Lula e a lei de Hemingway
Lula terá uma colheita amarga em 2025 e o rearranjo do governo passa por reforçar Haddad
Um Lula da Silva sorridente surgiu na sexta-feira à tarde (20), na biblioteca do Palácio da Alvorada, em Brasília, para num vídeo de dois minutos saudar o novo presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Ao lado de Galípolo, Fernando Haddad, Rui Costa e Simone Tebet, Lula afirmou “que jamais haverá, por parte da Presidência, qualquer interferência no trabalho que você tem que fazer no Banco Central”. A declaração, a primeira do presidente depois de retornar a Brasília após dias internado em São Paulo, teve efeito imediato no dólar e nos juros futuros num dia de pouca negociação.
Lula também disse que o governo havia tomado “as medidas necessárias para proteger a nova regra fiscal e seguiremos atentos à necessidade de novas medidas”, confirmando uma declaração feita pela manhã por Haddad que havia deixado aberta a porta de novos ajustes de gastos.
Lula foi convencido por Galípolo e Haddad a baixar o tom de suas declarações depois de uma carnificina.
No domingo à noite (15), em entrevista ao Fantástico, o presidente negou que o país tivesse um problema fiscal e que “a única coisa errada é a taxa de juros” (as mesmas que Galípolo se comprometeu a levar a 14,15% até março), o Congresso piorou em muito o pacote fiscal, o dólar ultrapassou os 6,30 reais, a Secretaria do Tesouro Nacional trocou os pés pelas mãos na venda de títulos, e o Banco Central gastou 14 bilhões de dólares das reservas para dar saída ao mercado financeiro. As perspectivas para 2025 estão contaminadas.
O grau de desconfiança em relação ao governo Lula é exemplificado por duas conversas que tive com executivos de bancos estrangeiros. Pela primeira vez neste século eles perguntavam sobre a possibilidade de controle de capitais, uma daquelas ideias que morreram no governo Lula 1, quando Henrique Meirelles iniciou a política de reservas internacionais.
Pelo raciocínio dos estrangeiros, o governo Lula entrou num modo eleitoral que vai gerar gasto desenfreado, inflação e mais pressão sobre o câmbio até um ponto que seria insuportável ao governo, que poderia ser uma cotação de 7 reais ou 10 reais por dólar, dependendo do interlocutor. Neste momento, Lula decidiria por um controle de capitais. Para antecipar serem capturados nesse cenário, esses investidores preferiam sair do Brasil.
O raciocínio tem muitos “ses”, mas o simples fato de o cenário estar sendo considerado na tomada de decisão de fundos com bilhões de dólares no Brasil é revelador de como o governo Lula perdeu credibilidade nesse último mês. Não será uma declaração correta do presidente que irá mudar isso.
Faltam fatos. Quando Lula encomendou a Haddad um pacote de ajuste de despesas públicas, em setembro, a perspectiva era de um 2025 ok. Depois do pior erro dos seus dois de gestão no anúncio do pacote, Lula terá um ano de colheita como ele diz, de uma safra amarga: mais inflação, juros e desemprego, uma crise de crédito asfixiando as empresas e um rompimento com a elite comparável ao de Bolsonaro na pandemia.Nessas últimas semanas, Lula deixou de ser favorito para a eleição de 2026 e é uma incógnita sobre como irá reagir a uma queda real de popularidade.
Hoje a única tática do time do governo é jogar a bola para Galípolo, contando que o fanático torcedor do Palmeiras incorpore a sinuosidade do drible do jovem atacante Estevão. Depois da alta de 3 pontos nos juros e os leilões desta semana, Galípolo se confirmou como a única âncora crível da economia. Há limites, contudo, até onde Galípolo e os juros em Saturno podem garantir uma nova ancoragem das expectativas com o Brasil, em parte porque a alta da Selic termina aumentando a dívida pública, justamente o cerne das desconfianças. Na sexta-feira, a agência de risco Fitch divulgou relatório explicativo:
“Os anúncios (do pacote fiscal com isenção de impostos) agravaram, em vez de aliviar, as preocupações do mercado em relação às finanças públicas e destacam a resistência política a um esforço de consolidação mais incisivo, resistência essa que pode se intensificar antes do ciclo eleitoral de 2026. (…) No entanto, uma política monetária ultracontracionista (por parte do Banco Central), na ausência de uma forte ancoragem fiscal, pode aumentar os desafios fiscais. Taxas de juros mais altas elevarão imediatamente os custos com juros, já que metade da dívida do Brasil está atrelada à Selic, impactando assim o déficit fiscal nominal. Como resultado, agora projetamos que a relação dívida/PIB suba 4 pontos percentuais ao ano, passando de 77,3% em 2024 para 85% em 2026. Isso se compara ao aumento de 3 pontos percentuais que projetamos em junho de 2024, quando reafirmamos o rating ‘BB’/Estável do Brasil. O aperto monetário pode agravar as pressões e incertezas fiscais que pretende compensar, diminuindo sua eficácia na ancoragem da confiança”.
O rearranjo do governo Lula passa por delegar a Haddad a agenda econômica, uma decisão difícil para um político que quando é confrontado por um assessor responde: “Quantos votos você teve na última eleição?”. Lula teve 60 milhões, mas para repetir essa mesma votação vai ter de mudar. Ou como na lei de Hemingway vai quebrar gradualmente e, então, de repente.