Após um trabalho hercúleo de muitos, o primeiro projeto de lei de regulamentação da reforma tributária foi aprovado na Câmara dos Deputados e deve seguir para a sanção presidencial. Foi o politicamente possível.
Dentre as mais significativas alterações promovidas na última etapa, houve a rejeição da possibilidade de implantar o regime de substituição tributária para a CBS e o IBS. A substituição tributária consiste na exigência antecipada do tributo que presumidamente irá incidir nas etapas seguintes da cadeira negocial, atribuindo ao contribuinte substituto (ex.: fabricante) a obrigação do recolhimento. Esta exigência pressupõe a presunção de que a operação seguinte irá ocorrer e, ainda, exige que seja estimado o tributo (base de cálculo e alíquota) incidente na operação futura. Se a operação não ocorrer como previsto, deve-se acertar de contas, com o recolhimento do complemento ou ressarcimento do tributo pago a menor ou a maior. Isso geraria uma complexidade absurda, agravada frente a um IBS devido ao ente de destino (consumo final) do bem ou serviço. Enfim, a inexplicável iniciativa foi soterrada, embora tenha deixado uma amarga desconfiança.
O imposto seletivo promete gerar muita disputa. Houve o retorno dos critérios de fixação do imposto seletivo para veículos, que buscam impor elementos para aplicar uma espécie de seletividade entre os veículos que façam mais mal ao meio ambiente. Embora já superado, o fato é que é a queima de combustível que faz mal ao meio ambiente, assim como ocorre em várias outras maquinas e equipamentos, não havendo razão lógica para inclusão desta categoria. O raciocínio é similar ao debate do álcool, levando-se em conta que é o álcool e não os demais ingredientes onde está embarcado que pode, mediante consumo exagerado de qualquer bebida, fazer mal à saúde. Ainda, a extração mineral faz mal ao meio ambiente ou será que equipamentos destinados ao sequestro de carbono, feitos com estes mesmo minerais, tem justamente uma intervenção ambiental positiva? Nas bebidas açucaradas, idem. Pretende-se inibir o consumo exagerado do açúcar nelas contido, quando vários outros doces e biscoitos recheados ficaram de fora, sendo que o próprio açúcar puro é incentivado na cesta básica. Uma pleíade de contradições e aparentes desvios de finalidade.
Mas as incongruências não param por ai. Incentivou-se com isenção, no plano do transporte, o transporte urbano ou metropolitano de passageiros, ao mesmo tempo em que nenhum incentivo foi dado aos patinetes ou bicicletas de uso compartilhado, cujos usuários são os mesmos. As bicicletas e patinetes, além de substituírem o transporte público oneroso em curtas e médias distâncias, ainda contribuem com a redução do tráfego, com a melhoria da saúde dos seus usuários habituais e sem nenhuma poluição ao meio ambiente. Estes efeitos, não é preciso dizer, acarretam em ganhos em diversas frentes, especialmente com a economia de tempo perdido no trânsito, a saúde e o meio ambiente.
Quanto aos medicamentos, a despeito do sistema de fast track para inclusão de novas drogas beneficiárias de alíquotas reduzidas, deixou-se, com a alteração de última hora da Câmara dos Deputados, medicamentos oncológicos modernos de fora. Isso não pode ser aceito em nenhuma hipótese. É, acima de tudo, uma imoralidade.
Há mais! Nesta semana, noticiou-se neste prestigioso jornal, a manutenção da tributação do transporte aéreo internacional de passageiros, o que parece descolar do tratamento atribuído pelo resto do mundo. Os países não tributam o transporte internacional (exceto a Índia tributa, pelo que revelam alguns estudos, na alíquota de 5% a 12%). Ao contrário do que definido, o transporte internacional de passageiros deveria ser incentivado sob a perspectiva de ampliação de cultura do tão mediano cidadão brasileiro, com fomento de novos negócios, experiências, conhecimento e inovações. Incentivou-se, ao final, que o menos abastado fique mesmo preso na gaiola tupiniquim, relegado ao subdesenvolvimento.
Os projetos de leis complementares optaram por recorrer às conhecidas “listas anexas”, que podem ser defasadas no dia seguinte da sua edição. É um efeito nefasto da multiplicidade de alíquotas inserida politicamente. O legislador infraconstitucional pode classificar ou deixar de classificar de saúde, educação ou, ainda, qualificar ou deixar de qualificar algo como nocivo à saúde e ao meio ambiente de forma dissonante da realidade. O que é mais ou menos essencial, é algo subjetivo e não deveria ser o Estado responsável por definir. O STF já enfrentou e interviu quando distorcida a essencialidade em relação ao IPI. Ao escolher “as listas”, o legislador assumiu o inevitável risco de qualificar equivocadamente determinados bens, serviços e atividades, contrariando a ciência e a natureza das coisas.
Não podemos deixar de levar em conta que a finalidade da norma, aferível não apenas do texto aprovado mas na sua construção normativa, é elemento integrante constitutivo do novo direito. Quando a Constituição cria competência tributária, não apenas define materialidades tributáveis, mas também qualifica finalidades a serem alcançadas. São extraíveis pela via da interpretação.
Enfim, nestes próximos anos de transição, espera-se a correção de rumos por novos projetos de lei e algum contencioso fulcrado, especialmente, nos princípios da isonomia, da razoablidade e no desvio de finalidade. Será um processo normal de depuração e evolução do direto, que vive a confirmar e desconfirmar a validade de normas em nosso sistema.