Mais interessada em oportunidades e menos intimidada diante de desafios, Maitê Leite assumiu há três meses a vice-presidência executiva do Santander com a missão de tornar o conceito NetZero uma realidade, exercida dia a dia, para clientes do banco e sociedade em geral. Com mais de três décadas de atuação no mercado financeiro, setor em que tem se destacado pelo engajamento na agenda de inclusão econômica e social, Leite se define como uma brasileira otimista e orgulhosa da competência do país em se posicionar como protagonista na jornada ESG (sigla em inglês para agenda ambiental, social e de governança).
Atuando agora com sustentabilidade na área institucional, a executiva ressalta que seu papel no Santander Brasil, à frente dos compromissos da agenda estabelecida globalmente pelo banco para descarbonização até 2050, é transformar conceitos em práticas cotidianas factíveis para clientes e sociedade. Para Leite, o pragmatismo na agenda Net Zero estruturada pelo banco é essencial diante da urgência do tema no contexto global.
Em apoio ao Acordo de Paris, o Grupo Santander anunciou, no início deste ano, a meta de zerar as emissões de carbono (Net Zero). O compromisso se aplica às operações do grupo e às emissões geradas por clientes do banco. Nesta entrevista, ela detalha como o Santander pretende cumprir compromissos assumidos e lista desafios e oportunidades do Brasil nessa jornada.
Quais são as principais metas do Santander diante dos compromissos firmados para se tornar Net Zero até 2050?
Maitê Leite: No Santander, temos a meta de traduzir para a prática os desafios da agenda Net Zero do Grupo Santander, que não são poucos. Nossa prioridade, entre todos os segmentos e setores em que atuam nossos clientes, independentemente do porte, é que suas respectivas cadeias enderecem a questão das emissões. É fundamental entendermos como a gente avança nessa pauta, que é crítica, e oferecer um mix de produtos adequado aos estágios de maturidade e compromissos de cada cliente. Precisamos calibrar um mix de produtos para clientes [pequeno, médio e grande] que atuam em diferentes setores da economia e com compromissos específicos para que, juntos, possamos evoluir na jornada Net Zero.
E quais são os principais desafios?
Maitê Leite: O mais latente é o enquadramento das nossas carteiras e dos nossos clientes frente aos compromissos Net Zero estabelecidos pelo banco globalmente. Vejo muitas oportunidades nessa agenda, mas não podemos fugir dos desafios. Temos uma assimetria regulatória. Nossos compromissos são globais, estabelecidos por setores globais, mas temos um contexto local que é diferente desse cenário. Hoje dificilmente uma operação sustentável tem condições diferenciadas. Portanto, uma operação verde é tratada da mesma forma que qualquer outra. Mas a operação verde tem um arcabouço de compliance, de risco, mais complexo, justamente para evitar o greenwashing.
Então, com o tempo a gente vai evoluir, e os reguladores globais e locais vão evoluir à medida que a gente avançar para tratamentos diferenciados e esse mercado vai se tornar o mercado mais maduro. A prioridade está focada muito mais nos empresários para que as suas cadeias e seus processos enderecem a questão das emissões.
Como a senhora avalia o nível de conhecimento dos clientes e da sociedade sobre os processos Net Zero? Considera que as métricas e as mensurações são claras?
Maitê Leite: A evolução da mensuração, dos modelos e dos dados também é um desafio. Temos ótimas metodologias globais, mas não temos uma completude de informações para que cada empresa possa calibrar seu grau de emissões. Então, como controlar a trajetória de redução dessas emissões? Fiquei até aliviada ao ouvir o Jeremy Oppenheim, economista e cofundador da consultoria Systemiq, durante o Cidadão Global 2022 [evento realizado pelo jornal Valor Econômico e Santander no último dia 8 de dezembro], dizer que é preciso começar com o que se tem e tentar fazer o melhor. Iniciar como movimento de transferência de tecnologia. Temos problemas de entendimento básico sobre o conceito Net Zero, que é a simples evolução tecnológica para a redução e a remoção de gases de efeito estufa. Mas isso ainda não é claro para a sociedade.
Diante da necessidade de melhorar o entendimento da sociedade sobre o conceito Net Zero, qual a contribuição do Santander nesse sentido?
Maitê Leite: Temos que trabalhar para formar mais mão de obra especializada na execução dos projetos. Existem muitas pessoas com conhecimento teórico incrível, mas precisamos de equipes que traduzam esse conhecimento teórico para o mundo dos negócios. Equipes que possam fazer abordagens estratégicas para que esse diálogo com clientes e fornecedores seja mais efetivo e não fique apenas no campo das ideias.
O Santander quer se tornar um agente indutor; nós vamos procurar os clientes para desenvolver essa agenda. Tenho muita clareza do estágio de maturidade dos clientes, consequentemente da análise setorial de cada um, sobre os maiores graus de emissões e quais os clientes que têm mais aderência a essa agenda. Essa análise é fundamental para entendermos os diálogos estratégicos que precisamos ter com cada um deles e os diferentes tipos de suporte de que necessitam. Se o cliente está numa fase inicial, o suporte é maior na questão da governança e da mensuração.
Depois vamos evoluir para operações verdes e até parcerias, como aconteceu no projeto Biomas, dedicado às atividades de restauração, conservação e preservação de florestas no Brasil. Então, é fundamental fazer a leitura da visão de cada cliente e das suas necessidades, para estabelecer o diálogo estratégico entre as áreas comerciais do banco e os clientes. Isso envolve um processo de educação, que abrange todos os clientes.
Como a senhora tem percebido a evolução do entendimento sobre redução de emissões entre os clientes?
Maitê Leite: Tenho visitado muitos clientes, de diferentes portes e setores, e o nível de compreensão varia muito. Estamos vendo diferentes estágios, e isso é interessante. Mesmo aqueles que são mais céticos nos questionam e nos fazem repensar o que de fato vai agregar valor para o produto, para o mercado em que atuam. Acho que isso é uma reflexão importante. Não temos um nível de maturidade temática para que possamos dizer que deve ser feito de uma forma ou de outra.
Temos que ter uma abertura para entender que isso é um processo. Estamos aprendendo que tem muitos fatores que fogem do nosso controle. Vamos ter que evoluir sabendo navegar com essas dimensões, que não necessariamente estão correlacionadas ou perfeitamente correlacionadas
Qual o papel do Brasil nesse contexto?
Maitê Leite: Temos a felicidade de fazer parte de uma organização na qual o Brasil é muito relevante, nas carteiras globais e no resultado do banco. Temos muito a contribuir, por exemplo, sob o aspecto social, porque vivemos inflação há décadas e a Europa está vivendo inflação agora, após um período longuíssimo de estabilidade. A questão da inclusão social é um tema que o Brasil trata há muito tempo. Então temos muitos elementos de troca.
Temos uma oportunidade gigante de atuação e de impacto. Vivemos num contexto muito favorável, temos um mix energético muito equilibrado, uma diversidade de biomas e a Floresta Amazônica, que é um tema relevante para a humanidade. Além da nossa experiência na inclusão social. Acho que a oportunidade vai ser evoluir para uma combinação do social com o ambiental.
Vejo o Brasil como um bom benchmark, referência de boas práticas e uma boa referência de ser um ambiente em que as coisas podem evoluir rapidamente de forma positiva. Acho que a competência do Brasil em vários elementos nos qualifica muito bem.