Quando um bicho chegar na sua casa, ele vai se apegar a você. Pode haver um encontro de almas, onde sentimos que a ligação já existia e tudo é muito automático e suave, mas, na maioria das vezes, acontecerá um processo de vinculação.
É um processo. O animal vai se apaixonar e estabelecer você como figura de apego, no decorrer do tempo. Se tudo der certo, isso irá deixá-lo mais confiante para explorar o mundo, estabelecendo um vínculo afetivo saudável.
Ser a figura de apego do animal é ser sua âncora no mundo, para que ele, a partir de uma base forte e amorosa, possa aprender coisas novas e se expressar, com uma personalidade equilibrada e saudável. Mas nem tudo são flores nesse processo de vinculação e muitas coisas podem dar errado, desencadeando ansiedade e dependência emocional. O que será difícil reverter sem tratamento adequado.
Apesar da genética e história de vida do animal influenciarem na tendência a ser ansioso e dependente, a postura do tutor é fundamental. Cuidados especiais na jornada de vinculação são indispensáveis para criar um animal autoconfiante.
O que costuma propiciar a dependência emocional e aumento da ansiedade no pet?
Os comportamentos e atitudes a serem evitados pelos tutores no período de vinculação são:
- Consolidação da insegurança e comportamento agitado, a partir do reforço positivo: abraçar, fazer carinho, falar com vozinha e dar petisco na tentativa de acalmar a agitação do animal, o que a reforça.
- Quebra de confiança: o animal pode se sentir traído pelo responsável em algumas situações, como, por exemplo, após a chegada de outro pet sem a devida adaptação, após ser deixado em um local desconhecido durante a viagem do tutor, ou por receber bronca muito dura enquanto brincava ou interagia com ele.
- Aplausos para o comportamento dependente: o tutor acha lindo e fica feliz com o animal que o segue pela casa, que o espera para comer, que chama para ir dormir à noite. Com isso, o pet entende que é assim que o responsável quer, e, por mais que ele esteja cansado ou sobrecarregado, manterá este padrão.
- Apego excessivo do tutor: nestes casos, o responsável é que se posiciona como dependente emocional do animal, que se torna codependente por pura falta de opção.
O transtorno de ansiedade de separação em humanos adultos foi incluído no Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais – DSM-V recentemente. Em um estudo, pesquisadores australianos mostraram que a ocorrência da ansiedade de separação em cães está associada à presença do transtorno de ansiedade de separação no tutor.
Os autores chamam a atenção que o comportamento de evitação social e ausência de rede de apoio (amigos e familiares com proximidade emocional suficiente) dos adultos são fatores predisponentes para o humano desenvolver ansiedade de separação com seus pets (Dowsett et al., 2020). - Ansiedade geral do tutor: em um artigo publicado em 2021, na revista Journal of Veterinary Behavior, pesquisadores concluíram que a causa mais provável para animais que vivem com pessoas com transtorno de ansiedade também se tornarem ansiosos é a via empática, ou seja, por contágio emocional, e não por alteração comportamental específica do tutor ansioso.
Isso quer dizer que mesmo você fazendo um manejo excelente, seu animal ainda pode estar ansioso se você estiver. Isso é muito triste, e muito sério. A ansiedade tira a força do animal, tudo fica mais difícil. Para o tutor também.
O que fazer para evitar que isso aconteça?
Primeiro: estimule a independência e autoconfiança do animal:
- Elogie quando ele brinca sozinho, quando se retira para deitar longe de você, quando está calmo sem te solicitar. Elogie e reforce todos os comportamentos calmos e independentes;
- Na hora da comida, não fale nada, sirva e dê espaço para o pet. Não elogie que comeu tudo. Não peça para comer;
- Sempre tenha um cantinho do xixi em casa, evite que o cão fique dependente do passeio para as necessidades fisiológicas;
- Não fique vigiando o que o pet está fazendo quando ele não está na sua vista;
Também é importante não quebrar a confiança que o pet tem em você:
- Nunca deixe o animal com estranhos ou em um local que ainda não está adaptado, quando for viajar, se organize, vá adaptando o pet gradualmente;
- Não deixe um cão se aproximar por trás do seu pet, quando estiver passeando com coleira;
- Não dê bronca na frente de outras pessoas ou animais;
- Não o exponha a uma situação para a qual ele não está preparado;
- Olhe no olho com frequência;
Sempre esteja atento a você mesma(o), à sua saúde mental e emocional e que tipo de vínculo está desenvolvendo com o animal. Amor é uma coisa, depositar todas as fichas no pet, é outra. Ele sente o peso.
A ansiedade afeta o cognitivo do animal, alterando como ele vê o mundo, como o interpreta e como elabora suas memórias. Os animais ansiosos interpretam estímulos ambíguos ou neutros como negativos. Para eles, o copo sempre está “meio vazio”, nunca no meio ou “meio cheio”.
É um estado de sofrimento. O animal ansioso interpreta quase tudo como uma possível ameaça, o que vai reforçando as vias neurais do medo e aumentando a dependência emocional, que então reforça a ansiedade, até ter uma perda total de controle do ambiente. É um círculo vicioso que se instala e evolui bem rápido.
Convido você a tomar a decisão de criar um pet autoconfiante, que explora o mundo do jeitinho dele, enquanto tem uma relação de amor incrível com você. Os pets vibram numa frequência altíssima, que alegra e cura o ambiente, mas só fazem isso quando estão plenos. Eles merecem estar plenos.
Comece pelo olho no olho, confie na capacidade dele e confie em você mesma(o) também. Vai ficar tudo bem.
Referências citadas:
Dowsett, E., Delfabbro, P, Chur-Hansen, A. Adult separation anxiety disorder: the human-animal bond. Journal of Affective Disorders, p.90-96. 2020.
Pereira, M., Lourenço, A., Lima, M. et al. Evaluation of mediating and moderating effects on the relationship between owners and dog’s anxiety: a tool to undestand a complex problem. Journal of Veterinary Behavior. 2021.