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Regimes de colonialidade

2023, Natália GUERELLUS (ed.), Colonialismos e Colonialidades: teorias e circulações em português e em francês. Colonialismes et colonialités : théories et circulations en portugais et en français, Lyon, Marge/Université de Lyon – Lisbonne, Theya Editores, 2023, ISBN : 978-989-9012-80-6

Este livro é resultado do projeto CILIPO-FP, apresentado por Natália Guerellus em 2022 e financiado pelo dispositivo Bourgeon da Université Jean Moulin Lyon 3, em parceria com o SGR, o laboratório Marge e a Theya Edições-CEG-CIPSH-UaB. Há também uma edição em francês. A colonialidade foi e é um fenómeno global (embora não generalizado) ligado à expansão do sistema-mundo capitalista moderno (mercantil e esclavagista) desde o século XV, para além (e depois em combinação) da expansão posterior do modo de produção capitalista. Mas ela não é uniforme, pois está intimamente ligada à história dos territórios em causa. Podemos, portanto, falar de regimes de colonialidade, um conceito derivado do de regimes de historicidade. Este capítulo analisa assim alguns dos principais regimes de colonialidade que estão intimamente ligados à história, tanto na periferia do capitalismo como no seu centro.

Colonialismos e Colonialidades: teorias e circulações em português e francês Theya Editores - Marge - MSH Lyon Saint-Étienne Este livro é resultado do projeto CILIPO-FP, apresentado por Natália Guerellus em 2022 e financiado pelo dispositivo Bourgeon da Université Jean Moulin Lyon 3, em parceria com o SGR, o laboratório Marge e a Theya Edições-CEG-CIPSH-UaB. Capa © Roberto Rosa @instanapontadolapis Formatação e projeto gráfico : Amélie Dumont https://www.amelie.tools Página Web e projeto editorial : Antoine Fauchié https://www.quaternum.net Traduções : Raísa França Bastos e Natália Guerellus Responsável editorial Theya Edições : Susana Mourato Alves-Jesus Coordenação : Natália Guerellus Edição bilíngue Título original em português : Colonialismos e Colonialidades : teorias e circulações em português e francês Lisboa-Lyon © Theya Editores-Marge-MSH Lyon Saint-Étienne Todos os direitos reservados THEYA EDITORES - CEG-CIPSH-UAb Instituto Europeu de Ciências da Cultura Padre Manuel Antunes – IECCPMA Rua Ladislau Patrício, 8, 1.º A | 1750-136 Lisboa | (00351) 969 977 702 [email protected] | http://theya-ed.org ISBN : 978-989-9012-80-6 https://liv01.cosr.org [email protected] Sommaire Introdução Apresentação 7 Primeira parte - perspectivas teóricas Regimes de colonialidade 19 Os estudos pós-coloniais « lusófonos » nas universidades europeias 41 Comparativismos Combinados e Desiguais. Repensar o campo dos estudos literários africanos à luz do debate sobre literatura-mundial 55 Segunda parte - circulações intelectuais O “Anti”, o “Pós” e o “De” (Colonial): As disputas teórico-epistêmicas em torno de Frantz Fanon 75 Carolina Maria de Jesus, intérprete do Brasil 95 “Os galhos pelados da caatinga rala”: Graciliano e(in)screve o Brasil na França (1956-1998) 111 Diálogos e circulação de feminismos negros e pós-coloniais contemporâneos entre Brasil e França: o caso de Djamila Ribeiro e a coleção Feminismos Plurais 125 Representações e vozes ameríndias: memória e historicidade do espaço das Américas 139 A receção pós-colonial e decolonial de Vieira : usos e significados das apreciações controversas sobre a sua vida e a sua obra 155 Terceira parte - circulações e medias Instâncias etnográficas, colonialismo e edição de livros no Estado Novo português 169 Mercado editorial de quadrinhos e leituras do Brasil na França 185 Uma estética da desprogramação: o Observatório da Literatura Digital Brasileira e a invenção de um outro mundo possível 201 Colonialismos e Colonialidades Regimes de colonialidade Michel Cahen 19 20 Primeira parte - perspectivas teóricas A colonialidade foi e é um fenômeno global (embora não generalizado) ligado à expansão do sistema-mundo capitalista moderno (mercantil e esclavagista) desde o século XV, para além (e depois em combinação) da expansão posterior do modo de produção capitalista. Mas ela não é uniforme, pois está intimamente ligada à história dos territórios em causa. Podemos, portanto, falar de regimes de colonialidade, um conceito derivado do de regimes de historicidade. Este capítulo analisa, assim, alguns dos principais regimes de colonialidade que estão intimamente ligados à história, tanto na periferia do capitalismo como no seu centro. 1 A noção de "regimes de colonialidade", que dá título a este texto, deriva naturalmente do conceito de "regimes de historicidade", que foi gradualmente elaborado entre 1979 e 2003 por vários historiadores e filósofos preocupados com a disciplina histórica 1 , antes de se impôr na sequência da publicação do livro Régimes d’historicité. Présentisme et expérience du temps, de François Hartog (2003) 2 . No entanto, é possível que a sua utilização, desdobrada posteriormente, tenha modificado um pouco o seu significado, o que não é necessariamente um problema. 2 Para Hartog, a noção de “regime de historicidade” é um instrumento heurístico que serve para melhor compreender os momentos em que as articulações entre passado, presente e futuro transformam-se numa dada sociedade. Serve para designar as modalidades de autoconsciência de uma comunidade humana. Hartog discute os exemplos de Marshall Sahlins (1983) a propósito das Ilhas Fiji ou dos Maoris da Nova Zelândia, cujas comunidades humanas não têm “futuro”, o passado designando explicitamente o que deve ser feito no presente — o futuro ficou para trás, o evento é um mito. Hartog vê isto como um exemplo de um antigo regime de historicidade — o que é discutível, uma vez que diferentes regimes de historicidade podem muito bem revelar modernidades alternativas. Podese igualmente tomar o exemplo das revoltas camponesas na Benguela Ocidental, estudadas pelos primeiros autores subalternistas (Subaltern Studies Collective), quando os revoltosos diziam que estavam meramente a obedecer a um pedido recebido dos seus deuses — o que não fez desta uma revolta menos moderna, contra uma ordem social moldada pela colonialidade contemporânea, ainda que menosprezada como arcaica e pré-política pelos "modernizadores" próximos do partido do Congresso ou do partido comunista da Índia. Com a Revolução de 1789 na França, teria surgido um regime moderno de historicidade em que o futuro se tornaria a peça fundamental da autoconsciência, no lugar do passado. Com a queda da URSS e do seu futuro radiante em 1989 (e, pode-se acrescentar, com a virada neoliberal que naturalizou o capitalismo como sendo o estado definitivo da economia — o chamado "fim da história" — e as grandes Colonialismos e Colonialidades 21 incertezas que hoje rodeiam o futuro do planeta), o presente tornar-se-ia o dado dominante, a que Hartog chama presentismo. Mais um novo regime de historicidade. 3 O que é certo é que as experiências do tempo são múltiplas e que cada sociedade tem uma relação particular com o passado, o presente e o futuro. Ao comparar as formas com que estas temporalidades são articuladas, François Hartog destaca estes vários "regimes de historicidade". Mas será um regime de historicidade apenas a expressão de uma ordem do tempo dominante? Construído a partir de "diferentes regimes de temporalidade, é uma forma de traduzir e ordenar experiências do tempo, formas de articular passado, presente e futuro e de lhes dar sentido", aponta Bertrand Lessault (2004). Esta precisão necessária parece contudo insuficiente, restringindo o uso da noção à consciência que os membros de uma dada comunidade têm dela. Com esta restrição, poderíamos falar em regimes de historicidade das lutas sociais? Para retomar a famosa distinção feita por Marx (1972 [1847]) entre "classe em si" (uma classe existente de fato, sem que os seus membros desenvolvam consciência dela, o que restringe a possibilidade de um movimento de resistência) e "classe por si" (uma classe dotada da sua consciência, o que lhe permite, assim, tornar-se uma força social), a luta social só seria possível no segundo caso. Contudo, a história tem mostrado que mesmo uma "classe (ou qualquer comunidade) por si" não é necessariamente um conjunto de indivíduos passivos e resignados e que as condições da sua (sobre)vivência e da sua (mesmo não "classista") subjetividade têm consequências muito além das suas próprias fileiras. Jacques Revel parece ampliar a noção de regimes de historicidade, que designaria: o conjunto de relações que um ator social coletivo ou uma prática social — como a história — desenvolve com o tempo, bem como [a] forma como estas relações estão envolvidas num presente que pode ser o da memória, o da ação, o do saber. De modo mais preciso e operacional, a noção pode permitir articular três registos em conjunto: a construção de uma relação com o tempo histórico; as modalidades cognitivas de um saber sobre o passado; as formas através das quais esse saber pode ser expresso" [itálicos meus] 3 . 4 Embora as consequências das subjetividades sobre a ação sejam evocadas, Revel permanece concentrado essencialmente nas suas manifestações de acordo com os tempos e os contextos — ainda que se trate necessariamente também disso. Por exemplo, segundo Hartog ou Revel, poderíamos falar de "regimes de historicidade" dos Estados 4 e da escravatura? — não sei. Falaríamos somente das historicidades destes dois 5 ? 22 Primeira parte - perspectivas teóricas 5 É possível que o uso abundante e uma certa banalização da utilização dos "regimes de historicidade" os torne por vezes quase sinônimo de “historicidade” tout court, o equivalente de uma expressão que seria "diversidade de historicidades". No entanto, quando a historicidade se refere a uma ordenação sociocultural da história que permite articular rupturas e continuidades, o "regime" enfatiza a formatação de longas tendências históricas, independentemente das consciências dos indivíduos em questão — a proeminência ou insignificância destas consciências obviamente também compondo a complexidade de um regime de historicidade. A declaração de tal regime desenha, de fato, um ideal-tipo (M. Weber), algo que tende para a realidade, sem nunca a alcançar exatamente. Em consequência, falar de "regimes de historicidade" demanda uma comparação. 6 Este deve poder ser aplicável à colonialidade. Efetivamente, quando daqui em diante falarei em "regimes de colonialidade", será de fato uma versão condensada de "regimes de historicidade da colonialidade". Estes, podem perfeitamente incluir a consciência dos atores, mas o enunciado deles será obviamente, antes de mais nada, o resultado da prática do historiador (ainda que os movimentos sociais expressem frequentemente, com as suas próprias palavras e práticas, a consciência das suas distintas historicidades, eles não ‘reivindicam’ um regime de historicidade — permanecemos aqui no campo das ciências sociais). E, se usamos a noção de "regime de colonialidade", é necessariamente porque há vários deles, dentro de um sistema mundial que é simultaneamente unido e caracterizado pela diversidade dos capitalismos 6 . O conceito de colonialidade 7 Muitas vezes o conceito de colonialidade é utilizado como uma simples substantivação de ‘situação colonial’ (Balandier 1951) ou ‘daquilo que é colonial’. Após a colonização, o que resta dela poderia, portanto, ser chamado de "pós-colonialidade". Se for assim, esta utilização nos é de pouco interesse. Aliás, não era isto que Aníbal Quijano (1928-2018) quis definir 7 e que ele apresentou pela primeira vez em seu texto de 1992, intitulado “Colonialidad y modernidad/racionalidad”’ 8 . 8 A teoria da colonialidade trata inextricavelmente das heranças e da reprodução contemporânea de características estruturais coloniais*,* no quadro do capitalismo globalizado (tal como a matriz racial, constitutiva do mundo moderno de acordo com Quijano — características, consequentemente, não diretamente ligadas ao modo de produção capitalista (MPC) que surgiu no final do séculoXVIII). Mesmo no quadro do domínio mundial do MPC, o capitalismo precisa, a nível dos Estados e de sociedades inteiras, destas características coloniais. Certamente a colonialidade é expressa de forma diferente na América dita Latina (continente de nascimento do conceito, principalmente na sua região andina) e na África ou na Ásia pós-colonial — voltarei a este assunto. Mas Colonialismos e Colonialidades 23 ela permite, deste modo, pelo menos parcialmente, evitar algumas das deficiências do poscolonial "clássico", com a sua tendência a reificar legados, a concentrar-se em fragmentos da sociedade e não em sociedades, nações e Estados inteiros, e a preferir a crítica epistemológica à crítica política 9 . 9 A colonialidade, tal como definida por Aníbal Quijano, diz respeito ao conjunto das relações sociais, culturais e cognitivas de tipo colonial, independentemente do estatuto do território em questão. Assim, a colonialidade pode surgir mesmo antes da colonização formal de um território 10 , dura naturalmente todo o período da colonização e continua a existir em certos países muito depois da independência, e mesmo indiretamente diz respeito a todo o planeta (fica, deste modo, evidente que não faz sentido falar de "pós-colonialidade"). A colonialidade pode ser combinada, sem portanto desaparecer, com o MPC, mas realça a existência de vastas camadas sociais que não são proletárias (uma vez que não estão diretamente integradas no MPC), mas subalternas. 10 Utilizo amplamente o conceito de colonialidade, mas sou crítico de alguns aspectos da definição dada por Quijano e sua escola (Walter Mignolo, Ramón Grosfoguel, Edgardo Lander, etc.). Não posso entrar aqui nos detalhes da minha crítica (ver nomeadamente Cahen, 2018a), mas aqui está um resumo. É altamente questionável argumentar: 1°) que a raça (enquanto expressão da racialização das relações sociais) apareceu em 1492, enquanto que na Península Ibérica ela é claramente perceptível em relação aos judeus durante a Idade Média e, inversamente, nem sempre foi visível nos primeiros tempos do comércio de escravos (Horta & Pedro, 2019); 2°) que a raça se manteve como o princípio dominante da estruturação capitalista desde 1492 até aos dias de hoje; 3°) que é a descoberta de Colombo que funda o sistema-mundo, o que revela uma ignorância gigantesca da expansão portuguesa para a Ásia à mesma época, economicamente no início muito mais importante do que a América 11 , e ignorando da mesma forma o sistema-mundo mediterrânico-leste-atlântico 12 existente desde pelo menos o séculoxive com um comércio de escravos extremamente importante 13 . Devemos também refutar 4°) a reificação do "Ocidente" (uma área gigantesca e extremamente heterogênea) e da "Modernidade" (período histórico de quatro séculos com características não menos diversas ou antagônicas) que os Quijanistas praticam sistematicamente, num verdadeiro "Ocidentalismo" (invenção do "Ocidente") que é apenas um "orientalismo inverso" 14 (fr.:orientalisme à rebours). De fato, Quijano e sua escola, nas críticas ao eurocentrismo (muitas vezes com razão!), pecam pelo latinocentrismo. A favor de seus escritos, teria sido benéfica a leitura de estudos sobre o mundo africano, árabe, turco-mongol e sul-asiático, e mesmo em relação aos mundos neo-ibéricos, Quijano e sua escola deveriam ter sido menos hispano-americanistas e mais luso-brasileiristas, etc. 24 Primeira parte - perspectivas teóricas 11 A colonialidade é um fenômeno mundial — mas não generalizado 15 — e, portanto, requer uma definição que não seja ‘regional’ como acaba sendo, de fato, aquela de Quijano. Mais uma vez, não posso desenvolver aqui 16 , mas é necessário sublinhar a ligação estreita e secular entre a natureza da expansão capitalista anterior ou independente do MPC e a colonialidade. Esta expansão mercantil/escravocrata produziu imensas camadas sociais nas quais, ainda hoje, a burguesia e o proletariado (este último, inclusive na sua forma manufatureira inicial, entre o artesanato e a indústria) não são, nem as duas classes hegemônicas da economia 17 , nem as mais importantes demograficamente, e tampouco o proletariado é necessariamente a classe mais explorada, ainda que todas estas configurações façam parte do sistema-mundo. Tenho demonstrado noutros textos que, mesmo quando o MPC surgiu e se tornou hegemônico no centro do mundo, era frequentemente mais rentável para o capitalismo não proletarizar as massas subalternas na periferia a fim de permitir que os modos de produção domésticos permanecessem, numa articulação desigual de modos de produção que permitiam que os trabalhadores fossem pagos abaixo do custo da sua reprodução social 18 . 12 A subalternização foi assim uma lei fundamental da expansão capitalista: a existência de formas de exploração não capitalistas — no sentido de formas de exploração não constitutivas do MPC- era e continua a ser indispensável para o domínio capitalista. O comércio de escravos do Leste Atlântico e depois transatlântico, a escravatura nas Américas e na Ásia, a predação durante as guerras de conquista, o indigenato 19 e o trabalho forçado, o paternalismo (Lena, Geffray & Araujo, 1996) e as dívidas imaginárias dos seringueiros amazônicos (Geffray, 1995, 2007), tudo isto forma uma grande diversidade de formas de exploração não capitalistas da dominação capitalista. A presença destas formas não capitalistas dentro do capitalismo não é de forma alguma exclusiva das periferias. Pelo contrário, é extremamente frequente, mesmo no centro (por exemplo, relações domésticas ou a manutenção de uma atividade camponesa junto a uma população já proletarizada — neste caso, pode ser uma forma residual de articulação de modos de produção 20 —, etc.). No entanto, no centro do capitalismo contemporâneo, estas formas não são dominantes no processo de produção de valor de mercado 21 , ao passo que, demográfica e economicamente, ainda são massivas nas periferias. 13 Dei, portanto, uma definição mais ampla da colonialidade, como um fenômeno global para além das suas diversidades locais, ou seja, o conjunto das formações sociais e relações sociais produzidas pelas formas de exploração não capitalistas da dominação do capitalismo em toda a sua expansão externa (mercantilista e imperialista), com todas as consequências culturais, políticas, identitárias, etc., em sociedades inteiras. Colonialismos e Colonialidades 25 Regimes de colonialidade na periferia do capitalismo 14 Uma definição mundial da colonialidade não significa em absoluto que tenha havido uma realidade homogênea em todo o globo. Pelo contrário, pode dizer-se que ela é proteiforme, o que é bastante compreensível, uma vez que a colonialidade foi, ao mesmo tempo, uma causa e uma consequência da imposição capitalista em contextos muito diferentes. Um ponto em comum, porém, é que nunca se trata de um fenômeno puramente local, pois que está sempre inserido no sistema-mundo capitalista 22 . A colonialidade é consubstancial ao sistema-mundo capitalista (aqui, concordo plenamente com Quijano). Não se trata de elaborar uma lista exaustiva dos tipos de colonialidade, mas podemos notar que estes estão obviamente ligados à natureza das relações entre a metrópole e as colônias, e, em seguida, ao processo de ruptura destas últimas com as primeiras. Deste ponto de vista, devem ser distinguidas pelo menos três categorias de importância desigual: independências sem descolonização descolonizações sem independência independência com descolonização Independência sem descolonização 15 A primeira categoria diz respeito a toda a América (exceto ao Haiti), Austrália e Nova Zelândia e, muito especificamente, à Libéria (de 1847 ao início da guerra civil de 1980, que expulsou a elite americano-crioula do poder), à África do Sul de 1910 a 1991, à Rodésia do Sul de 1965 a 1979, e ao Estado de Israel. Nestes países, não só a ruptura com a metrópole não foi uma descolonização, mas foram os colonos — na maioria das vezes sociologicamente crioulos, quer se chamassem assim ou não — que foram a força motriz do processo. Os colonos quebraram (ou negociaram) com a metrópole para fundar a sua própria colônia, o seu próprio Estado, um Estado colonial. Deste modo, o "Brasil colônia" não termina em 1822. A colonialidade continuou a ser a característica dominante da estruturação social, expressa no próprio nome de América "latina" na parte sul, e por vezes até nos nomes dos países escolhidos pelos colonos (‘Colômbia’, ‘Bolívia’ 23 ). Tem se feito muita confusão entre "colônia" e "território sem governo próprio" — esta definição puramente institucional é ainda a principal apresentada em muitos dicionários. 16 No entanto, o antigo significado da palavra "colônia" estava principalmente relacionado com o aspecto demográfico e identitário, aquele de uma comunidade humana que se estabelece num lugar, para ela, exógeno — assim, os fenícios ou os antigos gregos tinham criado colônias (Cartago, Siracusa, Massília, etc.) em redor do Mediterrâneo sem qualquer ligação de dependência com as suas cidades-mãe. Os Estados criados pela independência americana no final do séculoxviiie e no 26 Primeira parte - perspectivas teóricas séculoxixe permaneceram estruturalmente colônias, embora em graus variáveis, mantendo relações sociais perfeitamente coloniais com subalternos indígenas e relações de classe com subalternos escravos ou libertos, combinadas com o paternalismo autoritário e racismo estrutural. A questão colonial continua a ser relevante nestes países, mas de modo mais pronunciado em alguns do que em outros. 17 Quando o Presidente Evo Morales — o primeiro presidente indígena em toda a América — promulgou a nova constituição do seu país como "Estado Plurinacional da Bolívia" em 2009, ele foi muito além do multiculturalismo que é cada vez mais reconhecido em várias constituições do continente. De fato, o multiculturalismo mantém implicitamente uma norma, uma vez que são reconhecidas como ‘étnicas’ ou ‘afros’ somente as pessoas que não são hispânicas, uma vez que estas últimas não são especificadas, já que são simplesmente ’nacionais/normais’. Para Evo Morales, o conceito de estado plurinacional era claramente uma afirmação da natureza não-latina e não-bolivariana do país como um todo 24 . Assim, a orientação do presidente boliviano foi anti-colonial (não apenas decolonial). A colonialidade do país não é ‘póscolonial’, é aqui… colonial, tout court, nas suas relações sociais e culturais. Mas a Bolívia, o Equador e o Peru são países onde a população indígena permanece maioria, ou pelo menos considerável. A descolonização seria aí possível com um projeto para uma república indígena — o que não significa a expulsão dos hispânicos, mas a regra da maioria, um pouco como na África do Sul sob o regime do apartheid (através do projeto de uma "república negra"). Nestes países "neolatinos", existem lutas anticoloniais (tendencialmente autonomistas, as dos povos indígenas, que continuam a lutar contra a colonização, mesmo que seja "interna", na afirmação das suas nações pré-coloniais territorializadas), e lutas decoloniais (tendencialmente integracionistas, as dos descendentes de escravos, dos mestiços pobres, que lutam contra a colonialidade para melhor se integrarem na nação sem abandonar em absoluto suas epistemes 25 ). Percebemos de imediato que este tipo de colonialidade estabelece um verdadeiro regime societal conflituoso e de longa historicidade. É um verdadeiro regime de colonialidade. 18 Mas será que se pode dizer o mesmo dos países do Cone Sul, ou da América do Norte, em que a população indígena foi reduzida a uma população marginal? O ponto em comum é a fundação do Estado colonial através da independência. Mas em países como o Brasil, onde os vários povos originários constituem cerca de 0,5% da população, a descolonização e a transformação do país num Estado indígena são impossíveis. Isto significa que, uma vez que estes povos quase desapareceram, a colonialidade ipso facto também o teria feito? Não, de forma alguma, mas a colonialidade se expressa de outras formas. A primeira delas é através do espaço. Por que é que estes países têm espaço (o far west norte-americano, o desierto argentino, as ocupações dos bandeirantes brasileiros e a Amazônia contemporânea, etc.)? Existiriam outras terras, a par as da Antártida, que estariam vazias de Colonialismos e Colonialidades 27 seres humanos? Se ainda existirem áreas de uso não produtivista e não intensivo, não existem terras vazias. O que existe são terras esvaziadas de seus humanos por genocídio e etnocídio. O espaço — que permitiu ao capitalismo norte-americano continuar a sua expansão "interna" até aos anos 1940 e, assim, resolver muitas das suas contradições 26 — é uma característica fundamental da colonialidade destes Estados nascidos como Estados coloniais. Esta colonialidade tem, naturalmente, outras características, mais frequentemente mencionadas — a questão negra em particular — ou menos frequentemente — tais como o imaginário nacional, o imaginário do país em si, que pode de modo mítico conceder um lugar importante aos povos indígenas enquanto os extermina (como no Brasil). Nestes Estados onde a população indígena está reduzidíssima, existe, portanto, igualmente um regime de colonialidade. Mas estes países combinam, mais do que os primeiros (aqueles mais indígenas) a estrutura colonial, a pós-colonial (reprodução contemporânea de subalternidades coloniais historicamente situadas) e a estrutura capitalista "habitual" (MPC). São ao mesmo tempo colônias, pós-colônias e Estadosnação capitalistas. Dentro da mesma ampla categoria de Estados nascidos da independência sem descolonização, existem assim dois regimes de colonialidade (ou dois "sub-regimes", de acordo com o que se preferir). São semelhantes (Estados nascidos coloniais) e distintos (relação diversa com a indigeneidade). Descolonizações sem independência 19 Esta segunda categoria é espacialmente muito mais modesta. Diz respeito a territórios cuja descolonização teve lugar através da integração a um país independente. Trata-se da Índia francesa (Pondicherry) e da Índia portuguesa (Goa), que foram devolvidas à União Indiana em 1954 e 1961 respectivamente, de Hong Kong e de Macau, que foram devolvidos à China em 1997 e 1999, dos "departamentos e territórios ultramarinos" franceses, em princípio plenamente integrados na República Francesa em 1946, e do Estado do Havaí, que foi integrado aos Estados Unidos em 1959. 20 Mas também aqui também é preciso distinguir duas subcategorias: não havia grandes diferenças entre as populações de Pondicherry e de Goa, e as da Índia na altura da reintegração, ou de Macau com a da China (o caso de Hong Kong é mais complexo, com uma grande minoria britânica, pelo menos inicialmente, enquanto as comunidades portuguesa e crioula de Macau eram minúsculas). Nestes territórios (exceto parcialmente Hong Kong), o fim da colonização significou também, em grande parte, o fim da sua colonialidade específica (mesmo que não totalmente 27 ) ou, pelo menos, a integração na colonialidade global do seu país de anexação. Os territórios reintegrados eram indígenas, assim como era o seu país de anexação. 28 Primeira parte - perspectivas teóricas 21 Por outro lado, os departamentos ultramarinos franceses eram as "velhas colônias" com populações muito diferentes das da França metropolitana, uma vez que a grande maioria delas nasceu da escravatura. A colonialidade nas antigas "velhas colônias" francesas é portanto expressa 1°) por uma crioulidade resultante do cataclismo identitário da crioulização histórica 28 que finalmente "constituiu sociedade" a partir das suas duas classes fundamentais (senhores e escravos); 2°) por uma "dor identitária" entre a afirmação de uma identidade própria e a consciência de um interesse material em permanecer no seio da República Francesa; 3) pela concomitância raça/classe (um pouco como no Brasil, deste ponto de vista); 4) por uma dependência econômica extrema da "metrópole" e da União Europeia; 5) por uma desconfiança em relação ao Estado francês, como demonstrou a hostilidade massiva em relação à vacinação contra a Covid-19. Aqui, a descolonização — uma vez que já não se trata mais de colônias — significou a manutenção da colonialidade pela vontade da metrópole em manter estes territórios em dependência econômica (sem industrialização, etc. 29 ) e cultural (subalternização das línguas crioulas e não reconhecimento das populações crioulas como nações distintas, por exemplo). Independência com descolonização 22 Esta categoria abrange toda a África e parte da Ásia. A descolonização teve lugar uma vez que estes países, anteriormente parte dos Estados imperiais europeus, se tornaram novamente indígenas. Os seus governos são muito provavelmente neo-colonialistas (política ativa de manutenção da subalternidade em relação ao sistema-mundo, etc.), mas isto não os impede, enquanto países, de terem sido descolonizados. O neocolonialismo diz respeito à política governamental e está obviamente ligado à colonialidade, mas a colônia, no caso das colonizações de povoamento — Argélia, Angola, Moçambique, Rodésia, África do Sul (Michel, 2018) — bem como nos outros — muitos Estados africanos, Índia, Sudeste Asiático — desapareceu. Os países são de nova natureza. Será que a colonialidade desapareceu aí? A resposta é não, por várias razões. 23 A primeira é a questão territorial. A maior parte destes países foi formada a partir do território da colônia — a colônia foi feita "nação" (ou seja, a "produção da nação" foi considerada equivalente à existência da nação). No entanto, o território colonial por vezes tinha pouco a ver com as nações nativas pré-coloniais, uma vez que a fronteira podia passar bem no meio de um povo com longa historicidade. A fronteira era, sobretudo, resultado da estabilização das rivalidades inter-imperialistas. Por exemplo, a área do Kongo, anteriormente governada quase inteiramente pelo Estado do Kongo, descoberto pelos portugueses no final do séculoXV, está hoje dividida em cinco territórios: sul do Gabão, sudoeste do Congo (ex-Congo francês) e do chamado Congo democrático (ex-Congo belga), Cabinda e duas províncias do norte de Angola. Basta olhar para um mapa Colonialismos e Colonialidades 29 para compreender que o norte do atual Mali nada tem de "maliano", que a faixa de Caprivi (hoje na Namíbia) só foi utilizada pela Alemanha para chegar ao Zambeze, que Casamansa é o resultado de um acordo entre França e Portugal, que a Somália perdeu três quintos da área somali pela definição das fronteiras etíope, eritreia e dijbutiana, que a Indonésia nada mais é do que o antigo império holandês na Ásia, reunindo povos muito diversos que estão agora sujeitos ao nacionalismo javanês, que as fronteiras da Birmânia e da Tailândia muitas vezes não têm qualquer ligação com os povos locais, que foram cortados em dois, etc. No entanto, estes territórios não nacionais foram aceitos pelos novos governantes africanos ou asiáticos porque faziam sentido para as elites nascidas no interior, ou na periferia imediata, do aparelho de estado imperial. Estes Estados não são, portanto, muitas vezes, representativos dos povos historicamente presentes em seus territórios. A "nação" neste contexto só pode ser construída negando as nações pré-coloniais, desvalorizadas como "etnias", "tribos", através de políticas de modernização autoritária 30 , etc. Significa isto que as fronteiras coloniais devem ser postas em causa para pôr fim à colonialidade territorial? A resposta não pode ser unívoca, porque o tempo passou e a própria fronteira (mesmo arbitrária) é, a longo prazo, um produtor de identidade. No entanto, o princípio de não questionamento das fronteiras coloniais (mesmo que por meios democráticos) está na origem de muitas instabilidades e formas de guerrilha nestes países. O mínimo a se fazer seria reconhecer este estado de coisas, devendo as nações pré-coloniais serem promovidas a fim de as integrar uma "conjugação" — e não uma oposição — com a emergência da nação pós-colonial com o objetivo de promover uma nação de nações 31 . Isto implicaria políticas de promoção social e cultural e de construção do Estado muito diferentes das que são geralmente adotadas. Claro que isto não resolveria todos os problemas (por exemplo, o Sul do Sudão mergulhou imediatamente na guerra civil após a sua separação do Sudão — note-se que mesmo o Sul do Sudão era uma construção colonial). 24 Mas esta questão do imaginário nacional pós-colonial tem consequências muito concretas. Está ligada ao tipo de construção do Estado, à ideologia do desenvolvimento (paradigma da modernização), às relações interétnicas no interior do território, ao paternalismo autoritário das elites políticas, etc. Não se trata meramente de uma situação conjuntural, mas de uma situação estrutural e de longo prazo 32 . É, de fato, um regime de colonialidade. Os regimes de colonialidade no centro 25 Serão os países do capitalismo central também caracterizados pela colonialidade, já que o MPC seja aí esmagadoramente hegemônico na produção de valor? A resposta é sim, mas, mais uma vez, temos de distinguir entre diferentes situações. 30 Primeira parte - perspectivas teóricas 26 Em primeiro lugar, há países do capitalismo central que são, eles próprios, produto da conquista colonial. Este é particularmente o caso da América do Norte, cujos dois Estados (Estados Unidos e Canadá) realizaram uma conquista colonial tardia, exatamente comparável à da Europa Ocidental na África, com a diferença de haver continuidade territorial. Nestes países norte-americanos, já discutidos na categoria das colonialidades de países de independência sem descolonização, a questão colonial ela própria persiste, mesmo para além da colonialidade pós-colonial: os povos indígenas sobreviventes continuam a travar lutas anticoloniais (e não só decoloniais). Por vezes, como no caso do Canadá, houve colonos (franceses) que foram eles mesmos posteriormente colonizados (pelos ingleses: é o caso dos Acadianos e Quebequenses) 33 . A Rússia pósestalinista, agora um país capitalista e imperialista, já experimentou este tipo de problema (caso da aniquilação da Chechénia independente), e irá experimentá-lo muito mais no futuro, dado o grande número de povos não-russos no seu território, resultante da colonização czarista. 27 Todos os Estados-nação modernos têm sido historicamente fruto de guerras de conquista, embora toda a colonização implique conquista, o contrário não é verdade. Quando uma potência externa conquista um território, mas aceita imediatamente os ‘hábitos e costumes’ dos povos conquistados e não os discrimina, não há colonização (para citar casos medievais, os normandos na Sicília ou na Grã-Bretanha são um excelente exemplo: conquista sem colonização). Além disso, a longa duração da gênese nacional nestes países pode ter modificado profundamente situações que antes eram coloniais ou ‘semi-coloniais’ 34 . 28 Na análise da colonialidade — pelo menos na definição que procurei dar —, esta não deve ser confundida com as relações capitalistas imperialistas. Quando uma grande empresa capitalista investe em países da periferia, é antes de mais uma expressão da divisão internacional do trabalho capitalista e da expansão do MPC. Naturalmente, a mesma empresa vai também querer tirar partido da situação de colonialidade que existe naquele país, por exemplo, confiando no poder local para expropriar populações consideradas por este último como "irrelevantes" — por exemplo indígenas, ou quilombolas negros, etc. — que vivem na área. Outro exemplo: a presença de comunidades imigrantes de antigas colônias num país central é antes de mais o produto do funcionamento "normal" do capitalismo (ter um exército industrial de reserva para manter os salários baixos) e neste sentido não é pós-colonial (não é o produto direto do legado colonial, mas da produção contemporânea de subalternidade à escala internacional). Além disso, muitos emigrantes para este ou aquele país do centro não vêm de antigas colônias daquele país (espanhóis, portugueses, italianos, polacos no passado, turcos, romenos hoje, na França; ucranianos e moldavos em Portugal nos anos 90; haitianos nos Estados Unidos, etc.). Ora, não vamos estabelecer uma muralha da China entre as diferentes razões pelas quais um bissauguineense e um ucraniano emigram para Portugal. Dito isto, existe também uma dimensão pós-colonial em alguns dos casos porque, uma Colonialismos e Colonialidades 31 vez tomada a decisão de emigrar por razões de subalternidade contemporânea, um bissau-guineense escolherá emigrar mais facilmente para Portugal do que para a Alemanha. Há relações sociais nãocapitalistas aqui em jogo, e este é um aspecto da colonialidade. 29 Enfim, mais globalmente, os governos do centro têm muito frequentemente relações "especiais" com elites de países periféricos, e nestas relações o legado colonial desempenha um papel importante — apesar do fato de que, se este legado sobrevive, é porque tem uma utilidade social contemporânea (a duradoura "FrançÁfrica" é um bom exemplo), caso contrário desapareceria rapidamente. Existe uma dimensão pós-colonial e de colonialidade numa relação que fundamentalmente não é desta natureza mas que está diretamente relacionada com a divisão internacional do trabalho capitalista. 30 Finalmente, não é surpreendente que a colonialidade esteja agora mais ou menos enraizada no capitalismo globalizado. Tende a tornar-se menos importante com a generalização do MPC, mas permanece muito importante para milhões de pessoas nos países do centro, e milhares de milhões na periferia, profundamente enraizada em historicidades distintas, desenhando, assim, uma variedade de regimes de colonialidade. 32 Primeira parte - perspectivas teóricas Referências Achcar, Gilbert. 2008. L’Orientalisme à rebours : de certaines tendances de l’orientalisme français après 1979. Mouvements 2: 127-144. Albó, Xavier & Romero, Carlos (2009). Autonomías indígenas en la realidad boliviana y su nueva Constitución. La Paz: Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolivia/PADEP-GTZ. 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Hartog utiliza explicitamente o termo "regime de historicidade" pela primeira vez em um artigo de 1983 sobre Marshall Sahlins (apontado por Pascal Payen (2003, 296)). ↩ Colonialismos e Colonialidades 35 3. Tradução minha. Jacques Revel (2001, 33) (citado por Abel Kouvouama (2018); este último, estudando os estados africanos, utiliza quanto ao aspecto subjetivo, a noção de "regime de subjetividade", o que implica, segundo ele, que o "regime de historicidade" não se refere apenas à subjetividade, p. 3 e 14). ↩ 4. Como já vimos (nota 3), Abel Kouvouama respondeu positivamente. ↩ 5. Laurent Fourchard publicou recentemente um belo trabalho sobre a utilização das noções de historicidade e regimes de historicidade nos estudos africanos, no qual apresenta uma extensa bibliografia sobre o assunto (Fourchard, 2021). ↩ 6. Existe uma enorme bibliografia sobre a diversidade dos capitalismos e, em particular, sobre os regimes de acumulação. Por exemplo, Colin Hay (2018) e Agnès Labrousse & Sandrine Michel (2018). Agradeço a Louison Cahen-Fourot por chamar a minha atenção para estas obras. ↩ 7. O Consejo Latinoamericano en Ciencias Sociales (CLACSO) publicou uma importante antologia de textos de Aníbal Quijano (2014), que também está online. ↩ 8. Este texto foi publicado duas vezes, quase simultaneamente e com o mesmo título (Quijano 1992a, 1992b). ↩ 9. Realizei esta discussão extensivamente em trabalhos anteriores (Cahen 2011, 2018a, 2018b, 2022). ↩ 10. Dois exemplos em momentos diferentes da história seriam o comércio de escravos ibérico do Atlântico Oriental (séculosxiv-xvie ) que não resultou em conquistas territoriais, mas teve repercussões profundas nos Estados africanos da época; e as chamadas "Guerras do Ópio" contra a China (1839-1842 e 1856-1860) e a situação decorrente dos tratados desiguais impostos ao império chinês pela Inglaterra, França e Estados Unidos. ↩ 11. Bethencourt & Chaudhuri (1998); Subrahmanyam (2013 [1993]); Thomaz (2018, 2021). ↩ 36 Primeira parte - perspectivas teóricas 12. É preciso lembrar que um "sistema-mundo" não é necessariamente mundial, mas "cria um mundo" na sua área de implementação. ↩ 13. A tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos em 1453 teve certamente consequências tão importantes como o ano de 1492, interrompendo o fornecimento de escravos eslavos brancos ao Mediterrâneo ocidental e incitando o comércio de escravos atlântico. Além disso, 1492 não foi apenas a data da "descoberta" de Colombo, foi também a data da queda do Estado muçulmano de Granada, e portanto o fim do fornecimento de escravos peninsulares pela nobreza ibérica cristã, tendo a mesma consequência a favor da expansão marítima. Sobre o primeiro tráfico de escravos do Atlântico, ver em particular Saunders (1982), Green (2011) e Mendes (2017). ↩ 14. Amplio aqui os argumentos de Gilbert Achcar (2008). ↩ 15. Por exemplo, a expansão capitalista na área recuperada da queda dos países estalinistas foi feita diretamente através da expansão do MPC, sem relações dominantes de colonialidade. ↩ 16. Discuti em pormenores as teses de Quijano na minha tese de HDR (Cahen 2010). ↩ 17. No entanto, elas podem ser polarizantes, o que é diferente, uma vez que o seu desenvolvimento, mesmo que seja minoritário, pode ter uma influência duradoura em toda a sociedade mercantil. ↩ 18. A sobrevivência dos modos de produção domésticos proporciona então o rendimento complementar aos miseráveis emolumentos recebidos pelos trabalhadores na esfera capitalista. Como exemplo, pode-se consultar o meu estudo sobre trabalho forçado nas colônias portuguesas em África (Cahen, 2015). ↩ 19. O « indigenato », no sentido de categoria oficial da legislação colonial portuguesa na África. ↩ 20. Em Portugal, um caso bem estudado foi a formação da classe trabalhadora da indústria têxtil no norte do país, que combinou a proletarização e a atividade camponesa. ↩ 21. Elas podem ser massivas — como o trabalho doméstico das mulheres — mas não produzem valor de mercado. ↩ Colonialismos e Colonialidades 37 22. Não discutiremos aqui se a chamada Ásia soviética (estalinista) teve uma relação de colonialidade com o centro moscovita, que não era capitalista. ↩ 23. Não esqueçamos que, independentemente do que os neobolivarianos da Venezuela contemporânea possam pensar, Simon Bolívar era um independentista branco e não era nem um anti-colonialista, nem um mestiço. Ele foi mesmo perseguido pela ideia do perigo de uma pardocracia. Frédérique Langue publicou extensamente sobre o assunto, ver por exemplo ‘Bolivarianismos de papel’, Revista de Indias, LXXVII (270), 2017, pp. 357-378. ↩ 24. Isto, apesar das boas relações com os vizinhos neobolivarianos de Hugo Chavez na Venezuela (Alto & Stefanoni, 2008; Albó & Romero, 2009; Lacroix, 2012). ↩ 25. Como se pode ver aqui, não atribuo ao conceito de decolonalidade exactamente o mesmo significado que Walter Mignolo (2008a, 2008b, 2011). Para Mignolo, a decolonialidade é uma postura que permite aos subalternos desligarem-se das epistemes do colonizador [tradução minha]: ‘A decolonialidade [de-coloniality] é […] a energia que não permite que a lógica da colonialidade funcione e não acredita nos contos de fadas da retórica da modernidade. A decolonialidade tem, assim, um leque diversificado de manifestações […] e o pensamento decolonial [de-colonial thinking] é, deste modo, um pensamento que se desvincula [sic: de-link] e abre […] às possibilidades escondidas (colonizadas e desacreditadas, como o tradicional, o bárbaro, o primitivo, o místico, etc.) pela racionalidade moderna […]" (Mignolo 2011, 45-46). Considero que o que Mignolo descreve e define aqui nada mais é do que o aspecto subjetivo e cognitivo do anti-colonialismo, e é portanto relativo ao anti-colonial. O que é anti-colonial é também decolonial, mas o contrário nem sempre é verdade. De fato, quando o anticolonialismo se opõe à colonização, o decolonial e a decolonialidade opõem-se à colonialidade. [Nota para a versão portuguesa: em português e espanhol, é possível distinguir “descolonial” e “decolonial”, o que não é possível em francês. Aqui uso “decolonial” em português porque não é relativo à descolonização, mas à luta contra a colonialidade. Mignolo fez a mesma escolha ortográfica em inglês, mas com significado diferente.] ↩ 26. Sobre as "espetaculares expansões do capital no Sul e Sudoeste dos EUA", ver Robert Brenner (2009). ↩ 38 Primeira parte - perspectivas teóricas 27. Por exemplo, muitos intelectuais indianos ainda pensam ser muito “colonial” o fato linguístico (ou patronímico ou arquitetônico ou culinário) português em Goa, mas não acham nada de colonial no fato linguístico inglês em outros locais… (experiência pessoal, Goa, 1999). ↩ 28. Ou seja, a formação de grupos sociais exógenos (senhores e escravos importados) nos territórios conquistados no contexto da expansão do sistema-mundo capitalista mercantilista. ↩ 29. É instrutivo comparar os respectivos desenvolvimentos na ilha Maurícia e na ilha da Reunião — indústria têxtil e informática na primeira, sem industrialização nenhuma na segunda. ↩ 30. Esta negação global da relevância das nações indígenas pré-coloniais não impede os governantes de terem atitudes etno-clientelistas. ↩ 31. Utopia? No entanto, é exatamente isso que o Reino Unido é, incluindo na identidade britânica as nações da Inglaterra, do País de Gales, da Escócia e da Irlanda do Norte (esta última com uma questão colonial não resolvida). ↩ 32. Por esta razão, sugeri que fizéssemos a distinção entre nacionalismo — a expressão política de uma nação existente — e nacionismo- o projeto elitista de nação pós-colonial em oposição às nações indígenas précoloniais (Cahen, 2012). ↩ 33. Assim, o ativista socialista quebequense François Moreau, escreveu em 1989 [tradução minha] que "O Estado canadiano é uma prisão dos povos. Desde o seu início, foi construído sobre as costas dos povos quebequense, ameríndio, inuit, acadiano e mestiço, bem como francófonos fora do Quebec, todos reduzidos a um status subordinado e colocados sob o domínio da burguesia anglo-canadense e do seu Estado central em Otawa. Estas nações continuam a ser oprimidas mais de cem anos após a fundação da Confederação" (Moreau, 2002 [1989]). Alain Deneault considera que os quebequens eram/são de fato colonos, mas reserva a categoria de colonizados aos povos aborígenes (Deneault, 2020). Isto pode ser discutido. Em todo o caso, se os francófonos do Canadá não são colonos depois colonizados, permaneceram numa relação de colonialidade com o poder central. ↩ Colonialismos e Colonialidades 34. Michel Rocard, que era um bom especialista do caso, tinha mais ou menos qualificado a situação corsa como "semi-colonial" (as características tipicamente coloniais existiam a nível econômico, por exemplo, mas os corsos nunca foram sujeitos ao indigenato). ↩ Michel Cahen Universidade de Bordeaux, Sciences Po Bordeaux (França) [email protected] Michel Cahen é Diretor de Pesquisa Emérito do CNRS no Centro “Les Afriques dans le monde” (Sciences Po Bordeaux). Ele é historiador da colonização portuguesa na África, mas também tem se interessado pela ideia colonial no império português, pela ideologia da lusofonia, pelas abordagens pós-coloniais/poscoloniais e decoloniais nos países de língua portuguesa, entre outros temas. 39