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REVISTA de MARINHA, no 1016, Julho-Agosto 2020

JULHO AGOSTO 2020 www.revistademarinha.com Marinha Comércio Reparação Construção Naval de & e Diretor: Alexandre da Fonseca Nº 1016 - julho/agosto 2020 - Preço Continente - 5,00 € - PERIODICIDADE BIMESTRAL Vessel Traffic Services (VTS) Segurança e Monitorização em tempo real no Controlo de Trafego Marítimo. indracompany.com FICHA TÉCNICA ANO: 83 Nº 1016 FUNDADOR MAURÍCIO DE OLIVEIRA ANTERIORES DIRETORES MAURÍCIO DE OLIVEIRA GABRIEL LOBO FIALHO EDITOR/DIRETOR ALEXANDRE DA FONSECA DIRETOR ADJUNTO JOÃO RODRIGUES GONÇALVES LUÍS MIGUEL CORREIA SÍTIO NA INTERNET JOÃO RODRIGUES GONÇALVES COLABORADORES PERMANENTES ANTÓNIO BALCÃO REIS ANTÓNIO PETERS ARMANDO MARQUES GUEDES ARTUR PIRES (Setúbal/Sesimbra) AUGUSTO SALGADO CARLOS ALBERTO TIAGO (Peniche) ÉLVIO LEÃO (Porto Santo) FERNANDO PAIVA LEAL (Leixões) ISABEL PAIVA LEAL (Leixões) ISABEL PEREIRA (Faro) JOÃO BRITO SUBTIL (S. Miguel/Açores) JOÃO FERNANDES ABREU (Madeira) LUIS FILIPE MORAZZO (Sotavento/Alg.) LUIS MONTEIRO (Barlavento/Alg.) MANUEL OLIVEIRA MARTINS (Viana do Castelo) MIGUEL VIEIRA DE CASTRO (Sines) ORLANDO TEMES DE OLIVEIRA PAULO GAMA FRANCO RUI MATOS Os artigos publicados na Revista de Marinha e assinados refletem as perspetivas dos seus autores. Os artigos e fotografias incluídos nesta edição não podem ser reproduzidos sem autorização. Capa: O N/M WORLD EXPLORER, do armador “Mystic Cruises”, ostentando a bandeira Portuguesa, em operação nas águas gélidas da Antártida. (foto cortesia do Grupo DOURO AZUL) ÍNDICE DE ANUNCIANTES INDRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CAPA TECNOVERITAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04 J. GARRAIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07 ABB. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09 APSS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 GRUPO SOUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 OREY TÉCNICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 LOTAÇOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 SCMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 HEMPEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 ESNIDH. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 APDL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 PORTLINE BULK. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 GALP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 AVG. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43 SABSEG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 REGISTO MAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49 DOCAPESCA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 XSEALENCE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 BITCLIQ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 LISNAVE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 PLANUS NÁUTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 GRUPO ETE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 BENSAÚDE MARÍTIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 INDUMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 REBONAVE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 SEAVENTY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 SUNCONCEPT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 LINDLEY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 EDIÇÕES REVISTA DE MARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 LOJA DO MUSEU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 LIDERANÇA & ALTA PERFORMANCE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 RADIO HOLLAND . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA IH . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA PPG DYRUP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CONTRA-CAPA Prefácio No número de jul /ago da vossa revista, como de costume, faremos foco nos temas “Marinha de Comércio” e “Construção & Reparação Naval”; desde já um agradecimento ao Alm. Engº Victor Gonçalves de Brito que de novo coordenou este último dossier. Contudo, gostaria antes de abordar outros dois pontos. O Almirante Nuno Vieira Matias, falecido a 13 de junho, foi uma figura marcante da sociedade portuguesa e um doutrinador da necessidade de uma nova maritimidade para Portugal; no próximo número da revista vamo-nos despedir do nosso estimado Presidente do Conselho Editorial. Nos últimos meses quatro embarcações com imigrantes do Norte de África foram intercetadas pela Polícia Marítima à chegada à costa do Algarve. Nada que se não esperasse, pois é o que acontece desde há muito na costa da Andaluzia. Há que reforçar a vigilância da costa mais ao largo, com meios navais e com reconhecimento aéreo, por aeronaves e por drones, do tipo que a nossa indústria já fabrica. Nada que a Marinha, que as nossas Forças Armadas e de Segurança, não saibam fazer. Mas são precisos meios. A pandemia afetou já significativamente a Marinha de Comércio; em maio o tráfego no Canal do Panamá caiu 21 %. A médio / longo prazo a globalização pode ser posta em questão pois muitos países não pretendem repetir situações de vulnerabilidade, de depender para necessidades básicas da sua sociedade de produtos vindos do outro lado do mundo, e de um único país. O que poderá reduzir as trocas comerciais e o número de navios que as asseguram. Será que Portugal poderá vir a ser um país de shipping? As capitais marítimas como Singapura, Londres ou Atenas, onde se concentram os armadores, agregam também muitas empresas de serviços, de advogados a finança especializada, de peritos a shipmanagement, gerando numerosos empregos de qualidade. A firma “Arista Shipping” já se instalou entre nós; temos tradição e história, segurança, bom clima, boas comunicações e custos competitivos. O Brexit e a crise que o shipping vive, e vai viver, trazem oportunidades que importa aproveitar. A nível nacional saúda-se o Registo da Madeira, que tem crescido e poderia crescer mais. Aguarda-se legislação que lhe permita concorrer com Malta e com Chipre, registos de muito maior dimensão. Uma palavra de aplauso para o Grupo ETE, agora responsável pelo tráfego inter-ilhas em Cabo Verde. O mercado de cruzeiros parou de repente; a retoma já se anuncia, mas vai demorar. O armador Mystic Cruises (Grupo Douro Azul), com unidades novas, mais pequenas e flexíveis, e operando no nicho da expedição, talvez tenha mais sorte; são esses os nossos votos. A construção e a reparação naval vão ser fortemente fustigadas pela crise. Contudo, precisamos de reequipar a Marinha de Guerra, de substituir os navios de comércio das carreiras das Ilhas e de rejuvenescer a frota de pesca. Será que esta crise constitui uma oportunidade para relançar a construção naval e as indústrias associadas? Alexandre da Fonseca [email protected] Conselho Editorial António Balcão Reis, Armando Marques Guedes, Augusto Alves Salgado, Carlos Seixas da Fonseca, Daniel de Spínola Pitta, Eduardo de Almeida Faria, Jaime Leça da Veiga, João Rodrigues Gonçalves, Joaquim Bertão Saltão, Joaquim Monteiro Marques, José Ribeiro e Castro, José Rodrigues Pereira, Luís Miguel Correia, Manuel Almeida Ribeiro, Nuno Fernandes Thomaz, Nuno Sardinha Monteiro, Orlando Temes de Oliveira, Teófilo Pires Tenreiro e Victor Gonçalves de Brito. Revista de Marinha (ERC nº 104351): Endereço da Sede e Redação - Av. Elias Garcia, Nº 20, 4º Esq. 1000 -149 Lisboa. Propriedade da ENN – Editora Náutica Nacional, Lda., NIPC 501 700 536. Tm. 91 996 47 38, Tel. 21 580 98 91, e-mail: [email protected], www.revistademarinha.com; a ENN está inscrita no registo das empresas jornalísticas sob o nº 211781; Depósito legal nº 18 573/87. O capital desta empresa está repartido por duas quotas iguais, de 50% cada, pertencentes a Henrique Alexandre Machado da Silva da Fonseca e Maria de Fátima Rueda Cabral Sacadura Alexandre da Fonseca. Paginação, Impressão e Acabamento: Estria, Produções Gráficas, S.A., Rua Torcato Jorge, Nº 1, Sub-Cave, 2675-359 Odivelas, Tel. 21 938 56 69, E-mail: [email protected]; Site: estria.wix.com/estria; Tiragem deste número: 2900 exemplares; Distribuição: VASP, Tel. 21 439 85 07. 83.O Ano Sumário RECICLAGEM DE NAVIOS ............................................. 51 ATUALIDADE NACIONAL ECONOMIA DO MAR DIA DA MARINHA DE 2020 .............................................. 5 ECONOMIA AZUL – COOPERAR PARA RECUPERAR ... 18 ACADEMIA DE MARINHA REABRE EM SETEMBRO ........ 6 O MAR NO FUTURO DE PORTUGAL ............................. 54 DIA DO PORTO DE AVEIRO CELEBRADO DIGITALMENTE ........................................... 6 MARINHA DE COMÉRCIO A CAVERNA EM TRINCADO DO NAVIO MEDIEVAL DA VÁRZEA DE ALFEIZERÃO ....................... 60 ENIDH – ALTERAÇÃO DE DATAS DE CANDIDATURA ..... 6 MARINHA DE COMÉRCIO – QUE FUTURO? .................. 20 FERNÃO MAGALHÃES .................................................. 62 A MARINHA NO COMBATE À COVID 19 ......................... 7 DORES DE CRESCIMENTO DE UMA BANDEIRA ALÉM-MAR .................................... 22 CRÓNICAS PORTUGAL PODE SER UM PAÍS DE SHIPPING ............ 30 NAVIOS DO DESPACHO 100 ......................................... 64 MONITORIZAÇÃO DO ITI MAR 2018 ................................ 8 PORTLINE ALTERA MODELO DE GESTÃO ..................... 8 DOCAPESCA LANÇA CONCURSO PARA O PORTO DE PESCA DE AVEIRO .................................... 8 OS 22 ANOS DA EXPO-98 ............................................. 10 NOVO TERMINAL DE PASSAGEIROS DO PORTO DE S. ROQUE DO PICO .............................. 10 “MYSTIC CRUISES”: DO PORTO PARA O MUNDO ....... 31 MUSEU MARÍTIMO DE ÍLHAVO REGISTA RECORDE EM 2019 ....................................... 12 OCEANÁRIO REABRE COM NOVAS MEDIDAS DE SEGURANÇA ........................................... 12 PROJETO DE TURISMO CIENTÍFICO SUSTENTÁVEL .... 13 REQUALIFICAÇÃO DO PORTO DE PONTA DELGADA .. 14 TROFÉU DE VELA “MIRPURI FOUNDATION” ................. 14 UNIÃO EUROPEIA APOIA O SETOR DA PESCA ............ 15 360 PRAIAS GALARDOADAS COM A “BANDEIRA AZUL” ............................................ 15 CREOULA AGUARDA MODERNIZAÇÃO ........................ 16 DOCAPESCA APOIA A REALIZAÇÃO DE TESTES COVID-19 ................................................... 16 4 TRANSPORTES & LOGÍSTICA ....................................... 66 MERGULHO ................................................................... 70 FORMAÇÃO & TREINO A FORMAÇÃO DO OFICIAL ELETROTÉCNICO .............. 24 QUANTAS QUARTELADAS AO ESCOVÉM? .................. 26 ENERGIAS RENOVÁVEIS MARINHAS ............................ 72 MODELISMO .................................................................. 74 DESPORTOS NÁUTICOS ............................................... 76 PATRIMÓNIO MARÍTIMO ............................................... 78 CONSTRUÇÃO & REPARAÇÃO NAVAL ESCAPARATE A PANDEMIA COVID 19 – MAIS UM OBSTÁCULO A ULTRAPASSAR PELA INDÚSTRIA DE CONSTRUÇÃO & REPARAÇÃO NAVAL ................... 34 DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA COVID-19 E DAS TRANSIÇÕES CLIMÁTICAS E AMBIENTAIS NA INDÚSTRIA NAVAL .......................... 36 UM PROJETO DE VIDA .................................................. 39 LISNAVE – ADAPTAÇÃO PERMANENTE AO MERCADO DE MANUTENÇÃO DE NAVIOS ............. 40 ÁFRICA, DE PARAÍSO FASCINANTE A INFERNO INESPERADO ............................................. 80 GIL EANNES, O ANJO DO MAR ..................................... 81 O ARTIGO 76º DA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR ............................ 82 REVISTA MAIS ALTO ...................................................... 83 CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR .......................................... 83 REVISTA SIGNAL ........................................................... 84 REVISTA O DESEMBARQUE .......................................... 84 ESTALEIRO DA ROCHA CONDE DE ÓBIDOS ................ 42 A DIGITALIZAÇÃO NO PROJETO DE ENGENHARIA NAVAL ............................................... 44 APLICAÇÃO DA CONSTRUÇÃO ADITIVA 3D EM CONSTRUÇÃO, MANUTENÇÃO E REPARAÇÃO DE NAVIOS ........................................... 46 ENCADERNAÇÃO DAS RM'S DE 2019 .......................... 16 VENDA DO PAQUETE AZORES ..................................... 17 ÚLTIMOS A CHEGAR E ÚLTIMOS A PARTIR ................. 56 SEGURANÇA MARÍTIMA ................................................ 68 NÁUTICA VIRTUAL – A NÁUTICA ADAPTA-SE AOS TEMPOS QUE VIVEMOS ........................................ 11 NAVIO-MUSEU GIL EANNES REABRE AO PÚBLICO ..... 11 HISTÓRIA MARÍTIMA O MID-LIFE UPGRADE DAS FRAGATAS DA CLASSE BARTOLOMEU DIAS .................................. 48 ARQUIVO HISTÓRICO A Revista de Marinha HÁ MAIS DE OITENTA ANOS… Nº 70 ........................................... 85 ASSOCIAÇÃO “ECONOMIA AZUL - UNIDOS PELO MAR” OS SISTEMAS DE OBSERVAÇÃO DA TERRA ............... 86 revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Atualidade Nacional Dia da Marinha de 2020 ranscrevemos abaixo a mensagem do Almirante António Mendes Calado, Chefe do Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional, por ocasião do Dia da Marinha, em 20 de maio: É com enorme orgulho que a todos saúdo, neste Dia da Marinha de 2020! Dirijo uma saudação muito especial àqueles que hoje cumprem a Missão da Marinha, não só na linha da frente do combate à pandemia da COVID 19, mas, igualmente, em teatros de operações no mar e em terra, do golfo da Guiné ao mar Mediterrâneo, passando pelo Afeganistão, Colômbia e República Centro Africana, sem esquecer os que, em território nacional, asseguram o Dispositivo Naval Padrão. Saúdo igualmente, com um sentimento de profunda gratidão, todos os membros da família naval, com quem partilhamos a Marinha e que se constituem como o porto de abrigo na chegada de cada missão, assim como as Associações de ex-militares, que habitualmente participam neste dia festivo, constituídas por marinheiros e fuzileiros que serviram e honraram a Pátria na Marinha. O Dia da Marinha, celebrado na data em que assinalamos a chegada de Vasco da Gama à Índia, em 1498, reveste-se, no presente ano, e por força da situação causada pela pandemia da COVID 19, de um contexto absolutamente excecional. Por este motivo, decidi cancelar todas as atividades públicas associadas às comemorações, no respeito pelas normas estabelecidas pelas autoridades competentes, enquanto focamos a nossa atividade na capacidade de cumprir a Missão. A situação de calamidade nacional que ainda vivemos obrigou à implementação de diversas medidas excecionais, tendo em vista o alcance da primeira prioridade no combate à pandemia - proteger, na máxima extensão possível, as pessoas que prestam serviço na Marinha e na Autoridade Marítima, bem como as nossas famílias. Adotámos rigorosos comportamentos de autoproteção, que permitiram continuar a cumprir a nossa Missão, enquanto dávamos resposta às inúmeras tarefas que fomos sendo chamados a cumprir, não descurando a adequada capacidade de regeneração na retaguarda, essencial para sustentar a continuidade das operações. Focámo-nos em T Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 assegurar a disponibilidade e a prontidão dos meios, com prioridade na capacidade médica e no apoio logístico ao Hospital das Forças Armadas, contribuindo para a prestação de cuidados médicos a todos os militares, militarizados e civis das Forças Armadas. Aprontámos meios para o apoio logístico ao Ministério da Saúde, colaborámos com instituições de apoio social e com diversos municípios no auxílio aos mais frágeis, e, mais recentemente, apoiámos o Ministério da Educação na criação de condições para a retoma da atividade escolar, participando de forma decisiva no contributo das Forças Armadas para o esforço nacional de combate à pandemia. Estamos a retomar progressivamente as nossas atividades internas, necessariamente interrompidas devido à pandemia, cientes que a capacidade de aprontar meios e sustentar as operações obrigará, nos tempos mais próximos, a um novo normal, o qual continuará a exigir de cada um de nós a rigorosa observância dos comportamentos de autoproteção. Nós, que andamos no mar, sabemos bem que · revistademarinha.com as tempestades se ultrapassam com competência, coragem e disciplina! Neste Dia da Marinha, quero, na qualidade de Autoridade Marítima Nacional, saudar todos os que servem nas estruturas da Direção-Geral da Autoridade Marítima e na Polícia Marítima. As sinergias que resultam do apoio da Marinha à Autoridade Marítima Nacional, consolidadas ao longo de anos de experiência de operação num ambiente comum, são determinantes para enfrentar, com confiança e tranquilidade, os desafios da época balnear que se avizinham, bem como para garantir adequados níveis de segurança a quem anda no mar, em trabalho ou em lazer, e para preservar os nossos recursos marinhos, dando, desta forma, um contributo inestimável com repercussões nas atividades ligadas à economia do mar e ao turismo. Nesta ocasião, aproveito para dirigir um agradecimento ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Faro pela forma entusiástica como a autarquia acolheu a proposta de festejarmos o Dia da Marinha de 2020 na sua cidade, reiterando o nosso compromisso de, no próximo ano, celebrarmos em conjunto a Marinha. Às gentes do Algarve, berço de gerações de marinheiros, que sempre nos recebe calorosamente, formulo antecipadamente o convite para, dentro de um ano, nos encontrarmos levando a Marinha até vós nas margens da formosa ria de Faro. Militares, Militarizados e Civis da Marinha, num Dia da Marinha diferente de todos os que já vivemos, quero deixar uma mensagem de reconhecimento pelo vosso forte espirito de missão, sabendo que os resultados alcançados ao longo do ano se devem à forma dedicada e competente como cada um de nós vive o dia-a-dia da Marinha, independentemente das adversidades que encontramos no nosso caminho. Exorto todos a olhar o futuro com determinação e confiança, mas também com sentido de responsabilidade e espírito colaborativo, procurando antecipar soluções que reduzam os riscos que caracterizam os tempos de incerteza que vivemos, firmes na vontade de continuar a afirmar o prestígio da Marinha, como instituição que tem um rumo de excelência no serviço que presta ao País e aos Portugueses! 5 83.O Ano ACADEMIA DE MARINHA REABRE EM SETEMBRO Face à evolução previsível da pandemia COVID 19, do programa de “desconfinamento” anunciado pelo Governo e às faixas etárias elevadas da maioria dos seus membros e frequentadores, a Academia de Marinha vai continuar com as suas sessões suspensas durante o mês de junho e na primeira quinzena de julho, a que se seguirá o tradicional período de férias, de 15 de julho a 15 de setembro. Nestas circunstâncias, a atividade semanal terá início em 22 de setembro, terça-feira, com uma sessão evocativa do centenário do nascimento do Almirante Avelino Teixeira da Mota, sendo orador um seu estudioso, o Cte. Carlos Valentim. Nas futuras sessões serão seguidas todas as normas e recomendações em vigor, designadamente as emitidas pela Direção Geral de Saúde (DGS). Será assim obrigatório o uso de máscara no interior das instalações da Academia, que serão higienizadas de acordo com o normativo emitido pela DGS. Entretanto, na Academia de Marinha e até 30 de setembro de 2020, estará aberto concurso para a atribuição do prémio “Almirante Teixeira da Mota – 2020”, no valor pecuniário de 5.000€, a atribuir a um trabalho original de pesquisa e investigação científica no âmbito das artes, letras e ciências ligadas ao Mar e às Marinhas. DIA DO PORTO DE AVEIRO CELEBRADO DIGITALMENTE Em dia de celebração dos 212 anos da abertura da Barra de Aveiro, Dia do Porto de Aveiro, a APA - Administração do Porto de Aveiro decidiu marcar a efeméride com o lançamento de uma nova identidade corporativa. O momento conturbado em que vivemos, levou-nos a assumir com determinação esta ideia de mudança para inspirar trabalhadores, clientes, parceiros, a comunidade local e a comunidade marítima e portuária, criando deste modo um elo de ligação com todos os que vivem diariamente o Porto de Aveiro, referiu na ocasião a Presidente do C.A. da APA, Profª Drª. Fátima Lopes Alves. Este rebranding assume uma nova estratégia comercial de internacionalização da marca “Porto de Aveiro”. A nova identidade fala por si. Não se trata de um desligar do passado, mas sim unir a história e relançar a marca para um novo futuro mais sustentável, mais tecnológico e inovador. A par da nova identidade corporativa foram lançados um novo site e uma nova imagem nas redes sociais. Este é um site responsivo e mais intuitivo para os utentes e clien- tes e, como tal, focado nas atividades core do Porto de Aveiro. Para celebrar a efeméride, tendo em conta as contingências decorrentes da pandemia da COVID 19, o “Dia do Porto de Aveiro” foi celebrado em modo digital. Assim, foram vários os convidados que se associaram a esta celebração e que deixaram uma mensagem vídeo no novo site, nomeadamente o Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Dr. Alberto Souto, toda a comunidade portuária, autarquias, trabalhadores, clientes e parceiros. São mais de 50 vídeos com mensagens positivas e motivadoras que poderão ser visualizadas no Canal de Negócios do Porto de Aveiro no Youtube ou, ainda, no site da APA. ENIDH - ALTERAÇÃO DE DATAS DE CANDIDATURA A ENIDH – Escola Náutica Infante D. Henrique é uma instituição de ensino superior público destinada a formar Oficiais de Marinha Mercante bem como quadros superiores destinados à atividade marítima-portuária e setores afins. É a única escola nacional vocacionada para a formação de quadros superiores para os setores dos Transportes Marítimos, Portos, Intermodalidade, Gestão e Logística. A ENIDH proporciona uma sólida formação científica, técnica e cultural em áreas ligadas ao setor da “economia azul”, com uma elevada taxa de empregabilidade no mercado de trabalho, na ordem de 97%, segundo dados oficiais 6 fornecidos pela Direção Geral do Ensino Superior (DGES). Este ano, devido ao surto da COVID 19, as candidaturas decorrerão através do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior 2020, no período de 7 de agosto (1ª fase) até 26 de outubro (3ª fase), nos termos da informação em https://www.enautica.pt/pt/candidaturas-25/candidaturas-20 Licenciaturas – Engenharia de Máquinas Marítimas; Engenharia Eletrotécnica Marítima; Gestão de Transportes e Logística; Gestão Portuária; Pilotagem. Mestrados – Engenharia de Máquinas Marítimas; Pilotagem. Cursos Técnicos Superiores Profissionais (TeSP) – Climatização e Refrigeração; Eletrónica e Automação Naval; Manutenção Mecânica Naval; Redes e Sistemas Informáticos. Mais informações 21 446 0011. revistademarinha.com através do tel · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Atualidade Nacional A Marinha no combate à COVID 19 Marinha, através de uma estreita articulação com o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), tem aprontado e disponibilizado meios, bens e serviços em apoio a diversas entidades do Estado, no combate à pandemia causada pelo novo coronavírus. Esta atividade de apoio às populações, no âmbito da pandemia, tem sido coordenada pelo Centro de Coordenação de Resposta Militar (CCRM) que funciona no Centro de Operações Marítimas, aproveitando as instalações físicas e a infraestrutura de comando e controlo já existente, sendo criado especificamente para coordenar a resposta da Marinha. O CCRM tem como objetivo principal planear e coordenar todas as atividades de resposta desde o primeiro momento para o esforço coletivo nacional de combate à pandemia da COVID 19, com iniciativas de proteção e apoio às populações. Os apoios prestados pela Marinha materializam-se, desde o início das diligências de preparação para a pandemia, até ao final do estado de calamidade, em ações de apoio à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), ao Ministério da Saúde, ao Ministério da Educação, ao Ministério do Mar e ao Ministério da Justiça. As ações incluem a montagem de tendas e cedência de camas de diferentes tipologias para Hospitais e edificação de Centros de Acolhimento espalhados pelo país, alojamento de pessoal técnico de apoio na messe da Base Naval (Alfeite), transportes de artigos críticos em todo o território nacional, descontaminação de infraestruturas, reforço de equipas sanitárias do Hospital das Forças Armadas (Polos de Lisboa e Porto), reforço de segurança da Base Aérea da OTA no acolhimentos aos requerentes de asilo, apoio psicológico a militares e civis, distribuição de alimenta- A Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 ção a pessoas carenciadas em Lisboa, distribuição de equipamentos de proteção individual e gel desinfetante nas escolas de ensino secundário e a preparação de Centros de Acolhimento na Escola de Tecnologias Navais na Base Naval, para apoio ao Sistema Nacional de Saúde e aos Hospitais Militares. No intuito de prosseguir o esforço de adoção e interiorização de medidas no domínio sanitário, designadamente de ações complementares para a prevenção da COVID 19, a Marinha materializou um conjunto de ações presenciais em apoio aos Ministérios da Educação (Escolas de Ensino Secundário), do Mar (mestres e contramestres de embarcações de pesca) e da Justiça (Estabelecimentos Prisionais) na sensibilização para a necessidade de higienização dos espaços e na demonstração de procedimentos e técnicas de desinfeção dos espaços comuns. No âmbito da investigação e desenvolvimento, a Marinha, na mitigação à pandemia da COVID 19 também teve o seu · revistademarinha.com contributo através da Célula de Experimentação Operacional de Veículos Não Tripulados (CEOV), que tem vindo a desenvolver uma intensa atividade de prototipagem rápida, encontrando-se em desenvolvimento um protótipo de baixo custo de um ventilador mecânico invasivo. Paralelamente, foi assegurado também o fornecimento de máscaras comerciais com adaptadores para filtros médicos, viseiras de proteção, ambos impressos em impressoras 3D, bem como outros acessórios necessários para a proteção dos profissionais de saúde que prestam serviço na Marinha. A CEOV contribuiu igualmente no aprontamento técnico e operacional de militares com sistemas aéreos não tripulados em apoio ao Comando Operacional da Madeira. Simultaneamente, a Marinha tem garantido a prontidão das suas unidades cumprindo a sua missão de servir Portugal no mar e dando resposta às tarefas contra a pandemia causada pela COVID 19. JPMG 7 83.O Ano MONITORIZAÇÃO DO ITI MAR 2018 Neste documento são identificadas 4.012 operações aprovadas até final de 2018, num investimento total de 1,9 mil milhões de euros e um montante de fundos comunitários atribuídos no valor de 1,1 mil milhões de euros. Foi publicado recentemente o terceiro relatório de monitorização integrada da utilização dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI) no Mar (Investimento Territorial Integrado Mar - ITI Mar), relativo às operações aprovadas até ao dia 31 de dezembro de 2018. Através da leitura deste relatório temos acesso a um vasto conjunto de informação sobre o desempenho dos diferentes programas comunitários de apoio à Economia do Mar assim como sobre a tipologia das operações aprovadas. Os dados apresentados permitem avaliar as prioridades de investimento na Economia do Mar, apoiar as decisões dos agentes económicos e identificar lacunas de intervenção no aces- so aos fundos estruturais, que possam vir a ser supridas por outros instrumentos financeiros. As três principais áreas de investimento foram o Turismo costeiro (alojamento) com 452 M€, a I&D&I com 341,3 M€ e o Ensino, formação profissional, estágios e apoio à contratação no valor de 145 M€. O Relatório ITI Mar a que nos referimos visa, nomeadamente: 1) Dar assistência aos potenciais promotores de projetos na temática do mar através de: – Divulgação de informação sobre oportunidades de financiamento dos FEEI no mar; – Prestação de esclarecimentos e encaminhamento de potenciais promotores, seguindo um quadro de referência; – Disponibilização de uma plataforma para registo de potenciais promotores na área do mar. 2) Monitorizar e avaliar as componentes marítimas e marinhas nos FEEI, tendo em vista analisar o contributo destes fundos para a concretização das prioridades da ENM 2013-2020. 3) Proporcionar informação direcionada para suporte aos decisores públicos envolvidos com a política do mar e com os FEEI. O Relatório ITI Mar também é importante para a articulação entre as entidades nacionais que gerem os FEEI no que se refere ao contributo destes fundos para a concretização dos objetivos estratégicos. Para mais informações: https://www. dgpm.mm.gov.pt/ PORTLINE ALTERA MODELO DE GESTÃO A Comandante Cristina Alves cessou funções, a seu pedido, na “Portline Bulk International, S.A.” (PBI) no passado dia 8 de maio e nessa decorrência, os acionistas decidiram alterar o modelo de gestão das empresas operacionais do Grupo PORTLINE, nomeadamente da PBI. Nestas circunstâncias perspetiva-se a implementação de uma Comissão Executiva que passará a ter a gestão corrente da sociedade com poderes delegados pelo Conselho de Administração. A atual situação de pandemia e as limitações de viagens internacionais necessárias para a realização de Assembleias Gerais, infelizmente, impedem a implementação imediata deste novo modelo. Assim, e até que haja condições que permitam a completa implementação desse modelo, no passado dia 11 de maio e após uma Assembleia Geral Extraordinária convocada para o efeito, para além da reeleição dos administradores Eng. Manuel Pinto Magalhães e Dr. Miguel Queiroz foi também eleito para integrar o Conselho de Administração da PBI o Dr. Jorge Fernandes que assim passa exercer as funções de Administrador Executivo, sem prejuízo de, mais tarde, vir a integrar a referida Comissão Executiva. A Revista de Marinha formula votos de muitos sucessos à Comandante Cristina Alves na nova etapa da sua vida profissional que se vai seguir, muito agradecendo o excelente relacionamento que connosco sempre manteve. Ao Dr. Jorge Fernandes, agora ao leme da PBI, votos sinceros para que sempre encontre ventos bonançosos, mares calmos e águas safas! DOCAPESCA LANÇA CONCURSO PARA O PORTO DE PESCA DE AVEIRO A Docapesca lançou um concurso para a empreitada da 2ª fase de instalação de estruturas de proteção e acesso a cais do porto de pesca costeira de Aveiro (na Gafanha da Nazaré, Ílhavo) com o preço base de 170 mil euros. A obra em apreço prevê a reparação e instalação de novas estruturas de proteção (40 defensas) e de acesso a embarcações (52 escadas) e a substituição de diversos cabeços de amarração na ponte-cais nº 2. Este concurso contempla igualmente 8 intervenções ao nível do fornecimento de energia na ponte-cais nº 2, nomeadamen- te, a recuperação da infraestrutura de iluminação (instalação de 13 novos postes de iluminação) e a substituição de módulos de serviço danificados para garantir o fornecimento de energia elétrica às embarcações de pesca. A Docapesca – Portos e Lotas, S.A. é uma empresa do Setor Empresarial do Estado tutelada pelo Ministério do Mar, que tem a seu cargo, no Continente, o serviço da primeira venda de pescado e o apoio ao setor da pesca e respetivos portos, dispondo de 22 lotas e 37 postos de venda. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha — Serviço Turbocharging dedicado. Consigo em todas as etapas. O serviço certo reduz os tempos de indisponibilidade, aumenta o desempenho e vida útil do equipamento. Obter o plano de serviço da ABB Turbocharging garante a entrega fiável de resultados ao menor custo total. Dedicamo-nos a oferecer aos nossos clientes um serviço abrangente 24/7, 365 dias por ano em qualquer uma das mais de 100 estações de serviço pertencentes à ABB em mais de 50 países em todo o mundo. Obtenha o serviço certo. abb.com/turbocharging 83.O Ano Os 22 anos da EXPO-98 m 1989, por iniciativa de António Mega Ferreira e Vasco Graça Moura surge a ideia de organizar em Portugal em 1998 uma Exposição Internacional com o propósito de comemorar os 500 anos dos Descobrimentos Portugueses. A ideia recebe o apoio do Governo de então e é apresentada ao Bureau International d’Éxpositions onde é aprovada, com o tema “OS OCEANOS: UM PATRIMÓNIO PARA O FUTURO”. Foi um evento de sucesso tendo atraído cerca de 11 milhões de visitantes, e em simultâneo fez mudar toda a parte oriental da cidade de Lisboa com a construção de grandes obras públicas, como a Ponte Vasco da Gama, uma nova linha de metro e a Estação rodoferroviária Gare do Oriente, assim como originou a recuperação de todo um espaço de cerca de 50 ha, onde foi implantada a Exposição, que se encontrava degradado e poluído. Para gerir todo o processo de implantação e organização da Exposição foi constituída, em março de 1993, a empresa “Parque Expo-98, S.A.” que na sua estrutura criou a Direcção de Operações para preparar e conduzir o período da exposição (22 de maio a 30 de setembro). Como seu Director-Geral foi nomeado João Soares Louro que soube, de forma extraordinária, organizar e liderar uma equipa, que terá começado com uma dúzia de colaboradores e que mês após mês ia aumentando. E no dia 22 de maio de 1998 tudo estava pronto, e foi dado início à EXPO-98. Como retrato fiel do que se passou transcreve-se o que João Soares Louro deixou E Sala do COC. escrito no Relatório Final da Direcção de Operações: Soube-se ousar e vencer o que para muitos parecia impossível, com a EXPOSIÇÃO MUNDIAL DE LISBOA 98 a converter-se numa importante realização nos planos nacional e internacional. Nunca tantos, de tão diferentes misteres e condições, em tão pouco tempo e com maior empenho, se terão superado a si próprios, demonstrando que continuamos a ser capazes de assumir e cumprir os maiores desafios. A história da EXPO-98 acentua de forma inequívoca a vocação portuguesa no domínio da inovação criativa e da sua conversão em obras e resultados surpreendentes. Nada foi feito ao acaso. Renunciou-se à dependência dos milagres e com entusiasmo perseguiu-se a excelência. A atividade operacional, ouvimo-lo dizer vezes sem conta, pode salvar ou comprometer um evento da natureza do que estamos falando. É-nos grato concluir que não tivemos nada para salvar e nada comprometemos. Em menos de dois anos, as Operações, mais do que uma grande macroestrutura, souberam constituir-se numa autêntica, fraterna e inesquecível comunidade. Assim se fez e bem o que tinha de ser feito. No âmbito da Direcção de Operações, para acompanhamento e controlo de toda a actividade diária, foi criado o COC (Centro de Operações e Controlo) de que tive a honra e o gosto de assumir a organização e direcção. Face à especificidade do trabalho a executar e do funcionamento 24 horas diárias, por turnos, foi importante que muitos dos seus 149 elementos tenham sido “recrutados” no meio marítimo. Foram vários oficiais da Marinha de Guerra e da Marinha Mercante e ainda cerca de uma dezena de alunos da Escola Náutica (cursos de Pilotagem e de Engenheiros de Máquinas) que com a sua experiência e cultura tornaram o COC um departamento credível e fundamental para a condução da EXPO-98. Se a EXPO-98 tinha por tema o MAR foi importante o contributo daqueles que foram formados na cultura do “mar”! Orlando Temes de Oliveira A fragata D. FERNANDO II E GLÓRIA fez parte da exibição náutica. OBSERVAÇÃO: O autor não segue o novo A.O. NOVO TERMINAL DE PASSAGEIROS DO PORTO DE S. ROQUE DO PICO A firma “Portos dos Açores, S.A.” adjudicou a um agrupamento constituído pelas empresas Marques, S.A. e Tecnovia - Açores, Sociedade de Empreitadas, S.A. pelo valor de cerca de 3,5 M€ a construção da infraestrutura “NOVO TERMINAL DE PASSAGEIROS DO PORTO DE SÃO ROQUE DO PICO”. O projeto, cuja execução foi agora adjudicada, prevê a reorganização geral dos espaços exteriores ao nível das circulações pedonal e automóvel introduzindo-se maior capacidade de estacionamento e de lugares de espera para embarque de viaturas. Existirão amplos espaços de tomada e largada de passageiros, através de 10 viaturas ligeiras, viaturas de aluguer com condutor, táxis e autocarros. Estão previstos espaços de permanência exterior com estruturas de abrigo e zonas ajardinadas. A empreitada prevê a construção de uma nova Gare de Passageiros, com 758 m2 e uma área coberta de 1.108 m2 comportando uma sala de embarque e outra para desembarque de passageiros, uma zona para processamento de bagagem e vários módulos para serviços de apoio à atividade. As valências deste Novo Terminal de Passageiros irão permitir uma operação mais facilitada e com maior conforto para os seus numerosos utentes. Com um prazo de execução de 20 meses, esta obra visa também dotar aquela infraestrutura portuária da Ilha do Pico com as condições adequadas para receber navios do tipo roll-on/roll-off. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Atualidade Nacional Náutica Virtual – A Náutica adapta-se aos tempos que vivemos ivemos tempos sem precedentes à escala global em que todos, da Ásia aos Estados Unidos passando pela Europa, África e América do Sul, vimos as nossas vidas profundamente alteradas, com consequências futuras que temos dificuldade em antecipar. A Declaração do Estado de Emergência que teve lugar no passado dia 16 de março alterou irremediavelmente a vida de todos os portugueses, de um dia para o outro. Numa decisão sem precedentes, todos passámos a ficar obrigatoriamente confinados nas nossas casas, sem podermos trabalhar, ou ir para o mar, como tanto prezam os homens da náutica. Perante uma situação tão inesperada quanto gravosa, um grupo de 6 amigos ligados à Vela começou a idealizar formas de manter esta comunidade viva, aproveitando a sua experiência na gestão, organização e participação em grandes eventos náuticos, em Portugal e no estrangeiro, e juntou esforços para organizar regatas virtuais durante o confinamento, num exemplo de inovação e de capacidade de adaptação da Náutica aos tempos de pandemia. Tudo começou com a primeira regata que contou com a participação de cerca de 30 participantes, os quais desafiaram a organização a continuar. Assim se chegou à 9ª J Boats Portugal VR series que contou com cerca de 400 participantes, divididos entre as Qualificações Regionais e de Clubes. Como sempre, as finais decorreram de sexta a domingo. Para além dos velejadores portugueses há também a registar a participação de espanhóis, italianos e V argentinos, que muito enalteceram a organização portuguesa do evento. Neste processo o maior apoio veio da Federação Portuguesa de Vela, que de uma forma clara e inequívoca apoiou a iniciativa e outorgou-lhe a sua chancela a partir da 3ª regata. Não menos importante foi também o apoio de muitas empresas, de diferentes sectores da atividade económica, que aceitaram contribuir com prémios para os primeiros cinco classificados de cada regata. De fora de Portugal chegou uma fru- tuosa parceria com a eSailingTV, empresa dinamarquesa que faz a transmissão de eventos de Vela Virtual a nível mundial e com quem neste momento a organização portuguesa está já a preparar eventos para empresas estrangeiras, existindo propostas para a realização de regatas virtuais associadas a alguma das mais importantes competições reais, para além de campeonatos nacionais, europeus e mundiais. Em Portugal vão continuar a ser organizadas regatas periodicamente para alimentar o ranking nacional, embora não de uma forma tão intensa como aconteceu nos meses de março, abril e até meados de maio, mas com regularidade, uma vez que a Vela Virtual veio claramente para ficar. Uma das particularidades das regatas virtuais é que são abertas a todos, não havendo restrições de género, idade ou capacidade física, nem custos de inscrição associados, o que tem levado a que cada semana mais pessoas participem nestas competições. É já hoje do domínio público que a World Sailing e o Comité Olímpico Internacional estão a olhar com muito interesse para esta variante da Vela tradicional, havendo velejadores portugueses capazes de lutar por medalhas em qualquer campo de regatas “virtual”. Na parte que lhe diz respeito a Revista de Marinha estará disponível para dar o devido realce às iniciativas de Vela Virtual como forma de popularizar e democratizar a modalidade entre nós. Eduardo de Almeida Faria NAVIO - MUSEU GIL EANNES REABRE AO PÚBLICO A Fundação Gil Eannes informou que o navio-museu GIL EANNES se encontra de novo aberto ao público desde o dia 2 de junho. Com um novo horário de visita, das 10H00 às 13H00 e das 14H00 às 17H30, o navio-museu pode ser visitado de terça a domingo. Após três meses encerrado a visitas devido à pandemia COVID 19, o GIL EANNES reabre com novas regras de segurança, sendo obrigatório o uso de máscara e luvas de proteção podendo circular a bordo, em simultâneo, 45 pessoas no máximo. Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 · revistademarinha.com O navio-museu GIL EANNES obteve o selo de segurança Clean & Safe emitido pelo Turismo de Portugal, pelo que estão assim reunidas as condições para que todos possam visitar este emblemático navio que desde 1999 já recebeu mais de 1.045.000 visitantes, de todas as faixas etárias e de muitas nacionalidades. No início do corrente ano novos espaços museológicos foram reabilitados e integrados no percurso da visita, como os camarotes de médicos e capelão, enfermarias, farmácia, lavandaria e engomadaria. 11 83.O Ano MUSEU MARÍTIMO DE ÍLHAVO REGISTA RECORDE EM 2019 O Museu Marítimo de Ílhavo (MMI) é o museu municipal mais visitado do país e registou em 2019 o recorde de cerca de 89.000 visitantes, ano em que continuou a oferecer ao público momentos marcantes de fruição da cultura do mar, com mais uma edição do Mar Film Festival, o festival de cinema de temática marítima, a Festa dos Bacalhoeiros, um encontro entre gerações de homens de todo o país que andaram ao bacalhau, um Teatro Gastronómico, o lançamento do livro evocativo “SANTO ANDRÉ: memórias de um navio” e as exposições temporárias “O Sonho do Mar”, de Maria Gabriel e “Trava-Línguas”, de João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira. Com portas encerradas neste período de isolamento social, o museu tem procurado aproximar-se do seu público utilizando novos formatos. Desde meados de abril que todas as terças-feiras às 17H00 vai para o ar o programa “Todos a Bordo!”, à boleia da rádio 23 milhas, em 105.00 FM e em direto na página do facebook do Museu. Neste novo espaço de ligação com a comunidade há entrevistas, visitas radiofónicas e conversas sobre o seu património, que permitem descobrir as narrativas invisíveis da sua herança cultural. Como os tempos atuais são de adaptação, reformulação e redefinição de comportamentos, o MMI comemorou o Dia Internacional dos Museus, de 16 a 18 de maio, com um programa preenchido, que desta vez decorreu em casa de cada um. Abriu as suas portas ao público, mas nas redes sociais, com um programa multimédia, gratuito, para toda a família. À hora marcada foram lançados na página do Facebook do MMI os vídeos que levaram o Museu a muitas casas e que trouxeram visitas temáticas para diferentes idades, um workshop, um jogo para os mais novos, momentos de narrativa encenada, uma entrevista e também o programa de rádio do Museu “Todos a Bordo!”. À parte das contingências atuais, o ano de 2020 será marcado pela intervenção estrutural no Navio-Museu SANTO ANDRÉ, polo do MMI, um arrastão lateral que fez parte da frota bacalhoeira portuguesa até aos anos 90 do século passado e foi transformado em navio-museu em 2001 e que de momento se encontra em fase de reparações, requalificação estrutural e redefinição do discurso museológico. O MMI em breve estará novamente à disposição do seu público, adotando certamente diferentes estratégias de interação, mas mantendo a convicção que visitar o MMI e o seu polo, o Navio-Museu SANTO ANDRÉ, é embarcar numa aventura dos sentidos! OCEANÁRIO REABRE COM NOVAS MEDIDAS DE SEGURANÇA A partir de 11 de maio já é possível voltar a visitar o Oceanário de Lisboa, para descobrir as maravilhas do oceano. Após quase dois meses de encerramento ao público em consequência da situação de pandemia o Oceanário de Lisboa reabriu agora com medidas de prevenção reforçadas e em resposta às exigências que o contexto atual impõe. Das várias medidas implementadas destacam-se a redução do número de visitantes em simultâneo, a realização de ações frequentes de higienização dos espaços, o reforço de dispensadores de gel desinfetante para uso dos visitantes e o pagamento de bilhetes exclusivamente por meios automáticos. O uso de máscara é obrigatório durante a visita e será assegurado gratuitamente aos visitantes. Todas as exposições estão abertas e com medidas para assegurar o distanciamento social necessário. Assim, o público 12 vai poder voltar a “mergulhar” no grande aquário central, visitar as “Florestas Submersas” e descobrir a magia da instalação “ONE - o mar como nunca o sentiu”, estreada no início deste ano. O Oceanário de Lisboa é um aquário público de referência mundial, que recebe mais de um milhão de visitantes por ano. Partilha com a Fundação Oceano Azul a missão de promover o conhecimento do oceano, sensibilizando para a sua conservação. O Oceanário desenvolve atividades educativas e colabora em projetos de investigação científica e de conservação da biodiversidade marinha que promovem o desenvolvimento sustentável do oceano. Para assinalar a sua reabertura e destacar a importância da sua missão e da Fundação Oceano Azul, o Ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, visitou o Oceanário no dia 14 de maio. Nesta visita, o Ministro conheceu em detalhe todas as novas medidas de segurança já implementadas, com vista a garantir o bem-estar e segurança dos visitantes, assim como as novas condições de trabalho das equipas operacionais. A acompanhar esta visita estiveram presentes José Soares dos Santos, Presidente do C.A. da Fundação Oceano Azul e do Oceanário de Lisboa, João Falcato, CEO do Oceanário de Lisboa, e Tiago Pitta e Cunha, CEO da Fundação Oceano Azul. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Atualidade Nacional Projeto de Turismo Científico Sustentável Ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, visitou no passado dia 6 de maio os trabalhos de adaptação do Motor-Sailer LIBRIES a decorrer na área de reparações do Porto da Nazaré, no âmbito do projeto “Turismo Científico & Mar” financiado pelo Fundo Azul do Ministério do Mar. O Projeto é liderado pela empresa “Blue Geo LIghthouse, Lda” (BiGLe) e envolve as empresas Geo2i e Prizmakat (Portugal Sail Week), e o Departamento de Ciências e Tecnologias da Informação do ISCTE-IUL. Trata-se de um projeto-piloto de Turismo Científico Sustentável que visa, primeiramente, promover esta atividade nas reservas naturais marinhas do Parque Natural da Madeira, em linha com a Agenda 2030 das Nações Unidas, em particular no que se refere às ações relacionadas com o Objetivo 14 do Desenvolvimento Sustentável e as respetivas metas. A polivalência da embarcação LIBRIES, uma vez adaptada, possibilitará ainda a execução de atividades de monitorização costeira e de investigação científica marinha, e o treino de mar. As principais alterações sofridas pela embarcação incluíram a extensão do convés à popa, um patim retrátil para operações de mergulho e acesso próximo da água, um pórtico para trabalhos verticais na coluna de água, a ampliação do circuito hidráulico podendo acionar o propulsor lateral de proa e um novo propulsor à popa, um alador, uma grua e o respetivo guincho, o guincho do ferro e o enrolador da vela de proa (genoa). Dispõe ainda de um completo sistema de navegação SIMRAD, uma rede com 24 portas de dados e a possibilidade de utilização de comunicações HF-VHF-SATCOM e GSM/4G-Wifi. Dispõe também O Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 de uma coluna para operação de sensores abaixo da quilha e de um compressor de alta-pressão para enchimento de garrafas de mergulho. Pode ainda operar veículos de operação remota ou autónoma, submarinos e aéreos, para além de sensores rebocáveis para medição da condutividade e temperatura em profundidade (CTD), de registo vídeo, ou outro equipamento de recolha de amostras. A criação de um compartimento modular permite disponibilizar um pequeno laboratório seco. Foi ainda instalado um tanque de combustível adicional que lhe aumentou a autonomia em mais de 20%, um dessalinizador por osmose inversa, e painéis solares. Para a firma BiGLe este projeto constituí uma componente importante da sua visão estratégica, contribuindo para o seu · revistademarinha.com código de conduta e programa de ação 3IBES – Leveraging a More Inclusive, Innovative, and Insigthful Blue Economy and Society. Neste contexto, para além da prova de conceito de uma frota de baixo-custo para a ciência e outros projetos de construção de plataformas, a BiGLe está igualmente a desenvolver iniciativas que visam capacitar a sua intervenção no contexto da Ciência e Educação Abertas e a implementação de uma plataforma digital integrada de serviços. Entretanto, no passado mês de março, no âmbito dos Prémios Excellens Mare da PricewaterhouseCoopers (PwC) foi atribuído à BiGLe o Diploma “Revelação Azul – Inovação 2020”, o que muito motivou aquela firma para … continuar na senda de concretizar Portugal no mar, com engenho e arte. 13 83.O Ano REQUALIFICAÇÃO DO PORTO DE PONTA DELGADA O Presidente do Governo Regional visitou recentemente as obras de requalificação do Porto de Ponta Delgada, que vai permitir aumentar em 68% a capacidade do parque de contentores e a operação de três navios ao cais, em simultâneo. Este é um investimento de cerca de 46 M€, com uma comparticipação de fundos comunitários de cerca de 32 M€. No fundo, estamos a falar de futuro, de dotar este porto com a capacidade e com as condições de operacionalidade para o futuro, afirmou Vasco Cordeiro nessa ocasião. Em declarações aos jornalistas, o Presidente do Governo Regional dos Açores adiantou que o Porto de Ponta Delgada recebeu, nos últimos 6 anos, um montante de investimento de cerca de 100 M€, incluindo obras de reconstrução dos danos provocados por temporais, mas também investimentos de reforço da sua capacidade operacional. Segundo disse, a obra que arrancou este mês é comparticipada pelo COMPETE 2020, programa que, no âmbito dos fundos comunitários ao dispor da Região tem cofinanciado um conjunto alargado de intervenções que estão a decorrer, ou que já estão concluídas, nas ilhas do Corvo, das Flores, do Faial, do Pico, de São Jorge e da Terceira. É importante que se registe que esse montante global de investimento, que permite estas obras, só é possível porque, da parte do atual Governo da República, houve a decisão de reforço dos fundos comunitários alocados à Região para este tipo de obras, num montante muito significativo, sublinhou Vasco Cordeiro. Para além das obras programadas de requalificação em Ponta Delgada, diversos portos da Região estão a receber também investimentos de recuperação dos estragos do furacão Lorenzo. No caso da ilha das Flores, está já em curso a obra de proteção de emergência, e todos os restantes investimentos estão em curso, em fase de projeto, de ensaios em modelo reduzido ou de lançamento dos necessários procedimentos administrativos. Recorde-se que, no início de outubro de 2019, o furacão Lorenzo provocou estragos estimados em cerca de 330 M€, com uma parte significativa referente a danos em estruturas portuárias, tendo-se o Governo da República comprometido a apoiar 85 % desse montante. As obras de beneficiação do Porto de Ponta Delgada incluem o aumento do terrapleno, o que permitirá criar um novo cais. Está ainda prevista a demolição do edifício conhecido como “alfândega” e a transformação dessa área em parque de contentores, que passará assim a dispor de cerca de 17.000 m2. Após concluída a empreitada, este porto poderá ter a operar em simultâneo três navios porta contentores, “em linha” e no mesmo terrapleno, diminuindo o número de movimentações e os ciclos de transporte, carga e descarga de contentores. Está ainda prevista a construção de um novo edifício de “operações portuárias”, infraestruturas de abastecimento de energia e de iluminação de todo o terrapleno (tecnologia LED), e redes de abastecimento de água, combate a incêndios, drenagem pluvial e esgoto. TROFÉU DE VELA “MIRPURI FOUNDATION” A Fundação Mirpuri é uma organização sem fins lucrativos estabelecida em Portugal pelo empresário e filantropo Paulo Mirpuri. Criada com o propósito de contribuir para um mundo melhor para as gerações futuras, a Fundação tem vindo a estabelecer parcerias com governos, empresas, comunidades e indivíduos de modo a apoiar projetos específicos nas áreas da conservação marinha e da vida selvagem, cultura, responsabilidade social e investigação nas áreas da medicina e aeroespacial. É neste quadro que a Fundação Mirpuri anunciou a organização do Troféu de Vela “Mirpuri Foundation”. São esperadas cerca de 50 embarcações de vela offshore, incluindo veleiros convencionais e de alta competição, para a primeira edição do “Mirpuri Foundation Sailing Trophy”, que se realiza em Portugal nos dias 27 e 28 de junho e que conta com a parceria do Clube 14 Naval de Cascais. A regata decorrerá entre Cascais e Sesimbra, existindo prémios monetários para os primeiros classificados, que incluem também prestigiados Troféus. O “Mirpuri Foundation Sailing Trophy” pretende ser um dos principais eventos de vela no mundo, refere Paulo Mirpuri, Pre- sidente da Fundação Mirpuri, que acrescenta … para 2020, a Mirpuri Foundation manteve a escolha da “conservação marinha” como um dos principais temas de trabalho. A Fundação está consciente da importância inegável da preservação dos mares e dos ecossistemas marinhos, sensibilizando as populações que os afetam para as diversas ameaças e respetivas consequências. Esta prova será uma regata sem plástico, sustentável. E porque vivemos tempos de pandemia, será a primeira regata no mundo realizada com controlo médico, garantindo que todos os participantes estão em boas condições de saúde, incluindo o uso de testes COVID 19 de última geração, com resultados em 15 minutos. Desta prova vos daremos conta no próximo número, na RM 1017. Eduardo de Almeida Faria revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Atualidade Nacional União Europeia apoia o setor da pesca sector da pesca, que engloba a aquicultura, é um dos mais importantes em matéria de aproveitamento dos recursos dos oceanos. O sector interage com os processos de desenvolvimento económico e social, assume papel de muito relevo no comércio internacional e é parte fundamental na segurança alimentar. A pesca desdobra-se numa fileira complexa (captura, transformação, comercialização, distribuição, consumo, biologia pesqueira, investigação oceanográfica) e está intimamente associada a uma série de atividades, designadamente indústrias diversas, energia, eletrónica, meteorologia, comunicação, financiamento bancário e seguros. A pandemia coloca o sector perante um desafio considerável. Entre nós, para além das medidas já adotadas a nível nacional no plano sanitário, há que ter em conta que a atividade no nosso país se encontra enquadrada pela Política Comum de Pescas da União Europeia. Neste contexto, encontramo-nos apetrechados com uma série de instrumentos que foram criados no sentido de proporcionar, nomeadamente do ponto de vista socioeconómico, uma resposta adequada e em tempo útil. No que toca especificamente ao sector da pesca, as medidas excecionais adotadas destinam-se a financiar a cessação temporária de atividade, a compensar as O unidades de aquacultura e as indústrias de transformação, as regiões ultraperiféricas e as organizações de produtores. Assim, foram introduzidas alterações no quadro do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e Pescas (FEAMP). As alterações referem-se à contribuição do Fundo para fundos mutualistas que pagam compensações a pescadores por perdas causadas por crises de saúde pública. Também se apoiam os moluscicultores em caso de suspensão temporária de atividade e prevê-se um fundo de maneio para compensação dos aquicultores. No caso das indústrias de transformação, está também previsto um fundo de maneio e compensação. Em relação às regiões ultraperiféricas, fica estabelecido que o FEAMP pode apoiar a compensação dos custos suplementares suportados pelos operadores nas áreas da pesca, aquicultura, transformação e comercialização dos produtos oriundos destas regiões, e também as perdas económicas resultantes do surto. Assim, para o sector da pesca, os auxílios podem atingir o montante de 120 mil euros por empresa ativa, através de auxílios diretos, adiantamentos ou vantagens fiscais. A Comissão Europeia aprovou, logo no início de abril, ao abrigo deste Quadro, um auxílio de 20 M€ destinado a fazer face às dificuldades de tesouraria das pequenas e médias empresas portuguesas do sector. O conjunto das medidas acima referidas é aplicável de 1 de fevereiro a 31 de dezembro do corrente ano. Saliente-se, que estas medidas introduziram mecanismos de flexibilidade que permitem aos Estados-Membros adequar os recursos financeiros dos respetivos Programas Operacionais através de um procedimento simplificado, de modo a permitir um apoio mais célere, atentas as circunstâncias de emergência que se vivem no sector. Pode dizer-se que a União Europeia soube responder atempadamente, na sequência do diálogo que teve lugar entre as Instituições Europeias, as administrações nacionais e os agentes económicos e sociais do sector. FCC 360 PRAIAS GALARDOADAS COM A “BANDEIRA AZUL” A “Bandeira Azul” vai ser hasteada este ano em 360 praias fluviais e costeiras, mais 8 do que em 2019, anunciou a coordenação nacional do Programa “Bandeira Azul”. As distinções deste ano, apresentadas em conferência de imprensa no Aquário Vasco da Gama, no passado dia 20 de maio, Dia da Marinha e Dia Europeu do Mar, contemplam 322 praias costeiras, mais 5 do que em 2019, e 38 fluviais, mais 3 do que no ano passado. As praias estão distribuídas pelo Algarve (87), Norte (76), Tejo (57), Centro (46), Alentejo (36), Açores (42) e Madeira (16). Devido à pandemia COVID 19, o tema deste ano é … de volta ao mar, com a atitude de mudar. Quanto a regulamentos de segurança, José Archer, da Associação “Bandeira Azul”, realçou que cabe às entidades responsáveis pela Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 praia, pela marina ou pela embarcação galardoada, implementar as regras ex- · revistademarinha.com traordinárias relativas ao COVID 19 no seu espaço. Quando há Bandeira Azul, e enquanto estiver hasteada, é seguro frequentar, afirmou, salientando que a fruição destes espaços públicos vai depender da responsabilidade de cada um. Ao longo de 30 anos a “Bandeira Azul” revelou-se um instrumento de mudança tendo contribuído para a alteração de comportamentos, de tal forma que as zonas balneares portuguesas se afirmaram como praias de excelência em termos de qualidade, serviços, segurança e educação ambiental dos seus utilizadores. As cerimónias de hastear a primeira “Bandeira Azul” em Praia Costeira e em Marina vão decorrer na Região do Algarve, numa praia de Loulé e na Marina de Portimão, respetivamente. O primeiro hastear de Bandeira Azul em Praia Fluvial vai decorrer na Lapa dos Dinheiros, em Seia. 15 83.O Ano CREOULA AGUARDA MODERNIZAÇÃO O lugre CREOULA, lendário príncipe dos mares, é um dos mais simbólicos veleiros que ostentam a bandeira Portuguesa, com 83 anos de existência envolta num passado rico em histórias, viagens, aventuras, alegrias e tristezas. A história do CREOULA, construído em simultâneo com o seu irmão gémeo SANTA MARIA MANUELA, num período recorde de 62 dias de trabalho, desenvolveu-se em duas fases distintas. A primeira, no período entre 1937 e 1973, nas campanhas da pesca do bacalhau, nos mares da Gronelândia, inserido numa frota nacional de cerca de 80 navios e 6.000 pescadores, tendo percorrido cerca de 300 mil milhas, o equivalente a 14 voltas ao mundo e capturado cerca de 27 mil tons de bacalhau. A segunda fase teve início em 1979, com a aquisição do navio pelo Estado Português, e a subsequente decisão de o adaptar a Navio-Escola, a Navio de Treino de Mar (NTM), sem alteração da traça original de lugre bacalhoeiro, tendo-se então procedido à sua entrega à Marinha Portuguesa. Assim, entre 1987 e 2017, foram propor- cionados embarques a jovens, permitindo-lhes o contacto com o mar e despertando-lhes o interesse pelos oceanos, tendo navegando mais de 35.000 horas e embarcado mais de 19.000 instruendos. Atualmente o NTM CREOULA encontra-se num período de imobilização na Base Naval, no Alfeite, consequência do desgaste provocado pela intensa utilização operacional ao longo das três últimas dé- cadas. O lugre aguarda pelo início de um processo de modernização, vital para o prolongamento da sua vida operacional, o qual deverá envolver, para além da Marinha e do Ministério da Defesa Nacional, a colaboração de Municípios, cuja identificação e afinidade com o navio estimula a participação no elevado esforço financeiro associado à sua revitalização. O NTM CREOULA, cujos serviços prestados são amplamente reconhecidos como de grande relevância, corresponde a um testemunho vivo da História Marítima de Portugal, representando um dos derradeiros laços que ligam o nosso país ao mar, recriando, de forma única, a riqueza do passado e, simultaneamente, ambição para o futuro. Espera-se que em breve o CREOULA regresse à atividade, de forma a prosseguir o seu contributo para o reconhecimento e valorização do mar, mantendo viva uma tradição que muito estimula a nossa juventude. NSR DOCAPESCA APOIA A REALIZAÇÃO DE TESTES COVID-19 A firma Docapesca – Portos e Lotas, S.A. vai assegurar parte da comparticipação nacional das candidaturas apresentadas pelas organizações do setor da pesca para a realização de testes de diagnóstico da COVID 19. Esta medida de defesa da saúde pública tem por objetivo o reforço das condições de segurança dos profissionais do setor, que diariamente continuam a operar nos portos de pesca sob gestão da empresa. Ao longo do período dos estados de emergência e de calamidade, a Docapesca manteve o seu papel na cadeia de abas- tecimento de pescado fresco, dando cumprimento à sua missão de serviço público, contribuindo para garantir o fornecimento alimentar aos portugueses, tendo sido implementado um plano de contingência, bem como um vasto conjunto de medidas de segurança no sentido de garantir o regular funcionamento dos seus portos de pesca e lotas, e que se irão manter em vigor sine die. Atualmente, no âmbito da primeira venda de pescado fresco, encontram-se em funcionamento 22 lotas e 37 postos de receção, com circulação diária de numerosos trabalhadores, armadores, pescadores e comerciantes. ENCADERNAÇÃO DAS RM’S DE 2019 Já pode encomendar, à semelhança do que ocorreu nos últimos anos, as coleções encadernadas dos seis números da Revista de Marinha, saídos no decurso do ano de 2019. As coleções da revista saídas no ano passado são apresentadas encadernadas, numa versão com capas a vermelho e letras douradas, quer na capa quer na lombada. Caso solicitado, em condições a combinar, será possível executar a encadernação com capa noutras cores. 16 Esta encadernação, que tem uma excelente apresentação e permite preservar melhor as revistas, destina-se principalmente aos colecionadores da Revista de Marinha. São um excelente trabalho do artesão e encadernador Sr. Arménio dos Anjos, com atelier no Feijó, concelho de Almada. Poderá ser adquirida na nossa loja online ou através do tel 21 580 9891, t/m 91 996 4738, e-mail [email protected] . O custo são 35€, IVA incluído, a que acrescem, se aplicável, 3,5€ de portes de correio. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Atualidade Nacional Venda do Paquete Azores falência, em 2015, das empresas armadoras portuguesas ligadas à Portuscale Cruises, levou aos processos de alienação de quatro navios de passageiros, adquiridos no início de 2013, com financiamento do Banco Montepio. Tem sido um processo moroso. Os navios LISBOA (ex-PRINCESS DANAE) e PORTO (ex-ARION) foram vendidos para desmantelar na Turquia. Seguiu-se a venda do FUNCHAL em leilão, em dezembro de 2018, o qual foi entregue aos compradores ingleses a 25 de outubro último quando foi finalmente pago. Não há ainda decisão no sentido de retirar o FUNCHAL de Lisboa e o navio foi colocado de novo para venda, pelo novo proprietário. O FUNCHAL manteve o nome e o registo na Madeira, agora como propriedade da empresa SGL Cruise, Ltd, constituída na zona franca da Madeira. Resta vender o ASTORIA, (ex-AZORES, ex-ATHENA), que se encontra fretado a interesses gregos desde 2015 (Global Cruise Lines, de Atenas), ao serviço das companhias Cruise Maritime Voyages e Rivages du Monde, até 25 de setembro deste ano. Em março foi publicado no jornal Lloyd´s List o anúncio de venda, convidando os interessados a enviar propostas em carta fechada até 27-03-2020, tendo como base A Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 de licitação o valor mínimo de 17.151.225€ seguindo-se a abertura das propostas em sessão pública, em Lisboa, a 6 de abril. As propostas de compra apresentadas tinham valores muito baixos, pelo que não se concretizou a venda. Segundo o Administrador do processo de insolvência, Dr. Pinto de Oliveira, em declarações à Revista de Marinha ... nas circunstâncias atuais em princípio irá aguardar-se a reentrega do ASTORIA em Lisboa, no final de setembro, para então se promover de novo a venda do paquete. O ASTORIA foi reclassificado recentemente e fez doca seca na Holanda em dezembro último. Operou no Pacífico este inverno, fazendo diversos cruzeiros com · revistademarinha.com partidas do México e, quando regressou à Europa, para iniciar novos programas de cruzeiros, operados pela Cruise Maritime Voyages e Rivages du Monde, havia-se despoletado a emergência sanitária COVID 19 e o ASTORIA imobilizou em Tilbury no dia 15 de março, onde permanece, sob comando do Capitão da Marinha Mercante António Morais. O ASTORIA está a alojar as tripulações de outros dois navios de cruzeiros da CMV, o VASCO DA GAMA e o MAGELLAN, num total de 500 "passageiros", dado que se torna mais económico centralizar o alojamento das três tripulações num só navio. Luís Miguel Correia 17 83.O Ano Economia Azul – Cooperar para Recuperar por Miguel Marques* ó com o reforço da cooperação e do trabalho em parceria será possível acelerar o processo de recuperação da economia azul, nacional e internacional. Para além do reforço do grau de cooperação e de coordenação de esforços é necessário aprofundar o pensamento estratégico e a pragmática ação no terreno. Para que a economia azul realmente recupere é fundamental que exista um reforço do investimento e que as escolhas dos projetos a promover e a financiar estejam alinhadas com o pensamento estratégico e com uma cultura de cooperação. De forma muito dura a pandemia veio colocar no centro das prioridades o reforço da cooperação. A disrupção económico-social provocada pela crise sanitária tem sido bastante intensa. Na fileira dos portos e transportes marítimos, embora a atividade operacional se tenha mantido em funcionamento, por ser um setor crítico para a sobrevivência de um país, o facto de várias indústrias não essenciais terem parado, provocou grandes alterações nos fluxos de carga. Adicionalmente, a queda abrupta do preço do petróleo fez com que muitos navios petroleiros não efetuassem descarregamentos de petróleo, ficando a aguardar por uma subida futura do preço. Da mesma forma, a fileira dos alimentos do mar, pelas suas funções vitais, também se manteve operacional, S 18 no entanto, o fecho da restauração implicou uma imediata redução do preço do pescado fresco, afetando severamente a rentabilidade. O confinamento e a proibição de voos e de viagens de cruzeiros reduziram a zero as atividades turísticas durante semanas. Antes de ser anunciada a pandemia, no início de 2020, já existia evidência de que a economia do mar, em Portugal, apresentava setores em desaceleração. Em janeiro de 2020 o LEME – Barómetro PwC da Economia do Mar informava que, ao contrário de anos anteriores, o ano de 2018 apresentava uma percentagem de variáveis com evolução favorável inferior a 50%, num ano em que o produto interno bruto tinha crescido 2,1%. Recentemente, em junho de 2020, a União Europeia emitiu o relatório da economia azul, onde claramente é demonstrada a desaceleração verificada na fileira dos recursos marinhos vivos (crescimento negativo de 8%), nas atividades portuárias (crescimento de 0%) e no transporte marítimo (crescimento de 0%). É demonstrado também uma grande dependência do turismo costeiro, representando, em 2018, 78% da economia do mar, de acordo com a forma como a União Europeia o mede (em Portugal, de acordo com o critério da União Europeia, o turismo de todas as ci- Fonte: LEME – Barómetro PwC da Economia do Mar 2020. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Economia do Mar UE 28 DESCRIÇÃO (Valores em milhões de euros) 2017 2018 PORTUGAL VAR PESO 2017 2018 VAR PESO RECURSOS MARINHOS VIVOS 21.100 20.966 -0,6% 9,6% 764 702 -8,1% 12,3% RECURSOS MARINHOS NÃO VIVOS 19.435 19.565 0,7% 9,0% 2 2 0,0% 0,0% 1.015 1.089 7,3% 0,5% 0 0 0,0% 0,0% ATIVIDADES PORTUÁRIAS 35.205 35.205 0,0% 16,1% 333 333 0,0% 5,8% CONSTRUÇÃO E REPARAÇÃO NAVAL 17.135 17.276 0,8% 7,9% 132 134 1,5% 2,3% TRANSPORTE MARÍTIMO 35.599 35.599 0,0% 16,3% 83 83 0,0% 1,5% TURISMO COSTEIRO 76.153 88.575 16,3% 40,6% 3.420 4.456 30,3% 78,0% 100,0% 100,0% ENERGIA MARINHA RENOVÁVEL TOTAL ECONOMIA AZUL TOTAL ECONOMIA % ECO. AZUL NO TOTAL ECO 205.642 218.275 6,1% 13.771.523 14.207.833 3,2% 1,5% 1,5% 4.734 5.710 20,6% 169.642 176.311 3,9% 2,8% 3,2% Fonte: The EU Blue Economy Report 2020 dades costeiras entra a 100% para a economia azul). É fácil de perceber que, se a economia do mar em Portugal, antes da crise, já estava a desacelerar nos setores dos portos e transportes marítimos e dos recursos marinhos vivos, com a crise, que afetou mais fortemente o turismo, tudo ficou mais difícil. Embora o cenário seja bastante complexo, existe esperança. Essa esperança está nas oportunidades ainda não concretizadas nos oceanos, nos mares, nos rios e nos lagos. Mais do que nunca, uma visão integrada destes recursos é importante. Portugal e o Mundo necessitam recuperar desta crise e a economia azul apresenta-se como uma forte oportunidade de desenvolvimento. Para reforçar a cooperação e a coordenação deve ser ponderada a criação ou o upgrade de agências nacionais para o desenvolvimento sustentável através do fomento da economia azul. Tal como quando a humanidade quis ir ao espaço, teve de se organizar e cooperar para tal. A recuperação socioeconómica que te- Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 mos pela frente, necessitará de um esforço e empenho semelhantes. Este é o momento de alinhar objetivos de desenvolvimento sustentável, pensa- · revistademarinha.com mento estratégico, pragmática ação no terreno, cooperação e investimento. * Partner Pwc ([email protected]) 19 83.O Ano Marinha de Comércio – que futuro? por Rui Raposo* omo é de conhecimento geral a pandemia de COVID 19 está a provocar um grande impacte no shipping europeu. Há uma quebra acentuada na procura de transporte motivada pelos planos de contingência que determinaram uma redução na movimentação de bens e nas deslocações e viagens, o que levou a interrupções na cadeia de abastecimentos, uma forte queda no comércio doméstico e externo, e uma redução geral da mobilidade. Esta situação não irá manter-se somente no curto prazo, prevendo-se que se prolongue, pelo menos, por 2021, com as consequentes incertezas comerciais, falta de confiança dos armadores e, portanto, falta de novas construções, redução dos investimentos para tornar a frota mais amiga do ambiente, etc. Até ao início da crise pandémica o shipping assegurava 90% do comércio mundial, suportando a logística necessária à produção, à distribuição e ao consumo em todos os países, com impacte directo na qualidade de vida dos cidadãos, particularmente no que respeita aos habitantes de regiões insulares, ribeirinhas e periféricas. Constituía por isso um dos pilares fundamentais do crescimento económico e os serviços que prestava eram vectores C 20 essenciais para assegurar a competitividade das empresas e a dinamização da actividade económica nos quadros europeu e mundial, assegurando uma importante fonte de rendimento e emprego na Europa. Não se conhecendo ainda o que vai resultar da proposta inovadora que a Comissão Europeia apresentou, no passado dia 27 de Maio, contendo um pacote de apoios à recuperação das economias europeias, seria fundamental que fosse reconhecida a importância do “Cluster Marítimo Europeu” como um activo estratégico para a UE, para salvaguardar a sua independência geopolítica e aumentar a resiliência e soberania económica e industrial. O sector marítimo europeu é fundamental e estratégico para a Europa. Cerca de 76% do comércio externo da UE é feito por via marítima e o transporte marítimo de curta distância movimenta 32% das mercadorias. Dados os efeitos da pandemia de COVID 19 no comércio mundial, hoje todos os segmentos da indústria marítima da UE estão a sofrer com a presente situação (escrito no dia 30 de Maio): • Não há um único navio de cruzeiros a navegar e não é possível prever se e quando podem voltar a operar; • Muitos navios de passageiros de car- reiras regulares de curta distância estão a parar a operação porque, praticamente, não há passageiros; • Os Navios tanque estão a parar porque com muitas refinarias fechadas não há capacidade de recepção e armazenamento de graneis líquidos; • Os Navios porta contentores estão a fazer viagens com os mesmos custos de sempre, mas a transportar muito menos carga; • Cerca de 200.000 tripulantes que já terminaram os seus contractos a bordo, estão impedidos de desembarcar devido às restrições impostas por muitos países o que provoca efeitos adversos na sua saúde, mental e física. Quando passar a pandemia o shipping europeu vai recuperar? A saída do Reino Unido da União Europeia vai implicar negociações complexas sobre várias matérias, até 31 de Dezembro de 2020 e se não houver acordo, no que se refere ao tráfego marítimo, serão impostos complexos e demorados processos burocráticos alfandegários, o que vai aumentar o congestionamento de tráfego nos portos de ambas as partes, dificultando o comércio. É provável que muitos concorrentes de revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Marinha de Comércio países terceiros aproveitem a pandemia como uma oportunidade perfeita para aumentar sua participação no mercado, tornando a UE mais dependente de transportadores externos de materiais essenciais, alimentos, medicamentos etc. Também é provável que se acentuem as medidas proteccionistas para combater a globalização e que muitos países ocidentais deixem de patrocinar centros de produção de bens essenciais e estratégicos muito distantes dos principais mercados de consumo, passando a privilegiar a produção mais próxima, ou mesmo local, principalmente dos bens que passarem a ser considerados essenciais e dos quais não querem ficar dependentes de países terceiros. Se os bens passarem a ser produzidos mais perto dos locais de consumo é provável que isso se venha a reflectir muito negativamente no transporte marítimo de longa distância, mas poderá ser uma boa oportunidade para o transporte marítimo de curta distância porque, com as fronteiras de muitos países (que podem em qualquer altura ser) fechadas, este será o modo de transporte mais adequado para garantir o normal abastecimento das populações, principalmente de países como Portugal, que só tem duas fronteiras – a Espanha e o Oceano Atlântico. Por outro lado, com as grandes mudanças e incertezas da economia mundial que enfrenta uma grande pressão devido às tensões comerciais, às preocupações de segurança das cargas e ao crescimento do proteccionismo, mas também às preocupações ambientais, os navios de short sea, mais pequenos, são os mais adequados para potenciar uma mais rápida e importante redução das emissões de gases poluentes, através da utilização de combustíveis alternativos e outras tecnologias amigas do ambiente. Poderemos estar perante o início de uma curva ascendente para o transporte marítimo de curta distância. Será, no entanto, necessário eliminar Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 as desvantagens competitivas do modo marítimo em relação ao modo terrestre. O shipping está em desvantagem face aos outros modos de transporte, porque em muitos casos os bens transportados por navio entre portos da UE perdem o estatuto de mercadoria comunitária, obrigando a inúmeros procedimentos envolvendo várias autoridades e intermediários, tornando todo o processo complexo, repetitivo e desconforme (são necessários 12 documentos!). Se a mesma mercadoria for transportada por camião, basta um único documento: o CRT - Conhecimento de Transporte Internacional. No que se refere a Portugal será necessário repensar o sistema de transporte de mercadorias, em termos conceptuais, porque actualmente está manifestamente mal organizado; praticamente 75% do transporte de mercadorias entre Portugal e os restantes países europeus, é feito por uma única via rodoviária que passa por Irun, no País Basco, onde poderão surgir, no futuro, bloqueios de vária ordem e o país assim ficar isolado por via terrestre. É importante que se considere a importância económica e estratégica da nossa fronteira marítima. Muitas vezes pergunta-se, porque é que os armadores portugueses não arriscam mais no mercado internacional. Tecnicamente os nossos armadores e os nossos navios estão em condições de entrar no mercado internacional porque cumprem com todas as regras de combate à poluição do meio marinho, com as exigências impostas à gestão das águas de lastro, bem como às medidas conducentes à redução dos gases poluentes e com efeito de estufa. O problema é que os navios com bandeiras europeias não conseguem competir com navios de bandeira de países terceiros e os armadores portugueses não têm dimensão para ter navios mais bem posicionados que a concorrência. Por outro lado, está difícil adquirir navios mais modernos porque as empresas não estão suficientemente capitalizadas para os ad- · revistademarinha.com quirir com capitais próprios e os bancos não estão a emprestar dinheiro para este tipo de investimentos. Voltando à proposta apresentada pela Presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, no já referido dia 27 de Maio e da qual, embora só se conheçam os aspectos mais gerais, parece certo que, a ser aprovada, os apoios financeiros aos Estados Membros irão estar dependentes de evidências em investimentos estruturais, preocupações ambientais e na digitalização. No que se refere ao Parlamento Europeu, a proposta não terá grandes dificuldades em passar, mas no Conselho vai ser mais difícil, não devendo ser aprovada na reunião de Junho e provavelmente nem na de Julho e as verbas não estarão disponíveis antes do final deste ano. No entanto, convém desde já irem sendo preparados projectos de investimento credíveis, especialmente estruturais, para atingirem as exigências da Comissão. Já no que se refere à descarbonização, os navios estão a cumprir com o calendário da IMO, assim como os projectos de digitalização e de desmaterialização documental estão a ser implementados a bom ritmo e com sucesso: • A Janela Única Logística (JUL), que alarga o âmbito da actual Janela Única Portuária (JUP) para o transporte ferroviário, rodoviário e para a logística permitirá dar resposta ao objectivo de partilha de informação e integração do transporte marítimo com a intermodalidade; • A Janela Única Europeia que virá harmonizar e simplificar a vida dos navios, com o preenchimento uniforme de formulários iguais em todos os portos europeus; • O e-Manifest que virá reduzir a utilização do papel no sector. * Presidente da Associação de Armadores da Marinha de Comércio OBSERVAÇÃO: O autor não segue o A.O. 21 83.O Ano Dores de Crescimento de uma Bandeira Além-Mar por Carla Olival* tualmente a bandeira Portuguesa, através do registo convencional e do registo internacional (MAR), conta com mais de 600 navios registados. Estes dados representam um crescimento de mais de 20 milhões de tons em porte bruto (Deadweight Tons - DWT), tudo isto em apenas 6 anos. Este resultado extraordinário advém não só da qualidade dos serviços prestados por toda a administração envolvida no processo de promoção e manutenção destes navios, mas também pela ação atempada do Governo da República na criação de um enquadramento legal competitivo. Com este quadro favorável a bandeira Portuguesa posicionou-se entre as maiores e mais influentes do sector marítimo na Europa. Além da avultada tonelagem conta também com empresas de renome internacional como a MSC, a CMA-CGM, a Oldendorff Carriers e a Peter Döhle Schiffahrts, entre outras, muito disputadas por registos concorrentes. Porém, já diz o povo, sabiamente, que … não há bela sem senão: tal como noutros sectores ou organizações, também no registo de navios o crescimento trouxe desafios e dificuldades. Este é porventura o momento certo para transformar as exigências complexas que o crescimento encerra em oportunidades consistentes. Os obstáculos não nos devem limitar a capacidade de aprofundar a resposta às solicitações do mercado, mas inspirar-nos e, sobretudo, mobilizar todos os agentes de modo a ajudar Portugal a alcançar um patamar elevado no quadro mundial do sector. Essa é a única ambição razoável perante o caminho trilhado. Posicionar-se no lote de países líderes mundiais no sector é um fator crítico para instalar um cluster marítimo nacional, donde podem derivar muitos benefícios intersectoriais. Tendo em conta também os objetivos ambientais, como o Pacto Ecológico Europeu (European Green Deal), fundamental para a sustentabilidade do sector. Essa liderança, entre outras coisas, exige níveis elevados de tonelagem associados a armadores de qualidade sob uma bandeira. Na verdade, quanto mais tonelagem de qualidade estiver registada sob a bandeira, maior é o peso político do país a nível internacional no sector e mais facil- A 22 mente se constrói a base e os argumentos para uma verdadeira “economia do mar” em Portugal. Tonelagem significa “quota representativa” junto às entidades que definem toda a estratégia marítima mundial, que incluem a Organização Marítima Internacional (OMI) entre outras entidades e é neste contexto que se cria o entendimento e as parcerias internacionais para importantes objetivos nacionais. A marinha mercante é responsável por mais de 90% do transporte do comércio mundial. A sua índole internacional e escopo global faz deste um sector menos volátil às crises externas. A crise pandémica confirma essa realidade: o transporte marítimo de bens não foi interrompido, pelo contrário, devido a novas necessidades, observamos um aumento no fluxo de alguns bens. Portugal através da frota atualmente registada tem um papel relevante nesta realidade. Em síntese, atingir níveis consideráveis de tonelagem registada é o passaporte para aumentar a importância de Portugal no debate de assuntos como a extensão da plataforma continental, objetivos climáticos ou matérias variadas que fazem parte de convenções internacionais. Ainda, e igualmente importante, é uma forma do país estar envolvido na preparação de realidades que terão impacto direto em variados sectores dentro em breve. Refiro-me por exemplo, à tendência mundial para a regulamentação relacionada com o ambiente, sustentabilidade e governação (Environment, Sustainability and Governance - ESG) como critério de avaliação de todo o prestador de serviços por entidades financiadoras, seguros e impreterivelmente, por fim, pelos seus clientes. No âmbito do impacto interno, a tonelagem registada tem real capacidade de criar um verdadeiro cluster gerador de empresas, oportunidades de emprego, formação específica nas escolas técnicas e universidades e trabalho para prestadores de serviços como é o caso dos representantes locais, advogados, consultores, contabilistas, conservadores e oficiais dos registos comerciais, e tem potencial para crescer. A ligação entre alguns dos maiores armadores do mundo, especialmente das linhas de cruzeiro, e alguns portos Portugueses, combinado com a bandeira e as excelentes condições de investimento do país são um contributo incontornável para criar oportunidades e gerar riqueza. A consolidação e criação de escolas de formação especifica ou para treino, ou empresas de recrutamento especializadas, são revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Marinha de Comércio exemplos de geração de novos negócios e novos empregos. Hoje já são muitos os postos de trabalho criados a bordo de navios. A legislação facilita a entrada de Portugueses, mas ainda há muita carência. A preparação para estas profissões passa por escolas técnicas e universidades que formam e treinam; é óbvio que as carências não estão ultrapassadas, aumentando com o crescimento do Registo. Na realidade, os marítimos Europeus são escassos, apesar do grande interesse por parte dos armadores. Portanto, quanto mais o cluster marítimo português crescer, mais relevância económica é criada e mais emprego é gerado. Neste momento, existem sociedades de agenciamento de tripulação e de gestão de navios em Portugal ligadas à bandeira, mas outras tantas irão considerar mudar-se para Portugal, pela importância da ligação com uma bandeira de qualidade e em crescimento. Mas para manter o crescimento exponencial que marcou os últimos anos, Portugal terá de se posicionar como registo europeu de qualidade, com um serviço de excelência por parte de todos os intervenientes, preparado para o mercado internacional, técnica e legalmente, com um regime de hipotecas atrativo, reforçando as exigências climáticas e de segurança. O aumento de navios a arvorar a ban- Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 deira de qualquer país, significa, claro, um aumento de unidades a navegar pelo mundo e, por isso, um aumento da probabilidade de episódios negativos associados ao crime de pirataria em mar alto ou até a situações relacionadas com a crise mundial de migrantes, tendo em conta as circunstâncias em que estes aspetos ocorrem. A pirataria marítima é um fenómeno real e internacional que constitui uma ameaça para a segurança dos tripulantes a bordo de navios bem como para o transporte marítimo em geral. Os navios que arvoram a bandeira de Portugal não estão isentos desta realidade. Recentemente, e em menos de um mês, dois navios de bandeira Portuguesa, nomeadamente os navios MSC TALIA F e TOMMI RITSCHER viram 15 dos seus tripulantes serem raptados ao largo, no Golfo da Guiné. Acontecimentos destes podem também ocorrer em locais pouco habituais e que por esse motivo não constam como área identificada pela OMI como “área de alto risco de pirataria” (High Risk Areas-HRA), o que denota naturalmente alguma complexidade nestas situações e algum risco para todos os intervenientes. Ciente desta realidade, Portugal aprovou recentemente o Decreto Lei 159/2019, de 24 outubro, que regulamenta o exercício da atividade de segurança privada armada a bordo de navios que arvoram a bandeira Portuguesa e que atravessam áreas de alto · revistademarinha.com risco de pirataria. O legislador, ciente da realidade que envolve esta matéria, tenciona ir mais além e, à semelhança de outras jurisdições com tonelagem de relevância, está em vias de publicar uma regulamentação por via de portaria, conforme previsto no n.º 2 do artigo 2 do referido Decreto lei, que identifica não só as águas internacionais classificadas HRA sob a OMI, mas prevê a possibilidade de emissão de circulares pela administração marítima para acautelar novos casos, garantindo assim medidas adequadas e atempadas para a proteção dos tripulantes. Termino com a mesma ideia que comecei: um sector que cresce de forma rápida e robusta sujeita-se a confrontar-se com um conjunto de obstáculos e contrariedades que nem sempre domina, mas que exige de todos os agentes a capacidade de adaptação de modo a minimizar os efeitos negativos. Para continuarmos este percurso positivo é fundamental convocar todas as entidades, públicas e privadas, para gerar o consenso adequado de modo a reforçar a competitividade do sector e posicionar Portugal na lista dos países líderes do sector marítimo, afirmando-se como um player de pleno direito no quadro internacional. * Consultora legal da EUROMAR Presidente da WISTA Portugal Membro dos Orgãos Sociais da EISAP 23 83.O Ano A formação do Oficial Eletrotécnico por Mário Assunção* Escola Superior Náutica Infante D. Henrique (ENIDH) tem como missão formar diplomados para as carreiras de oficial de marinha mercante e outros quadros superiores para o setor marítimo-portuário. A ENIDH foi fundada em 1924, e em 1989 foi integrada no Ensino Superior Público Nacional. Os seus cursos são reconhecidos ao nível de licenciatura e mestrado (níveis 6 e 7 do Quadro Nacional de Qualificações) desde a implementação do Modelo de Bolonha em 2006. Desde essa altura, a formação do Oficial da marinha mercante passou a ficar ligada à obtenção de cursos superiores de licenciatura e mestrado. Os cursos da ENIDH são avaliados e obrigatoriamente acreditados pela A3ES (Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior), tal como acontece com os demais cursos de ensino superior em Portugal. Os cursos para Oficiais da marinha mercante da ENIDH são igualmente acreditados pela EMSA – Agência Europeia de Segurança Marítima. A carreira de Oficial eletrotécnico de marinha mercante foi recentemente criada pela IMO – Organização Marítima Internacional, e tal como as restantes carreiras de Oficial, exige a idade mínima de 18 anos para o exercício de funções a bordo dos navios [1]. Assim, faz sentido que o treino e a formação dos estudantes dos cursos marítimos seja feito após o ensino secundário, pelo que o ensino superior é o ambiente natural para adquirir as competências dos futuros Oficiais da marinha mercante. O rápido crescimento das tecnologias A 24 elétricas e eletrónicas nas últimas décadas e o seu uso na indústria marítima levou à necessidade de criar na Convenção STCW emendada em 2010 (STCW 2010) os requisitos de formação e certificação do pessoal eletrotécnico [1]. A Convenção STCW 2010 inclui as normas de formação para o Oficial Eletrotécnico (ETO – Electro-Technical Officer) na regra III/6 e seções A-III/6 e B-III/6 [2]. A necessidade de implementar as normas referidas nos planos de estudos dos cursos das instituições de ensino tem sido uma das maiores preocupações para o Treino e Formação Marítima (MET – Maritime Education and Training) [2-4]. Os mais recentes avanços tecnológicos têm vindo a ser aplicados nos navios mercantes modernos, de que são exemplo os navios de passageiros, ferries, navios petroleiros, químicos e de gás liquefeito (LNG), porta-contentores e grandes plataformas petrolíferas de alto mar, entre outros. Deve salientar-se que já existem navios de propulsão elétrica, navios equipados com sistemas de posicionamento dinâmico ou com máquina propulsora com controlo eletrónico de injeção de combustível. Estas tecnologias requerem sistemas complexos de controlo por computador e operam sistemas de energia até 20 MW e instalações de tensão de 11 kV. O ETO é o responsável pela reparação e manutenção das instalações elétricas e eletrónicas a bordo deste tipo de navios e plataformas. Com a entrada em vigor da Portaria n.º 253/2016, de 23 de setembro e a obrigatoriedade de cumprimento a partir de 1 de janeiro de 2017, pela Administração Marítima e Escolas de formação de marítimos, da Convenção STCW 2010, tornou-se revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Formação & Treino obrigatório cumprir os requisitos de certificação definidos na Regra III/6 – Certificado de Competência como Oficial Eletrotécnico. Deste modo, a ENIDH, criou e registou o curso na A3ES, a que se seguiu a correspondente publicação da estrutura curricular e do plano de estudos em Diário da República (Despacho n.º 9202/2016, de 19 de julho). Deste modo, a ENIDH iniciou no ano letivo 2016/2017 o curso da Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica Marítima (LEEM) para a formação de Oficiais eletrotécnicos (ETO). As competências mínimas para o ETO, definidas pelo código STCW na tabela A-III/6, foram organizadas em três funções na publicação do curso modelo para a formação do ETO [3, 4]: • Função 1: Engenharia elétrica, eletrónica e de controlo ao nível operacional (Electrical, electronic and control engineering at the operational level) • Função 2: Manutenção e reparação ao nível operacional (Maintenance and repair at the operational level) • Função 3: Controlo da operação do navio e segurança das pessoas a bordo ao nível operacional (Controlling the operation of the ship and care for persons on board at operational level) Apesar de estarem divididas em funções, as competências mínimas da Convenção STCW requerem o conhecimento, a com- Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 preensão e a capacidade nas áreas das engenharias mecânica e eletrotécnica, tecnologia da alta-tensão, eletrónica, engenharia de controlo, computação, processamento de dados e tecnologias de comunicação. O ETO deve ter um profundo conhecimento teórico, desenvolvimento de competências cognitivas, pensamento abstrato e capacidade na análise e predição de falhas. O Código STCW não obriga a que o Oficial eletrotécnico tenha de ter o grau académico de licenciado em engenharia; no entanto, a ENIDH segue a recomendação do curso modelo da IMO para a formação do ETO e criou um plano de estudos de licenciatura em engenharia eletrotécnica marítima (LEEM). A Direção Geral dos Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) homologou o plano de estudos e os conteúdos programáticos das Unidades Curriculares do curso LEEM, sendo assim · revistademarinha.com reconhecidas as competências do ETO aos diplomados LEEM. A LEEM confere também a formação relativa à emissão de diversos certificados de qualificação necessários para o exercício de funções a bordo dos navios. A carreira profissional do Oficial Eletrotécnico, após a conclusão dos estudos na ENIDH, obriga a que o diplomado realize um estágio profissional de 12 meses a bordo de navios mercantes, na qualidade de praticante de Oficial eletrotécnico. Após a realização do estágio, o praticante é submetido a um exame de competência da responsabilidade da DGRM, e caso tenha sucesso, ascende à categoria de Oficial eletrotécnico. * Professor da ENIDH BIBLIOGRAFIA [1] Seafarers’ Training, Certification and Watchkeeping (STCW) Code, 1978 emendado na Conferência de Manila em 2010. [2] Study Programmes for Electro-Technical Officers Development: Two-Level Based Approach, Mykhaylo V. Miyusov, Vadym M. Zakharchenko, The 13th Annual General Assembly of the IAMU, 2012. [3] Model Course 7.08 – Electro-Technical Officer, 2014 Edition. International Maritime Organization (IMO). [4] MET Standards for Electro-Technical Officers, J. Mindykowski, The International Journal on Marine Navigation and Safety of Sea Transportation, vol 8, nº 4, December 2014, DOI: 10.12716/1001.08.04.14. 25 83.O Ano Quantas Quarteladas ao Escovém? por Joaquim Bertão Saltão* retende este texto, com base em teorias dispersas em várias referências, aplicá-las a atos de marinharia que são familiares a quem anda no mar e demonstrar porque na prática se usam determinados procedimentos, ou como se deve proceder em certas situações, de modo a garantir a segurança do navio. Poderão alguns perguntar: mas para que serve este arrazoado de fórmulas e cálculos se em toda a minha vida de mar nunca os utilizei? Já muitos navios encalharam, contudo, com perdas de vida e de fazenda, por não acautelarem as debilidades dos materiais, as ameaças e as forças da natureza. A profissão do nauta é ciência e arte ao mesmo tempo, e ambas devem estar intrinsecamente associadas de modo a evitar riscos que envolvam a condução do navio. Por exemplo, quando se fundeia um navio a prática e a teoria, expressa em alguns compêndios, preconizam fundear com um comprimento de amarra igual a cinco a seis vezes a profundidade do fundeadouro, com bom tempo e com correntes não superiores a 5 nós e até existem tabelas e gráficos que indicam o filame que se deve largar para evitar tensões que ultrapassem a carga de segurança da amarra. Este artigo pretende dispensar as tabelas e os gráficos e com uma vulgar máquina de calcular … fazer as contas. Quantas quarteladas afinal? Eis a questão, que vamos analisar. Como é sabido a curva que melhor configura à amarra de um navio quando fundeado é a catenária, embora nalguns casos se pode associar, também, à parábola ou à elipse. Por definição, “catenária” é a curva gerada por um fio ou cabo, com um determinado peso por metro linear, suspenso entre dois pontos, e que devido à força de atração da gravidade forma uma curva com características bem definidas. A fig.1 representa uma curva em catenária, referida a um sistema de coordenadas cartesianas, em que o eixo dos yy passa pelo meio da curva, a meio da distância entre os dois pontos de suspensão (vértice) e o eixo dos xx, à distância c abaixo do vértice V. Demonstra-se que as equações que definem a curva em catenária suspensa entre dois pontos ao mesmo nível são: P 1) c=Th/p 2) Y=c.cosh x/c com y=c+d temos c+d=c.cosh a/2.c e com x=a/2 3) T=p.y=p(c+d) 26 Figura 1. 4) S=c.senh x/c, com s=l/2 e x=a/2, temos l/2=c.senh a/2.c 5) Y2=c2+s2 ou (c+d)2=c2+l2/4, com y=c+d e s=l/2 6) cos ϕ=Th/T As letras representadas nas equações supracitadas e nas figuras 1 e 2 tem o seguinte significado: l - Comprimento total do cabo suspenso de A a B, na fig.1. T - Tensão à distância x do meio do cabo, por onde passa o eixo dos yy, em N (Newton). S = l/2 - comprimento do cabo desde o meio, por onde passa o eixo dos yy até ao ponto B onde a tensão T é máxima. p - Peso do cabo por metro linear em N (Newton) ao longo do comprimento s. a - é o vão em metros entre A e B. Não é significativo para o caso da amarra. d - flecha em metros, que no caso do navio fundeado corresponde à altura desde o escovém até ao leito do fundeadouro. Th - tensão horizontal no meio do cabo, relativa ao comprimento de v (vértice) até B em N (Newton). È igual à reacção H no vértice. ϕ - ângulo entre Th e T, que relaciona estes valores através da fórmula 6). Figura 2. As tensões em causa, são expressas em N (Newton), porque o Sistema Internacional de Unidades (S. I.),M.K.S., entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1984 como o sistema de unidades de medida em todo o território nacional, embora com um prazo transitório de 10 anos estabelecendo regimes progressivos de adaptação com o Sistrema Métrico Gravitatório (M.Kp.S). Ainda está presente, para muitos, na escala de valores o Kg (força ou peso) do Sistema Métrico –Gravitatório (M.Kp.S.). Para desfazer algumas dúvidas, que possam existir sobre este tema, “peso” é a força com que uma massa é atraída pela força gravitacional da Terra. No sitema M.Kp.S. a massa era em u.m.m.(unidades métricas de massa) e a força em Kg (peso) , no S.I. a massa em Kg (massa) e a força em N (Newton) , basta recorrer à relação fundamental da dinâmica f=m*g, 2ª lei do movimento de Newton, em que g é a aceleração da gravidade, adopta-se comumente 9,81 m/s-2 (no Observatório da Ajuda em Lisboa g = 9,8003 m/s-2) e m massa em Kg . A massa é igual em todas as regiões, o peso muda com o local, isto é, com a aceleração da gravidade que varia com a distância ao centro da Terra (latitude e altitude), com a sua rotação e massa especifica (densidade absoluta). Num sistema coerente de unidades físicas o importante é que as suas unidades fundamentais e derivadas, sejam empregues agrupadas em conjuntos que se possam comparar com outros sistemas da mesma espécie. Pelo exposto podemos aplicar, por analogia, a mesma teoria da catenária à amarra de um navio fundeado, desde que alguma amarra esteja assente no leito do fundeadouro. Caso tal não aconteça as curvas que melhor se adaptarão serão as da parábola ou da elipse. A teoria da catenária também se pode aplicar ao cabo de reboque, quando se pretende controlar a flecha para evitar que o cabo se enrasque em objetos que estejam no leito do mar ou rio, mas neste caso as equações acima indicadas só tem aplicação se os pontos de amarração do reboque e do rebocado estiverem no mesmo nivel e o comprimento da catenária terá que ser considerada na sua totalidade. No caso em que os pontos de amarração estiverem a niveis diferentes, quase sempre, terão de se empregar outras equações. Para efeito do que aqui vamos expor revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Formação & Treino considera-se que o navio e a amarra estão contidos no mesmo plano vertical e que o sistema é estático e isento de qualquer efeito dinâmico incluindo o efeito da força de corrente. Vamos, também, omitir o efeito de elasticidade da amarra e considerar que esta tem um peso constante por metro linear, para simplificar os cálculos. Os exemplos aqui apresentados serão exaustivamente explicados de modo a não constituirem dificuldade para aqueles que há muito tempo não lidam com esta matéria e tem de se ter em conta que são teóricos, não foram experimentados e, por conseguinte, aproximados. A teoria subsequente é a consagrada em várias referências e sempre que possivel indicaremos os nomes dos seus autores isto é a griffe, para que não se confunda com as “contrafações” ... e ao mesmo tempo homenagear aqueles que retiraram muitas horas ao seu tempo de ócio para iluminar os que preferiram divertir-se. Considerando um navio fundeado, as forças que actuam no sistema são: a força friccional gerada pela corrente na superfície do casco molhada (considerando o seu estado de sujidade), apêndices (robaletes, hélices, leme e colectores de água), pressão exercida pelo vento na àrea vélica e o impacto gerado pelas vagas produzidas pelo vento nas superfícies expostas. As consequentes reações que se opõem aquelas forças são o peso do ferro e a sua capacidade de resistência, devido à sua configuração, e o peso da amarra por metro linear. Para tornar os exemplos aqui apresentados tanto quanto possível reais, no âmbito da teoria, os dados e características do navio em análise são os correspondentes ao ex – CABO BOJADOR ou ao seu navio irmão o CABO VERDE, ambos que foram da C.N.N. e o último também da Armada, com o nome de NRP SÃO MIGUEL. 1.º exemplo: Um dos navios supramencionados fundeia num local com uma altura de água de 15 m. A distância do escovém ao nivel da àgua, na vertical, é 7,7 m, logo o parâmetro d = 7,7+15 = 22,7 m. Para o efeito, como os manuais e a experiência aconselham, largou 82.5 m de amarra, 5 a 6 vezes o fundo (3 quarteladas). A amarra pesa p = 532,5 N por metro linear (valores reais), em seco, a que corresponde uma massa de 54,28 Kg. A massa específica da amarra é de ρ = 7,870 Kg m-3, a massa especifica da água do mar, neste caso, é de 1.026 kg m-3 deduzindo de 54,28 kg a impulsão exercida na amarra obtive o valor de 47,21 kg massa por metro linear de amarra mergulhada. Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 S2 = (138,57+32,74)2 -138,572 = 10131,8 s =100,66 m = 3,66 quarteladas. É a amarra necessária para fundear no novo fundeadouro. No 1ª exemplo o rácio entre comprimento de amarra e fundo é 82.5/15= 5,5 No 2º exemplo o rácio entre o comprimento de amarra e o fundo é 100,66/25=4,03. A amarra mergulhada é de 67.5 m x 47.21 kg (massa) =3.186,68 kg (massa). A amarra fora de água é de 15,0 m x 54,28 kg (massa) =814,20 kg (massa) Total da massa da amarra =4.000,88 kg (massa) Média da massa da amarra por metro linear 4.000,88: 82.5 m =48,5 kg (massa). Média do peso(p) por metro linear da amarra 48,5* 9,81=475,79 N. Pela equação 5) y2=c2+s2 e substituindo y=c+d temos: (c+d)2=c2+s2 desenvolvendo achamos o valor de c = (82.52 –22.72) /2x22.7=138,57 m. Pela equação 1) temos: Th=p*c=475,79*138,57=65.929,5 N. Nestas condições a amarra suporta uma força horizontal, no escovém, de 65.929,5 N. 2º. exemplo: Suponhamos agora que o navio em análise, por qualquer razão, foi compelido a fundear em 25 m de água, num local próximo do primeiro. O parâmetro d passa agora a ser d = 25 + 7,7 = 32,7 m. Partindo da premissa que o navio no 1ª. exemplo aguentou bem naquele fundeadouro e as condições envolventes se mantêm no novo fundeadouro, quantos metros de amarra serão necessários para aguentar o navio na nova posição? Pela equação 1) verificamos que o valor de c não se altera, por não se alterarem o valor de Th, por definição, e o peso da amarra (p). Pela equação 5) (c+d)2=c2+s2 substituindo os valores de c e d e resolvendo em ordem a s temos: · revistademarinha.com Confirma o que já é sabido, que em fundos maiores não é necessário largar amarra na mesma proporção que se larga em fundos menores. Antes de partirmos para o 3º exemplo quero deixar aqui expresso que as equações a seguir referidas são as utilizadas para o cálculo das tensões que vamos analizar pelos vários autores internacionalmente consagrados nesta matéria e consoante os métodos utilizados chega-se à conclusão que os resultados raramente condizem. Para o cálculo de uma determinada grandeza chega a haver mais de seis maneiras de a calcular e todas elas dão valores diferentes. As equações para resolver os problemas relacionados com a hidrodinâmica de um navio resultam de ensaios em tanques de experiências com modelos em escala reduzida e embora se realizem também ensaios em mar aberto com navios em escala real, estes, como são muito dispendiosos, são mais raros. Há muitos fenómenos hidrodinâmicos que ainda não estão bem estudados, embora desde 1970, com o advento dos modernos computadores se tenha avançado muito na sua análise. 3.º Exemplo: Neste exemplo vamos tentar criar uma série de tensões na amarra muito próximo da realidade. O navio considerado no 2º. exemplo irá suportar, por alterações climatéricas, uma corrente de maré de 5 nós (2,572 m/s), é esperado vento de força 7 (30 nós=15,43 m/s) e o navio foi docado há 3 meses. Nesta simulação, o navio em apreço tem um comprimento entre perpendiculares de 94,5 m uma boca de 15,6 m, um dav=3,06 m, dar=5,16 m, calado médio corrigido para esta condição 4,01 m a que corresponde um volume de querena de V=4.208,39 m3, obtido das curvas de querenas direitas do CABO BOJADOR. Consideremos que a massa específica (densidade absoluta) da água do mar, é de 1,026 kg m-3, para o efeito comecemos por calcular: Superfície Molhada Pode ser calculada (estimada) pelas fórmulas de Denny-Munford, Kirk, Froude, Taylor, Gertler e Keller mas vamos utilizar uma preconizada por Schneekluth e Bertram em 1998 (a mais recente que conheço) 27 83.O Ano que é semelhante à de Keller (1973), a única diferença está que Keller entra somente com Lpp em vez de Lwl. Sm = (3,4*V1/3 +0,5 x Lwl)* V1/3 com Lwl =1,01 x Lpp Sm = (3,4*4208,41/3+0,5*1,01*94,5)*4.20 8,41/3 = 1.656,7 m2. Pelo método de Denny obteriamos Sm = 1.693,7 m2, pelo método de Kirk obteríamos Sm = 1.807,4 m2 e pelo de Keller Sm =1.649 m2. Tensão devido à resistência friccional da corrente ao passar pela querena. São conhecidas várias formulas para determinar este valor, preconizadas por William Froude (o pioneiro destes estudos, em 1874), Blassius, Schoenherr, Hughes-Prohaska, I.T.T.C. (acrónimo de Internacional Towing Tank Conference), métodos 1957 e 1978 e ainda o método Geosim deTelfer. Vamos utilizar o método I.T.T.C. em que a resistência friccional é obtida através da equação Rf = 0,075/(log10Rn-2)2 * ½*ρ*S*Uc2 em que: Rn = (Uc*L) /ν Rn - número de Reynolds (Osborne Reynolds). ρ - massa específica da àgua do mar em kg m-3. S - superfície molhada em m2. Uc - velocidade da corrente em m s-1. L- Comprimento na linha de água, em metros, se o navio tivesse bolbo media-se desde a ponta do bolbo até à perpendicular a ré na linha de àgua. V - Viscosidade cinemática m2 s-1. Para a àgua salgada a 15°C e 3,5 % de salinidade é 1,1883*10-6 m2 s-1. Substituindo os valores dados nas equações supracitadas obtemos: Rn = 2.572*94,5/1,1883*10-6 = 2.045*108 Rf = 1,8832*10-3 * ½ * 1026 * 1649 * 2,882 = 13.214 N. A velocidade da corrente não foi corrigida para o efeito de Coriolis, porque se parte do princípio de que o navio estava junto à costa, onde tal correcção não tem expressão. Esta correcção para uma latitude de, por exemplo, 400, numa zona afastada de um abrigo e segundo Eckman (1952), Vc = 0,015*Vv/ (sen 400)2, pode ascender a 0,56 nós o que daria um acréscimo significativo da resistência friccional da ordem dos 2.492 N. Utilizamos uma correcção para a velocidade da corrente induzida pelo vento local Uw = 0,02*U10 em que U10 é a velocidade do vento 10 m acima do nivel do mar. Logo Uc = Uw+2,572 = 0,308 + 2,572 = 2,88 m s-1. Força hidrodinâmica induzida pela corrente 28 do nivel do mar, obtive para Rv=46.647 N, muito próxima da anterior. Sujidade do casco A sujidade do casco foi calculada na base de 0,01/4(consagrado por várias Marinhas) vezes o número de dias após a docagem, que para o nosso caso, 3 meses (90 dias) após a docagem, é igual a 0,01/4 x 90 = 0,225 da Rf (13.275N x 0,225 = 2.986,87 N). Pd = Cd *a *w *v2/2 *g = 0,85 x 64,3 x 1.026 x 2.5722/2 *9,81 = 185.477 N. Não consideramos para facilitar e não alongar esta abordagem a força elevatória produzida pela corrente devido à diferença de calado Av e Ar. Pressão exercida na área vélica Para a determinação da tensão gerada na superficie vélica, devido à intensidade do vento, podiamos utilizar as tabelas que dão para força 7 (escala Beaufort), uma média de 30 nós de velocidade do vento e 114 N/m2 de pressão exercida perpendicularmente sobre uma superficie e multiplicar pela área vélica, mas optei por utilizar uma fórmula que resultou de estudos em túnel de vento no Japão. Há outras também consagradas, que usam a lei fundamental da dinâmica. Assim para o navio em análise encontramos uma área vélica, aproximada, transversal, de 312 m2 e para a área lateral 1.425 m2. Vamos admitir que o vento sopra com uma incidência de 10º a partir da proa. Usando a fórmula Rv = 1/2*f*Cr*V2 *(A cos2 θ+B sen2 θ) em que: Rv em N (Newton), f peso especifico do ar ao nível do mar 1,2257 Kg/m3, Cr coeficiente dado pela formula Cr = 1.325-0,05 cos 2 θ-0,35 cos 4 θ-0.175 cos 6 θ, em que: V, velocidade do vento em m s-1, θ angulo de incidência do vento,em graus, A área transversal em m2, B área lateral em m2 . Logo temos: Com Cr = 0,9224, Rv = ½ x 1,23 x 0,9224 x 15,432 x (312 cos2 10º+1.425 sen2 10º) = 46671 N. Multiplicando a área transversal projectada de 312 m2 pela pressão do vento dada nas tabelas obteriamos: 312*114=35.568 N valores muito diferentes. Para verificar se o valor obtido era coerente com outra formula que corrige a velocidade do vento acima dos 10 m a partir Apêndices Para os apêndices calculei 8% da resistência friccional (13,275 x 0,08 = 1,062 N), muitas vezes considera-se este valor compreendido entre 10% e 12% da resistência friccional, embora P. Mandel em estudos levados a efeito nos U.S.A. tenha preconizado, para navios de uma só hélice, caso do navio em análise, valores entre 2% e 5% da resistência friccional. Tensão devida à interação entre as ondas e o navio. Os esforços devido à interacção entre as ondas e um navio são de complexa quantificação. Um navio, um objecto flutuante, é uma estrutura hidrodinâmica compacta sujeita, por efeito da ondulação ou vaga, a constantes movimentos de rotação e translação em torno dos seus eixos longitudinal, transversal e vertical gerando pelo menos seis movimentos distintos, por sua vez sujeitos a várias combinações. Por outro lado, as caracteristicas da ondulação e da vaga dependem da velocidade do vento, da persistência do fenómeno, do fetch, morfologia e profundidade do local, e da corrente. As ondas e vagas ao atingirem o navio provocam fenómenos complexos de difracção, reflecção e de vórtice, cuja avaliação é muito complicada. As vagas ao rolar e quando colidem com o navio provocam almofadas de ar que amortecem as vagas seguintes. A elasticidade da amarra atenua os choques produzidos pelas vagas. As guinadas produzem momentos na amarra. Perante esta panóplia de complicações, que tornam as avaliações analiticamente complexas, há vários autores que estudaram estes fenómenos, contudo apesar dos computadores serem cada vez mais rápidos e potentes, ainda há muitos fenómenos hidrodinâmicos que não estão devidamente quantificados. Os testes de avaliação feitos normalmente em tanques com modelos de navios em escala reduzida, são os mais frequentes. Os feitos com navios em escala real são mais raros porque muito dispendiosos, e porque teria de se aguardar que os fenómenos a estudar ocorressem. Este não é o local para dissertarmos sobre esta matéria por ser de difícil abordagem. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Formação & Treino Vamos considerar a tensão, estimada, exercida na amarra para uma situação em que o vento é de força 7 (escala Beaufort), sopra durante 4,5 horas, num fetch de 20 mi e que são observadas vagas com uma altura significativa H1/3= 2,62 m, um período de 4,3 s e um comprimento de onda de 30 m. A força exercida longitudinalmente (translação) sobre o navio (arrastamento e inércia) de um modo muito linear seria qualquer coisa como 99.713 N. Usamos para este cálculo uma fórmula resultante da teoria de difracção de MacCamy-Fuchs. Não foram consideradas as outras tensões e momentos gerados pelos movimentos de translação e rotação nos eixos transversal e vertical. Já temos bastantes tensões, que são suficientes para a análise que me permito fazer. Em presença das tensões calculadas, supramencionadas, temos: • Resistência friccional: 13.214 N • Força hidrodinâmica: 185.477 N • Força do vento: 46.647 N • Sujidade do casco: 2.986,8 N • Apêndices: 1.062 N • Impacto das ondas: 99.713 N Total das tensões envolvidas: 349.089,8 N = 35.621,41 Kg(força) A tensão no escovém é igual à soma de todas as tensões verificadas. Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 Logo, a amarra necessária para aguentar aquela tensão seria: Pela equação 1) c = Th/p temos c = 349.089,87/475,79= 733,7 m. Pela equação y = c + d temos y = 733,70 + 32,7 = 766,40 m. Pela equação 5) y2= c2+s2 temos s2 = 766,402-733,72 = 49.062,11 e s = 221,49 m. Logo 221,49/27,5 = 8,05 quarteladas, as necessárias, teoricamente, para aguentar o navio naquelas condições de tempo. O navio em análise tinha 8 quarteladas na amarra de EB e 7 quarteladas na amarra de BB e a carga de rotura era de 1.200,74KN = 122.400 Kg (força) e a carga de prova 857,39 KN =87.400 Kg (força). Está consagrado que a carga de segurança não deve exceder ½ da carga de prova e em condições mais severas, menos. Logo para carga de segurança teria de ser adoptado 874,00/2 = 43,700 Kg (força). Também se pode adoptar uma carga de segurança de 1/3 ou ¼ da carga de rotura o que daria, 1.200,74 KN/4 = 300,18 Kn = 30.600 Kg(força). Pela análise efectuada conclui-se que com as condições acima consideradas de vento e corrente a amarra estaria sujeita a uma tensão superior à considerada de segurança. Com estes cálculos determinamos com antecipação o que poderia acontecer em presença de tais condições atmosféricas e assim tomar medidas, antecipando-nos a um mal maior. · revistademarinha.com Ainda com base na teoria da catenária (aproveitando a oportunidade), podemos calcular qual o máximo comprimento de amarra que podemos largar sem ultrapassar a carga de segurança. Admitindo para carga de segurança o valor de 43.700 Kg(p), logo pela formula c=Th/p obtemos c=805 m .Admitindo um fundeadouro com 25 m e a distância do escovem ao lume de água igual a 7,7 m tínhamos d = 32,7 m, como a tensão é máxima para y (máximo) logo calculei Y = c+d = 805 + 32.7 = 832,7 m. Pela fórmula y2 = c2+s2, substituindo os valores de y e c, determinados anteriormente, temos s = 221,49 m, ou 8,05 quarteladas, correspondentes ao máximo que se podia largar sem ultrapassar a carga de segurança. * Capitão da M.M. [email protected] OBSERVAÇÕES: 1. Neste trabalho empregamos a designação de “tensão”, por ser a terminologia generalizada, embora incorreta. Tensão é uma força por unidade de superficie e o que designamos por “tensão” é um esforço normal de tracção. 2. “Quartelada” é o comprimento padrão em que se divide a amarra de um navio. Em Portugal tem um valor de 15 braças, ou 27,43 m, na Royal Navy cada quartelada mede 12,5 braças e na UK Merchant Navy é de 15 braças, e é designada por shackle (manilha). NOTA: O autor não segue o novo A.O. 29 83.O Ano Portugal pode ser um país de Shipping por Abílio Martins Ferreira* ortugal é um país de mar, no entanto uma das suas maiores lacunas é não possuir meios navais, navios científicos, de transporte marítimo e de via fluvial, em quantidade e qualidade, com capacidade de assegurar o patrulhamento, o socorro, a investigação e o transporte de bens e pessoas no seu vasto território marítimo. Esta lacuna torna-se ainda mais acentuada no transporte marítimo e de via fluvial de bens e pessoas, por norma designados internacionalmente por shipping. E, se é verdade que num passado recente podíamos afirmar que Portugal com a sua frota de navios, e a dimensão de algumas empresas, assegurava uma atividade de shipping com relevância para a economia portuguesa e europeia, presentemente tal não é uma realidade. Nas décadas de 70 e 80 do século passado muitas destas empresas faliram e as poucas resilientes tornaram-se de dimensão reduzida face às existentes no mercado internacional. Não sendo viável recuperar a situação em que nos encontrávamos no shipping, é essencial reposicionarmo-nos gradualmente, face à importância estratégica e económica que esta atividade representa. A afirmação de Portugal no shipping, no curto e médio prazo, terá de ocorrer pela criação de condições que permitam promover a instalação da sede de empresas internacionais de shipping em território nacional, podendo assim impulsionar o crescimento das atividades complementares associadas. Torna-se assim essencial ter uma política pública do mar dotada de meios e de medidas para promover o crescimento e desenvolvimento da “economia do mar”, P 30 particularmente do shipping, setor âncora da atividade económica marítima e da maior transversalidade e dimensão económica. Na verdade, esta atividade económica é o garante da generalidade das trocas comerciais, transportando cerca de 80 % da tonelagem do comércio internacional, sendo ainda uma parte significativa das receitas do turismo resultante direta e indiretamente do cruzeirismo, e ser não menos importante o transporte de passageiros entre margens. É por estas e por outras razões que muitos afirmam que o shipping é uma das principais alavancas da economia global. Esta ampla transversalidade e complementaridade que o shipping representa, provoca uma produtiva e dinâmica cadeia de valor, a qual se traduz em vastas mais-valias económicas e financeiras, pois o facto de esta atividade económica assegurar diversos serviços diretamente – cruzeirismo, segurança marítima, operações portuárias, transporte de carga, transporte de passageiros - e precisar de outros, indiretamente – reparação e construção naval, reparação e manutenção de serviços gerais, hotelaria, agendamento turístico, marítimo-turística, metalomecânica, seguros e financiamento etc., cria uma complexidade que não deve ser ignorada para a tomada de decisão de todos os que têm como dever ajudar a consolidar no país medidas de política pública que assegurem inovação, crescimento e desenvolvimento económico e bem-estar. Estudos recentes, como por exemplo o da Oxford Economics, informam que o shipping europeu gera cerca de 685.000 postos de trabalho e contribui com 54 milhares de milhões de euros para o PIB da União Europeia, e se os efeitos indiretos e induzidos forem considerados estes números aumentam para 2,1 milhões e 140 milhares de milhões de euros respetivamente. Em Portugal, segundo a consultora Menon Economics, o shipping ocupa a 67ª posição mundial, sendo uma atividade económica pouco relevante, gerando apenas cerca de 1.500 postos de trabalho e contribuindo com pouco mais 70 milhões de euros para o PIB. No entanto, manifesta ser uma atividade com grande resiliência, regeneração e de crescimento rápido; o registo de bandeira na Madeira nos últimos anos é um bom exemplo disso. Assim, a adoção de medidas de política pública que melhorem as condições da regulação marítima, fiscal, de governança, e a consolidação de um Centro Internacional de Shipping e de arbitragem, podem permitir que de forma assertiva e estruturada Portugal, no médio prazo, venha a sedear no seu território cerca de 5% das empresas de shipping internacionais baseadas na Europa, podendo vir a criar entre nós segundo estudos recentes, cerca de 100.000 postos de trabalho e 7 milhares de milhões de euros no PIB. Esta atividade económica, pela sua relevância e interesse estratégico, devia obrigar-nos a atuar com urgência, concertando e congregando esforços, dinâmicas e ações para determinar um rumo diferente, em particular, melhorar as nossas condições de oferta e reduzir as nossas desvantagens competitivas relativamente a outros países marítimos europeus. * Gestor de Estratégia, Inovação e de Políticas Públicas revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Marinha de Comércio “Mystic Cruises”: do Porto para o Mundo por Luís Miguel Correia* essoa abre o poema “O Infante”, escrevendo que … Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. Esse Príncipe-Infante foi um portuense distinto, cujos sonhos e ação levaram à descoberta e conhecimento do grande Mar Oceano e à invenção da globalização. Felizmente, Deus continua a querer, e outro distinto portuense sonha, e desses sonhos têm nascido obras notáveis e inéditas em Portugal. Falo de Mário Ferreira, o Armador que, em 1993, comprou um pequeno cacilheiro e com ele inventou os cruzeiros no Douro, que, depois, com muito trabalho e saber, fizeram a Douro Azul a partir de 1996, hoje uma das maiores empresas mundiais de cruzeiros fluviais. O rio Douro faz-se ao mar na Foz e a experiência e sucesso de 25 anos da Douro Azul alargam-se aos cruzeiros oceânicos de expedição, com Mário Ferreira ao leme. A nova empresa chama-se “Mystic Cruises” e ganha formas e dimensão com uma frota de sete navios de passageiros de luxo portugueses, a nascer em Viana do Castelo. São unidades de 10.000 GT, 126 m e 200 passageiros, projetadas para navegarem nas zonas mais remotas e exi- P Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 gentes do globo, do Ártico ao Amazonas ou à Antártida, e vocacionadas para viagens de descoberta geográfica e cultural, de conceção técnica ecológica, adaptadas aos ambientes mais frágeis, fora dos circuitos dos grandes grupos de cruzeiros · revistademarinha.com de massas, uma alternativa apreciada por clientelas exclusivas. Tendo introduzido o WORLD EXPLORER em agosto de 2019, a “Mystic Cruises” tem em diversas fases de construção, em Viana do Castelo, mais seis gémeos: o 31 83.O Ano WORLD VOYAGER está atracado ao cais de aprestamento, e a bordo trabalha-se afanosamente para que, apesar dos vírus e incertezas do momento, que tanto têm afetado o turismo e os cruzeiros, possa entrar ao serviço neste ano de 2020. Na doca de construção do estaleiro WestSea, cresce o terceiro navio da série, o WORLD NAVIGATOR, que vai ganhando formas, componente a componente, de modo a ser inaugurado em 2021. Entretanto, vêm-se já no estaleiro blocos de aço, destinados a mais quatro navios da classe WORLD EXPLORER e que concretizam o assentamento formal das respetivas quilhas: o WORLD TRAVELLER e o WORLD SEEKER, para serem entregues em 2022; o WORLD ADVENTURER e o WORLD DISCOVERER, com os primeiros cruzeiros previstos para 2023. O WORLD EXPLORER embarcou os primeiros passageiros no dia 5 de agosto 32 de 2019, no porto de Reykjavik. Passageiros alemães, a inaugurarem uma série de cruzeiros pelo Ártico, promovidos pela “Nicko Cruises”, filial alemã do “Grupo Mystic”. Seguiu-se, em outubro, a travessia de Lisboa à Patagónia (Ushuaia), com passageiros alemães, e um fretamento ao operador norte-americano “Quark Expeditions”, que estreou o WORLD EXPLORER na Antártida, com uma série de viagens polares, de novembro de 2019 a março de 2020. Entretanto, a pandemia da COVID 19 refletiu-se na operação do WORLD EXPLORER para 2020 (a totalidade da frota mundial de navios de cruzeiros está parada), e, depois de concluir o fretamento para a “Quark”, saiu de Ushuaia a 18 de março, sem passageiros, numa travessia posicional direta para Viana do Castelo, onde se encontra desde 7 de abril. No estaleiro construtor aproveitou-se esta paragem forçada pelas circunstâncias para pequenas reparações, ajustamentos e melhorias, habituais num navio protótipo após as primeiras viagens, aguardando agora o WORLD EXPLORER que o mercado de cruzeiros retome a sua dinâmica na Europa. A ocupação está vendida para 2021, com fretamentos ao operador francês “Rivages du Monde” e à “Quark Expeditions”. Antes de lançar a “Mystic Cruises” a partir de Portugal, como empresa de cruzeiros internacionais de longo curso, Mário Ferreira estudou e ponderou as diversas questões durante anos, evoluindo a partir de uma ideia inicial de cruzeiros na Amazónia, para uma operação à escala global num nicho de mercado em expansão e de dimensão compatível com a sua capacidade de investimento, criando um projeto sólido, bem financiado e apoiado comercialmente. Quem sabe, sabe. A “Quark Expeditions” e a “Nicko Cruises” surgiram como parceiros para o lançamento do primeiro navio e entretanto, em 2019 foi constituída nos Estados Unidos mais uma empresa da constelação “Mystic”, a “Atlas Ocean Voyages”, com escritório em Fort Lauderdale, na Florida, que vai operar e comercializar diretamente cinco navios da classe WORLD, focados no mercado dos EUA, de longe o mais importante e lucrativo em termos mundiais. Apesar do momento difícil, os cruzeiros internacionais representam uma percentagem baixíssima do sector do turismo, com um potencial muito grande de crescimento, particularmente em nichos como este. Num mundo globalizado em que Portugal tem tido por tradição pouca capacidade de iniciativa e falta de dimensão, a “Mystic Cruises” impõe-se, com todas as possibilidades de êxito. Em paralelo com a perspetiva internacional, a “Mystic Cruises” gera importantes sinergias em Portugal. Tem havido sempre a preocupação de incorporar tanto quanto possível o fator Marinha de Comércio "feito em Portugal", não só recorrendo aos estaleiros de Viana, que com esta oportunidade se afirmam num mercado de construção naval exigente e de elevada tecnologia, como optando sempre que possível, por fornecimentos de bens e serviços de origem portuguesa, apesar de, por vezes, haver opções estrangeiras mais baratas. Em termos humanos, a “Mystic Cruises” está a constituir uma estrutura de quadros e tripulações de excelência, reunindo os melhores Oficiais e tripulantes portugueses, alguns anteriormente a comandarem navios estrangeiros, e dando oportunidades de trabalho às novas gerações em formação na Escola Náutica Infante D. Henrique, num quadro positivo que há muito não se verificava em Portugal. Numa outra perspetiva, igualmente importante, de referir que o WORLD EXPLORER é bonito. Denota gosto apurado numa quantidade de pormenores que no seu conjunto fazem a diferença face a navios de passageiros concorrentes. Tem linhas sóbrias, clássicas, modernas e equilibradas que se fundem na opção pelas tecnologias de ponta e na qualidade dos equipamentos selecionados, tudo concorrendo para proporcionar aos navios polares da classe WORLD EXPLORER uma personalidade forte a suportar uma nova marca pensada e lançada a partir de Portugal. Que o futuro sorria sempre à “Mystic Cruises”; Portugal precisa de Mar e de navios! Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 CARACTERÍSTICAS DO N/M WORLD EXPLORER: Navio de passageiros de cruzeiros polares Projeto: arquiteto naval Giuseppe Tringali. Construção: estaleiro WestSea, Viana do Castelo (n.º 010) · revistademarinha.com Assentamento da quilha: 13-10-2017 Batismo: 6-04-2019 no estaleiro de Viana Madrinha: Carla Bruni Sarkozy. Entrada ao serviço: 1-08-2019 Armador: Mystic Cruises S.A., Porto Bandeira: Portuguesa (Registo Internacional da Madeira) N.º IMO: 9835719 Arqueação bruta / líquida: 9.923 GT / 2.978 NT Porte bruto: 1.150 tons Deslocamento leve / máximo: 5.525 / 6.675 T Comprimento f.f.: 126,00 m Comprimento p.p.: 113,15 m Boca na ossada: 19,00 m (25,00 m máx.) Pontal na ossada: 7,00 m Calado: 4,75 m Propulsão híbrida diesel-elétrica Rolls Royce, com 2 motores principais diesel Bergen C2533L8P e 1 gerador auxiliar Bergen C2533L6P ligados a 1 motor elétrico de baixa voltagem FIFE «Savecube», com a potência instalada de 7.330 kw, 2 hélices de passo variável. Velocidade máxima: 16 nós. Passageiros / Tripulantes: 200 / 111 Custo: cerca de 70 M€ * Historiador Naval e Fotógrafo Diretor da EIN-Náutica [email protected] http://lmcshipsandthesea.blogspot.com 33 83.O Ano A Pandemia Covid 19 Mais um Obstáculo a Ultrapassar pela Indústria de Construção & Reparação Naval por Victor Gonçalves de Brito* elo quinto ano consecutivo, a Revista de Marinha dedica espaço alargado à divulgação de contributos de autores convidados, da área da indústria naval e actividades correlacionadas. No 2º semestre de 2019, no mercado das principais actividades marítimas existia a previsão de ligeira quebra económica ao longo de 2020, com expectativas de restrições à actividade em matéria de sobrepesca, dos efeitos das alterações climáticas e da poluição. Em algumas actividades - turismo costeiro e em águas interiores e cruzeiros oceânicos – esperava-se a continuação do aumento da procura. No arranque do 2º trimestre de 2020, a emergência sanitária paralisou grande parte da operação marítima, embora com maior incidência nos cruzeiros marítimos e nos navios tanque. Os confinamentos e as quarentenas generalizaram-se, bloqueando grande parte do comércio e bastantes indústrias. Ao contrário das crises econó- P 34 micas clássicas que perturbam a actividade marítima com alguns meses de retardo, no caso vertente a crise no sector marítimo aconteceu em simultâneo com a travagem económica, com reflexos na reparação de navios, sobretudo nos cancelamentos de docagens. Nas construções, o efeito nos cancelamentos de encomendas não foi tão rápido, mas decerto aí também existirão sequelas gravosas. As encomendas para o turismo náutico, oceânico ou local, acabarão por ser afectadas se as restrições em “distanciamento social” persistirem para além da preparação da próxima época turística, designadamente no hemisfério norte. Os artigos relativos à indústria naval incluídos na presente edição são extremamente interessantes, bastante diferentes entre si, demonstrando a versatilidade das iniciativas e das actividades. José Ventura de Sousa, secretário-geral da Associação das Indústrias Navais (AIN) aborda os desafios que a indústria naval e a de fabrico de equipamentos marítimos enfrentam nos tempos mais próximos, incluindo os efeitos da doença COVID 19. Interpreta um inquérito aos associados da AIN e da Associação Europeia congénere, efectuado em fins de Março, ainda em fase incipiente da pandemia. Em complemento, aborda a questão da necessidade do reforço da reindustrialização da Europa, no âmbito da Economia do Mar, no sentido de contrariar a tendência crescente de se aceitar que a Ásia é a “fábrica mundial”. Alerta, também, para que nos investimentos públicos nacionais na área dos navios, não se criem obstáculos contratuais à participação do sector nos correspondentes concursos. Existem expectativas relativamente a concursos suspensos – embarcações para a Transtejo e navios para a cabotagem nos Açores. O artigo da Lisnave, além de sintetizar as capacidades do estaleiro na Mitrena, Construção & Reparação Naval onde opera há cerca de 20 anos, dá conta da actividade desta empresa, baluarte da exportação, nos últimos meses, depois de um ano difícil em 2019. Menciona que mantém uma carteira de cerca de 50 clientes fidelizados, salientando não só o esforço de flexibilização e diversificação do tipo de navios que são reparados como também a execução de alterações decorrentes de imposições das Convenções IMO que têm entrado em vigor. Miguel Trovão, administrador executivo da Navalrocha, depois de uma introdução histórica, apresenta as actuais capacidades do estaleiro cuja importância estratégica no porto de Lisboa é inegável. Menciona a política de diversificação que foi adoptada e alude aos bons resultados de 2019 e às expectativas de boa continuidade, após o presente período de incerteza. A presente limitação de docagens na Arsenal do Alfeite, S.A. devido à ocupação da respectiva doca seca com a revisão do submarino ARPÃO, evidencia a importância da operação da Navalrocha, para permitir as docagens de navios da Marinha Portuguesa em local próximo das capacidades logísticas e oficinais de manutenção, específicas, sediadas no Alfeite. Alude às limitações dos prazos das concessões, que ampliam o risco de decisões de investimento em melhorias nas capacidades dos estaleiros – trata-se de um assunto também importante para os restantes portos nacionais onde está implantada indústria naval e que não tem merecido a devida consideração, a despeito de insistências junto da tutela marítimo-portuária. Cabe referir que a afirmação de Portugal como país marítimo passa por ter indústria de reparação e manutenção naval, concorrencial, de qualidade, dimensionada para aceder ao mercado internacional na frente marítima, pelo menos na costa ocidental. Assim, a Lisnave, a Naval Rocha e a West Sea, complementam-se em termos de dimensões para acolher navios da Marinha de Comércio, e outros, devendo as políticas públicas criar condições para o desenvolvimento dessas infra-estruturas e respectivos acessos. António Rodrigues Mateus escreve sobre a modernização de meia vida da fragata BARTOLOMEU DIAS, em curso nos Países Baixos, informa-nos sobre o percurso desse importante projecto, que se destina a prolongar a vida útil desta unidade e da D. FRANCISCO DE ALMEIDA, da mesma classe, por mais 15 anos, em planeamento, dotando-as de condições técnicas actualizadas em linha com os requisitos operacionais contemporâneos. A descrição temporal do projecto impressiona Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 pelo esforço de planeamento e de projecto técnico e pela capacidade de gestão que tem de existir para permitir a consequente disponibilidade de informação técnica e logística (materiais e dos sistemas a tempo e horas), nas diversas etapas realizadas em diferentes locais. O facto de ser um tipo de navio que presentemente serve 3 países membros da OTAN, antevê economias de escala nas aquisições dos novos sistemas a instalar e redução de custos no projecto de engenharia e na gestão da configuração. O artigo de José M. Ferreira da Cruz sobre o tema “A digitalização do projecto de Engenharia Naval” descreve a experiência já consolidada do autor, na utilidade da modelação gráfica tridimensional de navios e os seus benefícios relativamente a técnicas anteriores, no referente à qualidade dos projectos básico e de produção, na relação com clientes e entidades de aprovação e certificação, na diminuição de erros na construção devido a melhor percepção de dimensões e de interferências. Num passo adiante, para além das fases de projecto e construção, o usufruto da modelação inicial em 3D pode beneficiar a gestão da vida útil do navio, através da criação de um “gémeo digital” do mesmo, mantido pelo armador, que pode acompanhar as alterações e mudanças de equipamentos, o histórico de supervisão pelas entidades de classificação e de fiscalização e o levantamento de danos para reparação de avarias em caso de colisão ou afins. O artigo de Tomás Costa Lima, apresenta de maneira muito sintética, mas entusiástica, uma embarcação de recreio (possivelmente para actividade marítimo- · revistademarinha.com -turística) com características inovadoras, não só na concepção como também no processo construtivo e com integrações estruturais pouco habituais. A construção, realizada no conceituado estaleiro Nautiber é também um contributo determinante para o sucesso da nova unidade. A este propósito acentua-se que o crescimento da actividade marítimo-turística no País, está a consolidar conhecimento que poderá ter interesse na exportação para outras geografias onde o turismo náutico se venha a desenvolver, seja em áreas costeiras seja em águas interiores. Na mesma linha poderá seguir a produção de “barcos-casa”, que os principais estuários, rias e albufeiras de barragens nacionais, têm condições para acolher. O artigo de Mário J. Carvalho Tiago, da Arsenal do Alfeite, S.A., sobre Construção Aditiva, sintetiza a iniciativa de implementação de uma capacidade extremamente promissora e muito útil na gama dos serviços prestados pelo estaleiro, possível graças a uma aliança entre o desenvolvimento da digitalização de formas e dimensões de sólidos, a robótica de precisão e a tecnologia de fabrico por deposição de camadas sucessivas de material. Como é referido, o âmbito da utilidade destes processos é vasto, indo da prototipagem rápida à resolução de problemas de fabrico de peças complexas de pequena série, ao suprimento de problemas com fabricos descontinuados, passando por soluções de fabrico genuínas onde este processo supera outros processos de produção. Aplica-se a materiais metálicos e não metálicos. Finalmente, o artigo sobre reciclagem de navios, faz um enquadramento desse negócio, salientando que a fase de desmantelamento de navios de maiores dimensões utiliza perícias e capacidades que residem em Estaleiros Navais. A fase seguinte de separação, escolha, valorização e encaminhamento dos materiais, componentes e equipamentos, é um outro tipo de actividade. Os réditos resultantes da reciclagem de navios, designadamente os que compõem a marinha de comércio e têm maiores dimensões, são significativos e entram na “equação do negócio” do transporte marítimo, nomeadamente enquanto existir concorrência de alguns países asiáticos que desvalorizam os danos da poluição e as condições de segurança e saúde no trabalho no desmantelamento “na praia”. Boas leituras! * [email protected] OBSERVAÇÃO: O autor não cumpre o novo A.O. 35 83.O Ano Desafios e Oportunidades da COVID-19 e das Transições Climáticas e Ambientais na Indústria Naval por José Ventura de Sousa* 1. DESAFIO DAS TRANSIÇÕES CLIMÁTICAS E AMBIENTAIS A indústria de construção, manutenção e reparação naval é uma indústria estratégica para o crescimento económico sustentável, nomeadamente por ser o apoio do transporte marítimo internacional, da fileira da pesca, do turismo ligado ao mar, bem como de todas as outras atividades que constituem a economia do mar. A indústria naval, bem como todos os setores industriais nacionais, está sujeita ao desafio lançado pela Comissão Europeia “Uma Nova Estratégia Industrial para a Europa”, que se pretende competitiva e líder mundial, que abra o caminho para a neutralidade climática e que molde o seu futuro digital. Os desafios da competitividade global, das alterações climáticas e da degradação dos oceanos, têm de ser enfrentados a nível nacional e europeu. Aqueles desafios resultam de uma crescente pressão social global e europeia, corporizada por vários acordos e diretivas internacionais, que contam como atos mais significativos o Acordo Ecológico Europeu, os objetivos do Acordo de Paris (COP 21), a Estratégia Inicial da IMO sobre a redução de emissões de Gases de Efeito de 36 Estufa (GEE) de navios e a diretiva da União Europeia (EU) sobre o limite de enxofre para o transporte internacional. O desafio das transições climática e ecológica, pode vir a ter um reflexo positivo na procura de conversão naval. De facto, para se atingirem os limites do Acordo de Paris e cumprir as metas da IMO 2050, é necessária uma ação urgente no corte de emissões de GEE nos navios existentes, que continuarão a navegar para além de 2030. O TM(1) é o modo de transporte mais eficiente. Contudo, em 2018, segundo o Regulamento MRV(2) da EU, que abrange cerca de 11.000 navios acima de 5.000 GT e que operam no Espaço Económico Europeu, estes produziram emissões substanciais de CO2, de mais de 138 milhões de tons, representando mais de 3,7% do total de emissões da EU. Muitos destes navios terão de ser modernizados para reduzir ou eliminar as emissões GEE. Também a diretiva da EU sobre o limite de 0,5% de enxofre para o transporte internacional a partir de 1 de janeiro de 2020, vai continuar a provocar uma procura forte nos estaleiros de reparação. O desafio da transição climática e eco- lógica pode ainda trazer novos mercados para estaleiros de média dimensão. Esta é a situação tratada na Parceria Europeia zero-emissão no transporte marítimo, que tem por objetivo fornecer e demonstrar soluções de emissão zero para todos os principais tipos de navios e serviços antes de 2030, o que permitirá o transporte marítimo com zero-emissão antes de 2050. A estes desafios veio somar-se um outro desafio global cujas consequências ainda estão por determinar: o surto da pandemia COVID 19. 2. INQUÉRITO À INDÚSTRIA SOBRE O IMPACTO DA PANDEMIA COVID 19 A indústria naval, à semelhança dos outros setores industriais está a ser atingida pelo surto COVID 19. Mas, diferentemente de outras indústrias, sentirá as reais consequências de forma mais aguda a médio e longo prazo. As recentes iniciativas horizontais do Estado Português e da Comissão Europeia em resposta ao surto de COVID 19 são positivas, na medida em que tentam minimizar revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Construção & Reparação Naval o impacto desta crise na indústria. Contudo, aquelas iniciativas devem ser complementadas com políticas setoriais e apoio financeiro, adaptados às necessidades e desafios específicos dos estaleiros e da sua cadeia de fornecimentos. Essas medidas, devem permitir às nossas empresas lidar com as graves consequências económicas e financeiras do surto de COVID 19 e, finalmente, salvaguardar a sobrevivência deste setor estratégico. Atualmente, todos os setores da economia estão a estudar as consequências do COVID 19, designadamente na indústria, com vista à definição das medidas de política setorial mais adequadas. Também a AIN(4) e a Sea Europe, Associação Europeia do setor, a que a AIN pertence, lançaram um inquérito a nível nacional e europeu, para avaliar como as empresas estão e irão ser Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 afetadas pela pandemia COVID 19(5). Os inquéritos reportam a situação dos estaleiros até ao final do mês de março. Foram inquiridos os estaleiros de construção e reparação naval, fornecedores de equipamentos, sistemas e serviços, incluindo projeto, engenharia e consultadoria e abordaram as áreas da produção, contratação e vendas, volume de negócios e liquidez, bem como a opinião sobre o apoio da banca e do Governo. As principais empresas foram entrevistadas para uma melhor compreensão da sua situação. A AIN recebeu respostas que representam mais de 50% do volume de negócios nacional total na construção naval e mais de 70% do volume de negócios nacional total na manutenção e reparação naval. Os estaleiros reportaram perdas de produtividade e consequente redução · revistademarinha.com do volume de negócios, entre 60% e 80%, devido ao cumprimento das diretivas de saúde pública e de outras medidas, que levaram à redução do número de trabalhadores a operar em simultâneo na empresa e por razões de distanciamento social em contexto laboral. Os estaleiros de Reparação, Conversão e Manutenção Naval de grande dimensão, encontram-se em situação difícil, mas com grande esforço têm conseguido manter a atividade e o emprego, tendo reportado uma redução moderada da atividade produtiva. Contudo, pelo facto de a sua carteira de encomendas estar muito dependente da manutenção da frota mercante mundial e da conversão de navios para cumprimento de critérios climáticos e ambientais, receia-se uma forte quebra na procura, com gra- 37 83.O Ano O país deve ser ajudado a não se limitar a ser importador. Quem sonha, quem arrisca, às vezes perde. Mas só vence quem não tem medo. Só conseguiremos vencer e ser fortes e competitivos lá fora, se tivermos ambição e cooperarmos cá dentro. Se queremos captar mais riqueza para o país temos de investir. ves consequências no emprego e nos resultados económicos e financeiros. Os estaleiros que dão apoio às frotas de pesca reportaram uma redução moderada da atividade produtiva. Já os estaleiros de grande dimensão (>250 trabalhadores), com atividades no mercado civil e militar, reportaram uma redução substancial. De assinalar que 67 % das empresas reportaram a rutura na cadeia de fornecimento como fator que mais afetou a produção na atividade de construção naval, sendo que no caso da reparação naval esse efeito não foi tão forte. No primeiro trimestre deste ano, 33% dos estaleiros de construção naval (11% nos estaleiros de reparação) reportaram perdas no volume de negócios superiores a 50%. Relativamente a novas contratações os efeitos na construção e reparação são idênticos e não preocupantes por estarem a trabalhar em encomendas efetuadas no passado. Contudo existe uma grande preocupação relativamente à obtenção de novas encomendas. Também os estaleiros, já no primeiro trimestre deste ano, lutaram com falta de liquidez, particularmente os de construção naval. Nestes, 50% reportaram uma redução muito forte na liquidez, contra apenas 22% na reparação naval. Finalmente, os estaleiros foram muito críticos nas apreciações que fizeram relativamente a possíveis apoios financeiros do Governo ou a facilidade de obtenção de apoio pela banca. 3. O QUE ESTÁ A FALTAR? A adoção de uma renovada Estratégia para o Mar, que seja o referencial da atuação e, nesse sentido, enquadre e consubs38 tancie as políticas setoriais e suas medidas, maximizando os seus resultados. A conclusão da auscultação a nível nacional e europeu foi a de que devem ser adotadas políticas setoriais e medidas financeiras sob medida, incluindo auxílios estatais, em apoio da indústria naval, sem as quais existirá um grande risco de Portugal perder, ou reduzir abaixo do seu nível critico, este setor estratégico, suporte das fileiras que constituem a Economia do Mar. Em tempos excecionais justificam-se medidas excecionais. No caso de se verificarem alguns dos receios enunciados, é fundamental que o Governo responda, ainda, com medidas que, otimizando o seu esforço financeiro, contemplem por exemplo, uma política de contratação pública que, garantindo a manutenção de postos de trabalho, responda também às necessidades do país. Tal é o caso da contratação da construção de navios-patrulha oceânicos, como consta na Lei de Programação Militar; de ferries para transporte entre as Regiões Autónomas e o Continente, ou entre ilhas; a renovação da Frota de Pesca; construção de embarcações portuárias, sempre com a obrigação das empresas maximizarem o Valor Acrescentado Nacional e desde que a procura o justifique (ou seja, financiar o trabalho em vez do desemprego). O surto de COVID 19 já demonstrou claramente os efeitos desastrosos e perigosos da Europa ser totalmente dependente de nações estrangeiras. É, pois, oportuno mudar de paradigma, sobretudo em setores estratégicos como é o caso da Indústria Naval. Vem a propósito lembrar as palavras avisadas do Senhor Ministro das Infraestruturas e da Habitação, aquando do recente lançamento da obra de dragagem do canal de acesso aos Estaleiros Navais de Viana do Castelo: O país pode ser ajudado, se forem dadas reais oportunidades às empresas nacionais de responderem à contratação pública, favorecendo dessa forma a substituição de importações de navios (vide embarcações para a travessia do Tejo), quando existe capacidade de resposta nacional, cooperando a nível interno, através dum maior diálogo entre as empresas públicas e as empresas privadas (como muito bem fazem em Espanha e noutros países europeus), arriscando em investir, quando se sente solidariedade do poder político (vide Estaleiros Navais de Viana do Castelo). Mais do que criar oportunidades para o setor, contribuindo para o seu relançamento e sustentabilidade, é apostar na soberania nacional através do reforço das capacidades endógenas, assegurando maior autonomia em áreas e setores estratégicos. É neste contexto que a AIN procura sensibilizar o Governo para a premência da adoção de políticas setoriais e apoio financeiro e, não menos importante, assegurando que, no respeito pela regulamentação aplicável, na contratação pública não se elimine, à partida, a possibilidade de as empresas nacionais de per si, ou em consórcio, poderem concorrer. * Secretário Geral da AIN NOTAS: (1) TM: transporte marítimo. De acordo com informação publicada pela Clarkson Research a intensidade média do transporte por via marítima é de 14 tons de CO2 por milhão de tonelada / milha, que compara com 50 tons para o ferroviário, 200 tons para o rodoviário e 1.550 tons para o modo aéreo. (2) MRV - Monitorização, comunicação e verificação das emissões de CO2 dos transportes marítimos, o primeiro passo de uma abordagem faseada para a inclusão das emissões de CO2 do transporte marítimo na política climática da UE. (3) Zero-emission waterborne transport - Proposal for co-programmed partnership. (4) A Associação das Indústrias Navais (AIN) é uma associação setorial, com mais de 50 anos de existência, que representa a indústria naval, que compreende: Construção Naval (CN); Reparação, Conversão e Manutenção de Navios (RCMN); Projeto, Engenharia e Consultoria (PEC) e fabricação de Equipamentos, Componentes e Sistemas (ECS) e outros Serviços para o setor, sendo a CN e a RCMN o seu principal foco de atenção. (5) www.ain.pt – impacto da pandemia COVID 19 no setor europeu da Tecnologia Marítima. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Construção & Reparação Naval Um projeto de vida! por Tomás da Costa Lima* a vida existem momentos que nos marcam e fazem sentir realizados: o casamento, o nascimento dos filhos, os grandes momentos que vivemos em família... e esses momentos existem também na vida profissional. Há dias, na segunda semana de junho de 2020, em Vila Real de Santo António, voltei a ter essa sensação! Ao subir a rampa do pontão do famoso “bota-abaixo”, voltei-me para a nave principal dos estaleiros Nautiber e tive a visão da obra completa! E que visão!!! Aqueles que já passaram pelas tempestades próprias de uma criação, que nasce de um sonho, sabem o que custa e o gozo final que dá. Day boat - Conceito forte para um catamaran totalmente virado para utilização no exterior. Nasceu do desafio que o João Mendonça me lançou para criar um catamaran com estas características. Desenvolvi os primeiros esboços e, por coincidência, recebi mais tarde um briefing do atual armador, Sebastião Lancastre. Tendo a fórmula na mão, desenvolvi o catamaran com as características de dayboat à medida do briefing e apresentei os drafts, os primeiros esboços, que foram aceites de imediato. Estava lançada a primeira pedra do projeto “Mineiro”. N ESTALEIRO Após alguns acrescentos ao desenho inicial, depressa procurámos o estaleiro certo para este desafio. A Nautiber, estaleiro com quem já tinha uma relação profissional de três embarcações produzidas, aceitou abraçar este projeto, sabendo de antemão que se tratava de um tipo de embarcação que teria acabamentos diferentes de tudo o que já tinham produzido até hoje. Um autêntico desafio! O Eng.º Rui Roque, proprietário e simultaneamente diretor-geral do estaleiro, cauteloso mas aventureiro, preparou-nos para as limitações e para a forma como as teríamos de ultrapassar. Vamos avançar para moldes! culos para termos uma embarcação equilibrada e com as prestações necessárias para satisfazer as pretensões do comprador. Foi produzida uma maquette à escala e foram feitos testes, em diferentes cenários e simulações. Desenhos dos cascos e superestrutura executados e aprovados, vamos passar aos moldes. Nunca tinha sido maquinado um casco em CNC, em fresa mecânica de 5 eixos com estas dimensões, em Portugal. Desafio lançado à Scales Ocean que, após alguns contratempos, enviou os positivos para a Nautiber produzir os moldes. Entregámos a um produtor polaco, a “Corthinx” a produção dos moldes da cabine, dos bancos e do tombadilho (flybridge). Foram largos meses de acompanhamento e de muita aprendizagem. PRODUÇÃO DA EMBARCAÇÃO/PROTÓTIPO Com uma equipa de artesãos com muita pratica de laminação e carpintaria, produziram-se os cascos e toda a estrutura da embarcação. Nesta fase vemos, em tempo real, a obra a nascer e os volumes da embarcação não deixam ninguém indiferente. A colocação da cabine e fly foram temas MOLDES Após os desenvolvimentos e definições dos desenhos técnicos em conjunto com o cliente, entregamos todo o material aos Engenheiros Navais que definiram os cálRevista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 · revistademarinha.com de extrema preocupação. Era importante que todas as peças se encaixassem entre elas. Tivemos pleno sucesso; umas peças produzidas na Polonia, outras em Vila Real de Santo António, ficaram como um todo único. 50 SL CATAMARAN Pensado para gozar a experiência de um passeio no mar com toda a comodidade e muito espaço. Tombadilho ou flybridge com área suficiente para um solário generoso, um segundo posto de comando, uma área destinada à embarcação de apoio com braço de carga, um frigorifico e som. Convés com dois Solários de popa duplos + 1 solário de proa triplo, uma mesa para 12 pessoas, uma cabine com 1 posto de comando, um WC, cozinha e uma área de estar que se converte numa cama de casal. Flutuadores com camarotes, WC, arrumos e tanques de combustível. Este catamaran, está preparado para “aterrar” na areia, ficar a seco e depois da nova maré, voltar para o mar, graças aos seus dois potentes motores fora-de-borda. Pretendemos criar com esta embarcação momentos inesquecíveis em família, com amigos ou mesmo sozinho. CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS Comprimento: 14,95 m Boca: 5,30 m Motorização: 2 X 300 HP outboard 2 postos de comando * www.tomascostalima.com [email protected] 39 83.O Ano Lisnave - Adaptação Permanente ao Mercado de Manutenção de Navios á mais de 50 anos que a LISNAVE é reconhecida globalmente como sendo uma das melhores opções para a manutenção e reparação de navios, em especial os de grande porte. Com uma localização geográfica privilegiada para os navios que operam no Atlântico e onde são excelentes as condições climatéricas para a realização de trabalhos exteriores e de tratamento de superfícies, a Lisnave opera atualmente no estaleiro da Mitrena, em Setúbal, numa infraestrutura com cerca de 1.500.000 m2. O estaleiro possui seis docas secas com capacidade até deslocamentos de 700.000 tons brutas e oito cais que permitem receber qualquer tipo de navio. As suas infraestruturas dispõem de meios de elevação adequados para qualquer trabalho de manutenção, reparação ou conversão naval, de entre os quais se destacam 20 guindastes móveis com capacidades de elevação até 100 tons e um pórtico de 500 tons. O estaleiro está totalmente equipado com oficinas, serviços e instalações H 40 para a realização de todo o tipo de trabalhos necessários para a manutenção e reparação de navios. Operando num mercado global, a Lisnave doca e repara anualmente navios pertencentes a mais de 50 clientes, oriundos dos vários cantos do mundo, independentemente do local onde exercem normalmente a sua atividade. Apesar das dificuldades com que o seu setor de atividade se confronta, decorrentes do baixo nível de crescimento da economia mundial e da forte concorrência dos estaleiros localizados em zonas de baixos custos, e mais recentemente, da crescente escassez de mão-de-obra especializada, a LISNAVE continua a ser uma referência na Europa e é um dos estaleiros de reparação naval com mais atividade nesta região do Atlântico. Após um difícil exercício no ano de 2019, a LISNAVE iniciou 2020 com bastante trabalho e boas perspetivas de ocupação, situação que, contudo, foi substancialmente alterada após ter sido declarada a pande- mia da COVID 19. De facto, as barreiras impostas na travessia de fronteiras, dado que a grande maioria dos clientes da LISNAVE são estrangeiros, levaram a que face às inerentes dificuldades de deslocação de pessoas, os armadores deixassem de ter condições para poder deslocar os seus representantes e as suas equipas técnicas, obrigando-os a cancelarem ou a adiarem as docagens dos seus navios. A LISNAVE não foi exceção neste processo, passando de uma situação de ter as suas seis docas reservadas durante todo o primeiro semestre de 2020, para uma inesperada e repentina redução de trabalho, mormente para os períodos de maio e junho, que perspetivam um baixo nível de ocupação. A flexibilização e diversificação da atividade têm sido fundamentais para a adaptação da empresa que, durante muitos anos, foi referência inquestionável para a reparação de navios transportadores de graneis, quer sólidos quer líquidos, com destaque para os navios tanques de grandes dimensões. Devido às mudanças veri- revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Construção & Reparação Naval ficadas nestes seus mercados tradicionais, a LISNAVE teve necessidade de diversificar a atividade e procurar penetrar noutras áreas. Um exemplo relevante, é o mercado das dragas de grandes dimensões. A LISNAVE empenhou esforços para melhorar o seu conhecimento técnico e assim poder prestar um serviço na manutenção deste tipo de navios compatível com a qualidade que lhe é reconhecida, tendo já recebido manifestações de satisfação bastante positivas de alguns dos principais armadores deste mercado. A docagem de uma draga pode revelar-se um desafio, quer pelo número muito elevado de equipamentos que tem a bordo, quer pelas suas próprias especificidades técnicas. A variação de carga de trabalho inerente a este tipo de reparações pode ter um impacto relevante na programação de atividade do Estaleiro e o facto da LISNAVE dispor de seis docas, oferece uma vantagem importante, pois possibilita uma grande flexibilidade de gestão da ocupação dos meios de docagem e assim evitar atrasos no arranque de outros projetos. Uma outra grande vantagem do Estaleiro na reparação destes navios mais complexos é a capacidade de movimentação de equipamento pesado com os meios de elevação próprios, tanto nas docas como nas oficinas. Em 2019 a LISNAVE concluiu com êxito o upgrade e a manutenção de nove dragas dos clientes holandeses Boskalis e Van Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 Oord e Belgas DEME e Jan de Nul e, desde o início de 2020, já foram reparadas três dragas da Jan de Nul, e duas da Van Oord. Nestas últimas cinco dragas efetuaram-se trabalhos de rotina completa e manutenção dos diferentes sistemas de dragagem, sistemas de propulsão e direção, tratamento de superfícies (casco, equipamento, convés, acomodações, etc.), trabalhos de tubos e upgrading e manutenção de outros sistemas gerais. Os navios de transporte de sumo de laranja são outro exemplo de diversificação. Alguns armadores investiram na modificação dos seus navios para se dedicarem ao transporte desta carga especial do Brasil para a Europa. Os clientes “Atlanship” e “Citrosuco” começaram a docar os seus navios na LISNAVE com mais regularidade desde 2016 e actualmente de forma quase exclusiva. Mais recentemente a “Louis · revistademarinha.com Dreyfus Company”, que opera navios deste tipo pertencentes a outros armadores, escolheu a LISNAVE para um grande projecto de desmobilização de três navios do armador Gearbulk (Noruega), navios estes que transportavam sumo de laranja de forma não exclusiva, e reinstalação dos tanques de sumo em dois navios mais recentes do armador Wisby Tankers (Suécia). Após conclusão do projecto, ainda em curso no estaleiro, estes navios passarão a ser exclusivamente transportadores de sumo de laranja, ficando cada um deles, equipado com quinze tanques refrigerados de 1.500 m3 de capacidade média. Acompanhando as exigências impostas pela IMO e pela US Coast Guard, em particular os requesitos de âmbito ambiental que vigoram desde 2017 e que obrigam todos os navios que navegam em águas internacionais a instalarem um sistema de tratamento das águas de lastro (BWTS – Ballast Water Treatment System), a LISNAVE já instalou cerca de 40 sistemas deste tipo, desde 2018. Estas instalações são um trabalho de elevado relevo técnico e prevê-se a sua continuidade até 2024, uma vez que a convenção estipula que os navios são obrigados a instalarem este sistema até aquela data, na primeira docagem que ocorra após 8 de Setembro de 2019. Colaboração de Lisnave – Estaleiros Navais, S.A. 41 83.O Ano Estaleiro da Rocha Conde de Óbidos O Presente e a História por Miguel Trovão* NAVALROCHA – Sociedade de Construção e Reparação Naval S.A. foi constituída em 1999, resultante do Contrato de Concessão de atribuição do uso privativo das instalações do Estaleiro da Rocha Conde de Óbidos em regime de concessão dominial. Iniciou a atividade de reparação naval em meados de 2000 após investimentos na recuperação da infraestrutura existente. A atual estrutura acionista é composta pelo Ministério da Defesa, Grupo ETE e pela LISNAVE. O Estaleiro da Rocha Conde de Óbidos é uma das mais antigas infraestruturas associadas à Indústria Naval no estuário do Tejo e atualmente a NAVALROCHA é o maior prestador de serviços nesta área, patenteando a importância de o Porto de Lisboa também poder disponibilizar aos seus clientes os serviços de reparação naval. Estes últimos 20 anos de atividade são complementares a toda uma história que se cruza com o início da construção naval em aço do cruzador RAINHA DONA AMÉLIA, que remonta a 1897. A atual infraestrutura e localização foi idealizada pela A 42 P.V.L. – Parceria de Vapores Lisbonenses em 1898, com o fim de adquirir e explorar “vapores” que pertenciam à sociedade Francisco Burnay, Sucessores. Em 1899 foram inauguradas as atuais docas nº 1 e nº 2 e o plano inclinado. Em 22 de junho de 1907 é celebrado o contrato de arrendamento das oficinas, docas, plano inclinado e da central de bombagem entre a P.V.L. e a AGPL – Administração Geral do Porto de Lisboa, atual APL, que terminou no final de maio de 1926. Em 1927 também foram inauguradas as docas nº 3, nº 4, nº 5 e três carreiras de construção. O industrial Alfredo da Silva e, posteriormente, o Grupo CUF administraram ao abrigo de Contratos de Concessão o Estaleiro Naval da Rocha Conde de Óbidos até 14 de dezembro de 1960, ano em que a Concessão é trespassada para a Navalis, passando a LISNAVE a ser oficialmente a concessionária em 1 de janeiro de 1963 e terminando em dezembro de 1998. Os grandes desafios desta nova empresa colidem, por um lado, com a infraestrutura pensada para as embarcações dos anos 30 do século passado, principalmente a relação comprimento - boca (os 22 m de boca na Doca nº 1 são hoje desajustados ao comprimento útil disponível de 174 m) e, por outro lado, a extensão do Contrato de Concessão por mais 5 anos e prorrogável por igual período promulgado no início deste ano, são condicionantes para viabilizarem o volume de investimentos necessários à total modernização da NAVALROCHA. Destacamos os principais equipamentos/infraestruturas da NAVALROCHA no presente: • Área concessionada de cerca de 45.000 m2 • Doca nº1 – Comprimento = 174 m / Boca = 22,1 m / Calado Max = 9,1 m • Doca nº2 – Comprimento = 110 m / Boca = 13,1 m / Calado Max = 7,3 m • Doca nº3 – Comprimento = 64 m / Boca = 12 m / Calado Max = 6,4 m • Doca nº4 – Comprimento = 48 m / Boca = 11 m / Calado Max = 5,4 m Construção & Reparação Naval • Cais de Aprestamento – 140 m • Meios de Elevação Ext. – 1 uni 15 ton x 14 m / 1 uni 8 ton x 15 m / 2 uni 1,6 ton x 45 m • Meios de Elevação Oficinais – 3 uni 8 ton / 1 uni 3 ton • Área Oficinal coberta – 2.850 m2 • Área de Armazenagem coberta – 1.060 m2 • Armazém de Deposito Temporário (Alfândega) – 2.060 m2 A Doca nº 1 tem apresentado uma taxa de ocupação de 70 a 80%, tendencialmente em crescimento nos últimos anos, sendo esta infraestrutura responsável por cerca de 85% do nosso volume de vendas. As taxas de ocupação das Docas nº 2 e nº 3 tem sido nos últimos anos de 30% e 20%, respetivamente, o que claramente demonstra o desajustamento destas infraestruturas às novas e atuais volumetrias das embarcações comerciais e à diminuição do mercado das embarcações com boca inferior a 12 m. Este segmento é maioritariamente proveniente do Mercado Nacional e, em particular, rebocadores e embarcações de Pesca do Alto. Esta capacidade disponível das docas nº 2 e nº 3, podendo ainda ser complementada pela reativação da Doca nº 4, poderá e deverá ser rentabilizada na reparação de embarcações militares evitando assim outros investimentos a realizar pelo Estado Português, uma vez que a principal infraestrutura de docagem da Marinha estará ocupada nos próximos anos com a reparação dos submarinos da classe ARPÃO ou similares. Sendo o Estado o principal acionista e comum à Marinha de Guerra Portuguesa, ao Arsenal do Alfeite e à NAVALROCHA, parece-nos que do ponto de vista do interesse público fará mais sentido que o investimento que estiver a ser programado no reforço dos meios de docagem dos navios da Marinha de Guerra, fosse reconvertido na própria manutenção Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 Um veleiro a entrar na doca nº 1, em 20 de maio de 2020. da frota, uma vez que as infraestruturas já existem e estão operacionais. De notar que apenas as fragatas e o navio reabastecedor estão condicionados à Doca nº 1, podendo todas as outras classes serem acomodadas nas docas nº 2, nº 3 e, eventualmente, na doca nº 4. A NAVALROCHA realizou a reparação/ manutenção de 35 navios e embarcações durante o ano de 2019, consolidado num volume de faturação de cerca de 7,3 M€ superior em 20% às vendas do ano anterior e um EBITDA de cerca de 800 K€. A repartição praticamente igualitária entre o mercado interno e o externo em vendas foi fortemente influenciada pela reparação do NRP SAGRES, efetuada na Doca nº 2. Nos últimos anos desenvolvemos a estratégia de diversificação do nosso mercado tradicional, passando também a incluir no nosso portfólio a reparação dos navios de cruzeiro de pequena/média dimensão, navios estes, tendencialmente com calados · revistademarinha.com maiores, uma vez que temos a vantagem competitiva de podermos oferecer docagem a navios até cerca de 9 m de calado. Em particular, neste mercado, o facto de podermos oferecer os serviços de reparação naval no centro da cidade, alavancado também pela marca “Lisboa está na moda”, contribuiu como chave de sucesso para a fidelização dos nossos clientes. Este segmento representou cerca de 50% do volume de vendas em 2018. Atendendo aos ciclos de manutenção de 2 anos, antecipávamos que para o presente ano também atingiríamos percentagens de vendas equivalente, o que não irá acontecer devido à pandemia derivada da COVID 19. Esta nova realidade provocou sucessivos cancelamentos das reservas de doca/reparação nos navios de cruzeiro, e nos outros segmentos o adiamento das reparações condicionado também pela impossibilidade de deslocações dos representantes dos armadores e dos técnicos de marca. A busca constante de novos mercados cujos atributos combinem com a nossa capacidade disponível ou que possam ser acomodados na antiga localização das carreiras de construção, como por exemplo o segmento de reparação naval de Super/Mega Yachts, poderá contribuir para adaptarmos o Estaleiro da Rocha Conde de Óbidos a um “Centro de Excelência da Reparação Naval”. Esta harmonização de história, tradição, saber fazer, excelência e Lisbon Fashion, só poderá ser concretizada com o prolongamento do prazo da concessão devido ao volume dos investimentos envolvidos. Do nosso planeamento atual, prevemos a partir do mês de julho voltar à normalidade já sem condicionalismos de “confinamentos”, podendo assim respeitar e valorizar a história de mais de 100 anos na reparação e construção naval do Estaleiro da Rocha Conde de Óbidos. * Administrador da NAVALROCHA 43 83.O Ano A Digitalização no Projeto de Engenharia Naval por José Ferreira da Cruz* projeto de engenharia de construção naval é, desde os tempos da expansão marítima Portuguesa, uma componente crítica no sucesso da transformação da indústria naval, tendo em 1616 o “livro de traças de carpintaria” do construtor naval Manoel Fernandes sistematizado e regulado este importante setor, tornando-se evidentemente um documento que sustentou um dos vetores de transformação da indústria naval no seculo XVII. Passados 400 anos sobre a publicação deste importante documento, encontramos novos desafios no exercício da engenharia naval, sendo a digitalização um dos grandes vetores transversais da transformação da indústria global e, consequentemente, fundamental para a atividade da engenharia naval, seja na especialidade de projeto de construções, seja na reparação ou reconversão de navios. Dentro da especialidade de projeto naval para novas construções, o conjunto de ferramentas digitais atualmente em uso nos gabinetes de engenharia naval, alinham completamente o caminho da integração digital, quer na engenharia base, quer nas consequentes especialidades que dela derivam. O desenvolvimento de formas de casco em conjunto com os critérios de estabilidade que enquadram estatutariamente o projeto, a verificação estrutural com recurso à simulação de cargas estáticas e dinâmicas e, simultaneamente, a análise hidrodinâmica dos parâmetros funcionais do navio são, cada vez mais, tratados de modo integrado nas fases iniciais do projeto naval. Esta integração digital das diferentes especialidades do projeto base, permite cada vez mais cedo e mais eficientemente a identificação pela engenharia responsável a eficiência da engenharia no âmbito de um processo de digitalização: – integração de soluções de software de trabalho 3D-2D-3D; – integração de hardware de trabalho de suporte ao processo digital; – utilização do modelo 3D para controlo dimensional em estaleiro e aferição da qualidade/apoio a inspeções de entidades reguladoras; O 44 do projeto, dos problemas e consequentes soluções decorrentes do desenvolvimento do navio, bem como a atempada e necessária interação com os armadores e entidades reguladoras. Torna-se assim importante que os responsáveis e os executores de engenharia, contribuam para a construção de um ecossistema digital onde todas as áreas de digitalização sejam combinadas no objetivo de criar um quadro favorável no qual as empresas e as entidades reguladoras disponham dos recursos para assegurar a adoção de novos modelos de interação. Entre os vários processos que se podem operacionalizar no sentido de permitir a transversalidade do processo de engenharia, até a unidade naval ter o seu registo estatutário e objetivar-se na sua atividade comercial, identificam-se as seguintes atividades nucleares para A integração de soluções de software de trabalho 3D-2D-3D, torna-se evidente pela dinâmica necessária ao rápido desenvolvimento do projeto nas várias especialidades nucleares, e consequente emissão de planos de engenharia representativos de diversos elementos (estrutura, sistemas, segurança), que uma vez submetidos à avaliação e aprovação deverão permitir uma rápida interação no modelo 3D, e consequente revisão de planos e documentos associados. Note-se que a atual metodologia que enquadra as boas práticas de projeto, conduz sempre à emissão de planos em formato clássico, seja em formatos em papel ou suporte digital, sendo exemplo disso a secção mestra de um navio, peça basilar de qualquer análise preliminar de engenharia. Por sua vez, a integração no projeto de engenharia naval de soluções de hardware de trabalho de suporte ao processo digital, leva a que pela tipologia do produto navio e pelas suas dimensões, as peças de projeto emitidas em formato digital tenham dimensões técnicas de grande formatação, na sua natureza incompatíveis com as soluções de visualização comumente usadas. Assim, os monitores digitais de grande dimensão, seja em posição vertical seja em posição horizontal com capacidade de revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Construção & Reparação Naval interação direta pelo utilizador tornam-se nos tempos atuais ferramentas críticas para a transição para o processo digital. O terceiro vetor identificado como nuclear para a eficiência do processo de engenharia, e como consequência do standard já frequentemente praticado, é a utilização do modelo 3D para controlo dimensional em estaleiro e aferição da qualidade/apoio a inspeções de entidades reguladoras. Na figura acima verifica-se o controlo dimensional de um casco de um navio de pesca em construção, produzido a partir de um modelo 3D, com recurso a um varrimento de pontos laser integral também em 3D, o que permitiu um total controlo dimensional do casco e consequente identificação de uma série de procedimentos de verificação conforme norma IACS-47. O modelo 3D de um navio, inclui presentemente componentes bastante detalhadas não só da estrutura e dos sistemas de encanamentos e condutas, como também de equipamentos de aprestamento, representados pelos modelos virtuais que cada fabricante na sua posição na fileira desta indústria vai desenvolvendo. Se na década passada, os modelos 3D eram limitados pela capacidade do hardware de processamento gráfico, atualmente são cada vez mais complexos e perto da realidade em construção. Note-se que, por exemplo, um navio de pesca construído nos anos 80 do século passado é, na sua génese, dimensionalmente equivalente a um navio de pesca desenvolvido em 2020 (dimensões, tipo de estrutura, sistemas), mas os suportes de hardware dos gabinetes de projeto são em capacidade de processamento, exponencialmente mais capacitados, permitindo modelação 3D cada vez mais perto do real. Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 O desenvolvimento detalhado do modelo 3D da estrutura e dos sistemas de encanamentos do navio, permite que a engenharia disponibilize para a produção em estaleiro quase todas as peças de corte e planos de montagem com uma assinalável precisão de montagem, com integração sucessiva de equipamentos que interagem com a estrutura do navio. A sistematização industrial destes processos conduz no final de obra a um modelo 3D, que hoje têm pouca ou nenhuma utilização no seguimento da vida do navio, seja no processo de gestão estatutária do mesmo, seja na gestão técnica e operacional do armador. Assim, no seguimento das três primeiras atividades nucleares identificadas no âmbito de um processo de digitalização da atividade de engenharia, surgem no início da vida do navio, mais duas oportunidades muito importantes: – utilização do modelo 3D para o ciclo de vida do navio; – utilização do modelo 3D de navios em serviço para operações de retrofitting; A utilização de um modelo 3D, resultante de um processo construtivo permitirá com bastante proximidade temporal, a gestão integral do ciclo de vida do navio real, seguido pelo seu gémeo digital (digital twin). Atualmente, todas as sociedades classificadoras IACS(1) estão a iniciar a estruturação de regras, métodos e processos que permitam o seguimento em modelo virtual de todas as inspeções, modificações e alterações a que um navio é sujeito durante o seu ciclo de vida. Este procedimento está relacionado com a construção virtual 3D que ocorreu durante o período da construção da unidade, mas dando seguimento e continuidade aos modelos de projeto e produção que são desenvolvidos, evidentemente gerados na sua origem com metodologias preparadas para este objetivo. Num futuro que se entende próximo, todas as sociedades classificadoras e uma parte significativa dos Estados de bandeira convencional, na figura das respetivas autoridades marítimas nacionais, integrarão nas suas estruturas inspetivas, modelos digitais gémeos dos navios em serviço, geridos por poderosas bases · revistademarinha.com de dados gráficas convencionais que, a qualquer instante permitem a verificação e consulta de elementos estruturais, equipamentos em manutenção e em reparação, registo de alterações estatutárias, implementando um ecossistema digital. Este circuito do navio digital, é evidentemente fechado pelo próprio armador, que é o primeiro responsável por manter em serviço e atualizado o gémeo digital da sua unidade operativa, sendo este modelo virtual atualizado automaticamente pelo seu navio real, e em tempo real, gerido pelo armador e consultado/ intervencionado estatutariamente pelas entidades reguladoras sempre que as inspeções e vistorias de bandeira e de classe assim o obriguem. Por último, a utilização do modelo 3D de navios em serviço para operações de retrofitting, permite que haja uma muito maior eficiência e precisão na indústria de reparação naval. Operações de levantamento de formas para execução de cálculos de estabilidade, operações de jumboizing, e reparação de cascos danificados por colisões, são exemplos práticos onde processos digitais podem ser aplicados no dia a dia da indústria naval. A mesma tecnologia, quando aplicada no interior do navio, como por exemplo na alteração de uma máquina principal com a consequente alteração da estrutura e de todos os sistemas de encanamentos e condutas ligados a este equipamento (refrigeração, combustível, escape), permitem que antecipadamente e com muito maior eficiência se prepare todo o processo de engenharia com o navio ainda em serviço, minimizando assim custos operacionais e tempo de reparação. Estes métodos, comuns em operações de retrofitting de navios de grandes dimensões, estão a tornar-se cada vez mais comuns, contribuindo para a total integração da digitalização na generalidade do setor da engenharia naval. * Diretor da OneOcean-Engenharia e Arquitectura Naval, Lda. Engenheiro Naval (IST) NOTA: (1) IACS – International Association of Classification Societies; presentemente integra 12 das principais Sociedades Classificadoras 45 83.O Ano Aplicação da Construção Aditiva 3D em Construção, Manutenção e Reparação de Navios por Mário Carvalho Tiago* impressão 3D é um assunto cada vez mais na ordem do dia. Aos poucos vamo-nos habituando a ver notícias relacionadas com este tema nos meios de comunicação social. Mais recentemente fomos inundados de publicações nas redes sociais com viseiras para proteção contra a COVID 19 feitas em impressoras 3D caseiras. Mas afinal do que se trata quando falamos em impressão 3D? Na realidade o termo técnico mais correto seria Construção Aditiva (Additive Manufacturing). Por construção aditiva podemos considerar o processo através do qual informação digital em 3D de um objeto é utilizada para a construção desse mesmo objeto, através da deposição de material, normalmente camada após camada. Contudo, o termo impressão 3D ganhou tanta popularidade que passaremos a utilizá-lo como sinónimo de construção aditiva. A AS TECNOLOGIAS Existem várias tecnologias disponíveis para a impressão 3D, enumerando-se de seguida as principais: • Extrusão de Material, conhecida pelo acrónimo FDM (Fused Deposition Modeling). É uma tecnologia muito versátil quanto aos materiais que podem ser utilizados, normalmente um polímero, mas o mais importante é que esse polímero pode formar uma matriz com aditivos que vão desde a madeira à fibra de carbono passando pelos metais. É a tecnologia mais disseminada e uma das mais acessíveis. • Polimerização de Resina, produz peças em plástico com excelente acabamento final. • Fusão ou Sinterização, ideal para produção em metal com alta precisão. Também pode ser utilizado plástico. • Jato de Polímero, sempre que se pretenda elevada fiabilidade face a um original, incluindo milhões de cores na mesma peça. • Binder Jetting, produz peças em metal ou plástico, em grandes lotes. • Directed Energy Deposition, para peças em metal sem grandes constrangimentos relativos à dimensão. 46 Lancha L-150 pormenorizada, impressa à escala 1:25. • Shet Lamination, permite uma grande abrangência de materiais, que podem ir do papel até à fibra de carbono. • Metal Cold Spray, ideal para peças metálicas de grandes dimensões sem os respetivos problemas de gestão de temperaturas por não ser um processo de fusão ou soldadura. VANTAGENS Quais são as vantagens deste processo de fabricação em relação aos tradicionais? Talvez a primeira utilidade a ser encontrada para a impressão 3D tenha sido a prototipagem rápida. A impressão 3D permite que se construam protótipos a um custo e a um ritmo impossível de atingir por outras tecnologias. Torna-se possível realizar um grande número de iterações, o que por sua vez agiliza a descoberta de uma solução ótima. Utensílios e ferramentas à medida podem ser impressos sem os custos associados à produção em massa. Moldes para pequenas séries tornam-se exequíveis. Templates para linhas de montagem podem ser fabricados on demand na própria fábrica. Permite também a melhoria do desempenho através da otimização da forma das peças, colocando material apenas onde ele é necessário, sem, no entanto, afetar a resistência da peça. A impressão 3D permite a inclusão de estruturas internas quase impossíveis de alcançar através dos métodos de fabricação convencionais. A título de exemplo a inclusão de canais de refrigeração otimizados dentro de uma fresa. E a possibilidade de consolidar um sistema constituído por várias peças numa única peça. A impressão 3D escancarou as portas à customização e personalização de produtos. Ambas gravitam à volta da produção de modelos únicos, utilizando processos manuais e artesãos experientes. Não admira, portanto, que a impressão 3D esteja a tomar de assalto estas atividades. A impressão 3D é também altamente disruptiva quanto às cadeias de fornecimento, gestão de stocks e deslocalização de produção. Permite que a produção seja realizada onde e quando for necessária, aliviando muito a revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Construção & Reparação Naval cadeia logística. Enumera-se ainda mais uma vantagem: a produção de peças descontinuadas que possam ser produzidas com recurso à impressão 3D. IMPRESSÃO 3D NA ATIVIDADE MARÍTIMA As empresas ligadas à atividade marítima bem como as Marinhas Militares não têm andado afastadas das vantagens da impressão 3D. São já alguns os bons exemplos da sua adoção. Os estaleiros da DAMEN criaram com sucesso um hélice construído inteiramente em 3D numa liga de níquel-alumínio-bronze (WAAMpeller), destinado a equipar rebocadores, e que se encontra já certificado. A empresa Thermwood (EUA) fabricou um contramolde de um casco (Hull Pattern) com 1.400 Kg, para uma lancha. A Universidade do Maine (EUA) produziu uma lancha em plástico com 7,5 m de comprimento e 2,3 tons de peso. Neste caso, estamos mais perante uma prova de conceito daquilo que pode ser alcançado, do que propriamente de um produto comercial. A Marinha dos Estados Unidos da América conta já com vários projetos interessantes, desde experiências que visam a produção de peças a bordo dos navios, à produção de peças descontinuadas. Mas um dos exemplos mais curiosos foi a fabricação de um minissubmarino (OMTD) em plástico com 10 m de comprimento, destinado à inserção de Navy Seals. Também os fuzileiros americanos se fazem acompanhar por um contentor que alberga diversas impressoras. Sempre que no terreno algo se danifica, sendo possível, substitui-se por uma peça impressa, aumentando significativamente a taxa de operacionalidade. Recentemente a Marinha Australiana anunciou que irá utilizar a tecnologia Metal Cold Spray para proceder à reparação dos seus submarinos da classe Collins. Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 Peças do sistema ventilação da Lancha L-150, impressas em 3D no Arsenal do Alfeite. É de referir ainda a Célula de Experimentação Operacional de Veículos Não Tripulados (CEOV) da Marinha Portuguesa, que conta com a tecnologia de impressão 3D para a realização dos seus protótipos. ARSENAL DO ALFEITE S.A. NO CAMPO DA CONSTRUÇÃO ADITIVA Em junho de 2019 foi decidido implementar a Construção Aditiva na Arsenal do Alfeite S.A., tendo-me sido atribuída a responsabilidade de dar resposta às solicitações para a área de impressão 3D que já existem, bem como difundir na estrutura interna do Estaleiro e junto do nosso principal cliente, a Marinha Portuguesa, as potencialidades desta tecnologia. A maior parte dos trabalhos realizados consistem na produção de peças descontinuadas. Enganam-se os que pensam que este tipo de problema não se coloca em navios mais recentes. Se um determinado fabricante resolve extinguir a produção de um sistema, passados poucos anos deixa de haver sobressalentes no mercado. A Marinha já não tem de ficar perante a difícil decisão de substituir um sistema de milhares de euros por um novo, apenas porque um interruptor se partiu. Mesmo quando ainda existem originais no mercado, após as competentes análises de custo / benefício, tem-se optado nalguns casos pela fa- · revistademarinha.com bricação em 3D, com vantagens ao nível de preço e prazo de entrega. Contamos entregar brevemente a primeira embarcação salva-vidas L-150, encomendada pela Autoridade Marítima. Esta embarcação conta já de raiz com diversas peças originais impressas em 3D e que são projeto do estaleiro. A impressão do modelo da lancha L-150 à escala 1:25, recorrendo a filamentos de diferentes cores, permitiu identificar processos utilizados na 1.ª construção que estão a ser melhorados com vantagens significativas na construção da 2.ª lancha. De referir também o papel que a AA, S.A. pode desempenhar no campo da prototipagem e investigação. Já foram levadas a cabo algumas experiências com materiais impressos com capacidades de absorção de emissões radar, vulgarmente conhecidos por RAM (Radar Absorbing Material). Uma das utilidades mais imediatas seria a construção de drones com características militares. Para finalizar este artigo é de realçar que esta tecnologia tem como maior qualidade o facto de ser uma niveladora por excelência, colocando os pequenos ao nível dos grandes. Quantas vezes compramos “lá fora” com a desculpa (verdadeira) de que o nosso mercado interno não tem dimensão para produzirmos de forma eficiente. Mas já não tem de ser assim, e ao internalizarmos a produção, geramos postos de trabalho especializado, acumulamos know-how e mantemos os recursos financeiros cá dentro. A Marinha Portuguesa, a mais antiga do Mundo, outrora dominou os mares. Esse domínio foi baseado em arrojo e liderança tecnológica, não na dimensão do nosso mercado interno que sempre foi minúsculo. Voltamos 800 anos depois a ter a oportunidade de voltar ao grupo da frente, e desta vez não há boas desculpas para não o fazer! * Técnico Superior da área da construção aditiva Arsenal do Alfeite, S.A. 47 83.O Ano O mid-life upgrade das fragatas da classe BARTOLOMEU DIAS por António Rodrigues Mateus* ara a concretização do mid-life upgrade (MLU) foi assinado um acordo entre o Ministro da Defesa do Reino dos Países Baixos, o Ministro da Defesa da Bélgica e o Ministro da Defesa de Portugal, numa perspetiva de benefício de efeito de escala e partilha de custos idênticos (a Bélgica e os Países Baixos têm a decorrer um programa de modernização similar ao Português) efetuado ao abrigo do definido no Memorandum de Entendimento entre os Países que operam estes meios (M-class Frigate Users – MFG MoU), vigente desde 2009, e que se tem pautado como um caso de sucesso internacional de uma organização cooperativa multinacional de Pooling & Sharing, com vertentes de abrangência que não detém par em organizações similares. Neste caso, salienta-se um programa de modernização, extenso e complexo, cujo desenvolvimento, gestão e participação multinacional assegura a sua racionalidade económica e técnica, bem como o subsequente estabelecimento de uma estrutura de sustentabilidade para os navios, na sua configuração pós modernização. Neste enquadramento o primeiro navio, o NRP BARTOLOMEU DIAS, iniciou no primeiro trimestre de 2018, ainda na Base Naval (Lisboa), um exigente programa, despoletando uma fase de prepara- P Navio na doca seca da DAMEN Shiprepair Vlissingen, em plenos fabricos. tivos onde decorreu a desmontagem de diversos sistemas de bordo que serão substituídos ou modernizados, tais como, sistema de gestão de combate, sistema integrado de comunicações, sonar passi- vo rebocado e sistema de guerra eletrónica. Esta modernização permitirá ao navio, para além de estender o tempo de permanência no efetivo da Marinha Portuguesa, atualizar as suas capacidades de atuação e resposta para que possa ser empenhado num leque abrangente de missões, combatentes e não combatentes, no âmbito estratégico nacional e internacional, no emprego conjunto e combinado e, sucesNavio no DMI em Den Helder, na fase de STW dos sistemas. 48 Construção & Reparação Naval sivamente, garantir através da sua flexibilidade, versatilidade e resiliência, e também fiabilidade acrescida, o empenhamento operacional nos diversos compromissos assumidos por Portugal. Posteriormente, a fragata BARTOLOMEU DIAS iniciou o programa de modernização (designado por midlife upgrade – MLU) no mês de maio do ano de 2018, no Directie Materiele Instandhouding, o estaleiro da Marinha Holandesa, localizado na Base Naval de Den Helder, nos Países Baixos. Este programa tem como objetivo estender a vida útil dos navios até 2035, reduzindo a sua obsolescência técnica e logística, bem como proceder à atualização e edificação das valências necessárias de forma a cumprir com os requisitos operacionais nacionais, bem como os decorrentes dos compromissos para com as organizações das quais Portugal é membro, como é o caso da OTAN e da União Europeia. Na Base Naval de Den Helder, sob a égide do Royal Netherlands Navy Directorate of Material Sustainment – DMI, do Ministério da Defesa dos Países Baixos, iniciaram-se os trabalhos de desmontagem e desembarque de sensores, armas e outros equipamentos que serão objeto de manutenção aprofundada, bem como da sua cablagem de interligação e alimentação (foram retirados de bordo aproximadamente 1.700 cabos, correspondentes a cerca de 35 km de cablagem) a serem posteriormente substituídos, e a docagem, esta última para efetuar a instalação do novo mastro (onde serão instalados os novos sistemas eletro-óticos e de guerra eletrónica) e a beneficiação das áreas das obras vivas que não foram tratadas na última docagem. Terminada esta fase do MLU, o navio foi rebocado, enquanto plataforma desativada, em fevereiro de 2019, para o estaleiro Damen Shiprepair & Conversion(1), localizado no sul dos Países Baixos, na cidade de Vlissingen. Neste estaleiro de- Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 Desmontagem de bordo da peça Oto Melara Compact Gun 76 mm, no DMI em Den Helder, Países Baixos. correram um conjunto de trabalhos no âmbito da manutenção e reparação dos sistemas da plataforma (estruturas, propulsão, distribuição de energia, sistemas auxiliares e de governo), tratamento e pintura das estruturas interiores e exteriores, e sobretudo a preparação para a integração dos novos sistemas de bordo, seja fisicamente, seja em termos de integração de sinal (ótico e elétrico) pela passagem e pelas ligações de toda a nova cablagem necessária à integração dos · revistademarinha.com diversos sistemas (foram passados cerca de 2.750 cabos novos, com uma extensão total de mais de 55 km) e a preparação dos espaços, e elementos estruturais necessários para a instalação dos novos sistemas. Terminada esta fase, o navio regressou à Base Naval de Den Helder, de forma a proceder à instalação, integração e testes de aceitação dos novos sistemas. Neste momento, o NRP BARTOLOMEU DIAS encontra-se no DMI em Den Helder, 49 83.O Ano O novo Sistema de Gestão da Plataforma, em testes STW. em plena fase de Setting-To-Work (STW) da totalidade dos sistemas, sejam os originais, sejam os novos sistemas. Nesta fase, procede-se ao estabelecimento dos sistemas, verificação das suas condições de funcionamento e integração inicial para provas individuais. Após a conclusão do STW, estão subsequentemente previstas as fases de integração de Hardware-Software, e finalmente as provas de receção a cais, e a navegar. O segundo navio da classe, o NRP D. FRANCISCO DE ALMEIDA, iniciou o processo de modernização em fevereiro de 2020, estado presentemente a terminar a fase de trabalhos e desmontagens preliminares no Arsenal do Alfeite, iniciando os trabalhos nos Países Baixos em julho. Com a modernização de meia-vida das fragatas da classe BARTOLOMEU DIAS, a Marinha garante, assim, a sustentação da capacidade oceânica de superfície, da 50 componente naval do Sistema de Forças, até 2035, contribuindo inequivocamente para a concretização da sua Missão, isto é, “CONTRIBUIR PARA QUE PORTUGAL USE O MAR”, na medida dos seus interesses. * Gestor do Programa de Upgrade das Fragatas da Marinha C.m.g.ECN [email protected] NOTA: (1) Estaleiro original designado por Schelde Naval Shipbuilding, local onde o HNLMS VAN NES foi construido (nome original do atual NRP BARTOLOMEU DIAS; esteve ao serviço da Marinha Holandesa entre 1994 e 2008) entre 1990 e 1994. Em 16 de janeiro de 2009, após um programa de transferência, aquela unidade foi formalmente integrada no dispositivo da Marinha Portuguesa. Construção & Reparação Naval Reciclagem de Navios por Victor Gonçalves de Brito* INTRODUÇÃO 60% of vessels scrapped in 2019 were younger than 26 years old 80 40 Average scrapped age >> Million dwt 60 27 26 23 24 26 27 30 40 20 20 10 0 0 2006 2007 2008 2009 Below 20 years old OS PROCEDIMENTOS DE RECICLAGEM DE NAVIOS 26 Average age of scrapped vessels A reciclagem é o processo que visa transformar materiais cuja utilização deixou de interessar em novos produtos, com vista à sua reutilização. Em regra, em equipamentos complexos, inclui a preparação inicial para remoção preliminar de componentes diversas, matérias perigosas e resíduos, seguida do desmantelamento (separação física de parcelas estruturais) e terminando com a separação e acondicionamento dos materiais de natureza diversa para serem encaminhados para processos de valorização e reutilização com os cuidados estabelecidos nas normas de controlo ambiental em vigor no país. 2010 2011 2012 20-25 years old 2013 2014 2015 2016 25-30 years old 2017 2018 2019 30+ years old Sources: Clarkson, Danish Ship Finance Figura 1. – Idade média dos navios demolidos anualmente, 2006/2019 Os navios, no final da sua vida útil, após cumprirem a função para que foram concebidos e construídos, ainda podem ter uma “segunda vida” em actividades de interesse económico, cultural ou lúdico. Contudo, na generalidade dos casos, finda a citada vida útil, os navios são, desde há muito, reciclados com um aproveitamento de material bastante significativo. Deve referir-se que a duração da vida útil é variável, sendo função de vários factores designadamente a natureza da actividade, as dimensões, as condições de mercado e alterações complexas, impostas por convenções. A fig. 1 apresenta a idade média dos navios do comércio internacional abatidos e reciclados nos últimos 14 anos. Na generalidade dos casos, os navios serão sujeitos a um processo de desmantelamento que incluirá a remoção de líquidos, detritos e matérias perigosas (incluindo amianto, sobretudo em navios anteriores à década de 80 do século passado e PCB - bifenilos policlorados), a desmontagem de estruturas secundárias, componentes e equipamentos que constituem o seu apetrechamento – habitabilidade e funções técnicas; segue-se a desmontagem de cablagem, condutas e encanamentos, a par do desmantelamento estrutural segundo um plano sequencial que conjuga a segurança das operações e dos operadores com a produtividade e a racionalidade industrial. Parte das operações podem ser feitas com o navio a flutuar, mas outras exigem condições específicas em terra firme, Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 garantindo que não existe contaminação de solos. Enquanto pequenas embarcações em processo de desmantelamento poderão ser transferidas para terrapleno com meios de elevação correntes, nos navios com maiores dimensões, na fase de desmantelamento do casco, há que recorrer a docas secas, rampas ou plataformas elevatórias. Todas as operações técnicas incluídas no desmantelamento requerem mão de obra intensiva, são de risco elevado, exigem planeamento, sequenciação e competências próprias, medidas de prevenção contra incêndios, explosões e emanação de gases tóxicos, meios de elevação e movimentação, andaimes, corte térmico e mecânico, aparelhos de força, etc. Todas estas capacidades industriais necessárias ao desmantelamento residem nos estaleiros navais, designadamente de construção, ou onde se executem reparações de danos estruturais significativos; contudo o desmantelamento, devido à separação e desagregação de materiais de revestimento e de isolamento fixado às estruturas e à remoção de camadas de pintura, exigirá meios de contenção de detritos e poeiras e de separação de águas contaminadas específicos desta actividade, recomendando áreas e condições dedicadas. As operações que se seguem ao desmantelamento constituem negócios diferentes, envolvendo o condicionamento dos resíduos e da sucata e a comerciali- · revistademarinha.com zação de material usado, portanto alheios à actividade nuclear dos estaleiros de construção ou de reparação naval. Deve-se salientar que o interesse económico da indústria de desmantelamento de navios está também dependente da procura dos materiais reciclados, em particular do aço. Tratando-se de matéria pesada e volumosa, o custo do transporte será sempre um desincentivador da implantação em áreas geográficas onde não exista significativa produção de aço nas proximidades. Deve salientar-se que o aço de construção naval, graças às suas características mecânicas e aptidão para a soldadura, tem grande valor para reciclagem, já que é aplicável em construção metálica. A sucata de aço é a matéria-prima do fabrico de aço pelo método do forno eléctrico, muito favorável relativamente ao processo do alto forno (carregado com minério de ferro e de carvão), por razões de menor custo energético por tonelada de aço produzido e de redução de emissões de dióxido de carbono. Estima-se que cerca de 50% do aço estrutural produzido em forno eléctrico provém de aço reciclado dos navios, constituindo um exemplo bem vincado do conceito de economia circular. Em acréscimo, nos países asiáticos mais representativos no desmantelamento de navios, é prática proceder-se ou à utilização directa ou à “relaminagem” de parte do aço para fabrico de varão e outros perfis, evitando assim os custos energéticos inerentes à fusão. 51 Desmantelamento de navios 2014/2018 83.O Ano 12 000 10 000 A ECONOMIA E A REGULAMENTAÇÃO INTERNACIONAL DA RECICLAGEM Embora nas pequenas embarcações o retorno financeiro dos materiais recicláveis seja em regra reduzido, no equipamento offshore e nos grandes navios da marinha de comércio internacional – graneleiros, navios tanque, porta contentores, etc., os montantes envolvidos, fixados a partir do preço por tonelada de deslocamento leve, são significativos, sobretudo quando a procura mundial do aço está em alta e faz crescer o preço da sucata. Situações existiram recentemente onde navios graneleiros com pouco mais de uma dezena de anos foram desmantelados como alternativa a perspectivas de quebras nos preços do frete, ou por outras razões de mercado. A fig. 2 e a tabela 1 indicam a distribuição geográfica dos desmantelamentos de navios em arqueação bruta e respectiva distribuição por tipos de navio. Na tabela 2 está registado o nº de navios desmantelados de 2005 a 2017, salientando-se o aumento ocorrido nos anos da crise financeira iniciada em 2007. No 1º semestre de 2019 foi registado o desmantelamento de 326 navios, dos quais 299 na Ásia. Destes últimos, 71 pertenciam a armadores estabelecidos na UE e Noruega, ainda que com os navios registados em bandeiras fora da UE. Em 141 destes navios desmantelados ocorreu transferência do país de registo na viagem de destino para o local de demolição. No total de 2019 foram vendidos para desmantelamento 674 navios sendo: Bangladesh - 236, Índia - 200, Paquistão - 35, Turquia - 103, China - 29, União Europeia - 29 e restantes países 40. Como referido, a decisão de desmantelamento de navios é parte integrante do negócio do shipping. A valorização dos navios destinados ao desmantelamento 8 000 6 000 4 000 2 000 0 2014 2015 Bangladesh 2016 India Pakistan China Figura 2. – Distribuição de países com maior quota no desmantelamento de navio, 2014/2018. e consequente reciclagem, é substancialmente mais elevada na Índia, Bangladesh e Paquistão. A quota de mercado mundial destes 3 países juntamente com a China, atinge 90% em arqueação. Mais próximo da Europa, a Turquia também tem uma quota elevada (cerca de 6%) no negócio de desmantelamento de navios. Os países citados têm interesse estratégico na obtenção de equipamentos marítimos usados e de aço reciclado para as suas próprias indústrias, pagando preços relativamente mais elevados, face às outras geografias. Da forte concorrência e da falta de respeito pelo ambiente e pela saúde dos trabalhadores envolvidos resulta que nos 3 países asiáticos referidos, parte da actividade é praticada em praias, contaminando fundos e águas marítimas e sem as mínimas condições de higiene e segurança do trabalho, além de praticarem salários muito baixos. Assim, a despeito da pressão internacional, designadamente por parte da União Europeia e de ONG’s que se concentram neste tema, os armadores, mesmo alguns de referência, mantêm navios em registos não europeus e concretizam a venda para desmantelamento a negociantes (Cash Buyers)4 que enca- India Pakistan Turkey China Word total Perc. (%) Oil tankers 5989 1946 2824 66 17 10884 59,5 Bulk carriers 1115 465 829 18 53 2495 13,6 General cargo ships 127 149 57 65 5 405 2,2 Container ships 620 402 38 54 152 1284 7,0 Gas carriers 347 455 48 3 97 951 5,2 Chemical tankers 43 167 28 28 2 268 1,5 offshore vessels 181 581 72 143 30 1156 6,3 – 171 – 14 – 185 1,0 Other 210 353 47 29 5 673 3,7 Total 8632 4690 3943 418 359 18300,9 100,0 Percentage 47,2 25,6 21,5 2,3 2,0 100 Tabela 1. – Tonelagem de arqueação vendida para desmantelamento em 2018 – tipos de navio e locai de desmantelamento. Source: Clarksons Research. Notes: Propelled seagoing vessels of 100 gross tons and above. Estimates for all countries available at http://stats.unctad.org/chipscrapping. 52 Turkey 2018 Sources: UNCTAD, Review of Maritime Transport, various issues, based on data from Claksons Research. Bangladesh Ferries/passenger ships 2017 minham os navios para os citados países. Têm existido casos de navios com registo em países europeus que, quando é decidida a venda para desmantelamento, acabam por ser transferidos, durante a última viagem, para registos em bandeiras menos “exigentes”, contornando o Regulamento (CE) nº 1013/2006 de 14 de Junho de 2006 (proibição de exportação de resíduos perigosos para países não membros da OCDE) e o Regulamento (CE) nº 1257/2013 de Reciclagem de Navios (UE SRR), adoptado em 20 de Novembro de 2013 e em vigor desde 31 de Dezembro de 2018, que estabelece requisitos específicos para os navios com registo em países da EU, obrigando, entre outras exigências, que os navios sejam desmantelados em instalações/estaleiros incluídas na Lista Europeia de Instalações de Reciclagem de Navios que presentemente inclui 30 estaleiros ou instalações específicas europeias (em Portugal, a Navalria), além de 3 da Turquia e um nos EUA. A partir do final do corrente ano de 2020, o âmbito da acção da UE reforça-se, pois, todos os navios com registo em países da UE devem possuir um certificado IHM (Inventory Hazardous Material/Inventário de Materiais Perigosos) e o mesmo será exigido aos navios de outros registos que pratiquem portos de países da UE. Os requisitos e medidas previstas no Regulamento UE SRR são sujeitos ao Controlo do Estado do Porto e às inspecções do país de registo. As iniciativas da União Europeia, sendo positivas, têm sempre a condicionante de não se aplicarem ao resto do mundo, encarecendo as taxas dos fretes que envolvam portos europeus, dificultando a concorrência dos armadores com navios registados nos países da UE e contribuindo para a fuga para outros registos internacionais menos exigentes. Desde a Convenção de Basel (1989), os condicionamentos ambientais e sanitários do desmantelamento de navios têm revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha sido objecto de preocupação por parte de entidades políticas e de organizações da sociedade civil; esta primeira convenção pretendia regular os fluxos transfronteiriços dos resíduos perigosos e sua deposição; a sua aplicação no caso dos navios não foi eficaz por dificuldades na definição do momento em que o navio deixa de o ser passando a ser “resíduo”. Outras normas internacionais, recomendações e códigos de procedimento foram sendo aprovadas e difundidas, bem como outras Convenções internacionais; os resultados em matéria de concorrência, prevenção de danos ambientais e de salvaguarda das mais elementares normas de protecção de trabalhadores não têm sido satisfatórios, precisamente devido ao carácter eminentemente internacional do shipping. A aprovação da Convenção de Hong Kong, de 2009 (HKC), criou grande expectativa, sendo considerada a principal peça vinculativa global para regularizar a situação do desmantelamento de navios; infelizmente, ainda não é aplicada, devido aos respectivos pressupostos de entrada em vigor serem de difícil satisfação. O regulamento UE SRR baseou-se na HKC. CONCLUSÃO Todos os países com actividade marítima devem considerar e regulamentar a existência de instalações certificadas para Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 YEAR NUMBER OF SHIPS DEMOLITIONS 2005 326 2006 424 2007 421 2008 563 2009 1372 2010 1236 2011 1499 2012 1674 2013 1388 2014 1154 2015 884 2016 992 SEP. 2017 628 Tabela 2. – Quantidade de navios desmantelados entre 2005 e 2017. Source: based on Clakson Wolds Fleet Register, 2017. a reciclagem de navios e embarcações. Existe alguma afinidade com a localização dos meios e as técnicas usadas em estaleiros de construção ou de reparação naval. A realização simultânea dessas actividades não é aconselhável, designadamente devido à natureza e volume dos resíduos, poeiras e ruído produzidos no desmantelamento. De qualquer forma, os meios existentes nos estaleiros navais para docagem, meios de elevação e outro equipamento industrial, podem ter utilidade no desmantelamento numa perspectiva de rentabilidade de instalações quando não estão a ser ocupadas. A decisão de implantar uma indústria de reciclagem de navios, nomeadamente na perspectiva de passar a existir um mercado na Europa, terá de ser cuidadosamente ponderada, na óptica da procura pelos fabricantes de aços e de outros materiais me- · revistademarinha.com Construção & Reparação Naval tálicos não ferrosos, tendo em vista quer a qualidade quer a quantidade dos materiais reciclados originários dos navios, nas formas e dimensões em que se apresentam. Particularmente sensível face às condições em que o desmantelamento pode vir a ser realizado, é o processo de alienação e destino de navios de Estado abatidos à actividade, em particular de navios militares. Num passado recente alguns casos em diversos países originaram celeuma e acabaram por obrigar à revogação de decisões tomadas quanto ao destino de desmantelamento e condições de realização do mesmo. * [email protected] OBSERVAÇÃO: O autor não segue o novo A.O. NOTAS: (1) O Decreto-Lei n.º 265/72 – Regulamento Geral das Capitanias, usa ambos os termos: demolição ou desmantelamento; na gíria do armamento internacional usa-se habitualmente o termo scrapping. (2) Navios acima de 1.000 GT. (3) A China, igualmente com grande actividade de reciclagem, desde há cerca de 2 anos passou a proibir a importação de navios em fim de vida, cingindo-se agora ao mercado interno. (4) Cash Buyer é um interveniente habitual no processo de alienação de um navio para desmantelamento que adquire o navio ao armador e o vende à empresa que realiza o desmantelamento. 53 83.O Ano O Mar no futuro de Portugal Os 10 anos do Hypercluster da Economia do Mar por José Poças Esteves* O MAR COMO UM DOMÍNIO ESTRATÉGICO PARA PORTUGAL Um país forte necessita de uma economia forte. Não há um Portugal forte sem uma economia forte e bem posicionada no quadro da economia internacional globalizada e com um papel nos fluxos económicos e nas relações políticas internacionais. A economia portuguesa vivia, na primeira década deste século, e sobretudo no seu final, uma situação económica de crise continuada. Ao contrário do que seria de esperar com a integração, a economia portuguesa afastava-se das taxas médias de crescimento da União Europeia. Uma economia sem crescimento acaba por definhar e empobrecer, perdendo (qualquer que ele seja) o seu papel nas relações económicas e políticas internacionais. Havia, pois, uma necessidade urgente de descontinuar a situação e reconfigurar os processos de desenvolvimento da economia portuguesa. O processo de globalização criava uma oportunidade histórica para essa reconfiguração, com uma dinâmica acelerada no sentido de novos modelos económicos, novos fatores de competitividade e, portanto, a necessidade de novos recursos, nomeadamente endógenos e novas condições competitivas. Foi neste quadro de mudança que a SaeR, à data liderada pelo Professor Ernâni Lopes, concebeu e desenvolveu um conjunto de novos domínios estratégicos para Portugal, com potencial para criar a reconfiguração necessária e os novos modelos de desenvolvimento para a economia portuguesa. Essa necessidade de reconfiguração obrigou à criação de novas dinâmicas e novos domínios com forte potencial estratégico, entre os quais foram definidas políticas e estratégias concretas de desenvolvimento para o Turismo, os Serviços de Valor Acrescentado (como a Saúde e o Ambiente, entre outros), as Cidades, como um instrumento fundamental na transformação, e, sobretudo, o Mar, como o grande recurso estratégico nacional e o único que, encarado numa 54 visão holística e, portanto, não fragmentada, tinha todas as condições de inovação e dimensão para servir de motor e impulsionador da transformação da economia portuguesa e que permitiria a afirmação da economia e de Portugal no mundo. Este processo de reflexão sobre a importância do mar para Portugal teve um primeiro arranque na altura da Expo 98, com a elaboração de uma “Estratégia para os Oceanos”, mas teve a sua génese fundamental no seio da AORN - Associação de Oficiais da Reserva Naval, a partir de 2003 e com a organização de um conjunto de no, pobre e periférico e passa a ser um dos países com maior território nacional (nomeadamente marítimo), central com posição geoestratégica relevante no Atlântico e com os elevados recursos estratégicos que advêm da superfície e do fundo do seu mar. O mar constitui, de facto, a “nova fronteira” do conhecimento e dos recursos para as “economias do futuro”. Embora o ponto de partida seja baixo, resultante do abandono das últimas décadas, o potencial é enorme para o desenvolvimento e geração de riqueza nacional, com a atração de novos recursos e investimento externos de qualidade. O HYPERCLUSTER DA ECONOMIA DO MAR conferências regionais, em diversas cidades, com uma intervenção fundamental do Almirante Nuno Vieira Matias (infelizmente, também já falecido, recentemente) e que, desde sempre, foi um dos grandes “teimosos” defensores da importância estratégica do mar para Portugal. A participação do Professor Ernâni Lopes em algumas destas conferências fez a ponte para que a SaeR acabasse por assumir a coordenação da definição final e do desenvolvimento do conceito e da sua futura concretização. Portugal foi forte quando colocou o mar no centro do seu conceito estratégico nacional. Era preciso aproveitar novamente esse recurso estratégico e mudar o conceito e o paradigma, nesse sentido. Com o mar, Portugal deixa de ser um país peque- O estudo ”O Hypercluster da Economia do Mar – Um domínio de potencial estratégico para o desenvolvimento da Economia do Mar em Portugal”, desenvolvido pela SaeR, sob a coliderança de Ernâni Lopes e do autor deste texto, no âmbito da ACL – Associação Comercial de Lisboa (Câmara de Comércio e Industria Portuguesa), na altura presidida por Bruno Bobone, constitui, ainda, passados 10 anos, um marco histórico do pensamento estratégico e da estratégia nacional para o aproveitamento do mar como um recurso endógeno fundamental para Portugal e para o seu futuro económico e político. Vale a pena relembrar as suas linhas de orientação e visão de conjunto, resumidamente apresentadas na figura junta. O MAR COMO UM FATOR DE DIFERENCIAÇÃO E IDENTIDADE NACIONAL. UM DESÍGNIO NACIONAL O estudo define um grande objetivo e cria uma visão: – “tornar Portugal, na viragem do 1º para o 2º Quartel do séc. XXI, num ator marítimo relevante, ao nível global". Para a concretização desta visão, propõe dois objetivos estratégicos: revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Economia do Mar – “o Hypercluster da Economia do Mar conseguir constituir-se, ao longo do 1º Quartel do séc. XXI, num domínio estratégico impulsionador do desenvolvimento económico e social de Portugal”, e – “Portugal, no mesmo horizonte temporal, colocar-se como interlocutor credível, porque efetivo e inovador, na economia global do mar”. Como forma de concretização desta visão e objetivos, o estudo propõe, tomando em consideração o papel sistémico de cada um dos clusters identificados, um Plano de Ações detalhadas, distribuídas por quatro plataformas diferentes de planos, para os 12 componentes considerados, conforme o seu papel no hypercluster, nomeadamente (ver figura), os prioritários, os de sustentação imediata, os de alimentação / regeneração e um meta-plano com carácter prospetivo, de longo prazo e de criação das condições de continuidade e consistência da visão e alinhamento e controlo de todos os planos detalhados de cada segmento /cluster. Complementarmente, como forma de garantir a estruturação da atuação empresarial conjunta e o enquadramento e facilitação macropolítica e de ação governamental, são propostas três medidas de enquadramento, consideradas determinantes no caminho crítico para o sucesso da implementação do hypercluster, nomeadamente: – a constituição de um “Fórum Empresarial para a Economia do Mar”, englobando os principais atores / empresas, comprometidos e interessados nas diferentes atividades do hypercluster; – o reforço do poder político do mar, com a proposta de constituição de um Conselho de Ministros Exclusivo para os Assuntos do Mar, presidido pelo Primeiro Ministro e com um Gabinete Técnico de Apoio, por forma a garantir a importância e o peso político das iniciativas; – a criação de Legislação Especial e Exclusiva, com descriminação positiva, à O Prof. Dr. Ernâni Lopes (1942-2010). semelhança de outras circunstâncias (p.e., Expo 98) em que também esteve presente um desígnio nacional (infelizmente, esta necessidade não chegou ainda a ser assumida pelo poder governamental). O Fórum Empresarial para a Economia do Mar, constituído com mais de 80 empresas associadas, foi coordenado, no seu início pelo também saudoso Fernando Ribeiro e Castro, tendo mais tarde, por fusão com a Associação Oceano XXI, integrado o atual Fórum Oceano – Associação da Economia do Mar. O Conselho de Ministros para os Assuntos do Mar foi constituído sob a forma de uma Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar, que se mantém e que na sua 9ª reunião aprovou a revisão da Estratégia Nacional para o Mar. UM PONTO DE SITUAÇÃO UM CAMINHO URGENTE E LONGO A FAZER Muito está feito e muito há ainda por fazer. Há, de facto, um caminho urgente e longo ainda a percorrer. Um importante aspeto está ganho: está definitivamente assumido que o Mar e a Economia do Mar constituem hoje, indiscutivelmente, um grande fator de identidade e unidade e um desígnio nacional. Portugal, nestes 10 anos, posicionou-se no front-end internacional da ciência e do conhecimento do Mar. Grandes questões de nível global de ciência, estratégia, direito, economia e outras áreas do conhecimento têm o “selo” português”. As Universidades, que quase ignoravam estes temas, nestes 10 anos criaram largas dezenas de pós-graduações e doutoramentos. Este facto, por si só, constitui uma mais valia e é uma garantia de que o futuro está, de facto, a ser construído. A economia do mar passou a ser um fator de desenvolvimento económico e social para muitas cidades e regiões, sobretudo com ativos estratégicos relacionados com o mar. O instrumento base para a conceção e implementação destas estratégias de desenvolvimento foram conceitos propostos no estudo, como, por exemplo, os “Centros de Mar”, destacando-se, como pioneiras, as cidades de Viana do Castelo, Cascais e Portimão. O conceito do Mar como um fator determinante para o desenvolvimento económico e social extravasou Portugal e é hoje reconhecido na estratégia europeia, como um recurso endógeno fundamental, em termos económicos, mas também políticos. Portugal tem uma Estratégia Nacional para o Mar. Infelizmente, ainda muito pouco implementada no seu potencial. Dez anos após a divulgação do estudo, é agora tempo de reavaliar e reajustar eventuais aspetos e componentes, que, decorrido este tempo, se possam revelar necessários. Esse mid-term review é sempre recomendável em todos os processos de política e desenvolvimento estratégico. É, pois, preciso pensar o Mar, não tanto como passado, mas como o futuro de Portugal e, ao mesmo tempo, e cada vez mais importante, pensar Portugal e o papel que pode ter no futuro do Mar. Que as figuras de Ernâni Lopes e Nuno Vieira Matias sirvam de exemplo e orientação! * Presidente Executivo da SaeR ESPECIALISTAS EM SOLUÇÕES DE COMANDO E CONTROLO DE OPERAÇÕES MARÍTIMAS www.xsealence.com Monitorização, Controlo e Vigilância Marítima | Gestão Integrada das Pescas | Coordenação de Missões de Fiscalização Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 · revistademarinha.com 55 83.O Ano Últimos a chegar e últimos a partir Parte II - de Cabinda a Lisboa por Luís Loureiro Nunes* elembrando o texto publicado na edição anterior da RM, a Companhia nº 9 de Fuzileiros (CF9), embarcou para Luanda em meados do Verão de 1975. Foi a última unidade militar a embarcar para o então Ultramar Português e integraria o último contingente militar que saíu de Angola, a 10 de novembro desse ano, véspera do dia de declaração da independencia. Comandada pelo 1ºTen. EMQ FZE Correia Graça (já falecido) e com o autor destas linhas como Oficial Imediato, tinha como missão reforçar o dispositivo militar português em Angola, a fim de garantir a retirada disciplinada, ordeira e segura das últimas autoridades e forças militares, representantes do Estado Português naquela ex-colónia. Na parte I deste artigo, descrevemos a partida de Lisboa, chegada a Luanda e permanencia em Cabinda. No final de outubro de 75, a metade da CF9, que sob o meu comando tinha sido destacada para Cabinda, a fim de render um batalhão do Exército, regressou a Luanda, a bordo da corveta NRP PEREIRA D’EÇA. R A CHEGADA A LUANDA Chegamos a Luanda vindos de Cabinda sobre a madrugada do dia 1 ou 2 de novembro. Pelo menos estavam viaturas á nossa espera na Base Naval, que nos transportaram para o quartel de fuzileiros em Belas. E digo “pelo menos” porque naquele ambiente de turbulência e imprevistos, seria quase normal que não estivessem. Nessa noite o pessoal não teve direito a cama. Por alguma razão, que não me recordo, nada estava preparado para nos alojar. Ficamos no relvado da Estação Radionaval, situada no outro lado do quartel de fuzileiros, que estava entre o quartel dos “Paras” e esta estação. Os dias que se seguiram foram de grandes mudanças e alguma confusão. No quartel dos paraquedistas continuava o incessante vai e vem de refugiados, que a qualquer hora da noite ou do dia, eram chamados e transportados para o aeroporto, a fim de embarcarem na “ponte aérea” para Lisboa. Um trabalho notável, coordenado e organizado pelo então Ten. 56 Cor. Gonçalves Ribeiro, sob cujas ordens tive o privilégio de, muito mais tarde, trabalhar, era ele já Oficial-General, no Ministério da Defesa Nacional, na área da cooperação técnico-militar. À minha unidade, à CF9, já com todos os seus elementos, foi então atribuída nova missão. Em conjunto com outras unidades de fuzileiros e de paraquedistas, participava agora na segurança do Palácio do Governador, onde estavam o Alto Comissário, Almirante Leonel Cardoso e o General Paraquedista Heitor Almendra, Comandante-Chefe. As imagens desses dias pareciam, mais uma vez, imaginadas por algum realizador de ficção. No interior do palácio vagueavam os criados com os seus uniformes sempre impecáveis, cruzando-se a cada passo com militares em camuflado. No jardim, ao lado da piscina, alinhavam-se as mochilas dos “páras” e dos fuzileiros. No salão de jogos, os oficiais de camuflado, jogavam bilhar. As rações de combate eram comidas com palamenta da “Casa das Índias”. Não dizia … a bota com a perdigota. Jean Larteguy, o escritor francês da guerra na Indochina, andava certamente por ali. Recordo nomes que ficaram para sempre gravados na minha memória e com alguns dos quais fiz amizade indelével, caso do então Capitão, hoje General paraquedista Avelar de Sousa. Entretanto as LDG's (Lanchas de Desembarque Grandes) lançavam ao mar quantidades enormes de armas e munições. Parece que depois ouve mudança de rumo e foi dada ordem para que, em vez de serem lançadas ao mar, as armas e munições fossem antes entregues ao MPLA. Recebemos então ordem para retirar do quartel de Belas para bordo dos dois navios que nos haviam de transportar para Lisboa, na noite de 10 para 11 de novembro desse ano de 1975. O paquete UÍGE, adaptado a transporte de tropas, atracado no porto comercial de Luanda, seria agora a nossa base. Noutro navio, no NIASSA, nas mesmas condições, estavam outras unidades. O DFE1 embarcou no NRP SÃO GABRIEL. No dia da mudança, logo que chegamos ao paquete UÍGE, um oficial reparou que se tinha esquecido de uma mala no quartel de Belas. Rápidamente voltou atrás para a recuperar. Quando regressou ao porto de Luanda, estava verdadeiramente chocado e impressionado com o que viu no espaço de onde tínhamos acabado de sair. Mais uma vez, as instalações tinham sido cuidadosamente preparadas para a chegada dos novos inquilinos, fossem eles quem fossem. O que o Ten. Cortez (julgo que foi ele) viu e relatou foi caótico e brutal. A entrada do quartel tinha sido arrombada e uma multidão anárquica e destruidora, corria pelos espaços interiores apanhando tudo o que podia. Na Messe de Oficiais, um enorme aquário, de que todos quantos por lá passaram certamente se recordam, tinha sido destruído. Água e peixes pelo chão. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha História Marítima Alm. Leonel Cardoso proferindo o discurso na cerimónia da independência. (foto de Leonel Cardoso - filho) Portas arrombadas e gente a correr com todos os objetos que podia apanhar ou arrancar. Tinhamos de lá saído apenas uma ou duas horas antes. Era a voragem natural, num ambiente único, de vazio, impunidade e total ausencia de meios para manter alguma ordem e civilidade. Numa vida, não se repetem estes momentos. Voltando ao UÍGE, diariamente cumpriam-se as tarefas de rotina, de rendição do pessoal em serviço no palácio. Certa noite, em consequencia de confrontos armados na zona do porto, o Comandante do navio decidiu desatracar e fundear no meio da baía de Luanda. Quando, pela manhã, me preparo para as rotinas diárias, vejo que estou rodeado de água salgada por todos os lados, sem acesso às viaturas estacionadas no porto. Literalmente, apanho boleia para a Base Naval numa embarcação que passou perto de nós, de onde arranjo forma de ir buscar as viaturas, com os nossos condutores. Abençoada capacidade de improviso e de desenrrascanço. Nunca, como naquela missão, me foi tão útil, mesmo essencial. Claro que, depois, na “vida real”, tive alguma dificuldade em me “reprogramar” para aceitar os infindáveis “check list”, os rigorosos manuais de instruções e outras maçadoras regras e procedimentos, próprios dos novos cenários internacionais, Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 em que necessária e naturalmente passamos a actuar. Mais uma ironia do destino, 40 anos mais tarde (re) encontro e faço amizade, com um dos oficiais da guarnição do UÍGE, o Comandante da Marinha Mercante José Anacleto. Encontramo-nos ainda e outra vez em Angola. Ao correr de uma qualquer conversa, concluimos que haviamos estado no mesmo navio, vivendo esses tempos. Ele como oficial da guarnição e eu, passageiro pelas circunstâncias atrás descritas. Por estas, por outras e ainda por muitas mais razões, Angola tem um significado e ocupa um espaço decisivo na minha vida Na Base Naval, durante todos estes “dias do fim”, uma imagem permanecia constante: o navio mercante PANARRANGE ali atracado, embarcava milhares de caixotes que diáriamente iam chegando. Havia mais navios, mas, por alguma razão, fixei este. Coisas … Uma vez alguém foi reclamar que lhe tinham roubado o automóvel e sabia que estaria num caixote com o nome de “fulano de tal”. Nada a fazer, não era possível descarregar o caixote … vicissitudes da época. · revistademarinha.com OS PÃEZINHOS QUENTES A vida de unidade, decorria agora a bordo do navio que nos ia transportar para Lisboa. Entretanto, em terra, nas messes de oficiais e sargentos e nos refeitórios de praças, já se consumiam só rações de combate ou refeições confeccionadas pelos próprios, usando os géneros que se iam encontrando nos paióis. Os funcionários locais, cozinheiros, empregados de mesa, limpezas etc. tinham já abandonado os seus postos de trabalho. 57 83.O Ano O Comandante da CF9, 1º Ten. EMQ FZE Correia Graça. Mas, espanto dos espantos, a bordo do nosso navio, eramos principescamente tratados. Pãezinhos quentes e croissants ao pequeno almoço; almoço e jantar á lista e scones para o lanche. Não dava para acreditar … mas era isso mesmo que se passava. O bar … abastecidíssimo! E á noite, jogavam-se cartas gastando os “angolares” que, no exterior, já não serviam para nada. ÚLTIMO DIA, PARTIDA DE LUANDA E VIAGEM PARA LISBOA No último dia em Angola, 10 de novembro de 1975, foi necessário procurar pela cidade viaturas que funcionassem e estivessem capazes de integrar a coluna final, que havia de transportar as forças do Palácio para a Base Naval. Ao princípio da tarde apresentaram-se os agentes da recém-formada Polícia Nacional de Angola, com os seus novos uniformes, azuis claros, ao que parece, oferecidos pelo Brasil. Renderam os fuzos e os paras que estavam nos postos de vigilância. A meio da tarde, é arriada a Bandeira Nacional, hasteada no Palácio. É então que se capta a icónica fotografia do 1ºTen. Correia Graça, meu Comandante, com a Bandeira Nacional dobrada, debaixo do seu braço esquerdo. De seguida, realiza-se a cerimónia oficial do arriar da Bandeira, na fortaleza de S. Miguel, com a presença do Alto Comissário, Almirante Leonel Cardoso, do General Heitor Almendra, Ten. Cor. Gonçalves Ribeiro e de outras entidades civis e militares. As forças estavam já embarcadas nas viaturas em coluna, no interior do palácio, aguardando ordem para iniciar a marcha em direcção á Base Naval. Á frente, uma 58 viatura blindada “panhard” da Polícia Militar rugia com todo o vigor, o último helicóptero “allouette III”, pilotado pelo Ten. Prazeres, fazia protecção aérea. Após algum tempo de espera (parece que foi difícil encontrar a chave do portão da fortaleza) rompeu marcha a derradeira coluna militar. Eu seguia na cabine, junto ao condutor, de uma das viaturas. As forças que tinham participado no arriar da bandeira na fortaleza, juntaram-se a nós na rampa que dá acesso ao largo do Baleizão. Quando desembocamos no largo, olho para a minha direita, onde estava a conhecida cervejaria Baleizão, ainda aberta e a funcionar. Numa mesa da esplanada, alguns clientes bebiam cerveja e petiscavam uns camarões. Mais uma vez, lembro-me de pensar que estava a viver momentos estranhos, quase surreais. Pareciam dois filmes diferentes, a serem projectados lado a lado. O fim de cinco séculos de presença de Portugal, os ultimos militares a partir, dentro de algumas poucas horas, um novo país que deixamos entregue não se sabe bem a quem, o fim de um Império … e bebem-se umas cervejas como se tudo aquilo fosse normal. Mais português do que isto, é impossível. Embarcamos nos navios fundeados e aguardamos a hora de zarpar. Perto da meia noite do dia 10 de novembro de 1975, navegamos em direcção á saída da baía de Luanda. Ao longe, as munições tracejantes anunciam combates violentos às portas de Luanda, a cerca de 30 Km, no Kifandongo, entre as forças do MPLA, apoiadas pelos cubanos e a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) apoiada por forças da África do Sul. Dentro de minutos Agostinho Neto proclama a independencia de Angola. Jantei e fui descansar. Para além do UÍGE, do NIASSA e do navio reabastecedor SÃO GABRIEL, o comboio naval era composto pela corveta PEREIRA D’EÇA e pelas fragatas HERMENIGILDO CAPELO e ROBERTO IVENS. O rebocador SCHULTZ XAVIER rumara a sul, para dar apoio a embarcações de pesca que tinham ido para a Namíbia. A viagem fez-se sem sobressaltos. Lembro-me de ouvir pelo sistema de som do navio, o juramento de bandeira no RALIS. Parece que estavam com os punhos cerrados e a tradicional fórmula de juramento tinha sido alterada, de acordo com o espírito revolucionário do PREC. Não liguei muito. CHEGADA A LISBOA No dia 23 de novembro, de manhã cedo, após 12 dias de navegação, atracamos no cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa. Noto alguma agitação nos momentos antes de desembarcar. Soube que no cais estava uma espécie de “comité de receção”, composto por “militares progressistas”, que pretendiam arregimentar os recém-chegados para o seu “lado da barricada”. Estava mais preocupado com o desembarque organizado do meu pessoal. Desembarcamos sem novidade. A minha mulher, já no cais, diz-me que na noite anterior alguém roubou as quatro rodas do nosso “mini”, estacionado à porta de casa. Fomos transportados em viaturas de Marinha para a Base Naval do Alfeite. Dois dias depois acontece o “25 de novembro”. O Vale do Jamor, em Lisboa, bem como o resto do país, abarrotava de refugiados, a quem, por alguma razão, chamaram “retornados”. Alguns seriam; só retorna quem já cá esteve, mas as razões entendem-se. * [email protected] OBSERVAÇÃO: Por lapso não foi referida na Parte I a presença em Angola do NRP SÃO GABRIEL, um reabastecedor de esquadra, então comandado pelo C.m.g. Jorge da Fonseca Gamito. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha 83.O Ano A Caverna em Trincado do Navio Medieval da Várzea de Alfeizerão por Francisco J. S. Alves* m 1973, a nordeste da quinta “Nova Esperança de Vale Paraíso” da várzea de Alfeizerão, antiga lagoa completamente assoreada desde o século XVI, mas até então acessível a navios de alto bordo e dispondo de diversos portos e estaleiros navais – desde a época medieval comerciando do Mediterrâneo ao Báltico – uma retroescavadora recuperou uma caverna de navio talhada em trincado na extremidade norte de uma vala de drenagem contígua A caverna em trincado do navio medieval de Alfeizerão. da Vala Real, que a poucos metros lhe corre paralelamente para o oceano. identificação do material (Quercus robur), A caverna ficou então guardada num e de datação por radiocarbono no LNETI armazém da quinta, que acabou por ser – a qual a situou entre os finais do séc. X e demolido, tendo-se-lhe perdido o rasto. os meados do séc. XII (ICEN-123), consisPor felicidade, a notícia da descoberta tente com uma datação da época Viking! chegara entretanto ao conhecimento do Em face da importância científica e Eng.º Geólogo Manuel Teixeira Pinto, resihistórico-arqueológica deste achado, o dente em Alfeizerão, incansável andarilho autor decidiu então promover entre 1988 e amante de antigualhas, que, cautelare 1989 um conjunto de missões de prosmente, a mandou fotografar profusamenpeção no local da notável descoberta. A te, o que incluiu as medições de todos primeira missão consistiu na realização os seus pormenores anotadas em papel de sondagens lito-estratigráficas interpovegetal sobreposto sobre cada foto, daladas, com sondas-goivas próprias para dos que, em 1986, viriam a ser facultados a recolha de amostras sedimentares, de ao autor, então diretor do Museu Nacio3 e de 6 cm de diâmetro (esta dita Danal de Arqueologia e Etnologia, que, por chnowsy), na margem esquerda da vala coincidência, era simultaneamente prode drenagem, nas imediações do local motor de um projeto global na área do do achado, e ao longo de um transecto à património arqueológico náutico e subalargura da várzea, aproximadamente perquático português, e que imediatamente pendicular à vala de drenagem, as quais se interessou pelo caso. Também o Prof. permitiram conhecer com precisão a esArq.to Octávio Lixa Filgueiras, eminente tratigrafia do local da descoberta, assim especialista e autor de numerosos tracomo da várzea. balhos sobre embarcações tradicionais A segunda missão foi uma prospeção portuguesas, nomeadamente de âmbito fluvial nortenho, justamente dotados de cascos construídos em trincado, de clara genealogia nórdica, se interessou por este assunto. A descoberta viria por sua vez a enriquecer-se pouco depois, pelo facto de o signatário ter sido informado de que um pequeno pedaço de madeira, que se desprendera da extremidade de um dos braços da caverna na ocasião da sua recuperação, fora guardado como uma Manuel Teixeira Pinto (de frente) e Octávio relíquia pelo filho do operador da retroesLixa Filgueiras (de costas) junto ao tanque de cavadora, que prontamente o disponibilidrenagem da vala, nas imediações da qual a zou, tendo sido imediatamente objeto de caverna em questão foi recuperada. E 60 por eco-sondagem de penetração sedimentar subaquática (sub-bottom profiler), realizada em 1989, por uma equipa do Instituto Hidrográfico, no troço norte da vala de drenagem, da qual resultou a deteção de uma anomalia eventualmente significativa. As duas restantes missões de prospeção foram realizadas por magnetometria de protões sob a direção de Prof. Doutor J. M. Senos Matias, da Universidade de Aveiro, numa faixa de 35 m ao longo da margem esquerda da vala de drenagem e do respetivo tanque, que tiveram pleno sucesso, traduzido num vasto número de anomalias detetadas no subsolo e devidamente mapeadas. Desde então, estas anomalias não puderam ser caracterizadas, tanto pela complexidade das infraestruturas requeridas, como pelos incessantes e sucessivos desafios profissionais que ocorreram até à aposentação do autor, dos quais os mais importantes foram a criação e direção do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, subsequente à do Museu Nacional de Arqueologia, à colaboração no programa do Pavilhão de Portugal na Expo’98 com a direção no terreno da escavação dos destroços da Nau da Índia NOSSA SENHORA DOS MÁRTIRES, naufragada em 1606 nas imediações da fortaleza de São Julião da Barra, em paralelo com a organização de um Simpósio internacional correlativo – que contou com a colaboração da Academia de Marinha – a par da direção da escavação e remoção dos vestígios estruturais do navio quatrocentista “Ria de Aveiro A”, o mais próximo exemplo conhecido de uma caravela dos Descobrimentos. NOTA FINAL A publicação de base que o presente texto resume, adianta uma solução técnica que permite relançar a pesquisa em questão, com o recurso a uma armação paralelepipédica móvel, em cantoneira, de 1 x 0,5 x 05 m, em cujos topos e base assentariam placas de inox perfuradas revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha História Marítima Fase da missão de prospeção lito-estratigráfica, vendo-se à esquerda, em último plano, o respetivo responsável, Doutor José Mateus. segundo um reticulado desalinhado de 10 em 10 cm. Estas furações teriam um diâmetro adequado à colocação na vertical, interpoladamente, de um tubo-guia, igualmente em inox, no qual correria uma lança de jato de água de 6 m, também de inox, ligada a uma moto-bomba. Este dispositivo amplamente testado, proporciona uma penetração no estrato sedimentar local como faca em manteiga, permitindo assim localizar quaisquer partes de madeira da estrutura do navio, enterradas e/ou submersas. Este projeto implicaria numa primeira fase o recurso a novas prospeções por métodos geofísicos, assim como uma vasta congregação de boas-vontades e apoios, no primeiro plano dos quais estariam a autorização do proprietário do Equipa do IH (Marinha) em prospeção por eco-sondagem. O Prof. Doutor J. M. Senos Matias (à esquerda), dirigindo uma das missões de prospeção. terreno e o da tutela desta área patrimonial. Por sua vez, a índole e a importância nacional e internacional do projeto, proporcionaria previsivelmente a reunião dos recursos necessários ao seu desenvolvimento no terreno. * Arqueologo Capa de Alves, F.,2019 - março, “A caverna em trincado do navio medieval da várzea de Alfeizerão”. Série Textos Originais de Difusão Irrestrita. Lisboa, março de 2019 (A4) capa + p.0 + 107 págs.(texto: 52 págs.+11 Anexos). Edição do autor. em pdf, gratuita, disponível na Academia.Edu. Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 · revistademarinha.com 61 83.O Ano Fernão de Magalhães O Homem que dobrou o Mundo por Fernando Quental* A morte de Fernão de Magalhães na batalha de Mactan, em Cebu, nas Filipinas. ltimamente muito se tem falado e escrito sobre Fernão de Magalhães. E, felizmente, entre nós, no seu país de origem. Era comum este navegador, o maior e o mais apto de todos, ser relegado para segundo plano como figura malquista, obliterado da História nacional, não por patriotismo, mas por um “portuguesismo” bacoco e retrógrado. As comemorações conjuntas dos governos de Espanha e Portugal relativas aos 500 anos da viagem de circum-navegação, trouxeram à memória do País o que foi este Homem. Os livros publicados pelo historiador José Manuel Garcia, o romance de João Morgado, avalizado pelo historiador, e o livro de Edouard Roditi esclarecem e elucidam o leitor do papel de Fernão de Magalhães na navegação e na historiografia mundial. Pôs-se sempre a questão se ele teria tido conhecimento de que as Molucas, as Ilhas das Especiarias, estavam ou não do lado português definido pelo Tratado de Tordesilhas. Hoje podemos dizer que ele já o sabia, mesmo antes de lá chegar, pois inferimos pela sua dilação de rumar para Ternate, sempre com os seus mais próximos a instá-lo para tal. Esta situação U 62 deve-se ao facto de ele saber perfeitamente onde se encontrava. Isto em nada é demeritório para Fernão de Magalhães; basta ler os relatos das suas navegações, agora disponíveis, para se perceber o que era o Homem. No livro de João Morgado, “Fernão de Magalhães e a Ave do Paraíso”, a pgs 284, surge a passagem, que transcrevemos, do “Relato de Albo”: – “Que novas me trazeis? - perguntou Magalhães quando André de San Martín, o cartógrafo, entrou no seu camarote e se aproximou dele trazendo consigo a sua carta de marear. Vinha secundado por Francisco de Albo, que sempre o apoiava nos cálculos das coordenadas e que tudo apontava no seu diário. – Las nuevas que traemos, no serán de vuestro contentamento, Capitán – afirmou em tom seco … depois, sem nada dizer (San Martín) passou com o dedo por uma linha que atravessava o documento (carta de marear) de alto a baixo. Sem que ninguém lhe desse a palavra, o Capitão rastreou o traço com os olhos e depois ... praguejou … acontece que ... não passava nos mesmos lugares (do Mapa de Faleiro). Isso mudava tudo. Absolutamente tudo. Mudava o Norte e a sua posição do mundo, mudava o seu encargo, o seu sonho, a sua vida.” * [email protected] OBSERVAÇÃO: Os diários de Francisco Albo encontram-se no Arquivo das Índias, em Sevilha. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha 83.O Ano O Paquete SANTA MARIA (1953) por Luís Miguel Correia* SANTA MARIA foi um dos mais importantes navios portugueses do século XX. Utilizado nas carreiras regulares de Lisboa para as Américas, do sul e central, teve grande prestígio, embora a fama se tenha ficado a dever ao incidente político ocorrido em 1961 que ficou conhecido como "assalto ao SANTA MARIA". Ao O contrário do que é voz corrente, o SANTA MARIA não resultou do "Despacho 100", tendo sido construído por iniciativa da Companhia Colonial para consolidação da linha da América do Sul. Foi o nosso paquete mais bem posicionado comercialmente para permitir uma transição para a atividade dos cru- zeiros, mas tal não foi aproveitado e o navio foi desmantelado com apenas 19 anos. * Historiador Naval e Fotógrafo Diretor da EIN-Náutica Apartado nº 3115 1302-902 LISBOA [email protected] http://lmcshipsandthesea.blogspot.com SANTA MARIA (1953 – 1973) Características técnicas: Navio de passageiros a turbinas, construído de aço em 1951-1953. Nº Lloyd's: 5312458. Nº oficial: H 421. Indicativo de chamada: CSAL. Porto de registo: Lisboa (registado na Capitania do Porto a 9-11-1953, livro 17, folha 122). Arqueação bruta: 20.906 tons; Arqueação líquida: 11.877 tons; Porte Bruto: 7.716 tons; Deslocamento leve / máximo: 14.034 / 21.750 tons. Capacidade de carga: 3 porões para 5.969 m3 de carga geral, incluindo 474 m3 de carga frigorífica. Comprimento ff: 185,75 m; Comprimento pp: 171,00 m; Boca: 23,09 m; Pontal: 15,80 m; Calado: 8,41 m. Máquina: 2 grupos de turbinas a vapor Parsons, com 20.000 shp a 120 rpm (Max. 25.500 shp). Consumo de 140 tons de nafta / 24 horas, 2 hélices de 3 pás. Velocidade: 20 nós (Max. 23 nós). Passageiros: 1.188 (156 – 1ª, 232 – 2ª, 800 – 3ª). Tripulantes: 351. Navio gémeo: VERA CRUZ. Custo: 692 milhões de Francos Belgas, cerca de 511.236.000$00. História: A 17-02-1951 a Companhia Colonial de Navegação (CCN) requereu ao Governo autorização para construir "um segundo VERA CRUZ" para a linha do Brasil. A autorização foi concedida pelo Ministro Américo Thomaz no Despacho 33, de 9 de março de 1951, pelo que o navio foi 64 encomendado em abril de 1951 ao estaleiro belga Société Anonyme John Cockerill (construção nº. 74), e foi construído em Hoboken, Antuérpia. A quilha foi assente a 2-06-1951, minutos depois de o VERA CRUZ ter sido lançado à água. A 20-091952 o SANTA MARIA foi lançado à água pelas 17H30; o padre Moreira das Neves abençoou o navio, do qual foi madrinha Dª. Maria Amália Costa Leite (Lumbrales), mulher do Ministro da Presidência. O SANTA MARIA foi entregue em Antuérpia, a 20-10-1953 tendo na véspera recebido a visita do Rei Balduíno I. A 22-10 o SANTA MARIA largou para Lisboa (25-10), sendo seu primeiro Comandante o Capitão Mário Simões da Maia. O navio foi visitado pelo Ministro da Marinha à chegada, e pelo Presidente da República, Craveiro Lopes, a 10-11. O SANTA MARIA largou do Tejo a 12-11-1953 na viagem inaugural para Funchal, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, Montevideu e Buenos Aires, transportando o Ministro Américo Tomás em visita oficial. De 29-12-1953 a 3-01-1954, o SANTA MARIA efetuou o primeiro cruzeiro, de Lisboa ao Funchal, para a passagem de ano. Após a segunda viagem, em que se registaram avarias graves nas redutoras de um dos grupos de turbinas, o SANTA MARIA permaneceu em Lisboa, para reparação, de 11-02 a 22-06-1954 e a 3-07 retomou as viagens ao Brasil. Saiu a 19-10-1954 na primeira viagem à América Central. A 2404-1955 fez uma viagem à Venezuela e Brasil. Cruzeiro à Madeira de 29-12-1954 a 3-01, tendo o SANTA MARIA sido abalroado na madrugada de 1-01-1955, pelo QUANZA, que estava fundeado próximo e garrou. A viagem do SANTA MARIA ao Brasil de 8-07 a 5-08-1955 foi um cruzeiro com 9 dias no Rio de Janeiro, durante o Congresso Eucarístico Internacional, que decorreu naquela cidade. Com organização da Ação Católica, seguiu no SANTA MARIA uma excursão de 340 peregrinos, com 5 cardeais e bispos, sacerdotes e … peregrinos, muitos de grande relevo social. Na véspera, haviam embarcado em Vigo peregrinos espanhóis, italianos e alemães. A 10-08-1955 pelas 22H00 realizou-se a bordo do SANTA MARIA, atracado ao cais da Rocha em Lisboa, a sessão solene comemorativa dos 10 anos do Despacho 100. A 4-10-1956 o SANTA MARIA fez, pela primeira vez, escala em Port Everglades, na Florida. A 18-11-1957, o SANTA MARIA iniciou em Lisboa a última viagem ao Brasil. Em 1958 fez a primeira reclassificação, procedendo-se à ampliação da instalação de ar-condicionado e à eliminação das camaratas na 3ª classe, transformada em turística com 696 lugares. A 11-071958 o SANTA MARIA saiu de Lisboa com revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Despacho 100 1.149 passageiros na única viagem a África, com 1.105 passageiros. A 11-08-1958 o SANTA MARIA largou de Lisboa com 530 passageiros, num cruzeiro a Antuérpia (Exposição Internacional de Bruxelas). Seguiu-se um cruzeiro ao Mediterrâneo, de 22 a 30-08, com 700 passageiros, após o que retomou a linha da América Central. A 2211-1958, o SANTA MARIA inaugurou um cais novo em Port Everglades. Última escala em Havana a 5-08-1960. A 22-01-1961 o SANTA MARIA foi assaltado no mar, por 24 indivíduos portugueses e espanhóis, embarcados em La Guaira e Curaçau, dirigidos por Henrique Galvão e Jorge Sottomaior; o navio acabou por arribar ao Recife a 2-02, e foi ocupado por uma força de fuzileiros brasileiros. O paquete teve içada à popa a bandeira do Brasil, até à reentrega à CCN a 5-02; a 7-02 largou do Recife para Lisboa (16-02), atracando a Alcântara, sendo visitado por Salazar, que referiu … temos o SANTA MARIA connosco. Obrigado, portugueses! O assalto custou à CCN 16 mil contos de prejuízos, a vida do 3.º piloto João José do Nascimento Costa e a saúde depauperada do piloto João Lopes de Sousa, que ficou conhecido por "Sousa dos tiros". A 23-03-1961 o paquete regressou à linha da América Central. Cruzeiro de Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 29-12-1963 a 2-01-1964 (Lisboa, Funchal, Lisboa). De 1 a 12-08-1964 cruzeiro ao Mediterrâneo, fretado à Mundial Turismo, com 1.139 passageiros. A 27-12-1964 largou de Lisboa para Tenerife e Funchal em cruzeiro. De 5-02 a 15-03-1967 foi modernizado em Lisboa, atualizando-se os alojamentos da 2.ª classe e turística. Em 8-1967 o SANTA MARIA foi docado pela primeira vez em Lisboa no estaleiro da Lisnave na Margueira. Cruzeiro de La Guaira às Caraíbas de 31-03 a 7-04-1969. A 2-12-1969, em La Guaira, foi dada a bordo uma festa de beneficência, promovida pela Embaixada de Portugal em Caracas, com a presença do Presidente Caldera da Venezuela. Cruzeiro de 27-12-1969 a 2-01-1970. Em 1970, para além de 10 viagens transatlânticas, o SANTA MARIA realizou 2 cruzeiros nas Caraíbas a partir de La Guaira, de 23 a 30-03 e de 21 a 31-08-1970. Em 1971 fez 9 viagens transatlânticas e 1 cruzeiro, de 5 a 12-04. O cruzeiro programado para decorrer de 27-08 a 6-09-1971 foi cancelado devido a ter-se dado uma fissura numa das pás da hélice de BB que provocou grande trepidação, durante a travessia de Tenerife (15-08) para Port Everglades (25-08), onde entrou com atraso. O navio esteve em Curaçau a 29-08 e em La Guaira a 30 e 31- · revistademarinha.com 08, seguindo sem passageiros para Porto Rico (2 a 9-09 onde foi retirada a hélice e o veio de BB), e Lisboa (18-09). Após reparação o SANTA MARIA retomou a carreira da América Central a 29-09. A 25-08-1971 foi anunciada a autorização do Ministro da Marinha Pereira Crespo para a sua venda. Último cruzeiro, ao Funchal, de 28-12-72 a 2-01-73. De 15-03 a 11-04-1973 fez a última viagem à América Central. A viagem com largada de Lisboa prevista para 1604 acabou por ser cancelada por avaria. O SANTA MARIA permaneceu imobilizado no Tejo até 1-06-1973, data da sua última saída de Lisboa, para Luanda, Lourenço Marques, Port Louis e Kaohsiung (19-071973). Rebocou o N/M NAMPULA de Lourenço Marques para Port Louis, onde este cargueiro foi desmantelado. Vendido para sucata à empresa Li Chong Steel & Iron Works Co. Ltd. Registo cancelado a 1008-1973. Desmantelado em 09-1973 em Kaohsiung, Formosa. Durante os 19 anos em que navegou, o SANTA MARIA fez 192 viagens e 11 cruzeiros, transportando 373.372 passageiros e 57.008 tons de carga, tendo gerado 1.895.932 contos em passagens e 98.733 contos em fretes, com taxas de ocupação de 80% nas viagens e 89% nos cruzeiros. 65 83.O Ano O COVID 19 e os novos Certificados Marítimos por António Balcão Reis* O ferry SPLENDID. a minha última crónica transmiti algum pessimismo quanto ao futuro dos navios de cruzeiros. Quantos turistas haverá prontos a desafiar a sorte de verem a sua aprazível viagem de recreio transformada numa clausura hospitalar? A Administração do Porto de Lisboa (APL) estima … que antes de meados de 2021 não haverá navios de cruzeiros a atracar em Lisboa, mas ao mesmo tempo começa a haver muitos sinais de regresso destes navios. Uma indústria com a força e a vitalidade do turismo de cruzeiros não ia ficar de braços cruzados. Se noutras atividades, a necessidade de voltar a trabalhar, como única forma de subsistir, cria por si só, a pressão suficiente para se assumir algum risco, numa actividade de puro lazer, como a indústria dos cruzeiros, a segurança dos passageiros é prioritária e a actual pandemia exacerbou as exigências de segurança. O relançamento terá necessariamente de passar por N 66 uma muito clara afirmação de confiança baseada numa objectiva segurança, sanitária em particular. Um cruzeiro marítimo será vendido como uma experiência absolutamente segura, em particular sob o ponto de vista sanitário e até como uma mais-valia para a saúde. As sociedades de classificação, um pouco à semelhança da indústria automóvel, têm vindo a apresentar com a classificação base, uma séria de classes adicionais, as anotações de classe e a “vender” os correspondentes certificados. Seguindo a clássica anotação do gelo, foram surgindo novas anotações, algumas algo inesperadas - classe conforto, classe silêncio, classe vibração, classe ambiental – lançadas com moderno e sugestivo marketing. Sirva de exemplo o “convite” da DNV GL (Det Norske Veritas Germanischer Lloyd), para usar as suas anotações de classe … boost your image as an environmentally friendly company and increase your ship’s value on the market. CERTIFICADO CIP-M DO DNV GL. Podemos dizer que é neste contexto que surge o novo certificado, da DNV GL, de prevenção de infecção para a indústria marítima, - certification in infection prevention for the maritime industry CIP-M. Lançado com inegável oportunidade comercial, responde a uma objectiva e urgente necessidade do mercado dos navios de cruzeiros. A experiência da DNV GL com milhares de certificações em ambiente hospitalar terrestre, permitiu o rápido desenho do certificado CIP-M, adaptado à realidade marítima, em particular aos navios de cruzeiros e aos ROPAX. O certificado atesta que … estão implementados sistemas e procedimentos para uma adequada prevenção, controlo e mitigação de infecções, para protecção de clientes e tripulações, a um nível que antes da dura experiência do COVID 19 só seria aplicável em ambiente hospitalar, e cujas incomodativas exigências seriam repudiadas pelos passageiros e tripulações. A certificação é muito abrangente considerando a preparação e manuseamento da revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Transportes & Logística alimentação e refeições, normas de distanciamento físico (o tal distanciamento social, que é a negação do espirito de cruzeiro), uso de EPI (equipamento de protecção individual) para os membros da tripulação, planos de emergência sanitária, triagens pré-embarque, no embarque e desembarque, definição de percursos independentes no interior do navio e muitas outras pequenas minudências. Preparemo-nos para viver as delícias de um cruzeiro em ambiente hospitalar, com serviços infecto-contagiosos. Uma perspectiva, talvez pouco atraente, mas muito realística. OS CERTIFICADOS DO BUREAU VERITAS Com configuração similar e formatado nas mesmas bases, o Bureau Veritas (BV) lançou um certificado de prevenção de infecções do COVID 19 e outras enfermidades, o certificado Global Safe Site, orientado para a reabertura da restauração, hotéis e fábricas sob o lema "Reinicie o seu negócio com o BV", abrangendo as três principais áreas de actuação do sector: pessoas, processos e instalações. Entretanto já foi adaptado e disponibilizado para o mundo marítimo e em particular para os navios de cruzeiros, com o selo “Safeguard”, que garante que foram estabelecidos os protocolos de saúde, segurança e higiene, e que a tripulação e todo o pessoal de bordo recebeu instrução e foi devidamente treinada. DA CONVERSÃO DO FERRY SPLENDID EM NAVIO HOSPITAL AO CERTIFICADO COVID 19 DA RINA A dramática situação vivida no Norte de Itália com o COVID 19, com os hospitais em rotura, deu aso a um projecto conjunto da Classificadora RINA e GNV (grandi navi veloci) do grupo MSC, que em estreita Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 cooperação com o Sistema de Saúde da Ligúria e a Proteção Civil, promoveram, a transformação do ferry SPLENDID em navio hospital. Quinze dias após a concepção e lançamento do projecto era admitido a bordo o primeiro paciente. O objectivo seria dispor de 400 camas para pacientes com necessidade de seguimento médico. A transformação do navio visou cumprir as exigências hospitalares. A ventilação foi alvo de substanciais alterações. Os acessos e corredores passaram a funcionar em sentido único, com um Sistema CCTV (circuito fechado de televisão) para controlo dos movimentos de pacientes e pessoal em geral Foram criados acessos separados e áreas dedicadas ao pessoal de saúde e tripulação. Foi considerada a montagem de módulos de unidades de cuidados intensivos no espaçoso convés destinado ao transporte de veículos, que já estava equipado com tomadas de potência, ventilação segregada e sistema de recolha e tratamento de esgotos (sewage), com a vantagem de fácil acesso directo a ambulâncias, outros veículos pesados e outro equipamento sanitário. O mobiliário das cabinas passou de quarto de hotel a quarto de hospital, com o adequado equipamento médico e montagem de alarmes para chamada do pessoal assistente (médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar). Atracado no terminal de ferries de Génova, enquanto hospital móvel flutuante, manteve a capacidade de poder ser deslocado para outro porto, apoiando outra área carecida de camas. · revistademarinha.com A transformação do navio, efectuada nos estaleiros italianos de San Giorgio Del Porto, criou uma onda de solidariedade, traduzida na participação pro bono de numerosas empresas e pessoas singulares que prestaram o seu contributo em equipamentos, materiais e assistência técnica. Terminada ou dominada que seja a pandemia o navio regressará ao seu anterior serviço, mas não às suas anteriores condições. Será um navio novo, preparado para evitar ou mitigar a disseminação de infecções. Foi com base nesta invulgar experiência e com todo o conhecimento património da classificadora, que a RINA lançou o Biosafety Trust Certification, protocolando as medidas de prevenção e mitigação da disseminação de vírus e propagação de infeções em locais públicos. O certificado Biosafety Trust da RINA, não é especificamente marítimo. Foi pensado para o controlo dos riscos de propagação de epidemias em locais de elevada concentração humana, como transportes públicos, locais de divertimento e lazer, estádios, restaurantes, teatros, piscinas, hotéis, centros de congressos, casas de repouso e lares e também, finalmente, nos navios de cruzeiro. Não duvido que as outras classificadoras, ou já apresentaram os seus certificados ou em breve seguirão estes exemplos. Certificados conjunturais? Bom seria, mas é mais provável que entrem na lista dos exigíveis. Que seja a bem da nossa segurança. * C/ Alm. Eng. Const. Naval, ref Membro da Secção Transportes da SGL [email protected] NOTA: O neo-acrónimo ROPAX (roll-on/roll-off passenger) é aplicável a um RO RO (navio com convés directamente acessível às viaturas que transporta) que dispõe de acomodações para passageiros. 67 83.O Ano A necessidade de Formação e Treino por O.T.O.* o folhear o número de Dezembro de 2019 da “Revista General de Marina” não pude deixar de prestar a melhor atenção ao artigo, inserido no capítulo Histórias de Mar, de autoria do Alm. (ref) Trevino Ruiz. Nele o autor descreve o encalhe e perda do caça-minas USS GUARDIAN, em consequência de encalhe num recife do Parque Natural de Tubbataha (no Mar Sulu, nas Filipinas), em Janeiro de 2013. Certamente que muitos dos leitores já conhecem o sucedido, mas pelas condições em que o acidente ocorreu considero que merece a sua revisitação, uma vez que se insere nas preocupações que têm sido manifestadas nestas páginas dedicadas à Segurança Marítima. Assim, seguindo o artigo atrás citado assim como várias notícias recolhidas, relata-se o sucedido. O USS GUARDIAN era um dos 14 navios da classe AVENGER. Com um deslocamento de 1.400 tons, um comprimento de 68 m e uma boca de 12 m, tinha um sistema propulsor constituído por 4 motores diesel, de 600 Cv cada, que acionavam 2 hélices de passo variável proporcionando uma velocidade de 14 nós. Estava dotado dos mais sofisticados sistemas que permitiam a detecção e destruição de qualquer tipo de mina, e também por equipamentos de comunicações e navegação modernos e capazes. A sua guarnição era de 6 oficiais e 73 sargentos e praças. O USS GUARDIAN estava baseado em Sasebo, no Japão, perto de Nagasaki, juntamente com mais três outros caça-minas da mesma classe, quando recebe ordem para se deslocar para Subic Bay, nas Filipinas. Para tal, no dia 6 Jan de 2013 larga da base japonesa e, após ter escalado Okinawa para reabastecer, chega a Subic Bay (pequena baía a norte da baía de Manila) no dia 13. No seu programa de actividade estava ainda previsto que escalaria, dia 16, o Porto Princesa, na Ilha Palawan, mas é então que se dá uma alteração da missão, sendo-lhe ordenado para se dirigir directamente, para o porto de Makasar na ilha Sulawesi, na Indonésia, e, posteriormente, participar em exercícios navais em Timor-Leste. Com esta alteração de destino foi refeito o planeamento da navegação. Para tal, na deslocação para Sul, teria de atravessar o Parque Natural de Tubbataha (também denominado Parque Marinho do Recife de Tubbataha), área situada no mar de Sulu, sob jurisdição das Filipinas. Este parque, situado a cerca de 80 mi- A 68 lhas a leste da ilha Palawan e classificado como “Património Universal” é um extensa área coralífera, em que a meio se situam dois grandes atóis, as pequenas ilhas Norte e Sul, e um canal de 4 milhas de largura, sendo que na ilha Sul está implantado um farol, ajuda à navegação para quem navega no canal em causa. Assim sendo, o navio larga de Subic Bay no dia 15 e inicia a sua nova rota para sul através do Mar Sulu, atinge o Parque de Tubbataha, e pelas 02H22 (hora local) do dia 17 encalha na parte norte do recife de coral que envolve a ilha do Sul. Consequências: grande área do recife destruída, cerca de 2.350 m2, pela qual o governo dos EUA pagou, de indemnização, 1,97 milhões de USD, e graves danos no navio, que foi dado como perdido, e localmente desmantelado e removido aos pedaços, para que não aumentasse a destruição do coral em manobras de reflutuação. Como foi possível que um navio tão sofisticado, do tipo caça-minas em que o cuidado no posicionamento é preocupação fundamental, estando boas condições meteorológicas, com uma visibilidade superior a 7 milhas, tenha cometido um erro de navegação tão grosseiro? As averiguações e conclusões apuradas, e divulgadas, dão a explicação e apontam para erros humanos, falta de liderança e má preparação da equipa de navegação. Assim o atesta o Comandante da Esquadra do Pacífico, Almirante Cecil D. Haney, num relatório de 160 páginas, afirmando que … as equipes de comando e vigilância do USS GUARDIAN falharam em tomar providências para a navegação segura. Providências que os teriam alertado para perigos próximos com tempo suficiente para ações a fim de mitigar os danos. E alguns pormenores da situação justificam tais afirmações: - o Comandante e o Oficial de Navegação (que era também o Oficial Imediato do navio), ao efetuar o estudo da viagem para o novo destino, consultaram as duas cartas electrónicas que existiam a bordo, uma geral (DCN Gen 11A) e uma costeira (DCN Coa11D, e constataram que apresentavam discrepâncias entre elas no que respeitava à localização das ilhas Norte e Sul do Recife de Tubbataha. Para desfazer a discrepância não consultaram as publicações náuticas existentes a bordo, nomeadamente a Lista de Faróis e as “Sail Directions”. O Comandante decidiu que era a carta costeira que estava correcta e, como tal, devia ser utilizada no sistema de navegação VMS-3; - o Comandante escreveu no livro de ordens para a noite de 16 para 17, que, quando fosse atingida uma posição a 4 milhas da entrada do canal, fosse reduzida a velocidade para 8 nós e que o Imediato fosse chamado à ponte.; revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Segurança Marítima - o Oficial Imediato (com o posto de 1º Ten.) somente tinha navegado, a bordo do USS GUARDIAN 13 dias e o oficial de quarto naquele momento era um Subten. que tinha obtido a qualificação para o desempenho da função há 68 dias. De registar ainda que o oficial que o rendeu, pelas 01H32, tinha embarcado em Dezembro anterior e era a primeira vez que efectuava um quarto durante o período nocturno, e que o Sargento de Quarto tinha sido qualificado como operador do sistema de navegação em uso, o VMS-3, a 4 de Janeiro anterior e não era qualificado como operador radar; - o adestramento em navegação no anterior, em 2012, resumiu-se a 59 dias de mar (zero dias em Jan, Fev e Mar, 3 em Abr, 6 em Mai, 14 em Jun, 19 em Jul, zero em Ago e Set, 14 em Out, 1 em Nov e 2 em Dez) o que foi considerado reduzido tratando-se de um navio algo sofisticado. Assim sendo são apontados como justificação para a ocorrência do acidente a ausência do Comandante na ponte quando a navegar em área restrita, num navio com um tão reduzido adestramento e ainda com uma guarnição de oficiais pouco experientes, que efectuaram uma navegação baseada unicamente em sistemas electrónicos, sem utilização dos tradicionais meios Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 O USS GUARDIAN encalhado num recife de coral. de navegação costeira disponíveis. Não se pode deixar ainda de referir que a “Agência Nacional de Inteligência Geoespacial” (NGA) admitiu que as cartas atrás citadas continham, desde 2011, erros que podiam ser superiores a 7 milhas, mas que falhou na substituição da carta DNC Coa11D nos navios. Haverá poucas dúvidas de que este acidente é o retrato exacto dos riscos que se correm quando as guarnições ou tripulações vão para o mar sem a suficiente preparação e treino. E daí julga-se pertinente relembrar a recomendação inscrita nos Relatórios Estatísticos 1 e 2 - 2013 do GAMA (Gabinete de Investigação de Acidentes Marítimos), e que foi transcrita na crónica de Segurança Marítima da RM publicada no número de Março / Abril último, tendo como propósito assistir ao sempre desejado aumento da segurança nas águas portuguesas: A reformulação dos cursos e programas · revistademarinha.com de formação para marítimos no sentido do aumento das componentes relacionadas com as áreas da segurança marítima - em particular a segurança coletiva a bordo, a segurança pessoal, a segurança da navegação, a segurança no trabalho e a segurança do meio ambiente - e, também, das componentes de marinharia e estabilidade. Sem dúvida que esta recomendação continua a ter hoje plena actualidade. Na realidade, não se vislumbra qualquer alteração nos conceitos de formação dos marítimos portugueses nem na verificação das suas aptidões ao longo das suas carreiras. Antes se verifica a insistência da formação baseada em simulador ou até de ideias de ensino à distância, sem se anunciar a necessidade de haver um navio para proporcionar o embarque dos formandos e aí, sim, se verificarem as suas aptidões para o desempenho da actividade enquanto embarcado, pormenor que não consta dos programas das várias matérias leccionadas. Mas isto será tema para uma próxima crónica. * [email protected] NOTA: O autor não segue o novo A.O. 69 83.O Ano Comunicação debaixo de água Parte II por Paulo Franco* a Crónica de Mergulho publicada na última RM introduzimos o tema da Comunicação debaixo de água, refletindo sobre os condicionalismos e características da troca de informação em imersão, abordando as principais diferenças e limitações que o meio aquático introduz às habituais capacidades e técnicas humanas de comunicar. Identificámos e caracterizámos também as formas mais simples e menos tecnológicas habitualmente utilizadas para comunicar debaixo de água, percebendo melhor a forma como são utilizadas e as vantagens e limitações destes métodos de troca de informação. Nesta segunda e última crónica dedicada a este tema, vamos continuar a desenvolver esta temática, abordando alguns dos métodos mais complexos e tecnológicos habitualmente utilizados por mergulhadores para trocar informação entre si e de que forma estas tecnologias procuram atenuar, tanto quanto possível, as dificuldades postas pelo ambiente aquático à comunicação efetiva. A capacidade de comunicação oral distingue-nos e diferencia-nos de outras espécies pela complexidade da nossa linguagem e capacidade de transmitir um vasto e variado conjunto de ideias e conceitos, dos mais simples e concretos aos mais abstratos. Os mergulhadores sempre ambicionaram poder utilizar livremente esta ferramenta de inolvidável valor debaixo de água, mas, devido aos constrangimentos imposto pelo meio aquático, só com o desenvolvimento tecnológico foi possível alcançar este desiderato. A receção, através do aparelho auditivo humano, não é um grande problema, uma vez que a água é um excelente meio de propagação sonora, no entanto, para poder utilizar a comunicação oral de baixo de água é necessário ultrapassar, em primeiro lugar, a barreira imposta por esta à produção de som através do nosso aparelho vocal. O hidrofone é um equipamento bastante simples, fundamentalmente limitado à comunicação unidirecional entre a superfície e os mergulhadores. Este sistema pode ser composto por uma coluna, um microfone subaquático, ou ambos, permitindo a receção (microfone) ou transmissão de N 70 A possibilidade de comunicar debaixo de água utilizando todas as ferramentas disponibilizadas pelo nosso aparelho vocal cria uma nova realidade para os mergulhadores, aumentando a segurança e o controlo e enriquecendo a experiência de mergulho. (Fonte: https:// oysterdivingshop.com/products/ocean-reef-neptune-space-gdivers-full-face-mask). sons (coluna) em frequências específicas, podendo trabalhar dentro do espectro audível do ouvido humano. São muito utilizados como escutas passivas em estudos científicos de animais marinhos (exemplo, o estudo da comunicação dos mamíferos marinhos). Na comunicação com mergulhadores, esta tecnologia está limitada por necessitar de grandes potências para alcançar distâncias aceitáveis, pelo que é habitualmente utilizada para comunicar com mergulhadores em áreas confinadas como piscinas, tanques ou zonas de trabalho restritas. É a ferramenta ideal para “criar” música ambiente em meio subaquático. Para ser possível comunicar entre mergulhadores e entre estes e a superfície, é necessário criar um espaço gasoso que permita uma aproximação às condições de funcionamento ideal do nosso aparelho vocal. Para isso, é preciso utilizar máscaras faciais ou capacetes de mergulho, que permitem criar esta condição (abordamos a utilização de máscaras faciais em mergulho recreativo na Crónica de Mergulho da RM 1014, de mar / abr 2020). Estes equipamentos têm integrados microfones e colunas, com sistemas de membranas hidrófobas, permeáveis aos gases respiráveis, mas impermeáveis à água, o que permite funcionarem a diferentes pressões, manten- A utilização de hidrofones, podendo ser usada para transmitir informação para mergulhadores debaixo de água, é mais utilizada para escuta passiva de sons, nomeadamente no estudo de vocalizações de animais marinhos. (Fonte: https://blog.divessi.com/the-sound-of-the-deep-sea-3680.html). revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Mergulho Os sistemas de comunicação “com fio”, garantem uma qualidade superior, uma vez que não são afetados por fatores ambientais e podem recorrer a frequências com maior capacidade de transmissão. Por outro lado, limitam os movimentos do mergulhador. (Fonte: https:// www.dvidshub.net/image/3253715/fort-mccoy-ice-dive-recovery). do simultaneamente os circuitos eletrónicos incorporados protegidos da água. Naturalmente, para existir uma comunicação efetiva, há que vencer os obstáculos impostos pelo meio à transmissão da informação. Para possibilitar a comunicação entre mergulhadores ou entre estes e a superfície, existem duas possibilidades, recurso a um cabo de ligação (com a superfície) ou em modo “sem fios”, através de ultrassons, em frequências tradicionalmente entre os 30 e 40 kHz. Os sistemas “com fios” garantem uma melhor qualidade na comunicação, como consequência da sua independência de fatores ambientais, obstáculos, posição dos mergulhadores e da possibilidade da utilização de uma gama maior de frequências de transmissão, com maior capacidade de transporte de dados, no entanto, limitam a liberdade do mergulhador dentro de água, em consequência da ligação física à superfície. Já com os Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 As máscaras faciais com sistema de comunicações “sem fios” permitem aos mergulhadores falar entre eles e com a superfície sem limitação de movimentos. (Fonte: https://www.lonestarscuba. com/continuing-education/diving-specialties/padi-full-face-mask-diver/). sistemas “sem fios” pode estabelecer-se comunicações entre vários mergulhadores e a superfície simultaneamente, podendo inclusive, existir frequências diferentes nos mesmo equipamento para poder definir diferentes grupos de emissão/receção. Estes sistemas têm alcances médios que podem chagar a 200 - 300 m em condições ideais. Uma das limitações destes sistemas é não permitirem comunicações “full-duplex”, o que significa que os intervenientes na comunicação não podem falar simultaneamente (como numa conversação ao telemóvel, por exemplo). Em vez disso têm de falar um de cada vez (“half-duplex”), como num walkie-talkie ou rádio CB / VHF em que cada um tem de esperar a sua vez para falar, utilizando procedi- · revistademarinha.com mentos específicos de chamada e troca de emissor. Esta limitação deve-se às frequências necessárias para garantir a propagação debaixo de água serem baixas (na gama LF), não permitindo transmissão de grandes volumes de dados. Com esta crónica, terminamos o conjunto de textos dedicados às comunicações subaquáticas. Tendo inicialmente abordado as limitações à transmissão de informação debaixo de água e os métodos mais simples de comunicação, abordamos nesta crónica os principais métodos e equipamentos de maior complexidade e tecnologia, identificando as suas principais características, vantagens e limitações. * [email protected] 71 83.O Ano DTOceanPlus: a descarbonização do setor elétrico passa pelos oceanos por Francisco Correia da Fonseca* s nossos mares e oceanos são uma das maiores fontes de energia renovável limpa no planeta, com o potencial para satisfazer uma fração significativa da procura global de eletricidade. Hoje, estima-se que a energia dos oceanos poderá desempenhar um papel importante na resposta a um dos maiores desafios atuais à escala mundial: a descarbonização do setor energético. No que diz respeito à Europa, a este desafio acresce a necessidade de fazer uma transição de um sistema elétrico baseado em combustíveis fósseis importados, para um sistema flexível e interligado, baseado em recursos endógenos, limpos, renováveis e infinitos. Tendo em conta as metas estabelecidas no acordo de Paris e o reconhecido potencial das energias dos oceanos, a Comissão Europeia tem vindo a apoiar a investigação e inovação no sector, tal como o desenvolvimento de tecnologias promissoras para aproveitamento dessa energia. Hoje, um dos grandes desafios da energia dos oceanos prende-se nos ainda elevados custos de produção de eletricidade, que refletem a baixa maturidade das tecnologias. Contudo, à se- O 72 Instalação do C3, protótipo do conversor de energia das ondas da CorPower Ocean, parceiro industrial do DTOceanPlus, em Orkney, Reino Unido. Foto de Colin Keldie. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Energias Renováveis Marinhas melhança do que aconteceu nos últimos anos com os fotovoltaicos e a energia eólica onshore, que têm vindo a reduzir os seus custos de produção de eletricidade para valores abaixo dos da energia produzida por centrais a gás e a carvão, esta questão poderá ser ultrapassada com o desenvolvimento de instrumentos e processos adequados para apoiar a inovação tecnológica e o crescimento do mercado. O DTOceanPlus é um projeto H2020 de três anos (2018 – 2021) financiado pela Comissão Europeia, que tem como objetivo acelerar a comercialização das tecnologias de aproveitamento da energia dos oceanos. O projeto consiste em desenvolver e validar um pacote de ferramentas computacionais com o mesmo nome, gratuito e em código aberto, de projeto e apoio à decisão no planeamento de parques de energia das ondas e das marés. Com o intuito de promover inovação tecnológica desde a conceção até à implementação, o software DTOceanPlus irá não só apoiar o utilizador no projeto de parques de energias marítimas, mas também na seleção de tecnologias promissoras, guiar o processo de investigação e desenvolvimento tecnológico e fornecer ferramentas para avaliar projetos do ponto de vista ambiental, social e de investimento financeiro. O projeto DTOceanPlus conta com um financiamento total de 8 M€ e a contribuição de 18 parceiros internacionais e de 2 laboratórios de referência dos Estados Unidos. No passado mês de maio de 2020, dois anos após o arranque do projeto, o DTOceanPlus lançou a primeira versão alfa das ferramentas, uma etapa crucial no desenvolvimento do software. Enquanto líder de várias tarefas do demonstrar as capacidades do software e formar os futuros utilizadores das ferramentas. Mais informações sobre o projeto estão disponíveis em www.dtoceanplus.eu projeto, o WavEC é responsável pelo desenvolvimento de duas ferramentas: a ferramenta logística para otimizar a infraestrutura (embarcações, equipamentos, portos/estaleiros navais) necessária e o planeamento das operações marítimas de instalação e manutenção de parques, assim como a ferramenta económica, para avaliar a viabilidade económica e financeira de um dado projeto de energias marítimas. Ao longo dos próximos meses, as ferramentas serão testadas e validadas em cenários reais, até que a versão final do software seja lançada e disponibilizada publicamente. Até lá, os parceiros do projeto irão lançar iniciativas de educação e formação abertas ao público para * Engenheiro Offshore Operations Specialist WavEC - Offshore Renewables Este projeto recebeu financiamento da União Europeia, através do programa Horizon 2020 research and innovation, com a grant agreement n° 785921. Zero O Sunsailer 7.0 e o CAT 12.0 são barcos totalmente movidos a energia solar e construídos com os mais exigentes padrões ambientais e de sustentabilidade. Desenhados e fabricados em Portugal pela Sun Concept, são a melhor opção para operadores turísticos, navegadores apaixonados, amantes de mergulho ou desportos náuticos. consumos Toda a liberdade FAÇA PARTE DO FUTURO DO MAR PRESENTES NA NAUTICAMPO 2019 Área Empresarial de Marim, Lote D 8700-221 Olhão – Algarve Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 · revistademarinha.com +351 912 258 413 [email protected] sunconcept.pt 73 83.O Ano Dia D + cinco por Rui Matos* omenagear e lembrar os que se sacrificaram no passado para termos o Mundo de hoje, um mundo melhor, pode ser feito de várias maneiras … neste hobby, no modelismo, isso é um pouco mais fácil de mostrar, embora se tenha mais trabalho de bastidores. Trago-vos hoje mais um trabalho do António Marranita, aproveitando ao máximo o período de confinamento que a atual pandemia da COVID 19 nos trouxe, fez este e mais três projetos – alguns ainda não terminados. Quis mostrar este diorama nesta crónica, pois é uma boa homenagem ao que se passou em 1944 nas praias da Normandia, não higienizando o próprio Dia - D, mas porque tudo não se resumiu apenas ao dia 6 de junho. É sempre necessário haver reforços, é necessário haver logística, provisões, combustível, mais munições e todas as coisas necessárias ao desempenho e continuação da missão, e este diorama mostra isso de uma forma “calma” e atrativa. Não preciso de elogiar (mais) os trabalhos, o engenho e o “pensar fora da caixa” dos projetos elaborados pelo António Marranita. Este é apenas mais um, sempre aliados ao rigor histórico e aos engenhos H 74 Modelismo que ele reproduz. Este, à escala 1/72, é a secção dianteira, a proa, de uma LCT (Landing Craft, Tank) Mk III inglesa, representando uma cena na Gold Beach, no Dia D + 5, onde os desembarques já são mais calmos, com máquina de apoio logístico e as tropas desembarcadas podem proceder para os pontos de reunião de forma a reforçar a frente e poderem continuar a batalha. Desde a disposição da secção da LCT, o pormenor da praia e da água, a dinâmica calma com que as tropas recém-desembarcadas passam e olham para o que está como eles a chegar à Gold Beach, como um Sherman Firefly em segundo plano e o menos comum (pelo menos nas representações que tenho visto) trator D7, fazem deste diorama um dos meus favoritos, dos muitos trabalhos saídos do “Estaleiro Marranita”. Alguns dos elementos são de modelos adquiridos (Sherman Firefly, da marca PSC, com decalques específicos da 8th Armored Brigade, da marca alemã Peddinghaus) e as figuras são da marca AB Figures… já a LCT e o trator foram desenhados e impressos em 3D. Se no caso do trator foi uma impressão “direta” (apenas Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 os detalhes mais pequenos foram posteriormente acrescentados), já na LCT foi impressa a estrutura base, sendo depois laminada com plástico, adicionados os detalhes de forma a se perceber o que é, mesmo mostrando apenas uma secção. O esquema de pintura da lancha, normal para a Royal Navy, dá ainda mais impacto à cena, já de si interessante, de todos os pontos de vista. O facto de nesta escala ter sido utilizada · revistademarinha.com resina transparente para fazer a água eleva ainda mais o nível de perfeição do trabalho apresentado. Ficam aqui algumas imagens do trabalho que acabei de descrever… que espero que gostem, tal como eu gostei. Continua, Marranita! Parabéns! Bons modelos! * [email protected] 75 83.O Ano O Match Racing em Portugal - Declínio (3ª parte) por António Peters* Não existem galinhas de ovos de ouro…. Os barcos foram postos à venda a preço de sucata... O certificado de óbito ao Match Racing em Portugal está concretizado, sem luto e sem escrúpulos. ualquer acção no mundo é normalmente composta por três vertentes na sua vivência temporal: criação, apogeu e declínio. Umas há que surgem, desenvolvem-se e terminam de imediato após concretizados os objectivos do seu propósito, acaba por não ter sentido um prolongamento ou repetição com os mesmos protagonistas; poderemos exemplificar: um casamento. Outras, são criadas na tentativa de perdurarem o maior tempo possível na perspectiva que a sua “morte” se torne intemporal, é difícil, mas por norma é o objectivo. As acções com modalidades desportivas e os seus eventos são bom exemplo disso. Nos últimos dois artigos relembrámos a história do surgimento do Match Racing (MR) em Portugal, e do seu desenvolvimento, que se previa e desejava capaz de se prolongar por muitos anos, contudo a terceira vertente acabou por ditar a lei im- Q 76 placável e encurtar a sua vivência. Estamos em 2020 e não há MR em Portugal, e é sobre isso, com que iremos hoje finalizar esta história. Em 2001, quando a prática da actividade da especialidade de MR atingiu a fase de apogeu e se encontrava em viagem de cruzeiro, consequência do trabalho desenvolvido pela Comissão Nacional de Match Racing (CNMR), tudo parecia fácil e pensava-se que nem sequer era preciso pôr óleo na engrenagem, mas não é verdade, para as coisas funcionarem é preciso vontade, sabedoria e uma coisa que não se valoriza, ...uma não, …duas: “amor à camisola” e desprendimento no objectivo de enriquecer, ou do lucro fácil. Não existem galinhas de ovos de ouro. A CNMR protagonizava estas duas vontades para além de outros atributos já descritos nos anteriores textos, no entanto quem de direito federativo na altura acreditava em outros valores assumindo os destinos e herança do MR. A febre da prática de MR era já um facto e as provas nacionais e internacionais antes iniciadas e ensaiadas, como foram o caso da “Algarve Cup”, “Land Rover Cup” e vários campeonatos da Europa, estavam criadas, mas não bastava, havia necessidade de serem ajustadas às circunstâncias e geridas para todas essas vicissitudes e objectivos, onde a manutenção das embarcações da frota federativa requeria atenções especiais para a sua operacionalidade, os barcos não iam por iniciativa própria para estaleiro e as reparações eram desleixadas. Claro que a responsabilidade desta prerrogativa de obrigações, aliada à falta de habilitação humana da FPV pós CNMR, eram grandes, bem como maior a incapacidade de as controlar, depreendendo-se que o futuro breve era em tudo diferente do exaustivo trabalho pioneiro antes concretizado. As embarcações J24, apesar da sua excelência de robustez sofriam mazelas, necessitando de manutenção. Foi então nessa hora que a FPV criou a falsa ilusão de ajuda aos clubes, no privilégio, sem ajudas económicas, de se tornarem fieis depositários do património e se responsabilizarem por toda a gestão e organização das provas já conhecidas e a que a comunidade velejadora se tinha habituado. Impossível, foram incapazes de organizar e honrar todos os compromissos do rumo traçado. Não há galinhas de ovos de ouro. Destino: abandono. Entretanto, outros interesses económicos surgiram no convencimento de lu- Desportos Náuticos cro chorudo, não querendo desperdiçar a ausência de alternativas para saciar a sede nacional e internacional de provas desta especialidade, apareceram então empresas com embarcações privadas a organizar campeonatos extras e sonantes à medida dos interessados: velejadores e promotores/patrocinadores. Foram alguns eventos organizados sem carácter de fidelização temporal, a maioria deles em Tróia, cujas receitas de viabilização e organização das acções eram bem superiores às anteriores de origem federativa. Houve mérito? Houve, mas não sustentabilidade. Em 2016, no actual mandato federativo houve a esperança de um novo virar de página para o MR, dois elementos da ex-CNMR, onde um deles era o pioneiro Armando Goulartt, tudo fizeram para recuperar a frota J24 que se encontrava a descansar, moribunda, a Norte, em Viana do Castelo, em atrelados já tão paralisados como o seu destino. Conseguiu-se passaporte para a frota MR com destino à casa-mãe, a FPV em Belém, albergue condigno para a sua permanência, local privilegiado, acessível e viável à sua recuperação/manutenção. O Porto de Lisboa (APL), foi o patrocinador e parceiro de excelência para a operação, ambicionava dar ao Tejo a vida que outrora nele existia com provas da especialidade. O Campeonato Europeu 1998 ficou na memória. Em Dezembro de 2016, um transporte de longas dimensões chegava à doca de Belém com os desejados J24. Depois de regressados e depositados em Belém, aguardava-se a sua rápida operacionalidade. A tutela, IPDJ, convencida das mais valias resultantes com a recuperação do património MR, desbloqueou uma generosa verba de 10.000 € de um Contrato ProRevista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 grama, já anteriormente apresentado e orçamentado para reparação de reboques. Foi a satisfação que se aguardava, era uma excelente ajuda para o fim em causa, pois a frota rodoviária era a mais carente e dispendiosa na reparação. Os valores monetários chegaram para esse destino, e de imediato as propostas e vontade de colaboração recebidas para a recuperação foram muitas e incentivadoras, ... surpresa, do nada a aplicação dessas verbas foi canalizada para pseudo-prioridades, que hoje ainda não se compreendem nem se sabe qual o seu directo destino. Estranha reviravolta e critério! A APL interrogava-se pela incompreensível demora na recuperação e o porquê de · revistademarinha.com ceder espaço nobre no local turístico mais emblemático e desejado da comunidade náutica, mais ainda quando os barcos permaneciam num estado de conservação e limpeza desleixado, com a agravante de ostentarem a imagem de marca do concorrente que anteriormente os albergava. Era urgente deliberar-se a recuperação da frota. Solução: por despacho presidencial federativo, os barcos foram postos à venda completos (casco, atrelado, vários jogos de velas, palamenta e material de reserva) a preço de sucata, que rondou os 3.000 € cada conjunto. De imediato, um foi vendido para Norte, sendo posteriormente os restantes três negociados a suaves prestações, …como de crédito à habitação se tratasse. Resta aos fundadores do MR a satisfação de ver que os J24 estão a ser recuperados com o carinho viável e protagonizado que se desejava ter acontecido pela instituição responsável. Entretanto estranha-se o silêncio à Assembleia Geral da douta decisão presidencial de alienação de património desportivo, concretizada sem a sua necessária chancela e beneplácito. No mínimo era eticamente elegante tal procedimento. E assim se ass(ass)ina o certificado de óbito ao Match Racing em Portugal. Está concretizado, sem luto e sem escrúpulos. A Revista de Marinha pela sua idade e idoneidade anima-se, porque sabe que os líderes mudam e o bom nome do M(a)R Portugal ainda será de novo reconhecido …aqui e em qualquer lugar. * [email protected] NOTA: O autor não cumpre o novo A. O. 77 83.O Ano Submarino alemão “capturado” pela Cavalaria Belga (1917) por Augusto Salgado* ormalmente ninguém associa a ideia de unidades de cavalaria a capturar navios, no entanto foi o que ocorreu no Inverno de 1795, quando Hussardos franceses capturaram uma esquadra holandesa que tinha ficado presa no gelo. No Verão de 1917, e com a guerra submarina alemã no seu máximo esforço e eficácia, surgia nos jornais da época uma notícia semelhante - um esquadrão de cavalaria belga tinha apresado um submarino alemão. Efetivamente, e por um conjunto de razões diversas – de noite, com má visibilidade que impedia a confirmação da sua posição, correntes de maré muito fortes, ventos também muito frescos e a tentativa de contornar os campos de minas que os Aliados tinham colocado a fechar o Canal da Mancha - o submarino Imperial alemão UC - 61 tinha ficado, literalmente, a seco, na baixa mar, na praia de Wissant, a norte N de Bolonha. Contudo, apesar de insólito, este não é o único dos célebres U - Boats que encalhou durante o conflito, mas foi o único cuja captura foi atribuída a uma unidade de cavalaria inimiga. O UC 61 era um submarino da classe UC-II, com cerca de 50 m de comprimento, 25 homens de guarnição e armado com minas e torpedos. E, durante a sua curta carreira de apenas sete meses, este submarino afundou 11 navios mercantes e um de guerra, para além de ter danificado dois mercantes e um navio de guerra, quer com minas, quer com torpedos. Contudo, e apesar da notícia divulgada na époUma imagem da época vista da proa do UC-61 já encalhado a cerca de 600 m da praia (Colecção particular). ca, numa interessante e detalhada biografia sobre o infeliz Comandante do U-Boat, o seu autor chega a conclusões diversas. Segundo este, o submarino foi encontrado por uma jovem que, nessa madrugada, aproveitava a maré para apanhar alguns caranguejos. Pensando tratar-se de um navio francês, a jovem dirigiu-se ao posto da Alfandega mais próximo, mas, no caminho, encontrou um “guarda-costeiro” que tinha como missão combater o contrabando e recolher tudo que desse à praia. Esse elemento, e agora acompanhado de dois elementos da alfândega, dirigiram-se então até ao submarino. Percebendo que se tratava de um navio alemão, regressaram a terra para pedir instruções e apoio. Ao regressarem ao submarino, já cerca das 07H30 da manhã, encontraram a guarnição já desembarcada e, subitamente, uma explosão destrói-o parcialmente. Ao chegarem a terra firme os alemães são esperados por elementos do 5º Regimento de Lanceiros belgas, que se encontravam em repouso na zona e que se limitaram a es- Uma vista da popa, onde se vêm os efeitos da explosão provocada pela própria guarnição do UC-61 (Colecção particular). 78 Património Marítimo coltar os alemães até ao local onde foram interrogados. Contudo, as notícias que foram publicadas nos jornais nos dias seguintes fizeram “desaparecer” o “guarda-costeiro” e “transformaram-no” em lanceiro e incluíram até uma carga heroica da cavalaria contra o submarino, e o regimento de Lanceiros passou a ser designado por os “submarinos”. No entanto, as alterações à nossa história não acabam aqui. Apesar da explosão que os alemães provocaram no submarino, com intenção de evitar que este caísse em mãos inimigas, muito do submarino ainda estava intacto, incluindo a torre do U-Boat. E, nesta, é descoberto um buraco, quase de certeza provocado por um projétil de artilharia, de calibre naval, que não terá explodido. É com esta informação que surge, então, a versão que o submarino acabou encalhado e foi capturado pela cavalaria belga, porque tinha sido danificado pelos navios ingleses que patrulhavam as barragens Aliadas de minas e redes do Estreito de Dover. Na verdade, o projétil terá entrado e saído sem provocar qualquer dano de maior. Ou seja, apesar de estarmos perante uma situação ocorrida num passado “próximo”, este caso, à semelhança de muitos outros, foi “contaminado” na época. No Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 Vestígios do que resta do UC-61 atualmente (wikipedia). entanto, importa perceber o que está por detrás destas alterações à nossa história e que dificultam imenso o trabalho de investigação dos historiadores. Assim, no Verão de 1917 importava avivar o espírito combativo dos belgas, que desde há quatro anos tinham a quase totalidade do seu território ocupada pelos alemães. Nada melhor do que a captura de um dos temíveis U-Boats, ainda por cima de uma forma inédita. Do mesmo modo que ao Almirantado Britânico importava realçar a eficácia das barreiras submarinas que, na realidade, estavam a revelar-se pouco eficazes. E, para adensar a situação, mais tarde o depoimento do Comandante do UC-61 refere que o submarino estava cercado por lanceiros, e também · revistademarinha.com por quatro patrulhas de luta anti-submarina. Contudo, estes apenas conseguiram fundear ao largo, e apenas quando a guarnição alemã já tinha abandonado o seu submarino. Este pequeno episódio, ocorrido há pouco mais de 100 anos, mostra bem as dificuldades que um historiador tem durante as suas investigações, e que me levam a dizer muitas vezes aos meus alunos que … a História é muito mais difícil que a Matemática. * Oficial da Armada e Investigador do CINAV MAIS LEITURAS: Chris Heal, Sound of Hunger, London, Unicorn Publishing, 2018. 79 83.O Ano ÁFRICA, DE PARAÍSO FASCINANTE A INFERNO INESPERADO MEMÓRIAS DE UM MILICIANO (RESERVA NAVAL) Editado em Lisboa em 2019 e já apresentado em sessão da Academia de Marinha a 3 de Julho desse ano, este livro de 334 páginas, da autoria do Prof. Dr. Ferreira Coelho, incide especialmente nas suas memórias enquanto oficial médico no cumprimento do Serviço Militar em África, na Companhia de Fuzileiros nº 1, em Moçambique, em 1969/1970, que complementa com muitas fotografias e diversa documentação. Com um Prefácio do Prof. Dr. António de Sousa Lara realçando o contributo desta obra para a literatura sobre o antigo Ultramar Português, destaca não só a experiência do autor como médico na luta pela vida e no compromisso da saúde pública, como os afectos: os objectos de artesanato local recolhidos. Segue-se–lhe uma “Avaliação Vinculativa” elogiosa da autoria do V/Alm. Alexandre da Fonseca, contemporâneo em Moçambique com o autor, mas embarcado numa fragata, que nos guia, num percurso de 4 páginas, por este trabalho. Não poderíamos concordar mais com a observação de algum exagero do subtítulo “… inferno inesperado”, comparativamente com a vida doutro pessoal de Marinha envolvido em operações militares de elevado risco no combate à Frelimo. Nas notas introdutórias do autor que se seguem, uma curiosa referência às colocações dos seus 4 colegas médicos de serviço militar, 2 dos quais também colocados em Moçambique. Descreve seguidamente o Moçambique de então e uma breve descrição de Metangula, não esquecendo de salientar as influências que sobre si tiveram alguns antepassados seus, passando em seguida a dar bastante informação sobre o que era a Reserva Naval e o seu Curso, o 13º, enumerando todos os elementos que o compunham. Coincidindo com esse período de formação nasce o seu primeiro filho, que mais tarde, no seu período no Niassa volta a ser referido nalgumas peripécias que ali aconteceram. Também dos estágios dessa formação nos dá conta, passando pelo Hospital de Marinha (hoje inexistente) e pelo navio hidrográfico em que fez a sua via80 gem de instrução, viagem marítima que iria voltar a fazer para Moçambique já integrado na sua Unidade de Fuzileiros comandada pelo então 1º Ten Dias Costa, desta vez a bordo do N.R.P. SÃO GABRIEL. De Lourenço Marques o autor dá-nos conta do que mais saliente se podia ver nessa cidade, bem como de alguns aspectos da sua vida profissional, exterior à Marinha, no campo da investigação, para nas páginas seguintes tratar a etapa seguinte da comissão da sua Companhia, a deslocação até Nacala a bordo de uma unidade naval. Desse porto seguiu por via férrea e em seguida em viatura até Meponda, já no Lago Niassa, para daí ser transportada em lancha para Metangula. Sendo este o seu destino nesta fase, já instalado e acompanhado pela mulher e filho, dá-nos conta do enquadramento geográfico e do tipo de vida que ali se desenvolvia dando-nos a conhecer as muito boas instalações então disponíveis e algumas iniciativas que ali tiveram início nesse ano de 1969, como uma rádio e um jornal para complemento e bem-estar do pessoal. Incluído também neste livro um interessante e bem-humorado “postfácio”, a fls 311/314, de José Pires de Lima, também ex-oficial da Reserva Naval, que lança o desafio a que outros ex-militares do serviço militar na Marinha façam perdurar a história da “Guerra do Ultramar”. Seguem-se-lhe dez páginas com um depoimento da mulher do autor, Maria José, sobre a sua vivência de 18 meses em Moçambique, primeiro em Lourenço Marques e depois em Metangula, relatando-nos essa sua experiência de cônjuge e mãe, num ambiente com muitas limitações. No final e antes da “Nota do Editor”, do Sr. Campos Inácio, um comentário do Eng. Manuel Agrellos, também ele ex-oficial da Reserva Naval, enriquecido com alguns dados dos muitos de que dispõe como ex-Comandante duma LFP operando no Lago Niassa, primeiro na Marinha Portuguesa e depois já como unidade cedida ao Malawi com o nome de JOHN CHILEMBWE. Este livro traz-nos relatos e relatórios muito curiosos e interessantes - mesmo para leigos no campo da saúde e da medicina - em que destacaríamos o da cirurgia (lábio leporino) que transformou a vida duma nativa até aí isolada, porque lhe permitiu reinserir-se na sociedade. Também na sua área profissional o autor ocupa várias páginas a tratar mais em detalhe a sua actividade profissional como único médico (onde deviam ser dois), descrevendo um conjunto de situações curiosas e algumas anómalas em que esteve envolvido com elementos civis e militares. Não queríamos terminar esta apreciação sem referir um aspecto menos positivo nesta obra, mas susceptível de correção numa próxima edição: a falta duma revisão profissional, fotografias repetidas sem justificação, outras retiradas da web, sem menção da origem e de fraca qualidade. JPVB OBSERVAÇÃO: O autor deste comentário não segue o A.O. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Escaparate GIL EANNES, O ANJO DO MAR Publicado em setembro 2019, em edição bilingue - português e inglês- numa feliz iniciativa da Fundação Gil Eannes, este livro é da autoria de João David Batel Marques, com design de Rui Carvalho e profusamente ilustrado com excelentes fotos e imagens. Na capa, uma sugestiva foto da campanha do bacalhau de 1955, com a visita do então Cte. Henrique Tenreiro ao lugre ARGUS. O Engº José Maria Costa, Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo e Presidente da Fundação Gil Eannes, apresenta-nos esta obra, referindo nas primeiras páginas a honra que constitui para a cidade de Viana do Castelo poder acolher na sua antiga doca comercial, um navio que é marca inconfundível da sua cidade e simultaneamente museu, construído em 1955, precisamente ali, nos antigos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, para apoiar de vários modos a nossa frota bacalhoeira. Atracado desde 1998 em Viana do Castelo, ele é … memória viva do passado marítimo e da construção naval da cidade e do país, nele funcionando também o “Centro de Mar”, com um Centro Interpretativo Ambiental, um percurso museológico da cultura marítima local, assim como outras valências. Neste interessante livro se narra a história do navio GIL EANNES, intimamente ligada às dificuldades e dureza de vida dos homens do mar que partiam para a faina do bacalhau em mares gelados e distantes - onde tantos morriam ou sofriam graves acidentes de trabalho - sob condições climatéricas particularmente adversas, longe das famílias e da pátria, e sem qualquer apoio médico, durante os longos períodos Revista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 em que embarcavam nos pequenos “dóris”. Só em 1923 - depois de informação prestada por estrangeiros e pela Associação de Oficiais da Marinha Mercante de Ílhavo, no sentido de ser necessário enviar um navio-hospital para prestar assistência às tripulações portuguesas nos lugres bacalhoeiros – foi decidido pelo Governo de então o envio do cruzador CARVALHO ARAÚJO. O 2º Ten Médico Carlos Borges, ali embarcado, enviou então um relatório im- pressionante, dizendo … nunca será possível ajuizar o que esses infelizes passam e sofrem nessa vida horrorosa de todos os dias. O Comandante do navio, Octávio Moreira, por seu turno, teceu várias considerações e recomendações sobre o tipo de navio necessário, que não aquele cruzador. E assim surgiu o primeiro GIL EANNES, um navio alemão (ex-LAHNECK), apresa- · revistademarinha.com do no Tejo durante a 1ª Grande Guerra Mundial, e convertido em navio-hospital na Holanda, que pela primeira vez foi enviado em 1927 para os Bancos da Terra Nova. Mais tarde, já em 1955, veio a ser substituído pelo novo GIL EANNES, construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo sob projeto e direção do C. m. g. ecn Vasco Taborda Ferreira. Nas palavras do Prof. Dr. José Hermano Saraiva … a sua presença nos mares era antes de tudo uma presença de solidariedade humana, navio-hospital para os enfermos, navio-apoio para os necessitados, navio-igreja para os crentes. É um navio único no mundo; não há outro que tivesse uma missão assim, uma glória nacional! Por tudo isso a Fundação Gil Eannes pretende manter este navio, hoje museu, como … um lugar de transmissão de conhecimento da História Marítima Portuguesa em geral, e da epopeia do bacalhau em particular, da construção naval vianense e da cultura passada, presente e futura. Grata pela amável oferta deste livro, a Revista de Marinha felicita o seu autor e a Fundação Gil Eannes, pela oportuna iniciativa da publicação desta obra, mais um excelente contributo para guardar memória do notável passado marítimo de Portugal. O livro, que custa 5€, está disponível nas lojas do navio-museu GIL EANNES, em Viana do Castelo, do Museu Marítimo de Ílhavo e do Museu de Marinha, em Lisboa. Poderá também ser solicitado à Fundação Gil Eannes através do e-mail [email protected] e/ou tel 25 880 9710. F.F. 81 83.O Ano O ARTIGO 76º DA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR A aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) em 1982 e a sua entrada em vigor em 16 de novembro de 1994 representaram um avanço muito significativo na evolução do Direito do Mar. Contrariamente ao que acontecera nas Convenções de Genebra de 1958, não havia a força inspiradora dessa importante fonte que é o “costume internacional”, tratando-se agora, verdadeiramente, de definir em fórmulas jurídicas consistentes, importantes conceitos e figuras – alguns criados ex-novo – e não apenas codificar normas consuetudinárias preexistentes; foi assim construído um novo Direito Internacional Marítimo voltado para o futuro. No que concerne aos espaços marítimos tradicionais, nomeadamente à “plataforma continental”, sendo consensual a sua definição jurídica como compreendendo o leito do mar e o subsolo das regiões submarinas que se estendem além do mar territorial do Estado em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, é fora de dúvida que a ausência de um critério objetivo para a fixação do seu limite exterior – até uma profundidade de 200 m ou, para além deste limite, até ao ponto onde a profundidade das águas suprajacentes permite a exploração dos recursos naturais (cfr. art 1º da Convenção de Genebra sobre a Plataforma Continental de 1958) – era geradora de dúvidas e conflitos crescentes, mostrando-se claramente desajustada da realidade, atentos os desenvolvimentos tecnológicos entretanto verificados. Assim, de forma inovadora, a nova Convenção vem estabelecer no seu artº 76º uma definição jurídica da plataforma continental, em particular dos seus limites, os quais se estendem agora até ao bordo exterior da margem continental ou até uma distância de 200 mi das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância, não devendo em qualquer situação exceder as 350 mi das linhas de base ou as 100 mi a partir da isóbata dos 2.500 m. Concomitantemente, o Anexo II à Convenção vem estipular que quando um Estado Costeiro tiver intenção de estabelecer o limite exterior da sua plataforma continental 82 além das 200 mi, deverá apresentar à Comissão de Limites para a Plataforma Continental as características do limite pretendido juntamente com informações cientificas e técnicas de apoio. É justamente sobre esta problemática que incide o livro que ora comentamos, da autoria de Paulo Neves Coelho, o qual desde logo, pela sua manifesta atualidade e importância para o nosso País, se reveste do maior interesse. Na extensa obra o autor aborda desenvolvidamente dois temas interligados. Na primeira parte, após uma breve referencia à evolução histórica do limite exterior da plataforma continental, procede a uma detalhada análise conceptual do artº 76º da CNUDM; sendo certo que a Convenção usa termos científicos num contexto jurídico, o qual algumas vezes se afasta significativamente das definições e da terminologia cientificamente aceites, o autor explicita a dualidade dos conceitos – comuns ao Direito e às geociências – para de seguida descortinar como se devem articular e aplicar no contexto do artº 76º, procedendo assim a um exaustivo labor interpretativo tendo em vista a determinação do bordo exterior da margem continental e, a partir deste, do limite exterior da plataforma continental. Por outro lado, numa 2º parte do livro, o autor desenvolve o tema da Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) focando matérias relativas à composição, funções e competências desta e salientando que a definição dos limites exteriores da plataforma continental é um ato unilateral do Estado costeiro, sendo que o reconhecimento internacional desses limites depende da obtenção de recomendações favoráveis da CLPC. Neste contexto o autor aborda ainda algumas questões relativas aos processos no âmbito da Comissão, fazendo também uma referencia aos meios previstos na CNUDM para resolução de controvérsias relativas à definição do limite exterior da plataforma continental para além das 200 mi por um Estado costeiro, embora este não possa agir contra a CLPC caso não concorde com as recomendações por ela emitidas, restando-lhe apenas apresentar-lhe uma proposta revista ou nova proposta. Em todas estas matérias, de natural complexidade, até pela sua natureza interdisciplinar, o autor mostra grande mestria e segurança na abordagem das questões, desenvolvendo uma interessante reflexão crítica estribada num bom domínio teórico dos conceitos e numa esclarecida visão pratica da sua interpretação e aplicação, a que não será alheia a sua experiência anterior como jurista conceituado da “Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental”. A presente obra, que revela um grande esforço de pesquisa, contém ainda uma abundante bibliografia bem como várias figuras ilustrativas que ajudam a melhor compreender o conteúdo de um texto redigido de forma escorreita e rigorosa. Embora trate de um tema muito especializado, mesmo no âmbito da literatura jurídica, constitui uma importante obra de referência cuja leitura se recomenda. Aos interessados aqui deixamos os contactos da Editora Chiado Books, e-mail [email protected], tel 21 346 0100, endereço postal Edifício Chiado, rua de Cascais, nº 57, Alcântara, 1300 – 260 Lisboa revistademarinha.com J. L. Rodrigues Portero · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Escaparate REVISTA MAIS ALTO Desde a sua fundação, em 1959, que a revista Mais Alto se dedica a divulgar a história da nossa aeronáutica militar e a participar ativamente na celebração das suas efemérides. É uma revista virada principalmente para o público interno da Força Aérea Portuguesa (FAP) à semelhança da Revista da Armada e do Jornal do Exército. Com uma periodicidade bimestral, nas suas 60 páginas aborda notícias e temas da atualidade, atividade operacional, informações sobre aeronaves e equipamentos e temas históricos ligados à aeronáutica. O número que hoje comentamos, referido a fevereiro de 2020, faz capa com a aeronave KC-390 Millenium, a que se segue um longo artigo, de 14 páginas, nesta temática. A necessidade de substituir a frota de C-130 H da Força Aérea levou à assinatura, em agosto de 2019, de um contrato para a aquisição de 5 aeronaves KC-390, de um full mission simulator e de flares e equipamento de guerra eletrónica. Trata-se de um avião de transporte estratégico, de grande raio de ação, com uma capacidade de transporte máximo de 26 tons, ou de 80 militares equipados. É uma plataforma muito flexível, tendo também capacidade para evacuações médicas, combate a incêndios florestais e “busca e salvamento”. Aguarda-se que a primeira aeronave, já em construção, seja entregue em 2023. Este número inclui ainda um interessante artigo acerca dos “recuperadores-salvadores”, onde se assinala a colaboração com a Marinha, um texto sobre os T-38 TALON, as primeiras aeronaves supersónicas que equiparam a Força Aérea e dois artigos de caracter histórico, “O Centenário da Granja do Marquês”, assinalando a instalação da aeronáutica militar em Sintra, e “A Avia- ção como Eixo das Relações Luso-Alemãs”, abordando as negociações que deram origem à base aérea de Beja e ao Ponto de Apoio Naval de Troia. Completam este número algumas notícias, designadamente uma referência ao falecimento do General José Lemos Ferreira, a celebração eucarística do Breve “Aligera Cymba”, pelo qual o Papa João XXIII declarou Nª Senhora do Ar como padroeira dos aviadores portugueses, a visita do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa ao CFMTFA, na Ota, para presidir a um Juramento de Bandeira e diversas Rendições de Comando. Em síntese, uma revista de muita qualidade gráfica e editorial, dedicada a temas aeronáuticos, de muito interesse para os militares da FAP e para quem acompanha estas matérias. Ao seu Diretor, General Lopes da Silva, e à sua tripulação, os nossos calorosos parabéns! Esta revista pode ser objeto de assinatura, com um custo anual de 11€; aqui deixamos os contactos da redação, tel 21 472 3511, e-mail malto_admpub@ emfa.pt , endereço postal Av. da Força Aérea Portuguesa, nº 1, 2614-506 Amadora. A.F. CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR A extensão da Plataforma Continental portuguesa é um desígnio nacional do maior interesse, económico, científico e de proteção ambiental, que foi iniciado há mais de uma década. Decorre atualmente, em subcomissão da Comissão de Limites da Plataforma Continental da Organização das Nações Unidas, a avaliação da proposta portuguesa que tem esse objetivo. Diretamente empenhados nesta complexa tarefa estão o Grupo de Acompanhamento do Projeto da Extensão da Plataforma Continental, coordenado pelo ex-Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), Almirante Fernando Melo Gomes e a Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC) do Ministério do Mar dirigida pela Doutora Isabel Botelho Leal. Este último organismo editou agora, em livro, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Já o fizera em 2007 e 2008 em imRevista de Marinha · 1016 Julho/Agosto 2020 pressão executada com meios próprios tendo agora recorrido a meios externos. O livro em apreço contém a Convenção assinada em Montego Bay, em 10 de dezembro 1982 e o Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI dessa Convenção, documentos que foram aprovados na Assembleia da República pela Resolução n-º 60-B/97 de 14 de outubro de 1997 e ratificadas pelo Decreto do n.º 67-A/97 da mesma data, do Presidente da República. São reproduzidas as versões em língua portuguesa e língua inglesa deste fundamental diploma do Direito do Mar Destinado a ser um importante ins- · revistademarinha.com trumento de trabalho dos funcionários e colaboradores do organismo editor, que necessitam de conhecer em detalhe e de aplicar esta Convenção, esta edição de 450 exemplares certamente se esgotará rapidamente, tal como aconteceu às anteriores. Bem impresso e encadernado, com excelente aspeto gráfico, pena é que não esteja disponível no mercado comercial. Aos interessados, indicamos os contactos da EMEPC, tel 21 300 4165, e-mail [email protected]. pt, endereço postal, Rua Costa Pinto, nº 165, 2770-047 Paço de Arcos. Luís Paiva de Andrade 83 83.O Ano REVISTA SIGNAL Esta revista em língua inglesa é uma publicação da AFCEA, uma associação que juntou inicialmente técnicos de comunicações e de eletrónica das Forças Armadas dos EUA e do complexo militar-industrial americano, que transvazou posteriormente para a academia, entidades governamentais e sociedade civil; e que das comunicações e eletrónica iniciais se expandiu para computadores, ciber - segurança e para o espaço. A AFCEA é uma associação sem fins lucrativos, que divulga as boas-práticas do setor aos seus associados e que permite estabelecer pontes – uma espécie de Lyon’s Club ou Rotary’s dos especialistas em comunicações e eletrónica. A AFCEA está organizada em “capítulos”, um dos quais sediado em Lisboa e presidido pelo C/Alm. Engº Carmo Durão, e dá grande atenção à juventude através de numerosos programas e de prémios dedicados aos Young AFCEAN’s. O exemplar que comentamos, referido a maio de 2020, faz capa com uma imagem das cloud capabilities, assinalando que a tecnologia da nuvem está a invadir o planeta. O editorial é assinado pelo Presidente, Lt. Gen. Robert Shea, USMC, ret, intitulado Heed the Coronavirus Wakeup Call, que refere que a crise pandémica trouxe preocupações acerca da segurança e estabilidade das infraestruturas críticas dos EUA e seus aliados. A globalização levou a que muitos serviços, produtos e tecnologias passassem a ser adquiridos no exterior, designadamente na China, o que criou naturalmente vulnerabilidades. Os textos apresentados dividem-se por três áreas principais, as “capacidades da nuvem”, a NATO e o espaço, a que acrescem muitas notícias ilustradas, uma reportagem sobre a Conferência “West 2020” e as atividades dos diversos capítulos, onde as iniciativas de Lisboa muitas vezes são referidas. De assinalar ainda a divulgação de numerosos webinars, muitos deles gratuitos, focados em temas do âmbito da associação. Em síntese, uma revista muito informativa e interessante, dirigida a quem acompanhe a evolução das comunicações, eletrónica e tecnologias associadas e, naturalmente, para quem domine a língua inglesa e o inerente jargão técnico. A revista é enviada gratuitamente aos associados da AFCEA e poderá ser objeto de assinatura por não-membros. Aos interessados, aqui deixamos os contactos da AFCEA Portugal (capítulo de Lisboa), tel 21 099 8277, e-mail [email protected], endereço postal, Edifício AIP, Praça das Indústrias, s/n, Junqueira, 1300-307 Lisboa. REVISTA O DESEMBARQUE Trata-se de uma publicação periódica, quadrimestral, da Associação de Fuzileiros (AFZ), instituição com a qual a ENN, Lda, proprietária da Revista de Marinha, tem um protocolo de colaboração. O nº 35, que comentamos, referido a março de 2020, abre com um editorial assinado pelo diretor – e Presidente da Direção da AFZ – Cte. Manuel Leão de Seabra, que assinala que os Corpos Sociais terminam em abril o seu mandato de dois anos e aproveita para fazer um conjunto de agradecimentos. Seguem-se diversas notícias ilustradas, designadamente as referentes ao Natal de 2019, com a publicação de uma mensagem do Almirante CEMA e a refe84 rente à “entrega de comando” do Corpo de Fuzileiros, desde 18 de novembro sob a chefia do Comodoro Paulo Silva Ribeiro. Também merecem destaque as atividades das delegações do Algarve, Beira Alta, Douro Litoral, Juromenha-Elvas, Polícia Marítima, Núcleo de Fuzileiros Motociclistas e Radio “Filhos da Escola”, da Divisão do Mar e de Atividades Lúdicas e Desportivas e dos Cadetes do Mar Fuzileiros. Em interessantes artigos, “Oficial (Cavalheiro) e Fuzileiro”, o Cte. Oliveira Monteiro aborda as origens da classe de Oficiais Fuzileiros, em “As Berliet-Tramagal dos Fuzileiros”, o Dr. Ricardo Rodrigues Morais refere-se às viaturas pesadas de transporte que os equiparam e em “Operação Leopardo” o Cte, José António Ruivo descreve o empenhamento de fuzileiros no Zaire, em 1997. A terminar alguns textos com recordações de comissões em África e os convívios dos Destacamentos de Fuzileiros nº 11 (Moçambique 72/74), nº 2 (Angola 67/69), nº 1 (Moçambique 64/66) e nº 12 (Guiné 67/69). Uma palavra para o 75º aniversário de Mário Manso, um fuzileiro fotógrafo que por diversas vezes cedeu fotos à RM; embora atrasados, aqui estão os nossos parabéns amigos! Em síntese, uma publicação de elevada qualidade gráfica, muito ilustrada e naturalmente focada nos interesses dos associados da AFZ; contudo terá certamente interesse para quem tem curiosidade pelas atividades das tropas especiais ou pela Guerra de África. Esta revista não se encontra nos circuitos comerciais, sendo de distribuição gratuita aos membros da AFZ; aqui deixamos para os interessados os contactos da redação, tel 21 206 0079, e-mail [email protected], endereço postal, Rua Miguel Pais, nº 25, 1º Esq. 2830-386 Barreiro. revistademarinha.com · 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha Arquivo Histórico A Revista de Marinha há mais de oitenta anos… nº 70 número da RM que hoje comentamos, referido a 18 de janeiro de 1940, faz capa com uma foto do Ministro Ortins de Bettencourt, em fato de cerimónia, de casaca e condecorações, assinalando a legenda ter completado quatro anos na gerência da pasta da Marinha. A abrir, um texto de sete páginas faz uma listagem de 44 decretos-lei, decretos e portarias, um resumo da legislação que publicou, assinalando … a sua gerência, que compreende remodelações e reformas profundas, numa obra de conjunto que revela altas qualidades administrativas, uma energia e uma força de vontade invulgares, completa hoje quatro anos. Na crónica da situação internacional intitulada “A resistência da Finlândia levará a Alemanha a definir uma posição perante a Rússia” o colunista residente Francisco Velloso analisa as relações entre a Alemanha e a União Soviética, então aliadas depois da partilha da Polónia. É relatada uma conferencia em Veneza entre o Conde Ciano e o Conde Czaki, Ministros dos Negócios Estrangeiros de Itália e da Hungria, que … consagrou na linha do Danúbio e em ligação com os Balcãs a criação de um novo bloco a cuja testa a Itália aparece e que é desde já o grande concorrente da marcha germânica para leste, apresentando-se como muralha anti-soviética da Europa. O Numa noticia ilustrada de três páginas são indicados os factos mais importantes ocorridos no quarto ano da gerência do Ministro Ortins de Bettencourt. A rubrica usual “A guerra no mar – os acontecimentos enumerados e resumidos dia a dia” relata-nos o que aconteceu entre os dias 18 e 21 de dezembro de 1939; é dado particular relevo a um ataque de sucesso do submarino britânico SALMON a uma força de cruzadores de batalha e cruzadores alemães. A fechar, o artigo “Os Lloyd’s de Londres e as outras sociedades de classificação”, assinado pelo Engº Gago de Medeiros e que conclui neste número. O texto aborda com algum detalhe as convenções internacionais relativas a meios de salvamento e ao “bordo livre”, designadamente às “marcas de Plimsoll”, convenções acordadas no início dos anos trinta do século passado e de que Portugal foi parte. Uma palavra para a publicidade, que neste número ocupa 26 páginas (!) e que inclui anúncios de diversos formatos, de 1/8 de página a página inteira, incluindo alguns textos de publicidade redigida. Contámos 59 anúncios das mais diversas firmas, na sua maior parte nas áreas da navegação, da pesca, da reparação e da construção naval e dos equipamentos marítimos. Entre estas firmas marcava presença a centenária “J. Garraio & Cia” … fabricante especializado de bússolas e faróis para a Marinha e agente do Almirantado Inglês e do Almirantado francês. Um número da revista centrado na figura do Ministro da Marinha, a quem são tecidos loas e louvores, num estilo e registo “Estado Novo”, e que pela publicidade angariada, que hoje nos faz inveja, terá certamente sido muito rentável. CURSO | DIRIGENTES E EXECUTIVOS DE TOPO LIDERANÇA & ALTA PERFORMANCE IMERSÃO EXPERIMENTAL EM TREINO DE MAR CANDIDATURAS ATÉ 15 ABRIL A REALIZAR 29, 30 E 31 MAIO HTTP://CBSE.ISCAC.PT [email protected] 239 802 187 83.O Ano Associação Economia Azul - Unidos pelo Mar Os Sistemas de Observação da Terra INTRODUÇÃO Os temas do desenvolvimento sustentável, da poluição, da Economia Azul são de tal maneira importantes para o planeta, que também na Europa estão a ser desenvolvidos sistemas de observação que permitem acompanhar a evolução das principais variáveis, antecipando medidas corretivas. Esta Associação acompanha com interesse estes sistemas e procura dar a conhecer a todos as suas potencialidades. “COPERNICUS” O Programa “Copernicus” é a componente Europeia da Rede Mundial de Sistemas de Observação da Terra. Tem por base uma parceria estabelecida entre a União Europeia, a Agência Espacial Europeia, e os vários Estados-Membros e tem como principal objetivo a disponibilização de serviços que permitam o acesso atempado a dados rigorosos e fiáveis sobre o ambiente, as alterações climáticas, o desenvolvimento sustentável, a Economia Azul e as pescas. Constituído por três pilares: uma Componente Espaço feita através de satélites da família “SENTINEL”, uma Componente In Situ com recurso a infraestruturas in situ e uma Componente de Serviços para disponibilizar a informação de uma forma fácil para os cidadãos e entidades com responsabilidades nas áreas da Gestão de Recursos, Segurança e Proteção Civil. As imagens dos satélites “SENTINEL” e toda a informação produzida no âmbito destes serviços são distribuídos com base numa política de acesso aberto e sem custos. Estudos socioeconómicos realizados sobre o Programa “Copernicus” apontam que, por cada euro investido pelo contribuinte europeu, o retorno será de 10 euros. Prevê-se ainda que em 2030 o programa possa ter gerado na Europa cerca de 83.000 empregos e ter um retorno para a indústria de aproximadamente 6,9 mil M por ano. As informações do sistema A informação é distribuída por seis serviços, com base nos dados adquiridos: Meio terrestre – https://www.copernicus.eu/pt-pt/servicos/meio-terrestre Informações geográficas sobre a utilização do solo, o estado da vegetação, o ciclo da água e as variáveis de energia da superfície terrestre. Gestão de emergências – https://www. copernicus.eu/pt-pt/servicos/emergencias Informações geoespaciais derivadas de teledeteção por satélite e completadas por fontes de dados abertos ou in situ disponíveis, gestão de catástrofes naturais, emergências de origem humana e crises humanitárias. Meio marinho – https://www.copernicus.eu/pt-pt/servicos/meio-marinho Caracterização do estado do mar e dos ecossistemas marinhos para o conjunto dos oceanos e para as áreas regionais europeias, segurança marítima, ambiente e recursos marinhos, regiões costeiras, previsões meteorológicas sazonais e monitorização do clima. Atmosfera – https://www.copernicus. eu/pt-pt/servicos/atmosfera Informações sobre a composição da atmosfera, a qualidade do ar, o ozono, a radiação solar, situação atual, prevê a situação futura. Segurança – https://www.copernicus. eu/pt-pt/servicos/seguranca Informação para apoiar a prevenção de crises e aumentar a capacidade de preparação e de reposta, incluindo a monitorização de fronteiras e a vigilância e a segurança marítimas. Alterações climáticas – https://www. copernicus.eu/pt-pt/servicos/alteracoes-climaticas Informações sobre o clima passado, presente e futuro na Europa e no resto do mundo. ASSINATURA DA REVISTA Assinando a Revista de Marinha recebe o seu exemplar, em sua casa, a um preço mais económico. Envie-nos pelo correio um boletim de assinatura, acompanhado de um cheque ou vale de correio, à ordem da firma “ENN - Editora Náutica Nacional, Lda.”, ou faça uma transferência bancária para o nosso NIB no Banco Montepio 0036 0063 9910 0073 855 37, não esquecendo identificar-se. Poderá ainda autorizar o débito em conta (SDD). No nosso site, www.revistademarinha.com encontrará também o modelo do impresso, que poderá imprimir. Contacte-nos para o 91 996 4738 ou 21 580 98 91 e para os e-mails: [email protected] ou [email protected]. PREÇOS DAS ASSINATURAS DA REVISTA DE MARINHA 6 NÚMEROS Portugal . . . . . . . . . . . . . . . € 25,00 Europa . . . . . . . . . . . . . . . . € 45,00 Extra-Europa . . . . . . . . . . . € 50,00 PDF (digital) . . . . . . . . . . . . € 20,00 ALWAYS THERE. EVERYWHERE. Navegação e comunicações Instalação e manutenção Inspeções de equipamentos de navegação, radio e VDR Monitorização remota Conectividade A Radio Holland, globalmente reconhecida como fornecedora e prestadora de serviços de equipamentos NavCom, possui uma incomparável rede de filiais (mais de 80) para assistir o seu navio ao longo das rotas marítimas globais Tel. +351 213 976 087 | E [email protected] | www.radioholland.com