Existe no imaginário de todo consumidor que há um “Direito ao Retorno” previsto em lei, onde seria garantida a volta ao profissional de saúde que o atendeu em até 30 dias, sem qualquer custo.
Não é diferente na Medicina Veterinária.
Os tutores costumam exigir o retorno de seu pet após a realização de uma consulta, sempre aparados por essa suposta lei.
A verdade — que pode ser impactante também para os médicos-veterinários — é que não existe nenhuma lei nesse sentido! O retorno de consulta é, na maioria das vezes, cultural e não obrigatório!
O que compreende uma consulta?
Para entender o que seria o retorno de consulta e enxergar quando se trataria de algo obrigatório, primeiro é preciso entender o que compreende uma consulta. Afinal, quando seu cliente marca uma avaliação, o que você, obrigatoriamente, deve “entregar” para estar cumprindo o seu papel?
O Conselho Federal de Medicina Veterinária não possui uma resolução que indique o que compreende uma consulta, razão pela qual usamos o conceito definido pelo Conselho Federal de Medicina:
- “A consulta médica compreende a anamnese, o exame físico e a elaboração de hipóteses ou conclusões diagnósticas, solicitação de exames complementares, quando necessários, e prescrição terapêutica como ato médico completo e que pode ser concluído ou não em um único momento.”
Esta mesma resolução diz que, quando houver necessidade de exames complementares que não possam ser apreciados nesta mesma consulta, o ato terá continuidade para sua finalização, com tempo determinado a critério do médico, não gerando cobrança de honorário.
Sendo assim, sempre que o seu cliente contrata uma consulta, espera que você entregue a ele esses serviços definidos pelo CFM. Desta forma, estará cumprindo seu dever como fornecedor de serviço.
A partir disso, podemos tirar algumas conclusões sobre o tema e a principal dela é:
O retorno de consulta não é automático
A necessidade de retorno ou não dependerá do caso específico de cada paciente, se for possível fazer um atendimento e nele próprio finalizar a consulta, exatamente nos termos em que foi contratada.
Isso é facilmente identificado nas consultas de rotina: o médico-veterinário realiza a anamnese, o exame físico, verifica que o animal se encontra em boas condições de saúde, prescreve, eventualmente, algum vermífugo e finaliza a consulta.
Vejam que se trata de um caso que não há nenhuma necessidade de atender aquele paciente novamente, uma vez que a consulta foi concluída exatamente como define o CFM.
É diferente se, no atendimento do paciente e, durante a consulta, você verifica que só poderá elaborar hipóteses diagnósticas após a realização de um exame de sangue. Neste caso, nasce o direito ao retorno, uma vez que a consulta não foi concluída em razão da pendência do exame. Ou seja: você ainda não entregou o serviço contratado pelo seu cliente.
Com a realização do exame complementar, você recebe esse paciente novamente apenas para concluir a consulta iniciada e não finalizada. Este é o propósito do retorno.
Por esta razão, pode-se afirmar que não há direito prévio ao retorno: tudo dependerá de critério puramente médico, vez que pode haver a conclusão da consulta no primeiro atendimento ou não.
E exatamente por se tratar de critério médico para definir a necessidade de continuação da consulta em outro momento que podemos derruir mais um mito: o prazo para retorno não é de trinta dias! Depende, igualmente, da necessidade clínica do paciente!
Isso porque se você, médico-veterinário, está atendendo um paciente dermatológico e precisa avaliar o comportamento de uma ferida para chegar em um diagnóstico, pode solicitar o retorno em 45 dias — tempo hábil para tal constatação.
Agora, se há suspeita de uma infecção em curso e você solicita o exame de sangue para confirmação, pode solicitar o retorno em três dias, uma vez que tal suspeita diagnóstica poderá ser confirmada nesse período.
Posso cobrar pelo retorno?
Considerando o conceito de consulta, podemos afirmar categoricamente que não é possível cobrar pelo retorno, exatamente por se tratar de uma continuidade da consulta, ou seja: o serviço contratado pelo seu cliente não foi cumprido integralmente, sendo errado cobrar novamente por um ato que ainda não tenha sido finalizado.
Recebi o paciente em retorno e ele apresentou novos sintomas: como agir?
Em algumas ocasiões, ainda que a marcação do encontro tenha ocorrido visando a continuação da consulta, pode acontecer do cliente narrar novas questões, o que demandará nova anamnese, novo exame físico e novas elaborações de hipóteses diagnósticas e eventuais prescrições.
Como vimos acima, realizar todos esses atos configura uma consulta, correto? Isso quer dizer que o ato, que inicialmente se tratava de um retorno (e consequentemente não poderia ser cobrado), passou a ser uma nova consulta, abrindo o direito à nova cobrança.
Mas como fazer o cliente entender isso?
Sabemos que a parte mais difícil de colocar em prática esse novo conhecimento — o que significa um rendimento maior ao profissional, vez que deixa de perder tempo com “retornos” sem propósito — é fazer o cliente entender que não há necessidade desse novo encontro ou que o “retorno” se tornou uma nova consulta.
O correto a fazer é cumprir o Código de Defesa do Consumidor: avisar já na marcação da consulta que o retorno não é garantido, que será avaliada a necessidade pelo profissional, assim como que, havendo novos sintomas durante o retorno, haverá a cobrança de uma nova consulta. Cumprindo o dever de informação prévia, o médico-veterinário estará atuando de acordo com a legislação.
Na questão cultural, muita conversa! Explicar detalhadamente ao seu cliente o porquê não haverá retorno, com honestidade e atenção, é a melhor forma de paulatinamente ir alterando o imaginário comum da clientela e evitar aqueles comentários de “mas a clínica ao lado oferece retorno!”
São passos de formiguinha, mas quando toda a classe entender essas questões, todos os profissionais saem ganhando, com um tempo de serviço otimizado, evitando a realização de novas consultas sem propósito e sendo corretamente remunerados por seus serviços.