A plenária final da COP 29, encerrada na madrugada de domingo, no Azerbaijão, protagonizou um dos momentos de maior constrangimento das conferências do clima das Nações Unidas. O acordo fechado foi fraco, não beneficiou o mundo em desenvolvimento e aprovou o que os países ricos queriam desde o início. A Índia protestou energicamente, mas a reprovação do país mais populoso do mundo foi apenas “anotada” pela presidência azeri.
“Não podemos aceitar isso. Esse documento é só uma ilusão de ótica. Nós nos opomos à adoção deste texto”, reagiu a delegada da Índia, Chandni Raina.
Os protestos do governo da Índia, quinta economia do mundo impulsionada por investimentos em energias renováveis ao mesmo tempo em que convive com índices de pobreza, não reverteram a decisão da presidência da conferência. Tiveram eco em outras delegações – Nigéria, Paquistão, Maldivas – que criticaram o acordo e também tiveram suas falas “anotadas”. China e Brasil se calaram. Os Estados Unidos seguiram em silêncio. A União Europeia celebrou, com poucos aplausos da plenária.
A COP 29 terminou melancólica como começou. Transferiu uma enorme carga de responsabilidade ao Brasil, anfitrião da próxima edição, a COP 30, em 2025. O governo brasileiro terá que conseguir os países a serem mais ambiciosos em seus cortes de gases-estufa, na ajuda internacional, no senso de justiça climática e juntar os cacos do que sobrou de Baku.
Os primeiros dias do evento em Baku foram abalados pelo resultado da eleição americana. O republicano Donald Trump promete iniciar seu mandato, em 2025, tirando o país que mais emitiu gases-estufa no mundo do Acordo de Paris e até da Convenção do Clima. Embora os delegados de Joe Biden em Baku tenham tentado convencer a todos que não, ninguém comprou a ideia.
Sem a maior economia do mundo a bordo, o peso das finanças recaiu sobre a União Europeia, o bloco que mais contribuiu para o financiamento climático até agora. Os EUA sob Biden ficaram travados no desembolso público para a cooperação internacional, mas foram decisivos para aumentar a ambição da China, o país que mais emite gases-estufa no presente, em traçar metas para descarbonizar a economia e ajudar o mundo a enfrentar a crise. Mesmo diante das tensões entre EUA e China nos últimos anos, a cooperação em clima das duas potências seguiu aberta. Agora não se deve contar mais com isso.
A União Europeia não quer ficar com o fardo de arcar sozinha com o financiamento climático do mundo em desenvolvimento, que é de ao menos US$ 1,3 trilhão ao ano até 2035. É uma preocupação legítima, ainda mais diante do momento turbulento que o bloco vem enfrentando: Alemanha em crise política, a França em crise orçamentária e governos de direita, avessos à pauta climática, ganhando força no continente.
Desde o início, mesmo sem colocar números sobre a mesa, a UE defendia duplicar ou triplicar os US$ 100 bilhões que as economias industrializadas deveriam enviar aos em desenvolvimento de 2020 a 2025 – ou seja, entre US$ 200 bilhões e US$ 300 bilhões ao ano. Algumas contas dizem que o cálculo mal cobre a inflação de 2009, quando a promessa foi feita, a hoje.
A última versão do texto do financiamento climático, que foi oficialmente conhecida pelas delegações uma hora e meia antes da decisão final, trazia o número dos US$ 300 bilhões.
Decisões de COPs têm que ser tomadas por consenso. O presidente da conferência anuncia o texto, pergunta se pode ser aprovado e observa a reação dos delegados de 195 países. Se ninguém pedir a palavra, bate o martelo. O presidente Mukhtar Babayev seguiu o rito, mas de forma ligeira. Os presentes se surpreenderam e até celebraram, a maioria por ter visto o fim de algo extenuante e dado fôlego ao multilateralismo.
Durou pouco. Cuba pediu a palavra e criticou o acordo. Em seguida, foi a vez da delegada Chandni Raina, da Índia, pedir para falar. Foram 10 minutos de indignação. Ela informou que a delegação indiana havia avisado à presidência da COP e o secretariado da Convenção do Clima que queria se manifestar antes da martelada final. “Está se tentando ignorar a fala de países, isso não é o sistema da ONU”. Seguiu: “Estamos extremamente irritados com esta ação do presidente e do secretariado. Está se esquecendo a responsabilidade dos países ricos”, seguiu. “Temos que implementar NDCs (compromissos para enfrentar as mudanças climáticas) ambiciosas e a soma que está sendo mobilizada é assustadoramente fraca. Não podemos aceitar isso”.
O compromisso de US$ 300 bilhões ao ano, dos países ricos aos em desenvolvimento, virá de recursos públicos e privados. Os países em desenvolvimento, inclusive o grupo dos Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) queriam que fossem integralmente públicos e adicionais. Não conseguiram.
Ao Brasil cabe agora a tarefa de propor um caminho para que o US$ 1,3 trilhão anuais chegue aos países em desenvolvimento até 2035. Será preciso definir quem dará o quê e quando. No novo contexto geopolítico de 2005, não será fácil.
Ao Brasil caberá, também, restaurar a negociação climática e o regime multilateral, que sai de Baku ainda mais fraturado. Um acordo ruim já era péssimo. Um acordo ruim e um fórum cuja regra é o consenso, mas dependendo de quem for a voz dissonante, pode tornar-se inaceitável para muitos.
Não foi a primeira vez. Na COP 18, em Doha, em 2012, o negociador russo Oleg Shamanov reclamou que não havia sido consultado e que a decisão do presidente da cúpula, Abdullah Bin Hamad Al-Attiyah, de encerrar as discussões era “uma violação ultrajante”. Ali foi a Rússia e o caso era mais complicado. Disse que seu país, Bielorússia e a Ucrânia não concordavam com a decisão. O momento foi tenso, mas ficou por isso mesmo. Em uma edição anterior, havia sido a Bolívia a discordar.
É praxe que acordos climáticos definidos por 195 países sigam a régua do menor denominador comum. Mas a crise climática avança célere, o sistema vem sendo questionado por negacionistas e amigos do multilateralismo e os resultados não salvam ninguém.
A jornalista viajou a Baku, para a COP 29, a convite do Instituto Clima e Sociedade (iCS)