A crise global de saúde trouxe novas demandas para os empreendedores brasileiros. Uma pesquisa realizada pela Associação Catarinense de Tecnologia (Acate) junto a 93 empresas com sede no estado e atuação em todo o território nacional apontou que 40% dessas companhias buscaram crédito de até R$ 100 mil, sendo que quase metade delas precisava do dinheiro para financiar o capital de giro. Dúvidas sobre os benefícios tributários disponibilizados em decorrência da pandemia preocupam 75,3% do total. E questões relativas à instalação de home office incomodam 51,9% dessas empresas.
No Rio de Janeiro, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) identificou que 42% dos empreendedores não sabem identificar qual a sua prioridade no momento; 21% precisam de apoio para rever a estratégia de seu modelo de negócio; 13% querem refazer o plano de negócios; 7% precisam de conselhos sobre como manter o fluxo de caixa e minimizar perdas; e 7% querem orientações de estratégias e ações para manter o faturamento.
Os dados indicam que a preocupação com o caixa norteia a adaptação à pandemia. Entre a busca por sobrevivência e o desenvolvimento de novas iniciativas, como fica o caixa da empresa? Como já mostramos por aqui anteriormente, a gestão do fluxo de caixa é essencial: é preciso considerar receitas e despesas previstas para não correr o risco de ficar sem dinheiro para honrar compromissos.
Mas e as finanças pessoais, como separá-las neste momento tão inesperado e atípico? Ainda segundo o levantamento do Sebrae, entre os pequenos e médios empresários brasileiros apenas um terço mantém uma conta bancária jurídica separada da conta de pessoa física. “Misturar as finanças pessoais e da empresa é muito comum, ainda que não seja recomendável. E agora esse hábito pode se tornar ainda mais recorrente”, afirma David Kallás, professor do Insper e consultor de estratégias e processos de mercado há 22 anos.
Kallás ressalta que é importante lembrar que fluxo de caixa e lucro são conceitos diferentes. “A empresa pode aproveitar os programas lançados pelo governo, incluindo a suspensão temporária do pagamento de impostos do Simples para reduzir despesas. Pode também buscar crédito com os bancos, e até mesmo com clientes fiéis, que vêm aderindo aos programas de vouchers.”
Para lidar com esse desafio, é preciso ter disciplina. Priscilla Veras, CEO da Muda Meu Mundo, startup de Fortaleza acelerada pelo Itaú Mulher Empreendedora (IME) que conta com a parceria da International Finance Corporation (IFC) – programa que oferece conteúdo e informação para conectar, inspirar e informar empreendedoras em seus negócios –, relata que, por enquanto, vem conseguindo diferenciar as contas pessoal e jurídica. “Aprendi que, como empreendedora, preciso ter sempre uma reserva pessoal de emergência para o caso de não conseguir tirar meu pro labore por alguns meses”, diz. “Invisto religiosamente nessa reserva pessoal, e mantemos na empresa uma administração completamente separada e muito bem acompanhada por nosso financeiro”, reforça a empreendedora.
Já Priscila Sabará, CEO da plataforma de engajamento para a alimentação Foodpass, de São Paulo, começou diminuindo custos. “Cortamos em 50% a retirada das sócias e eu reduzi ao mínimo minhas despesas pessoais”, relata.
Soluções criativas
Depois de ajustarem o caixa e a rotina de trabalho, algumas empresas apostaram em manter o cliente, ajudando no que ele precisar e até mesmo criando novos serviços. Outras identificaram que suas soluções não atendem mais o mercado, e seria preciso se reposicionar. “Por mais desafiador que seja este momento, há espaço para inovar”, afirma o professor David Kallás.
A Foodpass apostou em novos produtos, alinhados com as grandes transformações que o isolamento social provocou no setor de alimentação. Começando por vouchers –em que o cliente compra crédito nos restaurantes para usar quando eles puderem reabrir as portas –, passando por experiências gastronômicas que possam ser realizadas em casa e incluindo cursos online de gastronomia. “Convidamos chefs para fazer, ao vivo, receitas de suas avós”, explica Priscila Sabará.
Atuantes no mesmo setor, Daniela Pilar e Marcelo Campos, sócios de dois restaurantes em São Paulo, buscaram soluções criativas para resistir à crise. Um dos empreendimentos dos dois, a hamburgueria Frank & Charles, criou kits de petiscos, bolos e decoração para festas e happy hours realizados simultaneamente em diferentes lugares – tudo é entregue ao mesmo tempo, nas casas dos participantes, que se conectam por videoconferência enquanto aproveitam a mesma comida e a mesma bebida.
Já para manter ativo o outro restaurante da dupla, o The Kitchen, a estratégia foi diferente: vender comida congelada. “Criamos três cardápios, um que tem mais a cara do restaurante, outro fitness e um só com comidinhas de vovó, como estrogonofe e picadinho”, diz Daniela. À tarde, os dois sócios saem de carro, fazendo as entregas. “Assim mantemos contato pessoal com o cliente.”
Em meio a tantas dificuldades, quem conseguir manter as finanças em dia e ainda cuidar das pessoas, sejam funcionários, clientes ou a sociedade em geral, será beneficiado no mundo pós-pandemia. A Muda Meu Mundo, por exemplo, tem enviado produtos orgânicos para mulheres de comunidades carentes de Fortaleza. “São nossas microfranquiadas. Essas mulheres fazem cestas com os produtos, vendem e ficam com a renda”, relata Priscilla Veras. “Cuidar da marca, da reputação, é importante. Empresas que conseguirem preservar empregos e conduzir ações de cidadania serão muito bem vistas”, finaliza Kallás.
Veja, a seguir, um pouco mais sobre as histórias desses empreendedores: