Chef Morena Leite comemora quarenta anos do Capim Santo e expande marca em SP
Cozinheira levanta a bandeira da culinária brasileira mundo afora
O cenário parecia uma Macondo de Gabriel García Márquez em sua obra-prima Cem Anos de Solidão (que acaba de ganhar uma série na Net-Felix). Trancoso no fim dos anos 70 era uma aldeia muito simples, sem recursos. Nascidos no interior de São Paulo, Sandra Marques e Nando Leite chegaram ali com uma certeza: queriam ter uma vida saudável e longe da cidade grande
“Nosso propósito era mudar, fugir de um esquema preestabelecido”, afirma Sandra, sócia-fundadora do Capim Santo, ao lado do ex-marido, Nando. Eles chegaram ali em 1978. Em 1980, nasce a primeira filha do casal, batizada de Morena, nome inspirado em Moreno Veloso, filho de Caetano.
Arquiteta, Sandra não sabia muito bem o que faria para sobreviver naquela aldeia paradisíaca, mas foi seguindo sua intuição. Ela, que sempre gostou de cozinhar, logo abriu uma “portinha”, a primeira do Quadrado, em sua própria casa, servindo pratos do dia, os famosos pê-efes. Já era, na época, entusiasta da cozinha macrobiótica e da antroposofia (introduzida no início do século XX pelo austríaco Rudolf Steiner).
Depois de receber Fernando Gabeira (um dos primeiros clientes) e Caetano Veloso para comer ali, e arrancar suspiros de seus clientes, Sandra foi se encorajando no negócio e, em janeiro de 1985, criou com Nando o Capim Santo. Esse é o começo de uma linda construção que agora completa quarenta anos.
Se parecia mais uma história hippie, está comprovado que não. “Nossa família nos perguntava: como vocês vão criar os filhos neste mato”, diverte-se Sandra. Pergunto qual a receita do sucesso dessa trajetória familiar. “O nosso tripé: autenticidade, simplicidade e hospitalidade. Eu sempre amei receber em minha casa e fazer com que o outro se sinta bem. Nunca me considerei uma chef, sou uma cozinheira intuitiva”, afirma.
“Hoje, com a Morena, a operação está muito moderna, mas aqui em Trancoso ainda é uma casinha de pescador, com uma operação naïf, que dá suporte para nossos filhos (Morena e Marcel) voarem. São quarenta anos de jardim, de comida e de pessoas.”
Morena, 44, revela que desde pequena era muito curiosa e queria desbravar o mundo, conhecer pessoas. “Eu vivia de mesa em mesa na pousada entrevistando os clientes”, conta. Sonhava em fazer relações internacionais, diplomacia, o que, de fato, acabou fazendo com sua cozinha, que a leva a viajar o mundo, conhecer e servir chefes de Estado e representar o país como uma verdadeira embaixadora da cozinha brasileira.
Sua história com a gastronomia começa oficialmente aos 15 anos, quando vai estudar na clássica escola Le Cordon Bleu, na França. O Capim chega a São Paulo em 1998, na Vila Madalena, época em que Morena estudava em Paris. Ela se forma em 1999, retorna para a capital e, nos anos 2000, começa a trabalhar no restaurante.
“Ganhei uma Ferrari para pilotar, com toda a construção de meus pais.” Quando nova, ela tinha questões para comer. Não provava de tudo e conta que o irmão, Marcel, era mais “alquimista”, puxando a mãe. Aos poucos, foi amadurecendo e se desenvolvendo. “Eu cresci no quintal pegando goiaba, jaca e indo vender na rua, gostava do comércio e da comunicação”, descreve.
De tão comunicativa, Morena fundou um jornal local, Folha de Trancoso, em que fazia entrevistas e o artista plástico Damião Vieira ilustrava — muito requisitado, a fila de espera para encomendas de seu trabalho é grande. “Eu trabalho lentamente e não dou conta de produzir na velocidade que as pessoas querem. Sou artista baiano”, brinca, sorrindo.
Por falar em velocidade, Morena não para. Já viveu em Paris, Cambridge, Londres, Bali, Nova York e Alter do Chão. “Ela é um meteoro”, define Sandra. “Eu não sei pra onde ela vai, só vejo o rastro de fogo dela. Antes, isso me dava medo e ansiedade, preocupação com sua saúde. Mas hoje entendi que ela é extremamente capaz no que ela faz e se propõe a fazer.”
Sandra admira-se que a filha não se intimida diante de operações gigantescas, como o Rock in Rio, por exemplo, que atendeu 7 000 pessoas por dia. “Ela tem muita segurança.”
Temos uma ligação de alma, parece mesmo de outras vidas. Estar com ela é muito prazeroso. Morena é pulsante,
Mariana Ximenes, atriz e comadre
desbravadora, estar com ela me completa.
Morena é uma mulher excepcional. Foi um desafio e uma delícia escrever Terapia na
Arthur Guerra, médico psiquiatra
Cozinha com ela porque
os pensamentos sempre estão a mil.
Cuido das viagens da Morena
Patrícia Nunes, proprietária da agência Casarão Viagens
há muitos anos e é sempre
um desafio. Ela tem uma
agenda muito apertada, mas
nunca mede esforços para
estar nos compromissos
profissionais e familiares.
Trabalho há 26 anos com
Flavio Dias, chefe-geral do restaurante Capim Santo
a Morena no Capim Santo.
Ela me descobriu, me
formou líder e me mostrou
que cozinhar é acolher e
servir. Tenho muito orgulho
de trabalhar com ela.
Recentemente, serviu chefes de Estado no G20, como Biden e Lula — ela tem um exército de pessoas fiéis. “Eu amo o que faço. Procuro ser justa e correta. Mostro para todo mundo que é possível, jogo luz.”
Mãe da Manuela, 15, da Julia, 5, e da enteada Duda, 25, comanda três operações do Capim em São Paulo, refeitórios em empresas, o Instituto Capim Santo e 500 funcionários. “Me sinto uma maestra orquestrando tudo”, diz.
Dada sua rotina, acaba dormindo pouco. “Eu descanso no avião. É quando consigo me desconectar, escrever e estar comigo”, revela. Muito obstinada, Morena segue firme na história criada por seus pais e expandida por ela. “Quero mostrar um Brasil colorido, culto, organizado”, afirma.
*Colaborou Luana Machado
Publicado em VEJA São Paulo de 19 de dezembro de 2024, edição nº 2925