Cãoportamento

Por Paula Duarte

Médica-veterinária pela UFLA e Mestre em Ciência Animal pela USP. Professora das disciplinas de Etologia e Bem Estar Animal na USCS e Universidade Brasil


Sabemos muito sobre estereótipos, quando uma pessoa tem um certo tipo de corpo, um certo tipo de cabelo. Mas e estereotipia? E estereotipias em animais?

Podemos falar que uma estereotipia é um comportamento motor ou verbal, não direcionado a um objetivo, que se repete continuamente da mesma maneira durante um período e em várias ocasiões.

Sendo assim, em animais, temos o comportamento estereotipado, uma ação repetitiva, sem propósito aparente e sem funções óbvias, que frequentemente aparece em um bicho que está sob estresse, não prejudicial e altamente previsível, muitas vezes realizado de maneira específica e rítmica.

Estudos sugerem que os comportamentos estereotipados podem ser um mecanismo de enfrentamento de estresse  — Foto: Unsplash/ Creative Commons
Estudos sugerem que os comportamentos estereotipados podem ser um mecanismo de enfrentamento de estresse — Foto: Unsplash/ Creative Commons

Como saber se o cão está com alguma estereotipia?

Podemos dar vários exemplos de estereotipias. O ritmo estereotipado, por exemplo, é uma caminhada rítmica para um lado de um recinto, na qual o animal percorre esse lugar sempre da mesma maneira, parando sempre nos mesmos lugares. Pode ser um simples girar de cabeça ou um olhar imóvel para algum lugar durante um longo período em uma postura corporal congelada.

As estereotipias caninas geralmente não são tão óbvias quanto as de outras espécies, mas sua detecção pode ser facilitada ao assistir a gravações de câmeras e observar essas anormalidades comportamentais na ausência de humanos.

Temos também o comportamento estereotipado clássico de um animal enjaulado, andando de um lado para o outro na frente de sua gaiola com uma virada de cabeça em cada extremidade, conhecido como padrão locomotor.

Um animal também pode andar em uma determinada área, como em forma de oito ou círculo, pular no lugar, morder moscas imaginárias, correr ao longo de uma cerca, cavar, arranhar o chão, circular, girar ou não se mover (congelar).

As estereotipias podem ser divididas em quatro níveis, indo do primeiro ao quarto estágio dependendo do desenvolvimento do comportamento “não normal”.

  • Primeiro estágio: o animal em conflito, tanto mental, quanto físico, irá fazer muitas tentativas de fuga ou agressão;
  • Segundo estágio: imobilidade, como resultado da exaustão vinda do primeiro estágio;
  • Terceiro estágio: repetição dos comportamentos do primeiro estágio com maior intensidade;
  • Quarto estágio: o animal já desenvolveu um padrão específico e repetitivo, até perdendo sua orientação ao estímulo externo, ficando quase em um transe nesses movimentos repetitivos.

Cães alojados individualmente tendem a ser colocados em baias menores, que estão associadas a um comportamento estereotipado especifico de andar em círculos — Foto: Unsplash/ Creative Commons
Cães alojados individualmente tendem a ser colocados em baias menores, que estão associadas a um comportamento estereotipado especifico de andar em círculos — Foto: Unsplash/ Creative Commons

Conseguimos identificar os comportamentos que indicam uma estereotipia, mas como evitar que elas aconteçam?

Estudos sugerem que a adoção de tais comportamentos estereotipados pode ser um mecanismo de enfrentamento para lidar com o estresse, podendo, inclusive, ser por ambientes insatisfatórios, pelo menos quando desenvolvidos pela primeira vez. Pode existir uma predisposição genética para uma estereotipia particular, ou pelo menos uma menor tolerância a alguns estressores.

As estereotipias também podem representar um comportamento ritualizado mostrado em situações de conflito mental. Ainda não se sabe ao certo se elas são prejudiciais ou úteis, mas é consenso que, em primeiro lugar, elas não deveriam ser necessárias para o animal.

Teorias já foram propostas sobre por que as estereotipias se iniciam. As principais citam que elas podem ter início por uma hiperexcitação ou por uma falta de estímulo do ambiente. Outra linha de pesquisa cita que elas podem ter causas fisiopatológicas (genética) ou ligadas a vivências, essas ligadas a comportamentos iniciais ou ainda ao resultado de recompensas e aprendizados errados.

Embora os cães passem a maioria do dia descansando, eles necessitam de um espaço físico e social diversificado e estimulante. Ambientes domésticos que não satisfaçam suas necessidades podem gerar alterações fisiológicas e levar a um comportamento anormal à medida que o animal tenta se adaptar ao estresse.

Aparentemente, existem diferenças individuais nas respostas dos cães ao estresse e propensão a desenvolver comportamento anormal, embora quanto mais tempo os animais são mantidos em canis, maior a probabilidade de desenvolver estereotipias.

As diferenças individuais podem estar relacionadas às experiências dos cães durante seu desenvolvimento ou podem ser genéticas. Animais solitários são mais inativos, passivos e passam mais tempo em categorias de comportamento locomotor repetitivo não social do que aqueles alojados em grupo.

Cães alojados individualmente tendem a ser colocados em baias menores, que estão associadas a um comportamento estereotipado específico de andar em círculos ao invés de andar de um lado para o outro. É provável esta ação seja modificada pelo tamanho da baia e provavelmente representa uma tentativa de compensar o tédio.

Os cães devem ser alojados em grupos ou pares socialmente harmoniosos, a menos que razões maiores em casos de comprometimento do bem-estar, veterinárias ou científicas tornem isso impossível.

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Diagnosticada uma estereotipia, como posso ajudar o meu cão?

As estereotipias são difíceis de tratar porque são complicadas em suas essências e expressões. Não é apropriado proibir fisicamente o comportamento sem abordar a causa e fornecer terapia. Se os estímulos desencadeadores puderem ser identificados, será importante eliminá-los e dessensibilizar o cão a eles. O enriquecimento ambiental também é importante, incluindo maneiras e quantidades crescentes de exercícios, quebra-cabeças de comida e jogos com o tutor.

A criação de um temperamento estável e de baixa reatividade em conjunto com uma socialização e habituação adequadas deve ser o principal objetivo para melhorar a situação. Em casos extremos, médicos-veterinários podem entrar com remédios (alopáticos, homeopáticos ou florais) para tentar amenizar as estereotipias.

Comportamentos estereotipados devem ser considerados inaceitáveis e a situação deve ser tratada imediatamente, a partir do aconselhamento especializado sobre melhorias no ambiente dos animais, mudança de espaço, proporcionando mais socialização com humanos ou outros cães, conforme apropriado.

Assim, nem todos os comportamentos estereotipados podem ser tratados da mesma forma. Eles são um sinal clínico cujas razões exatas são desconhecidas. Por exemplo, o comportamento de perseguir/circular/girar com a cauda pode representar uma única manifestação de três ou mais causas.

Uma estereotipia pode progredir ou virar alguma doença?

Em algumas situações, uma estereotipia pode progredir para se tornar um transtorno obsessivo-compulsivo; no entanto, deve ser feita uma distinção entre as duas condições. Nem todas as estereotipias são condições obsessivo-compulsivas, e nem todos os comportamentos obsessivo-compulsivos são estereotipias.

A Associação Psiquiátrica Americana define uma obsessão como uma ideia, pensamento, impulso ou imagem persistente experimentada como intrusiva ou sem sentido. Já uma compulsão é um comportamento repetitivo, proposital e intencional realizado de forma estereotipada em resposta a uma obsessão.

Os comportamentos são considerados um método para lidar com o estresse, a frustração ou o conflito e, com o tempo, se transformam em compulsões. O comportamento compulsivo não é prazeroso; é apenas uma redução da ansiedade. Lembrando que essas definições são para os humanos, mas podemos extrapolar algumas delas para os animais e assim conseguir guiar o diagnóstico correto e seu tratamento adequado.

Cães border collies têm predisposição a ficar olhando sombras e caçando luzes — Foto: Pexels/ Brent Olson/ Creative Commons
Cães border collies têm predisposição a ficar olhando sombras e caçando luzes — Foto: Pexels/ Brent Olson/ Creative Commons

Alguns dados para conseguirmos entender um pouco mais sobre as estereotipias

Foram encontradas estereotipias significativas em quatro tipos diferentes de canil nos Estados Unidos, e em três dos locais cerca de 10% dos cães gastavam mais de 10% de seu tempo em tais comportamentos. Mesmo assim, a equipe de “cuidadores” não estava exatamente ciente do problema.

Algumas raças com estereotipias estudadas e recorrentes:

  • Border collie: ficar olhando sombras e caçando luzes.
  • Boiadeiro-australiano: perseguir a cauda.
  • Dobermann: ficar chupando objetos/coisas.
  • Bull terrier: girar em círculos, ficar parado, colocar somente a cabeça em baixo e no meio de objetos.
  • Pastor alemão: perseguir a cauda.
  • Schnauzer mini: congelamento e ficar se lambendo nas partes íntimas.
  • Staffordshire bull terrier: ficar girando e andando em círculos.

Esses são movimentos e comportamentos muito repetitivos e recorrentes. Sempre procure um médico-veterinário para orientação!

Retomando os pontos principais!

  • Todos os alojamentos devem ter como objetivo atender às necessidades físicas, fisiológicas, comportamentais e sociais de todos os cães alocados nele.
  • As estereotipias devem ser consideradas inaceitáveis e devem ser evitadas desde o início, em vez de corrigidas quando ocorrem.
  • O comportamento dos cães deve ser observado para detectar anormalidades, pois são sinais de mal-estar. O monitoramento remoto usando câmeras ou painéis de visualização unidirecionais pode ser útil para essa finalidade.
  • Se os cães desenvolverem anormalidades, as práticas de alojamento e manejo devem ser examinadas e alteradas para tais comportamentos serem eliminados.
  • Recomenda-se alojar cães em grupos ou pares socialmente compatíveis para reduzir o comportamento anormal.
  • Deve-se tomar cuidado para não reproduzir animais que apresentem comportamento ou estereotipias anormais marcantes e/ou persistentes.

Esse texto contou com a colaboração de Stephanie Wirts Braga; acadêmica do curso de Medicina Veterinária da Universidade de São Caetano do Sul (USCS).

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