Breve História
Socioeconómica
de Faro
BREVE HISTÓRIA
SOCIOECONÓMICA
DE FARO
Ficha Técnica
Coordenação Geral: Bruno Lage
Textos: Jorge Carrega
Design e composição: Elissama Barreto
Revisão de texto: Liliana Dias
Editor:
UFF - União das Freguesias de Faro
1ª edição:
Novembro 2019
Tiragem:
1.000 exemplares
Depósito Legal: n.º 462118/19
ISBN: 978-989-20-9955-2
Créditos fotográficos:
União das Freguesias de Faro, Associação Faro 1540, Museu Municipal de Faro,
Biblioteca de Arte e Arquivos da Fundação Calouste Gulbenkian, Jornal Folha do
Domingo, Faro – Caixa de Memórias, Fotos de Faro Antigo.
As fotos cuja autoria não está identificada encontram-se em domínio público
Índice
Apresentação ......................................................................................................7
Introdução...........................................................................................................8
Capítulo I – Faro antes de Portugal..................................................9
As Origens Fenícias..........................................................................................9
O Período Romano e Visigótico.............................................................11
O Período Árabe..............................................................................................14
Capítulo II – Faro: Da Reconquista Cristã
ao Ataque do Conde de Essex (1249-1596)........................................17
A Lenda da Padeira de Aljubarrota.....................................................19
Cristóvão Colombo e os Condes de Faro..........................................21
Capítulo III – Faro nos séculos XVII e XVIII................................28
A População Escrava de Faro...................................................................30
O Terramoto de 1755.....................................................................................31
Capítulo IV – Faro nos Séculos XIX e XX......................................34
Faro e as Invasões Napoleónicas...........................................................34
Breve Panorama Económico.....................................................................37
Feiras e Mercados...........................................................................................40
Comércio e Hotelaria.................................................................................46
O Jardim Manuel Bivar................................................................................53
O Saneamento Básico....................................................................................54
O Ressurgimento da Comunidade.........................................................55
Judaica no Século XIX.................................................................................55
A Chegada do Comboio...............................................................................57
A Visita da Família Real..............................................................................59
A 1ª República em Faro................................................................................,59
1911 - A Luz Elétrica Chega a Faro.......................................................60
A Renovação Urbana após a II Guerra Mundial...........................61
A Inauguração do Aeroporto de Faro
e o Desenvolvimento do Turismo.........................................................63
O 25 de Abril e o Nascimento do Hospital
Distrital de Faro e da Universidade do Algarve........................64
A “Noite” Farense............................................................................................65
As Freguesias de Faro...................................................................................66
As Origens da Freguesia da Sé.................................................................67
A Freguesia de São Pedro............................................................................68
A Ria Formosa e as Ilhas Barreira........................................................70
Os Clubes Desportivos................................................................................76
Bibliografia Seletiva....................................................................................83
6
Apresentação
C
idade milenar, Faro desde cedo prosperou graças à riqueza da Ria
Formosa e a um porto seguro, transformando a cidade num dos mais importantes centros urbanos do sul da Península Ibérica, por onde passaram
as grandes civilizações do Mediterrâneo.
Conquistada aos mouros em 1249, a capital algarvia tem contribuído
desde então para a economia regional e nacional, constituindo-se como um
dos mais importantes centros urbanos do país, estatuto consolidado em
1540 com a elevação a cidade pelo rei D. João III e, já no século XX, com a
inauguração do aeroporto internacional em 1965 e a fundação da Universidade do Algarve em 1979.
Considerando a importância que assume o conhecimento da história no
desenvolvimento de uma identidade coletiva que é, em nossa opinião, fundamental para construir o futuro na era da globalização, a União das Freguesias
de Faro disponibiliza aos seus fregueses esta Breve História Socioeconómica de
Faro. Trata-se de uma obra de divulgação cultural, obrigatoriamente sucinta,
que serve de introdução a um tema vastíssimo, mas que estou certo, ajudará
muitos leitores a conhecer melhor a fascinante história da nossa cidade.
Gostaria de exprimir o nosso agradecimento ao doutor Jorge Carrega,
pelo trabalho de pesquisa realizado para este livro, assim como às diversas
entidades que nos disponibilizaram as imagens para esta publicação: CMF
– Museu Municipal de Faro; Biblioteca de Arte e Arquivos da Fundação
Calouste Gulbenkian; Associação Faro 1540; os jornais A Folha do Domingo e Diário Online; os blogues Restos de Coleção e Promontório da Memória;
e os grupos do facebook: Faro – Caixa de Memórias e Fotos de Faro Antigo.
Boa leitura!
Bruno Lage
Presidente da União das Freguesias de Faro
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Introdução
Como em qualquer grande cidade, a história de Faro é indissociável das
atividades económicas que, ao longo dos séculos, fizeram a sua riqueza e
garantiram, não apenas a sobrevivência, mas, também, a prosperidade dos
seus habitantes. Contudo, a dinâmica económica e social de um país e das
suas cidades está diretamente relacionada com os regimes políticos e as
lideranças que marcam determinados períodos e, também, com catástrofes
naturais, guerras e epidemias.
De tudo isto trata esta Breve História Socioeconómica de Faro, uma obra
que revisita os grandes acontecimentos da história farense, mas também alguns episódios que, embora pouco conhecidos, não deixam de ser fascinantes. O nosso objetivo é claro: estimular nos fregueses (e alguns visitantes)
o interesse pela história da capital do Algarve, contribuindo, deste modo,
para um aprofundamento da sua cidadania.
Jorge Carrega PhD
8
Capítulo I – Faro antes de Portugal
As Origens Fenícias
Ao longo dos séculos, o Algarve foi uma região fortemente influenciada
pelos povos e culturas do Mediterrâneo. De facto, segundo os arqueólogos,
as origens de Faro remontam ao século VII a.C., período em que foi estabelecido um entreposto comercial fenício. Este terá estado na origem do topónimo Ossónoba (referido pelos árabes como Ukxunuba), cujo significado
era precisamente “armazém no sapal”, nome pelo qual a cidade de Faro foi
conhecida até ao século IX.
Originários da região correspondente ao atual Líbano e toda a zona costeira da Síria, os fenícios foram um povo de mercadores e comerciantes que
estabeleceu colónias e feitorias no sul da Europa. Atraídos inicialmente à
Península Ibérica pela exploração de metais como prata, cobre e estanho, foi
a abundância de pescado que realmente motivou a sua presença em povoações ribeirinhas como Ossónoba.
Todavia, se os fenícios estabeleceram uma feitoria ou entreposto comercial no território onde hoje se situa a cidade de Faro (o mesmo sucedendo
em Tavira), foi porque a havia a possibilidade de estabelecer trocas comerciais com a população local. E quem eram então os habitantes desta região?
Os historiadores presumem que tenham sido os cónios, povo ibérico cuja
história está rodeada de mistérios.
Graças a diversas fontes da literatura clássica, sabemos que, durante a
Antiguidade, a região algarvia e o baixo Alentejo eram conhecidos como
Cineticum e os seus habitantes como cinetes ou cónios. Diversos vestígios
arqueológicos comprovam que, pelo menos dois séculos antes da chegada
dos fenícios, este povo já havia desenvolvido uma civilização e possuía a sua
própria forma de escrita.
São muitas as questões que se levantam em torno desta antiga civilização
ibérica, mas poucas as respostas conclusivas. Recentemente, alguns autores
vieram defender que os povos ibéricos colonizaram grande parte da França,
9
Itália, Córsega, Sardenha, e áreas do norte de África, tendo chegado, inclusive, a estabelecer povoados nas Ilhas Britânicas.
No início do século XX, vários linguistas acreditavam que o alfabeto
fenício estaria na base da língua cónia. Contudo, outros autores defendem
que o alfabeto cónio pertence a uma língua ibérica falada e escrita por
todas as tribos (povos) que habitaram a Península Ibérica. Na opinião de
Carlos Alberto Castelo (investigador de Arqueologia Epigráfica Ibérica),
a língua ibérica foi na realidade a língua “adâmica”, denominada a “mãe”
das línguas e escritas que se desenvolveram após o Dilúvio, incluindo as
chamadas línguas românicas, muito influenciadas pelo latim, como o português e o castelhano1.
Recentemente surgiu uma teoria ainda mais ambiciosa sobre o passado remoto do Algarve. Segundo os investigadores britânicos Peter Dougthrey e Roger Coghill, a região pode corresponder ao território da antiga
civilização de Atlântida. Baseando-se no relato de Platão, que localizou
a Atlântida para além das colunas de Hércules (estreito de Gibraltar) e a
noroeste da região de Gadeira (atual Cádis), os referidos autores concluíram que o Algarve apresenta muitas das características que Platão associou
à mítica civilização de Atlântida. Na opinião de Roger Coghill2, a zona de
Faro pode corresponder à localização da mítica cidade desaparecida, pois as
caraterísticas geológicas do sotavento algarvio sugerem que no passado aqui
poderá ter existido uma grande ilha (ou talvez uma península), rodeada por
pequenas ilhas interligadas por canais, que foram arrasadas por uma grande
catástrofe há cerca de 12 mil anos (tal como descreveu Platão).
Esta teoria é sustentada pelo registo sísmico do Algarve que, como sabemos, foi ao longo da sua história abalado por diversos terramotos e tsunamis, sendo que os mais antigos de que existe relato ocorreram em 63 a.C,
309 d.C e 382 d.C, tendo atingindo uma intensidade semelhante à do sismo de 1755 (entre 8.5 e 9 na escala de Richter), e cujos efeitos no litoral
algarvio foram de tal modo devastadores que provocaram a ruína da cidade
romana de Balsa (perto de Tavira) e o desaparecimento de algumas ilhas ao
1 CEMAL – Centro de Estudos Marítimos e Arqueológicos de Lagos <https://sites.
google.com/site/cemallagos/carlos-alberto-castelo/o-reino-do-povo-konii>.
2 Roger Coghill. The Message of Atlantis (kindle edition).
10
largo do Cabo de São Vicente3. Além disso, é bem conhecido o efeito do
tsunami originado pelo sismo de 1755, nas ilhas barreira da Ria Formosa,
profundamente alteradas na sua extensão e configuração.
A grande maioria dos historiadores considera que a civilização de Atlântida narrada por Platão não é mais do que uma simples criação literária, uma
alegoria politica que esteve na origem de um mito que ao longo dos séculos
estimulou a imaginação de muitos investigadores e artistas. Contudo, o mesmo
se disse da cidade de Troia, narrada por Homero, isto até que no final do século
XIX, o arqueólogo alemão Heinrich Schliemann descobriu a cidade “mítica”
em escavações realizadas na Turquia. Será que o mito de Atlântida também
nasceu de uma realidade histórica? Talvez um dia venhamos a descobrir.
O Período Romano e Visigótico
A ocupação romana do Algarve teve o seu início no século III a.C., sendo a região integrada na província da Hispânia Ulterior e, mais tarde, na
província da Lusitânia, à qual pertenceu até ao ano 410 d.C. Durante todos
estes séculos Ossónoba integrou o Império Romano, adotando a sua cultura
e o seu modelo político e socioeconómico. Com efeito, a cidade foi o mais
importante centro urbano do litoral algarvio e uma das principais cidades
da Lusitânia, juntamente com Balsa (perto de Tavira), Pax Iulia (Beja), Ebora (Évora), Olisipo (Lisboa) e Scalabbis (Santarém).
Com efeito, a localização privilegiada da cidade permitiu a criação de um
porto marítimo que, ao longo dos séculos, foi fundamental para o seu desenvolvimento económico. O crescimento do porto de Faro foi obra da burguesia local cujas villae (vilas) se sucediam ao longo do litoral algarvio. As
atividades relacionadas com o mar fizeram a prosperidade da cidade, uma
vez que o peixe era o alimento favorito dos romanos. Literalmente banhada
pela ria, Ossónoba tornou-se num importante centro de produção e transformação de pescado e marisco, produzindo grandes quantidades de garun,
um molho de peixe muito apreciado em todo o Império Romano4. Juntamente com a riqueza do mar, o interior algarvio fornecia produtos agrícolas
3 Sobre esta questão recomendamos a leitura de 1755 – Terramoto no Algarve, pp. 17-28.
4 Teodomiro Neto (2009). Faro, Romana, Árabe e Cristã, p. 30.
11
de grande valor económico, nomeadamente o azeite, o vinho, e algumas
frutas e hortaliças. Esta produção era escoada para outras cidades romanas
através do porto de Ossónoba.
Foto do Museu Municipal de Faro/CMF
Desde o século XVI, gerações de historiadores especulavam sobre a localização da antiga cidade romana de Ossónoba, apontando como local
mais provável as ruínas de Milreu, situadas em Estoi (descobertas no século
XVI). A teoria, inicialmente defendida por André de Resende, em 1570, ganhou adeptos após as escavações realizadas por Estácio da Veiga, em 1877,
as quais revelaram a grandeza deste sítio arqueológico localizado apenas a
nove quilómetros de Faro. No entanto, as escavações levadas a cabo no centro histórico de Faro por Abel Viana, durante a década de 1930 e inícios dos
anos 40, permitiram refutar essa possibilidade. Com efeito, entre os muitos
achados arqueológicos encontrava-se uma lápide onde se podia ler: “Cida12
de de Ossónoba, da província da Lusitânia, saúda o sacerdote seu protetor,
Marco Cornélio Quinto, filho de Galo,” comprovando definitivamente ter
sido em Faro a localização da célebre Ossónoba5.
“Mosaico do deus Oceano”. Foto cedida pelo Jornal A Folha do Domingo
Entre os principais achados arqueológicos do período romano, destaca-se o “Mosaico do Deus Oceano.” Presentemente exposto no Museu Municipal de Faro, este tesouro artístico nacional ornamentava um edifício ligado à atividade marítima, talvez uma bolsa de comércio ou praça de peixe,
atestando assim a importância económica de uma cidade onde, inclusive, se
chegou a cunhar moeda.
No século I d.C., Ossónoba viu nascer uma comunidade cristã ligada
ao culto de Santa Maria. No século III d.C., a cidade já era sede de bispado, sendo representada pelo bispo Vicente no concílio de Elvira (Granada),
5 Ao Dr. Mário Lyster Franco, presidente da CMF, ficou a dever-se o incentivo para as
escavações arqueológicas de Abel Viana e a posterior divulgação do seu trabalho.
13
realizado no início do século IV d.C., época em que alguns templos pagãos
foram adaptados para o culto cristão.
Com o declínio do Império Romano e o início das invasões bárbaras, os
visigodos chegaram ao Algarve, em 414, e a sua presença na Península Ibérica
veio estabilizar politicamente uma vasta região ocupada por vândalos, suevos
e alanos. A chegada dos visigodos, em 418, consolidou o processo de cristianização da cidade, que então ficou conhecida como Santa Maria de Ossónoba.
O Período Árabe
A invasão islâmica da Península Ibérica teve início em 711 e ficou concluída em 714, ano em que o Algarve já estava totalmente ocupado pelas
forças militares do general árabe Abû Sabah al-Yamâni. A região foi então
denominada de Gharb (Ocidente) do Al-Andalus – integrando o califado
omíada de Damasco –, tendo Faro sido a primeira capital regional desta
nova província islâmica.
Confrontados com o poderio militar muçulmano, que em 712 havia
conquistado as principais cidades da Andaluzia, é muito provável que os
governantes de Ossónoba tenham, à semelhança de outras cidades, negociado com os invasores a entrega pacífica desta localidade, evitando assim um
desnecessário banho de sangue. Contudo, é sabido que, em 740-41, uma
parte da população local se revoltou contra os muçulmanos, obrigando os
senhores do califado a intervir militarmente com o apoio de uma divisão de
militares oriundos do Egito colocados na área de Ossónoba6.
A presença muçulmana correspondeu a um período de prosperidade
económica e cultural, graças aos conhecimentos introduzidos pelos árabes
que muito beneficiaram a agricultura. A riqueza da cidade islâmica de Faro
assentou nas oportunidades de negócio criadas pela navegabilidade do seu
porto e pela riqueza agrícola das localidades vizinhas, cuja produção de azeite, trigo, frutos secos (figos, amêndoas e alfarrobas) era comercializada para
outras cidades do Mediterrâneo. Consequentemente, Faro registou um significativo crescimento populacional, aliado a um processo gradual de misci6 Fernando Pessanha (2012). A Cidade Islâmica de Faro, pp. 22-23.
14
genação dos habitantes locais com a população berbere e árabe oriunda do
norte de África e outras regiões da Península Arábica.
Originalmente integrada no califado de Córdova, a região algarvia
(Garb-Al-Andalus) esteve sob o domínio político da dinastia omíada, uma
poderosa família muçulmana reconhecida como descendente da família do
profeta Maomé. Os omíadas introduziram nas cidades algarvias um desenho inovador do espaço urbano, transformando o núcleo histórico de cidades como Faro, Silves e Loulé. Com efeito, a cidade islâmica organizava-se
em torno de dois polos: a alcáçova e a medina. A alcáçova era um espaço
fortificado no interior da muralha que envolvia a cidade (medina). Situada
num local de fácil defesa, a alcáçova apresentava sempre uma saída para o
exterior e outra para o interior do núcleo urbano. Por seu lado, a medina
(aglomerado urbano) envolvia a alcáçova e organizava-se em bairros que se
distinguiam por ofícios, etnias ou religiões.
Em Faro, a alcáçova situava-se na área hoje conhecida como a antiga
fábrica da cerveja, oferecendo proteção à elite governante que podia fugir
da cidade por uma pequena porta virada diretamente para a ria. Entre os
bairros da medina de Faro, existiu uma judiaria e uma moçarabia (bairro
dos judeus e dos cristãos, respetivamente). No local onde hoje se encontra a
igreja da Sé, situava-se a mesquita principal da cidade.
Com o fim do califado de Córdova, em 1031, Santa Maria do Ocidente
transformou-se num reino de taifa (um principado independente), governado pelos Ibn Harum, uma família de ascendência muladi. A estes a cidade
ficou a dever o seu nome atual, passando a designar-se Santa Maria de Harum, topónimo que ao longo dos séculos foi derivando até Farun/Farom/
Faro. Segundo alguns historiadores, o governo desta família trouxe progresso e prosperidade à cidade, mas o seu domínio terminou em 1063, quando o
pequeno reino foi conquistado por al-Mutadid, o poderoso senhor da taifa
de Sevilha, nascido em Beja.
Durante todo o período de ocupação islâmica, residiu em Faro uma importante comunidade moçárabe, ou seja, cristãos que viviam sob domínio
muçulmano, e de tal importância que, no século IX, a cidade tomou o nome
de Santa Maria do Ocidente. É sem dúvida muito relevante que, durante
15
tantos séculos, o nome da cidade tenha prestado homenagem a Santa Maria,
mãe de Jesus. Isto reflete a importância de uma comunidade cristã ligada
ao culto mariano, e permite-nos igualmente concluir que, durante largos
períodos, as três grandes religiões do livro ( Judaísmo, Cristianismo e Islamismo) conviveram de modo mais ou menos pacífico, em Faro. Na verdade,
a explicação para este topónimo reside, em larga medida, no facto de Maria,
a imaculada mãe de Jesus, ser a única mulher mencionada pelo seu nome no
Alcorão, o livro sagrado do islão. Com efeito, venerada como a mãe do profeta que antecedeu Maomé, Maria é vista como um símbolo de pureza para
as mulheres do islão, uma vez que, tal como no Novo Testamento, também
no Alcorão Jesus nasceu de um ato miraculoso, tornando-se por isso uma
figura venerada por cristãos e muçulmanos.
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Capítulo II – Faro:
Da Reconquista Cristã ao Ataque
do Conde de Essex (1249-1596)
Desde o início do seu reinado, em 1248, D. Afonso III traçou como objetivo estender o território nacional até ao Algarve. Nesse sentido, o monarca preparou cuidadosamente uma grande campanha militar com o intuito de conquistar todas as cidades do Garb-al-Andaluz, várias das quais
constituíam pequenos reinos de taifa. Deste modo, com o apoio das ordens
militares de Avis e de Santiago, o monarca tomou Faro, no dia 27 de março
de 1249, após um mês de cerco que serviu essencialmente para forçar os
muçulmanos a negociar a sua rendição.
Após a tomada de Faro, os muçulmanos não foram expulsos ou aprisionados, sendo a maioria autorizada a permanecer na cidade, mediante pagamento de um imposto especial. Naturalmente, as elites árabes optaram por
abandonar a região, mas grande parte dos muçulmanos (pequenos comerciantes, artesãos e agricultores) permaneceram. Estes foram, contudo, obrigados
a morar fora das muralhas, num bairro
próprio que, tal como em muitas outras cidades portuguesas, ficou conhecido como
“mouraria”, e cuja localização correspondia
à atual rua de Santo António.
Tratados como cidadãos de segunda categoria (não podiam sair à noite ou
frequentar tabernas), os mouros de Faro
foram progressivamente adotando os costumes e a língua dos cristãos, acabando
muitos deles por se converter ao cristianismo. No entanto, dada a sua importância
no tecido económico-social, os mouros da
cidade obtiveram proteção real. Esta foi
17
O foral de Faro. Foto disponível em
Faro – Caixa de Memórias
concedida, em 1269, por D. Afonso III através de foral, onde se pode ler:
“(…) faço carta de foro e segurança a vós, Mouros que sois forros, (…) Mando que nenhum cristão ou judeu tenha poder de fazer-vos mal (…).”
Prova da importância que a comunidade moçárabe de Faro reteve no século seguinte à reconquista cristã, foi a criação do mercado das Alcaçarias.
Localizado no fim do bairro da mouraria, no local que hoje corresponde ao
largo da Pontinha, este mercado representou um espaço de convívio pacífico entre cristãos, judeus e árabes.
A ligação de D. Afonso III à cidade de Faro não terminou com a tomada
da cidade, pois aqui o monarca viveu também um grande amor, apaixonando-se pela bela princesa Madragana, a filha de Al Bem Bakr, último alcaide
mouro de Faro. Segundo o professor Diogo Freitas do Amaral7, o rei de
Portugal (na época solteiro), teve três filhos ilegítimos com a bela moura
farense: Urraca Afonso, Rodrigo Afonso e Martin Afonso. Todos eles foram criados na corte e beneficiaram da proteção real, pelo que, mais tarde,
vieram a casar com membros da nobreza portuguesa.
Durante toda a Idade Média, Faro teve na pesca e na produção e comércio de sal as suas principais atividades económicas. Não surpreende, por
isso, que a cidade tivesse uma importante comunidade de pescadores, a qual,
em 1432, fundou o Compromisso Marítimo de Faro, uma associação que
funcionava como sistema de segurança social para os marítimos e respetivas
famílias. Esta associação fornecia cuidados médicos e apoio económico a
todos os que, mediante o pagamento de uma taxa, contribuíam para o fundo do Compromisso Marítimo.
Em 1370, durante o reinado conturbado de D. Fernando e o conflito
com Castela, culminando na crise de 1383-1385, Faro foi uma das localidades onde se confecionaram os “biscoitos” para a armada portuguesa. Tratava-se de uma ração de combate que era na verdade uma massa de pão cozida
e recozida até ficar desidratada (dura), sendo por isso consumida como um
biscoito que era molhado num caldo, vinho ou água.
7 Para melhor conhecer a figura de D. Afonso III e a conquista do Algarve, recomenda-se a
leitura de D. Afonso III – O Bolonhês: Um Grande Homem de Estado, Bertrand Editora, 2015.
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D. Fernando morreu em 1384 abrindo caminho à proclamação de Leonor
Teles como regente, o que causou enorme desagrado entre a população. Segundo José Pinheiro e Rosa, Faro terá sido uma das cidades que se opuseram a
esta situação política, tendo por isso apoiado a eleição de D. João I (mestre de
Avis) como regedor8. Aclamado rei em 1385, D. João I enfrentou a oposição
castelhana numa guerra que se estendeu intermitentemente até 1398. O monarca teve o seu grande teste na batalha de Aljubarrota, um momento histórico decisivo na construção da pátria portuguesa, para o qual Faro deu também
um importante contributo. Com efeito, é muito provável que alguns farenses
e outros algarvios, incorporados nas forças nacionais lideradas pelo condestável D. Nuno Álvares Pereira, tenham participado nesta mítica batalha, mas,
curiosamente, foi a farense Brites de Almeida que a história imortalizou.
A Lenda da Padeira de Aljubarrota
Segundo alguns autores, Brites de Almeida, conhecida como a padeira
de Aljubarrota, era feia, alta, corpulenta e forte como um homem, e ainda
teria seis dedos em cada mão. Desde criança revelou mau génio e uma tendência para se envolver em desordens. Desde nova trabalhou com o pai, que
possuía uma casa de pasto em Faro.
Conta a lenda, que por causa do mau feitio matou um dos seus pretendentes durante uma violenta discussão, vendo-se obrigada a fugir das autoridades numa embarcação, depois capturada por piratas mouros. Vendida
no mercado de escravos de Argel, Brites de Almeida acabaria por conseguir
fugir com mais dois prisioneiros portugueses que roubaram uma embarcação e, após quatro dias de viagem, chegaram à Ericeira.
Receando ser reconhecida e entregue às autoridades pelo homicídio do
seu pretendente, Brites de Almeida disfarçou-se de homem e foi trabalhar
como almocreve (comerciante). Depois de várias peripécias, foi viver para
Aljubarrota, onde veio a herdar um forno que lhe permitiu trabalhar como
padeira. Esta impetuosa farense teria cerca de 40 anos quando se deu a bata8 José Pinheiro e Rosa in PAULA e PAULA (1991). Faro - Evolução Urbana e Património (1993), p. 29.
19
lha de Aljubarrota (14 de agosto de 1385). Ora, de acordo com a tradição,
após a gloriosa vitória das tropas portuguesas alguns soldados castelhanos
tiveram a infeliz ideia de procurar esconderijo na casa da padeira nascida
em Faro. Regressada das imediações do campo de batalha onde, juntamente com alguns populares havia perseguido os desertores castelhanos, Brites
encontrou sete espanhóis escondidos no forno e não hesitou em destilar a
sua fúria contra os invasores, matando sete deles à pazada ou, segundo uma
outra versão da lenda, cozendo-os como se fossem pães!
Pintura evocativa da lenda da padeira de Aljubarrota
Durante a Idade Média, os limites da cidade terminavam nos bairros
situados nos arrabaldes (exterior da muralha), nomeadamente a mouraria
– situada no espaço hoje correspondente à rua de Santo António – e onde
viviam os mouros que permaneceram na cidade após a tomada de Faro por
D. Afonso III, e o bairro dos pescadores situado na zona ribeirinha.
Ao longo dos séculos XIV e XV, residiu em Faro uma importante
comunidade judaica, constituída por comerciantes e artesãos. Entre estes
estava Samuel Gacon, o primeiro tipógrafo do Algarve, responsável pela impressão, em 1487, do Pentateuco, o mais antigo livro impresso em Portugal.
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Gacon chegou a Faro oriundo de Sevilha, mas, alguns anos depois, foi obrigado a abandonar o nosso país devido à instituição do Tribunal do Santo
Ofício (conhecido como Inquisição)9.
Cristóvão Colombo e os Condes de Faro
Um dos mais intrigantes e pouco conhecidos episódios da história de
Faro é, sem dúvida, a passagem de Cristóvão Colombo pela cidade, no
regresso da sua primeira viagem às Índias (América), em março de 1493.
Segundo os seus biógrafos, o navegador, a quem durante muito tempo se
atribuiu a nacionalidade genovesa, viveu vários anos em Portugal, tendo inclusive estabelecido residência em Porto Santo. Aí casou com Filipa Moniz
Perestrelo, filha do antigo governador da cidade, um experiente marinheiro e cosmógrafo do qual terá herdado cartas de navegação do Atlântico.
Com efeito, foi no contacto com os marinheiros portugueses que Colombo
aprendeu os segredos que o levaram conceber a ideia de alcançar as Índias
e a China pela rota ocidental, um projeto rejeitado pelo rei D. João II, mas
aceite pelos Reis Católicos espanhóis, em 149210.
No dia 3 de agosto de 1492, Cristóvão Colombo zarpou de Palos de la
Frontera, Huelva, com 89 marinheiros e três embarcações (Pinta, Nina e
Santa Maria). Após uma difícil viagem, avistou terra no dia 12 de outubro
e batizou a pequena ilha de São Salvador. A viagem de regresso não esteve
isenta de contratempos e, no dia 4 de março de 1493, Colombo aportou
em Lisboa, segundo rezam as crónicas, acidentalmente, devido a uma forte
tempestade que separou a sua caravela do resto da expedição.
Em Lisboa, o navegador, ao serviço de Castela, foi bem recebido, partindo apenas no dia 13 março em direção a Sevilha. Porém, estranhamente,
Colombo decidiu fazer escala em Faro, onde permaneceu no dia 14 de mar9 Para saber mais sobre Samuel Gacon e a edição do Pentateuco, recomenda-se a leitura
da Breve História da Cultura em Faro. Uma edição da União das Freguesias de Faro (2018),
disponível online em: https://sapientia.ualg.pt/handle/10400.1/11021
10 “As Viagens de Cristóvão Colombo.” National Geographic. Disponível em: <https://
nationalgeographic.sapo.pt/historia/grandes-reportagens/1589-cristovao-colombo-o-navegador>.
21
ço, zarpando finalmente para Sevilha na manhã do dia seguinte.
Por que razão aportou Colombo a Faro? Não foi com certeza por necessidades de aprovisionamento, pois 24 horas antes saíra de Lisboa, e
Faro estava a poucas horas de Sevilha. Segundo alguns autores, este mistério reside nas ligações de Colombo a uma das mais poderosas famílias
da nobreza portuguesa, a casa de Bragança e, em particular, os condes de
Faro, D. Afonso e seu filho11.
Mas quem foi este conde de Faro, figura praticamente desconhecida dos
farenses? Chamava-se D. Afonso, era sobrinho do rei D. Afonso V, filho
terceiro varão dos 2.os duques de Bragança (D. Fernando I e D. Joana de
Castro) e neto do condestável D. Nuno Álvares Pereira. Foi, sem dúvida, um
dos mais ricos e poderosos senhores feudais de Portugal.
No dia 22 de maio de 1469, o rei D. Afonso V elevou a cidade de Faro a
condado, atribuindo ao sobrinho, D. Afonso, o benefício de todas as rendas,
direitos, castelo e padroado das igrejas de Faro, que anteriormente haviam
pertencido à Coroa, e ainda a quantia de 400$00 réis de assentamento.
A atribuição do condado a D. Afonso não agradou aos habitantes de
Faro os quais tentaram demover o monarca da sua decisão, invocando o
juramento por ele anteriormente feito de manter Faro nos bens da coroa.
Ao pedido, o rei respondeu solicitando ao papa Paulo II uma bula (passada em Roma a 12 de julho de 1471), desligando-o do referido juramento.
O processo ficou concluído em 22 de abril de 1478, quando em Faro foi
passada carta régia a D. Afonso, 1.º conde de Faro, na qual este recebeu
também a dízima do pescado de Faro.
A morte de D. Afonso V marcou o destino do conde de Faro. Em 1481,
D. João II subiu ao trono e procurou implementar medidas de reforma do
estado que não agradaram à poderosa casa de Bragança. Esta acabou envolvida numa conspiração falhada, severamente punida pelo monarca. Depois
de ver o seu irmão D. Fernando (duque de Bragança) condenado e degolado
11 É de grande interesse a página web Lusotopia, onde Carlos Fontes reúne bastante informação sobre a figura de Cristóvão Colombo e a sua intrigante relação com Portugal.
<http://www.filorbis.pt/colombo/index.html>.
22
em Évora, o conde de Faro foi obrigado a procurar exílio em Sevilha, onde
foi acolhido pelos Reis Católicos12.
Em Sevilha, D. Afonso, conde de Faro, e o seu filho primogénito, Sancho
de Noronha, mantiveram uma ligação de grande proximidade com Cristóvão Colombo. Na capital andaluza residia uma importante comunidade
portuguesa com ligações à casa de Bragança. Entre os residentes encontrava-se Fernão de Magalhães, o navegador português, filho de Rui Magalhães,
cavaleiro fidalgo da Casa de Bragança, o qual, ao serviço dos reis de Espanha, cumpriu a primeira viagem de circum-navegação.
A Chegada de Colombo à América por Dióscoro Puebla (1862). Fonte Wikipédia.
Afonso de Bragança faleceu em Sevilha, em 1483, cidade onde foi sepultado no convento del Carmen, na atual calle de Baños. Contudo, o seu
herdeiro, D. Sancho de Noronha, conde de Odemira, surge também ligado
a Cristóvão Colombo. Não terá sido por mera coincidência que, no regresso
12 Na ligação dos condes de Faro à coroa espanhola reside a explicação para que, durante
o domínio filipino, D. Estêvão de Faro (neto do 1.º conde de Faro) tenha recebido de D.
Filipe III o título de conde de Faro do Alentejo, povoação que este fundou na região de
Beja onde a sua família materna possuía muitas terras.
23
da sua segunda viagem às “Índias”, Colombo se tenha dirigido para a costa
Alentejana. É sabido que, tendo chegado a 8 de junho, o navegador subiu o
rio Mira na direção de Odemira, onde terá passado dois dias, pois só no dia
11 de junho de 1496 chegou a Cádis.
Esta profunda ligação de Colombo a Portugal, e em particular à Casa de
Bragança, está na base da teoria proposta por autores como Manuel da Silva
Rosa e Fernando Branco13, segundo os quais o célebre navegador seria português, e provavelmente um agente secreto ao serviço do rei D. João II, tendo
como objetivo desviar as atenções espanholas da costa africana e da descoberta do caminho marítimo para a Índia, nos anos que antecederam a assinatura do tratado de Tordesilhas. Infelizmente, o desaparecimento de muitos
documentos da época, em consequência do terramoto 1755, constitui um
enorme entrave à investigação histórica, mas parece-nos muito provável que
a passagem do almirante Colombo por Faro, tivesse como objetivo recolher
informação sobre uma cidade que havia pertencido aos seus patronos e talvez
estabelecer contactos com elementos de uma comunidade judaica com fortes
ligações à Andaluzia, especialmente desde que os Reis Católicos de Espanha
haviam decretado a expulsão dos judeus em 31 de março de 1492.
Graças à sua localização geográfica, o Algarve ganhou enorme importância estratégica durante os séculos XV e XVI, assumindo um papel muito
importante na política expansionista da dinastia de Avis, apostada nos descobrimentos marítimos. Neste período, Faro viveu uma época de prosperidade, graças ao porto seguro que facilitava o comércio e a exportação de
sal e frutos secos, produtos que permitiram estabelecer um comércio ativo
com Sevilha, Cádis ou Gibraltar, e com as cidades portuguesas em Marrocos (Ceuta, Tanger e Mazagão).
Em 1491, a cidade foi integrada na Casa da Rainha, contando, a partir de
então, com o apoio de D. Leonor (esposa de D. João II), a qual patrocinou a
construção do convento de Nossa Senhora da Assunção no lugar da antiga
judiaria farense (atual largo D. Afonso III). Nasce então a praça da Rainha, no
terreiro junto ao cais marítimo e atual jardim Manuel Bivar, espaço onde foi
13 Ambos os autores recusam a biografia oficial que atribui a nacionalidade genovesa a
Colombo, por esta se basear em documentos de duvidosa fiabilidade.
24
instalada a alfândega, o açougue (mercado de carne) e o hospital da Misericórdia. A expansão urbana da cidade iria consolidar-se ao longo do século XVI,
graças ao crescimento do bairro dos pescadores e à criação da freguesia de São
Pedro, o que motivou a construção da atual igreja paroquial passando a ser a
matriz de Faro, após a instalação do bispado na Sé catedral.
Em 1540, o rei D. João III elevou Faro a cidade e, em 1577, devido à decadência de Silves, tornou-se também sede do bispado do Algarve, ganhando definitivamente o estatuto de capital da região. As razões que mais pesaram para a decisão do rei português foram a centralidade regional de Faro, o
facto de a cidade pertencer à Casa da Rainha e o seu dinamismo económico.
Nas palavras do professor Joaquim Romero Magalhães: “Ao abrigo da ria,
com canais que cruzam os sapais e permitem a navegação, tendo recursos na
pesca, não estava longe do Norte de África e estava muito próximo da Baixa
Andaluzia marítima.14”
A importância económica da cidade para a Casa da Rainha provinha
dos mais de 3000 cruzados que os dízimos do sal e peixe miúdo rendiam
anualmente à monarca, valor ao qual se juntava ainda a exploração de três
armações de atum que eram propriedade da rainha. No antigo termo de
Faro ficava também o sítio de Farrobilhas (perto de Almancil), muito rico
em pescado, e onde era lançada uma armação de atuns cuja dízima rendia
bastante dinheiro à coroa.
Com efeito, ao longo do século XVI, a pesca do atum foi uma das principais atividades económicas da cidade e do sotavento algarvio. Implementada no final do seculo XV, por pescadores sicilianos muito experientes na
captura, salga e conserva deste peixe, durante mais de um século os tunídeos
capturados no Algarve tiveram como principal destino de exportação o sul
de Itália. O florescimento da pesca do atum levou também ao desenvolvimento da indústria da salga, que, segundo Romero Magalhães, terá sido introduzida pelos sicilianos durante o reinado de D. Manuel.
14 Joaquim Romero Magalhães (2012). O Algarve na Época Moderna, p. 103.
25
Juntamente com a pesca15, uma das mais importantes atividades económicas da cidade foi a exportação de frutos, produzidos nas vilas e aldeias
do interior (Estoi, São Brás de Alportel e Loulé). No entanto, Faro possuía
também diversas hortas que abasteciam a cidade, muitas delas localizadas
na zona da Atalaia, onde, segundo um cronista da época, existia um grande
campo atravessado por uma ribeira, ao longo da qual se encontravam muitas
hortas, e que era também zona de caça da perdiz e codorniz.
Em 1596, no término de um século de prosperidade, a capital algarvia
foi abalada por um evento cuja memória ainda não se apagou. No dia 30 de
junho uma armada de 28 navios, com cerca de 7 500 ingleses e 1 000 holandeses, comandados por Robert Devereaux, conde de Essex, atacou a cidade espanhola de Cádis. Esta era uma resposta à tentativa falhada de invasão de Inglaterra por parte de Espanha, em 1588. Contudo, o saque à cidade andaluza
não chegou para compensar o avultado investimento desta campanha militar
protestante empenhada em enfraquecer o poderio da coroa ibérica que, deste
1580, possuía o maior império desde a queda do Império Romano.
De modo a compensar os modestos ganhos do saque de Cádis, o conde de Essex decidiu fazer uma incursão na costa algarvia e, no dia 23 de
julho, desembarcou com as suas tropas inglesas a poucos quilómetros de
Faro. Percebendo que não iria encontrar resistência, Essex decidiu atacar
a capital algarvia. Esta encontrava-se desprotegida pois, ao saber da notícia do ataque a Cádis, o bispo do Algarve (também governador militar
da província) havia deslocado as tropas para Lagos, onde julgou que os
ingleses iriam atacar, tal como fizera Francis Drake em 1587. Ao saber
do desembarque das tropas inglesas, e perante a falta de meios para fazer
frente a uma tão poderosa força militar, a população fugiu para outras localidades, deixando a cidade ao abandono. Ao entrar em Faro, os corsários
ingleses pilharam a capital algarvia, causando graves prejuízos. Roubaram
gado e frutas, vinho doce, sinos e um bom canhão de 11 polegadas e ainda
39 baús de livros e alguns quadros, retirados do palácio episcopal. Não satisfeitos, grupos de corsários tentaram estender o saque a localidades pró15 A julgar pelo foral novo de Faro, no início do século XVII, a captura de chocos e
marisco possuía alguma importância económica, pois estava previsto o pagamento de um
imposto sobre estas espécies.
26
ximas de Faro, mas foram confrontados com a feroz resistência da população e dos farenses reagrupados em São Brás de Alportel. Com o apoio das
milícias de Tavira e Loulé, a população impediu a entrada dos mercenários
em outras localidades. No dia 27 de julho de 1596, os ingleses deixaram a
cidade e continuaram a sua viagem de regresso a Inglaterra, mas não sem
antes incendiarem diversos edifícios, provocando grandes estragos.
Entre os objetos roubados em Faro, encontrava-se a biblioteca do Paço
Episcopal, com mais de 90 volumes que pertenceram ao bispo D. Fernão
Martins Mascarenhas, os quais se encontram, desde então, depositados na
biblioteca Bodliana da Universidade de Oxford. De referir que, em 2012, a
Associação FARO 1540 pediu oficialmente ao governo britânico a devolução deste tesouro cultural à cidade de onde foi roubado, num dos dias mais
negros da sua longa história.
27
Capítulo III – Faro nos
séculos XVII e XVIII
Gravura de Faro no século XVIII
Marcado por uma série de guerras e epidemias, o século XVII assinalou o
declínio económico da Península Ibérica, suplantada pela ascensão da Inglaterra e da Flandres como principais centros económicos da Europa. Região
periférica, o Algarve e a sua capital foram profundamente afetados por uma
sucessão de acontecimentos que escapavam ao seu controlo.
Em 1601, a cidade de Faro foi atingida pela peste bubónica, mas poucos anos depois já contava com cerca de 1 700 habitantes, sendo a mais
populosa do Algarve. Um dos grandes problemas deste período foi a
ameaça constante exercida pelos piratas berberes, obrigando a uma vigilância constante dos acessos da ria e ao reforço das guarnições e patrulhas
militares durante os meses de verão, de modo a evitar o desembarque destes piratas marroquinos. Os piratas tinham como principal objetivo saquear as localidades ribeirinhas e fazer cativos para vender nos mercados
de escravos do norte de África.
28
Após a restauração da independência, em 1640, a coroa portuguesa
investiu na fortificação dos principais portos nacionais, devido ao perigo
eminente de uma invasão castelhana. As fortificações modernas refletiam
os avanços da balística no século XVII. Em 1653, um engenheiro francês,
Pedro Santa Colomba, foi incumbido de reforçar o sistema defensivo de
Faro, com a construção de uma muralha (conhecida como cerca seiscentista) que envolveu todo o tecido urbano incluindo conventos, igrejas e
capelas. Esta estrutura militar, da qual sobrevive apenas um pequeno troço junto da antiga casa de Fresco, foi reutilizada em 1833 quando a cidade
levantou uma linha de fortificação provisória para os canhões que defenderam a cidade durante o cerco miguelista.
Um dos grandes problemas que a cidade enfrentou durante este período foi a escassez de pescado, em particular de atum e sardinha. Estas
eram duas espécies de grande importância económica entre finais dos
séculos XV e XVI, mas que, em finais do século XVII, quase haviam
desaparecido da costa algarvia.
Todos estes fatores contribuíram para uma crise económica que conduziu a um processo de ruralização do Algarve, verificando-se uma ligeira
diminuição do número de habitantes nas localidades do litoral, e um crescimento da população nas zonas rurais do interior algarvio, incluindo Estoi e
São Brás de Alportel pertencentes ao antigo termo de Faro.
A tendência de estagnação económica manteve-se durante boa parte
do século XVIII, em grande medida devido a uma crise das atividades
comerciais e portuárias, que estavam sob o controlo de alguns homens
de negócio ingleses que se estabeleceram em Faro para abrir negócios
de exportação. Segundo Andreia Fidalgo16, este monopólio estrangeiro dificultava enormemente a atividade dos comerciantes locais, mas a
recessão da atividade económica tinha como fator principal os pesados
impostos aplicados aos produtos que saiam dos portos algarvios para o
resto do país, assim como as elevadas taxas cobradas aos produtos nacionais que entravam nos portos algarvios.
16 Sobre esta questão recomenda-se a leitura de FIDALGO, Andreia (2018).
29
Com efeito, podemos concluir que o Algarve sofreu então uma absurda “discriminação fiscal”, em que os seus produtos eram taxados como se
fossem originários de um país estrangeiro, enquanto os produtos nacionais destinados ao Reino do Algarve, pagavam mais taxas alfandegárias
do que quando tinham como destino outros portos nacionais. Este tratamento vergonhoso prolongou-se por quase todo o século XVIII, sendo
apenas corrigido na década de 1770, graças a um conjunto de medidas de
“restauração” económica do Reino do Algarve, implementadas pelo governo do Marquês de Pombal.
Mas nem tudo foi mau, no início do século XVIII, a ocupação inglesa de
Gibraltar provocou um conflito entre Espanha e Inglaterra que proporcionou uma oportunidade de negócio para muitos farenses. Com efeito, quando o rochedo esteve sob bloqueio da marinha espanhola foram os comerciantes e pescadores da cidade quem abasteceu a população e a guarnição
britânica com bens de primeira necessidade.
A População Escrava de Faro
No início do século XVIII, cerca de 10% da população da cidade era
composta por africanos negros que haviam sido trazidos como escravos
para o Algarve. Segundo Marco Sousa Santos17, a esmagadora maioria
destes escravos eram provenientes da região subsariana, nomeadamente de Angola, da Guiné e de Cabo Verde, mas havia também escravos
oriundos do Brasil, incluindo alguns índios. Entre os proprietários da
mão de obra escrava encontravam-se pessoas de ambos os sexos, incluindo fidalgos, membros do clero, lavradores, pescadores e mestres dos
mais diversos ofícios.
Ao longo do século XVII e XVIII, foram muitas as crianças que nasceram fruto da relação entre os senhores e seus escravos, dando origem
a uma população de mestiços. Em muitos casos, estes acabariam por se
tornar homens livres, recebendo cartas de alforria dos seus donos/proge17 Marco Sousa Santos, “Contributos para a História da Escravatura no Termo de Faro
(séculos XVI, XVII e XVIII)”, Anais da União das Freguesias de Faro vol. 1 (no prelo).
30
nitores, o mesmo sucedendo com alguns escravos negros, libertados como
recompensa pelos serviços prestados.
Dada a importância desta enorme comunidade, a igreja implementou
um sistema de proteção aos escravos negros, criando, para isso, a confraria
Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos (cuja capela se encontra
na igreja da Sé). Esta confraria tinha como objetivo prevenir e corrigir os
excessos dos seus donos.
Com os decretos de 1761, o governo do marquês de Pombal proibiu o
transporte de escravos para os portos do reino de Portugal e Algarve, e, com
o decreto de 1773, a coroa decretou que os filhos de escravas que, daí em
diante, nascessem em Portugal continental seriam cidadãos livres. Consequentemente, a população escrava seria rapidamente assimilada e acabaria
por se extinguir em poucas décadas.
O Terramoto de 1755
Eram nove e meia da manhã do dia 1 de novembro de 1755 (Dia de Todos os Santos), quando a terra tremeu com uma intensidade nunca sentida
pelos portugueses. O Grande Terramoto de Lisboa, como ficou conhecido, causou enorme destruição e teve o seu epicentro no chamado banco
de Gorringe (a uma distância de 120 milhas de Sagres), tendo atingindo,
segundo os cientistas, a magnitude de 8,7 graus na escala de Richter.
Segundo o investigador algarvio do século XIX, Silva Lopes, o poder
destruidor deste terramoto ultrapassou largamente os sismos de 1719 e
1722, sendo o número de vítimas mortais no Algarve superior a 1 000 pessoas (aos quais devemos acrescentar milhares de feridos), numa população
estimada em cerca de 80 mil habitantes. De acordo com as Memórias Paroquiais de 1758, em Faro, onde a população rondava os 7 mil habitantes,
o sismo provocou duzentas vítimas mortais e muitas centenas de feridos,
constituindo por isso a maior tragédia de que havia memória na cidade.
Transcrevemos o testemunho de Faria e Castro, residente em Faro nesse
dia fatídico:
31
Em poucos minutos a formosa cidade de Faro ficou num
monte de ruínas. Arrasados pelos alicerces, poucos edifícios
escaparam. Sendo dia santo as igrejas estavam cheias e foram muitos os que ali ficaram sepultados sob as ruínas das
abóbadas. Nas ruas as fachadas ruíram esmagando muitas pessoas. Na praça abriu-se uma fenda tão grande que
não se avistava o seu fundo. (Adaptado pelo autor)18.
Na sequência daquele que foi o mais destrutivo terramoto registado
até hoje no continente europeu, o litoral algarvio foi atingido pelo maior
tsunami (maremoto) de que há memória em Portugal. Segundo os especialistas, apenas seis ou sete minutos decorridos sobre o sismo uma “onda
gigante”, com mais de 15 metros, invadiu a terra, penetrando em algumas
zonas até mais de um quilómetro da costa19.
Ao contrário do que sucedeu no barlavento algarvio, onde o tsunami
contribuiu significativamente para a destruição e o aumento do número de
vítimas, na região do sotavento (Faro, Olhão e Tavira), o impacto das ondas
foi bem menor, graças ao efeito protetor das chamadas ilhas barreira, ampliado pelo facto de, à hora do sismo, se verificar maré baixa. Apesar disso,
o terramoto arruinou a grande maioria dos edifícios da capital algarvia. Segundo os registos da época, ficaram danificadas as muralhas, o castelo com
as suas torres e baluartes, os quartéis, armazéns, alfândega e cadeia, para
além de muitas casas. Além disso, tal como aconteceu em Tavira, o património religioso de Faro foi também profundamente danificado. Na igreja da
Sé, caiu grande parte da torre sineira, abatendo-se sobre o coro alto, e ruiu
também a capela-mor. Igualmente danificados ficaram o Paço Episcopal, o
colégio dos Jesuítas, os conventos de S. Francisco e de Nossa Senhora da
Assunção (onde morreram três religiosas), a igreja dos Capuchos (onde a
queda da abóbada provocou vários mortos), assim como a igreja paroquial
de São Pedro, a igreja da Misericórdia e a igreja do Carmo.
18 Faria e Castro (1786) citado em 1755 - Terramoto no Algarve, p. 98.
19 Os dados e fontes referidas neste subcapítulo encontram-se no livro 1755 – Terramoto no Algarve.
32
Tela com retrato do bispo D. Francisco Gomes de Avelar (1816).
Foto do Museu Municipal de Faro/CMF
Os efeitos do terramoto de 1755 foram devastadores no Algarve e lançaram a região e a sua capital num período de recessão. Em 18 janeiro de 1789,
a rainha D. Maria I nomeou para a diocese do Algarve D. Francisco Gomes
do Avelar. Num período em que os bispos desempenhavam uma importante
função governativa nas respetivas províncias/dioceses, D. Francisco Gomes
do Avelar desempenhou um papel admirável na recuperação económica,
social e cultural do Algarve. Com efeito, além de uma notável ação pastoral, em que se destacaram medidas como a proibição dos enterramentos nas
igrejas, a construção de cemitérios e a promoção do ensino religioso, ao bispo ficou a dever-se a reconstrução do antigo hospital da Misericórdia, tendo
patrocinando também a construção e reconstrução de pontes e estradas. Importante foi igualmente a aposta do bispo no restauro de algumas das mais
emblemáticas igrejas algarvias, sendo de destacar, em Faro, a Sé catedral, a
igreja da Misericórdia, a igreja de São Pedro e a igreja de Santo António dos
Capuchos, todas seriamente afetadas pelo terramoto de 1755.
33
Capítulo IV – Faro nos
Séculos XIX e XX
Vista de Faro em finais do século XIX
Postal do arquivo do Museu Municipal de Faro/CMF
Faro e as Invasões Napoleónicas
Em 1807, Napoleão Bonaparte ordenou a invasão de Portugal, obrigando a família real portuguesa a exilar-se no Brasil. Em 22 de janeiro de 1808,
as tropas napoleónicas, lideradas pelo general Antoine Maurin, entraram
no Algarve perante a complacência das autoridades administrativas e eclesiásticas. As autoridades consideravam inútil oferecer resistência a um exército invasor que granjeava a simpatia de alguns sectores da população.
O regimento francês, do qual faziam também parte soldados espanhóis,
incorporou alguns soldados da pequena guarnição portuguesa de Faro e
instalou-se confortavelmente no antigo colégio dos Jesuítas (atual teatro
34
Lethes), enquanto o general Maurin recebeu aposentos numa das casas senhoriais, onde mais tarde seria o Governo Civil.
No entanto, se a entrada dos franceses foi pacífica, rapidamente estes
granjearam a antipatia da população algarvia, em parte porque impuseram
o pagamento de novos impostos, entre os quais 20% do pescado era confiscado pelo exército napoleónico. A revolta era, pois, inevitável e aconteceria
em Olhão no dia 16 de junho de 1808, aldeia de pescadores onde uma pequena guarnição de tropas napoleónicas foi incapaz de suster o levantamento espontâneo desta comunidade.
Em Faro, a história foi diferente. Com efeito, na capital algarvia residia
uma elite de nobres, clérigos e funcionários públicos a quem os invasores
trataram com parcimónia, permitindo que estes mantivessem as suas regalias. Pelo contrário, o povo, em particular os pescadores e mariscadores, sentia o mesmo descontentamento que os seus vizinhos olhanenses, uma vez
que era o principal visado da carga fiscal imposta pelos franceses, os quais
não hesitavam em recorrer à força para efetuar a respetiva cobrança. Deste
modo, enquanto as elites se mantinham submissas ao invasor, as camadas
populares seguiram o exemplo dos olhanenses e, no dia 19 de junho desse
verão quente de 1808, deram início à revolta farense.
De acordo com o professor António Rosa Mendes20, a figura emblemática
do levantamento popular em Faro chamava-se Manuel Nascimento, mais conhecido como “o maneta”, um farense de baixa condição social, mas bastante
enérgico no seu repúdio pelos invasores. Segundo o historiador algarvio, na
manhã de domingo de 19 de junho, um grupo de revoltosos aproveitou a
deslocação de tropas francesas a Olhão e pagou ao maneta para que este se
infiltrasse na torre sineira da igreja do Carmo e, às duas da tarde, tocasse os
sinos a rebate, chamando assim a população à rua, onde os conspiradores
Bento Tendeiro e Zé do Botequim incitariam os farenses à revolta. Segundo
o padre João Pereira de Carvalho, na sua “Memória da Revolução no Algarve,” à chamada do maneta acorreu apenas a “plebe” (o povo humilde) e os
rapazes da cidade, tendo as “pessoas bem-nascidas” ficado em suas casas.
20 Sobre este episódio da nossa história recomenda-se a leitura do livro de António Rosa
Mendes, Olhão Fez-se a si Próprio, 2009.
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Foi de facto o povo de Faro quem respondeu ao apelo dos conspiradores e
protagonizou a revolta desse dia histórico. Com a ajuda do capitão Sebastião
Cabreira, e seus dois irmãos (ambos tenentes), os revoltosos (mal-armados)
organizaram-se e, entre vivas à família real portuguesa, tomaram alguns pontos sensíveis da cidade e aprisionaram o general Maurin e a sua escolta.
Um ano depois da revolta farense, a mesa da Venerável Ordem Terceira do
Carmo, promoveu uma celebração do aniversário da restauração de Faro, e,
como tantas vezes acontece, à celebração já não faltaram as mais altas individualidades do clero e da nobreza que ocuparam os lugares de honra na igreja.
Expulsos os invasores franceses, o país entrou num período de confronto
político culminando na guerra civil (1828-1834) a qual opôs o partido liberal apoiante de D. Pedro IV e o partido absolutista do seu irmão D. Miguel.
No dia 27 de junho de 1833, a esquadra liberal fundeou ao largo de Faro e
entrou na cidade sem encontrar qualquer resistência.
Nesse verão quente de 1833, um grande número de “montanheiros” desceram da serra ao assalto de Faro, Albufeira, Portimão, Tavira e Lagos, tendo
como objetivo aniquilar os habitantes da cidade, diabolizados como ímpios e
maçónicos, em particular os proprietários, comerciantes e a pequena burguesia intelectual que ocupava os lugares da administração pública. O resultado
deste grave confronto social foi o saque de casas e estabelecimentos comerciais, a destruição de cartórios, onde se encontravam os comprovativos de
dívidas, e em muitos casos, o homicídio de credores por parte dos devedores.
Perante a ameaça de um ataque das forças miguelistas, bastante ativas
no interior algarvio, as tropas liberais decidiram então reforçar o sistema
defensivo da capital algarvia, aproveitando para o efeito a cerca seiscentista,
onde foram instaladas várias peças de artilharia.
Lideradas pelo general Tomás Cabreira (sem alguma relação com o ministro das finanças que deu nome à escola secundária), as forças miguelistas tentaram invadir a capital algarvia, mas foram travadas pelas tropas liberais com o
precioso auxílio do corpo de atiradores belgas. Foi em Santo António do Alto
que se travaram os combates mais sangrentos, tendo-se registado milhares de
feridos e centenas de mortos, muitos dos quais fuzilados sumariamente.
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Nesses dias negros da nossa história, os farenses assistiram impotentes
ao saque levado a cabo pelas milícias miguelistas, que não se coibiram de
atacar cidadãos indefesos, incluindo mulheres e crianças, com uma brutalidade raramente vista. Na verdade, a barbárie miguelista, não seria esquecida
pelos farenses que, no dia 2 de novembro de 1834, obtiveram a sua desejada
vingança ao assassinar o general Tomás Cabreira, preso na cadeia de Faro.
Contrariamente ao que sucedeu no norte e centro do país, no Algarve os
movimentos de guerrilha prolongaram-se alguns anos após o final da guerra
civil, transformando o interior algarvio numa zona de grande insegurança. O
fim da resistência miguelista chegaria ao fim com a captura do seu principal
líder, José Joaquim de Sousa Reis, conhecido como o “remexido”, acabando
fuzilado no campo da Trindade (atual jardim da Alameda) e de imediato sepultado no cemitério da Misericórdia de Faro, no dia 2 de agosto de 183821.
Em Faro, a implantação do liberalismo e a consequente extinção das ordens religiosas originou a ocupação do antigo convento de São Francisco
pelo Regimento de Infantaria e do convento de Santo António dos Capuchos, que foi ocupado pela Guarda Republicana.
Breve Panorama Económico
Durante o século XIX e primeiras décadas do século XX, a economia
do Algarve assentou no setor primário (agricultura e pescas). A pesca e a
produção de sal eram, em inícios do século XIX, as principais atividades
económicas da capital algarvia, sendo a produção agrícola da região deficitária, devido aos baixos índices de produtividade e de rendimento que,
segundo o professor Vilhena Mesquita “eram suscitados pela desigual distribuição social da propriedade, pelo baixo investimento financeiro e pelo
atraso científico-tecnológico (…)22.”
21 Sobre a guerra civil no Algarve e a guerrilha miguelista, aconselhamos a leitura de O Remexido e a Resistência Miguelista no Algarve (2009) do professor José Carlos Vilhena Mesquita.
22 Vilhena Mesquita, Breve Ensaio Geoeconómico sobre o Algarve na Primeira Metade do
Século XIX, (2000).
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Em meados do século XIX, a produção e exportação de frutos secos
(amêndoa, figo seco e farinha de alfarroba) apresentava um grande valor
económico, mas uma das culturas que mais impulsionava a agricultura algarvia era a produção de citrinos. Com efeito, em 1863, o governador civil de Faro solicitou informações relativas à colheita de laranjas e limões
daquele ano a cada concelho do distrito. Esses dados hoje permitem-nos
compreender a importância da produção de citrinos na economia da região.
Deste modo, sabemos que o maior produtor foi o concelho de Faro com
38,4% do total, seguido de Olhão, Monchique e Loulé. Desta considerável
produção de citrinos, cerca de 44% era exportada para o estrangeiro. Segundo Aurélio Cabrita, a riqueza do concelho de Faro devia-se à fertilidade e
planura da campina de Faro, abundante em água extraída pelas noras que
haviam sido desenvolvidas pelos mouros23.
No final do século XIX, o cultivo de citrinos entrou em declínio, em
grande medida devido aos efeitos de uma praga (gomose), a qual afetou imenso a produção. No entanto, durante a década de 1960, graças à
introdução dos furos artesianos, a produção de citrinos voltou a florescer
no concelho de Faro.
A indústria da pesca floresceu no Algarve, durante o século XIX, graças
ao investimento nas artes de captura do atum, sardinha e corvina realizado
por empresas nacionais, como a Companhia de Pescarias do Algarve (fundada em 1835), e algumas empresas italianas, espanholas e francesas. Deste
modo, as principais cidades portuárias do litoral algarvio (Vila Real de Santo
António, Portimão, Faro e Olhão) viram nascer uma indústria de conservas
que se desenvolveu na primeira metade do século XX devido à enorme procura de alimentos enlatados provocada pelas duas grandes guerras mundiais.
A segunda metade do século XIX e o início do século XX assinala um
modesto desenvolvimento industrial em Faro. Em 1860 o convento de Nossa Senhora da Assunção foi vendido em hasta pública a José Maria Carvalho
e Teodoro José Tavares, pela quantia de 1 800 réis. Em 1864, Samuel Amran
comprou o secular edifício por 2 000 réis, tendo ali instalando uma fábrica
de rolhas e preparação de cortiça que laborou durante vários anos (empre23 CABRITA, Aurélio. “Em 1863, o Algarve já Era Campeão da Produção de Citrinos,
mas Silves não Estava em Destaque.” Sul Informação, fevereiro 2018.
38
gando mais de uma centena de trabalhadores). A fábrica foi posteriormente
adquirida pelos alemães Gremer e Fritz Henzel, que mantiveram esta atividade até aos anos 50. Em 1960, a Câmara Municipal de Faro adquiriu este
edifício histórico para instalar o Museu e a Biblioteca Municipais.
Claustro do Convento ocupado pela fábrica de cortiça.
Foto do Museu Municipal de Faro/CMF
Ali bem perto do convento de Nossa Senhora da Assunção/Museu de
Faro, no castelo da antiga muralha, foi instalada, em 1904, uma fábrica de
destilação de álcool. Esta funcionou durante alguns anos até ser adquirida,
em 1931, pela companhia produtora de malte e cerveja, Portugália, que
ali construiu uma nova fábrica. Entre 1968 e 1992, o edifício foi ocupado
pela Cervisul (Sociedade Distribuidora de Cerveja e Vinhos do Sul) e pelo
Regimento de Infantaria do Sul.
A transformação de cortiça continuou a realizar-se em Faro, nomeadamente na empresa Torres Pinto (constituída em 1953 e encerrada em
1996), situada perto do Bom João, junto à Ria Formosa. Esta empresa possuía aquele que em tempos foi o maior complexo industrial de Faro, onde
39
se incluíam áreas de escritório, armazém, processamento de matérias-primas e equipamentos de transporte. Igualmente importante foi a fábrica da
Companhia de Moagem Farense. Fundada em 1932, esta unidade industrial
produziu uma quantidade incalculável de farinhas, abastecendo a maioria
dos mercados e padarias da região até ao seu encerramento em 1980.
Um dos maiores empreendedores algarvios foi, sem dúvida, João António Júdice Fialho (1859-1934). Natural de Portimão, casou com Maria
Antónia Cúmano, filha do médico italiano Dr. Justino Cúmano, e residiu
em Faro durante vários anos. Na verdade, foi na capital algarvia que Júdice
Fialho Iniciou a sua atividade industrial, fundando uma fábrica de destilação de álcool que acabaria por encerrar poucos anos depois. Fez fortuna ao
investir no ramo da indústria da pesca do atum e da sardinha, tendo fundado fábricas em Portimão, Olhão e Lagos. Júdice Fialho investiu, igualmente,
na produção de massas alimentícias, compotas e marmeladas. A sua enorme
fortuna permitiu-lhe reunir uma importante coleção de arte e, entre 1913
e 1925, construir em Santo António do Alto, uma luxuosa residência inspirada nos solares franceses. Esta residência ficou conhecida como palácio
Fialho, onde, desde 1955, funciona o colégio de Nossa Senhora do Alto24.
Um outro grande empresário farense que marcou a cidade no início do
século XX foi Modesto Reis. Este fez fortuna com as suas fábricas de fiação
(algodão e linho), localizadas no quarteirão que abrangia o local onde atualmente se encontra o edifício da Região de Turismo e o espaço presentemente ocupado pela da Escola Secundária Tomás Cabreira.
Feiras e Mercados
Durante séculos, as atividades comerciais com maior tradição no Algarve foram as feiras francas e os mercados semanais. As feiras aconteciam invariavelmente em datas festivas de carácter religioso ou profano.
No século XIII, as feiras ganharam uma importância especial no tecido
económico e social do país, refletindo o aumento da população e a consoli24 Sobre este empresário algarvio recomendamos a leitura de Júdice Fialho, O Maior Industrial Conserveiro do Algarve de José Carlos Vilhena Mesquita.
40
dação do território após a reconquista cristã. Numa sociedade com enormes
dificuldades de deslocação, com escassez de vias de comunicação e insegurança nas grandes viagens e com o trabalho itinerante dos almocreves (mercadores), as feiras e os mercados semanais ou mensais (realizados ao sábado
ou domingo) desempenhavam, até ao século XX, um papel fundamental na
economia nacional. Os mercados e feiras contribuíam, assim, para o escoamento da produção agrícola (em particular frutos secos, hortaliças, cereais,
ovos, sementes e mel). Ao mesmo tempo, estes disponibilizavam à população toda uma serie de produtos manufaturados, como alfaias agrícolas,
mobiliário, vestuário, calçado, loiças e outros utensílios domésticos.
Para além do já referido mercado das Alcaçarias (de origem medieval),
Faro tinha também uma feira anual. Com efeito, no dia 1 de junho de 1596,
D. Filipe I (Filipe II de Espanha) decretou que a Feira de Santa Iria (hoje
mais conhecida como Feira de Faro)25, passava a ser feira franca, ficando
deste modo isenta do pagamento de impostos e portagens para todos os
mercadores e feirantes que se deslocassem a Faro para vender os seus produtos. Entre os privilégios concedidos pelo monarca encontrava-se licença
de porte de arma e de qualquer tipo de montada a todos os comerciantes e
mercadores que se deslocassem a Faro.
Durante muitos anos, historiadores como Pinheiro e Rosa consideraram
que a feira de Faro teria nascido com objetivo de afirmar a capitalidade da
cidade e ajudar a sua recuperação económica, após o ataque do conde de Essex. No entanto, as origens da feira poderão remontar à Idade Média, época
em que os primeiros monarcas portugueses atribuíram vários forais e cartas
de feira a diversas localidades nacionais, não sendo assim de descartar a possibilidade de que os reis D. Afonso III ou D. Dinis tenham atribuído carta
de feira a Faro, tal como sucedeu com Loulé em 1291.
No entanto, a feira de Faro nem sempre beneficiou do estatuto de feira
franca, o qual só se tornou definitivo em 1722. Com efeito, no Arquivo
Municipal de Faro existe um treslado do alvará régio de 1626, a conceder
licença para se fazer a feira franca por um período de seis anos, a realizar
25 Santa Iria, cujo dia se celebra a 20 de outubro, foi uma mártir cristã nascida no século
VII perto de Tomar.
41
anualmente no dia de Santa Iria e nos dois seguintes por “aquele reino ser
mui falto de coisas necessárias ao comércio dos moradores dele, depois que
a dita cidade foi queimada pelos ingleses.”
Postal alusivo à Feira de Santa Iria. Disponível em Fotos de Faro Antigo
Ao longo da sua história, a feira de Faro ocupou diversos locais da cidade, em particular os mais próximos do centro histórico, como o largo de São
Francisco, o largo da Alagoa, o largo e a rua do Pé da Cruz, as Alcaçarias e a
praça da Rainha. Em meados do século XIX, por detrás da igreja do Pé da
Cruz, começaram a instalar-se os circos e as barracas de diversões, enquanto
na atual avenida 5 de Outubro vendia-se cereais e legumes e na zona do
atual mercado municipal situavam-se os vendedores de gado. A partir de
1906, a feira passou a realizar-se no largo de São Francisco e ruas adjacentes.
Neste período, a feira de Faro era ainda a maior e mais importante do Algarve como testemunhou um artigo do jornal Correio do Sul, em 1929:
E a envolver tudo, enchendo as ruas, desde o Jardim a S.
Luiz, um enorme, interminável formigueiro humano, manchando a cidade de pinceladas multicores (…) a vivificar as
artérias da cidade. (Correio do Sul, nº 661, 20/10/1929)
42
Nos anos 60 e 70 do século XX, a Feira de Santa Iria ainda ocupava todo o
largo de São Francisco, assim como o largo D. Afonso III e parte do largo da
Sé. Presentemente, a maior feira tradicional do Algarve continua a realizar-se
na segunda quinzena de outubro, atraindo milhares de pessoas aos carrosséis
e às barracas de comes e bebes, olaria, calçado, roupa, atoalhados, brinquedos,
frutos secos e cutelaria.
Mais pequena, mas com alguma importância, a feira do Carmo, cujas
origens remontavam ao século XVIII, realizava-se no dia da padroeira, a
16 de julho, mas nunca atingiu as mesmas dimensões da Feira de Santa
Iria, pois ficou consignada ao largo da igreja da Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Carmo e algumas ruas adjacentes. Contudo, nos anos 50 e 60
do século XX, esta feira ainda era um momento aguardado pela população
local, em particular os mais jovens que, em plenas férias escolares, afluíam
às barracas de diversões. No final dos anos 70, esta feira passou a realizar-se
no largo de São Francisco, acabando por desaparecer no início dos anos 90.
Pescadores trabalhando as redes junto do Alto da Morraça.
Foto disponível em Faro - Caixa de Memórias
43
Em meados do século XIX, Faro tinha um mercado semanal que se
realizava ao sábado e no terceiro domingo de cada mês. Durante mais de
um século, o mercado da cidade esteve situado no espaço chamado Alto da
Morraça (situado em frente ao atual edifico da alfândega e no espaço hoje
ocupado pelo Hotel Eva). O mercado era constituído por alguns barracões e
tendas, assim como a casa do açougue (talho), situado numa das casas frente
ao palácio Bivar.
Em 1873, a falta de condições de higiene levaria a Câmara a encetar um
projeto para novo mercado da fruta, hortaliças e carne, localizado no espaço frente ao jardim Manuel Bivar, onde hoje se encontra o edifício do
Banco de Portugal. Em 1878, a autarquia deu início à construção do novo
mercado do peixe, situado junto ao cais (próximo do local onde hoje se
encontra o Museu de Ciência Viva), de modo a aproveitar a proximidade
do local de desembarque das embarcações de pesca26.
Mercado do Peixe junto à doca de Faro. Foto Museu Municipal de Faro
No início dos anos 40, a Câmara Municipal de Faro concluiu que as instalações do velho mercado das frutas, hortaliças e carne, assim como o
mercado do peixe, já não cobriam as necessidades da cidade, tendo por isso
26 O Mercado de Faro: Uma Herança Mediterrânea, p. 38.
44
decidido construir um novo e moderno edifício para nele instalar o mercado municipal. O local escolhido foi o chamado campo de S. Luís, com um
largo projetado para a antiga “estrada da Circunvalação” que confina com a
atual rua Dr. Cândido Guerreiro. Com projeto do arquiteto lisboeta Jorge
Oliveira, o novo mercado, com um custo estimado em 3 000 contos, abriu
ao público no dia 1 de dezembro de 1953.
Edifício do antigo Mercado Municipal de Faro.
Foto disponível em promontoriodamemoria.blogspot.com
No final dos anos 90, o Mercado Municipal de Faro apresentava insuficiências graves, o que acabaria por conduzir à sua demolição em 2001, e a
construção de um novo edifício no mesmo local. O novo Mercado Municipal de Faro foi inaugurado em 8 de fevereiro de 2007, com um custo final
de 23 milhões de euros. Com 80 bancas de venda, três restaurantes, quatro
pastelarias e um parque de estacionamento subterrâneo com 440 lugares, o
atual mercado de Faro mantém viva a tradição dos mercados mediterrâneos,
oferecendo aos farenses uma enorme variedade de produtos frescos, pão,
carne, peixe e marisco da Ria Formosa.
45
Comércio e Hotelaria
No início do século XIX, o principal tipo de estabelecimento comercial
eram as mercearias (também conhecidas como vendas), onde a população
encontrava uma variedade de produtos de primeira necessidade, como sabão, café e ferramentas. Contudo, ao longo do século XIX vão surgir diversos estabelecimentos comerciais que irão permitir aos farenses o acesso a um
conjunto cada vez mais diversificado de bens de consumo.
Gravura da Rua D. Francisco Gomes no final do século XIX.
Disponível em Faro- Caixa de Memórias
Sem dúvida um dos mais importantes tipos de estabelecimento comercial foram as farmácias, cujos serviços eram indispensáveis para o bem-estar
da população. A mais antiga pharmacia da cidade foi fundada em 1805. Situada no largo de São Pedro e posteriormente na rua D. Francisco Gomes,
a Farmácia Pires funcionou durante todo o século XIX e teve como primeiro proprietário Vicente Batista Pires que, para além de farmacêutico,
foi também professor do liceu de Faro. No final do século XIX, a Farmácia
Pires era bastante requisitada pelos clientes que procuravam a tisana de Zithmann, um excelente remédio para a sífilis (doença sexualmente transmis46
sível), que havia sido desenvolvido em 1865/66 pelo médico italiano Constantino Cúmano e o seu ajudante, José Maria d’Assis.
No final do século XIX, Faro recebia várias centenas de turistas e visitantes, muitos deles doentes que aqui se deslocavam de todo o país e até
do estrangeiro para experimentarem a já referida tisana de Zithmann. No
entanto, o alojamento local era bastante deficiente, pois as hospedarias da
cidade estavam longe de primar pela higiene e conforto. Mas, nem tudo era
mau. No Hotel Nicola, situado na confluência da rua Ivens com a Travessa
Tenente Valadim, era possível saciar a fome com pratos de cozinha tradicional algarvia, regada com vinho da Adega dos Frades da Fuzeta. Por sua
vez, no Café Esmeralda era possível apreciar cerveja alemã importada de
Inglaterra. Os mais gulosos estavam bem servidos pela Pastelaria Santos,
propriedade do pasteleiro lisboeta S.A. Santos, que abriu o seu estabelecimento na atual rua 1.º de Dezembro, e as donas de casa recorriam à Mercearia Inglesa, situada em frente do jardim Manuel Bivar, até ser demolida
em 1948 para dar lugar ao edifico da Caixa Geral de Depósitos. Este fica
junto da Casa Verde, estabelecimento inaugurado em 1920, que foi, durante décadas, a retrosaria de eleição dos farenses e mantém ainda hoje portas
abertas, estando prestes a completar um centenário.
Quase em frente à Casa Verde situa-se o igualmente emblemático Café
Aliança, um dos mais antigos do país. Inaugurado em 1932, foi propriedade do
empresário José Pedro da Silva, que investiu uma avultada quantia na construção e decoração deste estabelecimento que, à época, estava ao nível dos melhores de Lisboa. Com efeito, o histórico Café Aliança, com seus espelhos e porta
giratória seguia o estilo dos elegantes cafés parisienses, transformando-se numa
das salas de visitas da cidade, palco de grandes tertúlias culturais e de muitos negócios. Nos anos 40 e 50, o Café Aliança teve como vizinho a Barbearia Pavão.
Ao empresário José Pedro da Silva a cidade ficou a dever também o Hotel Aliança (mais tarde denominado Hotel Faro). Esta moderna unidade
hoteleira, inaugurada pelo governador civil no dia 1 de março de 1946,
dispunha de 36 quartos mobilados com requinte (incluindo casa de banho
privativa com água quente), e veio dotar a capital algarvia de um importante equipamento que permitiu satisfazer as necessidades dos muitos turistas
que não encontravam alojamento de qualidade na cidade.
47
Anúncio de jornal sobre a inauguração do Hotel Aliança.
Foto disponível em Faro – Caixa de Memórias.
Até ao início do século XX, a grande rua do comércio foi a rua D. Francisco
Gomes. A rua de Santo António nasceu em meados do século XIX quando a
autarquia abriu uma nova rua que atravessava a antiga horta da Mouraria. Em
finais do século XIX, os comerciantes começaram a introduzir algumas melhorias para dignificar a rua e os seus estabelecimentos comerciais, como por
exemplo a iluminação a gás acetilene que atraia os clientes. No entanto, rua de
Santo António só ganhou verdadeira importância com a abertura da filial dos
Grandes Armazéns do Chiado, em maio de 1910, um grande estabelecimento comercial situado no mesmo local onde hoje se encontra a Casa da Sorte, e
que, quatro décadas depois, foi deslocado para a rua Conselheiro Bivar.
Nas primeiras décadas do século XX, os farenses frequentavam a rua de
Santo António para tomar café na Brazileira, encomendar serviço à Tipografia Serafim e roupa ao alfaiate João Silvestre Coelho da Matta ou comprar
joias na Ourivesaria Tavares Bello e Filho. Nos anos vinte, aqui ficava a Retrozaria Parisiense que vendia luvas, chapéus, meias, gravatas e perfumes e
nos n.os 50 e 52 localizava-se a Drogaria e Perfumaria Bandeira e Cª Limitada, que, em 1922, publicitava no jornal Alma Académica dos alunos do liceu
de Faro produtos como a Virilina, um eficaz remédio para a impotência sexual
e a melancolia, e o Herpetol, “único remédio eficaz para as doenças de pele.”
48
Secção de anúncios publicitários da revista Alma Académica (março 1922).
Imagem cedida pela Associação FARO 1540
49
Na rua Tenente Valadim (antiga travessa dos Cavalos) encontrava-se a
Adega dos Frades, estabelecimento conhecido pela qualidade dos seus vinhos, mas que atraia uma clientela pouco moderada no consumo do álcool,
e, ali bem perto, na praça Ferreira de Almeida abriu, em 1925, a Adega dos
2 Irmãos, atual Restaurante 2 Irmãos.
Na rua Filipe Alistão, n.º 13, ficavam os Armazéns do Sul, que disponibilizavam aos clientes uma variada oferta de lanifícios, fazendas, panos
e chapéus. Na rua Ivens, n.º 17, encontrava-se a Sapataria Pereira que
anunciava grande variedade de calçado para homem, criança e senhora,
segundo os modelos de Paris! Por sua vez no largo do Carmo, ficavam as
mercearias e armazéns de venda por grosso e a retalho da família Lã.
Em 1950 abria portas a Rádio Eléctrica Farense, propriedade do Sr.
José de Sousa Cabecinha Júnior e seu filho. Localizado na rua Conselheiro Bivar, o estabelecimento vendia diversos modelos de rádios e telefonias,
pois era concessionário de marcas como Blaupunkt e Philips.
O jardim Manuel Bivar nos anos 60. Disponível em Fotos de Faro Antigo
Foi também no início dos anos 50 que abriu o Quiosque do Vieguinhas,
situado perto do coreto no jardim Manuel Bivar, e mais tarde integrado no
Café das Pirâmides, que abriu em finais dos anos 60. Durante décadas ambos os espaços foram paragem obrigatória para todos os que passavam pela
50
baixa de Faro, incluindo turistas e homens de negócios que ficavam alojados
no Hotel Eva, inaugurado em 1956 e, até hoje, uma referência na oferta
hoteleira do concelho de Faro.
Em plena rua de Santo António ficava a Casa Rodrigues, uma elegante loja de roupa que abriu em 1947 e a Mercearia do Sr. Gago (no espaço
ocupado desde 1979 pela Casa da Sorte). No final dos anos 50 abriu a
Pastelaria Gardy, propriedade do Sr. Dias e da sua esposa, oriundos de
Tavira, e surgiu a Papelaria Artys (onde presentemente se encontra a loja
W52), um estabelecimento essencial para os estudantes de Faro que aí
adquiriam material escolar e de papelaria.
Sem dúvida, um dos espaços mais emblemáticos da rua de
Santo António foi o Cineteatro
Santo António, palco de grandes
sessões de cinema aplaudidas entusiasticamente pelos cinéfilos farenses que não perdiam uma noite
de estreia. Inaugurado em janeiro
de 1953, no espaço anteriormente ocupado pelo Cineteatro Farense (construído em 1916), esta
sala incluía um pequeno centro
comercial onde, até aos anos 90,
funcionaram diversas lojas, incluindo uma loja de discos, lojas
de roupa (conhecidas como bou- Entrada do Cineteatro de Santo António.
Foto cedida pelo Arquivo de Artes da
tiques), uma tabacaria/papelaria,
Fundação Gulbenkian
e também Shop Lucas, uma das lojas mais procuradas pelos jovens farenses, entre finais dos anos 80 e o início
dos anos 90, pois vendia jogos para os célebres computadores Commodore.
No início da década de 1970, a rua de Santo António foi encerrada ao
trânsito e pavimentada com um excelente trabalho de calçada portuguesa
que constitui uma das atrações turísticas da cidade. Deste modo, ao permitir a livre circulação de peões, a rua de Santo António, transformou-se
51
num verdadeiro centro comercial a céu aberto, muito antes da abertura do
Fórum Algarve, em março de 2001. Por estes anos, os farenses encontravam
aqui um diverso conjunto de serviços (médicos, dentistas e advogados), e
estabelecimentos comerciais, como a Farmácia Baptista, a Óptica Graça,
a sede do Banco Português Ultramarino ou lojas emblemáticas como a
António Manuel (antiga loja Riviera) e a Palloran (fundada em 1966), que
abriu no local anteriormente ocupado pela Tipografia Serafim.
Rua de Santo António em inícios dos anos 70.
Foto do Museu Municipal de Faro/CMF
Ali bem perto, na rua D. Francisco Gomes, abriu em meados dos anos 70
a Bijou, um dos cafés mais frequentados da cidade, que surgiu no local da
antiga Leitaria Baleizão, e cujo salão de jogos era, no final dos anos 80, um
dos locais mais procurados pelos jovens da cidade. Ao lado da Bijou ficava a
Casa Campeão (aberta ao público desde os anos 50), e em frente, no edifício presentemente ocupado pela Pastelaria Chelsea, ficavam a Luzbel, e os
Studios Hélder, uma das melhores lojas de fotografia da cidade.
52
Quase ao lado da Luzbel, que comercializava uma grande variedade de
produtos, ficava a padaria do Sr. Costa, mais conhecida como Padaria da
Dona Benta (sua filha), especializada em pão espanhol de farinha branca
fina, e onde os farenses compravam papos-secos, vianinhas, pão em forma
de passarinho e excelentes tortas de creme.
Dois estabelecimentos emblemáticos que abriram portas na década de
1970 foram a Papelaria Sagres (em 1976), localizada na rua D. João Castro,
e a Livraria Europa América (em 1971), localizada na praça Ferreira de Almeida. Ali bem perto, na rua Ivens, encontra-se o Salão Algarve (antigo Salão Lisboa), estabelecimento centenário fundado em plena I Guerra Mundial,
onde gerações de farenses se habituaram a cortar o cabelo e a barba. Quase
em frente do Salão Algarve, ficam duas lojas de referência, a Óptica Graciete
(antigo Oculista Serra) e a Ourivesaria Margarido, que abriram portas em
meados dos anos 70, e ficavam ao lado do já extinto Restaurante Flórida.
O Jardim Manuel Bivar
Vista do Jardim Manuel Bívar no final do século XIX.
Postal do arquivo do Museu Municipal de Faro
53
Na praça D. Francisco Gomes (antiga praça da Rainha), um dos mais
importantes espaços urbanos da cidade, onde, desde o seculo XVI, se localizavam o edifício da alfândega, o hospital e a igreja da Misericórdia, foi
construído, em finais do século XIX, o chamado “Passeio do Bacalhau”, um
dos locais de convívio favoritos dos farenses que aproveitavam os dias e noites mais amenas para passear e, por vezes, escutar as bandas filarmónicas que
atuavam com regularidade no coreto, construído em 1894.
No início do seculo XX, este espaço assume-se definitivamente como
um jardim, local de lazer e sociabilidade, onde se realizaram durante décadas as festas da cidade de Faro, as festas dos Santos Populares e a Feira
do Livro. Presentemente o jardim Manuel Bivar mantém-se como um dos
espaços mais emblemáticos e populares da capital algarvia, recebendo a Feira dos Queijos, Vinhos e Enchidos (que decorre em abril), a Farnáutica
– Mostra do Mar e da Náutica de Faro (que decorre em maio) e a Feira
do Doce Regional e Conventual (que decorre em agosto), eventos organizados pela União das Freguesias de Faro, e por onde passam anualmente
milhares de visitantes nacionais e estrangeiros.
O Saneamento Básico
Até finais do século XIX, a cidade era atravessada por valas, algumas
das quais correspondendo aos antigos cursos de água por onde escoavam as
águas da chuva e dos ribeiros. Durante a época das chuvas era frequente o
transbordo de estas valas, condicionando a circulação da população, obrigada a utilizar pequenas pontes colocadas em locais sensíveis da cidade. Esse
era o caso da Pontinha do Peixoto, na área ainda hoje conhecida como “a
Pontinha.” Estas valas serviram durante muitos anos como um verdadeiro
esgoto a céu aberto, pois a população lançava as águas de uso doméstico
para as valetas da via pública ou para os quintais das residências.
No final da década de 1860, a autarquia começou a substituir as principais
valas da cidade por canos subterrâneos para o escoamento de esgotos e águas
da chuva. No entanto, em 1893, os esgotos da cidade desembocavam junto
da muralha, provocando um cheiro nauseabundo nas horas de maré-baixa,
tornando-se quase insuportável nos meses de verão. Perante este problema de
54
saúde pública, a autarquia avançou para a construção do primeiro coletor de
esgotos da cidade em 1904. Infelizmente, até aos anos 90, boa parte dos esgotos da cidade continuaram a ser escoados diretamente para a Ria Formosa.
Um dos principais indicadores de desenvolvimento económico e social
de uma localidade é, sem dúvida, o abastecimento de água. Contudo, só nas
décadas de 1930 e 1940 a capital algarvia foi dotada de um sistema público
de abastecimento de água canalizada. Com efeito, durante décadas os farenses exigiram a resolução do problema e a edilidade por diversas vezes entrou
em negociações com investidores privados para a introdução de um sistema moderno de abastecimento de água, porém, as exigências contratuais
impostas impediram durante vários anos a resolução do problema.
Durante o século XIX e os primeiros anos do século XX, o abastecimento
de água ao domicílio era assegurado pelos aguadeiros, que transportavam nas
suas carroças água da fonte para abastecer os estabelecimentos comerciais e
residências de alta burguesia farense. Contudo, o cidadão mais humilde era
obrigado a recorrer aos vários poços públicos situados na cidade: como o poço
de São Pedro, o poço do largo do Pé da Cruz, o poço da Sé e o poço do largo
de São Sebastião. Estas eram fontes de abastecimento cuja qualidade variou
bastante ao longo dos anos, sendo os poços frequentemente encerrados pelas
autoridades por constituírem perigo para a saúde pública. De facto, segundo a
imprensa da época, por diversas vezes os poços foram contaminados por atos
de puro vandalismo (com despejo de lixo para o interior) e, ocasionalmente
eram também o alvo dos suicidas que para aí se atiravam. No entanto, dada a
deficiente iluminação noturna da cidade, acredita-se que alguns casos de “suicídio” tenham sido, na verdade, acidentes provocados pelo excesso de álcool.
O Ressurgimento da Comunidade
Judaica no Século XIX
Com o fim da Inquisição e a implantação do liberalismo, Portugal assistiu ao ressurgimento da comunidade judaica. Oriundos do norte de África
em particular de cidades como Rabat, Gibraltar e Tanger, as novas comunidades hebraicas portuguesas eram descendentes dos judeus ibéricos, expul55
sos de Portugal e Espanha no final do século XV. Em Faro, a comunidade
judaica renasceu nos anos 20 e 30 do século XIX, chegando a contar com
mais de 60 famílias, entre as quais os Amram, Levy, Ruah e Sequerra, os
quais, durante um século, vieram a desempenhar um papel fundamental na
sociedade farense. Eram na grande maioria comerciantes cujos contactos internacionais trouxeram nova dinâmica ao comércio e economia local. O seu
estatuto social era de tal modo elevado que a burguesia farense rapidamente
os inseriu na vida social da cidade, nomeadamente nas tertúlias familiares,
bailes, banquetes e espetáculos, eventos sociais que passaram a realizar-se à
sexta-feira de modo a não chocar com o sábado (dia santo dos judeus).
O poder económico destes empreendedores hebraicos granjeou-lhes tal
prestígio e influência que, quando o rei D. Carlos e a rainha D. Amélia, visitaram Faro, em 1897, foi Abraham Amram (cuja família morava no solar
do Capitão-Mor/o edifício do antigo Colégio Algarve) quem mobilou luxuosamente os aposentos da família real, instalada no Paço Episcopal.
No século XIX, a comunidade hebraica de Faro era tão importante que
tinha duas sinagogas e um cemitério privado. Presentemente localizado junto
ao estádio de São Luís, o cemitério dos judeus foi construído em 1820 e funcionou até 1932, apesar do último enterramento se ter verificado em 1918.
Desde 1978, o cemitério judaico de Faro é classificado como monumento
nacional, acolhendo presentemente o Museu-Sinagoga Isaac Bitton.
Na entrada do cemitério judaico podemos observar uma lápide que homenageia os irmãos Samuel e Joel Sequerra, filhos do industrial Moisés
Sequerra, um dos elementos mais influentes da comunidade judaica farense.
Nascidos em Faro, em agosto de 1913, os irmãos foram estudar para Lisboa
na adolescência e foi aí que, durante a II Guerra Mundial, desempenharam
um papel decisivo no auxílio aos refugiados de guerra (não apenas de origem judaica), ajudando a salvar centenas de vidas do holocausto nazi. Após
a II Grande Guerra abandonaram Portugal e estabeleceram-se no Brasil.
56
A Chegada do Comboio
Uma das grandes invenções do seculo XIX foi a locomotiva a vapor, o
que permitiu revolucionar o transporte de pessoas e bens. No entanto, a
introdução do caminho de ferro em Portugal foi tardia, quando comparada
com países europeus como a Inglaterra, França e Alemanha.
Até à chegada da ferrovia ao Algarve, em finais do século XIX, a região
encontrava-se relativamente isolada da capital, assim como das cidades mais
importantes (Coimbra, Porto, Braga), sendo o comércio realizado essencialmente por via marítima. Foi só nos anos 80 do século XIX que o erário
régio (orçamento do estado) disponibilizou as verbas necessárias para completar a ligação ferroviária entre Faro e o resto do país. Deste modo, no dia
1 de julho de 1889, a capital algarvia recebeu com pompa e circunstância
a chegada do comboio, 33 anos após a inauguração do primeiro troço de
caminho de ferro em Portugal (que havia ligado Lisboa ao Carregado).
Postal da Linha Férrea de Faro. Arquivo do Museu Municipal de Faro/CMF
57
Segundo Aurélio Cabrita, apesar das longas discussões sobre o traçado
da linha e a falta de empenho do governo na concretização do projeto, esta
importante obra pública deu trabalho a milhares de algarvios, ajudando as
populações rurais a sobreviver aos cíclicos períodos de crise económica motivados pela seca27.
Contra todas as expectativas criadas pela imprensa regional, a inauguração do caminho de ferro não contou com a presença de membros do
governo e da família real, facto considerado por muitos algarvios como
uma enorme falta de respeito dos governantes da nação para com toda
a região. Isto não impediu os farenses de organizarem um programa de
festividades, incluindo fogo de artifício, iluminação e decoração dos principais edifícios da cidade, assim como vários momentos musicais a cargo
das diversas bandas filarmónicas da região.
A chegada do comboio a Faro. Foto disponível em wikipedia.org
27 <https://www.sulinformacao.pt/2014/07/ha-125-anos-abriu-o-caminho-de-ferro-do-algarve-com-o-lanco-amoreirasodemira-faro>.
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A Visita da Família Real
Após a inauguração da linha de caminho de ferro, a população algarvia
e os farenses, em particular, aguardaram com expectativa a inevitável visita
da família real. Tal viria a acontecer em 8 de outubro de 1897, quando o
rei D. Carlos e a rainha D. Amélia chegaram à capital algarvia. A comitiva
ficou instalada no Palácio Episcopal, com exceção dos criados, cozinheiros,
valetes e guarda pessoal (mais de meia centena de indivíduos), que ficaram
instalados no Seminário Episcopal.
Naturalmente, Faro engalanou-se para receber a comitiva real. Durante
a sua estadia D. Carlos e D. Amélia visitaram o Museu Municipal e o Museu
Marítimo, assim como a igreja de Santo António do Alto, a Escola Industrial e o hospital da Santa Casa da Misericórdia. Na noite de 8 de outubro,
após o banquete oferecido a Suas Altezas Reais, estes dirigiram-se ao edifício do Governo Civil acompanhados pela elite farense, para dali assistirem
a um grande espetáculo de fogo de artifício.
A 1ª República em Faro
No dia 1 de fevereiro de 1908, o rei D. Carlos foi assassinado em pleno
Terreiro do Paço, vítima de uma conspiração organizada por elementos da
Carbonária, uma sociedade secreta da qual faziam parte membros influentes da vida política e económica nacional. No trono sucedeu-lhe o filho D.
Manuel II, deposto através de um golpe de estado em 5 de outubro de 1910.
Os revoltosos, aproveitando o descontentamento popular gerado pela difícil situação económica do país e a humilhação provocada pelo ultimato
inglês, concretizaram um projeto de poder delineado há muito pela fação
mais radical do partido republicano.
A notícia da Implantação da República em Faro, e o ambiente que aqui se
viveu, ficou registado no jornal republicano Província do Algarve. Segundo o
jornal, o povo acorreu em grande número à praça D. Francisco Gomes e, entre
vivas à república, dirigiu-se ao edifício do Governo Civil, exigindo permissão
para hastear a bandeira vermelha do partido republicano, tendo esta sido colocada no Arco da Vila, para grande entusiasmo dos apoiantes da revolução.
59
Logo nas primeiras semanas de governo, a república publicou leis que
proibiam o ensino da doutrina cristã nas escolas portuguesas, eliminavam
os feriados católicos e repunham as leis pombalinas de expulsão dos jesuítas
e a extinção das ordens religiosas. Estas decisões políticas viriam a culminar
com a lei da separação, concebida pelo ministro Afonso Costa, com a intenção de eliminar completamente o catolicismo em Portugal. Com esta lei,
o estado confiscou a maioria dos bens da igreja (templos, casas paroquiais,
seminários, colégios, asilos e hospitais), passando também a imiscuir-se na
nomeação dos clérigos.
Obviamente, a diocese do Algarve, com sede de bispado em Faro, foi bastante afetada pelo sentimento anticlerical da república, a qual considerava a
religião católica como o principal obstáculo à modernização da sociedade.
Com efeito, no dia 6 de setembro de 1911, a polícia, munida de um ofício
do presidente da comissão, encarregue de confiscar os bens da igreja, exigiu
a entrega imediata das chaves do Seminário de São José e obrigou os clérigos
a abandonar as instalações. Confiscado foi também o Paço Episcopal, cujo
recheio foi vendido ao desbarato, ou simplesmente depositado no Museu e
na Biblioteca Municipal (em particular livros e pinturas)28.
Num país onde a taxa de analfabetismo rondava os 90%, o regime republicano teve o grande mérito de realizar uma forte aposta no ensino público, investindo na escola enquanto espaço de socialização e instrumento de
desenvolvimento social.
1911 - A Luz Elétrica Chega a Faro
Em meados do século XIX, Faro não possuía qualquer sistema de iluminação pública. Só no início da década de 1870 surgiram os primeiros candeeiros públicos, funcionando a petróleo. Foi apenas no dia 1 de abril de
1911 que a capital algarvia inaugurou o sistema de abastecimento de luz
elétrica, entrando assim definitivamente no século XX. A central geradora
localizava-se no atual edifício do Centro de Ciência Viva e, segundo noticiava o jornal O Distrito de Faro, as lâmpadas encontravam-se distribuí28 DUARTE, Afonso da Cunha. A República e a Igreja no Algarve, pp. 42-43.
60
das pelas ruas, enquanto os arcos voltaicos iluminavam as praças: “A luz é
esplêndida. A iluminação consta de 300 lâmpadas, sendo 100 da força de
32 velas de filamento metálico (tantel), 200 força de 16 velas, filamento de
carvão e 18 arcos voltaicos, de 8 amperes de energia29.”
Dada a importância social e económica desta obra pública, que beneficiou imediatamente toda a indústria e serviços da cidade, a inauguração contou com presença das mais altas individualidades civis e militares, incluindo
o governador civil e o comendador Ferreira Neto (grande impulsionador do
projeto), sendo os discursos da praxe abrilhantados com música e foguetes.
A Renovação Urbana após a II Guerra Mundial
Na década de 1930, o Estado Novo nomeou Mário Lyster Franco para
presidente da Câmara Municipal de Faro, tendo este cumprindo dois mandatos (1932-1934 e 1937-1939). A este autarca a cidade ficou a dever melhoramentos significativos nas infraestruturas de abastecimento de águas,
eletricidade e esgotos.
Em 1939, o ministro das Obras Públicas, Duarte Pacheco, visitou a cidade
de Faro e deslocou-se à zona de Santo António do Alto para onde foi projetada a construção do novo liceu de Faro, cujo edifício inaugurado em 1948,
correspondeu na verdade (por troca acidental) ao projeto do liceu de Beja30.
O novo Liceu de Faro constituiu parte de um ambicioso plano de urbanização que veio dar uma nova imagem à capital algarvia. Delineado em
1945 pelo arquiteto João António Aguiar (um dos principais colaboradores
do ministro Duarte Pacheco), o projeto tinha como objetivo principal regularizar o trânsito, e ordenar a expansão da cidade, através do estabelecimento de um regulamento para as construções particulares.
29 A luz elétrica foi inaugurada em Faro há 100 anos – 1 de Abril de 1911. Disponível em
www.barlavento.pt.
30 No dia 26 de maio de 2018, a Associação dos Antigos Alunos do Liceu de Faro promoveu
as comemorações dos 70 anos deste histórico estabelecimento de ensino (atual Escola Secundária João de Deus), incluindo a apresentação do livro 70 Anos, 70 Histórias do Liceu de Faro.
61
Segundo Isabel Cruz, para executar o plano foi escolhido o arquiteto
lisboeta Jorge Oliveira, vindo a residir na capital algarvia durante alguns
anos, e ao qual se ficaram a dever obras como o Mercado Municipal de
Faro, o edifício do Comando Distrital da PSP, o edifício da Junta da
Província do Algarve (atual CCDR), o Cineteatro de Santo António,
o Cine-esplanada São Luís Parque e a sede do Ginásio Clube Naval de
Faro, obras que transformaram a capital algarvia entre finais dos anos 40
e meados dos anos 5031. Jorge Oliveira foi sem dúvida um dos grandes
arquitetos do chamado estilo “português suave,” que distingue as grandes
obras do Estado Novo, e que podemos observar igualmente em edifícios
emblemáticos como a Escola Secundária Tomás Cabreira, a Escola do
Carmo e a sede da Rádio Algarve.
Esplanada São Luiz Parque. Foto disponível em:
https://promontoriodamemoria.blogspot.com/2009/07/inauguracao-do-esplanada-sao-luis.html
31 CRUZ, Isabel. “O Arquiteto Jorge Oliveira e a Política de Obras Públicas do Estado
Novo na Cidade de Faro,” Anais do Município de Faro, volume XXXIX, 2017.
62
A Inauguração do Aeroporto de Faro
e o Desenvolvimento do Turismo
Uma das obras públicas promovidas pelo Estado Novo e que maior impacto teve no desenvolvimento da cidade de Faro e de toda a região algarvia
foi, sem dúvida, o Aeroporto Internacional de Faro.
O projeto de construção remonta a 1946 e, segundo Aurélio Cabrita,
teve como grande mentor o general Humberto Delgado, que, em 1945, fora
o fundador da Transportadora Aérea Portuguesa (TAP). O local escolhido foi o chamado sítio da Arábia, perto do Montenegro, local por vezes
utilizado como pista de aterragem. Contudo, a aquisição de terrenos e os
primeiros trabalhos de construção tiveram início apenas em 1962, sendo
o valor total do investimento nas infraestruturas do aeroporto e respetivos
acessos estimado em 100 mil contos.
O aeroporto de Faro nos anos 70. Disponível em:
https://restosdecoleccao.blogspot.com/2013/04/aeroporto-de-faro.html
63
Dotado de uma pista de 2 400 metros, torre de controlo, aerogare e
sinalização luminosa, o novo aeroporto empregou uma centena de trabalhadores e veio de imediato impulsionar o turismo na região algarvia. O
Aeroporto Internacional de Faro foi inaugurado no dia 11 de julho de 1965
pelo presidente da república, Américo Tomás. Foi um domingo de festa na
capital algarvia, que se engalanou para receber o chefe de estado, a quem o
presidente da Câmara, major Vieira Branco, entregou as chaves da cidade.
Presentemente, o Aeroporto Internacional de Faro desempenha um papel de grande importância na indústria turística nacional, recebendo cerca
de 8 milhões de passageiros por ano, e constitui uma das maiores entidades
empregadoras da região.
O 25 de Abril e o Nascimento do Hospital
Distrital de Faro e da Universidade do Algarve
O 25 de abril de 1974 assinalou uma nova etapa na história de Portugal.
Uma das grandes conquistas do regime democrático foi a implementação
do Serviço Nacional de Saúde. Foi nesse sentido que, em dezembro de 1979,
abriu o Hospital Distrital de Faro, cujo projeto remontava à década de
1960. A inauguração desta obra estruturante e de enorme importância para
toda a região algarvia permitiu que os algarvios beneficiassem de um enorme salto qualitativo nos cuidados médicos. Além disso, o impacto desta
obra traduziu-se, igualmente, na criação de largas centenas de postos de trabalho diretos e indiretos que em muito beneficiaram a população farense.
Igualmente importante foi a criação da Universidade do Algarve em
março de 1979. Trata-se da única universidade portuguesa criada por lei
da Assembleia da República (Lei n.º 11/79 de 28 de março), promulgada
pelo presidente da república, Ramalho Eanes. Para presidir à comissão instaladora da jovem universidade foi escolhido o professor Manuel Gomes
Guerreiro, ilustre investigador, que viria a ser eleito o primeiro reitor da
Universidade do Algarve, em 1982.
64
Entrada do Campus da Penha
A UAlg encontra-se sediada em Faro, onde possui dois campus (Penha e
Gambelas), aos quais se junta um polo universitário em Portimão. Com cerca de 10 mil alunos de diversas nacionalidades, a Universidade do Algarve
desempenha um papel fundamental na formação e qualificação de quadros
superiores que muito têm contribuído para o desenvolvimento da região
algarvia. Igualmente importante é o trabalho desenvolvido por centenas de
investigadores em centros de investigação como o CCMAR – Centro de
Ciências do Mar, o CBMR – Centro de Investigação Biomédica, CIMA Centro de Investigação Marinha e Ambiental e o CIAC - Centro de Investigação em Artes e Comunicação, cujo trabalho tem vindo a ser reconhecido
ao nível nacional e internacional.
A “Noite” Farense
O início dos anos 90 assinala a consolidação da UAlg, graças à abertura de
vários cursos e um aumento exponencial de alunos oriundos de toda a região,
e de outros distritos do país. Este afluxo de estudantes veio desencadear uma
pequena revolução social na capital algarvia. Com efeito, a vida académica
65
trouxe nova vida à cidade, impulsionando a abertura de diversos estabelecimentos de diversão noturna muito frequentados pela comunidade estudantil.
Nestes anos de apogeu da “noite farense”, a quinta-feira académica era o
dia em que a baixa de Faro, em particular a rua do Prior (conhecida como
rua do crime), se enchia com jovens universitários que se reuniam para conviver e beber, em cafés e bares emblemáticos como o Café Paris, O Seu
Café, Mktostas, Morbidus, Univercidade, Chaplin, Reitoria, King, King
II (que evoluiu para FRA), Diesel, Arcos, Copison, NBA e Conselheiro,
mas também Upa, Dux, Património, Colombus e CheSsenta (que ainda
hoje perduram). Para muitos, a noite terminava nas discotecas, nomeadamente a Praxis (localizada perto do Teatro Municipal onde fica atualmente o restaurante A Gruta), Chiado, Mega Hertz e Emporium (mais tarde
Millennium), espaços que, graças à alegria e irreverência que caracteriza os
estudantes universitários, acabaram por atrair outros segmentos da população farense, para quem a noite ganhou também novo encanto.
Desde então os pontos altos da vida académica são a Semana de Receção ao Caloiro (setembro) e a Semana Académica (maio), noites de convívio que tinham início com os típicos jantares de curso, que aconteciam
com regularidade nos restaurantes Vilaça, O Cruzeiro (do Sr. Tó), Rainha,
Chalavar, Ribatejano, Académico, Lady Suzan, Chefe Branco, Coobital, O Caldeirão, Bruno, Farense, Casa Algarvia e O Javali, prosseguindo
depois a festa para os bares da cidade ou para o recinto da semana académica, por onde passaram grandes nomes da música portuguesa e internacional.
As Freguesias de Faro
O limite geográfico do distrito de Faro corresponde ao espaço que pertenceu à diocese provincial visigótica no século VI e, posteriormente, à província islâmica de Ossónoba, nos séculos VIII a XIII. No entanto, a atual
divisão administrativa do território português remonta a meados do século
XIX, período em que foram criados os atuais distritos.
Os concelhos são a mais antiga subdivisão do território português. Nasceram através das cartas de foral que os monarcas portugueses atribuíam a diver66
sas vilas portuguesas, nos séculos XII e XIII. Os concelhos possuem também
freguesias, as mais pequenas subdivisões administrativas do seu território.
É relativamente consensual entre os historiadores que as freguesias nasceram das antigas paróquias, algumas das quais remontam ao período visigótico e suevo (séculos V e VI d.C.), tendo sido posteriormente recuperadas
pela monarquia católica portuguesa que adotou as paróquias como unidades administrativas. Na verdade, até ao liberalismo, “freguesia” e “paróquia”
constituíam sinónimos que designavam uma comunidade, pois não existia
ainda uma estrutura civil separada da estrutura eclesiástica. De facto, o termo “freguês” nasceu da aglutinação da expressão latina “filius ecclesiae”, que
significa “filho da igreja”, dando origem à palavra “filigrês” que designava os
paroquianos que eram os “fregueses” do pároco.
Com a reforma administrativa de 1835 foi criada a estrutura civil da junta de paróquia, pela primeira vez autonomizada da estrutura eclesiástica,
isto apesar dos limites territoriais das juntas coincidirem geralmente com o
das paróquias católicas. Foi só em 1916, durante a 1.ª República, que as paróquias civis passaram a designar-se freguesias (e a junta de paróquia passou
a designar-se junta de freguesia), diferenciando-se definitivamente a estrutura civil (a freguesia) da estrutura eclesiástica (a paróquia).
Após o 25 de Abril de 1974, as juntas de freguesia assumiram um papel
fundamental na orgânica administrativa do estado e na representatividade
democrática das populações. Segundo a Constituição de 1976, “as autarquias
locais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que
visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas.” Graças
à atribuição de competências e à transferência de verbas previstas no orçamento dos municípios, as juntas de freguesia desempenham presentemente
um papel de grande importância em todo o território nacional.
As Origens da Freguesia da Sé
Sabemos que, nas últimas décadas do Império Romano do Ocidente
(séc. IV d.C.), já existia em Faro uma importante comunidade cristã, e que a
cidade e o seu termo constituíam uma diocese. Contudo, foi durante o do67
mínio visigótico (séc. V d.C.) que a cidade passou a denominar-se de Santa
Maria de Ossónoba (constituindo-se como sede de bispado), tendo erguido
sob as ruínas do templo romano uma imponente catedral, dedicada à invocação de Nossa Senhora. Logicamente terá sido neste período que nasceu a
primeira paróquia de Faro.
Após a reconquista cristã do território, verificou-se, ao longo da Idade
Média, o estabelecimento de uma rede paroquial que, segundo os historiadores, não teve uma motivação unicamente religiosa, mas igualmente
económica e administrativa, visando o controlo das comunidades locais e
a coleta de impostos.
Com a transferência do bispado de Silves para Faro, em 1577, a paróquia
de Santa Maria passou a acolher a residência episcopal e o cabido da catedral, um estatuto privilegiado que imediatamente se traduziu na alteração
do nome para “Paróquia da Sé.”
Como inicialmente referi, foi durante a 1.ª República que a Junta de
Paróquia da Sé passou a designar-se por Junta de Freguesia da Sé, separandose definitivamente a estrutura civil (freguesia) da estrutura eclesiástica
(paróquia). Apesar disso, a junta manteve a sua ligação histórica com Maria,
assinalando o dia da freguesia, precisamente a 2 de fevereiro, dia de Santa
Maria, em que se celebra a purificação de Nossa Senhora e a apresentação de
Jesus ao Templo, 40 dias após o seu nascimento.
A Freguesia de São Pedro
Em 1539, D. João III obteve autorização de Roma para transferir a Sé
de Silves para Faro. Em 1557, o bispo D. Jerónimo Osório estabeleceu a
catedral (Sé) na secular igreja de Santa Maria, pertencente à Ordem de Santiago, que a cedeu ao bispo na condição de este mandar edificar uma igreja
semelhante numa outra zona da cidade. Nasceu deste modo a igreja de São
Pedro, construída no bairro dos pescadores, para funcionar como sede da
nova paróquia de São Pedro, mas mantendo todos os privilégios da anterior
paróquia de Santa Maria.
68
Após o 25 de Abril as duas freguesias de Faro desempenharam um
importante papel na administração da capital algarvia e suas ilhas barreira. Verdadeiro pilar da democracia e do poder autárquico, as freguesias aproximam as populações do poder político. Em 2013, no âmbito de
uma reforma administrativa nacional que levou à agregação de diversas
freguesias, foi criada a União das Freguesias de Faro (Sé e São Pedro),
tornando-se na segunda maior freguesia urbana do Algarve (a maior é
Portimão), com cerca de 40 mil eleitores, numa área de 73 km².
A junta de freguesia é o órgão executivo da freguesia, eleito pelos membros da respetiva assembleia de freguesia, à exceção do presidente, uma vez
que o primeiro candidato da lista mais votada é automaticamente nomeado presidente da junta de freguesia. Ao executivo da junta compete-lhe
propor e executar as principais deliberações relativas a este órgão e fazer a
sua gestão corrente.
A heráldica, através de uma simbologia que traduz a memória histórica
local, desempenha um papel importante na definição identitária de uma comunidade. O brasão da União das Freguesias de Faro é constituído pelos
antigos brasões das freguesias da Sé e São Pedro. Assim, o brasão da Sé apresenta um escudo de azul, torre sineira gótica que representa a Sé catedral,
ladeada por dois peixes que simbolizam a ligação da cidade ao mar e às suas
atividades económicas (não só a pesca, mas também o comércio marítimo).
Sem dúvida, a grande característica do brasão é a referência à catedral, símbolo da presença episcopal que, ao longo dos séculos, afirmou a importância
da cidade. Por sua vez, o brasão da freguesia de São Pedro traduz a relação
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histórica da paróquia de São Pedro com a comunidade piscatória farense,
simbolizada numa embarcação de pesca, encimada pelas chaves do apóstolo
S. Pedro, o patrono dos pescadores. Ambos os brasões apresentam uma coroa mural de três torres, que caracteriza as aldeias e freguesias urbanas.
A Ria Formosa e as Ilhas Barreira
A cidade de Faro é banhada pela Ria Formosa, um sistema lagunar que
se estende por 57 quilómetros, abrangendo os concelhos de Faro, Loulé,
Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António. As ilhas barreira da Ria Formosa, nomeadamente a península do Ancão (Praia de Faro), ilha da Barreta,
ilha da Culatra, ilha da Armona, ilha de Tavira, ilha de Cabanas e península
de Cacela, estão dispostas paralelamente à costa e protegem do oceano esta
grande laguna que forma um labirinto de sapais, canais, salinas e ilhotes, que
emergem em cerca de 80% durante a maré baixa.
Ao longo dos séculos a Ria Formosa tem constituído um recurso de grande
importância económica, graças a atividades como a pesca e a produção de bivalves e de sal. Com efeito, a ria é abundante em peixes, moluscos e crustáceos,
sendo de destacar espécies de grande valor económico como a amêijoa, o berbigão, a ostra e o lingueirão, e ainda o robalo, o linguado e a dourada.
A importância ecológica da Ria Formosa é oficialmente reconhecida
desde 1987, quando foi classificada como área protegida pelo governo português que criou, por decreto lei, o Parque Natural da Ria Formosa. Em
2010, a ria foi eleita uma das sete maravilhas naturais de Portugal na categoria de zonas marinhas. Entre as muitas espécies que podem ser observadas
neste ecossistema encontram-se cavalos-marinhos, patos mergulhões, cotovias de crista, flamingos, galinhas-sultanas e cegonhas brancas.
O sistema de ilhas barreira da Ria Formosa caracteriza-se por uma
grande dinâmica, uma vez que as barras que separam as ilhas (à exceção da
barra da Armona) se deslocam, ao longo dos anos, de oeste para este, até
começarem a assorear.
Até meados do século XIX, estas ilhas estiveram basicamente abandonadas. Durante séculos, a ocupação humana foi largamente dificultada pelos
70
constantes ataques de piratas, que procuravam saquear as localidades ribeirinhas e capturar algumas pessoas para venderem no mercado de escravos do
norte de África. Perante o clima de insegurança em que viviam as populações
ribeirinhas, as autoridades promoveram a construção de pequenas fortificações militares para controlar a entrada de navios através das barras, e assim
oferecer maior proteção contra os ataques de piratas. Contudo, estas fortificações, nomeadamente o forte de São Lourenço da Barra, depressa caíram
em ruína, devido à ação das marés e às características arenosas do solo.
Foi apenas no final do século XIX que se verificou uma ocupação permanente das ilhas barreira, um fenómeno que esteve diretamente ligado ao incremento da indústria pesqueira, nomeadamente à instalação de armações
de atum e sardinha que existiam na Culatra, Farol e ilha de Faro.
A Ria Formosa. Foto Diário Online
A ilha da Culatra (durante séculos conhecida como ilha dos cães) é composta por três núcleos populacionais: Culatra, os Hangares e o Farol. Tal
como todas as ilhas barreira do sotavento algarvio, a Culatra possui duas
praias, uma marítima e outra fluvial, sendo a norte banhada pelas águas da
Ria Formosa e a sul pelo Oceano Atlântico.
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O núcleo populacional da Culatra surgiu no final do século XIX, quando dezenas de pescadores e suas famílias aí se estabeleceram para trabalhar
nas armações de pesca de sardinha e atum. Com efeito, associada a cada
uma destas armações nascia um “arraial”, ou seja, um conjunto de cabanas
construídas pelos pescadores para residirem com suas famílias durante os
meses da pesca, normalmente entre março e setembro. Foi deste modo
que nasceram os núcleos populacionais da Culatra e do Farol, graças aos
pescadores oriundos de Faro, Olhão e Tavira, que transformaram as suas
barracas em casas de habitação permanente, à medida que se dedicavam
a toda uma variedade de artes de pesca que lhes permitiam sustentar as
famílias ao longo de todo o ano.
No núcleo do Farol encontra-se o farol do Cabo de Santa Maria, cuja
construção remonta a 1851. Com 47 metros de altura, o farol situado mais
a sul de Portugal continental tem um alcance luminoso de 25 milhas náuticas. No início do século XX, aqui se situava uma das principais armações
de pesca do atum, sendo a captura de tal modo abundante que, em dias de
maior calor e com o vento de feição, era possível sentir, em Faro, o cheiro do
sangue que jorrava dos tunídeos.
A origem do pequeno núcleo populacional dos Hangares remonta ao
período da I Guerra Mundial, quando, em 1918, foi criada uma base militar
(Centro de Aviação Marítima do Algarve) para hidroaviões, que funcionou
também durante a II Guerra Mundial. O primeiro residente dos Hangares
foi o Ti Manel Lobisomem, oriundo de Moncarapacho, ali se estabeleceu
em 1922. Posteriormente fixaram-se alguns militares do posto da Guarda
Fiscal e respetivas famílias, e, após o encerramento da base militar nos anos
40, desenvolveu-se uma pequena comunidade de pescadores oriundos da
Culatra, Faro e Olhão.
Anualmente, no primeiro domingo de agosto, as gentes da Culatra realizam a Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, com um bonito cortejo de
embarcações de pesca cuidadosamente ornamentadas. Ponto alto das festas
da ilha da Culatra, esta importante manifestação cultural traduz o sentimento
e a devoção dos culatrenses pela mãe protetora das comunidades piscatórias.
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Imagem de Nossa Senhora dos Navegantes da Culatra.
Foto União das Freguesias de Faro
No dia 15 de agosto, feriado nacional dedicado a Nossa Senhora da Assunção, é a vez da pequena comunidade dos Hangares realizar a sua festa,
tendo como ponto alto a Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes, que,
à semelhança da procissão marítima da Culatra, inclui um bonito cortejo
de embarcações ornamentadas. Esta data encerra um profundo simbolismo
para os Hangares, pois, no dia 15 agosto de 1997, a comunidade inaugurou a
sua capela com uma missa de bênção celebrada pelo padre Afonso Cunha32.
32 Para saber mais sobre esta pequena comunidade recomenda-se a leitura do livro Hangares: a História do Primeiro Residente Ti Manel Lobisomem (2009) de Rosa Neves.
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Cortejo de embarcações da Procissão de Nossa Senhora dos Navegantes.
Foto da União das Freguesias de Faro
Presentemente os culatrenses abraçam o projeto Culatra 2030 – Comunidade Energética Sustentável. Este projeto pretende dotar o núcleo
piscatório da Culatra de uma rede energética totalmente baseada em fontes
renováveis e limpas, assumindo, deste modo, o seu compromisso para com a
preservação ambiental numa lógica de sustentabilidade, indispensável para
a sobrevivência destas comunidades cada vez mais ameaçadas pelos efeitos
da poluição e alterações climáticas.
À entrada da barra Nova (barra Faro-Olhão), no lado oposto à ilha do
Farol, encontra-se a Ilha Deserta, o ponto mais meridional de Portugal
continental, onde se localiza o cabo de Santa Maria. Esta é a única das
ilhas barreira da Ria Formosa que não tem habitantes (apenas um restaurante). Nesta reserva natural encontra-se uma das poucas praias virgens
do país, a praia da Barreta.
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Presentemente a Culatra e os Hangares apresentam uma ocupação permanente, ainda muito ligada às artes da pesca, contrariamente ao que acontece no Farol e na praia de Faro, cuja ocupação sazonal está intimamente
relacionada com o turismo balnear. Com efeito, as décadas de 1960, 1970
e 1980 assinalaram a emergência de uma classe média com maior poder
de compra e direito a subsídios de férias. Estes fatores contribuíram para
transformar as praias do concelho em locais de lazer para muitas famílias
algarvias. Num período em que a maioria dos farenses ainda não possuía
automóvel e os barcos de recreio eram uma raridade, o principal meio de
transporte para as ilhas barreira, e em particular para a ilha de Faro, eram
os barcos da carreira, que os farenses carinhosamente identificavam pelos
respetivos nomes de batismo “Gavião” e “Alegria.”
O Gavião. Foto disponível em Fotos de Faro Antigo
Desde o final do século XX, o desenvolvimento da indústria turística
trouxe ao concelho de Faro milhões de visitantes, estimulando assim o
florescimento de várias empresas marítimo-turísticas que organizam passeios pela Ria Formosa, ajudando deste modo a divulgar o magnifico património natural do Algarve.
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Os Clubes Desportivos
Para a dinâmica social que caracteriza a capital algarvia muito contribui
o seu tecido associativo ligado à prática desportiva. Com efeito, são vários os
clubes que diariamente proporcionam a largas centenas de jovens e adultos a
oportunidade de praticar as mais diversas modalidades. Entre os emblemas
de Faro, parece-nos justo destacar aqueles que, com mais de 35 anos de atividade, já deixaram a sua marca na história da cidade.
Fundado no dia 1 de abril de 1910, por um grupo de amigos entusiastas
do futebol, o Sporting Clube Farense é o principal clube desportivo da capital algarvia e a instituição desportiva com mais historial no Algarve. A história do SC Farense é indissociável do futebol. Filial n.º 2 do Sporting Clube
Portugal (desde 1922) fez do largo de São Francisco o seu primeiro campo de
jogos, mudando-se pouco tempo depois para o “campo da Senhora da Saúde”, situado onde presentemente se encontram as instalações da RDP – Radio Difusora Portuguesa. Em 1922, Manuel Santo (um emigrante regressado
dos Estados Unidos) adquiriu um terreno perto da igreja de São Luís para aí
construir um estádio moderno destinado ao seu clube do coração. Inaugurado em 1923, o estádio de São Luís foi posteriormente arrendado pelo SCF
que, desde estão, ali escreveu muitas páginas gloriosas da sua história.
Em 1917, a equipa de futebol do SC Farense saiu pela primeira vez de
Faro, para, a convite das equipas de Beja, disputar duas partidas. Segundo a
imprensa local, a equipa algarvia derrotou os Águias F.C. por 3-1, tendo no
dia seguinte esmagado por 13-0 a equipa dos Onze Amigos.
O mais curioso neste episódio é que, segundo o professor José Vilhena
Mesquita, terminado o jogo, a equipa do Farense foi obrigada a regressar a
Faro a pé, isto porque os bejenses que os haviam convidado recusaram-se
a pagar as despesas de deslocação como inicialmente haviam prometido33.
33 José Carlos Vilhena Mesquita. O Nacionalismo nos Primórdios do Futebol Algarvio.
Jornal Barlavento (09/agosto/2019).
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Ao longo de mais de um século de história, o SC Farense registou 23
presenças no Campeonato da Iª Divisão e 36 presenças no Campeonato
da IIª Divisão Nacional, competição onde se sagrou campeão por duas
vezes, nas épocas de 1939/40 e 1982/83. Presentemente, a equipa de
futebol do Farense milita na IIª Liga, mas, entre os anos 80 e o início
do século XXI, foi presença regular na Iª Divisão do futebol nacional,
obtendo na época de 1994/1995 um 5.º lugar que lhe valeu a sua única
participação na Taça UEFA. Esta foi uma época verdadeiramente histórica em que o avançado Hassan Nader venceu a bola de prata, criada
pela jornal A Bola, que premeia o melhor goleador do campeonato português, e a bota de ouro, atribuída pelo jornal Record. Hassan Nader –
internacional marroquino que representou o emblema de Faro durante
dez temporadas – foi o herói de uma das mais memoráveis partidas alguma vez disputadas no velho estádio de São Luís, a vitória por 4-1 ao
Benfica, no dia 1 de Abril de 1994 (dia de aniversário do clube).34
Entre os momentos de glória vividos pelo Sporting Clube Farense, merece destaque a inolvidável presença na final da Taça de Portugal (época
de 1989/1990), jogo em que defrontou o Estrela da Amadora (tendo
eliminado o Belenenses na meia-final disputada no estádio do Restelo).
Após um empate por 1-1 (após prolongamento) no jogo da final, Farense
e Estrela da Amadora regressaram ao estádio do Jamor para disputar uma
finalíssima em que os leões de Faro foram derrotados por 2-0. O grande
responsável pela excelente prestação do clube nessa temporada em que
subiu à Iª Divisão foi o treinador Paco Fortes, uma lenda do SC Farense.
Enquanto jogador, Paco Fortes fora também o obreiro de vitórias memoráveis, como a partida do dia 24 maio de 1987 em que o SC Farense derrotou o FC Porto por 1-0, com golo do internacional espanhol que havia
representado o Barcelona. Este jogo seria disputado três dias antes da mítica final da Taça dos Campeões Europeus, em que a equipa portuguesa
derrotou o Bayern de Munique e deslumbrou a Europa com o talento explosivo de Paulo Futre e o calcanhar mágico de Rabat Madjer.
34 Nesta gloriosa equipa alinhavam nomes como Peter Rufai (internacional nigeriano),
Hajry (Internacional marroquino), Moussa N’Daw (internacional senegalês), e ainda Luisão, Sérgio Duarte, Mané, Eugénio, Miguel Seródio, Paixão e Dukic.
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Hassan Nader. Foto disponível em:
http://scfarense1910.blogspot.com/2008/04/o-rei-hassan-nader.html
O momento mais difícil da história do clube deveu-se a um colapso financeiro que resultou na despromoção da equipa de futebol à 2.ª divisão
distrital na época 2006/2007. Apoiados pelos sócios e pela claque South
Side Boys, os leões algarvios renasceram das cinzas, graças a uma década
de recuperação financeira e desportiva que, estamos certos, culminará em
breve com o regresso do SC Farense à Iª Liga.
Para além do futebol, o SC Farense tem apostado ao longo dos anos em
modalidades como o basquetebol, o futsal, o boxe, o xadrez e a ginástica.
Além disso, desempenha um papel muito importante na promoção da prática desportiva, acolhendo a formação de centenas de jovens atletas em diversas várias modalidades.
Em outubro de 1916 nascia o Sport Faro e Benfica, filial n.º 1 do glorioso
Sport Lisboa e Benfica, sócio fundador da Associação de Futebol do Algarve.
Destacou-se desde cedo pela aposta em modalidades como o ciclismo (participou na primeira Volta a Portugal), boxe, atletismo, hóquei em patins, basquetebol, ténis de mesa, ginástica, vela e futebol. Até aos anos 50, esteve sediado no
teatro Lethes tendo ficado célebres os eventos desportivos que o clube acolheu
no recinto junto ao teatro (hoje parque de estacionamento de ambulâncias).
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Numa cidade banhada pela Ria Formosa, era inevitável o nascimento do
Ginásio Clube Naval de Faro (fundado em 1928), clube que desde sempre
promoveu o amor pelas atividades náuticas, mantendo viva a ligação da cidade com a Ria Formosa. Nos anos cinquenta o GCNF inaugurou a sede
atual, localizada junto à doca de Faro, e incrementou fortemente a prática
de desportos náuticos, como o remo, a vela e a natação, assim como outras
atividades desportivas como ginástica e artes marciais.
No início da década de 1980, o GCNF abriu uma escola de vela, onde se
formou a geração mais internacional do Clube Naval, que durante os anos
90 e 2000 obteve várias conquistas em provas nacionais e internacionais,
culminando com a medalha de bronze obtida por Hugo Rocha, nos Jogos
Olímpicos de Atlanta, nos Estados Unidos, em 1996.
Presentemente o GCNF conta com mais de 150 atletas federados distribuídos pelas três modalidades atuais: vela, natação e triatlo. Tem ainda à sua
responsabilidade a escola de natação das piscinas de Faro com mais de 500
alunos e leciona mensalmente cursos de vela para adultos.
Em 1932 nasceu a primeira agremiação columbófila de Faro. A Sociedade Columbófila do Algarve, que muito contribuiu para o desenvolvimento desta modalidade desportiva no sul do país. Em 1964, a Sociedade
Columbófila do Algarve fundiu-se com a Sociedade Columbófila Sul de
Portugal (fundada em 1954) e nasceu a Sociedade Columbófila de Faro.
Este período assinalou um crescimento significativo do número de praticantes de um desporto que continua a ter enorme tradição na capital algarvia.
No dia 04 de maio de 1935, nasceu O Clube de Futebol “Os Bonjoanenses”, 24ª filial do Clube de Futebol “Os Belenenses”. Com o slogan “Formar
Para Crescer”, este clube desportivo conta nas suas fileiras com mais de 120
atletas, repartidos em 3 modalidades: basquetebol, futsal e ténis de mesa.
Ao longo da sua história “Os Bonjoanenses” alcançou vários sucessos desportivos, merecendo destaque o título de Campeão de Futsal
Feminino e Vencedor da Taça do Algarve de Futsal Feminino (ambos
na época desportiva 2013/2014), Campeão Regional de Ténis de Mesa
por Equipas (época 2013/2014), Campeões Nacionais de Ténis de Mesa
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em Veteranos (época 2018/2019) e a semifinal da Taça Nacional de Ténis de Mesa (época 2014/2015), competição em que foi eliminado pelo
Sporting Clube de Portugal.
Refira-se ainda que este clube organiza o Torneio de Ténis de Mesa
Cidade de Faro (juniores e seniores) – com a presença de mais de 100
participantes a nível nacional e o Torneio Internacional Algarve Minibasketball Cup (idades até 12 anos) – com a presença de mais de 600
participantes a nível nacional e internacional.
No dia 1 de novembro de 1935, foi fundado o Clube Atlético Pontense
(filial n.º 1 do Clube Atlético de Campo de Ourique) no sítio das Pontes de
Marchil. Desde o início, a principal modalidade do clube foi o futebol de 11,
tendo a sua equipa participado nos campeonatos regionais onde conquistou
alguns títulos. Até meados dos anos 80 o Clube Atlético Pontense organizou
festas de verão e bailes abrilhantados por bandas da zona, assim como as célebres “matinées das Pontes”, com música de discos. Presentemente, este clube
tem como principais modalidades a Petanca e a Pesca Desportiva.
No dia 01 de julho de 1936 nasceu o Futebol Clube de São Luís, filial
n.º 9 do F.C do Porto. Ao longo da sua história o clube algarvio distinguiu-se pela sua aposta na formação de jovens atletas em várias modalidades, com destaque para o futebol, modalidade em que se sagrou campeão
distrital de juniores, e o basquetebol, modalidade em que conquistou o
título de campeão do Algarve.
No dia 12 de setembro de 1956 foi fundado o Clube de Amadores de
Pesca de Faro (CAP), um clube que se dedica a algumas modalidades da pesca desportiva e conta atualmente com 250 sócios. Do seu largo palmarés merece destaque os títulos de campeão nacional obtidos em 1999, 2002 e 2006;
campeão mundial em 2007 e 2015, e vice-campeão mundial em 2011 e 2017.
O Clube União Culatrense teve a sua origem num grupo de pescadores
que nos tempos remotos das armações da sardinha e do atum se dedicavam
a jogar à bola nos tempos livres. Formalizada por escritura notarial em 18
de dezembro de 1974, a Associação Clube União Culatrense, participa
desde então nos campeonatos distritais organizados pela Associação de
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Futebol do Algarve, tendo sido finalista vencido da taça do Algarve, em
2013. A esta associação cultural e desportiva se deve também a organização da Festa de Nossa Senhora dos Navegantes, a mais emblemática manifestação cultural da ilha da Culatra.
Em julho de 1975, um grupo de amigos unidos pela paixão pelo desporto, constituiu o Real Amizade Farense (RAF), cuja ação foi notável até
finais do século XX. Com o apoio de diversas entidades públicas, o RAF
recuperou um espaço totalmente degrado junto da Cruz Vermelha de Faro
e construiu um recinto desportivo que foi palco de diversos torneios de futebol de salão. Foi neste espaço que tiveram lugar os primeiros jogos desportivos da cidade de Faro, direcionados para as camadas jovens (andebol e
futebol de salão), duas modalidades em que a RAF se destacou, apostando
na formação de atletas de ambos os sexos. A nível federado as equipas de
andebol e voleibol da RAF venceram por diversas vezes o campeonato do
Algarve de seniores masculinos e disputaram regularmente campeonatos
nacionais. Presentemente, uma das principais modalidades da RAF é a patinagem, organizando regularmente provas que contam com a participação
de centenas de praticantes.
Em dezembro de 1975 nasceu o Futebol Clube “Os 11 Esperanças”,
clube de futebol sediado no bairro do Alto Rodes. Desde o início o clube
tem desempenhado um papel importante na dinamização desta comunidade farense, apostando no futebol sénior, modalidade em que se sagrou
por duas vezes campeão da IIª Divisão Distrital de Futebol, mas também na
prática da petanca e até na organização de arraiais durante as festas dos santos populares. Recentemente, “Os 11 Esperanças” converteram as antigas
instalações do seu polidesportivo no “Beach Arena”, um campo destinado à
prática de desportos de areia.
No dia 05 de fevereiro de 1982, nasceu o Moto Clube de Faro, iniciativa de um grupo de amigos entusiastas das atividades motociclistas, que
apostaram na organização de algumas provas de velocidade em circuitos de
ciclismo (pistas de Loulé e Tavira), e provas de motocross em Faro, que promoveram estas modalidades desportivas.
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Foi no verão de 1982 que se realizou a 1ª Concentração de Motos de
Faro, um evento que, desde o início dos anos 90, se tornou emblemático da
capital algarvia. Com efeito esta “Concentração Internacional de Motos”
é a única em Portugal a ser incluída no Calendário Internacional de Concentrações da Federação Internacional de Motociclismo (FIM), e por lá
têm passado anualmente dezenas de milhares de motards oriundos de todo
o Mundo, aos quais se juntam a população de Faro e concelhos vizinhos,
numa grande festa da música e do convívio motard que chegou a reunir 29
mil pessoas na edição de 2002.
Criado em março de 1985, o Judo Clube do Algarve, tem como objetivo principal a dinamização desta modalidade desportiva na capital algarvia,
apostando nas vertentes da formação, competição e recreação, fomentando
deste modo a prática desportiva e o Judo como instrumento na educação e
formação de jovens, crianças e adultos.
Desde finais dos anos noventa, o JCA é um dos mais representativos
a nível nacional. No seu palmarés competitivo destacam-se o título de
Campeão Nacional por Equipas de Esperanças Masculinos em 2001, e
ainda diversas participações de atletas em seleções nacionais, provas do
ranking europeu e mundial e Campeonatos da Europa e do Mundo em
diversas categorias. Presentemente o Judo Clube do Algarve (sediado no
Mercado Municipal de Faro) conta com cerca de 400 praticantes que frequentam aulas de Pilates, Zumba, Step, Localizada, Circuito, Yoga, Bike
Indoor e Body Jump, entre outras.
No dia 5 de junho de 1985 nasceu o Clube de Petanca de Faro, que é
hoje um dos mais antigos de Portugal. Com cerca de uma centena de associados, o Clube de Petanca conta no seu palmarés com 2 campeonatos
nacionais em triplete, 4 campeonatos nacionais em doublete, 1 taça de Portugal, 1 taça do Algarve e 2 campeonatos regionais em doublete.
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