Maio/Junho 2023
N.º 1033
Mergulho e Náutica de Recreio
Maio/Junho 2023 I Periodicidade Bimestral
Diretora: Paula Marques I N.º 1033
Desde 1937 a informar
todas as gerações sobre
Oceanos, Mares e Rios.
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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EDITORIAL
FICHA TÉCNICA
EDITORIAL
Fundada em 1937 | Ano: 86
Nº 1033
Editora/Diretora
Paula Marques
Anteriores Editores/Diretores
Maurício de Oliveira (Fundador); Gabriel
Lobo Fialho; Alexandre da Fonseca (atual
Presidente do Conselho Consultivo Editorial).
Conselho Consultivo Editorial
António Balcão Reis, António Peters, Armando Marques Guedes, Artur Pires, Assunção
Cristas, Augusto Alves Salgado, Carlos Seixas da Fonseca, Eduardo de Almeida Faria,
Élvio Leão, Fernando Paiva Leal, Francisco
Espregueira Mendes, Isabel Paiva Leal,
Isabel Pereira, Jaime Leça da Veiga, Janete Gonçalves, João Paulo Delgado, João
Rodrigues Gonçalves, Joaquim Bertão Saltão, Joaquim Monteiro Marques, João Brito
Subtil, João Fernandes Abreu, José Ribeiro
e Castro, José Rodrigues Pereira, Luís Miguel Correia, Luis Monteiro, Manuel Almeida
Ribeiro, Manuel Oliveira Martins, Maria João
Bebiano, Miguel Vieira de Castro, Nuno Fernandes Thomaz, Nuno Sardinha Monteiro,
Orlando Temes de Oliveira, Paulo Gama
Franco, Pedro Amaral Frazão, Pedro Carvalho Esteves, Reinaldo Delgado, Rui Matos,
Teófilo Pires Tenreiro e Victor Gonçalves
de Brito.
Os artigos publicados na Revista de Marinha e assinados refletem as perspetivas
dos seus autores. Os artigos e fotografias
incluídos nesta edição não podem ser reproduzidos sem autorização.
O Estatuto Editorial pode ser consultado
no site da Revista de Marinha em https://revistademarinha.com/estatuto-editorial/
Capa:
Cortesia Pedro Gomes
Para todos os assuntos relacionados com
a Revista de Marinha, por favor contactar:
[email protected]
Estimados leitores da Revista de Marinha,
Quando lemos qualquer uma das obras de Raul Brandão, percebemos que quem vive
e convive com o mar tem uma cultura muito forte e singular. Tem uma linguagem própria
e uma simbologia que apenas aqueles que vivem essa cultura, conhecem e entendem.
Quando lemos os “Pescadores” ou as “Ilhas desconhecidas”, percebemos que afinal não
existe apenas uma cultura marítima, mas sim, uma enorme diversidade de formas de
garantir a coesão social em grupos que partilham a vida perto e dentro do mar.
A cultura marítima é um valiosíssimo ativo intangível para qualquer nação e é criada e desenvolvida através de processos de aprendizagem e de transmissão cultural,
onde os mais juniores observam e imitam os mais seniores e, assim, adotam comportamentos, valores, símbolos, crenças, mitos, histórias e valores que permitem manter
a continuidade do conhecimento, ao longo do tempo. O facto de Raul Brandão ser
descendente de pescadores explica o motivo pelo qual o mar está sempre presente
em cada palavra que nos deixou.
Assim, o conhecimento de todos os símbolos e das linguagens associadas ao mar,
revela-se de uma grande importância, porque é através destes símbolos e destas linguagens que garantimos que, uma grande parte do conhecimento mais complexo, seja
mais facilmente transmitido de uma determinada geração para a geração seguinte.
As duas extraordinárias entrevistas que incluímos nesta edição, são um claro
exemplo de como o contacto, em tenra idade, com o mar, observando as comunidades marítimas, participando de rotinas e de atividades que envolveram o mar,
permitiu a criação, nos seus protagonistas, de uma forte cultura marítima. Ao lermos
a entrevista do mergulhador Paulo Franco que tem, na Madeira e nos Açores, alguns
dos seus lugares preferidos para mergulhar, mas que um dia sonha experimentar o
mergulho no gelo, percebemos como o contacto bem cedo com o mar e dentro de
um ambiente familiar, que permitia arriscar, despertou uma curiosidade que mais
tarde se transformou numa profissão. As crianças de hoje precisam perceber que
o mar está cheio de inúmeras possibilidades de futuro. Da mesma forma, quando
lemos as palavras do pintor Fernando Lemos Gomes, que nos anos 50, na cidade
do Funchal percebeu a importância que o mar tinha para o ser humano e, por isso,
decidiu imortalizar esse enorme valor, nas suas telas, conseguimos perceber como
são importantes atividades como o mergulho, os desportos náuticos, a observação
de cetáceos, o mergulho com jamantas ou tubarões, entre outras, porque todas elas
aproximam os seres humanos do mar.
Nesta edição, revelamos os aspetos importantes do Dia da Marinha, celebrado na
cidade do Porto, e o Dia do Pescador que contou com diversas atividades em vários
pontos do país. Partilhamos também a intensa aventura de Frederico Rezende, numa
das suas navegações.
A celebração do Dia Mundial dos Oceanos, a maior participação de sempre naSeafood, o exponencial crescimento do Registo Internacional de Navios da Madeira,
fazem parte das relevantes notícias incluídas nesta edição.
Terminamos com as sempre entusiasmantes crónicas da Revista de Marinha que
nos levam a viajar por muitos pontos deste nosso mar.
Boas leituras!
Paula Marques
Revista de Marinha (ERC nº 104351): Endereço da Sede, do Proprietário, da Redação e do Editor - Rua António Graça, 97, 4490-471, Póvoa de Varzim.
Propriedade da Barco à Vela Editora, Lda., NIPC 516 835 360. e-mail:
[email protected]; www.revistademarinha.com; A Barco à Vela Editora, Lda.
está inscrita no registo das empresas jornalísticas sob o nº 224084; o capital desta empresa está repartido por duas quotas iguais, de 50% cada, pertencentes a
Paula José Martins João Maio Marques e José Miguel Dantas Maio Marques; gerente: Paula José Martins João Maio Marques. Paginação: Barco à Vela Editora, Lda.
Impressão e Acabamento: Gráfica Diário do Minho - Rua de S. Brás, 1 - 4710-073 Braga - Portugal, e-mail:
[email protected]; www.grafica.diariodominho.
pt; Tiragem deste número: 2500 exemplares; Distribuição: VASP, MLP - Quinta do Grajal Venda Seca 2739-511 Agualva Cacém, Tel. 214 337 000.
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
01
SUMÁRIO
Madeira, destino de mergulho….
ou destino com mergulho?
Ecoturismo marinho:
abrindo o caminho para a economia azul?
Oportunidades e desafios
Orcas
Só acontece aos outros...
Manifestar o potencial
da Energia Eólica offshore em Portugal
46
TX-12.00, a inovadora ambulância marítima
35
para resgates em áreas de difícil acesso
O dilema da descarbonização.
Quando os regulamentos estão
à frente da tecnologia
48
Ordem Militar do Colar
de Santa Ágata de Paternò
36
Contratos e Equilíbrios – a prepotência
“cláusulal”
51
Maior participação portuguesa
de sempre na Seafood Expo Global 2023
36
Dumping social no setor marítimo
52
O The Nautical Institute e a sua
contribuição para a Segurança Marítima
54
“Século XXI, a (r)evolução na Vela”
58
Património cultural subaquático no Brasil
62
E do paraíso pingou S.Tomé
63
Exposição temporária de modelismo naval
“Navios e Embarcações – Atualidades
e Memórias”
65
Universe Patriot
MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO
04
08
11
34
ENTREVISTAS
Paulo Franco
16
Fernando Lemos Gomes
21
Dia da Marinha
celebrado na cidade do Porto
24
Dia do Pescador
26
Conferência 2023:
“Icomia World Marinas”
Jogo de Futebol promove
Transporte MarÍtimo registado em Portugal 40
A Confraria Marítima de Portugal
– Liga Naval Portuguesa reuniu no Minho
A Mercury renova o patrocínio
da Bass Nation Portugal
42
28
29
Apoio de Portugal à Beijing Convention on the
Judicial Sale of Ships é positivo para o Registo
Internacional de Navios português
43
Bandas militares recebem condecoração
Cerimónia de Compromisso de Honra
do 37.º Curso de Formação de Agentes
da Polícia Marítima
38
Tomada de posse do Presidente do Centro
40
de Estudos Estratégicos da Marinha
ATUALIDADE
Portugal e o Mar
Engenharia Azul debatida na Madeira
O MAR que impulsiona
a ambição marítima de Portugal
30
Unidade Central de Investigação Criminal
da Polícia Marítima realiza megaoperação
conjunta
ESCAPARATE
GUALDROPES e LEME
70
Heterónimos do Mar
71
Science & Society
71
44
44
30
ARQUIVO HISTÓRICO
CRÓNICAS
Dia Mundial dos Oceanos: Viana do Castelo
31
é exemplo e referência na Economia Azul
Propulsão Sustentável
Gotemburgo, centro de E-fuels
A Revista de Marinha
há mais de oitenta anos … nº 87
72
45
Onda de Solidariedade Incentiva Renascimento
33
de Unidade Industrial da Lugrade
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Cortesia Pedro Gomes
MADEIRA, DESTINO DE MERGULHO….
OU DESTINO COM MERGULHO?
C
onsiderada por muitos como o melhor destino insular do mundo, a
Madeira tem, no seu todo, um destino
de turismo de eleição. Visitar a Madeira
não é só com o intuito de mergulhar nem
nunca pode ser essa a forma de pensar
sobre este destino.
A ilha tem um grande risco associado
à sua visita: quem a visita quer sempre
cá voltar. E quando pensamos que a Ilha
é pequena e que em alguns dias conseguimos ver tudo estamos completamente errados. A Madeira tem tanto para
oferecer, que uma semana é o mínimo
para cá estar.
A oferta é tao grande, que tem para
todos os gostos e idades. Para poder
falar de tudo o que nós temos, a revista
não era suficiente, por isso só me vou
focar numa área que é o mar e na observação da sua vida selvagem, seja à
superfície seja debaixo de água.
04
Começando pela superfície, a Madeira apresenta se como um destino onde
a observação de cetáceos tem um papel importante, tanto na economia da
região, assim como na procura por parte
do visitante. Com a passagem de 29 espécies de cetáceos pela região, a probabilidade de avistamento é muito elevada
durante todo o ano. Destas 29 espécies,
duas são consideradas residentes pois
podem ser observadas durante todo o
ano, como é o caso das baleias piloto e
dos golfinhos roazes.
A observação de cetáceos é uma das
atividades a não perder na visita à Madeira e, caso haja a possibilidade de nadar com os golfinhos, então temos o que
podemos afirmar como a cereja no topo
do bolo. É uma experiência para toda a
vida que nunca mais iremos esquecer.
Além dos cetáceos, podemos acrescentar as aves marinhas, as tartarugas
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e os gelatinosos que são tudo espécies
com uma possibilidade muito alta de ser
avistados, não esquecendo o famoso
lobo marinho, que muitas vezes aparece
nas zonas mais a leste da ilha, com a sua
residência nas ilhas desertas.
Passando para debaixo de água, somos um destino onde 99,9 % das vezes
é sempre possível mergulhar, durante
todo o ano. Alguns pontos de mergulho
são mais interessantes que outros, mas
não deixando de destacar o Garajau,
Baixa da Cruz e as Corvetas como pontos de maior interesse, sem nos esquecermos do Porto Santo onde a visita à
corveta Pereira de Eça e ao Madeirense
são duas passagens obrigatórias.
Falando um pouco do Garajau, é um
local onde podemos observar os meros
como grande referência deste ponto de
mergulho. Com águas cristalinas e uma
grande variedade de espécies onde os
MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO
pelágicos também aparecem e onde podemos mergulhar até aos 28-29 metros
dentro da reserva do parque natural do
garajau.
A baixa da Cruz, situada a frente de
Machico, é um outro ponto de mergulho onde já podemos evoluir um apouco
mais fundo chegando a atingir os 34m
onde o coral negro faz parte da paisagem submarina e os cardumes de roncadores, salemas e bicudas são parte
do cenário subaquático.
Falando da corveta, vamos às duas
corvetas que estão na região. A Afonso Cerqueira e a Pereira de Eça. Uma
no parque marinho do Cabo Girão e a
outra no Porto Santo. Ambas afundadas com o propósito de funcionar como
um recife artificial visitável por todos os
mergulhadores que queiram lá ir. Tanto a
localizada na madeira como a do Porto
Santo são mergulhos a não perder com
muita vida marinha e com uma profundidade média de 20 m atingindo o ponto
mais fundo nos 30-33m e o topo na cota
dos 10m.
Cortesia Pedro Gomes
Cortesia Pedro Gomes
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05
Cortesia Pedro Gomes
O Madeirense, o mais antigo recife artificial criado na região, ainda continua a ser
uma boa opção para quem visita o Porto Santo. Começando a mostrar alguma
destruição pelo tempo de permanência no
fundo, ainda mantém um nível de mergulho
bastante bom com alguns meros residentes
e muita vida em redor. Neste ponto de mergulho, podemos evoluir dos 16 até aos 34m.
Estes são apenas alguns dos pontos
de mergulho que considero mais interessantes e acessíveis, existindo uma
grande variedade de outros pontos de
mergulho com interesse.
Voltando à nossa bela ilha, a Madeira é de todos e para todos onde uma
passagem pelos miradouros, levadas
e passeio pela serra são obrigatórios
não esquecendo o nascer e pôr do sol
ilhéu.
Muito se podia escrever sobre esta
pérola no meio do atlântico, mas só
mesmo visitando para acreditar.
Visite o nosso mar, visite a MADEIRA.
Pedro Gomes
Cortesia Pedro Gomes
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MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO
Cortesia Pedro Gomes
Cortesia Pedro Gomes
Cortesia Pedro Gomes
Cortesia Pedro Gomes
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Cortesia Jorge Fontes ® OKEANOS UAç
ECOTURISMO MARINHO:
ABRINDO O CAMINHO PARA A ECONOMIA AZUL?
OPORTUNIDADES E DESAFIOS
O
Cortesia Jorge Fontes ® OKEANOS UAç
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ecoturismo marinho (MET) é um
setor fundamental nas estratégias
de economia azul de muitas nações
costeiras e ilhas. O MET é geralmente
definido como “viagens responsáveis
para áreas naturais que conservam o
meio ambiente, promovem o bem-estar
da população local e envolvem interpretação e educação”. Atividades como
a observação de cetáceos (whale watching), o mergulho com jamantas ou
tubarões e a pesca desportiva de grandes pelágicos (big game fishing, catch
and release), quando conduzidas e geridas de forma sustentável, são fortes
promotores do bem-estar humano e
geram benefícios muito além do setor
do turismo. A nível pessoal, proporcionam oportunidades de desenvolvimento intelectual, desenvolvimento físico e
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
emocional. Em segundo lugar, O MET
tem o potencial de promover o desenvolvimento socioeconómico dentro de
uma região, através do efeito multiplicador, das despesas dos visitantes, na
economia. Finalmente, o MET pode criar
incentivos para a gestão integrada do
oceano e, assim, aliviar a pressão sobre alguns recursos sobre explorados,
bem como influenciar, a sociedade e os
decisores políticos, a dar mais ênfase à
conservação do oceano. A nível nacional, os Açores são um destino internacionalmente reconhecido para a prática
destas atividades. O capital natural e
cultural destas ilhas, águas transparentes, paisagens magníficas, abundância
de espécies icónicas (baleias, tubarões, marlins, etc.), bem como, várias
políticas de conservação do mar, sus-
MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO
Cortesia Jorge Fontes ® OKEANOS UAç
tentaram uma estratégia orientada no
sentido de divulgar os Açores como um
‘destino azul’; resultando em prémios
que reconhecem os Açores como um
dos melhores destinos mundiais para
o turismo sustentável. Um estudo recente (*), conduzido por uma equipa do
Okeanos (Universidade dos Açores) e
CCMAR (Universidade do Algarve), demonstrou que o impacto socioeconómico do MET, representa 2,2% do PIB regional, superando as receitas de outros
setores mais tradicionais. Demonstrou
também que os visitantes que procuram estas atividades, têm estadias
mais longas e deixam mais dinheiro na
região, comparativamente aos visitantes tradicionais. Contudo, este estudo
também deixou claros alguns dos desafios que ameaçam a sustentabilidade a longo-prazo deste sector. A falta
de mecanismos de monitorização que
recolhem dados, de forma sistemática, sobre o impacto ecológico e socioeconómico deste setor, sobre o seu
impacto no bem-estar das populações
humanas residentes, e a falta de investimento em mecanismos com vista
à neutralidade carbónica e à digitaliza-
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Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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Cortesia Jorge Fontes ® OKEANOS UAç
ção deste setor, são exemplos desses
desafios. O rápido crescimento desta
indústria, a sua forte ligação a outros
setores económicos (restauração, alojamento, viagens, etc.) e sua dependência do bem-estar ambiental, exige
um maior compromisso com os princípios da sustentabilidade. Se o MET
pretende atingir objetivos e metas da
economia azul sustentável, há uma necessidade premente de examinar modelos alternativos de desenvolvimento
para este setor. Estes modelos terão
que estar alinhados com os princípios
da neutralidade carbónica, com o bem-estar das populações residentes e,
acima de tudo, com a conservação do
oceano e dos seus recursos.
(*) Adriana Ressurreição, Frederico Cardigos, Eva
Giacomello, Nuno Leite, Frederico Oloveira, Michel J.
Kaiser, Jorge Gonçalves, Ricardo Serrão Santos. The
value of marine ecotourism for an European outermost region (2022). Ocean and Coastal Management
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Adriana Ressurreição
CCMAR
Cortesia Jorge Fontes ® OKEANOS UAç
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Cortesia Frederico Rezende
ORCAS
SÓ ACONTECE AOS OUTROS...
D
emorei vários meses até “descobrir”
o meu novo barco.
Demorei algum tempo nas negociações, visitas, experiências e entrega final do mesmo.
É um Hanse 461 de Bandeira Irlandesa que se encontrava na Cidade de
Melilla, enclave Espanhol no Reino de
Marrocos, na bacia do Mediterrâneo no
Mar de Alboran.
Inicialmente estava previsto receber o barco no final de Março, mas tal
só veio a acontecer no início do mês de
Maio de 2023.
Depois de formalizadas as burocracias, recebi o barco. Estive um dia a arrumar o barco, a fazer limpezas, e retirar
bastantes coisas do barco que pertenciam aos anteriores proprietários e que
não me iriam fazer falta. Os anteriores
proprietários faziam do barco casa de
férias e não navegavam com ele.
O depósito do gasóleo de 260 litros
estava quase cheio, mas fiz o atesto
completo e, além disso, coloquei mais
4 jerrycans de gasóleo extra, pois no
primeiro dia no Mediterrâneo estava
previsto muito pouco vento e iria precisar de motor. Aguada feita, compras
de supermercado para 5/6 dias para
navegar direto até à Madeira ou, se
necessário, fazer uma paragem em La
Linea de la Concepción, mesmo ao lado
de Gibraltar.
Saí Sexta-feira, dia 5 de Maio, de Melilla, de manhã.
Ao sair da Marina de Melilla, e ainda
no Porto com alguma ondulação, quando estava a recolher as defensas, o motor começou a falhar. Para quem estava
a iniciar uma viagem de várias horas
apenas a motor, não era de todo um
bom augúrio. Por questão de precaução, voltei para a Marina. Nem sei como
lá consegui chegar. Desconfiei que haveria problemas na chegada de gasóleo
ao motor. Estive, nessa tarde, a desmontar os camarotes da popa de forma
a no outro dia ter acesso ao depósito. O
prognóstico, que se confirmou, era que
o gasóleo teria pelo menos cinco anos
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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Cortesia Frederico Rezende
(vim a saber depois de ter “apertado”
com o vendedor do barco) e estava podre. No dia seguinte, tirei todo o gasóleo do depósito, que estava castanho
escuro, e além disso, depois de abrir as
tampas de visita do depósito, vi que estava cheio de detritos o que colmatou o
pré-filtro e o filtro. Tudo limpo ao fim de
um dia de trabalho e, com mudanças de
filtros por várias vezes, até ficar o circuito sem impurezas.
Mais um dia em terra. Saí no dia seguinte.
Como referi, estava previsto não haver vento no denominado Mar de Alboran até ao Estreito de Gibraltar. Iria entrar vento na zona do Estreito apenas no
dia seguinte, pela hora de almoço.
Fiz uma viagem aborrecida, sem vento. Inclusive jantei ao luar, sozinho, com
copo de vinho tinto, só um, de pé alto
em cima da mesa.
No entanto, demorei mais do que estava previsto e, quando cheguei à zona
12
do Estreito, comecei a apanhar mar de
proa, muito vento de proa também e,
como me atrasei, também perdi a maré.
Ainda tentei fazer uns bordos pois
estava com medo que as velas se rasgassem quando não estavam minimamente cheias, mas ao fim de alguma horas desisti, cacei as velas e fui apenas
a motor. A 2.500 rpm de motor, que se
chegou a queixar muito, tive alturas de
fazer 0,0 kns, 0,2kns, 0,5kns, até que
abrandou um bocadinho e lá consegui
fazer 2/3 kns e cheguei a La Linea de la
Concepción, que faz fronteira com Gibraltar.
Cansado mas contente.
Voltei a encher o depósito de gasóleo
assim que entrei na Marina e depois fui
para o lugar que me destinaram.
Amarrei o barco, lavei-o e fiz uma
vistoria geral.
Aquando da vistoria ao motor, constatei que a correia se estava a desfazer
e que não seria seguro prosseguir a via-
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
gem sem mudar a correia. Tal deveu-se
ao motor ter muito poucas horas e ter
estado parado durante muito tempo e
uma das polias tinha ferrugem e “comeu” a correia.
Era Sábado. No Domingo as lojas
também estavam todas fechadas. Tinha
que esperar por “Lunes”!
No Domingo à tarde estava eu de
volta do barco, (consigo passar um dia
inteiro no barco a apertar e a desapertar
e a limpar e, quando dou por isso, passou o dia num instante), quando chegou
e parou ao meu lado um antigo veleiro
de chapa de ferro com dois tripulantes.
Um Espanhol e um Francês. Vinham um
pouco alterados. Ouvi falar em Orcas.
Fui falar com eles. Tinham tido um
ligeiro ataque de Orcas mas tinham conseguido fugir. Durou 20 mins. “À tope”,
disse-me ele. Ou seja “prego a fundo” e
fugir dali para fora. Não tiveram danos.
Iam para França na zona do Mediterrâneo. Estavam safos.
MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO
Passei o resto da tarde a analisar
alguns sites sobre o assunto e cheguei
à conclusão que para sair do Estreito
e entrar no Atlântico o melhor, à data,
seria junto ao Cabo Spartel o cabo
mais a Noroeste de Marrocos e depois
descer para a Madeira. Iria pelo Canal
de Navegação do Estreito até meio e
depois rumaria a Sul para a Costa Norte de Marrocos e seguiria a linha de
costa até ao Cabo e virar para baixo.
Assim foi.
Para aproveitar a descida da maré no
Estreito, esperei pela hora de almoço e
saí de La Linea. Vento de proa a saltar o
que me obrigou a além de alguns bordos
ir também a motor.
Quem não faz o trabalho de casa é
penalizado. Foi o que me aconteceu.
Já tinha passado o través do Cabo
Spartel e já era de noite quando fiquei
preso numa rede de pesca. Não sabia
que os Marroquinos, ao final da tarde,
lançavam redes naquele local.
O barco estava preso nas redes e tinha
as velas em cima. O estai foi fácil de enrolar, mas a vela grande estava cheia, não
conseguia aproar o barco de forma nenhuma e, foi com muita dificuldade, e depois de uma queda para cima do convés,
ao tentar subir ao mastro, que, com muita
dificuldade consegui baixar a grande.
Calma!
O passo seguinte foi tentar libertar a
rede.
Despi-me e mergulhei à noite. Uma
faca presa nos dentes, uns óculos do
anterior proprietário e uma lanterna
normal numa das mãos. Passado muito pouco tempo e, dado que as redes
eram muitas, as redes começaram-me a
prender as pernas e arrastaram-me para
baixo de água. Quanto mais dava às
pernas mais as pernas ficaram presas.
Mesmo debaixo de água, à noite, e a ser
arrastado, tive o discernimento de parar
para pensar. Consegui com muita calma
imobilizar-me e, devagarinho, libertar
Cortesia Frederico Rezende
Vila Real de Santo António
Cascais, PORTUGAL
+351 214 692 024
Barcelona, ESPANHA
+34 933 601 101
Rio de Janeiro, BRASIL
+55 21 3942 8828
Vigo, ESPANHA
+34 986 906 770
www.lindley.pt
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Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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Cortesia Frederico Rezende
as redes das pernas. Uma de cada vez.
Quando cheguei à superfície tinha os
pulmões a explodir. Saltei imediatamente para a escada do barco e não mais
voltei a mergulhar.
Pedi ajuda, e, em muito pouco tempo,
um Navio da Marinha Marroquina auxiliou-me e rebocou-me para Tanger.
Ao chegar a Tanger, por volta das
2h00, já estavam à minha espera para
me ajudarem. Extremamente eficientes
os nossos vizinhos de Marrocos. Estava
um funcionário da Marina, um funcionário da Alfândega e um Polícia, bem como
um mergulhador que, mesmo à noite e
ao fim de uma hora, retirou completamente as redes do barco. Às 5.00 estava
novamente pronto para zarpar. Descansei umas horas e após as formalidades
aduaneiras, saí de Tanger por volta das
10.00.
Como se costuma dizer, “à primeira
todos caem”. E eu não queria ser apanhado nas redes outra vez. Disseram-
14
-me que as redes só seriam colocadas
à noite desse dia, mas eu não quis, de
modo nenhum, arriscar.
Assim, saí de Tanger com rumo completamente a Norte e dirigi-me para o
canal de navegação do Estreito. Quando
lá chegasse, mudava o rumo a Poente e
sairia para o Mediterrâneo. E foi o que
fiz.
E o que fiz, foi meter-me na boca do
lobo.
Já perto de sair para o Atlântico, e
quando estava a preparar o almoço,
senti um embate no casco do barco.
Outro logo de seguida. O mar não estava agitado pelo que percebi de imediato
que seriam orcas.
Assim que saí, vi três animais.
O procedimento que adoptei, (hoje
faria exactamente ao contrário pois de
acordo com o recomendado em orcas.pt
deveremos tentar fugir o mais rápido
possível), foi de imobilizar por completo
a embarcação, desligar comunicações
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
e sistemas de navegação para não interferirem com as orcas e esperar que
as orcas percam o interesse e se vão
embora.
Atacavam dois de cada vez e quase
sempre o leme. Eram um casal com um
juvenil.
Ora atacava um progenitor com o juvenil ora atacava o outro progenitor com
o juvenil.
Quando raramente atacavam os dois
progenitores ao mesmo tempo, o juvenil
ficava ligeiramente afastado a brincar
saltando fora de água de costas.
Penso que estariam a ensinar a cria a
ter este procedimento.
Recordo-me perfeitamente que tive
três sentimentos ao longo do ataque
das orcas.
O primeiro foi “isto não me está a
acontecer. Estou a sonhar e isto não
corresponde à verdade.”
O segundo, depois de ter concluído
que o primeiro pensamento estava er-
MERGULHO E NÁUTICA DE RECREIO
Cortesia Frederico Rezende
rado foi “Deus ajuda-me para que isto
passe depressa, sem danos para a embarcação para eu rumar a casa em segurança”
O terceiro pensamento foi “já não tenho leme. Estou à deriva. Já não consigo
saír daqui sem ajuda”.
Quando concluí que estava sem
leme e me encontrava à deriva, pois
ao início quando as orcas investiam
contra o leme, as rodas de leme mexiam-se para um lado e para o outro
e me apercebi que as orcas, ao investirem contra a porta de leme e as
rodas de leme não se mexiam, foi aí
que decidi emitir um pedido de ajuda.
Estava em águas Marroquinas.
Quando emiti o pedido de ajuda, foi
o Posto Rádio de Tarifa que respondeu
e informou-me que iria sair de imediato
uma embarcação de socorro para vir ao
meu encontro.
O meu pedido de ajuda também foi
recebido na Capitania do Funchal.
Sei que houve intervenção da “minha” Capitania junto da Marinha Marroquina.
Graças a Deus.
A Briosa no mar e Deus no céu.
Entretanto, passado pouco tempo
para este tipo de situação, chegou um
Patrulhão da Marinha Marroquina. O Salva-Vidas Espanhol ao aperceber-se do
Navio de Marrocos interrompeu a sua
marcha, imobilizando-se.
No entanto, com boa vontade de todos acabei por ser rebocado para Tarifa
e não para Marrocos onde seriam muito mais difíceis todos os trâmites legais
alem da reparação do barco.
Quanto às orcas, mesmo com o Navio
Marroquino ao meu lado e com ambas
as máquinas a trabalhar, continuaram a
atacar-me. Só pararam o ataque quando
o Salva-Vidas Espanhol circulou várias
vezes à volta do Veleiro e finalmente se
afastaram.
O ataque demorou uma hora e cinquenta minutos!
Rebocado para Tarifa e mais tarde
deslocado para La Linea de la Concepción, onde se encontra agora em substituição da porta de leme e do piloto
automático e mais algumas reparações
menores.
Julgo que iremos necessitar da preciosa ajuda da nossa Briosa neste momento de grande preocupação para
os nautas da vela nas nossas costas e
criar corredores de passagem em dias/
horas previamente determinados para
se poder transitar nas/de/para as nossa
águas.
Afinal aconteceu-me a mim.
Duas angústias de momento:
- A reparação do meu querido veleiro
Annie Do.
- Correr o risco de ter que atravessar
novamente o estreito de Gibraltar até
atravessar o Atlântico.
Mas não vou desistir!
Frederico Rezende
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Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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Cortesia Maria Póvoa Pinto - My Photo Print
ENTREVISTA
PAULO FRANCO
A
Revista de Marinha entrevistou o
experiente mergulhador Paulo Franco, que nos desvendou todo o seu percurso no mundo do mergulho.
Quando surgiu o interesse pelo mergulho?
O meu interesse pelo mergulho começou relativamente cedo. Comecei a fazer
apneia com cerca de sete anos, durante
as férias de Verão com a família no Algarve, na área da praia do Vau. O meu entusiasmo, “arrastou” o meu pai para a atividade e ele passou a ser o meu parceiro
de mergulho durante muitos anos.
Como prenda de aniversário dos
meus onze anos, recebi o meu primeiro
fato de mergulho, que guardo com estima, e a partir desse momento comecei
a poder mergulhar de modo mais assíduo, também durante o período escolar,
na área de Sesimbra e no Algarve, onde
continuámos a ir veranear.
Como é que esse interesse se tornou numa atividade profissional?
Na sequência do meu interesse pelo
mergulho e pelo mar, sempre pensei desenvolver a minha carreira como Biólogo
Marinho mas, ao chegar ao momento de
decisão, tendo entrado simultaneamente na Universidade do Algarve, nesse
mesmo curso, e na Escola Naval, acabei
por optar pela segunda opção, tendo iniciado a minha carreira como Oficial da
Marinha, em 1992. Após concluir o curso
Cortesia Maria Póvoa Pinto - My Photo Print
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| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
CONSTRUINDO O COMPLEXO
“PUZZLE AZUL”
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e já como oficial, foi com naturalidade
que fiz a opção de especialidade como
Mergulhador Sapador, em 1999.
Tornei-me Instrutor de Mergulho Recreativo em 2001, tendo ministrado os
meus primeiros cursos no Clube Náutico
dos Oficiais e Cadetes da Armada, nunca mais sessando desde então a atividade nesta área.
Quais os locais onde mais gosta de
mergulhar em Portugal? Porquê?
Esta é sempre a pregunta que mais
temo. Acho que todos os locais (e mergulhos) têm o seu encanto. Não há dois
mergulhos iguais e nunca sabemos
quando o mar e os seus habitantes nos
vão premiar com um momento inesquecível.
Tendo de fazer uma opção, talvez esta
seja direcionada às nossas ilhas atlânticas, Açores e Madeira, onde temos certamente alguns dos melhores locais de
mergulho do Atlântico Norte e do mundo.
E noutros países? Costuma mergulhar noutros países? Onde?
Comparativamente com os mergulhos que tenho em território nacional,
não tenho muita experiência em mergulhos “fora de portas”.
Gostei muito de mergulhar nas Caraíbas, Canadá, Mediterrâneo e Cabo Verde e tenho como objectivo, assim que
possível, mergulhar no Índico, Atlântico
Sul e área do Golfo do México.
Mergulhar no gelo é também um objetivo que ainda não consegui concretizar.
Tecnicamente, como tem evoluído o mergulho de lazer? Actualmente,
em comparação com há 20 anos atrás,
quais as maiores diferenças?
As diferenças são muitas, algumas
boas, outras nem tanto.
O mergulho recreativo teve uma evolução explosiva global a partir dos anos
70 do século passado, que começou a
refletir-se progressivamente no nosso
país, nas décadas seguintes.
Cortesia Maria Póvoa Pinto - My Photo Print
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| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
ENTREVISTA A PAULO FRANCO
Cortesia Maria Póvoa Pinto - My Photo Print
A padronização internacional do ensino do mergulho recreativo, com a introdução das agências internacionais de certificação, o desenvolvimento exponencial
do equipamento vocacionado para mergulhadores lúdicos e a sua popularização
crescente nos meios de comunicação
social potenciaram o crescimento global
da indústria e do nicho turístico ligado
ao mergulho sendo, neste momento, um
setor consolidado e em expansão, proporcionando uma circulação mundial de
praticantes da atividade com um cariz de
globalidade difícil de encontrar em outras
atividades semelhantes e estruturas que
permitem ao praticante disfrutar do mergulho com excelentes condições em praticamente todo o mundo.
Naturalmente, a questão mais negativa, pese embora o esforço e sensibilização crescentes no que diz respeito
às questões ambientais e de conservação, é a inevitável comparação da biodiversidade que tínhamos há 20 anos
e temos agora, mesmo em locais onde
o mergulho recreativo é uma das mais
importantes e viáveis fontes de rendi-
Para abastecer
não vá contra
a maré.
Só depois
de abastecido.
Os nossos postos estão a postos ao longo
de toda costa do país, com a melhor tecnologia
de combustíveis e lubrificantes para aumentar
o desempenho da sua embarcação. Tudo para
deixar a sua viagem mais segura e o meio
ambiente mais protegido.
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Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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Cortesia Maria Póvoa Pinto - My Photo Print
mento. Naturalmente que as alterações
climáticas, a poluição marinha e especialmente a sobrepesca são os fatores
mais determinantes nesta decadência
dos ecossistemas marinhos.
Na sua opinião, o que procuram os
mergulhadores internacionais quando
vêm a Portugal?
Eu diria que os maiores produtos de mergulho recreativo, em Portugal, para quem
vem de fora, serão os Açores e a Madeira.
São destinos no espaço europeu,
com todas as vantagens logísticas que
isso proporciona, onde habitualmente
são avistadas espécies icónicas para
qualquer mergulhador, como é o caso
de grandes pelágicos, como barracudas, mantas, tubarões, etc.
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Os diversos naufrágios disponíveis
nas nossas águas, acidentais ou intencionais para fim de mergulho, que podem
ser encontrados no Continente, Açores
e Madeira, com destaque para os navios
da Marinha descomissionados e afundados no Algarve, e nas Ilhas da Madeira e
Porto Santo, são também locais de mergulho icónicos, chamando muitos entusiastas das atividades subaquáticas.
Como mergulhador, o que é que
mais valoriza quando mergulha?
Eu sou um mergulhador bastante
eclético. Gosto de mergulhar (e ensinar)
em apneia e com equipamento autónomo, circuito aberto e fechado (“rebreathers”). Também acho que cada mergulho tem o seu encanto e uma história
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
para contar. Há sempre qualquer coisa
nova e surpreendente que trazemos a
cada imersão.
Gosto naturalmente da biodiversidade, do mar a fervilhar de vida, das cores,
das formas e das interações e complementaridade mágica entre os diversos
seres e o meio ambiente.
Gosto também muito das paisagens geológicas, da arquitetura da natureza, das passagens, dos arcos, dos Canyon e transições
entre os diversos habitats marinhos.
Naturalmente, os naufrágios são
também pontos de grande interesse,
não só por eles próprios e pelas histórias
que contam, mas por serem tendencialmente zonas de grande biodiversidade,
pela protecção e substrato que dão aos
múltiplos seres vivos.
Cortesia Fernando Lemos Gomes
ENTREVISTA
FERNANDO LEMOS GOMES
A
O interesse pela pintura nasce em simultâneo com o indivíduo.
Como nasceu o interesse pela pintura?
O que o levou a especializar-se como Pintor de Marinha?
Revista de Marinha teve o privilégio
de entrevistar o extraordinário Pintor de Marinha, Fernando Lemos Gomes.
A viver na cidade do Funchal, nos anos
50, vivenciámos a importância enorme
que o meio marítimo tinha para aquela
sociedade. Segundo ‘Ortega Gasset’, “O
Homem é indissociável do seu meio”.
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Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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Cortesia Fernando Lemos Gomes
Após algum tempo, e, influenciado pelo Ambiente e
Educação Estética (Universitária), fui notando e apreciando as próprias formas
dos meios navais, sua importância e caráter utilitário
e funcional. Naquele Porto
do Funchal, existiam ainda
alguns exemplos dos mais
antigos Vapores de Cabotagem, a aguardar uma possível modernização.
Com intenção metafórica,
tentei reviver e voltar a navegar (em papel). Consagrei,
em seguida, uma parte consubstancial da minha atividade à representação plástica
dos assuntos marítimos.
Dentro dos temas de marinha,
que tipo de navios gosta mais
de pintar?
Todos os tipos de navios
e embarcações merecem receber a mesma atenção.
São produtos estudados e
Cortesia Fernando Lemos Gomes
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| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
criados para diferentes finalidades, mas para utilização
no meio aquático.
Existe algum pintor ou estilo
de pintura que o tenha influenciado mais? Porquê?
Existem vários e muitos
artistas que me marcaram,
especialmente durante a minha juventude, nos museus
marítimos da Suécia, França
e Inglaterra.
Destaco 3 casos de superlativa qualidade, os portugueses “Roque Gameiro” e
“Alberto Sousa” e o francês
“Marin Marie”.
Dos seus trabalhos de pintura, existe algum que tenha um
significado especial, no seu
progresso como pintor de marinha?
A primeira e mais importante pintura foi baseada
num pequeno navio de cabotagem a vapor do século XIX-XX. Executei um modelo à
ENTREVISTA A FERNANDO LEMOS GOMES
escala deste, e, em seguida, imaginei-o
no mar. E, para isso, tive que o pintar no
Porto do Funchal, na época. Entusiasmado com o resultado, estendi esta realização a outros navios e embarcações
de comércio, carga, guerra, etc.. Assim,
Cortesia Fernando Lemos Gomes
Cortesia Fernando Lemos Gomes
Cortesia Fernando Lemos Gomes
Cortesia Fernando Lemos Gomes
a contribuir para a conservação e valorização do património nacional.
Como pintor de marinha, qual o navio(s)
que ainda não pintou, mas gostava muito
de vir a pintar?
Como madeirense e a viver em Lisboa há muitos anos, gostaria de pintar
o futuro navio que vier a ser construído,
para fazer a ligação do Funchal a Lisboa, que tanta falta faz a tantos portugueses.
Cortesia Fernando Lemos Gomes
Cortesia Fernando Lemos Gomes
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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Cortesia Marinha / AMN
DIA DA MARINHA CELEBRADO NA CIDADE DO PORTO
N
o dia 20 de maio, celebrou-se, no
Porto, o Dia da Marinha.
O programa do evento incluiu batismos de mar e de mergulho, visitas a
navios, exposições, concertos da Banda
da Armada, cerimónia militar, entre outras atividades.
Durante a cerimónia militar foram
condecorados:
- com a Ordem Militar de Avis, grau
Grande-oficial, o Contra-almirante Mário José Simões Marques;
- com a Ordem Militar de Avis, grau
Comendador, o Capitão-de-mar-e-guerra Luís Miguel dos Reis Arenga
e o Capitão-de-mar-e-guerra Miguel
Xavier da Cunha Oliveira Júdice Pragana;
- com a Ordem Militar de Avis, grau
Cavaleiro, o Primeiro-tenente João Paulo Lopes Diz;
- com a Medalha de Mérito Militar,
2.° classe, o Capitão-tenente João Góis
Cancela;
- com a Medalha de Mérito Militar, 4ª
Classe o Primeiro-sargento António José
Alves da Costa e o Cabo-mor António
de Almeida Rodrigues;
- com a Medalha da Cruz Naval, 1ª
classe, Dr. Rui Moreira
- com a Medalha da Cruz Naval, 4ª
classe, o Sargento-ajudante José Alberto Gomes Paz de Almeida, o Subchefe António Manuel Torres Raimundo e o Subchefe Rui Manuel Afonso
Souto.
Cortesia Marinha / AMN
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| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
ATUALIDADE
Cortesia Marinha / AMN
Cortesia Marinha / AMN
Cortesia Marinha / AMN
Cortesia Marinha / AMN
Cortesia Marinha / AMN
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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DIA DO PESCADOR
O
Dia do Pescador, dia 31 de maio,
foi celebrado, em várias comunidades piscatórias, ao longo de todo o país,
através de múltiplas iniciativas.
O Centro de Mar, em parceria com
a Vianapesca e a Docapesca, promoveu uma ação comemorativa do Dia do
Pescador, através da organização de um
roteiro sobre a pesca onde participaram
alunos de uma escola secundária. Os
participantes tiveram oportunidade de
visitar uma embarcação de pesca e de
assistir ao leilão de pescado realizado
diariamente. No final, foram também visitados os armazéns de apresto, onde se
pode observar a reparação das artes de
pesca, pelos pescadores.
Cortesia Centro de Mar
Cortesia CMVC
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| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
ATUALIDADE
Cortesia CMVC
Em Vila do Conde, celebrou-se o Dia
do Pescador com diversas iniciativas,
como exposições, apresentação de livros, várias tertúlias, realização de experiências para os mais jovens sob o tema
“Mostra das artes de pesca e da cultura
costeira portuguesa”, e ainda, uma palestra sobre o “Mar 2030 e as suas potencialidades”. O programa da celebração do Dia do Pescador terminou com
uma Cerimónia do Dia Nacional do Pescador junto ao Memorial aos Náufragos.
Na Póvoa de Varzim, celebrou-se
o Dia do Pescador com um espetáculo
comemorativo que contou com atuações de todas as associações e com a
participação do Centro Ocupacional da
Lapa e de uma turma de alunos do Jardim de Infância do Século/Escola do Século – Agrupamento Cego do Maio, em
mais uma demonstração da promoção
da intergeracionalidade no concelho da
Póvoa de Varzim, vital para a partilha de
tradições e para a passagem de testemunho entre gerações.
No final do evento, foi exibido o documentário Pescadores “Nas redes do
tempo”, realizado pelo jornalista Paulo
Moreira, um momento emotivo que deu a
conhecer a realidade dos pescadores de
outrora e de agora.
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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Cortesia Ordem dos Engenheiros
PORTUGAL E O MAR
ENGENHARIA AZUL DEBATIDA NA MADEIRA
A
sustentabilidade dos oceanos é
uma prioridade nacional”. A afirmação é de Marcelo Rebelo de Sousa,
por ocasião da conferência “Portugal e
o Mar – a engenharia azul”, organizada
pela Ordem dos Engenheiros a 1 e 2 de
junho no Funchal.
A sessão juntou alguns dos maiores
especialistas nacionais e estrangeiros
na área dos oceanos, tendo contado
com a presença do Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, do Presidente do Governo Regional, do Secretário de Estado
do Mar, do Bastonário da Ordem dos
Engenheiros, do Presidente da Região
da Madeira da Ordem dos Engenheiros
e de muitos engenheiros que rumaram à
Madeira para discutir o futuro do mar e
a engenharia azul.
O Presidente da República, ainda
que ausente da sessão, fez questão
de patrocinar a conferência e dirigir
aos participantes uma mensagem de
agradecimento pela oportunidade de
discussão técnica das temáticas relacionadas com o mar, os oceanos e a
economia azul, área que, no seu enten-
der, constitui um verdadeiro desígnio
nacional, e no qual os engenheiros têm
de estar envolvidos.
O mesmo entusiasmo foi partilhado
pelo Comissário Europeu para o Ambiente, Oceanos e Pescas, Virginijus
Sinkevičius, que afirmou contar com os
engenheiros portugueses para aproveitamento do potencial dos oceanos de
forma sustentável, em sintonia com o
Pacto Ecológico Europeu.
Também José Maria Costa, Secretário de Estado do Mar, demonstrou a sua
confiança na capacidade nacional, tendo apresentado alguns dos projetos em
curso, as políticas públicas para o setor,
e alguns dos números que se esperam
para esta área: “economia azul irá crescer até 2030 a nível mundial e representará 5,1% do PIB a nível nacional em Portugal”, sendo com “grande entusiasmo
que afirmo que Portugal está na linha da
frente da economia azul e do Mar”.
Apesar de reconhecer que muito do
nosso futuro passa pelo mar, o Bastonário Fernando de Almeida Santos
demonstrou-se preocupado com a incapacidade do país em reter o talento
português, o que tem graves consequências para as empresas, para a administração pública, para o país, mas
também para o desenvolvimento de novas áreas do conhecimento, novos negócios e novos projetos. “A Ordem e os
cidadãos querem que a engenharia azul
seja de excelência”, pelo que haverá que
criar condições atrativas para fixar os
engenheiros portugueses.
Ao longo dos dois dias de trabalho,
a conferência destacou a engenharia na
vanguarda de todas as áreas de conhecimento e de intervenção no oceano,
bem como motor impulsionador de todas as atividades económicas relacionadas com o mar: desde a Engenharia
que nos move e nos une através do mar
(portos e transportes); a Engenharia
que nos permite utilizar o mar como recurso (alimentação, energia, etc.); até à
Engenharia das novas descobertas e da
inovação que nos permite ir mais além
e com maior profundidade (utilização de
satélites, cartografia oceânica, submarinos, robótica, drones); e a Engenharia
que contribui para a Conservação dos
oceanos.
Cortesia Ordem dos Engenheiros
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| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
ATUALIDADE
CONFERÊNCIA 2023: “ICOMIA WORLD MARINAS”
Cortesia ICOMIA
A
próxima edição da ICOMIA World
Marinas Conference (IWMC), irá
decorrer de 9 a 11 de outubro, em Vilamoura, no Algarve, e terá como anfitriã do evento, a Associação Portuguesa
dos Portos de Recreio (APPR).
O evento de três dias contará com a
presença de prestigiados oradores que
destacarão os desafios e as oportunidades
do setor náutico, apoiando os profissionais
e as organizações a identificarem os caminhos a seguir para um futuro mais sustentável e próspero do mesmo. O objetivo
da IWMC é potenciar o setor da náutica de
recreio, reunindo os principais especialistas oriundos de todo o mundo, como os
representantes de operadores marítimos,
de clubes, de fornecedores de infraestruturas de marinas, bem como de entidades
governamentais ligadas ao setor.
Sob o tema “Grandes Desafios, Grandes Oportunidades, Grandes Decisões”
algumas das sessões do programa da
conferência incluem:
• O estado da indústria das marinas
em todo o mundo;
• Desenvolver soluções sustentáveis
para o futuro (descarbonização da indústria marítima de lazer, como os programas ambientais estão a influenciar
as marinas, os velejadores e as áreas
marinhas protegidas);
• Desafios operacionais e mitigações (apresentação ‘Um ano pós-furacão Ian’, Um incêndio numa marina
- lições aprendidas, encontrar e manter
funcionários da marina, ferramentas de
manutenção - evitando degradação rápida);
• Melhores exemplos em pesquisa e
desenvolvimento (ancoragem sustentável e ecológica, etc.);
• Mesa redonda sobre iniciativas de
marinas inteligentes;
• Mesa redonda de grandes cadeias
de marinas vs marinas boutique;
A agenda completa do evento pode
ser consultada em www.worldmarinasconference.com/programme
A Conferência Mundial de Marinas
da ICOMIA apresenta uma oportunidade imperdível para a indústria do setor
se reunir e discutir tópicos urgentes,
como abordar as alterações climáticas,
o futuro da tecnologia e o comportamento do consumidor, bem como dar a
conhecer projetos de inovação sustentável, para além de reunir a comunidade local da indústria náutica com a da
indústria naval.
A ICOMIA foi formada em 1966 para
reunir, numa organização global, as federações náuticas nacionais e outros órgãos envolvidos na indústria náutica de
recreio, com o objetivo de representá-los
a nível internacional. O Grupo ICOMIA
Marinas procura promover a partilha e a
troca de informações relacionadas com
o desenvolvimento e a gestão das melhores práticas nas marinas, instalações
de parqueamento e reserva de barcos,
acesso de barcos e infraestruturas associadas em todo o mundo. Uma das principais funções do ICOMIA Marinas Group
é apoiar a conferência bienal World Marinas, que reúne especialistas da indústria
de todo o mundo.
A APPR - Associação Portuguesa de
dos Portos de Recreio é uma associação privada sem fins lucrativos, que foi
criada em 1991, com o objetivo principal de apoiar a Comissão Europeia no
seu desígnio de criar uma rede eficiente, segura e de qualidade nos serviços
e instalações desportivas recreativas
ao longo da costa da Europa, a fim de
desenvolver a livre circulação de embarcações de recreio. As principais
atividades da associação envolvem:
a promoção das atividades dos associados (site, brochura, presença em
eventos náuticos); workshops e formação para os seus membros; suporte
técnico; representação dos interesses
dos membros e colaboração com organizações nacionais e internacionais. A
APPR é uma Associação Bandeira Azul
e é constituída por 16 organizações que
gerem 25 portos/marinas de recreio;
empresas privadas; Docapesca (empresa do Estado que, designadamente,
gere marinas públicas) e Administrações Públicas Portuárias.
Martinho Fortunato
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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Cortesia Marinha / AMN
CERIMÓNIA DE COMPROMISSO DE HONRA DO 37.º CURSO
DE FORMAÇÃO DE AGENTES DA POLÍCIA MARÍTIMA
R
ealizou-se no dia 7 de junho, no Salão Nobre da Direção-geral da Autoridade Marítima, a Cerimónia do Compromisso de Honra do 37.º Curso de
Formação de Agentes da Polícia Marítima, onde os 25 novos agentes receberam os seus crachás da Polícia Marítima.
Nesta cerimónia, presidida pelo Comandante-geral da Polícia Marítima,
Vice-almirante João Dores Aresta, os
novos 25 agentes juraram proteger a
segurança pública e os direitos dos cidadãos, tendo recebido os seus crachás
da Polícia Marítima.
Este foi o culminar de mais um Curso de Formação de Agentes da Polícia
Marítima, iniciado em 31 de janeiro de
2022, que tem como objetivo treinar e
formar os novos agentes em matérias
no âmbito do direito penal e contraordenacional, em matérias e atividades onde
a Polícia Marítima tem competência fiscalizadora, apostando também numa
forte componente de formação náutica.
Os 25 novos agentes da Polícia Marítima irão agora reforçar os diversos Comandos-locais da Polícia Marítima.
A MERCURY RENOVA O PATROCÍNIO DA BASS NATION PORTUGAL
A
Touron Portugal (representada pelo
seu Director, Eng. Carlos Costa
Santos) e a Bass Nation Portugal (representada pelo seu Vice-presidente, Nuno
Feijoca) assinaram a renovação do contrato de patrocínio para a época 2023.
30
Patrocinador oficial da Bass Nation
Portugal desde 2016, a Mercury congratula-se pela renovação desta parceria que tem vindo a consolidar definitivamente a pesca do achigã, com
um calendário de provas cada vez mais
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
alargado em todas as suas vertentes:
embarcada, patos, margem e kayaks.
A Mercury, principal patrocinador e
impulsionador do bass em todo o mundo, renova, assim, a sua aposta na modalidade em Portugal.
ATUALIDADE
DIA MUNDIAL DOS OCEANOS: VIANA DO CASTELO
É EXEMPLO E REFERÊNCIA NA ECONOMIA AZUL
O
Presidente da Câmara Municipal de
Viana do Castelo defendeu no dia
8 de junho, Dia Mundial dos Oceanos,
durante a sessão “Oceanos: Pessoas
e Oportunidades”, que os oceanos são
a próxima grande oportunidade para a
economia, considerando que será mesmo “a próxima revolução industrial, mas
sustentável e respeitadora”.
Na sua intervenção na sessão de
boas-vindas da iniciativa que contou
com a presença do Secretário de Estado do Mar, José Maria Costa, o autarca
sublinhou o trabalho desenvolvido por
Viana do Castelo na economia e na literacia dos mares, sublinhando que o concelho é “um agente ativo” no processo
da economia do mar, desenvolvendo um
conjunto de projetos e ações na economia azul.
“O primeiro grande projeto foi o
resgate do Gil Eannes onde está este
Centro de Mar e onde se desenvolve
a literacia para os oceanos, mas também o trabalho desenvolvido no espaço
atlântico com a proteção dos oceanos
enquanto prioridade para as políticas
locais”, evidenciou Luís Nobre, defendendo um “pensamento que ajude a
crescer e a posicionar Viana do Castelo
nos três princípios da Estratégia Nacional do Mar”.
Na sessão, foram apresentados
quatro grandes projetos para Viana do
Castelo, nomeadamente o trabalho desenvolvido com o Centro de Mar desde
2014, com mais de 500 atividades educativas, com mais de dez mil crianças
envolvidas e com um museu virtual da
memória marítima, onde consta o espólio desmaterializado do centro e ainda
os projetos educativos e outros, como é
o caso do concurso de fotografia sobre
“Viana e o Mar”.
Durante o evento, foi ainda destacado o trabalho com os clubes náuticos e
foi apresentado o trabalho desenvolvido pelo Grupo de Trabalho do Mar, que
juntou diversas entidades para reuniões
com o objetivo de definir projetos para a
rede da economia do mar, investigação,
energia, pesca, náutica e formação e
de onde já nasceram ideias de projetos
como a criação de um Museu da Pesca
ou a comercialização mais justa e com
incentivos ao consumo das marcas locais.
O evento lançou ainda o início da
construção do Plano de Ação de Viana
do Castelo para o Mar.
Na sua intervenção, Miguel Marques
lembrou que Viana do Castelo “sente e
sabe que o mar é passado, é presente
e será o futuro, com séculos e séculos
de história e com o Gil Eannes a mostrar que Viana consegue fazer coisas
incríveis”. Para o especialista na área,
“Viana do Castelo é uma referência e um
exemplo e está a cumprir a Década dos
Oceanos”.
No Dia Mundial dos Oceanos, foi
ainda apresentado o projeto ATLANTIC
OFFSHORE WIND ENERGY - AOWINDE que consiste no desenvolvimento de um
plano de apoio industrial e na melhoria da
PUB
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
31
Cortesia CMVC
cadeia de valor associada à energia eólica marítima na Euro-região Galiza – Norte
de Portugal. O projeto visa analisar a necessidade de melhorar a competitividade da indústria europeia com emissões
líquidas nulas e de impulsionar a rápida
transição para a neutralidade climática
e pretende que a região seja pioneira,
através de um investimento a rondar os
1.8 milhões de euros, nos próximos três
anos, com destaque para um hub industrial transfronteiriço e para a criação de
roteiros ligados às eólicas marítimas.
Este projeto é financiado pelo INTERREG e tem como parceiros a ASIME
– Asociación de Industrias del Metal y
Tecnologías Asociadas de Galicia (Chefe de fila), a AIMMAP - Associação dos
Industriais Metalúrgicos, Metalomecânicos e Afins de Portugal, a Xunta de
Galicia, o Instituto Enerxético de Galicia,
a Universidade da Coruña, a Câmara
Municipal de Viana do Castelo, o Instituto Politécnico de Viana do Castelo, a
Universidade de Vigo, o INESCTEC e o
CATIM – Centro de Apoio Tecnológico à
Indústria Metalomecânica.
Na sessão de encerramento, o Secretário de Estado do Mar evidenciou os di-
versos projetos em curso na área do mar
e da economia azul por parte do Governo
Português, nomeadamente nos ODS 14 e
17, relativos ao mar e à cooperação. “Portugal colocou na sua agenda o cumprimento destes objetivos”, observou, felicitando o município pelo cumprimento dos
desafios e pelo envolvimento de todos os
parceiros, “envolvendo os setores tradicionais como a comunidade piscatória e
a necessidade da coabitação no mesmo
mar, porque este é um espaço de partilha
e as novas atividades, tal como já aconteceu com o ordenamento do território, tem
que ser harmonizadas criando o menor
conflito possível e criando formas de mitigação, onde não for possível”.
José Maria Costa evidenciou ainda
as duas agendas: a Inovamar e a Nexus,
assim como os projetos dos Hubs Azuis,
a criação de um Centro Internacional de
Biotecnologia, entre outros, que permitirão novos investimentos e novas áreas
de especialização. “Este é um setor em
grande desenvolvimento e os projetos
de Viana do Castelo são únicos e inovadores e permitirão o desenvolvimento
da região na preservação dos oceanos e
na economia azul sustentável”.
Cortesia CMVC
32
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
ATUALIDADE
Antes do incêndio
Cortesia Lugrade
Depois do incêndio
Cortesia Lugrade
ONDA DE SOLIDARIEDADE INCENTIVA RENASCIMENTO
DE UNIDADE INDUSTRIAL DA LUGRADE
P
resenciámos o que pensávamos ser
impossível acontecer. A Unidade do
Bacalhau Demolhado Ultracongelado da
Lugrade, inaugurada em 2017 e localizada em Torre de Vilela, Coimbra, ficou
em menos de 24h totalmente destruída,
por um incêndio que deflagrou durante a
noite do passado dia 20 de abril e terminou no dia seguinte.
A avassaladora onda de solidariedade gerada após esta tragédia comoveu-nos e deu-nos a força e a certeza de
que reerguer esta unidade era imperativo e urgente!
Neste momento estamos a proceder
à limpeza de todo o perímetro afetado,
para o mais brevemente possível iniciarmos a reconstrução de uma nova unidade produtiva.
A Lugrade de Taveiro, Coimbra, continua a laboral em pleno, produzindo Bacalhau Salgado Seco.
No passado dia 2 de maio, a nova
unidade de produção, localizada em
Casais do Campo, Coimbra, iniciou a
sua laboração. Esta fábrica, que foi projetada para dar apoio à produção de
Bacalhau Salgado Seco, possui uma sofisticada linha de corte e embalamento,
incorporando tecnologia de ponta.
A nossa capacidade produtiva, no
que diz respeito ao produto demolhado
ultracongelado, foi naturalmente afetada. Mas devido a parcerias estabelecidas com empresas da área, que prontamente nos disponibilizaram os seus
serviços, conseguimos dar continuidade à parte da produção do bacalhau
demolhado ultracongelado. Nunca nos
esqueceremos de quem nos abriu as
portas, num momento tão difícil.
Congratulamo-nos ainda por, entre a
rápida reorganização que fomos forçados a fazer nas nossas equipas, termos
conseguido manter todos os nossos colaboradores.
Foram, e continuam a ser, dias desafiantes, os nossos limites foram severamente postos à prova. Com o apoio das
nossas equipas, dos nossos parceiros e
da sociedade em geral, temos conseguido avançar com firmeza.
Da destruição e das cinzas renascerá
uma nova unidade fabril!
Vítor Lucas
Lugrade
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
33
UNIVERSE PATRIOT
O
Conselho Diretivo da região sul da
Ordem dos Engenheiros, em parceria com o Conselho Regional do colégio de engenharia naval, promoveu,
no passado dia 30 de Maio, no âmbito
da exposição de maquetes de barcos
e pontes, uma conferência baseada na
construção naval, no projeto, na descarbonização do transporte marítimo e na
cooperação indústria/academia.
Na referida sessão, que foi aberta pelo Eng. Fernando Almeida Santos,
Bastonário da Ordem dos Engenheiros,
e encerrada pelo Eng. António Carias
de Sousa, Presidente do Conselho Diretivo da Região Sul, participaram como
oradores o Engenheiro Vítor Franco,
Presidente da Escola Superior Náutica
Infante D. Henrique, o Engenheiro Ricardo Centeno, Diretor Técnico da EMSA, o
Prof. Ribeiro Silva, do IST, o Eng. Pedro
Antunes, da Vera-Navis e o Eng. Eduardo Carichas.
Cortesia Lisnave
O armador, confiou à Lisnave a reparação do navio, com a indicação de que
tudo o que pudesse ser reutilizado, fosse reutilizado. O Navio, chegou ao estaleiro da Lisnave em 4 de Julho de 1971.
Cortesia Lisnave
Em junho de 1972, as duas seções do
navio, foram novamente juntas.
Cortesia Lisnave
Uma das estratégias desta enorme
reparação, levou à divisão do navio em
duas seções.
O Eng. Eduardo Carichas apresentou
o extraordinário caso internacional de
reparação naval do Navio Universe Patriot, efetuada pela Lisnave.
O Universe Patriot foi construído em
1970, pela Kure Japan, com um comprimento de 302,01 metros, boca de 43,36
metros, pontal de 24,69 metros, tonelagem de porte bruto de cerca de 160.000
(DWT).
Em 21 de Janeiro de 1971, e depois
de ter descarregado crude no porto
francês Port-de-Bouc, quando estava a
navegar no mediterrâneo, de regresso a
Tripoli, na Líbia, perto da Sardenha, este
petroleiro incendiou e explodiu. Nesta
terrível explosão, 16 membros da tripulação morreram e 23 foram resgatados.
34
Cortesia Lisnave
Após a substituição de 11.000 toneladas de aço, o navio Universe Patriot foi
entregue ao armador, em 22 de setembro de 1972.
Pela extraordinária qualidade da reparação, que foi efetuada dentro dos prazos e cumprindo o orçamento, a Lisnave
recebeu os maiores elogios do armador.
Este é um exemplo da extraordinária capacidade portuguesa em aceitar complexos desafios e superar os mesmos
que deve ser sempre recordada como
uma fonte de inspiração para o futuro da
Indústria Naval e das atividades marítimas em geral, em Portugal.
Cortesia Lisnave
Na reparação do navio, nove blocos
de 1.400 toneladas foram construídos
nos estaleiros navais de Viana do Castelo. Os estaleiros do arsenal do Alfeite
e da CUF Barreiro, foram também envolvidos na construção de blocos.
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
Cortesia Lisnave
TX-12.00, A INOVADORA AMBULÂNCIA MARÍTIMA
PARA RESGATES EM ÁREAS DE DIFÍCIL ACESSO
A
Vanguard Marine continua a revolucionar o mundo do transporte
marítimo com o seu mais recente lançamento, a TX-12.00 Ambulância. O grupo internacional Vanguard Marine criou
uma embarcação de 12 metros de comprimento, com sistemas e dispositivos
personalizados para realizar atividades
de resgate, assistência e transporte de
saúde em condições adversas.
O design desta ambulância aquática
destaca-se por um casco em forma de
V que garante máxima eficiência, além
de uma cabine espaçosa que permite
incorporar confortavelmente o equipamento necessário, sem abrir mão do
conforto e da segurança dos passageiros e da tripulação a bordo.
Em termos de potência, a embarcação possui um motor intraborda a diesel
robusto, ao qual se adiciona um sistema
de propulsão a jato, que oferece maior
manobrabilidade em espaços pequenos
e águas rasas, onde outras embarcações têm dificuldade em chegar devido
ao seu tamanho ou rigidez.
Dentro do casco, encontramos um
transporte projetado exclusivamente
para facilitar operações de emergência, equipado com uma equipa médica de resgate e reanimação. A ambulância da Vanguard possui vários
elementos de elevação para resgate
da água, uma rampa para embarque
e desembarque e um suporte com
amortecimento para macas, que permite a navegação em alta velocidade,
sem comprometer a segurança do paciente.
PUB
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
35
ORDEM MILITAR DO COLAR DE SANTA ÁGATA DE PATERNÒ
N
o dia 27 de maio, o Almirante António Silva Ribeiro foi agraciado com
as insígnias de Cavaleiro da Grã Cruz da
Ordem Militar do Colar de Santa Ágata
de Paternò, em Estocolmo, Suécia.
A Ordem do Colar de Santa Ágata de
Paternò é uma antiga Ordem de Cavalaria, da Casa Real de Aragon, dos Duques
de Carcaci.
MAIOR PARTICIPAÇÃO PORTUGUESA
DE SEMPRE NA SEAFOOD EXPO GLOBAL 2023
Cortesia Docapesca
É
a maior participação portuguesa
na Seafood Expo Global 2023 que
teve lugar em Barcelona de 25 a 27 abril
e que contou com o maior espaço de
exposição alguma vez reservado para a
36
indústria portuguesa: 464 metros quadrados no Hall 4, bem no centro da feira.
“O setor do pescado português
continua todos os anos a aumentar
o seu peso económico no país e, so-
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
bretudo, as suas exportações: exportámos mais de 1.100 milhões de euros
em 2022 e, para 2023, prevemos um
aumento que pode ir até aos 15%, ultrapassando os 1.250 milhões”, subli-
ATUALIDADE
Cortesia Docapesca
nha Manuel Tarré, presidente da Associação da Indústria Alimentar pelo Frio
– ALIF em representação da Gelpeixe,
em comunicado.
“Neste crescimento tem desempenhado um papel muito importante a
presença constante da indústria portuguesa nas grandes feiras internacionais,
como é o caso da Seafood Expo Global,
de uma forma cada vez mais qualificada” acrescenta.
Recorde-se que o pescado português é atualmente o produto agroalimentar com mais peso nas exportações de Portugal, seguido do vinho,
do azeite e dos hortícolas. A fileira
– que inclui a pesca, a aquacultura e
a transformação do pescado – emprega 60 mil pessoas, gera anualmente
um volume de exportações superior a
1.100 milhões de euros e representa,
segundo a ALIF, um Valor Acrescentado Bruto (VAB) de 1,7 mil milhões de
euros.
Segundo a ALIF, as empresas portuguesas desta fileira têm sabido tirar partido do aumento global da procura por
produtos ligados à economia do mar ao
longo da última década. Esse aumento
da procura está em linha com a crescente preocupação dos consumidores com
a sua alimentação e saúde.
“A boa performance da indústria alimentar do mar assenta na qualificação
dos seus processos, que se tornaram
ambientalmente sustentáveis, e na cada
vez maior qualidade nutritiva e gastronómica dos peixes utilizados”, afirma
Manuel Tarré. “Tem sido também muito
importante o processo de internacionalização de várias empresas nacionais
e a sua capacidade para se tornarem
competitivas no mercado global” refere
também.
Manuel Tarré acredita que uma das
chaves do sucesso tem sido o aumento
consistente das visitas turísticas a Portugal: “temos registado que as vendas
têm crescido nos principais mercados
emissores de turistas para Portugal”.
“Depois de visitarem Portugal e de terem contacto direto com a qualidade do
peixe no nosso país, os turistas passam
a encarar o produto português com outros olhos e a procurá-lo nos sítios onde
vivem” sublinha.
É em países como a Espanha, a França ou a Itália que, segundo os dados da
ALIF, a qualidade do produto português
se tem afirmado todos os anos através
do aumento de vendas, assim como a
reputação de fiabilidade e de capacidade de resposta das empresas portuguesas.
As Empresas portuguesas que participaram, foram: Riberalves, Mar Cabo,
Lurdes Narciso, Soguima, Mar-Ibérica,
Congelados Moreira, Coelho & Dias,
Grupo Frip, Gelpeixe, Luis Silvério & Filhos, Nigel, Ilhapeixe, Rui Costa e Sousa
& Irmãos, Frijobel, Gialmar, Coopaqua,
Docapesca e Lotaçor.
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
37
Cortesia SDM
O MAR QUE IMPULSIONA A AMBIÇÃO MARÍTIMA DE PORTUGAL
A
primeira embarcação registada
no MAR (Registo Internacional de
Navios da Madeira) data de 1989, ano
em que foi criado, no quadro do Centro
Internacional de Negócios da Madeira
(CINM).
À data, os armadores Portugueses
recorriam às chamadas bandeiras de
conveniência para poderem enfrentar
e sobreviver à fortíssima concorrência
internacional. Em Portugal, reclamava-se, em vários fóruns, a recuperação e
reconstrução de uma marinha mercante
para um País considerado no passado
como uma potência marítima.
A existência de um Centro Internacional de Negócios na Madeira justificou plenamente a inclusão do Registo
Internacional de Navios no quadro do
CINM, designadamente, ao potenciar,
em articulação e sinergia com os outros sectores já criados, o alargamento
do seu âmbito a uma actividade de evidente vocação internacional como é o
Shipping.
Desde então, e ao longo de mais de
30 anos, a evolução do MAR tem vindo
38
a descrever uma linha de crescimento
contínuo, confirmando-se como um dos
sectores de actividade do CINM mais
estáveis.
Não é por acaso que o MAR é actualmente o 3º maior Registo Internacional
da União Europeia, o 4º em toda a Europa e está nos “top 13” a nível mundial.
É importante sublinhar que o MAR ocupa
estas posições relevantes, a nível mundial, porque nos últimos anos tem vindo
a apresentar um conjunto de incentivos e
vantagens operacionais relevantes para
os armadores internacionais. Para além
disto, tem procurado manter e promover
elevados padrões de segurança nos navios registados, um posicionamento que
é corroborado pela sua inclusão contínua
nas “listas brancas”, tanto do Memorando de Paris como no de Tokyo.
A realização recentemente da denominada “Portugal Shipping Week”, desta
feita na Região Autónoma da Madeira
com a designação de “Madeira Maritime
Week”, constituiu, sem qualquer dúvida,
uma demonstração clara da importância
crescente que o Registo Internacional
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
de Navios da Madeira tem vindo a ganhar no mercado internacional do shipping.
Os dados conhecidos permitem ter
uma perspectiva mais próxima desta
realidade e da forma como o MAR contribui, simultaneamente, para a economia da Região e para a revitalização
da marinha mercante portuguesa, para
além de mostrarem porque está colocado entre os principais registos internacionais da União Europeia, contribuindo
para dotar o País de uma marinha mercante significativa e possibilitando a sua
participação activa nas mais prestigiadas organizações mundiais do sector.
A 30 de Abril, no seu todo, o Registo
Internacional de Navios da Madeira contava com 919 embarcações, sendo 800
navios de comércio, 91 embarcações de
recreio e 28 iates.
Decompondo esta realidade, note-se que no MAR estão registados vários
tipos de navios, com destaque para os
porta-contentores (40%), os navios de
carga geral (20%), graneleiros (17%), petroleiros e químicos (11%) entre outros.
ATUALIDADE
Estes navios têm origem, na sua maioria, em países da Europa, com destaque
para a Alemanha (57%), e outros como a
Suíça, Holanda, Itália, Espanha, Grécia,
Noruega e Portugal, entre outros.
Volvidos mais de 30 anos desde que
foi criado, a resposta aos desafios de
então pode ser encontrada no elencar
dos vários contributos do Registo Internacional de Navios para Portugal e para
a Madeira:
- O regresso do País ao mundo do
transporte marítimo internacional, com a
presença em diversas instituições internacionais de enorme prestígio no sector,
como é o caso específico da IMO, para
além de, como referido, ser um veículo de promoção global da Madeira e de
Portugal, no mundo inteiro.
- As receitas para a RAM que decorrem das taxas de registos e da constituição de sociedades para a gestão dos
mesmos.
- A geração de emprego tanto no mar
(tripulações) como em terra ao nível do
apoio jurídico e administrativo. De acordo com os últimos dados disponíveis, o
número de tripulantes nos navios registados no MAR, era de 11.382.
- A atracção de armadores e navios
de qualidade, de empresas de “shipmanagement e de “manning”, num claro e
muito concreto contributo para a criação de um cluster marítimo na Região e
no País.
- A idade média dos navios é um indicador internacionalmente considerado por melhor determinar a vitalidade e
dinâmica de um registo de navios. A idade média dos navios de comércio regis-
tados no MAR (no fim de 2022 era de 13
anos), sublinha, por isso, a forte aposta
no aumento da qualidade do Registo,
como uma das condições fundamentais
para a sua credibilidade internacional,
e que é paradigmática da forma como
este pode ser um instrumento de relevo
para as actividades de vocação marítima em Portugal. Na prática, permite ao
País manter e melhorar uma frota marítima que é já assinalável a nível internacional.
- O aumento da Tonelagem de Arqueação Bruta (TAB) dos navios registados no MAR, é outro dos indicadores
altamente positivos que merecem ser
assinalados, na medida em que acrescenta poder de impacto a Portugal no
quadro das organizações internacionais
do setor.
No fim de 2022, a Tonelagem de Arqueação Bruta (TAB) dos navios registados era 20.212.517.
Chegados a este patamar, há uma
questão fundamental a considerar:
Como se pode tornar o MAR mais competitivo e que tipo de ferramentas podem ser criadas para esse efeito?
Actualmente, podemos afirmar que
não existem alterações significativas a
fazer no quadro legislativo que sustenta
a actividade do MAR. De facto, as principais alterações foram conseguidas pela
Região nos últimos anos, como são os
casos do novo Regime de Hipotecas, a
digitalização dos serviços, a abertura da
Conservatória para registo de navios e
de hipotecas durante 24 horas e a lei da
segurança a bordo dos navios.
O que não significa que não conti-
nuemos a trabalhar para melhorar as
condições de operacionalidade do Registo. Por exemplo, a nível nacional,
há um caminho ainda por fazer na melhoria e na agilização da comunicação
das Autoridades Marítimas Nacionais
com os armadores e com as Sociedades Classificadoras. O aprofundamento
da relação com estas entidades, como
acontece nos melhores registos de navios do mundo, será uma mais valia para
assegurar o desenvolvimento sólido e
continuado do MAR.
No plano da criação de mais incentivos, é importante ter presente que o
MAR é um dos setores que integram o
Centro Internacional de Negócios da
Madeira. Nessa medida, os benefícios
fiscais existentes no quadro do CINM
são totalmente aplicáveis ao Registo
Internacional de Navios da Madeira,
designadamente aos navios e às sociedades de shipping que pretendam
desenvolver a sua atividade na Região.
Perspetivando o crescimento do
MAR, tendo em conta o seu importante
contributo para a economia da Região e
para o sector do shipping em Portugal e
na própria União Europeia, no nosso entender, seria importante que, no quadro
das negociações com a Comissão para
o novo quadro de benefícios do CINM,
se dotasse o Registo ainda de melhores
condições no âmbito dos benefícios fiscais, por forma a potenciar a sua capacidade de atrair mais empresas de shipping nos mercados internacionais.
Roy Garibaldi
SDM
PUB
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
39
Cortesia Marinha/AMN
TOMADA DE POSSE DO PRESIDENTE DO CENTRO
DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS DA MARINHA
N
o dia 20 de junho, com a presença do Chefe do Estado-Maior da
Armada, Almirante Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, e
dos membros do Centro de Estudos
Estratégicos da Marinha, procedeu-se à cerimónia de tomada de
posse do cargo de Presidente deste
Centro de Estudos, o vice-almirante
António Manuel de Carvalho Coelho
Candido.
Na mesma cerimónia foi condecorado com a medalha Vasco da
Gama, o Vice-Almirante Victor Lopo
Cajarabille pela excelência dos serviços prestados também no Centro
de Estudos Estratégicos da Marinha.
Cortesia Marinha/AMN
JOGO DE FUTEBOL PROMOVE
TRANSPORTE MARÍTIMO REGISTADO EM PORTUGAL
A
equipa dos “Shipowners” que envergava o equipamento das quinas,
40
derrotou a equipa dos “Bankers”, por
6-4, em Hamburgo, no encontro anual
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
de jogo de futebol que se realizou no
passado dia 31 de maio.
PUB
Cortesia CMP
A CONFRARIA MARÍTIMA DE PORTUGAL
– LIGA NAVAL PORTUGUESA REUNIU NO MINHO
S
ob a legenda “Minho é Mar”, a Confraria Marítima de Portugal – Liga
Naval Portuguesa reuniu os seus associados no Norte do País, num programa que reuniu contactos com a
indústria naval, centros de formação
náutica juvenil e investigação científica marinha.
O encontro, que decorreu nos dias
14 e 15 de abril, reuniu cerca de trinta associados e convidados, entre os
quais o Almirante Alexandre da Fonseca, fundador da associação e atual
presidente da mesa da Assembleia Geral, o Almirante António Bossa Dionísio,
presidente da direção e o Capitão da
Marinha Mercante, Joaquim Monteiro
Marques, ele próprio vice-presidente
da direção e, por coincidência, último
comandante do Navio-Hospital GIL
EANNES.
Na sexta-feira, os membros da
Confraria Marítima foram acolhidos
nas instalações do estaleiro da Van-
42
guard Marine Lda, no parque industrial
de Vila Nova de Cerveira, tendo visitado os vários espaços desta empresa de construção naval, e conhecido
alguns projetos em curso e planos de
expansão.
No sábado, com o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo e
acompanhados pela Dra. Célia Vital,
visitaram os quatro equipamentos de
formação náutica de Viana, referência
nacional que resulta da cooperação estratégica entre o Município, os agrupamentos escolares e os clubes náuticos
locais.
O programa iniciou-se no Centro de
Alto Rendimento de Surf, no Cabedelo,
seguiu depois para o Centro de Canoagem, na margem Sul do rio Lima, passou pelo Centro do Remo, e terminou no
Centro de Vela.
Ainda antes do almoço, houve tempo para uma passagem pelo Navio-Hospital Museu GIL EANNES, local
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
onde o sentimento caiu fundo no coração dos visitantes, todos eles amantes
do Mar.
Ao almoço, no restaurante do novíssimo hotel AP Dona Aninhas, realizou-se
a palestra sobre “A Química Escondida
dos Oceanos” pelo Prof. Dr. Pedro Leão,
coordenador da linha temática de Biotecnologia Marinha do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), da Universidade do
Porto.
Terminado o almoço, realizou-se a
já tradicional cerimónia solene de entronização de novos confrades, que se
comprometeram a dar o seu melhor para
que o Mar seja um verdadeiro desígnio
nacional!
O programa encerrou no Santuário
do Sagrado Coração de Jesus, no Monte de Santa Luzia, numa muito interessante visita guiada pelo Dr. Henrique
Costa, técnico superior da área cultural
da CM de Viana do Castelo.
ATUALIDADE
APOIO DE PORTUGAL À BEIJING CONVENTION ON
THE JUDICIAL SALE OF SHIPS É POSITIVO PARA O
REGISTO INTERNACIONAL DE NAVIOS PORTUGUÊS
A 7 de Dezembro de 2022, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou
a Beijing Convention on the JudicialSale of Ships. A assinatura deverá ter
lugar em Setembro deste ano.
Ao contrário do que tem acontecido
noutras situações, desta vez Portugal
assumiu-se como um dos primeiros Estados com intenção de ratificar o documento, o que parece significar uma
demonstração de que o país está mais
atento às grandes mudanças e aos principais debates internacionais na área do
shipping, dando assim o sinal de querer
apoiar decisivamente um registo internacional com a dimensão e qualidade do
Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), em que a preocupação de
oferecer um serviço de qualidade aos armadores internacionais deve ser central.
O país deu um sinal claro aos clientes de bandeira portuguesa, mostrando que o MAR está na vanguarda da
evolução e inovação jurídicas na área
do registo de navios e do shipping em
geral, sendo a segurança também um
dos seus focos.
Os armadores são centrais no processo de venda judicial de navios, quer
como proprietários do navio a vender,
quer como compradores e, muitas vezes, como credores com direitos sobre
o produto da venda.
O objectivo último da Beijing Convention é facilitar a continuação da
operação sem perturbações, no caso
de um navio ser vendido por via judicial.
Prevê, igualmente, salvaguardas
processuais adequadas para o proprietário (devedor/incumpridor) do
navio, criando simultaneamente segurança jurídica, indispensável para o
comprador.
A segurança jurídica criada pela
Convenção contribuirá para que os
processos de venda judicial gerem
mais receitas, em benefício de todos os credores do navio, incluindo
não só os mutuantes e fornecedores,
mas também outros proprietários de
navios com créditos sobre o proprietário em falta. É importante notar que
a Convenção também dá orientações
claras aos responsáveis pelo registo
dos navios no que respeita aos documentos necessários para o abate e
registo, cancelamento e novo registo
do navio.
A Convenção, tal como adoptada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas, estabelece um justo equilíbrio
entre todos os interesses envolvidos
numa venda judicial e esta deve ter
sido também a conclusão a que chegou
o EstadoPortuguês.
Reconhecendo a importância da
unificação do direito marítimo para proporcionar segurança jurídica aos armadores e operadores que operam a nível
internacional, a decisão de Portugal
deve ser apoiada por todas as partesinteressadas e envolvidas no MAR.
Dado que bastam três ratificações
para que a Convenção entre em vigor,
espera-se que tal aconteça pouco depois da cerimónia de assinatura em
Beijing. Uma ratificação rápida por parte de Portugal produzirá efeitos quase
imediatos.
De 10 a 18 de junho, na Marina de Vilamou-
montra de embarcações reuniu todas as ti-
evento foi também possível experimentar
ra, realizou-se o Boat Show uma das maio-
pologias – novas e seminovas – bem como
novos equipamentos de forma prática e có-
res exposições de embarcações, ao ar livre,
os representantes de marcas de acessórios,
moda, com atendimento personalizado, num
realizadas em Portugal. Esta extraordinária
equipamentos e serviços integrados. Neste
ambiente envolvente e cheio de glamour.
PETER LAURIJSSEN
BOAT SHOW
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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Cortesia Marinha / AMN
BANDAS MILITARES RECEBEM CONDECORAÇÃO
A
Banda da Armada, em conjunto
com a Banda do da Força Aérea
e a Banda do Exército, foi condecorada pelo Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 10
de junho, na cerimónia militar do dia
Portugal, de Camões e das comu-
nidades portuguesas, na cidade do
Peso da Régua.
A condecoração das três Bandas militares ocorreu após o concerto final que
reuniu a Banda da Armada, a Banda Sinfónica do Exército e a Banda de Música
da Força Aérea.
A Banda da Armada foi criada
em 1740 e é a mais antiga organização musical constituída em Portugal.
Os homens e mulheres da Banda da
Armada são uma das faces mais visíveis
da Marinha Portuguesa.
UNIDADE CENTRAL DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
DA POLÍCIA MARÍTIMA REALIZA MEGAOPERAÇÃO CONJUNTA
A
Unidade Central de Investigação
Criminal (UCIC) da Polícia Marítima
realizou, em 21 de junho, uma megaope-
44
ração, a nível nacional, de combate às
redes criminosas associadas à captura
ilícita, comércio e tráfico internacional
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
de bivalves, tendo resultado na detenção de quatro pessoas e identificação
de 249 imigrantes.
CRÓNICAS
PROPULSÃO SUSTENTÁVEL
GOTEMBURGO, CENTRO DE E-FUELS
S
tena Line, empresa sueca de balsas e DFDS, de logística na Europa,
têm parceria com a Liquid Wind, para
produzir 50.000 toneladas de eMetanol
por ano. A meta é tornar o Porto de Gotemburgo, o primeiro a ter combustíveis
verdes, até 2030. O ministro sueco de
Energia disse apoiar os E-combustíveis.
Será o primeiro ‘Made in Sweden’, para o
transporte marítimo neutro em carbono.
O eMetanol é produzido de fontes 100%
biogénicas com 100% de energia eólica,
que predomina na Dinamarca. Não adi-
ciona CO2 à atmosfera. O hidrogénio é
produzido por eólicas em eletrólise e o
CO2 vem da biomassa.
A COP26, conferência sobre o clima, quer reduzir as emissões de CO2
do transporte marítimo. As companhias de navegação pagarão à União
Europeia pela emissão, o que aumentará o custo do transporte, em 2024.
Na transição, as companhias de navegação pagarão pelas suas emissões
totais, 40% em 2024, 70% em 2025 e
100% em 2026.
A descarbonização nos barcos começa
com maior eficácia energética nos motores
e biodiesel. Também usam energia elétrica
fornecida nos portos para baterias, na baixa rotação. A primeira balsa de metanol do
mundo terá 172m, é da Maersk e navegará
em meados de 2023 no Báltico.
Esquema original E-methanol: https://www.maersk.com/news/ar ticles/2021/08/18/maersk-secures-green-e-methanol
Jack Soifer
PUB
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
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MANIFESTAR O POTENCIAL
DA ENERGIA EÓLICA OFFSHORE
EM PORTUGAL
A
guerra na Ucrânia pôs a descoberto a elevada dependência energética da zona europeia, o que, aliado à
necessidade de prosseguir os esforços
para limitar as alterações climáticas,
tem colocado o tema da exploração de
recursos renováveis no topo da agenda
política. Neste contexto, a implementação de energia eólica offshore permite reduzir a dependência energética e mitigar os efeitos das alterações
climáticas e, em simultâneo, potenciar
benefícios socioeconómicos. Portugal
tem assumido grande destaque como
consequência do recente anúncio do
governo português de um ambicioso
plano que visa o desenvolvimento de
projetos eólicos offshore na costa portuguesa, cuja meta é atingir em, 2030,
uma capacidade instalada de 10 GW.
Porém, para que esta ambição seja
concretizada, será necessário um es-
Figura 1 – A adequabilidade de diferentes áreas em Portugal para implementação de parques eólicos offshore
de fundação fixa, de acordo com a ferramenta OASIS do WavEC.
46
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
forço concertado de todas as partes
envolvidas.
A União Europeia tem vindo a tomar
medidas políticas urgentes na tentativa de acelerar a transição energética
e, com isso, reduzir fortemente a sua
dependência externa. Portugal, seguindo estas recomendações, anunciou a
intenção de implementar, na sua área
oceânica, uma capacidade muito relevante de energia eólica offshore, que
poderá chegar aos 10 GW de capacidade – a título de comparação, Portugal
possui hoje 5.3 GW de capacidade eólica em terra. Na verdade, Portugal tem
à sua disposição uma das maiores zonas
económicas exclusivas (ZEE) – em grande parte subaproveitada, que possui
um elevado recurso energético disponível, quer eólico, quer de ondas, a que
se acrescenta o facto de que a maioria
da sua população vive a menos de 50
quilómetros da costa, onde se encontra
também grande parte da rede de distribuição de energia elétrica. A Figura 1
apresenta espacialmente o recurso eólico disponível ao largo da costa portuguesa, simulado através da plataforma
OASIS do WavEC Offshore Renewables.
No entanto, as profundidades registadas na nossa ZEE são consideráveis e
limitam o potencial de utilização do recurso disponível, devido aos elevados
custos associados. Inversamente, no
Mar do Norte, onde as profundidades
registadas são relativamente baixas,
as tecnologias eólicas offshore têm
vindo a ser instaladas em grande escala
– atualmente com 30 GW instalados [1]
– e já conseguem competir no mercado
de eletricidade sem a necessidade de
subsídios [2]. Apesar disto, o desenvolvimento de tecnologia eólica offshore para elevadas profundidades tem
recebido elevada atenção das partes
interessadas. Em particular, Portugal é
um dos pioneiros de parques eólicos
offshore flutuantes, com o Windfloat
Atlantic da Ocean Winds, instalado, em
2019, ao largo de Viana do Castelo – Figura 2.
CRÓNICAS
A aposta nas energias renováveis
offshore não se reflete apenas na produção de energia renovável, existindo
outras mais valias potenciais. Neste
sentido, são de realçar os elevados
benefícios socioeconómicos daqui resultantes, tais como a dinamização das
indústrias associadas à cadeia de abastecimento tradicional da energia eólica
e a promoção da atividade industrial
dos portos nacionais e da indústria naval. Estes benefícios resultam, naturalmente, na geração direta e indireta de
emprego, em grande parte altamente
qualificados.
O arranque da intenção do governo
de implementar 10 GW até 2030, manifestou-se com o lançamento do relatório que enunciou a distribuição preliminar das áreas propostas para esta
implementação – “Proposta preliminar
de novas áreas de implantação para
energias renováveis”, que pode ser consultada no site participa.pt [3]. A metodologia utilizada na seleção destes
espaços – que vem devidamente clarificada no relatório – procurou promover
a utilização híbrida do espaço marítimo,
nomeadamente através do incentivo à
co-localização da energia eólica offshore e energia das ondas. Para além disso,
é necessário que os eventuais impactos
negativos ambientais e sociais sejam,
desde já, caracterizados e as medidas
de mitigação identificadas, para que
o país esteja em posição de dinamizar
este setor sem que sejam geradas opiniões dissonantes quanto à sua implementação. Parece, por isso, crítico que
se tenham em consideração, ao longo
do processo de definição e validação
das áreas, as contribuições que vierem
a ser endereçadas pelos diferentes utilizadores do espaço marítimo, com o
objetivo de mitigar eventuais conflitos
e promover a adequada coexistência de
usos dentro desse espaço.
Portugal encontra-se numa posição
bastante favorável para implementar um
processo eficaz de dinamização do setor da energia eólica offshore que traga
independência energética ao país, que
crie sinergias bem estabelecidas com o
setor do hidrogénio verde, e que resul-
te em benefícios sociais e económicos
muito consideráveis. Somam-se a isto
os expectáveis reforços de transmissão
entre a península ibérica e a Europa, que
permitirão aumentar a viabilidade da implementação de parques eólicos offshore no nosso país, já que estaremos na
posição de exportar excesso de produção, e, com isso, ajustar a nossa balança
comercial.
Referências:
[1] “Wind energy in Europe: 2022 Statistics and the
outlook for 2023-2027,” WindEurope. https://windeurope.org/data-and-analysis/product/wind-energy-in-europe-2022-statistics-and-the-outlook-for-2023-2027 (accessed May 09, 2023).
[2] M. Jansen et al., “Offshore wind competitiveness in mature markets without subsidy,” Nat.
Energy, vol. 5, no. 8, Art. no. 8, Aug. 2020, doi:
10.1038/s41560-020-0661-2.
[3] “Proposta preliminar de novas áreas de implantação para energias renováveis.” http://participa.
pt/pt/consulta/proposta-preliminar-de-novas-areas-de-implantacao-para-energias-renovaveis
(accessed May 09, 2023).
Mário Alberto Vieira, Marco Alves, António Sarmento, WavEC Offshore Renewables
Figura 2 - Fotografia do parque eólico offshore WindFloat, instalado ao largo de Viana do Castelo.
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
47
O DILEMA DA DESCARBONIZAÇÃO.
QUANDO OS REGULAMENTOS ESTÃO À FRENTE DA TECNOLOGIA
Introdução
objectivo declarado da IMO é reduzir a intensidade de carbono de
todos os navios em 40%, até 2030, e
70% até 2050 (em relação aos níveis de
2008), e as penalidades previstas com
base em EEXI e CII tornam-se críticas,
pois tais objectivos são praticamente impossíveis de alcançar. Gerou-se
um dilema, pois não existem soluções
técnicas que suportem tais objectivos,
considerando a idade e composição da
frota existente.
O
Figura 1 Idade da frota mundial por tipo de navio.
Embora muitos “stakeholders” da indústria naval estejam insistindo em referir amónia e metanol como uma solução,
é preciso manter os pés no chão e usar
de muito pragmatismo.
Em primeiro lugar, a frota é muito
nova para ser descartada e muito velha
para ser adaptada de alguma forma para
48
esses “combustíveis verdes”, isso significa que as soluções de descarbonização devem ser em torno da optimização
da frota existente, por exemplo, criando
integração abrangente de sistemas de
energia (um problema do qual a maioria
dos navios padece!!).
Considerando que a sociedade não
pode arcar com o desmantelamento
da maioria das embarcações existentes, em particular considerando que a
maioria dessas embarcações existentes
já navegam a velocidade reduzida “Slow
Steaming”, as cadeias
de
abastecimento
seriam afectadas, os
fluxos de mercadorias
seriam caracterizados por entregas ainda mais lentas, dado
hoje em dia não haver
assim tantos navios
disponíveis, isto é,
sem frete.
Ao invés de punir os armadores com
coimas, os governos deveriam promover
os projectos de eficiência energética e a
educação das tripulações e operadores
das frotas, o que pode ser feito, por exemplo, ajudando os armadores e operadores
com fundos a melhoria ambiental. Desta forma, a mensagem dos reguladores
(IMO, UE) seria positiva, podendo ocorrer
uma descarbonização mais rápida.
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
Qual o melhor combustível para o seu
navio?
Eu diria com bastante confiança, que
o(s) melhor(es) combustível(is) para os
seus navios é ou são aqueles que tem
disponíveis na área geográfica em que
os seus navios operam!
Então, quando muitos a nível global
referem que a amónia ou metanol são
o santo graal da descarbonização, e
que até podem estar certos mas só
daqui por alguns anos, mas certamente que não para agora, não para
a frota existente, que precisa ser descarbonizada agora. Recomendo assim
que tenhamos os pés bem assentes
no chão!
A amónia e o metanol não são combustíveis, embora queimem, são “commodities”, para a agricultura como
fertilizante e para as indústrias eletrónicas respectivamente. Essas “commodities” são escassas, e a amónia,
mesmo quando chamada de “amónia
verde”, não é tão verde assim, pois é
necessária electricidade verde para
produzir hidrogénio, para ser usado
como reagente no processo Bosch
Habber, que por si só tem uma baixíssima eficiência energética, somente
de 42–48% com vapor disponível a 510
°C e 110 bar (in Current and future role
of Haber–Bosch ammonia in a carbon-free energy landscape Royal Chemical Society 2019).
CRÓNICAS
Figura 2 - Diagrama esquemático de (A) um típico processo convencional alimentado por metano da Haber Bosch e (B) uma alternativa eléctrica. As etapas de produção de hidrogénio e amónia são
separadas para fins de ilustração para identificar semelhanças e diferenças entre as duas tecnologias. Linhas amarelas são gás de processo, linhas azuis escuras são água/vapor, linhas azuis claras são ar,
linhas roxas são amónia e linhas tracejadas são energia eléctrica.
No que diz respeito à eficiência energética do processo de metanol, e para
o metanol concentrado à base de CO2
e hidrogénio, é de cerca de 46%. A reação global envolve a reação inversa de
deslocamento água-gás (CO2 + H2 → CO
+ H2O), seguida de hidrogenação de CO
via HCO (CO + 2H2 → CH3OH), para finalmente formar metanol.
No que diz respeito aos poderes caloríficos e fatores de emissão de CO2
destes dois “combustíveis verdes”, as
notícias também não são muito boas,
pois os seus poderes caloríficos inferiores são bastante baixos quando
comparados com os valores caloríficos
inferiores do HFO ou MGO (que são derivados da refinação do crude).
PUB
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
49
“Economia Circular apelando à utilização extensiva das embarcações”
Tabela 1 – Resumo e comparação de algumas das propriedades mais importantes de possíveis “combustíveis”.
Poder Calorífico Inferior
(Mj/kg)
Poder Calorifico por
volume (MJ/kg)
Densidade
(kg/m3)
Velocidade da frente de
chama (m/s)
Flamabilidade
(vol/%)
Energia minima
de ignição (mJ)
Amónia Liquida
18.60
12.69
(1bar@-33ºC)
626
0.067
15-28
680
Amónia Comprimida
18.60
11,65
(300bar@25ºC)
626
0.067
15-28
680
Hidrogénio Liquido
120.00
2.46
(1bar@25ºC)
70.85
3.25
4.7-7.5
~0.016
Hidrogénio gasoso
120.00
2.46
(300bar@25ºC)
20.54
3.25
4.7-7.5
~0.016
MGO
(n-dodecano)
44.11
32.89
475.7
~0.8
0.43-0.6
~0.23
Metanol
19.9
15.65 (1bar@25ºC)
786.3
0.56
6.7-3.6
~0.14
Como se pode concluir pela inspeção
da tabela 1, amónia e metanol, têm um
Poder Calorífico Inferior, que é menos
de metade do Poder Calorífico Inferior
do MGO, portanto há uma forte necessidade de espaço extra para tanques de
bancas, e isso tem um forte impacto na
forma dos cascos e respectivo arranjo
geral dos navios, em particular, quando
se considera a amónia como combustível, que na sua forma líquida à temperatura ambiente, precisa estar a -33ºC,
portanto, exigindo tecnologia criogénica, tanques tipo “C”, caros, a densidade
também apresenta possíveis problemas
na distribuição de peso dos tanques de
amónia. Além disso, a amónia apresenta
a energia de ignição mais elevada, resultando numa combustão bastante difícil,
à parte de que é altamente tóxica, embora
exista bastante conhecimento, transcrito
em código IMO, o IGC.
Tabela 2 - Fatores de emissão de carbono e respectivos Valores Caloríficos Líquidos
No que diz respeito ao metanol, os
problemas são semelhantes, o seu Poder
Calorífico Inferior é menos de metade do
Poder Calorífico Inferior do MGO, queima
ligeiramente melhor que o MGO e tem
uma densidade cerca do dobro do MGO.
Com relação aos fatores de emissão de
carbono, estão listados na tabela 2, acima.
Mais considerações sobre “Combustíveis Verdes”:
Espaço de abastecimento de combustível, Energia/tonelada, Energia/
volume, Inflamabilidade, Segurança no
manuseio, Toxicidade, Disponibilidade
geográfica, Complexidade do sistema,
Disponibilidade de tecnologia, CAPEX+
OPEX, Treinamento de tripulação, Ausência de regras e regulamentos,… tudo
isso precisa ser estudado com cuidado
para evitar erros num futuro próximo.
Em conclusão, os decisores, políticos e armadores, têm necessariamente que ter em atenção os pontos
acima mencionados, pois muitas das
opiniões técnicas propaladas por organizações em seminários, só poderão ser implementadas em novas
construções, sendo que necessidade
urgente, é a descarbonização da frota existente, e, para já, não parecem
existir à vista grandes soluções, que
não passem pela utilização de Biodiesel (sempre com a reserva do fator
de emissão, e respectiva origem), a
integração energética dos sistemas,
a monitorização rigorosa, e o “slow
steaming”, e, em grande medida, a
mudança da sociedade de consumo.
Jorge M.G.Antunes
Figure 3 – Critérios básicos para a selecção de combustível do futuro.
50
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
(PhD Marine Technology)
CEO TecnoVeritas
CRÓNICAS
CONTRATOS E EQUILÍBRIOS – A PREPOTÊNCIA “CLÁUSULAL”
T
odo o mundo gira em torno de lógica –
apenas temos que perceber qual é. Esta
premissa vale para o Direito – os contratos
giram em torno de uma qualquer lógica;
mas, aqui, temos de perceber não qual é a
sua lógica, mas sim, qual o seu equilíbrio.
Os contratos são, por via de regra, livremente negociáveis, quer na forma, quer no
conteúdo, levando ao equilíbrio dos interesses das partes. Vale isto por dizer que
a negociação de interesses – enformados
pelas regras do Direito – é o caminho para
a conclusão, de boa-fé, dos contratos. Resulta, ainda, que as partes são livres de
negociar e contratar com quem quiserem
sobre os objetos jurídicos que entenderem
– desde que juridicamente disponíveis.
Existe, todavia, a exceção: [aquilo a que
em Portugal chamamos-] «Contratos de
Adesão». Estes são modelos contratuais,
dirigidos às massas contraentes (contratação em massa, como por exemplo, serviços
de comunicações ou eletricidade) e que,
previamente elaborado, apenas consente
a introdução manual dos elementos identificativos da contraparte contraente – uma
vez que a identificação do pré-disponente
já se encontra vertida – e pormenores de
objeto que pela sua especificidade devam
ser alvo de negociação mais ou menos séria
entre as partes. Todas as demais condições
contratuais estão vertidas nas «Condições
Gerais» e «Condições Particulares», não
conseguindo o Aderente, sequer, alterar
uma vírgula ao modelo disponibilizado.
Aqui, encontramos o primeiro sintoma da
prepotência contratual fundada na necessidade de contratar do Aderente. A resposta
é simples: “Não aceita a condição geral ou
particular? Então não contrata o serviço!”.
De ter em consideração o seguinte: as
Cláusulas Contratuais Gerais são objeto de
Diploma próprio, que as regula, mas só e
apenas nos Ordenamentos Jurídicos Internos. Não existe, por ora, nenhuma regulamentação internacional que vise estabilizar
os padrões contratuais mínimos com recurso a estes modelos contratuais. O que nos
traz um problema: Os contratos (ditos-)
internacionais de transportes de mercadorias e respetivos seguros!
Na prática comercial, é usual os prestadores de serviços recorrerem a Condições
Gerais e Particulares para contratação ativa e
passiva de serviços de transportes e respetivos seguros, regulando por essa via todas
as principais questões relativas ao serviço
a efetuar. Devido à ausência de instrumentos de harmonização internacional destes
contratos, tende a ser fixada nas Condições
contratuais a “Lex Mercatoria” e a forma de
resolução de litígios. Pela primeira é fixada
lei mais competente para conhecer e regular o negócio, quer na sua fase negocial, quer
na sua fase contratual e, também, na fase
do litígio. Afastam-se, assim, a “Normas de
Conflitos”, contratualizando-se a “harmonia”
possível. Pela segunda, é fixada a forma de
resolução de litígios – ou fixando o foro competente, ou remetendo para Arbitragem.
[Declaração de Interesses: Sou 100% a
favor da Arbitragem Voluntária nos contratos internacionais, mas com reservas. Veremos quais.]
A Arbitragem permite conhecer qualquer litígio entre partes, sobre temas que
as partes possam livremente transigir e
que, por natureza, não estejam fora do âmbito material das Arbitragens. Assim, num
contrato celebrado entre um Paquistanês
– experiente transportador marítimos - e
um Taiwanês – ávido comerciante de utilidades, amplamente habituado a exportar
os seus bens - sobre o transporte, por via
marítima, de determinado bem, podem as
partes fixar que o Lex Mercatoria será a Inglesa. Podem? Ou será imposto pelo Armador? Corro o risco de chamar “imposição”
a esta aparente liberdade contratual. Mas,
até aqui nada a relevar de superior preocupação. O ordenamento jurídico britânico
está estabilizado e permite assegurar a desejada “Certeza e Segurança Jurídicas”.
Já diferente será a resolução de eventuais litígios. Tendo por princípio que a Lex
Mercatoria é a britânica, então haverá a
tentação de fixar que todo e qualquer litígio terá de ser dirimido no Tribunal Arbitral
de Londres. Aqui já o assunto é muitíssimo
mais complicado. Vejamos:
Londres fica, no caso do exemplo, do
“outro” lado do Mundo; Em Londres, a Arbitragem Marítima está centralizada no
LMAA, que será o organismo mais titulado
para administrar essa arbitragem;
Pese embora ali a Arbitragem seja “ad
hoc” – e não institucionalizada – a verdade
é que as custas com arbitragem serão fi-
xadas segundo o regulamento do LMAA; E,
no final do dia, ainda o “lawsuite” não saiu
do papel e as partes já estão aflitas com o
Attorney, o Barrister, o Solicitor, os mais audazes com o “KingC” a que se juntarão os
encargos bem londrinos da administração
da Arbitragem.
Tudo isto porque:
Um armador decidiu impor a arbitragem
com recurso ao tribunal arbitral de Londres;
Sem olhar ao desequilíbrio que tal poderia
causar na contraparte; Revelando Má-fé
negocial e autismo contratual!
A solução, sempre difícil de atingir, passará por não aceitar tal especifica cláusula
sem conhecer as implicações financeiras
relativas ou associadas a tal disposição e,
caso se remeta para arbitragem, permitir a
que ambas as partes possam propor a instância arbitral que melhor caiba à resolução
do litígio e à sua própria capacidade de pagar. Ou então, fixar o valor máximo de encargos com arbitragem que cada uma das
partes possa vir a ter que suportar, garantindo a sustentabilidade da ação arbitral.
Claro está que a pré-disposição da instância arbitral no contrato, de forma não
negociada visa obviar a indefinição do
local da arbitragem que, a não ser previamente fixado, poderá ocasionar o diferente
problema sem que haja quem o solucione.
Mas, terá que haver uma forma de atingir o
equilíbrio, sob pena de não sendo alcançado uma das partes fique em pior posição
do que já estava sem que de forma alguma
possa reagir condignamente.
Mas devo alertar: firmado contrato com
cláusula arbitral, já só o tribunal arbitral será
competente, ficando o tribunal estadual
impedido de conhecer o litígio, sob pena
de preterição de tribunal arbitral. E não há
volta a dar! Nem mesmo a “alteração superveniente das circunstâncias” financeiras
da parte que as alega é fundamento para
preterir a arbitragem. Fica, portanto, o conselho: ler bem o contrato e aferir da cláusula arbitral ínsita. Em caso de discordância,
pedir a alteração da mesma ou eventual reserva. É que depois de assinar, já é tarde…
Se o proponente não aceitar, não faltarão
concorrentes disponíveis para ter tal tema
em boa consideração.
Pedro Carvalho Esteves
Oceanos, Mares e Rios | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Revista de Marinha |
51
DUMPING SOCIAL NO SETOR MARÍTIMO
Q
uando, na Primavera de 2022,
foi quebrado o contrato a 800
marítimos franceses e britanicos,
da “P&O Ferries”, para em seu lugar
serem contratados nacionais asiáticos, com condições remuneratórias
e exigências sociais bem menores,
a comunidade marítima europeia
sentiu-se ameaçada. Entre nós deu
polémica a contratação de imigrantes para trabalhar em explorações
agrícolas em Odemira, em condições
indignas. São exemplos de dumping
social.
Como o termo dumping não é de
uso comum, e menos ainda dumping
social, propuz-me um pequeno intróito para aclarar estes conceitos,
começando por procurar a tradução
para um português escorreito. Curiosamente não encontrei nenhuma tradução de dumping, nem mesmo em
português do Brasil. Também não encontrei tradução no conjunto das línguas românicas ou latinas (francês,
espanhol, italiano, romeno), nem no
conjunto das línguas germânicas ocidentais (inglês, alemão, holandês),
nem nas germânicas setentrionais
(sueco, dinamarquês, norueguês, islandês).
O conceituado dicionário Houais
regista dumping vocábulo português
com origem no inglês, significando
“acção ou expediente de pôr à venda
produtos a um preço inferior ao do
mercado, esp. no mercado internacional (p. ex., para se desfazer de excedentes ou para derrotar a concorrência)”. Assinala o primeiro registo
do termo na 10.ª edição do Diccionário da Língua Portugueza de António
de Morais Silva, de 1958.
O Dicionário da Academia das
Ciências regista dumping “prática
comercial que consiste na exportação de produtos a preços inferiores
aos praticados no mercado interno”
No Longman Dictionary of Contemporary English, dumping significa
“to sell (goods) in a foreign country
more cheaply than at home”.
E finalmente no “Glosário de ter-
52
mos de marketing” organizado pela
AESE, Escola de Direcção e Negócios, temos Dumping “venda de produtos, em mercados estrangeiros, a
preços bastante inferiores ao preço
no seu país de origem”. A repetida
referência aos mercados estrangeiros ou à exportação parece-me uma
restrição injustificada, já que o mercado interno está igualmente sujeito
a dumping.
Para “dumping social” recorri à
internet e experimentei o novíssimo
“ChatGPT”. Do coincidente fraseado
entre ambos, será de concluir que
nesta particular situação o ChatGPT
terá usado a internet. Mas a velocidade de resposta do ChatGPT, brevissimos segundos, é impressionante
e no caso vertente de bastante qualidade.
“Há dumping social quando se
assinam contratos de trabalho por
valores inferiores aos praticados localmente recorrendo a trabalhadores
oriundos de países que não respeitam acordos internacionais e não dão
proteção aos seus nacionais, assim
obtendo vantagem económica sobre
a concorrência”.
Efeitos da Globalização
A globalização e a internacionalização da economia, o desenvolvimento dos transportes e a livre
circulação de mercadorias e a implantação do livre comércio, “o surgimento de novas práticas de produção, comercialização e consumo de
bens e serviços, geraram um forte
crescimento da economia internacional, o que provocou um aumento
da concorrência entre as empresas”,
numa competição que rapidamente
ultrapassou fronteiras e se tornou
progressivamente global. Esta competição sem fron teiras propicia o
dumping social com o recrutamento
de mão de obra nos países com menor desenvolvimento, mais baixos
salários e menores ou inexistentes
garantias sociais, obtendo, como já
dito, vantagem concorrencial.
| Revista de Marinha | 86.° Ano - 1033 Maio/Junho 2023 | Oceanos, Mares e Rios
Sendo o setor marítimo, e em
particular o transporte marítimo,
por sua natureza e funcionamento,
naturalmente global, desde sempre
esteve sujeito ao dumping social. As
novas condições de funcionamento
do comércio e da economia vieram
reforçar as possibilidades do dumping social.
Concretamente no setor marítimo
o dumping social concretiza-se com
o pagamento de salários inferiores
aos mínimos estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho
(OIT) ou International Labour Organization (ILO) normalmente associado
a jornadas de trabalho sem horário,
com longos períodos sem descanso
e péssimos alojamentos. Adicionalmente, o dumping social está associado à fuga às taxas e impostos, por
vias legais ou ilegais, às contribuições para a segurança social e outras obrigações sociais
Esta prática é muitas vezes facilitada pelo embandeiramento nas
“bandeiras de conveniência”, as
FOC’s (flags of convenience), com
leis e regulamentações laxistas.
Será justo salientar que nem todas
as FOC’s são iguais. Há FOC’s que
procuram essencialmente obter isenções fiscais e vantagens financeiras,
cumprindo totalmente as convenções
internacionais e regras de segurança, outras há que procuram eximir-se
ao cumprimento das convenções internacionais do direito do trabalho e
às regras de segurança, constituindo
um perigo para os que andam embarcados nos seus navios e para toda a
comunidade em geral.
No próprio seio da UE, normalmente na vanguarda da defesa dos
direitos dos trabalhadores, verificamos que os armadores europeus
podem operar em águas europeias
com navios registados em bandeiras de conveniência e, por esta via,
contratar marítimos a nível mundial,
designadamente nacionais de países
terceiros, com condições manifestamente inferiores às exigidas nos
CRÓNICAS
navios com bandeira de um estado
membro, mantendo na generalidade
o direito aos benefícios e privilégios
vigentes no quadro legislativo da UE
bem como de auxílios estatais, em
manifesto dumping social.
O European Transport workers’
Federation (ETF) tem batalhado pela
concretização do Espaço Marítimo
Europeu em que exista igualdade de
condições e uma sã concorrência entre as companhias de navegação e os
marítimos, colocando todos os marítimos a trabalhar em navios operando entre portos europeus ao abrigo
da legislação comunitária e correspondentes acordos e contratos de
trabalho. Mas há que ter consciência
que estamos a advogar igualdade
de tratamento no Espaço Marítimo
Europeu, ao mesmo tempo que diferenciamos este Espaço do resto do
mundo. Um não à globalização, que
retirou da miséria milhões de seres
humanos, mas endureceu a vida de
muitos outros.
Dumping social nas pescas
Uma nota final sobre o setor das
pescas, onde certamente em razão
do mais baixo nível social médio dos
seus profissionais, o dumping social
é ainda mais violento, com os pescadores sujeitos a forte exploração
e abusos diversos. Sem horários de
trabalho, maus alojamentos, baixas
remunerações, roçando com demasiada frequência situações de autênticos trabalhos forçados, com retribuição condicionada a “cláusulas”
vexatórias, mais próprias da escravatura, são obrigados a trabalhar em
todas as condições de mar, sem o mínimo de proteção e usando práticas
de pesca intrinsecamente perigosas.
As próprias embarcações de pesca,
para além de estarem frequentemente registadas em países de legisla-
[email protected]
T.: 269 630 333
F.: 269 630 335
ções laxistas, são não poucas vezes
ilegais, operando sem documentação
e sem submissão a quaisquer regulamentos, situações ideais para a
aplicação das práticas do dumping
social.
O dumping social provoca graves
violações dos direitos humanos, concorrência desleal, desemprego e facilita o estabelecimento de inferiores
condições de trabalho e mais baixas
remunerações; no sector marítimo é
uma praga de difícil irradicação. Mas,
ironicamente, serão os mais fortes,
os priviligiados europeus organizados corporativamente, que colherão
as maiores vantagens desta justa luta
contra o dumping social. E os mais frágeis, os “asiáticos”, quem os protege?
António Balcão Reis
C/ Alm. Eng. Const. Naval. Ref
Membro da Secção de Transportes
da SGL
A REBOPORT, Sociedade Portuguesa de Reboques Marítimos S.A.,
fornece serviços de REBOQUES, LANCHAS e AMARRAÇÃO no Porto
de Sines de acordo com padrões de qualidade, segurança e
proteção ambiental destinadas a responder às exigências
crescentes da atividade marítimo-portuária nacional e
internacional.
PUB
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O THE NAUTICAL INSTITUTE E A SUA CONTRIBUIÇÃO
PARA A SEGURANÇA MARÍTIMA
O
The Nautical Institute (NI) foi fundado em 1972, com o objetivo de
criar uma organização profissional para
oficiais da marinha mercante e tem estatuto de Organização não Governamental
(ONG) na Organização Marítima Internacional (OMI). Atualmente, cresceu para
quase 7.000 membros em todos os setores da indústria marítima, distribuídos
em 120 países em todo o mundo, com
uma rede de 56 filiais locais, sendo que
a filial Ibérica “Iberia Branch”, conta com
mais de 100 membros distribuídos por
Portugal, Espanha e Gibraltar. Um dos
principais objetivos do The Nautical Institute é promover os mais altos padrões
profissionais no setor marítimo, incluindo a formação. Daqui resulta a importância do The Nautical Institute, do qual
os seus membros usufruem de grandes
benefícios (www.nautinst.org).
Concretizando, o NI visa promover
elevados padrões de conhecimento,
qualificação e conduta profissional na
indústria marítima, com foco na segurança e na proteção do meio ambiente, através de uma série de atividades,
incluindo a publicação de diretrizes e
melhores práticas para o setor marítimo,
54
fornecendo formação especializada e
credenciada para profissionais marítimos e ainda através de organização de
eventos e conferências.
Podem ser seus membros, oficiais de
convés, oficiais de engenharia marítima,
pilotos, advogados marítimos, formadores e outros profissionais marítimos,
incluindo os estudantes com a nova modalidade gratuita de membro, sendo que
é gerido por um conselho eleito pelos
seus membros.
Para além do NI desenvolver uma
série de padrões para a indústria, em
particular a formação e certificação de
Operador de Posicionamento Dinâmico,
também trabalha em estreita colaboração com organizações reguladoras do
setor, como a Organização Marítima
Internacional (IMO), a Associação Internacional de Sociedades Classificadoras
(IACS) e outras organizações da indústria marítima, instituições de formação e
associações industriais, para promover
as melhores práticas, tendo em conta os
interesses dos marítimos e da indústria
como um todo.
Assim sendo, o NI disponibiliza uma
alargada gama de serviços aos seus
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membros, incluindo cursos de desenvolvimento profissional, publicações e
conferências.
As suas publicações são guias práticos sobre as melhores práticas, que a
robusta revisão por pares e a contribuição de especialistas ajudam a garantir
que livros permaneçam atualizados e
sejam reconhecidos da indústria. De registar que os membros do NI recebem
um desconto de 30% em todos os títulos.
Por outro lado, a Academia do NI,
oferece uma série de oportunidades de
formação para membros e não membros
sendo que os cursos incluem uma ampla
gama de tópicos atuais, relacionados
com o setor marítimo e são projetados
para garantir um conhecimento aprofundado e especializado, (Navigation Assessor; onboard-competency-assessment;
marine-incident-investigation; ism-lead-auditor; designated-person-s-ashore-dpa; onboard-competency-assessment-with-navigation;
mastering-vetting;
introduction-to-vetting; introduction-to-shipping; block-chain-for-maritime-decision-makers; ism-lead-auditor-fishing;
criminalisation-of-the-mariner; marine-
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-insurance; marine-salvage; maritime-cyber-awareness-for-seafarers).
É ainda de salientar, que é disponibilizado aos membros do NI, a
possibilidade de realizar um curso
online grátis a cada 12 meses, através da parceria de um dos principiais
fornecedores de e-learning, a Ocean
Tecnhologies Group, assim como têm
ainda acesso a uma vasta gama de
recursos técnicos, disponibilizados
online, como a revista mensal “Seaways”, a revista “The Navigator”, publicada em associação com o Royal
Institute of Navigation.
de costa, inclui aproximadamente 60
portos, três administrações marítimas predominantes, dois escritórios
hidrográficos nacionais, numerosos
Esquemas de Separação de Tráfego
e um rico património marítimo, numa
das principais regiões marítimas do
mundo.
Face à extensão da sua área de cobertura, a Delegação Ibérica estabeleceu um programa de reuniões técnicas
e sociais com participação remota e
presenciais, em locais importantes para
que os membros possam reunir-se com
regularidade.
A Delegação Ibérica do The Nautical
Institute
Esta Delegação existe para e pelo
esforço dos seus membros em Espanha
continental e Portugal, mas também em
Gibraltar, Baleares, Canárias, Açores e
Madeira.
A área do Iberia Branch, que cobre cerca de 3.650 milhas náuticas
Para tal, o Iberia Branch definiu
como localizações privilegiadas para
a realização dos seus eventos presenciais, as escolas superiores marítimas
de toda a Península Ibérica e as organizações do setor, como o Clube dos
Oficiais da Marinha Mercante, onde
já realizou diversos eventos. O último
evento realizado, em formato híbrido,
foi em 29/03, na Escuela Superior de
la Marina Civil em Gijón, cujo tema foi
a operação de navios com sistema de
posicionamento dinâmico. Mensalmente, são realizadas reuniões técnicas on
line, abertas a não membros, onde são
abordados temas específicos da atualidade. Recentemente foram abordados
os temas “Blockchain Enabled E-certificates (BEEs)”, “Navios de cruzeiros de
expedição e comerciais”, “LNG Trade
and Ship Basics” e “O setor dos mega-iates”.
Tendo em conta o seu historial e
atividade, o NI é uma organização reconhecida mundialmente, e que, sem
qualquer dúvida, desempenha um importante papel na promoção da segurança marítima que hoje em dia constitui uma permanente preocupação para
que ela seja o garante de todo o circuito
económico mundial.
João Frade
Iberia Branch Chairman
Cortesia Marinha/AMN
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“SÉCULO XXI, A (R)EVOLUÇÃO NA VELA”
A
o longo dos tempos temos sistematicamente referenciado nos artigos que publicámos, algumas mudanças
verificadas a uma velocidade diferente
do ritmo, que a Vela se encontrava habituada a percorrer desde o início da sua
existência, facto que nos comprometemos analisar perante alguns detalhes
provocadores dessa realidade no intuito
de melhor entendermos as causas da
sua actual transformação. Vamos tentar!
Talvez por considerarmos essas mutações acontecerem mais aceleradas do
que as sucedidas noutras modalidades,
julgamos ser interessante o motivo de
análise/reflexão das causas instigadoras desses acontecimentos, principalmente nos últimos anos de actividade.
Sabemos que os avanços tecnológicos provocam uma maior aceleração
no tempo e logicamente o prazo de
aplicação desses progressos se torna
mais célere, no entanto relativamente
às modalidades desportivas mais con-
58
servadoras tem havido a preocupação
na manutenção das características originais, com adaptações quase imutáveis como se verifica no atletismo, ou
noutros desportos colectivos, em que
as variantes, quando surgem se tornam
em novas disciplinas da modalidade, reconhecendo-se no caso dos desportos
de recursos a equipamentos técnicos,
como aparelhos mecânicos (automobilismo – motociclismo – motonáutica
– tiro), as mudanças têm surgido, mas
sem grandes alterações regulamentares, o que não se tem verificado na vela.
Sem querer tornar o artigo uma aula
de formação desportiva, contudo será
interessante definir/relembrar alguns
conceitos básicos relativos ao “Desporto” para uma melhor interiorização analítica na percepção dos factos abordados.
Rememorando o significado literal da
palavra “desporto”, a sua origem vem do
francês antigo desport, que significava:
recreação, passatempo, lazer. Só no
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século XV surgiu na língua portuguesa
com o sentido de divertimento.
O nascimento do Desporto remonta
à Grécia, onde era encarado como um
espectáculo e como um culto à beleza
corporal, servindo também, simultaneamente, no império romano para a
preparação das actividades guerreiras.
Presentemente, a forma tal como se
concebe e pratica desporto teve origem
na Europa na segunda metade do século XIX, onde se desenvolveu através de
uma maior divulgação cénica.
Assim a definição de Desporto é assumida como meio de praticar actividade física, de forma metódica sujeita
a determinadas regras, com objectivos competitivos, a participação é casual ou organizada, em privado ou em
grupo e procura usar, manter ou melhorar as habilidades físicas, bem como
outros factores igualmente decisivos,
como é o caso da destreza mental ou
ainda do equipamento do desportista,
CRÓNICAS
proporcionando diversão aos participantes e, em alguns casos como é o
caso da Vela, entretenimento para os
espectadores, aliás é este último ponto que muito tem inferido neste século
para as alterações verificadas.
A Vela devido à necessidade de recursos de meios onerosos, como é o
caso de embarcações e outros equipamentos suplementares, desde os seus
primórdios foi sempre uma prática dispendiosa e só possível pelas classes sociais mais privilegiadas economicamente, quase sempre ligadas à aristocracia,
tornando-se uma actividade mais restrita e menos popular, porém de uma grande apetência de prática e curiosidade
por quem a observa e acompanha pelas
mais variadas motivações.
Para além deste inconveniente económico a vela é uma modalidade de
complexa regulamentação, que requer
uma grande familiaridade de prática e
estudo para um velejador se sentir apto
a participar em competição, direi mesmo
que o livro de Regras de Regata à Vela se
assemelha a um mini-tratado jurisdicional, em que as regras se intercalam umas
nas outras, dificultando a sua apreensão
pormenorizada rapidamente. Outro contratempo para quem assiste a uma rega-
ta é a ausência de percepção do andamento da prova, isto porque as regatas
são longas, os percursos são complexos,
o reconhecimento das bóias é confuso
devido ao distanciamento, tornando-se
imperceptível a ordem de sequência dos
velejadores e a sua identificação, quem é
quem e que posição ocupa, os mais atrasados nas rondagens misturam-se com
os da frente, o número de passagens
fica baralhado, complicando o desencaracolar da competição e provocando
a desistência do acompanhamento, não
só pelas circunstâncias descritas, mas
também pela frequente ausência de conforto do local de observação durante o
demasiado tempo de duração de uma só
regata, em que por vezes o vencedor já
está encontrado desde bem cedo.
O Desporto, genericamente, tem sido
ao longo da sua existência o melhor meio
de promoção das sociedades e nações
onde se pratica, sendo actualmente um
dos mais significativos embaixadores
dos países, ou seja, a promoção nacional é extraordinariamente reconhecida
pela via desportiva.
Nesse propósito o mundo está atento e tem-se moldado com essa finalidade, recorrendo ao desporto para se promover, embora o aperfeiçoamento para
melhores resultados tenha custos indexados aos escalões de posicionamento
e difusão que se pretende. A vela, como
desporto apelativo de estatuto e imagem tornou-se alvo apetecível, não quis
COMPETÊNCIA
CONHECIMENTO
E EXPERIÊNCIA
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“perder o comboio” e entrou no jogo,
mas os custos têm limites.
Como atrás referimos o estatuto de
desporto elitista da vela, na sua origem
era somente sustentado pelos seus
praticantes, quase todos proprietários
das embarcações em que competiam,
suportando as despesas inerentes à
prática e às competições, sendo por
isso um dos últimos desportos a aceitar
publicidade nos cascos e nas velas dos
barcos, actualmente é uma prerrogativa
que não abdicam.
As competições de vela no início,
como eram restritas a um grupo fechado, minoritário e elitista, em que o que
interessava primordialmente era a satisfação dos seus praticantes, desenvolvia-se preferencialmente em locais
longe da costa com o objectivo de um
vento mais estável e limpo, que proporcionasse uma prática constante e ideal
para competição, longe dos observadores e consequentemente sem espectadores pela longa distância de terra. Essa
filosofia de comportamento para os
campos de regatas era um dado adquirido, sem qualquer intenção de ser alterado, sendo adoptado durante décadas
sem grande contestação.
No último quartel do século passado com o aparecimento de novos materiais, com os custos a aumentarem
para aquisição de melhores embarcações e equipamentos, e também por
haver uma maior democratização da
modalidade, a prática de vela aumentou significativamente, decidindo a Federação Internacional de Vela aderir, a
exemplos das outras modalidades, à
permissão e ao recurso de publicidade
para minimizar encargos e promover a
modalidade. O paradigma mudou, foi a
inovação e oportunidade das marcas
60
se “colarem” a um desporto de elite, a
adesão dos patrocinadores não foi difícil, também pelo facto da maioria dos
proprietários e praticantes serem eles
próprios os maioritários e directos usufrutuários. Assim a captação de patrocínios tornou-se facilitada, aproveitando
alguns a oportunidade de promoverem
a imagem das suas empresas, apercebendo-se ser uma vantagem em dobro,
os custos eram diluídos nos impostos
como promoção da sua actividade. Outras marcas houve que se lançaram na
ribalta, mas havia o outro lado da moeda, a visibilidade era escassa pela longitude das provas e pelos contratempos
já descritos.
Com o aparecimento da publicidade,
novas oportunidades se estabeleceram,
havia a carência da combinação da modalidade ser praticada e as regatas serem possíveis de serem observadas de
mais perto, à vista de terra, captando
público e possibilitando a Comunicação
Social fazer a cobertura de provas, sem
necessidade de passar horas em Mar,
para captar imagens. Ter-se-ia de solucionar a contento a conjugação dos
objectivos.
A disciplina match-racing, foi o mote
para a base de alguns parâmetros que
satisfaziam os objectivos: regatas junto
a terra, curtas entre dois barcos, em que
é fácil identificar quem está a liderar, as
marcas são visíveis e o nome da equipa ou skipper é referenciado na vela, a
assistência tem lugar específico de observação e no final tudo é perceptível e
do agrado de todos os intervenientes,
porque as regras e condições climáticas
são também iguais para todos.
A aposta estava ganha.
Anos mais tarde as transmissões
televisas das regatas mais emblemáticas eram já um hábito de aceitação
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de todos: espectadores, anunciantes
e praticantes, contudo ninguém podia
mandar nos elementos, eles tinham o
papel preponderante para haver, ou
não, regata, i.e., o vento dita a sua lei
mais alto, e se é forte, ou fraco, as
transmissões televisivas, via satélite,
podem ter que alterar a programação
prevista, quando o tempo de antena é
tão caro. Há que encontrar novas soluções para que tudo seja a contento de
todos os protagonistas.
Os organizadores dos eventos terão de encontrar soluções para sobreviverem às leis da procura, que não se
contemplam por percalços de menor
importância, o que está em jogo é haver
provas em que a emoção seja a palavra
de ordem, mesmo que impliquem riscos.
O figurino já está estudado em outros
desportos em que a aceitação televisiva
é uma concreta certeza, como é o caso
das transmissões onde as velocidades
e o acidente podem também cativar público e emoção. O futebol é outro fenómeno capaz de arrastar multidões por
outras circunstâncias mediáticas e sobejamente comprovadas de êxito, mas
dele, há tantos a comentarem que nos
escusamos a fazê-lo, a nossa preocupação é a vela.
Se o vento é fraco, qual a solução?
Em pleno século XXI o desenvolvimento
tecnológico e marketing arranjam soluções a contento: barcos mais rápidos e
regulamentação adaptada a novas fórmulas capazes de satisfazer o desejado, inclusive para levar a efeito todos os
procedimentos na montagem e controlo
dos campos de regata, tudo hoje é dominado pela informática, somos a favor
do melhoramento e simplificação das
regras, agora ficarmos reféns dela é o
mesmo que embarcarmos e deixamos
as velas no cais.
A vela ao longo da história é reconhecida como uma modalidade de
aprazível navegação/condução, controlo inteligente para a opção de táticas,
conhecimento de regras, para também
elas fazerem parte do resultado e claro
velocidade, pois em todos os desportos
o primeiro a chegar é o vencedor. Com
estes e outros critérios em equação a
vela do século XXI encontrou a solução
para a mobilidade em ventos fracos ao
CRÓNICAS
recorrer a barcos mais velozes para as
competições “espectáculo”, o catamaran é um válido contributo com provas
dadas para o efeito, devido a navegar
com vento de baixa intensidade, mas
mesmo assim foram encontrados outros predicados capazes de a ele se
associarem e obterem ainda um muito
melhor desempenho, como é o caso de
substituir uma vela por uma asa invertida, como se não bastasse, os projectistas investigaram e idealizaram o “grito”
da última geração os foils, apêndices
hidrodinâmicos, capazes de elevarem
fora de água a embarcação diminuindo
substancialmente o único atrito submerso. Encontrados estes atributos há que
os pôr em confronto, havendo também
necessidade de sabê-los controlar, preparando-se operacionais com aptidões
mais tecnológicas do que as exigidas
além da arte de bem navegar.
Porém há uma certeza a bordo, todos
têm de usar capacete de protecção por
que há outra certeza, os barcos não têm
travões e quem anda àquelas velocidades, mais vale prevenir, que… .
A par destas inovações, outras apareceram em simultâneo e que facilitam
o controlo e a montagem do campo de
regatas, as bóias auto-posicionáveis,
assim como o papel dos juízes árbitros
é efectuado em estúdio, analisando o
desenrolar das competições, ou seja é
um VAR sem rosto. Ainda a referir, que
nestes eventos os velejadores têm as
tarefas facilitadas tendo acesso a saber
o seu real posicionamento e se navegam
a uma velocidade que os possa penalizar à largada, recebendo também a in-
dicação do melhor lugar de largada. A
competição perde algum élan!
São estes alguns dos muitos atributos que alteraram a Vela no século XXI,
sem dúvida que a modalidade hoje é
mais difundida pela comunicação social, que no passado recente, …sem
dúvida que os barcos são mais velozes
e espectaculares, …sem dúvida que as
marcas investem nestas soluções em
detrimento de outras menos exuberantes, mas também fica a dúvida se a modalidade encontrou o figurino capaz de
angariar mais adeptos e se a apetência
não ficou prejudicada? Porque a segurança temos a certeza que sim.
Nos planos de água, outrora polvilhados de velas brancas, hoje estão muito
mais esbatidos, é como se jogássemos
à Batalha Naval sem barcos, …os resultados dos tiros eram – água!
Citando um grande Senhor da Vela –
a Vela moderna tornou-se “vela de circo”.
Não queremos de modo algum fazer
o papel de Velhos do Restelo, ou dizer
que estejamos em desacordo com a difusão da vela, pelo contrário, gostamos,
mas para que ela continue a ter futuro,
há que dar corpo a uma base sustentada, agradável de praticar, acessível
e viável de angariação de muitos mais
adeptos, quer sejam ou não capacitados economicamente ou fisicamente.
Esta vela joga no mesmo tabuleiro do
passado, só é acessível se houver muito
dinheiro, ou seja, impraticável, pois se
não houver patrocinadores, tudo é improfícuo.
A Vela é saudável e para ter sucesso
e continuidade terá de manter o slogan
que é um desporto para a vida, …o Circo
é só para artistas!
Ao leitor peço que interpretem somente estas palavras como uma reflexão.
Nós Revista de Marinha, gostamos
de circo, mas gostamos mais de Vela.
Nota: - o autor não cumpre o novo
acordo ortográfico
António Peters
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PATRIMÓNIO CULTURAL SUBAQUÁTICO NO BRASIL
Parte dos palestrantes do Simpósio (Ricardo Guimarães)
N
os passados dias 15 e 16 de Março, decorreu no Museu Naval, localizado no Rio de Janeiro, o I Simpósio
Património Cultural Subaquático – Preservação, Educação e Práticas Políticas,
organizado pela Diretoria do Património
Histórico e Documentação da Marinha
do Brasil.
Este evento, adiado pelos menos
duas vezes devido à situação pandémica que afetou o mundo nos últimos
anos, juntou diversos palestrantes brasileiros ligados ao estudo e à salvaguarda deste património, para além do autor
desta crónica, convidado pela Marinha
anfitriã, sendo o único palestrante não
brasileiro. Entre os palestrantes, para
além de vários arqueólogos brasileiros,
esteve também presente um representante do Centro Nacional de Arqueologia do Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (o equivalente ao
nosso CNANS da DGPC) e uma magistrada federal. Mas, acima de tudo,
contou com a presença das mais altas
entidades navais da Marinha do Brasil,
quer da área da Direção de Portos e
Costas (responsável pelas Capitanias)
assim como o Chefe de Estado-Maior
da Armada (o equivalente ao nosso Vi-
62
ce-CEMA). Esta presença foi muito importante, pois mostrou o empenhamento e a importância da Marinha Brasileira
nesta área.
Este evento permitiu também reforçar, de forma clara, o excelente relacionamento entre todos os intervenientes
ativamente empenhados, em diversas
áreas, na protecção e preservação do
património cultural subaquático deste
imenso país. E, numa altura em que a
legislação em vigor no Brasil não proíbe,
de forma categórica, a venda de objetos
retirados do fundo do mar, todos reconheceram e destacaram o importantíssimo papel que a Marinha Brasileira tem
realizado nesta área.
Importa relembrar que o Brasil, atualmente, não é signatário da Convenção
da UNESCO de 2001 porque, na altura
em que esta convenção esteve em discussão, foi considerado que o Brasil iria
“perder soberania” sobre o inúmero património submerso existente em águas
brasileiras.
Ora, o signatário desta crónica, para
além de mostrar a atividade que actualmente se realiza em Portugal, tentou
transmitir que a mencionada convenção
promove, acima de tudo, a cooperação en-
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tre as diversas partes e, simultaneamente,
combate a caça ao tesouro proibindo a
venda de bens recuperados do fundo do
mar. E que, os países de língua portuguesa,
deviam utilizar o também vasto património
cultural subaquático português para reforçar os laços que nos unem.
Curiosamente e especificamente no
caso do Brasil, importa relevar que a juíza Desembargadora Federal, que também participou no evento, em resposta
a uma questão colocada pela audiência,
não teve dúvidas em afirmar que mais
importante do que alterar a legislação
brasileira que permite a venda, conforme já referi, seria o Brasil assinar a Convenção da UNESCO de 2001 de Protecção do Património Cultural Subaquático.
Tenho, pois, esperança de que, com
a vontade de todos os verdadeiramente
interessados na proteção do património
cultural subaquático existente em águas
de jurisdição brasileira, como o património brasileiro que existe espalhado pelo
mundo, apesar do país apenas ter 200
anos de existência, esse desiderato poderá ocorrer a médio prazo.
Augusto Salgado
Oficial da Armada (CH-UL e CINAV)
CRÓNICAS
E DO PARAÍSO PINGOU S.TOMÉ
U
ma lei não escrita, faz saber que o
tamanho de uma ilha é inversamente proporcional ao do seu horizonte.
Aquele princípio tenta quantificar ou pelo menos relacionar - uma eventual monotonia insular, com a geografia
circundante que a condiciona.
Contudo, não se aplica a S. Tomé, onde
tudo e mais alguma coisa, o mais que fazem,
é evidenciar que a ilha pingou do paraíso.
Na vertical. Como a luz e a chuva, que
ao caírem em abundância em cima de um
solo profundo, poroso e fresco, conseguem produzir o melhor cacau do mundo.
O cacau de S.Tomé, sempre foi reconhecido como de uma qualidade excecional, e se num passado recente se
impunha por si só nos mercados, com
o senão da reduzida produção, atualmente é utilizado para melhorar a qualidade de lotes de outras proveniências,
à custa de um menor protagonismo e
reconhecimento. E provavelmente de
receitas.
A relativa proximidade geográfica, e
sobretudo cultural, entre as respetivas
populações, criaram sempre uma muito
relevante interligação entre S.Tomé e
Angola, manifestada por diversas formas, uma delas, nas infraestruturas e
procedimentos de transporte.
Em Angola a aviação – e os portos –
pertenciam aos Caminhos de Ferro, para
além (pasme-se) dos próprios comboios.
A DTA – a Divisão (depois Direção)
dos Transportes Aéreos – operava com
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Dakotas majestáticos, alguns remanescentes da rota que ligava Lisboa a Lourenço Marques, com paragem em toda a
África onde houvesse uma pista, e mesmo onde não houvesse, como em certas
escalas no deserto.
E os pilotos angolanos utilizavam até
às últimas aquela prerrogativa, de afinal,
também serem ferroviários.
Com reduzida instrumentação de navegação a bordo, frequentemente espreitavam para o par de carris que serpenteava ao sabor do relevo, mas também
da rota, que era a mesma, 20 000 mil pés
abaixo do avião, que para além disso,
ainda tinha ele próprio que ziguezaguear,
suspenso e indefenso, entre os traiçoeiros cumulos nimbos que se formam frequentemente nos céus africanos.
Por isso não era de admirar que a
bordo, os habituais sacos de papel para
o enjoo, fossem substituídos por meios
mais robustos.
Mas esta navegação era um tanto diferente nas viagens a S.Tomé.
Eram cerca de 4 horas de voo, por
sobre 750 milhas de um mar de esmeralda, com a promessa de ter no final do
horizonte um pingo do paraíso. E quem
optasse por chegar ao paraíso de outra
maneira, não tinha outra alternativa se
não de navio, onde tudo seria diferente,
à exceção do enjoo.
O cais era uma estrutura minero-vegetal coralizada, misto de ferro e madeira, aglomerados num único material
difuso, ou então o próprio navio.
E os horários da cabotagem circular
entre as ilhas, constituíam excelentes
peças literárias, do género ficção.
Tudo isto pertence ao passado, e
atualmente o porto de Ana Chaves,
gerido pela Empresa Nacional de Administração dos Portos (Enaport) já
oferece condições muito interessantes de operacionalidade, e relevantes
possibilidades de crescimento, necessitando para tanto de um conjunto de
melhoramentos, sobretudo ao nível
das dragagens da baía onde o porto
se insere.
Com o petróleo ainda a braços com
problemas de arranque, numa altura em
que outros já começaram a reduzir a sua
produção, a Ilha deve para já apostar na
qualidade de três produtos, como sejam
o cacau, o café e turismo.
A dependência da economia de S.Tomé do seu comércio externo, e portanto
dos portos, fica patente no registo de
que ainda recentemente, a Enaport respondia por cerca de 70% das receitas
governamentais.
Para fomentar e desenvolver o negócio, tornam-se indispensáveis portos
operacionais, o que leva o país e a Enaport, a adotarem uma série de medidas,
com o objetivo de encontrar o melhor
modelo de exploração portuária, nomeadamente através da concessão desta.
Continuando a pugnar pela economia
da ilha, e o interesse do país, em janeiro
de 2023, o governo são-tomense tomou
a decisão de suspender o contrato de
concessão dos portos de Ana Chaves,
Fernão Dias (este ainda a construir) e do
Príncipe, ao consórcio ganês da Safebond, o qual ainda carecia da contratação final, devendo S.Tomé aproveitar o
prazo de seis meses dado para o reto-
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mar do contrato, para introduzir novos
dispositivos e garantias favoráveis aos
seus interesses.
Mas não se trata apenas de assegurar
o comércio do país com o seu exterior,
mas igualmente a ligação entre as ilhas.
A navegação naquele mar, que se
estende ao redor da latitude zero, flui
numa água mansa que permite estabelecer relações de amizade com os maravilhosos peixes tropicais, mas que em
instantes é assolada por tempestades
que atiram com as embarcações para o
cimo de montanhas.
Muito recentemente, já este ano,
foram reiniciadas as carreiras domésticas, asseguradas pelo navio Olívia
C, com capacidade para 300 passageiros, exatos quatro anos depois da
tragédia ocorrida com a embarcação
Anfitrit.
Voltando ao cacau, é desejável que
o país invista (com capital, investigação e internacionalização) no aumento
da cadeia produtiva, indo o mais longe
possível na transformação do produto,
procurando ultrapassar o ciclo da plantação/colheita/secagem.
De luz e chuva se faz o cacau, e de
calor e doce, os bombons que podem
ser comidos à volta do mundo.
Como por exemplo nas bombonières
dedicadas àqueles docinhos, que marginam a Grand-Place em Bruxelas.
E se num dia cinzento e frio, alguém
morder um deles e lhe souber a um pingo do paraíso, então é porque é seguramente cacau de S.Tomé.
Artur Manuel Pires
EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIA DE MODELISMO NAVAL
“NAVIOS E EMBARCAÇÕES – ATUALIDADES E MEMÓRIAS”
E
sta exposição temporária de modelismo decorreu entre os dias 31 de
março e 30 de abril no Pavilhão da Galeotas, no Museu de Marinha, associada
aos 160 anos desta instituição.
Quando o Sr. Director do Museu de
Marinha, o Almirante Croca Favinha
me desafiou para fazer uma exposição temporária de modelismo como
um dos eventos para celebrar os 160
anos do Museu, aceitei sem pensar
duas vezes!
Mas não quis fazê-la apenas com os
meus modelos, os dos meus amigos,
nem apenas os da Associação de Mo-
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delismo a que pertenço, a AMA – Associação de Modelismo de Almada. Quis,
dentro do mesmo registo com tenho
feito as minhas crónicas de modelismo,
mostrar o que bem se faz nesta área tão
particular, a nível nacional.
Ao visitarmos uma exposição ou
concurso de modelismo em território nacional, por norma, a categoria
menos representada nas mesas do
evento é a Naval. Para não apenas estar limitado a navios e embarcações,
o convite foi feito contemplando outras temáticas desta arte, como a terrestre, a aviação naval, as figuras e os
dioramas, sendo estas categorias as
únicas que tinham como obrigatoriedade uma ligação à Marinha Portuguesa.
Os 18 modelistas que acederam ao desafio trouxeram 64 modelos na área
naval, aeronaval e uma figura, vieram
desde a Maia, a Norte, até Olhão, a Sul.
Independentemente de serem construídos de raiz, a partir de um kit, melhorado ou simplesmente feito com o que
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vem dentro da caixa, a uma escala grande ou pequena, de madeira, plástico,
resina ou metal, mostram a dedicação
e paixão destes modelistas por um pas-
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satempo, que quando bem realizado,
como a maior parte dos modelos que
estiveram presentes, causaram espanto e admiração de quem os viu. Seja um
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CRÓNICAS
barco de Pilotos à escala 1/25 ou uma
Lancha-canhoneira a 1/700 todos os
modelos expostos têm um elevado nível
de trabalho, de pesquisa, construção,
pintura, envelhecimento e, nalguns dos
casos, na reprodução do seu “habitat
natural”, o Oceano.
Parabéns ao Museu de Marinha pela
efeméride e por ter “aberto as suas portas” (novamente) à “Comunidade Mode-
lística Naval Portuguesa” nesta data tão
especial.
Bons modelos.
Rui Matos
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Cortesia José
GUALDROPES E LEME
São os “gualdropes” os cabos, ou
correntes, que, a partir da rotação da
roda do leme, dão movimento à “meia
lua”, ou à “cana do leme”, para posicionar o leme do navio, ou embarcação,
a um ou outro bordo, garantindo o seu
governo.
Em embarcações miúdas de recreio a
remos com timoneiro, este utiliza gualdropes para movimentar a roda do leme
que dá a posição ao leme e, assim, o governo à embarcação.
Qual a origem deste termo náutico, é
matéria de interesse filológico.
Diz um conhecido dicionário de terminologia náutica que a origem deste
termo reside na frase inglesa “guide
rope”.
Porém, melhor olhando para “gualdropes”, tal e qual, somos forçados a
encontrar “wheel ropes”, como origem
etimológica do termo.
Tanto mais quanto sabemos que termos de origem germânica como “wer”,
“willelm”, quando passaram para o português tiveram o “W” trocado pelo “G”,
“guerra” e “guilherme”.
Mais sabemos nós que as “rodas do
leme” apareceram na mesma altura em
que se começaram a utilizar os lemes
centrais, nos navios já de grande porte,
qualquer coisa como no século XI ou XII.
“Leme” é o aparelho destinado ao governo do navio ou da embarcação, isto
é, dar e manter a sua direção ou as alterações que forem necessárias.
Quem se dedica ao desporto náutico, ou simples lazer, utilizando embarcações miúdas, habituou-se, por certo,
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àquela peça constituída pela “porta”
e “cachola”, essa peça que faz no “cadaste” com “ferragens” macho e fêmea,
e que mediante uma “meia-lua” ou uma
“cana de leme” feita na “cachola”, dá a
direção à embarcação.
De todos os nomes que usamos aqui,
surge um que servia de razão de algumas conversas reinadias, o “almeida”, no
qual é feita a “cana-do-leme”.
Na “Arte Naval” de Maurílio Fonseca,
a definição de “almeida parte curva do
costado logo abaixo do 'painel de popa'
e que faz com ele um ângulo obtuso ou
uma curvatura”.
É neste “almeida” aberta a passagem para a “madre do leme”, abertura
essa que leva o nome de “almeida do
leme”, como indicado no Dicionário da
Linguagem de Marinha Antiga e Atual
dos Com.tes Humberto Leitão e Vicente
Lopes.
Aquele outro, que foi mencionado primeiro, poderá ser engano, mas...
como tantos outros termos continuará a
ser utilizado enquanto o quiserem.
Nos tempos antigos, dos gregos, romanos e viquingues, os navios garantiam o governo com recurso a remos
posicionados a um bordo ou a ambos.
É o caso dos “Steer” que os navios
nórdicos utilizavam.
No caso de embarcações fluviais
como os “rabelos” do rio Douro, era utilizado um remo comprido, feito à popa,
em posição central, denominado “espadela” ou “esparrela”.
Nas ordenações afonsinas e fernandinas encontram-se definidos os car-
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gos dos oficiais que embarcavam nos
navios, incluindo as galés, e, entre os
alcaides e petintais e outros, lá apareciam os “espadeleiros”, responsáveis
pelo “governo” do navio, eram eles os
“patrões”, “homens-do-leme”, ou “timoneiros”.
Nenhum destes nomes correspondem ao que denominamos “leme”.
E “espadela”, hoje ainda, também é o
nome duma peça de madeira, bem decorada, plana, ou chata, utilizada para
bater o linho.
E “timoneiro”, que resulta de “timão”,
uma alavanca utilizada para, mediante um sistema de cabos, comandar os
“remos de borda” ou a “espadela”, apesar de significar sistema de governo ou
“roda do leme”, também não corresponde ao termo “leme”.
Que, não duvido estar ligado ao
“helm” do inglês, apesar de “helm”, significar o conjunto de equipamentos que
permitem o governo da embarcação, ou,
também naquela língua, pode designar
apenas a alavanca que dá posição ao
“leme”.
A acreditar que a linguagem marinheira portuguesa também teve origem
nas linguagens nórdica e germânica, entre outras, “leme” virá do inglês antigo
“helma”, "governo”, posição de governo,
vindo do proto-germânico “helma” (originado da antiga língua nórdica “hjalm”,
que do antigo alemão “helmo”, deu
“Helm” no alemão atual, significando
alavanca).
João Subtil
ESCAPARATE
HETERÓNIMOS DO MAR
O mar é a casa de múltiplos seres vivos que se adaptam, todos os dias, às
mudanças das marés, das correntes, das
temperaturas e, até mesmo, ao impacto
da ação humana sobre os ecossistemas
marinhos. Inventariar, catalogar, conhecer estes seres vivos marinhos, muito
diferentes dos seres vivos terrestres,
é uma atividade apenas ao alcance de
quem gosta muito da vida e do mar.
É fascinante perceber, que, nas profundezas dos oceanos, próximo das fraturas da crosta terrestre, sobre extrema
pressão do peso da água e num contexto
de erupções vulcânicas, existe abundante vida. Ao contrário do que estamos habituados a ver na vida acima da superfície da água, ou na vida debaixo de água,
na faixa em que a luz solar ainda penetra,
onde através da fotossíntese as plantas
fazem a acumulação da energia solar e a
transformam em compostos que são sin-
tetizados a partir do dióxido de carbono,
no fundo do mar, onde a luz solar não
existe, a vida fervilha. Nas fontes hidrotermais, na zona abissal, a mais de 4.000
metros de profundidade, onde não existe
qualquer luz solar, através da quimiossíntese, a magia da vida acontece.
Com uma profissão que tenta entrar,
através de tecnologia robótica avançada, nos abismos do mar profundo, com
características próprias de coragem em
enfrentar o desconhecido, de curiosidade em tentar descobrir vida onde, à luz
do conhecimento dominante, seria improvável a existência da mesma e com a
resiliência de saber esperar o momento
certo para que o mar deixe revelar os
seus segredos, os biólogos marinhos do
mar profundo são verdadeiros heterónimos do mar.
Miguel Marques
A
próxima edição da Science & Society, do INESCTEC é totalmente
dedicada ao mar e á economia azul, com
o título “Empowering the Blue Economy
Trhough Innovation and Technology”,
esta edição descreve a evolução da
ciência de sensores, a importância das
infraestruturas de apoio, o estado da
poluição marinha, a inventariação dos
recurso marinhos mais importantes e as
tecnologias mais recentes para valorizar
esses recursos.
EDIÇÕES REVISTA DE MARINHA SUGESTÕES PARA AS SUAS LEITURAS
Acrescem os portes de correio na importância de 3,5€; a versão cartonada tem um valor adicional.
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A REVISTA DE MARINHA
HÁ MAIS DE OITENTA ANOS … Nº 87
O
exemplar da RM que hoje comentamos, referida a 10 de julho de
1940, faz capa com uma apresentação
de cumprimentos no Palácio da Ajuda ao
Presidente da República, General Carmona. Curiosamente, a revista não publica a legenda da foto da capa; trata-se
de um C/Alm. da Royal Navy, em grande
uniforme, de visita a Lisboa …
A abrir, a cronica da situação internacional “O balanço de uma situação dramática – a Rússia continua a aproveitar a
perturbação europeia e apoderou-se da
Bessarábia e da Bucóvina”, assinada por
Francisco Velloso. Num longo texto de 6
páginas, o articulista aborda os recentes
armistícios de Rethondes e de Roma, a
nova facilidade de contacto entre a Espanha e a Alemanha através da parte sul
da costa atlântica francesa, a política
interna francesa de Petain e a possível
emergência de De Gaulle, os efeitos do
bloqueio económico à Alemanha e a situação nos Balcãs onde a URSS anexou
a Bessarábia e a Bucóvina à Roménia,
com o apoio da Hungria e da Bulgária.
E termina recordando um discurso de
Churchill em que este anunciava aos
países neutrais que iriam ser engolidos
um a um pela Alemanha de Hitler. Não
se estava, contudo, à espera de que Estaline fizesse o mesmo …
Um texto não assinado, “Os ingleses
estão preparados para fazer frente aos ataques alemães aos seus navios-cisternas”,
assinala que até ao momento os resultados obtidos pela Alemanha se cifraram em
13 unidades afundadas, cerca de 2,5% da
capacidade de transporte de combustíveis
aliado, ou seja, um insucesso …
O artigo “A retirada de Dunquerque” é
uma tradução de um texto do jornal Paris
Soir, que nos dá a visão francesa desta
inusitada operação militar. Uma estranha
armada, centenas de navios e embarcações de todos os tipos, embarcações de
recreio e de pesca, navios mercantes e
militares, conseguiu salvar das praias de
Dunquerque 350.000 militares aliados
encurralados pelas forças alemãs.
Uma notícia ilustrada refere que o
Presidente Carmona recebeu no Palácio
da Ajuda os cumprimentos dos Embaixadores de França e da Alemanha, por
ocasião das festas centenárias. Recorde-se que a Exposição do Mundo Português esteve patente ao publico de junho
a dezembro de 1940, comemorando os
800 anos da fundação e os 300 anos da
recuperação da independência.
O texto “A formação do caracter
militar e a nossa epopeia marítima”
aborda a intervenção do CTen Vasco Taborda Ferreira numa cerimónia
de juramento de bandeira na Escola
Naval. A sessão foi presidida pelo Ministro da Marinha, estando presente o
Embaixador do Brasil, General Francisco José Pinto.
Por fim a rubrica “A Guerra no mar –
os acontecimentos enumerados e resumidos dia a dia”, referente ao período de
27 de maio a 1 de julho de 1940. Para
além de alguns torpedeamentos, de assinalar terem as forças alemãs concluído
a 28 de maio a ocupação da costa francesa do Atlântico.
Alexandre da Fonseca
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