Colunas de Hugo Daniel Azevedo

Por Hugo Daniel Azevedo

Consultor de investimentos e sócio da MFS Capital

São Paulo


No meu ranking pessoal de importância, a física fica apenas atrás da matemática e da química e, por isso, seria natural que eu me interessasse em ler livros sobre a história da física. Na minha biblioteca pessoal tem um que se destaca, é o “El Libro de la Física” (1), em que o autor apresenta os duzentos e cinquenta maiores feitos da história desta ciência.

Desses feitos, vou usar um de 2008, quando pesquisadores da Universidade Rice, do Texas, e do Instituto Politécnico Rensselaer, de Nova York, estudaram e construíram uma espécie de invólucro de nanotubos de carbono, que refletiriam somente 0,045% de toda a luz branca. Ou seja, a cor negra refletida por camada seria a mais negra descoberta na história (2).

Usando este conceito como pano de fundo, questiono o quanto uma crise - originada por um "cisne negro (3)" – pode, analogamente ao conceito acima, absorver de luz, leia-se, de nossos recursos econômicos e de nossa saúde física e mental. Em suma, questiono o quão negro pode ser um cisne.

Vivemos tempos complicados. A cada dia nos deparamos com novidades em termos que estão longe de serem agradáveis em termos de comportamento, cultura, clima e condições econômicas. Há quatro anos fomos pegos (todos!) de surpresa por um vírus que fez com que todas os/as PROs (profissionais, projetos e projeções) de qualquer área simplesmente se desmantelassem. Sem hesitar, podemos dizer que, em todos os níveis, os agentes econômicos ficaram atônitos e sem um poder de reação à altura a curto prazo. Eu me questiono o quão estupefatos ainda podemos ficar com acontecimentos que virão, como novas doenças, mudanças climáticas, guerras, etc.

Até onde minha ignorância em assuntos como infectologia, clima e relações internacionais vai, de tudo que leio, não há até o momento certeza em meu consciente sobre nosso futuro e tudo que posso pensar agora é na palavra volatilidade.

Com isso eu quero dizer que estou pessimista? Não! Prefiro dizer que estou realista, realista pelo fato de ver que deveríamos buscar o conceito “back to basics”. Em outras palavras, é tempo e momento de buscar aquela antiga receita de bolo de finanças pessoais, que vale, de certa forma, também para os negócios e em especial no Brasil, para os micro e pequenos empresários.

A receita a que me refiro, apesar de simples, é desconhecida de boa parte da população. Temos um país com uma taxa de poupança na casa dos 15%, que é praticamente a metade da de outros países emergentes, como Rússia e Índia, e um terço da taxa da China. Com isso, torna-se latente nossa incapacidade, seja no governo, nas empresas ou nas famílias, de conseguir: 1) fazer um planejamento financeiro eficiente; 2) equilibrar as contas, tendo minimamente fluxos de caixa positivos e negativos equalizados e, com isso; 3) conseguir montar uma reserva de emergência para depois; 4) ter capacidade de investimento. Importante dizer que mesmo que os ingredientes dessa receita sejam conhecidos, nós, como homo sapiens e não como homo economicus, teimamos em não executá-la.

O meu realismo se impõe pela incerteza. Como se diz por aí, “canja de galinha não faz mal a ninguém”. O problema é que para degustar a canja, preciso antes saber em que horário eu quero comer, planejar o preparo, comprar os insumos e, para isso, preciso fazer uma listagem, ir até o mercado e ter dinheiro (ou crédito) para pagar. Enfim, preciso me planejar. Mas, afinal, para que serve o planejamento se tudo está tão incerto, e as coisas podem não sair – e provavelmente não sairão – como o esperado? Ora, como sempre digo, o planejamento serve exatamente para quando ele não dá certo. Fica mais fácil ter um plano B.

O grau de diferença do plano B para o plano A depende de quão branco ou negro for o "cisne" do vírus. Como já disse, não sabemos - e quem disser que tem certeza, está, em minha humilde opinião, assumindo um risco proporcional ao tom de cinza no qual chegaremos.

Há mais de 20 anos escrevi um e-mail dizendo a uma pessoa que nada no mundo ou na vida é feito somente de branco ou preto, mas sim de tons de cinza. As circunstâncias atuais corroboram este dogma. Estejamos cientes de que vamos ter um futuro diferente do presente, um futuro no qual tenho a fé de que o mundo saia melhor, que saiamos melhores, não como cientistas, profissionais, famílias, etc, mas simplesmente como seres humanos.

Indubitavelmente, veremos a luz de novo, mas saibamos que, ao nos depararmos com a luz, teremos que aprender a lidar com o mundo a ser refletido então, um mundo em que saibamos lidar não somente com comprimentos de onda acima de 1000 ou abaixo de 200 nanômetros, mas sim na infinidade de tons na mistura do que é branco ou negro e, para isso, precisamos ter planos, não A ou B, mas talvez para todo o alfabeto.

(1) Autoria de Clifford Pickover, Ed. Librero, 2012.

(2) Para quem não se recorda das aulas do ensino médio, todo material produzido pelo ser humano reflete minimamente uma fração da luz branca, e isso significa que mesmo os materiais em negro que enxergamos não são perfeitamente negros.

(3) expressão utilizada para se referir a eventos totalmente imprevisíveis, mas que possuem alto impacto nos mercados.

Hugo Daniel Azevedo é consultor de investimentos e sócio da MFS Capital

Hugo Daniel Azevedo — Foto: Arte/Valor
Hugo Daniel Azevedo — Foto: Arte/Valor
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