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REVISTA de MARINHA, no. 1033, Maio-Junho de 2023

Revista de Marinha no. 1033. Mergulho e Náutica de Recreio. Mais, varia.

Maio/Junho 2023 N.º 1033 Mergulho e Náutica de Recreio Maio/Junho 2023 I Periodicidade Bimestral Diretora: Paula Marques I N.º 1033 Desde 1937 a informar todas as gerações sobre Oceanos, Mares e Rios. Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 71 PUB PUB EDITORIAL FICHA TÉCNICA EDITORIAL Fundada em 1937 | Ano: 86 Nº 1033 Editora/Diretora Paula Marques Anteriores Editores/Diretores Maurício de Oliveira (Fundador); Gabriel Lobo Fialho; Alexandre da Fonseca (atual Presidente do Conselho Consultivo Editorial). Conselho Consultivo Editorial António Balcão Reis, António Peters, Armando Marques Guedes, Artur Pires, Assunção Cristas, Augusto Alves Salgado, Carlos Seixas da Fonseca, Eduardo de Almeida Faria, Élvio Leão, Fernando Paiva Leal, Francisco Espregueira Mendes, Isabel Paiva Leal, Isabel Pereira, Jaime Leça da Veiga, Janete Gonçalves, João Paulo Delgado, João Rodrigues Gonçalves, Joaquim Bertão Saltão, Joaquim Monteiro Marques, João Brito Subtil, João Fernandes Abreu, José Ribeiro e Castro, José Rodrigues Pereira, Luís Miguel Correia, Luis Monteiro, Manuel Almeida Ribeiro, Manuel Oliveira Martins, Maria João Bebiano, Miguel Vieira de Castro, Nuno Fernandes Thomaz, Nuno Sardinha Monteiro, Orlando Temes de Oliveira, Paulo Gama Franco, Pedro Amaral Frazão, Pedro Carvalho Esteves, Reinaldo Delgado, Rui Matos, Teófilo Pires Tenreiro e Victor Gonçalves de Brito. Os artigos publicados na Revista de Marinha e assinados refletem as perspetivas dos seus autores. Os artigos e fotografias incluídos nesta edição não podem ser reproduzidos sem autorização. O Estatuto Editorial pode ser consultado no site da Revista de Marinha em https://revistademarinha.com/estatuto-editorial/ Capa: Cortesia Pedro Gomes Para todos os assuntos relacionados com a Revista de Marinha, por favor contactar: [email protected] Estimados leitores da Revista de Marinha, Quando lemos qualquer uma das obras de Raul Brandão, percebemos que quem vive e convive com o mar tem uma cultura muito forte e singular. Tem uma linguagem própria e uma simbologia que apenas aqueles que vivem essa cultura, conhecem e entendem. Quando lemos os “Pescadores” ou as “Ilhas desconhecidas”, percebemos que afinal não existe apenas uma cultura marítima, mas sim, uma enorme diversidade de formas de garantir a coesão social em grupos que partilham a vida perto e dentro do mar. A cultura marítima é um valiosíssimo ativo intangível para qualquer nação e é criada e desenvolvida através de processos de aprendizagem e de transmissão cultural, onde os mais juniores observam e imitam os mais seniores e, assim, adotam comportamentos, valores, símbolos, crenças, mitos, histórias e valores que permitem manter a continuidade do conhecimento, ao longo do tempo. O facto de Raul Brandão ser descendente de pescadores explica o motivo pelo qual o mar está sempre presente em cada palavra que nos deixou. Assim, o conhecimento de todos os símbolos e das linguagens associadas ao mar, revela-se de uma grande importância, porque é através destes símbolos e destas linguagens que garantimos que, uma grande parte do conhecimento mais complexo, seja mais facilmente transmitido de uma determinada geração para a geração seguinte. As duas extraordinárias entrevistas que incluímos nesta edição, são um claro exemplo de como o contacto, em tenra idade, com o mar, observando as comunidades marítimas, participando de rotinas e de atividades que envolveram o mar, permitiu a criação, nos seus protagonistas, de uma forte cultura marítima. Ao lermos a entrevista do mergulhador Paulo Franco que tem, na Madeira e nos Açores, alguns dos seus lugares preferidos para mergulhar, mas que um dia sonha experimentar o mergulho no gelo, percebemos como o contacto bem cedo com o mar e dentro de um ambiente familiar, que permitia arriscar, despertou uma curiosidade que mais tarde se transformou numa profissão. As crianças de hoje precisam perceber que o mar está cheio de inúmeras possibilidades de futuro. Da mesma forma, quando lemos as palavras do pintor Fernando Lemos Gomes, que nos anos 50, na cidade do Funchal percebeu a importância que o mar tinha para o ser humano e, por isso, decidiu imortalizar esse enorme valor, nas suas telas, conseguimos perceber como são importantes atividades como o mergulho, os desportos náuticos, a observação de cetáceos, o mergulho com jamantas ou tubarões, entre outras, porque todas elas aproximam os seres humanos do mar. Nesta edição, revelamos os aspetos importantes do Dia da Marinha, celebrado na cidade do Porto, e o Dia do Pescador que contou com diversas atividades em vários pontos do país. Partilhamos também a intensa aventura de Frederico Rezende, numa das suas navegações. A celebração do Dia Mundial dos Oceanos, a maior participação de sempre naSeafood, o exponencial crescimento do Registo Internacional de Navios da Madeira, fazem parte das relevantes notícias incluídas nesta edição. Terminamos com as sempre entusiasmantes crónicas da Revista de Marinha que nos levam a viajar por muitos pontos deste nosso mar. Boas leituras! Paula Marques Revista de Marinha (ERC nº 104351): Endereço da Sede, do Proprietário, da Redação e do Editor - Rua António Graça, 97, 4490-471, Póvoa de Varzim. Propriedade da Barco à Vela Editora, Lda., NIPC 516 835 360. e-mail: [email protected]; www.revistademarinha.com; A Barco à Vela Editora, Lda. está inscrita no registo das empresas jornalísticas sob o nº 224084; o capital desta empresa está repartido por duas quotas iguais, de 50% cada, pertencentes a Paula José Martins João Maio Marques e José Miguel Dantas Maio Marques; gerente: Paula José Martins João Maio Marques. Paginação: Barco à Vela Editora, Lda. Impressão e Acabamento: Gráfica Diário do Minho - Rua de S. Brás, 1 - 4710-073 Braga - Portugal, e-mail: [email protected]; www.grafica.diariodominho. pt; Tiragem deste número: 2500 exemplares; Distribuição: VASP, MLP - Quinta do Grajal Venda Seca 2739-511 Agualva Cacém, Tel. 214 337 000. Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 01 SUMÁRIO Madeira, destino de mergulho…. ou destino com mergulho? Ecoturismo marinho: abrindo o caminho para a economia azul? Oportunidades e desafios Orcas Só acontece aos outros... Manifestar o potencial da Energia Eólica offshore em Portugal 46 TX-12.00, a inovadora ambulância marítima 35 para resgates em áreas de difícil acesso O dilema da descarbonização. Quando os regulamentos estão à frente da tecnologia 48 Ordem Militar do Colar de Santa Ágata de Paternò 36 Contratos e Equilíbrios – a prepotência “cláusulal” 51 Maior participação portuguesa de sempre na Seafood Expo Global 2023 36 Dumping social no setor marítimo 52 O The Nautical Institute e a sua contribuição para a Segurança Marítima 54 “Século XXI, a (r)evolução na Vela” 58 Património cultural subaquático no Brasil 62 E do paraíso pingou S.Tomé 63 Exposição temporária de modelismo naval “Navios e Embarcações – Atualidades e Memórias” 65 Universe Patriot MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO 04 08 11 34 ENTREVISTAS Paulo Franco 16 Fernando Lemos Gomes 21 Dia da Marinha celebrado na cidade do Porto 24 Dia do Pescador 26 Conferência 2023: “Icomia World Marinas” Jogo de Futebol promove Transporte MarÍtimo registado em Portugal 40 A Confraria Marítima de Portugal – Liga Naval Portuguesa reuniu no Minho A Mercury renova o patrocínio da Bass Nation Portugal 42 28 29 Apoio de Portugal à Beijing Convention on the Judicial Sale of Ships é positivo para o Registo Internacional de Navios português 43 Bandas militares recebem condecoração Cerimónia de Compromisso de Honra do 37.º Curso de Formação de Agentes da Polícia Marítima 38 Tomada de posse do Presidente do Centro 40 de Estudos Estratégicos da Marinha ATUALIDADE Portugal e o Mar Engenharia Azul debatida na Madeira O MAR que impulsiona a ambição marítima de Portugal 30 Unidade Central de Investigação Criminal da Polícia Marítima realiza megaoperação conjunta ESCAPARATE GUALDROPES e LEME 70 Heterónimos do Mar 71 Science & Society 71 44 44 30 ARQUIVO HISTÓRICO CRÓNICAS Dia Mundial dos Oceanos: Viana do Castelo 31 é exemplo e referência na Economia Azul Propulsão Sustentável Gotemburgo, centro de E-fuels A Revista de Marinha há mais de oitenta anos … nº 87 72 45 Onda de Solidariedade Incentiva Renascimento 33 de Unidade Industrial da Lugrade Desde 1937 a informar todas as gerações sobre Oceanos, Mares e Rios. 02 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios M15 M17 M19 VR4 VR4 OB VR5 VR5 OB VR6 VR6 OB www.global.bayliner.com PUB www.touron-nautica.com     Cortesia Pedro Gomes MADEIRA, DESTINO DE MERGULHO…. OU DESTINO COM MERGULHO? C onsiderada por muitos como o melhor destino insular do mundo, a Madeira tem, no seu todo, um destino de turismo de eleição. Visitar a Madeira não é só com o intuito de mergulhar nem nunca pode ser essa a forma de pensar sobre este destino. A ilha tem um grande risco associado à sua visita: quem a visita quer sempre cá voltar. E quando pensamos que a Ilha é pequena e que em alguns dias conseguimos ver tudo estamos completamente errados. A Madeira tem tanto para oferecer, que uma semana é o mínimo para cá estar. A oferta é tao grande, que tem para todos os gostos e idades. Para poder falar de tudo o que nós temos, a revista não era suficiente, por isso só me vou focar numa área que é o mar e na observação da sua vida selvagem, seja à superfície seja debaixo de água. 04 Começando pela superfície, a Madeira apresenta se como um destino onde a observação de cetáceos tem um papel importante, tanto na economia da região, assim como na procura por parte do visitante. Com a passagem de 29 espécies de cetáceos pela região, a probabilidade de avistamento é muito elevada durante todo o ano. Destas 29 espécies, duas são consideradas residentes pois podem ser observadas durante todo o ano, como é o caso das baleias piloto e dos golfinhos roazes. A observação de cetáceos é uma das atividades a não perder na visita à Madeira e, caso haja a possibilidade de nadar com os golfinhos, então temos o que podemos afirmar como a cereja no topo do bolo. É uma experiência para toda a vida que nunca mais iremos esquecer. Além dos cetáceos, podemos acrescentar as aves marinhas, as tartarugas | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios e os gelatinosos que são tudo espécies com uma possibilidade muito alta de ser avistados, não esquecendo o famoso lobo marinho, que muitas vezes aparece nas zonas mais a leste da ilha, com a sua residência nas ilhas desertas. Passando para debaixo de água, somos um destino onde 99,9 % das vezes é sempre possível mergulhar, durante todo o ano. Alguns pontos de mergulho são mais interessantes que outros, mas não deixando de destacar o Garajau, Baixa da Cruz e as Corvetas como pontos de maior interesse, sem nos esquecermos do Porto Santo onde a visita à corveta Pereira de Eça e ao Madeirense são duas passagens obrigatórias. Falando um pouco do Garajau, é um local onde podemos observar os meros como grande referência deste ponto de mergulho. Com águas cristalinas e uma grande variedade de espécies onde os MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO pelágicos também aparecem e onde podemos mergulhar até aos 28-29 metros dentro da reserva do parque natural do garajau. A baixa da Cruz, situada a frente de Machico, é um outro ponto de mergulho onde já podemos evoluir um apouco mais fundo chegando a atingir os 34m onde o coral negro faz parte da paisagem submarina e os cardumes de roncadores, salemas e bicudas são parte do cenário subaquático. Falando da corveta, vamos às duas corvetas que estão na região. A Afonso Cerqueira e a Pereira de Eça. Uma no parque marinho do Cabo Girão e a outra no Porto Santo. Ambas afundadas com o propósito de funcionar como um recife artificial visitável por todos os mergulhadores que queiram lá ir. Tanto a localizada na madeira como a do Porto Santo são mergulhos a não perder com muita vida marinha e com uma profundidade média de 20 m atingindo o ponto mais fundo nos 30-33m e o topo na cota dos 10m. Cortesia Pedro Gomes Cortesia Pedro Gomes Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 05 Cortesia Pedro Gomes O Madeirense, o mais antigo recife artificial criado na região, ainda continua a ser uma boa opção para quem visita o Porto Santo. Começando a mostrar alguma destruição pelo tempo de permanência no fundo, ainda mantém um nível de mergulho bastante bom com alguns meros residentes e muita vida em redor. Neste ponto de mergulho, podemos evoluir dos 16 até aos 34m. Estes são apenas alguns dos pontos de mergulho que considero mais interessantes e acessíveis, existindo uma grande variedade de outros pontos de mergulho com interesse. Voltando à nossa bela ilha, a Madeira é de todos e para todos onde uma passagem pelos miradouros, levadas e passeio pela serra são obrigatórios não esquecendo o nascer e pôr do sol ilhéu. Muito se podia escrever sobre esta pérola no meio do atlântico, mas só mesmo visitando para acreditar. Visite o nosso mar, visite a MADEIRA. Pedro Gomes Cortesia Pedro Gomes 06 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO Cortesia Pedro Gomes Cortesia Pedro Gomes Cortesia Pedro Gomes Cortesia Pedro Gomes PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 07 Cortesia Jorge Fontes ® OKEANOS UAç ECOTURISMO MARINHO: ABRINDO O CAMINHO PARA A ECONOMIA AZUL? OPORTUNIDADES E DESAFIOS O Cortesia Jorge Fontes ® OKEANOS UAç 08 ecoturismo marinho (MET) é um setor fundamental nas estratégias de economia azul de muitas nações costeiras e ilhas. O MET é geralmente definido como “viagens responsáveis para áreas naturais que conservam o meio ambiente, promovem o bem-estar da população local e envolvem interpretação e educação”. Atividades como a observação de cetáceos (whale watching), o mergulho com jamantas ou tubarões e a pesca desportiva de grandes pelágicos (big game fishing, catch and release), quando conduzidas e geridas de forma sustentável, são fortes promotores do bem-estar humano e geram benefícios muito além do setor do turismo. A nível pessoal, proporcionam oportunidades de desenvolvimento intelectual, desenvolvimento físico e | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios emocional. Em segundo lugar, O MET tem o potencial de promover o desenvolvimento socioeconómico dentro de uma região, através do efeito multiplicador, das despesas dos visitantes, na economia. Finalmente, o MET pode criar incentivos para a gestão integrada do oceano e, assim, aliviar a pressão sobre alguns recursos sobre explorados, bem como influenciar, a sociedade e os decisores políticos, a dar mais ênfase à conservação do oceano. A nível nacional, os Açores são um destino internacionalmente reconhecido para a prática destas atividades. O capital natural e cultural destas ilhas, águas transparentes, paisagens magníficas, abundância de espécies icónicas (baleias, tubarões, marlins, etc.), bem como, várias políticas de conservação do mar, sus- MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO Cortesia Jorge Fontes ® OKEANOS UAç tentaram uma estratégia orientada no sentido de divulgar os Açores como um ‘destino azul’; resultando em prémios que reconhecem os Açores como um dos melhores destinos mundiais para o turismo sustentável. Um estudo recente (*), conduzido por uma equipa do Okeanos (Universidade dos Açores) e CCMAR (Universidade do Algarve), demonstrou que o impacto socioeconómico do MET, representa 2,2% do PIB regional, superando as receitas de outros setores mais tradicionais. Demonstrou também que os visitantes que procuram estas atividades, têm estadias mais longas e deixam mais dinheiro na região, comparativamente aos visitantes tradicionais. Contudo, este estudo também deixou claros alguns dos desafios que ameaçam a sustentabilidade a longo-prazo deste sector. A falta de mecanismos de monitorização que recolhem dados, de forma sistemática, sobre o impacto ecológico e socioeconómico deste setor, sobre o seu impacto no bem-estar das populações humanas residentes, e a falta de investimento em mecanismos com vista à neutralidade carbónica e à digitaliza- PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 09 Cortesia Jorge Fontes ® OKEANOS UAç ção deste setor, são exemplos desses desafios. O rápido crescimento desta indústria, a sua forte ligação a outros setores económicos (restauração, alojamento, viagens, etc.) e sua dependência do bem-estar ambiental, exige um maior compromisso com os princípios da sustentabilidade. Se o MET pretende atingir objetivos e metas da economia azul sustentável, há uma necessidade premente de examinar modelos alternativos de desenvolvimento para este setor. Estes modelos terão que estar alinhados com os princípios da neutralidade carbónica, com o bem-estar das populações residentes e, acima de tudo, com a conservação do oceano e dos seus recursos. (*) Adriana Ressurreição, Frederico Cardigos, Eva Giacomello, Nuno Leite, Frederico Oloveira, Michel J. Kaiser, Jorge Gonçalves, Ricardo Serrão Santos. The value of marine ecotourism for an European outermost region (2022). Ocean and Coastal Management 222:106129 Adriana Ressurreição CCMAR Cortesia Jorge Fontes ® OKEANOS UAç 10 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios Cortesia Frederico Rezende ORCAS SÓ ACONTECE AOS OUTROS... D emorei vários meses até “descobrir” o meu novo barco. Demorei algum tempo nas negociações, visitas, experiências e entrega final do mesmo. É um Hanse 461 de Bandeira Irlandesa que se encontrava na Cidade de Melilla, enclave Espanhol no Reino de Marrocos, na bacia do Mediterrâneo no Mar de Alboran. Inicialmente estava previsto receber o barco no final de Março, mas tal só veio a acontecer no início do mês de Maio de 2023. Depois de formalizadas as burocracias, recebi o barco. Estive um dia a arrumar o barco, a fazer limpezas, e retirar bastantes coisas do barco que pertenciam aos anteriores proprietários e que não me iriam fazer falta. Os anteriores proprietários faziam do barco casa de férias e não navegavam com ele. O depósito do gasóleo de 260 litros estava quase cheio, mas fiz o atesto completo e, além disso, coloquei mais 4 jerrycans de gasóleo extra, pois no primeiro dia no Mediterrâneo estava previsto muito pouco vento e iria precisar de motor. Aguada feita, compras de supermercado para 5/6 dias para navegar direto até à Madeira ou, se necessário, fazer uma paragem em La Linea de la Concepción, mesmo ao lado de Gibraltar. Saí Sexta-feira, dia 5 de Maio, de Melilla, de manhã. Ao sair da Marina de Melilla, e ainda no Porto com alguma ondulação, quando estava a recolher as defensas, o motor começou a falhar. Para quem estava a iniciar uma viagem de várias horas apenas a motor, não era de todo um bom augúrio. Por questão de precaução, voltei para a Marina. Nem sei como lá consegui chegar. Desconfiei que haveria problemas na chegada de gasóleo ao motor. Estive, nessa tarde, a desmontar os camarotes da popa de forma a no outro dia ter acesso ao depósito. O prognóstico, que se confirmou, era que o gasóleo teria pelo menos cinco anos Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 11 Cortesia Frederico Rezende (vim a saber depois de ter “apertado” com o vendedor do barco) e estava podre. No dia seguinte, tirei todo o gasóleo do depósito, que estava castanho escuro, e além disso, depois de abrir as tampas de visita do depósito, vi que estava cheio de detritos o que colmatou o pré-filtro e o filtro. Tudo limpo ao fim de um dia de trabalho e, com mudanças de filtros por várias vezes, até ficar o circuito sem impurezas. Mais um dia em terra. Saí no dia seguinte. Como referi, estava previsto não haver vento no denominado Mar de Alboran até ao Estreito de Gibraltar. Iria entrar vento na zona do Estreito apenas no dia seguinte, pela hora de almoço. Fiz uma viagem aborrecida, sem vento. Inclusive jantei ao luar, sozinho, com copo de vinho tinto, só um, de pé alto em cima da mesa. No entanto, demorei mais do que estava previsto e, quando cheguei à zona 12 do Estreito, comecei a apanhar mar de proa, muito vento de proa também e, como me atrasei, também perdi a maré. Ainda tentei fazer uns bordos pois estava com medo que as velas se rasgassem quando não estavam minimamente cheias, mas ao fim de alguma horas desisti, cacei as velas e fui apenas a motor. A 2.500 rpm de motor, que se chegou a queixar muito, tive alturas de fazer 0,0 kns, 0,2kns, 0,5kns, até que abrandou um bocadinho e lá consegui fazer 2/3 kns e cheguei a La Linea de la Concepción, que faz fronteira com Gibraltar. Cansado mas contente. Voltei a encher o depósito de gasóleo assim que entrei na Marina e depois fui para o lugar que me destinaram. Amarrei o barco, lavei-o e fiz uma vistoria geral. Aquando da vistoria ao motor, constatei que a correia se estava a desfazer e que não seria seguro prosseguir a via- | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios gem sem mudar a correia. Tal deveu-se ao motor ter muito poucas horas e ter estado parado durante muito tempo e uma das polias tinha ferrugem e “comeu” a correia. Era Sábado. No Domingo as lojas também estavam todas fechadas. Tinha que esperar por “Lunes”! No Domingo à tarde estava eu de volta do barco, (consigo passar um dia inteiro no barco a apertar e a desapertar e a limpar e, quando dou por isso, passou o dia num instante), quando chegou e parou ao meu lado um antigo veleiro de chapa de ferro com dois tripulantes. Um Espanhol e um Francês. Vinham um pouco alterados. Ouvi falar em Orcas. Fui falar com eles. Tinham tido um ligeiro ataque de Orcas mas tinham conseguido fugir. Durou 20 mins. “À tope”, disse-me ele. Ou seja “prego a fundo” e fugir dali para fora. Não tiveram danos. Iam para França na zona do Mediterrâneo. Estavam safos. MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO Passei o resto da tarde a analisar alguns sites sobre o assunto e cheguei à conclusão que para sair do Estreito e entrar no Atlântico o melhor, à data, seria junto ao Cabo Spartel o cabo mais a Noroeste de Marrocos e depois descer para a Madeira. Iria pelo Canal de Navegação do Estreito até meio e depois rumaria a Sul para a Costa Norte de Marrocos e seguiria a linha de costa até ao Cabo e virar para baixo. Assim foi. Para aproveitar a descida da maré no Estreito, esperei pela hora de almoço e saí de La Linea. Vento de proa a saltar o que me obrigou a além de alguns bordos ir também a motor. Quem não faz o trabalho de casa é penalizado. Foi o que me aconteceu. Já tinha passado o través do Cabo Spartel e já era de noite quando fiquei preso numa rede de pesca. Não sabia que os Marroquinos, ao final da tarde, lançavam redes naquele local. O barco estava preso nas redes e tinha as velas em cima. O estai foi fácil de enrolar, mas a vela grande estava cheia, não conseguia aproar o barco de forma nenhuma e, foi com muita dificuldade, e depois de uma queda para cima do convés, ao tentar subir ao mastro, que, com muita dificuldade consegui baixar a grande. Calma! O passo seguinte foi tentar libertar a rede. Despi-me e mergulhei à noite. Uma faca presa nos dentes, uns óculos do anterior proprietário e uma lanterna normal numa das mãos. Passado muito pouco tempo e, dado que as redes eram muitas, as redes começaram-me a prender as pernas e arrastaram-me para baixo de água. Quanto mais dava às pernas mais as pernas ficaram presas. Mesmo debaixo de água, à noite, e a ser arrastado, tive o discernimento de parar para pensar. Consegui com muita calma imobilizar-me e, devagarinho, libertar Cortesia Frederico Rezende Vila Real de Santo António Cascais, PORTUGAL +351 214 692 024 Barcelona, ESPANHA +34 933 601 101 Rio de Janeiro, BRASIL +55 21 3942 8828 Vigo, ESPANHA +34 986 906 770 www.lindley.pt PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 13 Cortesia Frederico Rezende as redes das pernas. Uma de cada vez. Quando cheguei à superfície tinha os pulmões a explodir. Saltei imediatamente para a escada do barco e não mais voltei a mergulhar. Pedi ajuda, e, em muito pouco tempo, um Navio da Marinha Marroquina auxiliou-me e rebocou-me para Tanger. Ao chegar a Tanger, por volta das 2h00, já estavam à minha espera para me ajudarem. Extremamente eficientes os nossos vizinhos de Marrocos. Estava um funcionário da Marina, um funcionário da Alfândega e um Polícia, bem como um mergulhador que, mesmo à noite e ao fim de uma hora, retirou completamente as redes do barco. Às 5.00 estava novamente pronto para zarpar. Descansei umas horas e após as formalidades aduaneiras, saí de Tanger por volta das 10.00. Como se costuma dizer, “à primeira todos caem”. E eu não queria ser apanhado nas redes outra vez. Disseram- 14 -me que as redes só seriam colocadas à noite desse dia, mas eu não quis, de modo nenhum, arriscar. Assim, saí de Tanger com rumo completamente a Norte e dirigi-me para o canal de navegação do Estreito. Quando lá chegasse, mudava o rumo a Poente e sairia para o Mediterrâneo. E foi o que fiz. E o que fiz, foi meter-me na boca do lobo. Já perto de sair para o Atlântico, e quando estava a preparar o almoço, senti um embate no casco do barco. Outro logo de seguida. O mar não estava agitado pelo que percebi de imediato que seriam orcas. Assim que saí, vi três animais. O procedimento que adoptei, (hoje faria exactamente ao contrário pois de acordo com o recomendado em orcas.pt deveremos tentar fugir o mais rápido possível), foi de imobilizar por completo a embarcação, desligar comunicações | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios e sistemas de navegação para não interferirem com as orcas e esperar que as orcas percam o interesse e se vão embora. Atacavam dois de cada vez e quase sempre o leme. Eram um casal com um juvenil. Ora atacava um progenitor com o juvenil ora atacava o outro progenitor com o juvenil. Quando raramente atacavam os dois progenitores ao mesmo tempo, o juvenil ficava ligeiramente afastado a brincar saltando fora de água de costas. Penso que estariam a ensinar a cria a ter este procedimento. Recordo-me perfeitamente que tive três sentimentos ao longo do ataque das orcas. O primeiro foi “isto não me está a acontecer. Estou a sonhar e isto não corresponde à verdade.” O segundo, depois de ter concluído que o primeiro pensamento estava er- MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO Cortesia Frederico Rezende rado foi “Deus ajuda-me para que isto passe depressa, sem danos para a embarcação para eu rumar a casa em segurança” O terceiro pensamento foi “já não tenho leme. Estou à deriva. Já não consigo saír daqui sem ajuda”. Quando concluí que estava sem leme e me encontrava à deriva, pois ao início quando as orcas investiam contra o leme, as rodas de leme mexiam-se para um lado e para o outro e me apercebi que as orcas, ao investirem contra a porta de leme e as rodas de leme não se mexiam, foi aí que decidi emitir um pedido de ajuda. Estava em águas Marroquinas. Quando emiti o pedido de ajuda, foi o Posto Rádio de Tarifa que respondeu e informou-me que iria sair de imediato uma embarcação de socorro para vir ao meu encontro. O meu pedido de ajuda também foi recebido na Capitania do Funchal. Sei que houve intervenção da “minha” Capitania junto da Marinha Marroquina. Graças a Deus. A Briosa no mar e Deus no céu. Entretanto, passado pouco tempo para este tipo de situação, chegou um Patrulhão da Marinha Marroquina. O Salva-Vidas Espanhol ao aperceber-se do Navio de Marrocos interrompeu a sua marcha, imobilizando-se. No entanto, com boa vontade de todos acabei por ser rebocado para Tarifa e não para Marrocos onde seriam muito mais difíceis todos os trâmites legais alem da reparação do barco. Quanto às orcas, mesmo com o Navio Marroquino ao meu lado e com ambas as máquinas a trabalhar, continuaram a atacar-me. Só pararam o ataque quando o Salva-Vidas Espanhol circulou várias vezes à volta do Veleiro e finalmente se afastaram. O ataque demorou uma hora e cinquenta minutos! Rebocado para Tarifa e mais tarde deslocado para La Linea de la Concepción, onde se encontra agora em substituição da porta de leme e do piloto automático e mais algumas reparações menores. Julgo que iremos necessitar da preciosa ajuda da nossa Briosa neste momento de grande preocupação para os nautas da vela nas nossas costas e criar corredores de passagem em dias/ horas previamente determinados para se poder transitar nas/de/para as nossa águas. Afinal aconteceu-me a mim. Duas angústias de momento: - A reparação do meu querido veleiro Annie Do. - Correr o risco de ter que atravessar novamente o estreito de Gibraltar até atravessar o Atlântico. Mas não vou desistir! Frederico Rezende PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 15 Cortesia Maria Póvoa Pinto - My Photo Print ENTREVISTA PAULO FRANCO A Revista de Marinha entrevistou o experiente mergulhador Paulo Franco, que nos desvendou todo o seu percurso no mundo do mergulho. Quando surgiu o interesse pelo mergulho? O meu interesse pelo mergulho começou relativamente cedo. Comecei a fazer apneia com cerca de sete anos, durante as férias de Verão com a família no Algarve, na área da praia do Vau. O meu entusiasmo, “arrastou” o meu pai para a atividade e ele passou a ser o meu parceiro de mergulho durante muitos anos. Como prenda de aniversário dos meus onze anos, recebi o meu primeiro fato de mergulho, que guardo com estima, e a partir desse momento comecei a poder mergulhar de modo mais assíduo, também durante o período escolar, na área de Sesimbra e no Algarve, onde continuámos a ir veranear. Como é que esse interesse se tornou numa atividade profissional? Na sequência do meu interesse pelo mergulho e pelo mar, sempre pensei desenvolver a minha carreira como Biólogo Marinho mas, ao chegar ao momento de decisão, tendo entrado simultaneamente na Universidade do Algarve, nesse mesmo curso, e na Escola Naval, acabei por optar pela segunda opção, tendo iniciado a minha carreira como Oficial da Marinha, em 1992. Após concluir o curso Cortesia Maria Póvoa Pinto - My Photo Print 16 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios CONSTRUINDO O COMPLEXO “PUZZLE AZUL” www. blueinfo.pt PUB e já como oficial, foi com naturalidade que fiz a opção de especialidade como Mergulhador Sapador, em 1999. Tornei-me Instrutor de Mergulho Recreativo em 2001, tendo ministrado os meus primeiros cursos no Clube Náutico dos Oficiais e Cadetes da Armada, nunca mais sessando desde então a atividade nesta área. Quais os locais onde mais gosta de mergulhar em Portugal? Porquê? Esta é sempre a pregunta que mais temo. Acho que todos os locais (e mergulhos) têm o seu encanto. Não há dois mergulhos iguais e nunca sabemos quando o mar e os seus habitantes nos vão premiar com um momento inesquecível. Tendo de fazer uma opção, talvez esta seja direcionada às nossas ilhas atlânticas, Açores e Madeira, onde temos certamente alguns dos melhores locais de mergulho do Atlântico Norte e do mundo. E noutros países? Costuma mergulhar noutros países? Onde? Comparativamente com os mergulhos que tenho em território nacional, não tenho muita experiência em mergulhos “fora de portas”. Gostei muito de mergulhar nas Caraíbas, Canadá, Mediterrâneo e Cabo Verde e tenho como objectivo, assim que possível, mergulhar no Índico, Atlântico Sul e área do Golfo do México. Mergulhar no gelo é também um objetivo que ainda não consegui concretizar. Tecnicamente, como tem evoluído o mergulho de lazer? Actualmente, em comparação com há 20 anos atrás, quais as maiores diferenças? As diferenças são muitas, algumas boas, outras nem tanto. O mergulho recreativo teve uma evolução explosiva global a partir dos anos 70 do século passado, que começou a refletir-se progressivamente no nosso país, nas décadas seguintes. Cortesia Maria Póvoa Pinto - My Photo Print 18 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios ENTREVISTA A PAULO FRANCO Cortesia Maria Póvoa Pinto - My Photo Print A padronização internacional do ensino do mergulho recreativo, com a introdução das agências internacionais de certificação, o desenvolvimento exponencial do equipamento vocacionado para mergulhadores lúdicos e a sua popularização crescente nos meios de comunicação social potenciaram o crescimento global da indústria e do nicho turístico ligado ao mergulho sendo, neste momento, um setor consolidado e em expansão, proporcionando uma circulação mundial de praticantes da atividade com um cariz de globalidade difícil de encontrar em outras atividades semelhantes e estruturas que permitem ao praticante disfrutar do mergulho com excelentes condições em praticamente todo o mundo. Naturalmente, a questão mais negativa, pese embora o esforço e sensibilização crescentes no que diz respeito às questões ambientais e de conservação, é a inevitável comparação da biodiversidade que tínhamos há 20 anos e temos agora, mesmo em locais onde o mergulho recreativo é uma das mais importantes e viáveis fontes de rendi- Para abastecer não vá contra a maré. Só depois de abastecido. Os nossos postos estão a postos ao longo de toda costa do país, com a melhor tecnologia de combustíveis e lubrificantes para aumentar o desempenho da sua embarcação. Tudo para deixar a sua viagem mais segura e o meio ambiente mais protegido. galp.com PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 19 Cortesia Maria Póvoa Pinto - My Photo Print mento. Naturalmente que as alterações climáticas, a poluição marinha e especialmente a sobrepesca são os fatores mais determinantes nesta decadência dos ecossistemas marinhos. Na sua opinião, o que procuram os mergulhadores internacionais quando vêm a Portugal? Eu diria que os maiores produtos de mergulho recreativo, em Portugal, para quem vem de fora, serão os Açores e a Madeira. São destinos no espaço europeu, com todas as vantagens logísticas que isso proporciona, onde habitualmente são avistadas espécies icónicas para qualquer mergulhador, como é o caso de grandes pelágicos, como barracudas, mantas, tubarões, etc. 20 Os diversos naufrágios disponíveis nas nossas águas, acidentais ou intencionais para fim de mergulho, que podem ser encontrados no Continente, Açores e Madeira, com destaque para os navios da Marinha descomissionados e afundados no Algarve, e nas Ilhas da Madeira e Porto Santo, são também locais de mergulho icónicos, chamando muitos entusiastas das atividades subaquáticas. Como mergulhador, o que é que mais valoriza quando mergulha? Eu sou um mergulhador bastante eclético. Gosto de mergulhar (e ensinar) em apneia e com equipamento autónomo, circuito aberto e fechado (“rebreathers”). Também acho que cada mergulho tem o seu encanto e uma história | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios para contar. Há sempre qualquer coisa nova e surpreendente que trazemos a cada imersão. Gosto naturalmente da biodiversidade, do mar a fervilhar de vida, das cores, das formas e das interações e complementaridade mágica entre os diversos seres e o meio ambiente. Gosto também muito das paisagens geológicas, da arquitetura da natureza, das passagens, dos arcos, dos Canyon e transições entre os diversos habitats marinhos. Naturalmente, os naufrágios são também pontos de grande interesse, não só por eles próprios e pelas histórias que contam, mas por serem tendencialmente zonas de grande biodiversidade, pela protecção e substrato que dão aos múltiplos seres vivos. Cortesia Fernando Lemos Gomes ENTREVISTA FERNANDO LEMOS GOMES A O interesse pela pintura nasce em simultâneo com o indivíduo. Como nasceu o interesse pela pintura? O que o levou a especializar-se como Pintor de Marinha? Revista de Marinha teve o privilégio de entrevistar o extraordinário Pintor de Marinha, Fernando Lemos Gomes. A viver na cidade do Funchal, nos anos 50, vivenciámos a importância enorme que o meio marítimo tinha para aquela sociedade. Segundo ‘Ortega Gasset’, “O Homem é indissociável do seu meio”. PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 21 Cortesia Fernando Lemos Gomes Após algum tempo, e, influenciado pelo Ambiente e Educação Estética (Universitária), fui notando e apreciando as próprias formas dos meios navais, sua importância e caráter utilitário e funcional. Naquele Porto do Funchal, existiam ainda alguns exemplos dos mais antigos Vapores de Cabotagem, a aguardar uma possível modernização. Com intenção metafórica, tentei reviver e voltar a navegar (em papel). Consagrei, em seguida, uma parte consubstancial da minha atividade à representação plástica dos assuntos marítimos. Dentro dos temas de marinha, que tipo de navios gosta mais de pintar? Todos os tipos de navios e embarcações merecem receber a mesma atenção. São produtos estudados e Cortesia Fernando Lemos Gomes 22 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios criados para diferentes finalidades, mas para utilização no meio aquático. Existe algum pintor ou estilo de pintura que o tenha influenciado mais? Porquê? Existem vários e muitos artistas que me marcaram, especialmente durante a minha juventude, nos museus marítimos da Suécia, França e Inglaterra. Destaco 3 casos de superlativa qualidade, os portugueses “Roque Gameiro” e “Alberto Sousa” e o francês “Marin Marie”. Dos seus trabalhos de pintura, existe algum que tenha um significado especial, no seu progresso como pintor de marinha? A primeira e mais importante pintura foi baseada num pequeno navio de cabotagem a vapor do século XIX-XX. Executei um modelo à ENTREVISTA A FERNANDO LEMOS GOMES escala deste, e, em seguida, imaginei-o no mar. E, para isso, tive que o pintar no Porto do Funchal, na época. Entusiasmado com o resultado, estendi esta realização a outros navios e embarcações de comércio, carga, guerra, etc.. Assim, Cortesia Fernando Lemos Gomes Cortesia Fernando Lemos Gomes Cortesia Fernando Lemos Gomes Cortesia Fernando Lemos Gomes a contribuir para a conservação e valorização do património nacional. Como pintor de marinha, qual o navio(s) que ainda não pintou, mas gostava muito de vir a pintar? Como madeirense e a viver em Lisboa há muitos anos, gostaria de pintar o futuro navio que vier a ser construído, para fazer a ligação do Funchal a Lisboa, que tanta falta faz a tantos portugueses. Cortesia Fernando Lemos Gomes Cortesia Fernando Lemos Gomes Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 23 Cortesia Marinha / AMN DIA DA MARINHA CELEBRADO NA CIDADE DO PORTO N o dia 20 de maio, celebrou-se, no Porto, o Dia da Marinha. O programa do evento incluiu batismos de mar e de mergulho, visitas a navios, exposições, concertos da Banda da Armada, cerimónia militar, entre outras atividades. Durante a cerimónia militar foram condecorados: - com a Ordem Militar de Avis, grau Grande-oficial, o Contra-almirante Mário José Simões Marques; - com a Ordem Militar de Avis, grau Comendador, o Capitão-de-mar-e-guerra Luís Miguel dos Reis Arenga e o Capitão-de-mar-e-guerra Miguel Xavier da Cunha Oliveira Júdice Pragana; - com a Ordem Militar de Avis, grau Cavaleiro, o Primeiro-tenente João Paulo Lopes Diz; - com a Medalha de Mérito Militar, 2.° classe, o Capitão-tenente João Góis Cancela; - com a Medalha de Mérito Militar, 4ª Classe o Primeiro-sargento António José Alves da Costa e o Cabo-mor António de Almeida Rodrigues; - com a Medalha da Cruz Naval, 1ª classe, Dr. Rui Moreira - com a Medalha da Cruz Naval, 4ª classe, o Sargento-ajudante José Alberto Gomes Paz de Almeida, o Subchefe António Manuel Torres Raimundo e o Subchefe Rui Manuel Afonso Souto. Cortesia Marinha / AMN 24 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios ATUALIDADE Cortesia Marinha / AMN Cortesia Marinha / AMN Cortesia Marinha / AMN Cortesia Marinha / AMN Cortesia Marinha / AMN Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 25 DIA DO PESCADOR O Dia do Pescador, dia 31 de maio, foi celebrado, em várias comunidades piscatórias, ao longo de todo o país, através de múltiplas iniciativas. O Centro de Mar, em parceria com a Vianapesca e a Docapesca, promoveu uma ação comemorativa do Dia do Pescador, através da organização de um roteiro sobre a pesca onde participaram alunos de uma escola secundária. Os participantes tiveram oportunidade de visitar uma embarcação de pesca e de assistir ao leilão de pescado realizado diariamente. No final, foram também visitados os armazéns de apresto, onde se pode observar a reparação das artes de pesca, pelos pescadores. Cortesia Centro de Mar Cortesia CMVC 26 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios ATUALIDADE Cortesia CMVC Em Vila do Conde, celebrou-se o Dia do Pescador com diversas iniciativas, como exposições, apresentação de livros, várias tertúlias, realização de experiências para os mais jovens sob o tema “Mostra das artes de pesca e da cultura costeira portuguesa”, e ainda, uma palestra sobre o “Mar 2030 e as suas potencialidades”. O programa da celebração do Dia do Pescador terminou com uma Cerimónia do Dia Nacional do Pescador junto ao Memorial aos Náufragos. Na Póvoa de Varzim, celebrou-se o Dia do Pescador com um espetáculo comemorativo que contou com atuações de todas as associações e com a participação do Centro Ocupacional da Lapa e de uma turma de alunos do Jardim de Infância do Século/Escola do Século – Agrupamento Cego do Maio, em mais uma demonstração da promoção da intergeracionalidade no concelho da Póvoa de Varzim, vital para a partilha de tradições e para a passagem de testemunho entre gerações. No final do evento, foi exibido o documentário Pescadores “Nas redes do tempo”, realizado pelo jornalista Paulo Moreira, um momento emotivo que deu a conhecer a realidade dos pescadores de outrora e de agora. Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 27 Cortesia Ordem dos Engenheiros PORTUGAL E O MAR ENGENHARIA AZUL DEBATIDA NA MADEIRA A sustentabilidade dos oceanos é uma prioridade nacional”. A afirmação é de Marcelo Rebelo de Sousa, por ocasião da conferência “Portugal e o Mar – a engenharia azul”, organizada pela Ordem dos Engenheiros a 1 e 2 de junho no Funchal. A sessão juntou alguns dos maiores especialistas nacionais e estrangeiros na área dos oceanos, tendo contado com a presença do Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, do Presidente do Governo Regional, do Secretário de Estado do Mar, do Bastonário da Ordem dos Engenheiros, do Presidente da Região da Madeira da Ordem dos Engenheiros e de muitos engenheiros que rumaram à Madeira para discutir o futuro do mar e a engenharia azul. O Presidente da República, ainda que ausente da sessão, fez questão de patrocinar a conferência e dirigir aos participantes uma mensagem de agradecimento pela oportunidade de discussão técnica das temáticas relacionadas com o mar, os oceanos e a economia azul, área que, no seu enten- der, constitui um verdadeiro desígnio nacional, e no qual os engenheiros têm de estar envolvidos. O mesmo entusiasmo foi partilhado pelo Comissário Europeu para o Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus Sinkevičius, que afirmou contar com os engenheiros portugueses para aproveitamento do potencial dos oceanos de forma sustentável, em sintonia com o Pacto Ecológico Europeu. Também José Maria Costa, Secretário de Estado do Mar, demonstrou a sua confiança na capacidade nacional, tendo apresentado alguns dos projetos em curso, as políticas públicas para o setor, e alguns dos números que se esperam para esta área: “economia azul irá crescer até 2030 a nível mundial e representará 5,1% do PIB a nível nacional em Portugal”, sendo com “grande entusiasmo que afirmo que Portugal está na linha da frente da economia azul e do Mar”. Apesar de reconhecer que muito do nosso futuro passa pelo mar, o Bastonário Fernando de Almeida Santos demonstrou-se preocupado com a incapacidade do país em reter o talento português, o que tem graves consequências para as empresas, para a administração pública, para o país, mas também para o desenvolvimento de novas áreas do conhecimento, novos negócios e novos projetos. “A Ordem e os cidadãos querem que a engenharia azul seja de excelência”, pelo que haverá que criar condições atrativas para fixar os engenheiros portugueses. Ao longo dos dois dias de trabalho, a conferência destacou a engenharia na vanguarda de todas as áreas de conhecimento e de intervenção no oceano, bem como motor impulsionador de todas as atividades económicas relacionadas com o mar: desde a Engenharia que nos move e nos une através do mar (portos e transportes); a Engenharia que nos permite utilizar o mar como recurso (alimentação, energia, etc.); até à Engenharia das novas descobertas e da inovação que nos permite ir mais além e com maior profundidade (utilização de satélites, cartografia oceânica, submarinos, robótica, drones); e a Engenharia que contribui para a Conservação dos oceanos. Cortesia Ordem dos Engenheiros 28 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios ATUALIDADE CONFERÊNCIA 2023: “ICOMIA WORLD MARINAS” Cortesia ICOMIA A próxima edição da ICOMIA World Marinas Conference (IWMC), irá decorrer de 9 a 11 de outubro, em Vilamoura, no Algarve, e terá como anfitriã do evento, a Associação Portuguesa dos Portos de Recreio (APPR). O evento de três dias contará com a presença de prestigiados oradores que destacarão os desafios e as oportunidades do setor náutico, apoiando os profissionais e as organizações a identificarem os caminhos a seguir para um futuro mais sustentável e próspero do mesmo. O objetivo da IWMC é potenciar o setor da náutica de recreio, reunindo os principais especialistas oriundos de todo o mundo, como os representantes de operadores marítimos, de clubes, de fornecedores de infraestruturas de marinas, bem como de entidades governamentais ligadas ao setor. Sob o tema “Grandes Desafios, Grandes Oportunidades, Grandes Decisões” algumas das sessões do programa da conferência incluem: • O estado da indústria das marinas em todo o mundo; • Desenvolver soluções sustentáveis para o futuro (descarbonização da indústria marítima de lazer, como os programas ambientais estão a influenciar as marinas, os velejadores e as áreas marinhas protegidas); • Desafios operacionais e mitigações (apresentação ‘Um ano pós-furacão Ian’, Um incêndio numa marina - lições aprendidas, encontrar e manter funcionários da marina, ferramentas de manutenção - evitando degradação rápida); • Melhores exemplos em pesquisa e desenvolvimento (ancoragem sustentável e ecológica, etc.); • Mesa redonda sobre iniciativas de marinas inteligentes; • Mesa redonda de grandes cadeias de marinas vs marinas boutique; A agenda completa do evento pode ser consultada em www.worldmarinasconference.com/programme A Conferência Mundial de Marinas da ICOMIA apresenta uma oportunidade imperdível para a indústria do setor se reunir e discutir tópicos urgentes, como abordar as alterações climáticas, o futuro da tecnologia e o comportamento do consumidor, bem como dar a conhecer projetos de inovação sustentável, para além de reunir a comunidade local da indústria náutica com a da indústria naval. A ICOMIA foi formada em 1966 para reunir, numa organização global, as federações náuticas nacionais e outros órgãos envolvidos na indústria náutica de recreio, com o objetivo de representá-los a nível internacional. O Grupo ICOMIA Marinas procura promover a partilha e a troca de informações relacionadas com o desenvolvimento e a gestão das melhores práticas nas marinas, instalações de parqueamento e reserva de barcos, acesso de barcos e infraestruturas associadas em todo o mundo. Uma das principais funções do ICOMIA Marinas Group é apoiar a conferência bienal World Marinas, que reúne especialistas da indústria de todo o mundo. A APPR - Associação Portuguesa de dos Portos de Recreio é uma associação privada sem fins lucrativos, que foi criada em 1991, com o objetivo principal de apoiar a Comissão Europeia no seu desígnio de criar uma rede eficiente, segura e de qualidade nos serviços e instalações desportivas recreativas ao longo da costa da Europa, a fim de desenvolver a livre circulação de embarcações de recreio. As principais atividades da associação envolvem: a promoção das atividades dos associados (site, brochura, presença em eventos náuticos); workshops e formação para os seus membros; suporte técnico; representação dos interesses dos membros e colaboração com organizações nacionais e internacionais. A APPR é uma Associação Bandeira Azul e é constituída por 16 organizações que gerem 25 portos/marinas de recreio; empresas privadas; Docapesca (empresa do Estado que, designadamente, gere marinas públicas) e Administrações Públicas Portuárias. Martinho Fortunato Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 29 Cortesia Marinha / AMN CERIMÓNIA DE COMPROMISSO DE HONRA DO 37.º CURSO DE FORMAÇÃO DE AGENTES DA POLÍCIA MARÍTIMA R ealizou-se no dia 7 de junho, no Salão Nobre da Direção-geral da Autoridade Marítima, a Cerimónia do Compromisso de Honra do 37.º Curso de Formação de Agentes da Polícia Marítima, onde os 25 novos agentes receberam os seus crachás da Polícia Marítima. Nesta cerimónia, presidida pelo Comandante-geral da Polícia Marítima, Vice-almirante João Dores Aresta, os novos 25 agentes juraram proteger a segurança pública e os direitos dos cidadãos, tendo recebido os seus crachás da Polícia Marítima. Este foi o culminar de mais um Curso de Formação de Agentes da Polícia Marítima, iniciado em 31 de janeiro de 2022, que tem como objetivo treinar e formar os novos agentes em matérias no âmbito do direito penal e contraordenacional, em matérias e atividades onde a Polícia Marítima tem competência fiscalizadora, apostando também numa forte componente de formação náutica. Os 25 novos agentes da Polícia Marítima irão agora reforçar os diversos Comandos-locais da Polícia Marítima. A MERCURY RENOVA O PATROCÍNIO DA BASS NATION PORTUGAL A Touron Portugal (representada pelo seu Director, Eng. Carlos Costa Santos) e a Bass Nation Portugal (representada pelo seu Vice-presidente, Nuno Feijoca) assinaram a renovação do contrato de patrocínio para a época 2023. 30 Patrocinador oficial da Bass Nation Portugal desde 2016, a Mercury congratula-se pela renovação desta parceria que tem vindo a consolidar definitivamente a pesca do achigã, com um calendário de provas cada vez mais | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios alargado em todas as suas vertentes: embarcada, patos, margem e kayaks. A Mercury, principal patrocinador e impulsionador do bass em todo o mundo, renova, assim, a sua aposta na modalidade em Portugal. ATUALIDADE DIA MUNDIAL DOS OCEANOS: VIANA DO CASTELO É EXEMPLO E REFERÊNCIA NA ECONOMIA AZUL O Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo defendeu no dia 8 de junho, Dia Mundial dos Oceanos, durante a sessão “Oceanos: Pessoas e Oportunidades”, que os oceanos são a próxima grande oportunidade para a economia, considerando que será mesmo “a próxima revolução industrial, mas sustentável e respeitadora”. Na sua intervenção na sessão de boas-vindas da iniciativa que contou com a presença do Secretário de Estado do Mar, José Maria Costa, o autarca sublinhou o trabalho desenvolvido por Viana do Castelo na economia e na literacia dos mares, sublinhando que o concelho é “um agente ativo” no processo da economia do mar, desenvolvendo um conjunto de projetos e ações na economia azul. “O primeiro grande projeto foi o resgate do Gil Eannes onde está este Centro de Mar e onde se desenvolve a literacia para os oceanos, mas também o trabalho desenvolvido no espaço atlântico com a proteção dos oceanos enquanto prioridade para as políticas locais”, evidenciou Luís Nobre, defendendo um “pensamento que ajude a crescer e a posicionar Viana do Castelo nos três princípios da Estratégia Nacional do Mar”. Na sessão, foram apresentados quatro grandes projetos para Viana do Castelo, nomeadamente o trabalho desenvolvido com o Centro de Mar desde 2014, com mais de 500 atividades educativas, com mais de dez mil crianças envolvidas e com um museu virtual da memória marítima, onde consta o espólio desmaterializado do centro e ainda os projetos educativos e outros, como é o caso do concurso de fotografia sobre “Viana e o Mar”. Durante o evento, foi ainda destacado o trabalho com os clubes náuticos e foi apresentado o trabalho desenvolvido pelo Grupo de Trabalho do Mar, que juntou diversas entidades para reuniões com o objetivo de definir projetos para a rede da economia do mar, investigação, energia, pesca, náutica e formação e de onde já nasceram ideias de projetos como a criação de um Museu da Pesca ou a comercialização mais justa e com incentivos ao consumo das marcas locais. O evento lançou ainda o início da construção do Plano de Ação de Viana do Castelo para o Mar. Na sua intervenção, Miguel Marques lembrou que Viana do Castelo “sente e sabe que o mar é passado, é presente e será o futuro, com séculos e séculos de história e com o Gil Eannes a mostrar que Viana consegue fazer coisas incríveis”. Para o especialista na área, “Viana do Castelo é uma referência e um exemplo e está a cumprir a Década dos Oceanos”. No Dia Mundial dos Oceanos, foi ainda apresentado o projeto ATLANTIC OFFSHORE WIND ENERGY - AOWINDE que consiste no desenvolvimento de um plano de apoio industrial e na melhoria da PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 31 Cortesia CMVC cadeia de valor associada à energia eólica marítima na Euro-região Galiza – Norte de Portugal. O projeto visa analisar a necessidade de melhorar a competitividade da indústria europeia com emissões líquidas nulas e de impulsionar a rápida transição para a neutralidade climática e pretende que a região seja pioneira, através de um investimento a rondar os 1.8 milhões de euros, nos próximos três anos, com destaque para um hub industrial transfronteiriço e para a criação de roteiros ligados às eólicas marítimas. Este projeto é financiado pelo INTERREG e tem como parceiros a ASIME – Asociación de Industrias del Metal y Tecnologías Asociadas de Galicia (Chefe de fila), a AIMMAP - Associação dos Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal, a Xunta de Galicia, o Instituto Enerxético de Galicia, a Universidade da Coruña, a Câmara Municipal de Viana do Castelo, o Instituto Politécnico de Viana do Castelo, a Universidade de Vigo, o INESCTEC e o CATIM – Centro de Apoio Tecnológico à Indústria Metalomecânica. Na sessão de encerramento, o Secretário de Estado do Mar evidenciou os di- versos projetos em curso na área do mar e da economia azul por parte do Governo Português, nomeadamente nos ODS 14 e 17, relativos ao mar e à cooperação. “Portugal colocou na sua agenda o cumprimento destes objetivos”, observou, felicitando o município pelo cumprimento dos desafios e pelo envolvimento de todos os parceiros, “envolvendo os setores tradicionais como a comunidade piscatória e a necessidade da coabitação no mesmo mar, porque este é um espaço de partilha e as novas atividades, tal como já aconteceu com o ordenamento do território, tem que ser harmonizadas criando o menor conflito possível e criando formas de mitigação, onde não for possível”. José Maria Costa evidenciou ainda as duas agendas: a Inovamar e a Nexus, assim como os projetos dos Hubs Azuis, a criação de um Centro Internacional de Biotecnologia, entre outros, que permitirão novos investimentos e novas áreas de especialização. “Este é um setor em grande desenvolvimento e os projetos de Viana do Castelo são únicos e inovadores e permitirão o desenvolvimento da região na preservação dos oceanos e na economia azul sustentável”. Cortesia CMVC 32 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios ATUALIDADE Antes do incêndio Cortesia Lugrade Depois do incêndio Cortesia Lugrade ONDA DE SOLIDARIEDADE INCENTIVA RENASCIMENTO DE UNIDADE INDUSTRIAL DA LUGRADE P resenciámos o que pensávamos ser impossível acontecer. A Unidade do Bacalhau Demolhado Ultracongelado da Lugrade, inaugurada em 2017 e localizada em Torre de Vilela, Coimbra, ficou em menos de 24h totalmente destruída, por um incêndio que deflagrou durante a noite do passado dia 20 de abril e terminou no dia seguinte. A avassaladora onda de solidariedade gerada após esta tragédia comoveu-nos e deu-nos a força e a certeza de que reerguer esta unidade era imperativo e urgente! Neste momento estamos a proceder à limpeza de todo o perímetro afetado, para o mais brevemente possível iniciarmos a reconstrução de uma nova unidade produtiva. A Lugrade de Taveiro, Coimbra, continua a laboral em pleno, produzindo Bacalhau Salgado Seco. No passado dia 2 de maio, a nova unidade de produção, localizada em Casais do Campo, Coimbra, iniciou a sua laboração. Esta fábrica, que foi projetada para dar apoio à produção de Bacalhau Salgado Seco, possui uma sofisticada linha de corte e embalamento, incorporando tecnologia de ponta. A nossa capacidade produtiva, no que diz respeito ao produto demolhado ultracongelado, foi naturalmente afetada. Mas devido a parcerias estabelecidas com empresas da área, que prontamente nos disponibilizaram os seus serviços, conseguimos dar continuidade à parte da produção do bacalhau demolhado ultracongelado. Nunca nos esqueceremos de quem nos abriu as portas, num momento tão difícil. Congratulamo-nos ainda por, entre a rápida reorganização que fomos forçados a fazer nas nossas equipas, termos conseguido manter todos os nossos colaboradores. Foram, e continuam a ser, dias desafiantes, os nossos limites foram severamente postos à prova. Com o apoio das nossas equipas, dos nossos parceiros e da sociedade em geral, temos conseguido avançar com firmeza. Da destruição e das cinzas renascerá uma nova unidade fabril! Vítor Lucas Lugrade Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 33 UNIVERSE PATRIOT O Conselho Diretivo da região sul da Ordem dos Engenheiros, em parceria com o Conselho Regional do colégio de engenharia naval, promoveu, no passado dia 30 de Maio, no âmbito da exposição de maquetes de barcos e pontes, uma conferência baseada na construção naval, no projeto, na descarbonização do transporte marítimo e na cooperação indústria/academia. Na referida sessão, que foi aberta pelo Eng. Fernando Almeida Santos, Bastonário da Ordem dos Engenheiros, e encerrada pelo Eng. António Carias de Sousa, Presidente do Conselho Diretivo da Região Sul, participaram como oradores o Engenheiro Vítor Franco, Presidente da Escola Superior Náutica Infante D. Henrique, o Engenheiro Ricardo Centeno, Diretor Técnico da EMSA, o Prof. Ribeiro Silva, do IST, o Eng. Pedro Antunes, da Vera-Navis e o Eng. Eduardo Carichas. Cortesia Lisnave O armador, confiou à Lisnave a reparação do navio, com a indicação de que tudo o que pudesse ser reutilizado, fosse reutilizado. O Navio, chegou ao estaleiro da Lisnave em 4 de Julho de 1971. Cortesia Lisnave Em junho de 1972, as duas seções do navio, foram novamente juntas. Cortesia Lisnave Uma das estratégias desta enorme reparação, levou à divisão do navio em duas seções. O Eng. Eduardo Carichas apresentou o extraordinário caso internacional de reparação naval do Navio Universe Patriot, efetuada pela Lisnave. O Universe Patriot foi construído em 1970, pela Kure Japan, com um comprimento de 302,01 metros, boca de 43,36 metros, pontal de 24,69 metros, tonelagem de porte bruto de cerca de 160.000 (DWT). Em 21 de Janeiro de 1971, e depois de ter descarregado crude no porto francês Port-de-Bouc, quando estava a navegar no mediterrâneo, de regresso a Tripoli, na Líbia, perto da Sardenha, este petroleiro incendiou e explodiu. Nesta terrível explosão, 16 membros da tripulação morreram e 23 foram resgatados. 34 Cortesia Lisnave Após a substituição de 11.000 toneladas de aço, o navio Universe Patriot foi entregue ao armador, em 22 de setembro de 1972. Pela extraordinária qualidade da reparação, que foi efetuada dentro dos prazos e cumprindo o orçamento, a Lisnave recebeu os maiores elogios do armador. Este é um exemplo da extraordinária capacidade portuguesa em aceitar complexos desafios e superar os mesmos que deve ser sempre recordada como uma fonte de inspiração para o futuro da Indústria Naval e das atividades marítimas em geral, em Portugal. Cortesia Lisnave Na reparação do navio, nove blocos de 1.400 toneladas foram construídos nos estaleiros navais de Viana do Castelo. Os estaleiros do arsenal do Alfeite e da CUF Barreiro, foram também envolvidos na construção de blocos. | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios Cortesia Lisnave TX-12.00, A INOVADORA AMBULÂNCIA MARÍTIMA PARA RESGATES EM ÁREAS DE DIFÍCIL ACESSO A Vanguard Marine continua a revolucionar o mundo do transporte marítimo com o seu mais recente lançamento, a TX-12.00 Ambulância. O grupo internacional Vanguard Marine criou uma embarcação de 12 metros de comprimento, com sistemas e dispositivos personalizados para realizar atividades de resgate, assistência e transporte de saúde em condições adversas. O design desta ambulância aquática destaca-se por um casco em forma de V que garante máxima eficiência, além de uma cabine espaçosa que permite incorporar confortavelmente o equipamento necessário, sem abrir mão do conforto e da segurança dos passageiros e da tripulação a bordo. Em termos de potência, a embarcação possui um motor intraborda a diesel robusto, ao qual se adiciona um sistema de propulsão a jato, que oferece maior manobrabilidade em espaços pequenos e águas rasas, onde outras embarcações têm dificuldade em chegar devido ao seu tamanho ou rigidez. Dentro do casco, encontramos um transporte projetado exclusivamente para facilitar operações de emergência, equipado com uma equipa médica de resgate e reanimação. A ambulância da Vanguard possui vários elementos de elevação para resgate da água, uma rampa para embarque e desembarque e um suporte com amortecimento para macas, que permite a navegação em alta velocidade, sem comprometer a segurança do paciente. PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 35 ORDEM MILITAR DO COLAR DE SANTA ÁGATA DE PATERNÒ N o dia 27 de maio, o Almirante António Silva Ribeiro foi agraciado com as insígnias de Cavaleiro da Grã Cruz da Ordem Militar do Colar de Santa Ágata de Paternò, em Estocolmo, Suécia. A Ordem do Colar de Santa Ágata de Paternò é uma antiga Ordem de Cavalaria, da Casa Real de Aragon, dos Duques de Carcaci. MAIOR PARTICIPAÇÃO PORTUGUESA DE SEMPRE NA SEAFOOD EXPO GLOBAL 2023 Cortesia Docapesca É a maior participação portuguesa na Seafood Expo Global 2023 que teve lugar em Barcelona de 25 a 27 abril e que contou com o maior espaço de exposição alguma vez reservado para a 36 indústria portuguesa: 464 metros quadrados no Hall 4, bem no centro da feira. “O setor do pescado português continua todos os anos a aumentar o seu peso económico no país e, so- | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios bretudo, as suas exportações: exportámos mais de 1.100 milhões de euros em 2022 e, para 2023, prevemos um aumento que pode ir até aos 15%, ultrapassando os 1.250 milhões”, subli- ATUALIDADE Cortesia Docapesca nha Manuel Tarré, presidente da Associação da Indústria Alimentar pelo Frio – ALIF em representação da Gelpeixe, em comunicado. “Neste crescimento tem desempenhado um papel muito importante a presença constante da indústria portuguesa nas grandes feiras internacionais, como é o caso da Seafood Expo Global, de uma forma cada vez mais qualificada” acrescenta. Recorde-se que o pescado português é atualmente o produto agroalimentar com mais peso nas exportações de Portugal, seguido do vinho, do azeite e dos hortícolas. A fileira – que inclui a pesca, a aquacultura e a transformação do pescado – emprega 60 mil pessoas, gera anualmente um volume de exportações superior a 1.100 milhões de euros e representa, segundo a ALIF, um Valor Acrescentado Bruto (VAB) de 1,7 mil milhões de euros. Segundo a ALIF, as empresas portuguesas desta fileira têm sabido tirar partido do aumento global da procura por produtos ligados à economia do mar ao longo da última década. Esse aumento da procura está em linha com a crescente preocupação dos consumidores com a sua alimentação e saúde. “A boa performance da indústria alimentar do mar assenta na qualificação dos seus processos, que se tornaram ambientalmente sustentáveis, e na cada vez maior qualidade nutritiva e gastronómica dos peixes utilizados”, afirma Manuel Tarré. “Tem sido também muito importante o processo de internacionalização de várias empresas nacionais e a sua capacidade para se tornarem competitivas no mercado global” refere também. Manuel Tarré acredita que uma das chaves do sucesso tem sido o aumento consistente das visitas turísticas a Portugal: “temos registado que as vendas têm crescido nos principais mercados emissores de turistas para Portugal”. “Depois de visitarem Portugal e de terem contacto direto com a qualidade do peixe no nosso país, os turistas passam a encarar o produto português com outros olhos e a procurá-lo nos sítios onde vivem” sublinha. É em países como a Espanha, a França ou a Itália que, segundo os dados da ALIF, a qualidade do produto português se tem afirmado todos os anos através do aumento de vendas, assim como a reputação de fiabilidade e de capacidade de resposta das empresas portuguesas. As Empresas portuguesas que participaram, foram: Riberalves, Mar Cabo, Lurdes Narciso, Soguima, Mar-Ibérica, Congelados Moreira, Coelho & Dias, Grupo Frip, Gelpeixe, Luis Silvério & Filhos, Nigel, Ilhapeixe, Rui Costa e Sousa & Irmãos, Frijobel, Gialmar, Coopaqua, Docapesca e Lotaçor. Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 37 Cortesia SDM O MAR QUE IMPULSIONA A AMBIÇÃO MARÍTIMA DE PORTUGAL A primeira embarcação registada no MAR (Registo Internacional de Navios da Madeira) data de 1989, ano em que foi criado, no quadro do Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM). À data, os armadores Portugueses recorriam às chamadas bandeiras de conveniência para poderem enfrentar e sobreviver à fortíssima concorrência internacional. Em Portugal, reclamava-se, em vários fóruns, a recuperação e reconstrução de uma marinha mercante para um País considerado no passado como uma potência marítima. A existência de um Centro Internacional de Negócios na Madeira justificou plenamente a inclusão do Registo Internacional de Navios no quadro do CINM, designadamente, ao potenciar, em articulação e sinergia com os outros sectores já criados, o alargamento do seu âmbito a uma actividade de evidente vocação internacional como é o Shipping. Desde então, e ao longo de mais de 30 anos, a evolução do MAR tem vindo 38 a descrever uma linha de crescimento contínuo, confirmando-se como um dos sectores de actividade do CINM mais estáveis. Não é por acaso que o MAR é actualmente o 3º maior Registo Internacional da União Europeia, o 4º em toda a Europa e está nos “top 13” a nível mundial. É importante sublinhar que o MAR ocupa estas posições relevantes, a nível mundial, porque nos últimos anos tem vindo a apresentar um conjunto de incentivos e vantagens operacionais relevantes para os armadores internacionais. Para além disto, tem procurado manter e promover elevados padrões de segurança nos navios registados, um posicionamento que é corroborado pela sua inclusão contínua nas “listas brancas”, tanto do Memorando de Paris como no de Tokyo. A realização recentemente da denominada “Portugal Shipping Week”, desta feita na Região Autónoma da Madeira com a designação de “Madeira Maritime Week”, constituiu, sem qualquer dúvida, uma demonstração clara da importância crescente que o Registo Internacional | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios de Navios da Madeira tem vindo a ganhar no mercado internacional do shipping. Os dados conhecidos permitem ter uma perspectiva mais próxima desta realidade e da forma como o MAR contribui, simultaneamente, para a economia da Região e para a revitalização da marinha mercante portuguesa, para além de mostrarem porque está colocado entre os principais registos internacionais da União Europeia, contribuindo para dotar o País de uma marinha mercante significativa e possibilitando a sua participação activa nas mais prestigiadas organizações mundiais do sector. A 30 de Abril, no seu todo, o Registo Internacional de Navios da Madeira contava com 919 embarcações, sendo 800 navios de comércio, 91 embarcações de recreio e 28 iates. Decompondo esta realidade, note-se que no MAR estão registados vários tipos de navios, com destaque para os porta-contentores (40%), os navios de carga geral (20%), graneleiros (17%), petroleiros e químicos (11%) entre outros. ATUALIDADE Estes navios têm origem, na sua maioria, em países da Europa, com destaque para a Alemanha (57%), e outros como a Suíça, Holanda, Itália, Espanha, Grécia, Noruega e Portugal, entre outros. Volvidos mais de 30 anos desde que foi criado, a resposta aos desafios de então pode ser encontrada no elencar dos vários contributos do Registo Internacional de Navios para Portugal e para a Madeira: - O regresso do País ao mundo do transporte marítimo internacional, com a presença em diversas instituições internacionais de enorme prestígio no sector, como é o caso específico da IMO, para além de, como referido, ser um veículo de promoção global da Madeira e de Portugal, no mundo inteiro. - As receitas para a RAM que decorrem das taxas de registos e da constituição de sociedades para a gestão dos mesmos. - A geração de emprego tanto no mar (tripulações) como em terra ao nível do apoio jurídico e administrativo. De acordo com os últimos dados disponíveis, o número de tripulantes nos navios registados no MAR, era de 11.382. - A atracção de armadores e navios de qualidade, de empresas de “shipmanagement e de “manning”, num claro e muito concreto contributo para a criação de um cluster marítimo na Região e no País. - A idade média dos navios é um indicador internacionalmente considerado por melhor determinar a vitalidade e dinâmica de um registo de navios. A idade média dos navios de comércio regis- tados no MAR (no fim de 2022 era de 13 anos), sublinha, por isso, a forte aposta no aumento da qualidade do Registo, como uma das condições fundamentais para a sua credibilidade internacional, e que é paradigmática da forma como este pode ser um instrumento de relevo para as actividades de vocação marítima em Portugal. Na prática, permite ao País manter e melhorar uma frota marítima que é já assinalável a nível internacional. - O aumento da Tonelagem de Arqueação Bruta (TAB) dos navios registados no MAR, é outro dos indicadores altamente positivos que merecem ser assinalados, na medida em que acrescenta poder de impacto a Portugal no quadro das organizações internacionais do setor. No fim de 2022, a Tonelagem de Arqueação Bruta (TAB) dos navios registados era 20.212.517. Chegados a este patamar, há uma questão fundamental a considerar: Como se pode tornar o MAR mais competitivo e que tipo de ferramentas podem ser criadas para esse efeito? Actualmente, podemos afirmar que não existem alterações significativas a fazer no quadro legislativo que sustenta a actividade do MAR. De facto, as principais alterações foram conseguidas pela Região nos últimos anos, como são os casos do novo Regime de Hipotecas, a digitalização dos serviços, a abertura da Conservatória para registo de navios e de hipotecas durante 24 horas e a lei da segurança a bordo dos navios. O que não significa que não conti- nuemos a trabalhar para melhorar as condições de operacionalidade do Registo. Por exemplo, a nível nacional, há um caminho ainda por fazer na melhoria e na agilização da comunicação das Autoridades Marítimas Nacionais com os armadores e com as Sociedades Classificadoras. O aprofundamento da relação com estas entidades, como acontece nos melhores registos de navios do mundo, será uma mais valia para assegurar o desenvolvimento sólido e continuado do MAR. No plano da criação de mais incentivos, é importante ter presente que o MAR é um dos setores que integram o Centro Internacional de Negócios da Madeira. Nessa medida, os benefícios fiscais existentes no quadro do CINM são totalmente aplicáveis ao Registo Internacional de Navios da Madeira, designadamente aos navios e às sociedades de shipping que pretendam desenvolver a sua atividade na Região. Perspetivando o crescimento do MAR, tendo em conta o seu importante contributo para a economia da Região e para o sector do shipping em Portugal e na própria União Europeia, no nosso entender, seria importante que, no quadro das negociações com a Comissão para o novo quadro de benefícios do CINM, se dotasse o Registo ainda de melhores condições no âmbito dos benefícios fiscais, por forma a potenciar a sua capacidade de atrair mais empresas de shipping nos mercados internacionais. Roy Garibaldi SDM PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 39 Cortesia Marinha/AMN TOMADA DE POSSE DO PRESIDENTE DO CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DA MARINHA N o dia 20 de junho, com a presença do Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, e dos membros do Centro de Estudos Estratégicos da Marinha, procedeu-se à cerimónia de tomada de posse do cargo de Presidente deste Centro de Estudos, o vice-almirante António Manuel de Carvalho Coelho Candido. Na mesma cerimónia foi condecorado com a medalha Vasco da Gama, o Vice-Almirante Victor Lopo Cajarabille pela excelência dos serviços prestados também no Centro de Estudos Estratégicos da Marinha. Cortesia Marinha/AMN JOGO DE FUTEBOL PROMOVE TRANSPORTE MARÍTIMO REGISTADO EM PORTUGAL A equipa dos “Shipowners” que envergava o equipamento das quinas, 40 derrotou a equipa dos “Bankers”, por 6-4, em Hamburgo, no encontro anual | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios de jogo de futebol que se realizou no passado dia 31 de maio. PUB Cortesia CMP A CONFRARIA MARÍTIMA DE PORTUGAL – LIGA NAVAL PORTUGUESA REUNIU NO MINHO S ob a legenda “Minho é Mar”, a Confraria Marítima de Portugal – Liga Naval Portuguesa reuniu os seus associados no Norte do País, num programa que reuniu contactos com a indústria naval, centros de formação náutica juvenil e investigação científica marinha. O encontro, que decorreu nos dias 14 e 15 de abril, reuniu cerca de trinta associados e convidados, entre os quais o Almirante Alexandre da Fonseca, fundador da associação e atual presidente da mesa da Assembleia Geral, o Almirante António Bossa Dionísio, presidente da direção e o Capitão da Marinha Mercante, Joaquim Monteiro Marques, ele próprio vice-presidente da direção e, por coincidência, último comandante do Navio-Hospital GIL EANNES. Na sexta-feira, os membros da Confraria Marítima foram acolhidos nas instalações do estaleiro da Van- 42 guard Marine Lda, no parque industrial de Vila Nova de Cerveira, tendo visitado os vários espaços desta empresa de construção naval, e conhecido alguns projetos em curso e planos de expansão. No sábado, com o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo e acompanhados pela Dra. Célia Vital, visitaram os quatro equipamentos de formação náutica de Viana, referência nacional que resulta da cooperação estratégica entre o Município, os agrupamentos escolares e os clubes náuticos locais. O programa iniciou-se no Centro de Alto Rendimento de Surf, no Cabedelo, seguiu depois para o Centro de Canoagem, na margem Sul do rio Lima, passou pelo Centro do Remo, e terminou no Centro de Vela. Ainda antes do almoço, houve tempo para uma passagem pelo Navio-Hospital Museu GIL EANNES, local | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios onde o sentimento caiu fundo no coração dos visitantes, todos eles amantes do Mar. Ao almoço, no restaurante do novíssimo hotel AP Dona Aninhas, realizou-se a palestra sobre “A Química Escondida dos Oceanos” pelo Prof. Dr. Pedro Leão, coordenador da linha temática de Biotecnologia Marinha do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), da Universidade do Porto. Terminado o almoço, realizou-se a já tradicional cerimónia solene de entronização de novos confrades, que se comprometeram a dar o seu melhor para que o Mar seja um verdadeiro desígnio nacional! O programa encerrou no Santuário do Sagrado Coração de Jesus, no Monte de Santa Luzia, numa muito interessante visita guiada pelo Dr. Henrique Costa, técnico superior da área cultural da CM de Viana do Castelo. ATUALIDADE APOIO DE PORTUGAL À BEIJING CONVENTION ON THE JUDICIAL SALE OF SHIPS É POSITIVO PARA O REGISTO INTERNACIONAL DE NAVIOS PORTUGUÊS A 7 de Dezembro de 2022, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou a Beijing Convention on the JudicialSale of Ships. A assinatura deverá ter lugar em Setembro deste ano. Ao contrário do que tem acontecido noutras situações, desta vez Portugal assumiu-se como um dos primeiros Estados com intenção de ratificar o documento, o que parece significar uma demonstração de que o país está mais atento às grandes mudanças e aos principais debates internacionais na área do shipping, dando assim o sinal de querer apoiar decisivamente um registo internacional com a dimensão e qualidade do Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), em que a preocupação de oferecer um serviço de qualidade aos armadores internacionais deve ser central. O país deu um sinal claro aos clientes de bandeira portuguesa, mostrando que o MAR está na vanguarda da evolução e inovação jurídicas na área do registo de navios e do shipping em geral, sendo a segurança também um dos seus focos. Os armadores são centrais no processo de venda judicial de navios, quer como proprietários do navio a vender, quer como compradores e, muitas vezes, como credores com direitos sobre o produto da venda. O objectivo último da Beijing Convention é facilitar a continuação da operação sem perturbações, no caso de um navio ser vendido por via judicial. Prevê, igualmente, salvaguardas processuais adequadas para o proprietário (devedor/incumpridor) do navio, criando simultaneamente segurança jurídica, indispensável para o comprador. A segurança jurídica criada pela Convenção contribuirá para que os processos de venda judicial gerem mais receitas, em benefício de todos os credores do navio, incluindo não só os mutuantes e fornecedores, mas também outros proprietários de navios com créditos sobre o proprietário em falta. É importante notar que a Convenção também dá orientações claras aos responsáveis pelo registo dos navios no que respeita aos documentos necessários para o abate e registo, cancelamento e novo registo do navio. A Convenção, tal como adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, estabelece um justo equilíbrio entre todos os interesses envolvidos numa venda judicial e esta deve ter sido também a conclusão a que chegou o EstadoPortuguês. Reconhecendo a importância da unificação do direito marítimo para proporcionar segurança jurídica aos armadores e operadores que operam a nível internacional, a decisão de Portugal deve ser apoiada por todas as partesinteressadas e envolvidas no MAR. Dado que bastam três ratificações para que a Convenção entre em vigor, espera-se que tal aconteça pouco depois da cerimónia de assinatura em Beijing. Uma ratificação rápida por parte de Portugal produzirá efeitos quase imediatos. De 10 a 18 de junho, na Marina de Vilamou- montra de embarcações reuniu todas as ti- evento foi também possível experimentar ra, realizou-se o Boat Show uma das maio- pologias – novas e seminovas – bem como novos equipamentos de forma prática e có- res exposições de embarcações, ao ar livre, os representantes de marcas de acessórios, moda, com atendimento personalizado, num realizadas em Portugal. Esta extraordinária equipamentos e serviços integrados. Neste ambiente envolvente e cheio de glamour. PETER LAURIJSSEN BOAT SHOW Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 43 Cortesia Marinha / AMN BANDAS MILITARES RECEBEM CONDECORAÇÃO A Banda da Armada, em conjunto com a Banda do da Força Aérea e a Banda do Exército, foi condecorada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 10 de junho, na cerimónia militar do dia Portugal, de Camões e das comu- nidades portuguesas, na cidade do Peso da Régua. A condecoração das três Bandas militares ocorreu após o concerto final que reuniu a Banda da Armada, a Banda Sinfónica do Exército e a Banda de Música da Força Aérea. A Banda da Armada foi criada em 1740 e é a mais antiga organização musical constituída em Portugal. Os homens e mulheres da Banda da Armada são uma das faces mais visíveis da Marinha Portuguesa. UNIDADE CENTRAL DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL DA POLÍCIA MARÍTIMA REALIZA MEGAOPERAÇÃO CONJUNTA A Unidade Central de Investigação Criminal (UCIC) da Polícia Marítima realizou, em 21 de junho, uma megaope- 44 ração, a nível nacional, de combate às redes criminosas associadas à captura ilícita, comércio e tráfico internacional | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios de bivalves, tendo resultado na detenção de quatro pessoas e identificação de 249 imigrantes. CRÓNICAS PROPULSÃO SUSTENTÁVEL GOTEMBURGO, CENTRO DE E-FUELS S tena Line, empresa sueca de balsas e DFDS, de logística na Europa, têm parceria com a Liquid Wind, para produzir 50.000 toneladas de eMetanol por ano. A meta é tornar o Porto de Gotemburgo, o primeiro a ter combustíveis verdes, até 2030. O ministro sueco de Energia disse apoiar os E-combustíveis. Será o primeiro ‘Made in Sweden’, para o transporte marítimo neutro em carbono. O eMetanol é produzido de fontes 100% biogénicas com 100% de energia eólica, que predomina na Dinamarca. Não adi- ciona CO2 à atmosfera. O hidrogénio é produzido por eólicas em eletrólise e o CO2 vem da biomassa. A COP26, conferência sobre o clima, quer reduzir as emissões de CO2 do transporte marítimo. As companhias de navegação pagarão à União Europeia pela emissão, o que aumentará o custo do transporte, em 2024. Na transição, as companhias de navegação pagarão pelas suas emissões totais, 40% em 2024, 70% em 2025 e 100% em 2026. A descarbonização nos barcos começa com maior eficácia energética nos motores e biodiesel. Também usam energia elétrica fornecida nos portos para baterias, na baixa rotação. A primeira balsa de metanol do mundo terá 172m, é da Maersk e navegará em meados de 2023 no Báltico. Esquema original E-methanol: https://www.maersk.com/news/ar ticles/2021/08/18/maersk-secures-green-e-methanol Jack Soifer PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 45 MANIFESTAR O POTENCIAL DA ENERGIA EÓLICA OFFSHORE EM PORTUGAL A guerra na Ucrânia pôs a descoberto a elevada dependência energética da zona europeia, o que, aliado à necessidade de prosseguir os esforços para limitar as alterações climáticas, tem colocado o tema da exploração de recursos renováveis no topo da agenda política. Neste contexto, a implementação de energia eólica offshore permite reduzir a dependência energética e mitigar os efeitos das alterações climáticas e, em simultâneo, potenciar benefícios socioeconómicos. Portugal tem assumido grande destaque como consequência do recente anúncio do governo português de um ambicioso plano que visa o desenvolvimento de projetos eólicos offshore na costa portuguesa, cuja meta é atingir em, 2030, uma capacidade instalada de 10 GW. Porém, para que esta ambição seja concretizada, será necessário um es- Figura 1 – A adequabilidade de diferentes áreas em Portugal para implementação de parques eólicos offshore de fundação fixa, de acordo com a ferramenta OASIS do WavEC. 46 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios forço concertado de todas as partes envolvidas. A União Europeia tem vindo a tomar medidas políticas urgentes na tentativa de acelerar a transição energética e, com isso, reduzir fortemente a sua dependência externa. Portugal, seguindo estas recomendações, anunciou a intenção de implementar, na sua área oceânica, uma capacidade muito relevante de energia eólica offshore, que poderá chegar aos 10 GW de capacidade – a título de comparação, Portugal possui hoje 5.3 GW de capacidade eólica em terra. Na verdade, Portugal tem à sua disposição uma das maiores zonas económicas exclusivas (ZEE) – em grande parte subaproveitada, que possui um elevado recurso energético disponível, quer eólico, quer de ondas, a que se acrescenta o facto de que a maioria da sua população vive a menos de 50 quilómetros da costa, onde se encontra também grande parte da rede de distribuição de energia elétrica. A Figura 1 apresenta espacialmente o recurso eólico disponível ao largo da costa portuguesa, simulado através da plataforma OASIS do WavEC Offshore Renewables. No entanto, as profundidades registadas na nossa ZEE são consideráveis e limitam o potencial de utilização do recurso disponível, devido aos elevados custos associados. Inversamente, no Mar do Norte, onde as profundidades registadas são relativamente baixas, as tecnologias eólicas offshore têm vindo a ser instaladas em grande escala – atualmente com 30 GW instalados [1] – e já conseguem competir no mercado de eletricidade sem a necessidade de subsídios [2]. Apesar disto, o desenvolvimento de tecnologia eólica offshore para elevadas profundidades tem recebido elevada atenção das partes interessadas. Em particular, Portugal é um dos pioneiros de parques eólicos offshore flutuantes, com o Windfloat Atlantic da Ocean Winds, instalado, em 2019, ao largo de Viana do Castelo – Figura 2. CRÓNICAS A aposta nas energias renováveis offshore não se reflete apenas na produção de energia renovável, existindo outras mais valias potenciais. Neste sentido, são de realçar os elevados benefícios socioeconómicos daqui resultantes, tais como a dinamização das indústrias associadas à cadeia de abastecimento tradicional da energia eólica e a promoção da atividade industrial dos portos nacionais e da indústria naval. Estes benefícios resultam, naturalmente, na geração direta e indireta de emprego, em grande parte altamente qualificados. O arranque da intenção do governo de implementar 10 GW até 2030, manifestou-se com o lançamento do relatório que enunciou a distribuição preliminar das áreas propostas para esta implementação – “Proposta preliminar de novas áreas de implantação para energias renováveis”, que pode ser consultada no site participa.pt [3]. A metodologia utilizada na seleção destes espaços – que vem devidamente clarificada no relatório – procurou promover a utilização híbrida do espaço marítimo, nomeadamente através do incentivo à co-localização da energia eólica offshore e energia das ondas. Para além disso, é necessário que os eventuais impactos negativos ambientais e sociais sejam, desde já, caracterizados e as medidas de mitigação identificadas, para que o país esteja em posição de dinamizar este setor sem que sejam geradas opiniões dissonantes quanto à sua implementação. Parece, por isso, crítico que se tenham em consideração, ao longo do processo de definição e validação das áreas, as contribuições que vierem a ser endereçadas pelos diferentes utilizadores do espaço marítimo, com o objetivo de mitigar eventuais conflitos e promover a adequada coexistência de usos dentro desse espaço. Portugal encontra-se numa posição bastante favorável para implementar um processo eficaz de dinamização do setor da energia eólica offshore que traga independência energética ao país, que crie sinergias bem estabelecidas com o setor do hidrogénio verde, e que resul- te em benefícios sociais e económicos muito consideráveis. Somam-se a isto os expectáveis reforços de transmissão entre a península ibérica e a Europa, que permitirão aumentar a viabilidade da implementação de parques eólicos offshore no nosso país, já que estaremos na posição de exportar excesso de produção, e, com isso, ajustar a nossa balança comercial. Referências: [1] “Wind energy in Europe: 2022 Statistics and the outlook for 2023-2027,” WindEurope. https://windeurope.org/data-and-analysis/product/wind-energy-in-europe-2022-statistics-and-the-outlook-for-2023-2027 (accessed May 09, 2023). [2] M. Jansen et al., “Offshore wind competitiveness in mature markets without subsidy,” Nat. Energy, vol. 5, no. 8, Art. no. 8, Aug. 2020, doi: 10.1038/s41560-020-0661-2. [3] “Proposta preliminar de novas áreas de implantação para energias renováveis.” http://participa. pt/pt/consulta/proposta-preliminar-de-novas-areas-de-implantacao-para-energias-renovaveis (accessed May 09, 2023). Mário Alberto Vieira, Marco Alves, António Sarmento, WavEC Offshore Renewables Figura 2 - Fotografia do parque eólico offshore WindFloat, instalado ao largo de Viana do Castelo. Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 47 O DILEMA DA DESCARBONIZAÇÃO. QUANDO OS REGULAMENTOS ESTÃO À FRENTE DA TECNOLOGIA Introdução objectivo declarado da IMO é reduzir a intensidade de carbono de todos os navios em 40%, até 2030, e 70% até 2050 (em relação aos níveis de 2008), e as penalidades previstas com base em EEXI e CII tornam-se críticas, pois tais objectivos são praticamente impossíveis de alcançar. Gerou-se um dilema, pois não existem soluções técnicas que suportem tais objectivos, considerando a idade e composição da frota existente. O Figura 1 Idade da frota mundial por tipo de navio. Embora muitos “stakeholders” da indústria naval estejam insistindo em referir amónia e metanol como uma solução, é preciso manter os pés no chão e usar de muito pragmatismo. Em primeiro lugar, a frota é muito nova para ser descartada e muito velha para ser adaptada de alguma forma para 48 esses “combustíveis verdes”, isso significa que as soluções de descarbonização devem ser em torno da optimização da frota existente, por exemplo, criando integração abrangente de sistemas de energia (um problema do qual a maioria dos navios padece!!). Considerando que a sociedade não pode arcar com o desmantelamento da maioria das embarcações existentes, em particular considerando que a maioria dessas embarcações existentes já navegam a velocidade reduzida “Slow Steaming”, as cadeias de abastecimento seriam afectadas, os fluxos de mercadorias seriam caracterizados por entregas ainda mais lentas, dado hoje em dia não haver assim tantos navios disponíveis, isto é, sem frete. Ao invés de punir os armadores com coimas, os governos deveriam promover os projectos de eficiência energética e a educação das tripulações e operadores das frotas, o que pode ser feito, por exemplo, ajudando os armadores e operadores com fundos a melhoria ambiental. Desta forma, a mensagem dos reguladores (IMO, UE) seria positiva, podendo ocorrer uma descarbonização mais rápida. | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios Qual o melhor combustível para o seu navio? Eu diria com bastante confiança, que o(s) melhor(es) combustível(is) para os seus navios é ou são aqueles que tem disponíveis na área geográfica em que os seus navios operam! Então, quando muitos a nível global referem que a amónia ou metanol são o santo graal da descarbonização, e que até podem estar certos mas só daqui por alguns anos, mas certamente que não para agora, não para a frota existente, que precisa ser descarbonizada agora. Recomendo assim que tenhamos os pés bem assentes no chão! A amónia e o metanol não são combustíveis, embora queimem, são “commodities”, para a agricultura como fertilizante e para as indústrias eletrónicas respectivamente. Essas “commodities” são escassas, e a amónia, mesmo quando chamada de “amónia verde”, não é tão verde assim, pois é necessária electricidade verde para produzir hidrogénio, para ser usado como reagente no processo Bosch Habber, que por si só tem uma baixíssima eficiência energética, somente de 42–48% com vapor disponível a 510 °C e 110 bar (in Current and future role of Haber–Bosch ammonia in a carbon-free energy landscape Royal Chemical Society 2019). CRÓNICAS Figura 2 - Diagrama esquemático de (A) um típico processo convencional alimentado por metano da Haber Bosch e (B) uma alternativa eléctrica. As etapas de produção de hidrogénio e amónia são separadas para fins de ilustração para identificar semelhanças e diferenças entre as duas tecnologias. Linhas amarelas são gás de processo, linhas azuis escuras são água/vapor, linhas azuis claras são ar, linhas roxas são amónia e linhas tracejadas são energia eléctrica. No que diz respeito à eficiência energética do processo de metanol, e para o metanol concentrado à base de CO2 e hidrogénio, é de cerca de 46%. A reação global envolve a reação inversa de deslocamento água-gás (CO2 + H2 → CO + H2O), seguida de hidrogenação de CO via HCO (CO + 2H2 → CH3OH), para finalmente formar metanol. No que diz respeito aos poderes caloríficos e fatores de emissão de CO2 destes dois “combustíveis verdes”, as notícias também não são muito boas, pois os seus poderes caloríficos inferiores são bastante baixos quando comparados com os valores caloríficos inferiores do HFO ou MGO (que são derivados da refinação do crude). PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 49 “Economia Circular apelando à utilização extensiva das embarcações” Tabela 1 – Resumo e comparação de algumas das propriedades mais importantes de possíveis “combustíveis”. Poder Calorífico Inferior (Mj/kg) Poder Calorifico por volume (MJ/kg) Densidade (kg/m3) Velocidade da frente de chama (m/s) Flamabilidade (vol/%) Energia minima de ignição (mJ) Amónia Liquida 18.60 12.69 (1bar@-33ºC) 626 0.067 15-28 680 Amónia Comprimida 18.60 11,65 (300bar@25ºC) 626 0.067 15-28 680 Hidrogénio Liquido 120.00 2.46 (1bar@25ºC) 70.85 3.25 4.7-7.5 ~0.016 Hidrogénio gasoso 120.00 2.46 (300bar@25ºC) 20.54 3.25 4.7-7.5 ~0.016 MGO (n-dodecano) 44.11 32.89 475.7 ~0.8 0.43-0.6 ~0.23 Metanol 19.9 15.65 (1bar@25ºC) 786.3 0.56 6.7-3.6 ~0.14 Como se pode concluir pela inspeção da tabela 1, amónia e metanol, têm um Poder Calorífico Inferior, que é menos de metade do Poder Calorífico Inferior do MGO, portanto há uma forte necessidade de espaço extra para tanques de bancas, e isso tem um forte impacto na forma dos cascos e respectivo arranjo geral dos navios, em particular, quando se considera a amónia como combustível, que na sua forma líquida à temperatura ambiente, precisa estar a -33ºC, portanto, exigindo tecnologia criogénica, tanques tipo “C”, caros, a densidade também apresenta possíveis problemas na distribuição de peso dos tanques de amónia. Além disso, a amónia apresenta a energia de ignição mais elevada, resultando numa combustão bastante difícil, à parte de que é altamente tóxica, embora exista bastante conhecimento, transcrito em código IMO, o IGC. Tabela 2 - Fatores de emissão de carbono e respectivos Valores Caloríficos Líquidos No que diz respeito ao metanol, os problemas são semelhantes, o seu Poder Calorífico Inferior é menos de metade do Poder Calorífico Inferior do MGO, queima ligeiramente melhor que o MGO e tem uma densidade cerca do dobro do MGO. Com relação aos fatores de emissão de carbono, estão listados na tabela 2, acima. Mais considerações sobre “Combustíveis Verdes”: Espaço de abastecimento de combustível, Energia/tonelada, Energia/ volume, Inflamabilidade, Segurança no manuseio, Toxicidade, Disponibilidade geográfica, Complexidade do sistema, Disponibilidade de tecnologia, CAPEX+ OPEX, Treinamento de tripulação, Ausência de regras e regulamentos,… tudo isso precisa ser estudado com cuidado para evitar erros num futuro próximo. Em conclusão, os decisores, políticos e armadores, têm necessariamente que ter em atenção os pontos acima mencionados, pois muitas das opiniões técnicas propaladas por organizações em seminários, só poderão ser implementadas em novas construções, sendo que necessidade urgente, é a descarbonização da frota existente, e, para já, não parecem existir à vista grandes soluções, que não passem pela utilização de Biodiesel (sempre com a reserva do fator de emissão, e respectiva origem), a integração energética dos sistemas, a monitorização rigorosa, e o “slow steaming”, e, em grande medida, a mudança da sociedade de consumo. Jorge M.G.Antunes Figure 3 – Critérios básicos para a selecção de combustível do futuro. 50 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios (PhD Marine Technology) CEO TecnoVeritas CRÓNICAS CONTRATOS E EQUILÍBRIOS – A PREPOTÊNCIA “CLÁUSULAL” T odo o mundo gira em torno de lógica – apenas temos que perceber qual é. Esta premissa vale para o Direito – os contratos giram em torno de uma qualquer lógica; mas, aqui, temos de perceber não qual é a sua lógica, mas sim, qual o seu equilíbrio. Os contratos são, por via de regra, livremente negociáveis, quer na forma, quer no conteúdo, levando ao equilíbrio dos interesses das partes. Vale isto por dizer que a negociação de interesses – enformados pelas regras do Direito – é o caminho para a conclusão, de boa-fé, dos contratos. Resulta, ainda, que as partes são livres de negociar e contratar com quem quiserem sobre os objetos jurídicos que entenderem – desde que juridicamente disponíveis. Existe, todavia, a exceção: [aquilo a que em Portugal chamamos-] «Contratos de Adesão». Estes são modelos contratuais, dirigidos às massas contraentes (contratação em massa, como por exemplo, serviços de comunicações ou eletricidade) e que, previamente elaborado, apenas consente a introdução manual dos elementos identificativos da contraparte contraente – uma vez que a identificação do pré-disponente já se encontra vertida – e pormenores de objeto que pela sua especificidade devam ser alvo de negociação mais ou menos séria entre as partes. Todas as demais condições contratuais estão vertidas nas «Condições Gerais» e «Condições Particulares», não conseguindo o Aderente, sequer, alterar uma vírgula ao modelo disponibilizado. Aqui, encontramos o primeiro sintoma da prepotência contratual fundada na necessidade de contratar do Aderente. A resposta é simples: “Não aceita a condição geral ou particular? Então não contrata o serviço!”. De ter em consideração o seguinte: as Cláusulas Contratuais Gerais são objeto de Diploma próprio, que as regula, mas só e apenas nos Ordenamentos Jurídicos Internos. Não existe, por ora, nenhuma regulamentação internacional que vise estabilizar os padrões contratuais mínimos com recurso a estes modelos contratuais. O que nos traz um problema: Os contratos (ditos-) internacionais de transportes de mercadorias e respetivos seguros! Na prática comercial, é usual os prestadores de serviços recorrerem a Condições Gerais e Particulares para contratação ativa e passiva de serviços de transportes e respetivos seguros, regulando por essa via todas as principais questões relativas ao serviço a efetuar. Devido à ausência de instrumentos de harmonização internacional destes contratos, tende a ser fixada nas Condições contratuais a “Lex Mercatoria” e a forma de resolução de litígios. Pela primeira é fixada lei mais competente para conhecer e regular o negócio, quer na sua fase negocial, quer na sua fase contratual e, também, na fase do litígio. Afastam-se, assim, a “Normas de Conflitos”, contratualizando-se a “harmonia” possível. Pela segunda, é fixada a forma de resolução de litígios – ou fixando o foro competente, ou remetendo para Arbitragem. [Declaração de Interesses: Sou 100% a favor da Arbitragem Voluntária nos contratos internacionais, mas com reservas. Veremos quais.] A Arbitragem permite conhecer qualquer litígio entre partes, sobre temas que as partes possam livremente transigir e que, por natureza, não estejam fora do âmbito material das Arbitragens. Assim, num contrato celebrado entre um Paquistanês – experiente transportador marítimos - e um Taiwanês – ávido comerciante de utilidades, amplamente habituado a exportar os seus bens - sobre o transporte, por via marítima, de determinado bem, podem as partes fixar que o Lex Mercatoria será a Inglesa. Podem? Ou será imposto pelo Armador? Corro o risco de chamar “imposição” a esta aparente liberdade contratual. Mas, até aqui nada a relevar de superior preocupação. O ordenamento jurídico britânico está estabilizado e permite assegurar a desejada “Certeza e Segurança Jurídicas”. Já diferente será a resolução de eventuais litígios. Tendo por princípio que a Lex Mercatoria é a britânica, então haverá a tentação de fixar que todo e qualquer litígio terá de ser dirimido no Tribunal Arbitral de Londres. Aqui já o assunto é muitíssimo mais complicado. Vejamos: Londres fica, no caso do exemplo, do “outro” lado do Mundo; Em Londres, a Arbitragem Marítima está centralizada no LMAA, que será o organismo mais titulado para administrar essa arbitragem; Pese embora ali a Arbitragem seja “ad hoc” – e não institucionalizada – a verdade é que as custas com arbitragem serão fi- xadas segundo o regulamento do LMAA; E, no final do dia, ainda o “lawsuite” não saiu do papel e as partes já estão aflitas com o Attorney, o Barrister, o Solicitor, os mais audazes com o “KingC” a que se juntarão os encargos bem londrinos da administração da Arbitragem. Tudo isto porque: Um armador decidiu impor a arbitragem com recurso ao tribunal arbitral de Londres; Sem olhar ao desequilíbrio que tal poderia causar na contraparte; Revelando Má-fé negocial e autismo contratual! A solução, sempre difícil de atingir, passará por não aceitar tal especifica cláusula sem conhecer as implicações financeiras relativas ou associadas a tal disposição e, caso se remeta para arbitragem, permitir a que ambas as partes possam propor a instância arbitral que melhor caiba à resolução do litígio e à sua própria capacidade de pagar. Ou então, fixar o valor máximo de encargos com arbitragem que cada uma das partes possa vir a ter que suportar, garantindo a sustentabilidade da ação arbitral. Claro está que a pré-disposição da instância arbitral no contrato, de forma não negociada visa obviar a indefinição do local da arbitragem que, a não ser previamente fixado, poderá ocasionar o diferente problema sem que haja quem o solucione. Mas, terá que haver uma forma de atingir o equilíbrio, sob pena de não sendo alcançado uma das partes fique em pior posição do que já estava sem que de forma alguma possa reagir condignamente. Mas devo alertar: firmado contrato com cláusula arbitral, já só o tribunal arbitral será competente, ficando o tribunal estadual impedido de conhecer o litígio, sob pena de preterição de tribunal arbitral. E não há volta a dar! Nem mesmo a “alteração superveniente das circunstâncias” financeiras da parte que as alega é fundamento para preterir a arbitragem. Fica, portanto, o conselho: ler bem o contrato e aferir da cláusula arbitral ínsita. Em caso de discordância, pedir a alteração da mesma ou eventual reserva. É que depois de assinar, já é tarde… Se o proponente não aceitar, não faltarão concorrentes disponíveis para ter tal tema em boa consideração. Pedro Carvalho Esteves Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 51 DUMPING SOCIAL NO SETOR MARÍTIMO Q uando, na Primavera de 2022, foi quebrado o contrato a 800 marítimos franceses e britanicos, da “P&O Ferries”, para em seu lugar serem contratados nacionais asiáticos, com condições remuneratórias e exigências sociais bem menores, a comunidade marítima europeia sentiu-se ameaçada. Entre nós deu polémica a contratação de imigrantes para trabalhar em explorações agrícolas em Odemira, em condições indignas. São exemplos de dumping social. Como o termo dumping não é de uso comum, e menos ainda dumping social, propuz-me um pequeno intróito para aclarar estes conceitos, começando por procurar a tradução para um português escorreito. Curiosamente não encontrei nenhuma tradução de dumping, nem mesmo em português do Brasil. Também não encontrei tradução no conjunto das línguas românicas ou latinas (francês, espanhol, italiano, romeno), nem no conjunto das línguas germânicas ocidentais (inglês, alemão, holandês), nem nas germânicas setentrionais (sueco, dinamarquês, norueguês, islandês). O conceituado dicionário Houais regista dumping vocábulo português com origem no inglês, significando “acção ou expediente de pôr à venda produtos a um preço inferior ao do mercado, esp. no mercado internacional (p. ex., para se desfazer de excedentes ou para derrotar a concorrência)”. Assinala o primeiro registo do termo na 10.ª edição do Diccionário da Língua Portugueza de António de Morais Silva, de 1958. O Dicionário da Academia das Ciências regista dumping “prática comercial que consiste na exportação de produtos a preços inferiores aos praticados no mercado interno” No Longman Dictionary of Contemporary English, dumping significa “to sell (goods) in a foreign country more cheaply than at home”. E finalmente no “Glosário de ter- 52 mos de marketing” organizado pela AESE, Escola de Direcção e Negócios, temos Dumping “venda de produtos, em mercados estrangeiros, a preços bastante inferiores ao preço no seu país de origem”. A repetida referência aos mercados estrangeiros ou à exportação parece-me uma restrição injustificada, já que o mercado interno está igualmente sujeito a dumping. Para “dumping social” recorri à internet e experimentei o novíssimo “ChatGPT”. Do coincidente fraseado entre ambos, será de concluir que nesta particular situação o ChatGPT terá usado a internet. Mas a velocidade de resposta do ChatGPT, brevissimos segundos, é impressionante e no caso vertente de bastante qualidade. “Há dumping social quando se assinam contratos de trabalho por valores inferiores aos praticados localmente recorrendo a trabalhadores oriundos de países que não respeitam acordos internacionais e não dão proteção aos seus nacionais, assim obtendo vantagem económica sobre a concorrência”. Efeitos da Globalização A globalização e a internacionalização da economia, o desenvolvimento dos transportes e a livre circulação de mercadorias e a implantação do livre comércio, “o surgimento de novas práticas de produção, comercialização e consumo de bens e serviços, geraram um forte crescimento da economia internacional, o que provocou um aumento da concorrência entre as empresas”, numa competição que rapidamente ultrapassou fronteiras e se tornou progressivamente global. Esta competição sem fron teiras propicia o dumping social com o recrutamento de mão de obra nos países com menor desenvolvimento, mais baixos salários e menores ou inexistentes garantias sociais, obtendo, como já dito, vantagem concorrencial. | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios Sendo o setor marítimo, e em particular o transporte marítimo, por sua natureza e funcionamento, naturalmente global, desde sempre esteve sujeito ao dumping social. As novas condições de funcionamento do comércio e da economia vieram reforçar as possibilidades do dumping social. Concretamente no setor marítimo o dumping social concretiza-se com o pagamento de salários inferiores aos mínimos estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou International Labour Organization (ILO) normalmente associado a jornadas de trabalho sem horário, com longos períodos sem descanso e péssimos alojamentos. Adicionalmente, o dumping social está associado à fuga às taxas e impostos, por vias legais ou ilegais, às contribuições para a segurança social e outras obrigações sociais Esta prática é muitas vezes facilitada pelo embandeiramento nas “bandeiras de conveniência”, as FOC’s (flags of convenience), com leis e regulamentações laxistas. Será justo salientar que nem todas as FOC’s são iguais. Há FOC’s que procuram essencialmente obter isenções fiscais e vantagens financeiras, cumprindo totalmente as convenções internacionais e regras de segurança, outras há que procuram eximir-se ao cumprimento das convenções internacionais do direito do trabalho e às regras de segurança, constituindo um perigo para os que andam embarcados nos seus navios e para toda a comunidade em geral. No próprio seio da UE, normalmente na vanguarda da defesa dos direitos dos trabalhadores, verificamos que os armadores europeus podem operar em águas europeias com navios registados em bandeiras de conveniência e, por esta via, contratar marítimos a nível mundial, designadamente nacionais de países terceiros, com condições manifestamente inferiores às exigidas nos CRÓNICAS navios com bandeira de um estado membro, mantendo na generalidade o direito aos benefícios e privilégios vigentes no quadro legislativo da UE bem como de auxílios estatais, em manifesto dumping social. O European Transport workers’ Federation (ETF) tem batalhado pela concretização do Espaço Marítimo Europeu em que exista igualdade de condições e uma sã concorrência entre as companhias de navegação e os marítimos, colocando todos os marítimos a trabalhar em navios operando entre portos europeus ao abrigo da legislação comunitária e correspondentes acordos e contratos de trabalho. Mas há que ter consciência que estamos a advogar igualdade de tratamento no Espaço Marítimo Europeu, ao mesmo tempo que diferenciamos este Espaço do resto do mundo. Um não à globalização, que retirou da miséria milhões de seres humanos, mas endureceu a vida de muitos outros. Dumping social nas pescas Uma nota final sobre o setor das pescas, onde certamente em razão do mais baixo nível social médio dos seus profissionais, o dumping social é ainda mais violento, com os pescadores sujeitos a forte exploração e abusos diversos. Sem horários de trabalho, maus alojamentos, baixas remunerações, roçando com demasiada frequência situações de autênticos trabalhos forçados, com retribuição condicionada a “cláusulas” vexatórias, mais próprias da escravatura, são obrigados a trabalhar em todas as condições de mar, sem o mínimo de proteção e usando práticas de pesca intrinsecamente perigosas. As próprias embarcações de pesca, para além de estarem frequentemente registadas em países de legisla- [email protected] T.: 269 630 333 F.: 269 630 335 ções laxistas, são não poucas vezes ilegais, operando sem documentação e sem submissão a quaisquer regulamentos, situações ideais para a aplicação das práticas do dumping social. O dumping social provoca graves violações dos direitos humanos, concorrência desleal, desemprego e facilita o estabelecimento de inferiores condições de trabalho e mais baixas remunerações; no sector marítimo é uma praga de difícil irradicação. Mas, ironicamente, serão os mais fortes, os priviligiados europeus organizados corporativamente, que colherão as maiores vantagens desta justa luta contra o dumping social. E os mais frágeis, os “asiáticos”, quem os protege? António Balcão Reis C/ Alm. Eng. Const. Naval. Ref Membro da Secção de Transportes da SGL A REBOPORT, Sociedade Portuguesa de Reboques Marítimos S.A., fornece serviços de REBOQUES, LANCHAS e AMARRAÇÃO no Porto de Sines de acordo com padrões de qualidade, segurança e proteção ambiental destinadas a responder às exigências crescentes da atividade marítimo-portuária nacional e internacional. PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 53 O THE NAUTICAL INSTITUTE E A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A SEGURANÇA MARÍTIMA O The Nautical Institute (NI) foi fundado em 1972, com o objetivo de criar uma organização profissional para oficiais da marinha mercante e tem estatuto de Organização não Governamental (ONG) na Organização Marítima Internacional (OMI). Atualmente, cresceu para quase 7.000 membros em todos os setores da indústria marítima, distribuídos em 120 países em todo o mundo, com uma rede de 56 filiais locais, sendo que a filial Ibérica “Iberia Branch”, conta com mais de 100 membros distribuídos por Portugal, Espanha e Gibraltar. Um dos principais objetivos do The Nautical Institute é promover os mais altos padrões profissionais no setor marítimo, incluindo a formação. Daqui resulta a importância do The Nautical Institute, do qual os seus membros usufruem de grandes benefícios (www.nautinst.org). Concretizando, o NI visa promover elevados padrões de conhecimento, qualificação e conduta profissional na indústria marítima, com foco na segurança e na proteção do meio ambiente, através de uma série de atividades, incluindo a publicação de diretrizes e melhores práticas para o setor marítimo, 54 fornecendo formação especializada e credenciada para profissionais marítimos e ainda através de organização de eventos e conferências. Podem ser seus membros, oficiais de convés, oficiais de engenharia marítima, pilotos, advogados marítimos, formadores e outros profissionais marítimos, incluindo os estudantes com a nova modalidade gratuita de membro, sendo que é gerido por um conselho eleito pelos seus membros. Para além do NI desenvolver uma série de padrões para a indústria, em particular a formação e certificação de Operador de Posicionamento Dinâmico, também trabalha em estreita colaboração com organizações reguladoras do setor, como a Organização Marítima Internacional (IMO), a Associação Internacional de Sociedades Classificadoras (IACS) e outras organizações da indústria marítima, instituições de formação e associações industriais, para promover as melhores práticas, tendo em conta os interesses dos marítimos e da indústria como um todo. Assim sendo, o NI disponibiliza uma alargada gama de serviços aos seus | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios membros, incluindo cursos de desenvolvimento profissional, publicações e conferências. As suas publicações são guias práticos sobre as melhores práticas, que a robusta revisão por pares e a contribuição de especialistas ajudam a garantir que livros permaneçam atualizados e sejam reconhecidos da indústria. De registar que os membros do NI recebem um desconto de 30% em todos os títulos. Por outro lado, a Academia do NI, oferece uma série de oportunidades de formação para membros e não membros sendo que os cursos incluem uma ampla gama de tópicos atuais, relacionados com o setor marítimo e são projetados para garantir um conhecimento aprofundado e especializado, (Navigation Assessor; onboard-competency-assessment; marine-incident-investigation; ism-lead-auditor; designated-person-s-ashore-dpa; onboard-competency-assessment-with-navigation; mastering-vetting; introduction-to-vetting; introduction-to-shipping; block-chain-for-maritime-decision-makers; ism-lead-auditor-fishing; criminalisation-of-the-mariner; marine- PUB -insurance; marine-salvage; maritime-cyber-awareness-for-seafarers). É ainda de salientar, que é disponibilizado aos membros do NI, a possibilidade de realizar um curso online grátis a cada 12 meses, através da parceria de um dos principiais fornecedores de e-learning, a Ocean Tecnhologies Group, assim como têm ainda acesso a uma vasta gama de recursos técnicos, disponibilizados online, como a revista mensal “Seaways”, a revista “The Navigator”, publicada em associação com o Royal Institute of Navigation. de costa, inclui aproximadamente 60 portos, três administrações marítimas predominantes, dois escritórios hidrográficos nacionais, numerosos Esquemas de Separação de Tráfego e um rico património marítimo, numa das principais regiões marítimas do mundo. Face à extensão da sua área de cobertura, a Delegação Ibérica estabeleceu um programa de reuniões técnicas e sociais com participação remota e presenciais, em locais importantes para que os membros possam reunir-se com regularidade. A Delegação Ibérica do The Nautical Institute Esta Delegação existe para e pelo esforço dos seus membros em Espanha continental e Portugal, mas também em Gibraltar, Baleares, Canárias, Açores e Madeira. A área do Iberia Branch, que cobre cerca de 3.650 milhas náuticas Para tal, o Iberia Branch definiu como localizações privilegiadas para a realização dos seus eventos presenciais, as escolas superiores marítimas de toda a Península Ibérica e as organizações do setor, como o Clube dos Oficiais da Marinha Mercante, onde já realizou diversos eventos. O último evento realizado, em formato híbrido, foi em 29/03, na Escuela Superior de la Marina Civil em Gijón, cujo tema foi a operação de navios com sistema de posicionamento dinâmico. Mensalmente, são realizadas reuniões técnicas on line, abertas a não membros, onde são abordados temas específicos da atualidade. Recentemente foram abordados os temas “Blockchain Enabled E-certificates (BEEs)”, “Navios de cruzeiros de expedição e comerciais”, “LNG Trade and Ship Basics” e “O setor dos mega-iates”. Tendo em conta o seu historial e atividade, o NI é uma organização reconhecida mundialmente, e que, sem qualquer dúvida, desempenha um importante papel na promoção da segurança marítima que hoje em dia constitui uma permanente preocupação para que ela seja o garante de todo o circuito económico mundial. João Frade Iberia Branch Chairman Cortesia Marinha/AMN 56 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios PUB “SÉCULO XXI, A (R)EVOLUÇÃO NA VELA” A o longo dos tempos temos sistematicamente referenciado nos artigos que publicámos, algumas mudanças verificadas a uma velocidade diferente do ritmo, que a Vela se encontrava habituada a percorrer desde o início da sua existência, facto que nos comprometemos analisar perante alguns detalhes provocadores dessa realidade no intuito de melhor entendermos as causas da sua actual transformação. Vamos tentar! Talvez por considerarmos essas mutações acontecerem mais aceleradas do que as sucedidas noutras modalidades, julgamos ser interessante o motivo de análise/reflexão das causas instigadoras desses acontecimentos, principalmente nos últimos anos de actividade. Sabemos que os avanços tecnológicos provocam uma maior aceleração no tempo e logicamente o prazo de aplicação desses progressos se torna mais célere, no entanto relativamente às modalidades desportivas mais con- 58 servadoras tem havido a preocupação na manutenção das características originais, com adaptações quase imutáveis como se verifica no atletismo, ou noutros desportos colectivos, em que as variantes, quando surgem se tornam em novas disciplinas da modalidade, reconhecendo-se no caso dos desportos de recursos a equipamentos técnicos, como aparelhos mecânicos (automobilismo – motociclismo – motonáutica – tiro), as mudanças têm surgido, mas sem grandes alterações regulamentares, o que não se tem verificado na vela. Sem querer tornar o artigo uma aula de formação desportiva, contudo será interessante definir/relembrar alguns conceitos básicos relativos ao “Desporto” para uma melhor interiorização analítica na percepção dos factos abordados. Rememorando o significado literal da palavra “desporto”, a sua origem vem do francês antigo desport, que significava: recreação, passatempo, lazer. Só no | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios século XV surgiu na língua portuguesa com o sentido de divertimento. O nascimento do Desporto remonta à Grécia, onde era encarado como um espectáculo e como um culto à beleza corporal, servindo também, simultaneamente, no império romano para a preparação das actividades guerreiras. Presentemente, a forma tal como se concebe e pratica desporto teve origem na Europa na segunda metade do século XIX, onde se desenvolveu através de uma maior divulgação cénica. Assim a definição de Desporto é assumida como meio de praticar actividade física, de forma metódica sujeita a determinadas regras, com objectivos competitivos, a participação é casual ou organizada, em privado ou em grupo e procura usar, manter ou melhorar as habilidades físicas, bem como outros factores igualmente decisivos, como é o caso da destreza mental ou ainda do equipamento do desportista, CRÓNICAS proporcionando diversão aos participantes e, em alguns casos como é o caso da Vela, entretenimento para os espectadores, aliás é este último ponto que muito tem inferido neste século para as alterações verificadas. A Vela devido à necessidade de recursos de meios onerosos, como é o caso de embarcações e outros equipamentos suplementares, desde os seus primórdios foi sempre uma prática dispendiosa e só possível pelas classes sociais mais privilegiadas economicamente, quase sempre ligadas à aristocracia, tornando-se uma actividade mais restrita e menos popular, porém de uma grande apetência de prática e curiosidade por quem a observa e acompanha pelas mais variadas motivações. Para além deste inconveniente económico a vela é uma modalidade de complexa regulamentação, que requer uma grande familiaridade de prática e estudo para um velejador se sentir apto a participar em competição, direi mesmo que o livro de Regras de Regata à Vela se assemelha a um mini-tratado jurisdicional, em que as regras se intercalam umas nas outras, dificultando a sua apreensão pormenorizada rapidamente. Outro contratempo para quem assiste a uma rega- ta é a ausência de percepção do andamento da prova, isto porque as regatas são longas, os percursos são complexos, o reconhecimento das bóias é confuso devido ao distanciamento, tornando-se imperceptível a ordem de sequência dos velejadores e a sua identificação, quem é quem e que posição ocupa, os mais atrasados nas rondagens misturam-se com os da frente, o número de passagens fica baralhado, complicando o desencaracolar da competição e provocando a desistência do acompanhamento, não só pelas circunstâncias descritas, mas também pela frequente ausência de conforto do local de observação durante o demasiado tempo de duração de uma só regata, em que por vezes o vencedor já está encontrado desde bem cedo. O Desporto, genericamente, tem sido ao longo da sua existência o melhor meio de promoção das sociedades e nações onde se pratica, sendo actualmente um dos mais significativos embaixadores dos países, ou seja, a promoção nacional é extraordinariamente reconhecida pela via desportiva. Nesse propósito o mundo está atento e tem-se moldado com essa finalidade, recorrendo ao desporto para se promover, embora o aperfeiçoamento para melhores resultados tenha custos indexados aos escalões de posicionamento e difusão que se pretende. A vela, como desporto apelativo de estatuto e imagem tornou-se alvo apetecível, não quis COMPETÊNCIA CONHECIMENTO E EXPERIÊNCIA PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 59 “perder o comboio” e entrou no jogo, mas os custos têm limites. Como atrás referimos o estatuto de desporto elitista da vela, na sua origem era somente sustentado pelos seus praticantes, quase todos proprietários das embarcações em que competiam, suportando as despesas inerentes à prática e às competições, sendo por isso um dos últimos desportos a aceitar publicidade nos cascos e nas velas dos barcos, actualmente é uma prerrogativa que não abdicam. As competições de vela no início, como eram restritas a um grupo fechado, minoritário e elitista, em que o que interessava primordialmente era a satisfação dos seus praticantes, desenvolvia-se preferencialmente em locais longe da costa com o objectivo de um vento mais estável e limpo, que proporcionasse uma prática constante e ideal para competição, longe dos observadores e consequentemente sem espectadores pela longa distância de terra. Essa filosofia de comportamento para os campos de regatas era um dado adquirido, sem qualquer intenção de ser alterado, sendo adoptado durante décadas sem grande contestação. No último quartel do século passado com o aparecimento de novos materiais, com os custos a aumentarem para aquisição de melhores embarcações e equipamentos, e também por haver uma maior democratização da modalidade, a prática de vela aumentou significativamente, decidindo a Federação Internacional de Vela aderir, a exemplos das outras modalidades, à permissão e ao recurso de publicidade para minimizar encargos e promover a modalidade. O paradigma mudou, foi a inovação e oportunidade das marcas 60 se “colarem” a um desporto de elite, a adesão dos patrocinadores não foi difícil, também pelo facto da maioria dos proprietários e praticantes serem eles próprios os maioritários e directos usufrutuários. Assim a captação de patrocínios tornou-se facilitada, aproveitando alguns a oportunidade de promoverem a imagem das suas empresas, apercebendo-se ser uma vantagem em dobro, os custos eram diluídos nos impostos como promoção da sua actividade. Outras marcas houve que se lançaram na ribalta, mas havia o outro lado da moeda, a visibilidade era escassa pela longitude das provas e pelos contratempos já descritos. Com o aparecimento da publicidade, novas oportunidades se estabeleceram, havia a carência da combinação da modalidade ser praticada e as regatas serem possíveis de serem observadas de mais perto, à vista de terra, captando público e possibilitando a Comunicação Social fazer a cobertura de provas, sem necessidade de passar horas em Mar, para captar imagens. Ter-se-ia de solucionar a contento a conjugação dos objectivos. A disciplina match-racing, foi o mote para a base de alguns parâmetros que satisfaziam os objectivos: regatas junto a terra, curtas entre dois barcos, em que é fácil identificar quem está a liderar, as marcas são visíveis e o nome da equipa ou skipper é referenciado na vela, a assistência tem lugar específico de observação e no final tudo é perceptível e do agrado de todos os intervenientes, porque as regras e condições climáticas são também iguais para todos. A aposta estava ganha. Anos mais tarde as transmissões televisas das regatas mais emblemáticas eram já um hábito de aceitação | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios de todos: espectadores, anunciantes e praticantes, contudo ninguém podia mandar nos elementos, eles tinham o papel preponderante para haver, ou não, regata, i.e., o vento dita a sua lei mais alto, e se é forte, ou fraco, as transmissões televisivas, via satélite, podem ter que alterar a programação prevista, quando o tempo de antena é tão caro. Há que encontrar novas soluções para que tudo seja a contento de todos os protagonistas. Os organizadores dos eventos terão de encontrar soluções para sobreviverem às leis da procura, que não se contemplam por percalços de menor importância, o que está em jogo é haver provas em que a emoção seja a palavra de ordem, mesmo que impliquem riscos. O figurino já está estudado em outros desportos em que a aceitação televisiva é uma concreta certeza, como é o caso das transmissões onde as velocidades e o acidente podem também cativar público e emoção. O futebol é outro fenómeno capaz de arrastar multidões por outras circunstâncias mediáticas e sobejamente comprovadas de êxito, mas dele, há tantos a comentarem que nos escusamos a fazê-lo, a nossa preocupação é a vela. Se o vento é fraco, qual a solução? Em pleno século XXI o desenvolvimento tecnológico e marketing arranjam soluções a contento: barcos mais rápidos e regulamentação adaptada a novas fórmulas capazes de satisfazer o desejado, inclusive para levar a efeito todos os procedimentos na montagem e controlo dos campos de regata, tudo hoje é dominado pela informática, somos a favor do melhoramento e simplificação das regras, agora ficarmos reféns dela é o mesmo que embarcarmos e deixamos as velas no cais. A vela ao longo da história é reconhecida como uma modalidade de aprazível navegação/condução, controlo inteligente para a opção de táticas, conhecimento de regras, para também elas fazerem parte do resultado e claro velocidade, pois em todos os desportos o primeiro a chegar é o vencedor. Com estes e outros critérios em equação a vela do século XXI encontrou a solução para a mobilidade em ventos fracos ao CRÓNICAS recorrer a barcos mais velozes para as competições “espectáculo”, o catamaran é um válido contributo com provas dadas para o efeito, devido a navegar com vento de baixa intensidade, mas mesmo assim foram encontrados outros predicados capazes de a ele se associarem e obterem ainda um muito melhor desempenho, como é o caso de substituir uma vela por uma asa invertida, como se não bastasse, os projectistas investigaram e idealizaram o “grito” da última geração os foils, apêndices hidrodinâmicos, capazes de elevarem fora de água a embarcação diminuindo substancialmente o único atrito submerso. Encontrados estes atributos há que os pôr em confronto, havendo também necessidade de sabê-los controlar, preparando-se operacionais com aptidões mais tecnológicas do que as exigidas além da arte de bem navegar. Porém há uma certeza a bordo, todos têm de usar capacete de protecção por que há outra certeza, os barcos não têm travões e quem anda àquelas velocidades, mais vale prevenir, que… . A par destas inovações, outras apareceram em simultâneo e que facilitam o controlo e a montagem do campo de regatas, as bóias auto-posicionáveis, assim como o papel dos juízes árbitros é efectuado em estúdio, analisando o desenrolar das competições, ou seja é um VAR sem rosto. Ainda a referir, que nestes eventos os velejadores têm as tarefas facilitadas tendo acesso a saber o seu real posicionamento e se navegam a uma velocidade que os possa penalizar à largada, recebendo também a in- dicação do melhor lugar de largada. A competição perde algum élan! São estes alguns dos muitos atributos que alteraram a Vela no século XXI, sem dúvida que a modalidade hoje é mais difundida pela comunicação social, que no passado recente, …sem dúvida que os barcos são mais velozes e espectaculares, …sem dúvida que as marcas investem nestas soluções em detrimento de outras menos exuberantes, mas também fica a dúvida se a modalidade encontrou o figurino capaz de angariar mais adeptos e se a apetência não ficou prejudicada? Porque a segurança temos a certeza que sim. Nos planos de água, outrora polvilhados de velas brancas, hoje estão muito mais esbatidos, é como se jogássemos à Batalha Naval sem barcos, …os resultados dos tiros eram – água! Citando um grande Senhor da Vela – a Vela moderna tornou-se “vela de circo”. Não queremos de modo algum fazer o papel de Velhos do Restelo, ou dizer que estejamos em desacordo com a difusão da vela, pelo contrário, gostamos, mas para que ela continue a ter futuro, há que dar corpo a uma base sustentada, agradável de praticar, acessível e viável de angariação de muitos mais adeptos, quer sejam ou não capacitados economicamente ou fisicamente. Esta vela joga no mesmo tabuleiro do passado, só é acessível se houver muito dinheiro, ou seja, impraticável, pois se não houver patrocinadores, tudo é improfícuo. A Vela é saudável e para ter sucesso e continuidade terá de manter o slogan que é um desporto para a vida, …o Circo é só para artistas! Ao leitor peço que interpretem somente estas palavras como uma reflexão. Nós Revista de Marinha, gostamos de circo, mas gostamos mais de Vela. Nota: - o autor não cumpre o novo acordo ortográfico António Peters PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 61 PATRIMÓNIO CULTURAL SUBAQUÁTICO NO BRASIL Parte dos palestrantes do Simpósio (Ricardo Guimarães) N os passados dias 15 e 16 de Março, decorreu no Museu Naval, localizado no Rio de Janeiro, o I Simpósio Património Cultural Subaquático – Preservação, Educação e Práticas Políticas, organizado pela Diretoria do Património Histórico e Documentação da Marinha do Brasil. Este evento, adiado pelos menos duas vezes devido à situação pandémica que afetou o mundo nos últimos anos, juntou diversos palestrantes brasileiros ligados ao estudo e à salvaguarda deste património, para além do autor desta crónica, convidado pela Marinha anfitriã, sendo o único palestrante não brasileiro. Entre os palestrantes, para além de vários arqueólogos brasileiros, esteve também presente um representante do Centro Nacional de Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (o equivalente ao nosso CNANS da DGPC) e uma magistrada federal. Mas, acima de tudo, contou com a presença das mais altas entidades navais da Marinha do Brasil, quer da área da Direção de Portos e Costas (responsável pelas Capitanias) assim como o Chefe de Estado-Maior da Armada (o equivalente ao nosso Vi- 62 ce-CEMA). Esta presença foi muito importante, pois mostrou o empenhamento e a importância da Marinha Brasileira nesta área. Este evento permitiu também reforçar, de forma clara, o excelente relacionamento entre todos os intervenientes ativamente empenhados, em diversas áreas, na protecção e preservação do património cultural subaquático deste imenso país. E, numa altura em que a legislação em vigor no Brasil não proíbe, de forma categórica, a venda de objetos retirados do fundo do mar, todos reconheceram e destacaram o importantíssimo papel que a Marinha Brasileira tem realizado nesta área. Importa relembrar que o Brasil, atualmente, não é signatário da Convenção da UNESCO de 2001 porque, na altura em que esta convenção esteve em discussão, foi considerado que o Brasil iria “perder soberania” sobre o inúmero património submerso existente em águas brasileiras. Ora, o signatário desta crónica, para além de mostrar a atividade que actualmente se realiza em Portugal, tentou transmitir que a mencionada convenção promove, acima de tudo, a cooperação en- | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios tre as diversas partes e, simultaneamente, combate a caça ao tesouro proibindo a venda de bens recuperados do fundo do mar. E que, os países de língua portuguesa, deviam utilizar o também vasto património cultural subaquático português para reforçar os laços que nos unem. Curiosamente e especificamente no caso do Brasil, importa relevar que a juíza Desembargadora Federal, que também participou no evento, em resposta a uma questão colocada pela audiência, não teve dúvidas em afirmar que mais importante do que alterar a legislação brasileira que permite a venda, conforme já referi, seria o Brasil assinar a Convenção da UNESCO de 2001 de Protecção do Património Cultural Subaquático. Tenho, pois, esperança de que, com a vontade de todos os verdadeiramente interessados na proteção do património cultural subaquático existente em águas de jurisdição brasileira, como o património brasileiro que existe espalhado pelo mundo, apesar do país apenas ter 200 anos de existência, esse desiderato poderá ocorrer a médio prazo. Augusto Salgado Oficial da Armada (CH-UL e CINAV) CRÓNICAS E DO PARAÍSO PINGOU S.TOMÉ U ma lei não escrita, faz saber que o tamanho de uma ilha é inversamente proporcional ao do seu horizonte. Aquele princípio tenta quantificar ou pelo menos relacionar - uma eventual monotonia insular, com a geografia circundante que a condiciona. Contudo, não se aplica a S. Tomé, onde tudo e mais alguma coisa, o mais que fazem, é evidenciar que a ilha pingou do paraíso. Na vertical. Como a luz e a chuva, que ao caírem em abundância em cima de um solo profundo, poroso e fresco, conseguem produzir o melhor cacau do mundo. O cacau de S.Tomé, sempre foi reconhecido como de uma qualidade excecional, e se num passado recente se impunha por si só nos mercados, com o senão da reduzida produção, atualmente é utilizado para melhorar a qualidade de lotes de outras proveniências, à custa de um menor protagonismo e reconhecimento. E provavelmente de receitas. A relativa proximidade geográfica, e sobretudo cultural, entre as respetivas populações, criaram sempre uma muito relevante interligação entre S.Tomé e Angola, manifestada por diversas formas, uma delas, nas infraestruturas e procedimentos de transporte. Em Angola a aviação – e os portos – pertenciam aos Caminhos de Ferro, para além (pasme-se) dos próprios comboios. A DTA – a Divisão (depois Direção) dos Transportes Aéreos – operava com PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 63 Dakotas majestáticos, alguns remanescentes da rota que ligava Lisboa a Lourenço Marques, com paragem em toda a África onde houvesse uma pista, e mesmo onde não houvesse, como em certas escalas no deserto. E os pilotos angolanos utilizavam até às últimas aquela prerrogativa, de afinal, também serem ferroviários. Com reduzida instrumentação de navegação a bordo, frequentemente espreitavam para o par de carris que serpenteava ao sabor do relevo, mas também da rota, que era a mesma, 20 000 mil pés abaixo do avião, que para além disso, ainda tinha ele próprio que ziguezaguear, suspenso e indefenso, entre os traiçoeiros cumulos nimbos que se formam frequentemente nos céus africanos. Por isso não era de admirar que a bordo, os habituais sacos de papel para o enjoo, fossem substituídos por meios mais robustos. Mas esta navegação era um tanto diferente nas viagens a S.Tomé. Eram cerca de 4 horas de voo, por sobre 750 milhas de um mar de esmeralda, com a promessa de ter no final do horizonte um pingo do paraíso. E quem optasse por chegar ao paraíso de outra maneira, não tinha outra alternativa se não de navio, onde tudo seria diferente, à exceção do enjoo. O cais era uma estrutura minero-vegetal coralizada, misto de ferro e madeira, aglomerados num único material difuso, ou então o próprio navio. E os horários da cabotagem circular entre as ilhas, constituíam excelentes peças literárias, do género ficção. Tudo isto pertence ao passado, e atualmente o porto de Ana Chaves, gerido pela Empresa Nacional de Administração dos Portos (Enaport) já oferece condições muito interessantes de operacionalidade, e relevantes possibilidades de crescimento, necessitando para tanto de um conjunto de melhoramentos, sobretudo ao nível das dragagens da baía onde o porto se insere. Com o petróleo ainda a braços com problemas de arranque, numa altura em que outros já começaram a reduzir a sua produção, a Ilha deve para já apostar na qualidade de três produtos, como sejam o cacau, o café e turismo. A dependência da economia de S.Tomé do seu comércio externo, e portanto dos portos, fica patente no registo de que ainda recentemente, a Enaport respondia por cerca de 70% das receitas governamentais. Para fomentar e desenvolver o negócio, tornam-se indispensáveis portos operacionais, o que leva o país e a Enaport, a adotarem uma série de medidas, com o objetivo de encontrar o melhor modelo de exploração portuária, nomeadamente através da concessão desta. Continuando a pugnar pela economia da ilha, e o interesse do país, em janeiro de 2023, o governo são-tomense tomou a decisão de suspender o contrato de concessão dos portos de Ana Chaves, Fernão Dias (este ainda a construir) e do Príncipe, ao consórcio ganês da Safebond, o qual ainda carecia da contratação final, devendo S.Tomé aproveitar o prazo de seis meses dado para o reto- PUB 64 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios mar do contrato, para introduzir novos dispositivos e garantias favoráveis aos seus interesses. Mas não se trata apenas de assegurar o comércio do país com o seu exterior, mas igualmente a ligação entre as ilhas. A navegação naquele mar, que se estende ao redor da latitude zero, flui numa água mansa que permite estabelecer relações de amizade com os maravilhosos peixes tropicais, mas que em instantes é assolada por tempestades que atiram com as embarcações para o cimo de montanhas. Muito recentemente, já este ano, foram reiniciadas as carreiras domésticas, asseguradas pelo navio Olívia C, com capacidade para 300 passageiros, exatos quatro anos depois da tragédia ocorrida com a embarcação Anfitrit. Voltando ao cacau, é desejável que o país invista (com capital, investigação e internacionalização) no aumento da cadeia produtiva, indo o mais longe possível na transformação do produto, procurando ultrapassar o ciclo da plantação/colheita/secagem. De luz e chuva se faz o cacau, e de calor e doce, os bombons que podem ser comidos à volta do mundo. Como por exemplo nas bombonières dedicadas àqueles docinhos, que marginam a Grand-Place em Bruxelas. E se num dia cinzento e frio, alguém morder um deles e lhe souber a um pingo do paraíso, então é porque é seguramente cacau de S.Tomé. Artur Manuel Pires EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA DE MODELISMO NAVAL “NAVIOS E EMBARCAÇÕES – ATUALIDADES E MEMÓRIAS” E sta exposição temporária de modelismo decorreu entre os dias 31 de março e 30 de abril no Pavilhão da Galeotas, no Museu de Marinha, associada aos 160 anos desta instituição. Quando o Sr. Director do Museu de Marinha, o Almirante Croca Favinha me desafiou para fazer uma exposição temporária de modelismo como um dos eventos para celebrar os 160 anos do Museu, aceitei sem pensar duas vezes! Mas não quis fazê-la apenas com os meus modelos, os dos meus amigos, nem apenas os da Associação de Mo- PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 65 delismo a que pertenço, a AMA – Associação de Modelismo de Almada. Quis, dentro do mesmo registo com tenho feito as minhas crónicas de modelismo, mostrar o que bem se faz nesta área tão particular, a nível nacional. Ao visitarmos uma exposição ou concurso de modelismo em território nacional, por norma, a categoria menos representada nas mesas do evento é a Naval. Para não apenas estar limitado a navios e embarcações, o convite foi feito contemplando outras temáticas desta arte, como a terrestre, a aviação naval, as figuras e os dioramas, sendo estas categorias as únicas que tinham como obrigatoriedade uma ligação à Marinha Portuguesa. Os 18 modelistas que acederam ao desafio trouxeram 64 modelos na área naval, aeronaval e uma figura, vieram desde a Maia, a Norte, até Olhão, a Sul. Independentemente de serem construídos de raiz, a partir de um kit, melhorado ou simplesmente feito com o que 66 vem dentro da caixa, a uma escala grande ou pequena, de madeira, plástico, resina ou metal, mostram a dedicação e paixão destes modelistas por um pas- | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios satempo, que quando bem realizado, como a maior parte dos modelos que estiveram presentes, causaram espanto e admiração de quem os viu. Seja um PUB 68 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios CRÓNICAS barco de Pilotos à escala 1/25 ou uma Lancha-canhoneira a 1/700 todos os modelos expostos têm um elevado nível de trabalho, de pesquisa, construção, pintura, envelhecimento e, nalguns dos casos, na reprodução do seu “habitat natural”, o Oceano. Parabéns ao Museu de Marinha pela efeméride e por ter “aberto as suas portas” (novamente) à “Comunidade Mode- lística Naval Portuguesa” nesta data tão especial. Bons modelos. Rui Matos PUB Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 69 Cortesia José GUALDROPES E LEME São os “gualdropes” os cabos, ou correntes, que, a partir da rotação da roda do leme, dão movimento à “meia lua”, ou à “cana do leme”, para posicionar o leme do navio, ou embarcação, a um ou outro bordo, garantindo o seu governo. Em embarcações miúdas de recreio a remos com timoneiro, este utiliza gualdropes para movimentar a roda do leme que dá a posição ao leme e, assim, o governo à embarcação. Qual a origem deste termo náutico, é matéria de interesse filológico. Diz um conhecido dicionário de terminologia náutica que a origem deste termo reside na frase inglesa “guide rope”. Porém, melhor olhando para “gualdropes”, tal e qual, somos forçados a encontrar “wheel ropes”, como origem etimológica do termo. Tanto mais quanto sabemos que termos de origem germânica como “wer”, “willelm”, quando passaram para o português tiveram o “W” trocado pelo “G”, “guerra” e “guilherme”. Mais sabemos nós que as “rodas do leme” apareceram na mesma altura em que se começaram a utilizar os lemes centrais, nos navios já de grande porte, qualquer coisa como no século XI ou XII. “Leme” é o aparelho destinado ao governo do navio ou da embarcação, isto é, dar e manter a sua direção ou as alterações que forem necessárias. Quem se dedica ao desporto náutico, ou simples lazer, utilizando embarcações miúdas, habituou-se, por certo, 70 àquela peça constituída pela “porta” e “cachola”, essa peça que faz no “cadaste” com “ferragens” macho e fêmea, e que mediante uma “meia-lua” ou uma “cana de leme” feita na “cachola”, dá a direção à embarcação. De todos os nomes que usamos aqui, surge um que servia de razão de algumas conversas reinadias, o “almeida”, no qual é feita a “cana-do-leme”. Na “Arte Naval” de Maurílio Fonseca, a definição de “almeida parte curva do costado logo abaixo do 'painel de popa' e que faz com ele um ângulo obtuso ou uma curvatura”. É neste “almeida” aberta a passagem para a “madre do leme”, abertura essa que leva o nome de “almeida do leme”, como indicado no Dicionário da Linguagem de Marinha Antiga e Atual dos Com.tes Humberto Leitão e Vicente Lopes. Aquele outro, que foi mencionado primeiro, poderá ser engano, mas... como tantos outros termos continuará a ser utilizado enquanto o quiserem. Nos tempos antigos, dos gregos, romanos e viquingues, os navios garantiam o governo com recurso a remos posicionados a um bordo ou a ambos. É o caso dos “Steer” que os navios nórdicos utilizavam. No caso de embarcações fluviais como os “rabelos” do rio Douro, era utilizado um remo comprido, feito à popa, em posição central, denominado “espadela” ou “esparrela”. Nas ordenações afonsinas e fernandinas encontram-se definidos os car- | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios gos dos oficiais que embarcavam nos navios, incluindo as galés, e, entre os alcaides e petintais e outros, lá apareciam os “espadeleiros”, responsáveis pelo “governo” do navio, eram eles os “patrões”, “homens-do-leme”, ou “timoneiros”. Nenhum destes nomes correspondem ao que denominamos “leme”. E “espadela”, hoje ainda, também é o nome duma peça de madeira, bem decorada, plana, ou chata, utilizada para bater o linho. E “timoneiro”, que resulta de “timão”, uma alavanca utilizada para, mediante um sistema de cabos, comandar os “remos de borda” ou a “espadela”, apesar de significar sistema de governo ou “roda do leme”, também não corresponde ao termo “leme”. Que, não duvido estar ligado ao “helm” do inglês, apesar de “helm”, significar o conjunto de equipamentos que permitem o governo da embarcação, ou, também naquela língua, pode designar apenas a alavanca que dá posição ao “leme”. A acreditar que a linguagem marinheira portuguesa também teve origem nas linguagens nórdica e germânica, entre outras, “leme” virá do inglês antigo “helma”, "governo”, posição de governo, vindo do proto-germânico “helma” (originado da antiga língua nórdica “hjalm”, que do antigo alemão “helmo”, deu “Helm” no alemão atual, significando alavanca). João Subtil ESCAPARATE HETERÓNIMOS DO MAR O mar é a casa de múltiplos seres vivos que se adaptam, todos os dias, às mudanças das marés, das correntes, das temperaturas e, até mesmo, ao impacto da ação humana sobre os ecossistemas marinhos. Inventariar, catalogar, conhecer estes seres vivos marinhos, muito diferentes dos seres vivos terrestres, é uma atividade apenas ao alcance de quem gosta muito da vida e do mar. É fascinante perceber, que, nas profundezas dos oceanos, próximo das fraturas da crosta terrestre, sobre extrema pressão do peso da água e num contexto de erupções vulcânicas, existe abundante vida. Ao contrário do que estamos habituados a ver na vida acima da superfície da água, ou na vida debaixo de água, na faixa em que a luz solar ainda penetra, onde através da fotossíntese as plantas fazem a acumulação da energia solar e a transformam em compostos que são sin- tetizados a partir do dióxido de carbono, no fundo do mar, onde a luz solar não existe, a vida fervilha. Nas fontes hidrotermais, na zona abissal, a mais de 4.000 metros de profundidade, onde não existe qualquer luz solar, através da quimiossíntese, a magia da vida acontece. Com uma profissão que tenta entrar, através de tecnologia robótica avançada, nos abismos do mar profundo, com características próprias de coragem em enfrentar o desconhecido, de curiosidade em tentar descobrir vida onde, à luz do conhecimento dominante, seria improvável a existência da mesma e com a resiliência de saber esperar o momento certo para que o mar deixe revelar os seus segredos, os biólogos marinhos do mar profundo são verdadeiros heterónimos do mar. Miguel Marques A próxima edição da Science & Society, do INESCTEC é totalmente dedicada ao mar e á economia azul, com o título “Empowering the Blue Economy Trhough Innovation and Technology”, esta edição descreve a evolução da ciência de sensores, a importância das infraestruturas de apoio, o estado da poluição marinha, a inventariação dos recurso marinhos mais importantes e as tecnologias mais recentes para valorizar esses recursos. EDIÇÕES REVISTA DE MARINHA SUGESTÕES PARA AS SUAS LEITURAS Acrescem os portes de correio na importância de 3,5€; a versão cartonada tem um valor adicional. Os livros poderão ser solicitados através do e-mail [email protected] Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha | 71 A REVISTA DE MARINHA HÁ MAIS DE OITENTA ANOS … Nº 87 O exemplar da RM que hoje comentamos, referida a 10 de julho de 1940, faz capa com uma apresentação de cumprimentos no Palácio da Ajuda ao Presidente da República, General Carmona. Curiosamente, a revista não publica a legenda da foto da capa; trata-se de um C/Alm. da Royal Navy, em grande uniforme, de visita a Lisboa … A abrir, a cronica da situação internacional “O balanço de uma situação dramática – a Rússia continua a aproveitar a perturbação europeia e apoderou-se da Bessarábia e da Bucóvina”, assinada por Francisco Velloso. Num longo texto de 6 páginas, o articulista aborda os recentes armistícios de Rethondes e de Roma, a nova facilidade de contacto entre a Espanha e a Alemanha através da parte sul da costa atlântica francesa, a política interna francesa de Petain e a possível emergência de De Gaulle, os efeitos do bloqueio económico à Alemanha e a situação nos Balcãs onde a URSS anexou a Bessarábia e a Bucóvina à Roménia, com o apoio da Hungria e da Bulgária. E termina recordando um discurso de Churchill em que este anunciava aos países neutrais que iriam ser engolidos um a um pela Alemanha de Hitler. Não se estava, contudo, à espera de que Estaline fizesse o mesmo … Um texto não assinado, “Os ingleses estão preparados para fazer frente aos ataques alemães aos seus navios-cisternas”, assinala que até ao momento os resultados obtidos pela Alemanha se cifraram em 13 unidades afundadas, cerca de 2,5% da capacidade de transporte de combustíveis aliado, ou seja, um insucesso … O artigo “A retirada de Dunquerque” é uma tradução de um texto do jornal Paris Soir, que nos dá a visão francesa desta inusitada operação militar. Uma estranha armada, centenas de navios e embarcações de todos os tipos, embarcações de recreio e de pesca, navios mercantes e militares, conseguiu salvar das praias de Dunquerque 350.000 militares aliados encurralados pelas forças alemãs. Uma notícia ilustrada refere que o Presidente Carmona recebeu no Palácio da Ajuda os cumprimentos dos Embaixadores de França e da Alemanha, por ocasião das festas centenárias. Recorde-se que a Exposição do Mundo Português esteve patente ao publico de junho a dezembro de 1940, comemorando os 800 anos da fundação e os 300 anos da recuperação da independência. O texto “A formação do caracter militar e a nossa epopeia marítima” aborda a intervenção do CTen Vasco Taborda Ferreira numa cerimónia de juramento de bandeira na Escola Naval. A sessão foi presidida pelo Ministro da Marinha, estando presente o Embaixador do Brasil, General Francisco José Pinto. Por fim a rubrica “A Guerra no mar – os acontecimentos enumerados e resumidos dia a dia”, referente ao período de 27 de maio a 1 de julho de 1940. Para além de alguns torpedeamentos, de assinalar terem as forças alemãs concluído a 28 de maio a ocupação da costa francesa do Atlântico. Alexandre da Fonseca FICHA DE ASSINATURA REVISTA DE MARINHA Assinando a Revista de Marinha, recebe o seu exemplar comodamente em sua casa, de dois em dois meses, a um preço mais económico. Envie-nos a ficha de assinatura, acompanhada do comprovativo da transferência bancária para a nossa conta no BPI, IBAN PT50 0010 0000 6023 9030 0015 4. Pode contactar-nos através do e-mail [email protected] ou aceder ao endereço https://revistademarinha.com/revista-de-marinha-edicao-impressa/ com o formulário de assinatura. Seis números (um ano) Doze números (dois anos) Dezoito números (três anos) Portugal 36 € 66 € 90 € Europa 70 € 120 € 170 € Resto do Mundo 85 € 145 € 200 € PDF 24 € 46 € 70 € 72 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios PUB Barco à Vela Editora, Lda. - Rua António Graça, 97, 4490-471, Póvoa de Varzim - Portugal [email protected] 70 | Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios