque (nov. 1974). altura já não disporem das respectivas guarnições. Restavam assim cinco LFG’s, e duas LDG’s, atracadas ao cais do Porto Grande do Mindelo (https://youtu.be/dbf7Z8qi3MY), a aguardar decisão superior sobre o seu futuro. Navegar para Norte, era uma das opções a considerar, mas que atentas as condições operacionais dos navios, não seria a mais adequada, pelas previsões de tempo e mar que, naquela época do ano (Outono/Inverno), não seriam as mais recomendáveis. Acrescia a esta situação a necessidade de colmatar o vazio no dispositivo naval de Angola, por forma a permitir o regresso ao Continente das quatro unidades da classe CACINE, ainda novas e ultimamente atribuídas ao Comando Naval de Angola. Julga-se que terão sido estes os fatores determinantes para a tomada de decisão de deslocar os navios retirados da Guiné para Angola, e assim originarem a missão com a denominação operacional TG 24.1, a que. como já referido, a “voz da abita” haveria de apelidar de “Incrível Armada”. Neste sentido deslocou-se ao Mindelo, o CTEN ECN Ribeiro da Silva (entretanto infelizmente já falecido) que avaliou e estabeleceu as condições técnicas que os navios deveriam satisfazer para cumprir a missão, ou seja navegar do Porto Grande do Mindelo até Luanda. História Marítima OS NAVIOS E AS GUARNIÇÕES Os navios já atracados no Porto Grande do Mindelo, desde meados de setembro de 1974, eram as já referidas cinco LFG’s, da classe Argos, a ARGOS, a DRAGÃO, a HIDRA, a LIRA e a ORION (https://youtu.be/ wBUSnrP_vRI), bem como as duas LDG’s, a ALFANGE e a ARÍETE, chegadas em outubro. Estes navios, que tinham dado um importante apoio às operações no teatro operacional da Guiné, e uma esforçada atividade nos últimos anos de guerra, tendo para esse tipo de missões sido reforçados com chapas balísticas (1/4 polegada) na ponte, no casco, na área da casa das máquinas e dos auxiliares, estando ainda pintados com uma cor verde escura (mais ou menos desbotada pela ferrugem), como camuflagem, para atuarem no cenário de guerra dos rios da Guiné. Foram estes os navios que foram avaliados pelo CTEN ECN Ribeiro da Silva, que se deslocou a Cabo Verde, bem como por outros técnicos do Comando Naval de Cabo Verde, chegando-se à conclusão que duas LFG’s, a LIRA e a ORÍON, e as duas LDG’s, a ALFANGE e a ARÍETE, estariam em condições de fazer a viagem pelos seus próprios meios, ao contrário das restantes três LFG’s, a ARGOS, a DRAGÃO, e a HIDRA, que como tal, teriam de ser rebocadas para Luanda. Foi nestas condições constituída, em novembro de 1974, a TG 24.1, que incluía todas as referidas unidades e a corveta ANTÓNIO ENES, que se encontrava em comissão de serviço em Cabo Verde desde outubro de 1973, e cujo Comandante o CTEN M Rodrigues Consolado, tinha sido rendido pelo CTEN M Duarte Costa, poucos dias antes, no dia 25 de outubro de 1974, tendo sido este nomeado CTG 24.1. Integrou ainda a TG 24.1, com vista ao reboque das três LFG’s, impossibilitadas de navegar autonomamente, o navio balizador NRP SCHULTZ XAVIER, saído de Lisboa no dia 23 de novembro de 1974, depois de ter embarcado todo o equipamento considerado necessário para a missão, principalmente material de reboque (cabos, elementos de ligação, e outros apetrechos, como baterias e células fotoelétricas para os sistemas de sinalização dos navios). A ANTÓNIO ENES, agora comandada pelo CTEN M Duarte Costa , que, como já referido, foi nomeado em acumulação Comandante da TG 24.1, tinha como Oficial Imediato, o 1.ºTEN M Serras Simões, Chefe do Serviço de Máquinas o 1.ºTEN EMQ Baganha Fernandes, que tinha rendido o 1.ºTEN EMQ Miguel Judas, desembarcado em Bissau nos princípios de setembro de 1974, Chefe do Serviço de Artilharia, o 2.ºTEN M Cambraia Duarte, Chefe do ServiRevista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 As LFG’s e as LDG’s, depois de retiradas da Guiné, e aqui atracadas no Porto Grande do Mindelo, Cabo Verde (nov. 1974). ço de Abastecimento, o 2.ºTEN AN Santos Zoio (entretanto já falecido), Chefe do Serviço de Eletrotecnia, o 2.ºTEN SE Barbeitos Paulino, Chefe do Serviço de Comunicações e de Navegação, o G/M M José Castro Centeno (promovido a 2.ºTEN durante a viagem) e o SUBTEN RN Meneses Bastos, que era o Chefe do Serviço de Armas Submarinas (A/S) e de Informações em Combate (IC), destacado ainda antes do inicio da viagem, e por isso substituído pelo 2.º TEN. M Cambraia Duarte, que passou a acumular o cargo de Chefe do Serviço de Armas Submarinas (A/S), tendo o G/M M José Castro Centeno, assumido também em acumulação as funções de Chefe do Serviço de Informações em Combate (IC), oficiais aos quais se juntou o 2.º TEN MN Siracusa Leal, que tinha sido deslocado de Lisboa para apoiar a viagem. O balizador SCHULTZ XAVIER chegou, como já referido, ao Porto Grande do Mindelo no dia 27 de novembro, comandado pelo CTEN M Faria Roncon, tendo como Oficial Imediato o 1.ºTEN M Vaz Ferreira e Chefe do Serviço de Máquinas o 1.ºTEN EMQ Gago Lopes. Foram de imediato iniciados os trabalhos de preparação dos cabos de reboque e os sistemas de iluminação autónomos a instalar em cada navio, alimentados por baterias, e comutados por células fotoelétricas. A LIRA, era comandada pelo 1.ºTEN M Martins Soares (promovido a CTEN durante a viagem, e, entretanto, já falecido), tendo como Oficial Imediato, o STEN RN Pescaria Costa, e embarcado durante a viagem o 1.ºTEN M Rebelo Duarte, Comandante da ARGOS, que seguia a reboque do SCHULTZ XAVIER, e o 1.ºTEN M Vidal de Pinho, que foi recebendo o comando do navio durante a viagem, tomando posse já em Luanda. A ORÍON, era comandada pelo 1.ºTEN M Azevedo Coutinho, tendo como Oficial Imediato, o STEN RN Silva Barbosa, e embarcado durante a viagem o 1.ºTEN M Ferreira Pires, Comandante da DRAGÃO, que seguia também a reboque do SCHULTZ XAVIER. A ARÍETE, era comandada pelo 1.ºTEN M Alexandre da Fonseca, tendo como Oficial Imediato o SUBTEN RN Eduardo Mendia. A ALFANGE, era comandada pelo 1.º TEN M Sabino Guerreiro, tendo como Oficial Imediato o SUBTEN RN Sarsfield Cabral, tendo durante a viagem sofrido uma avaria, que não foi possível reparar, na ligação dos motores PP aos veios, acabando por ter de ser rebocada pela ANTÓNIO ENES, logo a partir dos primeiros dias da travessia. A ARGOS, a HIDRA, e a DRAGÃO seguiram como já referido, a reboque, sem levarem guarnições a bordo. A PREPARAÇÃO Uma LFG (Lancha de Fiscalização Grande), preparada, em postos de faina, para um reabastecimento (dez. 1974). · revistademarinha.com Tomada a decisão de deslocar para Angola os navios retirados da Guiné em fins de 1974, e depois da avaliação efetuada das suas condições de navegabilidade, importava agora efetuar os preparativos para uma viagem oceânica de mais de 3.000 milhas náuticas, entre o Porto Grande do Mindelo, em Cabo Verde, e Luanda, em Angola. A referida avaliação determinou, como já referido, que três das LFG’s teriam de seguir a reboque do SCHULTZ XAVIER, que 51 84.O Ano A ANTÓNIO ENES, ainda na versão com o radar MLA1B, e a antena omnidireccional de TV, num mastro no parque do heli (nov. 1974). tinha sido deslocado de Lisboa trazendo a bordo todo o material necessário à missão. A primeira tarefa foi a de selar, o melhor possível, os cascos das três LFG’s a rebocar, em todas as tomadas de água e contactos com o mar, isto no sentido de garantir a sua estanqueidade. A viagem viria a provar que houve uma falha no isolamento das madres dos lemes dos navios rebocados, o que obrigou a algumas intervenções em alto mar, das quais falaremos mais à frente. Esta operação que poderia pôr em causa o sucesso da missão, foi concluída, tendo de seguida sido estendidas, no convés da cada uma das LFG’s que iriam a reboque, as respetivas amarras e os cabos de reboque, colhidos em aduchas, primeiro, no convés da ARGOS, um total de 1.000 jardas, para serem largadas até á popa do SCHULTZ XAVIER, um total de 800 jardas, no convés da HIDRA, para serem largadas até à popa da ARGOS, e também um total de 800 jardas, no convés da DRAGÃO, para serem igualmente largadas até à popa da HIDRA. Assim o reboque ficaria, como ficou, com um comprimento total de cerca de 2.600 jardas. Foram ainda instaladas, pelo pessoal do SCHULTZ XAVIER, as baterias a bordo das três LFG’s que seriam rebocadas, e as respetivas células fotoelétricas, que permitiriam acender/apagar automaticamente as luzes de presença dos navios durante o arco noturno. Esta medida era essencial para permitir assinalar os navios que iam a reboque, que era longo (2.600 jardas), quando se atravessassem as linhas de navegação do Imagem do Google Earth com o percurso entre Cabo Verde, S. Tomé e Angola. 52 revistademarinha.com Cabo da Boa Esperança para a Europa, em particular para afastar dos navios de grande porte bem como de toda a navegação no Golfo da Guiné. Constatou-se que foi providencial esta solução aquando do trânsito. Importa agora referir que o desenvolvimento da navegação eletrónica, ainda não se tinha verificado naquele ano de 1974 (já existiam sistemas radiogoniométricos, e outras novidades como o Loran C, o qual requeria cartas próprias e tinha uma cobertura fraca para algumas áreas do globo, como era o caso), o que obrigava a que a navegação durante o trânsito fosse totalmente efetuada através de navegação estimada e observações astronómicas, aos crepúsculos, matutinos e vespertinos, e as observações do Sol, em ante e pós meridianas, para cruzarem com as retas de latitude, tiradas com a altura do Sol na sua passagem meridiana. Os preparativos implicaram, particularmente a bordo da ANTÓNIO ENES, do SCHULTZ XAVIER, e também dos outros navios da TG 24.1 que navegavam pelos seus próprios meios, que se verificasse a existência de todas as cartas náuticas em papel, devidamente atualizadas, as publicações náuticas necessárias (Ex: Almanaque Náutico, Tabelas HO’s, Tabelas Fontoura & Coutinho, Tabela de Marés, Lista de Faróis, “Star Finder”) e restante documentação náutica e equipamento de suporte. A ANTÓNIO ENES teria de garantir a navegação, naturalmente com o apoio diário dos restantes navios da TG 24.1. A corveta ANTÓNIO ENES, como único navio oceânico da força, estava equipada e preparada para esta viagem, tinha um radar de aviso aéreo (MLA 1B), que permitia maiores distancias de deteção a terra (embora com algumas limitações, desde o inicio da comissão, por problemas na malha de impulsos) e um radar de navegação garantindo ainda as comunicações, particularmente através de um transmissor, com 1 MW de · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha História Marítima A LDG (Lancha de Desembarque Grande) ARIETE, navegando algures no Golfo da Guiné (dez. 1974). lisbonproject.com potência, que em Cabo Verde, nos permitia, de uma forma consistente, fazer serviço diretamente com a Rádio Naval de Algés. Os preparativos, em termos funcionais, estavam, pois, praticamente conseguidos faltando ainda as questões, talvez as mais sensíveis, que se prendiam com a reduzidíssima autonomia dos navios. As necessidades de combustível, as aguadas, o pão e os géneros alimentícios, tinham de ser periodicamente avaliadas, obrigando no mínimo a uma paragem em S. Tomé e Príncipe, a mais de 2.300 milhas do Porto Grande do Mindelo, e de seguida a pouco mais de 700 milhas de Luanda. É de toda a justiça realçar aqui o total e esforçado empenho de oficiais, sargentos e praças de toda a TG 24.1 na preparação da viagem, mas não posso deixar de dar um especial relevo ao pessoal do Serviço de Abastecimento da ANTÓNIO ENES e homenagear o seu Chefe de Serviço, o 2.ºTEN AN Santos Zoio, entretanto prematuramente falecido. O aprovisionamento do navio foi sua responsabilidade, e também o estabelecimento de reservas que pudessem acudir a alguma necessidade dos outros navios, como foi o caso do fabrico de pão, que era distribuído frequentemente pelos diversos navios da força, das mais diversas formas, como é apanágio do poder de improviso do ser português. As LDG’s, no caso da ALFANGE, carregou no respetivo poço, água potável em bidons de 200 litros, tendo chegado mesmo a utilizar um dos tanques de lastro do navio com água potável, a qual acabou por não poder ser utilizada, por estar contaminada. A ARÍETE tinha uma aguada de 60 tons, que foi suficiente, e carregou no poço cerca de 60 bidons de gasóleo, que vieram a ser úteis para reabastecer de gasóleo a LIRA, pouco antes da chegada a S. Tomé, numa situação de mar chão, tendo para o efeito atracado em alto mar à ARÍETE. Sempre que oportuno também se trocaram outro tipo de géneros, em particular entre as LFG’s e as LDG´s. * CMG M, ref [email protected] OBSERVAÇÃO: A Parte II deste artigo, estruturada em dois pontos, o planeamento e a viagem, será publicada num dos próximos números da Revista de Marinha. NOTA: Os links inseridos no texto em itálico, e entre parêntesis, destinam-se a facultar o acesso a pequeníssimos vídeos por mim efetuados, durante a viagem da “Incrível Armada”, em 1974, agora disponibilizados na Internet através do meu canal no Youtube. Os referidos vídeos, não são públicos, só estando visíveis através dos referidos links. JJC Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · revistademarinha.com 53 84.O Ano O cruzador REPÚBLICA na China Uma Comissão Feliz por José Cervaens Rodrigues* m 1932 o Ministério da Marinha publicou os Relatórios do Comodoro Guilherme Ivens Ferraz sobre a comissão de serviço que o cruzador REPÚBLICA realizou em Macau e em Shanghai entre agosto de 1925 e setembro de 1927. Neste período decorria na China uma Guerra Civil entre as diversas fações em que o poder se dividiu após a queda da dinastia Qing e, mais marcadamente, após a morte de Sun Yat-Sen, o fundador da República Chinesa, em março de 1925. A tradicional animosidade contra os estrangeiros e o isolamento da China agravado pelas Guerras do Ópio, era um dos poucos fatores de união entre as forças que se combatiam. Dessa guerra civil, das ameaças sobre o território de Macau e sobre a numerosa colónia portuguesa em Shanghai, bem como sobre Hong Kong e as concessões estrangeiras, o Comodoro Ivens Ferraz dá-nos conta nesta publicação em que apenas suprimiu partes reservadas, e significativamente dedicou aos oficiais que serviram sob o seu comando, em particular os do REPÚBLICA, manifestando ainda apreço aos sargentos e praças do navio pelo brio, correção e disciplina de que deram provas. Da narrativa ressaltam as suas excecionais qualidades de liderança, de marinheiro e diplomata, e invulgares qualidades humanas. E I - ANTECEDENTES Ivens Ferraz coloca o início do conflito da China com a Inglaterra em abril de 1834 54 com o fim do monopólio da Companhia das Índias Orientais. A importação de ópio fora proibida pelo Comissário Imperial Lin Zexu, e aprovada pelo Imperador Daoguang, contudo, o ópio produzido em Bengala continuou a ser introduzido ilegalmente na China por comerciantes privados. Em 1839 o ópio existente nos armazéns ingleses foi confiscado e destruído. A Inglaterra enviou navios que afundaram uma armada de juncos e bloquearam portos. A China assinou em agosto de 1842 o Tratado de Paz de Nanking tendo de abrir ao comércio externo cinco portos, ceder a ilha de Hong Kong e pagar uma indemnização. Em 8 de Outubro de 1856, autoridades chinesas apresaram em Cantão uma lorcha que arvorava bandeira inglesa e a sua tripulação, alegando que estava a praticar contrabando e pirataria. O missionário francês Chapdelaine foi assassinado no mesmo ano. Em represália, em julho de 1857, ingleses e franceses subiram o rio das Pérolas, desembarcaram em Cantão e capturaram o Governador, que exilaram para Calcutá. Começaram negociações das quais resultou o Tratado de Tientsin que o Imperador não aceitou. Forças anglo-francesas avançaram sobre Pequim e derrotaram as forças imperiais, tendo saqueado e incendiado o Palácio de Verão. A 7 de junho de 1860 o Príncipe Gong assinou a Convenção de Pequim em que a China se comprometeu a abrir ao comércio mais dez portos, a permitir a instalação de legações da Inglaterra, Estados Unidos e França, conceder liberdade de revistademarinha.com navegação no Yangtzé e livre movimento de comerciantes e missionários. A Inglaterra recebeu Kowloon, no continente. Os dois Tratados, Nanquim e Tientsin, e outros decorrentes de novos conflitos com a França e com o Japão, foram considerados desiguais, unequal, uma humilhação que a China nunca esqueceria. Em 1866 nasceu perto de Macau Sun Yat-Sen. Jovem militante republicano, foi preso e exilou-se no Japão e na Europa. De regresso à China, organizou em 1893 a Sociedade da Regeneração, precursora do Kuomintang, dirigida contra a dinastia e Governo Manchus. Em 1900, os Boxers, praticantes de artes marciais, revoltaram-se, cercando as legações. As potências ocidentais e o Japão reuniram uma esquadra e desembarcaram uma força que ao fim de 55 dias libertou o Bairro das Legações e saqueou a Cidade Proibida. Em outubro de 1911 eclodiu em Wuchang uma Revolução Republicana que alastrou a todo o país tendo o Dr. Sun assumido a Presidência, a que renunciaria pouco depois. Durante a I Grande Guerra (1914-18) a China enviou um corpo de trabalhadores para a Europa, confiando na promessa da devolução dos territórios pertencentes às potências vencidas. Ora, pelo Tratado de Versalhes, os territórios das concessões alemãs e austro-húngaras foram entregues ao Japão, o que originou indignação e tumultos. Em 1921, perante a instabilidade governativa, Sun Yat-Sen reassumiu a Presidência e em 1924 reuniu o primeiro Congresso do · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha História Marítima Kuomintang. Numa tentativa de reunificar o País, e apesar de sofrer de cancro em estado avançado, foi a Pequim onde morreu em março de 1925, deixando o país desunido. Chiang Kai Shek, militar formado no Japão, Comandante da Academia de Whampoa, assumiu o Comando-em-Chefe das Forças do Kuomintang. Na luta pela sucessão do Dr. Sun, forças do Kuomintang, enquadradas por conselheiros russos, atacaram tropas de Yunnan entrincheiradas em Cantão, massacrando-as. Na euforia da vitória ameaçaram invadir a concessão franco-britânica na ilha de Shameen, onde Portugal tinha representação diplomática. A 23 de junho deu-se o ataque concentrado nas duas pontes que unem a ilha ao continente, testemunhado pelo Cônsul Português. Foi frustrado em poucos minutos, com centenas de baixas chinesas. No mesmo mês The Canton Gazette publicou um manifesto anti-Português: …o nosso povo organizou a União para a conquista de Macau… Imperialistas Portugueses largai as mãos de Macau. Perante esta ameaça o governo português decidiu reforçar o dispositivo naval na China. II – O CRUZADOR REPÚBLICA EM MACAU Em 24 de Junho de 1925 o Ministro da Marinha, Pereira da Silva nomeou o CMG Guilherme Ivens Ferraz Comandante do cruzador REPÚBLICA, com ordem de largar para Macau em missão de soberania. Foi escolhido para Imediato o CTEN Eduardo Cândido Lopes Vilarinho, oficial da inteira confiança do Comandante e conhecedor do navio. A urgência não permitiu atrasar a saída do REPÚBLICA para limpeza e pintura do casco. O navio saiu o Tejo na tarde do dia 28, com apresentação de pessoal até à última hora. Já no mar, foi recebido um telegrama do Presidente da República com palavras de apreço e incentivo, que o Comandante agradeceu sensibilizado. No entanto não tinha havido tempo para adquirir algum equipamento essencial para uma longa viagem seguida de comissão de serviço em clima quente. Além disso o carvão metido em Lisboa era de péssima qualidade pelo que teve de se escalar La Valetta, para reabastecer. Seguiu para Port Said onde entrou na doca flutuante da Companhia do Canal do Suez a 15 de julho. Além da limpeza e pintura do casco, foi reparada uma Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 avaria no veio, executada a limpeza das caldeiras e condensadores, efetuadas beneficiações na artilharia, conveses e paióis. Após meter carvão e fazer aguada, largou a 17, canal abaixo. No Mar Vermelho suportou temperaturas muito elevadas e, no Índico, um violento temporal que atrasou a chegada a Colombo. Com a acalmia demandou o Estreito de Malaca, escalou Singapura para novo reabastecimento chegando ao porto exterior de Macau a 15 de agosto. O Comandante Ivens Ferraz assumiu o cargo de Comandante-em-Chefe das Forças Navais Portuguesas no Oriente, com o posto de Comodoro, sendo-lhe confiada a elaboração de um Plano de Defesa Naval de Macau. As principais ameaças eram o boicote à entrada de frescos, quer por terra, quer por mar e o corte do abastecimento de água feito por barcaças na Ilha de Lapa. Nas águas adjacentes persistiam atos de pirataria com o desvio de navios para portos chineses, pedindo os piratas elevados resgates para a sua libertação. Ivens Ferraz descreve a sua primeira missão quando em dezembro o REPÚBLICA se deslocou ao importante porto de Hoihow, na ilha de Hanan, para proteção dos portugueses residentes na Ilha, face à ameaça de invasão por tropas vermelhas. Acompanhado pelo Comissário da Alfândega, Nolasco, e por um aterrorizado intérprete, foi ao quartel-general do temido general Tang Pun-yan. Após longa espera, guardados à vista, foram admitidos à sua presença. O Comodoro Ivens Ferraz manteve longo diálogo com Tang que acabou por garantir a segurança dos residentes estrangeiros. Em Macau recebeu os agradecimentos dos cônsules, francês e inglês, pela segurança que a presença do cruzador português tinha transmitido. No dia 1 de maio um biplano espanhol, pilotado pelo Capitão Gallarza, aterrou inesperadamente em Macau. Fazia parte do raid aéreo Madrid-Manila e ao aterrar bateu numa árvore danificando as asas e o montante. Outro aparelho que partira de Hanoi, pilotado pelo Capitão Loriga, tinha desaparecido. Saíram para buscas a canhoneira PÁTRIA, a lancha-canhoneira MACAU e a lancha DEMÉTRIO CINATTI. Poucas horas depois, a PÁTRIA encontrou um navio chinês que transportava o piloto e o seu mecânico. Seguiram-se dias festivos que culminaram num jantar no Hotel Boa Vista oferecido aos oficiais espanhóis pelos seus camaradas portugueses a que compareceu o Governador. Ivens Ferraz proferiu um bri- · revistademarinha.com lhante discurso exaltando os feitos de navegação de portugueses e espanhóis referindo o raid aéreo Lisboa-Macau de Sarmento de Beires e Brito Pais. Reparado com os recursos locais o aparelho de Gallarza, os dois pilotos fizeram juntos a parte final da viagem com o apoio do REPÚBLICA, que se deslocou para um ponto pré-combinado onde lançou fumo, entrando em Manila no dia 12. Nessa noite teve lugar um jantar no Casino Espanhol a que compareceram todos os oficiais disponíveis do navio português com o seu Comandante. O Cônsul Geral de Espanha fez um empolgado discurso, enaltecendo a amizade entre os dois povos, agradecendo o acolhimento que os pilotos tiveram em Macau e o apoio recebido. No dia seguinte Ivens Ferraz apresentou cumprimentos ao Governador Americano das Filipinas, ao General Comandante-em-Chefe e ao Almirante Superintendente do Arsenal de Cavite. Por todos foi recebido com a maior deferência e observação das normas protocolares. A seguir a novo repasto em honra da guarnição do REPÚBLICA em que participaram oficiais, sargentos e praças, e da retribuição a bordo de um jantar a 40 individualidades escolhidas entre as autoridades locais e a colónia espanhola, pago por quotização entre os oficiais de bordo, o navio largou para Macau. No dia da chegada receava-se uma invasão do território, o que não se verificou, mas continuou a atividade grevista, sendo cobrados impostos junto às Portas do Cerco e em repartições clandestinas que controlavam as mercadorias importadas e exportadas por via marítima. No II Congresso reunido em Cantão, Chiang Kai-shek considerou o Kuomintang como a única força capaz de unificar a China e acusou os “Senhores da Guerra” do Norte de estarem a fazer o jogo dos imperialistas, ou seja das Potências Europeias, os Estados Unidos e o Japão. Mas é já evidente uma cisão no Kuomintang entre a ala radical, do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Cantão, Eugène Chen, natural da Trinidad, e a moderada, nacionalista e anti-Rússia, que considera prepotente e humilhante a atitude deste país. O Governo de Cantão prepara uma expedição ao norte verificando-se grandes movimentos de tropas em todo o Kuangdong. Chiang Kai-shek foi investido no supremo comando militar e no supremo poder civil tendo apelado à disciplina, espírito de sacrifício e coragem dos soldados do Exército Republicano Nacionalista. O Governo de Pequim, o único reconhecido internacionalmente, não tem força. A China está dividida em meia dúzia de “reinos” que fazem e desfazem alianças. Parafraseando Metternich, Ivens Ferraz comenta … a China é apenas uma “expressão geográfica”. 55 84.O Ano Em julho o Comodoro Ivens Ferraz revelou a sua vertente de homem de cultura e de respeito pela tradição ao deslocar-se na lancha-canhoneira MACAU à missão jesuíta portuguesa de Shiu-hing, tendo subido o rio Xi até Wuchow. Os missionários Matteo Ricci e Michele Ruggieri, vindos de Macau, instalaram em 1583, em Shiu-hing a primeira missão jesuíta tendo recebido autorização para pregar a Fé Cristã no Celeste Império. Quando em 1910 os jesuítas foram expulsos de Portugal, a missão passou a viver apenas da generosidade do Governo de Macau. O Superior da Missão expressou ao Comodoro Ivens Ferraz a sua profunda gratidão. A 15 de agosto o REPÚBLICA partiu para a Índia por ordem de Lisboa. Contudo, já perto de Singapura, recebeu contra-ordem para regressar a Macau. Durante a ausência do cruzador os grevistas revistaram embarcações e cobraram impostos tendo-se registado incidentes nas Portas do Cerco e foi cortado o abastecimento de água que passou a vir da Taipa. A presença do cruzador impunha respeito e era indispensável. Em outubro terminou a greve, e os piquetes e as suas lanchas armadas desapareceram. O abastecimento de água voltou a fazer-se na ilha da Lapa. Os navios portugueses que saíram para Cantão fizeram a viagem sem qualquer incidente. Entretanto o exército nacionalista invadira já a província de Hunan, rumo ao norte, dispondo o Kuomintang de dez corpos de exército sob o comando único de Chiang enquanto o Norte tinha seis, atuando independentemente. Chiang Kai-shek afirmou que, uma vez vitoriosa a Revolução, seriam anulados os Tratados Injustos, abolidas as extraterritorialidades e as concessões. O Governo de Cantão prometeu combater piratas e bandidos, regular as disputas laborais e reorganizar a administração e as finanças. Porém, numa Missão Portuguesa, um missionário foi espancado e em Fuchow, a missão espanhola, foi saqueada e no convento raptadas 300 educandas, sem que as forças nacionalistas interviessem. O Governo Espanhol fez seguir para a China o cruzador BLAS DE LEZO. Nas zonas internacionais de Shanghai viviam 50.000 estrangeiros, sendo a colónia portuguesa superior a 3.000 residentes, na maioria macaenses, pelo que o Comodoro Ivens Ferraz considerou que se justificava a presença de pelo menos mais um navio para reforço de Macau e que o REPÚBLICA deveria seguir para o Yangtzé. Comunicou para Lisboa o agravamento da situação e os movimentos das unidades navais estrangeiras. Refere que a ausência de uma unidade naval portuguesa em Shanghai tem sido objeto de comentários desfavorá56 veis. No dia 5 de março o Comodoro Ivens Ferraz recebeu um telegrama do Cônsul Geral de Portugal em Shanghai com o seguinte teor … parece estão finalmente sanadas as dificuldades vinda REPÚBLICA cuja presença tenho solicitado há muito tempo. Rogo Vexa informar data partida. Ivens Ferraz estranha esta referência pois, quer o Governador, quer ele próprio, já tinham manifestado a disponibilidade de seguir para Shanghai. Noutro telegrama o Cônsul acrescenta: … oportuno vinda Shanghai sem demora REPÚBLICA trazendo alguns soldados infantaria europeus. Partida deve fazer-se sem espalhafato acentuando bem o único objetivo proteção eventual pessoas bens nacionais. III - O REPÚBLICA EM SHANGAI O REPÚBLICA embarcou um destacamento do Exército comandado por um tenente e constituído por um sargento e 26 praças, saindo no dia 6 de março. A viagem decorreu sem incidentes embora retardada por um espesso nevoeiro e pelos inúmeros juncos de pesca que encontrou na sua rota. No dia 10, sob intenso frio, tomou piloto na foz do Yangtzé e subiu o rio, perfeitamente balizado. Em Woosung, à entrada de Shanghai, encontrou cinco cruzadores da Armada Chinesa de Pequim, tendo salvado com 13 tiros ao distintivo do almirante Yang, salva que foi prontamente retribuída. No rio Whampoo, em frente ao Cais da Alfândega de Shanghai, estavam amarrados a bóias de proa e popa os navios-chefe PITTSBURGH, do Almirante americano Clarence Williams, (senior foreign officer in port) e HAWKINS, do Vice-almirante inglês Sir Reginald Tyrwhitt. Seguiam-se os restantes navios, num total de 63. Tendo chegado tarde, o REPÚBLICA foi remetido 4 mi para montante do referido cais sendo muito morosas as comunicações com terra. Fizeram-se os cumprimentos protocolares tendo o Comandante-em-Chefe das revistademarinha.com Forças estrangeiras em Shanghai ido a bordo do REPÚBLICA Em resposta ao reparo de Ivens Ferraz por a nossa representação ser tão modesta, o General Duncan replicou … mesmo fossem apenas dois homens a bandeira portuguesa seria sempre bem-vinda junto das forças inglesas. O Vosso apoio moral vale tanto como o de uma grande potência. Comenta Ivens Ferraz … parece evidente ter existido anteriormente alguma desconfiança relativamente às intenções de Portugal. No dia 14 participou, a bordo do PITTSBUGH, na conferência dos Comandantes, sob a presidência do Almirante Williams, sendo acordado não permitir combates naquela zona do rio, nem a passagem de forças terrestres ou combates navais. A defesa da cidade está confiada a 12.000 ingleses, um corpo de voluntários de 1.600 homens, sendo 130 portugueses, e 15.000 polícias. O destacamento português, composto por 50 marinheiros da força de desembarque e pelo contingente do Exército embarcado em Macau, foi aquartelado no Grémio Lusitano. Foi-lhe atribuída a defesa da Ponte de Yalu e de três redutos, numa área de patrulha onde residiam milhares de operários. As temperaturas eram muito baixas tendo nevado. O REPÚBLICA foi designado como navio-chefe do grupo de montante com o espanhol BLAS DE LEZO, uma canhoneira americana, e uma francesa. A 20 de março as forças nacionalistas entraram em Shanghai tendo ocorrido pilhagens no bairro chinês resolvidas pelo Comandante Militar, General Pi, que rapidamente aderiu às forças de Chiang, tal como já havia feito o Almirante Yang. No Yangtzé continuaram a verificar-se incidentes pelo que a navegação é feita em comboios. Em junho as atividades militares deslocaram-se para norte pelo que deixava de se justificar a presença de um contingente português. Ivens Ferraz lembra as atenções que a colónia portuguesa em Shanghai dispensou ao REPÚBLICA, tendo chegado em março com neve e temperaturas baixíssimas; as senhoras portuguesas então acorreram levando chá, café, comida e tabaco. Os oficiais foram recebidos com carinho em suas casas, salientando a permanente disponibilidade do Cônsul Geral Paula Brito. Tiveram lugar saraus musicais e espetáculos para entretenimento do pessoal. A 9 de julho o Cônsul Geral ofereceu um chá dançante a três centenas de convidados. No final entregou uma placa com a inscrição: Ao cruzador REPÚBLICA pelo brilhantismo com que representou a Pátria e defendeu a colónia portuguesa durante os mais trágicos dias da história de Shanghai. A Colónia Portuguesa reconheci· 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha História Marítima da. A exemplo de outras nações, preparou-se um desfile militar. Para apresentar um maior efetivo Ivens Ferraz dera ordem ao ADAMASTOR para treinar a guarnição em exercícios de infantaria. O desfile teve lugar na manhã de 10 de julho sob o comando do CTEN Eduardo Vilarinho. Um Batalhão de Marinha a 9 pelotões, o contingente do Exército e a Companhia de Voluntários “Coronel Mesquita”, desfilaram perante o representante do Comandante das Forças Internacionais, da Força de Defesa Terrestre e de centenas de pessoas. Impressionou muito favoravelmente o garbo e porte militar da Marinha Portuguesa, a correção no manejo de armas, e o rigor de toda a movimentação. Foram louvados o Comandante Vilarinho e todos os oficiais, sargentos e praças que participaram no desfile. O REPÚBLICA largou de Shanghai a 11 de julho sendo rendido pelo ADAMASTOR. IV – EPÍLOGO Em Macau aproximava-se o dia da partida para Lisboa e começavam as despedidas. Mas ainda haveria uma prova a superar. A 19 de agosto quando Ivens Ferraz almoçava com o Imediato em casa do Director das Obras Públicas, recebeu aviso de que se aproximava um tufão. O Imediato seguiu para bordo para preparar o navio que estava amarrado a nova boia no Porto Exterior. Esta merecia toda a confiança no que toca à fixação no fundo, amarras e correntes, mas a mesma confiança não dava a própria boia. Ao meio dia do dia seguinte, o tufão foi localizado a 70 milhas a SE e às 13 horas içado o sinal 7, indicativo de tufão muito próximo. O vento crescera rapidamente atingindo 100 a 130 km/h, com rajadas. Um navio chinês, fundeado pela amura de EB, garrava, aproximando-se do REPÚBLICA. Cerca das 15h30 uma forte rajada de 190 km/h rebentou a amarra e o navio ficou à deriva. O Comandante decidiu sair para o mar, com a máquina a toda a força, passando pela popa do navio chinês. Mas com o vento o REPÚBLICA abateu e aproximou-se da ponta oeste do molhe de entrada pelo que foram largados ambos os ferros. O navio tocou com a popa no quebra-mar que prolongava o cais. Foi o momento de maior perigo pois a máquina teve de parar. Como por milagre o navio passou sobre o enrocamento, caindo no fundão do outro lado. A máquina voltou a funcionar tendo-se o REPÚBLICA aguentado durante várias horas parecendo que por vezes o vento o arrastava para terra e outras que a máquina o conseguia afastar do perigo. Esta odisseia foi seguida com angústia do Palácio de Santa Sancha pelo Governador Tamagnini, seus familiares e colaboradores. Cerca das 21 horas o vento acalmou e o navio pode fundear em lugar seguro. A passagem do tufão durou dez horas quando o normal era não ultrapassar as duas. No prefácio da publicação o Governador de Macau Tamagnini Barbosa destaca a … decisão e energia, do Comandante Ivens Ferraz, referindo o … quadro épico e real que se apresentava aos meus olhos, em momentos de ansiedade infinita, em transes cruéis que se pressentiam em cada onda que vinha, eu vi o valor da vontade de um homem, secundado pelo esforço de todos para vencer e venceram. Após as despedidas oficiais o navio largou para Hong Kong onde entrou em doca seca sendo observadas apenas ligeiras amolgadelas nas obras vivas e uma pá da hélice partida. Após as necessárias reparações o navio saiu para Singapura onde se encontrou com o PERO DE ALENQUER. Neste porto foi recebida a notícia da promoção por distinção a Contra-Almirante de Ivens Ferraz que a 14 de setembro entregou o Comando ao CTEN Vilarinho e ofereceu um jantar de despedida aos oficiais. A 19 o REPÚBLICA largou para Moçambique e dali para Luanda onde tomou novo Comandante, regressando a Lisboa. O CALM Ivens Ferraz regressou de paquete com a satisfação de ter cumprido uma missão muito difícil num ambiente adverso, com escassos recursos, mas dispondo de uma equipa de primeira ordem, muito jovem no que toca à oficialidade, liderada por um Imediato leal, extremamente competente e dedicado. Em 1932 o Ministério da Marinha decidiu em boa hora a publicação do seu Relatório para fixar uma página brilhante da Marinha no século XX, o mesmo tendo feito a Academia da Marinha com a sua reedição em 2006. * Oficial da Armada [email protected] CONCURSO DE CONCESSÃO CENTRO NÁUTICO DE SANTA CATARINA O Centro Nautico de Santa Catarina representa uma oportunidade de investimento para o seu negócio. Com uma área total de 53.052m2 para: . serviços de manutenção e reparação naval; . alagem e parqueamento a seco de embarcações de recreio; . construção naval; . cais e doca de serviços; . aluguer e venda de embarcações; . serviços pós-venda. 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Em 2019, no âmbito das celebrações do seu 80º aniversário, o NS MIRCEA voltou a atracar em Hamburgo, onde foi realizada uma cerimónia que contou com a presença de diversas entidades da Marinha Romena e da Marinha Alemã. Largando de Hamburgo o MIRCEA recriou a sua primeira viagem, voltando a praticar os mesmos portos e consequentemente Lisboa. Durante a sua estadia na nossa capital foi realizada, junto ao túmulo de Vasco da Gama, no Mosteiro dos Jerónimos, uma cerimónia de homenagem aos navegadores portugueses e uma O Na sua proa o MIRCEA ostenta orgulhosamente a figura de proa do seu patrono, Mircea cel Bãtrãn, (foto do autor). delegação de 40 cadetes romenos visitaram a nossa Escola Naval e a fragata NRP VASCO DA GAMA. Foi ainda dada uma receção a bordo do MIRCEA que contou com diversas entidades civis e militares portuguesas e romenas. Nessa viagem, para além dos 57 cadetes da Escola Naval romena e dos 32 alunos da Escola de Sargentos, encontravam-se embarcados, dois oficiais albaneses e 13 cadetes estrageiros, das Marinhas da Bulgária, China, França, Polonia, Portugal e Ucrânia. Durante o embarque no MIRCEA o instruendo tem oportunidade de manobrar e operar o velame do navio, realizar as funções de “marinheiro do leme”, “vigia” e “ronda” e praticar navegação costeira. Todas estas funções são intercaladas com aulas de diversas disciplinas. Ao longo dos seus 80 anos o MIRCEA praticou já diversos portos da Europa, Médio Oriente, Norte de Africa e América do Norte, tendo atracado em Lisboa com alguma regularidade. Concebido sob os mesmos planos do GORCH FOCH I, este elegante navio, é o quarto navio-irmão de um conjunto de cinco Navios-Escola. Na sua proa o MIRCEA ostenta orgulhosamente a carranca do seu patrono, Mircea cel Bãtrãn, que reinou na Valáquia (uma das regiões da atual Roménia) entre 1386 e 1418. O seu nome significa Mircea o Velho, de forma a não ser confundido com o seu neto, que possuía o mesmo nome. Enquanto governou, o Rei Mircea promoveu o desenvolvimento económico da Valáquia, organizou o exército e criou um sistema de alianças que lhe permitiu defender a independência do país e suster as investidas do Imperio Otomano. Foi no seu reinado que as voláteis fronteiras da Valáquia atingiram a sua maior dimensão e NS MIRCEA a navegar à vela com todo o pano (foto gentilmente cedida pelo MIRCEA). 58 Marinha de Guerra graças ao fomento económico os seus navios navegaram não só no Mar Negro, mas também no Mediterrânio e no Mar Egeu, o que lhe valeu o cognome de “líder até ao grande mar”. Este veleiro não é primeiro navio que a Marinha de Guerra Romena possui com o nome de MIRCEA. Com a conquista da independência ao Imperio Otomano em 1877 e a criação, em 1881, do Reino da Roménia, foi mandado construir em Inglaterra, em 1882, um navio aparelhado em brigue para a então Marinha Real Romena, batizado de MIRCEA. O atual MIRCEA possui, desde a sua construção, as amuradas do castelo da proa e do castelo da popa pintadas de amarelo, característica que facilmente o diferencia dos restantes navios da classe, facilitando a sua identificação. A classe de navios a que o MIRCEA pertence é constituída pelos seguintes veleiros: O GORCH FOCH I, construído em 1933, (ex-navio escola TOVARISHCH da ex-URSS e da Ucrânia) é atualmente um navio museu da Associação Alemã dos Amigos dos Grandes Veleiros, encontrando-se atracado em Stralsund, na Alemanha; o HORST WESSEL, contruído em 1936 (atual USCGC EAGLE da Guarda Costeira dos Estados Unidos); o ALBERT LEO SCHLAGETER, construído em 1937 (atual NRP SAGRES da Marinha Portuguesa); o NS MIRCEA, construído em 1938, numa encomenda destinada à Marinha Romena e o GORCH FOCH II, construído em 1958, sendo o atual navio escola da Marinha de Guerra Alemã. Todos estes navios foram construídos nos Estaleiros da Blohm & Voss, em Hamburgo, sendo o NS MIRCEA o único que não foi construído com o intento de servir a Marinha de Guerra Alemã. O GORCH FOCH I e o NS MIRCEA tem ainda a particularidade de possuírem um casco cerca de 7 m mais curto do que os restantes navios. Em 1939, possuindo já três Navios-Escola, a Alemanha inicia a construção de um quarto ainda antes de se iniciar a II Grande Guerra Mundial, estando previsto batizá-lo de HERBERT NORKUS. O seu casco é lançado à água ainda em 1939, mas, devido ao conflito, nunca chega a ser concluído. Acaba por ser afundado em 1947 ao largo da Dinamarca, no Skagerrak. De realçar que com o fim da II Grande Guerra Mundial e a perda, em 1945, dos seus 3 Navios-Escola como despojos de guerra, a Alemanha, ciente da importância de um veleiro na formação marinheira dos seus cadetes constrói em 1958 uma unidade sob os mesmos planos dos seus antigos Navios-Escola e do MIRCEA, o que Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 Cerimónia de homenagem aos navegadores portugueses com a presença da Senhora Ioana Bivolaru, Embaixadora da Roménia em Portugal, do Coronel Marian Voicu, Adido de Defesa romeno, do CALM Simões Marques, Comandante da Escola Naval e de cadetes romenos e portugueses (foto gentilmente cedida pelo MIRCEA). atesta o sucesso deste projeto e as boas qualidades náuticas destes veleiros. Em 1976, no âmbito das celebrações do bicentenário da independência dos Estados Unidos da América (EUA), foi organizado um encontro de grandes veleiros, denominado Operation Sail´76. Aproveitando a regata entre Hamilton, na Bermuda e Newport, nos EUA, foi criado um troféu exclusivamente para estes cinco navios irmãos, denominado Five Sisters, nome pelo qual são conhecidos internacionalmente. Após uma largada atribulada e uma renhida competição entre o então TOVARISHCH (atual GORCH FOCK I), o EAGLE, a SAGRES, o MIRCEA e o GORCH FOCK (atual GORCH FOCK II) o troféu foi conquistado por este último. Ficou então estipulado que sempre que os cinco navios irmãos se encontrassem em regata este troféu voltaria a ser disputado. Tal não voltou a acontecer até aos dias de hoje! As five sisters nunca mais se reencontraram, nem em regata, nem em nenhum porto. Curiosamente os únicos portos onde estiveram juntos foram os portos de Hamilton, Newport e Nova York, praticados durante a Op. Sail´76. Sendo o GORCH FOCK I atualmente um navio museu, dificilmente o troféu Five Sisters voltará a ser disputado e os cinco navios-irmãos se voltarão a reencontrar. No entanto os reencontros entre dois ou três navios irmãos ocorrem esporadicamente. Na penúltima escala que o MIRSEA fez em Lisboa, no dia 20 de agosto de 2017, voltou a encontrar-se com a SAGRES. Estando o navio escola romeno atracado no Cais da Rocha e o irmão português a iniciar uma Viagem de Instrução com os cadetes do 1º ano da Escola Naval, o NRP SAGRES passou ao largo do NS MIRCEA, tendo-se efetuado o tradicional cumprimento estipulado no cerimonial marítimo. Cientes que não vai ser possível juntar os cinco navios irmãos num futuro próximo, esperemos que o MIRCEA e os restantes Navios-Escola irmãos pratiquem os portos nacionais com regularidade e que se encontrem esporadicamente nos diversos festivais náuticos e encontros de grandes veleiros que ocorrem pela Europa e América. * Oficial da Armada [email protected] Navio em faina geral de mastros (foto gentilmente cedida pelo MIRCEA). · revistademarinha.com NOTAS: (1) Nava Scoala (Navio Escola em romeno). (2) Navio da República Portuguesa. (3) União de Repúblicas Socialistas Soviéticas. (4) US Coast Guard Cutter. (5) A Marinha de Guerra Alemã teve as designações de Reichmarine, entre 1919 e 1935, de Kriegsmarine, entre 1935 e 1945, de Bundesmarine, de 1955 até 1990, quando a Marinha da Alemanha Federal se funde com a Marinha da Alemanha de Leste, passando-se a designar de Deutshe Marine, desde 1995 até hoje. 59 84.O Ano Untergang: o fim dramático da Kaiserliche Marine *Vasco Gil Mantas s 11h20 da manhã do dia 21 de junho de 1919, o cruzador EMDEN, navio-chefe do Contra-Almirante Ludwig von Reuter, Comandante da Esquadra Alemã internada em Scapa Flow desde o dia 22 de novembro de 1918, içou o sinal: Todos os Comandantes e Comandante superior dos torpedeiros. Parágrafo 11. Execução. Comandante da Esquadra de Internamento. Este sinal, que os navios internados da Hochseeflotte aguardavam já desde as 10h00, constava da ordem P.39, difundida no dia 17, na previsão de que o período estabelecido para manutenção do armistício, a terminar a 21, não seria renovado. O parágrafo 11 determinava o afundamento imediato da Esquadra. Este momento marca o fim trágico da formidável Kaiserliche Marine, instrumento privilegiado da Weltpolitik germânica resultante da hegemonia prussiana após a vitória de 1870 e do entusiasmo navalista do Kaiser Guilherme II e do Almirante Von Tirpitz, que conferiu à frota, de acordo com a sua Teoria do Risco, uma função de fleet in being. A formação técnica e a circunstância de representar o único ramo supra-nacional das forças armadas alemãs, de forte espírito nacionalista e dependente do Imperador, sugeria uma estratégia diferente para a Hochseeflotte, vencedora tática na Jutlândia em 1916 e depois preterida pela Handelskrieg submarina, impotente para contrariar o bloqueio que estrangulou a Alemanha, dado o falhanço do Pla- À 60 O CALM Ludwig von Reuter, Comandante da Esquadra de Internamento. no Schlieffen, que previa o fim da guerra a ocidente em 42 dias! Na verdade, depois da Jutlândia, as grandes unidades da Esquadra de Alto-Mar foram remetidas à inatividade, minando o moral das equipagens à medida que a guerra se prolongava. As primeiras perturbações na frota verificaram-se em 1917, ano de grande agitação nos dois campos em conflito, no caso alemão causada em parte pela difícil situação dos abastecimentos, que levou a designar o Inverno de 1916-1917 como o ano dos nabos (Steckrübenwinter). Todavia, 1917 terminou sob melhores auspícios. Embora a entrada dos EUA no conflito constituísse um fator negativo, a sua incidência na Frente Ocidental tardaria ainda a fazer-se sentir e a Alemanha ganhou preciosos meses e o reforço dessa frente com tropas deslocadas da frente russa, onde o império czarista colapsara. Também foi o ano em que a ofensiva submarina, agora irrestrita, destruiu a maior tonelagem de sempre: 6.078.125 tons. Em 1918 a Alemanha teve ainda possibilidade de impedir a derrota, desfechando grandes ofensivas na Frente Ocidental entre março e julho, mas acabou por perder a superioridade numérica e a iniciativa estratégica, não conseguindo os U-boot perturbar o transporte das tropas americanas para a Europa, adivinhando-se os dias de desordem que se aproximavam com o início do Outono. É difícil estabelecer a time-line dos incidentes iniciados com insubordinações nos navios e em terra, desenvolvidas num ambiente social de grande tensão, rapidamente aproveitado por elementos radicais e estimulado pela difusão da proposta do Presidente Wilson para terminar o conflito, os célebres 14 Points enunciados no mês de janeiro sem conhecimento dos Aliados. A 3 de Outubro o Príncipe Maximilian von Baden assumiu a chefia do governo, com o apoio de representantes de partidos presentes no Reichstag, seguindo-se História Marítima o envio ao Presidente Wilson de três notas solicitando condições para um armistício. Wilson atrasou a resposta, incluindo como condição a abdicação de Guilherme II, decisão que terá levado os responsáveis da Marinha, Almirantes Scheer e Von Hipper, em 24 de Outubro, a admitir a continuação da luta empenhando a Hochseeflotte num ataque à Grand Fleet, sem conhecimento do governo e sem atender ao estado de espírito das tripulações e de parte da população civil, sobretudo nos grandes centros urbanos, bem definido por uma frase de A. T. Mahan: Men may be discontented at the lack of political privilege; they will be yet more uneasy if they come to lack bread. Depois, é tudo muito rápido. A 29 de Outubro a operação foi impedida por parte das equipagens dos navios de linha, reunidos em Wilhelmshaven, alargando-se a sedição a Kiel e a outras cidades. A 4 de Novembro marinheiros, soldados e operários dominam a cidade e a base naval de Kiel, assumindo o controlo da frota, exigindo o fim da guerra e a abdicação do Kaiser. Num crescendo de incidentes incontroláveis, um dos mais graves sucedeu a bordo do couraçado KÖNIG, onde o Comandante foi ferido e dois oficiais mortos ao tentarem impedir que a bandeira imperial fosse arriada. Maximilian von Baden, doente com a chamada gripe espanhola, enviou, a 6 de novembro, o Secretário de Estado Matthias Erzberger negociar as condições de armistício com os Aliados. O dia 9 de novembro viu duas vezes proclamar a República em Berlim, o que já sucedera em Munique no dia 7, e o anúncio da abdicação do Kaiser feito por Von Baden, que se demite, transferindo o poder ao agora Chanceler Friedrich Ebert. Foi com esta situação caótica que a delegação alemã encarregada de negociar com os Aliados se defrontou, quando o Marechal Hindenburgo pediu instantemente a Matthias Erzberger, no dia 10 de novembro, a assinatura do Armistício, quaisquer que fossem as condições, o que aconteceu em Compiègne a 11 de Novembro. O que se passou depois é em grande parte consequência desta funesta situação, de forma nenhuma alheia à tese da punhalada nas costas, de larga utilização política posterior. Que estipulava o Armistício em relação à frota? As cláusulas navais do Armistício são numerosas, 13 ao todo (XX a XXXIII), e não permitem dúvidas quanto ao seu verdadeiro significado: a rendição das forças navais alemãs. A cláusula XXII determinava a entrega incondicional de todos os submarinos aos Aliados e aos Estados-Unidos, em portos a designar. A cláusula XXIII é a que se relaciona diretamente com a HochseeRevista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 flotte. Transcrevemo-la de seguida: Os navios de guerra da Frota de Alto-Mar alemã que os Aliados e os Estados Unidos designarem serão imediatamente desarmados e em seguida internados em portos neutros ou, na sua falta, em portos das potências aliadas. Estes portos serão designados pelos Aliados e pelos Estados-Unidos. Os navios aí permanecerão sob a vigilância dos Aliados e dos Estados Unidos, apenas com uma equipagem de guarda a bordo. As determinações dos Aliados compreendem: 6 cruzadores-couraçados; 10 couraçados; 8 cruzadores ligeiros (dois deles lança-minas); 50 destroyers dos tipos mais recentes […]. Todos os navios designados para serem internados deverão estar prontos a deixar os portos alemães sete dias depois de assinado o Armistício. Ser-lhes-á indicada por T.S.F a rota a seguir. Não foi fácil conseguir alguma acalmia que permitisse aprestar a frota, na mão de “conselhos de marinheiros” e com grande parte da oficialidade desembarcada. O comando da chamada Esquadra de Travessia, depois da recusa de Von Hipper, foi entregue a Ludwig von Reuter, reunindo-se os navios em Wilhelmshaven, e após a solução de vários problemas complicados, como o do pavilhão sob o qual a frota, a caminho de um destino ainda desconhecido, navegaria. Zarpou a 19 de novembro, sem munições e com pouco combustível, e a 21 encontrou-se com uma imponente escolta britânica, seguindo para o Firth of Fort, onde teve lugar uma rigorosa inspeção. Durante a travessia perdeu-se o torpedeiro V 30, afundado por uma mina. O Almirante Beatty ordenou que o pavilhão alemão fosse arriado dos navios, não 61 84.O Ano voltando a ser içado sem prévia autorização. Queria assim o Comandante britânico, usando de uma medida contrária ao direito no que respeita a navios internados, confirmar a rendição da frota alemã, embora reconhecendo a autoridade dos oficiais alemães no exercício legal das suas funções, o que viria a revelar-se difícil. No dia 22, depois de minuciosamente inspecionada, a frota recebeu ordem para navegar para Scapa Flow, onde se encontrou reunida a 28 de novembro. Na verdade, tratava-se de uma frota aprisionada em consequência de um ato de má-fé dos Aliados. As condições de vida a bordo de navios cuja construção não tivera em conta a comodidade das tripulações, dado que a estratégia decidida para a Hochseeflotte não exigia longas permanências no mar, eram penosas, ampliadas pelo isolamento. O abastecimento em víveres era assegurado a partir da Alemanha através de um cargueiro e o correio, censurado, através de unidades não internadas, uma vez por semana. Os ingleses mantiveram o abastecimento de carvão e água à esquadra, mas obrigaram a enviar da Alemanha tabaco e sabão, difíceis de obter, ao contrário da aguardente, com as previsíveis consequências sobre tripulações desmoralizadas e indisciplinadas, cujos efetivos foram sendo reduzidos. As negociações foram-se arrastando em Versalhes, quase sempre na ignorância de Von Reuter, cujas informações provinham muitas vezes, de jornais ingleses, uma vez que as comunicações via rádio foram impedidas. Tudo leva a crer que o Almirante tivesse decidido afundar a esquadra já no mês de março, talvez por indicação do Almirante Von Trotha, novo chefe da agora Reichsmarine. A transferência de Von Reuter para o EMDEN pode relacionar-se com o plano que se preparava, pois, este cruzador estava estabilizado do ponto de vista disciplinar e encontrava-se fundeado numa posição conveniente. A 8 de Maio os Aliados apresentaram as condições para assinatura da paz, cujas cláusulas referentes ao futuro da frota e ao desarmamento naval da Alemanha eram draconianas e claras. Restava, agora, afundar a frota, o que começou a ser preparado cautelosa- Medalha alemã comemorativa do afundamento da Hochseeflote em Scapa Flow. mente nos inícios de junho. O começo do Verão veria o fim da Hochseeflotte. A saída da esquadra inglesa do Firth of Forth para manobras, comandada pelo Almirante Fremantle, facilitou a execução da operação, que não encontrou oposição por parte das guarnições. À medida que se iniciava a sabotagem, sobretudo através da abertura das válvulas de fundo, os tripulantes iam abandonando os navios nos escaleres, por vezes alvo do fogo das embarcações de vigilância inglesas, que causou 10 mortos e 16 feridos. Esta cena estranha foi testemunhada por uma excursão escolar que viera observar a frota internada, a bordo do ferry de turismo FLYING KESTREL. O primeiro navio a desaparecer foi o FRIEDRICH DER GROSSE, às 12h16, e o último o HINDENBURG, às 17h00. Apesar de tentativas para impedir o afundamento de algumas unidades a sabotagem foi um êxito: 10 couraçados, 5 cruzadores de batalha, 5 cruzadores ligeiros e 45 torpedeiros afundados. Em abril de 1920, a exemplo do que se passou em Scapa Flow, os tripulantes do couraçado THÜRINGEN tentaram sem resultado afundá-lo ao largo de Cherburgo, durante a travessia para entrega aos franceses. Nos anos seguintes foram realizadas complicadas operações de reflutuação, destinadas a recuperar navios, a fim de aproveitar os materiais, sobretudo o aço das couraças. O último destes navios a ser recuperado foi o cruzador de batalha DERFFLINGER, em agosto de 1939. Da frota alemã permanecem no fundo três couraçados, quatro cruzadores e um torpedeiro, com exceção de três cruzadores e do torpedeiro bizarramente vendidos no eBay em julho de 2019, apesar de classificados como bens históricos em 1979, o que levanta dúvidas quanto ao seu futuro, uma vez que são importantes fontes de aço isento de contaminação nuclear. Estes naufrágios representam locais de atração para mergulhadores lúdicos, uma vez que se encontram a relativamente pouca profundidade. O artigo 184 do Tratado de Paz justificava a ação de Von Reuter, pois determinava a espoliação da frota. A reação dos Aliados foi naturalmente violenta, tanto mais que França e Itália exigiam um quarto da frota, cada. Os britânicos, cuja imprensa já abordara a necessidade da sua destruição, não deixaram de a publicitar como um crime de guerra, sem que o caso os tivesse realmente preocupado, antes pelo contrário. Na realidade, a distribuição dos navios fortaleceria o poder naval de potências concorrentes, solução que nunca os entusiasmou, embora não desagradasse aos Estados Unidos. O Almirante Rosslyn Wemyss, membro da Comissão do Armistício, declarou a propósito … I look upon the sinking of the German Fleet as a real blessing. It disposes once and for all, the thorny question of the redistribution of these ships. O repatriamento das equipagens, aprisionadas, fez-se lentamente. Von Reuter regressou à Alemanha em janeiro de 1920, a bordo do transporte de prisioneiros LISBOA, um vapor alemão da empresa Oldenburg-Portugiesische Dampfschiffs-Rhederei apresado pelos ingleses, e teve bom acolhimento público. Dadas as drásticas limitações quantitativas e qualitativas impostas à Reichsmarine pelo Tratado de Versalhes, abandonou a Armada no mesmo ano. Seja como for, o episódio de Scapa Flow foi visto na Alemanha como contestação ao que se designará como o Diktat de Versalhes, com consequências políticas relevantes. Para muitos alemães, o feito do U-47 de Günther Prien em Scapa Flow, em outubro de 1939, representou o ato final da desafronta iniciada a 21 de junho de 1919. * Professor Universitário (Univ. Coimbra) Academia de Marinha [email protected] O cruzador de batalha HINDENBURG soçobra. Em segundo plano vê-se o cruzador NÜRNBERG. 62 revistademarinha.com · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha 84.O Ano N/T INFANTE DOM HENRIQUE (1961 – 1988) por Luís Miguel Correia* INFANTE DOM HENRIQUE, o maior navio de passageiros português do século XX, foi o último sonho de Bernardino Corrêa, fundador da Colonial e seu timoneiro durante 35 anos, concretizado em 1957, pelo seu sucessor, Soares da Fonseca, que tudo fez no sentido de o INFANTE ser um verdadeiro “Navio de Estado”, moderno, eficiente e bonito – uma galeria flutuante de arte contemporânea portuguesa. O O reforço da frota nas linhas de África desenhava-se já quando, a 2 de janeiro de 1953 Bernardino Corrêa e o arquiteto Andrade Barreto visitaram o ANDREA DORIA em Lisboa no cruzeiro inaugural. Desembarcaram maravilhados e a influência arquitetónica do paquete italiano refletiu-se no INFANTE DOM HENRIQUE, em muitos aspetos, da chaminé Lascroux à estátua do Infante, passando pela disposição dos interiores e perfil exterior. O navio era bom demais para os portugueses, desprezado após 14 anos de operação; foi necessário um grego amigo de Portugal, George Potamianos, para lhe devolver a dignidade e prolongar a vida em 1988 como VASCO DA GAMA. * Historiador Naval e Fotógrafo Diretor da EIN-Náutica Apartado nº 3115 1302-902 LISBOA [email protected] http://lmcshipsandthesea.blogspot.com DESCRIÇÃO N/T INFANTE DOM HENRIQUE Características técnicas: navio de passageiros a turbinas, construído de aço, em 1959-1961. N.º Lloyd´s: 5160805. N.º oficial: H 478; indicativo de chamada: CSBI. Porto de registo: Lisboa (registado na Capitania do Porto de Lisboa a 2-10-1961, livro 18, folha 31). Arqueação bruta: 23.306 tons; Arqueação líquida: 13.658 tons; Porte bruto: 11.358 tons. Deslocamento leve / máximo: 13.048 / 24.406 tons. Capacidade de carga: 4 porões para 10.504 m3 de carga geral, incluindo 582 m3 de carga frigorífica. Comprimento ff.: 195,57 m; Comprimento pp.: 179,00 m; Boca: 24,58 m; Pontal: 14,30 m; Calado: 8,23 m. Máquina: 2 grupos de turbinas a vapor Westinghouse, com 22.000 shp a 130 rpm, 2 hélices de 4 pás. Velocidade: 21 nós. Passageiros: 1.018 (156 - 1ª, 384 em turística A, 478 em turística B). Tripulantes: 325. Custo: 752.000.000 francos belgas, o equivalente a 450.000.000$00. 64 História: o INFANTE DOM HENRIQUE foi construído na Bélgica, pela Société Anonyme Cockerill-Ougrée (construção n.º 814), para a Companhia Colonial de Navegação (CCN). Contrato assinado a 1912-1957. A 23-03-1959 assentamento da quilha, em Antuérpia; lançamento a 29-041960. Madrinha: Dª. Maria Teresa Isabel Soares da Fonseca, mulher do Presidente da CCN, Dr. Soares da Fonseca. A 7-021961 o INFANTE iniciou as provas de mar (7/8/9-02-1961; velocidade máxima de 22,78 nós, velocidade média 21,76 nós), verificando-se problemas de vibrações. As hélices de 3 pás foram substituídas por outras, de 4 e o INFANTE foi entregue ao armador a 18-09-1961, largando a 19-09 de Antuérpia para Lisboa (21-09) sob o comando do Capitão Paulo da Conceição Baptista. A 28 e 29-09 foi visitado pelo Presidente Américo Tomás. O INFANTE iniciou a viagem inaugural a 4-10-1961, para o Funchal, São Tomé, Luanda, Lobito, Morevistademarinha.com çâmedes, Cabo, Lourenço Marques, Beira, Moçambique, Nacala e Porto Amélia. Em 1962-63 o INFANTE DOM HENRIQUE transportou o Presidente da República em viagens oficiais: a 23-07-1962 o Presidente embarcou no Funchal, para Lisboa (24-07). De 6 a 16-09-1963, o Presidente seguiu no INFANTE de Lisboa para Luanda, embarcando novamente a 7-10 rumo a Lisboa, via São Tomé e Funchal, desembarcando no Terreiro do Paço a 17-10-1963. Na viagem 66, iniciada a 12-03-1971, o INFANTE passou a limitar o itinerário a Angola, (Las Palmas, Luanda e Lobito). De início, estas viagens eram intercaladas com o itinerário da África Oriental, mas progressivamente foram sendo feitas menos viagens a Moçambique. Em 12-1971 / 14-01-1972, o INFANTE fez 2 cruzeiros no Índico baseado em Durban, fretado à companhia Peltours. De 22-08 a 18-09-1972 efetuou o cruzeiro dos 150 anos da independência do Brasil, (Lisboa, Funchal, Recife, Salvador, Rio de · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Despacho 100 Janeiro, São Vicente e Las Palmas, com 817 passageiros). O INFANTE fez cruzeiros de fim de ano à Madeira em 1973, 1974 e 1975 e de 5 a 14-04-1974 fez o cruzeiro da Páscoa ao Mediterrâneo (Lisboa, Nápoles, Génova, Cannes e Gibraltar). A 4-021974 o INFANTE foi transferido para a CTM – Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, por fusão das companhias Colonial e Insulana, e registado de novo em Lisboa a 5-07-1974 (n.º. oficial: I 468). Na viagem n.º 98, com saída de Lisboa a 1708-1974, transportou passageiros para o Funchal (18-08) e Ponta Delgada (20-08), após o que reabasteceu de combustível no Funchal (21-08), seguindo para Lobito (29-08) e Luanda. De 4-06 a 10-07-1975 foi fretado ao Ministério do Exército como transporte de tropas para ir a Lourenço Marques (18/24-06) e Luanda (30-06/107), por altura da independência de Moçambique. De 10-11 a 24-12-1975 fez a 113.ª. e última viagem, a África, (de Lisboa a Cabo Verde e Moçambique), tendo no regresso arribado a Walvis Bay e Dacar com incêndio numa caldeira. De 28-121975 a 3-01-1976, último cruzeiro (Lisboa – Funchal – Lisboa). Em 1976 foi imobilizado no Tejo. Vendido por 47.406.000$00 ao Gabinete da Área de Sines (GAS) em Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 1977, o INFANTE saiu de Lisboa a reboque a 31-05-1977 para Setúbal, e foi convertido na Setenave para serviço estático (retirados as hélices e estabilizadores e instalada uma caldeira auxiliar). Entregue ao GAS em Setúbal a 25-11, a 27-11-1977 seguiu a reboque para Sines, sendo colocado numa lagoa artificial. A 28-07-1980 começou a funcionar como navio-acomodação, administrado pela firma Cantal – Cantinas e Alojamentos, Lda. O registo CTM foi cancelado a 18-03-1982, data de novo registo em Lisboa, como Auxiliar Local, (nº. oficial LX-132-AL), propriedade do GAS. A 10-09-1985 o Gabinete da Área de Sines decidiu vender o INFANTE ao armador George P. Potamianos, o que veio a ser concretizado em 1986, por USD $850.001 (100.000.000$00). O navio saiu de Sines a 5-11-1986, para Lisboa (6-11). A 16-021987 passou a propriedade da firma Great Warwick Co. Inc., do Panamá, por escritura dessa data em Lisboa, mantendo bandeira portuguesa. A 18-02-1988 foi registado no Panamá pela companhia Trans World Cruises, Inc., do Panamá. Registo português cancelado a 22-02-1988. A 24-02-1988 o INFANTE foi rebocado de Lisboa para o Pireu (4-03), e reconstruido pelo estaleiro Nafsi S.A. de 10-03 a 20-11-1988, por 50 · revistademarinha.com milhões de USD. Com o nome VASCO DA GAMA e registo panamiano, 16.063 TAB, 8.969 TAL, 11.179 TDW e lotação para 660 passageiros em classe única, o navio regressou a Lisboa a 29-11-1988, e largou no cruzeiro inaugural a Ceuta e Casablanca, a 1-12-1988. O VASCO DA GAMA operou para o mercado alemão de 121988 a 01-1990, seguindo-se temporadas de cruzeiros no Mediterrâneo, Brasil e Caraíbas. Vendido a 3-07-1995 à companhia Cruise Holdings (Cruise Corporation Ltd., Hamilton, Bermuda), passando a chamar-se SEAWIND CROWN. Em 1997 integrou a frota da Premier Cruises, operando nas Caraíbas, Brasil, México e Mediterrâneo. A 14-09-2000 a Premier Cruises faliu e o SEAWIND CROWN imobilizou em Barcelona de 18-09-2000 a 28-12-2003. Vendido a 26-08-2003 à firma Global Marine Systems, por 1,93 milhões de USD, e reativado para posicionamento no Oriente para desmantelar. Com o nome BARCELONA, bandeira da Geórgia, registo em Batumi, (Premier Operations Ltd., Georgia), saiu de Barcelona a 28-12-2003 para Valletta, Port Said, Singapura, sendo entregue em Guangzhou, China, aos sucateiros Pan Yu, para desmantelar, no final de 02-2004. Demolição concluída em 05-2004. 65 84.O Ano Transportando minério de ferro por António Balcão Reis* minério de ferro de Moncorvo volta à atualidade. A mina, agora da Aethel Partners, foi reativada a 1 de março de 2020. É um daqueles projetos que periodicamente hiberna para de novo voltar a mostrar-se como de muito interesse. A viabilidade económica da exploração de uma mina de ferro é condicionada pela cotação do minério, que é caracterizada por uma grande volatilidade. Para minério com o teor de referência de 62% de ferro, tivemos em 2011 valores médios de 140 dólares/ton, 40 dólares/ton em 2015, subiu para 90 dólares/ton no início de 2020, prevendo-se que possa ultrapassar os 150 dólares/ton já no início de 2021, valores suficientemente díspares para justificar o cíclico variar de interesse, abandono de projetos e sua retoma. Porém, não foi esta volatilidade, que motivou o texto desta crónica. A exploração do minério de Moncorvo propicia discorrer sobre como o transporte do minério de ferro é um exemplo do transporte multimodal(1) (da mina ao cliente final, são usados, quase sem exceção, diversos modos de transporte) e as condições em que o transporte é viabilizado, são um fator determinante da viabilidade económica da exploração. O MINÉRIO DE MONCORVO As minas de Moncorvo, na serra de Reboredo, situam-se a uma distância média de 15 km na margem direita do rio Douro, e a cerca de 160 km da foz. É apresentada pelos atuais concessionários como a segunda maior jazida da Europa, prevendo 1,5 milhões de toneladas no primeiro ano e 6 milhões com extração estabilizada, mas será pouco mais que uma anã comparada com as maiores minas em exploração. O transporte do minério de Moncorvo já foi tratado, em mais de uma ocasião, nas páginas da RM. (2) (3) Pelos anos 80 do século passado, o cliente natural para o ferro de Moncorvo foi a Siderurgia Nacional no Seixal, o que por si justificava a efetivação de um plano de navegabilidade do rio Douro, permitindo o transporte por via flúvio-marítima (ou fluviomarinha), até ao Seixal. Foi outra a solução adotada. O minério foi transportado por via férrea até Leixões e daí por via marítima até ao Seixal. Em 2013, já sem a Siderurgia Nacional, a opção natural seria levar o minério para o porto de exportação. O Grupo ETE, Empresa de Tráfego e Estiva, S.A, em parceria com a concessionária MTI, Ferro de Moncorvo, S.A., aponta o transporte fluvial, como sendo o mais favorável, economicamente e sob o ponto de vista ambiental. As embarcações propostas não seriam, no entanto, as mais adequadas às exigentes condições impostas pelas características de navegação do rio Douro, que conforme avisadamente comentou Beça Gil … requerem a utilização de embarcações dotadas de propulsão própria e com boas condições de manobrabilidade(3). O Eng. Óscar Mota, claro defensor da alternativa flúvio-marítima, propõe embarcações com … deslocamento máximo de 2.900 tons e um porte útil de cerca de 2.200, com dois propulsores azimutais e um impulsor transversal de proa(4). . KIRUNA E MALMBERGET Kiruna e Malmberget, no Norte da Suécia, na Lapónia, acima do círculo polar, são Locomotivas IORE da LKAB. 66 Transportes & Logística Linha do Douro (Foto obtida na internet de “Transportes & Negócios” de 28.12.2015) . apresentadas como as maiores minas de ferro subterrâneas do mundo. Com teores médios de 48% de ferro e 0,9% de fósforo, e com a extração a mais de 1.000 metros de profundidade, pareceriam pouco atrativas, mas são exploradas desde 1890, continuam a receber fortes investimentos e são uma das mais importantes fontes da riqueza da Suécia. Sinal da confiança no futuro é o plano da empresa estatal proprietária, Luossavaara-Kiirunavaara AB, abreviadamente LKAB, de deslocalização de 5.000 residências, afetando 10.000 pessoas nas comunidades de Kiruna e Malmberget, para permitir a continuação e expansão da exploração. A produção em Kiruna ascende a 26 milhões de ton/ano de minério em bruto (ROM, run-of-mine), ou seja, tal como extraído, com impurezas, originando 15 milhões de toneladas de pelotas (pellets). No mesmo perímetro mineiro, as minas de Malmberget, têm uma produção de 5 milhões de ton/ano. O minério é transportado por ferrovia, de via única eletrificada, para os portos de Narvik, na Noruega e Luleå, no extremo Norte do mar Báltico (Golfo de Bótnia), de onde é exportado para siderurgias na Europa, Norte de África, Médio Oriente e Sudeste de Ásia. Só uma pequena parte Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 do minério fica na Suécia, na siderurgia de Luleå. A ferrovia essencialmente mineira é também explorada turisticamente, dado atravessar as belas e ásperas paisagens do Norte da Suécia e Noruega. As moderadas distâncias aos portos permitem um transporte por ferrovia competitivo em termos de custos e sustentabilidade. Potentes locomotivas IORE rebocam composições de 750 m e 6.800 tons, formadas por 68 vagões de 100 tons de capacidade. Num processo de rentabilização, no retorno as composições transportam aditivos necessários ao processo de refinamento do mineral. Ferrovia de Kiruna a Narvik e Luleå. MINAS DE CARAJÁS Em Carajás, no Sudeste do Pará, na Amazónia brasileira, a Vale (do Rio Doce), opera o maior complexo mineiro a céu aberto do mundo, com minério de ferro com o alto teor de 66,7%. Numa logística global/vertical a Vale gere minas, ferrovias, navios e portos, controlando toda a logística do transporte do minério. O minério no seu estado bruto é transportado da mina para uma unidade de concentração, onde é transformado em pelotas, por correias transportadoras, numa rede de 30 km, substituindo os grandes camiões e simplificando as manobras de carga e descarga do minério, com significativas vantagens ambientais. Da mina para o Terminal do Porto de Ponta da Madeira, em São Luís do Maranhão o minério é transportado por ferrovia na “Estrada de Ferro Carajás”, num longo percurso de perto de 1.000 km, inicialmente de via única, já duplicada em cerca de 600 km, com capacidade para 230 milhões de tons/ano de minério. Em coerência o porto de São Luís tem vindo a ser ampliado e modernizado. De São Luís, o minério destinado à Ásia e concretamente à China, principal cliente do ferro brasileiro, é transportado em navios · revistademarinha.com mineraleiros, nos designados Valemax, da família dos VLOC (very large ore carrier), carregando 400.000 tons de minério. Na Malásia, em Teluk Rubiah, funciona um centro de distribuição, onde o minério de Carajás é misturado com diferentes tipos de minérios de ferro (blender), criando produtos diferenciados para fins e clientes específicos. Variam as situações, mas os transportes são invariavelmente um fator determinante da viabilidade económica dos projetos. * C/ Alm. Eng. Const Naval, ref Membro da Secção de Transportes da SGL [email protected] NOTAS: (1) Transporte multimodal – transporte de mercadorias efetuado pelo menos por dois modos diferentes de transporte, por exemplo ferroviário e marítimo ou marítimo e rodoviário. Será suportado por um contrato de transporte multimodal. Se são usados dois meios de transporte iguais, por exemplo passagem de um navio para outro navio, não se justifica falar em transporte multimodal, na medida em que só está em jogo um único modo de transporte, devendo ser usada a designação transporte combinado. (2) RM set-out 2012, Óscar Mota, “Navegação do Douro e minério de Moncorvo”. (3) RM, jul-ago 2015, Beça Gil, “Rio Douro, via de comunicação e fonte de energia”. 67 84.O Ano Será que todos estão interessados na Segurança de quem anda no Mar? por OTO* EMSA (European Maritime Safety Agency) publicou o seu Relatório Anual de Acidentes e Incidentes para o período de 2014 - 19. Para este quadriénio indica que foram registadas 19.500 ocorrências que envolveram 21.392 navios. Destes acidentes e incidentes, em 320 resultaram 469 mortes, e em 5.434 resultaram 6.210 feridos. De referir que foram analisados 1.801 acidentes, e que em 54% é atribuída culpa à “acção humana”. No ano de 2019 a situação melhorou tendo sido registadas 2.062 ocorrências e baixado para 63 os acidentes considerados muito graves. Estiveram envolvidos 1.382 navios e resultaram 19 mortes. Muito embora seja de realçar a melhoria havida, será de estranhar como se mantém elevado o número de ocorrências. Isto mesmo sendo conhecida a panóplia de convenções, códigos, regulamentos e muita recomendação referente aos navios, à navegação, ao trabalho a bordo, ou seja, a toda a actividade marítima. Será somente o comportamento e o desempenho humano que justifica tal situação? A esta pergunta não será dispiciendo ter em atenção um trabalho apresentado, em Junho de 2019, no 4º “World Maritime Rescue Congress” que teve lugar em Vancouver, Canadá, organizado pelo IMFR (International Maritime Rescue Federation). Conforme é anunciado, o objectivo destes congressos é a partilha de ideias e experiências sobre “Busca e Salvamento” dando seguimento ao principal objectivo da IMFR que é juntar os países para que sejam fortalecidos conhecimentos e capacidades. E foi neste fórum que a International Orga- A 68 nization of Masters, Mates & Pilots apresentou um trabalho de investigação, que curiosamente, na sua introdução afirma: “A melhor resposta SAR é aquela que não é necessário executar”. Baseado na experiência dos seus autores, o trabalho tenta encontrar justificação para que, pesem embora os esforços de regulação preventiva da IMO (International Maritime Organization) e da ILO (International Labour Organization), as ocorrências no transporte marítimo continuem a verificar-se, reconhecendo que a prevenção é a chave. E adiantam, desde logo, que … as pressões do negócio do transporte marítimo conduzem a conflitos com o regime regulatório. Na primeira parte do documento é relembrado o funcionamento das diversas organizações com responsabilidade regulatória no transporte marítimo internacional. Começa pelos “registos de conveniência” que permitem aos armadores registar os seus navios num dos cerca de 30 existentes. Estes, estão normalmente sediados em países com áreas em regime de zona franca, muitas vezes geridos por empresas que tem por objectivo o lucro e que disponibilizam aos armadores não só a nacionalidade dos seus navios como também regras próprias no que respeita a impostos, contratações ou regulamentos ambientais. Acresce que, existindo competição entre os registos, haverá tendência para procurar oferecer condições mais aliciantes aos seus clientes. As Nações Unidas, através da IMO, sua “agência especializada”, incentivou o estabelecimento de níveis mínimos para o transporte marítimo no que respeita à segurança, poluição e emissões dos navios. Na IMO, de que fazem parte 174 estados membros, têm ainda assento com estatuto consultivo mais de 60 organizações não-governamentais, como sejam sociedades classificadoras e organizações de trabalhadores, sendo o local onde se debatem as convenções e códigos respeitantes às diversas vertentes da construção e equipamento dos navios, segurança da navegação, comunicações, trabalho a bordo, busca e salvamento e sobrevivência no mar. De registar que a IMO não tem poder para aplicação dos normativos que gera, pelo que é obrigação dos Estados Membros adoptá-los na sua legislação interna. A IACS - International Association of Classification Societies, constituída por 12 tipos de sociedades, em que cada uma se dedica à inspeção / verificação de um sector do navio, é reconhecida pela IMO como o seu principal consultor para o estabelecimento de níveis de segurança, sendo, no entanto, a única organização não-governamental a ter capacidade para estabelecer e aplicar as suas próprias regras. Muitas vezes, os Estados-Membros não tem capacidade, experiência ou pessoal habilitado para levar a efeito as inspecções previstas nas convenções e códigos IMO, e delegam nas RO (Recognized Organizations) estas funções; cada Estado Membro decidirá em que extensão e em que campos as delegam. Assim sendo, não raras vezes, as RO e seus inspectores, agindo em nome do Estado-Membro, são os responsáveis pela verificação da conformidade dos navios ao normativo aplicável. De acordo com o código “International Segurança Marítima Safety Management” (ISM) as empresas armadoras deverão manter um “Safety Management System” (SMS) que contemple a sua política de gestão de segurança, de gestão do pessoal e de prevenção de poluição, de modo a ser dado cumprimento à regulamentação em vigor. O principal objectivo deste sistema de gestão é permitir a ligação da gestão da segurança a bordo com o armador através do DPA (Designated Person Ashore) – elemento com ligação ao mais elevado patamar de decisão da empresa. Em contrapartida, o SMS obriga o navio a comunicar para o armador eventuais deficiências relativas à segurança a bordo e suas causas e também a garantir o seu registo. Com esta ligação, as condições de segurança na operação do navio ficariam, igualmente, na responsabilidade do armador. E, importante ressalva, é apontado no documento o facto de o armador ter total liberdade de escolher o Estado de Bandeira e também, a “sociedade classificadora”, assim como o facto da aplicação da lei ser exclusiva de cada Estado de Bandeira. Através do “Port State Control” (PSC) os Estados de Bandeira têm o direito de exercer nos seus portos a fiscalização relativa à condição de operação do navio e seus equipamentos. A experiência tem mostrado a grande eficácia do PSC, nomeadamente Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 no controlo do cumprimento do normativo por parte dos Estado de Bandeira ou das “Sociedades Classificadoras”. Feito o elenco das entidades relevantes para a gestão da segurança do transporte marítimo tudo levaria a supor que os interesses do shipping não colidiriam com o sistema regulatório da segurança. Mas tal não se verifica, e existem conflitos que certamente estão na base de acidentes ou incidentes: – a existência de diversos “registos de conveniência” que competem entre si para disponibilizarem condições mais vantajosas para os armadores; – os armadores tem a faculdade de poder escolher livremente o local de registo dos seus navios assim como a Sociedade Classificadora, alimentando assim a competição; – tendo em conta a composição dos fora da IMO, será inevitável que certos interesses comerciais sejam tidos em conta nas suas decisões; – o normativo aprovado pela IMO terá aplicação só após ser acolhido na legislação de cada País membro, abrindo caminho a diferentes quadros regulatórios a vigorar em simultâneo; – é interesse económico do armador que o navio esteja o mínimo tempo parado; as tripulações que detectam problemas relati- · revistademarinha.com vos à segurança são incentivadas a não os relatar. – muitos lugares de topo nas organizações que regulam o transporte marítimo são ocupados por desconhecedores do que é andar no mar; – pela lei geral aplicada ao transporte marítimo internacional, os gestores ao mais alto nível, não tem sido responsabilizados pelos acidentes devidos a não conformidades, com o argumento de não terem tido delas conhecimento; – haverá falhas no trabalho dos inspectores, por ocultação das tripulações. Assim será impossível não considerar que o sistema regulatório do transporte marítimo não esteja sujeito a pressões dos interesses económicos. E como recomendação, os autores do documento defendem, que com as novas capacidades tecnológicas, a responsabilização pela segurança “pode e deve” ser repartida pelos operadores, armadores, sociedades de classificação e Estados de Bandeira. Será que haverá esperança que tal aconteça? Quem anda no Mar ficará agradecido. * [email protected] NOTA: O autor não segue o novo A.O. 69 84.O Ano Rebreathers Semi-fechados em Mergulho Recreativo Parte III por Paulo Franco* A pequena quantidade de bolhas libertadas durante o mergulho com equipamentos SCR permite uma maior interação com a vida subaquática. (Fonte: https://www. deeperblue.com/mares-introduces -the-revolutionary-horizon-scr/). as duas anteriores crónicas dedicadas aos Rebreathers Semi-fechados e a sua aplicabilidade e utilização em mergulho recreativo, abordámos as principais características deste tipo de equipamentos, o seu princípio de funcionamento e as suas variantes. Nesta crónica final dedicada ao tema vamos abordar o desenvolvimento de modelos com objectivos lúdicos e a sua crescente utilização por mergulhadores recreativos. Embora a utilização de equipamentos recicladores semi-fechados esteja consolidada há várias décadas no âmbito militar, a sua introdução em termos recreativos, nos últimos anos do século passado, foi tímida e irregular. Este começo menos forte deve-se, fundamentalmente, ao facto destes primeiros equipamentos serem SCRa, Rebreathers Semi-fechados Activos (ver crónica anterior publicada na RM), que apresentavam algumas limitações fruto da sua juventude e forte herança, em termos de conceito de funcionamento, que traziam dos seus congéneres militares o que, conjugado com um custo relativamente elevado para o universo recreativo, levou N 70 Os equipamentos “recicladores semifechados” (SCR), funcionam como “extensores” do tempo de fundo através da otimização da reserva de gás transportada pelo mergulhador. (Fonte: Foto do Autor / Fotógrafo: Simon Almén). revistademarinha.com a que a sua aceitação e implementação fosse pouco consensual, sendo ultrapassados neste âmbito pelos equipamentos recicladores fechados (CCR – Closed Circuit Rebreathers). A experiência de cerca de três décadas de utilização de CCR em contexto recreativo, os avanços tecnológicos em termos de materiais e eletrónica, aliados à simplicidade e fiabilidade dos equipamentos semifechados, permite neste momento o desenvolvimento e produção de equipamentos mais fiáveis, seguros e de custo mais reduzido e com uma consequente melhor aceitação por parte do mercado recreativo. Os atuais equipamentos são, fundamentalmente SCRh, recicladores semifechados híbridos, que juntam a simplicidade e fiabilidade dos equipamentos SCRa com a vantagem tecnológica e flexibilidade dos SCRe, recicladores semi-fechados eletrónicos, resultando em máquinas mais confortáveis, seguras e adaptadas às necessidades, expectativas e especificidades do mergulho com objetivos lúdicos. Integram computadores que controlam a eletrónica · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Mergulho dos equipamentos e calculam, simultaneamente, a absorção do nitrogénio ao longo do mergulho em função das misturas de Nitrox utilizadas, monitorizando os restantes parâmetros que estão disponíveis nos computadores de mergulho comuns. Este tipo de equipamento utiliza exclusivamente mistura(s) de Nitrox, sendo este um dos fatores de diferenciação entre os SCR e CCR, sendo que nos CCR é utilizada uma garrafa de Oxigénio puro e outra com uma mistura “diluente”, que pode ser ar, Nitrox ou Trimix. Esta característica permite aumentar a segurança, simplicidade de preparação, verificação e operação dos SCR, o que oferece uma indubitável vantagem para mergulhadores menos experientes ou que procuram recicladores que, não comprometendo a segurança, sejam menos exigentes em termos de utilização. O recurso a novos materiais e a produção em série, incorporando tecnologia e conceitos comprovados pela sua utilização em equipamentos CCR, permite agora a chegada ao mercado recreativo deste tipo de máquinas a preços mais acessíveis e aliciantes. Conforme referimos na primeira crónica desta sequência dedicada aos SCR, estes equipamentos funcionam, fundamentalmente, como extensores de autonomia dos gases transportados pelos mergulhadores, permitindo aumentar significativamente o tempo de permanência em imersão. De forma a tirar o maior partido desta característica, alguns dos SCR atuais, permitem ainda a utilização de uma ou duas misturas de Nitrox, uma de “fundo” e outra para descompressão, podendo desta forma o mergulhador fazer mergulho descompressivo otimizando o regresso à superfície com uma mistura mais rica em oxigénio. Outra característica muito apreciada é a associada à respiração em circuito semifechado, muito mais silenciosa e Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 Os modernos SCRh podem utilizar uma ou duas misturas de Nitrox, permitindo otimizar os mergulhos descompressivos através da utilização de gases mais “ricos”. (Fonte: SSI – Scuba Schools International) discreta em imersão quando comparada com um equipamento em circuito aberto pela menor presença de bolhas, tornando o utilizador menos conspícuo no meio marinho, o que permite uma aproximação maior aos animais que ali habitam. Esta característica, apreciada pela maioria dos mergulhadores, é diferenciadora para os apaixonados pela fotografia e vídeo subaquático, especialmente quando o objetivo é a obtenção de imagens de vida marinha. Uma outra vantagem, mais discreta e menos mensurável empiricamente, é o aumento do conforto térmico e a diminuição da desidratação durante o mergulho, resultado de o gás no circuito respiratório ser mais húmido e quente que o respirado em circuito aberto. Naturalmente, as desvantagens destes equipamentos são a sua maior complexidade que se reflete numa preparação, operação e manutenção mais demorada e · revistademarinha.com exigente em termos de cuidado e atenção, implicando também a necessidade de treino complementar por parte do utilizador. O custo de aquisição inicial, mais alto, e maiores necessidades logísticas de utilização surgem também como obstáculos à sua maior disseminação em termos recreativos. Dedicámos as últimas três crónicas de mergulho na RM aos equipamentos recicladores semifechados recreativos - SCR - abordando o seu princípio de funcionamento, características e diferentes modos de funcionamento. Percebemos assim as suas mais marcantes vantagens e inconvenientes e, consequentemente, a sua aplicabilidade em imersões recreativas, explorando as mais valias da nova geração de SCR e o renascer de uma tendência no mergulho recreativo. * [email protected] 71 84.O Ano Impulsionando o Setor Eólico Offshore em Portugal por Amorina Armayor* WavEC Offshore Renewables coordena o projeto TWIND, dedicado à área da energia eólica offshore, que reúne outras três entidades de investigação de renome a nível internacional: Tecnalia Research & Innovation (Espanha), Offshore Renewable Energy Catapult (Reino Unido) e Universidade Técnica de Delft (Países Baixos). O projeto foi aprovado para financiamento no âmbito do Programa - Quadro Horizonte 2020 da UE. O TWIND teve início em julho de 2019 e terá uma duração de três anos e meio. Com um orçamento total de 796 m€, o O 72 projeto visa criar uma rede de excelência para dinamizar um leque de profissionais e estagiários de investigação especializados no domínio da energia eólica offshore, com vista a apoiar uma indústria emergente em Portugal em que se antecipa um crescimento acentuado, mas que não tem ainda uma base de formação dedicada. Devido às restrições resultantes da pandemia COVID 19, as atividades com empresas inicialmente planeadas para decorrerem em formato presencial foram adaptadas para o formato online. A primeira sessão online teve lugar a 30 de setemrevistademarinha.com bro, focando-se nas oportunidades de financiamento para projetos eólicos offshore na Europa. A gravação da sessão e as respetivas apresentações podem ser encontradas no website do projeto(1). Uma parte importante das atividades com empresas tem sido a criação de uma matriz da cadeia logística de energia eólica offshore em Portugal(2), cuja versão completa pode ser consultada no website do projeto. Através dos contactos estabelecidos com o tecido empresarial tem sido notório o interesse pelo estado atual do setor · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Energias Renováveis Marinhas e também pela sua evolução nos próximos anos. A matriz será atualizada periodicamente até ao final do projeto em dezembro de 2022, contando até agora com o contributo de 62 empresas localizadas nos seguintes países: A segunda edição da matriz está em preparação. As empresas interessadas devem entrar em contato com amorina. [email protected]. Os serviços incluídos cobrem uma ampla gama de áreas e setores, como Desenvolvimento e consentimento, Infraestrutura, Instalação e comissionamento, Operação e manutenção e Serviços profissionais. Para além da componente tecnológica, uma parte importante da cadeia de valor está relacionada com o licenciamento e monitorização ambiental dos projetos offshore, uma vez que, tal como sucede noutros países, a instalação dos projetos está sujeita à obtenção de diversas licen- Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 ças, como por exemplo o Título de Utilização Privativa do Espaço Marítimo e a licença de ligação à rede elétrica. Nos próximos anos serão realizadas no âmbito do projeto mais atividades de networking, onde se irão abordar diversos temas de interesse, incluindo licenciamento e plataformas offshore, entre outros. · revistademarinha.com Para obter mais informações sobre o projeto, consulte o nosso website: http:// twindproject.eu/ NOTAS: (1) https://twindproject.eu/documentation/ (2) https://twindproject.eu/news-and-events/ 73 84.O Ano N.R.P. ALJEZUR Guiné 1973 por Rui Matos* António Nunes é um modelista com tanto tempo de atividade na área como eu, só que na maior parte foi sempre adepto dos “Jogos de Guerra” – sendo assim definido o tipo e escala de modelismo utilizado. Segunda Grande Guerra Mundial, conflitos modernos e o recente interesse pela Guerra Colonial originaram o modelo que vos trago. Não sendo um novato, o António inclusive já fez masters para uma firma inglesa, que depois os produz e comercializa, como por exemplo a Berliet(1), mas esta é uma das suas primeiras incursões na área naval. O intento inicial da LFP (Lancha de Fiscalização Pequena) era ter um modelo básico para poder participar nos “Jogos de Guerra” feito com um misto de construção de raiz “normal” em plástico e de impressão 3D, com algumas peças já feitas, provenientes de sets de melhoramento. Mas ao mostrar o progresso do seu trabalho online no grupo “Amantes de Modelismo”(2) houve “alguém” que o “chateou” para refinar detalhes, para incluir outros, para que deixasse de ter algo que “se parece com”, para passar a ser uma versão reduzida (1 / 72) da Lancha em questão. Felizmente as minhas sugestões foram ouvidas (lidas) pelo António que com curiosidade e com algumas dificuldades ultrapassadas, sempre com o apoio de quem O 74 estava a seguir o desenvolvimento do seu trabalho, levaram este modelo a bom porto. O trabalho de pesquisa realizado(3) fez inclusive, com que entrasse em contacto com um dos Comandantes da ALVOR – algo sempre gratificante. Inúmeros pormenores foram sendo acrescentados, nomeadamente na ponte (não perfeitamente visível dada a cobertura da mesma), no revistademarinha.com armamento específico(4) desta classe, e tantos outros pormenores enriquecendo o modelo. Para vincar ainda mais a época retratada e a zona de ação, a cor verde que alguns navios (LFP’s, LDM’s, LDG’s) usaram na Guiné, faz com que seja único e apelativo. Com alguns “volumes” e envelhecimentos para lhe dar um ar usado, números de amura e juntando elementos da guarnição em modo de descanso – nem todos, que além de darem a noção de escala, dão-lhe também cor e certa animação. Deixo-vos com uma pequena sele- · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Modelismo ção de fotografias do trabalho terminado, pronto agora para ficar numa vitrina com orgulho, em vez de ser apenas mais um elemento numa mesa de jogo representando a Marinha de Guerra Portuguesa num teatro de guerra, nos rios da Guiné! Parabéns António Nunes – venha o próximo desafio. Bons modelos! * [email protected] NOTA: Aparentemente o “bicho naval” atacou, e uma LDM à escala 1/72, também versão “Guerra do Ultramar”, está já em curso… força António, e siga a Marinha! REFERÊNCIAS ONLINE: 1. https://sandsmodels.com/product/berliete-gbc-8kt-6x6-truck/ 2. https://www.facebook.com/groups/2177917 21641906/user/100002446727292 3. https://www.marinha.pt/conteudos_externos/ Revista_Armada/2007/#p=62 4: Exceto os balaustres, a Oerlikon de 20 m/m foi o único kit usado na LFP ALJEZUR. O lança-foguetes de 37 m/m foi inteiramente feito de raiz. https://www.scalemates.com/kits/um-military-technics-650-001-oerlikon-20-mm-70-0-79-mk4-usa-gun--226540. Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · revistademarinha.com 75 84.O Ano Sem ovos não se fazem omeletes À conversa com José Manuel Constantino… por António Peters* “Que o Desporto em Portugal seja um dia considerado um Assunto de Estado” "…possível vencer o desânimo, a resignação e o conformismo, mesmo perante as maiores adversidades” “…só algumas federações colaboram em parceria com o COP” “Tóquio está para acontecer” e a náutica estará presente Espera-se “Um Novo Rumo para o Desporto” “…compete a cada um contribuir com a sua parte” título sugestiona que hoje poderíamos falar de gastronomia, sem dúvida, especialidade bem mais adequada aos tempos de confinamento que se vivem, mas não, é o recurso a uma expressão muito usual na língua portuguesa, escusando-nos a definir o conceito e a mensagem do seu conteúdo. Em Abril de 2013 regozijámo-nos com a eleição de José Manuel Constantino para Presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), para um cargo em que viria dar continuidade aos 17 anos de obra do seu antecessor, José Vicente de Moura. Felicitámos, e bem, o vencedor, foi o primeiro licenciado em Desporto a ocupar este lugar de vital importância nacional. O Desporto é um dos melhores Embaixadores, para este ou qualquer país do mundo, que queira singrar e realçar o testemunho da sua identidade. Portugal tem-na e deverá navegar nessa ambição. No seu discurso de posse, em 2013, exaltou a esperança que lhe ia na alma: … possível vencer o desânimo, a resignação e o conformismo, mesmo perante as maiores adversidades, e lutar por um desporto mais forte, mais competitivo e mais desenvolvido. Nunca duvidámos deste crer e objectivo em o fazer. Para além de nós a maioria dos agentes do desporto nacional também assim acreditam, a sua reeleição para um segundo mandato foi a confirmação. Tínhamos e temos “cozinheiro”. A Revista de Marinha, no pressuposto de um melhor conhecimento do trabalho desenvolvido na via do desporto Olímpico em Portugal e das respectivas consequências nas modalidades náuticas, solicitou uma reunião para o efeito com o Presidente O 76 do COP. José Manuel Constantino, amavelmente e profissionalmente, como é sua índole, recebeu-nos para uma agradável conversa realista. Nos vários temas conversados, ficámos elucidados dos múltiplos aperfeiçoamentos implementados nos últimos anos, no objectivo de uma melhor preparação olímpica, onde novas complementaridades de serviços médicos e acções técnicas são facultadas a todas as federações olímpicas, que delas queiram usufruir para os seus atletas. São prerrogativas e facilidades capazes de ajudar e simplificar, a fazer a dife- revistademarinha.com rença entre o óptimo e o êxito. Todos estes benefícios são válidos, mas só se tornam úteis, se houver interesse na sua aplicação. Infelizmente, estas meritórias ferramentas, de valor inquestionável, nem sempre são aproveitadas na totalidade pela generalidade das federações porque só algumas sentem necessidade de procurar e colaborar activamente em parceria com o COP. Satisfez-nos saber que as federações mais interessadas, são poucas, mas são elas que melhores desempenhos demonstram, uma das que muito coopera é a Canoagem, única da náutica, facto que corrobora o sentimento que temos enaltecido de empenho colectivo de dirigentes e atletas, que não desanimam no rumo a Tóquio. Nesta esclarecedora conversa com J.M. Constantino, confirmámos o que dele conhecíamos e apreciamos: inteligente, sensato, culto, sabedor da “arte”, determinado e tantos outros atributos de Homem de valor de excelência, para a sociedade e para o Desporto. Atributos em consonância com as respostas dadas às questões formuladas, como foi o caso: se tivesse de regulamentar algo em prol do desporto o que implementaria? Tudo está bem regulamentado e existe, agora compete a cada um contribuir com a sua parte, às instituições o que está determinado, aos dirigentes gerir e fazerem cumprir, e aos atletas terem vontade de empenho em o fazerem(1). Num dos inevitáveis temas de conversa, sobre as angústias que o nosso povo · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Desportos Náuticos se apodera de quadriénio em quadriénio, quando a Bandeira Nacional não sobe nos mastros dos pódios mais visionados no mundo, percebemos que não há uma resposta concreta e determinante. Perfeitamente plausível e criterioso, pelas variadíssimas premissas abrangentes, desde: a dimensão territorial e populacional do país; empenho dos vários intervenientes; outras vicissitudes, de carácter particular, intrínsecas dos vários intervenientes com a impossibilidade de serem controladas ou aperfeiçoadas sem ajuda e vontade dos próprios. O Estado, faz o seu papel com os meios disponíveis e com as limitações existentes. O autor comenta - durante os JO as esperanças estão ao rubro, observando, que muitas vezes são alimentadas pelos comentadores de futebol, que no interregno de épocas se transformam em especialistas das várias modalidades, interpretando o geral (modalidades) pelo particular (futebol), onde a preparação, facilidades de treino, recursos económicos e disponibilidades pessoais dos atletas “em jogo”, não são de todo comparáveis. Não deve ser o palco olímpico, de quatro em quatro anos, o cenário propício para se transformar em calvário das frustrações acumuladas, dos insucessos futebolísticos, onde se subestimam os fracassos no desejo de medalhas de atletas maioritariamente amadores, muitos deles conjugando uma vida desportiva com uma carreira académica e/ ou profissional, e na maioria das vezes com verbas insuficientes. Mais, não é digno cruxificarem atletas, quando por vezes batem os seus recordes pessoais e nacionais. O incomparável não é comparável. Com os actuais dados e o optimismo substanciado do Presidente do COP, “Tóquio está para acontecer”, e a náutica nacional estará presente em quatro modalidades (Canoagem, Natação, Vela e Surf), desta vez Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 O surfista Nick Von Rupp. com uma estreante, o Surf, que esperançará a sede dos nautas de surfar uma boa prestação e assim ajudar a valorizar o Mar de Portugal. A RM, lamenta até ao momento, o não apuramento de uma equipa de Remo e deposita e deseja êxito a toda a comitiva e aos marinheiros empenhados nesse desígnio. A maior frota está a bordo da Canoagem e é nela que embarca o sonho português. Não é impunemente que somos brindados sistematicamente com o aparecimento de excelentes prestações mundiais, pelos nossos canoístas. Força Portugal! Para terminar e por comungarmos do mesmo ideal de José Manuel Constantino, salientamos o desejo que nos expressou à última pergunta: qual o sonho que gostava de ver realizado para o Desporto Nacional? - Que o Desporto em Portugal seja um dia considerado um Assunto de Estado, a exemplo da Educação, Saúde e Ciência …e acrescentamos nós, …uma Cultura mais empenhada! · revistademarinha.com Seria injusto terminar e não citar Pierre de Coubertain, o pai do Olimpismo da era moderna - A grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las - e José Manuel Constantino merece-as, nós como marinheiros, aguardamos para Portugal a concretização de uma esperança deixada no título de uma das suas boas obras “Um Novo Rumo para o Desporto”. Que não tarde! Que se encontre, …não a galinha dos ovos de ouro, …basta só a cesta dos ovos, porque cozinheiro já há! * [email protected] OBSERVAÇÃO: O autor não cumpre o novo acordo ortográfico NOTA: (1) não são palavras textuais, mas o autor julga transmitir o vocalizado. 77 84.O Ano Navio de Salvamento NEWA (pré-1914) por Augusto Salgado* ma das zonas com um maior número de naufrágios na Península Ibérica, e mesmo da Europa, situa-se na Galiza, mais concretamente na zona NW, conhecida pela Costa de la Muerte. Na zona compreendida entre os Cabos Roncudo e Finisterra, só entre 1870 e 1972 ocorreram nada menos que 148 naufrágios, dos quais apenas 9 foram embarcações de pesca. Desta quase centena e meia de naufrágios, resultaram 533 mortos. Outros autores apontam para cerca de 200 naufrágios e quase 3.000 vítimas mortais, mas até 1987. Navios portugueses foram seis, dos quais resultaram apenas quatro mortos. Á semelhança da barra de Lisboa, é quase impossível determinar o número de navios/embarcações ou de mortos ocorridos nessa zona, se tivermos em conta que estas águas eram navegadas já desde a época dos fenícios, ou romanos, e sem contar com as embarcações locais. Face a este elevado número de acidentes marítimos, eu tinha a perceção de que, pelo menos desde meados do século XX, era comum que navios de salvamento, muitas vezes designados de “salvádegos”, fossem habitualmente posicionados na zona. Tal terá ocorrido, por exemplo, no caso do tristemente célebre petroleiro PRESTIGE. O que eu desconhecia era que este tipo de navios já operava na zona, pelo menos, desde os inícios do século XX. E que, entre eles, se encontrava o “nosso” NS PATRÃO LOPES, na altura a navegar sob a bandeira alemã e com o nome de NEWA (ver RM 991). U 78 Peça lança-cabos do PATRÃO LOPES (Museu de Marinha). A primeira referência a este navio surge a 15 de agosto de 1904, quando o NEWA larga do porto de La Coruña, também debaixo de um imenso temporal, para tentar recuperar o vapor britânico DILIGENT, que tinha encalhado no dia anterior a 4 ou 5 milhas de Vilán (perto da Ponta de Boi). A Outra vista do PATRÃO LOPES (Museu de Marinha). bordo do rebocador seguia o Comandante do vapor inglês, de nome Sinclair pois, apesar das terríveis condições meteorológicas, todos os tripulantes tinham conseguido chegar sãos e salvos a terra. Após o NEWA aguentar nas proximidades do DILIGENT cerca de 72 horas, debaixo de forte temporal, uma acalmia do tempo permitiu ao Comandante do rebocador alemão, de nome Graint, passar um cabo de reboque ao navio sinistrado e rumar a La Coruña. O temporal, que, entretanto, tinha voltado a agravar-se, obrigou a que o trem de reboque permanecesse a noite ao largo, antes de tentar entrar, na madrugada seguinte, na baía de La Coruña. Logo pela manhã, e indo contra as indicações do piloto local, Senhor Pereira, o Comandante alemão tentou entrar na baía sem encurtar o cabo de reboque. Esta decisão fez com que o DILIGENT se perdesse de vez, agora nos baixos da Guisanda, situados à entrada do porto de La Coruña, para desespero do Comandante inglês, certamente. A segunda referência às ações do NEWA no Norte da Península Ibérica ocorre seis anos depois, mais concretamente a 28 de janeiro de 1910. Às seis da manhã desse dia, um navio russo, de nome Património Marítimo MARIE, naufragou à entrada do porto de Corcubión. O navio transportava carvão e apesar das primeiras informações indicarem que se tinha perdido toda a tripulação, apenas um dos tripulantes tinha morrido. De imediato, saíram do Porto e de Vigo dois rebocadores para tentar resgatar o navio encalhado. O NEWA foi o que saiu da cidade portuguesa. Infelizmente, face aos danos que o navio tinha sofrido nas obras vivas, não foi possível salvar o mencionado navio russo. Como referido na anterior crónica, quatro anos depois, o NEWA já se encontrava a operar na zona de Gibraltar. Curiosamente, estes dois episódios ocorrem durante os meses de Inverno, enquanto as informações de 1914 são referentes aos meses de Verão. Será que era esse o padrão de operação habitual do navio? Estes dados aqui apresentados foram obtidos a partir de uma obra que já tinha comprado há vários anos, mas, como na altura o NEWA, ou seja, o NS PATRÃO LOPES, não era tema de pesquisa, estes pequenos episódios passaram despercebidos. Devagar vamos recuperando a his- Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 Outra vista do PATRÃO LOPES (Museu de Marinha). tória deste nosso “pequeno herói” e talvez um dia seja possível publicá-la ... Mais leituras: José Baña Heim, Costa de la Muerte, 5ª · revistademarinha.com ed., La Coruña, London, imp. Venus artes gráficas, 1980. * Oficial da Armada e Investigador do CHFLUL e do CINAV 79 84.O Ano SEA POWER: THE HISTORY AND GEOPOLITICS OF THE WORLD’S OCEANS Discorrer sobre o PODER NO MAR e o que ele possa representar para a humanidade neste dealbar do séc. XXI, também conhecido pelo século do mar, não é tarefa fácil numa época onde uma globalização cada vez mais económica e competitiva se evidencia, um desenvolvimento tecnológico concomitante acelera e os conceitos de soberania, de fronteira, de segurança e defesa e até de poder, de algum modo se modificam. Um tempo em que o paradigma civilizacional parece ser outro e uma “Era da informação” predomina. Uma Era muito marcada, entre outros aspetos, por uma geopolítica de fluxos e espaços e em que a própria tipologia do conflito e da ameaça se alterou e os perigos e os riscos que se colocam à humanidade são de tal ordem que não há país algum no mundo que por si só consiga ultrapassar as dificuldades que se lhe deparam. Pese embora todo este intricado panorama o autor, o Almirante James Stavridis, da Marinha Americana que foi, também, o único Almirante que em 70 anos de Aliança Atlântica desempenhou as funções de Comandante Supremo na Europa (SACEUR), com uma carreira de 37 anos de serviço ativo, 11 dos quais embarcado, recorrendo à conhecida técnica da objectividade dirigida, mergulha fundo no passado e na História do seu país, da Europa e do Mundo, para melhor, compreendendo o presente, perspetivar o futuro e, em particular, o papel que o SEA POWER americano e o das marinhas de guerra em geral, poderão ter neste Séc. XXI, na sua construção e na defesa da paz e segurança. Desse ponto de vista, o ALM James Stavridis não se fica por olhar, apenas, os exemplos da História, recordando-nos, entre outros, os feitos de portugueses e espanhóis, de holandeses, de franceses e ingleses e o papel por eles desempenhado na abertura das hoje designadas auto-estradas do mar, olha, também, a Geografia e a importância da sua imutabilidade, dos portos e das cidades (i. e. Lisboa), das linhas de costa e dos seus recortes, bem como da Geopolítica e dos grandes espaços oceânicos. E é exatamente imbuído deste espírito e 80 com o propósito de nos demonstrar que o mar, do ponto de vista estratégico, ou seja, do seu uso deliberado, porque aí se prosseguem interesses, é uma entidade geopolítica única (the sea is one) e, hoje, da maior relevância pelos novos usos que eles e as plataformas continentais nos proporcionam, que o autor nos acompanha numa visita por si guiada ao longo das principais “massas de água” mundiais. Visita o Pacifico (the mother of all the oceans), o Atlântico (the cradle of coloni- zation), o Índico (the future Sea) e o Ártico (promise and peril), bem como alguns dos mais importantes mares tributários: Mediterrâneo (where war at sea began), Mar do Sul da China (a likely zone of conflict), Mar das Caraíbas (stalled in the past) e ainda o chamado Mar sem Lei, onde os oceanos são vistos como zonas apetecíveis de ilicitude (Crime Zones). E fá-lo com base em toda a sua longa experiência de mar, trazendo à colação, de forma simples e interessante, questões revistademarinha.com várias, quer de natureza tática e operacional que hoje se colocam às Marinhas e ao Poder Naval, quer de um outro cariz, este mais informativo e sensível da política e da grande estratégia, quando se pensa nos diversos continentes, nos países ribeirinhos e/ou arquipelágicos e, acima de tudo, na relação deles com os outros, seja ela uma relação de cooperação, competição e / ou conflito com amigos ou aliados, oponentes ou adversários. E se este meu camarada da Marinha Americana fala, e bem, de Política, ao abordar a problemática do SEA POWER, o livro não poderia igualmente deixar de falar de Estratégia, essa grande disciplina da organização e do emprego dos meios. E, neste preciso contexto fá-lo de uma forma exímia ao apresentar-nos o modo e a forma como esta relação, da América - a Superpotência Marítima - com os Oceanos e o mundo da maritimidade, se processa e desenvolve, dedicando o autor o último capítulo do livro à “Estratégia Naval americana para o século XXI”. Elucida-nos, então, o ALM James Stavridis sobre o caminho que neste particular a própria estratégia marítima americana foi tendo desde 1986 e de forma muito especial e pragmática depois do final da guerra fria, em função das mudanças entretanto operadas no mundo e no ambiente estratégico. Em 1992, e explorando a capacidade expedicionária da Marinha, foi o célebre documento Power … from the Sea, em 1994, e numa tentativa de repor a presença avançada, o Forward … from the Sea, em 2002, depois das Torres Gémeas, e preocupados com os atos terroristas e os danos colaterais nos navios (e as armas anti-acesso e anti-navio - A2/AD) a estratégia SEAPOWER 21 e, em 2008, de forma inovadora, apresentam uma “Estratégia Cooperativa para o Século XXI” em linha com a máxima do ALM Johnson, o Chief of Naval Operations da Marinha Americana quando, em 2000, afirmava … there is no substitute for beeing there. O propósito desta última alteração e a grande novidade foi a de envolver num mesmo esforço, e no mar, pela primeira vez, a NAVY, o MARINE CORPS e a · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Escaparate COAST GUARD com o objetivo simples e muito claro de, cooperando e coordenando ações, conciliar a nível estratégico e superior as duas conceções sob as quais o mar pode ser visto: por um lado, como espaço militar de defesa e projeção de poder e por outro, como espaço de desenvolvimento económico sustentável que é preciso proteger. Mas os americanos não se ficaram por aqui e é isso que o autor nos sublinha, recordando-nos que uma nova função se abre assim ao Poder Naval: a de assegurar igualmente a “segurança marítima” nas áreas de sua responsabilidade, envolvendo nesse propósito e nas operações que lhe dão corpo - as Maritime Support Operations - a sua Marinha e, desejavelmente, também as Marinhas de guerra amigas e aliadas (a Marinha dos 1.000 navios), agregadas numa autêntica comunidade de interesses ligados ao mar, alargada ao mundo e à partilha de responsabilidades e cooperação. E daí que em 2015 na prossecução deste mesmo desiderato os americanos promulguem uma nova estratégia marítima intitulada “Uma Estratégia Cooperativa para o Poder Marítimo do Séc. XXI”. Com ela pretendem que o poder naval e as Marinhas acedam a todos os espaços e domínios de terra, mar, ar, espaço e ciberespaço, e onde a melhoria das ações de planeamento e coordenação a desenvolver interna e externamente, entre eles e com terceiros, se tornariam num marco determinante do sucesso e onde, em especial, a … guerra da manobra eletromagnética, é tida como uma relevante novidade e a interoperabilidade de plataformas, sistemas, armas e equipamentos o critério-chave a destacar e o imprescindível requisito a considerar. O autor, consciente de que o mar continua a desempenhar um enorme papel na globalização e é tido como um fator relevante da vida e da política internacional, sublinha, como eu, que o mais relevante Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 será sempre “defender o sistema” no seu todo, das inúmeras vulnerabilidades que o afetam. Nesse sentido continuará a ser uma obrigação das Marinhas, assegurar o “controlo das linhas de comunicação”, as SLOC’s e fazê-lo de uma forma mais extensiva e global até do que acontecia no passado, de par, obviamente, com o seu papel de sempre na “proteção e defesa” do território emerso e imerso e, bem assim, na “dissuasão”, na “projeção de força em terra”, coerciva ou humanitária e, hoje, nalguns casos, também, na “defesa antimíssil”. Concomitantemente pugnar pela “manutenção da boa ordem no mar” e, em especial, nos espaços de responsabilidade nacional será outra das incumbências das Marinhas. Controlar e proteger bens e recursos, atuando contra a pesca ilegal, a pirataria, o terrorismo transnacional, o tráfego de armas, drogas, pessoas e quaisquer outros fins ilícitos, garantindo, como um bem maior e inestimável, de acordo com a Convenção das Nações Unidas de Montego Bay, de 1982, a liberdade de navegação nos mares e nos oceanos de todo o mundo. E tudo isto obriga, como o autor, e bem, nos realça, a ter uma estrutura de forças devidamente balanceada e equilibrada no conjunto das suas capacidades e valências, distribuindo o esforço por funções de cariz militar e não militar, por unidades high tech e low tech, a ponto de Geoffrery Till, outro dos grandes académicos e advogados do poder naval, a este propósito, afirmar que esta dualidade de funções de alguns tipos de plataformas navais será mesmo o aspeto principal a ter em conta quando hoje se olham as Marinhas e os seus modelos de desenvolvimento. O ALM James Stavridis como bom marinheiro que foi e uma referência que é seguramente na sua Marinha não poderia tratar esta questão do Poder no Mar sem trazer à colação o nome desse grande geopolítico e profeta das coisas do mar que foi o seu · revistademarinha.com camarada de armas Alfred Thayer MAHAN (1840-1914) e fazê-lo quanto a mim, de uma forma assaz sui-generis e interessante, que consistiu em olhar à sua teoria e às ideias por ele ventiladas junto do Presidente Theodore Roosevelt e de outros grandes estadistas mundiais e europeus, e verificar quantas das suas máximas são passiveis, hoje, de serem consideradas como propostas razoavelmente válidas e exequíveis. A parte final desta obra é, pois, dedicada à análise desta aliciante problemática e as conclusões a que o autor chega são muito interessantes, pela forma bem organizada e sustentada como as apresenta, mas também pela vasta informação que sobre o “Poder no Mar” o ALM James Stavridis nos disponibiliza e veicula e, ainda, pela resposta que nos oferece à questão de Mahan que tão habilmente soube trazer à colação. Está, pois, de parabéns o autor pela excelência do seu trabalho – um must-read book – nas palavras do, entretanto, falecido ex-oficial de Marinha e Senador Jonh McCain, mas também a Revista de Marinha por neste tempo de globalização ter resolvido chamar a atenção do público em geral, dos marinheiros, profissionais ou não, de políticos, jornalistas e comentadores, em particular, para esta importante obra, a qual funciona de certo modo, e no meu entendimento, como que uma homenagem que a revista, volvidos que são 500 anos, faz ao feito desse grande navegador e Comandante que foi Fernão de Magalhães, o português que, ao serviço dos Reis de Espanha, estudou, preparou e empreendeu a 1ª Viagem de circum-navegação do globo (1519-1522) e que depois da sua morte, em 27 abr 1521, numa emboscada, na Ilha de Mactan, nas Filipinas, foi finalizada em Sanlúcar de Barrameda, Espanha, por Juan Sebastián d’Elcano, em 6 set 1522. João M. L. Pires Neves VALM, ref 81 84.O Ano O DRAMA DE CANTO E CASTRO Trata-se de uma obra de Maurício de Oliveira … jornalista multifacetado, com um especial interesse pela Marinha, agora reeditado numa parceria entre o Museu da Presidência da República e a Imprensa Nacional. Com o subtítulo “Um monárquico Presidente da República”, esta obra de 1944 traz-nos notas biográficas de João do Canto e Castro Silva Antunes, Presidente da República no conturbado período entre dezembro de 1918 e outubro de 1919. O livro abre com uma mensagem do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que assinala as dificuldades que o país atravessava cem anos atrás, após o assassinato de Sidónio Pais, com grave crise económica, social e também de saúde, com a pneumónica, e enaltece Canto e Castro, que soube pôr de parte convicções pessoais para servir a Pátria. Segue-se um interessante prefácio do historiador Rui Ramos, “Um Presidente Militar”, que ajuda a contextualizar Canto e Castro na sua época, e uma curta biografia de Maurício de Oliveira. O livro original, agora reeditado, abre com o texto “Apontamentos para um per- fil” onde se constata a amizade entre o biógrafo e o biografado … um aluno distinto do Colégio Luso-Inglês, depois combatente intrépido de África, governador colonial austero, oficial da Armada sabedor e brilhante, Ministro da Marinha enérgico e justo e Presidente da República conciliador, tolerante e nobre. Seguem-se cinco capítulos “Oficial de Marinha e Governador Colonial”, “Ministro da Marinha”, “Presidente da República”, “Exilado da vida e dos homens” e “A derradeira viagem”. Além da biografia de uma interessante personalidade o livro aborda o período dos anos 90 do século XIX aos anos trinta do século XX, referindo curiosos detalhes da vida política e social. Canto e Castro nasceu em 1862 e teve uma carreira naval de sucesso, com di- versas comissões de embarque, algumas em África, onde também desempenhou funções de Governador Colonial, em Lourenço Marques, Moçâmedes e na Ilha do Príncipe. De temperamento afável e discreto, costumava passar os meses de verão na vivenda “Josefina”, na Praia das Maçãs … na serena contemplação do mar que sempre o seduziu. Em síntese um livro que é um contributo para conhecer melhor uma personalidade e um período da nossa história, que se lê com muito agrado e que se recomenda. Aos interessados aqui deixamos os contactos do Museu da Presidência, tel 21 361 4660, e-mail [email protected], endereço postal, Palácio Nacional de Belém, Calçada da Ajuda, 1349-022 Lisboa. A.F. MIA A BORDO! UMA VISITA AO NAVIO GIL EANNES Acabamos de receber este livro na nossa redação, da autoria de Francisca Lima e com ilustrações de Rute Gonzalez, por simpatia da Fundação Gil Eannes; a Revista de Marinha muito agradece à Fundação esta amável oferta. Trata-se de uma obra muito atrativa e pedagógica, dirigida sobretudo ao público infantil e juvenil, como o título e a capa indicam, em que Francisca Lima recorre à técnica literária de uma história relevante narrada dentro de uma outra história envolvente, como uma pintura dentro de uma moldura. Na verdade, a autora - psicóloga, atriz e encenadora – já com outras obras publicadas, usando a mesma protagonista “Mia”, relata-nos, com mui82 ta criatividade, a visita da gata Mia desta vez ao navio-museu GIL EANNES, um ex-libris da cidade de Viana do Castelo, escondida entre um grupo de alunos em visita de estudo. E assim nos vai contando a história deste antigo navio-hospital, agora navio-museu, atracado ao cais em Viana do Castelo, na foz do rio Lima, mas em tempos navio com a importante missão de apoio aos valentes portugueses enviados à pesca do bacalhau em navios à vela - os lugres - durante duras campanhas nas águas gélidas e perigosas da Terra Nova e Gronelândia. Entre os capítulos IV e X, quase sem darmos conta, a narradora conduz-nos a uma outra dimensão e fala-nos da faina maior, da pesca do bacalhau ... revistademarinha.com e ... enfim, não podemos aqui revelar tudo, até porque este livro com excelente encadernação e apresentação, será uma ótima sugestão de presente com conteúdo, graça e interesse para quem tem filhos pequenos, ou netos, pois estamos certos de que fará as delícias de miúdos e graúdos ... Parabéns à autora e à ilustradora, assim como à Fundação Gil Eannes, a Editora, ao patrocinar mais uma vez a divulgação e defesa do rico património cultural português e o valor dos mareantes de sempre, que não devem e não podem ser esquecidos. O livro custa 12€, IVA incluído, e está à venda na loja do navio-museu GIL EANNES, ou na loja online da Fundação Gil Eannes www.fundacaogileannes.pt . Pode obter informações adicionais através do e-mail [email protected], tel 25 880 9710 ou 91 453 4707, endereço postal, navio–museu GIL EANNES, antiga doca comercial, 4900 – 321 Viana do Castelo. F.F. · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Escaparate NA ROTA DE DIOGO CÃO (1975) A epopeia marítima portuguesa está prenhe de factos inverosímeis, alguns de tal intrepidez que dá que pensar se são factos heroicos ou atitudes irresponsáveis … mas como a sorte protege os audazes, a maior parte das vezes o impossível é conseguido. A narrativa espelhada neste livro é um exemplo daqueles portugueses, da cepa dos nossos antepassados navegadores, que, sem grandes conhecimentos de navegação e em mar alto, navegaram pelos quatro cantos do Mundo, sulcando “os mares nunca dantes navegados” por outras gentes. Foram seis os heróis corajosos - ou inconscientes - desta aventura. Cinco deles sem qualquer experiência de mar ou de como conduzir uma embarcação pela agulha de marear (bússola), sendo a exceção deste intrépido ou inconsciente grupo o proprietário e mestre da traineira PAULO JORGE, de seu nome José Barafusta e cujos conhecimentos de navegação eram com terra à vista. Saíram de Luanda por mar, a única fronteira possível além da aérea, por onde os portugueses tinham entrado, fugindo ao terror que então estava em vigor em Angola e ao mesmo tempo salvando o que pudessem dos parcos bens móveis, conseguidos com o seu esforço de trabalho árduo. O livro é escrito num português escorreito narrando os acontecimentos da aventura marítima, intercalados com as vivências do autor na Mãe Pátria e em Angola, onde chegou com a idade de 17 anos. Os protagonistas navegaram, pasme-se, Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 com um mapa do continente africano da revista que a TAP inseria no bolso existente na parte de trás dos assentos dos aviões! Este vosso comentador também foi protagonista de uma viagem idêntica, relatada na RM 1008 (pg 48 a 51), mas era oficial do ofício da navegação em longo curso. Além disso, sabia ainda orientar-se pelos astros e já tinha efetuado aquele percurso dezenas de vezes, em navios de passageiros e de · revistademarinha.com carga geral. Pelo contrário, os heróis navegadores protagonistas da façanha em análise não sabiam o que era BB ou EB, nem tão pouco como fazer leme orientando-se pela agulha de marear. Havia, porém, inteligência a bordo. Graças a ela, lá conseguiram chegar até aos nossos navios de pesca a operar no Cabo Branco, que depois lhes deram a devida assistência e os conduziram até Portugal. Curiosamente, o mestre José Barafusta é natural da Fuzeta e de ali perto, de Olhão, tinham partido para o Rio de Janeiro os 17 intrépidos navegadores do caíque BOM SUCESSO, para dar a boa nova à família real portuguesa sobre a expulsão dos exércitos invasores franceses. Foi também de Olhão que partiram os grandes povoadores do sul de Angola, em canoas de pesca, palhabotes e caíques. Há registo de que em janeiro de 1893 uma família de Olhão (Manuel de 24 anos, Carolina de 21 e o filho Manuel de 18 meses) navegou 41 dias pelo Atlântico, até aportarem a Moçâmedes. As fraldas do bebé Manuel eram secas no mastro da embarcação … São estórias anónimas de portugueses com forte vocação marítima, mas infelizmente hoje sem navios para navegar. “Na rota de Diogo Cão (1975)" é um livro que aconselhamos a ler. Um lenitivo para o nosso confinamento. Tem um custo de capa de 15,00€ e aos eventuais interessados indicamos um contacto para a sua aquisição, o e-mail do autor [email protected]. J.B. Saltão 83 84.O Ano REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA A Revista Marítima Brasileira (RMB) é uma publicação oficial da Marinha do Brasil (MB), sendo publicada desde 1851; é assim uma das revistas navais mais antigas do mundo. A RMB é presentemente editada pela Diretoria do Património Histórico e Documentação da Marinha, em formato de bolso. Nas suas mais de 300 páginas inclui um conjunto de artigos de autor e as secções “Necrológio”, “O lado pitoresco da vida naval”, “Aconteceu há cem anos”, “Revista das revistas” e “Noticiário Marítimo”, com notícias de interesse relativas à MB e à comunidade marítima brasileira. Os artigos de autor abordam temas muito variados desde a Política à Estratégia, da Liderança à História Marítima e da Construção Naval e Armamento às Operações Navais e à Gestão. O número que comentamos, relativo a jul /set de 2020, faz capa com oportunas imagens alusivas à pandemia COVID 19. Neste número são apresentados 19 artigos, que abordam uma lista diversificada de temas, designadamente a saúde naval e o combate a pandemias. De assinalar o texto “Os vírus influenza e coronavírus e os grandes flagelos de saúde publica nos séculos XX e XXI”, de que é autor o CMG Henrique Portela Guedes, da Marinha Portuguesa, nosso estimado colaborador e assinante. Na rúbrica “revista das revistas” há uma curiosa referência ao artigo “O midlife update das fragatas da classe BARTOLOMEU DIAS”, do CMG ecn Rodrigues Mateus, publicado na nossa RM 1016, que nos deu uma particular satisfação, e “Programa Copernicus”, da 2º Ten. Joana Costa Canas, publicado nos Anais do CMN, jul dez 2019. De entre as muitas notícias de caráter marítimo, focadas na realidade do Brasil, merece destaque uma simpática referência ao livro “Comandar no Mar”, das “Edições Revista de Marinha”. Em síntese, uma revista que aborda temas navais e marítimos de interesse e que nos permite acompanhar o desenvolvimento da mais importante Marinha da América do Sul, com efetivos da ordem dos 70.000 militares. A RMB pode ser objeto de assinatura, com um custo anual de 40 U.S. dólares. Os contactos da redação da revista são e-mail [email protected] , endereço postal Rua Dom Manuel, nº 15, Praça XV de novembro, Centro 20.010 – 090 Rio de Janeiro RJ Brasil. A.F. REVISTA “VAI D’ARRINCA” 125 ANOS! PARABÉNS AO GINÁSIO CLUBE FIGUEIRENSE! Comemorações em tempo de vírus, assim se intitula o prefácio da revista “Vai d’ Arrinca”, do Ginásio Cube Figueirense, com que a sua ilustre Diretora, a Dra. Alice Mano-Carbonnier, abre este número da revista anual, publicada em junho último. Nesta publicação, com uma tiragem de 1.000 exemplares, 31 páginas e distribuição gratuita, encontramos uma profusão de imagens e fotos de qualidade, interessantes artigos de e sobre atletas, assim como de conhecidas personalidades da nossa sociedade, notícias das diferentes modalidades desportivas, referências ao património, ao museu, etc. A 28 de Outubro de 2019, o Conselho Geral constituíra uma comissão organizadora das comemorações do 125º aniversário do Clube; a Comissão de Honra era mesmo presidida pelo Presidente da República. Contu84 do, o programa de atividades apresentado em dezembro veio a ser inviabilizado pelas graves consequências da pandemia. Assim, colóquios, regatas, etc, tudo teve de ser suspenso e adiado para datas futuras ... Porém, no dia 1 de janeiro 2020, o sócio nº1, Senhor José Rolinho Sopas, ainda pôde hastear a bandeira do Clube, marcando o início das comemorações dos 125 anos do Ginásio, na presença de muitos associados, em animado convívio de ginasistas! Nas palavras de José Manuel Constantino, Presidente do Comité Olímpico de Portugal, o Ginásio está de parabéns, porque mais do que um simples clube desportivo ele é ... um espaço identitário (...) exemplo da fusão de um clube com a sua cidade e a sua história. Ana Lúcio Rolo, Presidente da Direção, por sua vez, revela-nos que em 2019, o Ginásio revistademarinha.com promoveu um total de 36 eventos, 8 a nível internacional, 6 a nível nacional e 22 a nível local. E apesar de uma paragem forçada, as suas palavras são de esperança, dizendo que apesar das perdas avultadas pelo encerramento obrigatório das instalações … melhores dias virão para poder cumprir até ao final do ano, o que resta do programa de comemorações. Neste número da revista encontramos recordações de tempos e momentos inesquecíveis: a Fundação, os 25 anos (1920), as Bodas de Ouro (1945), as Bodas de Diamante (1970), o Centenário (1995), e também, entre outros artigos e temas de importância, referência aos vários atletas distinguidos com o Prémio Nacional Bento Pessoa - Casino da Figueira. A Revista de Marinha agradece a amável oferta da vossa revista e felicita vivamente os responsáveis do Ginásio Clube Figueirense pelo seu trabalho notável, assim como pela atribuição da “Bandeira da Ética”, pelo IPDJ, e a distinção no I Podium Diário de Coimbra, em 2019, com o prémio “Clube da Região”. Parabéns ao Ginásio Clube Figueirense! F.F. · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 · Revista de Marinha Arquivo Histórico A Revista de Marinha há mais de oitenta anos… nº 73 ste número da Revista de Marinha, datado de 20 de fevereiro de 1940, faz capa com a condecoração do Almirante Laborde pelo Presidente Lebrun, no decurso de uma sua visita a Brest. A abrir, uma longa “crónica da situação internacional”, assinada por Francisco Velloso, e intitulada “A Conferencia de Belgrado”, com o subtítulo “entre duas tendências que se afrontam, as potências do Entendimento Balcânico declaram a sua neutralidade”. O “Entendimento Balcânico”, pacto assinado em 1934 entre a Grécia, a Jugoslávia, a Roménia e a Turquia, em reunião que teve então lugar em Belgrado acentua a sua neutralidade face à beligerância entre a Alemanha e os Aliados, França e Reino Unido. Contudo, nos Balcãs outras potências como a Itália e a URSS moviam as suas influências e no pacto faltavam a Hungria e a Bulgária que mantinham reivindicações territoriais. Num texto curioso e oportuno um Capitão da Marinha Mercante inglesa, o ex-Comandante do ASHELEA, afundado pelo GRAF SPEE, relata a batalha do Rio da Prata vista pelos olhos de um prisioneiro. Encontravam-se a bordo do navio alemão 31 prisioneiros, dos quais cinco eram Comandantes de navios mercantes afundados, todos libertados em Montevideu, quando da curta estadia do navio naquele porto. E Revista de Marinha · 1019 Janeiro/Fevereiro 2021 Em “Eu vi morrer o EMDEN” relata-se um evento ocorrido em novembro de 1914; o cruzador ligeiro alemão EMDEN, em guerra de corso no Pacifico, desembarcou uma força na ilha Direction, nas Ilhas dos Cocos, para destruir amarrações de cabos submarinos e uma estação radiotelegráfica inglesa. Contudo, o EMDEN havia sido avistado ao aproximar-se para fundear, tendo sido · revistademarinha.com dado o alarme. O cruzador pesado australiano SIDNEY, que se encontrava nas proximidades, atacou o EMDEN que acabou por encalhar numa praia. A sua força de desembarque, comandada pelo Oficial Imediato, von Mucke, que estava em terra, conseguiu fugir num pequeno veleiro que ali se encontrava, dirigindo-se para Penang, onde embarcou num navio mercante alemão. Este navio desembarcou-os mais tarde em Djeddah, na Arábia, então governada pela Turquia, aliada da Alemanha. Dez meses depois da partida da ilha Direction chegavam a Constantinopla. Extraordinário, na verdade! A rúbrica “A guerra no mar” cobre o período de 27 de janeiro a 8 de fevereiro; de assinalar a 7 de fevereiro o torpedeamento do ARMANISTAN, de bandeira inglesa, a cerca de 30 mi da barra do Tejo e a abordagem do NIASSA, ao largo da Cidade do Cabo por um navio de guerra britânico que capturou seis alemães que viajavam a bordo. Por fim a rubrica “Livros e outras publicações” que aborda “Nas águas da Gasconha”, de Dídio Costa, Oficial da Marinha do Brasil, “Maquinas Marítimas – Curso Elementar”, pelo Engº Aluíno Martins da Silva, que … é um livro muito útil para os alunos marinheiros–fogueiros e que foi aprovado na Escola de Mecânicos da Armada, e “Aspetos do Problema Bacalhoeiro”, do 2º Ten. Tomaz Augusto Centeno. 85 84.O Ano Associação Economia Azul – Unidos pelo Mar Relatório da Comissão Europeia 2020 sobre a Economia Azul A Comissão Europeia publicou o Relatório de 2020 sobre a “economia azul” da UE, que traça o panorama do desempenho dos setores económicos ligados aos oceanos e ao ambiente costeiro e tira a conclusão que os setores “azuis” vão contribuir fortemente para a recuperação que a pandemia originou. Apesar das graves repercussões da pandemia de COVID 19 sobre setores como o turismo costeiro e marítimo e as pescas e a aquicultura, globalmente a economia azul tem um enorme potencial em termos de contribuição para uma recuperação sustentada e ecológica. Tendo representado um volume de negócios de 750 mil M€ em 2018, a Economia Azul da UE está de saúde. Nesse mesmo ano, empregava 5 milhões de pessoas, o que representa um aumento significativo, de 11,6 %, relativamente ao ano anterior O Comissário Europeu responsável pelo Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevicius declarou que … as energias renováveis marítimas, os alimentos provenientes do mar, o turismo costeiro e marítimo sustentável, a bio economia azul e muitas outras atividades vão sair desta crise mais fortes, mais saudáveis, mais resilientes e mais sustentáveis e permitem atenuar o impacto do confinamento e proteger os empregos na “economia azul” e o bem-estar das comunidades costeiras sem abdicar das nossas ambições ambientais. Normalmente associado a atividades tradicionais como a pesca e o transporte, uma das questões que está na base deste otimismo, é o facto de ser notório que o meio marinho alberga um número cada vez maior de setores emergentes e inovadores, entre os quais o das energias marinhas renováveis. Neste mo- mento a EU é líder mundial em tecnologia da energia oceânica e está no bom caminho para produzir até 35 % da sua eletricidade a partir de fontes offshore até 2050. Atualmente, graças ao desenvolvimento destas novas tecnologias, a União Europeia já tem uma quota de 70% da totalidade da energia das ondas e das marés que é produzida em todo o mundo. O desenvolvimento sustentável de outros sectores da Economia Azul tem sido conseguido à custa da diminuição de gases com efeito de estufa e mesmo nos setores mais clássicos como a pesca, tem sido notória a correlação entre a sustentabilidade das operações e os resultados económicos positivos. Estima-se que a “economia azul” represente 1,5% do VAB - valor acrescentado bruto na economia da zona euro e 2.2% da totalidade de emprego, e esta tendência deve manter-se para os próximos anos. COVID-19 Nesta data ainda não é possível contabilizar o impacto do COVID 19 nos vários setores da “economia azul”, mas é certo que uns sofreram mais que outros. De acordo com avaliações recentes, os setores que mais sofreram e deverão ter uma recuperação mais lenta são o turismo costeiro, os estaleiros navais e as reparações de navios e os recursos marinhos não vivos. Outros setores tais como os transportes marítimos, atividades portuárias, energias renováveis e bio economia, embora tenham sofrido forte impacto deverão recuperar mais depressa. Por outro lado, os setores emergentes da “economia azul” deverão sofre impactos limitados e demonstrar rápida recuperação. ASSINATURA DA REVISTA Assinando a Revista de Marinha recebe o seu exemplar, em sua casa, a um preço mais económico. Envie-nos pelo correio um boletim de assinatura, acompanhado de um cheque ou vale de correio, à ordem da firma “ENN - Editora Náutica Nacional, Lda.”, ou faça uma transferência bancária para o nosso NIB no Banco Montepio 0036 0063 9910 0073 855 37, não esquecendo identificar-se. Poderá ainda autorizar o débito em conta (SDD). No nosso site, www.revistademarinha.com encontrará também o modelo do impresso, que poderá imprimir. Contacte-nos para o 91 996 4738 ou 21 580 98 91 e para os e-mails: [email protected] ou [email protected]. revistademarinha.com 86 PREÇOS DAS ASSINATURAS DA REVISTA DE MARINHA 6 NÚMEROS · Portugal . . . . . . . . . . . . . . . € 27,50 Europa . . . . . . . . . . . . . . . . € 47,50 Extra-Europa . . . . . . . . . . . € 52,50 PDF (digital) 2021 . . . . · . .Revista . . . . .de . €Marinha 20,00 1019 Janeiro/Fevereiro ALWAYS THERE. EVERYWHERE. Navegação e comunicações Instalação e manutenção Inspeções de equipamentos de navegação, radio e VDR Monitorização remota Conectividade A Radio Holland, globalmente reconhecida como fornecedora e prestadora de serviços de equipamentos NavCom, possui uma incomparável rede de filiais (mais de 80) para assistir o seu navio ao longo das rotas marítimas globais Tel. +351 213 976 087 | E [email protected] | www.radioholland.com