Depois de rali no 2º tri, investimento de venture capital cai 46%

Fundos injetaram US$ 474 milhões em startups no país entre julho e setembro, mostra pesquisa da KPMG, que vê retomada só em 2025

Por — Do Rio


Heitor Cunha, CEO da CodeBit: empresa cresceu 35% neste ano com lançamento de solução de IA generativa — Foto: Divulgação

Depois de um respiro no segundo trimestre, em que os investimentos em venture capital mais que dobraram em relação aos primeiros três meses do ano e encostaram nos níveis de 2022, o volume voltou a cair com força no Brasil. Relatório da KPMG mostra que no terceiro trimestre fundos especializados injetaram US$ 474 milhões em startups no país, um recuo de 46% frente aos US$ 879 milhões registrados entre abril e junho e pouco acima dos US$ 373 milhões de janeiro a março.

No mundo, houve queda no segundo para o terceiro trimestre, mas em patamar bem menor, de US$ 95,5 bilhões para US$ 70,1 bilhões, um recuo de 26,6%. Diante da estabilidade dos investimentos na faixa entre US$ 70 bilhões e US$ 97 bilhões desde o primeiro trimestre de 2023, o patamar já pode ser considerado “o novo normal”, diz a KPMG. A maior parte do total entre agosto e outubro ficou nas Américas, sendo que os EUA registraram a fatia mais gorda, de US$ 37,5 bilhões, e, em segundo lugar, a Ásia (US$ 15,6 bilhões).

Segundo Carolina de Oliveira, sócia e líder de negócios privados da KPMG no Brasil e na América do Sul, houve uma espécie de rali no segundo trimestre por conta dos temores em relação às eleições americanas. “Todos os contratos que estavam engatilhados foram fechados na correria e, por isso, já esperávamos a queda no terceiro”, comenta ela. “O mercado vinha num quase platô desde o primeiro trimestre de 2023, cresceu e agora voltou a cair porque os fundos estão esperando passar esse momento mais nebuloso para tomar decisões.” No Brasil, também afetaram as decisões de investimento o reinício do ciclo de aperto monetário e as incertezas em relação à política fiscal e à reforma tributária.

No mundo, foram grandes operações, que levaram o número de unicórnios (empresas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão) a ultrapassar o de 2023 inteiro. Entre eles, a startup Anduril Industries, da área de defesa, que levantou US$ 1,5 bilhão, e a Safe Superintelligence, de inteligência artificial e com US$ 1 bilhão, as duas americanas. A inteligência artificial atraiu a maior quantia no terceiro trimestre, quase 40% do volume.

É esse o nicho que a CodeBit, empresa de software especializada no fornecimento de serviços de tecnologia para organizações sem fins lucrativos e setor público com sede no interior de São Paulo, vem explorando. A empresa cresceu 35% este ano, superando a expectativa inicial de 24%, com o lançamento do CodeRAG, uma solução que busca facilitar a implementação de inteligência artificial generativa e permite fazer análises, responder dúvidas e revisar documentos. “Nunca tivemos investimento externo. Estamos na contramão das outras empresas de tecnologia, crescendo sem captação ou investidor, mas estamos abertos a possibilidades”, afirma o CEO Heitor Cunha.

Nossa expectativa é cautelosa, mas, se os IPOs voltarem como o esperado, vão movimentar o setor”
— Carolina de Oliveira

A empresa faz parte do Programa de Parceiros da AWS (Amazon Web Services) e se tornou fornecedora de soluções para as entidades Médicos Sem Fronteiras, Fundação Itaú, Fundação Ayrton Senna, Fundação Telefônica-Vivo e Fundação Lemann, por exemplo. Agora, além de novos produtos, a startup planeja ampliar a internacionalização das operações, que começou em 2023 com a expansão para os Estados Unidos. E a abertura de capital no mercado americano está no radar para o futuro, diz Cunha.

A expectativa do mercado agora gira em torno de uma possível melhora no fim do ano, mas a retomada deve ficar para 2025. Isso porque as previsões são de reativação mais forte, sobretudo no segundo semestre, das operações de abertura de capital nas bolsas (IPOs, na sigla em inglês), o que é importante por ser uma das portas de saída dos investidores, ou seja, a chance de eles venderem suas ações correspondentes às suas participações nas startups a boas cotações, permitindo que o dinheiro circule e vá para novas empreitadas.

“Nossa expectativa é cautelosa porque depende de diversos fatores, mas, se os IPOs voltarem como o esperado, vão movimentar o setor”, explica Oliveira. As estimativas de especialistas são de que, só nos Estados Unidos, são três mil companhias na fila de ofertas públicas iniciais. No Brasil, cerca de 100 empresas estão à espera de um momento mais favorável para captar recursos via mercado de ações. De acordo com Oliveira, a própria KPMG vem notando aumento na procura de companhias brasileiras por consultoria para preparação para abertura de capital.

As fusões e aquisições, outra porta de saída, também podem acelerar, conforme o relatório, até antes dos IPOs. Adan Muller, sócio-fundador em São Paulo do Gunderson Dettmer, escritório de advocacia internacional com foco em venture capital sediado no Vale do Silício, na Califórnia, explica que um dos motivos de a vitória de Donald Trump ter sido bem recebida pelo mercado de capitais é a expectativa de que o novo presidente dos EUA amenize a política antitruste.

“Na gestão Biden, os órgãos responsáveis pela aprovação dos acordos têm sido duros, principalmente na área de tecnologia, o que vem inibindo muitas empresas a fecharem negócios”, ressalta Muller, que é baseado em Nova York. Os investidores também estão de olho na regulamentação da inteligência artificial, cuja utilização está na mira de governos e órgãos reguladores no mundo.

Reforça a “expectativa cautelosa” a retomada das captações de fundos internacionais de venture capital após um período prolongado investimentos tímidos. No ano até setembro, as gestoras levantaram US$ 143 bilhões, mostra a KPMG. Como em todo o ano passado foram US$ 203 bilhões, a consultoria projeta que o montante ultrapassará esse valor. O pico foi em 2021, com US$ 383,2 bilhões. Oliveira conta que, desde o início de 2023, os fundos vinham usando os recursos captados no período de fartura, com menos foco em buscar novos recursos.

“Tem sido difícil avaliar se os investidores simplesmente estavam sendo mais minuciosos ou cautelosos antes de renovar os compromissos devido às suas percepções de risco ou se a falta de liquidez também estava em jogo, ou ambos. É provável que uma combinação de todos esses fatores tenha produzido a desaceleração em 2023”, diz o relatório. Por enquanto, predominam as operações de “follow-on”, ou seja, de fundos que já existiam, com 80% das captações. No Brasil, Oliveira conta que o ano está sendo marcado por um grande número de multifamily offices entrando no segmento via fundos.

Embora mais líquidos, acrescenta ela, os fundos estão mais criteriosos, depois da euforia vivida em 2021 e 2022, em que muitos investiram em empresas que não sobreviveram. De 2018 para cá, mostram os dados da KPMG, o volume mais alto de investimentos de fundos em startups brasileiras foi de US$ 2,4 bilhões registrados no terceiro e depois novamente no quarto trimestre de 2021. No mundo, o pico foi no quarto trimestre do mesmo ano, com US$ 212 bilhões. São menos operações, mais polpudas, com empresas que demonstram sustentabilidade, explica Oliveira. Segundo ela, muitas startups fecharam ou fizeram grandes demissões diante da pressão para obter fluxos de caixa sustentáveis.

O cenário aparece nos números do Gunderson Dettmer: nas rodadas de Série C, feitas por startups em estágio avançado de desenvolvimento e que buscam acelerar seu crescimento, a avaliação das empresas antes de receberem o investimento, conhecido como “pré-money”, subiu 118%, de US$ 200 milhões no segundo trimestre para US$ 435 milhões no terceiro. Entretanto, nos da Série D, cujos investimentos servem para manter seu crescimento e consolidar sua posição no mercado, a avaliação caiu 63%, de US$ 1,273 bilhão para US$ 475 milhões no mesmo período.

Entre as fintechs, a atividade se manteve forte. O negócio mais relevante foi o da QI Tech, startup de “banking as a service”, com US$ 250 milhões levantados com a General Atlantic. Oliveira destaca ainda saúde (healthtechs), software e soluções para empresas, que também chamaram a atenção no Brasil. Muller, do Gunderson Dettmer, conta que viu, entre os negócios que assessorou neste ano, startups que retornaram depois de sobreviverem “esticando” o que tinham captado em 2021. “Apertaram o cinto e agora estão voltando.”

De acordo com ele, as situações variam, com algumas já no chamado “breakeven”, termo usado no mercado para se referir às startups que conseguem cobrir seus custos com a receita gerada, e as que ainda não chegaram a esse ponto. “Tivemos rodadas muito boas e outras ainda ajustando a avaliação que tiveram em 2021, captando em novo patamar e muitas vezes por meio de instrumentos alternativos, como nota promissória”, comenta. Nas conversas com os clientes, porém, ele diz que ouve frequentemente reclamações de que a rodada demorou e mais indicadores esquadrinhados.

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