Costanza Pascolato conversa com Sasha Meneghel sobre a Mondepars, o significado do sucesso e o legado das mulheres de sua família

Na visão de Sasha, roupas têm prioritariamente o objetivo de servir. “Se antes o designer ditava como as pessoas deveriam ser ou se vestir, hoje é o contrário. Essa mudança é incrível e me interessa muito. Gosto de estudar esse processo e de aprender com novas matérias-primas”, afirma. “Por isso, é tão importante para mim ter peças que sejam mais duradouras, fáceis de adaptar, dependendo do mix e da maneira como elas são usadas. Inclusive porque nossos corpos mudam”, diz a designer, compartilhando um raciocínio criativo tão simples e tão complexo que me faz pensar na racionalidade da arquitetura modernista e na funcionalidade do design dos países nórdicos – enquanto observo as roupas dispostas nas araras e os gestos harmoniosos de Sasha ao mostrá-las.

Com pouco mais de três dezenas de itens, entre vestidos, blazers, casacos, calças, camisas e moletons – a maioria sem gênero predeterminado, ou seja, funciona para elas e para eles –, a Debut Collection, que marcou a estreia da grife, teve uma cartela de poucas cores, com prevalência de branco, marrom e preto para indicar o “estilo minimalista” e “evidenciar excelência”. Sasha, que gosta de manejar silhuetas, já tem pronta uma nova coleção, agora com uma centena de novos itens, incluindo acessórios, a exemplo de uma maxi bolsa de “couro” de cacto lançada recentemente.

Para quem ainda não sabe, Mondepars (pronuncia-se sem o “s” no final), nome escolhido entre os 15 propostos por um equipe de branding, é um neologismo a partir das palavras monde (mundo, em francês) e pars (parte, em latim), ou seja, “parte do mundo”. “A ideia é lembrar que somos parte de um ecossistema”, diz o release da marca. “Outro dia, meu pai [o ator e empresário Luciano Szafir] confundiu e disse monpère (meu pai, emfrancês)”, diverte-se Sasha, que observa e contempla, orgulhosa, a grafia, o logo manuscrito e até a disposição do nome, “formando um trapézio”.

Otimista e “sonhadora, graças a Deus”, Sasha diz que nem nos seus melhores sonhos poderia imaginar que o jeans da primeira coleção, apresentada em show hiper midiático em junho, fosse “dar sold out em 12 horas”. Com vendas apenas online, as peças se esgotaram imediatamente depois do desfile, com várias reposições de estoque. “Foi a melhor resposta que eu poderia ter. Tanto que, no nosso verão, vamos ter cinco modelos de jeans”, afirma, enquanto avalia meticulosamente o “projeto-teste” de uma loja física temporária, uma pop-up store que abre este mês e funciona até dezembro no shopping JK Iguatemi, onde Sasha também já circulava como rosto da Yves Saint Laurent e do shopping, em vídeos publicados nas redes.

Pergunto a Sasha se essa dupla função, de trabalhar para outras marcas e atuar como diretora criativa da sua própria grife, não traz “conflitos de interesses”. Pragmática, ela agiliza o argumento mais lógico do custo-benefício. “Trabalho coma minha imagem porque é esse trabalho que me possibilita investir na Mondepars. Eu só preciso me organizar”, diz, demonstrando domínio absoluto das escolhas, da agenda e de sua trajetória. Tudo comum olhar apurado para a produção e edição de imagens – comas quais se comunica com mais de 8 milhões de seguidores digitais – e uma cultura de moda extraordinária e rara para alguém da idade e da geração dela.

Sasha se formou na mais prestigiada escola de moda dos Estados Unidos, a Parsons, em Nova York. Fez também uma breve imersão no London College of Fashion, o LCF, em Londres. Antes disso, enquanto concluía o ensino médio no Rio, estagiou coma estilista Lenny Niemeyer para ter certeza de sua vocação. “Ela abriu as portas do ateliê para mim, aprendi muito e ficava admirada ao ver uma mulher comandando tudo, recebendo fornecedores do mundo inteiro.”

A “dúvida” vocacional de Sasha tinha a ver como fato de ela ter convivido organicamente coma moda desde muito cedo, por conta do trabalho da mãe, a apresentadora de TV e modelo Xuxa Meneghel, um fenômeno da comunicação de massa no Brasil. “Acompanhando provas de roupas, eu me sentia muito importante porque ela ouvia minha opinião e, às vezes, mudava o figurino baseada no que eu falava. Isso quando eu tinha 8 anos de idade. Sempre fui de opinar muito”, lembra Sasha, que é admiradora-amiga-parceira da “melhor mãe do mundo”.

O vigor criterioso e disciplinado com que constrói agora seu espaço profissional, Sasha também usou para superar questões pessoais na condição de alguém que nasceu famosa. Em julho de 1998, o telejornalmais visto do país anunciava, parauma audiência voraz, que “Sasha nasceu num ambiente de contos de fadas”. Na adolescência, questionada sobre qual princesa da Disney queria ser, ela não pensou duas vezes. “Nenhuma, pois as princesas são certinhas demais”, respondeu, assertiva. “Tive o privilégio de crescer perto de mulheres muito fortes e isso me moldou muito”, me diz.

“Quando fui morar fora do Brasil, vivendo uma vida anônima, pensei que podia, sim, tentar começar a trabalhar com a minha imagem”, lembra. “Ali, tive o entendimento e a clareza de que, como pessoa pública, aquilo não poderia me afetar da forma que me afetava antes. Foi um grande aprendizado.”

Notável, a combinação de estudo, comprometimento e uma personalidadeempreendedora,mais a beleza e o carisma cativantes, definiram o contexto em que Sasha pode exercitar preferências – comoo gosto pela alfaiataria.“Não são peças tão comerciais porque éumitemde investimento alto,mas sou apaixonada por alfaiataria, que, para mim, acaba sendo a parte principal da coleção. Quando alguém reconhece que minha alfaiataria é boa, que temalgo especial, significa muito porque é o reconhecimento do processo.”

Quando pergunto, afinal, sobre o que significa sucesso para ela, Sasha é meticulosa. “Acho que é uma pergunta que pode ser respondida de várias formas. Mas para ser muito sincera com você, essa percepção de sucesso eu tive recentemente quando chegou a terceira versão da nossa ombreira-piloto, que queríamos para os nossos blazers. Foi difícil. Quando chegou, eu disse: ‘Foi exatamente essa que idealizei, esse era o sonho, que agora estou vendo aqui, materializado na minha frente’. Isso para mim é sucesso. Ter o reconhecimento de pessoas que admiro, como a minha mãe, que é perfeccionista, provando a minha roupa e falando ‘Isso tá lindo’ também conta muito.”

Com um jeito contemporâneo de ser e estar, Sasha passeia pelo vocabulário de época ao compartilhar o que pode ser público, sem jamais perder de vista o que é de ordem privada.Ao mudar a cor de cabelo, por exemplo, usa a linguagem dos games e divulga a novidade. “Uma nova skin desbloqueada, ruiva”, escreve.

Ao lado do marido, o cantor João Lucas, e de Bela, uma golden doodle toda amorosa, que acompanham a nossa conversa no ateliê da Mondepars, Sasha destaca sua rede de apoio e lembra carinhosamente da avó, Alda Meneghel (1937-2018), outra das mulheres fortes com quem conviveu muito proximamente. “Era professora de arte, trabalhava com massinhas e sempre me apoiou demais nesse lugar da arte. Ela teve Parkinson e passou a usar os tremores da mão para criar efeitos nos quadros que pintava. Isso para mim foi um grande exemplo de persistência e força”, diz. “Quando penso em criar, seja uma roupa, um croqui, seja pintando uma aquarela, isso também me leva para um lugar de carinho, de nostalgia, de afeto. Poder trabalhar com algo que me remete a tantas memórias boas é muito, muito prazeroso.”

Fotos: Mylena Saza
Styling: Joana Wood
Arte: Heitor Ferreira
Assistente De Foto: Ethel Braga
Assistente De Styling: Malu Girassol
Beleza: Mario Marques
Assistente De Beleza: Victoria Malaquia
Tratamento De Imagem: Victor Wagner