JULHO
AGOSTO
2020
www.revistademarinha.com
Marinha
Comércio
Reparação
Construção
Naval
de
&
e
Diretor: Alexandre da Fonseca
Nº 1016 - julho/agosto 2020 - Preço Continente - 5,00 € - PERIODICIDADE BIMESTRAL
Vessel Traffic
Services (VTS)
Segurança e Monitorização em tempo real no Controlo
de Trafego Marítimo.
indracompany.com
FICHA TÉCNICA
ANO: 83
Nº 1016
FUNDADOR
MAURÍCIO DE OLIVEIRA
ANTERIORES DIRETORES
MAURÍCIO DE OLIVEIRA
GABRIEL LOBO FIALHO
EDITOR/DIRETOR
ALEXANDRE DA FONSECA
DIRETOR ADJUNTO
JOÃO RODRIGUES GONÇALVES
LUÍS MIGUEL CORREIA
SÍTIO NA INTERNET
JOÃO RODRIGUES GONÇALVES
COLABORADORES PERMANENTES
ANTÓNIO BALCÃO REIS
ANTÓNIO PETERS
ARMANDO MARQUES GUEDES
ARTUR PIRES (Setúbal/Sesimbra)
AUGUSTO SALGADO
CARLOS ALBERTO TIAGO (Peniche)
ÉLVIO LEÃO (Porto Santo)
FERNANDO PAIVA LEAL (Leixões)
ISABEL PAIVA LEAL (Leixões)
ISABEL PEREIRA (Faro)
JOÃO BRITO SUBTIL (S. Miguel/Açores)
JOÃO FERNANDES ABREU (Madeira)
LUIS FILIPE MORAZZO (Sotavento/Alg.)
LUIS MONTEIRO (Barlavento/Alg.)
MANUEL OLIVEIRA MARTINS (Viana do Castelo)
MIGUEL VIEIRA DE CASTRO (Sines)
ORLANDO TEMES DE OLIVEIRA
PAULO GAMA FRANCO
RUI MATOS
Os artigos publicados na Revista de Marinha e assinados
refletem as perspetivas dos seus autores. Os artigos e fotografias incluídos nesta edição não podem ser reproduzidos sem
autorização.
Capa: O N/M WORLD EXPLORER, do armador
“Mystic Cruises”, ostentando a bandeira Portuguesa, em operação nas águas gélidas da Antártida.
(foto cortesia do Grupo DOURO AZUL)
ÍNDICE DE ANUNCIANTES
INDRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CAPA
TECNOVERITAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04
J. GARRAIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 07
ABB. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 09
APSS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
GRUPO SOUSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
OREY TÉCNICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
LOTAÇOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
SCMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
HEMPEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
ESNIDH. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
APDL. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
PORTLINE BULK. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
GALP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
AVG. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
SABSEG . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
REGISTO MAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
DOCAPESCA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
XSEALENCE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
BITCLIQ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
LISNAVE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
PLANUS NÁUTICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
GRUPO ETE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
BENSAÚDE MARÍTIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
INDUMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
REBONAVE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
SEAVENTY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
SUNCONCEPT . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
LINDLEY . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
EDIÇÕES REVISTA DE MARINHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
LOJA DO MUSEU . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81
LIDERANÇA & ALTA PERFORMANCE. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
RADIO HOLLAND . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA
IH . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VERSO DA CONTRA-CAPA
PPG DYRUP . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CONTRA-CAPA
Prefácio
No número de jul /ago da vossa revista, como de costume,
faremos foco nos temas “Marinha de Comércio” e “Construção
& Reparação Naval”; desde já um agradecimento ao Alm. Engº
Victor Gonçalves de Brito que de novo coordenou este último
dossier. Contudo, gostaria antes de abordar outros dois pontos.
O Almirante Nuno Vieira Matias, falecido a 13 de junho, foi uma figura marcante da
sociedade portuguesa e um doutrinador da necessidade de uma nova maritimidade
para Portugal; no próximo número da revista vamo-nos despedir do nosso estimado
Presidente do Conselho Editorial.
Nos últimos meses quatro embarcações com imigrantes do Norte de África foram
intercetadas pela Polícia Marítima à chegada à costa do Algarve. Nada que se não
esperasse, pois é o que acontece desde há muito na costa da Andaluzia. Há que
reforçar a vigilância da costa mais ao largo, com meios navais e com reconhecimento
aéreo, por aeronaves e por drones, do tipo que a nossa indústria já fabrica. Nada que
a Marinha, que as nossas Forças Armadas e de Segurança, não saibam fazer. Mas são
precisos meios.
A pandemia afetou já significativamente a Marinha de Comércio; em maio o tráfego
no Canal do Panamá caiu 21 %. A médio / longo prazo a globalização pode ser posta
em questão pois muitos países não pretendem repetir situações de vulnerabilidade, de
depender para necessidades básicas da sua sociedade de produtos vindos do outro
lado do mundo, e de um único país. O que poderá reduzir as trocas comerciais e o
número de navios que as asseguram.
Será que Portugal poderá vir a ser um país de shipping? As capitais marítimas como
Singapura, Londres ou Atenas, onde se concentram os armadores, agregam também
muitas empresas de serviços, de advogados a finança especializada, de peritos a
shipmanagement, gerando numerosos empregos de qualidade. A firma “Arista Shipping” já se instalou entre nós; temos tradição e história, segurança, bom clima, boas
comunicações e custos competitivos. O Brexit e a crise que o shipping vive, e vai viver,
trazem oportunidades que importa aproveitar.
A nível nacional saúda-se o Registo da Madeira, que tem crescido e poderia crescer
mais. Aguarda-se legislação que lhe permita concorrer com Malta e com Chipre, registos de muito maior dimensão.
Uma palavra de aplauso para o Grupo ETE, agora responsável pelo tráfego inter-ilhas
em Cabo Verde.
O mercado de cruzeiros parou de repente; a retoma já se anuncia, mas vai demorar.
O armador Mystic Cruises (Grupo Douro Azul), com unidades novas, mais pequenas
e flexíveis, e operando no nicho da expedição, talvez tenha mais sorte; são esses os
nossos votos.
A construção e a reparação naval vão ser fortemente fustigadas pela crise. Contudo,
precisamos de reequipar a Marinha de Guerra, de substituir os navios de comércio das
carreiras das Ilhas e de rejuvenescer a frota de pesca. Será que esta crise constitui uma
oportunidade para relançar a construção naval e as indústrias associadas?
Alexandre da Fonseca
[email protected]
Conselho Editorial
António Balcão Reis, Armando Marques Guedes, Augusto Alves Salgado, Carlos
Seixas da Fonseca, Daniel de Spínola Pitta, Eduardo de Almeida Faria, Jaime Leça da
Veiga, João Rodrigues Gonçalves, Joaquim Bertão Saltão, Joaquim Monteiro Marques,
José Ribeiro e Castro, José Rodrigues Pereira, Luís Miguel Correia, Manuel Almeida
Ribeiro, Nuno Fernandes Thomaz, Nuno Sardinha Monteiro, Orlando Temes de Oliveira,
Teófilo Pires Tenreiro e Victor Gonçalves de Brito.
Revista de Marinha (ERC nº 104351): Endereço da Sede e Redação - Av. Elias Garcia, Nº 20, 4º Esq. 1000 -149 Lisboa. Propriedade da ENN – Editora Náutica Nacional, Lda.,
NIPC 501 700 536. Tm. 91 996 47 38, Tel. 21 580 98 91, e-mail:
[email protected], www.revistademarinha.com; a ENN está inscrita no registo das empresas jornalísticas sob o
nº 211781; Depósito legal nº 18 573/87. O capital desta empresa está repartido por duas quotas iguais, de 50% cada, pertencentes a Henrique Alexandre Machado da Silva da Fonseca e Maria de
Fátima Rueda Cabral Sacadura Alexandre da Fonseca. Paginação, Impressão e Acabamento: Estria, Produções Gráficas, S.A., Rua Torcato Jorge, Nº 1, Sub-Cave, 2675-359 Odivelas, Tel.
21 938 56 69, E-mail:
[email protected]; Site: estria.wix.com/estria; Tiragem deste número: 2900 exemplares; Distribuição: VASP, Tel. 21 439 85 07.
83.O Ano
Sumário
RECICLAGEM DE NAVIOS ............................................. 51
ATUALIDADE NACIONAL
ECONOMIA DO MAR
DIA DA MARINHA DE 2020 .............................................. 5
ECONOMIA AZUL – COOPERAR PARA RECUPERAR ... 18
ACADEMIA DE MARINHA REABRE EM SETEMBRO ........ 6
O MAR NO FUTURO DE PORTUGAL ............................. 54
DIA DO PORTO DE AVEIRO
CELEBRADO DIGITALMENTE ........................................... 6
MARINHA DE COMÉRCIO
A CAVERNA EM TRINCADO DO NAVIO
MEDIEVAL DA VÁRZEA DE ALFEIZERÃO ....................... 60
ENIDH – ALTERAÇÃO DE DATAS DE CANDIDATURA ..... 6
MARINHA DE COMÉRCIO – QUE FUTURO? .................. 20
FERNÃO MAGALHÃES .................................................. 62
A MARINHA NO COMBATE À COVID 19 ......................... 7
DORES DE CRESCIMENTO
DE UMA BANDEIRA ALÉM-MAR .................................... 22
CRÓNICAS
PORTUGAL PODE SER UM PAÍS DE SHIPPING ............ 30
NAVIOS DO DESPACHO 100 ......................................... 64
MONITORIZAÇÃO DO ITI MAR 2018 ................................ 8
PORTLINE ALTERA MODELO DE GESTÃO ..................... 8
DOCAPESCA LANÇA CONCURSO PARA
O PORTO DE PESCA DE AVEIRO .................................... 8
OS 22 ANOS DA EXPO-98 ............................................. 10
NOVO TERMINAL DE PASSAGEIROS
DO PORTO DE S. ROQUE DO PICO .............................. 10
“MYSTIC CRUISES”: DO PORTO PARA O MUNDO ....... 31
MUSEU MARÍTIMO DE ÍLHAVO
REGISTA RECORDE EM 2019 ....................................... 12
OCEANÁRIO REABRE COM NOVAS
MEDIDAS DE SEGURANÇA ........................................... 12
PROJETO DE TURISMO CIENTÍFICO SUSTENTÁVEL .... 13
REQUALIFICAÇÃO DO PORTO DE PONTA DELGADA .. 14
TROFÉU DE VELA “MIRPURI FOUNDATION” ................. 14
UNIÃO EUROPEIA APOIA O SETOR DA PESCA ............ 15
360 PRAIAS GALARDOADAS
COM A “BANDEIRA AZUL” ............................................ 15
CREOULA AGUARDA MODERNIZAÇÃO ........................ 16
DOCAPESCA APOIA A REALIZAÇÃO
DE TESTES COVID-19 ................................................... 16
4
TRANSPORTES & LOGÍSTICA ....................................... 66
MERGULHO ................................................................... 70
FORMAÇÃO & TREINO
A FORMAÇÃO DO OFICIAL ELETROTÉCNICO .............. 24
QUANTAS QUARTELADAS AO ESCOVÉM? .................. 26
ENERGIAS RENOVÁVEIS MARINHAS ............................ 72
MODELISMO .................................................................. 74
DESPORTOS NÁUTICOS ............................................... 76
PATRIMÓNIO MARÍTIMO ............................................... 78
CONSTRUÇÃO
& REPARAÇÃO NAVAL
ESCAPARATE
A PANDEMIA COVID 19 – MAIS UM OBSTÁCULO
A ULTRAPASSAR PELA INDÚSTRIA
DE CONSTRUÇÃO & REPARAÇÃO NAVAL ................... 34
DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA COVID-19
E DAS TRANSIÇÕES CLIMÁTICAS
E AMBIENTAIS NA INDÚSTRIA NAVAL .......................... 36
UM PROJETO DE VIDA .................................................. 39
LISNAVE – ADAPTAÇÃO PERMANENTE
AO MERCADO DE MANUTENÇÃO DE NAVIOS ............. 40
ÁFRICA, DE PARAÍSO FASCINANTE
A INFERNO INESPERADO ............................................. 80
GIL EANNES, O ANJO DO MAR ..................................... 81
O ARTIGO 76º DA CONVENÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR ............................ 82
REVISTA MAIS ALTO ...................................................... 83
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
SOBRE O DIREITO DO MAR .......................................... 83
REVISTA SIGNAL ........................................................... 84
REVISTA O DESEMBARQUE .......................................... 84
ESTALEIRO DA ROCHA CONDE DE ÓBIDOS ................ 42
A DIGITALIZAÇÃO NO PROJETO
DE ENGENHARIA NAVAL ............................................... 44
APLICAÇÃO DA CONSTRUÇÃO ADITIVA 3D
EM CONSTRUÇÃO, MANUTENÇÃO
E REPARAÇÃO DE NAVIOS ........................................... 46
ENCADERNAÇÃO DAS RM'S DE 2019 .......................... 16
VENDA DO PAQUETE AZORES ..................................... 17
ÚLTIMOS A CHEGAR E ÚLTIMOS A PARTIR ................. 56
SEGURANÇA MARÍTIMA ................................................ 68
NÁUTICA VIRTUAL – A NÁUTICA ADAPTA-SE
AOS TEMPOS QUE VIVEMOS ........................................ 11
NAVIO-MUSEU GIL EANNES REABRE AO PÚBLICO ..... 11
HISTÓRIA MARÍTIMA
O MID-LIFE UPGRADE DAS FRAGATAS
DA CLASSE BARTOLOMEU DIAS .................................. 48
ARQUIVO HISTÓRICO
A Revista de Marinha HÁ MAIS
DE OITENTA ANOS… Nº 70 ........................................... 85
ASSOCIAÇÃO “ECONOMIA AZUL
- UNIDOS PELO MAR”
OS SISTEMAS DE OBSERVAÇÃO DA TERRA ............... 86
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
Dia da Marinha de 2020
ranscrevemos abaixo a mensagem
do Almirante António Mendes Calado, Chefe do Estado-Maior da
Armada e Autoridade Marítima Nacional,
por ocasião do Dia da Marinha, em 20 de
maio:
É com enorme orgulho que a todos saúdo, neste Dia da Marinha de 2020!
Dirijo uma saudação muito especial
àqueles que hoje cumprem a Missão da
Marinha, não só na linha da frente do combate à pandemia da COVID 19, mas, igualmente, em teatros de operações no
mar e em terra, do golfo da Guiné ao
mar Mediterrâneo, passando pelo Afeganistão, Colômbia e República Centro Africana, sem esquecer os que, em
território nacional, asseguram o Dispositivo Naval Padrão.
Saúdo igualmente, com um sentimento de profunda gratidão, todos os
membros da família naval, com quem
partilhamos a Marinha e que se constituem como o porto de abrigo na chegada de cada missão, assim como as
Associações de ex-militares, que habitualmente participam neste dia festivo,
constituídas por marinheiros e fuzileiros que serviram e honraram a Pátria
na Marinha.
O Dia da Marinha, celebrado na
data em que assinalamos a chegada
de Vasco da Gama à Índia, em 1498,
reveste-se, no presente ano, e por força da situação causada pela pandemia
da COVID 19, de um contexto absolutamente excecional. Por este motivo,
decidi cancelar todas as atividades públicas associadas às comemorações,
no respeito pelas normas estabelecidas pelas autoridades competentes,
enquanto focamos a nossa atividade
na capacidade de cumprir a Missão.
A situação de calamidade nacional que ainda vivemos obrigou à implementação de diversas medidas
excecionais, tendo em vista o alcance da
primeira prioridade no combate à pandemia - proteger, na máxima extensão
possível, as pessoas que prestam serviço na Marinha e na Autoridade Marítima,
bem como as nossas famílias. Adotámos
rigorosos comportamentos de autoproteção, que permitiram continuar a cumprir a
nossa Missão, enquanto dávamos resposta às inúmeras tarefas que fomos sendo
chamados a cumprir, não descurando a
adequada capacidade de regeneração na
retaguarda, essencial para sustentar a continuidade das operações. Focámo-nos em
T
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
assegurar a disponibilidade e a prontidão
dos meios, com prioridade na capacidade
médica e no apoio logístico ao Hospital
das Forças Armadas, contribuindo para a
prestação de cuidados médicos a todos
os militares, militarizados e civis das Forças Armadas. Aprontámos meios para o
apoio logístico ao Ministério da Saúde, colaborámos com instituições de apoio social
e com diversos municípios no auxílio aos
mais frágeis, e, mais recentemente, apoiámos o Ministério da Educação na criação
de condições para a retoma da atividade
escolar, participando de forma decisiva no
contributo das Forças Armadas para o esforço nacional de combate à pandemia.
Estamos a retomar progressivamente
as nossas atividades internas, necessariamente interrompidas devido à pandemia,
cientes que a capacidade de aprontar
meios e sustentar as operações obrigará,
nos tempos mais próximos, a um novo
normal, o qual continuará a exigir de cada
um de nós a rigorosa observância dos
comportamentos de autoproteção. Nós,
que andamos no mar, sabemos bem que
· revistademarinha.com
as tempestades se ultrapassam com competência, coragem e disciplina!
Neste Dia da Marinha, quero, na qualidade de Autoridade Marítima Nacional,
saudar todos os que servem nas estruturas da Direção-Geral da Autoridade Marítima e na Polícia Marítima. As sinergias que
resultam do apoio da Marinha à Autoridade
Marítima Nacional, consolidadas ao longo
de anos de experiência de operação num
ambiente comum, são determinantes para
enfrentar, com confiança e tranquilidade,
os desafios da época balnear que se
avizinham, bem como para garantir adequados níveis de segurança a
quem anda no mar, em trabalho ou
em lazer, e para preservar os nossos
recursos marinhos, dando, desta forma, um contributo inestimável com
repercussões nas atividades ligadas à
economia do mar e ao turismo.
Nesta ocasião, aproveito para dirigir um agradecimento ao Senhor
Presidente da Câmara Municipal de
Faro pela forma entusiástica como a
autarquia acolheu a proposta de festejarmos o Dia da Marinha de 2020
na sua cidade, reiterando o nosso
compromisso de, no próximo ano,
celebrarmos em conjunto a Marinha.
Às gentes do Algarve, berço de gerações de marinheiros, que sempre nos
recebe calorosamente, formulo antecipadamente o convite para, dentro de
um ano, nos encontrarmos levando a
Marinha até vós nas margens da formosa ria de Faro.
Militares, Militarizados e Civis da
Marinha, num Dia da Marinha diferente de todos os que já vivemos, quero
deixar uma mensagem de reconhecimento pelo vosso forte espirito de
missão, sabendo que os resultados
alcançados ao longo do ano se devem à forma dedicada e competente
como cada um de nós vive o dia-a-dia da Marinha, independentemente das
adversidades que encontramos no nosso
caminho.
Exorto todos a olhar o futuro com determinação e confiança, mas também
com sentido de responsabilidade e espírito colaborativo, procurando antecipar
soluções que reduzam os riscos que caracterizam os tempos de incerteza que
vivemos, firmes na vontade de continuar
a afirmar o prestígio da Marinha, como
instituição que tem um rumo de excelência no serviço que presta ao País e aos
Portugueses!
5
83.O Ano
ACADEMIA DE MARINHA REABRE EM SETEMBRO
Face à evolução previsível da pandemia COVID 19, do programa de “desconfinamento” anunciado pelo Governo e
às faixas etárias elevadas da maioria dos
seus membros e frequentadores, a Academia de Marinha vai continuar com as
suas sessões suspensas durante o mês
de junho e na primeira quinzena de julho,
a que se seguirá o tradicional período
de férias, de 15 de julho a 15 de setembro. Nestas circunstâncias, a atividade
semanal terá início em 22 de setembro,
terça-feira, com uma sessão evocativa do
centenário do nascimento do Almirante
Avelino Teixeira da Mota, sendo orador
um seu estudioso, o Cte. Carlos Valentim. Nas futuras sessões serão seguidas
todas as normas e recomendações em vigor, designadamente as emitidas pela Direção Geral de Saúde (DGS). Será assim
obrigatório o uso de máscara no interior
das instalações da Academia, que serão
higienizadas de acordo com o normativo
emitido pela DGS.
Entretanto, na Academia de Marinha e
até 30 de setembro de 2020, estará aberto
concurso para a atribuição do prémio “Almirante Teixeira da Mota – 2020”, no valor
pecuniário de 5.000€, a atribuir a um trabalho original de pesquisa e investigação
científica no âmbito das artes, letras e ciências ligadas ao Mar e às Marinhas.
DIA DO PORTO DE AVEIRO CELEBRADO DIGITALMENTE
Em dia de celebração dos 212 anos da
abertura da Barra de Aveiro, Dia do Porto
de Aveiro, a APA - Administração do Porto
de Aveiro decidiu marcar a efeméride com
o lançamento de uma nova identidade corporativa.
O momento conturbado em que vivemos, levou-nos a assumir com determinação esta ideia de mudança para inspirar
trabalhadores, clientes, parceiros, a comunidade local e a comunidade marítima e
portuária, criando deste modo um elo de
ligação com todos os que vivem diariamente o Porto de Aveiro, referiu na ocasião
a Presidente do C.A. da APA, Profª Drª. Fátima Lopes Alves.
Este rebranding assume uma nova estratégia comercial de internacionalização
da marca “Porto de Aveiro”. A nova identidade fala por si. Não se trata de um desligar do passado, mas sim unir a história e
relançar a marca para um novo futuro mais
sustentável, mais tecnológico e inovador.
A par da nova identidade corporativa foram
lançados um novo site e uma nova imagem
nas redes sociais. Este é um site responsivo e mais intuitivo para os utentes e clien-
tes e, como tal, focado nas atividades core
do Porto de Aveiro.
Para celebrar a efeméride, tendo em
conta as contingências decorrentes da
pandemia da COVID 19, o “Dia do Porto
de Aveiro” foi celebrado em modo digital.
Assim, foram vários os convidados que se
associaram a esta celebração e que deixaram uma mensagem vídeo no novo site,
nomeadamente o Secretário de Estado
Adjunto e das Comunicações, Dr. Alberto
Souto, toda a comunidade portuária, autarquias, trabalhadores, clientes e parceiros. São mais de 50 vídeos com mensagens positivas e motivadoras que poderão
ser visualizadas no Canal de Negócios do
Porto de Aveiro no Youtube ou, ainda, no
site da APA.
ENIDH - ALTERAÇÃO DE DATAS DE CANDIDATURA
A ENIDH – Escola Náutica Infante D.
Henrique é uma instituição de ensino superior público destinada a formar Oficiais
de Marinha Mercante bem como quadros superiores destinados à atividade
marítima-portuária e setores afins. É a
única escola nacional vocacionada para
a formação de quadros superiores para
os setores dos Transportes Marítimos,
Portos, Intermodalidade, Gestão e Logística. A ENIDH proporciona
uma sólida formação científica,
técnica e cultural em áreas ligadas ao setor da “economia
azul”, com uma elevada taxa
de empregabilidade no mercado de trabalho, na ordem de
97%, segundo dados oficiais
6
fornecidos pela Direção Geral
do Ensino Superior (DGES).
Este ano, devido ao surto
da COVID 19, as candidaturas
decorrerão através do Concurso Nacional de Acesso ao Ensino Superior 2020, no período
de 7 de agosto (1ª fase) até 26 de outubro (3ª fase), nos termos da informação
em https://www.enautica.pt/pt/candidaturas-25/candidaturas-20
Licenciaturas – Engenharia de Máquinas Marítimas; Engenharia Eletrotécnica
Marítima; Gestão de Transportes e Logística; Gestão Portuária; Pilotagem.
Mestrados – Engenharia de Máquinas
Marítimas; Pilotagem.
Cursos Técnicos Superiores Profissionais (TeSP) – Climatização e Refrigeração; Eletrónica e Automação Naval;
Manutenção Mecânica Naval; Redes e
Sistemas Informáticos.
Mais informações
21 446 0011.
revistademarinha.com
através
do
tel
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
A Marinha no combate à COVID 19
Marinha, através de uma estreita articulação com o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA),
tem aprontado e disponibilizado meios,
bens e serviços em apoio a diversas entidades do Estado, no combate à pandemia
causada pelo novo coronavírus.
Esta atividade de apoio às populações,
no âmbito da pandemia, tem sido coordenada pelo Centro de Coordenação de
Resposta Militar (CCRM) que funciona no
Centro de Operações Marítimas, aproveitando as instalações físicas e a infraestrutura de comando e controlo já existente,
sendo criado especificamente para coordenar a resposta da Marinha. O CCRM
tem como objetivo principal planear e
coordenar todas as atividades de resposta
desde o primeiro momento para o esforço
coletivo nacional de combate à pandemia
da COVID 19, com iniciativas de proteção
e apoio às populações. Os apoios prestados pela Marinha materializam-se, desde o
início das diligências de preparação para a
pandemia, até ao final do estado de calamidade, em ações de apoio à Autoridade
Nacional de Emergência e Proteção Civil
(ANEPC), ao Ministério da Saúde, ao Ministério da Educação, ao Ministério do Mar
e ao Ministério da Justiça.
As ações incluem a montagem de tendas e cedência de camas de diferentes
tipologias para Hospitais e edificação de
Centros de Acolhimento espalhados pelo
país, alojamento de pessoal técnico de
apoio na messe da Base Naval (Alfeite),
transportes de artigos críticos em todo o
território nacional, descontaminação de infraestruturas, reforço de equipas sanitárias
do Hospital das Forças Armadas (Polos de
Lisboa e Porto), reforço de segurança da
Base Aérea da OTA no acolhimentos aos
requerentes de asilo, apoio psicológico a
militares e civis, distribuição de alimenta-
A
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
ção a pessoas carenciadas em Lisboa,
distribuição de equipamentos de proteção
individual e gel desinfetante nas escolas
de ensino secundário e a preparação de
Centros de Acolhimento na Escola de Tecnologias Navais na Base Naval, para apoio
ao Sistema Nacional de Saúde e aos Hospitais Militares.
No intuito de prosseguir o esforço de
adoção e interiorização de medidas no
domínio sanitário, designadamente de
ações complementares para a prevenção
da COVID 19, a Marinha materializou um
conjunto de ações presenciais em apoio
aos Ministérios da Educação (Escolas de
Ensino Secundário), do Mar (mestres e
contramestres de embarcações de pesca)
e da Justiça (Estabelecimentos Prisionais)
na sensibilização para a necessidade de
higienização dos espaços e na demonstração de procedimentos e técnicas de desinfeção dos espaços comuns.
No âmbito da investigação e desenvolvimento, a Marinha, na mitigação à pandemia da COVID 19 também teve o seu
· revistademarinha.com
contributo através da Célula de Experimentação Operacional de Veículos Não Tripulados (CEOV), que tem vindo a desenvolver
uma intensa atividade de prototipagem rápida, encontrando-se em desenvolvimento
um protótipo de baixo custo de um ventilador mecânico invasivo. Paralelamente,
foi assegurado também o fornecimento
de máscaras comerciais com adaptadores
para filtros médicos, viseiras de proteção,
ambos impressos em impressoras 3D,
bem como outros acessórios necessários
para a proteção dos profissionais de saúde
que prestam serviço na Marinha. A CEOV
contribuiu igualmente no aprontamento
técnico e operacional de militares com sistemas aéreos não tripulados em apoio ao
Comando Operacional da Madeira.
Simultaneamente, a Marinha tem garantido a prontidão das suas unidades cumprindo a sua missão de servir Portugal no
mar e dando resposta às tarefas contra a
pandemia causada pela COVID 19.
JPMG
7
83.O Ano
MONITORIZAÇÃO DO ITI MAR 2018
Neste documento são identificadas
4.012 operações aprovadas até final de
2018, num investimento total de 1,9 mil milhões de euros e um montante de fundos
comunitários atribuídos no valor de 1,1 mil
milhões de euros.
Foi publicado recentemente o terceiro
relatório de monitorização integrada da utilização dos Fundos Europeus Estruturais e
de Investimento (FEEI) no Mar (Investimento Territorial Integrado Mar - ITI Mar), relativo às operações aprovadas até ao dia 31
de dezembro de 2018.
Através da leitura deste relatório temos
acesso a um vasto conjunto de informação
sobre o desempenho dos diferentes programas comunitários de apoio à Economia
do Mar assim como sobre a tipologia das
operações aprovadas. Os dados apresentados permitem avaliar as prioridades de
investimento na Economia do Mar, apoiar
as decisões dos agentes económicos e
identificar lacunas de intervenção no aces-
so aos fundos estruturais,
que possam vir a ser supridas por outros instrumentos
financeiros.
As três principais áreas
de investimento foram o
Turismo costeiro (alojamento) com 452 M€, a I&D&I
com 341,3 M€ e o Ensino,
formação profissional, estágios e apoio à contratação
no valor de 145 M€. O Relatório ITI Mar a que nos referimos visa, nomeadamente:
1) Dar assistência aos potenciais promotores de projetos na temática do mar
através de:
– Divulgação de informação sobre oportunidades de financiamento dos FEEI no
mar;
– Prestação de esclarecimentos e encaminhamento de potenciais promotores,
seguindo um quadro de referência;
– Disponibilização de
uma plataforma para registo
de potenciais promotores
na área do mar.
2) Monitorizar e avaliar
as componentes marítimas
e marinhas nos FEEI, tendo
em vista analisar o contributo destes fundos para a
concretização das prioridades da ENM 2013-2020.
3) Proporcionar informação direcionada para suporte aos decisores públicos
envolvidos com a política do mar e com os
FEEI.
O Relatório ITI Mar também é importante para a articulação entre as entidades
nacionais que gerem os FEEI no que se
refere ao contributo destes fundos para
a concretização dos objetivos estratégicos. Para mais informações: https://www.
dgpm.mm.gov.pt/
PORTLINE ALTERA MODELO DE GESTÃO
A Comandante Cristina Alves cessou
funções, a seu pedido, na “Portline Bulk International, S.A.” (PBI) no passado dia 8 de
maio e nessa decorrência, os acionistas decidiram alterar o modelo de gestão das empresas operacionais do Grupo PORTLINE,
nomeadamente da PBI. Nestas circunstâncias perspetiva-se a implementação de uma
Comissão Executiva que passará a ter a
gestão corrente da sociedade com poderes
delegados pelo Conselho de Administração.
A atual situação de pandemia e as limitações
de viagens internacionais necessárias para
a realização de Assembleias Gerais, infelizmente, impedem a implementação imediata
deste novo modelo.
Assim, e até que haja condições que
permitam a completa implementação desse
modelo, no passado dia 11 de maio e após
uma Assembleia Geral Extraordinária convocada para o efeito, para além da reeleição
dos administradores Eng. Manuel Pinto Magalhães e Dr. Miguel Queiroz foi também eleito para integrar o Conselho de Administração da PBI o Dr. Jorge Fernandes que assim
passa exercer as funções de Administrador
Executivo, sem prejuízo de, mais tarde, vir a
integrar a referida Comissão Executiva.
A Revista de Marinha formula votos
de muitos sucessos à Comandante Cristina
Alves na nova etapa da sua vida profissional que se vai seguir, muito agradecendo
o excelente relacionamento que connosco
sempre manteve. Ao Dr. Jorge Fernandes,
agora ao leme da PBI, votos sinceros para
que sempre encontre ventos bonançosos,
mares calmos e águas safas!
DOCAPESCA LANÇA CONCURSO PARA O PORTO DE PESCA DE AVEIRO
A Docapesca lançou um concurso para
a empreitada da 2ª fase de instalação de
estruturas de proteção e acesso a cais do
porto de pesca costeira de Aveiro (na Gafanha da Nazaré, Ílhavo) com o preço base
de 170 mil euros.
A obra em apreço prevê a reparação e
instalação de novas estruturas de proteção (40 defensas) e de acesso a embarcações (52 escadas) e a substituição de
diversos cabeços de amarração na ponte-cais nº 2.
Este concurso contempla igualmente
8
intervenções ao nível do fornecimento de
energia na ponte-cais nº 2, nomeadamen-
te, a recuperação da infraestrutura de iluminação (instalação de 13 novos postes de
iluminação) e a substituição de módulos de
serviço danificados para garantir o fornecimento de energia elétrica às embarcações
de pesca.
A Docapesca – Portos e Lotas, S.A. é
uma empresa do Setor Empresarial do Estado tutelada pelo Ministério do Mar, que
tem a seu cargo, no Continente, o serviço
da primeira venda de pescado e o apoio
ao setor da pesca e respetivos portos, dispondo de 22 lotas e 37 postos de venda.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
—
Serviço Turbocharging dedicado.
Consigo em todas as etapas.
O serviço certo reduz os tempos de indisponibilidade, aumenta o desempenho e
vida útil do equipamento. Obter o plano de serviço da ABB Turbocharging garante a
entrega fiável de resultados ao menor custo total. Dedicamo-nos a oferecer aos
nossos clientes um serviço abrangente 24/7, 365 dias por ano em qualquer uma das
mais de 100 estações de serviço pertencentes à ABB em mais de 50 países em todo
o mundo. Obtenha o serviço certo. abb.com/turbocharging
83.O Ano
Os 22 anos da EXPO-98
m 1989, por iniciativa de António
Mega Ferreira e Vasco Graça Moura
surge a ideia de organizar em Portugal em 1998 uma Exposição Internacional
com o propósito de comemorar os 500
anos dos Descobrimentos Portugueses. A
ideia recebe o apoio do Governo de então
e é apresentada ao Bureau International
d’Éxpositions onde é aprovada, com o tema
“OS OCEANOS: UM PATRIMÓNIO PARA O
FUTURO”.
Foi um evento de sucesso tendo atraído cerca de 11 milhões de visitantes, e em
simultâneo fez mudar toda a parte oriental
da cidade de Lisboa com a construção
de grandes obras públicas, como a Ponte
Vasco da Gama, uma nova linha de metro
e a Estação rodoferroviária Gare do Oriente, assim como originou a recuperação de
todo um espaço de cerca de 50 ha, onde foi
implantada a Exposição, que se encontrava
degradado e poluído.
Para gerir todo o processo de implantação e organização da Exposição foi constituída, em março de 1993, a empresa “Parque Expo-98, S.A.” que na sua estrutura
criou a Direcção de Operações para preparar e conduzir o período da exposição (22 de
maio a 30 de setembro). Como seu Director-Geral foi nomeado João Soares Louro que
soube, de forma extraordinária, organizar e
liderar uma equipa, que terá começado com
uma dúzia de colaboradores e que mês
após mês ia aumentando. E no dia 22 de
maio de 1998 tudo estava pronto, e foi dado
início à EXPO-98.
Como retrato fiel do que se passou transcreve-se o que João Soares Louro deixou
E
Sala do COC.
escrito no Relatório Final da Direcção de
Operações:
Soube-se ousar e vencer o que para muitos parecia impossível, com a EXPOSIÇÃO
MUNDIAL DE LISBOA 98 a converter-se
numa importante realização nos planos nacional e internacional. Nunca tantos, de tão
diferentes misteres e condições, em tão pouco tempo e com maior empenho, se terão
superado a si próprios, demonstrando que
continuamos a ser capazes de assumir e
cumprir os maiores desafios. A história da
EXPO-98 acentua de forma inequívoca a
vocação portuguesa no domínio da inovação criativa e da sua conversão em obras e
resultados surpreendentes. Nada foi feito ao
acaso. Renunciou-se à dependência dos milagres e com entusiasmo perseguiu-se a excelência. A atividade operacional, ouvimo-lo
dizer vezes sem conta, pode salvar ou comprometer um evento da natureza do que estamos falando. É-nos grato concluir que não
tivemos nada para salvar e nada comprometemos. Em menos de dois anos, as Operações, mais do que uma grande macroestrutura, souberam constituir-se numa autêntica,
fraterna e inesquecível comunidade. Assim
se fez e bem o que tinha de ser feito.
No âmbito da Direcção de Operações,
para acompanhamento e controlo de toda
a actividade diária, foi criado o COC (Centro de Operações e Controlo) de que tive a
honra e o gosto de assumir a organização
e direcção. Face à especificidade do trabalho a executar e do funcionamento 24 horas
diárias, por turnos, foi importante que muitos
dos seus 149 elementos tenham sido “recrutados” no meio marítimo. Foram vários
oficiais da Marinha de Guerra e da Marinha
Mercante e ainda cerca de uma dezena de
alunos da Escola Náutica (cursos de Pilotagem e de Engenheiros de Máquinas) que
com a sua experiência e cultura tornaram
o COC um departamento credível e fundamental para a condução da EXPO-98.
Se a EXPO-98 tinha por tema o MAR foi
importante o contributo daqueles que foram
formados na cultura do “mar”!
Orlando Temes de Oliveira
A fragata D. FERNANDO II E GLÓRIA fez parte
da exibição náutica.
OBSERVAÇÃO:
O autor não segue o novo A.O.
NOVO TERMINAL DE PASSAGEIROS
DO PORTO DE S. ROQUE DO PICO
A firma “Portos dos Açores, S.A.” adjudicou a um agrupamento constituído pelas
empresas Marques, S.A. e Tecnovia - Açores, Sociedade de Empreitadas, S.A. pelo
valor de cerca de 3,5 M€ a construção da
infraestrutura “NOVO TERMINAL DE PASSAGEIROS DO PORTO DE SÃO ROQUE
DO PICO”.
O projeto, cuja execução foi agora adjudicada, prevê a reorganização geral dos
espaços exteriores ao nível das circulações pedonal e automóvel introduzindo-se maior capacidade de estacionamento
e de lugares de espera para embarque de
viaturas. Existirão amplos espaços de tomada e largada de passageiros, através de
10
viaturas ligeiras, viaturas de aluguer com
condutor, táxis e autocarros. Estão previstos espaços de permanência exterior com
estruturas de abrigo e zonas ajardinadas.
A empreitada prevê a construção de
uma nova Gare de Passageiros, com 758
m2 e uma área coberta de 1.108 m2 comportando uma sala de embarque e outra
para desembarque de passageiros, uma
zona para processamento de bagagem e
vários módulos para serviços de apoio à
atividade. As valências deste Novo Terminal de Passageiros irão permitir uma operação mais facilitada e com maior conforto
para os seus numerosos utentes.
Com um prazo de execução de 20 meses, esta obra visa também dotar aquela
infraestrutura portuária da Ilha do Pico com
as condições adequadas para receber navios do tipo roll-on/roll-off.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
Náutica Virtual – A Náutica adapta-se
aos tempos que vivemos
ivemos tempos sem precedentes à
escala global em que todos, da Ásia
aos Estados Unidos passando pela
Europa, África e América do Sul, vimos as
nossas vidas profundamente alteradas,
com consequências futuras que temos
dificuldade em antecipar. A Declaração do
Estado de Emergência que teve lugar no
passado dia 16 de março alterou irremediavelmente a vida de todos os portugueses, de um dia para o outro. Numa decisão
sem precedentes, todos passámos a ficar
obrigatoriamente confinados nas nossas
casas, sem podermos trabalhar, ou ir para
o mar, como tanto prezam os homens da
náutica.
Perante uma situação tão inesperada
quanto gravosa, um grupo de 6 amigos
ligados à Vela começou a idealizar formas
de manter esta comunidade viva, aproveitando a sua experiência na gestão, organização e participação em grandes eventos
náuticos, em Portugal e no estrangeiro,
e juntou esforços para organizar regatas virtuais durante o confinamento, num
exemplo de inovação e de capacidade de
adaptação da Náutica aos tempos de pandemia.
Tudo começou com a primeira regata
que contou com a participação de cerca
de 30 participantes, os quais desafiaram a
organização a continuar. Assim se chegou
à 9ª J Boats Portugal VR series que contou
com cerca de 400 participantes, divididos
entre as Qualificações Regionais e de Clubes. Como sempre, as finais decorreram
de sexta a domingo. Para além dos velejadores portugueses há também a registar
a participação de espanhóis, italianos e
V
argentinos, que muito enalteceram a organização portuguesa do evento.
Neste processo o maior apoio veio da
Federação Portuguesa de Vela, que de
uma forma clara e inequívoca apoiou a
iniciativa e outorgou-lhe a sua chancela a
partir da 3ª regata. Não menos importante
foi também o apoio de muitas empresas,
de diferentes sectores da atividade económica, que aceitaram contribuir com prémios para os primeiros cinco classificados
de cada regata.
De fora de Portugal chegou uma fru-
tuosa parceria com a eSailingTV, empresa
dinamarquesa que faz a transmissão de
eventos de Vela Virtual a nível mundial e
com quem neste momento a organização portuguesa está já a preparar eventos para empresas estrangeiras, existindo
propostas para a realização de regatas
virtuais associadas a alguma das mais
importantes competições reais, para além
de campeonatos nacionais, europeus e
mundiais.
Em Portugal vão continuar a ser organizadas regatas periodicamente para alimentar o ranking nacional, embora não de
uma forma tão intensa como aconteceu
nos meses de março, abril e até meados
de maio, mas com regularidade, uma vez
que a Vela Virtual veio claramente para ficar. Uma das particularidades das regatas
virtuais é que são abertas a todos, não
havendo restrições de género, idade ou
capacidade física, nem custos de inscrição
associados, o que tem levado a que cada
semana mais pessoas participem nestas
competições.
É já hoje do domínio público que a
World Sailing e o Comité Olímpico Internacional estão a olhar com muito interesse
para esta variante da Vela tradicional, havendo velejadores portugueses capazes
de lutar por medalhas em qualquer campo
de regatas “virtual”.
Na parte que lhe diz respeito a Revista
de Marinha estará disponível para dar o
devido realce às iniciativas de Vela Virtual
como forma de popularizar e democratizar
a modalidade entre nós.
Eduardo de Almeida Faria
NAVIO - MUSEU GIL EANNES REABRE AO PÚBLICO
A Fundação Gil Eannes informou que o
navio-museu GIL EANNES se encontra de
novo aberto ao público desde o dia 2 de
junho. Com um novo horário de visita, das
10H00 às 13H00 e das 14H00 às 17H30,
o navio-museu pode ser visitado de terça
a domingo.
Após três meses encerrado a visitas devido à pandemia COVID 19, o GIL EANNES
reabre com novas regras de segurança,
sendo obrigatório o uso de máscara e luvas de proteção podendo circular a bordo,
em simultâneo, 45 pessoas no máximo.
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
· revistademarinha.com
O navio-museu GIL EANNES obteve o
selo de segurança Clean & Safe emitido
pelo Turismo de Portugal, pelo que estão
assim reunidas as condições para que
todos possam visitar este emblemático
navio que desde 1999 já recebeu mais de
1.045.000 visitantes, de todas as faixas
etárias e de muitas nacionalidades.
No início do corrente ano novos espaços
museológicos foram reabilitados e integrados no percurso da visita, como os camarotes de médicos e capelão, enfermarias,
farmácia, lavandaria e engomadaria.
11
83.O Ano
MUSEU MARÍTIMO DE ÍLHAVO REGISTA RECORDE EM 2019
O Museu Marítimo de Ílhavo (MMI) é o
museu municipal mais visitado do país e
registou em 2019 o recorde de cerca de
89.000 visitantes, ano em que continuou
a oferecer ao público momentos marcantes de fruição da cultura do mar, com mais
uma edição do Mar Film Festival, o festival
de cinema de temática marítima, a Festa dos Bacalhoeiros, um encontro entre
gerações de homens de todo o país que
andaram ao bacalhau, um Teatro Gastronómico, o lançamento do livro evocativo
“SANTO ANDRÉ: memórias de um navio”
e as exposições temporárias “O Sonho do
Mar”, de Maria Gabriel e “Trava-Línguas”,
de João Pedro Vale e Nuno Alexandre Ferreira.
Com portas encerradas neste período
de isolamento social, o museu tem procurado aproximar-se do seu público utilizando novos formatos. Desde meados de
abril que todas as terças-feiras às 17H00
vai para o ar o programa “Todos a Bordo!”,
à boleia da rádio 23 milhas, em 105.00 FM
e em direto na página do facebook do Museu. Neste novo espaço de ligação com a
comunidade há entrevistas, visitas radiofónicas e conversas sobre o seu património,
que permitem descobrir as narrativas invisíveis da sua herança cultural.
Como os tempos atuais são de adaptação, reformulação e redefinição de
comportamentos, o MMI comemorou o
Dia Internacional dos Museus, de 16 a 18
de maio, com um programa preenchido,
que desta vez decorreu em casa de cada
um. Abriu as suas portas ao público, mas
nas redes sociais, com um programa
multimédia, gratuito, para toda a família.
À hora marcada foram lançados na página do Facebook do MMI os vídeos que
levaram o Museu a muitas casas e que
trouxeram visitas temáticas para diferentes idades, um workshop, um jogo para
os mais novos, momentos de narrativa
encenada, uma entrevista e também o
programa de rádio do Museu “Todos a
Bordo!”.
À parte das contingências atuais, o ano
de 2020 será marcado pela intervenção
estrutural no Navio-Museu SANTO ANDRÉ, polo do MMI, um arrastão lateral que
fez parte da frota bacalhoeira portuguesa
até aos anos 90 do século passado e foi
transformado em navio-museu em 2001 e
que de momento se encontra em fase de
reparações, requalificação estrutural e redefinição do discurso museológico.
O MMI em breve estará novamente
à disposição do seu público, adotando
certamente diferentes estratégias de interação, mas mantendo a convicção que
visitar o MMI e o seu polo, o Navio-Museu
SANTO ANDRÉ, é embarcar numa aventura dos sentidos!
OCEANÁRIO REABRE COM NOVAS MEDIDAS DE SEGURANÇA
A partir de 11 de maio já é possível voltar
a visitar o Oceanário de Lisboa, para descobrir as maravilhas do oceano. Após quase
dois meses de encerramento ao público
em consequência da situação de pandemia
o Oceanário de Lisboa reabriu agora com
medidas de prevenção reforçadas e em
resposta às exigências que o contexto atual
impõe.
Das várias medidas implementadas destacam-se a redução do número de visitantes em simultâneo, a realização de ações
frequentes de higienização dos espaços, o
reforço de dispensadores de gel desinfetante para uso dos visitantes e o pagamento
de bilhetes exclusivamente por meios automáticos. O uso de máscara é obrigatório
durante a visita e será assegurado gratuitamente aos visitantes.
Todas as exposições estão abertas e
com medidas para assegurar o distanciamento social necessário. Assim, o público
12
vai poder voltar a “mergulhar” no grande
aquário central, visitar as “Florestas Submersas” e descobrir a magia da instalação
“ONE - o mar como nunca o sentiu”, estreada no início deste ano. O Oceanário de
Lisboa é um aquário público de referência
mundial, que recebe mais de um milhão de
visitantes por ano. Partilha com a Fundação
Oceano Azul a missão de promover o conhecimento do oceano, sensibilizando para
a sua conservação. O Oceanário desenvolve atividades educativas e colabora em
projetos de investigação científica e de conservação da biodiversidade marinha que
promovem o desenvolvimento sustentável
do oceano.
Para assinalar a sua reabertura e destacar a importância da sua missão e da Fundação Oceano Azul, o Ministro do Mar, Ricardo Serrão Santos, visitou o Oceanário no
dia 14 de maio. Nesta visita, o Ministro conheceu em detalhe todas as novas medidas
de segurança já implementadas, com vista
a garantir o bem-estar e segurança dos visitantes, assim como as novas condições de
trabalho das equipas operacionais. A acompanhar esta visita estiveram presentes José
Soares dos Santos, Presidente do C.A. da
Fundação Oceano Azul e do Oceanário de
Lisboa, João Falcato, CEO do Oceanário de
Lisboa, e Tiago Pitta e Cunha, CEO da Fundação Oceano Azul.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
Projeto de Turismo Científico Sustentável
Ministro do Mar, Ricardo Serrão
Santos, visitou no passado dia 6
de maio os trabalhos de adaptação do Motor-Sailer LIBRIES a decorrer
na área de reparações do Porto da Nazaré, no âmbito do projeto “Turismo Científico & Mar” financiado pelo Fundo Azul do
Ministério do Mar.
O Projeto é liderado pela empresa
“Blue Geo LIghthouse, Lda” (BiGLe) e
envolve as empresas Geo2i e Prizmakat
(Portugal Sail Week), e o Departamento
de Ciências e Tecnologias da Informação
do ISCTE-IUL. Trata-se de um projeto-piloto de Turismo Científico Sustentável
que visa, primeiramente, promover esta
atividade nas reservas naturais marinhas
do Parque Natural da Madeira, em linha
com a Agenda 2030 das Nações Unidas,
em particular no que se refere às ações
relacionadas com o Objetivo 14 do Desenvolvimento Sustentável e as respetivas
metas.
A polivalência da embarcação LIBRIES,
uma vez adaptada, possibilitará ainda a
execução de atividades de monitorização
costeira e de investigação científica marinha, e o treino de mar.
As principais alterações sofridas pela
embarcação incluíram a extensão do
convés à popa, um patim retrátil para
operações de mergulho e acesso próximo da água, um pórtico para trabalhos
verticais na coluna de água, a ampliação
do circuito hidráulico podendo acionar
o propulsor lateral de proa e um novo
propulsor à popa, um alador, uma grua
e o respetivo guincho, o guincho do ferro
e o enrolador da vela de proa (genoa).
Dispõe ainda de um completo sistema
de navegação SIMRAD, uma rede com
24 portas de dados e a possibilidade de
utilização de comunicações HF-VHF-SATCOM e GSM/4G-Wifi. Dispõe também
O
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
de uma coluna para operação de sensores abaixo da quilha e de um compressor de alta-pressão para enchimento de
garrafas de mergulho. Pode ainda operar
veículos de operação remota ou autónoma, submarinos e aéreos, para além de
sensores rebocáveis para medição da
condutividade e temperatura em profundidade (CTD), de registo vídeo, ou outro
equipamento de recolha de amostras. A
criação de um compartimento modular
permite disponibilizar um pequeno laboratório seco. Foi ainda instalado um
tanque de combustível adicional que lhe
aumentou a autonomia em mais de 20%,
um dessalinizador por osmose inversa, e
painéis solares.
Para a firma BiGLe este projeto constituí uma componente importante da sua
visão estratégica, contribuindo para o seu
· revistademarinha.com
código de conduta e programa de ação
3IBES – Leveraging a More Inclusive, Innovative, and Insigthful Blue Economy and
Society. Neste contexto, para além da
prova de conceito de uma frota de baixo-custo para a ciência e outros projetos de
construção de plataformas, a BiGLe está
igualmente a desenvolver iniciativas que
visam capacitar a sua intervenção no contexto da Ciência e Educação Abertas e a
implementação de uma plataforma digital
integrada de serviços.
Entretanto, no passado mês de março,
no âmbito dos Prémios Excellens Mare
da PricewaterhouseCoopers (PwC) foi
atribuído à BiGLe o Diploma “Revelação
Azul – Inovação 2020”, o que muito motivou aquela firma para … continuar na
senda de concretizar Portugal no mar,
com engenho e arte.
13
83.O Ano
REQUALIFICAÇÃO DO PORTO DE PONTA DELGADA
O Presidente do Governo Regional visitou recentemente as obras de requalificação do Porto de Ponta Delgada, que vai
permitir aumentar em 68% a capacidade
do parque de contentores e a operação de
três navios ao cais, em simultâneo.
Este é um investimento de cerca de 46
M€, com uma comparticipação de fundos
comunitários de cerca de 32 M€. No fundo, estamos a falar de futuro, de dotar este
porto com a capacidade e com as condições de operacionalidade para o futuro,
afirmou Vasco Cordeiro nessa ocasião.
Em declarações aos jornalistas, o Presidente do Governo Regional dos Açores
adiantou que o Porto de Ponta Delgada
recebeu, nos últimos 6 anos, um montante
de investimento de cerca de 100 M€, incluindo obras de reconstrução dos danos
provocados por temporais, mas também
investimentos de reforço da sua capacidade operacional. Segundo disse, a obra
que arrancou este mês é comparticipada
pelo COMPETE 2020, programa que, no
âmbito dos fundos comunitários ao dispor
da Região tem cofinanciado um conjunto
alargado de intervenções que estão a decorrer, ou que já estão concluídas, nas ilhas
do Corvo, das Flores, do Faial, do Pico, de
São Jorge e da Terceira. É importante que
se registe que esse montante global de investimento, que permite estas obras, só é
possível porque, da parte do atual Governo
da República, houve a decisão de reforço
dos fundos comunitários alocados à Região
para este tipo de obras, num montante muito significativo, sublinhou Vasco Cordeiro.
Para além das obras programadas de
requalificação em Ponta Delgada, diversos
portos da Região estão a receber também
investimentos de recuperação dos estragos do furacão Lorenzo. No caso da ilha
das Flores, está já em curso a obra de proteção de emergência, e todos os restantes
investimentos estão em curso, em fase de
projeto, de ensaios em modelo reduzido
ou de lançamento dos necessários procedimentos administrativos.
Recorde-se que, no início de outubro
de 2019, o furacão Lorenzo provocou estragos estimados em cerca de 330 M€,
com uma parte significativa referente a
danos em estruturas portuárias, tendo-se
o Governo da República comprometido a
apoiar 85 % desse montante.
As obras de beneficiação do Porto de
Ponta Delgada incluem o aumento do
terrapleno, o que permitirá criar um novo
cais. Está ainda prevista a demolição do
edifício conhecido como “alfândega” e a
transformação dessa área em parque de
contentores, que passará assim a dispor
de cerca de 17.000 m2. Após concluída a
empreitada, este porto poderá ter a operar
em simultâneo três navios porta contentores, “em linha” e no mesmo terrapleno,
diminuindo o número de movimentações
e os ciclos de transporte, carga e descarga de contentores. Está ainda prevista a
construção de um novo edifício de “operações portuárias”, infraestruturas de abastecimento de energia e de iluminação de
todo o terrapleno (tecnologia LED), e redes
de abastecimento de água, combate a incêndios, drenagem pluvial e esgoto.
TROFÉU DE VELA “MIRPURI FOUNDATION”
A Fundação Mirpuri é uma organização
sem fins lucrativos estabelecida em Portugal pelo empresário e filantropo Paulo Mirpuri. Criada com o propósito de contribuir
para um mundo melhor para as gerações
futuras, a Fundação tem vindo a estabelecer parcerias com governos, empresas,
comunidades e indivíduos de modo a
apoiar projetos específicos nas áreas da
conservação marinha e da vida selvagem,
cultura, responsabilidade social e investigação nas áreas da medicina e aeroespacial.
É neste quadro que a Fundação Mirpuri
anunciou a organização do Troféu de Vela
“Mirpuri Foundation”. São esperadas cerca de 50 embarcações de vela offshore,
incluindo veleiros convencionais e de alta
competição, para a primeira edição do
“Mirpuri Foundation Sailing Trophy”, que
se realiza em Portugal nos dias 27 e 28 de
junho e que conta com a parceria do Clube
14
Naval de Cascais. A regata decorrerá entre Cascais e Sesimbra, existindo prémios
monetários para os primeiros classificados,
que incluem também prestigiados Troféus.
O “Mirpuri Foundation Sailing Trophy”
pretende ser um dos principais eventos de
vela no mundo, refere Paulo Mirpuri, Pre-
sidente da Fundação Mirpuri, que acrescenta … para 2020, a Mirpuri Foundation
manteve a escolha da “conservação marinha” como um dos principais temas de
trabalho. A Fundação está consciente da
importância inegável da preservação dos
mares e dos ecossistemas marinhos, sensibilizando as populações que os afetam
para as diversas ameaças e respetivas
consequências.
Esta prova será uma regata sem plástico, sustentável. E porque vivemos tempos
de pandemia, será a primeira regata no
mundo realizada com controlo médico, garantindo que todos os participantes estão
em boas condições de saúde, incluindo o
uso de testes COVID 19 de última geração,
com resultados em 15 minutos.
Desta prova vos daremos conta no próximo número, na RM 1017.
Eduardo de Almeida Faria
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
União Europeia apoia o setor da pesca
sector da pesca, que engloba a
aquicultura, é um dos mais importantes em matéria de aproveitamento dos recursos dos oceanos. O sector
interage com os processos de desenvolvimento económico e social, assume papel
de muito relevo no comércio internacional
e é parte fundamental na segurança alimentar. A pesca desdobra-se numa fileira
complexa (captura, transformação, comercialização, distribuição, consumo, biologia
pesqueira, investigação oceanográfica) e
está intimamente associada a uma série
de atividades, designadamente indústrias
diversas, energia, eletrónica, meteorologia,
comunicação, financiamento bancário e
seguros.
A pandemia coloca o sector perante um
desafio considerável. Entre nós, para além
das medidas já adotadas a nível nacional
no plano sanitário, há que ter em conta
que a atividade no nosso país se encontra
enquadrada pela Política Comum de Pescas da União Europeia. Neste contexto,
encontramo-nos apetrechados com uma
série de instrumentos que foram criados
no sentido de proporcionar, nomeadamente do ponto de vista socioeconómico, uma
resposta adequada e em tempo útil.
No que toca especificamente ao sector
da pesca, as medidas excecionais adotadas destinam-se a financiar a cessação
temporária de atividade, a compensar as
O
unidades de aquacultura e as indústrias de
transformação, as regiões ultraperiféricas e
as organizações de produtores. Assim, foram introduzidas alterações no quadro do
Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e
Pescas (FEAMP). As alterações referem-se à contribuição do Fundo para fundos
mutualistas que pagam compensações a
pescadores por perdas causadas por crises de saúde pública. Também se apoiam
os moluscicultores em caso de suspensão temporária de atividade e prevê-se
um fundo de maneio para compensação
dos aquicultores. No caso das indústrias
de transformação, está também previsto um fundo de maneio e compensação.
Em relação às regiões ultraperiféricas, fica
estabelecido que o FEAMP pode apoiar a
compensação dos custos suplementares
suportados pelos operadores nas áreas da
pesca, aquicultura, transformação e comercialização dos produtos oriundos destas regiões, e também as perdas económicas resultantes do surto. Assim, para o
sector da pesca, os auxílios podem atingir
o montante de 120 mil euros por empresa
ativa, através de auxílios diretos, adiantamentos ou vantagens fiscais. A Comissão
Europeia aprovou, logo no início de abril,
ao abrigo deste Quadro, um auxílio de 20
M€ destinado a fazer face às dificuldades
de tesouraria das pequenas e médias empresas portuguesas do sector.
O conjunto das medidas acima referidas
é aplicável de 1 de fevereiro a 31 de dezembro do corrente ano. Saliente-se, que
estas medidas introduziram mecanismos
de flexibilidade que permitem aos Estados-Membros adequar os recursos financeiros
dos respetivos Programas Operacionais
através de um procedimento simplificado,
de modo a permitir um apoio mais célere,
atentas as circunstâncias de emergência
que se vivem no sector. Pode dizer-se que
a União Europeia soube responder atempadamente, na sequência do diálogo que
teve lugar entre as Instituições Europeias,
as administrações nacionais e os agentes
económicos e sociais do sector.
FCC
360 PRAIAS GALARDOADAS COM A “BANDEIRA AZUL”
A “Bandeira Azul” vai ser hasteada
este ano em 360 praias fluviais e costeiras, mais 8 do que em 2019, anunciou
a coordenação nacional do Programa
“Bandeira Azul”.
As distinções deste ano, apresentadas
em conferência de imprensa no Aquário
Vasco da Gama, no passado dia 20 de
maio, Dia da Marinha e Dia Europeu do
Mar, contemplam 322 praias costeiras,
mais 5 do que em 2019, e 38 fluviais,
mais 3 do que no ano passado.
As praias estão distribuídas pelo Algarve (87), Norte (76), Tejo (57), Centro
(46), Alentejo (36), Açores (42) e Madeira
(16).
Devido à pandemia COVID 19, o tema
deste ano é … de volta ao mar, com a
atitude de mudar. Quanto a regulamentos de segurança, José Archer, da Associação “Bandeira Azul”, realçou que
cabe às entidades responsáveis pela
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
praia, pela marina ou pela embarcação
galardoada, implementar as regras ex-
· revistademarinha.com
traordinárias relativas ao COVID 19 no
seu espaço. Quando há Bandeira Azul,
e enquanto estiver hasteada, é seguro
frequentar, afirmou, salientando que a
fruição destes espaços públicos vai depender da responsabilidade de cada um.
Ao longo de 30 anos a “Bandeira Azul”
revelou-se um instrumento de mudança
tendo contribuído para a alteração de
comportamentos, de tal forma que as zonas balneares portuguesas se afirmaram
como praias de excelência em termos de
qualidade, serviços, segurança e educação ambiental dos seus utilizadores.
As cerimónias de hastear a primeira
“Bandeira Azul” em Praia Costeira e em
Marina vão decorrer na Região do Algarve, numa praia de Loulé e na Marina de
Portimão, respetivamente. O primeiro
hastear de Bandeira Azul em Praia Fluvial
vai decorrer na Lapa dos Dinheiros, em
Seia.
15
83.O Ano
CREOULA AGUARDA MODERNIZAÇÃO
O lugre CREOULA, lendário príncipe dos
mares, é um dos mais simbólicos veleiros
que ostentam a bandeira Portuguesa, com
83 anos de existência envolta num passado rico em histórias, viagens, aventuras,
alegrias e tristezas.
A história do CREOULA, construído em
simultâneo com o seu irmão gémeo SANTA MARIA MANUELA, num período recorde de 62 dias de trabalho, desenvolveu-se
em duas fases distintas. A primeira, no período entre 1937 e 1973, nas campanhas
da pesca do bacalhau, nos mares da Gronelândia, inserido numa frota nacional de
cerca de 80 navios e 6.000 pescadores,
tendo percorrido cerca de 300 mil milhas,
o equivalente a 14 voltas ao mundo e capturado cerca de 27 mil tons de bacalhau. A
segunda fase teve início em 1979, com a
aquisição do navio pelo Estado Português,
e a subsequente decisão de o adaptar a
Navio-Escola, a Navio de Treino de Mar
(NTM), sem alteração da traça original de
lugre bacalhoeiro, tendo-se então procedido à sua entrega à Marinha Portuguesa.
Assim, entre 1987 e 2017, foram propor-
cionados embarques a jovens, permitindo-lhes o contacto com o mar e despertando-lhes o interesse pelos oceanos, tendo
navegando mais de 35.000 horas e embarcado mais de 19.000 instruendos.
Atualmente o NTM CREOULA encontra-se num período de imobilização na Base
Naval, no Alfeite, consequência do desgaste provocado pela intensa utilização
operacional ao longo das três últimas dé-
cadas. O lugre aguarda pelo início de um
processo de modernização, vital para o
prolongamento da sua vida operacional,
o qual deverá envolver, para além da Marinha e do Ministério da Defesa Nacional,
a colaboração de Municípios, cuja identificação e afinidade com o navio estimula a
participação no elevado esforço financeiro
associado à sua revitalização.
O NTM CREOULA, cujos serviços
prestados são amplamente reconhecidos
como de grande relevância, corresponde
a um testemunho vivo da História Marítima
de Portugal, representando um dos derradeiros laços que ligam o nosso país ao
mar, recriando, de forma única, a riqueza
do passado e, simultaneamente, ambição
para o futuro.
Espera-se que em breve o CREOULA
regresse à atividade, de forma a prosseguir
o seu contributo para o reconhecimento e
valorização do mar, mantendo viva uma
tradição que muito estimula a nossa juventude.
NSR
DOCAPESCA APOIA A REALIZAÇÃO DE TESTES COVID-19
A firma Docapesca – Portos e Lotas,
S.A. vai assegurar parte da comparticipação nacional das candidaturas apresentadas pelas organizações do setor da pesca
para a realização de testes de diagnóstico
da COVID 19.
Esta medida de defesa da saúde pública
tem por objetivo o reforço das condições
de segurança dos profissionais do setor,
que diariamente continuam a operar nos
portos de pesca sob gestão da empresa.
Ao longo do período dos estados de emergência e de calamidade, a Docapesca
manteve o seu papel na cadeia de abas-
tecimento de pescado fresco, dando cumprimento à sua missão de serviço público,
contribuindo para garantir o fornecimento
alimentar aos portugueses, tendo sido
implementado um plano de contingência,
bem como um vasto conjunto de medidas de segurança no sentido de garantir
o regular funcionamento dos seus portos
de pesca e lotas, e que se irão manter em
vigor sine die.
Atualmente, no âmbito da primeira venda de pescado fresco, encontram-se em
funcionamento 22 lotas e 37 postos de
receção, com circulação diária de numerosos trabalhadores, armadores, pescadores
e comerciantes.
ENCADERNAÇÃO DAS RM’S DE 2019
Já pode encomendar, à semelhança do
que ocorreu nos últimos anos, as coleções
encadernadas dos seis números da Revista de Marinha, saídos no decurso do ano
de 2019.
As coleções da revista saídas no ano
passado são apresentadas encadernadas,
numa versão com capas a vermelho e letras
douradas, quer na capa quer na lombada.
Caso solicitado, em condições a combinar,
será possível executar a encadernação com
capa noutras cores.
16
Esta encadernação, que tem uma excelente apresentação e permite preservar melhor as revistas, destina-se principalmente
aos colecionadores da Revista de Marinha. São um excelente trabalho do artesão
e encadernador Sr. Arménio dos Anjos,
com atelier no Feijó, concelho de Almada.
Poderá ser adquirida na nossa loja online
ou através do tel 21 580 9891, t/m 91 996
4738, e-mail
[email protected] . O
custo são 35€, IVA incluído, a que acrescem, se aplicável, 3,5€ de portes de correio.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Atualidade Nacional
Venda do Paquete Azores
falência, em 2015, das empresas
armadoras portuguesas ligadas à
Portuscale Cruises, levou aos processos de alienação de quatro navios de
passageiros, adquiridos no início de 2013,
com financiamento do Banco Montepio.
Tem sido um processo moroso. Os
navios LISBOA (ex-PRINCESS DANAE)
e PORTO (ex-ARION) foram vendidos
para desmantelar na Turquia. Seguiu-se a venda do FUNCHAL em leilão, em
dezembro de 2018, o qual foi entregue
aos compradores ingleses a 25 de outubro último quando foi finalmente pago.
Não há ainda decisão no sentido de retirar o FUNCHAL de Lisboa e o navio foi
colocado de novo para venda, pelo novo
proprietário.
O FUNCHAL manteve o nome e o registo na Madeira, agora como propriedade
da empresa SGL Cruise, Ltd, constituída
na zona franca da Madeira.
Resta vender o ASTORIA, (ex-AZORES,
ex-ATHENA), que se encontra fretado a interesses gregos desde 2015 (Global Cruise
Lines, de Atenas), ao serviço das companhias Cruise Maritime Voyages e Rivages
du Monde, até 25 de setembro deste ano.
Em março foi publicado no jornal Lloyd´s
List o anúncio de venda, convidando os interessados a enviar propostas em carta fechada até 27-03-2020, tendo como base
A
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
de licitação o valor mínimo de 17.151.225€
seguindo-se a abertura das propostas em
sessão pública, em Lisboa, a 6 de abril.
As propostas de compra apresentadas tinham valores muito baixos, pelo que não
se concretizou a venda. Segundo o Administrador do processo de insolvência,
Dr. Pinto de Oliveira, em declarações à
Revista de Marinha ... nas circunstâncias atuais em princípio irá aguardar-se a
reentrega do ASTORIA em Lisboa, no final
de setembro, para então se promover de
novo a venda do paquete.
O ASTORIA foi reclassificado recentemente e fez doca seca na Holanda em
dezembro último. Operou no Pacífico este
inverno, fazendo diversos cruzeiros com
· revistademarinha.com
partidas do México e, quando regressou
à Europa, para iniciar novos programas de
cruzeiros, operados pela Cruise Maritime
Voyages e Rivages du Monde, havia-se
despoletado a emergência sanitária COVID
19 e o ASTORIA imobilizou em Tilbury no
dia 15 de março, onde permanece, sob
comando do Capitão da Marinha Mercante António Morais. O ASTORIA está a alojar as tripulações de outros dois navios de
cruzeiros da CMV, o VASCO DA GAMA e o
MAGELLAN, num total de 500 "passageiros", dado que se torna mais económico
centralizar o alojamento das três tripulações num só navio.
Luís Miguel Correia
17
83.O Ano
Economia Azul
– Cooperar para Recuperar
por Miguel Marques*
ó com o reforço da cooperação e do
trabalho em parceria será possível
acelerar o processo de recuperação
da economia azul, nacional e internacional.
Para além do reforço do grau de cooperação e de coordenação de esforços é
necessário aprofundar o pensamento estratégico e a pragmática ação no terreno.
Para que a economia azul realmente recupere é fundamental que exista um reforço
do investimento e que as escolhas dos
projetos a promover e a financiar estejam
alinhadas com o pensamento estratégico
e com uma cultura de cooperação.
De forma muito dura a pandemia veio
colocar no centro das prioridades o reforço da cooperação. A disrupção económico-social provocada pela crise sanitária
tem sido bastante intensa. Na fileira dos
portos e transportes marítimos, embora
a atividade operacional se tenha mantido
em funcionamento, por ser um setor crítico para a sobrevivência de um país, o
facto de várias indústrias não essenciais
terem parado, provocou grandes alterações nos fluxos de carga. Adicionalmente, a queda abrupta do preço do petróleo
fez com que muitos navios petroleiros não
efetuassem descarregamentos de petróleo, ficando a aguardar por uma subida
futura do preço. Da mesma forma, a fileira
dos alimentos do mar, pelas suas funções
vitais, também se manteve operacional,
S
18
no entanto, o fecho da restauração implicou uma imediata redução do preço do
pescado fresco, afetando severamente a
rentabilidade. O confinamento e a proibição de voos e de viagens de cruzeiros
reduziram a zero as atividades turísticas
durante semanas.
Antes de ser anunciada a pandemia,
no início de 2020, já existia evidência de
que a economia do mar, em Portugal,
apresentava setores em desaceleração.
Em janeiro de 2020 o LEME – Barómetro
PwC da Economia do Mar informava que,
ao contrário de anos anteriores, o ano de
2018 apresentava uma percentagem de
variáveis com evolução favorável inferior a
50%, num ano em que o produto interno
bruto tinha crescido 2,1%.
Recentemente, em junho de 2020, a
União Europeia emitiu o relatório da economia azul, onde claramente é demonstrada a desaceleração verificada na fileira
dos recursos marinhos vivos (crescimento
negativo de 8%), nas atividades portuárias
(crescimento de 0%) e no transporte marítimo (crescimento de 0%). É demonstrado
também uma grande dependência do turismo costeiro, representando, em 2018,
78% da economia do mar, de acordo com
a forma como a União Europeia o mede
(em Portugal, de acordo com o critério da
União Europeia, o turismo de todas as ci-
Fonte: LEME – Barómetro PwC da Economia do Mar 2020.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Economia do Mar
UE 28
DESCRIÇÃO
(Valores em milhões de euros)
2017
2018
PORTUGAL
VAR
PESO
2017
2018
VAR
PESO
RECURSOS MARINHOS VIVOS
21.100
20.966
-0,6%
9,6%
764
702
-8,1%
12,3%
RECURSOS MARINHOS NÃO VIVOS
19.435
19.565
0,7%
9,0%
2
2
0,0%
0,0%
1.015
1.089
7,3%
0,5%
0
0
0,0%
0,0%
ATIVIDADES PORTUÁRIAS
35.205
35.205
0,0%
16,1%
333
333
0,0%
5,8%
CONSTRUÇÃO E REPARAÇÃO NAVAL
17.135
17.276
0,8%
7,9%
132
134
1,5%
2,3%
TRANSPORTE MARÍTIMO
35.599
35.599
0,0%
16,3%
83
83
0,0%
1,5%
TURISMO COSTEIRO
76.153
88.575
16,3%
40,6%
3.420
4.456
30,3%
78,0%
100,0%
100,0%
ENERGIA MARINHA RENOVÁVEL
TOTAL ECONOMIA AZUL
TOTAL ECONOMIA
% ECO. AZUL NO TOTAL ECO
205.642
218.275
6,1%
13.771.523
14.207.833
3,2%
1,5%
1,5%
4.734
5.710
20,6%
169.642
176.311
3,9%
2,8%
3,2%
Fonte: The EU Blue Economy Report 2020
dades costeiras entra a 100% para a economia azul). É fácil de perceber que, se a
economia do mar em Portugal, antes da
crise, já estava a desacelerar nos setores
dos portos e transportes marítimos e dos
recursos marinhos vivos, com a crise, que
afetou mais fortemente o turismo, tudo ficou
mais difícil.
Embora o cenário seja bastante complexo, existe esperança. Essa esperança
está nas oportunidades ainda não concretizadas nos oceanos, nos mares, nos rios
e nos lagos. Mais do que nunca, uma visão
integrada destes recursos é importante.
Portugal e o Mundo necessitam recuperar
desta crise e a economia azul apresenta-se como uma forte oportunidade de desenvolvimento. Para reforçar a cooperação
e a coordenação deve ser ponderada a
criação ou o upgrade de agências nacionais para o desenvolvimento sustentável
através do fomento da economia azul. Tal
como quando a humanidade quis ir ao espaço, teve de se organizar e cooperar para
tal. A recuperação socioeconómica que te-
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
mos pela frente, necessitará de um esforço
e empenho semelhantes.
Este é o momento de alinhar objetivos
de desenvolvimento sustentável, pensa-
· revistademarinha.com
mento estratégico, pragmática ação no
terreno, cooperação e investimento.
* Partner Pwc (
[email protected])
19
83.O Ano
Marinha de Comércio – que futuro?
por Rui Raposo*
omo é de conhecimento geral a
pandemia de COVID 19 está a provocar um grande impacte no shipping europeu. Há uma quebra acentuada
na procura de transporte motivada pelos
planos de contingência que determinaram
uma redução na movimentação de bens e
nas deslocações e viagens, o que levou a
interrupções na cadeia de abastecimentos,
uma forte queda no comércio doméstico
e externo, e uma redução geral da mobilidade.
Esta situação não irá manter-se somente no curto prazo, prevendo-se que se
prolongue, pelo menos, por 2021, com as
consequentes incertezas comerciais, falta
de confiança dos armadores e, portanto,
falta de novas construções, redução dos
investimentos para tornar a frota mais amiga do ambiente, etc.
Até ao início da crise pandémica o shipping assegurava 90% do comércio mundial, suportando a logística necessária à
produção, à distribuição e ao consumo em
todos os países, com impacte directo na
qualidade de vida dos cidadãos, particularmente no que respeita aos habitantes
de regiões insulares, ribeirinhas e periféricas. Constituía por isso um dos pilares
fundamentais do crescimento económico
e os serviços que prestava eram vectores
C
20
essenciais para assegurar a competitividade das empresas e a dinamização da actividade económica nos quadros europeu
e mundial, assegurando uma importante
fonte de rendimento e emprego na Europa.
Não se conhecendo ainda o que vai
resultar da proposta inovadora que a Comissão Europeia apresentou, no passado
dia 27 de Maio, contendo um pacote de
apoios à recuperação das economias europeias, seria fundamental que fosse reconhecida a importância do “Cluster Marítimo
Europeu” como um activo estratégico para
a UE, para salvaguardar a sua independência geopolítica e aumentar a resiliência
e soberania económica e industrial.
O sector marítimo europeu é fundamental e estratégico para a Europa. Cerca de
76% do comércio externo da UE é feito
por via marítima e o transporte marítimo de
curta distância movimenta 32% das mercadorias.
Dados os efeitos da pandemia de COVID 19 no comércio mundial, hoje todos
os segmentos da indústria marítima da UE
estão a sofrer com a presente situação (escrito no dia 30 de Maio):
• Não há um único navio de cruzeiros a
navegar e não é possível prever se e quando podem voltar a operar;
• Muitos navios de passageiros de car-
reiras regulares de curta distância estão a
parar a operação porque, praticamente,
não há passageiros;
• Os Navios tanque estão a parar porque com muitas refinarias fechadas não há
capacidade de recepção e armazenamento de graneis líquidos;
• Os Navios porta contentores estão a
fazer viagens com os mesmos custos de
sempre, mas a transportar muito menos
carga;
• Cerca de 200.000 tripulantes que já
terminaram os seus contractos a bordo,
estão impedidos de desembarcar devido
às restrições impostas por muitos países o
que provoca efeitos adversos na sua saúde, mental e física.
Quando passar a pandemia o shipping europeu vai recuperar?
A saída do Reino Unido da União Europeia vai implicar negociações complexas
sobre várias matérias, até 31 de Dezembro
de 2020 e se não houver acordo, no que
se refere ao tráfego marítimo, serão impostos complexos e demorados processos burocráticos alfandegários, o que vai
aumentar o congestionamento de tráfego
nos portos de ambas as partes, dificultando o comércio.
É provável que muitos concorrentes de
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Marinha de Comércio
países terceiros aproveitem a pandemia
como uma oportunidade perfeita para aumentar sua participação no mercado, tornando a UE mais dependente de transportadores externos de materiais essenciais,
alimentos, medicamentos etc. Também é
provável que se acentuem as medidas proteccionistas para combater a globalização
e que muitos países ocidentais deixem de
patrocinar centros de produção de bens
essenciais e estratégicos muito distantes
dos principais mercados de consumo,
passando a privilegiar a produção mais
próxima, ou mesmo local, principalmente
dos bens que passarem a ser considerados essenciais e dos quais não querem
ficar dependentes de países terceiros.
Se os bens passarem a ser produzidos
mais perto dos locais de consumo é provável que isso se venha a reflectir muito
negativamente no transporte marítimo de
longa distância, mas poderá ser uma boa
oportunidade para o transporte marítimo
de curta distância porque, com as fronteiras de muitos países (que podem em
qualquer altura ser) fechadas, este será o
modo de transporte mais adequado para
garantir o normal abastecimento das populações, principalmente de países como
Portugal, que só tem duas fronteiras – a
Espanha e o Oceano Atlântico.
Por outro lado, com as grandes mudanças e incertezas da economia mundial
que enfrenta uma grande pressão devido
às tensões comerciais, às preocupações
de segurança das cargas e ao crescimento do proteccionismo, mas também às
preocupações ambientais, os navios de
short sea, mais pequenos, são os mais
adequados para potenciar uma mais rápida e importante redução das emissões
de gases poluentes, através da utilização
de combustíveis alternativos e outras tecnologias amigas do ambiente. Poderemos
estar perante o início de uma curva ascendente para o transporte marítimo de curta
distância.
Será, no entanto, necessário eliminar
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
as desvantagens competitivas do modo
marítimo em relação ao modo terrestre. O
shipping está em desvantagem face aos
outros modos de transporte, porque em
muitos casos os bens transportados por
navio entre portos da UE perdem o estatuto de mercadoria comunitária, obrigando
a inúmeros procedimentos envolvendo
várias autoridades e intermediários, tornando todo o processo complexo, repetitivo e desconforme (são necessários 12
documentos!). Se a mesma mercadoria for
transportada por camião, basta um único
documento: o CRT - Conhecimento de
Transporte Internacional.
No que se refere a Portugal será necessário repensar o sistema de transporte de
mercadorias, em termos conceptuais, porque actualmente está manifestamente mal
organizado; praticamente 75% do transporte de mercadorias entre Portugal e os
restantes países europeus, é feito por uma
única via rodoviária que passa por Irun, no
País Basco, onde poderão surgir, no futuro, bloqueios de vária ordem e o país assim
ficar isolado por via terrestre. É importante
que se considere a importância económica
e estratégica da nossa fronteira marítima.
Muitas vezes pergunta-se, porque é que
os armadores portugueses não arriscam
mais no mercado internacional. Tecnicamente os nossos armadores e os nossos
navios estão em condições de entrar no
mercado internacional porque cumprem
com todas as regras de combate à poluição do meio marinho, com as exigências
impostas à gestão das águas de lastro,
bem como às medidas conducentes à redução dos gases poluentes e com efeito
de estufa. O problema é que os navios
com bandeiras europeias não conseguem
competir com navios de bandeira de países terceiros e os armadores portugueses
não têm dimensão para ter navios mais
bem posicionados que a concorrência. Por
outro lado, está difícil adquirir navios mais
modernos porque as empresas não estão
suficientemente capitalizadas para os ad-
· revistademarinha.com
quirir com capitais próprios e os bancos
não estão a emprestar dinheiro para este
tipo de investimentos.
Voltando à proposta apresentada pela
Presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen, no já referido dia 27 de
Maio e da qual, embora só se conheçam
os aspectos mais gerais, parece certo que,
a ser aprovada, os apoios financeiros aos
Estados Membros irão estar dependentes
de evidências em investimentos estruturais, preocupações ambientais e na digitalização. No que se refere ao Parlamento
Europeu, a proposta não terá grandes dificuldades em passar, mas no Conselho vai
ser mais difícil, não devendo ser aprovada
na reunião de Junho e provavelmente nem
na de Julho e as verbas não estarão disponíveis antes do final deste ano. No entanto,
convém desde já irem sendo preparados
projectos de investimento credíveis, especialmente estruturais, para atingirem as
exigências da Comissão. Já no que se refere à descarbonização, os navios estão a
cumprir com o calendário da IMO, assim
como os projectos de digitalização e de
desmaterialização documental estão a ser
implementados a bom ritmo e com sucesso:
• A Janela Única Logística (JUL), que
alarga o âmbito da actual Janela Única
Portuária (JUP) para o transporte ferroviário, rodoviário e para a logística permitirá
dar resposta ao objectivo de partilha de
informação e integração do transporte marítimo com a intermodalidade;
• A Janela Única Europeia que virá harmonizar e simplificar a vida dos navios,
com o preenchimento uniforme de formulários iguais em todos os portos europeus;
• O e-Manifest que virá reduzir a utilização do papel no sector.
* Presidente da Associação de Armadores
da Marinha de Comércio
OBSERVAÇÃO:
O autor não segue o A.O.
21
83.O Ano
Dores de Crescimento
de uma Bandeira Além-Mar
por Carla Olival*
tualmente a bandeira Portuguesa,
através do registo convencional e do
registo internacional (MAR), conta
com mais de 600 navios registados. Estes
dados representam um crescimento de
mais de 20 milhões de tons em porte bruto (Deadweight Tons - DWT), tudo isto em
apenas 6 anos.
Este resultado extraordinário advém não
só da qualidade dos serviços prestados
por toda a administração envolvida no processo de promoção e manutenção destes
navios, mas também pela ação atempada
do Governo da República na criação de
um enquadramento legal competitivo.
Com este quadro favorável a bandeira
Portuguesa posicionou-se entre as maiores e mais influentes do sector marítimo
na Europa. Além da avultada tonelagem
conta também com empresas de renome
internacional como a MSC, a CMA-CGM,
a Oldendorff Carriers e a Peter Döhle Schiffahrts, entre outras, muito disputadas por
registos concorrentes. Porém, já diz o
povo, sabiamente, que … não há bela sem
senão: tal como noutros sectores ou organizações, também no registo de navios o
crescimento trouxe desafios e dificuldades.
Este é porventura o momento certo
para transformar as exigências complexas
que o crescimento encerra em oportunidades consistentes. Os obstáculos não nos
devem limitar a capacidade de aprofundar
a resposta às solicitações do mercado,
mas inspirar-nos e, sobretudo, mobilizar
todos os agentes de modo a ajudar Portugal a alcançar um patamar elevado no
quadro mundial do sector. Essa é a única
ambição razoável perante o caminho trilhado. Posicionar-se no lote de países líderes mundiais no sector é um fator crítico
para instalar um cluster marítimo nacional,
donde podem derivar muitos benefícios
intersectoriais. Tendo em conta também
os objetivos ambientais, como o Pacto
Ecológico Europeu (European Green Deal),
fundamental para a sustentabilidade do
sector.
Essa liderança, entre outras coisas, exige níveis elevados de tonelagem associados a armadores de qualidade sob uma
bandeira. Na verdade, quanto mais tonelagem de qualidade estiver registada sob
a bandeira, maior é o peso político do país
a nível internacional no sector e mais facil-
A
22
mente se constrói a base e os argumentos
para uma verdadeira “economia do mar”
em Portugal. Tonelagem significa “quota
representativa” junto às entidades que definem toda a estratégia marítima mundial,
que incluem a Organização Marítima Internacional (OMI) entre outras entidades e é
neste contexto que se cria o entendimento
e as parcerias internacionais para importantes objetivos nacionais.
A marinha mercante é responsável por
mais de 90% do transporte do comércio
mundial. A sua índole internacional e escopo global faz deste um sector menos volátil às crises externas. A crise pandémica
confirma essa realidade: o transporte marítimo de bens não foi interrompido, pelo
contrário, devido a novas necessidades,
observamos um aumento no fluxo de alguns bens. Portugal através da frota atualmente registada tem um papel relevante
nesta realidade. Em síntese, atingir níveis
consideráveis de tonelagem registada é o
passaporte para aumentar a importância
de Portugal no debate de assuntos como
a extensão da plataforma continental, objetivos climáticos ou matérias variadas que
fazem parte de convenções internacionais.
Ainda, e igualmente importante, é uma forma do país estar envolvido na preparação
de realidades que terão impacto direto em
variados sectores dentro em breve. Refiro-me por exemplo, à tendência mundial
para a regulamentação relacionada com o
ambiente, sustentabilidade e governação
(Environment, Sustainability and Governance - ESG) como critério de avaliação de
todo o prestador de serviços por entidades
financiadoras, seguros e impreterivelmente, por fim, pelos seus clientes.
No âmbito do impacto interno, a tonelagem registada tem real capacidade de
criar um verdadeiro cluster gerador de
empresas, oportunidades de emprego,
formação específica nas escolas técnicas
e universidades e trabalho para prestadores de serviços como é o caso dos representantes locais, advogados, consultores,
contabilistas, conservadores e oficiais dos
registos comerciais, e tem potencial para
crescer.
A ligação entre alguns dos maiores armadores do mundo, especialmente das
linhas de cruzeiro, e alguns portos Portugueses, combinado com a bandeira e as
excelentes condições de investimento do
país são um contributo incontornável para
criar oportunidades e gerar riqueza. A consolidação e criação de escolas de formação especifica ou para treino, ou empresas de recrutamento especializadas, são
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Marinha de Comércio
exemplos de geração de novos negócios e
novos empregos.
Hoje já são muitos os postos de trabalho criados a bordo de navios. A legislação
facilita a entrada de Portugueses, mas ainda há muita carência. A preparação para
estas profissões passa por escolas técnicas e universidades que formam e treinam; é óbvio que as carências não estão
ultrapassadas, aumentando com o crescimento do Registo. Na realidade, os marítimos Europeus são escassos, apesar do
grande interesse por parte dos armadores.
Portanto, quanto mais o cluster marítimo
português crescer, mais relevância económica é criada e mais emprego é gerado.
Neste momento, existem sociedades de
agenciamento de tripulação e de gestão
de navios em Portugal ligadas à bandeira,
mas outras tantas irão considerar mudar-se para Portugal, pela importância da ligação com uma bandeira de qualidade e em
crescimento.
Mas para manter o crescimento exponencial que marcou os últimos anos, Portugal terá de se posicionar como registo
europeu de qualidade, com um serviço de
excelência por parte de todos os intervenientes, preparado para o mercado internacional, técnica e legalmente, com um
regime de hipotecas atrativo, reforçando
as exigências climáticas e de segurança.
O aumento de navios a arvorar a ban-
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
deira de qualquer país, significa, claro, um
aumento de unidades a navegar pelo mundo e, por isso, um aumento da probabilidade de episódios negativos associados ao
crime de pirataria em mar alto ou até a situações relacionadas com a crise mundial
de migrantes, tendo em conta as circunstâncias em que estes aspetos ocorrem. A
pirataria marítima é um fenómeno real e internacional que constitui uma ameaça para
a segurança dos tripulantes a bordo de navios bem como para o transporte marítimo
em geral. Os navios que arvoram a bandeira de Portugal não estão isentos desta
realidade. Recentemente, e em menos de
um mês, dois navios de bandeira Portuguesa, nomeadamente os navios MSC
TALIA F e TOMMI RITSCHER viram 15 dos
seus tripulantes serem raptados ao largo,
no Golfo da Guiné. Acontecimentos destes
podem também ocorrer em locais pouco
habituais e que por esse motivo não constam como área identificada pela OMI como
“área de alto risco de pirataria” (High Risk
Areas-HRA), o que denota naturalmente
alguma complexidade nestas situações e
algum risco para todos os intervenientes.
Ciente desta realidade, Portugal aprovou recentemente o Decreto Lei 159/2019,
de 24 outubro, que regulamenta o exercício
da atividade de segurança privada armada
a bordo de navios que arvoram a bandeira
Portuguesa e que atravessam áreas de alto
· revistademarinha.com
risco de pirataria. O legislador, ciente da
realidade que envolve esta matéria, tenciona ir mais além e, à semelhança de outras
jurisdições com tonelagem de relevância,
está em vias de publicar uma regulamentação por via de portaria, conforme previsto
no n.º 2 do artigo 2 do referido Decreto lei,
que identifica não só as águas internacionais classificadas HRA sob a OMI, mas
prevê a possibilidade de emissão de circulares pela administração marítima para
acautelar novos casos, garantindo assim
medidas adequadas e atempadas para a
proteção dos tripulantes.
Termino com a mesma ideia que comecei: um sector que cresce de forma rápida
e robusta sujeita-se a confrontar-se com
um conjunto de obstáculos e contrariedades que nem sempre domina, mas que
exige de todos os agentes a capacidade
de adaptação de modo a minimizar os
efeitos negativos. Para continuarmos este
percurso positivo é fundamental convocar
todas as entidades, públicas e privadas,
para gerar o consenso adequado de modo
a reforçar a competitividade do sector e
posicionar Portugal na lista dos países líderes do sector marítimo, afirmando-se
como um player de pleno direito no quadro
internacional.
* Consultora legal da EUROMAR
Presidente da WISTA Portugal
Membro dos Orgãos Sociais da EISAP
23
83.O Ano
A formação do Oficial Eletrotécnico
por Mário Assunção*
Escola Superior Náutica Infante D.
Henrique (ENIDH) tem como missão
formar diplomados para as carreiras
de oficial de marinha mercante e outros
quadros superiores para o setor marítimo-portuário. A ENIDH foi fundada em 1924,
e em 1989 foi integrada no Ensino Superior
Público Nacional. Os seus cursos são reconhecidos ao nível de licenciatura e mestrado
(níveis 6 e 7 do Quadro Nacional de Qualificações) desde a implementação do Modelo
de Bolonha em 2006. Desde essa altura, a
formação do Oficial da marinha mercante
passou a ficar ligada à obtenção de cursos
superiores de licenciatura e mestrado. Os
cursos da ENIDH são avaliados e obrigatoriamente acreditados pela A3ES (Agência
de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior), tal como acontece com os demais
cursos de ensino superior em Portugal. Os
cursos para Oficiais da marinha mercante
da ENIDH são igualmente acreditados pela
EMSA – Agência Europeia de Segurança
Marítima.
A carreira de Oficial eletrotécnico de marinha mercante foi recentemente criada pela
IMO – Organização Marítima Internacional,
e tal como as restantes carreiras de Oficial,
exige a idade mínima de 18 anos para o
exercício de funções a bordo dos navios [1].
Assim, faz sentido que o treino e a formação dos estudantes dos cursos marítimos
seja feito após o ensino secundário, pelo
que o ensino superior é o ambiente natural
para adquirir as competências dos futuros
Oficiais da marinha mercante.
O rápido crescimento das tecnologias
A
24
elétricas e eletrónicas nas últimas décadas
e o seu uso na indústria marítima levou à
necessidade de criar na Convenção STCW
emendada em 2010 (STCW 2010) os requisitos de formação e certificação do pessoal
eletrotécnico [1]. A Convenção STCW 2010
inclui as normas de formação para o Oficial Eletrotécnico (ETO – Electro-Technical
Officer) na regra III/6 e seções A-III/6 e B-III/6 [2]. A necessidade de implementar as
normas referidas nos planos de estudos
dos cursos das instituições de ensino tem
sido uma das maiores preocupações para
o Treino e Formação Marítima (MET – Maritime Education and Training) [2-4].
Os mais recentes avanços tecnológicos
têm vindo a ser aplicados nos navios mercantes modernos, de que são exemplo os
navios de passageiros, ferries, navios petroleiros, químicos e de gás liquefeito (LNG),
porta-contentores e grandes plataformas
petrolíferas de alto mar, entre outros. Deve
salientar-se que já existem navios de propulsão elétrica, navios equipados com
sistemas de posicionamento dinâmico ou
com máquina propulsora com controlo
eletrónico de injeção de combustível. Estas
tecnologias requerem sistemas complexos
de controlo por computador e operam sistemas de energia até 20 MW e instalações
de tensão de 11 kV. O ETO é o responsável
pela reparação e manutenção das instalações elétricas e eletrónicas a bordo deste
tipo de navios e plataformas.
Com a entrada em vigor da Portaria n.º
253/2016, de 23 de setembro e a obrigatoriedade de cumprimento a partir de 1 de
janeiro de 2017, pela Administração Marítima e Escolas de formação de marítimos,
da Convenção STCW 2010, tornou-se
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Formação & Treino
obrigatório cumprir os requisitos de certificação definidos na Regra III/6 – Certificado
de Competência como Oficial Eletrotécnico. Deste modo, a ENIDH, criou e registou
o curso na A3ES, a que se seguiu a correspondente publicação da estrutura curricular e do plano de estudos em Diário da
República (Despacho n.º 9202/2016, de 19
de julho). Deste modo, a ENIDH iniciou no
ano letivo 2016/2017 o curso da Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica Marítima
(LEEM) para a formação de Oficiais eletrotécnicos (ETO).
As competências mínimas para o ETO,
definidas pelo código STCW na tabela A-III/6, foram organizadas em três funções na
publicação do curso modelo para a formação do ETO [3, 4]:
• Função 1: Engenharia elétrica, eletrónica e de controlo ao nível operacional (Electrical, electronic and control engineering at
the operational level)
• Função 2: Manutenção e reparação ao
nível operacional (Maintenance and repair at
the operational level)
• Função 3: Controlo da operação do
navio e segurança das pessoas a bordo ao
nível operacional (Controlling the operation
of the ship and care for persons on board at
operational level)
Apesar de estarem divididas em funções,
as competências mínimas da Convenção
STCW requerem o conhecimento, a com-
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
preensão e a capacidade nas áreas das engenharias mecânica e eletrotécnica, tecnologia da alta-tensão, eletrónica, engenharia
de controlo, computação, processamento
de dados e tecnologias de comunicação.
O ETO deve ter um profundo conhecimento
teórico, desenvolvimento de competências
cognitivas, pensamento abstrato e capacidade na análise e predição de falhas.
O Código STCW não obriga a que o Oficial eletrotécnico tenha de ter o grau académico de licenciado em engenharia; no
entanto, a ENIDH segue a recomendação
do curso modelo da IMO para a formação
do ETO e criou um plano de estudos de licenciatura em engenharia eletrotécnica marítima (LEEM).
A Direção Geral dos Recursos Naturais,
Segurança e Serviços Marítimos (DGRM)
homologou o plano de estudos e os conteúdos programáticos das Unidades Curriculares do curso LEEM, sendo assim
· revistademarinha.com
reconhecidas as competências do ETO
aos diplomados LEEM. A LEEM confere
também a formação relativa à emissão de
diversos certificados de qualificação necessários para o exercício de funções a bordo
dos navios.
A carreira profissional do Oficial Eletrotécnico, após a conclusão dos estudos na
ENIDH, obriga a que o diplomado realize
um estágio profissional de 12 meses a bordo de navios mercantes, na qualidade de
praticante de Oficial eletrotécnico. Após a
realização do estágio, o praticante é submetido a um exame de competência da
responsabilidade da DGRM, e caso tenha
sucesso, ascende à categoria de Oficial eletrotécnico.
* Professor da ENIDH
BIBLIOGRAFIA
[1] Seafarers’ Training, Certification and Watchkeeping (STCW) Code, 1978 emendado na
Conferência de Manila em 2010.
[2] Study Programmes for Electro-Technical
Officers Development: Two-Level Based Approach, Mykhaylo V. Miyusov, Vadym M.
Zakharchenko, The 13th Annual General Assembly of the IAMU, 2012.
[3] Model Course 7.08 – Electro-Technical Officer, 2014 Edition. International Maritime Organization (IMO).
[4] MET Standards for Electro-Technical Officers, J. Mindykowski, The International Journal on Marine Navigation and Safety of Sea
Transportation, vol 8, nº 4, December 2014, DOI:
10.12716/1001.08.04.14.
25
83.O Ano
Quantas Quarteladas ao Escovém?
por Joaquim Bertão Saltão*
retende este texto, com base em
teorias dispersas em várias referências, aplicá-las a atos de marinharia
que são familiares a quem anda no mar
e demonstrar porque na prática se usam
determinados procedimentos, ou como
se deve proceder em certas situações, de
modo a garantir a segurança do navio.
Poderão alguns perguntar: mas para que
serve este arrazoado de fórmulas e cálculos
se em toda a minha vida de mar nunca os
utilizei? Já muitos navios encalharam, contudo, com perdas de vida e de fazenda, por
não acautelarem as debilidades dos materiais, as ameaças e as forças da natureza.
A profissão do nauta é ciência e arte ao
mesmo tempo, e ambas devem estar intrinsecamente associadas de modo a evitar
riscos que envolvam a condução do navio.
Por exemplo, quando se fundeia um navio
a prática e a teoria, expressa em alguns
compêndios, preconizam fundear com um
comprimento de amarra igual a cinco a
seis vezes a profundidade do fundeadouro, com bom tempo e com correntes não
superiores a 5 nós e até existem tabelas e
gráficos que indicam o filame que se deve
largar para evitar tensões que ultrapassem
a carga de segurança da amarra. Este artigo pretende dispensar as tabelas e os gráficos e com uma vulgar máquina de calcular … fazer as contas. Quantas quarteladas
afinal? Eis a questão, que vamos analisar.
Como é sabido a curva que melhor configura à amarra de um navio quando fundeado é a catenária, embora nalguns casos se pode associar, também, à parábola
ou à elipse. Por definição, “catenária” é a
curva gerada por um fio ou cabo, com um
determinado peso por metro linear, suspenso entre dois pontos, e que devido à
força de atração da gravidade forma uma
curva com características bem definidas.
A fig.1 representa uma curva em catenária, referida a um sistema de coordenadas cartesianas, em que o eixo dos yy
passa pelo meio da curva, a meio da distância entre os dois pontos de suspensão
(vértice) e o eixo dos xx, à distância c abaixo do vértice V.
Demonstra-se que as equações que definem a curva em catenária suspensa entre
dois pontos ao mesmo nível são:
P
1) c=Th/p
2) Y=c.cosh x/c com y=c+d temos
c+d=c.cosh a/2.c e com x=a/2
3) T=p.y=p(c+d)
26
Figura 1.
4) S=c.senh x/c, com s=l/2 e x=a/2,
temos l/2=c.senh a/2.c
5) Y2=c2+s2 ou (c+d)2=c2+l2/4, com
y=c+d e s=l/2
6) cos ϕ=Th/T
As letras representadas nas equações
supracitadas e nas figuras 1 e 2 tem o seguinte significado:
l - Comprimento total do cabo suspenso de A a B, na fig.1.
T - Tensão à distância x do meio do
cabo, por onde passa o eixo dos yy, em
N (Newton).
S = l/2 - comprimento do cabo desde o
meio, por onde passa o eixo dos yy até ao
ponto B onde a tensão T é máxima.
p - Peso do cabo por metro linear em N
(Newton) ao longo do comprimento s.
a - é o vão em metros entre A e B. Não é
significativo para o caso da amarra.
d - flecha em metros, que no caso do
navio fundeado corresponde à altura desde o escovém até ao leito do fundeadouro.
Th - tensão horizontal no meio do cabo,
relativa ao comprimento de v (vértice) até
B em N (Newton). È igual à reacção H no
vértice.
ϕ - ângulo entre Th e T, que relaciona
estes valores através da fórmula 6).
Figura 2.
As tensões em causa, são expressas
em N (Newton), porque o Sistema Internacional de Unidades (S. I.),M.K.S., entrou
em vigor em 1 de Janeiro de 1984 como o
sistema de unidades de medida em todo
o território nacional, embora com um prazo transitório de 10 anos estabelecendo
regimes progressivos de adaptação com
o Sistrema Métrico Gravitatório (M.Kp.S).
Ainda está presente, para muitos, na escala de valores o Kg (força ou peso) do Sistema Métrico –Gravitatório (M.Kp.S.).
Para desfazer algumas dúvidas, que
possam existir sobre este tema, “peso” é
a força com que uma massa é atraída pela
força gravitacional da Terra.
No sitema M.Kp.S. a massa era em
u.m.m.(unidades métricas de massa) e a
força em Kg (peso) , no S.I. a massa em Kg
(massa) e a força em N (Newton) , basta
recorrer à relação fundamental da dinâmica f=m*g, 2ª lei do movimento de Newton,
em que g é a aceleração da gravidade,
adopta-se comumente 9,81 m/s-2 (no Observatório da Ajuda em Lisboa g = 9,8003
m/s-2) e m massa em Kg .
A massa é igual em todas as regiões,
o peso muda com o local, isto é, com a
aceleração da gravidade que varia com a
distância ao centro da Terra (latitude e altitude), com a sua rotação e massa especifica (densidade absoluta).
Num sistema coerente de unidades físicas o importante é que as suas unidades fundamentais e derivadas, sejam empregues agrupadas em conjuntos que se
possam comparar com outros sistemas da
mesma espécie. Pelo exposto podemos
aplicar, por analogia, a mesma teoria da
catenária à amarra de um navio fundeado,
desde que alguma amarra esteja assente no leito do fundeadouro. Caso tal não
aconteça as curvas que melhor se adaptarão serão as da parábola ou da elipse.
A teoria da catenária também se pode
aplicar ao cabo de reboque, quando se
pretende controlar a flecha para evitar que
o cabo se enrasque em objetos que estejam no leito do mar ou rio, mas neste caso
as equações acima indicadas só tem aplicação se os pontos de amarração do reboque e do rebocado estiverem no mesmo nivel e o comprimento da catenária terá
que ser considerada na sua totalidade. No
caso em que os pontos de amarração estiverem a niveis diferentes, quase sempre,
terão de se empregar outras equações.
Para efeito do que aqui vamos expor
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Formação & Treino
considera-se que o navio e a amarra estão
contidos no mesmo plano vertical e que
o sistema é estático e isento de qualquer
efeito dinâmico incluindo o efeito da força
de corrente. Vamos, também, omitir o efeito de elasticidade da amarra e considerar
que esta tem um peso constante por metro linear, para simplificar os cálculos.
Os exemplos aqui apresentados serão
exaustivamente explicados de modo a
não constituirem dificuldade para aqueles
que há muito tempo não lidam com esta
matéria e tem de se ter em conta que são
teóricos, não foram experimentados e, por
conseguinte, aproximados. A teoria subsequente é a consagrada em várias referências e sempre que possivel indicaremos
os nomes dos seus autores isto é a griffe,
para que não se confunda com as “contrafações” ... e ao mesmo tempo homenagear aqueles que retiraram muitas horas
ao seu tempo de ócio para iluminar os que
preferiram divertir-se.
Considerando um navio fundeado, as
forças que actuam no sistema são: a força
friccional gerada pela corrente na superfície do casco molhada (considerando o
seu estado de sujidade), apêndices (robaletes, hélices, leme e colectores de água),
pressão exercida pelo vento na àrea vélica
e o impacto gerado pelas vagas produzidas pelo vento nas superfícies expostas.
As consequentes reações que se opõem
aquelas forças são o peso do ferro e a sua
capacidade de resistência, devido à sua
configuração, e o peso da amarra por metro linear.
Para tornar os exemplos aqui apresentados tanto quanto possível reais, no âmbito da teoria, os dados e características do
navio em análise são os correspondentes
ao ex – CABO BOJADOR ou ao seu navio
irmão o CABO VERDE, ambos que foram
da C.N.N. e o último também da Armada,
com o nome de NRP SÃO MIGUEL.
1.º exemplo:
Um dos navios supramencionados fundeia num local com uma altura de água de
15 m. A distância do escovém ao nivel da
àgua, na vertical, é 7,7 m, logo o parâmetro d = 7,7+15 = 22,7 m.
Para o efeito, como os manuais e a experiência aconselham, largou 82.5 m de
amarra, 5 a 6 vezes o fundo (3 quarteladas). A amarra pesa p = 532,5 N por metro
linear (valores reais), em seco, a que corresponde uma massa de 54,28 Kg. A massa específica da amarra é de ρ = 7,870 Kg
m-3, a massa especifica da água do mar,
neste caso, é de 1.026 kg m-3 deduzindo
de 54,28 kg a impulsão exercida na amarra
obtive o valor de 47,21 kg massa por metro linear de amarra mergulhada.
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
S2 = (138,57+32,74)2 -138,572 = 10131,8
s =100,66 m = 3,66 quarteladas.
É a amarra necessária para fundear no
novo fundeadouro.
No 1ª exemplo o rácio entre comprimento de amarra e fundo é 82.5/15= 5,5 No 2º
exemplo o rácio entre o comprimento de
amarra e o fundo é 100,66/25=4,03.
A amarra mergulhada é de 67.5 m x
47.21 kg (massa) =3.186,68 kg (massa).
A amarra fora de água é de 15,0 m x
54,28 kg (massa) =814,20 kg (massa)
Total
da
massa
da
amarra
=4.000,88 kg (massa)
Média da massa da amarra por metro
linear 4.000,88: 82.5 m =48,5 kg (massa).
Média do peso(p) por metro linear da
amarra 48,5* 9,81=475,79 N.
Pela equação 5) y2=c2+s2 e substituindo
y=c+d temos:
(c+d)2=c2+s2 desenvolvendo achamos o
valor de c = (82.52 –22.72) /2x22.7=138,57
m.
Pela equação 1) temos:
Th=p*c=475,79*138,57=65.929,5 N.
Nestas condições a amarra suporta uma força horizontal, no escovém, de
65.929,5 N.
2º. exemplo:
Suponhamos agora que o navio em
análise, por qualquer razão, foi compelido a fundear em 25 m de água, num local
próximo do primeiro. O parâmetro d passa
agora a ser d = 25 + 7,7 = 32,7 m. Partindo da premissa que o navio no 1ª. exemplo aguentou bem naquele fundeadouro e
as condições envolventes se mantêm no
novo fundeadouro, quantos metros de
amarra serão necessários para aguentar o
navio na nova posição?
Pela equação 1) verificamos que o valor
de c não se altera, por não se alterarem
o valor de Th, por definição, e o peso da
amarra (p).
Pela equação 5) (c+d)2=c2+s2 substituindo os valores de c e d e resolvendo em
ordem a s temos:
· revistademarinha.com
Confirma o que já é sabido, que em
fundos maiores não é necessário largar
amarra na mesma proporção que se larga em fundos menores.
Antes de partirmos para o 3º exemplo
quero deixar aqui expresso que as equações a seguir referidas são as utilizadas
para o cálculo das tensões que vamos analizar pelos vários autores internacionalmente
consagrados nesta matéria e consoante os
métodos utilizados chega-se à conclusão
que os resultados raramente condizem.
Para o cálculo de uma determinada grandeza chega a haver mais de seis maneiras de a calcular e todas elas dão valores
diferentes. As equações para resolver os
problemas relacionados com a hidrodinâmica de um navio resultam de ensaios em
tanques de experiências com modelos em
escala reduzida e embora se realizem também ensaios em mar aberto com navios em
escala real, estes, como são muito dispendiosos, são mais raros. Há muitos fenómenos hidrodinâmicos que ainda não estão
bem estudados, embora desde 1970, com
o advento dos modernos computadores se
tenha avançado muito na sua análise.
3.º Exemplo:
Neste exemplo vamos tentar criar uma
série de tensões na amarra muito próximo
da realidade. O navio considerado no 2º.
exemplo irá suportar, por alterações climatéricas, uma corrente de maré de 5 nós
(2,572 m/s), é esperado vento de força 7
(30 nós=15,43 m/s) e o navio foi docado
há 3 meses. Nesta simulação, o navio em
apreço tem um comprimento entre perpendiculares de 94,5 m uma boca de 15,6 m,
um dav=3,06 m, dar=5,16 m, calado médio corrigido para esta condição 4,01 m a
que corresponde um volume de querena de
V=4.208,39 m3, obtido das curvas de querenas direitas do CABO BOJADOR.
Consideremos que a massa específica
(densidade absoluta) da água do mar, é de
1,026 kg m-3, para o efeito comecemos por
calcular:
Superfície Molhada
Pode ser calculada (estimada) pelas
fórmulas de Denny-Munford, Kirk, Froude,
Taylor, Gertler e Keller mas vamos utilizar
uma preconizada por Schneekluth e Bertram em 1998 (a mais recente que conheço)
27
83.O Ano
que é semelhante à de Keller (1973), a única diferença está que Keller entra somente
com Lpp em vez de Lwl.
Sm = (3,4*V1/3 +0,5 x Lwl)* V1/3 com
Lwl =1,01 x Lpp
Sm = (3,4*4208,41/3+0,5*1,01*94,5)*4.20
8,41/3 = 1.656,7 m2.
Pelo método de Denny obteriamos
Sm = 1.693,7 m2, pelo método de Kirk obteríamos Sm = 1.807,4 m2 e pelo de Keller Sm
=1.649 m2.
Tensão devido à resistência friccional
da corrente ao passar pela querena.
São conhecidas várias formulas para
determinar este valor, preconizadas por William Froude (o pioneiro destes estudos, em
1874), Blassius, Schoenherr, Hughes-Prohaska, I.T.T.C. (acrónimo de Internacional
Towing Tank Conference), métodos 1957
e 1978 e ainda o método Geosim deTelfer.
Vamos utilizar o método I.T.T.C. em que
a resistência friccional é obtida através da
equação Rf = 0,075/(log10Rn-2)2 * ½*ρ*S*Uc2
em que:
Rn = (Uc*L) /ν
Rn - número de Reynolds (Osborne Reynolds).
ρ - massa específica da àgua do mar em
kg m-3.
S - superfície molhada em m2.
Uc - velocidade da corrente em m s-1.
L- Comprimento na linha de água, em
metros, se o navio tivesse bolbo media-se
desde a ponta do bolbo até à perpendicular
a ré na linha de àgua.
V - Viscosidade cinemática m2 s-1. Para a
àgua salgada a 15°C e 3,5 % de salinidade
é 1,1883*10-6 m2 s-1.
Substituindo os valores dados nas equações supracitadas obtemos:
Rn = 2.572*94,5/1,1883*10-6 = 2.045*108
Rf = 1,8832*10-3 * ½ * 1026 * 1649 *
2,882 = 13.214 N.
A velocidade da corrente não foi corrigida para o efeito de Coriolis, porque se parte
do princípio de que o navio estava junto à
costa, onde tal correcção não tem expressão. Esta correcção para uma latitude de,
por exemplo, 400, numa zona afastada de
um abrigo e segundo Eckman (1952), Vc =
0,015*Vv/ (sen 400)2, pode ascender a 0,56
nós o que daria um acréscimo significativo da resistência friccional da ordem dos
2.492 N.
Utilizamos uma correcção para a velocidade da corrente induzida pelo vento local
Uw = 0,02*U10 em que U10 é a velocidade do
vento 10 m acima do nivel do mar.
Logo Uc = Uw+2,572 = 0,308 + 2,572 =
2,88 m s-1.
Força hidrodinâmica induzida pela
corrente
28
do nivel do mar, obtive para Rv=46.647 N,
muito próxima da anterior.
Sujidade do casco
A sujidade do casco foi calculada na base
de 0,01/4(consagrado por várias Marinhas)
vezes o número de dias após a docagem,
que para o nosso caso, 3 meses (90 dias)
após a docagem, é igual a 0,01/4 x 90 =
0,225 da Rf (13.275N x 0,225 = 2.986,87 N).
Pd = Cd *a *w *v2/2 *g = 0,85 x 64,3 x
1.026 x 2.5722/2 *9,81 = 185.477 N.
Não consideramos para facilitar e não
alongar esta abordagem a força elevatória
produzida pela corrente devido à diferença
de calado Av e Ar.
Pressão exercida na área vélica
Para a determinação da tensão gerada
na superficie vélica, devido à intensidade do
vento, podiamos utilizar as tabelas que dão
para força 7 (escala Beaufort), uma média
de 30 nós de velocidade do vento e 114
N/m2 de pressão exercida perpendicularmente sobre uma superficie e multiplicar
pela área vélica, mas optei por utilizar uma
fórmula que resultou de estudos em túnel
de vento no Japão. Há outras também consagradas, que usam a lei fundamental da
dinâmica. Assim para o navio em análise
encontramos uma área vélica, aproximada,
transversal, de 312 m2 e para a área lateral
1.425 m2.
Vamos admitir que o vento sopra com
uma incidência de 10º a partir da proa.
Usando a fórmula Rv = 1/2*f*Cr*V2 *(A
cos2 θ+B sen2 θ) em que:
Rv em N (Newton), f peso especifico do ar
ao nível do mar 1,2257 Kg/m3, Cr coeficiente dado pela formula Cr = 1.325-0,05 cos 2
θ-0,35 cos 4 θ-0.175 cos 6 θ, em que: V,
velocidade do vento em m s-1, θ angulo de
incidência do vento,em graus, A área transversal em m2, B área lateral em m2 .
Logo temos:
Com Cr = 0,9224, Rv = ½ x 1,23 x 0,9224
x 15,432 x (312 cos2 10º+1.425 sen2 10º) =
46671 N.
Multiplicando a área transversal projectada de 312 m2 pela pressão do vento dada
nas tabelas obteriamos: 312*114=35.568 N
valores muito diferentes.
Para verificar se o valor obtido era coerente com outra formula que corrige a velocidade do vento acima dos 10 m a partir
Apêndices
Para os apêndices calculei 8% da resistência friccional (13,275 x 0,08 = 1,062 N),
muitas vezes considera-se este valor compreendido entre 10% e 12% da resistência
friccional, embora P. Mandel em estudos
levados a efeito nos U.S.A. tenha preconizado, para navios de uma só hélice, caso
do navio em análise, valores entre 2% e 5%
da resistência friccional.
Tensão devida à interação entre as
ondas e o navio.
Os esforços devido à interacção entre as
ondas e um navio são de complexa quantificação. Um navio, um objecto flutuante,
é uma estrutura hidrodinâmica compacta
sujeita, por efeito da ondulação ou vaga,
a constantes movimentos de rotação e
translação em torno dos seus eixos longitudinal, transversal e vertical gerando pelo
menos seis movimentos distintos, por sua
vez sujeitos a várias combinações. Por outro lado, as caracteristicas da ondulação e
da vaga dependem da velocidade do vento, da persistência do fenómeno, do fetch,
morfologia e profundidade do local, e da
corrente.
As ondas e vagas ao atingirem o navio
provocam fenómenos complexos de difracção, reflecção e de vórtice, cuja avaliação
é muito complicada. As vagas ao rolar e
quando colidem com o navio provocam
almofadas de ar que amortecem as vagas
seguintes. A elasticidade da amarra atenua
os choques produzidos pelas vagas. As
guinadas produzem momentos na amarra.
Perante esta panóplia de complicações,
que tornam as avaliações analiticamente
complexas, há vários autores que estudaram estes fenómenos, contudo apesar dos
computadores serem cada vez mais rápidos e potentes, ainda há muitos fenómenos
hidrodinâmicos que não estão devidamente
quantificados. Os testes de avaliação feitos
normalmente em tanques com modelos
de navios em escala reduzida, são os mais
frequentes. Os feitos com navios em escala
real são mais raros porque muito dispendiosos, e porque teria de se aguardar que os
fenómenos a estudar ocorressem. Este não
é o local para dissertarmos sobre esta matéria por ser de difícil abordagem.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Formação & Treino
Vamos considerar a tensão, estimada,
exercida na amarra para uma situação em
que o vento é de força 7 (escala Beaufort),
sopra durante 4,5 horas, num fetch de 20
mi e que são observadas vagas com uma
altura significativa H1/3= 2,62 m, um período
de 4,3 s e um comprimento de onda de 30
m.
A força exercida longitudinalmente
(translação) sobre o navio (arrastamento e
inércia) de um modo muito linear seria qualquer coisa como 99.713 N. Usamos para
este cálculo uma fórmula resultante da teoria de difracção de MacCamy-Fuchs. Não
foram consideradas as outras tensões e
momentos gerados pelos movimentos de
translação e rotação nos eixos transversal
e vertical.
Já temos bastantes tensões, que são
suficientes para a análise que me permito
fazer.
Em presença das tensões calculadas,
supramencionadas, temos:
• Resistência friccional: 13.214 N
• Força hidrodinâmica: 185.477 N
• Força do vento: 46.647 N
• Sujidade do casco: 2.986,8 N
• Apêndices: 1.062 N
• Impacto das ondas: 99.713 N
Total das tensões envolvidas: 349.089,8
N = 35.621,41 Kg(força)
A tensão no escovém é igual à soma de
todas as tensões verificadas.
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
Logo, a amarra necessária para aguentar
aquela tensão seria:
Pela equação 1) c = Th/p temos c =
349.089,87/475,79= 733,7 m.
Pela equação
y = c + d temos y =
733,70 + 32,7 = 766,40 m.
Pela equação 5) y2= c2+s2 temos s2 =
766,402-733,72 = 49.062,11 e s = 221,49 m.
Logo 221,49/27,5 = 8,05 quarteladas, as
necessárias, teoricamente, para aguentar o
navio naquelas condições de tempo.
O navio em análise tinha 8 quarteladas na
amarra de EB e 7 quarteladas na amarra de
BB e a carga de rotura era de 1.200,74KN
= 122.400 Kg (força) e a carga de prova
857,39 KN =87.400 Kg (força).
Está consagrado que a carga de segurança não deve exceder ½ da carga de prova e em condições mais severas, menos.
Logo para carga de segurança teria de
ser adoptado 874,00/2 = 43,700 Kg (força).
Também se pode adoptar uma carga de
segurança de 1/3 ou ¼ da carga de rotura
o que daria, 1.200,74 KN/4 = 300,18 Kn =
30.600 Kg(força).
Pela análise efectuada conclui-se que
com as condições acima consideradas de
vento e corrente a amarra estaria sujeita a
uma tensão superior à considerada de segurança. Com estes cálculos determinamos
com antecipação o que poderia acontecer
em presença de tais condições atmosféricas e assim tomar medidas, antecipando-nos a um mal maior.
· revistademarinha.com
Ainda com base na teoria da catenária
(aproveitando a oportunidade), podemos
calcular qual o máximo comprimento de
amarra que podemos largar sem ultrapassar
a carga de segurança. Admitindo para carga de segurança o valor de 43.700 Kg(p),
logo pela formula c=Th/p obtemos c=805 m
.Admitindo um fundeadouro com 25 m e a
distância do escovem ao lume de água igual
a 7,7 m tínhamos d = 32,7 m, como a tensão é máxima para y (máximo) logo calculei
Y = c+d = 805 + 32.7 = 832,7 m.
Pela fórmula y2 = c2+s2, substituindo os
valores de y e c, determinados anteriormente, temos s = 221,49 m, ou 8,05 quarteladas, correspondentes ao máximo que se
podia largar sem ultrapassar a carga de
segurança.
* Capitão da M.M.
[email protected]
OBSERVAÇÕES:
1. Neste trabalho empregamos a designação
de “tensão”, por ser a terminologia generalizada, embora incorreta. Tensão é uma força por
unidade de superficie e o que designamos por
“tensão” é um esforço normal de tracção.
2. “Quartelada” é o comprimento padrão em
que se divide a amarra de um navio. Em Portugal tem um valor de 15 braças, ou 27,43 m, na
Royal Navy cada quartelada mede 12,5 braças
e na UK Merchant Navy é de 15 braças, e é designada por shackle (manilha).
NOTA:
O autor não segue o novo A.O.
29
83.O Ano
Portugal pode ser um país de Shipping
por Abílio Martins Ferreira*
ortugal é um país de mar, no entanto uma das suas maiores lacunas
é não possuir meios navais, navios
científicos, de transporte marítimo e de via
fluvial, em quantidade e qualidade, com
capacidade de assegurar o patrulhamento, o socorro, a investigação e o transporte
de bens e pessoas no seu vasto território
marítimo.
Esta lacuna torna-se ainda mais acentuada no transporte marítimo e de via fluvial
de bens e pessoas, por norma designados
internacionalmente por shipping. E, se é
verdade que num passado recente podíamos afirmar que Portugal com a sua frota
de navios, e a dimensão de algumas empresas, assegurava uma atividade de shipping com relevância para a economia portuguesa e europeia, presentemente tal não
é uma realidade. Nas décadas de 70 e 80
do século passado muitas destas empresas
faliram e as poucas resilientes tornaram-se
de dimensão reduzida face às existentes no
mercado internacional.
Não sendo viável recuperar a situação
em que nos encontrávamos no shipping,
é essencial reposicionarmo-nos gradualmente, face à importância estratégica e
económica que esta atividade representa. A
afirmação de Portugal no shipping, no curto
e médio prazo, terá de ocorrer pela criação
de condições que permitam promover a
instalação da sede de empresas internacionais de shipping em território nacional, podendo assim impulsionar o crescimento das
atividades complementares associadas.
Torna-se assim essencial ter uma política pública do mar dotada de meios e de
medidas para promover o crescimento e
desenvolvimento da “economia do mar”,
P
30
particularmente do shipping, setor âncora
da atividade económica marítima e da maior
transversalidade e dimensão económica.
Na verdade, esta atividade económica é o
garante da generalidade das trocas comerciais, transportando cerca de 80 % da tonelagem do comércio internacional, sendo
ainda uma parte significativa das receitas do
turismo resultante direta e indiretamente do
cruzeirismo, e ser não menos importante o
transporte de passageiros entre margens. É
por estas e por outras razões que muitos
afirmam que o shipping é uma das principais alavancas da economia global.
Esta ampla transversalidade e complementaridade que o shipping representa,
provoca uma produtiva e dinâmica cadeia
de valor, a qual se traduz em vastas mais-valias económicas e financeiras, pois o
facto de esta atividade económica assegurar diversos serviços diretamente – cruzeirismo, segurança marítima, operações
portuárias, transporte de carga, transporte
de passageiros - e precisar de outros, indiretamente – reparação e construção naval,
reparação e manutenção de serviços gerais, hotelaria, agendamento turístico, marítimo-turística, metalomecânica, seguros e
financiamento etc., cria uma complexidade
que não deve ser ignorada para a tomada
de decisão de todos os que têm como dever ajudar a consolidar no país medidas de
política pública que assegurem inovação,
crescimento e desenvolvimento económico e bem-estar.
Estudos recentes, como por exemplo
o da Oxford Economics, informam que o
shipping europeu gera cerca de 685.000
postos de trabalho e contribui com 54 milhares de milhões de euros para o PIB da
União Europeia, e se os efeitos indiretos e
induzidos forem considerados estes números aumentam para 2,1 milhões e 140 milhares de milhões de euros respetivamente.
Em Portugal, segundo a consultora Menon
Economics, o shipping ocupa a 67ª posição
mundial, sendo uma atividade económica
pouco relevante, gerando apenas cerca de
1.500 postos de trabalho e contribuindo
com pouco mais 70 milhões de euros para
o PIB. No entanto, manifesta ser uma atividade com grande resiliência, regeneração e
de crescimento rápido; o registo de bandeira na Madeira nos últimos anos é um bom
exemplo disso.
Assim, a adoção de medidas de política
pública que melhorem as condições da regulação marítima, fiscal, de governança, e
a consolidação de um Centro Internacional
de Shipping e de arbitragem, podem permitir que de forma assertiva e estruturada
Portugal, no médio prazo, venha a sedear
no seu território cerca de 5% das empresas
de shipping internacionais baseadas na Europa, podendo vir a criar entre nós segundo
estudos recentes, cerca de 100.000 postos
de trabalho e 7 milhares de milhões de euros no PIB.
Esta atividade económica, pela sua
relevância e interesse estratégico, devia
obrigar-nos a atuar com urgência, concertando e congregando esforços, dinâmicas
e ações para determinar um rumo diferente,
em particular, melhorar as nossas condições de oferta e reduzir as nossas desvantagens competitivas relativamente a outros
países marítimos europeus.
* Gestor de Estratégia, Inovação
e de Políticas Públicas
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Marinha de Comércio
“Mystic Cruises”:
do Porto para o Mundo
por Luís Miguel Correia*
essoa abre o poema “O Infante”, escrevendo que … Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Esse Príncipe-Infante foi um portuense
distinto, cujos sonhos e ação levaram à
descoberta e conhecimento do grande
Mar Oceano e à invenção da globalização. Felizmente, Deus continua a querer,
e outro distinto portuense sonha, e desses sonhos têm nascido obras notáveis e
inéditas em Portugal. Falo de Mário Ferreira, o Armador que, em 1993, comprou
um pequeno cacilheiro e com ele inventou
os cruzeiros no Douro, que, depois, com
muito trabalho e saber, fizeram a Douro
Azul a partir de 1996, hoje uma das maiores empresas mundiais de cruzeiros fluviais.
O rio Douro faz-se ao mar na Foz e a
experiência e sucesso de 25 anos da Douro Azul alargam-se aos cruzeiros oceânicos de expedição, com Mário Ferreira ao
leme. A nova empresa chama-se “Mystic
Cruises” e ganha formas e dimensão com
uma frota de sete navios de passageiros
de luxo portugueses, a nascer em Viana
do Castelo. São unidades de 10.000 GT,
126 m e 200 passageiros, projetadas para
navegarem nas zonas mais remotas e exi-
P
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
gentes do globo, do Ártico ao Amazonas
ou à Antártida, e vocacionadas para viagens de descoberta geográfica e cultural,
de conceção técnica ecológica, adaptadas aos ambientes mais frágeis, fora dos
circuitos dos grandes grupos de cruzeiros
· revistademarinha.com
de massas, uma alternativa apreciada por
clientelas exclusivas.
Tendo introduzido o WORLD EXPLORER em agosto de 2019, a “Mystic Cruises” tem em diversas fases de construção,
em Viana do Castelo, mais seis gémeos: o
31
83.O Ano
WORLD VOYAGER está atracado ao cais
de aprestamento, e a bordo trabalha-se
afanosamente para que, apesar dos vírus
e incertezas do momento, que tanto têm
afetado o turismo e os cruzeiros, possa
entrar ao serviço neste ano de 2020. Na
doca de construção do estaleiro WestSea,
cresce o terceiro navio da série, o WORLD
NAVIGATOR, que vai ganhando formas,
componente a componente, de modo a
ser inaugurado em 2021. Entretanto, vêm-se já no estaleiro blocos de aço, destinados a mais quatro navios da classe
WORLD EXPLORER e que concretizam o
assentamento formal das respetivas quilhas: o WORLD TRAVELLER e o WORLD
SEEKER, para serem entregues em 2022;
o WORLD ADVENTURER e o WORLD
DISCOVERER, com os primeiros cruzeiros
previstos para 2023.
O WORLD EXPLORER embarcou os
primeiros passageiros no dia 5 de agosto
32
de 2019, no porto de Reykjavik. Passageiros alemães, a inaugurarem uma série de
cruzeiros pelo Ártico, promovidos pela “Nicko Cruises”, filial alemã do “Grupo Mystic”. Seguiu-se, em outubro, a travessia de
Lisboa à Patagónia (Ushuaia), com passageiros alemães, e um fretamento ao operador norte-americano “Quark Expeditions”,
que estreou o WORLD EXPLORER na Antártida, com uma série de viagens polares,
de novembro de 2019 a março de 2020.
Entretanto, a pandemia da COVID 19
refletiu-se na operação do WORLD EXPLORER para 2020 (a totalidade da frota
mundial de navios de cruzeiros está parada), e, depois de concluir o fretamento
para a “Quark”, saiu de Ushuaia a 18 de
março, sem passageiros, numa travessia
posicional direta para Viana do Castelo,
onde se encontra desde 7 de abril. No
estaleiro construtor aproveitou-se esta paragem forçada pelas circunstâncias para
pequenas reparações, ajustamentos e melhorias, habituais num navio protótipo após
as primeiras viagens, aguardando agora
o WORLD EXPLORER que o mercado de
cruzeiros retome a sua dinâmica na Europa. A ocupação está vendida para 2021,
com fretamentos ao operador francês “Rivages du Monde” e à “Quark Expeditions”.
Antes de lançar a “Mystic Cruises” a
partir de Portugal, como empresa de cruzeiros internacionais de longo curso, Mário
Ferreira estudou e ponderou as diversas
questões durante anos, evoluindo a partir
de uma ideia inicial de cruzeiros na Amazónia, para uma operação à escala global
num nicho de mercado em expansão e de
dimensão compatível com a sua capacidade de investimento, criando um projeto
sólido, bem financiado e apoiado comercialmente. Quem sabe, sabe.
A “Quark Expeditions” e a “Nicko Cruises” surgiram como parceiros para o lançamento do primeiro navio e entretanto,
em 2019 foi constituída nos Estados Unidos mais uma empresa da constelação
“Mystic”, a “Atlas Ocean Voyages”, com
escritório em Fort Lauderdale, na Florida,
que vai operar e comercializar diretamente
cinco navios da classe WORLD, focados
no mercado dos EUA, de longe o mais importante e lucrativo em termos mundiais.
Apesar do momento difícil, os cruzeiros
internacionais representam uma percentagem baixíssima do sector do turismo, com
um potencial muito grande de crescimento, particularmente em nichos como este.
Num mundo globalizado em que Portugal tem tido por tradição pouca capacidade de iniciativa e falta de dimensão, a
“Mystic Cruises” impõe-se, com todas as
possibilidades de êxito. Em paralelo com
a perspetiva internacional, a “Mystic Cruises” gera importantes sinergias em Portugal. Tem havido sempre a preocupação
de incorporar tanto quanto possível o fator
Marinha de Comércio
"feito em Portugal", não só recorrendo aos
estaleiros de Viana, que com esta oportunidade se afirmam num mercado de construção naval exigente e de elevada tecnologia, como optando sempre que possível,
por fornecimentos de bens e serviços de
origem portuguesa, apesar de, por vezes,
haver opções estrangeiras mais baratas.
Em termos humanos, a “Mystic Cruises”
está a constituir uma estrutura de quadros
e tripulações de excelência, reunindo os
melhores Oficiais e tripulantes portugueses, alguns anteriormente a comandarem
navios estrangeiros, e dando oportunidades de trabalho às novas gerações em formação na Escola Náutica Infante D. Henrique, num quadro positivo que há muito
não se verificava em Portugal.
Numa outra perspetiva, igualmente importante, de referir que o WORLD EXPLORER é bonito. Denota gosto apurado numa
quantidade de pormenores que no seu
conjunto fazem a diferença face a navios
de passageiros concorrentes. Tem linhas
sóbrias, clássicas, modernas e equilibradas que se fundem na opção pelas tecnologias de ponta e na qualidade dos equipamentos selecionados, tudo concorrendo
para proporcionar aos navios polares da
classe WORLD EXPLORER uma personalidade forte a suportar uma nova marca
pensada e lançada a partir de Portugal.
Que o futuro sorria sempre à “Mystic
Cruises”; Portugal precisa de Mar e de navios!
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
CARACTERÍSTICAS
DO N/M WORLD EXPLORER:
Navio de passageiros de cruzeiros
polares
Projeto: arquiteto naval Giuseppe Tringali.
Construção: estaleiro WestSea, Viana
do Castelo (n.º 010)
· revistademarinha.com
Assentamento da quilha: 13-10-2017
Batismo: 6-04-2019 no estaleiro de
Viana
Madrinha: Carla Bruni Sarkozy.
Entrada ao serviço: 1-08-2019
Armador: Mystic Cruises S.A., Porto
Bandeira: Portuguesa (Registo Internacional da Madeira)
N.º IMO: 9835719
Arqueação bruta / líquida: 9.923 GT
/ 2.978 NT
Porte bruto: 1.150 tons
Deslocamento leve / máximo: 5.525 /
6.675 T
Comprimento f.f.: 126,00 m
Comprimento p.p.: 113,15 m
Boca na ossada: 19,00 m (25,00 m
máx.)
Pontal na ossada: 7,00 m
Calado: 4,75 m
Propulsão híbrida diesel-elétrica Rolls
Royce, com 2 motores principais diesel
Bergen C2533L8P e 1 gerador auxiliar Bergen C2533L6P ligados a 1 motor elétrico
de baixa voltagem FIFE «Savecube», com
a potência instalada de 7.330 kw, 2 hélices
de passo variável. Velocidade máxima: 16
nós.
Passageiros / Tripulantes: 200 / 111
Custo: cerca de 70 M€
* Historiador Naval e Fotógrafo
Diretor da EIN-Náutica
[email protected]
http://lmcshipsandthesea.blogspot.com
33
83.O Ano
A Pandemia Covid 19
Mais um Obstáculo a Ultrapassar pela Indústria
de Construção & Reparação Naval
por Victor Gonçalves de Brito*
elo quinto ano consecutivo, a Revista de Marinha dedica espaço alargado à divulgação de contributos de
autores convidados, da área da indústria
naval e actividades correlacionadas.
No 2º semestre de 2019, no mercado
das principais actividades marítimas existia
a previsão de ligeira quebra económica ao
longo de 2020, com expectativas de restrições à actividade em matéria de sobrepesca, dos efeitos das alterações climáticas e da poluição. Em algumas actividades
- turismo costeiro e em águas interiores e
cruzeiros oceânicos – esperava-se a continuação do aumento da procura.
No arranque do 2º trimestre de 2020,
a emergência sanitária paralisou grande
parte da operação marítima, embora com
maior incidência nos cruzeiros marítimos e
nos navios tanque. Os confinamentos e as
quarentenas generalizaram-se, bloqueando grande parte do comércio e bastantes
indústrias. Ao contrário das crises econó-
P
34
micas clássicas que perturbam a actividade marítima com alguns meses de retardo,
no caso vertente a crise no sector marítimo
aconteceu em simultâneo com a travagem
económica, com reflexos na reparação de
navios, sobretudo nos cancelamentos de
docagens. Nas construções, o efeito nos
cancelamentos de encomendas não foi tão
rápido, mas decerto aí também existirão
sequelas gravosas. As encomendas para
o turismo náutico, oceânico ou local, acabarão por ser afectadas se as restrições
em “distanciamento social” persistirem
para além da preparação da próxima época turística, designadamente no hemisfério
norte.
Os artigos relativos à indústria naval incluídos na presente edição são extremamente interessantes, bastante diferentes
entre si, demonstrando a versatilidade das
iniciativas e das actividades.
José Ventura de Sousa, secretário-geral
da Associação das Indústrias Navais (AIN)
aborda os desafios que a indústria naval e
a de fabrico de equipamentos marítimos
enfrentam nos tempos mais próximos, incluindo os efeitos da doença COVID 19.
Interpreta um inquérito aos associados da
AIN e da Associação Europeia congénere,
efectuado em fins de Março, ainda em fase
incipiente da pandemia. Em complemento,
aborda a questão da necessidade do reforço da reindustrialização da Europa, no
âmbito da Economia do Mar, no sentido
de contrariar a tendência crescente de se
aceitar que a Ásia é a “fábrica mundial”.
Alerta, também, para que nos investimentos públicos nacionais na área dos navios,
não se criem obstáculos contratuais à participação do sector nos correspondentes
concursos. Existem expectativas relativamente a concursos suspensos – embarcações para a Transtejo e navios para a
cabotagem nos Açores.
O artigo da Lisnave, além de sintetizar
as capacidades do estaleiro na Mitrena,
Construção & Reparação Naval
onde opera há cerca de 20 anos, dá conta da actividade desta empresa, baluarte
da exportação, nos últimos meses, depois
de um ano difícil em 2019. Menciona que
mantém uma carteira de cerca de 50 clientes fidelizados, salientando não só o esforço de flexibilização e diversificação do tipo
de navios que são reparados como também a execução de alterações decorrentes de imposições das Convenções IMO
que têm entrado em vigor.
Miguel Trovão, administrador executivo
da Navalrocha, depois de uma introdução
histórica, apresenta as actuais capacidades do estaleiro cuja importância estratégica no porto de Lisboa é inegável.
Menciona a política de diversificação que
foi adoptada e alude aos bons resultados
de 2019 e às expectativas de boa continuidade, após o presente período de
incerteza. A presente limitação de docagens na Arsenal do Alfeite, S.A. devido à
ocupação da respectiva doca seca com a
revisão do submarino ARPÃO, evidencia
a importância da operação da Navalrocha, para permitir as docagens de navios
da Marinha Portuguesa em local próximo
das capacidades logísticas e oficinais de
manutenção, específicas, sediadas no
Alfeite. Alude às limitações dos prazos
das concessões, que ampliam o risco de
decisões de investimento em melhorias
nas capacidades dos estaleiros – trata-se de um assunto também importante
para os restantes portos nacionais onde
está implantada indústria naval e que não
tem merecido a devida consideração, a
despeito de insistências junto da tutela
marítimo-portuária.
Cabe referir que a afirmação de Portugal como país marítimo passa por ter indústria de reparação e manutenção naval,
concorrencial, de qualidade, dimensionada
para aceder ao mercado internacional na
frente marítima, pelo menos na costa ocidental. Assim, a Lisnave, a Naval Rocha e
a West Sea, complementam-se em termos
de dimensões para acolher navios da Marinha de Comércio, e outros, devendo as
políticas públicas criar condições para o
desenvolvimento dessas infra-estruturas e
respectivos acessos.
António Rodrigues Mateus escreve sobre a modernização de meia vida da fragata BARTOLOMEU DIAS, em curso nos Países Baixos, informa-nos sobre o percurso
desse importante projecto, que se destina
a prolongar a vida útil desta unidade e da
D. FRANCISCO DE ALMEIDA, da mesma
classe, por mais 15 anos, em planeamento, dotando-as de condições técnicas
actualizadas em linha com os requisitos
operacionais contemporâneos. A descrição temporal do projecto impressiona
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
pelo esforço de planeamento e de projecto
técnico e pela capacidade de gestão que
tem de existir para permitir a consequente
disponibilidade de informação técnica e logística (materiais e dos sistemas a tempo e
horas), nas diversas etapas realizadas em
diferentes locais. O facto de ser um tipo de
navio que presentemente serve 3 países
membros da OTAN, antevê economias de
escala nas aquisições dos novos sistemas
a instalar e redução de custos no projecto
de engenharia e na gestão da configuração.
O artigo de José M. Ferreira da Cruz sobre o tema “A digitalização do projecto de
Engenharia Naval” descreve a experiência
já consolidada do autor, na utilidade da
modelação gráfica tridimensional de navios
e os seus benefícios relativamente a técnicas anteriores, no referente à qualidade
dos projectos básico e de produção, na relação com clientes e entidades de aprovação e certificação, na diminuição de erros
na construção devido a melhor percepção
de dimensões e de interferências. Num
passo adiante, para além das fases de projecto e construção, o usufruto da modelação inicial em 3D pode beneficiar a gestão
da vida útil do navio, através da criação de
um “gémeo digital” do mesmo, mantido
pelo armador, que pode acompanhar as
alterações e mudanças de equipamentos,
o histórico de supervisão pelas entidades
de classificação e de fiscalização e o levantamento de danos para reparação de
avarias em caso de colisão ou afins.
O artigo de Tomás Costa Lima, apresenta de maneira muito sintética, mas
entusiástica, uma embarcação de recreio
(possivelmente para actividade marítimo-
· revistademarinha.com
-turística) com características inovadoras,
não só na concepção como também no
processo construtivo e com integrações
estruturais pouco habituais. A construção,
realizada no conceituado estaleiro Nautiber é também um contributo determinante
para o sucesso da nova unidade. A este
propósito acentua-se que o crescimento
da actividade marítimo-turística no País,
está a consolidar conhecimento que poderá ter interesse na exportação para outras
geografias onde o turismo náutico se venha a desenvolver, seja em áreas costeiras
seja em águas interiores. Na mesma linha
poderá seguir a produção de “barcos-casa”, que os principais estuários, rias
e albufeiras de barragens nacionais, têm
condições para acolher.
O artigo de Mário J. Carvalho Tiago, da
Arsenal do Alfeite, S.A., sobre Construção
Aditiva, sintetiza a iniciativa de implementação de uma capacidade extremamente
promissora e muito útil na gama dos serviços prestados pelo estaleiro, possível
graças a uma aliança entre o desenvolvimento da digitalização de formas e dimensões de sólidos, a robótica de precisão e
a tecnologia de fabrico por deposição de
camadas sucessivas de material. Como
é referido, o âmbito da utilidade destes
processos é vasto, indo da prototipagem
rápida à resolução de problemas de fabrico de peças complexas de pequena série,
ao suprimento de problemas com fabricos
descontinuados, passando por soluções
de fabrico genuínas onde este processo
supera outros processos de produção.
Aplica-se a materiais metálicos e não metálicos.
Finalmente, o artigo sobre reciclagem
de navios, faz um enquadramento desse
negócio, salientando que a fase de desmantelamento de navios de maiores dimensões utiliza perícias e capacidades
que residem em Estaleiros Navais. A fase
seguinte de separação, escolha, valorização e encaminhamento dos materiais,
componentes e equipamentos, é um outro
tipo de actividade. Os réditos resultantes
da reciclagem de navios, designadamente
os que compõem a marinha de comércio
e têm maiores dimensões, são significativos e entram na “equação do negócio” do
transporte marítimo, nomeadamente enquanto existir concorrência de alguns países asiáticos que desvalorizam os danos
da poluição e as condições de segurança
e saúde no trabalho no desmantelamento
“na praia”. Boas leituras!
*
[email protected]
OBSERVAÇÃO:
O autor não cumpre o novo A.O.
35
83.O Ano
Desafios e Oportunidades da
COVID-19 e das Transições Climáticas
e Ambientais na Indústria Naval
por José Ventura de Sousa*
1. DESAFIO DAS TRANSIÇÕES
CLIMÁTICAS E AMBIENTAIS
A indústria de construção, manutenção
e reparação naval é uma indústria estratégica para o crescimento económico sustentável, nomeadamente por ser o apoio do
transporte marítimo internacional, da fileira
da pesca, do turismo ligado ao mar, bem
como de todas as outras atividades que
constituem a economia do mar.
A indústria naval, bem como todos os
setores industriais nacionais, está sujeita
ao desafio lançado pela Comissão Europeia “Uma Nova Estratégia Industrial para
a Europa”, que se pretende competitiva e
líder mundial, que abra o caminho para a
neutralidade climática e que molde o seu
futuro digital.
Os desafios da competitividade global,
das alterações climáticas e da degradação
dos oceanos, têm de ser enfrentados a nível
nacional e europeu. Aqueles desafios resultam de uma crescente pressão social global
e europeia, corporizada por vários acordos
e diretivas internacionais, que contam como
atos mais significativos o Acordo Ecológico
Europeu, os objetivos do Acordo de Paris
(COP 21), a Estratégia Inicial da IMO sobre a
redução de emissões de Gases de Efeito de
36
Estufa (GEE) de navios e a diretiva da União
Europeia (EU) sobre o limite de enxofre para
o transporte internacional.
O desafio das transições climática e
ecológica, pode vir a ter um reflexo positivo na procura de conversão naval.
De facto, para se atingirem os limites
do Acordo de Paris e cumprir as metas da
IMO 2050, é necessária uma ação urgente
no corte de emissões de GEE nos navios
existentes, que continuarão a navegar para
além de 2030. O TM(1) é o modo de transporte mais eficiente. Contudo, em 2018,
segundo o Regulamento MRV(2) da EU, que
abrange cerca de 11.000 navios acima de
5.000 GT e que operam no Espaço Económico Europeu, estes produziram emissões
substanciais de CO2, de mais de 138 milhões de tons, representando mais de 3,7%
do total de emissões da EU. Muitos destes
navios terão de ser modernizados para reduzir ou eliminar as emissões GEE. Também a diretiva da EU sobre o limite de 0,5%
de enxofre para o transporte internacional a
partir de 1 de janeiro de 2020, vai continuar
a provocar uma procura forte nos estaleiros
de reparação.
O desafio da transição climática e eco-
lógica pode ainda trazer novos mercados
para estaleiros de média dimensão. Esta
é a situação tratada na Parceria Europeia
zero-emissão no transporte marítimo, que
tem por objetivo fornecer e demonstrar
soluções de emissão zero para todos
os principais tipos de navios e serviços
antes de 2030, o que permitirá o transporte marítimo com zero-emissão antes
de 2050.
A estes desafios veio somar-se um outro
desafio global cujas consequências ainda
estão por determinar: o surto da pandemia
COVID 19.
2. INQUÉRITO À INDÚSTRIA
SOBRE O IMPACTO DA PANDEMIA
COVID 19
A indústria naval, à semelhança dos outros setores industriais está a ser atingida
pelo surto COVID 19. Mas, diferentemente
de outras indústrias, sentirá as reais consequências de forma mais aguda a médio e
longo prazo.
As recentes iniciativas horizontais do Estado Português e da Comissão Europeia
em resposta ao surto de COVID 19 são positivas, na medida em que tentam minimizar
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Construção & Reparação Naval
o impacto desta crise na indústria. Contudo, aquelas iniciativas devem ser complementadas com políticas setoriais e apoio
financeiro, adaptados às necessidades e
desafios específicos dos estaleiros e da sua
cadeia de fornecimentos. Essas medidas,
devem permitir às nossas empresas lidar
com as graves consequências económicas
e financeiras do surto de COVID 19 e, finalmente, salvaguardar a sobrevivência deste
setor estratégico.
Atualmente, todos os setores da economia estão a estudar as consequências do
COVID 19, designadamente na indústria,
com vista à definição das medidas de política setorial mais adequadas. Também a
AIN(4) e a Sea Europe, Associação Europeia
do setor, a que a AIN pertence, lançaram
um inquérito a nível nacional e europeu, para
avaliar como as empresas estão e irão ser
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
afetadas pela pandemia COVID 19(5). Os inquéritos reportam a situação dos estaleiros
até ao final do mês de março. Foram inquiridos os estaleiros de construção e reparação
naval, fornecedores de equipamentos, sistemas e serviços, incluindo projeto, engenharia e consultadoria e abordaram as áreas da
produção, contratação e vendas, volume de
negócios e liquidez, bem como a opinião sobre o apoio da banca e do Governo. As principais empresas foram entrevistadas para
uma melhor compreensão da sua situação.
A AIN recebeu respostas que representam
mais de 50% do volume de negócios nacional total na construção naval e mais de
70% do volume de negócios nacional total
na manutenção e reparação naval.
Os estaleiros reportaram perdas de
produtividade e consequente redução
· revistademarinha.com
do volume de negócios, entre 60% e
80%, devido ao cumprimento das diretivas de saúde pública e de outras medidas, que levaram à redução do número
de trabalhadores a operar em simultâneo na empresa e por razões de distanciamento social em contexto laboral.
Os estaleiros de Reparação, Conversão
e Manutenção Naval de grande dimensão,
encontram-se em situação difícil, mas com
grande esforço têm conseguido manter
a atividade e o emprego, tendo reportado
uma redução moderada da atividade produtiva. Contudo, pelo facto de a sua carteira
de encomendas estar muito dependente da
manutenção da frota mercante mundial e
da conversão de navios para cumprimento
de critérios climáticos e ambientais, receia-se uma forte quebra na procura, com gra-
37
83.O Ano
O país deve ser ajudado a não se limitar a ser importador. Quem sonha, quem
arrisca, às vezes perde. Mas só vence
quem não tem medo. Só conseguiremos
vencer e ser fortes e competitivos lá fora,
se tivermos ambição e cooperarmos cá
dentro. Se queremos captar mais riqueza para o país temos de investir.
ves consequências no emprego e nos resultados económicos e financeiros.
Os estaleiros que dão apoio às frotas de
pesca reportaram uma redução moderada
da atividade produtiva. Já os estaleiros
de grande dimensão (>250 trabalhadores),
com atividades no mercado civil e militar,
reportaram uma redução substancial.
De assinalar que 67 % das empresas reportaram a rutura na cadeia de fornecimento como fator que mais afetou a produção
na atividade de construção naval, sendo
que no caso da reparação naval esse efeito
não foi tão forte.
No primeiro trimestre deste ano, 33%
dos estaleiros de construção naval (11%
nos estaleiros de reparação) reportaram
perdas no volume de negócios superiores a
50%. Relativamente a novas contratações
os efeitos na construção e reparação são
idênticos e não preocupantes por estarem
a trabalhar em encomendas efetuadas no
passado. Contudo existe uma grande preocupação relativamente à obtenção de novas encomendas.
Também os estaleiros, já no primeiro
trimestre deste ano, lutaram com falta de
liquidez, particularmente os de construção
naval. Nestes, 50% reportaram uma redução muito forte na liquidez, contra apenas
22% na reparação naval.
Finalmente, os estaleiros foram muito
críticos nas apreciações que fizeram relativamente a possíveis apoios financeiros do
Governo ou a facilidade de obtenção de
apoio pela banca.
3. O QUE ESTÁ A FALTAR?
A adoção de uma renovada Estratégia
para o Mar, que seja o referencial da atuação e, nesse sentido, enquadre e consubs38
tancie as políticas setoriais e suas medidas,
maximizando os seus resultados.
A conclusão da auscultação a nível nacional e europeu foi a de que devem ser
adotadas políticas setoriais e medidas financeiras sob medida, incluindo auxílios
estatais, em apoio da indústria naval, sem
as quais existirá um grande risco de Portugal perder, ou reduzir abaixo do seu nível
critico, este setor estratégico, suporte das
fileiras que constituem a Economia do Mar.
Em tempos excecionais justificam-se
medidas excecionais. No caso de se verificarem alguns dos receios enunciados, é
fundamental que o Governo responda, ainda, com medidas que, otimizando o seu esforço financeiro, contemplem por exemplo,
uma política de contratação pública que,
garantindo a manutenção de postos de trabalho, responda também às necessidades
do país. Tal é o caso da contratação da
construção de navios-patrulha oceânicos,
como consta na Lei de Programação Militar;
de ferries para transporte entre as Regiões
Autónomas e o Continente, ou entre ilhas; a
renovação da Frota de Pesca; construção
de embarcações portuárias, sempre com
a obrigação das empresas maximizarem o
Valor Acrescentado Nacional e desde que a
procura o justifique (ou seja, financiar o trabalho em vez do desemprego).
O surto de COVID 19 já demonstrou
claramente os efeitos desastrosos e perigosos da Europa ser totalmente dependente
de nações estrangeiras. É, pois, oportuno
mudar de paradigma, sobretudo em setores estratégicos como é o caso da Indústria
Naval. Vem a propósito lembrar as palavras
avisadas do Senhor Ministro das Infraestruturas e da Habitação, aquando do recente
lançamento da obra de dragagem do canal
de acesso aos Estaleiros Navais de Viana
do Castelo:
O país pode ser ajudado, se forem dadas reais oportunidades às empresas
nacionais de responderem à contratação
pública, favorecendo dessa forma a substituição de importações de navios (vide embarcações para a travessia do Tejo), quando existe capacidade de resposta nacional,
cooperando a nível interno, através dum
maior diálogo entre as empresas públicas
e as empresas privadas (como muito bem
fazem em Espanha e noutros países europeus), arriscando em investir, quando se
sente solidariedade do poder político (vide
Estaleiros Navais de Viana do Castelo).
Mais do que criar oportunidades para o
setor, contribuindo para o seu relançamento e sustentabilidade, é apostar na soberania nacional através do reforço das capacidades endógenas, assegurando maior
autonomia em áreas e setores estratégicos.
É neste contexto que a AIN procura
sensibilizar o Governo para a premência
da adoção de políticas setoriais e apoio
financeiro e, não menos importante, assegurando que, no respeito pela regulamentação aplicável, na contratação pública não
se elimine, à partida, a possibilidade de as
empresas nacionais de per si, ou em consórcio, poderem concorrer.
* Secretário Geral da AIN
NOTAS:
(1) TM: transporte marítimo. De acordo com informação publicada pela Clarkson Research a
intensidade média do transporte por via marítima é de 14 tons de CO2 por milhão de tonelada
/ milha, que compara com 50 tons para o ferroviário, 200 tons para o rodoviário e 1.550 tons
para o modo aéreo.
(2) MRV - Monitorização, comunicação e verificação das emissões de CO2 dos transportes
marítimos, o primeiro passo de uma abordagem
faseada para a inclusão das emissões de CO2
do transporte marítimo na política climática da
UE.
(3) Zero-emission waterborne transport - Proposal for co-programmed partnership.
(4) A Associação das Indústrias Navais (AIN) é
uma associação setorial, com mais de 50 anos
de existência, que representa a indústria naval,
que compreende: Construção Naval (CN); Reparação, Conversão e Manutenção de Navios
(RCMN); Projeto, Engenharia e Consultoria
(PEC) e fabricação de Equipamentos, Componentes e Sistemas (ECS) e outros Serviços para
o setor, sendo a CN e a RCMN o seu principal
foco de atenção.
(5) www.ain.pt – impacto da pandemia COVID 19
no setor europeu da Tecnologia Marítima.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Construção & Reparação Naval
Um projeto de vida!
por Tomás da Costa Lima*
a vida existem momentos que nos
marcam e fazem sentir realizados: o
casamento, o nascimento dos filhos,
os grandes momentos que vivemos em família... e esses momentos existem também
na vida profissional. Há dias, na segunda
semana de junho de 2020, em Vila Real de
Santo António, voltei a ter essa sensação!
Ao subir a rampa do pontão do famoso
“bota-abaixo”, voltei-me para a nave principal dos estaleiros Nautiber e tive a visão da
obra completa! E que visão!!! Aqueles que
já passaram pelas tempestades próprias
de uma criação, que nasce de um sonho,
sabem o que custa e o gozo final que dá.
Day boat - Conceito forte para um catamaran totalmente virado para utilização
no exterior.
Nasceu do desafio que o João Mendonça me lançou para criar um catamaran com estas características. Desenvolvi
os primeiros esboços e, por coincidência,
recebi mais tarde um briefing do atual armador, Sebastião Lancastre. Tendo a fórmula na mão, desenvolvi o catamaran com
as características de dayboat à medida do
briefing e apresentei os drafts, os primeiros
esboços, que foram aceites de imediato.
Estava lançada a primeira pedra do projeto “Mineiro”.
N
ESTALEIRO
Após alguns acrescentos ao desenho
inicial, depressa procurámos o estaleiro
certo para este desafio. A Nautiber, estaleiro com quem já tinha uma relação profissional de três embarcações produzidas,
aceitou abraçar este projeto, sabendo de
antemão que se tratava de um tipo de embarcação que teria acabamentos diferentes de tudo o que já tinham produzido até
hoje. Um autêntico desafio!
O Eng.º Rui Roque, proprietário e simultaneamente diretor-geral do estaleiro,
cauteloso mas aventureiro, preparou-nos
para as limitações e para a forma como as
teríamos de ultrapassar. Vamos avançar
para moldes!
culos para termos uma embarcação equilibrada e com as prestações necessárias
para satisfazer as pretensões do comprador. Foi produzida uma maquette à escala
e foram feitos testes, em diferentes cenários e simulações.
Desenhos dos cascos e superestrutura
executados e aprovados, vamos passar
aos moldes. Nunca tinha sido maquinado
um casco em CNC, em fresa mecânica de
5 eixos com estas dimensões, em Portugal. Desafio lançado à Scales Ocean que,
após alguns contratempos, enviou os positivos para a Nautiber produzir os moldes.
Entregámos a um produtor polaco, a “Corthinx” a produção dos moldes da cabine,
dos bancos e do tombadilho (flybridge).
Foram largos meses de acompanhamento e de muita aprendizagem.
PRODUÇÃO DA
EMBARCAÇÃO/PROTÓTIPO
Com uma equipa de artesãos com muita
pratica de laminação e carpintaria, produziram-se os cascos e toda a estrutura da
embarcação. Nesta fase vemos, em tempo
real, a obra a nascer e os volumes da embarcação não deixam ninguém indiferente.
A colocação da cabine e fly foram temas
MOLDES
Após os desenvolvimentos e definições
dos desenhos técnicos em conjunto com
o cliente, entregamos todo o material aos
Engenheiros Navais que definiram os cálRevista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
· revistademarinha.com
de extrema preocupação. Era importante
que todas as peças se encaixassem entre
elas. Tivemos pleno sucesso; umas peças
produzidas na Polonia, outras em Vila Real
de Santo António, ficaram como um todo
único.
50 SL CATAMARAN
Pensado para gozar a experiência de
um passeio no mar com toda a comodidade e muito espaço. Tombadilho ou flybridge com área suficiente para um solário
generoso, um segundo posto de comando, uma área destinada à embarcação de
apoio com braço de carga, um frigorifico e
som. Convés com dois Solários de popa
duplos + 1 solário de proa triplo, uma mesa
para 12 pessoas, uma cabine com 1 posto
de comando, um WC, cozinha e uma área
de estar que se converte numa cama de
casal. Flutuadores com camarotes, WC,
arrumos e tanques de combustível.
Este catamaran, está preparado para
“aterrar” na areia, ficar a seco e depois da
nova maré, voltar para o mar, graças aos
seus dois potentes motores fora-de-borda.
Pretendemos criar com esta embarcação momentos inesquecíveis em família,
com amigos ou mesmo sozinho.
CARACTERÍSTICAS TÉCNICAS
Comprimento: 14,95 m
Boca: 5,30 m
Motorização: 2 X 300 HP outboard
2 postos de comando
* www.tomascostalima.com
[email protected]
39
83.O Ano
Lisnave - Adaptação Permanente
ao Mercado de Manutenção de Navios
á mais de 50 anos que a LISNAVE
é reconhecida globalmente como
sendo uma das melhores opções
para a manutenção e reparação de navios,
em especial os de grande porte. Com uma
localização geográfica privilegiada para os
navios que operam no Atlântico e onde são
excelentes as condições climatéricas para
a realização de trabalhos exteriores e de
tratamento de superfícies, a Lisnave opera atualmente no estaleiro da Mitrena, em
Setúbal, numa infraestrutura com cerca de
1.500.000 m2.
O estaleiro possui seis docas secas
com capacidade até deslocamentos de
700.000 tons brutas e oito cais que permitem receber qualquer tipo de navio. As
suas infraestruturas dispõem de meios de
elevação adequados para qualquer trabalho de manutenção, reparação ou conversão naval, de entre os quais se destacam
20 guindastes móveis com capacidades
de elevação até 100 tons e um pórtico de
500 tons. O estaleiro está totalmente equipado com oficinas, serviços e instalações
H
40
para a realização de todo o tipo de trabalhos necessários para a manutenção e reparação de navios.
Operando num mercado global, a Lisnave doca e repara anualmente navios pertencentes a mais de 50 clientes, oriundos
dos vários cantos do mundo, independentemente do local onde exercem normalmente a sua atividade.
Apesar das dificuldades com que o seu
setor de atividade se confronta, decorrentes do baixo nível de crescimento da economia mundial e da forte concorrência dos
estaleiros localizados em zonas de baixos
custos, e mais recentemente, da crescente
escassez de mão-de-obra especializada, a
LISNAVE continua a ser uma referência na
Europa e é um dos estaleiros de reparação
naval com mais atividade nesta região do
Atlântico.
Após um difícil exercício no ano de 2019,
a LISNAVE iniciou 2020 com bastante trabalho e boas perspetivas de ocupação, situação que, contudo, foi substancialmente
alterada após ter sido declarada a pande-
mia da COVID 19. De facto, as barreiras
impostas na travessia de fronteiras, dado
que a grande maioria dos clientes da LISNAVE são estrangeiros, levaram a que face
às inerentes dificuldades de deslocação de
pessoas, os armadores deixassem de ter
condições para poder deslocar os seus representantes e as suas equipas técnicas,
obrigando-os a cancelarem ou a adiarem
as docagens dos seus navios. A LISNAVE
não foi exceção neste processo, passando
de uma situação de ter as suas seis docas
reservadas durante todo o primeiro semestre de 2020, para uma inesperada e repentina redução de trabalho, mormente para
os períodos de maio e junho, que perspetivam um baixo nível de ocupação.
A flexibilização e diversificação da atividade têm sido fundamentais para a adaptação da empresa que, durante muitos
anos, foi referência inquestionável para a
reparação de navios transportadores de
graneis, quer sólidos quer líquidos, com
destaque para os navios tanques de grandes dimensões. Devido às mudanças veri-
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Construção & Reparação Naval
ficadas nestes seus mercados tradicionais,
a LISNAVE teve necessidade de diversificar a atividade e procurar penetrar noutras
áreas.
Um exemplo relevante, é o mercado das
dragas de grandes dimensões. A LISNAVE
empenhou esforços para melhorar o seu
conhecimento técnico e assim poder prestar um serviço na manutenção deste tipo
de navios compatível com a qualidade que
lhe é reconhecida, tendo já recebido manifestações de satisfação bastante positivas
de alguns dos principais armadores deste
mercado. A docagem de uma draga pode
revelar-se um desafio, quer pelo número
muito elevado de equipamentos que tem
a bordo, quer pelas suas próprias especificidades técnicas. A variação de carga de
trabalho inerente a este tipo de reparações
pode ter um impacto relevante na programação de atividade do Estaleiro e o facto
da LISNAVE dispor de seis docas, oferece
uma vantagem importante, pois possibilita
uma grande flexibilidade de gestão da ocupação dos meios de docagem e assim evitar atrasos no arranque de outros projetos.
Uma outra grande vantagem do Estaleiro
na reparação destes navios mais complexos é a capacidade de movimentação de
equipamento pesado com os meios de
elevação próprios, tanto nas docas como
nas oficinas.
Em 2019 a LISNAVE concluiu com êxito
o upgrade e a manutenção de nove dragas
dos clientes holandeses Boskalis e Van
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
Oord e Belgas DEME e Jan de Nul e, desde o início de 2020, já foram reparadas três
dragas da Jan de Nul, e duas da Van Oord.
Nestas últimas cinco dragas efetuaram-se
trabalhos de rotina completa e manutenção dos diferentes sistemas de dragagem,
sistemas de propulsão e direção, tratamento de superfícies (casco, equipamento,
convés, acomodações, etc.), trabalhos de
tubos e upgrading e manutenção de outros sistemas gerais.
Os navios de transporte de sumo de laranja são outro exemplo de diversificação.
Alguns armadores investiram na modificação dos seus navios para se dedicarem ao
transporte desta carga especial do Brasil
para a Europa. Os clientes “Atlanship” e
“Citrosuco” começaram a docar os seus
navios na LISNAVE com mais regularidade
desde 2016 e actualmente de forma quase exclusiva. Mais recentemente a “Louis
· revistademarinha.com
Dreyfus Company”, que opera navios
deste tipo pertencentes a outros armadores, escolheu a LISNAVE para um grande
projecto de desmobilização de três navios
do armador Gearbulk (Noruega), navios
estes que transportavam sumo de laranja de forma não exclusiva, e reinstalação
dos tanques de sumo em dois navios mais
recentes do armador Wisby Tankers (Suécia). Após conclusão do projecto, ainda em
curso no estaleiro, estes navios passarão
a ser exclusivamente transportadores de
sumo de laranja, ficando cada um deles,
equipado com quinze tanques refrigerados
de 1.500 m3 de capacidade média.
Acompanhando as exigências impostas
pela IMO e pela US Coast Guard, em particular os requesitos de âmbito ambiental
que vigoram desde 2017 e que obrigam
todos os navios que navegam em águas
internacionais a instalarem um sistema de
tratamento das águas de lastro (BWTS –
Ballast Water Treatment System), a LISNAVE já instalou cerca de 40 sistemas
deste tipo, desde 2018. Estas instalações
são um trabalho de elevado relevo técnico
e prevê-se a sua continuidade até 2024,
uma vez que a convenção estipula que
os navios são obrigados a instalarem este
sistema até aquela data, na primeira docagem que ocorra após 8 de Setembro de
2019.
Colaboração de Lisnave
– Estaleiros Navais, S.A.
41
83.O Ano
Estaleiro da Rocha Conde de Óbidos
O Presente e a História
por Miguel Trovão*
NAVALROCHA – Sociedade de
Construção e Reparação Naval S.A.
foi constituída em 1999, resultante
do Contrato de Concessão de atribuição
do uso privativo das instalações do Estaleiro da Rocha Conde de Óbidos em regime
de concessão dominial. Iniciou a atividade
de reparação naval em meados de 2000
após investimentos na recuperação da
infraestrutura existente. A atual estrutura
acionista é composta pelo Ministério da
Defesa, Grupo ETE e pela LISNAVE.
O Estaleiro da Rocha Conde de Óbidos
é uma das mais antigas infraestruturas
associadas à Indústria Naval no estuário
do Tejo e atualmente a NAVALROCHA é
o maior prestador de serviços nesta área,
patenteando a importância de o Porto de
Lisboa também poder disponibilizar aos
seus clientes os serviços de reparação
naval.
Estes últimos 20 anos de atividade são
complementares a toda uma história que
se cruza com o início da construção naval em aço do cruzador RAINHA DONA
AMÉLIA, que remonta a 1897. A atual infraestrutura e localização foi idealizada pela
A
42
P.V.L. – Parceria de Vapores Lisbonenses
em 1898, com o fim de adquirir e explorar “vapores” que pertenciam à sociedade
Francisco Burnay, Sucessores. Em 1899
foram inauguradas as atuais docas nº 1 e
nº 2 e o plano inclinado. Em 22 de junho de
1907 é celebrado o contrato de arrendamento das oficinas, docas, plano inclinado
e da central de bombagem entre a P.V.L.
e a AGPL – Administração Geral do Porto
de Lisboa, atual APL, que terminou no final
de maio de 1926. Em 1927 também foram
inauguradas as docas nº 3, nº 4, nº 5 e três
carreiras de construção.
O industrial Alfredo da Silva e, posteriormente, o Grupo CUF administraram ao
abrigo de Contratos de Concessão o Estaleiro Naval da Rocha Conde de Óbidos até
14 de dezembro de 1960, ano em que a
Concessão é trespassada para a Navalis,
passando a LISNAVE a ser oficialmente a
concessionária em 1 de janeiro de 1963 e
terminando em dezembro de 1998.
Os grandes desafios desta nova empresa colidem, por um lado, com a infraestrutura pensada para as embarcações dos
anos 30 do século passado, principalmente a relação comprimento - boca (os 22 m
de boca na Doca nº 1 são hoje desajustados ao comprimento útil disponível de
174 m) e, por outro lado, a extensão do
Contrato de Concessão por mais 5 anos
e prorrogável por igual período promulgado no início deste ano, são condicionantes
para viabilizarem o volume de investimentos necessários à total modernização da
NAVALROCHA.
Destacamos os principais equipamentos/infraestruturas da NAVALROCHA no
presente:
• Área concessionada de cerca de
45.000 m2
• Doca nº1 – Comprimento = 174 m /
Boca = 22,1 m / Calado Max = 9,1 m
• Doca nº2 – Comprimento = 110 m /
Boca = 13,1 m / Calado Max = 7,3 m
• Doca nº3 – Comprimento = 64 m /
Boca = 12 m / Calado Max = 6,4 m
• Doca nº4 – Comprimento = 48 m /
Boca = 11 m / Calado Max = 5,4 m
Construção & Reparação Naval
• Cais de Aprestamento – 140 m
• Meios de Elevação Ext. – 1 uni 15 ton
x 14 m / 1 uni 8 ton x 15 m / 2 uni 1,6 ton
x 45 m
• Meios de Elevação Oficinais – 3 uni 8
ton / 1 uni 3 ton
• Área Oficinal coberta – 2.850 m2
• Área de Armazenagem coberta –
1.060 m2
• Armazém de Deposito Temporário (Alfândega) – 2.060 m2
A Doca nº 1 tem apresentado uma taxa
de ocupação de 70 a 80%, tendencialmente em crescimento nos últimos anos,
sendo esta infraestrutura responsável por
cerca de 85% do nosso volume de vendas. As taxas de ocupação das Docas nº
2 e nº 3 tem sido nos últimos anos de 30%
e 20%, respetivamente, o que claramente demonstra o desajustamento destas
infraestruturas às novas e atuais volumetrias das embarcações comerciais e à diminuição do mercado das embarcações
com boca inferior a 12 m. Este segmento é
maioritariamente proveniente do Mercado
Nacional e, em particular, rebocadores e
embarcações de Pesca do Alto.
Esta capacidade disponível das docas
nº 2 e nº 3, podendo ainda ser complementada pela reativação da Doca nº 4,
poderá e deverá ser rentabilizada na reparação de embarcações militares evitando
assim outros investimentos a realizar pelo
Estado Português, uma vez que a principal infraestrutura de docagem da Marinha
estará ocupada nos próximos anos com a
reparação dos submarinos da classe ARPÃO ou similares. Sendo o Estado o principal acionista e comum à Marinha de Guerra Portuguesa, ao Arsenal do Alfeite e à
NAVALROCHA, parece-nos que do ponto
de vista do interesse público fará mais sentido que o investimento que estiver a ser
programado no reforço dos meios de docagem dos navios da Marinha de Guerra,
fosse reconvertido na própria manutenção
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
Um veleiro a entrar na doca nº 1, em 20 de maio
de 2020.
da frota, uma vez que as infraestruturas
já existem e estão operacionais. De notar
que apenas as fragatas e o navio reabastecedor estão condicionados à Doca nº 1,
podendo todas as outras classes serem
acomodadas nas docas nº 2, nº 3 e, eventualmente, na doca nº 4.
A NAVALROCHA realizou a reparação/
manutenção de 35 navios e embarcações
durante o ano de 2019, consolidado num
volume de faturação de cerca de 7,3 M€
superior em 20% às vendas do ano anterior e um EBITDA de cerca de 800 K€. A
repartição praticamente igualitária entre o
mercado interno e o externo em vendas foi
fortemente influenciada pela reparação do
NRP SAGRES, efetuada na Doca nº 2.
Nos últimos anos desenvolvemos a estratégia de diversificação do nosso mercado tradicional, passando também a incluir
no nosso portfólio a reparação dos navios
de cruzeiro de pequena/média dimensão,
navios estes, tendencialmente com calados
· revistademarinha.com
maiores, uma vez que temos a vantagem
competitiva de podermos oferecer docagem a navios até cerca de 9 m de calado.
Em particular, neste mercado, o facto de
podermos oferecer os serviços de reparação naval no centro da cidade, alavancado também pela marca “Lisboa está na
moda”, contribuiu como chave de sucesso
para a fidelização dos nossos clientes. Este
segmento representou cerca de 50% do
volume de vendas em 2018. Atendendo
aos ciclos de manutenção de 2 anos, antecipávamos que para o presente ano também atingiríamos percentagens de vendas
equivalente, o que não irá acontecer devido
à pandemia derivada da COVID 19. Esta
nova realidade provocou sucessivos cancelamentos das reservas de doca/reparação
nos navios de cruzeiro, e nos outros segmentos o adiamento das reparações condicionado também pela impossibilidade de
deslocações dos representantes dos armadores e dos técnicos de marca.
A busca constante de novos mercados
cujos atributos combinem com a nossa
capacidade disponível ou que possam ser
acomodados na antiga localização das
carreiras de construção, como por exemplo o segmento de reparação naval de Super/Mega Yachts, poderá contribuir para
adaptarmos o Estaleiro da Rocha Conde
de Óbidos a um “Centro de Excelência da
Reparação Naval”. Esta harmonização de
história, tradição, saber fazer, excelência
e Lisbon Fashion, só poderá ser concretizada com o prolongamento do prazo da
concessão devido ao volume dos investimentos envolvidos.
Do nosso planeamento atual, prevemos
a partir do mês de julho voltar à normalidade já sem condicionalismos de “confinamentos”, podendo assim respeitar e
valorizar a história de mais de 100 anos na
reparação e construção naval do Estaleiro
da Rocha Conde de Óbidos.
* Administrador da NAVALROCHA
43
83.O Ano
A Digitalização no Projeto
de Engenharia Naval
por José Ferreira da Cruz*
projeto de engenharia de construção naval é, desde os tempos
da expansão marítima Portuguesa, uma componente crítica no sucesso da transformação da indústria naval,
tendo em 1616 o “livro de traças de
carpintaria” do construtor naval Manoel
Fernandes sistematizado e regulado este
importante setor, tornando-se evidentemente um documento que sustentou um
dos vetores de transformação da indústria naval no seculo XVII.
Passados 400 anos sobre a publicação deste importante documento, encontramos novos desafios no exercício da
engenharia naval, sendo a digitalização
um dos grandes vetores transversais da
transformação da indústria global e, consequentemente, fundamental para a atividade da engenharia naval, seja na especialidade de projeto de construções, seja
na reparação ou reconversão de navios.
Dentro da especialidade de projeto
naval para novas construções, o conjunto de ferramentas digitais atualmente em
uso nos gabinetes de engenharia naval,
alinham completamente o caminho da
integração digital, quer na engenharia
base, quer nas consequentes especialidades que dela derivam.
O desenvolvimento de formas de
casco em conjunto com os critérios de
estabilidade que enquadram
estatutariamente o projeto, a
verificação estrutural
com recurso à simulação de cargas estáticas e dinâmicas
e, simultaneamente,
a análise hidrodinâmica dos parâmetros
funcionais do navio
são, cada vez mais,
tratados de modo
integrado nas fases
iniciais do projeto naval. Esta integração
digital das diferentes
especialidades
do
projeto base, permite
cada vez mais cedo e
mais eficientemente a
identificação pela engenharia responsável
a eficiência da engenharia no âmbito de
um processo de digitalização:
– integração de soluções de software
de trabalho 3D-2D-3D;
– integração de hardware de trabalho
de suporte ao processo digital;
– utilização do modelo 3D para controlo dimensional em estaleiro e aferição
da qualidade/apoio a inspeções de entidades reguladoras;
O
44
do projeto, dos problemas e consequentes soluções decorrentes do desenvolvimento do navio, bem como a atempada
e necessária interação com os armadores e entidades reguladoras.
Torna-se assim importante que os responsáveis e os executores de engenharia, contribuam para a construção de um
ecossistema digital onde todas as áreas
de digitalização sejam combinadas no
objetivo de criar um quadro favorável no
qual as empresas e as entidades reguladoras disponham dos recursos para
assegurar a adoção de novos modelos
de interação. Entre os vários processos
que se podem operacionalizar no sentido
de permitir a transversalidade do processo de engenharia, até a unidade naval ter
o seu registo estatutário e objetivar-se na
sua atividade comercial, identificam-se
as seguintes atividades nucleares para
A integração de soluções de software
de trabalho 3D-2D-3D, torna-se evidente pela dinâmica necessária ao rápido
desenvolvimento do projeto nas várias
especialidades nucleares, e consequente emissão de planos de engenharia representativos de diversos elementos (estrutura, sistemas, segurança), que uma
vez submetidos à avaliação e aprovação
deverão permitir uma rápida interação no
modelo 3D, e consequente revisão de
planos e documentos associados. Note-se que a atual metodologia que enquadra as boas práticas de projeto, conduz
sempre à emissão de planos em formato
clássico, seja em formatos em papel ou
suporte digital, sendo exemplo disso a
secção mestra de um navio, peça basilar
de qualquer análise preliminar de engenharia.
Por sua vez, a integração no projeto
de engenharia naval
de soluções de hardware de trabalho de
suporte ao processo
digital, leva a que pela
tipologia do produto
navio e pelas suas
dimensões, as peças
de projeto emitidas
em formato digital
tenham
dimensões
técnicas de grande
formatação, na sua
natureza
incompatíveis com as soluções de visualização
comumente usadas.
Assim, os monitores
digitais de grande dimensão, seja em posição vertical seja em
posição
horizontal
com capacidade de
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Construção & Reparação Naval
interação direta pelo utilizador tornam-se
nos tempos atuais ferramentas críticas
para a transição para o processo digital.
O terceiro vetor identificado como nuclear para a eficiência do processo de
engenharia, e como consequência do
standard já frequentemente praticado, é
a utilização do modelo 3D para controlo
dimensional em estaleiro e aferição da
qualidade/apoio a inspeções de entidades reguladoras.
Na figura acima verifica-se o controlo dimensional de um casco de um navio de pesca em construção, produzido
a partir de um modelo 3D, com recurso
a um varrimento de pontos laser integral
também em 3D, o que permitiu um total
controlo dimensional do casco e consequente identificação de uma série de
procedimentos de verificação conforme
norma IACS-47.
O modelo 3D de um navio, inclui
presentemente componentes bastante
detalhadas não só da estrutura e dos
sistemas de encanamentos e condutas, como também de equipamentos
de aprestamento, representados pelos
modelos virtuais que cada fabricante na
sua posição na fileira desta indústria vai
desenvolvendo. Se na década passada, os modelos 3D eram limitados pela
capacidade do hardware de processamento gráfico, atualmente são cada vez
mais complexos e perto da realidade em
construção. Note-se que, por exemplo,
um navio de pesca construído nos anos
80 do século passado é, na sua génese, dimensionalmente equivalente a um
navio de pesca desenvolvido em 2020
(dimensões, tipo de estrutura, sistemas),
mas os suportes de hardware dos gabinetes de projeto são em capacidade de
processamento, exponencialmente mais
capacitados, permitindo modelação 3D
cada vez mais perto do real.
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
O desenvolvimento detalhado do modelo 3D da estrutura e dos sistemas de
encanamentos do navio, permite que a
engenharia disponibilize para a produção
em estaleiro quase todas as peças de
corte e planos de montagem com uma
assinalável precisão de montagem, com
integração sucessiva de equipamentos
que interagem com a estrutura do navio.
A sistematização industrial destes processos conduz no final de obra a um modelo 3D, que hoje têm pouca ou nenhuma utilização no seguimento da vida do
navio, seja no processo de gestão estatutária do mesmo, seja na gestão técnica
e operacional do armador.
Assim, no seguimento das três primeiras atividades nucleares identificadas no
âmbito de um processo de digitalização
da atividade de engenharia, surgem no
início da vida do navio, mais duas oportunidades muito importantes:
– utilização do modelo 3D para o ciclo
de vida do navio;
– utilização do modelo 3D de navios
em serviço para operações de retrofitting;
A utilização de um modelo 3D, resultante de um processo construtivo permitirá com bastante proximidade temporal,
a gestão integral do ciclo de vida do navio real, seguido pelo seu gémeo digital
(digital twin). Atualmente, todas as sociedades classificadoras IACS(1) estão a
iniciar a estruturação de regras, métodos
e processos que permitam o seguimento
em modelo virtual de todas as inspeções,
modificações e alterações a que um navio é sujeito durante o seu ciclo de vida.
Este procedimento está relacionado com
a construção virtual 3D que ocorreu durante o período da construção da unidade, mas dando seguimento e continuidade aos modelos de projeto e produção
que são desenvolvidos, evidentemente
gerados na sua origem com metodologias preparadas para este objetivo.
Num futuro que se entende próximo,
todas as sociedades classificadoras e
uma parte significativa dos Estados de
bandeira convencional, na figura das respetivas autoridades marítimas nacionais,
integrarão nas suas estruturas inspetivas, modelos digitais gémeos dos navios
em serviço, geridos por poderosas bases
· revistademarinha.com
de dados gráficas convencionais que,
a qualquer instante permitem a verificação e consulta de elementos estruturais,
equipamentos em manutenção e em
reparação, registo de alterações estatutárias, implementando um ecossistema
digital. Este circuito do navio digital, é
evidentemente fechado pelo próprio armador, que é o primeiro responsável por
manter em serviço e atualizado o gémeo
digital da sua unidade operativa, sendo
este modelo virtual atualizado automaticamente pelo seu navio real, e em tempo
real, gerido pelo armador e consultado/
intervencionado estatutariamente pelas
entidades reguladoras sempre que as
inspeções e vistorias de bandeira e de
classe assim o obriguem.
Por último, a utilização do modelo 3D
de navios em serviço para operações de
retrofitting, permite que haja uma muito
maior eficiência e precisão na indústria
de reparação naval. Operações de levantamento de formas para execução de
cálculos de estabilidade, operações de
jumboizing, e reparação de cascos danificados por colisões, são exemplos práticos onde processos digitais podem ser
aplicados no dia a dia da indústria naval.
A mesma tecnologia, quando aplicada no
interior do navio, como por exemplo na
alteração de uma máquina principal com
a consequente alteração da estrutura e
de todos os sistemas de encanamentos
e condutas ligados a este equipamento
(refrigeração, combustível, escape), permitem que antecipadamente e com muito maior eficiência se prepare todo o processo de engenharia com o navio ainda
em serviço, minimizando assim custos
operacionais e tempo de reparação. Estes métodos, comuns em operações de
retrofitting de navios de grandes dimensões, estão a tornar-se cada vez mais
comuns, contribuindo para a total integração da digitalização na generalidade
do setor da engenharia naval.
* Diretor da OneOcean-Engenharia
e Arquitectura Naval, Lda.
Engenheiro Naval (IST)
NOTA:
(1) IACS – International Association of Classification Societies; presentemente integra 12
das principais Sociedades Classificadoras
45
83.O Ano
Aplicação da Construção Aditiva 3D
em Construção, Manutenção
e Reparação de Navios
por Mário Carvalho Tiago*
impressão 3D é um assunto cada vez
mais na ordem do dia. Aos poucos
vamo-nos habituando a ver notícias
relacionadas com este tema nos meios de
comunicação social. Mais recentemente fomos inundados de publicações nas redes
sociais com viseiras para proteção contra
a COVID 19 feitas em impressoras 3D caseiras. Mas afinal do que se trata quando
falamos em impressão 3D?
Na realidade o termo técnico mais correto seria Construção Aditiva (Additive Manufacturing). Por construção aditiva podemos considerar o processo através do qual
informação digital em 3D de um objeto é
utilizada para a construção desse mesmo
objeto, através da deposição de material,
normalmente camada após camada. Contudo, o termo impressão 3D ganhou tanta
popularidade que passaremos a utilizá-lo
como sinónimo de construção aditiva.
A
AS TECNOLOGIAS
Existem várias tecnologias disponíveis
para a impressão 3D, enumerando-se de
seguida as principais:
• Extrusão de Material, conhecida pelo
acrónimo FDM (Fused Deposition Modeling). É uma tecnologia muito versátil quanto aos materiais que podem ser utilizados,
normalmente um polímero, mas o mais importante é que esse polímero pode formar
uma matriz com aditivos que vão desde a
madeira à fibra de carbono passando pelos
metais. É a tecnologia mais disseminada e
uma das mais acessíveis.
• Polimerização de Resina, produz peças em plástico com excelente acabamento
final.
• Fusão ou Sinterização, ideal para produção em metal com alta precisão. Também pode ser utilizado plástico.
• Jato de Polímero, sempre que se pretenda elevada fiabilidade face a um original,
incluindo milhões de cores na mesma peça.
• Binder Jetting, produz peças em metal ou plástico, em grandes lotes.
• Directed Energy Deposition, para peças em metal sem grandes constrangimentos relativos à dimensão.
46
Lancha L-150 pormenorizada, impressa à escala 1:25.
• Shet Lamination, permite uma grande
abrangência de materiais, que podem ir do
papel até à fibra de carbono.
• Metal Cold Spray, ideal para peças
metálicas de grandes dimensões sem os
respetivos problemas de gestão de temperaturas por não ser um processo de fusão
ou soldadura.
VANTAGENS
Quais são as vantagens deste processo
de fabricação em relação aos tradicionais?
Talvez a primeira utilidade a ser encontrada para a impressão 3D tenha sido a prototipagem rápida. A impressão 3D permite
que se construam protótipos a um custo e
a um ritmo impossível de atingir por outras
tecnologias. Torna-se possível realizar um
grande número de iterações, o que por sua
vez agiliza a descoberta de uma solução
ótima.
Utensílios e ferramentas à medida podem ser impressos sem os custos associados à produção em massa. Moldes para
pequenas séries tornam-se exequíveis.
Templates para linhas de montagem podem ser fabricados on demand na própria
fábrica. Permite também a melhoria do
desempenho através da otimização da forma das peças, colocando material apenas
onde ele é necessário, sem, no entanto,
afetar a resistência da peça. A impressão
3D permite a inclusão de estruturas internas quase impossíveis de alcançar através
dos métodos de fabricação convencionais.
A título de exemplo a inclusão de canais
de refrigeração otimizados dentro de uma
fresa. E a possibilidade de consolidar um
sistema constituído por várias peças numa
única peça.
A impressão 3D escancarou as portas à
customização e personalização de produtos. Ambas gravitam à volta da produção
de modelos únicos, utilizando processos
manuais e artesãos experientes. Não admira, portanto, que a impressão 3D esteja
a tomar de assalto estas atividades. A impressão 3D é também altamente disruptiva
quanto às cadeias de fornecimento, gestão
de stocks e deslocalização de produção.
Permite que a produção seja realizada onde
e quando for necessária, aliviando muito a
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Construção & Reparação Naval
cadeia logística. Enumera-se ainda mais
uma vantagem: a produção de peças descontinuadas que possam ser produzidas
com recurso à impressão 3D.
IMPRESSÃO 3D
NA ATIVIDADE MARÍTIMA
As empresas ligadas à atividade marítima
bem como as Marinhas Militares não têm
andado afastadas das vantagens da impressão 3D. São já alguns os bons exemplos da sua adoção.
Os estaleiros da DAMEN criaram com
sucesso um hélice construído inteiramente
em 3D numa liga de níquel-alumínio-bronze
(WAAMpeller), destinado a equipar rebocadores, e que se encontra já certificado.
A empresa Thermwood (EUA) fabricou
um contramolde de um casco (Hull Pattern)
com 1.400 Kg, para uma lancha.
A Universidade do Maine (EUA) produziu uma lancha em plástico com 7,5 m de
comprimento e 2,3 tons de peso. Neste
caso, estamos mais perante uma prova de
conceito daquilo que pode ser alcançado,
do que propriamente de um produto comercial.
A Marinha dos Estados Unidos da América conta já com vários projetos interessantes, desde experiências que visam a
produção de peças a bordo dos navios, à
produção de peças descontinuadas. Mas
um dos exemplos mais curiosos foi a fabricação de um minissubmarino (OMTD) em
plástico com 10 m de comprimento, destinado à inserção de Navy Seals. Também
os fuzileiros americanos se fazem acompanhar por um contentor que alberga diversas
impressoras. Sempre que no terreno algo
se danifica, sendo possível, substitui-se por
uma peça impressa, aumentando significativamente a taxa de operacionalidade.
Recentemente a Marinha Australiana
anunciou que irá utilizar a tecnologia Metal
Cold Spray para proceder à reparação dos
seus submarinos da classe Collins.
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
Peças do sistema ventilação da Lancha L-150,
impressas em 3D no Arsenal do Alfeite.
É de referir ainda a Célula de Experimentação Operacional de Veículos Não Tripulados (CEOV) da Marinha Portuguesa, que
conta com a tecnologia de impressão 3D
para a realização dos seus protótipos.
ARSENAL DO ALFEITE S.A. NO
CAMPO DA CONSTRUÇÃO ADITIVA
Em junho de 2019 foi decidido implementar a Construção Aditiva na Arsenal
do Alfeite S.A., tendo-me sido atribuída a
responsabilidade de dar resposta às solicitações para a área de impressão 3D que já
existem, bem como difundir na estrutura interna do Estaleiro e junto do nosso principal
cliente, a Marinha Portuguesa, as potencialidades desta tecnologia.
A maior parte dos trabalhos realizados
consistem na produção de peças descontinuadas. Enganam-se os que pensam que
este tipo de problema não se coloca em
navios mais recentes. Se um determinado
fabricante resolve extinguir a produção de
um sistema, passados poucos anos deixa
de haver sobressalentes no mercado. A
Marinha já não tem de ficar perante a difícil
decisão de substituir um sistema de milhares de euros por um novo, apenas porque
um interruptor se partiu. Mesmo quando
ainda existem originais no mercado, após
as competentes análises de custo / benefício, tem-se optado nalguns casos pela fa-
· revistademarinha.com
bricação em 3D, com vantagens ao nível de
preço e prazo de entrega.
Contamos entregar brevemente a primeira embarcação salva-vidas L-150,
encomendada pela Autoridade Marítima.
Esta embarcação conta já de raiz com diversas peças originais impressas em 3D e
que são projeto do estaleiro. A impressão
do modelo da lancha L-150 à escala 1:25,
recorrendo a filamentos de diferentes cores,
permitiu identificar processos utilizados na
1.ª construção que estão a ser melhorados
com vantagens significativas na construção
da 2.ª lancha.
De referir também o papel que a AA, S.A.
pode desempenhar no campo da prototipagem e investigação. Já foram levadas a
cabo algumas experiências com materiais
impressos com capacidades de absorção
de emissões radar, vulgarmente conhecidos por RAM (Radar Absorbing Material).
Uma das utilidades mais imediatas seria a
construção de drones com características
militares.
Para finalizar este artigo é de realçar que
esta tecnologia tem como maior qualidade
o facto de ser uma niveladora por excelência, colocando os pequenos ao nível dos
grandes. Quantas vezes compramos “lá
fora” com a desculpa (verdadeira) de que
o nosso mercado interno não tem dimensão para produzirmos de forma eficiente.
Mas já não tem de ser assim, e ao internalizarmos a produção, geramos postos de
trabalho especializado, acumulamos know-how e mantemos os recursos financeiros
cá dentro. A Marinha Portuguesa, a mais
antiga do Mundo, outrora dominou os mares. Esse domínio foi baseado em arrojo e
liderança tecnológica, não na dimensão do
nosso mercado interno que sempre foi minúsculo. Voltamos 800 anos depois a ter a
oportunidade de voltar ao grupo da frente, e
desta vez não há boas desculpas para não
o fazer!
* Técnico Superior da área
da construção aditiva
Arsenal do Alfeite, S.A.
47
83.O Ano
O mid-life upgrade das fragatas da
classe BARTOLOMEU DIAS
por António Rodrigues Mateus*
ara a concretização do mid-life
upgrade (MLU) foi assinado um
acordo entre o Ministro da Defesa
do Reino dos Países Baixos, o Ministro da
Defesa da Bélgica e o Ministro da Defesa
de Portugal, numa perspetiva de benefício
de efeito de escala e partilha de custos
idênticos (a Bélgica e os Países Baixos
têm a decorrer um programa de modernização similar ao Português) efetuado ao
abrigo do definido no Memorandum de
Entendimento entre os Países que operam estes meios (M-class Frigate Users –
MFG MoU), vigente desde 2009, e que se
tem pautado como um caso de sucesso
internacional de uma organização cooperativa multinacional de Pooling & Sharing,
com vertentes de abrangência que não
detém par em organizações similares.
Neste caso, salienta-se um programa de
modernização, extenso e complexo, cujo
desenvolvimento, gestão e participação
multinacional assegura a sua racionalidade económica e técnica, bem como o
subsequente estabelecimento de uma estrutura de sustentabilidade para os navios,
na sua configuração pós modernização.
Neste enquadramento o primeiro navio, o NRP BARTOLOMEU DIAS, iniciou
no primeiro trimestre de 2018, ainda na
Base Naval (Lisboa), um exigente programa, despoletando uma fase de prepara-
P
Navio na doca seca da DAMEN Shiprepair Vlissingen, em plenos fabricos.
tivos onde decorreu a desmontagem de
diversos sistemas de bordo que serão
substituídos ou modernizados, tais como,
sistema de gestão de combate, sistema
integrado de comunicações, sonar passi-
vo rebocado e sistema de guerra eletrónica.
Esta modernização permitirá ao navio,
para além de estender o tempo de permanência no efetivo da Marinha Portuguesa,
atualizar as suas capacidades de atuação
e resposta para que possa ser empenhado
num leque abrangente de missões, combatentes e não combatentes, no âmbito
estratégico nacional e internacional, no
emprego conjunto e combinado e, sucesNavio no DMI em Den Helder,
na fase de STW dos sistemas.
48
Construção & Reparação Naval
sivamente, garantir através da sua flexibilidade, versatilidade e resiliência, e também
fiabilidade acrescida, o empenhamento
operacional nos diversos compromissos
assumidos por Portugal.
Posteriormente, a fragata BARTOLOMEU DIAS iniciou o programa de modernização (designado por midlife upgrade
– MLU) no mês de maio do ano de 2018,
no Directie Materiele Instandhouding, o
estaleiro da Marinha Holandesa, localizado
na Base Naval de Den Helder, nos Países
Baixos. Este programa tem como objetivo
estender a vida útil dos navios até 2035,
reduzindo a sua obsolescência técnica e
logística, bem como proceder à atualização e edificação das valências necessárias de forma a cumprir com os requisitos
operacionais nacionais, bem como os decorrentes dos compromissos para com as
organizações das quais Portugal é membro, como é o caso da OTAN e da União
Europeia.
Na Base Naval de Den Helder, sob a
égide do Royal Netherlands Navy Directorate of Material Sustainment – DMI, do
Ministério da Defesa dos Países Baixos,
iniciaram-se os trabalhos de desmontagem e desembarque de sensores, armas
e outros equipamentos que serão objeto
de manutenção aprofundada, bem como
da sua cablagem de interligação e alimentação (foram retirados de bordo aproximadamente 1.700 cabos, correspondentes
a cerca de 35 km de cablagem) a serem
posteriormente substituídos, e a docagem, esta última para efetuar a instalação
do novo mastro (onde serão instalados os
novos sistemas eletro-óticos e de guerra
eletrónica) e a beneficiação das áreas das
obras vivas que não foram tratadas na última docagem.
Terminada esta fase do MLU, o navio
foi rebocado, enquanto plataforma desativada, em fevereiro de 2019, para o estaleiro Damen Shiprepair & Conversion(1),
localizado no sul dos Países Baixos, na
cidade de Vlissingen. Neste estaleiro de-
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
Desmontagem de bordo da peça Oto Melara Compact Gun 76 mm, no DMI em Den Helder, Países
Baixos.
correram um conjunto de trabalhos no
âmbito da manutenção e reparação dos
sistemas da plataforma (estruturas, propulsão, distribuição de energia, sistemas
auxiliares e de governo), tratamento e
pintura das estruturas interiores e exteriores, e sobretudo a preparação para a
integração dos novos sistemas de bordo,
seja fisicamente, seja em termos de integração de sinal (ótico e elétrico) pela passagem e pelas ligações de toda a nova
cablagem necessária à integração dos
· revistademarinha.com
diversos sistemas (foram passados cerca
de 2.750 cabos novos, com uma extensão total de mais de 55 km) e a preparação dos espaços, e elementos estruturais
necessários para a instalação dos novos
sistemas.
Terminada esta fase, o navio regressou
à Base Naval de Den Helder, de forma a
proceder à instalação, integração e testes
de aceitação dos novos sistemas.
Neste momento, o NRP BARTOLOMEU
DIAS encontra-se no DMI em Den Helder,
49
83.O Ano
O novo Sistema de Gestão da Plataforma, em testes STW.
em plena fase de Setting-To-Work (STW)
da totalidade dos sistemas, sejam os originais, sejam os novos sistemas. Nesta
fase, procede-se ao estabelecimento dos
sistemas, verificação das suas condições
de funcionamento e integração inicial para
provas individuais.
Após a conclusão do STW, estão subsequentemente previstas as fases de integração de Hardware-Software, e finalmente as provas de receção a cais, e a
navegar.
O segundo navio da classe, o NRP D.
FRANCISCO DE ALMEIDA, iniciou o processo de modernização em fevereiro de
2020, estado presentemente a terminar a
fase de trabalhos e desmontagens preliminares no Arsenal do Alfeite, iniciando os
trabalhos nos Países Baixos em julho.
Com a modernização de meia-vida das
fragatas da classe BARTOLOMEU DIAS,
a Marinha garante, assim, a sustentação
da capacidade oceânica de superfície, da
50
componente naval do Sistema de Forças,
até 2035, contribuindo inequivocamente
para a concretização da sua Missão, isto
é, “CONTRIBUIR PARA QUE PORTUGAL
USE O MAR”, na medida dos seus interesses.
* Gestor do Programa de Upgrade
das Fragatas da Marinha
C.m.g.ECN
[email protected]
NOTA:
(1) Estaleiro original designado por Schelde
Naval Shipbuilding, local onde o HNLMS VAN
NES foi construido (nome original do atual
NRP BARTOLOMEU DIAS; esteve ao serviço
da Marinha Holandesa entre 1994 e 2008) entre 1990 e 1994. Em 16 de janeiro de 2009, após
um programa de transferência, aquela unidade foi formalmente integrada no dispositivo da
Marinha Portuguesa.
Construção & Reparação Naval
Reciclagem de Navios
por Victor Gonçalves de Brito*
INTRODUÇÃO
60% of vessels scrapped in 2019 were younger than 26 years old
80
40
Average scrapped age >>
Million dwt
60
27
26
23
24
26
27
30
40
20
20
10
0
0
2006
2007
2008
2009
Below 20 years old
OS PROCEDIMENTOS
DE RECICLAGEM DE NAVIOS
26
Average age of scrapped vessels
A reciclagem é o processo que visa
transformar materiais cuja utilização deixou de interessar em novos produtos,
com vista à sua reutilização. Em regra, em
equipamentos complexos, inclui a preparação inicial para remoção preliminar de
componentes diversas, matérias perigosas
e resíduos, seguida do desmantelamento
(separação física de parcelas estruturais) e
terminando com a separação e acondicionamento dos materiais de natureza diversa
para serem encaminhados para processos
de valorização e reutilização com os cuidados estabelecidos nas normas de controlo
ambiental em vigor no país.
2010
2011
2012
20-25 years old
2013
2014
2015
2016
25-30 years old
2017
2018
2019
30+ years old
Sources: Clarkson, Danish Ship Finance
Figura 1. – Idade média dos navios demolidos anualmente, 2006/2019
Os navios, no final da sua vida útil, após
cumprirem a função para que foram concebidos e construídos, ainda podem ter uma
“segunda vida” em actividades de interesse económico, cultural ou lúdico. Contudo,
na generalidade dos casos, finda a citada
vida útil, os navios são, desde há muito,
reciclados com um aproveitamento de material bastante significativo. Deve referir-se
que a duração da vida útil é variável, sendo
função de vários factores designadamente
a natureza da actividade, as dimensões, as
condições de mercado e alterações complexas, impostas por convenções. A fig. 1
apresenta a idade média dos navios do comércio internacional abatidos e reciclados
nos últimos 14 anos.
Na generalidade dos casos, os navios
serão sujeitos a um processo de desmantelamento que incluirá a remoção de
líquidos, detritos e matérias perigosas (incluindo amianto, sobretudo em navios anteriores à década de 80 do século passado
e PCB - bifenilos policlorados), a desmontagem de estruturas secundárias, componentes e equipamentos que constituem o
seu apetrechamento – habitabilidade e funções técnicas; segue-se a desmontagem
de cablagem, condutas e encanamentos,
a par do desmantelamento estrutural segundo um plano sequencial que conjuga a
segurança das operações e dos operadores com a produtividade e a racionalidade
industrial. Parte das operações podem ser
feitas com o navio a flutuar, mas outras exigem condições específicas em terra firme,
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
garantindo que não existe contaminação
de solos. Enquanto pequenas embarcações em processo de desmantelamento
poderão ser transferidas para terrapleno
com meios de elevação correntes, nos navios com maiores dimensões, na fase de
desmantelamento do casco, há que recorrer a docas secas, rampas ou plataformas
elevatórias. Todas as operações técnicas
incluídas no desmantelamento requerem
mão de obra intensiva, são de risco elevado, exigem planeamento, sequenciação e competências próprias, medidas
de prevenção contra incêndios, explosões
e emanação de gases tóxicos, meios de
elevação e movimentação, andaimes, corte térmico e mecânico, aparelhos de força,
etc. Todas estas capacidades industriais
necessárias ao desmantelamento residem
nos estaleiros navais, designadamente de
construção, ou onde se executem reparações de danos estruturais significativos;
contudo o desmantelamento, devido à
separação e desagregação de materiais
de revestimento e de isolamento fixado
às estruturas e à remoção de camadas de
pintura, exigirá meios de contenção de detritos e poeiras e de separação de águas
contaminadas específicos desta actividade, recomendando áreas e condições dedicadas.
As operações que se seguem ao desmantelamento constituem negócios diferentes, envolvendo o condicionamento
dos resíduos e da sucata e a comerciali-
· revistademarinha.com
zação de material usado, portanto alheios
à actividade nuclear dos estaleiros de
construção ou de reparação naval. Deve-se salientar que o interesse económico da
indústria de desmantelamento de navios
está também dependente da procura dos
materiais reciclados, em particular do aço.
Tratando-se de matéria pesada e volumosa, o custo do transporte será sempre um
desincentivador da implantação em áreas
geográficas onde não exista significativa
produção de aço nas proximidades. Deve
salientar-se que o aço de construção naval, graças às suas características mecânicas e aptidão para a soldadura, tem
grande valor para reciclagem, já que é
aplicável em construção metálica. A sucata de aço é a matéria-prima do fabrico de
aço pelo método do forno eléctrico, muito favorável relativamente ao processo do
alto forno (carregado com minério de ferro
e de carvão), por razões de menor custo
energético por tonelada de aço produzido
e de redução de emissões de dióxido de
carbono. Estima-se que cerca de 50% do
aço estrutural produzido em forno eléctrico
provém de aço reciclado dos navios, constituindo um exemplo bem vincado do conceito de economia circular. Em acréscimo,
nos países asiáticos mais representativos
no desmantelamento de navios, é prática
proceder-se ou à utilização directa ou à
“relaminagem” de parte do aço para fabrico de varão e outros perfis, evitando assim
os custos energéticos inerentes à fusão.
51
Desmantelamento de navios 2014/2018
83.O Ano
12 000
10 000
A ECONOMIA E A
REGULAMENTAÇÃO
INTERNACIONAL DA RECICLAGEM
Embora nas pequenas embarcações o
retorno financeiro dos materiais recicláveis
seja em regra reduzido, no equipamento
offshore e nos grandes navios da marinha
de comércio internacional – graneleiros,
navios tanque, porta contentores, etc., os
montantes envolvidos, fixados a partir do
preço por tonelada de deslocamento leve,
são significativos, sobretudo quando a
procura mundial do aço está em alta e faz
crescer o preço da sucata. Situações existiram recentemente onde navios graneleiros com pouco mais de uma dezena de
anos foram desmantelados como alternativa a perspectivas de quebras nos preços
do frete, ou por outras razões de mercado. A fig. 2 e a tabela 1 indicam a distribuição geográfica dos desmantelamentos
de navios em arqueação bruta e respectiva
distribuição por tipos de navio. Na tabela
2 está registado o nº de navios desmantelados de 2005 a 2017, salientando-se o
aumento ocorrido nos anos da crise financeira iniciada em 2007.
No 1º semestre de 2019 foi registado
o desmantelamento de 326 navios, dos
quais 299 na Ásia. Destes últimos, 71
pertenciam a armadores estabelecidos na
UE e Noruega, ainda que com os navios
registados em bandeiras fora da UE. Em
141 destes navios desmantelados ocorreu
transferência do país de registo na viagem
de destino para o local de demolição. No
total de 2019 foram vendidos para desmantelamento 674 navios sendo: Bangladesh - 236, Índia - 200, Paquistão - 35,
Turquia - 103, China - 29, União Europeia
- 29 e restantes países 40.
Como referido, a decisão de desmantelamento de navios é parte integrante do
negócio do shipping. A valorização dos
navios destinados ao desmantelamento
8 000
6 000
4 000
2 000
0
2014
2015
Bangladesh
2016
India
Pakistan
China
Figura 2. – Distribuição de países com maior quota no desmantelamento de navio, 2014/2018.
e consequente reciclagem, é substancialmente mais elevada na Índia, Bangladesh
e Paquistão. A quota de mercado mundial
destes 3 países juntamente com a China,
atinge 90% em arqueação. Mais próximo da
Europa, a Turquia também tem uma quota
elevada (cerca de 6%) no negócio de desmantelamento de navios. Os países citados
têm interesse estratégico na obtenção de
equipamentos marítimos usados e de aço
reciclado para as suas próprias indústrias,
pagando preços relativamente mais elevados, face às outras geografias. Da forte
concorrência e da falta de respeito pelo ambiente e pela saúde dos trabalhadores envolvidos resulta que nos 3 países asiáticos
referidos, parte da actividade é praticada
em praias, contaminando fundos e águas
marítimas e sem as mínimas condições de
higiene e segurança do trabalho, além de
praticarem salários muito baixos. Assim, a
despeito da pressão internacional, designadamente por parte da União Europeia e
de ONG’s que se concentram neste tema,
os armadores, mesmo alguns de referência,
mantêm navios em registos não europeus e
concretizam a venda para desmantelamento a negociantes (Cash Buyers)4 que enca-
India
Pakistan
Turkey
China
Word total
Perc. (%)
Oil tankers
5989
1946
2824
66
17
10884
59,5
Bulk carriers
1115
465
829
18
53
2495
13,6
General cargo ships
127
149
57
65
5
405
2,2
Container ships
620
402
38
54
152
1284
7,0
Gas carriers
347
455
48
3
97
951
5,2
Chemical tankers
43
167
28
28
2
268
1,5
offshore vessels
181
581
72
143
30
1156
6,3
–
171
–
14
–
185
1,0
Other
210
353
47
29
5
673
3,7
Total
8632
4690
3943
418
359
18300,9
100,0
Percentage
47,2
25,6
21,5
2,3
2,0
100
Tabela 1. – Tonelagem de arqueação vendida para desmantelamento em 2018 – tipos de navio e
locai de desmantelamento. Source: Clarksons Research. Notes: Propelled seagoing vessels of 100
gross tons and above. Estimates for all countries available at http://stats.unctad.org/chipscrapping.
52
Turkey
2018
Sources: UNCTAD, Review of Maritime Transport, various issues,
based on data from Claksons Research.
Bangladesh
Ferries/passenger ships
2017
minham os navios para os citados países.
Têm existido casos de navios com registo
em países europeus que, quando é decidida a venda para desmantelamento, acabam por ser transferidos, durante a última
viagem, para registos em bandeiras menos
“exigentes”, contornando o Regulamento
(CE) nº 1013/2006 de 14 de Junho de 2006
(proibição de exportação de resíduos perigosos para países não membros da OCDE)
e o Regulamento (CE) nº 1257/2013 de Reciclagem de Navios (UE SRR), adoptado em
20 de Novembro de 2013 e em vigor desde
31 de Dezembro de 2018, que estabelece
requisitos específicos para os navios com
registo em países da EU, obrigando, entre
outras exigências, que os navios sejam desmantelados em instalações/estaleiros incluídas na Lista Europeia de Instalações de
Reciclagem de Navios que presentemente
inclui 30 estaleiros ou instalações específicas europeias (em Portugal, a Navalria),
além de 3 da Turquia e um nos EUA.
A partir do final do corrente ano de 2020,
o âmbito da acção da UE reforça-se, pois,
todos os navios com registo em países da
UE devem possuir um certificado IHM (Inventory Hazardous Material/Inventário de
Materiais Perigosos) e o mesmo será exigido aos navios de outros registos que pratiquem portos de países da UE. Os requisitos e medidas previstas no Regulamento
UE SRR são sujeitos ao Controlo do Estado
do Porto e às inspecções do país de registo. As iniciativas da União Europeia, sendo
positivas, têm sempre a condicionante de
não se aplicarem ao resto do mundo, encarecendo as taxas dos fretes que envolvam
portos europeus, dificultando a concorrência dos armadores com navios registados
nos países da UE e contribuindo para a fuga
para outros registos internacionais menos
exigentes.
Desde a Convenção de Basel (1989),
os condicionamentos ambientais e sanitários do desmantelamento de navios têm
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
sido objecto de preocupação por parte de
entidades políticas e de organizações da
sociedade civil; esta primeira convenção
pretendia regular os fluxos transfronteiriços
dos resíduos perigosos e sua deposição;
a sua aplicação no caso dos navios não
foi eficaz por dificuldades na definição do
momento em que o navio deixa de o ser
passando a ser “resíduo”. Outras normas
internacionais, recomendações e códigos
de procedimento foram sendo aprovadas e difundidas, bem como outras Convenções internacionais; os resultados em
matéria de concorrência, prevenção de
danos ambientais e de salvaguarda das
mais elementares normas de protecção
de trabalhadores não têm sido satisfatórios, precisamente devido ao carácter eminentemente internacional do shipping. A
aprovação da Convenção de Hong Kong,
de 2009 (HKC), criou grande expectativa,
sendo considerada a principal peça vinculativa global para regularizar a situação do
desmantelamento de navios; infelizmente,
ainda não é aplicada, devido aos respectivos pressupostos de entrada em vigor serem de difícil satisfação. O regulamento UE
SRR baseou-se na HKC.
CONCLUSÃO
Todos os países com actividade marítima devem considerar e regulamentar a
existência de instalações certificadas para
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
YEAR
NUMBER OF SHIPS DEMOLITIONS
2005
326
2006
424
2007
421
2008
563
2009
1372
2010
1236
2011
1499
2012
1674
2013
1388
2014
1154
2015
884
2016
992
SEP. 2017
628
Tabela 2. – Quantidade de navios desmantelados entre 2005 e 2017. Source: based on Clakson Wolds Fleet Register, 2017.
a reciclagem de navios e embarcações.
Existe alguma afinidade com a localização
dos meios e as técnicas usadas em estaleiros de construção ou de reparação naval.
A realização simultânea dessas actividades
não é aconselhável, designadamente devido à natureza e volume dos resíduos, poeiras e ruído produzidos no desmantelamento. De qualquer forma, os meios existentes
nos estaleiros navais para docagem, meios
de elevação e outro equipamento industrial,
podem ter utilidade no desmantelamento
numa perspectiva de rentabilidade de instalações quando não estão a ser ocupadas.
A decisão de implantar uma indústria de
reciclagem de navios, nomeadamente na
perspectiva de passar a existir um mercado na Europa, terá de ser cuidadosamente
ponderada, na óptica da procura pelos fabricantes de aços e de outros materiais me-
· revistademarinha.com
Construção & Reparação Naval
tálicos não ferrosos, tendo em vista quer a
qualidade quer a quantidade dos materiais
reciclados originários dos navios, nas formas e dimensões em que se apresentam.
Particularmente sensível face às condições em que o desmantelamento pode vir
a ser realizado, é o processo de alienação
e destino de navios de Estado abatidos à
actividade, em particular de navios militares. Num passado recente alguns casos
em diversos países originaram celeuma e
acabaram por obrigar à revogação de decisões tomadas quanto ao destino de desmantelamento e condições de realização
do mesmo.
*
[email protected]
OBSERVAÇÃO:
O autor não segue o novo A.O.
NOTAS:
(1) O Decreto-Lei n.º 265/72 – Regulamento
Geral das Capitanias, usa ambos os termos:
demolição ou desmantelamento; na gíria do armamento internacional usa-se habitualmente o
termo scrapping.
(2) Navios acima de 1.000 GT.
(3) A China, igualmente com grande actividade
de reciclagem, desde há cerca de 2 anos passou a proibir a importação de navios em fim de
vida, cingindo-se agora ao mercado interno.
(4) Cash Buyer é um interveniente habitual no
processo de alienação de um navio para desmantelamento que adquire o navio ao armador
e o vende à empresa que realiza o desmantelamento.
53
83.O Ano
O Mar no futuro de Portugal
Os 10 anos do Hypercluster da Economia do Mar
por José Poças Esteves*
O MAR COMO UM DOMÍNIO
ESTRATÉGICO PARA PORTUGAL
Um país forte necessita de uma economia forte. Não há um Portugal forte sem
uma economia forte e bem posicionada no
quadro da economia internacional globalizada e com um papel nos fluxos económicos e nas relações políticas internacionais.
A economia portuguesa vivia, na primeira
década deste século, e sobretudo no seu final, uma situação económica de crise continuada. Ao contrário do que seria de esperar
com a integração, a economia portuguesa
afastava-se das taxas médias de
crescimento da União Europeia.
Uma economia sem crescimento
acaba por definhar e empobrecer,
perdendo (qualquer que ele seja)
o seu papel nas relações económicas e políticas internacionais.
Havia, pois, uma necessidade
urgente de descontinuar a situação e reconfigurar os processos
de desenvolvimento da economia portuguesa. O processo de
globalização criava uma oportunidade histórica para essa reconfiguração, com uma dinâmica
acelerada no sentido de novos
modelos económicos, novos fatores de competitividade e, portanto, a necessidade de novos
recursos, nomeadamente endógenos e novas condições competitivas.
Foi neste quadro de mudança
que a SaeR, à data liderada pelo Professor
Ernâni Lopes, concebeu e desenvolveu um
conjunto de novos domínios estratégicos
para Portugal, com potencial para criar a
reconfiguração necessária e os novos modelos de desenvolvimento para a economia
portuguesa.
Essa necessidade de reconfiguração
obrigou à criação de novas dinâmicas e novos domínios com forte potencial estratégico, entre os quais foram definidas políticas
e estratégias concretas de desenvolvimento
para o Turismo, os Serviços de Valor Acrescentado (como a Saúde e o Ambiente, entre
outros), as Cidades, como um instrumento
fundamental na transformação, e, sobretudo, o Mar, como o grande recurso estratégico nacional e o único que, encarado numa
54
visão holística e, portanto, não fragmentada, tinha todas as condições de inovação
e dimensão para servir de motor e impulsionador da transformação da economia
portuguesa e que permitiria a afirmação da
economia e de Portugal no mundo.
Este processo de reflexão sobre a importância do mar para Portugal teve um primeiro arranque na altura da Expo 98, com
a elaboração de uma “Estratégia para os
Oceanos”, mas teve a sua génese fundamental no seio da AORN - Associação de
Oficiais da Reserva Naval, a partir de 2003
e com a organização de um conjunto de
no, pobre e periférico e passa a ser um dos
países com maior território nacional (nomeadamente marítimo), central com posição geoestratégica relevante no Atlântico e
com os elevados recursos estratégicos que
advêm da superfície e do fundo do seu mar.
O mar constitui, de facto, a “nova fronteira” do conhecimento e dos recursos
para as “economias do futuro”. Embora o
ponto de partida seja baixo, resultante do
abandono das últimas décadas, o potencial
é enorme para o desenvolvimento e geração de riqueza nacional, com a atração de
novos recursos e investimento externos de
qualidade.
O HYPERCLUSTER
DA ECONOMIA DO MAR
conferências regionais, em diversas cidades, com uma intervenção fundamental do
Almirante Nuno Vieira Matias (infelizmente,
também já falecido, recentemente) e que,
desde sempre, foi um dos grandes “teimosos” defensores da importância estratégica
do mar para Portugal. A participação do
Professor Ernâni Lopes em algumas destas
conferências fez a ponte para que a SaeR
acabasse por assumir a coordenação da
definição final e do desenvolvimento do
conceito e da sua futura concretização.
Portugal foi forte quando colocou o mar
no centro do seu conceito estratégico nacional. Era preciso aproveitar novamente
esse recurso estratégico e mudar o conceito e o paradigma, nesse sentido. Com o
mar, Portugal deixa de ser um país peque-
O estudo ”O Hypercluster da
Economia do Mar – Um domínio
de potencial estratégico para o
desenvolvimento da Economia do
Mar em Portugal”, desenvolvido
pela SaeR, sob a coliderança de
Ernâni Lopes e do autor deste
texto, no âmbito da ACL – Associação Comercial de Lisboa
(Câmara de Comércio e Industria
Portuguesa), na altura presidida
por Bruno Bobone, constitui, ainda, passados 10 anos, um marco
histórico do pensamento estratégico e da estratégia nacional para
o aproveitamento do mar como
um recurso endógeno fundamental para Portugal e para o seu futuro económico e político. Vale a pena relembrar as
suas linhas de orientação e visão de conjunto, resumidamente apresentadas na figura
junta.
O MAR COMO UM FATOR
DE DIFERENCIAÇÃO E IDENTIDADE
NACIONAL. UM DESÍGNIO NACIONAL
O estudo define um grande objetivo e
cria uma visão:
– “tornar Portugal, na viragem do 1º para
o 2º Quartel do séc. XXI, num ator marítimo
relevante, ao nível global".
Para a concretização desta visão, propõe dois objetivos estratégicos:
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Economia do Mar
– “o Hypercluster da Economia do Mar
conseguir constituir-se, ao longo do 1º
Quartel do séc. XXI, num domínio estratégico impulsionador do desenvolvimento económico e social de Portugal”, e
– “Portugal, no mesmo horizonte temporal, colocar-se como interlocutor credível,
porque efetivo e inovador, na economia global do mar”.
Como forma de concretização desta visão e objetivos, o estudo propõe, tomando
em consideração o papel sistémico de cada
um dos clusters identificados, um Plano de
Ações detalhadas, distribuídas por quatro
plataformas diferentes de planos, para os
12 componentes considerados, conforme o
seu papel no hypercluster, nomeadamente
(ver figura), os prioritários, os de sustentação
imediata, os de alimentação / regeneração
e um meta-plano com carácter prospetivo,
de longo prazo e de criação das condições
de continuidade e consistência da visão e
alinhamento e controlo de todos os planos
detalhados de cada segmento /cluster.
Complementarmente, como forma de
garantir a estruturação da atuação empresarial conjunta e o enquadramento e
facilitação macropolítica e de ação governamental, são propostas três medidas de
enquadramento, consideradas determinantes no caminho crítico para o sucesso da
implementação do hypercluster, nomeadamente:
– a constituição de um “Fórum Empresarial para a Economia do Mar”, englobando
os principais atores / empresas, comprometidos e interessados nas diferentes atividades do hypercluster;
– o reforço do poder político do mar, com
a proposta de constituição de um Conselho
de Ministros Exclusivo para os Assuntos do
Mar, presidido pelo Primeiro Ministro e com
um Gabinete Técnico de Apoio, por forma a
garantir a importância e o peso político das
iniciativas;
– a criação de Legislação Especial e
Exclusiva, com descriminação positiva, à
O Prof. Dr. Ernâni Lopes (1942-2010).
semelhança de outras circunstâncias (p.e.,
Expo 98) em que também esteve presente
um desígnio nacional (infelizmente, esta necessidade não chegou ainda a ser assumida pelo poder governamental).
O Fórum Empresarial para a Economia
do Mar, constituído com mais de 80 empresas associadas, foi coordenado, no seu início pelo também saudoso Fernando Ribeiro
e Castro, tendo mais tarde, por fusão com
a Associação Oceano XXI, integrado o atual
Fórum Oceano – Associação da Economia
do Mar.
O Conselho de Ministros para os Assuntos do Mar foi constituído sob a forma de
uma Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar, que se mantém e que na
sua 9ª reunião aprovou a revisão da Estratégia Nacional para o Mar.
UM PONTO DE SITUAÇÃO
UM CAMINHO URGENTE
E LONGO A FAZER
Muito está feito e muito há ainda por
fazer. Há, de facto, um caminho urgente
e longo ainda a percorrer. Um importante
aspeto está ganho: está definitivamente assumido que o Mar e a Economia do
Mar constituem hoje, indiscutivelmente, um
grande fator de identidade e unidade e um
desígnio nacional.
Portugal, nestes 10 anos, posicionou-se
no front-end internacional da ciência e do
conhecimento do Mar. Grandes questões
de nível global de ciência, estratégia, direito,
economia e outras áreas do conhecimento
têm o “selo” português”. As Universidades,
que quase ignoravam estes temas, nestes
10 anos criaram largas dezenas de pós-graduações e doutoramentos. Este facto,
por si só, constitui uma mais valia e é uma
garantia de que o futuro está, de facto, a ser
construído.
A economia do mar passou a ser um fator de desenvolvimento económico e social
para muitas cidades e regiões, sobretudo
com ativos estratégicos relacionados com
o mar. O instrumento base para a conceção
e implementação destas estratégias de desenvolvimento foram conceitos propostos
no estudo, como, por exemplo, os “Centros
de Mar”, destacando-se, como pioneiras,
as cidades de Viana do Castelo, Cascais e
Portimão.
O conceito do Mar como um fator determinante para o desenvolvimento económico e social extravasou Portugal e é hoje
reconhecido na estratégia europeia, como
um recurso endógeno fundamental, em termos económicos, mas também políticos.
Portugal tem uma Estratégia Nacional
para o Mar. Infelizmente, ainda muito pouco
implementada no seu potencial. Dez anos
após a divulgação do estudo, é agora tempo de reavaliar e reajustar eventuais aspetos
e componentes, que, decorrido este tempo,
se possam revelar necessários. Esse mid-term review é sempre recomendável em
todos os processos de política e desenvolvimento estratégico.
É, pois, preciso pensar o Mar, não tanto
como passado, mas como o futuro de Portugal e, ao mesmo tempo, e cada vez mais
importante, pensar Portugal e o papel que
pode ter no futuro do Mar.
Que as figuras de Ernâni Lopes e Nuno
Vieira Matias sirvam de exemplo e orientação!
* Presidente Executivo da SaeR
ESPECIALISTAS EM
SOLUÇÕES DE COMANDO
E CONTROLO DE
OPERAÇÕES MARÍTIMAS
www.xsealence.com
Monitorização, Controlo e Vigilância Marítima | Gestão Integrada das Pescas | Coordenação de Missões de Fiscalização
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
· revistademarinha.com
55
83.O Ano
Últimos a chegar e últimos a partir
Parte II - de Cabinda a Lisboa
por Luís Loureiro Nunes*
elembrando o texto publicado na
edição anterior da RM, a Companhia nº 9 de Fuzileiros (CF9), embarcou para Luanda em meados do Verão
de 1975. Foi a última unidade militar a embarcar para o então Ultramar Português e
integraria o último contingente militar que
saíu de Angola, a 10 de novembro desse
ano, véspera do dia de declaração da independencia.
Comandada pelo 1ºTen. EMQ FZE
Correia Graça (já falecido) e com o autor
destas linhas como Oficial Imediato, tinha
como missão reforçar o dispositivo militar
português em Angola, a fim de garantir
a retirada disciplinada, ordeira e segura
das últimas autoridades e forças militares,
representantes do Estado Português naquela ex-colónia.
Na parte I deste artigo, descrevemos
a partida de Lisboa, chegada a Luanda e
permanencia em Cabinda. No final de outubro de 75, a metade da CF9, que sob o
meu comando tinha sido destacada para
Cabinda, a fim de render um batalhão do
Exército, regressou a Luanda, a bordo da
corveta NRP PEREIRA D’EÇA.
R
A CHEGADA A LUANDA
Chegamos a Luanda vindos de Cabinda sobre a madrugada do dia 1 ou 2 de
novembro. Pelo menos estavam viaturas
á nossa espera na Base Naval, que nos
transportaram para o quartel de fuzileiros
em Belas. E digo “pelo menos” porque
naquele ambiente de turbulência e imprevistos, seria quase normal que não estivessem. Nessa noite o pessoal não teve
direito a cama. Por alguma razão, que não
me recordo, nada estava preparado para
nos alojar. Ficamos no relvado da Estação Radionaval, situada no outro lado do
quartel de fuzileiros, que estava entre o
quartel dos “Paras” e esta estação.
Os dias que se seguiram foram de
grandes mudanças e alguma confusão.
No quartel dos paraquedistas continuava
o incessante vai e vem de refugiados, que
a qualquer hora da noite ou do dia, eram
chamados e transportados para o aeroporto, a fim de embarcarem na “ponte
aérea” para Lisboa. Um trabalho notável,
coordenado e organizado pelo então Ten.
56
Cor. Gonçalves Ribeiro, sob cujas ordens
tive o privilégio de, muito mais tarde, trabalhar, era ele já Oficial-General, no Ministério da Defesa Nacional, na área da
cooperação técnico-militar.
À minha unidade, à CF9, já com todos
os seus elementos, foi então atribuída
nova missão. Em conjunto com outras
unidades de fuzileiros e de paraquedistas,
participava agora na segurança do Palácio do Governador, onde estavam o Alto
Comissário, Almirante Leonel Cardoso e
o General Paraquedista Heitor Almendra,
Comandante-Chefe.
As imagens desses dias pareciam, mais
uma vez, imaginadas por algum realizador
de ficção. No interior do palácio vagueavam os criados com os seus uniformes
sempre impecáveis, cruzando-se a cada
passo com militares em camuflado. No
jardim, ao lado da piscina, alinhavam-se
as mochilas dos “páras” e dos fuzileiros.
No salão de jogos, os oficiais de camuflado, jogavam bilhar. As rações de combate
eram comidas com palamenta da “Casa
das Índias”. Não dizia … a bota com a
perdigota.
Jean Larteguy, o escritor francês da
guerra na Indochina, andava certamente
por ali. Recordo nomes que ficaram para
sempre gravados na minha memória e
com alguns dos quais fiz amizade indelével, caso do então Capitão, hoje General
paraquedista Avelar de Sousa. Entretanto as LDG's (Lanchas de Desembarque
Grandes) lançavam ao mar quantidades
enormes de armas e munições. Parece
que depois ouve mudança de rumo e foi
dada ordem para que, em vez de serem
lançadas ao mar, as armas e munições
fossem antes entregues ao MPLA.
Recebemos então ordem para retirar
do quartel de Belas para bordo dos dois
navios que nos haviam de transportar
para Lisboa, na noite de 10 para 11 de
novembro desse ano de 1975. O paquete
UÍGE, adaptado a transporte de tropas,
atracado no porto comercial de Luanda,
seria agora a nossa base. Noutro navio,
no NIASSA, nas mesmas condições, estavam outras unidades. O DFE1 embarcou no NRP SÃO GABRIEL.
No dia da mudança, logo que chegamos ao paquete UÍGE, um oficial reparou
que se tinha esquecido de uma mala no
quartel de Belas. Rápidamente voltou
atrás para a recuperar. Quando regressou
ao porto de Luanda, estava verdadeiramente chocado e impressionado com
o que viu no espaço de onde tínhamos
acabado de sair. Mais uma vez, as instalações tinham sido cuidadosamente
preparadas para a chegada dos novos
inquilinos, fossem eles quem fossem. O
que o Ten. Cortez (julgo que foi ele) viu e
relatou foi caótico e brutal. A entrada do
quartel tinha sido arrombada e uma multidão anárquica e destruidora, corria pelos
espaços interiores apanhando tudo o que
podia.
Na Messe de Oficiais, um enorme
aquário, de que todos quantos por lá
passaram certamente se recordam, tinha
sido destruído. Água e peixes pelo chão.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
História Marítima
Alm. Leonel Cardoso proferindo o discurso na
cerimónia da independência. (foto de Leonel
Cardoso - filho)
Portas arrombadas e gente a correr com
todos os objetos que podia apanhar ou
arrancar. Tinhamos de lá saído apenas
uma ou duas horas antes.
Era a voragem natural, num ambiente
único, de vazio, impunidade e total ausencia de meios para manter alguma ordem
e civilidade. Numa vida, não se repetem
estes momentos.
Voltando ao UÍGE, diariamente cumpriam-se as tarefas de rotina, de rendição
do pessoal em serviço no palácio. Certa
noite, em consequencia de confrontos
armados na zona do porto, o Comandante do navio decidiu desatracar e fundear
no meio da baía de Luanda. Quando,
pela manhã, me preparo para as rotinas
diárias, vejo que estou rodeado de água
salgada por todos os lados, sem acesso
às viaturas estacionadas no porto. Literalmente, apanho boleia para a Base Naval
numa embarcação que passou perto de
nós, de onde arranjo forma de ir buscar
as viaturas, com os nossos condutores.
Abençoada capacidade de improviso e
de desenrrascanço. Nunca, como naquela missão, me foi tão útil, mesmo essencial. Claro que, depois, na “vida real”, tive
alguma dificuldade em me “reprogramar”
para aceitar os infindáveis “check list”, os
rigorosos manuais de instruções e outras
maçadoras regras e procedimentos, próprios dos novos cenários internacionais,
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
em que necessária e naturalmente passamos a actuar.
Mais uma ironia do destino, 40 anos
mais tarde (re) encontro e faço amizade, com um dos oficiais da guarnição do
UÍGE, o Comandante da Marinha Mercante José Anacleto. Encontramo-nos ainda
e outra vez em Angola. Ao correr de uma
qualquer conversa, concluimos que haviamos estado no mesmo navio, vivendo
esses tempos. Ele como oficial da guarnição e eu, passageiro pelas circunstâncias
atrás descritas. Por estas, por outras e
ainda por muitas mais razões, Angola tem
um significado e ocupa um espaço decisivo na minha vida
Na Base Naval, durante todos estes
“dias do fim”, uma imagem permanecia
constante: o navio mercante PANARRANGE ali atracado, embarcava milhares de
caixotes que diáriamente iam chegando.
Havia mais navios, mas, por alguma razão, fixei este. Coisas … Uma vez alguém
foi reclamar que lhe tinham roubado o automóvel e sabia que estaria num caixote
com o nome de “fulano de tal”. Nada a
fazer, não era possível descarregar o caixote … vicissitudes da época.
· revistademarinha.com
OS PÃEZINHOS QUENTES
A vida de unidade, decorria agora a
bordo do navio que nos ia transportar
para Lisboa. Entretanto, em terra, nas
messes de oficiais e sargentos e nos refeitórios de praças, já se consumiam só rações de combate ou refeições confeccionadas pelos próprios, usando os géneros
que se iam encontrando nos paióis. Os
funcionários locais, cozinheiros, empregados de mesa, limpezas etc. tinham já
abandonado os seus postos de trabalho.
57
83.O Ano
O Comandante da CF9, 1º Ten. EMQ FZE Correia Graça.
Mas, espanto dos espantos, a bordo do
nosso navio, eramos principescamente
tratados. Pãezinhos quentes e croissants
ao pequeno almoço; almoço e jantar á lista e scones para o lanche. Não dava para
acreditar … mas era isso mesmo que se
passava. O bar … abastecidíssimo! E á
noite, jogavam-se cartas gastando os
“angolares” que, no exterior, já não serviam para nada.
ÚLTIMO DIA, PARTIDA
DE LUANDA
E VIAGEM PARA LISBOA
No último dia em Angola, 10 de novembro de 1975, foi necessário procurar
pela cidade viaturas que funcionassem e
estivessem capazes de integrar a coluna
final, que havia de transportar as forças
do Palácio para a Base Naval. Ao princípio
da tarde apresentaram-se os agentes da
recém-formada Polícia Nacional de Angola, com os seus novos uniformes, azuis
claros, ao que parece, oferecidos pelo
Brasil. Renderam os fuzos e os paras que
estavam nos postos de vigilância.
A meio da tarde, é arriada a Bandeira Nacional, hasteada no Palácio. É então que se capta a icónica fotografia do
1ºTen. Correia Graça, meu Comandante,
com a Bandeira Nacional dobrada, debaixo do seu braço esquerdo.
De seguida, realiza-se a cerimónia oficial do arriar da Bandeira, na fortaleza de
S. Miguel, com a presença do Alto Comissário, Almirante Leonel Cardoso, do
General Heitor Almendra, Ten. Cor. Gonçalves Ribeiro e de outras entidades civis
e militares.
As forças estavam já embarcadas nas
viaturas em coluna, no interior do palácio,
aguardando ordem para iniciar a marcha
em direcção á Base Naval. Á frente, uma
58
viatura blindada “panhard” da Polícia Militar rugia com todo o vigor, o último helicóptero “allouette III”, pilotado pelo Ten.
Prazeres, fazia protecção aérea. Após
algum tempo de espera (parece que foi
difícil encontrar a chave do portão da fortaleza) rompeu marcha a derradeira coluna militar.
Eu seguia na cabine, junto ao condutor, de uma das viaturas. As forças que tinham participado no arriar da bandeira na
fortaleza, juntaram-se a nós na rampa que
dá acesso ao largo do Baleizão. Quando
desembocamos no largo, olho para a
minha direita, onde estava a conhecida
cervejaria Baleizão, ainda aberta e a funcionar. Numa mesa da esplanada, alguns
clientes bebiam cerveja e petiscavam uns
camarões. Mais uma vez, lembro-me de
pensar que estava a viver momentos estranhos, quase surreais. Pareciam dois filmes diferentes, a serem projectados lado
a lado. O fim de cinco séculos de presença de Portugal, os ultimos militares a partir, dentro de algumas poucas horas, um
novo país que deixamos entregue não se
sabe bem a quem, o fim de um Império …
e bebem-se umas cervejas como se tudo
aquilo fosse normal. Mais português do
que isto, é impossível.
Embarcamos nos navios fundeados e
aguardamos a hora de zarpar. Perto da
meia noite do dia 10 de novembro de
1975, navegamos em direcção á saída da
baía de Luanda.
Ao longe, as munições tracejantes
anunciam combates violentos às portas
de Luanda, a cerca de 30 Km, no Kifandongo, entre as forças do MPLA, apoiadas pelos cubanos e a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) apoiada
por forças da África do Sul. Dentro de
minutos Agostinho Neto proclama a independencia de Angola. Jantei e fui descansar.
Para além do UÍGE, do NIASSA e do
navio reabastecedor SÃO GABRIEL, o
comboio naval era composto pela corveta
PEREIRA D’EÇA e pelas fragatas HERMENIGILDO CAPELO e ROBERTO IVENS.
O rebocador SCHULTZ XAVIER rumara
a sul, para dar apoio a embarcações de
pesca que tinham ido para a Namíbia.
A viagem fez-se sem sobressaltos.
Lembro-me de ouvir pelo sistema de som
do navio, o juramento de bandeira no RALIS. Parece que estavam com os punhos
cerrados e a tradicional fórmula de juramento tinha sido alterada, de acordo com
o espírito revolucionário do PREC. Não
liguei muito.
CHEGADA A LISBOA
No dia 23 de novembro, de manhã
cedo, após 12 dias de navegação, atracamos no cais da Rocha Conde de Óbidos,
em Lisboa. Noto alguma agitação nos
momentos antes de desembarcar. Soube
que no cais estava uma espécie de “comité de receção”, composto por “militares progressistas”, que pretendiam arregimentar os recém-chegados para o seu
“lado da barricada”. Estava mais preocupado com o desembarque organizado do
meu pessoal. Desembarcamos sem novidade. A minha mulher, já no cais, diz-me
que na noite anterior alguém roubou as
quatro rodas do nosso “mini”, estacionado à porta de casa. Fomos transportados
em viaturas de Marinha para a Base Naval
do Alfeite.
Dois dias depois acontece o “25 de
novembro”. O Vale do Jamor, em Lisboa,
bem como o resto do país, abarrotava de
refugiados, a quem, por alguma razão,
chamaram “retornados”. Alguns seriam;
só retorna quem já cá esteve, mas as razões entendem-se.
*
[email protected]
OBSERVAÇÃO:
Por lapso não foi referida na Parte I a presença em Angola do NRP SÃO GABRIEL, um reabastecedor de esquadra, então comandado
pelo C.m.g. Jorge da Fonseca Gamito.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
83.O Ano
A Caverna em Trincado do Navio
Medieval da Várzea de Alfeizerão
por Francisco J. S. Alves*
m 1973, a nordeste da
quinta “Nova Esperança de
Vale Paraíso” da várzea de
Alfeizerão, antiga lagoa completamente assoreada desde o século
XVI, mas até então acessível a navios de alto bordo e dispondo de
diversos portos e estaleiros navais
– desde a época medieval comerciando do Mediterrâneo ao Báltico
– uma retroescavadora recuperou
uma caverna de navio talhada em
trincado na extremidade norte de
uma vala de drenagem contígua
A caverna em trincado do navio medieval de Alfeizerão.
da Vala Real, que a poucos metros lhe corre paralelamente para
o oceano.
identificação do material (Quercus robur),
A caverna ficou então guardada num
e de datação por radiocarbono no LNETI
armazém da quinta, que acabou por ser
– a qual a situou entre os finais do séc. X e
demolido, tendo-se-lhe perdido o rasto.
os meados do séc. XII (ICEN-123), consisPor felicidade, a notícia da descoberta
tente com uma datação da época Viking!
chegara entretanto ao conhecimento do
Em face da importância científica e
Eng.º Geólogo Manuel Teixeira Pinto, resihistórico-arqueológica deste achado, o
dente em Alfeizerão, incansável andarilho
autor decidiu então promover entre 1988
e amante de antigualhas, que, cautelare 1989 um conjunto de missões de prosmente, a mandou fotografar profusamenpeção no local da notável descoberta. A
te, o que incluiu as medições de todos
primeira missão consistiu na realização
os seus pormenores anotadas em papel
de sondagens lito-estratigráficas interpovegetal sobreposto sobre cada foto, daladas, com sondas-goivas próprias para
dos que, em 1986, viriam a ser facultados
a recolha de amostras sedimentares, de
ao autor, então diretor do Museu Nacio3 e de 6 cm de diâmetro (esta dita Danal de Arqueologia e Etnologia, que, por
chnowsy), na margem esquerda da vala
coincidência, era simultaneamente prode drenagem, nas imediações do local
motor de um projeto global na área do
do achado, e ao longo de um transecto à
património arqueológico náutico e subalargura da várzea, aproximadamente perquático português, e que imediatamente
pendicular à vala de drenagem, as quais
se interessou pelo caso. Também o Prof.
permitiram conhecer com precisão a esArq.to Octávio Lixa Filgueiras, eminente
tratigrafia do local da descoberta, assim
especialista e autor de numerosos tracomo da várzea.
balhos sobre embarcações tradicionais
A segunda missão foi uma prospeção
portuguesas, nomeadamente de âmbito
fluvial nortenho, justamente dotados de
cascos construídos em trincado, de clara
genealogia nórdica, se interessou por este
assunto.
A descoberta viria por sua vez a enriquecer-se pouco depois, pelo facto de
o signatário ter sido informado de que
um pequeno pedaço de madeira, que se
desprendera da extremidade de um dos
braços da caverna na ocasião da sua
recuperação, fora guardado como uma
Manuel Teixeira Pinto (de frente) e Octávio
relíquia pelo filho do operador da retroesLixa Filgueiras (de costas) junto ao tanque de
cavadora, que prontamente o disponibilidrenagem da vala, nas imediações da qual a
zou, tendo sido imediatamente objeto de
caverna em questão foi recuperada.
E
60
por eco-sondagem de penetração
sedimentar subaquática (sub-bottom profiler), realizada em 1989,
por uma equipa do Instituto Hidrográfico, no troço norte da vala de
drenagem, da qual resultou a deteção de uma anomalia eventualmente significativa.
As duas restantes missões de
prospeção foram realizadas por
magnetometria de protões sob
a direção de Prof. Doutor J. M.
Senos Matias, da Universidade
de Aveiro, numa faixa de 35 m ao
longo da margem esquerda da
vala de drenagem e do respetivo
tanque, que tiveram pleno sucesso, traduzido num vasto número de anomalias
detetadas no subsolo e devidamente mapeadas.
Desde então, estas anomalias não
puderam ser caracterizadas, tanto pela
complexidade das infraestruturas requeridas, como pelos incessantes e sucessivos
desafios profissionais que ocorreram até à
aposentação do autor, dos quais os mais
importantes foram a criação e direção do
Centro Nacional de Arqueologia Náutica
e Subaquática, subsequente à do Museu
Nacional de Arqueologia, à colaboração
no programa do Pavilhão de Portugal na
Expo’98 com a direção no terreno da escavação dos destroços da Nau da Índia
NOSSA SENHORA DOS MÁRTIRES, naufragada em 1606 nas imediações da fortaleza de São Julião da Barra, em paralelo
com a organização de um Simpósio internacional correlativo – que contou com a
colaboração da Academia de Marinha – a
par da direção da escavação e remoção
dos vestígios estruturais do navio quatrocentista “Ria de Aveiro A”, o mais próximo
exemplo conhecido de uma caravela dos
Descobrimentos.
NOTA FINAL
A publicação de base que o presente
texto resume, adianta uma solução técnica que permite relançar a pesquisa em
questão, com o recurso a uma armação
paralelepipédica móvel, em cantoneira, de
1 x 0,5 x 05 m, em cujos topos e base
assentariam placas de inox perfuradas
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
História Marítima
Fase da missão de prospeção lito-estratigráfica, vendo-se à esquerda, em último plano, o
respetivo responsável, Doutor José Mateus.
segundo um reticulado desalinhado de 10
em 10 cm.
Estas furações teriam um diâmetro
adequado à colocação na vertical, interpoladamente, de um tubo-guia, igualmente em inox, no qual correria uma lança de
jato de água de 6 m, também de inox,
ligada a uma moto-bomba. Este dispositivo amplamente testado, proporciona uma
penetração no estrato sedimentar local
como faca em manteiga, permitindo assim localizar quaisquer partes de madeira da estrutura do navio, enterradas e/ou
submersas.
Este projeto implicaria numa primeira
fase o recurso a novas prospeções por
métodos geofísicos, assim como uma
vasta congregação de boas-vontades e
apoios, no primeiro plano dos quais estariam a autorização do proprietário do
Equipa do IH (Marinha) em prospeção por eco-sondagem.
O Prof. Doutor J. M. Senos Matias (à esquerda),
dirigindo uma das missões de prospeção.
terreno e o da tutela desta área patrimonial. Por sua vez, a índole e a importância
nacional e internacional do projeto, proporcionaria previsivelmente a reunião dos
recursos necessários ao seu desenvolvimento no terreno.
* Arqueologo
Capa de Alves, F.,2019 - março, “A caverna em
trincado do navio medieval da várzea de Alfeizerão”. Série Textos Originais de Difusão Irrestrita. Lisboa, março de 2019 (A4) capa + p.0 +
107 págs.(texto: 52 págs.+11 Anexos). Edição
do autor. em pdf, gratuita, disponível na Academia.Edu.
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
· revistademarinha.com
61
83.O Ano
Fernão de Magalhães
O Homem que dobrou o Mundo
por Fernando Quental*
A morte de Fernão de Magalhães na batalha de Mactan, em Cebu, nas Filipinas.
ltimamente muito se tem falado e
escrito sobre Fernão de Magalhães.
E, felizmente, entre nós, no seu país
de origem. Era comum este navegador, o
maior e o mais apto de todos, ser relegado
para segundo plano como figura malquista, obliterado da História nacional, não por
patriotismo, mas por um “portuguesismo”
bacoco e retrógrado.
As comemorações conjuntas dos governos de Espanha e Portugal relativas aos
500 anos da viagem de circum-navegação, trouxeram à memória do País o que
foi este Homem.
Os livros publicados pelo historiador
José Manuel Garcia, o romance de João
Morgado, avalizado pelo historiador, e o
livro de Edouard Roditi esclarecem e elucidam o leitor do papel de Fernão de Magalhães na navegação e na historiografia
mundial.
Pôs-se sempre a questão se ele teria
tido conhecimento de que as Molucas,
as Ilhas das Especiarias, estavam ou não
do lado português definido pelo Tratado
de Tordesilhas. Hoje podemos dizer que
ele já o sabia, mesmo antes de lá chegar,
pois inferimos pela sua dilação de rumar
para Ternate, sempre com os seus mais
próximos a instá-lo para tal. Esta situação
U
62
deve-se ao facto de ele saber perfeitamente onde se encontrava. Isto em nada é demeritório para Fernão de Magalhães; basta
ler os relatos das suas navegações, agora
disponíveis, para se perceber o que era o
Homem.
No livro de João Morgado, “Fernão de
Magalhães e a Ave do Paraíso”, a pgs 284,
surge a passagem, que transcrevemos, do
“Relato de Albo”:
– “Que novas me trazeis? - perguntou
Magalhães quando André de San Martín,
o cartógrafo, entrou no seu camarote e se
aproximou dele trazendo consigo a sua
carta de marear. Vinha secundado por
Francisco de Albo, que sempre o apoiava
nos cálculos das coordenadas e que tudo
apontava no seu diário.
– Las nuevas que traemos, no serán de
vuestro contentamento, Capitán – afirmou
em tom seco … depois, sem nada dizer
(San Martín) passou com o dedo por uma
linha que atravessava o documento (carta de marear) de alto a baixo. Sem que
ninguém lhe desse a palavra, o Capitão
rastreou o traço com os olhos e depois ...
praguejou … acontece que ... não passava
nos mesmos lugares (do Mapa de Faleiro).
Isso mudava tudo. Absolutamente tudo.
Mudava o Norte e a sua posição do mundo, mudava o seu encargo, o seu sonho,
a sua vida.”
*
[email protected]
OBSERVAÇÃO:
Os diários de Francisco Albo encontram-se no
Arquivo das Índias, em Sevilha.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
83.O Ano
O Paquete SANTA MARIA (1953)
por Luís Miguel Correia*
SANTA MARIA foi um dos mais importantes navios portugueses do
século XX. Utilizado nas carreiras
regulares de Lisboa para as Américas, do
sul e central, teve grande prestígio, embora
a fama se tenha ficado a dever ao incidente
político ocorrido em 1961 que ficou conhecido como "assalto ao SANTA MARIA". Ao
O
contrário do que é voz corrente, o SANTA
MARIA não resultou do "Despacho 100",
tendo sido construído por iniciativa da
Companhia Colonial para consolidação da
linha da América do Sul.
Foi o nosso paquete mais bem posicionado comercialmente para permitir
uma transição para a atividade dos cru-
zeiros, mas tal não foi aproveitado e o
navio foi desmantelado com apenas 19
anos.
* Historiador Naval e Fotógrafo
Diretor da EIN-Náutica
Apartado nº 3115 1302-902 LISBOA
[email protected]
http://lmcshipsandthesea.blogspot.com
SANTA MARIA (1953 – 1973)
Características técnicas: Navio de
passageiros a turbinas, construído de
aço em 1951-1953. Nº Lloyd's: 5312458.
Nº oficial: H 421. Indicativo de chamada:
CSAL. Porto de registo: Lisboa (registado
na Capitania do Porto a 9-11-1953, livro
17, folha 122). Arqueação bruta: 20.906
tons; Arqueação líquida: 11.877 tons; Porte Bruto: 7.716 tons; Deslocamento leve /
máximo: 14.034 / 21.750 tons. Capacidade de carga: 3 porões para 5.969 m3 de
carga geral, incluindo 474 m3 de carga frigorífica. Comprimento ff: 185,75 m; Comprimento pp: 171,00 m; Boca: 23,09 m;
Pontal: 15,80 m; Calado: 8,41 m. Máquina: 2 grupos de turbinas a vapor Parsons,
com 20.000 shp a 120 rpm (Max. 25.500
shp). Consumo de 140 tons de nafta / 24
horas, 2 hélices de 3 pás. Velocidade:
20 nós (Max. 23 nós). Passageiros: 1.188
(156 – 1ª, 232 – 2ª, 800 – 3ª). Tripulantes:
351. Navio gémeo: VERA CRUZ. Custo:
692 milhões de Francos Belgas, cerca de
511.236.000$00.
História: A 17-02-1951 a Companhia
Colonial de Navegação (CCN) requereu ao
Governo autorização para construir "um
segundo VERA CRUZ" para a linha do Brasil. A autorização foi concedida pelo Ministro Américo Thomaz no Despacho 33, de
9 de março de 1951, pelo que o navio foi
64
encomendado em abril de 1951 ao estaleiro belga Société Anonyme John Cockerill (construção nº. 74), e foi construído em
Hoboken, Antuérpia. A quilha foi assente
a 2-06-1951, minutos depois de o VERA
CRUZ ter sido lançado à água. A 20-091952 o SANTA MARIA foi lançado à água
pelas 17H30; o padre Moreira das Neves
abençoou o navio, do qual foi madrinha
Dª. Maria Amália Costa Leite (Lumbrales),
mulher do Ministro da Presidência. O SANTA MARIA foi entregue em Antuérpia, a
20-10-1953 tendo na véspera recebido a
visita do Rei Balduíno I. A 22-10 o SANTA
MARIA largou para Lisboa (25-10), sendo
seu primeiro Comandante o Capitão Mário
Simões da Maia. O navio foi visitado pelo
Ministro da Marinha à chegada, e pelo
Presidente da República, Craveiro Lopes,
a 10-11. O SANTA MARIA largou do Tejo
a 12-11-1953 na viagem inaugural para
Funchal, Salvador, Rio de Janeiro, Santos,
Montevideu e Buenos Aires, transportando
o Ministro Américo Tomás em visita oficial.
De 29-12-1953 a 3-01-1954, o SANTA
MARIA efetuou o primeiro cruzeiro, de Lisboa ao Funchal, para a passagem de ano.
Após a segunda viagem, em que se registaram avarias graves nas redutoras de um
dos grupos de turbinas, o SANTA MARIA
permaneceu em Lisboa, para reparação,
de 11-02 a 22-06-1954 e a 3-07 retomou
as viagens ao Brasil. Saiu a 19-10-1954 na
primeira viagem à América Central. A 2404-1955 fez uma viagem à Venezuela e
Brasil. Cruzeiro à Madeira de 29-12-1954
a 3-01, tendo o SANTA MARIA sido abalroado na madrugada de 1-01-1955, pelo
QUANZA, que estava fundeado próximo
e garrou. A viagem do SANTA MARIA ao
Brasil de 8-07 a 5-08-1955 foi um cruzeiro
com 9 dias no Rio de Janeiro, durante o
Congresso Eucarístico Internacional, que
decorreu naquela cidade. Com organização da Ação Católica, seguiu no SANTA
MARIA uma excursão de 340 peregrinos,
com 5 cardeais e bispos, sacerdotes e …
peregrinos, muitos de grande relevo social.
Na véspera, haviam embarcado em Vigo
peregrinos espanhóis, italianos e alemães.
A 10-08-1955 pelas 22H00 realizou-se
a bordo do SANTA MARIA, atracado ao
cais da Rocha em Lisboa, a sessão solene
comemorativa dos 10 anos do Despacho
100. A 4-10-1956 o SANTA MARIA fez,
pela primeira vez, escala em Port Everglades, na Florida. A 18-11-1957, o SANTA
MARIA iniciou em Lisboa a última viagem
ao Brasil. Em 1958 fez a primeira reclassificação, procedendo-se à ampliação da instalação de ar-condicionado e à eliminação
das camaratas na 3ª classe, transformada
em turística com 696 lugares. A 11-071958 o SANTA MARIA saiu de Lisboa com
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Despacho 100
1.149 passageiros na única viagem a África, com 1.105 passageiros. A 11-08-1958
o SANTA MARIA largou de Lisboa com 530
passageiros, num cruzeiro a Antuérpia (Exposição Internacional de Bruxelas). Seguiu-se um cruzeiro ao Mediterrâneo, de 22 a
30-08, com 700 passageiros, após o que
retomou a linha da América Central. A 2211-1958, o SANTA MARIA inaugurou um
cais novo em Port Everglades. Última escala em Havana a 5-08-1960. A 22-01-1961
o SANTA MARIA foi assaltado no mar, por
24 indivíduos portugueses e espanhóis,
embarcados em La Guaira e Curaçau, dirigidos por Henrique Galvão e Jorge Sottomaior; o navio acabou por arribar ao Recife
a 2-02, e foi ocupado por uma força de
fuzileiros brasileiros. O paquete teve içada
à popa a bandeira do Brasil, até à reentrega à CCN a 5-02; a 7-02 largou do Recife
para Lisboa (16-02), atracando a Alcântara,
sendo visitado por Salazar, que referiu …
temos o SANTA MARIA connosco. Obrigado, portugueses! O assalto custou à CCN
16 mil contos de prejuízos, a vida do 3.º
piloto João José do Nascimento Costa e a
saúde depauperada do piloto João Lopes
de Sousa, que ficou conhecido por "Sousa
dos tiros". A 23-03-1961 o paquete regressou à linha da América Central. Cruzeiro de
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
29-12-1963 a 2-01-1964 (Lisboa, Funchal,
Lisboa). De 1 a 12-08-1964 cruzeiro ao
Mediterrâneo, fretado à Mundial Turismo,
com 1.139 passageiros. A 27-12-1964 largou de Lisboa para Tenerife e Funchal em
cruzeiro. De 5-02 a 15-03-1967 foi modernizado em Lisboa, atualizando-se os alojamentos da 2.ª classe e turística. Em 8-1967
o SANTA MARIA foi docado pela primeira
vez em Lisboa no estaleiro da Lisnave na
Margueira. Cruzeiro de La Guaira às Caraíbas de 31-03 a 7-04-1969. A 2-12-1969,
em La Guaira, foi dada a bordo uma festa
de beneficência, promovida pela Embaixada de Portugal em Caracas, com a presença do Presidente Caldera da Venezuela.
Cruzeiro de 27-12-1969 a 2-01-1970. Em
1970, para além de 10 viagens transatlânticas, o SANTA MARIA realizou 2 cruzeiros
nas Caraíbas a partir de La Guaira, de 23 a
30-03 e de 21 a 31-08-1970. Em 1971 fez
9 viagens transatlânticas e 1 cruzeiro, de 5
a 12-04. O cruzeiro programado para decorrer de 27-08 a 6-09-1971 foi cancelado
devido a ter-se dado uma fissura numa das
pás da hélice de BB que provocou grande
trepidação, durante a travessia de Tenerife
(15-08) para Port Everglades (25-08), onde
entrou com atraso. O navio esteve em
Curaçau a 29-08 e em La Guaira a 30 e 31-
· revistademarinha.com
08, seguindo sem passageiros para Porto
Rico (2 a 9-09 onde foi retirada a hélice e o
veio de BB), e Lisboa (18-09). Após reparação o SANTA MARIA retomou a carreira
da América Central a 29-09. A 25-08-1971
foi anunciada a autorização do Ministro da
Marinha Pereira Crespo para a sua venda.
Último cruzeiro, ao Funchal, de 28-12-72
a 2-01-73. De 15-03 a 11-04-1973 fez a
última viagem à América Central. A viagem
com largada de Lisboa prevista para 1604 acabou por ser cancelada por avaria.
O SANTA MARIA permaneceu imobilizado
no Tejo até 1-06-1973, data da sua última
saída de Lisboa, para Luanda, Lourenço
Marques, Port Louis e Kaohsiung (19-071973). Rebocou o N/M NAMPULA de Lourenço Marques para Port Louis, onde este
cargueiro foi desmantelado. Vendido para
sucata à empresa Li Chong Steel & Iron
Works Co. Ltd. Registo cancelado a 1008-1973. Desmantelado em 09-1973 em
Kaohsiung, Formosa. Durante os 19 anos
em que navegou, o SANTA MARIA fez
192 viagens e 11 cruzeiros, transportando 373.372 passageiros e 57.008 tons de
carga, tendo gerado 1.895.932 contos em
passagens e 98.733 contos em fretes, com
taxas de ocupação de 80% nas viagens e
89% nos cruzeiros.
65
83.O Ano
O COVID 19 e os novos
Certificados Marítimos
por António Balcão Reis*
O ferry SPLENDID.
a minha última crónica transmiti algum pessimismo quanto ao futuro
dos navios de cruzeiros. Quantos
turistas haverá prontos a desafiar a sorte
de verem a sua aprazível viagem de recreio transformada numa clausura hospitalar?
A Administração do Porto de Lisboa
(APL) estima … que antes de meados
de 2021 não haverá navios de cruzeiros a atracar em Lisboa, mas ao
mesmo tempo começa a haver
muitos sinais de regresso
destes navios.
Uma indústria com a força e a vitalidade do turismo
de cruzeiros não ia ficar de
braços cruzados. Se noutras atividades, a necessidade de voltar a trabalhar, como
única forma de subsistir, cria por
si só, a pressão suficiente para se
assumir algum risco, numa actividade de
puro lazer, como a indústria dos cruzeiros, a segurança dos passageiros é prioritária e a actual pandemia exacerbou as
exigências de segurança. O relançamento terá necessariamente de passar por
N
66
uma muito clara afirmação de confiança
baseada numa objectiva segurança, sanitária em particular. Um cruzeiro marítimo
será vendido como uma experiência absolutamente segura, em particular sob o
ponto de vista sanitário e até como uma
mais-valia para a saúde.
As sociedades de classificação, um
pouco à semelhança da indústria automóvel, têm vindo a apresentar com a
classificação base, uma séria de
classes adicionais, as anotações de classe e a “vender”
os correspondentes certificados. Seguindo a clássica
anotação do gelo, foram
surgindo novas anotações,
algumas algo inesperadas
- classe conforto, classe silêncio, classe vibração, classe
ambiental – lançadas com moderno e sugestivo marketing. Sirva
de exemplo o “convite” da DNV GL (Det
Norske Veritas Germanischer Lloyd), para
usar as suas anotações de classe … boost
your image as an environmentally friendly
company and increase your ship’s value
on the market.
CERTIFICADO CIP-M DO DNV GL.
Podemos dizer que é neste contexto
que surge o novo certificado, da DNV GL,
de prevenção de infecção para a indústria
marítima, - certification in infection prevention for the maritime industry CIP-M. Lançado com inegável oportunidade comercial, responde a uma objectiva e urgente
necessidade do mercado dos navios de
cruzeiros.
A experiência da DNV GL com milhares
de certificações em ambiente hospitalar
terrestre, permitiu o rápido desenho do
certificado CIP-M, adaptado à realidade
marítima, em particular aos navios de cruzeiros e aos ROPAX.
O certificado atesta que … estão implementados sistemas e procedimentos
para uma adequada prevenção, controlo
e mitigação de infecções, para protecção
de clientes e tripulações, a um nível que
antes da dura experiência do COVID 19 só
seria aplicável em ambiente hospitalar, e
cujas incomodativas exigências seriam repudiadas pelos passageiros e tripulações.
A certificação é muito abrangente considerando a preparação e manuseamento da
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Transportes & Logística
alimentação e refeições, normas de distanciamento físico (o tal distanciamento social,
que é a negação do espirito de cruzeiro),
uso de EPI (equipamento de protecção
individual) para os membros da tripulação,
planos de emergência sanitária, triagens
pré-embarque, no embarque e desembarque, definição de percursos independentes no interior do navio e muitas outras
pequenas minudências. Preparemo-nos
para viver as delícias de um cruzeiro em
ambiente hospitalar, com serviços infecto-contagiosos. Uma perspectiva, talvez
pouco atraente, mas muito realística.
OS CERTIFICADOS
DO BUREAU VERITAS
Com configuração similar e formatado nas mesmas bases, o Bureau Veritas
(BV) lançou um certificado de prevenção
de infecções do COVID 19 e outras enfermidades, o certificado Global Safe Site,
orientado para a reabertura da restauração, hotéis e fábricas sob o lema "Reinicie o seu negócio com o BV", abrangendo
as três principais áreas de actuação do
sector: pessoas, processos e instalações.
Entretanto já foi adaptado e disponibilizado para o mundo marítimo e em particular
para os navios de cruzeiros, com o selo
“Safeguard”, que garante que foram estabelecidos os protocolos de saúde, segurança e higiene, e que a tripulação e todo
o pessoal de bordo recebeu instrução e foi
devidamente treinada.
DA CONVERSÃO DO FERRY
SPLENDID EM NAVIO HOSPITAL AO
CERTIFICADO COVID 19 DA RINA
A dramática situação vivida no Norte de
Itália com o COVID 19, com os hospitais
em rotura, deu aso a um projecto conjunto da Classificadora RINA e GNV (grandi
navi veloci) do grupo MSC, que em estreita
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
cooperação com o Sistema de Saúde da
Ligúria e a Proteção Civil, promoveram, a
transformação do ferry SPLENDID em navio hospital.
Quinze dias após a concepção e lançamento do projecto era admitido a bordo o
primeiro paciente. O objectivo seria dispor
de 400 camas para pacientes com necessidade de seguimento médico. A transformação do navio visou cumprir as exigências
hospitalares. A ventilação foi alvo de substanciais alterações. Os acessos e corredores passaram a funcionar em sentido único,
com um Sistema CCTV (circuito fechado de
televisão) para controlo dos movimentos de
pacientes e pessoal em geral Foram criados acessos separados e áreas dedicadas
ao pessoal de saúde e tripulação. Foi considerada a montagem de módulos de unidades de cuidados intensivos no espaçoso
convés destinado ao transporte de veículos,
que já estava equipado com tomadas de
potência, ventilação segregada e sistema
de recolha e tratamento de esgotos (sewage), com a vantagem de fácil acesso directo
a ambulâncias, outros veículos pesados e
outro equipamento sanitário. O mobiliário
das cabinas passou de quarto de hotel a
quarto de hospital, com o adequado equipamento médico e montagem de alarmes
para chamada do pessoal assistente (médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar).
Atracado no terminal de ferries de Génova, enquanto hospital móvel flutuante,
manteve a capacidade de poder ser deslocado para outro porto, apoiando outra
área carecida de camas.
· revistademarinha.com
A transformação do navio, efectuada
nos estaleiros italianos de San Giorgio Del
Porto, criou uma onda de solidariedade,
traduzida na participação pro bono de numerosas empresas e pessoas singulares
que prestaram o seu contributo em equipamentos, materiais e assistência técnica.
Terminada ou dominada que seja a pandemia o navio regressará ao seu anterior
serviço, mas não às suas anteriores condições. Será um navio novo, preparado
para evitar ou mitigar a disseminação de
infecções.
Foi com base nesta invulgar experiência e com todo o conhecimento património da classificadora, que a RINA lançou o
Biosafety Trust Certification, protocolando
as medidas de prevenção e mitigação da
disseminação de vírus e propagação de
infeções em locais públicos. O certificado
Biosafety Trust da RINA, não é especificamente marítimo. Foi pensado para o controlo dos riscos de propagação de epidemias em locais de elevada concentração
humana, como transportes públicos, locais
de divertimento e lazer, estádios, restaurantes, teatros, piscinas, hotéis, centros
de congressos, casas de repouso e lares
e também, finalmente, nos navios de cruzeiro.
Não duvido que as outras classificadoras, ou já apresentaram os seus certificados ou em breve seguirão estes exemplos.
Certificados conjunturais? Bom seria,
mas é mais provável que entrem na lista
dos exigíveis. Que seja a bem da nossa
segurança.
* C/ Alm. Eng. Const. Naval, ref
Membro da Secção Transportes da SGL
[email protected]
NOTA:
O neo-acrónimo ROPAX (roll-on/roll-off passenger) é aplicável a um RO RO (navio com
convés directamente acessível às viaturas que
transporta) que dispõe de acomodações para
passageiros.
67
83.O Ano
A necessidade de Formação e Treino
por O.T.O.*
o folhear o número de Dezembro de
2019 da “Revista General de Marina”
não pude deixar de prestar a melhor
atenção ao artigo, inserido no capítulo Histórias de Mar, de autoria do Alm. (ref) Trevino Ruiz. Nele o autor descreve o encalhe
e perda do caça-minas USS GUARDIAN,
em consequência de encalhe num recife do
Parque Natural de Tubbataha (no Mar Sulu,
nas Filipinas), em Janeiro de 2013. Certamente que muitos dos leitores já conhecem
o sucedido, mas pelas condições em que o
acidente ocorreu considero que merece a
sua revisitação, uma vez que se insere nas
preocupações que têm sido manifestadas
nestas páginas dedicadas à Segurança
Marítima. Assim, seguindo o artigo atrás citado assim como várias notícias recolhidas,
relata-se o sucedido.
O USS GUARDIAN era um dos 14 navios da classe AVENGER. Com um deslocamento de 1.400 tons, um comprimento
de 68 m e uma boca de 12 m, tinha um
sistema propulsor constituído por 4 motores diesel, de 600 Cv cada, que acionavam
2 hélices de passo variável proporcionando
uma velocidade de 14 nós. Estava dotado
dos mais sofisticados sistemas que permitiam a detecção e destruição de qualquer
tipo de mina, e também por equipamentos
de comunicações e navegação modernos e
capazes. A sua guarnição era de 6 oficiais e
73 sargentos e praças.
O USS GUARDIAN estava baseado em
Sasebo, no Japão, perto de Nagasaki, juntamente com mais três outros caça-minas
da mesma classe, quando recebe ordem
para se deslocar para Subic Bay, nas Filipinas. Para tal, no dia 6 Jan de 2013 larga da base japonesa e, após ter escalado
Okinawa para reabastecer, chega a Subic
Bay (pequena baía a norte da baía de Manila) no dia 13. No seu programa de actividade estava ainda previsto que escalaria,
dia 16, o Porto Princesa, na Ilha Palawan,
mas é então que se dá uma alteração da
missão, sendo-lhe ordenado para se dirigir directamente, para o porto de Makasar
na ilha Sulawesi, na Indonésia, e, posteriormente, participar em exercícios navais em
Timor-Leste. Com esta alteração de destino foi refeito o planeamento da navegação.
Para tal, na deslocação para Sul, teria de
atravessar o Parque Natural de Tubbataha
(também denominado Parque Marinho do
Recife de Tubbataha), área situada no mar
de Sulu, sob jurisdição das Filipinas.
Este parque, situado a cerca de 80 mi-
A
68
lhas a leste da ilha Palawan e classificado
como “Património Universal” é um extensa
área coralífera, em que a meio se situam
dois grandes atóis, as pequenas ilhas Norte
e Sul, e um canal de 4 milhas de largura,
sendo que na ilha Sul está implantado um
farol, ajuda à navegação para quem navega
no canal em causa. Assim sendo, o navio
larga de Subic Bay no dia 15 e inicia a sua
nova rota para sul através do Mar Sulu, atinge o Parque de Tubbataha, e pelas 02H22
(hora local) do dia 17 encalha na parte norte do recife de coral que envolve a ilha do
Sul. Consequências: grande área do recife
destruída, cerca de 2.350 m2, pela qual o
governo dos EUA pagou, de indemnização,
1,97 milhões de USD, e graves danos no
navio, que foi dado como perdido, e localmente desmantelado e removido aos pedaços, para que não aumentasse a destruição
do coral em manobras de reflutuação.
Como foi possível que um navio tão
sofisticado, do tipo caça-minas em que o
cuidado no posicionamento é preocupação fundamental, estando boas condições
meteorológicas, com uma visibilidade superior a 7 milhas, tenha cometido um erro de
navegação tão grosseiro? As averiguações
e conclusões apuradas, e divulgadas, dão
a explicação e apontam para erros humanos, falta de liderança e má preparação
da equipa de navegação. Assim o atesta
o Comandante da Esquadra do Pacífico,
Almirante Cecil D. Haney, num relatório de
160 páginas, afirmando que … as equipes
de comando e vigilância do USS GUARDIAN falharam em tomar providências para
a navegação segura. Providências que os
teriam alertado para perigos próximos com
tempo suficiente para ações a fim de mitigar
os danos. E alguns pormenores da situação
justificam tais afirmações:
- o Comandante e o Oficial de Navegação (que era também o Oficial Imediato do
navio), ao efetuar o estudo da viagem para
o novo destino, consultaram as duas cartas electrónicas que existiam a bordo, uma
geral (DCN Gen 11A) e uma costeira (DCN
Coa11D, e constataram que apresentavam
discrepâncias entre elas no que respeitava
à localização das ilhas Norte e Sul do Recife
de Tubbataha. Para desfazer a discrepância
não consultaram as publicações náuticas
existentes a bordo, nomeadamente a Lista
de Faróis e as “Sail Directions”. O Comandante decidiu que era a carta costeira que
estava correcta e, como tal, devia ser utilizada no sistema de navegação VMS-3;
- o Comandante escreveu no livro de ordens para a noite de 16 para 17, que, quando fosse atingida uma posição a 4 milhas
da entrada do canal, fosse reduzida a velocidade para 8 nós e que o Imediato fosse
chamado à ponte.;
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Segurança Marítima
- o Oficial Imediato (com o posto de 1º
Ten.) somente tinha navegado, a bordo
do USS GUARDIAN 13 dias e o oficial de
quarto naquele momento era um Subten.
que tinha obtido a qualificação para o desempenho da função há 68 dias. De registar ainda que o oficial que o rendeu, pelas
01H32, tinha embarcado em Dezembro anterior e era a primeira vez que efectuava um
quarto durante o período nocturno, e que
o Sargento de Quarto tinha sido qualificado
como operador do sistema de navegação
em uso, o VMS-3, a 4 de Janeiro anterior
e não era qualificado como operador radar;
- o adestramento em navegação no anterior, em 2012, resumiu-se a 59 dias de
mar (zero dias em Jan, Fev e Mar, 3 em Abr,
6 em Mai, 14 em Jun, 19 em Jul, zero em
Ago e Set, 14 em Out, 1 em Nov e 2 em
Dez) o que foi considerado reduzido tratando-se de um navio algo sofisticado.
Assim sendo são apontados como justificação para a ocorrência do acidente a
ausência do Comandante na ponte quando a navegar em área restrita, num navio
com um tão reduzido adestramento e ainda
com uma guarnição de oficiais pouco experientes, que efectuaram uma navegação
baseada unicamente em sistemas electrónicos, sem utilização dos tradicionais meios
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
O USS GUARDIAN encalhado num recife de
coral.
de navegação costeira disponíveis. Não se
pode deixar ainda de referir que a “Agência Nacional de Inteligência Geoespacial”
(NGA) admitiu que as cartas atrás citadas
continham, desde 2011, erros que podiam
ser superiores a 7 milhas, mas que falhou
na substituição da carta DNC Coa11D nos
navios.
Haverá poucas dúvidas de que este acidente é o retrato exacto dos riscos que se
correm quando as guarnições ou tripulações
vão para o mar sem a suficiente preparação
e treino. E daí julga-se pertinente relembrar
a recomendação inscrita nos Relatórios Estatísticos 1 e 2 - 2013 do GAMA (Gabinete
de Investigação de Acidentes Marítimos), e
que foi transcrita na crónica de Segurança
Marítima da RM publicada no número de
Março / Abril último, tendo como propósito assistir ao sempre desejado aumento da
segurança nas águas portuguesas:
A reformulação dos cursos e programas
· revistademarinha.com
de formação para marítimos no sentido do
aumento das componentes relacionadas
com as áreas da segurança marítima - em
particular a segurança coletiva a bordo, a
segurança pessoal, a segurança da navegação, a segurança no trabalho e a segurança do meio ambiente - e, também, das
componentes de marinharia e estabilidade.
Sem dúvida que esta recomendação
continua a ter hoje plena actualidade. Na
realidade, não se vislumbra qualquer alteração nos conceitos de formação dos marítimos portugueses nem na verificação das
suas aptidões ao longo das suas carreiras.
Antes se verifica a insistência da formação
baseada em simulador ou até de ideias
de ensino à distância, sem se anunciar a
necessidade de haver um navio para proporcionar o embarque dos formandos e aí,
sim, se verificarem as suas aptidões para o
desempenho da actividade enquanto embarcado, pormenor que não consta dos
programas das várias matérias leccionadas.
Mas isto será tema para uma próxima crónica.
*
[email protected]
NOTA:
O autor não segue o novo A.O.
69
83.O Ano
Comunicação debaixo de água
Parte II
por Paulo Franco*
a Crónica de Mergulho publicada na última RM introduzimos o
tema da Comunicação debaixo de
água, refletindo sobre os condicionalismos
e características da troca de informação
em imersão, abordando as principais diferenças e limitações que o meio aquático introduz às habituais capacidades e
técnicas humanas de comunicar. Identificámos e caracterizámos também as formas mais simples e menos tecnológicas
habitualmente utilizadas para comunicar
debaixo de água, percebendo melhor a
forma como são utilizadas e as vantagens
e limitações destes métodos de troca de
informação.
Nesta segunda e última crónica dedicada a este tema, vamos continuar a desenvolver esta temática, abordando alguns
dos métodos mais complexos e tecnológicos habitualmente utilizados por mergulhadores para trocar informação entre si e
de que forma estas tecnologias procuram
atenuar, tanto quanto possível, as dificuldades postas pelo ambiente aquático à
comunicação efetiva.
A capacidade de comunicação oral distingue-nos e diferencia-nos de outras espécies pela complexidade da nossa linguagem e capacidade de transmitir um vasto
e variado conjunto de ideias e conceitos,
dos mais simples e concretos aos mais
abstratos. Os mergulhadores sempre ambicionaram poder utilizar livremente esta
ferramenta de inolvidável valor debaixo de
água, mas, devido aos constrangimentos
imposto pelo meio aquático, só com o
desenvolvimento tecnológico foi possível
alcançar este desiderato.
A receção, através do aparelho auditivo humano, não é um grande problema,
uma vez que a água é um excelente meio
de propagação sonora, no entanto, para
poder utilizar a comunicação oral de baixo de água é necessário ultrapassar, em
primeiro lugar, a barreira imposta por esta
à produção de som através do nosso aparelho vocal.
O hidrofone é um equipamento bastante
simples, fundamentalmente limitado à comunicação unidirecional entre a superfície
e os mergulhadores. Este sistema pode
ser composto por uma coluna, um microfone subaquático, ou ambos, permitindo
a receção (microfone) ou transmissão de
N
70
A possibilidade de comunicar debaixo de água
utilizando todas as ferramentas disponibilizadas pelo nosso aparelho vocal cria uma nova
realidade para os mergulhadores, aumentando a segurança e o controlo e enriquecendo
a experiência de mergulho. (Fonte: https://
oysterdivingshop.com/products/ocean-reef-neptune-space-gdivers-full-face-mask).
sons (coluna) em frequências específicas,
podendo trabalhar dentro do espectro audível do ouvido humano. São muito utilizados como escutas passivas em estudos
científicos de animais marinhos (exemplo,
o estudo da comunicação dos mamíferos
marinhos). Na comunicação com mergulhadores, esta tecnologia está limitada
por necessitar de grandes potências para
alcançar distâncias aceitáveis, pelo que
é habitualmente utilizada para comunicar
com mergulhadores em áreas confinadas
como piscinas, tanques ou zonas de trabalho restritas. É a ferramenta ideal para
“criar” música ambiente em meio subaquático.
Para ser possível comunicar entre mergulhadores e entre estes e a superfície, é
necessário criar um espaço gasoso que
permita uma aproximação às condições
de funcionamento ideal do nosso aparelho
vocal. Para isso, é preciso utilizar máscaras faciais ou capacetes de mergulho, que
permitem criar esta condição (abordamos a
utilização de máscaras faciais em mergulho
recreativo na Crónica de Mergulho da RM
1014, de mar / abr 2020). Estes equipamentos têm integrados microfones e colunas, com sistemas de membranas hidrófobas, permeáveis aos gases respiráveis,
mas impermeáveis à água, o que permite
funcionarem a diferentes pressões, manten-
A utilização de hidrofones, podendo ser usada para transmitir informação para mergulhadores debaixo de água, é mais utilizada para escuta passiva de sons, nomeadamente no estudo de vocalizações de animais marinhos. (Fonte: https://blog.divessi.com/the-sound-of-the-deep-sea-3680.html).
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Mergulho
Os sistemas de comunicação “com fio”, garantem uma qualidade superior, uma vez que não
são afetados por fatores ambientais e podem
recorrer a frequências com maior capacidade de transmissão. Por outro lado, limitam os
movimentos do mergulhador. (Fonte: https://
www.dvidshub.net/image/3253715/fort-mccoy-ice-dive-recovery).
do simultaneamente os circuitos eletrónicos
incorporados protegidos da água.
Naturalmente, para existir uma comunicação efetiva, há que vencer os obstáculos
impostos pelo meio à transmissão da informação. Para possibilitar a comunicação
entre mergulhadores ou entre estes e a
superfície, existem duas possibilidades, recurso a um cabo de ligação (com a superfície) ou em modo “sem fios”, através de
ultrassons, em frequências tradicionalmente entre os 30 e 40 kHz. Os sistemas “com
fios” garantem uma melhor qualidade na
comunicação, como consequência da sua
independência de fatores ambientais, obstáculos, posição dos mergulhadores e da
possibilidade da utilização de uma gama
maior de frequências de transmissão, com
maior capacidade de transporte de dados,
no entanto, limitam a liberdade do mergulhador dentro de água, em consequência
da ligação física à superfície. Já com os
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
As máscaras faciais com sistema de comunicações “sem fios” permitem aos mergulhadores falar
entre eles e com a superfície sem limitação de movimentos. (Fonte: https://www.lonestarscuba.
com/continuing-education/diving-specialties/padi-full-face-mask-diver/).
sistemas “sem fios” pode estabelecer-se
comunicações entre vários mergulhadores
e a superfície simultaneamente, podendo
inclusive, existir frequências diferentes nos
mesmo equipamento para poder definir
diferentes grupos de emissão/receção.
Estes sistemas têm alcances médios que
podem chagar a 200 - 300 m em condições ideais. Uma das limitações destes
sistemas é não permitirem comunicações
“full-duplex”, o que significa que os intervenientes na comunicação não podem falar
simultaneamente (como numa conversação ao telemóvel, por exemplo). Em vez
disso têm de falar um de cada vez (“half-duplex”), como num walkie-talkie ou rádio
CB / VHF em que cada um tem de esperar
a sua vez para falar, utilizando procedi-
· revistademarinha.com
mentos específicos de chamada e troca
de emissor. Esta limitação deve-se às frequências necessárias para garantir a propagação debaixo de água serem baixas
(na gama LF), não permitindo transmissão
de grandes volumes de dados.
Com esta crónica, terminamos o conjunto de textos dedicados às comunicações subaquáticas. Tendo inicialmente
abordado as limitações à transmissão de
informação debaixo de água e os métodos
mais simples de comunicação, abordamos nesta crónica os principais métodos
e equipamentos de maior complexidade e
tecnologia, identificando as suas principais
características, vantagens e limitações.
*
[email protected]
71
83.O Ano
DTOceanPlus: a descarbonização
do setor elétrico passa pelos oceanos
por Francisco Correia da Fonseca*
s nossos mares e oceanos são
uma das maiores fontes de energia renovável limpa no planeta,
com o potencial para satisfazer uma fração significativa da procura global de eletricidade. Hoje, estima-se que a energia
dos oceanos poderá desempenhar um
papel importante na resposta a um dos
maiores desafios atuais à escala mundial:
a descarbonização do setor energético.
No que diz respeito à Europa, a este desafio acresce a necessidade de fazer uma
transição de um sistema elétrico baseado em combustíveis fósseis importados,
para um sistema flexível e interligado, baseado em recursos endógenos, limpos,
renováveis e infinitos.
Tendo em conta as metas estabelecidas no acordo de Paris e o reconhecido
potencial das energias dos oceanos, a
Comissão Europeia tem vindo a apoiar
a investigação e inovação no sector, tal
como o desenvolvimento de tecnologias
promissoras para aproveitamento dessa
energia. Hoje, um dos grandes desafios
da energia dos oceanos prende-se nos
ainda elevados custos de produção de
eletricidade, que refletem a baixa maturidade das tecnologias. Contudo, à se-
O
72
Instalação do C3, protótipo
do conversor de energia
das ondas da CorPower
Ocean, parceiro industrial
do DTOceanPlus,
em Orkney, Reino Unido.
Foto de Colin Keldie.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Energias Renováveis Marinhas
melhança do que aconteceu nos últimos
anos com os fotovoltaicos e a energia
eólica onshore, que têm vindo a reduzir
os seus custos de produção de eletricidade para valores abaixo dos da energia
produzida por centrais a gás e a carvão,
esta questão poderá ser ultrapassada
com o desenvolvimento de instrumentos e processos adequados para apoiar
a inovação tecnológica e o crescimento
do mercado.
O DTOceanPlus é um projeto H2020
de três anos (2018 – 2021) financiado
pela Comissão Europeia, que tem como
objetivo acelerar a comercialização das
tecnologias de aproveitamento da energia dos oceanos. O projeto consiste em
desenvolver e validar um pacote de ferramentas computacionais com o mesmo
nome, gratuito e em código aberto, de
projeto e apoio à decisão no planeamento
de parques de energia das ondas e das
marés. Com o intuito de promover inovação tecnológica desde a conceção até à
implementação, o software DTOceanPlus
irá não só apoiar o utilizador no projeto
de parques de energias marítimas, mas
também na seleção de tecnologias promissoras, guiar o processo de investigação e desenvolvimento tecnológico e
fornecer ferramentas para avaliar projetos
do ponto de vista ambiental, social e de
investimento financeiro.
O projeto DTOceanPlus conta com um
financiamento total de 8 M€ e a contribuição de 18 parceiros internacionais e
de 2 laboratórios de referência dos Estados Unidos. No passado mês de maio
de 2020, dois anos após o arranque do
projeto, o DTOceanPlus lançou a primeira
versão alfa das ferramentas, uma etapa
crucial no desenvolvimento do software. Enquanto líder de várias tarefas do
demonstrar as capacidades do software
e formar os futuros utilizadores das ferramentas.
Mais informações sobre o projeto estão disponíveis em www.dtoceanplus.eu
projeto, o WavEC é responsável pelo
desenvolvimento de duas ferramentas:
a ferramenta logística para otimizar a infraestrutura (embarcações, equipamentos, portos/estaleiros navais) necessária e
o planeamento das operações marítimas
de instalação e manutenção de parques,
assim como a ferramenta económica,
para avaliar a viabilidade económica e financeira de um dado projeto de energias
marítimas.
Ao longo dos próximos meses, as ferramentas serão testadas e validadas em
cenários reais, até que a versão final do
software seja lançada e disponibilizada
publicamente. Até lá, os parceiros do
projeto irão lançar iniciativas de educação e formação abertas ao público para
* Engenheiro
Offshore Operations Specialist
WavEC - Offshore Renewables
Este projeto recebeu financiamento da União
Europeia, através do programa Horizon 2020
research and innovation, com a grant agreement n° 785921.
Zero
O Sunsailer 7.0
e o CAT 12.0 são barcos
totalmente movidos a
energia solar e construídos com
os mais exigentes padrões
ambientais e de sustentabilidade.
Desenhados e fabricados em
Portugal pela Sun Concept, são
a melhor opção para operadores
turísticos, navegadores
apaixonados, amantes de
mergulho ou desportos náuticos.
consumos
Toda a liberdade
FAÇA PARTE DO FUTURO
DO MAR
PRESENTES NA NAUTICAMPO 2019
Área Empresarial de Marim, Lote D
8700-221 Olhão – Algarve
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
· revistademarinha.com
+351 912 258 413
[email protected]
sunconcept.pt
73
83.O Ano
Dia D + cinco
por Rui Matos*
omenagear e lembrar os que se
sacrificaram no passado para termos o Mundo de hoje, um mundo
melhor, pode ser feito de várias maneiras
… neste hobby, no modelismo, isso é um
pouco mais fácil de mostrar, embora se tenha mais trabalho de bastidores.
Trago-vos hoje mais um trabalho do António Marranita, aproveitando ao máximo o
período de confinamento que a atual pandemia da COVID 19 nos trouxe, fez este
e mais três projetos – alguns ainda não
terminados.
Quis mostrar este diorama nesta crónica, pois é uma boa homenagem ao que se
passou em 1944 nas praias da Normandia, não higienizando o próprio Dia - D,
mas porque tudo não se resumiu apenas
ao dia 6 de junho. É sempre necessário haver reforços, é necessário haver logística,
provisões, combustível, mais munições e
todas as coisas necessárias ao desempenho e continuação da missão, e este diorama mostra isso de uma forma “calma” e
atrativa.
Não preciso de elogiar (mais) os trabalhos, o engenho e o “pensar fora da caixa” dos projetos elaborados pelo António
Marranita. Este é apenas mais um, sempre
aliados ao rigor histórico e aos engenhos
H
74
Modelismo
que ele reproduz. Este, à escala 1/72, é
a secção dianteira, a proa, de uma LCT
(Landing Craft, Tank) Mk III inglesa, representando uma cena na Gold Beach, no Dia
D + 5, onde os desembarques já são mais
calmos, com máquina de apoio logístico e
as tropas desembarcadas podem proceder para os pontos de reunião de forma
a reforçar a frente e poderem continuar a
batalha.
Desde a disposição da secção da LCT,
o pormenor da praia e da água, a dinâmica
calma com que as tropas recém-desembarcadas passam e olham para o que está
como eles a chegar à Gold Beach, como
um Sherman Firefly em segundo plano e
o menos comum (pelo menos nas representações que tenho visto) trator D7, fazem deste diorama um dos meus favoritos,
dos muitos trabalhos saídos do “Estaleiro
Marranita”.
Alguns dos elementos são de modelos adquiridos (Sherman Firefly, da marca
PSC, com decalques específicos da 8th
Armored Brigade, da marca alemã Peddinghaus) e as figuras são da marca AB
Figures… já a LCT e o trator foram desenhados e impressos em 3D. Se no caso do
trator foi uma impressão “direta” (apenas
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
os detalhes mais pequenos foram posteriormente acrescentados), já na LCT foi
impressa a estrutura base, sendo depois
laminada com plástico, adicionados os
detalhes de forma a se perceber o que é,
mesmo mostrando apenas uma secção.
O esquema de pintura da lancha, normal
para a Royal Navy, dá ainda mais impacto
à cena, já de si interessante, de todos os
pontos de vista.
O facto de nesta escala ter sido utilizada
· revistademarinha.com
resina transparente para fazer a água eleva
ainda mais o nível de perfeição do trabalho
apresentado.
Ficam aqui algumas imagens do trabalho que acabei de descrever… que espero
que gostem, tal como eu gostei. Continua,
Marranita! Parabéns!
Bons modelos!
*
[email protected]
75
83.O Ano
O Match Racing em Portugal
- Declínio (3ª parte)
por António Peters*
Não existem galinhas de ovos de
ouro….
Os barcos foram postos à venda a
preço de sucata...
O certificado de óbito ao Match Racing em Portugal está concretizado,
sem luto e sem escrúpulos.
ualquer acção no mundo é normalmente composta por três vertentes
na sua vivência temporal: criação,
apogeu e declínio. Umas há que surgem,
desenvolvem-se e terminam de imediato
após concretizados os objectivos do seu
propósito, acaba por não ter sentido um
prolongamento ou repetição com os mesmos protagonistas; poderemos exemplificar: um casamento. Outras, são criadas
na tentativa de perdurarem o maior tempo
possível na perspectiva que a sua “morte”
se torne intemporal, é difícil, mas por norma é o objectivo. As acções com modalidades desportivas e os seus eventos são
bom exemplo disso.
Nos últimos dois artigos relembrámos
a história do surgimento do Match Racing
(MR) em Portugal, e do seu desenvolvimento, que se previa e desejava capaz de
se prolongar por muitos anos, contudo a
terceira vertente acabou por ditar a lei im-
Q
76
placável e encurtar a sua vivência. Estamos em 2020 e não há MR em Portugal, e
é sobre isso, com que iremos hoje finalizar
esta história.
Em 2001, quando a prática da actividade da especialidade de MR atingiu a fase
de apogeu e se encontrava em viagem de
cruzeiro, consequência do trabalho desenvolvido pela Comissão Nacional de Match
Racing (CNMR), tudo parecia fácil e pensava-se que nem sequer era preciso pôr óleo
na engrenagem, mas não é verdade, para
as coisas funcionarem é preciso vontade,
sabedoria e uma coisa que não se valoriza,
...uma não, …duas: “amor à camisola” e
desprendimento no objectivo de enriquecer, ou do lucro fácil. Não existem galinhas
de ovos de ouro. A CNMR protagonizava
estas duas vontades para além de outros
atributos já descritos nos anteriores textos,
no entanto quem de direito federativo na
altura acreditava em outros valores assumindo os destinos e herança do MR.
A febre da prática de MR era já um facto e as provas nacionais e internacionais
antes iniciadas e ensaiadas, como foram o
caso da “Algarve Cup”, “Land Rover Cup”
e vários campeonatos da Europa, estavam
criadas, mas não bastava, havia necessidade de serem ajustadas às circunstâncias
e geridas para todas essas vicissitudes e
objectivos, onde a manutenção das embarcações da frota federativa requeria
atenções especiais para a sua operacionalidade, os barcos não iam por iniciativa própria para estaleiro e as reparações
eram desleixadas.
Claro que a responsabilidade desta
prerrogativa de obrigações, aliada à falta
de habilitação humana da FPV pós CNMR,
eram grandes, bem como maior a incapacidade de as controlar, depreendendo-se
que o futuro breve era em tudo diferente
do exaustivo trabalho pioneiro antes concretizado. As embarcações J24, apesar
da sua excelência de robustez sofriam mazelas, necessitando de manutenção. Foi
então nessa hora que a FPV criou a falsa
ilusão de ajuda aos clubes, no privilégio,
sem ajudas económicas, de se tornarem
fieis depositários do património e se responsabilizarem por toda a gestão e organização das provas já conhecidas e a que a
comunidade velejadora se tinha habituado.
Impossível, foram incapazes de organizar
e honrar todos os compromissos do rumo
traçado. Não há galinhas de ovos de ouro.
Destino: abandono.
Entretanto, outros interesses económicos surgiram no convencimento de lu-
Desportos Náuticos
cro chorudo, não querendo desperdiçar
a ausência de alternativas para saciar a
sede nacional e internacional de provas
desta especialidade, apareceram então
empresas com embarcações privadas a
organizar campeonatos extras e sonantes
à medida dos interessados: velejadores
e promotores/patrocinadores. Foram alguns eventos organizados sem carácter
de fidelização temporal, a maioria deles em
Tróia, cujas receitas de viabilização e organização das acções eram bem superiores
às anteriores de origem federativa. Houve
mérito? Houve, mas não sustentabilidade.
Em 2016, no actual mandato federativo houve a esperança de um novo virar
de página para o MR, dois elementos da
ex-CNMR, onde um deles era o pioneiro
Armando Goulartt, tudo fizeram para recuperar a frota J24 que se encontrava a
descansar, moribunda, a Norte, em Viana
do Castelo, em atrelados já tão paralisados
como o seu destino. Conseguiu-se passaporte para a frota MR com destino à casa-mãe, a FPV em Belém, albergue condigno
para a sua permanência, local privilegiado,
acessível e viável à sua recuperação/manutenção. O Porto de Lisboa (APL), foi o
patrocinador e parceiro de excelência para
a operação, ambicionava dar ao Tejo a
vida que outrora nele existia com provas
da especialidade. O Campeonato Europeu
1998 ficou na memória.
Em Dezembro de 2016, um transporte de longas dimensões chegava à doca
de Belém com os desejados J24. Depois
de regressados e depositados em Belém,
aguardava-se a sua rápida operacionalidade. A tutela, IPDJ, convencida das mais
valias resultantes com a recuperação do
património MR, desbloqueou uma generosa verba de 10.000 € de um Contrato ProRevista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
grama, já anteriormente apresentado e orçamentado para reparação de reboques.
Foi a satisfação que se aguardava, era
uma excelente ajuda para o fim em causa,
pois a frota rodoviária era a mais carente
e dispendiosa na reparação. Os valores
monetários chegaram para esse destino,
e de imediato as propostas e vontade de
colaboração recebidas para a recuperação
foram muitas e incentivadoras, ... surpresa, do nada a aplicação dessas verbas foi
canalizada para pseudo-prioridades, que
hoje ainda não se compreendem nem se
sabe qual o seu directo destino. Estranha
reviravolta e critério!
A APL interrogava-se pela incompreensível demora na recuperação e o porquê de
· revistademarinha.com
ceder espaço nobre no local turístico mais
emblemático e desejado da comunidade
náutica, mais ainda quando os barcos permaneciam num estado de conservação e
limpeza desleixado, com a agravante de
ostentarem a imagem de marca do concorrente que anteriormente os albergava.
Era urgente deliberar-se a recuperação
da frota. Solução: por despacho presidencial federativo, os barcos foram postos à
venda completos (casco, atrelado, vários
jogos de velas, palamenta e material de
reserva) a preço de sucata, que rondou os
3.000 € cada conjunto. De imediato, um foi
vendido para Norte, sendo posteriormente os restantes três negociados a suaves
prestações, …como de crédito à habitação se tratasse.
Resta aos fundadores do MR a satisfação de ver que os J24 estão a ser recuperados com o carinho viável e protagonizado que se desejava ter acontecido
pela instituição responsável. Entretanto estranha-se o silêncio à Assembleia Geral da
douta decisão presidencial de alienação de
património desportivo, concretizada sem a
sua necessária chancela e beneplácito. No
mínimo era eticamente elegante tal procedimento.
E assim se ass(ass)ina o certificado de
óbito ao Match Racing em Portugal. Está
concretizado, sem luto e sem escrúpulos.
A Revista de Marinha pela sua idade
e idoneidade anima-se, porque sabe que
os líderes mudam e o bom nome do M(a)R
Portugal ainda será de novo reconhecido
…aqui e em qualquer lugar.
*
[email protected]
NOTA:
O autor não cumpre o novo A. O.
77
83.O Ano
Submarino alemão “capturado”
pela Cavalaria Belga (1917)
por Augusto Salgado*
ormalmente ninguém associa a
ideia de unidades de cavalaria a
capturar navios, no entanto foi o
que ocorreu no Inverno de 1795, quando
Hussardos franceses capturaram uma
esquadra holandesa que tinha ficado presa no gelo. No Verão
de 1917, e com a guerra
submarina alemã no seu
máximo esforço e eficácia, surgia nos jornais
da época uma notícia
semelhante - um esquadrão de cavalaria
belga tinha apresado
um submarino alemão.
Efetivamente, e por
um conjunto de razões
diversas – de noite,
com má visibilidade
que impedia a confirmação da sua posição,
correntes de maré muito fortes, ventos também
muito frescos e a tentativa
de contornar os campos de
minas que os Aliados tinham
colocado a fechar o Canal da Mancha - o submarino Imperial alemão UC
- 61 tinha ficado, literalmente, a seco, na
baixa mar, na praia de Wissant, a norte
N
de Bolonha. Contudo, apesar de insólito,
este não é o único dos célebres U - Boats
que encalhou durante o conflito, mas foi
o único cuja captura foi atribuída a uma
unidade de cavalaria inimiga. O UC 61 era um submarino da classe
UC-II, com cerca de 50 m de
comprimento, 25 homens de
guarnição e armado com
minas e torpedos. E, durante a sua curta carreira
de apenas sete meses,
este submarino afundou
11 navios mercantes
e um de guerra, para
além de ter danificado
dois mercantes e um
navio de guerra, quer
com minas, quer com
torpedos.
Contudo, e apesar da
notícia divulgada na époUma imagem da época
vista da proa do UC-61
já encalhado a cerca
de 600 m da praia
(Colecção particular).
ca, numa interessante e detalhada biografia sobre o infeliz Comandante do U-Boat,
o seu autor chega a conclusões diversas.
Segundo este, o submarino foi encontrado por uma jovem que, nessa madrugada,
aproveitava a maré para apanhar alguns
caranguejos. Pensando tratar-se de um
navio francês, a jovem dirigiu-se ao posto
da Alfandega mais próximo, mas, no caminho, encontrou um “guarda-costeiro” que
tinha como missão combater o contrabando e recolher tudo que desse à praia. Esse
elemento, e agora acompanhado de dois
elementos da alfândega, dirigiram-se então até ao submarino. Percebendo que se
tratava de um navio alemão, regressaram
a terra para pedir instruções e apoio. Ao
regressarem ao submarino, já cerca das
07H30 da manhã, encontraram a guarnição já desembarcada e, subitamente, uma
explosão destrói-o parcialmente. Ao chegarem a terra firme os alemães são esperados por elementos do 5º Regimento de
Lanceiros belgas, que se encontravam em
repouso na zona e que se limitaram a es-
Uma vista da popa,
onde se vêm os efeitos
da explosão provocada
pela própria guarnição
do UC-61 (Colecção
particular).
78
Património Marítimo
coltar os alemães até ao local onde foram
interrogados.
Contudo, as notícias que foram publicadas nos jornais nos dias seguintes fizeram “desaparecer” o “guarda-costeiro”
e “transformaram-no” em lanceiro e incluíram até uma carga heroica da cavalaria contra o submarino, e o regimento de
Lanceiros passou a ser designado por os
“submarinos”.
No entanto, as alterações à nossa história não acabam aqui. Apesar da explosão
que os alemães provocaram no submarino, com intenção de evitar que este caísse
em mãos inimigas, muito do submarino
ainda estava intacto, incluindo a torre do
U-Boat. E, nesta, é descoberto um buraco,
quase de certeza provocado por um projétil de artilharia, de calibre naval, que não
terá explodido. É com esta informação que
surge, então, a versão que o submarino
acabou encalhado e foi capturado pela cavalaria belga, porque tinha sido danificado
pelos navios ingleses que patrulhavam as
barragens Aliadas de minas e redes do Estreito de Dover. Na verdade, o projétil terá
entrado e saído sem provocar qualquer
dano de maior.
Ou seja, apesar de estarmos perante
uma situação ocorrida num passado “próximo”, este caso, à semelhança de muitos
outros, foi “contaminado” na época. No
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
Vestígios do que resta
do UC-61 atualmente
(wikipedia).
entanto, importa perceber o que está por
detrás destas alterações à nossa história e
que dificultam imenso o trabalho de investigação dos historiadores.
Assim, no Verão de 1917 importava
avivar o espírito combativo dos belgas,
que desde há quatro anos tinham a quase
totalidade do seu território ocupada pelos
alemães. Nada melhor do que a captura de
um dos temíveis U-Boats, ainda por cima
de uma forma inédita. Do mesmo modo
que ao Almirantado Britânico importava
realçar a eficácia das barreiras submarinas
que, na realidade, estavam a revelar-se
pouco eficazes. E, para adensar a situação, mais tarde o depoimento do Comandante do UC-61 refere que o submarino
estava cercado por lanceiros, e também
· revistademarinha.com
por quatro patrulhas de luta anti-submarina. Contudo, estes apenas conseguiram
fundear ao largo, e apenas quando a guarnição alemã já tinha abandonado o seu
submarino.
Este pequeno episódio, ocorrido há
pouco mais de 100 anos, mostra bem as
dificuldades que um historiador tem durante as suas investigações, e que me levam
a dizer muitas vezes aos meus alunos que
… a História é muito mais difícil que a Matemática.
* Oficial da Armada e Investigador do CINAV
MAIS LEITURAS:
Chris Heal, Sound of Hunger, London, Unicorn
Publishing, 2018.
79
83.O Ano
ÁFRICA, DE PARAÍSO FASCINANTE
A INFERNO INESPERADO
MEMÓRIAS DE UM MILICIANO (RESERVA NAVAL)
Editado em Lisboa em 2019 e já apresentado em sessão da Academia de Marinha a 3 de Julho desse ano, este livro
de 334 páginas, da autoria do Prof. Dr.
Ferreira Coelho, incide especialmente nas
suas memórias enquanto oficial médico
no cumprimento do Serviço Militar em África, na Companhia de Fuzileiros nº 1, em
Moçambique, em 1969/1970, que complementa com muitas fotografias e diversa
documentação.
Com um Prefácio do Prof. Dr. António
de Sousa Lara realçando o contributo desta obra para a literatura
sobre o antigo Ultramar Português,
destaca não só a experiência do
autor como médico na luta pela
vida e no compromisso da saúde
pública, como os afectos: os objectos de artesanato local recolhidos. Segue-se–lhe uma “Avaliação
Vinculativa” elogiosa da autoria
do V/Alm. Alexandre da Fonseca,
contemporâneo em Moçambique
com o autor, mas embarcado
numa fragata, que nos guia, num
percurso de 4 páginas, por este
trabalho. Não poderíamos concordar mais com a observação
de algum exagero do subtítulo “…
inferno inesperado”, comparativamente com a vida doutro pessoal
de Marinha envolvido em operações militares de elevado risco no
combate à Frelimo.
Nas notas introdutórias do autor que se seguem, uma curiosa
referência às colocações dos seus
4 colegas médicos de serviço militar, 2 dos quais também colocados
em Moçambique. Descreve seguidamente o Moçambique de então
e uma breve descrição de Metangula, não esquecendo de salientar
as influências que sobre si tiveram
alguns antepassados seus, passando em
seguida a dar bastante informação sobre o
que era a Reserva Naval e o seu Curso, o
13º, enumerando todos os elementos que o
compunham. Coincidindo com esse período de formação nasce o seu primeiro filho,
que mais tarde, no seu período no Niassa
volta a ser referido nalgumas peripécias
que ali aconteceram. Também dos estágios
dessa formação nos dá conta, passando
pelo Hospital de Marinha (hoje inexistente) e
pelo navio hidrográfico em que fez a sua via80
gem de instrução, viagem marítima que iria
voltar a fazer para Moçambique já integrado
na sua Unidade de Fuzileiros comandada
pelo então 1º Ten Dias Costa, desta vez a
bordo do N.R.P. SÃO GABRIEL.
De Lourenço Marques o autor dá-nos
conta do que mais saliente se podia ver
nessa cidade, bem como de alguns aspectos da sua vida profissional, exterior à
Marinha, no campo da investigação, para
nas páginas seguintes tratar a etapa seguinte da comissão da sua Companhia,
a deslocação até Nacala a bordo de uma
unidade naval. Desse porto seguiu por via
férrea e em seguida em viatura até Meponda, já no Lago Niassa, para daí ser transportada em lancha para Metangula. Sendo
este o seu destino nesta fase, já instalado e
acompanhado pela mulher e filho, dá-nos
conta do enquadramento geográfico e do
tipo de vida que ali se desenvolvia dando-nos a conhecer as muito boas instalações
então disponíveis e algumas iniciativas que
ali tiveram início nesse ano de 1969, como
uma rádio e um jornal para complemento e
bem-estar do pessoal.
Incluído também neste livro um interessante e bem-humorado “postfácio”, a fls
311/314, de José Pires de Lima, também
ex-oficial da Reserva Naval, que lança o
desafio a que outros ex-militares do serviço
militar na Marinha façam perdurar a história
da “Guerra do Ultramar”. Seguem-se-lhe
dez páginas com um depoimento da mulher
do autor, Maria José, sobre a sua vivência
de 18 meses em Moçambique, primeiro em
Lourenço Marques e depois em
Metangula, relatando-nos essa sua
experiência de cônjuge e mãe, num
ambiente com muitas limitações.
No final e antes da “Nota do Editor”,
do Sr. Campos Inácio, um comentário do Eng. Manuel Agrellos, também ele ex-oficial da Reserva Naval, enriquecido com alguns dados
dos muitos de que dispõe como
ex-Comandante duma LFP operando no Lago Niassa, primeiro na Marinha Portuguesa e depois já como
unidade cedida ao Malawi com o
nome de JOHN CHILEMBWE.
Este livro traz-nos relatos e relatórios muito curiosos e interessantes - mesmo para leigos no campo da saúde e da medicina - em
que destacaríamos o da cirurgia
(lábio leporino) que transformou
a vida duma nativa até aí isolada,
porque lhe permitiu reinserir-se na
sociedade. Também na sua área
profissional o autor ocupa várias
páginas a tratar mais em detalhe
a sua actividade profissional como
único médico (onde deviam ser
dois), descrevendo um conjunto
de situações curiosas e algumas
anómalas em que esteve envolvido
com elementos civis e militares.
Não queríamos terminar esta
apreciação sem referir um aspecto menos positivo nesta obra, mas susceptível
de correção numa próxima edição: a falta
duma revisão profissional, fotografias repetidas sem justificação, outras retiradas da
web, sem menção da origem e de fraca
qualidade.
JPVB
OBSERVAÇÃO:
O autor deste comentário não segue o A.O.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Escaparate
GIL EANNES, O ANJO DO MAR
Publicado em setembro 2019, em edição bilingue - português e inglês- numa
feliz iniciativa da Fundação Gil Eannes,
este livro é da autoria de João David Batel Marques, com design de Rui Carvalho
e profusamente ilustrado com excelentes
fotos e imagens.
Na capa, uma sugestiva foto da campanha do bacalhau de 1955, com a visita
do então Cte. Henrique Tenreiro ao lugre
ARGUS.
O Engº José Maria Costa, Presidente
da Câmara Municipal de Viana do Castelo e Presidente da Fundação Gil
Eannes, apresenta-nos esta obra,
referindo nas primeiras páginas a
honra que constitui para a cidade
de Viana do Castelo poder acolher na sua antiga doca comercial,
um navio que é marca inconfundível da sua cidade e simultaneamente museu, construído em
1955, precisamente ali, nos antigos Estaleiros Navais de Viana
do Castelo, para apoiar de vários
modos a nossa frota bacalhoeira.
Atracado desde 1998 em Viana
do Castelo, ele é … memória viva
do passado marítimo e da construção naval da cidade e do país, nele
funcionando também o “Centro de
Mar”, com um Centro Interpretativo Ambiental, um percurso museológico da cultura marítima local,
assim como outras valências.
Neste interessante livro se narra a história do navio GIL EANNES, intimamente
ligada às dificuldades e dureza de vida dos
homens do mar que partiam para a faina
do bacalhau em mares gelados e distantes
- onde tantos morriam ou sofriam graves
acidentes de trabalho - sob condições climatéricas particularmente adversas, longe
das famílias e da pátria, e sem qualquer
apoio médico, durante os longos períodos
Revista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
em que embarcavam nos pequenos “dóris”.
Só em 1923 - depois de informação
prestada por estrangeiros e pela Associação de Oficiais da Marinha Mercante de
Ílhavo, no sentido de ser necessário enviar
um navio-hospital para prestar assistência às tripulações portuguesas nos lugres
bacalhoeiros – foi decidido pelo Governo
de então o envio do cruzador CARVALHO
ARAÚJO.
O 2º Ten Médico Carlos Borges, ali
embarcado, enviou então um relatório im-
pressionante, dizendo … nunca será possível ajuizar o que esses infelizes passam
e sofrem nessa vida horrorosa de todos
os dias. O Comandante do navio, Octávio
Moreira, por seu turno, teceu várias considerações e recomendações sobre o tipo
de navio necessário, que não aquele cruzador.
E assim surgiu o primeiro GIL EANNES,
um navio alemão (ex-LAHNECK), apresa-
· revistademarinha.com
do no Tejo durante a 1ª Grande Guerra
Mundial, e convertido em navio-hospital na
Holanda, que pela primeira vez foi enviado
em 1927 para os Bancos da Terra Nova.
Mais tarde, já em 1955, veio a ser substituído pelo novo GIL EANNES, construído
nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo
sob projeto e direção do C. m. g. ecn Vasco Taborda Ferreira.
Nas palavras do Prof. Dr. José Hermano Saraiva … a sua presença nos mares
era antes de tudo uma presença de solidariedade humana, navio-hospital para os
enfermos, navio-apoio para os
necessitados, navio-igreja para
os crentes. É um navio único no
mundo; não há outro que tivesse
uma missão assim, uma glória nacional!
Por tudo isso a Fundação Gil
Eannes pretende manter este
navio, hoje museu, como … um
lugar de transmissão de conhecimento da História Marítima Portuguesa em geral, e da epopeia do
bacalhau em particular, da construção naval vianense e da cultura
passada, presente e futura.
Grata pela amável oferta deste livro, a Revista de Marinha
felicita o seu autor e a Fundação
Gil Eannes, pela oportuna iniciativa da publicação desta obra, mais
um excelente contributo para
guardar memória do notável passado marítimo de Portugal.
O livro, que custa 5€, está disponível nas
lojas do navio-museu GIL EANNES, em
Viana do Castelo, do Museu Marítimo de
Ílhavo e do Museu de Marinha, em Lisboa.
Poderá também ser solicitado à Fundação
Gil Eannes através do e-mail
[email protected] e/ou tel 25 880 9710.
F.F.
81
83.O Ano
O ARTIGO 76º DA CONVENÇÃO
DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE O DIREITO DO MAR
A aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) em 1982 e a sua entrada em vigor em
16 de novembro de 1994 representaram
um avanço muito significativo na evolução
do Direito do Mar. Contrariamente ao que
acontecera nas Convenções de Genebra
de 1958, não havia a força inspiradora
dessa importante fonte que é o “costume
internacional”, tratando-se agora, verdadeiramente, de definir em fórmulas jurídicas consistentes, importantes conceitos e
figuras – alguns criados ex-novo – e não
apenas codificar normas consuetudinárias
preexistentes; foi assim construído
um novo Direito Internacional Marítimo voltado para o futuro.
No que concerne aos espaços
marítimos tradicionais, nomeadamente à “plataforma continental”,
sendo consensual a sua definição jurídica como compreendendo o leito
do mar e o subsolo das regiões submarinas que se estendem além do
mar territorial do Estado em toda a
extensão do prolongamento natural
do seu território terrestre, é fora de
dúvida que a ausência de um critério
objetivo para a fixação do seu limite
exterior – até uma profundidade de
200 m ou, para além deste limite,
até ao ponto onde a profundidade
das águas suprajacentes permite a
exploração dos recursos naturais
(cfr. art 1º da Convenção de Genebra sobre a Plataforma Continental
de 1958) – era geradora de dúvidas
e conflitos crescentes, mostrando-se claramente desajustada da realidade, atentos os desenvolvimentos
tecnológicos entretanto verificados.
Assim, de forma inovadora, a
nova Convenção vem estabelecer
no seu artº 76º uma definição jurídica
da plataforma continental, em particular dos seus limites, os quais se
estendem agora até ao bordo exterior da
margem continental ou até uma distância
de 200 mi das linhas de base a partir das
quais se mede a largura do mar territorial,
nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância,
não devendo em qualquer situação exceder as 350 mi das linhas de base ou as
100 mi a partir da isóbata dos 2.500 m.
Concomitantemente, o Anexo II à Convenção vem estipular que quando um Estado
Costeiro tiver intenção de estabelecer o limite exterior da sua plataforma continental
82
além das 200 mi, deverá apresentar à Comissão de Limites para a Plataforma Continental as características do limite pretendido juntamente com informações cientificas
e técnicas de apoio.
É justamente sobre esta problemática
que incide o livro que ora comentamos,
da autoria de Paulo Neves Coelho, o qual
desde logo, pela sua manifesta atualidade
e importância para o nosso País, se reveste do maior interesse. Na extensa obra o
autor aborda desenvolvidamente dois temas interligados. Na primeira parte, após
uma breve referencia à evolução histórica
do limite exterior da plataforma continental,
procede a uma detalhada análise conceptual do artº 76º da CNUDM; sendo certo
que a Convenção usa termos científicos
num contexto jurídico, o qual algumas vezes se afasta significativamente das definições e da terminologia cientificamente
aceites, o autor explicita a dualidade dos
conceitos – comuns ao Direito e às geociências – para de seguida descortinar
como se devem articular e aplicar no contexto do artº 76º, procedendo assim a um
exaustivo labor interpretativo tendo em
vista a determinação do bordo exterior da
margem continental e, a partir deste, do limite exterior da plataforma continental.
Por outro lado, numa 2º parte do livro, o
autor desenvolve o tema da Comissão de
Limites da Plataforma Continental (CLPC)
focando matérias relativas à composição,
funções e competências desta e salientando que a definição dos limites exteriores da
plataforma continental é um ato unilateral
do Estado costeiro, sendo que o reconhecimento internacional desses limites depende
da obtenção de recomendações favoráveis
da CLPC. Neste contexto o autor aborda
ainda algumas questões relativas aos
processos no âmbito da Comissão,
fazendo também uma referencia aos
meios previstos na CNUDM para resolução de controvérsias relativas à
definição do limite exterior da plataforma continental para além das 200
mi por um Estado costeiro, embora
este não possa agir contra a CLPC
caso não concorde com as recomendações por ela emitidas, restando-lhe
apenas apresentar-lhe uma proposta
revista ou nova proposta.
Em todas estas matérias, de natural complexidade, até pela sua natureza interdisciplinar, o autor mostra
grande mestria e segurança na abordagem das questões, desenvolvendo
uma interessante reflexão crítica estribada num bom domínio teórico dos
conceitos e numa esclarecida visão
pratica da sua interpretação e aplicação, a que não será alheia a sua experiência anterior como jurista conceituado da “Estrutura de Missão para a
Extensão da Plataforma Continental”.
A presente obra, que revela um
grande esforço de pesquisa, contém
ainda uma abundante bibliografia
bem como várias figuras ilustrativas
que ajudam a melhor compreender
o conteúdo de um texto redigido de
forma escorreita e rigorosa. Embora trate
de um tema muito especializado, mesmo
no âmbito da literatura jurídica, constitui
uma importante obra de referência cuja leitura se recomenda.
Aos interessados aqui deixamos os
contactos da Editora Chiado Books, e-mail
[email protected], tel 21 346
0100, endereço postal Edifício Chiado, rua
de Cascais, nº 57, Alcântara, 1300 – 260
Lisboa
revistademarinha.com
J. L. Rodrigues Portero
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Escaparate
REVISTA MAIS ALTO
Desde a sua fundação, em 1959, que
a revista Mais Alto se dedica a divulgar
a história da nossa aeronáutica militar
e a participar ativamente na celebração
das suas efemérides.
É uma revista virada
principalmente para o
público interno da Força Aérea Portuguesa
(FAP) à semelhança da
Revista da Armada e
do Jornal do Exército.
Com uma periodicidade bimestral, nas
suas 60 páginas aborda notícias e temas da
atualidade, atividade
operacional, informações sobre aeronaves
e equipamentos e temas históricos ligados
à aeronáutica.
O número que hoje comentamos, referido a fevereiro de 2020, faz capa com a
aeronave KC-390 Millenium, a que se segue um longo artigo, de 14 páginas, nesta temática. A necessidade de substituir
a frota de C-130 H da Força Aérea levou
à assinatura, em agosto de 2019, de um
contrato para a aquisição de 5 aeronaves
KC-390, de um full mission simulator e
de flares e equipamento de guerra eletrónica. Trata-se de um avião de transporte estratégico, de
grande raio de ação,
com uma capacidade
de transporte máximo
de 26 tons, ou de 80
militares equipados. É
uma plataforma muito
flexível, tendo também capacidade para
evacuações médicas,
combate a incêndios
florestais e “busca e
salvamento”. Aguarda-se que a primeira
aeronave, já em construção, seja entregue
em 2023.
Este número inclui
ainda um interessante artigo acerca dos
“recuperadores-salvadores”, onde se assinala a colaboração com a Marinha, um
texto sobre os T-38 TALON, as primeiras
aeronaves supersónicas que equiparam
a Força Aérea e dois artigos de caracter histórico, “O Centenário da Granja do
Marquês”, assinalando a instalação da
aeronáutica militar em Sintra, e “A Avia-
ção como Eixo das Relações Luso-Alemãs”, abordando as negociações que
deram origem à base aérea de Beja e ao
Ponto de Apoio Naval de Troia.
Completam este número algumas notícias, designadamente uma referência ao
falecimento do General José Lemos Ferreira, a celebração eucarística do Breve
“Aligera Cymba”, pelo qual o Papa João
XXIII declarou Nª Senhora do Ar como
padroeira dos aviadores portugueses, a
visita do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa ao CFMTFA, na Ota,
para presidir a um Juramento de Bandeira
e diversas Rendições de Comando.
Em síntese, uma revista de muita
qualidade gráfica e editorial, dedicada a
temas aeronáuticos, de muito interesse
para os militares da FAP e para quem
acompanha estas matérias.
Ao seu Diretor, General Lopes da Silva, e à sua tripulação, os nossos calorosos parabéns!
Esta revista pode ser objeto de assinatura, com um custo anual de 11€;
aqui deixamos os contactos da redação,
tel 21 472 3511, e-mail malto_admpub@
emfa.pt , endereço postal Av. da Força Aérea Portuguesa, nº 1, 2614-506 Amadora.
A.F.
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
SOBRE O DIREITO DO MAR
A extensão da Plataforma Continental
portuguesa é um desígnio nacional do
maior interesse, económico, científico e
de proteção ambiental, que foi iniciado
há mais de uma década. Decorre atualmente, em subcomissão da Comissão
de Limites da Plataforma Continental da
Organização das Nações Unidas, a avaliação da proposta portuguesa que tem
esse objetivo.
Diretamente empenhados nesta complexa tarefa estão o Grupo de Acompanhamento do Projeto da Extensão da
Plataforma Continental, coordenado pelo
ex-Chefe do Estado-Maior da Armada
(CEMA), Almirante Fernando Melo Gomes
e a Estrutura de Missão para a Extensão
da Plataforma Continental (EMEPC) do
Ministério do Mar dirigida pela Doutora
Isabel Botelho Leal. Este último organismo editou agora, em livro, a Convenção
das Nações Unidas sobre o Direito do
Mar. Já o fizera em 2007 e 2008 em imRevista de Marinha ·
1016 Julho/Agosto 2020
pressão executada com meios próprios
tendo agora recorrido a meios externos.
O livro em apreço contém a Convenção assinada em Montego Bay, em 10
de dezembro 1982 e o Acordo Relativo à
Aplicação da Parte XI dessa Convenção,
documentos que foram aprovados na Assembleia da República
pela Resolução n-º
60-B/97 de 14 de outubro de 1997 e ratificadas pelo Decreto do
n.º 67-A/97 da mesma
data, do Presidente
da República. São reproduzidas as versões
em língua portuguesa
e língua inglesa deste
fundamental diploma
do Direito do Mar
Destinado a ser
um importante ins-
· revistademarinha.com
trumento de trabalho dos funcionários e
colaboradores do organismo editor, que
necessitam de conhecer em detalhe e de
aplicar esta Convenção, esta edição de
450 exemplares certamente se esgotará
rapidamente, tal como aconteceu às anteriores. Bem impresso
e encadernado, com
excelente aspeto gráfico, pena é que não
esteja disponível no
mercado comercial.
Aos interessados,
indicamos os contactos da EMEPC, tel
21 300 4165, e-mail
[email protected].
pt, endereço postal,
Rua Costa Pinto, nº
165, 2770-047 Paço
de Arcos.
Luís Paiva de Andrade
83
83.O Ano
REVISTA SIGNAL
Esta revista em língua inglesa é uma publicação da AFCEA, uma associação que
juntou inicialmente técnicos de comunicações e de eletrónica das Forças Armadas
dos EUA e do complexo militar-industrial
americano, que transvazou posteriormente
para a academia, entidades governamentais e sociedade civil; e que das comunicações e eletrónica iniciais se expandiu para
computadores, ciber - segurança e para
o espaço. A AFCEA é uma associação
sem fins lucrativos, que divulga as boas-práticas do setor aos seus associados
e que permite estabelecer pontes – uma
espécie de Lyon’s Club ou Rotary’s dos
especialistas em comunicações e eletrónica. A AFCEA está organizada em “capítulos”, um dos quais sediado em Lisboa e
presidido pelo C/Alm. Engº Carmo Durão,
e dá grande atenção à juventude através
de numerosos programas e de prémios
dedicados aos Young AFCEAN’s.
O exemplar que comentamos, referido
a maio de 2020, faz capa com uma imagem das cloud capabilities, assinalando
que a tecnologia da nuvem está a invadir o planeta. O editorial é assinado pelo
Presidente, Lt. Gen. Robert Shea, USMC,
ret, intitulado Heed
the
Coronavirus
Wakeup Call, que
refere que a crise
pandémica
trouxe
preocupações acerca da segurança e
estabilidade das infraestruturas críticas
dos EUA e seus aliados. A globalização
levou a que muitos
serviços, produtos
e tecnologias passassem a ser adquiridos no exterior,
designadamente na
China, o que criou
naturalmente
vulnerabilidades.
Os
textos apresentados dividem-se por três
áreas principais, as “capacidades da nuvem”, a NATO e o espaço, a que acrescem muitas notícias ilustradas, uma reportagem sobre a Conferência “West 2020” e
as atividades dos diversos capítulos, onde
as iniciativas de Lisboa muitas vezes são
referidas. De assinalar ainda a divulgação
de numerosos webinars, muitos deles
gratuitos,
focados
em temas do âmbito
da associação.
Em síntese, uma
revista muito informativa e interessante, dirigida a quem
acompanhe a evolução das comunicações, eletrónica e
tecnologias associadas e, naturalmente,
para quem domine
a língua inglesa e o
inerente jargão técnico.
A revista é enviada gratuitamente
aos associados da AFCEA e poderá ser
objeto de assinatura por não-membros.
Aos interessados, aqui deixamos os contactos da AFCEA Portugal (capítulo de
Lisboa), tel 21 099 8277, e-mail
[email protected], endereço postal, Edifício
AIP, Praça das Indústrias, s/n, Junqueira,
1300-307 Lisboa.
REVISTA O DESEMBARQUE
Trata-se de uma publicação periódica, quadrimestral, da Associação de
Fuzileiros (AFZ), instituição com a qual
a ENN, Lda, proprietária da Revista de
Marinha, tem um protocolo de colaboração.
O nº 35, que comentamos, referido a
março de 2020, abre
com um editorial assinado pelo diretor
– e Presidente da Direção da AFZ – Cte.
Manuel Leão de Seabra, que assinala que
os Corpos Sociais
terminam em abril o
seu mandato de dois
anos e aproveita para
fazer um conjunto de
agradecimentos.
Seguem-se diversas notícias ilustradas, designadamente as referentes ao
Natal de 2019, com
a publicação de uma
mensagem do Almirante CEMA e a refe84
rente à “entrega de comando” do Corpo
de Fuzileiros, desde 18 de novembro sob
a chefia do Comodoro Paulo Silva Ribeiro. Também merecem destaque as atividades das delegações do Algarve, Beira
Alta, Douro Litoral, Juromenha-Elvas, Polícia Marítima, Núcleo de Fuzileiros Motociclistas e Radio “Filhos da Escola”, da
Divisão do Mar e de
Atividades Lúdicas
e Desportivas e dos
Cadetes do Mar Fuzileiros.
Em
interessantes artigos, “Oficial
(Cavalheiro) e Fuzileiro”, o Cte. Oliveira
Monteiro aborda as
origens da classe de
Oficiais Fuzileiros, em
“As Berliet-Tramagal
dos Fuzileiros”, o Dr.
Ricardo Rodrigues
Morais refere-se às
viaturas
pesadas
de transporte que
os equiparam e em
“Operação Leopardo” o Cte, José António Ruivo descreve o empenhamento de
fuzileiros no Zaire, em 1997.
A terminar alguns textos com recordações de comissões em África e os convívios dos Destacamentos de Fuzileiros
nº 11 (Moçambique 72/74), nº 2 (Angola
67/69), nº 1 (Moçambique 64/66) e nº 12
(Guiné 67/69). Uma palavra para o 75º
aniversário de Mário Manso, um fuzileiro
fotógrafo que por diversas vezes cedeu
fotos à RM; embora atrasados, aqui estão os nossos parabéns amigos!
Em síntese, uma publicação de elevada
qualidade gráfica, muito ilustrada e naturalmente focada nos interesses dos associados da AFZ; contudo terá certamente
interesse para quem tem curiosidade
pelas atividades das tropas especiais ou
pela Guerra de África.
Esta revista não se encontra nos circuitos comerciais, sendo de distribuição
gratuita aos membros da AFZ; aqui deixamos para os interessados os contactos da redação, tel 21 206 0079, e-mail
[email protected], endereço postal,
Rua Miguel Pais, nº 25, 1º Esq. 2830-386
Barreiro.
revistademarinha.com
· 1016 Julho/Agosto 2020 · Revista de Marinha
Arquivo Histórico
A Revista de Marinha
há mais de oitenta anos… nº 70
número da RM que hoje comentamos, referido a 18 de janeiro de
1940, faz capa com uma foto do
Ministro Ortins de Bettencourt, em fato de
cerimónia, de casaca e condecorações,
assinalando a legenda ter
completado quatro anos na
gerência da pasta da Marinha.
A abrir, um texto de sete
páginas faz uma listagem de
44 decretos-lei, decretos e
portarias, um resumo da legislação que publicou, assinalando … a sua gerência, que
compreende
remodelações
e reformas profundas, numa
obra de conjunto que revela altas qualidades administrativas,
uma energia e uma força de
vontade invulgares, completa
hoje quatro anos.
Na crónica da situação internacional intitulada “A resistência
da Finlândia levará a Alemanha
a definir uma posição perante
a Rússia” o colunista residente
Francisco Velloso analisa as relações entre a Alemanha e a União
Soviética, então aliadas depois
da partilha da Polónia. É relatada uma conferencia em Veneza
entre o Conde Ciano e o Conde
Czaki, Ministros dos Negócios
Estrangeiros de Itália e da Hungria, que … consagrou na linha do
Danúbio e em ligação com os Balcãs a criação de um novo bloco a
cuja testa a Itália aparece e que é
desde já o grande concorrente da marcha
germânica para leste, apresentando-se
como muralha anti-soviética da Europa.
O
Numa noticia ilustrada de três páginas
são indicados os factos mais importantes
ocorridos no quarto ano da gerência do
Ministro Ortins de Bettencourt.
A rubrica usual “A guerra no mar
– os acontecimentos enumerados e resumidos dia a dia” relata-nos o que aconteceu entre os dias 18 e 21 de dezembro de
1939; é dado particular relevo a um ataque
de sucesso do submarino britânico SALMON a uma força de cruzadores de batalha e cruzadores alemães.
A fechar, o artigo “Os Lloyd’s de Londres e as outras sociedades de
classificação”, assinado pelo Engº
Gago de Medeiros e que conclui
neste número. O texto aborda
com algum detalhe as convenções
internacionais relativas a meios
de salvamento e ao “bordo livre”,
designadamente às “marcas de
Plimsoll”, convenções acordadas
no início dos anos trinta do século passado e de que Portugal foi
parte.
Uma palavra para a publicidade, que neste número ocupa 26
páginas (!) e que inclui anúncios
de diversos formatos, de 1/8 de
página a página inteira, incluindo
alguns textos de publicidade redigida. Contámos 59 anúncios
das mais diversas firmas, na sua
maior parte nas áreas da navegação, da pesca, da reparação
e da construção naval e dos
equipamentos marítimos. Entre
estas firmas marcava presença
a centenária “J. Garraio & Cia”
… fabricante especializado de
bússolas e faróis para a Marinha e agente do Almirantado
Inglês e do Almirantado francês.
Um número da revista centrado na figura do Ministro da Marinha, a
quem são tecidos loas e louvores, num
estilo e registo “Estado Novo”, e que pela
publicidade angariada, que hoje nos faz inveja, terá certamente sido muito rentável.
CURSO | DIRIGENTES E EXECUTIVOS DE TOPO
LIDERANÇA &
ALTA PERFORMANCE
IMERSÃO EXPERIMENTAL EM TREINO DE MAR
CANDIDATURAS ATÉ 15 ABRIL
A REALIZAR 29, 30 E 31 MAIO
HTTP://CBSE.ISCAC.PT
[email protected]
239 802 187
83.O Ano
Associação Economia Azul - Unidos pelo Mar
Os Sistemas de Observação da Terra
INTRODUÇÃO
Os temas do desenvolvimento sustentável, da poluição, da Economia Azul são de
tal maneira importantes para o planeta, que
também na Europa estão a ser desenvolvidos sistemas de observação que permitem acompanhar a evolução das principais
variáveis, antecipando medidas corretivas.
Esta Associação acompanha com interesse
estes sistemas e procura dar a conhecer a
todos as suas potencialidades.
“COPERNICUS”
O Programa “Copernicus” é a componente Europeia da Rede Mundial de Sistemas de Observação da Terra. Tem por base
uma parceria estabelecida entre a União
Europeia, a Agência Espacial Europeia, e
os vários Estados-Membros e tem como
principal objetivo a disponibilização de serviços que permitam o acesso atempado a
dados rigorosos e fiáveis sobre o ambiente,
as alterações climáticas, o desenvolvimento
sustentável, a Economia Azul e as pescas.
Constituído por três pilares: uma Componente Espaço feita através de satélites
da família “SENTINEL”, uma Componente
In Situ com recurso a infraestruturas in situ
e uma Componente de Serviços para disponibilizar a informação de uma forma fácil
para os cidadãos e entidades com responsabilidades nas áreas da Gestão de Recursos, Segurança e Proteção Civil.
As imagens dos satélites “SENTINEL”
e toda a informação produzida no âmbito
destes serviços são distribuídos com base
numa política de acesso aberto e sem custos. Estudos socioeconómicos realizados
sobre o Programa “Copernicus” apontam
que, por cada euro investido pelo contribuinte europeu, o retorno será de 10 euros.
Prevê-se ainda que em 2030 o programa possa ter gerado na Europa cerca de
83.000 empregos e ter um retorno para a
indústria de aproximadamente 6,9 mil M
por ano.
As informações do sistema
A informação é distribuída por seis serviços, com base nos dados adquiridos:
Meio terrestre – https://www.copernicus.eu/pt-pt/servicos/meio-terrestre
Informações geográficas sobre a utilização do solo, o estado da vegetação, o ciclo
da água e as variáveis de energia da superfície terrestre.
Gestão de emergências – https://www.
copernicus.eu/pt-pt/servicos/emergencias
Informações geoespaciais derivadas de
teledeteção por satélite e completadas por
fontes de dados abertos ou in situ disponíveis, gestão de catástrofes naturais, emergências de origem humana e crises humanitárias.
Meio marinho – https://www.copernicus.eu/pt-pt/servicos/meio-marinho
Caracterização do estado do mar e dos
ecossistemas marinhos para o conjunto
dos oceanos e para as áreas regionais europeias, segurança marítima, ambiente e
recursos marinhos, regiões costeiras, previsões meteorológicas sazonais e monitorização do clima.
Atmosfera – https://www.copernicus.
eu/pt-pt/servicos/atmosfera
Informações sobre a composição da
atmosfera, a qualidade do ar, o ozono, a
radiação solar, situação atual, prevê a situação futura.
Segurança – https://www.copernicus.
eu/pt-pt/servicos/seguranca
Informação para apoiar a prevenção de
crises e aumentar a capacidade de preparação e de reposta, incluindo a monitorização de fronteiras e a vigilância e a segurança marítimas.
Alterações climáticas – https://www.
copernicus.eu/pt-pt/servicos/alteracoes-climaticas
Informações sobre o clima passado,
presente e futuro na Europa e no resto do
mundo.
ASSINATURA DA REVISTA
Assinando a Revista de Marinha recebe o seu exemplar, em sua casa, a um preço mais
económico. Envie-nos pelo correio um boletim de assinatura, acompanhado de um cheque
ou vale de correio, à ordem da firma “ENN - Editora Náutica Nacional, Lda.”, ou faça uma
transferência bancária para o nosso NIB no Banco Montepio 0036 0063 9910 0073 855
37, não esquecendo identificar-se. Poderá ainda autorizar o débito em conta (SDD). No
nosso site, www.revistademarinha.com encontrará também o modelo do impresso,
que poderá imprimir. Contacte-nos para o 91 996 4738 ou 21 580 98 91 e para os e-mails:
[email protected] ou
[email protected].
PREÇOS DAS ASSINATURAS
DA REVISTA DE MARINHA
6 NÚMEROS
Portugal . . . . . . . . . . . . . . . € 25,00
Europa . . . . . . . . . . . . . . . . € 45,00
Extra-Europa . . . . . . . . . . . € 50,00
PDF (digital) . . . . . . . . . . . . € 20,00
ALWAYS THERE. EVERYWHERE.
Navegação e comunicações
Instalação e manutenção
Inspeções de equipamentos
de navegação, radio e VDR
Monitorização remota
Conectividade
A Radio Holland, globalmente
reconhecida como fornecedora
e prestadora de serviços de
equipamentos NavCom, possui
uma incomparável rede de filiais
(mais de 80) para assistir o seu
navio ao longo das rotas
marítimas globais
Tel. +351 213 976 087 | E
[email protected] | www.radioholland.com