A emergência climática evidenciada em enchentes, secas e queimadas registradas no Brasil e no mundo nas últimas décadas mostra que é necessário mobilizar todas as fontes de recursos para enfrentar o aquecimento global. A discussão, apontam especialistas e representantes do setor privado, deve dar o tom da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em novembro de 2025, em Belém, no Pará.
A COP30, primeira na região amazônica, ocorrerá em meio ao marco de dez anos do Acordo de Paris, que norteia ações climáticas para frear as mudanças climáticas, e coincide com a reapresentação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), metas de emissões que precisam ser redefinidas pelos países a cada cinco anos.
Pesam ainda sobre a presidência brasileira da conferência o resultado insatisfatório da COP29 em Baku, no Azerbaijão, que terminou em novembro deste ano com o compromisso de uma meta anual de financiamento de US$ 300 bilhões até 2035 para ajudar os países mais pobres a lidar com os impactos das mudanças climáticas.
O valor está abaixo do US$ 1,3 trilhão que os países em desenvolvimento apontam como necessário para ajudá-los a enfrentar a crise climática. Os governos nacionais também demandaram que os US$ 300 bilhões sejam de fontes públicas para evitar a incidência de juros altos caso os recursos venham de fontes privadas.
Caroline Dihl Prolo, head de stewardship climático na Fama Re.capital, porém, defende que o momento exige todas as fontes de recursos. “A gente não pode abrir mão de nenhuma receita, inclusive as fontes privadas”, afirmou.
A executiva participou, na quarta-feira (11), do painel “COP29 - Financiamento climático, a conta que ninguém quer pagar”, parte do seminário “De Baku a Belém: o futuro climático em debate nas COPs”, organizado pelos jornais Valor e “O Globo”, com patrocínio da Engie.
Para Prolo, um aspecto crucial da COP30 será discutir como manter os fluxos financeiros alinhados para a trajetória de descarbonização da economia.
“Isso quer dizer que os donos do dinheiro no mundo também têm um papel na descarbonização e na transição climática”, afirmou. “É algo que a gente precisa ter claro na comunidade de investidores. Porque isso não é bom só para o clima, mas também para os negócios.”
Para a gerente de meio ambiente, responsabilidade social corporativa e transição energética da Engie Brasil, Flávia Teixeira, ainda existe muita resistência sobre a participação do setor privado nos debates. Por isso, ela defende maior abertura para que as empresas também participem de discussões como a do financiamento de US$ 1,3 trilhão para frear o aquecimento do planeta.
“O setor privado é o reflexo de onde os investimentos estão acontecendo e dos anseios da sociedade e dos consumidores. Então a gente precisa acabar com esse tabu do setor privado participar da COP e do debate internacional”, diz.
Viviane Romeiro, diretora de clima, energia e finanças sustentáveis do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), concorda que é fundamental engajar as lideranças empresariais e o setor financeiro para destravar os fluxos de investimento na área.
“A gente tem uma oportunidade na COP30 de fazer o setor privado coacelerar essas soluções com inovação tecnológica, mas principalmente fazendo a ponte da ciência com a política e instrumentos de mercado”, diz.
Ela avalia que o setor privado tem outro papel fundamental: o de trabalhar as decisões da conferências climáticas com o Legislativo e o Executivo para que os projetos de lei reflitam as necessidades e as lacunas do mercado.
“Todos esses instrumentos de política precisam estar conectados, instrumentalizados e disponíveis para que o setor privado de fato implemente”, disse, citando como exemplo a aprovação do mercado regulado de carbono, que contou com grande mobilização de agentes privados.
Tão importante quanto viabilizar os recursos, porém, é ter clareza de onde investir. Para Marie Ikemoto, subsecretária de conservação da biodiversidade e mudanças do clima da secretaria estadual do Ambiente e Sustentabilidade do Rio, a elaboração de planos de mitigação e adaptação por Estados e municípios é uma etapa fundamental para definir as prioridades.
Ela destacou que muitos governos subnacionais ainda desconhecem os recursos disponíveis para financiar a transição climática ou não têm capacidade para acessá-los. Por isso, disse, a criação dos planos regionais serve como um norte para que os governos locais possam contribuir com as metas de emissões nacionais. “O Plano Nacional [de adaptação e mitigação] está sendo atualizado com participação e engajamento dos governos subnacionais, mas infelizmente a gente ainda tem que avançar muito. São poucos os Estados que têm os seus planos. No Rio, por exemplo, apenas 1 dos 92 municípios têm projeto.”
Ainda em relação aos territórios, Sinéia do Vale Wapichana, coordenadora do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas, frisou que os povos indígenas sentem mais diretamente os efeitos das mudanças climáticas.
Por isso, cobrou recursos para respostas imediatas. “A gente sabe que políticas públicas demoram a ser implementadas, mas a gente precisa de uma resposta para o agora. E não só para os povos indígenas”, afirmou.
Wapichana lembrou que a preservação da floresta em comunidades indígenas representa um significativo estoque de carbono para o país, o que torna indispensável a discussão sobre a salvaguarda e o direito ao território pelos povos originários na COP de Belém. “A gente precisa trabalhar e olhar para a questão do direito de quem está na floresta, povos indígenas, comunidades tradicionais e ribeirinhos. Eu não vi esse direito garantido na COP de Baku”, disse.
A COP30 tem a oportunidade de se tornar um marco na participação do setor privado, de governos subnacionais e da sociedade civil, avaliam as especialistas.
Romeiro, do Cebds, lembra que, historicamente, as COPs são espaços restritos aos entes nacionais com baixa diversidade e representação da sociedade civil. Nesse sentido, a conferência no Brasil tem o desafio de também representar um processo mais social, integrando a sociedade à narrativa do clima e da floresta. “A COP não é um evento, ela é um processo. Então a forma que gente mobiliza a sociedade civil, a academia, o setor privado e os governos locais é fundamental para o sucesso das negociações.”
Para Wapichana, porém, não basta participar. É preciso construir uma estratégia para que o posicionamento dos povos indígenas de fato incida sobre o resultado das negociações na Amazônia. “É muito importante que a gente esteja na mesa de negociação para que a gente saiba o que o resultado desses documentos muda na legislação e na política de um país.”