Você já pensou em dedicar o mesmo tempo e recursos que usa para cuidar do rosto nas axilas? Escondida a maior parte do tempo, a região é a nova estrela do mercado de skincare. Questões como hiperidrose (condição que leva a um suor excessivo), manchas e mau cheiro estão sendo atacadas em um movimento que ganhou o nome de “axila care” (ou underarm care, em inglês).
Um dos epicentros na procura por uma rotina de cuidados focada nessa região específica foi o TikTok, que tem impactado com frequência o comportamento de autocuidado e beleza. Por lá, usuários começaram a usar produtos de skincare recomendados para o rosto também na região, como tônicos com ácido glicólico, para evitar o mau odor. A hashtag #glycolicacidasdeodorant já acumulou mais de 30 milhões de visualizações, ainda que o uso desse ingrediente para essa finalidade seja considerado controverso. “O ácido glicólico, parte da família dos alfa-hidroxiácidos, tem penetração profunda na pele e promove a renovação celular por meio da descamação”, explica a farmacêutica bioquímica e cosmetologista Joyce Rodrigues. Ela destaca que o ativo pode ajudar a eliminar células mortas que contribuem para a proliferação de bactérias causadoras de odor nas axilas. No entanto, ele não controla a transpiração. “O ácido glicólico atua somente na eliminação da flora bacteriana que causa o mau cheiro, mas não evita a sudorese”, complementa.
Interessadas no que alguns dermatologistas batizaram de a “nova fronteira no cuidado da pele”, empresas estão se especializando nesse mercado. Caso da norte-americana Megababe, fundada por Katie Sturino, a marca foi criada com o intuito de ajudar a enfrentar questões corporais que são tabu, logo, oferece desde creme de hemorroidas até um stick para proteger as coxas da fricção diária, todos com embalagens divertidas e coloridas. O seu sucesso, porém, pode ser creditado ao portfólio de fórmulas para as axilas, que conta com a máscara detox Happy Pits, com argila, ácido glicólico e vitamina C; um sabonete específico para a região chamado Space Bar, com carvão ativado e chá verde (formulação que promete eliminar as impurezas que causam o mau odor em 60 segundos); e o desodorante Rosy Pits, que chegou a ter uma lista de espera de 13 mil pessoas em apenas dois meses desde o seu lançamento. Segundo a marca, “enzimas e extratos eliminam o cheiro e absorvem a umidade sem a necessidade de alumínio”.
Muitos dos produtos que adentram a categoria têm apresentado fórmulas alternativas ao cloridrato de alumínio, entre outras substâncias que costumam estar presentes nos cosméticos tradicionais, como os ftalatos, que são usados para aumentar a fixação da fragrância no desodorante aerossol e conhecidos como disruptores endócrinos, que podem interferir na função hormonal. Apesar de sua eficácia no controle da transpiração, o alumínio é considerado controverso devido a potenciais impactos à saúde e ao ambiente. “Ele age formando um ‘gel’ temporário nos ductos das glândulas sudoríparas, bloqueando o suor e ajudando a controlar o desconforto e o odor”, diz Joyce. Pesquisas tentam analisar uma possível ligação entre o uso de antitranspirantes com alumínio e o risco de câncer de mama, embora até agora não tenham encontrado evidências científicas conclusivas que confirmem essa conexão. “Algumas revisões dizem que a quantidade dessas substâncias presentes nas formulações é muito pequena para causar algum dano à saúde. Mas, apesar de não haver uma opinião unânime, esse movimento deu origem à busca por ingredientes mais naturais. Desodorantes com óleos essenciais e extratos vegetais, que ajudam a controlar o odor corporal e equilibrar o pH da pele, criando um ambiente menos favorável para as bactérias, são eficientes e podem ser boas alternativas”, indica a farmacêutica Maria Eugenia Ayres.
O conceito de desodorante também evoluiu para incorporar ativos de skincare. Precursor nacional desse movimento, o Clean Desodorante, da Simple Organic, lançado em 2022, promete clarear axilas escurecidas enquanto combate odores, com ingredientes como niacinamida, ácido chiquímico, citrato de etila e aloe vera. A Dove trouxe recentemente uma alternativa ao clássico aerossol com o Desodorante Creme Sérum, um produto de textura leve formulado com vitamina E e óleo de semente de girassol para atender ao público que sofre com sensibilidade na região. Novos aparelhos e tratamentos têm focado na região (para além do botox para diminuir sudorese). Entre os destaques da vez está o ultrassom microfocado Liftera 2. “Essa tecnologia utiliza calor para gerar pontos de coagulação nas profundidades das glândulas responsáveis pelo suor, diferentemente da toxina botulínica, que atua inibindo o neurotransmissor que ativa a sudorese”, diz a dermatologista Silvana Osorio. Ela conta que o ultrassom provoca uma reação inflamatória local que resulta na morte celular dessas glândulas, que possuem um lento poder de regeneração. Dessa forma, o tratamento proporciona um efeito prolongado. “É um procedimento tranquilo, realizado em consultório médico com anestesia tópica, normalmente feito em duas sessões com intervalos de 30 dias”, explica.
Mas até que ponto esses cuidados são realmente necessários? Para o dermatologista Abdo Salomão Jr., não é preciso adotar uma rotina de dez etapas para as axilas, e procedimentos estéticos devem ser recomendados apenas em casos muito específicos. “Não acredito que uma pessoa que não tenha nenhuma questão incômoda precise de uma rotina para as axilas tão cedo”, afirma. O uso excessivo de produtos, esfoliações frequentes e a aplicação de ácidos sem a orientação de um dermatologista podem sensibilizar a região. “A pele das axilas é mais fina e está em maior risco de irritação, assim como a virilha. Adições excessivas à rotina de cuidados podem levar à desregulação do microbioma e do equilíbrio do pH”, finaliza o médico, que recomenda lavar a região com sabonete, aplicar hidratante e optar por desodorantes com fórmulas livres de álcool e alumínio, que podem causar irritação em peles sensíveis.