Gente

Por Rosa Moraes (@rosamoraes5)


 — Foto: RODNAE Productions no Pexels
— Foto: RODNAE Productions no Pexels

Fim de ano batendo na porta e a gente com aquela vontade de desacelerar, mas sem conseguir. Eu mesma ando num ritmo frenético: mal dá tempo de desfazer as malas, já tenho um novo voo para pegar. Nesta reta final sem muito espaço para respirar, o que tem me ajudado a desplugar um pouco, encarar os voos longos e as horas de aeroporto é a leitura – e tenho três ótimas indicações para vocês, todas recém-saídas do forno, acerca do nosso tema favorito, que é a gastronomia.

Cabe aqui fazer a observação de que a literatura gastronômica já vem ganhando fôlego há anos, na contramão do mercado literário no Brasil, que infelizmente entrou em um processo de recrudescimento na pandemia, com o fechamento de grandes livrarias e editoras.

Somos um país que não tem a tradição de ler. E não, não estamos falando apenas de uma maioria da população que não tem acesso a uma educação de qualidade e, por consequência, aos livros e ao hábito da leitura. A última edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, lançada em 2020, mostrou que perdemos 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019. A porcentagem de pessoas que liam livros caiu de 56% para 52% e os brasileiros com mais de 5 anos que sequer encostaram em um livro nos três meses anteriores ao lançamento do estudo representavam 48% da população: foram 93 milhões.

Mas o curioso é que a maior queda no percentual de leitores não aconteceu nas camadas sociais mais vulneráveis, mas entre as pessoas com ensino superior (de 82% em 2015 para 68% em 2019) e entre as que têm maior poder aquisitivo: os 76% que liam caíram para 67%. Então não é questão só de acesso, mas de cultura. A gente lê em média 2,5 livros por ano. E só.

Por outro lado, há uma transformação acontecendo no nosso mercado literário: novos escritores sendo publicados, novas livrarias – muitas pequenas e lindas – e também novos leitores. Então se a ideia for mudar essa estatística para cima (e de quebra reencontrar o prazer de ler um bom livro), minhas dicas são três: Conversas Acerca do Vinho, da sommelière Gabriela Monteleone; Da Botica ao Boteco, da jornalista, mixologista e colunista aqui da Vogue Néli Pereira; e 67 receitas com mel de abelhas nativas, publicação que reúne 49 autores, entre chefs, cozinheiros e bartenders brasileiros, que enxergam a preciosidade do nosso mel nativo.

Vou começar pelos dois primeiros, assinados por duas mulheres que propõem um olhar diferente sobre nossa forma de consumir o álcool. No caso do livro de Néli, como já publicado aqui, devoramos a história dos drinks até se tornarem a coquetelaria que conhecemos hoje. É uma literatura de pesquisa que nos leva pela mão, traçando a trajetória das técnicas usadas na Antiguidade de reis e faraós para despertar princípios ativos que serviam para cura, até os drinks atuais. A autora também nos conduz à redescoberta de ingredientes nacionais e ancestrais, com receitas para uma coquetelaria brasileira moderna, “por menos grapefruit e mais jurureba”. Leitura fluida, rica e de muita utilidade – estão aí as festas de fim de ano, afinal.

Néli Pereira no lançamento do livro 'Da Botica ao Boteco'  — Foto: Divulgação
Néli Pereira no lançamento do livro 'Da Botica ao Boteco' — Foto: Divulgação

Já em Conversas Acerca do Vinho, Gabriela Monteleone se debruça sobre a bebida com um olhar para o consumo consciente. A proposta é fazer a gente pensar a cadeia vinícola como um todo, refletindo inclusive sobre o impacto ambiental e social do vinho que a gente escolhe na prateleira. Campo, sustentabilidade, biodiversidade, regeneração, manejo, clima, geologia, cultura, economia, política, antropologia, arqueologia, tecnologia, pesquisa científica, ética, saúde, gastronomia, bem viver - tudo faz parte desta que é a segunda bebida mais consumida no mundo.

E aí essa mega especialista, que está por trás das cartas e harmonizações de casas renomadas como Cuia Café e Clandestino, da chef Bel Coelho, e Chou e Futuro Refeitório, de Gabriela Barretto, além de ser consultora para o D.O.M. de Alex Atala, divide com os leitores abordagens e questionamentos que colecionou ao longo de quase duas décadas de trabalho.

A autora Gabriela Monteleone com o livro 'Conversas Acerca do Vinho' — Foto: Divulgação
A autora Gabriela Monteleone com o livro 'Conversas Acerca do Vinho' — Foto: Divulgação

A obra é super didática. Aborda técnicas, tipos de uvas e terroirs e traz entrevistas com outros profissionais que vislumbram novos caminhos para o mercado, como o vinhateiro Luís Henrique Zanini, da vinícola gaúcha Era dos Ventos, e a jornalista Paulina Chamorro, especializada em temas socioambientais e colaboradora da National Geographic. Da logística à embalagem, da rolha ao serviço, Gabi faz a gente começar a se perguntar quantos quilômetros aquele rótulo percorreu para chegar à nossa mesa – e se consumir um vinho local, por exemplo, não seria uma escolha mais consciente. “Não se apegue à garrafa mais barata ou à mais famosa”, ela orienta. “Vamos, juntos, pensar em nossas próximas escolhas?”

É também da valorização do local que trata o belíssimo título 67 receitas com mel de abelhas nativas, do Instituto Atá, que conta com a participação de 49 autores de todo o Brasil. É gente de peso como Alex Atala, Henrique Gilberto, Manu Buffara, Neide Rigo, Rodrigo Bellora e Rodrigo Oliveira, além dos bartenders Jean Ponce, Rafael Welbert e Alice Guedes, entre outros.

Parte do Projeto Verde Mel, que tem o objetivo de difundir conhecimento sobre as abelhas nativas e a importância da conservação dos polinizadores, o livro traz 155 páginas de receitas elaboradas com mel e pólen de 18 espécies de abelhas nativas, divididas em nove capítulos: tira-gosto, salada, prato feito, para a mistura, para acompanhar, sobremesa, para qualquer hora, bebidas não alcoólicas e goró. Prato cheio para inspirar as ceias que vêm por aí, por sinal.

Capa do livro '67 receitas com mel de abelhas nativas' — Foto: Divulgação
Capa do livro '67 receitas com mel de abelhas nativas' — Foto: Divulgação

Fazendo minha mala para a próxima aventura de trabalho, esses são os títulos que me acompanham. Obras brasileiras em torno da gastronomia brasileira, leituras de cabeceira dessa brasileira aqui, defensora fervorosa da educação. É um processo que nunca para - e os livros são peça fundamental nessa jornada.

Boa leitura a todos, e que em 2023 a gente já suba nossa régua de leitura para pelo menos três livros por ano. As dicas para um bom começo estão dadas. Cabe a nós cultivar esse prazer!

Da Botica ao Boteco, de Néli Pereira: publicado pela editora Companhia das Letras.

Conversas Acerca do Vinho, de Gabriela Monteleone: resultado do projeto Tão Perto, Tão Longe, plataforma de diálogos sobre vinho da sommelière em parceria com o especialista Ariel Kogan.

67 receitas com mel de abelhas nativas: publicação do Instituto Atá, resultado do Projeto Verde Mel (parceria do instituto com a Sylvamo e a Associação Ambientalista Copaíba).

Nota: Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Vogue Brasil.

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