Por Hugo Daniel Azevedo

Consultor de investimentos e sócio da MFS Capital

Cadê meu token?

A utilidade do blockchain passa pelo potencial de eliminação dos intermediários e, por conseguinte, do custo transacional. O outro lado da moeda seria o de permitir o acesso massificado e pulverizado de investidores a diferentes tipos de ativos. Exemplos não faltam: precatórios, direitos creditórios e dívida corporativa são alguns

São Paulo


Não é novidade para ninguém que os brasileiros adoram uma aposta. Dados oficiais de uma pesquisa feita pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades de Mercado), mostram que 14% da população (cerca de 22 milhões de pessoas) fez ao menos uma aposta on-line em 2023, enquanto somente 2% investiu diretamente em ações da B3. Só este dado já traz uma informação relevante sobre o comportamento do indivíduo médio. Mas vamos deixar de lado, por hora, os temas de investimento em ações e apostas on-line, pelo menos nas bets. Vamos falar de outro tipo de aposta: o das moedas digitais.

Segundo o mesmo estudo, 4% da população ‘investiu’ em 2023. As aspas são propositais pois não se pode chamar o fato de se enviar um pix para uma corretora e comprar moedas digitais de investimento pois neste caso, diferente de uma moeda comum, as digitais ainda não possuem os três requisitos básicos necessários: a) servir como meio de troca (apesar dos esforços de entidades privadas e dos bancos centrais, com suas CBDCs (Central Bank Digital Coins), ainda é muito custoso e penoso realizar transações em moedas digitais); b) unidade de conta (ora, ainda não encontramos na prateleira do supermercado os preços em bitcoins) e c) reserva de valor.

Este último item pode levantar discussões acaloradas, uma vez que podemos encontrar argumentos que digam que sim, o bitcoin por exemplo, é uma reserva de valor e também que não o é. Bom, eu estou mais do lado de quem diz que não é, pois, para ser considerado uma reserva de valor minimamente uma moeda deveria ter uma relativa estabilidade no seu valor, ou seja, não deve sofrer grandes flutuações inflacionárias ou deflacionárias que corroam seu poder de compra. Além de ser amplamente aceita e reconhecida como uma forma de preservar riqueza e deveria oferecer uma forma de proteção contra a inflação, o que não é o caso pois não existe ainda o pagamento de juros por empréstimos de bitcoins.

Independente de uma ou outra opinião, e do que será o futuro de moedas digitais não centralizadas, sou partidário da adoção de CBDCs (Central Bank Digital Coins) e de forma irrefutável, entendo que a tecnologia de blockchain pode sim ser útil ao mercado de investimentos através da tokenização

Esta utilidade do blockchain perpassa claro pelo potencial de eliminação (ou uma diminuição parcial pelo menos), dos intermediários e, por conseguinte, do custo transacional, mas esse cenário, se comprovado na vida real, ainda levará um tempo. O outro lado da moeda seria o de permitir o acesso massificado e pulverizado de investidores a diferentes tipos de ativos conhecidos e que ainda serão desenvolvidos. E exemplos interessantes não faltam: precatórios, direitos creditórios e dívida corporativa são apenas três deles.

Já em prática no mercado em diferentes corretoras e empresas do meio, estes tipos de investimentos têm sido classificados como ‘renda fixa digital’ (aspas também propositais). E é nisso que mora o perigo, assim como mora o perigo do COE que, no fim das contas, não tem nenhum problema no seu cerne como produto e sim na forma como é vendido e comprado, sem o devido conhecimento dos aspectos e complexidade que estão por trás do produto, tanto por quem é pago pra vender quanto por quem investe.

Nenhum deles pode ser considerado uma renda fixa líquida e certa. Aspectos como risco de crédito, mercado e especialmente liquidez são inerentes aos produtos costumeiros e conhecidos e isso não é diferente no caso dos ativos tokenizados com o adicional do que chamo de complexidade de bastidores.

Claro que vantagens existem e não só do ponto de vista do investidor, como o potencial de retorno maior, a possibilidade de pode comprar ativos em quantidades ínfimas e talvez até em esquemas ininterruptos de negociação, mas também do lado do vendedor ou emissor (a depender do caso). Podemos pensar tanto em menores custos transacionais, como já mencionado, mas também em volumes menores de emissão e um mercado secundário mais líquido e flexível. Mas tudo isso ainda vai levar um tempo.

Portanto, ao pensar em investir em moedas digitais, ou mesmo ativos tokenizados de uma forma geral, como diria o árbitro, a regra é clara: esteja ciente dos riscos e da complexidade desses produtos. Usando os exemplos mencionados neste artigo, entender o que são e como funcionam os mercados de precatórios, recebíveis de cartão e títulos de dívida corporativa como debêntures, CRIs e CRAs já é um bom começo.

Hugo Daniel Azevedo é consultor de investimentos e sócio da MFS Capital

e-mail: hd@mfscapital.com.br

Hugo Daniel Azevedo — Foto: Arte/Valor
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