• Mirian Goldenberg (@miriangoldenberg)
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Rivalidade (Foto: Arquivo Vogue/ Rafael Monteiro)

As mulheres também podem ser machistas? (Foto: Arquivo Vogue/ Rafael Monteiro)

Nas minhas pesquisas, tenho constatado que muitas mulheres brasileiras reproduzem e fortalecem, consciente ou inconscientemente, a lógica da dominação masculina. É verdade que o discurso hegemônico atual é o de libertação dos papéis que aprisionam a maioria das mulheres. No entanto, os comportamentos femininos não são tão livres assim. Muitos valores tradicionais, conservadores e até mesmo machistas permanecem internalizados não apenas nos homens, mas também nas mulheres. Existe uma enorme distância entre o discurso libertário das brasileiras e os seus comportamentos e valores.

Na lógica da dominação masculina, como argumentou o sociólogo Pierre Bourdieu, os homens devem ser sempre superiores: mais velhos, mais altos, mais fortes, mais poderosos, mais ricos, mais escolarizados etc. Essa lógica tem como efeito colocar as mulheres em um permanente estado de insegurança e dependência. Delas se espera, como escreveu o autor, que sejam submissas, contidas, discretas, apagadas, inferiores, invisíveis.

Com base nos dados das pesquisas que realizei nas últimas três décadas, percebo que muitas mulheres podem se tornar cúmplices, de forma consciente ou inconsciente, da lógica da dominação masculina quando acreditam que os homens devem ser "superiores" e também quando estigmatizam aquelas que fazem escolhas consideradas fora dos padrões socialmente desejados. 

Diante da pergunta sobre o que mais invejam nos homens, as mulheres disseram, em primeiríssimo lugar, a liberdade. Elas invejam a liberdade masculina com o próprio corpo, a liberdade sexual, a liberdade de rir e brincar. Já em outras mulheres, elas invejam a beleza, a juventude, a magreza e a sensualidade e muito mais. Elas reclamam de falta de tempo, falta de reconhecimento e falta de reciprocidade. Estão muito insatisfeitas, frustradas, deprimidas e exaustas. 

Por mais paradoxal que possa parecer, muitas mulheres que afirmaram que invejam e valorizam a liberdade masculina, criticaram outras mulheres que adotam comportamentos mais livres e recusam os modelos femininos mais tradicionais.
Também perguntei aos homens o que eles mais invejam nas mulheres. Não houve dúvida. Eles responderam categoricamente: nada. Poucos disseram que invejam a maternidade, a sensibilidade e os orgasmos múltiplos.

No livro Coroas, apresento um estudo comparativo entre mulheres brasileiras e alemãs com idade entre 40 e 50 anos. Muitas brasileiras que pesquisei conquistaram sucesso profissional, independência econômica, maior liberdade sexual, mas se mostraram extremamente preocupadas com o excesso de peso, têm vergonha do corpo e pânico de envelhecer. Já as alemãs pareceram mais confortáveis com o próprio corpo e envelhecimento. Elas, ao contrário das brasileiras que se focaram nas faltas, erros e defeitos, enfatizaram muito mais a riqueza dessa fase da vida, enaltecendo suas realizações pessoais e profissionais.

A decadência do corpo, a falta de homem e a invisibilidade social marcaram os discursos das brasileiras. De diferentes maneiras, elas disseram: "Sou uma mulher invisível, uma mulher transparente, uma mulher 'nem-nem': nem jovem, nem velha. Não é nem que eu me tornei uma velha, eu simplesmente deixei de existir como mulher".

A pesquisa que realizei para o meu livro Por que os Homens Preferem as Mulheres Mais Velhas? mostra que existe muito preconceito das próprias mulheres com relação às mulheres que subvertem a lógica da dominação masculina, como o exemplo de uma nutricionista de 23 anos:  "Minha mãe tem 50 anos está namorando com um cara que parece filho dela, ele tem 27 anos. Morro de vergonha: ela parece uma velha periguete com um garotão que poderia ser o meu namorado. Ela é uma velha ridícula, sem noção. Ela deveria estar com um homem da idade dela ou mais velho."

Após tantas décadas de lutas e conquistas das mulheres brasileiras, é fundamental compreender as pressões sociais que levam tantas mulheres a aceitar e fortalecer, com seus medos e inseguranças, os preconceitos e estigmas com relação a determinados comportamentos femininos considerados socialmente desviantes. 

Deixo então uma reflexão final: o que nós estamos fazendo, no nosso cotidiano, para deixarmos de ser prisioneiras de modelos de "ser mulher" que provocam tanto sofrimento e excluem grande parte das mulheres brasileiras?

Você acha que as mulheres também são ou podem ser machistas, mesmo que de forma inconsciente?