Conferências do clima
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Marina Silva vê estado de emergência climática: “O que está acontecendo no mundo e o prejuízo que isso está causando para os sistemas de produção de alimentos são algo para fazer com que a gente se mobilize com o sentido de urgência” — Foto: Márcio Alves/Agência O Globo
Marina Silva vê estado de emergência climática: “O que está acontecendo no mundo e o prejuízo que isso está causando para os sistemas de produção de alimentos são algo para fazer com que a gente se mobilize com o sentido de urgência” — Foto: Márcio Alves/Agência O Globo

Após o resultado considerado “decepcionante” da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP29) em Baku, no Azerbaijão, a COP30 terá que apresentar caminhos para ampliar o financiamento climático e implementar os acordos multilaterais para conter o aquecimento global. Esse é o pensamento da ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, e do embaixador André Corrêa do Lago, secretário do Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty. Nos preparativos para o evento em Belém (PA), marcado para novembro de 2025, ambos concordam que o Brasil deverá reparar o que foi mal acordado na conferência passada e colocar em prática tudo aquilo que já foi pactuado pelos países nos últimos anos.

No texto final da conferência de Baku, os países acordaram em uma meta anual de financiamento climático no valor de US$ 300 bilhões - cifra muito aquém do US$ 1,3 trilhão necessário para lidar com as mudanças do clima. Ainda assim, o montante é maior do que os US$ 100 bilhões que eram pagos, até então, pelos países mais ricos às nações em desenvolvimento.

Na avaliação de Marina Silva, por mais que tenha sido um “mau acordo”, foi melhor do que não ter “acordo nenhum”. Seguindo a mesma linha, Corrêa do Lago considerou importante ter pelo menos a correção do valor de financiamento anual para mostrar que não houve inação da COP, mesmo diante do cenário negativo que se projeta com a eleição de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos.

NDC apresentada pelo Brasil mostra visão de futuro e está sendo bem recebida, diz Corrêa do Lago — Foto: Gesival Nogueira Kebec/Valor
NDC apresentada pelo Brasil mostra visão de futuro e está sendo bem recebida, diz Corrêa do Lago — Foto: Gesival Nogueira Kebec/Valor

“[A decisão] realmente foi insatisfatória, mas era muito mais importante ter uma decisão. Se não, você paralisava tudo e transmitia uma sensação de incapacidade da COP para o mundo, em que o poder e a força das COPs se reduzem naturalmente por causa da eleição [nos EUA] do presidente Donald Trump, que já disse muito claramente as reticências que ele tem sobre o Acordo de Paris”, disse o embaixador. Marina Silva e Corrêa do Lago participaram na quarta-feira do seminário “De Baku a Belém: o futuro climático em debate nas COPs”, promovido pelo Valor e pelo jornal “O Globo”, com patrocínio da Engie.

Trump, que tomará posse em janeiro, pretende retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, assim como fez no primeiro mandato (2017-2021). Na percepção de Marina Silva, essa é uma “situação muito complexa”, que “já se revela um grande problema para o enfrentamento da mudança do clima em todo o mundo”. Contudo, as preocupações da ministra não se limitam à ausência dos Estados Unidos do pacto que prevê a redução de emissões de gases de efeito estufa e a contenção do aumento da temperatura global.

Como o processo para deixar o acordo demora até um ano, os americanos podem aproveitar da participação na COP30 para tentar bloquear as negociações em torno do enfrentamento das mudanças climáticas. “É possível que em um contexto conflagrado como esse possa haver um bloqueio da negociação. E impedir que se tenha qualquer debate ou solução sobre financiamento seria o pior dos mundos”, afirmou Marina Silva.

É diante desse cenário que a ministra instou para que a COP30 seja uma “força-tarefa” no combate ao aquecimento global. “O que está acontecendo no mundo e o prejuízo que isso está causando para os sistemas de produção de alimentos são algo para fazer com que a gente se mobilize com o sentido de urgência”, disse a ministra. “Nós temos que chegar em Belém decretando estado de emergência climática”, completou Marina Silva, que defendeu que a conferência do ano que na capital paraense trace um “mapa do caminho” para atingir gradativamente a marca de US$ 1,3 trilhão, apontado por especialistas como o valor ao ano necessário para o financiamento para enfrentar as mudanças do clima.

Além do passivo de financiamento climático do Azerbaijão, a COP do Brasil terá ainda o desafio de aumentar as ambições das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) - isto é, as metas de emissões que precisam ser reapresentadas a cada cinco anos, prazo que vence no ano que vem. Marina Silva argumenta que as metas de emissão devem impor reduções maiores para conter o aquecimento global, visto que a temperatura da Terra já está 1,5º C acima do limite pré-colapso do planeta. Cientistas previam que esse patamar só seria atingido em 2028, mas foi batido no ano passado.

“Mesmo que os países consigam realizar 100% de suas NDCs até 2030, já iremos ultrapassar aquilo que a ciência recomenda. Com as metas atingidas em 2030, chegaríamos a 2,6º C acima da temperatura média da Terra”, ressaltou Marina Silva. Por isso, a ministra do Meio Ambiente acredita que é preciso ter na COP de Belém “um alinhamento em termos de redução de CO2 e um alinhamento em termos de financiamento climático”.

Corrêa do Lago, por sua vez, vê na atualização das metas de emissão uma oportunidade para o Brasil se colocar como peça central na descarbonização. O país já apresentou a nova NDC na COP de Baku, se comprometendo com uma redução de 59% a 67% de suas emissões até 2035.

“[A meta] está sendo muito bem recebida porque mostra uma visão de futuro do Brasil. É uma NDC construída com base no que o governo, o Estado brasileiro e a sociedade brasileira podem fazer nos próximos anos para transformar o Brasil em um país contemporâneo e construtivo nesse novo mundo de baixo carbono”, afirmou o embaixador.

No seminário, Marina Silva também citou outro ponto importante que estará em debate na COP30: a transição energética justa. A ministra afirmou que é necessário focar em uma “agenda de implementação em questões estratégicas”, como a troca do uso de energias fósseis e não-renováveis por energias limpas. Ela, contudo, ponderou que, para isso, é preciso primeiro ter uma definição comum entre os países sobre transição justa.

“Todo mundo tem uma transição justa para chamar de sua. Então, em Belém, talvez nós tenhamos que tirar um mandato para estabelecer uma espécie de taxonomia do que é transição justa, para que falemos a mesma linguagem no mundo inteiro”, disse Marina Silva, que também afirmou: “A COP30 terá que mandatar um grupo de trabalho para estabelecer essa transição. Carvão, petróleo e gás são as principais fontes de aumento da temperatura da Terra”, frisou.

Por fim, a ministra afirmou que é preciso ter coragem para avançar com a pauta ambiental para conter novos desastres, mesmo que exista um custo eleitoral para os países. “Nós não devemos fazer política de curto prazo para alongar o nosso prazo na política. Nós temos que fazer política de longo prazo no nosso curto prazo político”, disse.

Para acompanhar essas discussões, a Editora Globo anunciou no evento o Projeto COP30, que reunirá uma série de conteúdos, incluindo seminários e mesas-redondas sobre a conferência de Belém. O projeto editorial dos jornais Valor e “O Globo” e da rádio CBN tem parceria institucional da Fundação Roberto Marinho, do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

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