A blindagem de Galípolo
Decisão do Copom de estender aumento dos juros para 2025 preserva novo presidente do BC de críticas do governo Lula
Desde a transição de governo entre FHC e Lula, em 2002, não se via um processo tão eficiente de passagem de poder quanto o de Roberto Campos Neto para Gabriel Galípolo no comando do Banco Central. Na quarta-feira, dia 11, a última reunião do Comitê de Política Econômica (Copom) da gestão Campos Neto, indicado por Bolsonaro, aumentou os juros em 1 ponto percentual e prometeu outros 2 pontos em alta em janeiro e março, quando Galípolo, nomeado por Lula, já terá assumido. Para além do debate sobre a dimensão dessa alta de juros, a postura de continuidade de uma gestão para a outra mostrou que o BC passou no teste da independência.
Campos Neto e Galípolo pertencem a escolas econômicas diferentes, adotam estilos distintos e tiveram tropeções quando começaram a trabalhar juntos em agosto do ano passado. A desastrada decisão do Copom de maio, quando os indicados por Bolsonaro e os de Lula votaram uns contra os outros, mudou a relação. Ambos passaram a trabalhar para recuperar a unidade e preservar o papel do BC como entidade não partidária.
Num período de desancoragem das expectativas, ter uma transição suave no BC é uma bênção. Por meses, o mercado financeiro tinha a divisão da instituição como um dos maiores fatores de risco, e semanas atrás o ministro da Casa Civil, Rui Costa, falava em “o nosso BC” quando se referia à mudança que esperava com a posse de Galípolo. A indicação do economista Nilton David como novo diretor de política monetária foi um sinal prático de que a gestão Galípolo não será a imaginada por Rui Costa. A decisão de que o BC majoritariamente lulista vai levar a Selic a, no mínimo, 14,25% em março acabou com qualquer ilusão.
No domingo, na sua primeira entrevista exclusiva depois da alta hospitalar, o presidente Lula da Silva voltou a bater nos juros. “A única coisa errada nesse país é a taxa de juros, está acima de 12%. Essa é a coisa errada, não há nenhuma explicação. A inflação está quatro e pouco, é uma inflação totalmente controlada. A irresponsabilidade é de quem aumenta a taxa de juros todo dia, não é do governo federal”, afirmou. Será curioso observar como Lula e o PT vão lidar com as altas de juros a partir do ano que vem, quando elas serão assinadas por sete diretores indicados pelo atual governo.
A transição pacífica no BC dá a Galípolo a blindagem para começar sua gestão com dois aumentos expressivos de juros previamente anunciados. Diante disso, a pressão do governo deve vir de duas frentes. A mais óbvia é o dólar. A segunda será a liberação dos empréstimos compulsórios dos bancos, que daria fôlego para o crédito e, indiretamente, prejudicaria o esforço do BC em segurar a economia.
Na quinta, sexta e nesta segunda-feira, o BC fez leilões com contrato de recompra (chamado de leilão de linha) com resultados pífios. A cotação caiu e logo depois retomou o mesmo lugar. Embora parte do mercado tenha interpretado a série de leilões na casa dos 7 bilhões de dólares como uma intervenção, o montante ridiculamente baixo para se obter um resultado efetivo indica uma operação sazonal. Dezembro é historicamente o mês com maior saída de dólares e, diante das circunstâncias, este ano está sendo pior que os anteriores.
Haverá com certeza pressões gigantes para que a gestão Galípolo intervenha no câmbio, mas o que está ocorrendo agora parece ser apenas uma ação para evitar disfuncionalidades no mercado.
Durante décadas, o dólar serviu de termômetro para Brasília aferir a saúde da economia. O governo FHC 2 terminou antes de começar em janeiro de 1999 com a desastrada mudança da política cambial, quando o dólar explodiu 87% em duas semanas. O mandato Dilma 2 estava condenado já no final de 2015, quando o real se desvalorizou 49%. Em julho deste ano, a política econômica do governo Lula 3 mudou de direção quando o dólar bateu os 5,70 reais e foram decretados os bloqueios de gastos que permitiram cumprir a meta de déficit. Mas desde que o pacote fiscal foi anunciado, três semanas atrás, o dólar saltou de 5,80 reais para 6,05 reais, e a reação de Brasília é um grande nada. O termômetro quebrou.
Brasília se acostumou nesses últimos dias a um patamar de dólar acima de 6 reais como parte da decoração de Natal, sem os usuais temores do efeito da alta na inflação. No fim de semana passado, por muito pouco o PT não aprovou uma resolução de negacionismo financeiro contra o pacote fiscal. Os bolsonaristas, por sua vez, passam os dias falando apenas com o seu cercadinho e votando a favor de mais armas nas ruas e menos abortos legais nos hospitais. O Centrão está ocupado chantageando o governo por mais emendas sem fiscalização. O presidente do STF, Roberto Barroso, abusou da inteligência alheia ao dizer que a Justiça não tem responsabilidade na crise fiscal. Parte do governo está de fato preocupada com a possibilidade de um 2025 de juros altos, inflação de alimentos e queda no PIB, mas a maior parte dos ministros se preocupa mais em manter os seus empregos numa futura reforma ministerial. Só restou o Banco Central como ilha de sanidade em Brasília.