SOBRE A REVISTA ARQUITETURA | IAB BRASIL _1961 a 1968
Apresentação de seus principais autores, temas e rede de diálogos
ABOUT ARQUITETURA MAGAZINE | IAB BRASIL _1961 to 1968
Presentation of its main authors, themes and network dialogues
Marina Lage da Gama Lima, Universidade Federal do Rio de Janeiro / PROURB.
RESUMO
ARQUITETURA era o nome da revista editada pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, surgida nos anos 1960.
Neste artigo, buscamos inseri-la dentro de uma rede global de publicações especializadas, surgidas nesse
período, responsáveis pela reorganização do movimento moderno da arquitetura no pós-Guerra
(Colomina,2010). Nosso objetivo foi apresentar e contextualizar o conteúdo de ARQUITETURA,
concentrando-nos nos textos sobre urbanismo e política urbana. A metodologia utilizada consistiu na
indexação e classificação do conteúdo das revistas, a partir do qual identificamos seus principais autores e
temas abordados. Os resultados indicam que ARQUITETURA foi veículo de divulgação de textos de
inúmeros autores, brasileiros e estrangeiros, importantes, revelando uma intensa troca intelectual entre os
arquitetos do IAB e outros estudiosos. Além disso, configurava-se como uma publicação de caráter
radicalmente transdisciplinar, interligada com os acontecimentos políticos e culturais do período,
representando uma classe profissional compromissada com a justiça social e com a função social da
arquitetura.
Palavras-chave: periódicos de arquitetura, IAB, urbanismo, anos 1960.
Linha de Investigação: 1: Cidade e projeto.
História urbana e história do urbanismo.
ABSTRACT
ARQUITETURA was the name of the magazine edited by the Institute of Architects of Brazil, which appeared
in the 1960s. In this article, we seek to insert it into a global network of specialized publications, which arose
in that period, responsible for the reorganization of the modern architecture movement in the post- War
(Colomina, 2010). Our goal was to present and contextualize the content of the magazines, focusing on texts
on urbanism and urban policy. The methodology used consisted of indexing and classifying the content of the
journals, from which we identified its main authors and topics covered. The results indicate that
ARCHITECTURE was a vehicle for the dissemination of texts by countless important Brazilian and foreign
authors, revealing an intense intellectual exchange between IAB architects and other scholars. In addition, it
was configured as a radically transdisciplinary publication, interconnected with the political and cultural events
of the period, representing a professional class committed to social justice and the social function of
architecture.
Keywords: architecture magazines, IAB, urbanism, 1960´s.
Research line: 1: City and projetc.
Topic: Urban History and History of Urbanism.
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1. APRESENTAÇÃO
ARQUITETURA foi o título escolhido para nomear o periódico especializado em arquitetura e urbanismo
editado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB nos anos 1960. O periódico em formato de revista, era
uma ampliação e uma extensão dos Boletins Mensais publicados pelo IAB do Rio de Janeiro desde 1958 e
nasceu como iniciativa do núcleo do IAB – Estado da Guanabara, com o nome de GUANABARA com a
manifesta intenção ser a expressão oficial do IAB frente à sociedade. Um pouco mais tarde, a revista
transformou-se em porta voz do IAB nacional, passando a se chamar ARQUITETURA. Esta condição
perdura até o número 67, momento em que revista volta a ser editada “sob exclusiva responsabilidade e
inteiro controle” do IAB – Departamento da Guanabara (ARQUITETURA n° 66, 1967: 10).
Sua publicação se deu de forma irregular: entre agosto de 1961 e novembro de 1962, e com o nome
GUANABARA, foram publicados 5 números. A partir de dezembro de 1962, com o nome de ARQUITETURA,
sua publicação passa a ser mensal, e quase ininterrupta, até o número 78, quando deixa de ser editada, no
contexto da repressão política do AI-5. A edição de ARQUITETURA foi retomada quase dez anos mais tarde,
em 1977, e estende-se até 1998. Em nossa pesquisa, abordaremos somente a primeira fase da revista.
Fig. 01_Tabela esquemática das publicações analisadas. Fonte: Ilustração da autora.
Nossa hipótese é que podemos localizar a ARQUITETURA dentro de um fenômeno global de surgimento de
uma série de publicações especializadas em arquitetura, a partir dos anos 1960, possibilitado pelo
desenvolvimento de novas tecnologias, que tornaram o processo de impressão mais acessível e
democrático, e foram responsáveis pela reorganização do movimento moderno da arquitetura no pós-Guerra.
Esse fenômeno foi reconhecido por Denise Scott Brown (1968) e Beatriz Colomina (2010), que o chamaram
de “explosão de pequenas revistas de arquitetura”. A despeito das características exploradas por Colomina –
experimentação, colagens e provocações – acreditamos que a ARQUITETURA estava inserida em uma rede
de diálogos que buscavam ampliar os limites do fazer e do pensar sobre arquitetura e urbanismo.
Segundo Torrent (2018), as publicações especializadas em arquitetura da década de 1960 na América Latina
assumiram a “dupla condição” de ser, em parte uma representação profissional e, em parte, uma voz crítica
em relação aos temas de desenvolvimento socioespacial. Ao concretizarem-se como veículos privilegiados
para a discussão teórica, através da abordagem de temas que se aproximavam dos campos econômico,
social e político, e fazendo uso de marcos interpretativos próprios da sociologia, do estruturalismo e do
marxismo, essas revistas expandiram o campo de atuação do arquiteto urbanista em um quadro
predominantemente interdisciplinar. Essa visão mais ampla de sua profissão tornou o arquiteto capaz de lidar
com problemas mais complexos do que o simples desenho, como a elaboração de planos, programas e
projetos voltados para orientar o crescimento econômico no território. (Torrent, 2018: 4734).
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Esse artigo tem como objetivo apresentar e contextualizar o conteúdo das revistas que constituem o objeto
de estudo, e insere-se na pesquisa de doutorado em desenvolvimento no Programa de Pós-graduação em
Urbanismo - FAU/UFRJ. Nosso recorte irá concentrar-se nos textos sobre urbanismo e política urbana, em
detrimento da apresentação dos projetos.
Fig. 0 2 _ Capas das revistas GUANABARA n°1(1961), GUANABARA n°5(1962), ARQUITETURA n°6(1963) e ARQUITETURA
n°78(1968).
A metodologia utilizada consiste na prévia indexação de todo conteúdo das 78 edições das revistas, a partir
da leitura dos sumários, totalizando 1139 itens. Cada item foi classificado em relação ao número, ano, mês,
nome da seção, título e autor. A partir dessa classificação inicial, a indexação foi submetida a outros
julgamentos mais subjetivos, que abrangeram as seguintes classificações: tipo de conteúdo, tema geral,
tema específico, etiquetas e síntese de conteúdo. Esta indexação está organizada em uma única planilha
eletrônica que nos permitiu formar visões de conjunto do conteúdo das publicações.
A partir deste documento, procuramos responder a uma série de perguntas, como: Quais eram os principais
temas de urbanismo abordados nas revistas e porquê? Quais eram as redes de saberes às quais estavam
interligados? Quais seus interlocutores? Qual a opinião desses arquitetos/ autores / redatores em relação aos
acontecimentos políticos e econômicos em curso? Qual o seu posicionamento crítico diante a realidade
urbana vivenciada? Que papel que eles atribuíam a si mesmos, enquanto profissionais, diante dessa
realidade? Quais respostas propunham, no campo do urbanismo, para os problemas sócio-políticos que
identificavam?
A principal tônica dos debates presentes nas revistas se concentrava na consolidação da profissão de
arquiteto no Brasil, a partir da consciência de classe, como podemos ler já no primeiro editorial, escrito em
tom de manifesto, na revista GUANABARA n° 1 (1961: 8):
Existe uma luta.
Nenhum arquiteto brasileiro que tenha consciência de seus deveres de arquiteto e
de brasileiro pode se alheiar a luta básica de nossa profissão.
Todos, na medida de nossas possibilidades, devemos nos engajar, menos pelo
interesse da classe que o dever para com a coletividade, dever este nascido no
momento em que escolhemos nossa profissão.
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O trabalho, para todo o cidadão, é tanto o meio de prover as necessidades suas e
dos seus, quanto a maneira de contribuir com sua parcela no esforço conjunto pelo
progresso e bem-estar coletivo; o primeiro é um direito, o segundo um dever.
O mesmo editorial, listava os objetivos da recém-nascida revista:
Uma consciência da necessidade de planejamento.
Uma política nacional de habitação.
A reforma da legislação profissional.
A ampliação do mercado de trabalho para o arquiteto.
Maior divulgação dos princípios básicos da arquitetura.
Defesa do nosso patrimônio estético natural e edificado.
2. AUTORES E REDE DE DIÁLOGOS
As revistas foram editadas como porta-voz do idealismo dos arquitetos brasileiros, engajados na luta pela
afirmação e consolidação da profissão no Brasil, através do cumprimento do seu dever social. como órgão
profissional e cultural. Esse compromisso de classe vinha, muitas vezes, expresso através de seus editoriais,
idealizados, e redigidos pelo arquiteto Maurício Nogueira Batista, considerado a “alma da revista” (Konder
Netto, 2019). Além de ser responsável pelos editoriais, era ele, principalmente, quem escolhia, coordenava e
produzia o material que seria publicado, assinando também diversos artigos e traduções.
Fig. 03 _Maurício Nogueira Batista. Fonte: Pinheiro, 2001.
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ARQUITETURA teve o privilégio de reunir uma geração de jovens talentos, depois consagrados na vida
cultural do país, como o jornalista Zuenir Ventura – contratado para dar aulas de técnicas de redação para os
arquitetos. Também escreviam com frequência em suas páginas, o cineasta Cacá Diegues, o poeta e crítico
de arte Ferreira Gullar, o crítico literário e ensaísta José Guilherme Merquior, o autor teatral Cléber Ribeiro
Fernandes e o compositor Nelson Lins de Barros, que mantinham um seção fixa– chamada Galeria –
dedicada às artes em geral. Cabe destacar que, naquele período, todos eles tinham entre 21 e 38 anos, com
exceção de Nelson Lins de Barros, que era mais velho.
Entre os mais de 240 autores que escreveram artigos, reportagens, traduções, transcrições e demais textos
para a revista, destacamos, pelo número de contribuições, os arquitetos Maurício Nogueira Batista (que
assina 20 textos), Alberto Vieira de Azevedo (com 12 artigos sobre acústica), Jorge Wilhein e Maurício
Roberto (ambos com 8 contribuições) . Devemos destacar também o trabalho do arquiteto Cláudio Ceccon o cartunista Claudius –, responsável por uma série histórica de charges elaboradas especialmente para a
revista.
Figura 4_Charges do arquiteto Claudius para ARQUITETURA: n° 17 (1963); n° 21 (1964); e n° 68 (1968).
A revista também deu espaço para trabalhos de jovens mulheres, como a arquiteta a paisagista Rosa Grena
Kliass, autora do artigo intitulado Joinville e Curitiba: Dois estudos paisagísticos, no nº 55 ( janeiro de 1967),
e a arquiteta Philomena Chagas Ferreira1, que escreveu Dados sobre o clima da região de Brasília, no nº 30,
(dezembro de 1964) Destacamos também a transcrição da palestra proferida pela urbanista argentinobrasileira Adina Mera, ministrada na Faculdade Nacional de Arquitetura - FNA, em abril de 1961, que
discorreu sobre as definições dos termos “planejamento urbano” e “urbanismo”, e publicada no nº 1, em
agosto de 1961.
Destacamos também a publicação de um artigo do arquiteto e urbanista Hélio Modesto, intitulado Problema
do Planejamento Urbano, na edição dupla dos números 72 e 73 (1968). Hélio Modesto foi um importante
1 Philomena, na época, era professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), e demitiu-se em
outubro de 1965 em solidariedade aos colegas afastados e em função do clima de perseguição política na Universidade.
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urbanista carioca, entretanto a recuperação do seu trabalho no campo do planejamento urbano ainda é
“muito tímida” (Oliveira, 2018) e este artigo publicado em ARQUITETURA ajuda a preencher essa lacuna
historiográfica.
ARQUITETURA constituiu um importante espaço para trocas entre arquitetos e outros profissionais de áreas
afins, sobretudo no que diz respeito ao problema da habitação brasileira. Nesse campo, foi importante a
contribuição dos sociólogos brasileiros José Arthur Rios e Maurício Vinha de Queiroz no n° 8 (1963). O artigo
de José Arthur Rios, intitulado Favelas havia sido publicado originalmente na revista Aspectos da Geografia
Carioca e apresenta a situação e as características das favelas do Rio de Janeiro. O artigo de Maurício Vinha
de Queiroz, intitulado Arquitetura e Desenvolvimento, havia sido publicado originalmente na Revista do
Instituto de Ciências Sociais. O que motivava estas publicações era a criação de uma consciência social do
problema habitacional brasileiro, como um primeiro passo em direção à busca de soluções, que deveriam ser
concretizadas em ações propositivas.
Fig. 05 Foto que acompanhava artigo Favelas de José Arthur Rios. Foto de Flávio Damm (n° 8, 1963: 19).
ARQUITETURA foi, ainda, veículo de divulgação de textos de inúmeros autores estrangeiros importantes,
revelando uma intensa troca intelectual entre várias nacionalidades, estimulada através da tradução, para
inglês e francês, de um resumo do seu conteúdo por dois anos ininterruptos - entre os números 36 (junho de
1965) e 59 (maio de 1967).
Entre as contribuições de autores internacionais, vale notar a do historiador norte americano Lewis Munford,
cujos trabalhos foram publicados em três ocasiões: a tradução do artigo Planejamento regional, retirada do
livro A Cultura das Cidades (1956), publicada no n° 2 (1961); a resenha de conferência proferida em Roma, e
transcrita pelo Boletim da Sociedade Central de Arquitetos em setembro de 1962, publicada no nº 7 (1963); e
a tradução do artigo A promessa do novo mundo, publicado originalmente no American Institute of Architect
Journal, no nº 45 (1966).
Importante também foi a divulgação do trabalho do arquiteto alemão Otto Koenigsberger, responsável pelo
conceito de Planejamento de Ação, através do qual procurava rever os conceitos clássicos de planejamento
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urbano concebidos na Grã-Bretanha nos anos 1930, em vista de sua aplicabilidade em sociedades de
crescimento explosivo, como os países asiáticos e africanos. Suas conclusões iam ao encontro das
experiências dos arquitetos brasileiros em ações de planejamento no país e, por isso, ARQUITETURA, no nº
39 (setembro de 1965) traduziu a transcrição de sua conferência, proferida na Architectural Association em
Londres em 1964, e publicada no Architectural Association Journal volume 79, nº 882. O mesmo tema foi
abordado em tradução de artigo do mesmo autor na revista ARQUITETURA nº 55 (1967).
Publicou, ainda, o trabalho do arquiteto inglês Christopher Alexander, no nº 65 (1967), através da tradução do
artigo O padrão das ruas e sua geometria, apenas dois anos após a publicação do ensaio A city is not a tree
(1965) e dez anos antes do lançamento do seu livro seminal A Pattern Language, de 1977. Assim como o
artigo Semiologia e urbanismo, da historiadora francesa Françoise Choay e publicado pela revista
l´Architecture d´Aujourd´hui em junho/julho de 1967, que foi traduzido pela ARQUTETURA nº 78, em
dezembro de 1968, apenas três anos depois da publicação do livro L’Urbanisme, utopies et réalités (1965),
que apresenta uma análise da evolução do pensamento urbanístico e uma antologia sobre urbanismo. No
artigo traduzido, a autora discute a possibilidade de uma semiologia da cidade e a validade de um estudo
dessa natureza no campo do urbanismo.
ARQUITETURA n°68 traduziu dois textos do arquiteto e planejador inglês Jonh C. Turner, integrante do
Centro de Estudos Urbanos do MIT e da Universidade de Harvard. Turner esteve na época no Brasil, a
convite do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo – SERFHAU2, para uma série de palestras sobre
“aglomerados subnormais de moradia” (n°68, 1968: 17) no qual discutiu aspectos do desenvolvimento urbano
e da moradia com técnicos brasileiros. O primeiro texto traduzido é um depoimento de Turner sobre a sua
experiência brasileira. O segundo, é um artigo intitulado Barreiras e Canais para o desenvolvimento
habitacional nos países em vias de desenvolvimento, publicado anteriormente no Journal of the American
Institute of Planners, em maio de 1967, e traduzido para ARQUITETURA pelo arquiteto Claudio Ceccon.
Cabe aqui também dar destaque à tradução de dois artigos do arquiteto Pierre Mas sobre urbanismo e
urbanização em Marrocos, na tentativa de ampliar os debates entre os chamados” países do terceiro
mundo”3. No primeiro artigo Urbanismo, Arquitetura e Desenvolvimento, o autor faz referência à experiência
de desenvolvimento das aglomerações rurais no Marrocos (n°34, 1965). O segundo artigo, publicado em
ARQUITETURA n° 47 (1966) é tradução da revista marroquina A+U, Revista Africana de Arquitetura e
Urbanismo, n° 3 (1965), intitulado como Urbanismo e organização do território nos países subdesenvolvidos.
Além destes, ARQUITETURA também publicou a tradução de um artigo publicado originalmente na revista
ATU - Revista Africana de Arquitetura e Urbanismo, de autoria do paisagista francês Jean Mallet, intitulado
Urbanismo e Paisagem (n° 52, 1966: 17), assim como a tradução de artigo escrito pelo arquiteto francês
Henri Chomette sobre habitação na África (n° 63, 1967: 3). Chomette foi responsável por grande parte da
arquitetura de filiação moderna da África Subsaariana, desenvolvida nos anos 1960. Vale observar que, a
despeito do espaço dado por ARQUITETURA ao continente africano, os artigos transcritos pela revista sobre
aquele território eram todos escritos por europeus.
2 O SERFHAU foi o órgão criado para atuar no planejamento urbano e dar as diretrizes que deveriam ser seguidas por todos os
municípios, além de ter atribuições mais ligadas à habitação. A criação SERFHAU é considerada um momento de inflexão dentro da
prática de urbanismo no Brasil, por ter sido criado com o objetivo de definir uma política urbana para ser adotada por todas as cidades
brasileiras, encerrando “o período em que se podia detectar lógicas internas à formação do urbanismo em cada cidade, em favor de uma
política de planejamento centralizada” (Leme, 1999:16).
3 Embora este tenha sido o termo utilizado no artigo (n°34, 1965: 5.), desde os anos 1950 que a Comissão Econômica para a América
Latina (CEPAL) propunha a categoria “subdesenvolvimento” para entender as especificidades produtivas, sociais, institucionais e de
inserção internacional dos países latino-americanos (Fridman, 2018).
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3. TEMAS
Os temas contemplados reuniam projetos de arquitetura e urbanismo, legislação, patrimônio, design, políticas
urbanas, materiais de construção, além de cinema, artes visuais, teatro e música, entre outros. Entretanto,
eram as seções que tratavam do papel dos arquitetos nas políticas de habitação e na urbanização das
cidades que tinham maior regularidade e ênfase na publicação, bem como nos editoriais. Geralmente os
editoriais apresentavam o tema do principal conteúdo da edição, e eram escritos como uma declaração
pública, na qual os arquitetos do IAB expunham seu ponto de vista a respeito de um tema determinado.
Os títulos de todos os editoriais das 78 edições analisadas na pesquisa foram submetidos a ferramentas de
contagem de palavras4. Analisamos os títulos dos 77 editoriais5, que formaram um universo de 307 palavras.
Como resultado, observamos que o tema mais presente em todos os editoriais foram os relativos às
questões urbanas, cujos termos urbana + urbano + cidade se repetem 14 vezes. O tema habitação - termos
habitação + habitacional - vem em segundo lugar, presentes 13 vezes. Em terceiro lugar, destacamos os
termos desenvolvimento, política e reforma, que aparecem 4 vezes cada um.
Fig. 06 Nuvem de palavras com os títulos dos editoriais. Fonte: Ilustração da autora.
O tema da habitação também se sobressai na seção intitulada O problema da habitação e os arquitetos,
publicada em edições de 1962 e 1963. A seção tinha como objetivo marcar “de maneira decisiva a posição
do arquiteto ante o grave problema habitacional brasileiro” (n°6, 1962: 4). Nela eram publicados documentos
de naturezas diversas. Destacamos aqui a publicação dos resultados da I Jornada Nacional de Habitação,
promovida pelo IAB em São Paulo em 1961 (n°6, 1962); um debate sobre as consequências na saúde física
e mental dos ocupantes de grandes conjuntos residenciais (n°12, 1963); assim como a manifestação dos
arquitetos do IAB às questões relativas à legislações que afetavam a política habitacional brasileira, como a
Lei do Inquilinato (n°17, 1963) e o Decreto 1.281, que transformava a Comissão Nacional da Habitação em
4
Desta experiência, retiramos os termos “arquitetura” e “arquitetos” da lista por considerá-los como termos que estarão sempre
presentes, e por isso não deveriam ser determinantes para esta contagem.
5
Das 78 edições analisadas uma delas é dupla – números 72 e 73, daí totalizando 77 editoriais.
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Conselho Federal da Habitação, ao mesmo tempo em que retirava aquele órgão da esfera do Ministério do
Trabalho e Previdência Social e colocava-o na subordinação direta do Presidente do Conselho de Ministros
(ARQUITETURA n°6, 1962).
Ainda no campo da habitação, ARQUITETURA foi a principal fonte de divulgação do famoso Seminário de
Habitação e Reforma Urbana O Homem, sua Casa, sua Cidade, que depois ficou conhecido como Seminário
Quitandinha6. A edição da ARQUITETURA n° 15, de setembro de 1963, publicou na íntegra os resultados do
Seminário.
Outro assunto recorrente em ARQUITETURA foram as críticas ao Banco Nacional de Habitação – BNH,
órgão de implantação da política nacional de habitação elaborado durante o regime militar. A política do BNH
foi criticada, principalmente, no que diz respeito à falta de integração da nova política habitacional dentro de
um verdadeiro planejamento urbano e social. O editorial de janeiro de 1966, número 44, intitulado As Favelas
e a Cidade, afirmava: “não é admissível que se continue a raciocinar em termos de apenas construir casas, e
casas isoladas, numa tentativa vã de resolver a situação de uma população que vive em condições infrahumanas” (1966: 4). Reforçando essa posição, o editorial Os arquitetos e a habitação, de maio do mesmo
ano, anunciava:
Assim, vêem os arquitetos, com preocupação, o desenvolvimento de programas
habitacionais que, ao deixarem de considerar com maior profundidade as múltiplas
raízes do problema, poderão vir a se constituir em elementos agravadores, não só
da crise residencial como provável entrave ao desenvolvimento harmonioso de
nossas áreas urbanas. (ARQUITETURA n° 47, 1966: 4).
Desde o início da década de 1950 que “planejamento” e “desenvolvimento” eram conceitos associados e
presentes na difusão do ideário em que o Estado, enquanto principal agente da modernização, implantaria
políticas planejadas como estratégia de desenvolvimento nacional7. Havia a crença em que um corpo de
técnicas, com validade universal e independente das estruturas políticas locais, se aplicado corretamente
teria o poder de atender ao interesse público (Fridman, 2014). E dentro deste paradigma do planejamento
estavam inseridos os conceitos sobre urbanismo defendidos na ARQUITETURA: a cidade deveria ser
planejada com subordinação a diretrizes regionais e nacionais, e os aspectos físicos deveriam ser integrados
a um planejamento no qual figuravam, obrigatoriamente, aspectos econômicos e sociais.
Para tanto, os arquitetos defendiam a criação de órgãos específicos para o tratamento das questões de
planejamento urbano, tanto em nível regional quanto federal. Esta pauta era reivindicada pelos arquitetos do
IAB desde 1953, e vinha sendo discutida e aprofundada em congressos, relatórios, comissões de estudos
(França e Leite, 2017). Defendia-se a necessidade de criação de mecanismo legais que permitissem maior
capacidade de intervenção dos municípios quanto ao uso e à distribuição do solo urbano em função do
interesse social, uma vez que havia o entendimento que as questões relativas à urbanização não poderiam
6
O Seminário Quitandinha concretizava a união da proposta do departamento do IAB de São Paulo – de realização de um seminário
sobre reforma urbana –, com a proposta do IAB da Guanabara de definição de uma política nacional de habitação, com o apoio do
Instituto de Pensões e Assistência aos Servidores do Estado – IPASE, que buscava uma forma de investimento do seu capital. O
seminário contou com a participação de elementos da previdência social, dos órgãos governamentais interessados, de arquitetos,
sociólogos, engenheiros e demais profissionais e entidades ligadas ao problema. (ARQUITETURA n° 12, junho de 1963: 24).
7
Cabe ressaltar o papel desempenhado pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB -, que tinha como objetivo promover o
ensino das ciências sociais com o intuito de propor soluções para os problemas do país.
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ficar restritas aos limites físicos, e sim abraçar fatores econômicos e sociais. Nesse contexto, foram
publicados diversos artigos, editoriais, traduções e demais documentos que abordam o tema. “Planejamento”
foi, inclusive, título de uma seção especial nas revistas, em16 edições entre os números 22 (1964) e 58
(1967).
Ressaltamos aqui os debates promovidos pelo arquiteto e urbanista brasileiro Harry James Cole sobre
urbanização e desenvolvimento. A trajetória deste arquiteto ainda é pouco conhecida pelos pesquisadores
brasileiros (Lucchese, 2009), a despeito do seu trabalho no campo do planejamento urbano, como a
implementação dos planos de desenvolvimento integrado da SERFHAU. Nesse sentido, os artigos
publicados em ARQUTETURA são fundamentais para preencher essa lacuna historiográfica.
Da mesma forma, são dignos de nota os artigos do arquiteto brasileiro Francisco Whitaker Ferreira Um
roteiro de pesquisas para o planejamento urbano (n°41, 1965: 27), Um roteiro de pesquisas para o
planejamento urbano II (n°42, 1965: 30), e Pesquisa e Planejamento do Desenvolvimento (n°70, 1968, p. 31).
Francisco Whitaker Ferreira havia sido colaborador direto de Joseph-Louis Lebret8 no Brasil, diretor de
planejamento da Superintendência da Reforma Agrária no governo do Presidente João Goulart (1961 – 1964)
e esteve exilado na França desde 1966, fugindo da repressão política no país.
Importante ainda é a tradução de artigo da urbanista norte-americana Catherine Bauer Wurster O
Desenvolvimento Econômico e Urbano, Implicações sociais (n°10, 1963: 26) no qual ela aborda e discute
problemas relacionados com desenvolvimento econômico, crescimento urbano e as implicações sociais deles
decorrentes. Assim como os textos de Lewis Munford, Jonh C. Turner, Otto Koenigsberger, Helio Modesto e
Adina Mera, já citados anteriormente neste artigo.
Outro assunto relevante sobre planejamento encontrado nas revistas foi a reação dos arquitetos cariocas ao
Plano Doxiadis - o plano diretor elaborado para o Estado da Guanabara nos anos 1960, com vistas em
orientar o crescimento da cidade para o ano 2000, e executado pelo escritório do arquiteto grego Constantino
Doxiadis, convidado pelo então governador Carlos Lacerda9 (1960-65). A despeito de suas qualidades e/ou
defeitos, o Plano Doxiadis jamais foi aceito pelos arquitetos e urbanistas brasileiros. A reação dos arquitetos
à contratação de Doxiadis pode ser resgatada através de artigos nos números 20 e 21 - fevereiro e março de
1964 -, nos quais é apresentada a posição do IAB – Guanabara
e explicadas as razões de se oporem à
essa contratação.
Além dos temas centrais de habitação e de planejamento urbano expostos neste artigo, ARQUITETURA
também abordou diversos outros, relevantes ao universo dos arquitetos e urbanistas brasileiros, como
aconteceu na edição especial sobre o uso de computadores em arquitetura e planejamento, no n°57 de
março de 1967. Além disso, entre 1967 e 1968, ARQUITETURA promoveu uma série de reportagens sobre
arquitetura de presídios, através de uma parceria com a Secretaria de Justiça do Estado da Guanabara, para
a promoção do Concurso Público Nacional de Anteprojeto da Nova Penitenciária do Estado da Guanabara.
8
Conhecido como Padre Lebret, foi um economista e religioso católico dominicano francês, criador do centro de pesquisas e ação
econômica "Economia e Humanismo". Convidado para vir ao Brasil em 1947, apresentou a base teórico-metodológica do
Desenvolvimento Harmônico no curso “Economia Humana e Planejamento Econômico”.
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Lacerda havia procurava afirmar sua imagem de administrador eficiente, através da utilização de um instrumental técnico e neutro.
(Rezende, 2014)
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos, assim, que a revista ARQUITETURA se configurava como uma publicação de caráter
radicalmente transdisciplinar. Ao estabelecer um diálogo com publicações internacionais, não apenas como
mera divulgação, mas como participante ativo dos debates, procurava responder às motivações do contexto
histórico brasileiro da época. Constituiu, dessa maneira, um veículo de comunicação visceralmente
interligado com os acontecimentos políticos e culturais do período. ARQUITETURA representava uma classe
profissional compromissada com a justiça social e com a função social da arquitetura, reunida no Instituto dos
Arquitetos do Brasil – IAB, do qual era porta-voz.
Assim como as Little Magazines (Colomina, Buckley, 2010), ARQUITETURA agia como uma incubadora de
novas maneiras de pensar, uma importante arena para a discussão dos problemas emergentes da ocupação
urbana do espaço, particularmente como se configuravam nos países do Terceiro Mundo. E muitos dos
problemas debatidos em suas páginas continuam presentes ou foram agravados com o crescimento urbano,
tornando suas contribuições importantes subsídios para novas reflexões e para a formulação de novos
projetos que visem melhorar as condições de vida nas grandes cidades.
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Periódicos
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Entrevistas
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XIISIIU2020