A chegada ao mercado livre de companhias com demanda de alta tensão inferior a 500 kilowatts (kW) deu um papel de destaque para pequenas e médias empresas (PMEs). Segundo dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), o segmento respondeu por 77% das 21 mil novas unidades de consumo (UCs) registradas de janeiro a novembro. Como comparação, em 2023 houve a migração de 7.400 empresas. “Até o fim do ano, a perspectiva de migração alcança até 28 mil novas unidades”, afirma André Felber, diretor-técnico da plataforma de dados ePower Bay. Com o acréscimo, o volume somado no ano corresponde a 1.671 megawatts médios (MWm), ante cerca de 500 MWm negociados em 2023.
O principal atrativo para as menores é a economia. Outro benefício é a sustentabilidade, com a predominância de fontes renováveis. No posto de combustíveis Eurogaz, de Duque de Caxias (RJ), que consome cerca de 50 mil kW ao mês, a conta de luz caiu de cerca de R$ 65 mil para cerca de R$ 55 mil. Os R$ 10 mil que sobram no caixa vão ajudar na implantação de ponto de recarga elétrica, diz o proprietário, Antonio Pedro.
A empresa é cliente da Tyr Energia, varejista fundada em 2018 que hoje atende 350 UCs em 37 cidades, totalizando 17 MWm. Além da redução dos custos, a empresa oferece monitoramento ativo de energia e gestão das rotinas dos clientes envolvendo energia elétrica. “Nossos clientes possuem economia total contratada estimada de R$ 140 milhões ao longo do contrato”, afirma Joana Waldburger, COO da Tyr Energia. Investimentos em tecnologia, como o novo portal do cliente, e novos produtos de economia, como antecipação de descontos e parcelamento da conta, estão entre as iniciativas da companhia.
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Já a Bolt Varejista, presente em todo o Brasil, estruturou sua operação em 2023 para atender as PMEs e já fechou mais de 200 contratos, totalizando 120 MWm comercializados, 90% absorvidos pelo segmento. O COO, Henrique Pérez, diz que unidades de uma rede de cafeterias superaram 20% de economia, mesmo com o aumento recente de preços futuros. A expectativa da Bolt é atingir mais de 300 PMEs em 2025.
Diretor-executivo e CEO da Ludfor, Douglas Ludwig registra a mudança do perfil do consumidor provocada pela chegada das PMEs. Se até o ano passado o volume médio de energia por cliente girava em torno de 3 MWm, agora fica abaixo de 0,1 MWm, com faturas de até R$ 50 mil. “Hoje são empresas ‘de dono’, sem conselhos ou burocracia, o que exige atendimento mais personalizado e capilaridade, enquanto rende indicações de novos clientes”, diz o executivo.
A Ludfor tem atuação múltipla. Além de gestora, com administração de 1.100 MWm e 5.000 UCs, das quais 1.380 captadas este ano, possui 16 usinas solares e hidrelétricas, com 38 MW de potência instalada, e projeta 100 MW até 2027, com mais 13 ativos em construção. Seu terceiro braço é a comercializadora, com usinas e consumidores sob gestão. Este ano, a Ludfor criou a varejista Simplifica, para atender consumidores abaixo de 500 kW, e por meio da Viva Energia, especializada em geração distribuída, comprou a catarinense Alka Energia para reforçar o atendimento de consumidores em baixa tensão. Com tudo isso, a expectativa da empresa é fechar o ano com faturamento de R$ 650 milhões, quase o dobro de 2023.
Das gigantes do mercado, Cemig e EDP estão entre as interessadas nas PMEs. Para conquistar parte do potencial de quase 170 mil consumidores aptos a migrar para o ambiente de contratação livre desde janeiro, a Cemig lançou no ano passado o primeiro e-commerce do setor, para clientes fazerem simulações e assinarem contratos on-line. Também criou um segmento de marketing de resultados, focado em conversões, para promover produtos e melhorar a experiência do cliente.
As novidades ajudaram a empresa a se tornar a primeira comercializadora a ultrapassar a marca de 100 MWm em volume de energia entregue no mercado livre varejista. Foram 101,3 MWm em setembro, 14,8% mais que no mês anterior. Segundo o vice-presidente de comercialização da Cemig, Dimas Costa, os planos podem proporcionar até 35% de desconto, dependendo do volume adquirido e do tempo do contrato.
Outra iniciativa da Cemig, o programa Pontos Energia Livre incentiva a indicação de consumidores potenciais por parceiros, premiados com benefícios como resgates financeiros. A Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e a Fecomércio-MG estão entre os parceiros que estimulam associados a contratarem a empresa.
A EDP, por sua vez, atua como varejista desde 2018. “Já tivemos caso de clientes com contas na faixa de R$ 5.000. São unidades com média de consumo pequena e necessidades pontuais, como padarias ou indústrias com necessidade de eletrofusão”, explica o diretor comercial da EDP na América do Sul, Diogo Baraban.
A companhia aproveitou aprendizados com atuação em geração distribuída para atender a abertura do mercado, com reforço de call center, canais de venda e parceiros para garantir capilaridade e apoiar a originação de vendas. Também investiu em marketing para disseminar conhecimentos sobre as novas possibilidades e reforçar a marca, mas, embora o número de UCs atendidas tenha passado de 600 para pouco mais de mil de janeiro a dezembro, a maior concorrência fez a participação de mercado da varejista cair de 30% para 7% no mesmo período.
Uma que chegou de fora é a Ultragaz, que, em setembro, comprou por R$ 110 milhões 51,7% da Witzler, especializada em gestão de energia e comercialização no mercado livre. A iniciativa reforça a atuação da Ultragaz em energia elétrica, onde já trabalha com geração distribuída. A Witzler obteve licença de comercializadora varejista em 2020 e hoje atende mais de 4.000 UCs em todo o país, 75% delas PMEs. “Nosso objetivo é democratizar o acesso à energia limpa e competitiva, oferecendo soluções energéticas para os mais de 60 mil clientes empresariais da Ultragaz”, afirma o diretor-presidente da Witzler, Lucas Witzler.