Cadernos CIMEAC – v. 9, n. 2, 2019. ISSN 2178-9770
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DOI: 10.18554/cimeac.v9i2.3701
A INFLUÊNCIA DE UM CURSO DE FORMAÇÃO DE
PROFESSORES PARA A CONSTITUIÇÃO DOCENTE
THE INFLUENCE OF A TEACHER TRAINING COURSE
FOR PROFESSIONAL EDUCATION
Camila Cantarelli*
Bruno Milani**
Sérgio Guilherme Schlender***
Andreia Inês Dillenburg****
RESUMO: No atual cenário educacional verifica-se a criação de cursos de formação de
professores, voltados à portadores de diploma de educação superior na modalidade
bacharel que pretendam se dedicar à docência. Neste cenário objetiva-se com o
presente estudo analisar a influência da formação nestes cursos na prática docente de
três de seus discentes. A pesquisa pode ser classificada como qualitativa, básica,
descritiva e biográfica. As entrevistas foram analisadas de acordo com os
procedimentos de Delory-Momberger (2012, p. 533). Entre os diversos resultados,
destaca-se a presença de uma crítica à prática de seus mestres, uma autoformação da
prática e visão docente por meio da associação entre teoria e a execução da própria
prática profissional e docente, bem como uma influência do curso no modo de constituirse professor. Compreende-se, partindo da análise dos dados que o curso obteve um
impacto positivo na prática vivenciada, reflexiva e crítica de ser professor.
Palavras-chave: Educação profissional; Formação de professores; Prática
docente.
ABSTRACT: In the current educational scenario there is the creation of teacher training
courses, aimed at those with a bachelor degree in higher education who wish to dedicate
themselves to teaching. In this scenario the objective of this study is to analyze the
influence of training in these courses on the teaching practice of three of its students.
The research can be classified as qualitative, basic, descriptive and biographical. The
interviews were analyzed according to Delory-Momberger's procedures (2012, p. 533).
Among the various results, there is the presence of a criticism of the practice of their
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). Contato:
[email protected]
** Doutor em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração (PPGA) da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professor do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Farroupilha – Campus São Vicente do Sul (IFFar-SVS). Contato:
[email protected]
*** Mestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Administrador da UFSM. Contato:
[email protected]
**** Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Santa Maria (UFSM). Contato:
[email protected]
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masters, a self-formation of the teaching practice and vision through the association
between theory and the execution of the professional and teaching practice itself, as well
as an influence of the course in the way to constitute as a teacher. It is understood from
the data analysis that the course had a positive impact on the lived, reflective and critical
practice of being a teacher.
Keywords: Professional education; Teacher training; Teaching practice.
INTRODUÇÃO
Um grande percentual de docentes que atuam no ensino superior e na
educação profissional e tecnológica são oriundos de formação bacharelada e
não se identificam como docentes mas como um técnico voltado à sua formação
original, o qual tem dificuldades de vincular teoria e prática e é excessivamente
focado no pragmatismo (ARAÚJO, 2010). Considerando a atual formatação de
ingresso e formação ofertada nos cursos de pós-graduação de mestrado e
doutorado que habilitam para o exercício da docência em sua área, este
profissional carece de formação pedagógica. Embora tenham havido tentativas
de realização de formação de professores para a educação profissional desde
1971, nenhuma resultou em um sistema duradouro (MOURA, 2015).
O fortalecimento da formação para educação profissional aliado à
regulamentação dos cursos é defendida por autores como Moura (2015) e Araújo
(2010). Esta lacuna é um dos motivos pelos quais a criação da identidade do
professor acontece através de suas experiências, inclusive as de estágio,
conforme verificado por Pimenta e Lima (2006; 2010). Estes autores criticam a o
formato da formação docente que muitas vezes é operacionalizada através de
políticas dispendiosas, que se reduzem a uma didática instrumental.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9.394/96 apresenta
reflexões sobre a relevância da formação de professores para atuar na Educação Básica
e a criação de programas de formação pedagógica. Estes cursos são direcionados
especialmente aos professores, portadores de diploma de educação superior na
modalidade bacharel, que pretendam se dedicar à educação básica (BRASIL, 1996).
Nesta direção a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) oferece o curso de
Formação de Professores para a Educação Profissional do Programa Especial
de Graduação (PEG), o qual, de acordo o Projeto Político Pedagógico (PPP),
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tem como objetivo “formar professores em nível superior para atuar no ensino,
pesquisa extensão na modalidade de educação profissional, capacitados para
docência no ensino técnico de nível médio”(UFSM, 2007).
Diante do exposto, objetiva-se com o presente estudo analisar a influência
da formação no curso de Formação de Professores para a Educação Profissional
na prática docente de três de seus discentes, buscando por meio de memoriais
bibliográficos verificar as transformações ocorridas entre o seu ingresso no meio
acadêmico, como discentes, passando por diversas experiências profissionais e
acadêmicas, até o momento do transcurso do terceiro semestre do referido
Curso de Formação.
Com base nos relatos de experiência estruturou-se uma Pesquisa
Biográfica nos moldes previstos por Delory-Momberger (2006) e DeloryMomberger (2012). A Seção 2 apresenta o referencial teórico que embasa este
estudo.
REFERENCIAL TEÓRICO
Cunha et al. (2006) chamaram a atenção para o aumento explosivo do
número de professores universitários a partir de 1950, cujas origens não são
devidamente compreendidas. Eles têm origem em formações profissionais
diversas, as quais muitas vezes não proveram uma preparação adequada para
a vida acadêmica. O estudo destes autores foi realizado através da coleta de
140 questionários e 16 entrevistas semi-estruturadas aplicadas a docentes das
áreas de Ciências Biológicas, da Saúde e Agrárias.
Entre suas principais críticas está o fato de que após a reforma do ensino
de 1968 ter definido a indissociabilidade entre ensino e pesquisa, os cursos de
pós-graduação focaram na produção desta última, a qual serve de critério para
a mensuração da qualidade dos cursos stricto sensu. Neste contexto, enquanto
a especialização é promovida, se dá a formação do professor.
Os resultados obtidos por Cunha et al. (2006) indicaram que o
envolvimento com seus professores e o gosto pela pesquisa estão entre os
principais fatores que atraíram estes profissionais para a docência. Estes
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docentes relatam que adentraram a carreira docente naturalmente em
decorrência das suas atividades, mas sem nenhuma preparação pedagógica.
A formação de professores também foi analisada por Moura (2015), que
destaca que ela não é novidade, pois já havia sido prevista pela Portaria nº
432/71, embora várias tentativas não tenham sido bem-sucedidas ou não
tenham resultado em sistemas duradouros. O autor afirma que esta questão
ultrapassa os limites da educação profissional e tecnológica e avança na
formação de professores para as carreiras universitárias, pois nas duas
categorias formam-se “profissionais que são formados por profissionais que
atuam como professores, embora, na maioria das vezes, não tenham formação
específica para este fim” (Moura, 2015 p. 8). O autor ainda aponta a grande
liberalidade com que o mundo do trabalho e a sociedade tratam a docência,
permitindo que outros profissionais atuem livremente como professores,
considerando que isto ocorre devido à falta de reconhecimento da profissão,
desproporcional à sua importância para a sociedade.
Araújo (2010) argumenta que entre os problemas verificados na prática
dos docentes na educação profissional, pode-se elencar:
a) O fato de que muitos não se identificam como docentes, mas como
técnicos em suas áreas;
b) A concepção de que o profissional deve servir apenas aos interesses do
mercado;
c) Falta de experiência no ensino integrado frente à tradição cultural de
ensino fragmentado, na qual os próprios docentes foram formados.
d) Visão dicotômica entre teoria e prática.
e) Filosofias de educação frequentemente focadas no pragmatismo
A tradicional separação entre teoria e prática também foi criticada por
Santos (1991), que explorou as críticas de Schon (1982) acerca daquilo que ele
denomina Modelo da Racionalidade Técnica, pautado na resolução instrumental
de problemas com base em rigorosa aplicação de teorias e técnicas científicas.
A partir do apresentado Santos (1991) sugere uma reestruturação dos cursos de
formação de profissionais “orientada por uma abordagem pedagógica em que as
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atividades de ensino-aprendizagem terão como eixo central a solução de
problemas que farão parte da prática do futuro profissional”. No que tange
especificamente os cursos de formação de professores, o autor reconhece na
literatura duas áreas que a permeiam: a área profissionalizante, que destaca a
experiência de campo, frequentemente através do estágio; e a área da
orientação teórica, que visa, mas nem sempre alcança, uma abordagem crítica.
É importante trabalhar com as concepções acerca das práticas pedagógicas que
“os estudantes-professores trazem consigo, resultado de sua própria experiência
ao longo da vida estudantil”. Moura (2008, p.182) apresenta a complexidade que
envolve a formação docente apresentando que a
A dimensão específica da formação do professor também é
importante, porque ele efetivamente precisa das metodologias,
das didáticas, da psicologia, da história da educação, enfim
daquele conhecimento que está diretamente relacionado ao
cotidiano da sala de aula, à transformação de um saber
específico.
Para que uma mudança aconteça, é necessário criar possibilidades de
prática, ação e reflexão não basta que as críticas residam apenas em atividades
intelectuais, mas que deem lugar à vivência de uma nova relação pedagógica.
Santos (1991) defende um projeto educacional mais amplo e perene, mais
condizente com uma política de Estado, a realidade externa com uma mescla
das potencialidades de cada área e espaços, demonstrando-se também
favoráveis à regulamentação das práticas formativas.
No entanto, grande parte da formação docente ocorre paralelamente aos
meios formais, como uma construção a partir de diversas experiências pessoais,
dentro e fora da academia. Neste sentido, uma das possibilidades de formação
docente são os estágios demandados pelos cursos de graduação e/ou pósgraduação, nos quais frequentemente inicia a construção da identidade do
indivíduo como professor.
Os cursos de formação são geralmente constituídos como um aglomerado
de disciplinas, sendo o estágio mais uma delas, entre as quais não há grande
preocupação em explicitar seus nexos entre si ou com a realidade. Pimenta e
Lima (2006) destacam que o estágio sempre foi visto como “a parte prática” dos
cursos de graduação, em contraposição à teoria. Dessa forma, é comum que
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acadêmicos, ao depararem-se com a prática do estágio, percebam um abismo
entre os saberes aprendidos nas disciplinas e o ambiente onde sua atuação
profissional acontece de fato.
Pimenta e Lima (2006) apresentam que a uma tendência de reproduzir
modelos consagrados, imitando os professores considerados bons. No entanto,
nem sempre o aluno dispõe dos elementos para realizar esta ponderação crítica,
além de que o conceito de bom professor é passível de interpretações diferentes
e até divergentes. Ao transformar a prática docente na reprodução de modelos
consagrados a escola limita seu papel ao ensino, ignorando problemas
adjacentes e diferenças culturais e individuais. Ao encontro disto, Freire (1996,
p. 21) argumenta que “ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as
possibilidades para sua própria produção ou a sua construção”. Freire (1996)
ainda sustenta que a educação é uma forma de intervenção no mundo. No
entanto, muito além de conteúdos a educação frequentemente implica um
esforço de reprodução de uma ideologia dominante (ou seu desmascaramento).
A reprodução implica em propagar o saber acumulado, de maneira conformista
e conservadora.
Há uma tendência popular em relegar a importância da teoria a segundo
plano, como se o aprendizado de habilidades práticas fosse mais importante,
devido às teorias serem baseadas em divagações distantes da realidade. O
exercício profissional possui inclinação para a área técnica, pois é necessário
desenvolver certas habilidades para operar os instrumentos do seu fazer. No
entanto, elas não são suficientes para a resolução de demandas mais complexos
e de situações personalizada, para os quais é necessário o domínio dos
conhecimentos e reflexões científicas. Compreende-se o conhecimento teórico
tem sua importância e não deve ser tratado como inferior, pois teoria e prática
são conhecimentos complementares e intercambiáveis.
Pimenta e Lima (2006) salientam que frequentemente surgem
dispendiosas políticas governamentais de formação continuada, pressupondo
que os resultados do ensino estão vinculados ao conhecimento de técnicas e
métodos, alimentando uma pedagogia compensatória e um mito metodológico.
A didática instrumental aí empregada gera a ilusão de que as situações de
ensino são iguais e podem ser resolvidas com técnicas e reproduzidas em
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laboratório. Compreende-se que a universidade é o espaço formativo da
docência, cuja qualidade está atrelada à associação entre pesquisa e ensino,
contrapondo políticas governamentais e de órgãos internacionais como o Banco
Mundial, que reduzem a formação à treinamento de habilidades. A
indissociabilidade entre ensino e pesquisa pressupõe que o conhecimento é
construído
e
não
“repassado”
ou
“acumulado”,
o
que
remonta
a
indissociabilidade entre teoria e prática, discutida inicialmente.
Projeta-se que o professor se torne um pesquisador da sua prática, desde
os momentos das práticas de estágio até a atuação nos espaços formais da
docência, articulando os saberes teóricos aos saberes da ação, os resignificando e sendo por eles re-significado. Assim, os currículos dos cursos
estão começando a valorizar atividades para o desenvolvimento da capacidade
de reflexão e pesquisa, através dos estágios. Pimenta e Lima (2010) chamam a
atenção para o fato de que estas atividades desenvolvidas no estágio têm
repercussão para muito além do currículo dos cursos de formação pedagógica,
pois é nele que a identidade do professor começa a ser construída. No estágio,
a ação vivenciada, reflexiva e crítica consolida as intenções e opções do
professor em relação à sua futura atuação como profissional.
A identidade do indivíduo vai sendo construída através de suas
experiências
e
história
pessoal,
no
coletivo
e
na
sociedade.
Mais
especificamente, a construção da identidade profissional carece de espaços de
formação para se estruturar. Na formação do professor, as experiências vividas
nas disciplinas e também fora da Universidade ajudam a construir esta
identidade. O estágio abre espaço para a realidade e para o trabalho do
professor na sociedade, em que os alunos se obrigam ao confronto entre teoria
e prática. Como já apresentado anteriormente, os docentes com formação
bacharel, em muitos casos, possuem inquietações frente a atuação docente.
Demanda agravada com a dinâmica da atual configuração das instituições de
educação profissional e tecnológica e das demandas pedagógicas da docência.
Ao perceber que os problemas da profissão não são meramente instrumentais,
os futuros docentes defrontam-se em situações problemáticas que requerem
tomar decisões em um terreno de grande complexidade. Assim, o contínuo
confronto da experiência do professor com o contexto escolar assim como
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permite sua auto-formação também prove a formação nas instituições escolares
onde atuam. Compreende-se também como necessária que as que as
instituições de ensino adotem uma postura de investigativa e combinatória,
bucando realizar as conexões entre a . teoria e prática. Para conseguir romper
com ailusão acerca da separação entre teoria e prática, assim como a fictícia
separação entre ensino e pesquisa, as quais, por sua vez, relacionam-se com
duas diferentes concepções de professor: (i) um profissional que replica um
modelo consagrado de ensino e propaga informações acumuladas consolidadas;
(ii) um profissional investigativo e reflexivo que utiliza o estágio e a pesquisa para
qualificar suas estratégias de ensino. É necessário superar as barreiras que
criam estas aparentes dicotomias, pois não há teoria sem prática e vice-versa.
Elas são complementares e mutuamente influenciadas, constituindo diferentes
tipos de saberes, cada qual com sua importância para a formação de um
profissional, que necessitará em sua atividade tanto de habilidades técnicas
como de conhecimento científico mais amplo.
De
maneira mais ampla, Pineau
(1999) debate
justamente a
autoformação, ou seja, a formação do eu, que difere da heteroformação (ação
dos outros) e da ecoformação (ação do meio ambiente), argumentando que nos
últimos anos vivencia-se uma revolução formativa oculta. A autoformação
implica no desvio social, pois foge dos determinismos estruturais e dos
conformismos culturais. Ela significa uma autonomização educativa, reforçando
o desejo dos indivíduos em orientar seu próprio processo educativo. Esta
revolução tem acontecido nos países industrializados, nos quais as pessoas
possuem mais tempo livre, de forma que o autor define-a como “Revolução
Cultural dos Tempos Livres”. A questão da autoformação marca uma revolução
na forma como a pedagogia é pensada. Com base em Simondon (1964, p. 9) o
autor menciona que “o ser vivo não resolve seus problemas adaptando-se [...]
mas modificando a si próprio, inventando estruturas interiores novas,
introduzindo-se completamente na axiomática dos problemas vitais”.
Moran (2007) afirma elenca etapas comuns na trajetória dos professores,
que incluem uma iniciação em que ainda se sente como aluno, está
entusiasmado, mas tem muito medo de fracassar; uma segunda etapa de
consolidação, em que consegue obter domínio do processo e tranquilidade, ao
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passo em que aumenta sua carga de trabalho e padroniza processos; a terceira
etapa, com crise de identidade, sente o peso da rotina e pensa em dar uma
guinada profissional; a quarta etapa, de mudanças, onde os professores
procuram lenitivos em sua vida pessoal, buscam outra carreira e relegam as
aulas a um complemento, ou seja, um “bico”. No entanto, também reflete mais
sobre sua vida profissional e busca reaprender a aprender. De uma maneira
geral, Moran (2007) considera que o professor bem sucedido é aquele que
consegue relacionar-se e comunicar-se com o aluno de forma competente,
mostrando genuíno interesse pelos alunos e apresentando atitude positiva.
Moura (2008, p.182) apresenta reflexões acerca da dimensão sociopolíticocultural que contempla a formação e atuação docente
quando você forma alguém, você precisa formar em todas as
suas dimensões, ou seja, o professor é aquele que domina bem
o seu conteúdo, mas precisa ter também uma visão de mundo,
da realidade, uma visão crítica do que está realmente
acontecendo no seu contexto sociopolítico-cultural.
.
A construção da identidade docente é complexa e contínua a práxis
docente, entre outras construções que compõem a biografia do professor podem
acontecer em diversos momentos, como durante as experiências como docente
em estágios ou na própria prática profissional efetiva, quanto durante suas
experiências como discente em cursos de formação.
Neste sentido, este estudo pretende analisar a formação de três docentes
a partir de seus memoriais, mais especificamente verificando a influência da
formação no curso de Formação de Professores para a Educação Profissional
na prática docente de três de seus discentes.
MÉTODO
O presente estudo pode ser classificado como de Abordagem Qualitativa,
a qual, conforme Silveira e Córdova (2009) não se preocupa com representações
numéricas, mas com a compreensão mais profunda de um determinado grupo
social ou de uma organização, em oposição ao modelo positivista e ao
pressuposto de que há um modelo único de pesquisa para todas as ciências. Na
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pesquisa qualitativa, o cientista é ao mesmo tempo sujeito e objeto de suas
pesquisas. Gomes (1994) indica três finalidades complementares para a etapa
de análise qualitativa: compreensão dos dados coletados; responder às
questões formuladas; ampliar o conhecimento acerca do assunto articulando-o
ao contexto cultural do qual faz parte. Com relação à operacionalidade, pode-se
separar os dados em categorias e em seguida aplicar técnicas de análise de
conteúdo.
Quanto aos objetivos, a pesquisa pode ser classificada como descritiva, a
qual segundo Triviños (1987) apud Silveira e Córdova (2009), visa descrever
fatos e fenômenos de uma determinada realidade, exigindo do pesquisador uma
série de informações sobre o que se deseja pesquisar.
Quanto aos procedimentos, o estudo caracteriza-se como Pesquisa
Biográfica. De acordo com Delory-Momberger (2012, p. 523), este tipo de
pesquisa “inscreve-se no quadro de uma das questões centrais da antropologia
social, que é a da constituição individual: como os indivíduos se tornam
indivíduos?”. Ainda de acordo com o mesmo autor, esta questão levanta outras,
relacionadas ao complexo de relações entre o indivíduo e seu entorno, entre as
representações que ele faz de si próprio e as que os outros fazem, entre o
indivíduo e a dimensão temporal de sua existência. O objetivo é “explorar os
processos de gênese e de devir dos indivíduos no seio do espaço social, de
mostrar como eles dão forma à suas experiências, como fazem significar as
situações e acontecimentos de sua existência” (DELORY-MOMBERGER, 2012,
p. 524).
Delory-Momberger (2012) divide a abordagem metodológica da pesquisa
biográfica em dois momentos: a coleta do material e sua análise. A coleta de
material se dá através do que o autor denomina “entrevista de pesquisa
biográfica”, que tem por finalidade, basicamente, colher e ouvir a fala de uma
pessoa em determinado momento de sua existência, o que se traduz em um
relato de experiência. Assim, a pesquisa biográfica procura compreender a
configuração singular de fatos situações, relacionamentos, significações,
interpretações que cada um dá à sua própria existência e que fundamentam o
sentimento de singularidade do indivíduo. Os autores ainda consideram a
entrevista um duplo espaço heurístico, pois entre pesquisador e pesquisado
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estão ações, colocações e formas de intercâmbio, o que cria a possibilidade de
inflexões do pesquisador, o qual pode agir sobre a fala do entrevistado. No
mesmo sentido, Ludke e André (1986, p. 33), chamam a atenção para a
interação entre pesquisador e pesquisado, a qual cria uma atmosfera de
influência recíproca entre ambos, enquanto o entrevistado discorre sobre o tema
proposto com base nas informações que ele detém. Embora estas
características demandem cuidados em sua análise, a entrevista tem a
vantagem de permitir o tratamento de assuntos de natureza pessoal e íntima,
bem como temas complexos.
O segundo momento destacado por Delory-Momberger é a análise das
entrevistas Biográficas, que confronta um problema epistemológico e
metodológico: a relação entre o ato de viver, o ato de contar e o texto produzido
pela atividade narrativa. A autora chama a atenção para o conceito de
enredamento, uma operação de configuração que transforma uma diversidade
de acontecimentos sucessivos em uma história organizada, e categoriza as
produções de acordo com os seguintes itens:
a) Formas de discurso: modos de organização discursiva (narrativo,
explicativo, descritivo e avaliativo) e as relações que se estabelecem entre
eles.
b) Esquema de ação: atitude que os entrevistados adotam de forma
recorrente na sua relação com as situações, com os acontecimentos e na
forma como agem e reagem.
c) Motivos recorrentes ou topoi: tematizam e organizam a ação do relato,
agindo nele como lugares de reconhecimento e chaves de interpretação
de vivência.
d) Gestão biográfica dos topoi: concerne à confrontação e à negociação
entre os topoi, as disposições e recursos efetivos e as restrições
socioestruturais.
A partir destas definições, no mês de maio de 2017 foram realizadas
entrevistas biográficas com três discentes do curso Formação de Professores
para a Educação Profissional, os quais atuam também como docentes, estando
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em diferentes momentos profissionais. Estas coletas visam “apreender a
singularidade de uma fala e de uma experiência” (DELORY-MOMBERGER,
2012, p. 526), ou seja, visam esboçar relatos sobre trajetórias ímpares. As
entrevistas foram realizadas de maneira não estruturada, de forma que o
entrevistador solicitou inicialmente aos entrevistados, como forma de nortear a
entrevista, que relatassem suas experiências acadêmicas desde o ingresso no
seu primeiro curso de graduação, destacando as transformações ocorridas ao
longo do tempo, especialmente com relação ao ingresso no curso de Formação
de Professores para a Educação Profissional.
As narrativas foram transcritas e, posteriormente, analisadas conforme os
procedimentos descritos anteriormente. A Seção 4 apresenta os resultados
obtidos.
RESULTADOS
Seguindo a metodologia proposta por Delory-Momberger (2013), exposta
na Seção 3, a análise dos resultados obtidos iniciou com a categorização das
formas de discurso. Os três entrevistados utilizaram predominantemente o
pretérito perfeito e não se limitaram a narrar ou descrever, mas efetivamente
argumentaram acerca das avaliações de suas experiências, expondo muito de
seus questionamentos e reflexões. Torna-se evidente o problema da possível
diferença entre o ato de viver e o ato de contar, conforme mencionado na Seção
3, de forma que pretendeu-se enredar o discurso, organizando-o para
compreender a linearidade das histórias, mas sem prescindir a análise das
argumentações e avaliações que os entrevistados evidenciaram.
Os três entrevistados iniciaram a descrição de seu ingresso no meio
acadêmico contando suas experiências iniciais nos cursos de graduação que
escolheram, relatos fortemente carregados de avaliações negativas. Em
primazia, observa-se uma crítica da prática docente dos cursos nos quais se
formaram. Tal crítica não é restrita à didática instrumental e ao emprego de
técnicas reduzidas a treinamento de habilidades, conforme descrito por Pimenta
e Lima (2006). Mais além, vai ao modo como os professores criticados intervêm
na realidade em que vivem.
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Os motivos de tais avaliações englobaram a falta de interesse dos
professores com os cursos de graduação em benefício de suas atribuições na
pós-graduação; o fato de que traziam para a sala de aula seus conflitos pessoais
com os demais professores e consequentes emoções negativas; a falta de
entrosamento entre as disciplinas; e a falta de cordialidade e polidez dos
professores com os alunos. Fica claro ao longo de seu discurso a posição de
isolamento que os professores mantinham entre si, o que acarretou conflitos
internos que se refletiram na qualidade do ensino.
Além disso, os entrevistados avaliaram negativamente a própria
operacionalização das aulas, pois mantinham um modelo de aula tradicional,
ultrapassado e cansativo, em conformidade com o que aparentemente sempre
fora feito. Conforme Freire (1996), o esforço de reprodução de uma ideologia
dominante e seu respectivo desmascaramento é criticado por esses alunos. Uma
ideologia divergente com a prática vivenciada dentro e fora da sala de aula, em
que há uma indissociabilidade entre ensino e pesquisa (PIMENTA e LIMA, 2006)
e uma repercussão muito além do currículo dos cursos (PIMENTA e LIMA, 2010).
Esta postura mais crítica é provavelmente o resultado da reavaliação de
suas experiências realizada após o término de seus cursos de graduação
originais e início de novas experiências, como o ingresso no mundo do trabalho,
na pós-graduação e no curso de Formação de Professores para a Educação
Profissional. Dessa maneira, a vivência original ganha novos significados a partir
do seu agir biográfico e suas reflexões.
A segunda categoria proposta por Delory-Momberger (2013) é a do
esquema de ação, que neste caso caracteriza-se claramente como progressivo
para os três entrevistados, os quais evoluem suas concepções à medida que
experimentam novas vivências, especialmente o ingresso no curso de Formação
de Professores para a Educação Profissional. De maneira secundária, seu agir
pode ser considerado como estratégico, à medida que reveem suas posturas
como professores para não cometerem os mesmos erros que seus professores.
Antes mesmo de ingressarem no PEG, observa-se uma autoformação
desses alunos, associando a teoria com suas próprias práticas, que impacta na
forma como a pedagogia é pensada por eles (PINEAU, 1999) e interferindo na
sua própria visão de prática docente. Dois dos três entrevistados iniciaram o
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trabalho como docentes antes do ingresso no curso de Formação de Professores
para a Educação Profissional, de forma que a prática precoce na sala de aula
ocasionou o início das reflexões acerca do tema e a construção gradativa de
suas identidades como docentes, em um processo de descoberta deste universo
profissional e seus desafios.
Tal autoformação crítica vai ao encontro da preocupação apresentada por
Moura (2015) em relação ao modo como o mundo do trabalho e a sociedade
tratam a docência, sobretudo na falta de reconhecimento da profissão e da
importância dos cursos de formação como o PEG. Em especial, na influência
que o curso proporciona não apenas da visão da prática docente, como da
identidade de seus alunos como docentes.
Após o ingresso no curso de Formação de Professores, os entrevistados
experimentam um avanço nestas reflexões e críticas, as quais intensificam-se a
partir da reavaliação de suas práticas a partir das novas construções que o curso
gera, da avaliação dos professores do curso e do aprofundamento da discussão
acerca
da
prática
docente.
Os
entrevistados
passam
a
conhecer
significativamente mais sobre a profissão docente, pois abordam problemas e
desafios antes não enfrentados, como o trato de alunos com níveis de
habilidades diferentes, educação especial, problemas sociais, temáticas atuais
que devem ser discutidas juntamente com os conteúdos, legislação e
necessidade da pesquisa como prática pedagógica.
Dessa forma, os entrevistados progridem e se transformam como
docentes de maneira muito mais intensiva após o ingresso no curso. Estas
temáticas não foram recorrentes durante seus cursos originais de graduação
porque eram cursos de Bacharelado e porque os entrevistados não tinham a
intenção, no momento de ingresso nos cursos de Bacharelado, de tornarem-se
docentes.
É interessante destacar que, ao contrário do previsto por Pimenta e Lima
(2006), os entrevistados não parecem fazer parte da tendência de aceitar
modelos consagrados de aula, pois seu esquema de ação justamente se opõe a
isto. De maneira semelhante, os resultados obtidos contrapõem Cunha et al.
(2006), os quais argumentaram que os docentes ingressam nesta carreira
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naturalmente após a evolução de uma afinidade com seus professores e com a
pesquisa acadêmica.
A terceira categoria apontada por Delory-Momberger (2013) refere-se à
motivos recorrentes ou topoi. Sem dúvida, o lugar comum das entrevistas foi a
crítica dos entrevistados a seus professores, já explicada anteriormente, junto
com a percepção de que necessitam evoluir para não cometerem os mesmos
erros. Os entrevistados continuamente descreveram seus esforços de melhoria,
principalmente no que tange aos aspectos mais objetivos do fazer pedagógico,
o que é natural, pois sua formação tem origem em cursos mais tecnicistas.
Outro lugar comum encontra-se na influência que o curso de formação
teve na construção dos entrevistados como docentes. Todos concordaram que
o curso efetivamente transformou a maneira como pensam, agem e avaliam o
fazer pedagógico, ampliando seus horizontes e trazendo novas reflexões.
Por fim, a quarta categoria refere-se à gestão biográfica dos topoi em
virtude da realidade socioindividual. De certa forma, a realidade socioindividual
dos entrevistados não diferia muito, pelo menos no que concerne diretamente
aos temas abordados. Dois dos entrevistados possuíam uma pequena
experiência prévia como docentes, enquanto o terceiro possuía a experiência
adquirida na disciplina de docência orientada. A docência orientada, conforme
destacado por Pimenta e Lima (2006), é frequentemente vista como a parte
prática dos cursos, se opondo à teoria trabalhada anteriormente, fato criticado
também por Araújo (2010) e Santos (1991). No entanto, apesar desta concepção
errada, foi justamente nesta atividade que o terceiro entrevistado passou a
apreciar o trabalho como docente.
Ainda com relação ao topoi, pode-se estabelecer um paralelo com as
etapas comuns na trajetória dos professores, elencadas por Moran (2007), de
forma que os entrevistados se encaixam na fase inicial, na qual ainda se sente
como aluno e está entusiasmado. No que tange aos conceitos apresentados por
Pineau
(1999),
os
entrevistados
vivenciaram
predominantemente
a
heteroformação, pois seu processo educacional foi mais influenciado pela ação
dos outros do que de maneira autônoma.
Os três entrevistados graduaram-se em cursos de Bacharelado e não
tinham originalmente a pretensão de se tornar professores. Ainda, as avaliações
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da atuação de seus professores foram negativas nos três casos. Dessa forma,
houve considerável semelhança na forma como o curso de Formação de
Professores para a Educação Profissional impactou o fazer pedagógico dos
entrevistados.
As falas dos sujeitos revelam um despertar para a complexidade formativa
e atitudinal que um docente necessita desenvolver. As reflexões teóricas das
disciplinas e a atuação em espaços formativos da Educação Profissional e
Tecnológica ampliaram a perspectiva e necessidade de refletir sobre a prática.
De maneira geral os relatos corroboram o foco que o curso propõe, que é
formar um professor “que construa sua identidade pacientemente, equilibrando
o intelectual, o emocional, o ético, o pedagógico” bem como no modo como se
relaciona e se comunica com todos aqueles envolvidos dentro e fora da sala de
aula (MORAN, 2007), permitindo ao aluno refletir o seu modo de ver e viver
professor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo analisou a influência da formação no curso de
Formação de Professores para a Educação Profissional na constituição docente
de três de seus discentes. Buscando por meio de memoriais bibliográficos
verificar as percepções e transformações ocorridas entre o seu ingresso no meio
acadêmico, como discentes, passando por diversas experiências profissionais e
acadêmicas, até o momento do transcurso do último semestre do referido curso
de formação. A pesquisa foi delineada de acordo com os procedimentos
previstos por Delory-Momberger (2013), identificando as quatro categorias de
análise: Formas de Discurso, Esquema de Ação, Motivos Recorrentes (topoi) e
Gestão biográfica dos topoi.
Quanto à primeira categoria, os entrevistados demonstraram que
reavaliaram suas experiências, construindo suas biografias além da mera
descrição. Sua argumentação inicial focou em críticas aos professores de seus
cursos de graduação originais, as quais não se limitaram à didática de sala de
aula, mas envolveram sua postura professores e a forma como intervêm na
realidade em que vivem. Seus esquemas de ação evidenciaram estratégias para
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se diferenciar do que consideram maus exemplos, de forma que o ingresso no
PEG está relacionado à necessidade de pensar sobre a prática docente, muito
embora os três entrevistados já possuíssem experiências prévias na área. Dessa
forma, os entrevistados progridem e se transformam como docentes de maneira
muito mais intensiva após o ingresso no curso.
A análise dos motivos recorrentes (topoi) identificou novamente como
lugar comum à crítica dos entrevistados aos seus professores, além da
afirmação de que o curso transformou a maneira como pensam e agem enquanto
docentes.
Todos buscavam uma autoformação da prática e visão docente por meio
da associação entre teoria e a execução da própria prática profissional e
docente, bem como na influência do curso no modo de ver e viver professor. O
curso de formação de professores oportuniza o desenvolvimento de duas
importantes habilidades, o conhecimento pedagógico e a experiência docente.
Verifica-se que os discentes ampliaram sua percepção acerca da influência das
dimensões sociopolítico-culturais e pedagógicas que impactam na formação e
atuação do do professor.
De modo geral, o Curso de Formação obteve um impacto positivo no
modo em que a prática vivenciada, reflexiva e crítica de ser professor e a
consolidação das intenções e opções deles em relação ao seu futuro como
profissional. Os autores esperam que estre trabalho sirva como uma das bases
para a reflexão e análise dos cursos de formação de professores, bem como
acerca da própria atuação de cada docente.
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Recebido em: 24/04/2019
Aprovado em: 16/10/2019
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