Vogue Dossiê
Consumo 2.0: entenda o boom da revenda e do compartilhamento na moda
Enquanto a indústria da moda busca maneiras mais sustentáveis de produzir, os mercados de resale e de aluguel despontam como boas alternativas
7 min de leituraCom a pandemia acelerando discussões que já estavam acontecendo na moda, as prioridades de quem compra e produz mudaram drasticamente e fica cada vez mais difícil manter-se relevante se o modo consciente de toda a engrenagem não estiver ativado. De acordo com a companhia britânica de consultoria para o mercado de moda McKinsey & Company, nove entre dez pessoas da geração Z acreditam que as empresas do setor têm responsabilidades ou obrigações sociais e ambientais.
Mas não são só as marcas que devem atuar como agentes de mudança: também é responsabilidade de todos nós consumirmos de maneira mais consciente, escolhendo melhor o que, de quem e como se compra. Sabe aquela máxima que o minimalismo dos anos 90 ajudou a propagar e que diz “menos é mais”? Pois ela nunca foi tão verdadeira. E é neste cenário que pipocam ótimas iniciativas de nomes emergentes e outros mais experientes para incentivar e facilitar estes novos hábitos, que passam por revenda e compartilhamento.
Garimpar peças em brechós e eleger roupas de segunda mão não são novidades para quem busca estilo próprio e exclusividade. Pelas mãos de garotas espertas e de radar apurado, o conceito foi atualizado para a realidade digital e, de quebra, ganhou preocupação social. O Projeto Ovo, criado pela joalheira Ana Khouri e pela estilista e joalheira Helena Sicupira, surge como uma plataforma para ajudar financeiramente organizações sem fins lucrativos por meio da venda de roupas second hand. Ana e Helena recebem as doações e as encaminham para instituições escolhidas a dedo. Com as peças, enviam login e senha da conta de Instagram do Ovo (@projetoovo) e cada ONG posta e negocia a venda dos produtos comos possíveis clientes.
“Queremos promover responsabilidade ambiental e social e incentivar o reúso”, explica Ana. Ciente de que muitas mulheres ainda preferem o contato físico com a roupa, a dupla organiza bazares periódicos. Com o apoio da Vogue e tendo as influenciadoras Silvia Braz e Helena Lunardelli como embaixadoras, a última edição aconteceu em agosto passado em São Paulo e arrecadou R$ 70 mil, valor dividido entre quatro ONGs. No início do ano, a atriz Erika Januza se juntou ao time. Criados pela The Paradise, os looks usados pelo trio na capa de assinantes da Vogue Fevereiro foram doados para o Ovo, assim como as peças do próprio acervo que Silvia, Helena e Erika vestem nesta matéria.
“Aposto no second hand e no vintage há tempos. É uma boa maneira de editar os looks, ressignificar uma peça que está parada e, de quebra, ajudar o meio ambiente”, diz Silvia, que também organiza os próprios bazares. “O Ovo é um agente facilitador para quem quer doar e contribuir socialmente. Com isso, temos certeza de que o dinheiro vai percorrer um caminho correto, de forma transparente, e chegar a quem deve”, completa. Acostumada a trocas constantes de roupa em seu trabalho como influenciadora, Silvia diz repetir produções sem cerimônia na vida offline.
Helena também é do tipo que faz circular muita roupa na família desde a adolescência. Brechós são para ela um exercício cultural. “Com meu papel de influenciadora, tenho consciência de que incentivo o consumo, mas é um consumo natural, não desenfreado. Estimulo as pessoas a usarem a mesma peça em diferentes ocasiões e a otimizar o guarda-roupa. Ninguém precisa ter um closet novo a cada estação; o ideal é ter um ou outro item da coleção atual e mesclar com coisas básicas”, explica.
A multimarcas Dona Santa, de Recife, também entrou no mercado de revenda recentemente ao lançar o Projeto Circular (@ajudeacircular). “Sustentabilidade também é prolongar a vida de peças que estão paradas no armário”, diz Juliana Santos, diretora da loja, que deu start na plataforma digital a partir do seu próprio guarda-roupa e faz a curadoria das itens - que vão do trabalho à festa. Ao adquirir algo, você também acaba ajudando uma causa, já que, todos os meses, 10% de toda a renda é revertida para uma instituição social.
Um dos nomes que enxergo a tendência há anos foi Leilane Sabatini, fundadora do Cansei Vendi, que hoje comanda ao lado de Carolina Leonhardt e Ana Carolina Darde. Em 2013, ela colocou roupas que estavam paradas no seu armário (e foram um investimento alto) à venda num perfil criado no Instagram. “Para minha surpresa, vendeu super rápido e foi crescendo de forma orgânica”, lembra ela, que na época trabalhava como trader de energia elétrica. Em 2017, decidiu deixar o emprego e profissionalizar a plataforma de second hand. Uma das principais preocupações do e-commerce, que hoje tem mais de 200 marcas de luxo, é com a autenticidade. Além dos processos internos de verificação, o Cansei Vendi tem uma parceria com o Real Authentication. Recentemente, lançaram uma novidade: uma área no site dedicada a produtos novos, mas sustentáveis. “Queremos ser também referência no Brasil de marketplace de marcas que prezam por produção sustentável, seja de moda ou beleza”.
O mercado de second hand é um fenômeno global que bateu os US$ 24 bilhões, em 2018, e deve atingir US$ 51 bilhões, em 2023. Atento ao movimento, o segmento de luxo já está se adaptando e planeja formas de lucrar com a nova realidade. Uma das maiores plataformas online de resale, o site americano The Real Real mantém uma parceria com Stella McCartney desde 2017 e uniu-se recentemente também à Burberry. Enquanto McCartney oferece um voucher de US$ 100 (para ser usado em suas lojas) à pessoa que ofertar um produto da marca no The Real Real, quem repassar uma peça da Burberry ganha uma experiência com um personal shopper nos endereços da grife britânica nos Estados Unidos. A ação fez aumentar em 65% o número de pessoas que anunciam produtos de Stella McCartney no site. As duas marcas podem não lucrar diretamente com a venda, mas assim estimulam que quem passa para a frente peças da grife volte a consumir em suas lojas.
Com a pandemia, enquanto as vendas do varejo no geral devem diminuir em 23% este ano, o mercado de segunda mão on-line deve crescer 27%, de acordo com o 2020 Resale Report organizado pelo Thredup e pelo GlobalData. Olhando mais adiante, ele projeta que, nos próximos cinco anos, a revenda on-line crescerá 414%, enquanto o varejo geral diminuirá 4%.
Outro gigante do luxo, o Farfetch oferece no exterior uma seleção de artigos vintage – e anuncia agora a implantação de um serviço de resale de bolsas, o Second Life. A ideia é que o cliente use o valor obtido com a venda da bolsa para comprar novos produtos dentro do site. O e-commerce adquiriu no fim de 2018 a plataforma de revenda de sneakers Stadium Goods por US$ 250 milhões e agora está de olho no mercado de aluguel de roupas e acessórios, outra tendência em crescimento na nova realidade de consumo.
As brasileiras sabem bem disso. Por aqui, serviços do tipo proliferam. Comandada por Ana Piva, Pat Cavalcanti e Melissa Moraes, o Take Me (@takeme.online) oferece uma curadoria afiada de vestidos de grifes como Valentino, Attico e Zimmermann, para as mais diferentes ocasiões. O trio começou alugando para amigas e pessoas próximas e, como tiveram muita demanda, resolveram estruturar o negócio. Além de terem as peças hypadas, o acervo também inclui roupas vintage, que são garimpadas em brechós por elas ou até mesmo no closet de clientes.
Clutches também fazem o maior sucesso na I Bag You (@i.bag.u), de Anna Lugli. Formada em administração pela Faap, lançou o serviço em 2017 para “quebrar barreiras e preconceitos” enquanto “incentiva um consumo mais inteligente”. Com quase 95 mil seguidoras no Instagram, Anna tem clientela fiel, que aluga acessórios tanto para uma viagem quanto para um casamento. “Tudo começou justamente porque adquiri uma bolsa Jimmy Choo para uma cerimônia pela manhã e nunca mais usei. Ela foi parar no site”, conta ela, que soma 230 produtos e uma média de 500 locações mensais.
Já a pioneira ClosetBoBags, lançada pela carioca Isabel Braga, tem 1.500 itens disponíveis, e começou ainda em 2009. “Naquela época eu já pensava em como poderíamos repensar o consumo. Não que fossemos deixar de comprar, mas queria encontrar alternativas”, ela diz. “Entrar nesse universo amplia as suas possibilidades. A gente fomenta uma atitude de comprar com qualidade. Não são coisas descartáveis, são peças que duram gerações”. Ela conta que tem clientes que já ganharam até R$ 200 mil usando a plataforma para alugar peças pessoais que estavam encostadas no guarda-roupas.
Em um planeta em que até a H&M está testando um serviço de aluguel de roupas, em Estocolmo, está dado o recado: recicle-se, a moda mudou.
Edição de moda: Pedro Sales
Beleza: Silvio Giorgio (Capa MGT) com produtos Nars, Shiseido e Kérastase
Produção executiva: Orizon Productions
Coordenação: Monica Borges e Jhonata Fernandes
Produção de moda: Vini Coni, Rogério Martinez e Vitor Ferreira
Assistente de produção executiva: Paola Tocantins
Assistentes de fotografia: Franklin Almeida e Renato Toso
Assistentes de beleza: João Bueno, Andeson Ayres e Angel Moraes
Agradecimentos: 3t Equipamentos
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