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Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético

2023, SUPREMA - Revista de Estudos Constitucionais

Abstract: This article analyzes the characterization of factual support through Artificial Intelligence (AI) systems to support judicial decision-making. The problem involves an approach to the theory of factual support, factor and intermediate legal concepts (ILCs). The research used theoretical categories of thought by Alexy, Bulygin, Bench-Capon, Sartor and Ashley, among others. This study uses the bibliographic analysis about Law and Computer Science, for the purpose of qualitative study about the hypothetical factual support arising from the relationship between Law and Artificial Intelligence. The results demonstrate the opportunity to use judicial Artificial Intelligence systems to represent the factual support necessary to support the legal interpretation. In this scenario, the recognition of hypothetical factual support presents a vision that reconciles the Theory of Law and Artificial Intelligence, focusing on the development of support systems for judicial decision-making. Resumo: O presente artigo analisa a caracterização do suporte fático através de sistemas de Inteligência Artificial (IA) de apoio à decisão judicial. A problemática passa por uma abordagem da teoria do suporte fático, dos fatores (factors) e dos conceitos jurídicos intermediados (ILCs). Foram utilizadas categorias teóricas do pensamento de Alexy, Bulygin, Bench-Capon, Sartor e Ashley, entre outros. Este estudo se pauta em pesquisa bibliográfica inerente ao Direito e à Ciência da Computação, para fins de estudo qualitativo do suporte fático hipotético surgido da relação entre Direito e Inteligência Artificial. Os resultados demonstram a oportunidade de utilização de sistemas de Inteligência Artificial judicial para a representação do suporte fático necessário ao auxílio à interpretação jurídica. Nesse cenário, o reconhecimento do suporte fático hipotético apresenta visão que busca conciliar a Teoria do Direito e a Inteligência Artificial, focando-se no desenvolvimento de sistemas que auxiliem a decisão judicial. Resumen: Este artículo analiza la caracterización del soporte fáctico a través de sistemas de Inteligencia Artificial (IA) de apoyo a decisiones judiciales. El tema implica un acercamiento a la teoría del soporte fáctico, los factores (factors) y los conceptos jurídicos intermediados (ILCs). El estudio utilizó categorías teóricas de Alexy, Bulygin, Bench-Capon, Sartor y Ashley, entre otros. Este estudio parte de una investigación bibliográfica propia del Derecho y la Informática, con el fin de realizar un estudio cualitativo del soporte fáctico hipotético que surge de la relación entre el Derecho y la Inteligencia Artificial. Los resultados demuestran la oportunidad de utilizar los sistemas de Inteligencia Artificial para representar el soporte fáctico necesario para apoyo a la interpretación jurídica. En este escenario, el reconocimiento del soporte fáctico hipotético presenta una visión que concilia la Teoría del Derecho y la Inteligencia Artificial, centrándose en el desarrollo de sistemas de apoyo a la decisión judicial.

ISSN 2763-7867 https://doi.org/10.53798/suprema.2023.v3.n1.a224 Data de submissão: 9/4/2023 Data de aprovação: 24/4/2023 Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético1 Judicial Artificial Intelligence and the representation of hypothetical factual support Inteligencia Artificial judicial y la representación del soporte fáctico hipotético https://doi.org/10.53798/suprema.2023.v3.n1.a224 Sérgio Rodrigo de Pádua2 Centro Universitário Autônomo do Brasil (Paraná, PR, Brasil) ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0859-6497 E-mail: [email protected] Resumo O presente artigo analisa a caracterização do suporte fático através de sistemas de Inteligência Artificial (IA) de apoio à decisão judicial. A problemática passa por uma abordagem da teoria do suporte fático, dos fatores (factors) e dos conceitos jurídicos intermediados (ILCs). Foram utilizadas categorias teóricas do pensamento de Alexy, Bulygin, Bench-Capon, Sartor e Ashley, entre outros. Este estudo se pauta em pesquisa bibliográfica inerente ao Direito e à Ciência da Computação, para fins de estudo qualitativo do suporte fático hipotético surgido da relação entre Direito e Inteligência Artificial. Os resultados demonstram a oportunidade de utilização de sistemas de Inteligência Artificial judicial para a representação do suporte fático necessário ao auxílio à interpretação jurídica. Nesse cenário, o reconhecimento do suporte fático hipotético apresenta visão que busca conciliar a Teoria do Direito e a Inteligência Artificial, focando-se no desenvolvimento de sistemas que auxiliem a decisão judicial. PÁDUA, Sérgio Rodrigo de. Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético. Suprema: revista de estudos constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. DOI: https://doi.org/10.53798/ suprema.2023.v3.n1.a224. 1 Doutor e Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia pelo UniBrasil – Centro Universitário Autônomo do Brasil (Curitiba). Professor de Direito no UniBrasil – Centro Universitário Autônomo do Brasil e no UniFatec – Centro Universitário de Tecnologia de Curitiba, lecionando as disciplinas de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Eleitoral, Teoria do Direito e Hermenêutica Jurídica. É pesquisador na área de Direito, Tecnologia e Inteligência Artificial. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR). Membro da Associação Ibero-Americana de Direito e Inteligência Artificial (AID-IA). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq. br/1395906943127786. 2 [ SUMÁRIO ] Sérgio Rodrigo de Pádua Palavras-chave Inteligência artificial; Decisão judicial; Suporte fático hipotético; Fatores; Conceitos Jurídicos Intermediados. Sumário 1. Introdução. 2. O suporte fático percebido pela Inteligência Artificial. 3. Fatores (factors) e a representação do suporte fático. 4. Conceitos jurídicos intermediados (ILCs), o suporte fático hipotético e a abordagem híbrida. 5. Conclusão. Abstract This article analyzes the characterization of factual support through Artificial Intelligence (AI) systems to support judicial decision-making. The problem involves an approach to the theory of factual support, factor and intermediate legal concepts (ILCs). The research used theoretical categories of thought by Alexy, Bulygin, Bench-Capon, Sartor and Ashley, among others. This study uses the bibliographic analysis about Law and Computer Science, for the purpose of qualitative study about the hypothetical factual support arising from the relationship between Law and Artificial Intelligence. The results demonstrate the opportunity to use judicial Artificial Intelligence systems to represent the factual support necessary to support the legal interpretation. In this scenario, the recognition of hypothetical factual support presents a vision that reconciles the Theory of Law and Artificial Intelligence, focusing on the development of support systems for judicial decision-making. Keywords Artificial intelligence; Judicial decision; Hypothetical factual support; Factors; Intermediate Legal Concepts. Contents 1. Introduction. 2. The factual support perceived by Artificial Intelligence. 3. Factors and the representation of factual support. 4. Intermediate Legal Concepts (ILCs), the hypothetical factual support and the hybrid approach. 5. Conclusion. Resumen Este artículo analiza la caracterización del soporte fáctico a través de sistemas de Inteligencia Artificial (IA) de apoyo a decisiones judiciales. El tema implica un acercamiento a la teoría del soporte fáctico, los factores (factors) y los conceptos jurídicos intermediados (ILCs). El estudio utilizó categorías teóricas de Alexy, Bulygin, Bench-Capon, Sartor y Ashley, entre otros. Este estudio parte de una [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 416 Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético investigación bibliográfica propia del Derecho y la Informática, con el fin de realizar un estudio cualitativo del soporte fáctico hipotético que surge de la relación entre el Derecho y la Inteligencia Artificial. Los resultados demuestran la oportunidad de utilizar los sistemas de Inteligencia Artificial para representar el soporte fáctico necesario para apoyo a la interpretación jurídica. En este escenario, el reconocimiento del soporte fáctico hipotético presenta una visión que concilia la Teoría del Derecho y la Inteligencia Artificial, centrándose en el desarrollo de sistemas de apoyo a la decisión judicial. Palabras clave Inteligencia artificial; Decisión judicial; Soporte fáctico hipotético; Factores; Conceptos Jurídicos Intermediados. Índice 1. Introducción. 2. El soporte fáctico percibido por la Inteligencia Artificial. 3. Factores (factors) y la representación del soporte fáctico. 4. Conceptos jurídicos intermediados (ILCs), el soporte fáctico hipotético y el enfoque híbrido. 5. Conclusión. 1. Introdução De início, percebe-se que a abordagem do presente estudo, pautada na delimitação e na percepção do suporte fático pelos sistemas de Inteligência Artificial desenvolvidos pelo Poder Judiciário, é tema de destacada relevância e tem caráter inovador, pois os estudos anteriores (que pela grande diversidade não cabem nos limites deste artigo) focam em visões delimitadas com base na IA jurídica ou na Teoria do Direito. O problema desenvolvido é a representação do suporte fático necessário à interpretação jurídica com o auxílio de sistemas de Inteligência Artificial judicial, o que se faz presente no atual momento histórico de maior entrelaçamento entre o Direito e a tecnologia. Perceba-se que o desenvolvimento de sistemas de Inteligência Artificial voltados à finalidade de auxílio à atividade jurisdicional, para a realização de atos de impulso do processo3 ou para o auxílio à decisão judicial, tem crescido PÁDUA, Sérgio Rodrigo de; BERBERI, Marco Antonio Lima. Robô processual: inteligência artificial, atos processuais e regras padrão. Revista da AGU, v. 20, n. 3, 29 jun. 2021. DOI: 10.25109/2525-328X.v.20. n.03.2021.2744. 3 [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 417 Sérgio Rodrigo de Pádua rapidamente. Esse aumento da aplicação da Inteligência Artificial ao Direito e, em especial, ao Poder Judiciário é uma realidade fruto de um histórico de implementação de tecnologias, com destaque para o processo judicial eletrônico, o que criou o espaço tecnológico adequado e proveu sólida base de dados que servem como uma passagem para a nova fase de desenvolvimento do processo, marcada pela Inteligência Artificial jurisdicional. É relativamente recente no Brasil a inclusão de Inteligência Artificial nas rotinas jurídicas, especialmente com a finalidade de apoio ao Poder Judiciário. Dessa forma, destaca-se o crescimento acelerado do número de projetos de aplicação de inteligência artificial ao Poder Judiciário. Conforme pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, no ano de 2022 existiam 64 projetos de Inteligência Artificial judicial sendo desenvolvidos.4 Com um enfoque mais amplo, foram catalogados 97 projetos de Inteligência Artificial no judiciário brasileiro. 5 No ano de 2020, os diversos tribunais brasileiros informaram que 72 projetos estavam em desenvolvimento para a aplicação de Inteligência Artificial pelo Poder Judiciário.6 Entre todos os casos, o exemplo mais destacado se trata do projeto Victor do Supremo Tribunal Federal.7 Nesse caminho, a inovação advinda das potenciais aplicações da Inteligência Artificial judicial expõe diversos problemas jurídico-epistêmicos antes não experimentados, como, por exemplo, o respeito aos Direitos Fundamentais, a adequada conformação da Teoria do Direito ao fenômeno da IA jurídica, a adequação da justificação das decisões e a correção da aplicação do Direito com o auxílio de sistemas de Inteligência Artificial. Um dos pressupostos para esse enfoque é uma leitura possível da teoria do suporte fático e de como esta se relaciona com a IA integrada ao Direito, haja vista o papel central do suporte fático no desenvolvimento de SALOMÃO, Luis Felipe (coord.). Inteligência artificial: tecnologia aplicada à gestão dos conflitos no âmbito do Poder Judiciário brasileiro. 2. ed. [Rio de Janeiro]: FGV Conhecimento, Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário, 2022. Disponível em: https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_ia_2fase.pdf. Acesso em: 9 abr. 2023. 4 RAMOS, Janine Vilas Boas Gonçalves. Inteligência artificial no Poder Judiciário brasileiro: projetos de IA nos tribunais e o sistema de apoio ao processo decisório judicial. São Paulo: Dialética, 2022, p. 267. E-book. Edição Kindle. 5 FREITAS, Hyndara. Judiciário brasileiro tem ao menos 72 projetos de inteligência artificial nos tribunais: ferramentas são usadas para auxiliar agrupamento de demandas repetitivas a até para sugerir minutas. Jota, Brasília, 9 jul. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/judiciario-brasileiro-tem-aomenos-72-projetos-de-inteligencia-artificial-nos-tribunais-09072020. Acesso em: 20 ago. 2020. 6 PEIXOTO, Fabiano Hartmann. Projeto Victor: relato do desenvolvimento da inteligência artificial na Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal. Revista Brasileira de Inteligência Artificial e Direito, v. 1, n. 1, jan-abr. 2020. 7 [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 418 Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético sistemas de Inteligência Artificial que levem em consideração a experiência epistêmica da argumentação jurídica. O marco teórico passa por categorias desenvolvidas por Robert Alexy, Eugenio Bulygin, Trevor Bench-Capon, Giovanni Sartor e Kevin Ashley, a fim de caracterizar a relação entre a teoria do suporte fático e a Inteligência Artificial jurídica. Os resultados indicam que, nos sistemas de Inteligência Artificial judicial, pode existir uma adequada representação do suporte fático necessário à interpretação do Direito, considerando-se os aspectos jurídico-normativos e a pretensão de correção que se manifesta através de fatores (factors) e conceitos jurídicos intermediados (ILCs) considerados no desenvolvimento dos sistemas de IA jurídica. O primeiro capítulo traz os elementos da teoria do suporte fático como uma sólida base jurídica a ser considerada no desenvolvimento de sistemas de IA judicial. O segundo capítulo trata dos fatores (factors) como forma de representação do suporte fático. Já o terceiro capítulo foca nos conceitos jurídicos intermediados (ILCs) e demonstra a existência de um suporte fático hipotético nascido da abordagem híbrida entre fatores e ILCs. Noutro enfoque, enfatiza-se que o artigo não realizou um aprofundamento nos temas técnicos relacionados à Tecnologia da Informação (algoritmos voltados à modelagem de Inteligência Artificial; representação do Direito em programação, seja linguagem Python, Java ou outra; ou sistemas de IA judicial específicos), pois não é objetivo do texto discutir algoritmos ou sistemas determinados, mas sim as implicações da IA para um aspecto da Teoria do Direito (o suporte fático). Assim, nos limites estreitos do artigo e das discussões que nele podem ser trabalhadas, o texto não almeja vencer a temática das técnicas de desenvolvimento de Inteligência Artificial (o que nem mesmo obras de peso da Ciência da Computação se propõem), uma vez que se buscou um mapeamento resumido do fenômeno do suporte fático hipotético, dentro da proposta aqui delineada. Feito o recorte cabível e estabelecida a delimitação necessária, este é o cenário do estudo, o qual situa o suporte fático hipotético como uma forma juridicamente adequada de representar o Direito a ser interpretado com o auxílio de sistemas de Inteligência Artificial judicial. [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 419 Sérgio Rodrigo de Pádua 2. O suporte fático percebido pela Inteligência Artificial O senso comum jurídico8, via de regra, endereça o debate sobre a aplicação de inteligência artificial no Direito para o aspecto normativo. Contudo, muitas vezes, o debate sobre a lógica normativa, o alcance de regras e princípios e a força de representação da realidade atrelada a cada espécie de norma se esquece que há um universo antecedente, que é o mundo fático, ou o mundo da vida, o tecido onde os atos e fatos se desenrolam no espaço-tempo. Dessa forma, para que seja possível a pretensão de correção9 e a explicabilidade a ela inerente, deve existir consistência normativa na aplicação do direito com o auxílio de sistemas de inteligência artificial, caminho por onde transita o presente estudo. Na busca de explicar a relação entre o mundo da vida e o mundo normativo, Alchourrón e Bulygin fazem uma integração entre os casos e os seus elementos fáticos e as normas e suas proposições normativas.10 Entre as normas jurídicas, as proposições normativas e o Universo de Casos há uma correlação advinda da manifestação de determinados fatos, atos e estados que correspondem a um caso, que, por sua vez, será relacionado às normas e levará a uma proposição normativa. A abordagem de Alchourrón e Bulygin tem sua relevância ao explicar a composição do Universo dos Casos (UC) através dos fatos, o que tem especial valia para explicitar o funcionamento de sistemas de IA judicial pautados no modelo de raciocínio baseado em casos (case based reasoning), por exemplo. Desse modo, o Universo de Discursos (UD)11 se manifesta através de propriedades12 , que formam o Universo de Propriedades (UP)13, sendo que cada propriedade representa certas circunstâncias relevantes14 através de atos, fatos ou estados. Essas propriedades15, que, por sua vez, representam um conjunto finito16, 8 WARAT, Luís Alberto. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. Sequência: estudos jurídicos e políticos, Florianópolis, v. 3, n. 5, p. 48-57, 1982. DOI: 10.5007/%25x. 9 ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Tradução: Gercélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 154-155. 10 BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. Madri: Marcial Pons, 2018. p. 74. 11 ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. New York: Springer-Verlag, 1971 p. 10. 12 ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 10. 13 ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 12. 14 ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 11. 15 BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 51. 16 BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 51. [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 420 Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético influenciam na construção do Universo de Casos (UC).17 A partir dos discursos, das propriedades e dos casos, no pensamento de Bulygin e Alchourrón, a passagem para o mundo normativo ocorre através do Universo de Ações (UA)18, as quais podem ser descritas através de modais deônticos de obrigação, proibição, permissão ou facultatividade de determinada ação.19 As ações representadas em relação a determinado microssistema têm independência lógica20 quanto às propriedades que levam à inferência. Nesse caminho, as possíveis resoluções21 mediadas pelo sistema normativo pertencem ao Universo de Soluções (US).22 O modelo de Bulygin tem abordagem que reconhece os potenciais e os limites da lógica de proposições normativas em relação às lacunas valorativas e às lacunas normativas23 de cada microssistema jurídico24, o que admite a entropia25 jurídica26 que é inerente e contingente à pretensão de correção necessária. Especificamente acerca da pretensão de correção, veja-se o pensamento de Robert Alexy: Como ideia reguladora, o conceito de correção não pressupõe que exista para cada questão prática uma resposta correta que deve ser descoberta. Uma única resposta correta é a finalidade a que se deve aspirar. Os participantes em um discurso prático, independentemente de haver uma única resposta correta, devem formular a pretensão de que sua resposta é a única correta. Caso contrário, seriam sem sentido suas afirmações e fundamentações. Isso somente pressupõe haver questões práticas às quais se pode atribuir no discurso uma resposta como a única correta e que não há segurança sobre quais sejam essas 17 ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 12. 18 ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 10. 19 ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 35. 20 ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. p. 35-36. 21 BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 52. 22 BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 50. 23 BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 51-52. 24 BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas. p. 52-53. SHANNON, Claude E. A mathematical theory of communication. The Bell System Technical Journal, v. 27, n. 3, p. 379-423, Jul. 1948. DOI: 10.1002/j.1538-7305.1948.tb01338.x. 25 A entropia tem diferentes facetas, tendo sido estudada a partir da Física, da Teoria da Informação, da Filosofia e das Ciências Sociais. Todavia, dentro dos limites deste artigo, destaca-se que a entropia pode ser conceituada como a irreversibilidade do processo cumulativo e aleatório de desorganização do mundo, tido este como um sistema. Assim, tudo que conta com algum grau de organização sofre a influência da entropia, o que também alcança o Direito no que toca à variabilidade advinda dos mundos fático, normativo e social. 26 [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 421 Sérgio Rodrigo de Pádua questões, de maneira que vale a pena tentar encontrar uma única resposta correta em toda questão. 27 Além disso, o modelo de pensamento desenvolvido por Bulygin e Alchourrón é compatível com a Programação Orientada a Objetos (POO)28, principalmente quando consideradas as diferentes classes de objetos e a “herança”29 de atributos e de métodos30/funções31 de uma classe em relação a outra classe num programa. A respeito da Programação Orientada a Objetos (POO), tendo em vista que este artigo se destina precipuamente ao público de formação jurídica (embora também possam existir leitores oriundos da Ciência da Computação), coloca-se aqui o conceito necessário para a compreensão do tema: A programação orientada a objetos pegou as melhores ideias da programação estruturada e combinou-as com vários conceitos novos. O resultado foi uma maneira diferente de organizar um programa. De um modo mais geral, um programa pode ser organizado de uma entre duas maneiras: a partir de seu código (o que está ocorrendo) ou a partir de seus dados (o que está sendo afetado). Com o uso somente da programação estruturada, normalmente os programas são organizados a partir do código. Essa abordagem pode ser considerada “o código atuando sobre os dados”. Os programas orientados a objetos funcionam ao contrário. São organizados a partir dos dados, com o seguinte princípio-chave: “dados controlando o acesso ao código”. Em uma linguagem orientada a objetos, você define os dados e as rotinas que podem atuar sobre eles. Logo, um tipo de dado define precisamente que tipo de operações podem ser aplicadas a esses dados.32 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. 6. ed. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. Revisão técnica e apresentação: Cláudia Toledo. Rio de Janeiro: Forense, 2021 .p. 271. 27 SCHILDT, Herbert. Java para iniciantes: crie, compile e execute programas Java rapidamente. Tradução: Aldir José Coelho Corrêa da Silva. 6. ed. Porto Alegre: Bookman, 2015. p. 9. 28 29 SCHILDT, Herbert. Java para iniciantes: crie, compile e execute programas Java rapidamente. p. 11. 30 Em Java, por exemplo, os métodos são as rotinas que podem ser demandadas de um programa para a sua execução. Em determinadas linguagens de programação, como em Python, por exemplo, as ações que podem ser chamadas à execução num programa são denominadas como funções. 31 32 SCHILDT, Herbert. Java para iniciantes: crie, compile e execute programas Java rapidamente, p. 9. [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 422 Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético De certa forma, considerando-se o pensamento de Bulygin33, falar em Universo de Discursos (UD)34, Universo de Propriedades (UP)35, Universo de Casos (UC)36, Universo de Ações (UA)37 e Universo de Soluções (US)38, em um microssistema finito e controlado, é pensar um modelo de raciocínio jurídico-computacional que leve em conta a herança de atributos e funções entre diferentes classes. A partir dessa compreensão acerca da necessária relação entre o mundo da vida e o mundo normativo, quando se pensa na teoria da norma aplicada à IA, o debate pode ser compreendido através do estudo do suporte fático atrelado ao aspecto normativo decorrente do bem protegido e da intervenção39 em determinado direito40, pois o suporte fático é necessário para a compreensão do problema inerente à representação (ainda que parcial) do Direito em sistemas de IA judicial. A interação entre mundo da vida (ontológico) e mundo normativo se dá através do suporte fático, sendo que este pode ser classificado em suporte fático abstrato e suporte fático concreto. Desse modo, o suporte fático abstrato se verifica nos atos, fatos ou estados previstos na norma jurídica e que, caso sejam realizados, levam à consequência jurídica41. Já o suporte fático concreto é a ocorrência, em si, dos atos, fatos ou estados previstos na norma jurídica.42 33 BULYGIN, Eugenio. Lógica deóntica, normas y proposiciones normativas, p. 10-13 e p. 50-52. O Universo de Discursos (UD) pode ser conceituado como um certo conjunto de situações ou estados de coisas em que uma ação pode ocorrer, sendo que todos os elementos do Universo de Discursos (UD) possuem certas propriedades que o definem. 34 O Universo de Propriedades (UP) é formado por qualquer conjunto de propriedades que podem estar presentes ou ausentes nos elementos de um Universo de Discursos (UD). 35 36 Por sua vez, Universo de Casos (UC) é o conjunto de todos os casos elementares em um Universo de Propriedades (UP). Já o Universo de Ações (UA) é qualquer conjunto de ações que, conforme o status deôntico, são permitidas, proibidas, obrigatórias ou facultativas. 37 O Universo de Soluções (US) contém todas as possíveis soluções ou as possíveis respostas para o problema, considerado o status normativo de certas ações (obrigatórias, proibidas, permitidas ou facultativas). 38 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 68. 39 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Tradução: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 306-307. 40 41 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. p. 67-68. 42 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. p. 68. [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 423 Sérgio Rodrigo de Pádua Nesse sentido, “a consequência jurídica de uma norma é produzida quando todas as suas condições são satisfeitas”43 (o que se verifica através da ocorrência, ou não, das propriedades que representam o caso), e somente pode ser delimitada através do suporte fático. Com base nisso, Alexy faz a distinção entre suporte fático em sentido amplo e suporte fático em sentido estrito. O suporte fático em sentido amplo leva à estrutura triádica de bem protegido, intervenção e restrição no direito fundamental, de maneira que o conceito de suporte fático se coloca contraposto ao conceito de restrição, pois essa dinâmica é inerente ao caráter prima facie das normas jurídicas44, especialmente das que possuem estrutura de princípio. Essa construção triádica do suporte fático em sentido amplo supera, em capacidade descritiva e em plasticidade normativa, a simples contraposição dual45 entre bem protegido e proibição de qualquer intervenção, ainda que essa última seja uma lógica passível de ser adotada em sistemas de IA judicial mais rudimentares.46 Entretanto, a construção dual da relação entre intervenção e suporte fático não é recomendável, porque, nessa hipótese, o suporte fático deixa de ser o contraponto ao conceito de restrição de Direito, de maneira que “com a satisfação do suporte fático, e caso não ocorra nenhuma restrição, o direito prima facie ou a proibição prima facie tornam-se direito definitivo ou proibição definitiva”.47 Em suma, numa leitura do pensamento de Alexy48, a construção triádica entre suporte fático, intervenção e restrição leva à configuração de uma construção argumentativa que pode ser assim expressa: (1) Se uma conduta integra o suporte fático, então ela é prima facie permitida. (2) Se uma ação é protegida pelo bem jurídico, então há um direito prima facie a que nela não se intervenha. 43 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 308. 44 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 305. 45 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 304. Mais uma vez cabe ressaltar que o intérprete humano é o responsável pela interpretação, sendo que o pensamento humano será mais demandado caso se opte pela adoção de uma estrutura lógica mais simples (dual) de relação entre suporte fático e intervenção em um Direito. 46 47 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 304. 48 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 304. [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 424 Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético (3) Se uma ação constitui um fato, ato ou estado protegido pelo bem jurídico, então intervenções nessa ação são prima facie proibidas. (4) Se uma medida é uma intervenção no bem protegido, então essa medida é prima facie proibida. (5) Se uma ação h, realizada por um titular de um direito é um ato ou fato que decorre do bem protegido, e se a medida m intervém na ação h, então m é prima facie proibida.49 Dessa maneira, verifica-se um “suporte fático composto pelo bem protegido e pela intervenção”50, o que pode ser aproveitado para a construção de sistemas de IA judicial voltados ao auxílio ao julgamento. Por outro lado, vê-se que a via linguística de interlocução entre o mundo da vida e a norma jurídica é, muitas vezes, tratada com bastante simplicidade pelos profissionais do Direito, pois esses acionam suas ontologias e heurísticas mentais e, com relativa facilidade, conseguem propor aplicação para as normas jurídicas. As dificuldades de aplicação variam, aos intérpretes humanos, conforme a multiplicidade de significados e de proposições se avoluma (desde regras de direito sancionador com interpretação estrita até direitos fundamentais com estrutura de princípio). Nesse sentido, se, por um lado, as normas representam um desafio em termos de lógica de programação jurídica, por outro lado, o suporte fático indica o tamanho monumental que é o desafio de fazer o sistema judicial inteligente perceber os fatos. Quando se pensa no suporte fático em sentido amplo, o qual leva em conta os conceitos de suporte fático abstrato e concreto, o âmbito de justificação externa assume o papel de “fundamentação das premissas utilizadas na argumentação interna”51, pois atua através de premissas consistentes em: “(1) regras de direito positivo, (2) enunciados empíricos e (3) premissas que não são nem enunciados Este artigo usa os símbolos utilizados por Alexy, embora as letras remetam a palavras da língua alemã e possam, a gosto do leitor, ser substituídas por letras que representam palavras na língua portuguesa, sem que isso leve à perda da compreensão. 49 50 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 305. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. p. 203. 51 [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 425 Sérgio Rodrigo de Pádua empíricos nem regras de direito positivo”.52 Nessa linha, para a concepção de uma argumentação jurídica que leve em consideração o suporte fático e seus elementos (suas propriedades), a justificação externa pode se manifestar através de enunciados empíricos, a fim de que haja a individualização da norma jurídica. Desse modo, para se delinear o suporte fático, sempre existirá a utilização de argumentação prática do tipo geral, uma vez que para “qualquer falante e em qualquer momento é possível passar a um discurso teórico (empírico)”53, conforme ressalta Alexy. Em síntese, falar de suporte fático no campo dos direitos é se expressar através de argumentação prática do tipo geral no campo argumentativo, impactando no modo como se pensa o desenvolvimento de sistemas de IA judicial. 3. Fatores ( factors) e a representação do suporte fático Para a representação do suporte fático, os sistemas de inteligência artificial judicial podem utilizar os fatores (factors) na forma definida no modelo desenvolvido por Trevor Bench-Capon e Giovanni Sartor54 (conhecido como B-CS model) ou o modelo de conceitos jurídicos intermediados (intermediate legal concepts), ou ILCs, desenvolvido por Kevin Ashley.55 Primeiramente, em relação aos fatores ( factors), estes podem representar a ocorrência de atos, fatos ou estados existentes no mundo da vida. Nesse ponto, destaca-se que o uso de fatores para a implementação de programação computacional voltada à inteligência artificial jurídica tem seu modelo padrão desenvolvido por Trevor Bench-Capon e Giovanni Sartor56, que ficou conhecido na comunidade acadêmica através do clássico estudo denominado A Model ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. p. 203. 52 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica . p. 257. 53 BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and values. Artificial intelligence, v. 150, n. 1-2, p. 97-143, 2003. 54 ASHLEY, Kevin D. Artificial intelligence and legal analytics: new tools for law practice in digital age. Cambridge: Cambridge University Press, 2017. p. 73. 55 56 BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and values. [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 426 Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético of Legal Reasoning with Cases Incorporating Theories and Values, ou simplesmente conhecido como o B-CS Paper. 57 Originalmente, o modelo B-CS foi pensado no paradigma de desenvolvimento de raciocínio baseado em casos (case based reasoning), a fim de se construir teorias por meio da representação de casos e valores, para que o sistema de IA jurídica fosse capaz de decidir novos casos.58 Desse modo, os fatores podem ser utilizados para representar estados, fatos e atos que, caso ocorram, levam ao acionamento da norma jurídica representada no sistema de IA judicial. No modelo B-CS, os casos passados são representados através de fatores que, por sua vez, representam razões que explicam seus resultados. Deve-se destacar que os fatores (factors) de Bench-Capon e Sartor se aproximam do conceito de propriedade utilizado por Bulygin e Alchourrón ao definirem o Universo das Propriedades (UP). Assim, os fatores são abstrações dos elementos (estados, fatos ou atos) que compõem os casos, o que indica que os fatores descrevem um caso.59 Ou seja, no nível mais inicial do raciocínio jurídico, as ontologias e as heurísticas estão no nível dos fatores, não no nível dos conceitos jurídicos em si mesmos, ou mesmo no nível das regras. Ademais, com a cautela necessária para evitar ambiguidade em relação aos conceitos básicos trazidos neste estudo, deve ser destacado que a abstração dos fatos através dos fatores ( factors) ocorre nos limites da representação do Direito nos sistemas computacionais, enquanto os estados, fatos e atos, que são elementos do suporte fático, podem ser verificados no mundo da vida (suporte fático concreto) ou representados nas normas jurídicas (suporte fático abstrato). Para facilitar a compreensão, seguem alguns exemplos de fatores: a) fatores que representam fatos: data, nascimento, morte, dano etc.; b) fatores que representam atos: compra, venda, manifestação num processo, afirmação, negação, etc.; ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. In: ATKINSON, Katie; PRAKKEN, Henry; WYNER, Adam. From knowledge representation to argumentation in AI, law and policy making: a festschrift in honour of Trevor Bench-Capon on occasion of his 60th birthday. London: College Publications, 2013. p. 11. 57 58 ASHLEY, Kevin D. ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 11-12. 59 ASHLEY, Kevin D. ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 14. [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 427 Sérgio Rodrigo de Pádua c) fatores que representam estados: vida, intensidade do dano, lugar, tempo, modo, dúvida, etc. Numa análise abrangente do tema, percebe-se que o acionamento da norma jurídica através de fatores (factors) pode ser intermediado por um caso que represente sua aplicação (case based reasoning)60 ou pode representar o acionamento de uma regra jurídica prevista na legislação (statutory reasoning). Ambos os modelos, de raciocínio baseado em casos e de raciocínio baseado em regras, podem ser adotados de maneira a representar a aplicação do Direito através de IA judicial, uma vez que os paradigmas de argumentação através de casos análogos61 e por meio de lógica normativa62 integram o rol de possíveis técnicas a serem utilizadas pelo Judiciário para interpretar o Direito. Um aspecto a ser levado em conta é que o modelo B-CS pode ser implementado de maneira a garantir poder de explicabilidade, consistência e simplicidade63, pois a accountability é estimulada pela potencialidade de compreensão do funcionamento do sistema de IA judicial. No mais, os fatores conectam os fatos, atos ou estados do caso (propriedades ou premissas empíricas) aos valores existentes no domínio representado computacionalmente, de maneira que cada fator está associado a um ou mais valores que ele promove64, o que o aproxima de uma análise de precedentes.65 Dessa forma, a representação dos fatores em vários níveis permite a construção de sistemas de IA judicial que expliquem os resultados nos casos passados e determinem o resultado de novos casos.66 Assim, no modelo B-CS, um programa pode inferir de casos decididos através de preferências entre fatores concorrentes e entre valores concorrentes.67 As preferências entre os fatores são expressas em 60 BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and values. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. p. 240-241. 61 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica.p. 196. 62 63 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 13. 64 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 14. 65 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 14-15. 66 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 14. 67 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 14. [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 428 Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético decisões passadas, que indicam, dessa forma, as prioridades nas regras a partir das quais podem ser inferidas preferências entre valores.68 Todavia, muitas vezes, a abstração realizada através de fatores pode ser, de certa forma, arbitrária em relação àquilo que se observa dos elementos inerentes à construção do raciocínio baseado em casos69, desde que realizadas as representações dos fatos e dos atos que normalmente acontecem através de fatores ( factors) específicos.70 Isso demonstra que há espaço para a construção de soluções previamente delineadas no desenvolvimento de sistemas de IA judicial, o que possibilitará a atuação cooperativa humano-máquina na pretensão de correção. O uso de fatores para a programação de IA judicial pode avançar para além da análise de precedentes, pois os fatores podem representar os elementos (propriedade ou enunciados empíricos) advindos de uma visão do legítimo julgador a respeito de um caso hipotético, a fim de se alinhar previamente a uma interpretação esperada. Por exemplo, um determinado juiz pode nunca ter julgado um caso em que tenha envolvido o processamento de um habeas data71, mas pode, se assim o quiser, prever fatores (factors) que levariam à admissão (ou à inadmissão) do processamento da ação e ao julgamento de mérito (procedência ou improcedência). Um exemplo mais realista ocorre quando o julgador estuda um primeiro caso e define os fatores (de improcedência ou procedência do pedido, por exemplo), e, a partir disso, programa mentalmente que, na hipótese de surgir outro caso representado por determinados outros fatores, desde já haja uma decisão pré-programada. Esse tipo de abordagem passa por uma evolução quando o julgador pode transferir essa programação do espaço puramente mental para o desenvolvimento de sistemas de IA judicial. Observe-se que não se fala necessariamente, nesse caso, em uma IA que é um simples repositório de regras e fatores que indicam casos do passado, ou mesmo de um modelo preditivo baseado em aprendizado de máquina. O que se revela é a individualização da norma jurídica para um caso hipotético, ou 68 BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and values. BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and values. 69 70 BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and values. Na prática, as ações de habeas data são bastante raras, haja vista o manejo de outros tipos de ações que alcançam resultado análogo e que têm maior maleabilidade quanto aos pedidos que podem ser veiculados pelas partes do processo. 71 [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 429 Sérgio Rodrigo de Pádua seja, é o Juiz que, segundo sua pré-compreensão do Direito (e sua pretensão de correção), molda o sistema de IA judicial. Esse tipo de abordagem pautada na definição do que fazer (como julgar) se determinadas hipóteses se realizarem é uma prática relativamente comum, pois os magistrados usualmente orientam suas assessorias como agir em determinados casos. Kevin Ashley, por sua vez, entende que fatores (factors) que descrevem casos passados não necessariamente determinam valores, preferências entre estes ou uma ordenação de valores que possam ser tratados em uma argumentação jurídica para um juiz decidir um novo caso, pois Ashley considera equivocado caracterizar a representação de valores dessa forma, uma vez que isso simplificaria demais a argumentação baseada em valores.72 Isso ocorre porque o modelo B-CS se baseia na descrição de todos os casos considerados relevantes para o problema, nas descrições de todos os fatores escolhidos para representar os casos, na representação de todas as regras disponíveis para a explicação dos casos e no estabelecimento de todas as preferências entre regras e valores disponíveis para a resolução de conflitos entre regras.73 Desse modo, a descrição de todos os casos considerados relevantes no microssistema (o que envolve a identificação dos fatores) se limita a representar os casos, as regras disponíveis para a explicação desses casos e as preferências para a resolução de conflitos entre regras. Contudo, tudo isso foca no campo da representação detalhada dos fatores de um caso, algo que não se pode alcançar com valores prima facie.74 Nessa argumentação baseada em fatores ( factors) defendida por BenchCapon e Sartor, “o antecedente de uma regra é formado a partir de fatores que favorecem o resultado que forma o consequente” 75, sendo que os fatores ( factors) se relacionam com o suporte fático inerente à aplicação do Direito, bem como tem estrita ligação com os argumentos práticos gerais. Nesse aspecto, pensar a representação do Direito através de programação de sistemas de inteligência artificial judicial envolve essa consideração, pois o modelo 72 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 15-16. BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and values. 73 74 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 159-161. Tradução livre de: “based on factors: the antecedent of a rule is formed from factors favouring the outcome which forms consequent” (BENCH-CAPON, Trevor; SARTOR, Giovanni. A model of legal reasoning with cases incorporating theories and values.). 75 [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 430 Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético B-CS tem sua utilidade em relação à explicitação do suporte fático e dos elementos argumentativos do tipo prático geral. Outro ponto relevante a se considerar é que os fatores (factors) programados podem ser a base de sugestões de aplicações do direito por analogia, o que demandará a comunicação entre os fatores de microssistemas jurídicos diferentes, de maneira que fatores que compõem a programação jurídica possam “circular” de forma controlada entre ramos diversos do Direito, caso essa seja uma necessidade em um sistema de IA judicial específico. Obviamente, o risco (e a oportunidade) dessa livre circulação dos fatores é a maior entropia do sistema, o que demanda que a analogia seja colocada como uma das possibilidades na fase da argumentação externa. Ademais, é possível conjugar fatores (factors), relacionando fatos, atos e estados de um caso hipotético com a norma proposta para decisão mediante valores. Esses fatores, por sua vez, podem ser relacionados aos conceitos jurídicos intermediados inerentes à norma jurídica representada.76 Destaca-se que o modelo B-CS não se baseia em hipóteses, mas numa abordagem cujo formalismo de julgamento se volta para as progressões de eventos77 (mediante o encadeamento de casos, regras e preferências entre regras e valores) e para representação do conhecimento relevante78, o que passa pela representação de estados, eventos e ações em interação com os modais das proposições normativas (obrigações, proibições, permissões e facultatividades)79, decorrendo da aplicação do direito (e dos valores presentes nas normas jurídicas) em cenários específicos mediante a atribuição de consequências jurídicas para os eventos presentes nos fatores (factors).80 Desse modo, é possível realizar a mediação epistêmica entre o suporte fático (que representa fatos, atos e estados) e o modelo B-CS (abstração de estados, eventos e ações, e seu relacionamento com os modais das proposições normativas), pois os modelos podem atuar de forma colaborativa para o desenvolvimento de sistemas de Inteligência Artificial judicial, ainda que as origens dos conceitos (suporte fático e modelo B-CS) sejam distintas. 76 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 23. STOPFORD, Ben. Designing event-driven systems: concepts and patterns for streaming services with Apache Kafka. Sebastopol: O’Reilly, 2018. p. 30-31. 77 78 ASHLEY, Kevin. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 28-29. 79 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 29. 80 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 29. [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 431 Sérgio Rodrigo de Pádua Por exemplo, imagine que uma petição não atenda a todos requisitos exigidos pelo art. 330, § 1º, do Código de Processo Civil. Baseado nisso, um fator (considerado aqui como uma parcela da representação do suporte fático abstrato posteriormente verificada no suporte fático concreto81) pode desencadear uma consequência jurídica (intimação do autor para emendar a petição inicial) cuja regra está pressuposta na programação (abstração e heurística), mas não está escrita na programação. Noutro exemplo, qual é o melhor meio de prova para um ato do mundo fático que deixa vestígios físicos? Um sistema de IA judicial pode ser programado para, com base na alegação de um tipo de fato pela parte, determinar uma espécie de produção probatória pela parte. Assim, o desenvolvimento de sistemas de IA judicial leva em conta elementos de diversos paradigmas de programação, como: domain-driven design (baseado no estudo do domínio82 com especialistas na área de interesse)83, data-driven design (pautado na análise de dados reais para a tomada de decisões)84 e event-driven design (considerado o suporte fático representado através de eventos que disparam a informação para processamento pelas camadas subsequentes do sistema, o que é também considerado para eventos subsequentes encadeados até um resultado).85 Mais do que um especialista em programação, o engenheiro jurídico (ou o assessor desenvolvedor) deve conhecer as possibilidades de cada uma dessas abordagens, pois cada problema tem seus desafios e individualidades a serem tratadas. Diante dessa inafastável conexão do direito com o que acontece no mundo, Alexy ressalta que sempre é possível retornar aos argumentos empíricos86 , motivo pelo qual o modelo B-CS, ao se valer de fatores ( factors) para representar eventos, estados e ações, pode ser utilizado como base para a construção de sistemas de IA judicial. Perceba-se que na abordagem deste artigo, mediante a mediação entre os pensamentos de Alexy e Bulygin, o Universo das Propriedades (UP) traz os elementos necessários para a aplicação da norma jurídica, conceito que, em colaboração epistêmica possível para os modelos de Teoria do Direito adotados, auxilia na compreensão do suporte fático abstrato. 81 82 No caso, o domínio é o Direito, representado parcialmente nos sistemas de Inteligência Artificial judicial. EVANS, Eric. Domain-driven design: atacando as complexidades no coração do software. 3. ed. Tradução: Tibério Júlio Couto Novais. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016. p. 198. 83 84 PROVOST, Foster; FAWCETT, Tom. Data science para negócios. Rio de Janeiro: Alta Books, 2016. p. 15. STOPFORD, Ben. Designing event-driven systems: concepts and patterns for streaming services with Apache Kafka. p. 30-31. 85 ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. p. 182. 86 [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 432 Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético Na prática, quando se busca implementar argumentação jurídica através de sistemas de inteligência artificial, sempre que for necessário representar o mundo fático, os fatores (factors) podem ser utilizados como uma técnica possível para esse fim, o que se adequa às exigências da argumentação jurídica. 4. Conceitos jurídicos intermediados (ILCs), o suporte fático hipotético e a abordagem híbrida Outro modelo a ser abordado para a programação de sistema de inteligência artificial judicial se baseia nos conceitos jurídicos intermediados (intermediate legal concepts), que trazem para dentro da programação de sistemas de inteligência artificial judicial a representação da norma jurídica e de sua proposição. Ou seja, a regra jurídica é incorporada, em si mesma, na programação do sistema de inteligência artificial. O modelo de ILCs (intermediate legal concepts)87 defendido por Kevin Ashley apresenta vantagens por possibilitar a representação heurística na argumentação jurídica (interna e externa), de maneira que o sistema de IA judicial pode ser moldado em termos de conceitos jurídicos incorporados como o conteúdo da própria programação do sistema. Para melhor evidenciar o tema, segue o posicionamento de Kevin Ashley: Os ILCs têm conteúdo. Os conceitos jurídicos intermediados incorporam valores e princípios jurídicos, como Lindahl explicou em sua resposta à visão cética de conceitos jurídicos de Alf Ross. Regras jurídicas formadas em termos de conceitos jurídicos intermediados que incorporam princípios subjacentes, geram explicações transparentes e normativamente coerentes de decisões que fornecem diretrizes para lidar com casos novos e problemáticos [tradução livre].88 Desse modo, é natural que existam preferências do julgador entre as interpretações possíveis, as quais podem ser representadas diretamente em conceitos 87 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 15-16. 88 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 17. [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 433 Sérgio Rodrigo de Pádua jurídicos intermediados (ILCs).89 Num maior aprofundamento da questão, um caso sobre o qual foram decididas preferências a respeito de determinados valores constitucionais é a representação de uma regra baseada em fatores (factors), o que pode ser usado para justificar a preferência representada.90 Dessa forma, é preciso mapear os argumentos dos casos passados e relacioná-los com os fatos atuais mediante uma rica representação91, de modo que se busque inferir respostas a partir disso. Sendo assim, um sistema de IA judicial que utilize a abordagem híbrida (modelo B-CS + ILCs) irá se basear em esquemas de argumentos básicos (regras de senso comum, argumentos de norma e argumentos de valor), bem como empregará esquemas mais complexos, como o argumento da consequência desejável, da consequência desejável mais provável, da consequência desejável menos provável e argumentos correspondentes das consequências indesejáveis.92 Dessa maneira, ocorre um passo rumo ao processo de individualização da norma jurídica através da escolha de conceitos jurídicos intermediados (ILCs) com base nos quais o legislador ou o juiz formulam uma regra jurídica, o que é uma maneira pela qual o legislativo e o judiciário tentam acomodar prospectivamente os valores constitucionais conflitantes, antecipando os cenários nos quais surgirão.93 Nesse sentido, as preferências entre possíveis regras surgidas do conflito de princípios podem ser representadas como parte da programação do sistema de IA judicial94, sem que isso impossibilite uma nova rodada de superação dos argumentos através da pretensão de correção. Nesse caminho, para além do suporte fático abstrato95 (da norma) e do suporte fático concreto (dos fatos), há o suporte fático hipotético vinculado àquilo que as partes buscam demonstrar através de seus discursos argumentativos. Como o suporte fático concreto leva à individualização do suporte fático abstrato, um 89 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 26. 90 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 26. 91 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 28. 92 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 31. 93 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 17. 94 ASHLEY, Kevin D. Evaluating the uses of values in a model of legal reasoning. p. 18. SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 67-68. 95 [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 434 Inteligência artificial judicial e a representação do suporte fático hipotético discurso sobre o suporte fático ainda não concretizado pode ser caracterizado como suporte fático hipotético presente diretamente no sistema de IA judicial. Essa abordagem é necessária para que as hipóteses fáticas sejam testadas e esquadrinhadas por sistema de IA judicial, uma vez que, mediante a aplicação de um princípio cujo mandamento é apenas prima facie, consideradas determinadas condições do caso concreto (um dado suporte fático), pode surgir uma regra como mandamento definitivo.96 A partir disso, uma regra R’ advinda de uma regra R ou de um princípio P pode ser representada em termos de conceito jurídico intermediado em um sistema de IA judicial. Assim, com uma abordagem baseada no Direito e na argumentação jurídica, é possível se preparar para cenários hipotéticos como uma ferramenta para analisar como as normas jurídicas poderiam ser aplicadas em diversas situações fáticas. Tais cenários hipotéticos podem ser previamente desenvolvidos para servirem de base para os sistemas de Inteligência Artificial judicial, vindo a auxiliar na compreensão das implicações práticas das normas jurídicas. 5. Conclusão Para a aplicação de normas jurídicas é necessário delimitar a base fática a ser considerada pelo intérprete, o que se traduz no suporte fático, fio condutor da interpretação jurídica através do mundo da vida. Nesse enquadramento, o presente estudo chegou a resultados no sentido de que, nos sistemas de IA judicial, deve existir uma adequada representação do suporte fático necessário à interpretação do Direito, considerando-se os aspectos jurídico-normativos e a pretensão de correção que se verificam através de fatores (factors) e conceitos jurídicos intermediados (ILCs) voltados ao desenvolvimento de sistemas de apoio à decisão judicial. Desse modo, com a simbiose entre os marcos teóricos adotados e a abordagem desenvolvida no presente artigo, mostra-se possível a definição de um suporte fático hipotético inserido na programação ou nos modelos de IA, categoria teórica que é necessária para o reconhecimento de que o Direito também se manifesta 96 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 107. [ SUMÁRIO ] SUPREMA – Revista de Estudos Constitucionais, Brasília, v. 3, n. 1, p. 415-438, jan./jun. 2023. 435 Sérgio Rodrigo de Pádua através de sistemas computacionais baseados em tecnologias de Inteligência Artificial jurídica. Portanto, torna-se necessário o reconhecimento do suporte fático hipotético como uma manifestação do Direito por meio de sistemas de Inteligência Artificial de apoio à decisão judicial, pois isso é fundamental para o desenvolvimento de sistemas que mantenham o equilíbrio entre a Teoria do Direito e a Ciência da Computação. Sendo assim, ao se criar suportes fáticos hipotéticos junto aos sistemas de IA judicial, pode-se imaginar determinados fatos, atos e estados que não tenham necessariamente ocorrido na realidade, embora tenham a função de servir como uma base para a análise a ser realizada com o auxílio computacional. A concepção de cenários hipotéticos para o suporte fático é uma prática adequada para o desenvolvimento da argumentação jurídica voltada ao funcionamento de sistema de IA judicial, o que leva à configuração do chamado suporte fático hipotético. Tais considerações indicam que, na atual fase de desenvolvimento da relação híbrida Juiz-IA, a conceituação do suporte fático hipotético concilia mundos diferentes (Direito e tecnologia), o que traz um dos aspectos que possibilitam a legítima integração entre o Direito e a Inteligência Artificial. Assim, o suporte fático hipotético tem o potencial de aprimorar as abordagens para desenvolvimento de sistemas de IA judicial. Referências ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. Normative systems. New York: Springer-Verlag, 1971. ALEXY, Robert. Conceito e validade do direito. Tradução: Gercélia Batista de Oliveira Mendes. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. ALEXY, Robert. 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