ISSN 2763-7867
https://doi.org/10.53798/suprema.2023.v3.n1.a224
Data de submissão: 9/4/2023
Data de aprovação: 24/4/2023
Inteligência artificial judicial e a representação
do suporte fático hipotético1
Judicial Artificial Intelligence and the representation of hypothetical
factual support
Inteligencia Artificial judicial y la representación del soporte fáctico
hipotético
https://doi.org/10.53798/suprema.2023.v3.n1.a224
Sérgio Rodrigo de Pádua2
Centro Universitário Autônomo do Brasil (Paraná, PR, Brasil)
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0859-6497
E-mail:
[email protected]
Resumo
O presente artigo analisa a caracterização do suporte fático através de sistemas
de Inteligência Artificial (IA) de apoio à decisão judicial. A problemática passa por
uma abordagem da teoria do suporte fático, dos fatores (factors) e dos conceitos
jurídicos intermediados (ILCs). Foram utilizadas categorias teóricas do pensamento
de Alexy, Bulygin, Bench-Capon, Sartor e Ashley, entre outros. Este estudo se pauta
em pesquisa bibliográfica inerente ao Direito e à Ciência da Computação, para fins
de estudo qualitativo do suporte fático hipotético surgido da relação entre Direito
e Inteligência Artificial. Os resultados demonstram a oportunidade de utilização
de sistemas de Inteligência Artificial judicial para a representação do suporte fático
necessário ao auxílio à interpretação jurídica. Nesse cenário, o reconhecimento do
suporte fático hipotético apresenta visão que busca conciliar a Teoria do Direito e
a Inteligência Artificial, focando-se no desenvolvimento de sistemas que auxiliem
a decisão judicial.
PÁDUA, Sérgio Rodrigo de. Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético. Suprema:
revista de estudos constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. DOI: https://doi.org/10.53798/
suprema.2023.v3.n1.a224.
1
Doutor e Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pelo UniBrasil – Centro Universitário Autônomo do
Brasil (Curitiba). Professor de Direito no UniBrasil – Centro Universitário Autônomo do Brasil e no UniFatec –
Centro Universitário de Tecnologia de Curitiba, lecionando as disciplinas de Direito Constitucional, Direito
Administrativo, Direito Eleitoral, Teoria do Direito e Hermenêutica Jurídica. É pesquisador na área de Direito,
Tecnologia e Inteligência Artificial. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR). Membro
da Associação Ibero-Americana de Direito e Inteligência Artificial (AID-IA). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.
br/1395906943127786.
2
[ SUMÁRIO ]
Sérgio Rodrigo de Pádua
Palavras-chave
Inteligência artificial; Decisão judicial; Suporte fático hipotético; Fatores;
Conceitos Jurídicos Intermediados.
Sumário
1. Introdução. 2. O suporte fático percebido pela Inteligência Artificial. 3. Fatores
(factors) e a representação do suporte fático. 4. Conceitos jurídicos intermediados
(ILCs), o suporte fático hipotético e a abordagem híbrida. 5. Conclusão.
Abstract
This article analyzes the characterization of factual support through Artificial
Intelligence (AI) systems to support judicial decision-making. The problem
involves an approach to the theory of factual support, factor and intermediate
legal concepts (ILCs). The research used theoretical categories of thought by
Alexy, Bulygin, Bench-Capon, Sartor and Ashley, among others. This study uses
the bibliographic analysis about Law and Computer Science, for the purpose
of qualitative study about the hypothetical factual support arising from the
relationship between Law and Artificial Intelligence. The results demonstrate
the opportunity to use judicial Artificial Intelligence systems to represent the
factual support necessary to support the legal interpretation. In this scenario, the
recognition of hypothetical factual support presents a vision that reconciles the
Theory of Law and Artificial Intelligence, focusing on the development of support
systems for judicial decision-making.
Keywords
Artificial intelligence; Judicial decision; Hypothetical factual support; Factors;
Intermediate Legal Concepts.
Contents
1. Introduction. 2. The factual support perceived by Artificial Intelligence. 3.
Factors and the representation of factual support. 4. Intermediate Legal Concepts
(ILCs), the hypothetical factual support and the hybrid approach. 5. Conclusion.
Resumen
Este artículo analiza la caracterización del soporte fáctico a través de sistemas
de Inteligencia Artificial (IA) de apoyo a decisiones judiciales. El tema implica un
acercamiento a la teoría del soporte fáctico, los factores (factors) y los conceptos
jurídicos intermediados (ILCs). El estudio utilizó categorías teóricas de Alexy,
Bulygin, Bench-Capon, Sartor y Ashley, entre otros. Este estudio parte de una
[ SUMÁRIO ]
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416
Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético
investigación bibliográfica propia del Derecho y la Informática, con el fin de
realizar un estudio cualitativo del soporte fáctico hipotético que surge de la
relación entre el Derecho y la Inteligencia Artificial. Los resultados demuestran la
oportunidad de utilizar los sistemas de Inteligencia Artificial para representar el
soporte fáctico necesario para apoyo a la interpretación jurídica. En este escenario,
el reconocimiento del soporte fáctico hipotético presenta una visión que concilia
la Teoría del Derecho y la Inteligencia Artificial, centrándose en el desarrollo de
sistemas de apoyo a la decisión judicial.
Palabras clave
Inteligencia artificial; Decisión judicial; Soporte fáctico hipotético; Factores;
Conceptos Jurídicos Intermediados.
Índice
1. Introducción. 2. El soporte fáctico percibido por la Inteligencia Artificial. 3.
Factores (factors) y la representación del soporte fáctico. 4. Conceptos jurídicos
intermediados (ILCs), el soporte fáctico hipotético y el enfoque híbrido. 5. Conclusión.
1. Introdução
De início, percebe-se que a abordagem do presente estudo, pautada na delimitação e na percepção do suporte fático pelos sistemas de Inteligência Artificial
desenvolvidos pelo Poder Judiciário, é tema de destacada relevância e tem caráter
inovador, pois os estudos anteriores (que pela grande diversidade não cabem nos
limites deste artigo) focam em visões delimitadas com base na IA jurídica ou na
Teoria do Direito.
O problema desenvolvido é a representação do suporte fático necessário à
interpretação jurídica com o auxílio de sistemas de Inteligência Artificial judicial,
o que se faz presente no atual momento histórico de maior entrelaçamento entre o
Direito e a tecnologia.
Perceba-se que o desenvolvimento de sistemas de Inteligência Artificial
voltados à finalidade de auxílio à atividade jurisdicional, para a realização de
atos de impulso do processo3 ou para o auxílio à decisão judicial, tem crescido
PÁDUA, Sérgio Rodrigo de; BERBERI, Marco Antonio Lima. Robô processual: inteligência artificial, atos
processuais e regras padrão. Revista da AGU, v. 20, n. 3, 29 jun. 2021. DOI: 10.25109/2525-328X.v.20. n.03.2021.2744.
3
[ SUMÁRIO ]
SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023.
417
Sérgio Rodrigo de Pádua
rapidamente. Esse aumento da aplicação da Inteligência Artificial ao Direito e, em
especial, ao Poder Judiciário é uma realidade fruto de um histórico de implementação de tecnologias, com destaque para o processo judicial eletrônico, o que criou
o espaço tecnológico adequado e proveu sólida base de dados que servem como
uma passagem para a nova fase de desenvolvimento do processo, marcada pela
Inteligência Artificial jurisdicional.
É relativamente recente no Brasil a inclusão de Inteligência Artificial nas
rotinas jurídicas, especialmente com a finalidade de apoio ao Poder Judiciário.
Dessa forma, destaca-se o crescimento acelerado do número de projetos de aplicação de inteligência artificial ao Poder Judiciário. Conforme pesquisa da Fundação
Getúlio Vargas, no ano de 2022 existiam 64 projetos de Inteligência Artificial
judicial sendo desenvolvidos.4 Com um enfoque mais amplo, foram catalogados 97
projetos de Inteligência Artificial no judiciário brasileiro. 5 No ano de 2020, os
diversos tribunais brasileiros informaram que 72 projetos estavam em desenvolvimento para a aplicação de Inteligência Artificial pelo Poder Judiciário.6 Entre
todos os casos, o exemplo mais destacado se trata do projeto Victor do Supremo
Tribunal Federal.7
Nesse caminho, a inovação advinda das potenciais aplicações da Inteligência
Artificial judicial expõe diversos problemas jurídico-epistêmicos antes não experimentados, como, por exemplo, o respeito aos Direitos Fundamentais, a adequada
conformação da Teoria do Direito ao fenômeno da IA jurídica, a adequação da
justificação das decisões e a correção da aplicação do Direito com o auxílio de sistemas de Inteligência Artificial. Um dos pressupostos para esse enfoque é uma leitura
possível da teoria do suporte fático e de como esta se relaciona com a IA integrada
ao Direito, haja vista o papel central do suporte fático no desenvolvimento de
SALOMÃO, Luis Felipe (coord.). Inteligência artificial: tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do
Poder Judiciário brasileiro. 2. ed. [Rio de Janeiro]: FGV Conhecimento, Centro de Inovação, Administração e Pesquisa
do Judiciário, 2022. Disponível em: https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_ia_2fase.pdf. Acesso em: 9
abr. 2023.
4
RAMOS, Janine Vilas Boas Gonçalves. Inteligência artificial no Poder Judiciário brasileiro: projetos de IA nos
tribunais e o sistema de apoio ao processo decisório judicial. São Paulo: Dialética, 2022, p. 267. E-book. Edição Kindle.
5
FREITAS, Hyndara. Judiciário brasileiro tem ao menos 72 projetos de inteligência artificial nos tribunais:
ferramentas são usadas para auxiliar agrupamento de demandas repetitivas a até para sugerir minutas. Jota, Brasília,
9 jul. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/judiciario-brasileiro-tem-aomenos-72-projetos-de-inteligencia-artificial-nos-tribunais-09072020. Acesso em: 20 ago. 2020.
6
PEIXOTO, Fabiano Hartmann. Projeto Victor: relato do desenvolvimento da inteligência artificial na Repercussão
Geral do Supremo Tribunal Federal. Revista Brasileira de Inteligência Artificial e Direito, v. 1, n. 1, jan-abr. 2020.
7
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Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético
sistemas de Inteligência Artificial que levem em consideração a experiência epistêmica da argumentação jurídica.
O marco teórico passa por categorias desenvolvidas por Robert Alexy, Eugenio
Bulygin, Trevor Bench-Capon, Giovanni Sartor e Kevin Ashley, a fim de caracterizar
a relação entre a teoria do suporte fático e a Inteligência Artificial jurídica.
Os resultados indicam que, nos sistemas de Inteligência Artificial judicial,
pode existir uma adequada representação do suporte fático necessário à interpretação do Direito, considerando-se os aspectos jurídico-normativos e a pretensão de
correção que se manifesta através de fatores (factors) e conceitos jurídicos intermediados (ILCs) considerados no desenvolvimento dos sistemas de IA jurídica.
O primeiro capítulo traz os elementos da teoria do suporte fático como uma
sólida base jurídica a ser considerada no desenvolvimento de sistemas de IA judicial. O segundo capítulo trata dos fatores (factors) como forma de representação
do suporte fático. Já o terceiro capítulo foca nos conceitos jurídicos intermediados
(ILCs) e demonstra a existência de um suporte fático hipotético nascido da abordagem híbrida entre fatores e ILCs.
Noutro enfoque, enfatiza-se que o artigo não realizou um aprofundamento
nos temas técnicos relacionados à Tecnologia da Informação (algoritmos voltados
à modelagem de Inteligência Artificial; representação do Direito em programação,
seja linguagem Python, Java ou outra; ou sistemas de IA judicial específicos), pois
não é objetivo do texto discutir algoritmos ou sistemas determinados, mas sim as
implicações da IA para um aspecto da Teoria do Direito (o suporte fático).
Assim, nos limites estreitos do artigo e das discussões que nele podem ser
trabalhadas, o texto não almeja vencer a temática das técnicas de desenvolvimento de Inteligência Artificial (o que nem mesmo obras de peso da Ciência da
Computação se propõem), uma vez que se buscou um mapeamento resumido do
fenômeno do suporte fático hipotético, dentro da proposta aqui delineada.
Feito o recorte cabível e estabelecida a delimitação necessária, este é o
cenário do estudo, o qual situa o suporte fático hipotético como uma forma juridicamente adequada de representar o Direito a ser interpretado com o auxílio de
sistemas de Inteligência Artificial judicial.
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Sérgio Rodrigo de Pádua
2. O suporte fático percebido pela Inteligência Artificial
O senso comum jurídico8, via de regra, endereça o debate sobre a aplicação
de inteligência artificial no Direito para o aspecto normativo. Contudo, muitas
vezes, o debate sobre a lógica normativa, o alcance de regras e princípios e a força
de representação da realidade atrelada a cada espécie de norma se esquece que há
um universo antecedente, que é o mundo fático, ou o mundo da vida, o tecido onde
os atos e fatos se desenrolam no espaço-tempo. Dessa forma, para que seja possível
a pretensão de correção9 e a explicabilidade a ela inerente, deve existir consistência
normativa na aplicação do direito com o auxílio de sistemas de inteligência artificial, caminho por onde transita o presente estudo.
Na busca de explicar a relação entre o mundo da vida e o mundo normativo,
Alchourrón e Bulygin fazem uma integração entre os casos e os seus elementos
fáticos e as normas e suas proposições normativas.10 Entre as normas jurídicas,
as proposições normativas e o Universo de Casos há uma correlação advinda da
manifestação de determinados fatos, atos e estados que correspondem a um caso,
que, por sua vez, será relacionado às normas e levará a uma proposição normativa.
A abordagem de Alchourrón e Bulygin tem sua relevância ao explicar a composição
do Universo dos Casos (UC) através dos fatos, o que tem especial valia para explicitar o funcionamento de sistemas de IA judicial pautados no modelo de raciocínio
baseado em casos (case based reasoning), por exemplo.
Desse modo, o Universo de Discursos (UD)11 se manifesta através de propriedades12 , que formam o Universo de Propriedades (UP)13, sendo que cada
propriedade representa certas circunstâncias relevantes14 através de atos, fatos ou
estados. Essas propriedades15, que, por sua vez, representam um conjunto finito16,
8
WARAT, Luís Alberto. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. Sequência: estudos jurídicos e políticos,
Florianópolis, v. 3, n. 5, p. 48-57, 1982. DOI: 10.5007/%25x.
9
ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Tradução: Gercélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: WMF
Martins Fontes, 2009. p. 154-155.
10
BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. Madri: Marcial Pons, 2018. p. 74.
11
ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. New York: Springer-Verlag, 1971 p. 10.
12
ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 10.
13
ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 12.
14
ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 11.
15
BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 51.
16
BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 51.
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Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético
influenciam na construção do Universo de Casos (UC).17 A partir dos discursos,
das propriedades e dos casos, no pensamento de Bulygin e Alchourrón, a passagem
para o mundo normativo ocorre através do Universo de Ações (UA)18, as quais
podem ser descritas através de modais deônticos de obrigação, proibição, permissão ou facultatividade de determinada ação.19 As ações representadas em relação
a determinado microssistema têm independência lógica20 quanto às propriedades
que levam à inferência. Nesse caminho, as possíveis resoluções21 mediadas pelo sistema normativo pertencem ao Universo de Soluções (US).22 O modelo de Bulygin
tem abordagem que reconhece os potenciais e os limites da lógica de proposições
normativas em relação às lacunas valorativas e às lacunas normativas23 de cada
microssistema jurídico24, o que admite a entropia25 jurídica26 que é inerente e contingente à pretensão de correção necessária. Especificamente acerca da pretensão
de correção, veja-se o pensamento de Robert Alexy:
Como ideia reguladora, o conceito de correção não pressupõe que
exista para cada questão prática uma resposta correta que deve ser
descoberta. Uma única resposta correta é a finalidade a que se deve
aspirar. Os participantes em um discurso prático, independentemente
de haver uma única resposta correta, devem formular a pretensão de
que sua resposta é a única correta. Caso contrário, seriam sem sentido
suas afirmações e fundamentações. Isso somente pressupõe haver
questões práticas às quais se pode atribuir no discurso uma resposta
como a única correta e que não há segurança sobre quais sejam essas
17
ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 12.
18
ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 10.
19
ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 35.
20
ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 35-36.
21
BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 52.
22
BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 50.
23
BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 51-52.
24
BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 52-53.
SHANNON, Claude E. A mathematical theory of communication. The Bell System Technical Journal, v. 27, n. 3,
p. 379-423, Jul. 1948. DOI: 10.1002/j.1538-7305.1948.tb01338.x.
25
A entropia tem diferentes facetas, tendo sido estudada a partir da Física, da Teoria da Informação, da Filosofia e
das Ciências Sociais. Todavia, dentro dos limites deste artigo, destaca-se que a entropia pode ser conceituada como a
irreversibilidade do processo cumulativo e aleatório de desorganização do mundo, tido este como um sistema. Assim,
tudo que conta com algum grau de organização sofre a influência da entropia, o que também alcança o Direito no que
toca à variabilidade advinda dos mundos fático, normativo e social.
26
[ SUMÁRIO ]
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Sérgio Rodrigo de Pádua
questões, de maneira que vale a pena tentar encontrar uma única resposta correta em toda questão. 27
Além disso, o modelo de pensamento desenvolvido por Bulygin e Alchourrón
é compatível com a Programação Orientada a Objetos (POO)28, principalmente
quando consideradas as diferentes classes de objetos e a “herança”29 de atributos
e de métodos30/funções31 de uma classe em relação a outra classe num programa.
A respeito da Programação Orientada a Objetos (POO), tendo em vista que este
artigo se destina precipuamente ao público de formação jurídica (embora também
possam existir leitores oriundos da Ciência da Computação), coloca-se aqui o conceito necessário para a compreensão do tema:
A programação orientada a objetos pegou as melhores ideias da programação estruturada e combinou-as com vários conceitos novos.
O resultado foi uma maneira diferente de organizar um programa.
De um modo mais geral, um programa pode ser organizado de uma
entre duas maneiras: a partir de seu código (o que está ocorrendo) ou
a partir de seus dados (o que está sendo afetado). Com o uso somente
da programação estruturada, normalmente os programas são organizados a partir do código. Essa abordagem pode ser considerada “o
código atuando sobre os dados”.
Os programas orientados a objetos funcionam ao contrário. São organizados a partir dos dados, com o seguinte princípio-chave: “dados
controlando o acesso ao código”. Em uma linguagem orientada a
objetos, você define os dados e as rotinas que podem atuar sobre eles.
Logo, um tipo de dado define precisamente que tipo de operações
podem ser aplicadas a esses dados.32
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação
jurídica. 6. ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. Revisão técnica e apresentação: Cláudia Toledo. Rio de
Janeiro: Forense, 2021 .p. 271.
27
SCHILDT, Herbert. Java para iniciantes: crie, compile e execute programas Java rapidamente. Tradução: Aldir
José Coelho Corrêa da Silva. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2015. p. 9.
28
29
SCHILDT, Herbert. Java para iniciantes: crie, compile e execute programas Java rapidamente. p. 11.
30
Em Java, por exemplo, os métodos são as rotinas que podem ser demandadas de um programa para a sua execução.
Em determinadas linguagens de programação, como em Python, por exemplo, as ações que podem ser chamadas à
execução num programa são denominadas como funções.
31
32
SCHILDT, Herbert. Java para iniciantes: crie, compile e execute programas Java rapidamente, p. 9.
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Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético
De certa forma, considerando-se o pensamento de Bulygin33, falar em
Universo de Discursos (UD)34, Universo de Propriedades (UP)35, Universo de Casos
(UC)36, Universo de Ações (UA)37 e Universo de Soluções (US)38, em um microssistema finito e controlado, é pensar um modelo de raciocínio jurídico-computacional
que leve em conta a herança de atributos e funções entre diferentes classes.
A partir dessa compreensão acerca da necessária relação entre o mundo
da vida e o mundo normativo, quando se pensa na teoria da norma aplicada à IA,
o debate pode ser compreendido através do estudo do suporte fático atrelado ao
aspecto normativo decorrente do bem protegido e da intervenção39 em determinado
direito40, pois o suporte fático é necessário para a compreensão do problema inerente à representação (ainda que parcial) do Direito em sistemas de IA judicial.
A interação entre mundo da vida (ontológico) e mundo normativo se dá
através do suporte fático, sendo que este pode ser classificado em suporte fático
abstrato e suporte fático concreto. Desse modo, o suporte fático abstrato se verifica
nos atos, fatos ou estados previstos na norma jurídica e que, caso sejam realizados,
levam à consequência jurídica41. Já o suporte fático concreto é a ocorrência, em si, dos
atos, fatos ou estados previstos na norma jurídica.42
33
BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas, p. 10-13 e p. 50-52.
O Universo de Discursos (UD) pode ser conceituado como um certo conjunto de situações ou estados de coisas
em que uma ação pode ocorrer, sendo que todos os elementos do Universo de Discursos (UD) possuem certas
propriedades que o definem.
34
O Universo de Propriedades (UP) é formado por qualquer conjunto de propriedades que podem estar presentes ou
ausentes nos elementos de um Universo de Discursos (UD).
35
36
Por sua vez, Universo de Casos (UC) é o conjunto de todos os casos elementares em um Universo de Propriedades
(UP).
Já o Universo de Ações (UA) é qualquer conjunto de ações que, conforme o status deôntico, são permitidas, proibidas,
obrigatórias ou facultativas.
37
O Universo de Soluções (US) contém todas as possíveis soluções ou as possíveis respostas para o problema,
considerado o status normativo de certas ações (obrigatórias, proibidas, permitidas ou facultativas).
38
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 68.
39
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo:
Malheiros, 2011. p. 306-307.
40
41
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. p. 67-68.
42
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. p. 68.
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Sérgio Rodrigo de Pádua
Nesse sentido, “a consequência jurídica de uma norma é produzida quando
todas as suas condições são satisfeitas”43 (o que se verifica através da ocorrência,
ou não, das propriedades que representam o caso), e somente pode ser delimitada
através do suporte fático. Com base nisso, Alexy faz a distinção entre suporte fático
em sentido amplo e suporte fático em sentido estrito.
O suporte fático em sentido amplo leva à estrutura triádica de bem protegido,
intervenção e restrição no direito fundamental, de maneira que o conceito de
suporte fático se coloca contraposto ao conceito de restrição, pois essa dinâmica é
inerente ao caráter prima facie das normas jurídicas44, especialmente das que possuem estrutura de princípio.
Essa construção triádica do suporte fático em sentido amplo supera, em
capacidade descritiva e em plasticidade normativa, a simples contraposição dual45
entre bem protegido e proibição de qualquer intervenção, ainda que essa última
seja uma lógica passível de ser adotada em sistemas de IA judicial mais rudimentares.46 Entretanto, a construção dual da relação entre intervenção e suporte
fático não é recomendável, porque, nessa hipótese, o suporte fático deixa de ser o
contraponto ao conceito de restrição de Direito, de maneira que “com a satisfação
do suporte fático, e caso não ocorra nenhuma restrição, o direito prima facie ou a
proibição prima facie tornam-se direito definitivo ou proibição definitiva”.47
Em suma, numa leitura do pensamento de Alexy48, a construção triádica
entre suporte fático, intervenção e restrição leva à configuração de uma construção
argumentativa que pode ser assim expressa:
(1) Se uma conduta integra o suporte fático, então ela é prima facie
permitida.
(2) Se uma ação é protegida pelo bem jurídico, então há um direito
prima facie a que nela não se intervenha.
43
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 308.
44
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 305.
45
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 304.
Mais uma vez cabe ressaltar que o intérprete humano é o responsável pela interpretação, sendo que o pensamento
humano será mais demandado caso se opte pela adoção de uma estrutura lógica mais simples (dual) de relação entre
suporte fático e intervenção em um Direito.
46
47
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 304.
48
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 304.
[ SUMÁRIO ]
SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023.
424
Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético
(3) Se uma ação constitui um fato, ato ou estado protegido pelo bem
jurídico, então intervenções nessa ação são prima facie proibidas.
(4) Se uma medida é uma intervenção no bem protegido, então essa
medida é prima facie proibida.
(5) Se uma ação h, realizada por um titular de um direito é um ato ou
fato que decorre do bem protegido, e se a medida m intervém na ação
h, então m é prima facie proibida.49
Dessa maneira, verifica-se um “suporte fático composto pelo bem protegido
e pela intervenção”50, o que pode ser aproveitado para a construção de sistemas de
IA judicial voltados ao auxílio ao julgamento.
Por outro lado, vê-se que a via linguística de interlocução entre o mundo
da vida e a norma jurídica é, muitas vezes, tratada com bastante simplicidade
pelos profissionais do Direito, pois esses acionam suas ontologias e heurísticas
mentais e, com relativa facilidade, conseguem propor aplicação para as normas
jurídicas. As dificuldades de aplicação variam, aos intérpretes humanos, conforme a multiplicidade de significados e de proposições se avoluma (desde regras
de direito sancionador com interpretação estrita até direitos fundamentais com
estrutura de princípio).
Nesse sentido, se, por um lado, as normas representam um desafio em termos de lógica de programação jurídica, por outro lado, o suporte fático indica o
tamanho monumental que é o desafio de fazer o sistema judicial inteligente perceber os fatos.
Quando se pensa no suporte fático em sentido amplo, o qual leva em conta
os conceitos de suporte fático abstrato e concreto, o âmbito de justificação externa
assume o papel de “fundamentação das premissas utilizadas na argumentação
interna”51, pois atua através de premissas consistentes em: “(1) regras de direito
positivo, (2) enunciados empíricos e (3) premissas que não são nem enunciados
Este artigo usa os símbolos utilizados por Alexy, embora as letras remetam a palavras da língua alemã e possam, a
gosto do leitor, ser substituídas por letras que representam palavras na língua portuguesa, sem que isso leve à perda
da compreensão.
49
50
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 305.
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação
jurídica. p. 203.
51
[ SUMÁRIO ]
SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023.
425
Sérgio Rodrigo de Pádua
empíricos nem regras de direito positivo”.52 Nessa linha, para a concepção de uma
argumentação jurídica que leve em consideração o suporte fático e seus elementos
(suas propriedades), a justificação externa pode se manifestar através de enunciados empíricos, a fim de que haja a individualização da norma jurídica. Desse modo,
para se delinear o suporte fático, sempre existirá a utilização de argumentação
prática do tipo geral, uma vez que para “qualquer falante e em qualquer momento é
possível passar a um discurso teórico (empírico)”53, conforme ressalta Alexy.
Em síntese, falar de suporte fático no campo dos direitos é se expressar através de argumentação prática do tipo geral no campo argumentativo, impactando
no modo como se pensa o desenvolvimento de sistemas de IA judicial.
3. Fatores ( factors) e a representação do suporte fático
Para a representação do suporte fático, os sistemas de inteligência artificial
judicial podem utilizar os fatores (factors) na forma definida no modelo desenvolvido por Trevor Bench-Capon e Giovanni Sartor54 (conhecido como B-CS model)
ou o modelo de conceitos jurídicos intermediados (intermediate legal concepts), ou
ILCs, desenvolvido por Kevin Ashley.55
Primeiramente, em relação aos fatores ( factors), estes podem representar a ocorrência de atos, fatos ou estados existentes no mundo da vida. Nesse
ponto, destaca-se que o uso de fatores para a implementação de programação
computacional voltada à inteligência artificial jurídica tem seu modelo padrão
desenvolvido por Trevor Bench-Capon e Giovanni Sartor56, que ficou conhecido na comunidade acadêmica através do clássico estudo denominado A Model
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação
jurídica. p. 203.
52
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação
jurídica . p. 257.
53
BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and
values. Artificial intelligence, v. 150, n. 1-2, p. 97-143, 2003.
54
ASHLEY, Kevin D. Artificial intelligence and legal analytics: new tools for law practice in digital age.
Cambridge: Cambridge University Press, 2017. p. 73.
55
56
BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and
values.
[ SUMÁRIO ]
SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023.
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Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético
of Legal Reasoning with Cases Incorporating Theories and Values, ou simplesmente
conhecido como o B-CS Paper. 57
Originalmente, o modelo B-CS foi pensado no paradigma de desenvolvimento de raciocínio baseado em casos (case based reasoning), a fim de se construir
teorias por meio da representação de casos e valores, para que o sistema de IA jurídica fosse capaz de decidir novos casos.58
Desse modo, os fatores podem ser utilizados para representar estados, fatos e
atos que, caso ocorram, levam ao acionamento da norma jurídica representada no
sistema de IA judicial. No modelo B-CS, os casos passados são representados através de fatores que, por sua vez, representam razões que explicam seus resultados.
Deve-se destacar que os fatores (factors) de Bench-Capon e Sartor se aproximam
do conceito de propriedade utilizado por Bulygin e Alchourrón ao definirem o
Universo das Propriedades (UP). Assim, os fatores são abstrações dos elementos
(estados, fatos ou atos) que compõem os casos, o que indica que os fatores descrevem um caso.59 Ou seja, no nível mais inicial do raciocínio jurídico, as ontologias e
as heurísticas estão no nível dos fatores, não no nível dos conceitos jurídicos em si
mesmos, ou mesmo no nível das regras.
Ademais, com a cautela necessária para evitar ambiguidade em relação aos
conceitos básicos trazidos neste estudo, deve ser destacado que a abstração dos fatos
através dos fatores ( factors) ocorre nos limites da representação do Direito nos
sistemas computacionais, enquanto os estados, fatos e atos, que são elementos do
suporte fático, podem ser verificados no mundo da vida (suporte fático concreto)
ou representados nas normas jurídicas (suporte fático abstrato).
Para facilitar a compreensão, seguem alguns exemplos de fatores:
a) fatores que representam fatos: data, nascimento, morte, dano etc.;
b) fatores que representam atos: compra, venda, manifestação num processo,
afirmação, negação, etc.;
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. In: ATKINSON, Katie; PRAKKEN,
Henry; WYNER, Adam. From knowledge representation to argumentation in AI, law and policy making: a
festschrift in honour of Trevor Bench-Capon on occasion of his 60th birthday. London: College Publications, 2013.
p. 11.
57
58
ASHLEY, Kevin D. ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 11-12.
59
ASHLEY, Kevin D. ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 14.
[ SUMÁRIO ]
SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023.
427
Sérgio Rodrigo de Pádua
c) fatores que representam estados: vida, intensidade do dano, lugar, tempo,
modo, dúvida, etc.
Numa análise abrangente do tema, percebe-se que o acionamento da norma
jurídica através de fatores (factors) pode ser intermediado por um caso que represente sua aplicação (case based reasoning)60 ou pode representar o acionamento de
uma regra jurídica prevista na legislação (statutory reasoning). Ambos os modelos,
de raciocínio baseado em casos e de raciocínio baseado em regras, podem ser adotados de maneira a representar a aplicação do Direito através de IA judicial, uma
vez que os paradigmas de argumentação através de casos análogos61 e por meio
de lógica normativa62 integram o rol de possíveis técnicas a serem utilizadas pelo
Judiciário para interpretar o Direito.
Um aspecto a ser levado em conta é que o modelo B-CS pode ser
implementado de maneira a garantir poder de explicabilidade, consistência e simplicidade63, pois a accountability é estimulada pela potencialidade de compreensão
do funcionamento do sistema de IA judicial.
No mais, os fatores conectam os fatos, atos ou estados do caso (propriedades
ou premissas empíricas) aos valores existentes no domínio representado computacionalmente, de maneira que cada fator está associado a um ou mais valores que ele
promove64, o que o aproxima de uma análise de precedentes.65
Dessa forma, a representação dos fatores em vários níveis permite a construção de sistemas de IA judicial que expliquem os resultados nos casos passados e
determinem o resultado de novos casos.66 Assim, no modelo B-CS, um programa
pode inferir de casos decididos através de preferências entre fatores concorrentes
e entre valores concorrentes.67 As preferências entre os fatores são expressas em
60
BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and
values.
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação
jurídica. p. 240-241.
61
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação
jurídica.p. 196.
62
63
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 13.
64
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 14.
65
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 14-15.
66
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 14.
67
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 14.
[ SUMÁRIO ]
SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023.
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Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético
decisões passadas, que indicam, dessa forma, as prioridades nas regras a partir das
quais podem ser inferidas preferências entre valores.68
Todavia, muitas vezes, a abstração realizada através de fatores pode ser, de
certa forma, arbitrária em relação àquilo que se observa dos elementos inerentes
à construção do raciocínio baseado em casos69, desde que realizadas as representações dos fatos e dos atos que normalmente acontecem através de fatores ( factors)
específicos.70 Isso demonstra que há espaço para a construção de soluções previamente delineadas no desenvolvimento de sistemas de IA judicial, o que possibilitará
a atuação cooperativa humano-máquina na pretensão de correção.
O uso de fatores para a programação de IA judicial pode avançar para além
da análise de precedentes, pois os fatores podem representar os elementos (propriedade ou enunciados empíricos) advindos de uma visão do legítimo julgador a
respeito de um caso hipotético, a fim de se alinhar previamente a uma interpretação esperada. Por exemplo, um determinado juiz pode nunca ter julgado um caso
em que tenha envolvido o processamento de um habeas data71, mas pode, se assim
o quiser, prever fatores (factors) que levariam à admissão (ou à inadmissão) do processamento da ação e ao julgamento de mérito (procedência ou improcedência).
Um exemplo mais realista ocorre quando o julgador estuda um primeiro
caso e define os fatores (de improcedência ou procedência do pedido, por exemplo), e, a partir disso, programa mentalmente que, na hipótese de surgir outro caso
representado por determinados outros fatores, desde já haja uma decisão pré-programada. Esse tipo de abordagem passa por uma evolução quando o julgador pode
transferir essa programação do espaço puramente mental para o desenvolvimento
de sistemas de IA judicial. Observe-se que não se fala necessariamente, nesse caso,
em uma IA que é um simples repositório de regras e fatores que indicam casos do
passado, ou mesmo de um modelo preditivo baseado em aprendizado de máquina.
O que se revela é a individualização da norma jurídica para um caso hipotético, ou
68
BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and
values.
BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and
values.
69
70
BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and
values.
Na prática, as ações de habeas data são bastante raras, haja vista o manejo de outros tipos de ações que alcançam
resultado análogo e que têm maior maleabilidade quanto aos pedidos que podem ser veiculados pelas partes do
processo.
71
[ SUMÁRIO ]
SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023.
429
Sérgio Rodrigo de Pádua
seja, é o Juiz que, segundo sua pré-compreensão do Direito (e sua pretensão de correção), molda o sistema de IA judicial. Esse tipo de abordagem pautada na definição
do que fazer (como julgar) se determinadas hipóteses se realizarem é uma prática
relativamente comum, pois os magistrados usualmente orientam suas assessorias
como agir em determinados casos.
Kevin Ashley, por sua vez, entende que fatores (factors) que descrevem casos
passados não necessariamente determinam valores, preferências entre estes ou
uma ordenação de valores que possam ser tratados em uma argumentação jurídica
para um juiz decidir um novo caso, pois Ashley considera equivocado caracterizar
a representação de valores dessa forma, uma vez que isso simplificaria demais a
argumentação baseada em valores.72 Isso ocorre porque o modelo B-CS se baseia
na descrição de todos os casos considerados relevantes para o problema, nas descrições de todos os fatores escolhidos para representar os casos, na representação
de todas as regras disponíveis para a explicação dos casos e no estabelecimento
de todas as preferências entre regras e valores disponíveis para a resolução de
conflitos entre regras.73 Desse modo, a descrição de todos os casos considerados
relevantes no microssistema (o que envolve a identificação dos fatores) se limita
a representar os casos, as regras disponíveis para a explicação desses casos e as
preferências para a resolução de conflitos entre regras. Contudo, tudo isso foca no
campo da representação detalhada dos fatores de um caso, algo que não se pode
alcançar com valores prima facie.74
Nessa argumentação baseada em fatores ( factors) defendida por BenchCapon e Sartor, “o antecedente de uma regra é formado a partir de fatores que
favorecem o resultado que forma o consequente” 75, sendo que os fatores ( factors)
se relacionam com o suporte fático inerente à aplicação do Direito, bem como tem
estrita ligação com os argumentos práticos gerais.
Nesse aspecto, pensar a representação do Direito através de programação de
sistemas de inteligência artificial judicial envolve essa consideração, pois o modelo
72
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 15-16.
BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and
values.
73
74
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 159-161.
Tradução livre de: “based on factors: the antecedent of a rule is formed from factors favouring the outcome which forms
consequent” (BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating
theories and values.).
75
[ SUMÁRIO ]
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Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético
B-CS tem sua utilidade em relação à explicitação do suporte fático e dos elementos
argumentativos do tipo prático geral.
Outro ponto relevante a se considerar é que os fatores (factors) programados
podem ser a base de sugestões de aplicações do direito por analogia, o que demandará a comunicação entre os fatores de microssistemas jurídicos diferentes, de
maneira que fatores que compõem a programação jurídica possam “circular” de
forma controlada entre ramos diversos do Direito, caso essa seja uma necessidade em
um sistema de IA judicial específico. Obviamente, o risco (e a oportunidade) dessa
livre circulação dos fatores é a maior entropia do sistema, o que demanda que a analogia seja colocada como uma das possibilidades na fase da argumentação externa.
Ademais, é possível conjugar fatores (factors), relacionando fatos, atos e estados de um caso hipotético com a norma proposta para decisão mediante valores.
Esses fatores, por sua vez, podem ser relacionados aos conceitos jurídicos intermediados inerentes à norma jurídica representada.76
Destaca-se que o modelo B-CS não se baseia em hipóteses, mas numa abordagem cujo formalismo de julgamento se volta para as progressões de eventos77
(mediante o encadeamento de casos, regras e preferências entre regras e valores) e
para representação do conhecimento relevante78, o que passa pela representação de
estados, eventos e ações em interação com os modais das proposições normativas
(obrigações, proibições, permissões e facultatividades)79, decorrendo da aplicação
do direito (e dos valores presentes nas normas jurídicas) em cenários específicos
mediante a atribuição de consequências jurídicas para os eventos presentes nos
fatores (factors).80 Desse modo, é possível realizar a mediação epistêmica entre o
suporte fático (que representa fatos, atos e estados) e o modelo B-CS (abstração
de estados, eventos e ações, e seu relacionamento com os modais das proposições
normativas), pois os modelos podem atuar de forma colaborativa para o desenvolvimento de sistemas de Inteligência Artificial judicial, ainda que as origens dos
conceitos (suporte fático e modelo B-CS) sejam distintas.
76
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 23.
STOPFORD, Ben. Designing event-driven systems: concepts and patterns for streaming services with Apache
Kafka. Sebastopol: O’Reilly, 2018. p. 30-31.
77
78
ASHLEY, Kevin. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 28-29.
79
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 29.
80
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 29.
[ SUMÁRIO ]
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431
Sérgio Rodrigo de Pádua
Por exemplo, imagine que uma petição não atenda a todos requisitos exigidos pelo art. 330, § 1º, do Código de Processo Civil. Baseado nisso, um fator
(considerado aqui como uma parcela da representação do suporte fático abstrato
posteriormente verificada no suporte fático concreto81) pode desencadear uma consequência jurídica (intimação do autor para emendar a petição inicial) cuja regra
está pressuposta na programação (abstração e heurística), mas não está escrita na
programação. Noutro exemplo, qual é o melhor meio de prova para um ato do
mundo fático que deixa vestígios físicos? Um sistema de IA judicial pode ser programado para, com base na alegação de um tipo de fato pela parte, determinar uma
espécie de produção probatória pela parte.
Assim, o desenvolvimento de sistemas de IA judicial leva em conta elementos
de diversos paradigmas de programação, como: domain-driven design (baseado no
estudo do domínio82 com especialistas na área de interesse)83, data-driven design
(pautado na análise de dados reais para a tomada de decisões)84 e event-driven
design (considerado o suporte fático representado através de eventos que disparam
a informação para processamento pelas camadas subsequentes do sistema, o que
é também considerado para eventos subsequentes encadeados até um resultado).85
Mais do que um especialista em programação, o engenheiro jurídico (ou o assessor
desenvolvedor) deve conhecer as possibilidades de cada uma dessas abordagens,
pois cada problema tem seus desafios e individualidades a serem tratadas.
Diante dessa inafastável conexão do direito com o que acontece no mundo,
Alexy ressalta que sempre é possível retornar aos argumentos empíricos86 ,
motivo pelo qual o modelo B-CS, ao se valer de fatores ( factors) para representar
eventos, estados e ações, pode ser utilizado como base para a construção de sistemas de IA judicial.
Perceba-se que na abordagem deste artigo, mediante a mediação entre os pensamentos de Alexy e Bulygin, o
Universo das Propriedades (UP) traz os elementos necessários para a aplicação da norma jurídica, conceito que, em
colaboração epistêmica possível para os modelos de Teoria do Direito adotados, auxilia na compreensão do suporte
fático abstrato.
81
82
No caso, o domínio é o Direito, representado parcialmente nos sistemas de Inteligência Artificial judicial.
EVANS, Eric. Domain-driven design: atacando as complexidades no coração do software. 3. ed. Tradução: Tibério
Júlio Couto Novais. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016. p. 198.
83
84
PROVOST, Foster; FAWCETT, Tom. Data science para negócios. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016. p. 15.
STOPFORD, Ben. Designing event-driven systems: concepts and patterns for streaming services with Apache
Kafka. p. 30-31.
85
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação
jurídica. p. 182.
86
[ SUMÁRIO ]
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Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético
Na prática, quando se busca implementar argumentação jurídica através de
sistemas de inteligência artificial, sempre que for necessário representar o mundo
fático, os fatores (factors) podem ser utilizados como uma técnica possível para esse
fim, o que se adequa às exigências da argumentação jurídica.
4. Conceitos jurídicos intermediados (ILCs), o suporte fático
hipotético e a abordagem híbrida
Outro modelo a ser abordado para a programação de sistema de inteligência artificial judicial se baseia nos conceitos jurídicos intermediados (intermediate
legal concepts), que trazem para dentro da programação de sistemas de inteligência artificial judicial a representação da norma jurídica e de sua proposição. Ou
seja, a regra jurídica é incorporada, em si mesma, na programação do sistema de
inteligência artificial.
O modelo de ILCs (intermediate legal concepts)87 defendido por Kevin Ashley
apresenta vantagens por possibilitar a representação heurística na argumentação
jurídica (interna e externa), de maneira que o sistema de IA judicial pode ser moldado em termos de conceitos jurídicos incorporados como o conteúdo da própria
programação do sistema. Para melhor evidenciar o tema, segue o posicionamento
de Kevin Ashley:
Os ILCs têm conteúdo. Os conceitos jurídicos intermediados incorporam valores e princípios jurídicos, como Lindahl explicou em sua
resposta à visão cética de conceitos jurídicos de Alf Ross. Regras jurídicas formadas em termos de conceitos jurídicos intermediados que
incorporam princípios subjacentes, geram explicações transparentes
e normativamente coerentes de decisões que fornecem diretrizes para
lidar com casos novos e problemáticos [tradução livre].88
Desse modo, é natural que existam preferências do julgador entre as interpretações possíveis, as quais podem ser representadas diretamente em conceitos
87
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 15-16.
88
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 17.
[ SUMÁRIO ]
SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023.
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Sérgio Rodrigo de Pádua
jurídicos intermediados (ILCs).89 Num maior aprofundamento da questão, um
caso sobre o qual foram decididas preferências a respeito de determinados valores
constitucionais é a representação de uma regra baseada em fatores (factors), o que
pode ser usado para justificar a preferência representada.90 Dessa forma, é preciso
mapear os argumentos dos casos passados e relacioná-los com os fatos atuais
mediante uma rica representação91, de modo que se busque inferir respostas a
partir disso.
Sendo assim, um sistema de IA judicial que utilize a abordagem híbrida
(modelo B-CS + ILCs) irá se basear em esquemas de argumentos básicos (regras de
senso comum, argumentos de norma e argumentos de valor), bem como empregará
esquemas mais complexos, como o argumento da consequência desejável, da consequência desejável mais provável, da consequência desejável menos provável e argumentos
correspondentes das consequências indesejáveis.92
Dessa maneira, ocorre um passo rumo ao processo de individualização da
norma jurídica através da escolha de conceitos jurídicos intermediados (ILCs) com
base nos quais o legislador ou o juiz formulam uma regra jurídica, o que é uma
maneira pela qual o legislativo e o judiciário tentam acomodar prospectivamente
os valores constitucionais conflitantes, antecipando os cenários nos quais surgirão.93 Nesse sentido, as preferências entre possíveis regras surgidas do conflito de
princípios podem ser representadas como parte da programação do sistema de IA
judicial94, sem que isso impossibilite uma nova rodada de superação dos argumentos através da pretensão de correção.
Nesse caminho, para além do suporte fático abstrato95 (da norma) e do
suporte fático concreto (dos fatos), há o suporte fático hipotético vinculado àquilo
que as partes buscam demonstrar através de seus discursos argumentativos. Como
o suporte fático concreto leva à individualização do suporte fático abstrato, um
89
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 26.
90
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 26.
91
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 28.
92
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 31.
93
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 17.
94
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 18.
SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros,
2009. p. 67-68.
95
[ SUMÁRIO ]
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Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético
discurso sobre o suporte fático ainda não concretizado pode ser caracterizado
como suporte fático hipotético presente diretamente no sistema de IA judicial.
Essa abordagem é necessária para que as hipóteses fáticas sejam testadas e
esquadrinhadas por sistema de IA judicial, uma vez que, mediante a aplicação de
um princípio cujo mandamento é apenas prima facie, consideradas determinadas
condições do caso concreto (um dado suporte fático), pode surgir uma regra como
mandamento definitivo.96 A partir disso, uma regra R’ advinda de uma regra R ou
de um princípio P pode ser representada em termos de conceito jurídico intermediado
em um sistema de IA judicial.
Assim, com uma abordagem baseada no Direito e na argumentação jurídica,
é possível se preparar para cenários hipotéticos como uma ferramenta para analisar como as normas jurídicas poderiam ser aplicadas em diversas situações fáticas.
Tais cenários hipotéticos podem ser previamente desenvolvidos para servirem de
base para os sistemas de Inteligência Artificial judicial, vindo a auxiliar na compreensão das implicações práticas das normas jurídicas.
5. Conclusão
Para a aplicação de normas jurídicas é necessário delimitar a base fática a
ser considerada pelo intérprete, o que se traduz no suporte fático, fio condutor da
interpretação jurídica através do mundo da vida.
Nesse enquadramento, o presente estudo chegou a resultados no sentido
de que, nos sistemas de IA judicial, deve existir uma adequada representação do
suporte fático necessário à interpretação do Direito, considerando-se os aspectos
jurídico-normativos e a pretensão de correção que se verificam através de fatores
(factors) e conceitos jurídicos intermediados (ILCs) voltados ao desenvolvimento de
sistemas de apoio à decisão judicial.
Desse modo, com a simbiose entre os marcos teóricos adotados e a abordagem desenvolvida no presente artigo, mostra-se possível a definição de um suporte
fático hipotético inserido na programação ou nos modelos de IA, categoria teórica
que é necessária para o reconhecimento de que o Direito também se manifesta
96
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 107.
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Sérgio Rodrigo de Pádua
através de sistemas computacionais baseados em tecnologias de Inteligência
Artificial jurídica.
Portanto, torna-se necessário o reconhecimento do suporte fático hipotético como uma manifestação do Direito por meio de sistemas de Inteligência
Artificial de apoio à decisão judicial, pois isso é fundamental para o desenvolvimento de sistemas que mantenham o equilíbrio entre a Teoria do Direito e a
Ciência da Computação.
Sendo assim, ao se criar suportes fáticos hipotéticos junto aos sistemas de
IA judicial, pode-se imaginar determinados fatos, atos e estados que não tenham
necessariamente ocorrido na realidade, embora tenham a função de servir como
uma base para a análise a ser realizada com o auxílio computacional.
A concepção de cenários hipotéticos para o suporte fático é uma prática
adequada para o desenvolvimento da argumentação jurídica voltada ao funcionamento de sistema de IA judicial, o que leva à configuração do chamado suporte
fático hipotético.
Tais considerações indicam que, na atual fase de desenvolvimento da relação
híbrida Juiz-IA, a conceituação do suporte fático hipotético concilia mundos diferentes (Direito e tecnologia), o que traz um dos aspectos que possibilitam a legítima
integração entre o Direito e a Inteligência Artificial.
Assim, o suporte fático hipotético tem o potencial de aprimorar as abordagens para desenvolvimento de sistemas de IA judicial.
Referências
ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. New York:
Springer-Verlag, 1971.
ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Tradução: Gercélia Batista de
Oliveira Mendes. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional
como teoria da justificação jurídica. 6. ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva.
Revisão técnica e apresentação: Cláudia Toledo. Rio de Janeiro: Forense, 2021.
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SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023.
436
Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Tradução: Virgílio
Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011.
ASHLEY, Kevin D. Artificial intelligence and legal analytics: new tools for law
practice in digital age. Cambridge: Cambridge University Press, 2017.
ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning.
In: ATKINSON, Katie; PRAKKEN, Henry; WYNER, Adam. From knowledge
representation to argumentation in AI, law and policy making: a festschrift
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