PetExpertise, com Ana Claudia Balda

Por Por Profa. Dra. Ana Claudia Balda


Especialista explica sobre quais são os quadros de alergias em cachorros — Foto: ( Pexels/ Chris Shafer/ CreativeCommons)
Especialista explica sobre quais são os quadros de alergias em cachorros — Foto: ( Pexels/ Chris Shafer/ CreativeCommons)

Dentre os quadros dermatológicos mais frequentes no atendimento clínico veterinário de cães, as alergias, ou seja, pacientes trazidos pelos tutores com queixa de prurido perfazem a maioria. Portanto, o primeiro ponto que o clínico deve considerar na rotina é que um cão alérgico sempre apresenta prurido importante, na escala linear de zero a 10, geralmente mais de 8. A lambedura, principalmente de regiões interdigitais e podais são manifestações de prurido em grande parte dos casos. Deve-se lembrar ainda que 20 a 30% dos cães começam apresentar otites recorrentes como manifestação clínica do quadro alérgico.

Antes de pensarmos no diagnóstico definitivo, é importante explicarmos aos tutores as possibilidades que estamos considerando e como iremos confirmar esse diagnóstico. Esse diagnóstico é de exclusão e há uma sequência lógica a ser seguida. A primeira doença a ser descartada é a DAPE, em seguida a dermatite trofoalérgica e, por último, a dermatite atópica.

A DAPE (dermatite alérgica a picada de ectoparasitas); hipersensibilidade alimentar (ou dermatite trofoalérgica) e dermatite atópica são os três principais diagnósticos diferenciais nos cães. Em função do Brasil ser um país tropical, é bastante comum que os cães tenham contato com pulgas e carrapatos, mesmo durante passeios rápidos, na rua, em parques ou até nos elevadores dos prédios. Sendo assim, a prevenção contra ectoparasitas deve ser sempre prescrita pelo clínico ou checada em termos de modo de aplicação ou administração, frequência e dose. O paciente deve ter recebido três meses de preventivo, sendo que, se tiver contactantes, todos devem receber simultaneamente, principalmente se forem gatos e caso haja uma grande infestação do ambiente, é papel do médico-veterinário indicar a dedetização, pois para cada pulga que observamos pela inspeção direta do paciente há aproximadamente 100 formas no ambiente (entre ovos, larvas e adultos).

Todos os produtos que temos disponível no mercado são muito eficazes, mas temos que ensinar os tutores a usá-los da forma correta e explicar que, além de quadros alérgicos, esses parasitas podem ser vetores de doenças sistêmicas graves, como as hemoparasitoses. Mesmo num paciente que não tenha como causa da alergia o parasita, a presença do mesmo pode ser um fator somatório para o prurido, ou seja, a prevenção é sempre indicada.

A lambedura excessiva pode ser uma manifestação de coceira — Foto: ( Pexels/ Duygu Basoglu/ CreativeCommons)
A lambedura excessiva pode ser uma manifestação de coceira — Foto: ( Pexels/ Duygu Basoglu/ CreativeCommons)


Em relação aos alimentos, é consenso que as proteínas, por terem peso molecular maior, são as mais incriminadas como desencadeadoras dos processos alérgicos. Sendo assim, quando o veterinário tiver certeza de que a DAPE pode ser descartada, deve indicar uma dieta para que essa segunda possibilidade seja confirmada ou descartada. É importante lembrar que, como há envolvimento de hipersensibilidade tardia, o contato prolongado com o alimento faz com que o paciente se torne alérgico ao que ele come todos os dias, isso responde à pergunta dos tutores sobre eles comerem a mesma dieta durante muito tempo, porque, na verdade, as pessoas têm a falsa ideia de que o cão desenvolve alergia pela ingestão de algo diferente.

A dieta pode ser a base de proteína não usual, que é a escolha de uma proteína que o paciente não teve contato prévio, como carne de coelho, carneiro ou porco (isso deve ser investigado na anamnese), ainda com fontes de carboidratos, como arroz e batatas. Essa dieta fica desequilibrada nutricionalmente e ela será mantida para a avaliação do prurido, por dois meses contínuos, nos quais o paciente come apenas esses componentes, portanto, se for possível envolver um nutrólogo no caso de tutores que preferem a comida caseira para esse período. Há também a possibilidade de uma dieta comercial e o ideal é utilizarmos uma proteína hidrolisada ou ultrahidrolisada. A tecnologia da hidrólise faz com que o peso molecular da proteína seja reduzido e que ela se torne hipoalergênica, por isso, essas dietas comerciais são as mais indicadas para o período de diagnóstico.

Após essas oito semanas, o paciente será reavaliado, caso ele tenha tido uma melhora de 100% com relação ao prurido, conclui-se que ele apresenta dermatite trofoalérgica (hipersensibilidade alimentar). A partir daí, se faz uma reexposição e os alimentos da dieta anterior devem ser reintroduzidos semanalmente, caso haja recidiva do prurido, o tutor deve ser orientado a administrar a dieta do diagnóstico por uma semana e, em seguida, expôr o cão a outra fonte de proteína ou alimentos que ele comia em sua dieta anterior. Nesse momento, é possível testar fontes ou rações de proteínas pouco usuais que não sejam hidrolisadas. O ideal é que o paciente não seja medicado durante o período de dieta.

Uma parte das respostas pode ser parcial, ou seja, há diminuição do prurido, mas não total melhora ou pode ser que o paciente não responda nada. No último caso, excluímos totalmente o componente alimentar e o cão volta para a dieta antiga, mas, em pacientes com melhora parcial, vale a pena manter a dieta, pois alguns pesquisadores inclusive questionam se o alimento não pode induzir a dermatite atópica.

O terceiro quadro de dermatite alérgica que podemos diagnosticar nos cães é a dermatite atópica. Os cães, principalmente aqueles jovens e de raça definida como pug, buldogues inglês e francês, labrador, golden retriever, lhasa apso e shih-tzu tem um defeito genético de barreira cutânea que promove a penetração de aeroalérgenos pela pele que irão provocar inflamação. Temos, então, um perfil mais característico de paciente, mas que irá passar por todos os passos do diagnóstico de exclusão.

Todos os quadros alérgicos apresentam prurido intenso, lambedura, eritema e alopecia. Nas lesões mais crônicas, observamos hiperpigmentação, liquenificação, hiperqueratose. As lesões se localizam mais comumente em face, pavilhões auriculares (poupando as extremidades da orelha), membros torácicos, flexuras, axilas e virilhas. Sendo assim, podemos já direcionar e explicar o diagnóstico para o tutor como mais provável, mas devemos ressaltar que é bem melhor para o paciente usar um preventivo contra ectoparasitas ou mudar a dieta do que ser medicado para o resto da vida.

Existem inúmeras terapias para o controle da dermatite atópica canina, que promovem controle, mas não a cura. Podemos lançar mão dos corticóides orais ciclosporina, oclacitinib, lokivetmab para controle do prurido, aliado à administração de ácidos graxos, xampus hipoalergênicos e hidratantes como ceramidas e fitosfingosinas, mas devemos lembrar que a causa é um defeito genético.

Há também a possibilidade da realização de testes intradérmicos, de puntura; teste de contato e sorológicos para identificação dos prováveis antígenos e desenvolvimento de imunoterapia alérgeno específica. Nesse caso, na maioria das vezes, há uma melhora parcial com possibilidade de diminuição das doses ou frequência das medicações. É um paciente que necessita de terapia multimodal e muita paciência do tutor para que seja um tratamento individualizado, que promova conforto e segurança para o paciente.

A dermatite atópica tem caráter genético. Golden retriever é uma das raças que pode sofrer com a doença — Foto: ( Unsplash / CreativeCommons)
A dermatite atópica tem caráter genético. Golden retriever é uma das raças que pode sofrer com a doença — Foto: ( Unsplash / CreativeCommons)

Os cães com dermatite atópica devem ser submetidos aos exames complementares com frequência, para avaliação ou descarte de doenças secundárias de agentes de microbiota, como leveduras e bactérias, e a relação das mesmas com o grau de prurido. Também deve-se comunicar ao tutor que as medicações usadas a longo prazo necessitam que o paciente seja trazido ao veterinário para acompanhamento a cada seis meses, para exame físico e exames complementares, como hemograma, perfil hepático, renal, exame de urina, triglicérides, colesterol e glicemia. Qualquer medicação e, principalmente quando fazemos associações, tem risco de efeitos colaterais que são absolutamente individuais.

Não há um protocolo único para a terapia, é necessário avaliar o manejo, o tipo de vida, contactantes, característica dos tutores, idade e raça dos pacientes. Dessa forma, avaliamos a melhor opção para aquele indivíduo e, mesmo assim, para garantirmos a segurança, apesar de termos inúmeras ferramentas disponíveis hoje em dia, é sempre importante que haja um acompanhamento. Dessa forma, teremos sucesso na terapia e garantimos qualidade de vida e bem-estar para os nossos pacientes.

Todos os meses vou compartilhar com os meus colegas veterinários um texto sobre doenças, dicas de cuidados com os pacientes e atendimentos. No mês que vem, vamos falar das dermatites alérgicas em gatos, espero que gostem!

A médica-veterinária dermatologista Ana Claudia Balda é colunista do Vida de Bicho — Foto: ( Divulgação )
A médica-veterinária dermatologista Ana Claudia Balda é colunista do Vida de Bicho — Foto: ( Divulgação )

A Profa. Dra. Ana Claudia Balda é médica-veterinária dermatologista, diretora da Escola de Medicina Veterinária da FMU, professora temporária da USP e sócia-proprietária da clínica Derme for Pets.

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