www.journal.idesf.org.br
OS AVANÇOS DO MERCOSUL NO TRATO DA SEGURANÇA
PÚBLICA ENTRE 1991 E 1999
Rildo Fausto Kops Neto1
Polícia Militar do Paraná
E-mail:
[email protected].
Resumo
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi criado por meio do Tratado de Assunção,
assinado em 26 de março de 1991, entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
Fruto de uma agenda econômica, esse agrupamento regional cujas origens mais
recentes e diretas remontam à Associação Latino-Americana de Integração (ALADI),
surgida pelo Tratado de Montevidéu, de 1980, e pelo Tratado de Integração,
Cooperação e Desenvolvimento, assinado entre Brasil e Argentina em 29 de
novembro de 1988, teve suas bases bem afincadas em claros objetivos econômicos,
norte da sua carta fundacional; entretanto, já na década de 1990, essas metas foram
ampliadas para outros setores, de direitos humanos, educação, cultura, meio
ambiente, mas, principalmente, segurança pública. Essa ênfase fica clara ao
analisarmos as decisões emitidas pelo principal órgão do bloco, o Conselho do
Mercado Comum, integrado pelos ministros de relações exteriores e ministros de
economia dos Estados Partes. De 1991, ano inaugural do Mercosul, a 1999, neste
trabalho buscou-se colecionar as principais decisões que demonstraram a inclinação
para o assunto de segurança, com forte viés para tratativas com vistas a uniformizar
procedimentos padrões para atuar frente ao contrabando, ao descaminho, ao furto e
roubo de veículos, ao tráfico ilegal de armas, munições e explosivos, ao comércio
ilegal internacional de armas de fogo e ao terrorismo. Além disso, essas decisões
ajudaram a criar mecanismos integrados de cooperação no intercâmbio de
informações relacionadas a crimes, bem como de coordenação de ações ostensivas
e de inteligência, envolvendo forças policiais dos países fronteiriços mercosulinos.
Palavras-chave: Tratado de Assunção; Mercado Comum do Sul; Conselho do
Mercado Comum; segurança pública.
INTRODUÇÃO
A integração nunca foi uma faculdade para os países da América do Sul.
Tratou-se, antes disso, de uma necessidade imperiosa, haja vista a questão mais
elementar possível: o encontro dos territórios. A relação entre nações vizinhas é, em
certa medida, tão inevitável quanto seus conflitos. Consertar, portanto, é essencial,
pois a negligência não evitará os desencontros, apenas os intensificará. Nesse
1
Polícia Militar do Paraná.
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
25
www.journal.idesf.org.br
sentido, na América do Sul, o regionalismo surge como uma demanda inalienável de
todas as nações responsáveis.
Nos seios da colonização, da independência e dos dois reinados, os
intrincados relacionamentos já afloravam. Inicialmente, seus interlocutores europeus
buscavam marcar território, não apenas por mais terras, mas principalmente pelo
que ela poderia trazer em seu bojo: da madeira nobre à cana, do açúcar ao ouro. Ao
mesmo tempo, era interessante ao Reino Britânico que o Brasil mantivesse o status
de monarquia, ilhado em meio às repúblicas recém-constituídas de procedência
hispânica. O Brasil diferenciava-se dos demais países sul-americanos não apenas
na língua, decorrência do processo colonizatório, mas tal cisão já se enxergava no
meio social e cultural, de forma ampla. Havia, no entanto, um ponto bastante
comum: o viés econômico, em especial no Cone Sul2, pois o grande fluxo de
comércio de seus países não escapava de passar pela Bacia do Prata 3, causa,
inclusive, da maior guerra que o sul desse continente já enfrentou.
Por isso, desde cedo foi necessário integrar, evitando pelo diálogo outros
conflitos. Com o tempo, a “Questão do Prata”, embora continuasse relevante, perdeu
espaço para outras relações ainda mais complexas. Durante o século XX, com o
avanço das integrações diplomáticas no mundo e da formação de grandes blocos,
principalmente econômicos, percebeu-se cedo que juntar forças poderia aumentar o
poder de barganha para uma região que, recortada, não chamava a atenção do
restante do mundo.
O chanceler brasileiro de 1902 a 1912, José Maria da Silva Paranhos Júnior4,
o Barão do Rio Branco, norteou a política externa brasileira pelos seguintes 50 anos,
até que surgisse, em 1961, a “Política Externa Independente”5 (PEI). Esse estadista
Cone Sul é uma região composta pelas zonas meridionais da América do Sul, ao sul do Trópico de
Capricórnio.
3 A Bacia do Prata, Bacia Platina ou Bacia do Rio da Prata estende-se pelo Brasil, Uruguai, Paraguai
e Argentina e é a segunda maior bacia hidrográfica do Brasil.
4 José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, filho do Visconde do Rio Branco, foi
um importante diplomata brasileiro, chanceler entre 1902 e 1912, faleceu neste mesmo ano, aos 10
de fevereiro, no exercício da função que exercia no Palácio do Itamaraty. Sua morte causou tamanha
comoção nacional que o carnaval daquele ano foi adiado, por luto e reverência àquela personalidade
que ajudou a terminar de desenhar o Brasil no formato pelo qual hoje é conhecido.
5 A Política Externa Independente correspondeu ao período entre 1961 a 1964, no qual o Brasil
buscou assumir uma visão de política externa menos presa à bipolaridade da Guerra Fria (EUA x
URSS), permitindo-se, como nação soberana, interagir e negociar com o mundo que havia além
2
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
26
www.journal.idesf.org.br
vocacionou-se ao americanismo. Não se tratava, porém, de submissão, como
erroneamente pode se supor hoje; na realidade, era uma forma de se tornar
independente das grandes potências europeias, em especial da Inglaterra, que
ainda possuía inspirações imperialistas sobre o Brasil. Tratou-se, portanto, de uma
estratégica que realmente funcionou, como se pode, hoje, constatar. Tal estratégica,
todavia, não fez com que o Brasil deixasse de lado a América do Sul. O próprio
Barão atuou com heroísmo em diferentes contenciosos, envolvendo a porção
meridional desse grande continente. Foram decisivas suas atuações na questão de
Palmas (1895), na questão do Amapá (1900) e na questão do Acre (1903). Rio
Branco foi o responsável pelo último recorte do território brasileiro tal como hoje é
conhecido, motivo pelo qual foi honrado com o título de Patrono da Diplomacia
Brasileira.
Ainda, ao longo da primeira metade do século XX e início dos anos 50,
negociações tencionaram aprovar o Acordo ABC, entre Argentina, Brasil e Chile
(cujas iniciais formariam o nome do grupo), porém fatores políticos impediram sua
concretização.
Essa
ideia,
contudo,
permaneceu
acesa
nesses
países,
principalmente nos seus corpos diplomáticos. Em 1986, os presidentes Raúl Alfonsín
e José Sarney idealizaram um mercado comum, o que, para muitos, é considerado o
reavivamento daquele ABC de quase 40 anos antes. Dessa maneira, assinaram, em
29 de novembro de 1988, o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento,
que objetivava a criação de um espaço econômico comum entre Argentina e Brasil,
no prazo de 10 anos. Apesar disso, os presidentes Carlos Menen e Fernando Collor
de Melo resolveram por antecipar para 5 anos, tendo sua consumação aos trinta e
um dias de dezembro de 1994.
Antes disso, todavia, aos 26 de março de 1991, foi criado aquele que é o
maior projeto de integração já feito em termos de América do Sul: o Mercado
Comum do Sul (Mercosul) – nascido do Tratado de Assunção. Sua origem, além da
contextualizada acima, remonta ainda à Associação Latino-Americana de Integração
(ALADI), fundada em 1980, em decorrência do Tratado de Montevidéu. A influência
dessa disputa. Iniciou com o governo de Jânio Quadros, cujo chanceler foi Afonso Arinos de Melo
Franco, e terminou no governo seguinte, do Presidente João Goulart, que teve vários chanceleres,
inclusive Afonso Arinos, todavia, o de maior expressão e grande defensor da PEI foi San Tiago
Dantas.
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
27
www.journal.idesf.org.br
da ALADI é tamanha no Mercosul que o Tratado de Assunção aponta como requisito
para se alcançar a condição de membro pleno ser também membro da ALADI.
Dentre tantas heranças, a ALADI legou ao Mercosul sua finalidade precípua:
o comércio. A força motriz desse agrupamento estaria, desde seu embrião, ligada à
ampliação, facilitação e viabilização do comércio, intra e extrarregionalmente. O
Tratado de Assunção reitera isso, e a própria história do Mercosul revela isso,
inclusive até os presentes dias.
Aos poucos, no entanto, ainda na década de 1990, outros foros de debate
começam a surgir. Em nenhum momento se pretende afirmar que outras áreas
suplantam a comercial. Isso não poderia ser mais inverídico; contudo, há uma
expansão do debate do bloco, e, consequentemente, de suas decisões. O Mercosul
não deixa de ser econômico, mas passa a assumir outras responsabilidades, em
especial no que tange à segurança.
Há que se prevenir que não se está a falar de Defesa Nacional, pois, de fato,
esse não é um tema que tem angariado relevante preocupação por parte do bloco,
até mesmo porque, para isso, outro bloco condensaria essa responsabilidade: criado
em 1986, a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul6 (ZOPACAS) garantiria os
mecanismos de atuação conjunta, para garantir a defesa das soberanias das nações
ao sul do Atlântico.
No início da década de 1990, logo após a assinatura do Tratado de Assunção,
esse debate acerca da segurança, adotado por seus Estados membros, é bastante
incipiente e genérico; porém, aos poucos, torna-se mais sólido, constante e
detalhista, ao ponto de, mais próximo ao final da década, inaugurar decisões
obrigatórias aos membros acerca de medidas a serem tomadas com relação ao
crime organizado, ao terrorismo, aos crimes comuns, como posse de armas de fogo
e munições, aos processos de extradição, à integração dos sistemas de inteligência
e de investigação, às capacitações dos gestores e operadores responsáveis pela
segurança nas fronteiras, às ações a serem coordenadas pelos países fronteiriços,
em especial em áreas mais afetadas pelo crime etc.
A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul foi fundada em 27 de outubro de 1986, por iniciativa
brasileira junto à Organização das Nações Unidas (ONU). Hoje é composta por 24 países-membros,
entre sul-americanos e africanos.
6
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
28
www.journal.idesf.org.br
Já em 1998, culminando o auge da expansão do Mercosul para uma
realidade de discussões acerca de questões, rigorosamente, mais amplas do que o
comércio, é assinado o Protocolo de Ushuaia, que introduz a famigerada Cláusula
Democrática, que vai, inclusive, suspender o Paraguai, em 20127, e a Venezuela,
em 2017 (suspensa duplamente, pois já estava suspensa por não cumprimento dos
requisitos de adesão dentro do calendário previsto).
Este trabalho, portanto, estuda, com mais detalhes, esse processo que se deu
durante a década de 1990, em que o Mercosul é criado, com um foco unicamente
econômico, e como ele, aos poucos, evolui dentro do campo das discussões afeitas
à segurança pública, ao ponto de impor medidas dessa área aos países membros.
Para isso, utilizar-se-á de uma pesquisa descritiva, por meio de uma abordagem
qualitativa, aplicando-se o método indutivo, com procedimental bibliográfico e
documental.
O MERCOSUL
O Mercado Comum do Sul “é a mais abrangente iniciativa de integração
regional da América Latina, surgida no contexto da redemocratização e
reaproximação dos países da região ao final da década 80” (MERCOSUL, 2021).
Fundado pelos 4 signatários do Tratado de Assunção (1991), sua carta inaugural
formulou modelo de integração com claros objetivos de conformação de um
mercado comum, com livre circulação interna de bens e serviços, além de uma
Tarifa Externa Comum8 (TEC) com países externos e de uma política comercial
comum. Hoje, todos os países da América do Sul são associados ao grupamento,
com a exceção da Venezuela, suspensa por duas vezes (2016 e 2017) e da Bolívia,
que ainda aguarda finalização de seu processo de adesão.
O Mercosul é pela doutrina considerado, dentro da classificação padrão dos
acordos internacionais, um tipo de acordo de integração profunda chamado União
Aduaneira, porém imperfeita, pois “o Mercosul logrou aprovar uma TEC, mas ela se
O Paraguai foi suspenso do Mercosul após o impeachment do Presidente Fernando Lugo. À época,
o senado paraguaio obstaculizava o ingresso da Venezuela no Mercosul. Com a suspensão, a
Venezuela tornou-se membro aos 31 dias de julho de 2012.
8 TEC: Tarifa Externa Comum é uma taxa comercial padronizada para um grupo de países.
7
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
29
www.journal.idesf.org.br
aplica apenas parcialmente, sem que os países-membros tenham jamais
conseguido colocar de pé uma autoridade aduaneira comum” (ALMEIDA, 2013, p.
47):
No futuro, o Mercosul pode pretender estabelecer padrões comuns e ampla
liberalização e facilidades de acesso aos demais países da América do Sul
(pertencentes ou não a outras ZLCs9 ou UAs10), formando, portanto, um
espaço econômico integrado [previsivelmente ao abrigo da União de
Nações Sul-Americanas (Unasul11), mas necessariamente registrado ao
abrigo de outros esquemas previamente existentes, como o da Aladi e da
própria OMC12]. Esses “espaços econômicos comuns” não possuem regras
que os disciplinem, nem disposições multilaterais a respeito, sendo antes
arranjos ad hoc, essencialmente dependentes da vontade das partes
(ALMEIDA, 2013, p. 48).
O TRATADO DE ASSUNÇÃO E SEU CERNE ECONÔMICO
O Tratado de Assunção foi promulgado, em solo brasileiro, pelo Decreto nº
350, de 21 de novembro de 1991, assinado pelo então Presidente da República
Fernando Collor e seu chanceler, Francisco Rezek. Possui seis capítulos e vinte e
quatro artigos, além de cinco anexos.
No Capítulo I, que define os “Propósitos, Princípios e Instrumentos”, o artigo
primeiro, assim, estabelece:
Os Estados Partes decidem constituir um Mercado Comum, estabelecido a
31 de dezembro de 1994, e que se denominará "Mercado Comum do Sul"
(Mercosul).
Este Mercado Comum implica:
A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países,
através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições
ZLC: Zona de Livre-Comércio é uma modalidade de Acordo Regional de Comércio (ARC) que
“favorece a especialização e as economias de escala ao liberalizar o comércio entre as partes do
acordo pelo desmantelamento de barreiras tarifárias e não tarifárias. Cada parte conserva sua própria
política comercial, e por isso pode entrar em tantas ZLCs quanto forem operacionalmente possíveis e
compatíveis com o sistema multilateral de comércio, o que já não é possível para as uniões
aduaneiras. Existem provavelmente, tantas ZLCs quanto áreas preferenciais de comércio, com um
predomínio destas últimas entre países em desenvolvimento e das ZLCs entre países mais
avançados” (ALMEIDA, 2013, p. 168).
10 UA: União Aduaneira compreende uma Zona de Livre Comércio completa, com tarifa externa
comum e política comercial comum. Não envolve, obrigatoriamente, instituições comunitárias, mas
pode coexistir com uma realidade intergovernamental (ALMEIDA, 2013, p. 167).
11 A Unasul foi criada em 2008, porém hoje está paralisada, tendo a maioria dos seus membros,
inclusive o Brasil, formalizado suas saídas. Foi, na prática, substituída pelo Fórum para o Progresso e
Desenvolvimento da América do Sul (PROSUL).
12 A Organização Mundial do Comércio (OMC) surgiu em 1º de janeiro de 1995, pelo Acordo de
Marraquexe, substituindo o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), com a finalidade de
promover a liberalização do comércio mundial, eliminando ou reduzindo as barreiras comerciais e
alfandegárias entre as nações.
9
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
30
www.journal.idesf.org.br
não tarifárias à circulação de mercadorias e de qualquer outra medida de
efeito equivalente;
O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política
comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de
Estados e a coordenação de posições em foros econômico-comerciais
regionais e internacionais;
A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados
Partes de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetária, cambial e
de capitais, de serviços, alfandegárias, de transporte e comunicações e
outras que se acordem, a fim de assegurar condições adequadas de
concorrência entre os Estados Partes, e
O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas
áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração
(BRASIL, 1991).
É próprio afirmar que o nome do bloco já remete à sua ideia fundacional
primeira, ao utilizar-se da expressão “mercado”. Ora, fosse a intenção dos seus
criadores percorrer por outros campos, haveria de chamar-se de modo mais
genérico, a exemplo de outros grupamentos, como a União Europeia13 (UE) ou a
Organização para a Segurança e Cooperação na Europa14 (OSCE). Essa não é,
contudo, uma visão dissociada da realidade da maioria dos casos. Bem pelo
contrário, pois a tendente multilateralização decorre, primordialmente, da busca de
expansão das capacidades econômicas, vontade que, mais facilmente, se encontra
expressa nos grandes tratados mundiais recentes. Nesse caso, portanto, ainda mais
fácil torna encontrar-se exemplos: North American Free Trade Agreement15
(NAFTA), Cooperação Econômica Ásia-Pacífico16 (APEC), Associação das Nações
do Sudeste Asiático17 (ASEAN).
O artigo quarto reforça a orientação, ao dispor que “nas relações com
terceiros países, os Estados Partes assegurarão condições equitativas de comércio”.
O segundo capítulo vem tratar da estrutura do grupo (que sofreria mudanças,
principalmente, com o Protocolo de Ouro Preto, de 1994); o terceiro, da vigência; o
A União Europeia (UE) foi fundada em 1º de novembro de 1993 pelo Tratado de Maastricht e é
composta por 27 Estados-membros.
14 A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) foi criada em julho de 1973, é
composta por 57 países e visa à proteção da Democracia, Direitos Humanos e Liberdade de
Imprensa na Europa.
15 O NAFTA foi criado em 1994, é composto por Canadá, Estados Unidos da América e México, e
visa a reduzir as barreiras econômicas e alfandegárias entre esses países signatários.
16 A APEC foi criada em 1989, é composta por 21 países e objetiva a promover livre comércio e
cooperação econômicas entre seus membros.
17 A ASEAN foi criada em 1967, é composta por 10 países e visa à integração nos campos
econômico, político, de segurança, militar, educacional e sociocultural.
13
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
31
www.journal.idesf.org.br
quarto, de aspectos relacionados à adesão de membros plenos e associados (o
Mercosul apresenta uma linha de complementaridade à ALADI, inclusive
proporcionando em seu artigo 20 a participação dos membros desta na condição de
plenos, o que é, inclusive, mantido até os presentes dias, não se permitindo que
países da América do Sul não associados à ALADI se tornem mais do que
meramente associados); o quinto, das ferramentas de denúncia e, finalmente, o
sexto capítulo traz as disposições gerais. Sobre essa assimilação de conformidade
com os gérmenes da ALADI, pontua Vidigal (2014):
O Tratado incorporava os instrumentos que vinham sendo firmados junto à
Aladi, que concentravam seus dispositivos na liberalização comercial. Como
primeiro resultado, em um período de apenas seis anos, o comércio
intrabloco conheceu um crescimento de cerca de 300% (VIDIGAL, 2014, p.
115).
Há que se pontuar, desde já, que esse ferramental não é estanque. Bem pelo
contrário, pois, na órbita das relações internacionais, há um movimento contínuo, e
mesmo tratados, podem ser alterados se assim convier. Essa restrição à plena
legislatura a não-membros da ALADI ainda vige, mas não se pode prever que
continuará irremediavelmente dessa maneira. Observe-se, acerca de uma possível
ampliação de membros, o que diz o diplomata Rubens Ricupero, em seu livro “O
Brasil e o Dilema da Globalização” (RICUPERO, 2001):
A consolidação do Mercosul e sua eventual ampliação, até abarcar todo o
conjunto da América do Sul (o México, a América Central, o Caribe
encontram-se já estruturalmente integrados dentro da área ampliada do
mercado norte-americano), fornecem base ideal para a inserção gradual do
Brasil e de seus parceiros na economia em via de globalização. É natural
que assim seja, uma vez que o aprendizado da competição, a árdua e
progressiva afirmação das vantagens a adquirir no jogo da concorrência,
são desafios mais abordáveis entre vizinhos, favorecidos pela contiguidade
territorial, pelas afinidades culturais, por relativa paridade e simetria de
condições. A presença de maior porcentagem de manufaturados no
comércio intra-Mercosul é indício encorajador de que esse processo de
intensificação e aprimoramento qualitativo do intercâmbio está em curso no
interior da zona, como preparação para uma abertura prudente, passo a
passo, à concorrência ampliada, hemisférica ou global (RICUPERO, 2001,
p. 118 - 119).
Já os anexos se incumbiram das seguintes tarefas: o primeiro trouxe um
programa de liberação comercial, uma espécie de passo a passo, para orientar o
processo de abertura econômica; o segundo, o Regime Geral de Origem; o terceiro
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
32
www.journal.idesf.org.br
tratou de controvérsias, mas de maneira genérica (no Mercosul só passou a existir,
de fato, um Sistema de Solução de Controvérsias18 com o Protocolo de Ouro Preto
de 1994); o anexo quarto tratou da possibilidade das cláusulas de salvaguarda, as
quais, inclusive, garantiram os protecionismos, até hoje debatidos, do açúcar e dos
automóveis; o último anexo, o quinto, criou subgrupos de trabalho, os quais são de
importante registro para este trabalho, na ordem estabelecida (o que permite inferir
certa hierarquia): assuntos comerciais; assuntos aduaneiros; normas técnicas;
política fiscal e monetária relacionadas com o comércio; transporte terrestre; política
industrial e tecnológica; política agrícola; política energética e, por fim, coordenação
de políticas macroeconômicas.
Perceba-se que, hoje, temas tão discutidos no âmbito do Mercosul, como
democracia, meio ambiente, cultura e segurança sequer eram minimamente
pincelados, e não se trata somente do rol de anexos, mas sim de uma realidade de
todo o corpo do Tratado:
Já o Tratado de Assunção de 1991, que criou o Mercosul, imbuiu-se da
filosofia política do Estado normal que impregnou os governos de Fernando
Collor de Mello e Carlos Saúl Menem. A integração industrial e o
desenvolvimento cederam em favor da desgravação linear do intercâmbio e
do regionalismo aberto. Desde então, interna e externamente, nenhuma
estratégia foi concebida para além do comércio (CERVO, 1992, p. 517).
Há que se destacar, também, que, de início, o Mercosul não possuía
personalidade jurídica internacional19, conforme ensina o professor, ex-Juiz da Corte
Internacional de Justiça20 (CIJ), ex-Ministro das Relações Exteriores e ex-Ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) José Francisco Rezek (2018):
Sistema de Solução de Controvérsias é um mecanismo com frequência utilizado por organizações
internacionais, geralmente por adoção de procedimentos específicos constantes às suas cartas
fundacionais ou inseridas por meio de algum protocolo ulterior (como é o caso do Mercosul), com a
finalidade de garantir maior segurança e previsibilidade às tratativas entre os membros, ao introduzir
um modelo claro e transparente para a resolução dos conflitos que possam surgir.
19 Personalidade jurídica internacional é definida pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), como a
“capacidade de ser titular de direitos e obrigações internacionais, dependendo esses direitos e
obrigações dos objetivos e funções atribuídos à organização, sejam eles enunciados ou implicados
por seu ato constitutivo ou desenvolvidos na prática” (ICJ, 2021).
20 A Corte Internacional de Justiça foi criada pelo Artigo 92 da Carta das Nações Unidas, e trata-se de
seu principal órgão judiciário, sediado em Haia, Países Baixos. Possui a finalidade maior de resolver
conflitos jurídicos a ela submetidos, desde que seja por Estados, além de emitir pareceres para
questões jurídicas apresentadas pela Assembleia-Geral ou pelo Conselho de Segurança.
18
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
33
www.journal.idesf.org.br
O Mercosul não foi desde logo dotado de personalidade jurídica própria, isto
em função de uma política exemplarmente sóbria com que seus quatro
fundadores quiseram evitar todo aparato precoce e todo dispêndio de
discutível necessidade. O Protocolo de Brasília21, de dezembro de 1991,
disciplinou a solução de controvérsias, sem criar qualquer órgão judiciário
para o Mercosul: quando as discórdias não se resolvessem por
entendimento direto, ou no âmbito deliberativo do próprio grupo, recorrer-seia à arbitragem22 (REZEK, 2018, p. 334).
Essa qualidade foi alcançar o grupamento apenas três anos depois, com a
adoção do Protocolo de Ouro Preto, como se verá no próximo capítulo:
O Protocolo de Ouro Preto já havia dado ao Mercosul personalidade jurídica
e determinado em definitivo sua estrutura institucional: um conselho, um
grupo executivo, algumas comissões especiais, uma secretaria. Nos órgãos
colegiados a presença de todos os Estados-membros, e um sistema
deliberativo fundado na unanimidade por via de consenso23 (REZEK, 2018,
p. 335).
UM MERCOSUL MAIS ABRANGENTE
Não tardou para que o Mercosul ampliasse sua atuação. Isso partiu, em boa
dose, do interesse brasileiro, como se vê neste excerto do livro “A Diplomacia na
Construção do Brasil”, do diplomata Rubens Ricupero:
Para Fernando Henrique, a prioridade número 1 seria, conforme declarou
em numerosos discursos, consolidar e aprofundar o Mercosul como etapa
inicial de sua eventual ampliação na perspectiva da integração sulamericana. Desse ponto de vista, a Alca obviamente aparecia mais como
ameaça de desestruturação, do que oportunidade de alargamento de
mercado. O desígnio de ampliar o Mercosul até abranger toda a América do
Sul contrapunha-se a dois obstáculos: a atração que até a Argentina ou o
Uruguai sentiam pelo mercado dos Estados Unidos, para não falar do Chile,
Colômbia e Peru, bem como a resistência dos andinos, que, mutatis
mutandi, nutriam em relação à superioridade produtiva brasileira atitude
similar à que o Brasil sentia em relação aos norte-americanos. Ademais,
convém não esquecer as próprias deficiências, nossas e de nossos vizinhos
imediatos, em efetivamente “consolidar e aprofundar” o Mercosul, condição
prévia de todo o resto (RICUPERO, 2017, p. 632).
O Protocolo de Brasília foi assinado em 17 de dezembro de 1991, no âmbito do Mercosul, com a
finalidade de criar procedimentos de solução a fim de sanar as controvérsias entre os Estados-Partes
a respeito da interpretação, aplicação ou descumprimento das disposições contidas no Tratado de
Assunção.
22 Arbitragem é um mecanismo de resolução de conflitos pelo qual as partes decidem por um
intermediário, uma pessoa, entidade privada ou, no direito internacional, um Estado, que avaliará o
caso e apresentará uma solução para o entrave, sem haver a participação do Poder Judiciário.
23 Consenso é um mecanismo de tomada de decisões que depende do não-veto de qualquer dos
membros. Difere do mecanismo de unanimidade, que depende do voto positivo de todos os
membros. Ou seja, no consenso basta que ninguém se oponha para que uma medida seja aprovada;
para os sistemas em que se exige unanimidade, a mera abstenção ao voto já caracteriza um veto.
21
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
34
www.journal.idesf.org.br
Um importante passo para essa ampliação foi o Protocolo de Ouro Preto,
assinado em 1994, no âmbito do Mercosul, que permitiu que esse grupo se tornasse
“sujeito de direito internacional (...) podendo negociar sobre a arena internacional”
(CERVO, p. 518). Sobre isso, aponta Antônio Carlos Lessa:
O Protocolo de Ouro Preto concedeu, alegadamente, “personalidade de
direito internacional” ao Mercosul, o que o teria habilitado a negociar
conjuntamente acordos comerciais com parceiros individuais, na região ou
fora dela, ou com outros blocos (LESSA, 2006, p. 276-277).
O Diplomata brasileiro Ricupero mostra como essa possibilidade de negociar
contribuiu para ampliar a relevância do bloco e suas intenções de expansão:
O Brasil passara a ver o Mercosul como projeto de alcance bem superior ao
de um mero acordo de comércio. Uma vez consolidado e aprofundado, o
esquema estaria destinado a expandir-se a todo o território sul-americano
unificado num mercado comum (RICUPERO, 2017, p. 629).
Lessa retratou bem como o Mercosul expandiu para outras frentes:
Ao longo dessas duas décadas, mas bem mais enfaticamente no curso da
última década, o Mercosul parece ter se afastado de seus objetivos
comercialistas e econômicos iniciais, aliás consagrados no tratado
constitutivo, para converter-se num agrupamento político dotado de
interesses muito diversificados (LESSA, 2006, p. 276- 277).
MERCOSUL E SEGURANÇA PÚBLICA: DE 1991 A 1999
a. de 1991 a 1994
A Decisão 9, de 1991, do Conselho do Mercado Comum, afirma que “a
Constituição do Mercado Comum do Sul irá requerer o tratamento de temas não
incluídos nos Subgrupos de Trabalho, estabelecidos no Anexo V do Tratado de
Assunção” (MERCOSUR, 2020), motivo pelo qual se decide pela criação de
Reuniões Especializadas. Essa Decisão, lançada pouco depois do próprio Tratado
que inaugurou o Mercosul, lança, ainda de forma bastante incipiente, as bases para
que as discussões, a nível de bloco, se estendam para além do campo meramente
econômico.
Em 1992, o Mercosul, por meio do CMC, pela Decisão 6, de 27 de junho de
1992, recomenda a todos os Estados Partes que ratifiquem a Convenção
Interamericana sobre Restituição Internacional de Menores, sob o argumento de que
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
35
www.journal.idesf.org.br
“é necessário dar a proteção adequada ao menor (...), de modo a garantir seu
desenvolvimento apropriado” (MERCOSUR, 2020). À época, tratou-se de uma
novidade em âmbito mercosulino, reforçando a tentativa de o bloco perpassar sua
atuação ideada.
Nesse mesmo dia, o CMC, também, emitiu a Decisão 9, que, considerando a
necessidade de instrumentar a integração fronteiriça no menor prazo possível e a
dificuldade de coordenar, interna e externamente, a participação de diversos
organismos de diferentes jurisdições, instruía “os organismos competentes nas
fronteiras dos Estados Partes para que adotem as medidas necessárias para a
coordenação interna, a fim de alcançar o objetivo de instrumentar os controles
integrados nos prazos previstos” (MERCOSUR, 2020). Perceba-se que se deixou de
se utilizar de expressões restritivas no campo comercial, em clara chancela a
distintas áreas a serem descortinadas.
Nessa toada, em 1º de julho de 1993, em Assunção, o Conselho do Mercado
Comum decidiu pela aprovação do “Acordo para a Aplicação dos Controles
Integrados em Fronteira entre os Países do Mercosul” (MERCOSUR, 2020),
conhecido como “Acordo de Recife”, anexado àquela decisão. Nesse acordo, alguns
de seus dispositivos merecem especial atenção.
O artigo 3º, a, aponta que “a jurisdição e a competência dos órgãos e dos
funcionários de País Limítrofe considerar-se-ão estendidas até a Área de Controle
Integrado” (MERCOSUR, 2020); o artigo 5º dispõe:
Os órgãos nacionais competentes celebrarão acordos operacionais e
adotarão sistemas que complementem e facilitem o funcionamento dos
controles aduaneiros, migratórios, sanitários e de transporte, editando, para
isto, os pertinentes atos, para aplicação (MERCOSUR, 2020).
Uma vez mais, ainda no início da década de 1990, o Mercosul avança para
tratar da integração para além da exploração comercial, haja vista que, em se
tratando de “controle avançado de fronteira”, não haveria de se imaginar que o tema
segurança, embora não estivesse expressamente citado, deixaria de ser um dos
corolários de tais disposições.
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
36
www.journal.idesf.org.br
b. de 1996 a 1998
Em 25 de junho de 1996, em São Luís, decide o CMC, por meio da Decisão 2,
acerca do Protocolo de Assistência Jurídica Mútua, em Assuntos Penais. Seu
considerando arremata a finalidade: “é necessário intensificar a cooperação jurídica
em matéria penal” (MERCOSUR, 2020). Do Protocolo, que é anexado a Decisão,
merecem especial atenção alguns dispositivos. Antes, porém, consta do exordial que
“reconhecendo que muitas atividades delituosas representam uma grave ameaça e
se manifestam através de modalidades criminais transnacionais nas quais
frequentemente as provas se situam em diferentes Estados” (MERCOSUR, 2020).
Embora o caminho houvesse sido preparado até então, como se viu nas decisões
anteriores, embora um tanto esparsas temporalmente, agora sim a questão de
Segurança múltipla dos Estados, enfim, é atacada diretamente: o Mercosul passa a
sua atenção para as modalidades criminais transnacionais.
O Artigo 1º, assinala que “os Estados Partes prestarão assistência mútua, de
conformidade com as disposições do presente Protocolo, para a investigação de
delitos, assim como para a cooperação nos procedimentos judiciais relacionados
com assuntos penais” (MERCOSUR, 2020). Notar-se-á que, na prática, tal
integração é um processo bastante lento, mesmo hoje ainda incipiente; contudo,
recentes normatizações do Mercosul que chamaram bastante atenção da mídia,
caso, por exemplo, do acordo para continuidade de perseguições policiais em
Estados vizinhos, na verdade não advieram de geração espontânea, mas são frutos
de um trabalho de longo prazo, como se vê.
O Artigo 2º aponta o alcance da assistência a ser prestada ou solicitada pelo
Estado: notificação de autos processuais; recepção e produção de provas, perícias;
localização ou identificação de pessoas; notificação de testemunhas ou peritos;
traslado de pessoas sujeitas a um processo penal para comparecimento como
testemunhas; medidas acautelatórias sobre bens; apreensão e transferência de
bens confiscados etc. Um rol que finda com um item que deixa margem para outros
interesses, desde que respeitadas as leis do Estado requerido.
O Artigo 5º é, de certa forma, revelador de como tal protocolo é taxativo e
imperativo. Trata ele das possibilidades de negativa do Estado requerido. Apresenta
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
37
www.journal.idesf.org.br
alguns casos em que este poderá recusar a cumprir a solicitação, deixando
cristalino, por meio do item 2, que a denega de assistência haverá, obrigatoriamente,
de ser justificada, devendo o Estado apresentar, por meio da Autoridade Central, a
razão dentro do rol das possibilidades que traz o item anterior.
Ainda em 1996, aos dezessete dias de dezembro, em Fortaleza, o CMC
decide criar a “Reunião de Ministros do Interior e da Segurança (RMIS) ou
funcionários de hierarquia equivalente, a fim de avançar na elaboração de
mecanismos comuns, para aprofundar a cooperação nas áreas de sua competência”
(MERCOSUR, 2020). Apresenta como mote de sua criação a necessidade de “tratar
determinados assuntos a nível ministerial ou funcionários de hierarquia equivalente”
(MERCOSUR, 2020), ou seja, reflete uma preocupação com o assunto segurança,
de maneira que se deseja que seja discutido, a nível representativo de maior
alcance e poder de decisão.
Em 1997, mais especificamente em 18 de junho, o CMC decide criar, através
da Decisão 1, o “Convênio de Cooperação e Assistência Recíproca entre as
administrações de alfândegas do Mercosul relativo à Prevenção e Luta contra as
ilegalidades Aduaneiras” (MERCOSUR, 2020). Essa normatização não deixa de
visar ao comércio, pois se entende por legislação aduaneira aquela disposição
adotada, a fim de regulamentar a importação, exportação, trânsito e inclusão de
qualquer regime aduaneiro, bem como a proibição, restrição e controle; portanto, é
tema que intercruza as áreas afetas ao comércio e à segurança. Nesse caso, não
seria ousado afirmar que cuidar da segurança é também cuidar do comércio,
preservando a concorrência legal e saudável para os mercados nacionais
envolvidos.
Em 1998, a Decisão 5, de 23 de julho de 1998, em Buenos Aires, explora, no
âmbito do Mercosul, novos conceitos. Em seu preâmbulo consta que “a importância
da cooperação e assistência recíproca entre as forças de segurança dos Estados
Partes do Mercosul para as tarefas de prevenção, controle e repressão das
atividades delituosas” (MERCOSUR, 2020) e, logo abaixo, continua: “que a luta
contra todas as formas de delinquência organizada impõe uma ação conjunta,
coordenada e acordada no Mercosul” (MERCOSUR, 2020). O bloco debuta dois
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
38
www.journal.idesf.org.br
conceitos relevantes para o propósito deste trabalho: forças de segurança e
delinquência organizada. As forças de segurança não se restringem mais à questão
penal aduaneira, mas “atividades delituosas” são tratadas de forma panorâmica,
envolvendo qualquer tipo de crime; além disso, antes era mais frequente que se
falasse do Estado ou de uma “Autoridade Central”, agora, no entanto, se faz
referência, inequívoca, às organizações policiais de cada parte, o que remete à ideia
de uma maior clareza e profundidade na discussão e nas decisões que envolvem o
tema.
O segundo conceito “delinquência organizada” versa sobre uma problemática
crescente na década de 1990: as organizações criminosas. Cada vez mais,
chegavam aos noticiários as horrendas ações de grupos, como Comando Vermelho
(CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC), os quais, inclusive, se irradiavam para
os países vizinhos, em especial para Paraguai e Argentina. Ao mesmo tempo,
embora a Colômbia fosse aderir ao Mercosul na condição de Estado Associado
apenas em 2004, esse importante Estado vizinho sofria com as ações terroristas das
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Por isso, no contexto da
segurança integrada entre os países do Mercosul, não haveria como deixar de lado
esse assunto, até porque, como se destacou acima, complexas organizações do
crime encontravam espaço em territórios vizinhos, gerando um receio de que, duas
décadas depois, encontraria guarida histórica, pois o cenário da segurança pública
atual permite constatar a inequívoca expansão dessas empresas do crime, entre as
nações da América do Sul, voltadas, principalmente, a garantir os meios de
transporte e a venda de drogas e armas.
Essa decisão traz como anexo o “Plano de Cooperação e Assistência
Recíproca para a Segurança Regional no Mercosul” (MERCOSUR, 2020). Tal plano
se divide em três capítulos: respostas a ameaças e condicionantes da segurança,
otimização dos meios dos órgãos vinculados à segurança na região e áreas
prioritárias de cooperação.
O primeiro capítulo destaca como ameaças à segurança o narcotráfico, o
terrorismo, as associações ilícitas e a delinquência comum. Traz um conceito novo,
ao impor seus objetivos, o da “inteligência”. Antes houvera normas tratando de
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
39
www.journal.idesf.org.br
investigação, mas, agora, aparece o conceito do serviço de inteligência como meta a
ser alcançada, algo mais amplo do que o anterior, também mais relacionado ao uso
de novas tecnologias, algo que, certamente, rondava os bastidores das discussões.
Nesse capítulo, ainda, se fala sobre comercialização ilegal de substâncias
químicas, que podem ser utilizadas para a fabricação de drogas ilícitas, bem como
sobre a necessidade de operações que visem a coibir a lavagem de dinheiro oriunda
do narcotráfico. Na sua subseção que trata das ações a serem desenvolvidas, tornase dificultoso elencar as mais relevantes, pois todas são, inerentemente, conectadas
à finalidade desse escrito, porém, urge que se analise o item 1.1.3., que assinala
que se deve “coordenar, nas zonas de fronteira, as tarefas e os métodos de
investigação e de inteligência em matéria de tráfico ilícito de drogas e de
precursores químicos, propiciando o intercâmbio em nível horizontal entre os
responsáveis pelos órgãos competentes” (MERCOSUR, 2020). Seu item seguinte
dispõe acerca de “executar, simultânea e coordenadamente, por intermédio dos
órgãos responsáveis e nas zonas de fronteira especialmente afetadas, operações de
surpresa para detectar o tráfico ilícito de drogas e de precursores químicos”
(MERCOSUR, 2020).
O primeiro item citado, o 1.1.3., além de reforçar a noção de “inteligência”,
revela um preceito que vem nortear todas as ações concretas, o da horizontalidade,
ou seja, o da inexistência de hierarquia, pois as ações devem mesmo ser
coordenadas, e não comandadas por quem quer que seja. Isso vai bastante ao
encontro dos princípios mais basilares do próprio Mercosul, podendo-se citar, a
exemplo, o rito de consensualidade para tomada de decisões, vigente até os dias
presentes.
O segundo item citado, o 1.1.4., diz respeito às ações simultâneas e
coordenadas em regiões fronteiriças mais afetadas. Tal disposição, nesse momento,
se restringe ao âmbito do combate ao narcotráfico, mas se repetirá ao se tratar de
terrorismo, de associações ilícitas e até mesmo da delinquência comum. Dessa
maneira, à frente, no item 3.1, em que se discorre sobre as ações para combater
esta última das ameaças dispostas no Plano, diz-se que se deve:
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
40
www.journal.idesf.org.br
Impulsionar operações conjuntas de segurança e/ou controle por parte dos
órgãos com competência na matéria, nas zonas de fronteira de cada país
signatário, com a finalidade de detectar posse irregular de armas de fogo,
imigrantes clandestinos, migração de indivíduos com pedido de captura e
todo ilícito de interesse, conforme a legislação vigente em casa país
(MERCOSUR, 2020).
Esse excerto aponta para um novo aprofundamento de nível de discussão,
uma vez que traz específicos típicos penais comuns às soberanias democráticas
integrantes do bloco, relacionando, desde a posse ilegal à migração (em especial ao
migrante foragido da justiça do país de saída).
Em seguida, os capítulos II e III tratam, respectivamente, da necessidade de
capacitação dos quadros dos órgãos competentes e da implantação de políticas de
segurança adequadas, com foco em áreas prioritárias de cooperação, campo dentro
do qual se destaca o disposto no item 1.4:
Executar periódica, coordenada e simultaneamente, nas zonas de fronteira,
patrulhas terrestres, fluviais e/ou lacustres (inclusive nas margens), para
prevenir ou reprimir todo tipo de ato ilícito. Dita tarefa deverá ser
devidamente coordenada e acordada entre os países limítrofes, a fim de
obter um procedimento operacional adequado (MERCOSUR, 2020).
Aos vinte e três dias de julho de 1998, o CMC aprova o “Entendimento relativo
à Cooperação e Assistência Recíproca para a Segurança Regional no Mercosul, na
República da Bolívia e na República do Chile”. Bolívia e Chile ingressaram no
Mercosul como Estados Associados, respectivamente, em 17 de dezembro e 25 de
junho de 1996. Desde então, foram aderindo às condições de participação do bloco.
O Chile continua, até a presente data, como membro associado, porém a Bolívia
está em processo de adesão, para tornar-se Estado Parte:
Os Estados Partes do Mercosul, a República da Bolívia e a República do
Chile asseguram a cooperação e a assistência recíproca entre todas as
forças de segurança, policiais e organismos competentes dos países da
região, a fim de tornar cada dia mais eficientes as tarefas de prevenção,
controle e repressão das atividades delituosas, em especial, daquelas
ligadas ao narcotráfico, ao terrorismo, ao tráfico de armas, munições e
explosivos, ao roubo ou furto de veículos, à lavagem de ativos, ao
contrabando e ao tráfico de pessoas (MERCOSUR, 2020).
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
41
www.journal.idesf.org.br
Ressalte-se, nesse excerto, a menção ao “roubo ou furto24 de veículos”. Tal
colocação deriva da realidade bastante ímpar de regiões fronteiriças, no que diz
respeito à prática desses crimes. Ainda hoje, com o amparo de protocolos e de
decisões concretas, por meio de ações coordenadas e do avanço na criação de
sistemas integrados, é prática comum que um carro furtado ou roubado seja,
imediatamente, levado ao país vizinho, ou seja, esse ainda é um problema patente e
corrente que desafia as autoridades de segurança que atuam nas fronteiras
mercosulinas.
Futuramente, outros países iriam aderir ao Mercosul, todos compelidos a
aderir às normas do bloco, inclusive às pertinentes ao quadro da segurança pública.
Em 2003, será a vez do Peru, e, em 2004, Colômbia, Equador e Venezuela firmaram
parceria, por meio do Acordo de Complementação Econômica Mercosul-ColômbiaEquador-Venezuela (Decisão 59, 2004, CMC). Em 2006, a Venezuela aderiu como
membro pleno. Em 2015, Guiana e Suriname, também, se associaram, aliás, estes
dois países não podem se tornar membros plenos, pois não são membros da
Associação Latino-Americana de Integração (ALADI, criada em 12 de agosto de
1980, por meio do Tratado de Montevidéu), consoante Artigo 20 do Tratado de
Assunção.
Pela Decisão 7, de 23 de julho de 1998, em Buenos Aires, o CMC aprovou o
“Mecanismo Conjunto de Registro de Compradores e Vendedores de Armas de
Fogo, Munições, Explosivos e outros materiais correlatos para o Mercosul”
(MERCOSUR, 2020). Tal Decisão derivou de uma Declaração dos Presidentes dos
Estados Partes e Associados, dada em 18 de abril de 1998, em Santiago do Chile,
pela qual se requisitou à Reunião de Ministros do Interior a elaboração de um projeto
que viabilizasse mecanismos conjuntos de registro de compradores e vendedores de
arma de fogo, munições, explosivos e análogos.
Esse mecanismo visa a uniformizar os sistemas de informação acerca desses
materiais bélicos, para que, então, haja a possibilidade de intercâmbio de
informações. Observe-se que o item 6 buscou firmar e obrigar os signatários acerca
A diferença entre roubo e furto consiste, na legislação brasileira, no uso da violência: enquanto o
cometimento do primeiro pressupõe violência, o segundo se dá sem ela, às vezes por descuido da
vítima, outras pela destreza e senso de oportunidade do criminoso.
24
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
42
www.journal.idesf.org.br
do mais elementar, de modo que o Mecanismo tenha eficiência: “os Estados
signatários adotarão, caso não exista, e conforme a legislação, um registro de
possuidores de armas de fogo, munições, explosivos, suas partes, componentes e
materiais correlatos” (MERCOSUR, 2020).
Ainda em 1998, no Rio de Janeiro, aos dez de dezembro de 1998, o Conselho
do Mercado Comum decidiu pela aprovação do “Acordo sobre Extradição entre os
Estados Partes do Mercosul” (MERCOSUR, 2020). Em seu primeiro artigo, a
disposição é, claramente, taxativa ao se utilizar do termo “obrigação”: “os Estados
Partes obrigam-se a entregar (...) as pessoas que se encontrem em seus respectivos
territórios e que sejam procuradas pelas autoridades competentes de outro Estado
Parte” (MERCOSUR, 2020). Tal obrigação se dá em três situações: para serem
processadas pela prática presumida de um delito, para responderem a um processo
já em curso, ou para a execução de uma pena privativa de liberdade.
Em seu Artigo 2, caracteriza-se o delito que pode dar causa à extradição25.
De forma ampla, é requisito que a conduta do possível extraditado seja tipo penal
nos dois Estados, requerente e requerido, e punível com privação de liberdade, com
duração máxima não inferior a dois anos.
O Artigo 5 dispõe sobre relevante nuance inescapável das discussões acerca
de extradição: o crime político. Ele deixa claro que não haverá extradição por delitos
em que o Estado requerido considere político; no entanto, “a mera alegação de um
fim ou motivo político não implicará que o delito deva necessariamente ser
qualificado como tal” (MERCOSUR, 2020). Esse artigo, ainda, define crimes que,
sob qualquer circunstância, não serão considerados políticos, nem em sua forma
tentada.
O Artigo 10 aponta que não se endossará extradição, quando, da data do
fato, o autor tiver menos do que 18 anos. Seu Artigo 13 dispõe que o Estado
requerente, sob nenhuma hipótese, aplicará ao extraditado sentença de morte ou de
perpétua privação de liberdade.
Extradição é o processo pelo qual um Estado solicita de outro a entrega de uma pessoa condenada
ou suspeita da prática de um crime.
25
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
43
www.journal.idesf.org.br
c. Protocolo de Ushuaia (1998)
Aos 24 dias de abril de 2002, o Presidente da República Federativa do Brasil,
Fernando Henrique Cardoso, assinou o Decreto n.º 4.210, promulgando o Protocolo
de Ushuaia sobre “Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile”. Tratouse de um acordo assinado, em 24 de julho de 1998, na cidade argentina, que
emprestou seu nome ao protocolo, estabelecido entre os Estados Partes, com vistas
a reiterar uma declaração da presidência mercosulina de 1992 que dispunha que a
vigência das instituições democráticas era questão essencial para o Mercosul.
Por possuir um corpo bastante sintético, é possível reproduzir abaixo todos
seus artigos, ou seja, o Protocolo de Ushuaia, na íntegra:
Artigo 1 A plena vigência das instituições democráticas é condição essencial
para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados
Partes do presente Protocolo.
Artigo 2 O presente Protocolo se aplicará às relações que decorram dos
respectivos Acordos de Integração vigentes entre os Estados Partes do
presente Protocolo, no caso de ruptura da ordem democrática em algum
deles.
Artigo 3 Toda ruptura da ordem democrática em um dos Estados Partes do
presente Protocolo implicará a aplicação dos procedimentos previstos nos
artigos seguintes.
Artigo 4 No caso de ruptura da ordem democrática em um Estado Parte do
presente Protocolo, os demais Estados Partes promoverão as consultas
pertinentes entre si e com o Estado afetado.
Artigo 5 Quando as consultas mencionadas no artigo anterior resultarem
infrutíferas, os demais Estados Partes do presente Protocolo, no âmbito
específico dos Acordos de Integração vigentes entre eles, considerarão a
natureza e o alcance das medidas a serem aplicadas, levando em conta a
gravidade da situação existente. Tais medidas compreenderão desde a
suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos dos respectivos
processos de integração até a suspensão dos direitos e obrigações
resultantes destes processos.
Artigo 6 As medidas previstas no artigo 5 precedentes serão adotadas por
consenso pelos Estados Partes do presente Protocolo, conforme o caso e
em conformidade com os Acordos de Integração vigentes entre eles, e
comunicadas ao Estado afetado, que não participará do processo decisório
pertinente. Tais medidas entrarão em vigor na data em que se faça a
comunicação respectiva.
Artigo 7 As medidas a que se refere o artigo 5 aplicadas ao Estado Parte
afetado cessarão a partir da data da comunicação a tal Estado da
concordância dos Estados que adotaram tais medidas de que se verificou o
pleno restabelecimento da ordem democrática, o que deverá ocorrer tão
logo o restabelecimento seja efetivo.
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
44
www.journal.idesf.org.br
Artigo 8 O presente Protocolo é parte integrante do Tratado de Assunção e
dos respectivos Acordos de Integração celebrados entre o Mercosul e a
República da Bolívia e entre o Mercosul e a República do Chile.
Artigo 9 O presente Protocolo se aplicará aos Acordos de Integração que
venham a ser no futuro celebrados entre o Mercosul e a Bolívia, o Mercosul
e o Chile e entre os seis Estados Partes deste Protocolo, do que se deverá
fazer menção expressa em tais instrumentos.
Artigo 10 O presente Protocolo entrará em vigor para os Estados Partes do
Mercosul trinta dias depois da data do depósito do quarto instrumento de
ratificação junto ao Governo da República do Paraguai.
O presente Protocolo entrará em vigor para os Estados Partes do Mercosul
e a República da Bolívia ou a República do Chile, conforme o caso, trinta
dias depois que a Secretaria-Geral da ALADI tenha informado às cinco
Partes Signatárias correspondentes que nelas se cumpriram os
procedimentos internos para sua incorporação aos respectivos
ordenamentos jurídicos nacionais.
Feito na Cidade de Ushuaia, República Argentina, no dia vinte e quatro do
mês de julho do ano de mil novecentos e noventa e oito, em três originais
nos idiomas Espanhol e Português, sendo ambos os textos igualmente
autênticos (BRASIL, 2002).
Rubens Ricupero (2017) explica a importância desse Protocolo:
Em domínio vizinho ao da pacificação, o da consolidação da democracia,
Fernando Henrique interveio de modo influente, ao lado de outros chefes de
estado, para defender o processo democrático ameaçado de forma
recorrente no Paraguai em diversos incidentes nos fins dos anos 1990. Em
boa parte, devido a tais ameaças, os membros do Mercosul decidiram
adotar o Protocolo de Ushuaia, denominado frequentemente de “cláusula
democrática”, no qual se estabeleceu que a “plena vigência das instituições
democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos
de integração entre os estados partes” (1998). Foi também no período de
Fernando Henrique que o Brasil finalmente aceitou a jurisdição obrigatória
da Corte Interamericana de Direitos Humanos (RICUPERO, 2017, p. 634).
Essa chamada, e conhecida, Cláusula Democrática será, como se verá,
principalmente, na década seguinte, a força motriz para que, finalmente, o Mercosul
abandone o viés, unicamente, econômico e passe a ser visto, interna e
externamente, como uma associação de países com pretensões de união, cada vez
mais amplas e assertivas, voltadas a todos os segmentos de importância social,
política, educacional, preservacionista etc., com especial enfoque, como já dito
anteriormente, na área da segurança dos Estados Partes, em especial nas suas
fronteiras. O Protocolo de Ushuaia, portanto, é da maior relevância para que os
fóruns que vão se seguir a 1998 se permitam, cada vez mais, explorar novos
horizontes dentro do Mercosul, o que antes ainda possuía uma feição pouco
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
45
www.journal.idesf.org.br
conhecida ou mesmo envolta em incerteza e desconfiança. Não é improvável
afirmar, portanto, que todo esse trabalho de 1991 a 1998, de abertura dos alcances
do bloco, obteve como corolário esse importante protocolo.
d. 1999
Em 1999, na reunião de 7 de dezembro, o Conselho do Mercado Comum
apresentou relevantes decisões pertinentes à estratégia de conformação de um
sistema de segurança pública para seus países-membros.
A Decisão nº 16/99 aprovou o “Acordo de Assunção sobre Restituição de
Veículos Automotores Terrestres e/ou Embarcações que transpõem ilegalmente as
fronteiras entre os Estados Partes do Mercosul” (MERCOSUR, 2020). Seu Artigo
primeiro aponta:
Será interditado, desapossado ou sequestrado e posto à disposição da
autoridade judicial ou aduaneira local, segundo corresponder, o veículo
automotor terrestre e/ou embarcação, doravante os veículos, originários ou
procedentes de um dos Estados Partes que tenha ingressado ou que
procure ingressar no território de qualquer um dos Estados Partes em
algumas das seguintes condições:
a) Quando não tiver a documentação que demonstre a propriedade e
origem do mesmo, ou não demonstre, quem o dirigir, a devida
autorização para fazê-lo e/ou transladá-lo fora da jurisdição originária.
b) Quando a documentação exibida apresentar características que leve a
presumir falsidade;
c) Quando o veículo tenha sido motivo de denúncia anterior por roubo,
furto ou infração aduaneira, ou tenha sido reclamado por resolução
judicial (MERCOSUR, 2020).
Segue com uma complementação relevante o quarto artigo:
Os organismos competentes dos Estados Partes procederão ao intercâmbio
de informação, através do Sistema de Intercâmbio de Informação de
Segurança do Mercosul, Bolívia e Chile, dos registros de furtos ou roubos
de veículos factíveis de serem transladados de um Estado Parte para outro,
com o objetivo de procurar seu sequestro, desapossamento ou interdição e
neutralizar a modalidade delitiva em toda a extensão do território do
Mercosul (MERCOSUR, 2020).
O restante do Acordo é, meramente, procedimental; contudo, o conteúdo final
do artigo anterior é merecedor de novo enfoque: “com o objetivo de (...) neutralizar a
modalidade delitiva em toda a extensão do território do Mercosul” (MERCOSUR,
2020). Dois pontos chamam a atenção. O primeiro é do ideário quase utópico, mas
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
46
www.journal.idesf.org.br
emblemático, de buscar eliminar o crime aos seus; ou seja, não deixa de ser
também um elemento propagandístico, de valorização do bloco e, mais importante,
daqueles que fazem parte dele – se determinado país estiver inserido nesse grupo,
terá mais segurança (ao menos essa é a ideia).
O segundo tem a ver com a expressão “território do Mercosul”. É comum
falar-se dos territórios nacionais, mas é inovador dizer que um bloco possa ter um
território para chamar de seu. O mais comum é dizer sobre os membros, Estados
Partes, nações, ou mesmo áreas e regiões abrangidas pelo bloco; todavia, a
redação aponta que esse bloco possui um território, ou seja, trata-se de uma clara
intenção do legislador, de mais uma vez, incorporar ideias e valores ao bloco,
buscando criar um sentimento de pertencimento e de unidade para os Estados
Partes.
Na Decisão nº 21/99, o CMC aprovou o Acordo para “Contratação do Vínculo
de Comunicações para o Sistema de Intercâmbio de Informações de Segurança do
Mercosul” (MERCOSUR, 2020). Nessa decisão, foram, tão somente, acordados
prazos para contratações.
A Decisão nº 22/99 aprovou o “Plano Geral de Cooperação e Coordenação
Recíproca para a Segurança Regional” (MERCOSUR, 2020), fruto da VI Reunião de
Ministros do Interior do Mercosul. Seu capítulo primeiro traz um estudo de situação
que em muito revela o novo papel do bloco:
O fenômeno da globalização e o processo de integração regional conferiram
características novas e desafiantes à ação criminal, que adquiriu uma
crescente dimensão transnacional.
Nesse quadro se inscreve, entre outras, a problemática suscitada pelos
grupos delitivos organizados relacionados com o narcotráfico, o terrorismo,
a lavagem de ativos, o contrabando, o tráfico de menores, o roubo/furto de
veículos, o tráfico ilícito de material nuclear e/ou radioativo, as migrações
clandestinas e a depredação do meio ambiente.
O combate a essas novas e desafiantes características provocou, num
primeiro momento, a necessária renovação da atuação das forças de
segurança e/ou policiais e dos demais órgãos de controle de cada EstadoParte ou Associado do Mercosul como meio idôneo para obter maior
eficiência e reduzir a um mínimo o impacto negativo daqueles delitos sobre
as pessoas.
Num segundo momento, impõe-se a necessidade de levar avante uma ação
de conjunto, coordenada e concordada em toda a região, com o objetivo
comum de tornar cada dia mais eficiente a luta contra todas as formas de
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
47
www.journal.idesf.org.br
crime organizado, nacional ou transnacional. Por isso, conscientes de que a
situação atual vulnera a segurança comunitária sub-regional, especialmente
com respeito àqueles fenômenos que, por sua natureza e características,
não podem ser eficazmente abordados de forma individual, os EstadosParte com base no respeito à soberania de cada um deles, a suas
legislações internas, à plena vigência do Estado de Direito e ao exercício
dos direitos e liberdades individuais (MERCOSUR, 2020).
Em seguida, na seção de objetivos, aponta-se que o foco maior é “alcançar o
desenvolvimento sustentável da região” (MERCOSUR, 2020), sustentando-se na
assistência recíproca entre os órgãos de controle e forças policiais, pela troca de
informações; na “cooperação e na coordenação para o desenvolvimento de
atividades simultâneas operacionais e de controle” (MERCOSUR, 2020); no
estabelecimento de meios para as atividades policiais, além da utilização racional do
capital humano disponível.
Essas tratativas, para tratar do “Sistema de Intercâmbio de Informações e
Segurança do Mercosul, Bolívia e Chile, o SISME”, ainda recebeu outras
regulamentações, nessa mesma reunião, aos sete dias de dezembro de 1999,
inclusive, a que constou da Decisão nº 25/99, do CMC, em que figurou aprovado o
Acordo
nº
11/99,
que
estabeleceu
o
“Regulamento
de
Organização
e
Funcionamento” do SISME (MERCOSUR, 2020).
CONCLUSÃO
Por intermédio desse projeto, foi possível concluir que o Mercado Comum do
Sul fez jus a seu nome, antes e logo que foi criado, pois, de fato, suas motivações
primeiras circundavam, via de regra, um tronco econômico bastante perceptível; no
entanto, não precisou de muito tempo para que seu foco central começasse a dividir
a atenção com outros temas, os quais, aos poucos, foram se avolumando e tomando
corpo, passando de coadjuvantes a protagonistas, lado a lado com a economia.
Entre esses temas, um grande destaque é a segurança pública. Os Estados
Partes questionavam-se sobre como solucionar os problemas gerados pela
fragmentação entre as fronteiras, quando ocorriam crimes que as perpassavam. A
grande solução encontrada não poderia ser outra, senão, exatamente, uniformizar
procedimentos e operações, por meio de sistemas interligados, com amplo acesso
às informações criminais de cada país. Um contexto de parcial padronização das
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
48
www.journal.idesf.org.br
seguranças públicas dos Estados Partes já permitiu ampliar o alcance das medidas
de segurança, o que, por sua vez, garantiu maior eficácia aos trabalhos das polícias
de fronteira, e, finalmente, diminuiu a impunidade transfronteiriça e os índices de
criminalidade. Em vista do que já foi alcançado até o presente momento, a projeção
é que a tendente integração contribua para se encontrar cada vez melhores
soluções para os desafios enfrentados.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Paulo Roberto de; LESSA, Antônio Carlos; OLIVEIRA, Henrique Altemani
de. Integração Regional: uma introdução. São Paulo: Saraiva, 2013.
BRASIL. Decreto nº 350, de 21 de novembro de 1991. Promulga o Tratado para a
Constituição de um Mercado Comum entre a República Argentina, a República
Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai
(TRATADO MERCOSUL). Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 2644326448, 22 nov. 1991.
BRASIL. Decreto nº 4.210, de 24 de abril de 2002. Promulga o Protocolo de
Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile. Diário Oficial
da União: seção 1, Brasília, DF, p. 24, 24 abr. 2002.
CERVO, A. L.; BUENO, C. (Orgs.) História da Política Exterior do Brasil. São
Paulo: Editora Ática, 1992.
ICJ. International Court of Justice: Summaries of Advisory Opinions and Orders –
Summary
1949/2.
Disponível
em:
https://www.icj-cij.org/public/files/caserelated/4/1837.pdf. Acesso em: 5 fev. 2021.
MERCOSUR. Tratados, Protocolos y Acuerdos Depositados en Paraguay.
Disponível em: https://www.mre.gov.py/tratados/public_web/ConsultaMercosur.aspx.
Acesso em: 20 dez. 2020.
MERCOSUL.
Saiba
mais
sobre
o
MERCOSUL.
Disponível
em:
http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-Mercosul. Acesso em: 2 jan. 21.
OLIVEIRA, Henrique Altemani; LESSA, Antônio Carlos. Relações Internacionais do
Brasil: temas e agendas. São Paulo: Saraiva, 1, 2006.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. São
Paulo: Saraiva, 2018.
RICUPERO, Rubens. O Brasil e o Dilema da Globalização. São Paulo: SENAC,
2001.
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
49
www.journal.idesf.org.br
RICUPERO, Rubens. A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750-2016. Rio de
Janeiro: Versal Editores, 2017.
VIDIGAL, Carlos Eduardo; DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. História
das Relações Internacionais do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.
Revista (RE)DEFINIÇÕES DAS FRONTEIRAS, Foz do Iguaçu, v. 1, n. 1, p. 25-50, abril 2023
50