Em qualquer mês do ano, as longas filas de viajantes do lado de fora das salas VIP dos aeroportos se tornam cada vez mais comuns, situação que se agrava na alta estação. A maioria dos 22 espaços do Aeroporto de Guarulhos, o maior do país, enfrenta o problema, tornando a experiência bem diferente do que os passageiros imaginavam ou daquilo que os bancos e bandeiras de cartões prometem como um benefício exclusivo, só para clientes importantes.
As instituições financeiras e até mesmo as companhias aéreas estão a par do aborrecimento e vêm buscando soluções para amenizá-lo. Com a maior procura e alto volume de passageiros elegíveis ao benefício, as empresas adotaram medidas que vão desde a redução do tempo de permanência da sala à abertura de novos espaços, para um público mais seleto. É como se houvesse um nível acima do VIP.
Gabriel Dias, fundador do site Cartões, Milhas e Viagens e especialista em salas VIP, frequenta esses espaços há mais de 20 anos. Ele lembra que o fenômeno das filas e lotação das salas se intensificou após a pandemia, fruto de um desejo reprimido de viagem somado a uma oferta maior dos cartões de crédito.
"Hoje, não basta ter acesso, é preciso ter a sorte para conseguir acessar. Diante disso, já existem até salas que permitem reserva de lugar. Você precisa fazer um agendamento e elas cobram US$ 5 por pessoa por este novo serviço. Com as lotações, foram criadas mais salas. O VIP do VIP é um fenômeno que começou em 2023", diz.
Segundo ele, anos atrás, as salas VIP começaram bem exclusivas. Em um determinado momento, antes mesmo da pandemia, algumas até começaram a fechar. Mas o mercado foi reaquecendo e chegou ao auge em 2022 e 2023, com a abertura de muito mais espaços. Entre 2020 e 2023, o número de lounges em Guarulhos dobrou.
Novas, ampliadas e mais exclusivas ainda
Apesar de já dar acesso a inúmeras salas por meio de parcerias do programa Visa Airport Companion, a Visa abriu o primeiro lounge próprio no mundo em outubro de 2022. Guarulhos foi o local eleito para o experimento. Além do buffet, a experiência inclui espaço para crianças, concierge, drink exclusivo da marca e banho para clientes Visa Infinite elegíveis (depende do banco emissor).
De acordo com Gabriela Buckup, gerente de soluções da Visa do Brasil, ao criar o espaço, a proposta era de que ele não teria filas. Na prática, no entanto, isso não acontece. É recorrente ver clientes à espera de um lugar. Há quem reclame até que nunca conseguiu usufruir do benefício, por falta de vagas, mesmo tendo aderido ao cartão somente com esta finalidade.
Com pouco mais de um ano da inauguração, a bandeira já anunciou que irá expandir o espaço físico em 40% este ano. "Nós queremos oferecer a melhor experiência para os nossos públicos específicos e suas particularidades", afirma a executiva. O foco é zerar a fila de uma vez por todas.
A Mastercard possui hoje três salas próprias no Terminal 3 de Guarulhos. Além disso, oferece entrada a outras 1.400 salas mundo afora, por meio de uma parceria com a empresa de salas VIP, LoungeKey.
"A sala VIP é o benefício de maior destaque durante a experiência de viagem, de acordo com uma pesquisa recente encomendada pela Mastercard. O benefício está ligado a experiências importantes para aquele público consumidor: viagem e gastronomia, para além do conforto e conveniência", afirma Ana Karina Scarlato, vice-presidente de Produtos e Inovação da Mastercard Brasil.
Recentemente, a empresa já havia realizado reformas para ampliar a capacidade de atendimento. O quadro de funcionários também cresceu, com uma escala reforçada para atuar nos horários de pico - fim de tarde e noite, quando ocorrem a maioria dos voos internacionais. O serviço é self-service e tem opções de bebidas diversas, até mesmo alcoólicas. Quem trabalha no local diz que o maior desafio é conseguir recolher a louça e manter o espaço sempre adequado e agradável.
"Pensando em oferecer cada vez mais conforto aos nossos clientes e, dada a tendência no aumento de viagens internacionais e demandas por salas VIP, a Mastercard lançou a sua terceira sala do Aeroporto de Guarulhos: a The Club by Mastercard Black. Com ela, queremos oferecer uma experiência ainda mais aprimorada", completa a executiva.
O novo espaço da Mastercard conta com garçons, mesa posta, pedidos à la carte, vista para a pista de pouso e é reservado a um grupo seleto, bem mais restrito, que possui os cartões mais prestigiados dos bancos emissores e que tenham bom relacionamento com a instituição.
Ao perceber o aumento da demanda pelo uso de salas VIP e a situação de desconforto, o banco digital C6 adotou estratégia de incrementar o benefício. Além das salas da Mastercard, os clientes Carbon têm ainda acesso a mais um espaço só deles, no segundo piso da W Premium Lounge - The Pier no Terminal 3 de GRU. Eles também podem passar na frente, sem enfrentar filas.
"Damos esse benefício para não quer usar as salas tradicionais que costumam ficar lotadas. O mezanino é exclusivo para C6 e a primeira classe da Airfrance/KLM. É um lounge com cara mais VIP e mais exclusiva", afirma Maxnaun Gutierrez, responsável pela área de produtos do C6 Bank. Clientes com mais de R$ 1 milhão em investimentos têm acessos ilimitados, mas a maioria conta com até 4 passes por ano e, segundo o executivo, costuma consumir todos eles.
Gutierrez explica que, para o banco, faz todo sentido investir nesse tipo de produto, porque ele é altamente valorizado pelos brasileiros. Ele destaca ainda que o C6, que possui uma conta global, tem focado no segmento de viagem e que as salas são um diferencial importante na decisão dos clientes.
"Manter a vantagem é caro para o banco, porque cada acesso custa US$ 35. Mas não ter isso é estar fora do mercado. O principal desafio é garantir que o cliente use o cartão não só pela sala VIP, até porque o valor da anuidade já nem cobre o investimento", explica.
A Nomad, fintech voltada para conta em dólar e investimentos no exterior, também se posicionou ao abrir a própria sala, já perto dos portões de embarque. Ela é exclusiva aos clientes com investimentos e o número de entradas depende da categoria de cada um.
O espaço tem o intuito de oferecer conforto ao cliente, mas também serve como letreiro da marca, para quem passa pelo terminal internacional, ou seja, os consumidores em potencial. Qualquer pessoa pode usufruir de um espaço do lado de fora da sala e receber mais informações sobre a empresa.
"Fizemos um lounge com a nossa cara e estamos sempre atentos às demandas dos clientes. Aqueles que possuem nível 4 e 5 têm acesso ilimitado. Nosso espaço é diferenciado, sem filas nem lotação, tem até uma estação de milkshakes", comenta Eduardo Baer, diretor de operações da Nomad.
Outras estratégias
Ainda na tentativa de desafogar as salas VIPs, alguns cartões dão a possibilidade de trocar um acesso por uma refeição em restaurantes conveniados. É uma maneira de oferecer uma experiência gastronômica e relaxante longe das filas e lotação dos lounges tradicionais. Normalmente, é oferecido um crédito de US$ 28 para gastar em locais como o Paris 6, em Guarulhos.
Muitos espaços optaram por mudanças nas regras de uso, como restrição do tempo de permanência da sala, antes ilimitado, para até três horas. A ideia é dar vazão à quantidade de frequentadores e garantir a circulação de pessoas. Outra atualização é que só podem entrar clientes com voo para dali a 4 horas ou menos, algo visto na maioria dos espaços.
No caso do Espaço do Safra, que assumiu o controle da antiga sala da Star Alliance, quem tem passes de sala VIP, como Priority Pass, até podem usar a sala, mas em horários reduzidos, longe do pico de procura por clientes do banco.
Chuva de cartões
O uso de salas VIP em aeroportos pelo mundo foi inicialmente pensado para abrigar passageiros de elite que fazem viagens recorrentes ou executivos que estão sempre de um lado para outro. Costumavam ser reservadas aos clientes de companhias aéreas com um volume enorme de milhas e viajantes de primeira classe. Era (e ainda é) uma forma de recompensa pela fidelidade.
Este mimo passou a ser oferecido cada vez mais como uma vantagem para clientes private, premium, luxo, black, platinum, gold ou qualquer outro nome sinônimo de alta e altíssima renda de bancos e cartões de crédito, viajantes frequentes ou nem tanto.
Com mais bancos e corretoras operando no Brasil, cada um tenta uma gama de estratégias para atrair clientes e o benefício de um lugar aconchegante no aeroporto, com bebida e comida no pacote tem um apelo interessante para muita gente, inclusive a classe média.
"Ficou mais fácil ter um cartão com acesso às salas VIP. Alguns bancos sequer pedem comprovante de renda. Essa facilidade aumentou o número de cartões no mercado e consequentemente, o número de pessoas nas salas VIP", afirma Gabriel.
Em alguns casos, é possível ter acesso pagando anuidades de pouco mais de R$ 1 mil ou investindo R$ 5 mil em produtos de renda fixa. Mesmo quem nem é cliente consegue um passe para as salas, por meio de cartão adicional de um titular elegível ao benefício.