Nas artes visuais de 2024, Brasil ganhou impulso com Bienal de Veneza

Com curadoria de Adriano Pedrosa, a 60ª edição da exposição foi um dos fatores que movimentaram o mercado

Por — para o Valor, de São Paulo


O coletivo MAHKU, formado por indígenas, foi responsável pelo painel frontal do Pavilhão Central dos Giardini — Foto: Matteo de Mayda/Courtesy-/La Biennale di Venezia

Os principais destaques de 2024 nas artes visuais referem-se ao campo institucional. E, nesse sentido, certamente o ponto alto foi a 60ª Bienal de Veneza, que teve curadoria de Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, o primeiro latino-americano a assumir o posto. A seleção de artistas de Pedrosa foi fortemente marcada pela presença de artistas brasileiros, sobretudo dos indígenas, caso do coletivo MAHKU, autor do painel frontal do Pavilhão Central dos Giardini.

A busca da diversidade rendeu elogios. “A exposição internacional de Adriano Pedrosa combina o antigo e o novo para minar as narrativas ocidentais, mas ainda cria um levantamento convincente da arte contemporânea global, na qual a arte queer se destaca”, escreveu o crítico Ben Luke na “The Art Newspaper”. Chloe Stead, da revista “Frieze”, ressaltou como a exposição “celebra a migração, reconhecendo-a não apenas dentro do quadro clichê de indivíduos do Sul Global em busca de uma ‘vida melhor’ no Ocidente mais próspero, mas como uma forma vital pela qual ideias, culturas e tradições cruzaram o globo durante séculos”.

Mas a curadoria de Pedrosa também recebeu críticas negativas. No jornal inglês “The Guardian”, Adrian Searle ressaltou que a exposição deixou seus visitantes “incertos quanto à capacidade da arte de nos unir num mundo em crise. [A mostra estava repleta] do clamor de vozes conflitantes e de propósitos duvidosos”. Searle pontuou ainda que teria preferido uma edição mais sucinta — para efeito de comparação, a seleção de Pedrosa trouxe um total de 332 artistas, contra 213, em 2022.

Obras da ceramista paraguaia Julia Isidrez, uma das artistas indígenas participantes da Bienal de Veneza — Foto: Ding Musa//Gomide & co

Com Pedrosa à frente da curadoria, havia uma expectativa de promoção da arte brasileira, em especial no mercado secundário, e de um boom comercial para produção de povos originários, este aventado por veículos especializados, caso de “The Art Newspaper”. Segundo a publicação inglesa, “‘Veja em Veneza, compre em Basel’ é a frase divulgada a cada dois anos, depois que colecionadores vasculham a Bienal de Veneza em busca de novos artistas jovens e depois vão para a Art Basel para adquiri-los”.

Para Thiago Gomide, da Gomide & Co, que representa a ceramista paraguaia Julia Isidrez, uma das artistas indígenas participantes da exposição italiana, a promessa se cumpriu. “De modo geral, tive meu melhor ano da história. As vendas cresceram 100% em relação ao ano passado”, afirma. “E as obras da Julia foram adquiridas pelo Masp, pelo Museu de Arte de Denver e o Museo del Barrio de Nova York após Veneza.”

Numa nota também otimista, a 60 Bienal de Veneza, terminada em 24 de novembro, atraiu 699.304 espectadores — ainda que inferior ao recorde de mais de 800 mil pessoas estabelecido pela 59 edição, a de 2022, o contingente representa o segundo maior público nos 129 anos de história do evento.

“Rebanhos do Céu” (2008), de Ivan Campos, que integra o 38º Panorama da Arte Brasileira no MAC USP — Foto: Andre Teixeira/Divulgação

Antes de Veneza, outra notícia importante movimentou as artes visuais: o anúncio do curador da 36 Bienal de São Paulo, que acontecerá entre setembro de 2025 e janeiro de 2026, com o título “Nem Todo Viandante Anda Estradas – Da Humanidade como Prática”. Radicado em Berlim, o camaronês Bonaventure Soh Bejeng Ndikung assumiu o posto, divulgando em junho uma “equipe conceitual” que o acompanhará na concepção do projeto curatorial, formada pelos brasileiros Keyna Eleison e Thiago de Paula Souza, a suíça Anna Roberta Goetz, a marroquina Alya Sebti e a alemã Henriette Gallus. Falta definir a lista dos artistas selecionados.

Num apanhado das principais exposições realizadas em São Paulo, vale destacar a exposição visitada do Masp em 2024: “Francis Bacon: a beleza da carne”, que em 111 dias de visitação recebeu 190.290 pessoas. No circuito Sesc, “Quase Circo”, de Carmela Gross, fechou 2024 com o maior público entre as unidades da instituição: 166.194 espectadores. O Instituto Inhotim (MG) teve a maior visitação dos últimos sete anos: mais de 335 mil pessoas.

No Rio, um dos destaques foi a mostra “Conversa entre coleções”, que levou quase 25 mil visitantes à Casa Roberto Marinho. No Museu de Arte do Rio (MAR), “FUNK: Um grito de ousadia e liberdade” teve o maior público da instituição ao longo de 2024, e a mostra foi convidada a representar o Brasil na França, em Lille, em abril de 2025. No CCBB carioca, uma das exposições de maior êxito foi a retrospectiva “Luiz Zerbini - Paisagens Ruminadas”.

O ano foi desafiador para o Museu de Arte Moderna de São Paulo, que, devido a reformas na marquise do Ibirapuera, precisou montar o 38º Panorama da Arte Brasileira no MAC USP. Para Cauê Alves, curador-chefe do MAM, a exposição foi um sucesso, no entanto: “Deu muito certo, e considero, sem falsa modéstia, a mostra mais importante do ano em São Paulo, para não dizer no Brasil. Quantas exposições você conhece que já tiveram 38 edições?”.

O mercado de arte também teve uma notícia favorável vinda do Congresso, com a inclusão da comercialização de obras de artistas brasileiros no regime diferenciado da reforma tributária, mecanismo que reduz a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em 60%. Este era um pleito do setor, expresso por iniciativas como o Coletivo 215, criado em maio pelas feiras SP-Arte e ArtRio e ainda pelas associações de galeria dos mercados primário e secundário, Abact e Agab, respectivamente.

A fundadora e diretora da SP-Arte, Fernanda Feitosa, ressalta que a formação do Coletivo foi essencial para assegurar essa tributação do setor de artes visuais. Ela argumenta que o modelo tributário recém-aprovado, além de mais simples, permite que a arte brasileira permaneça “viva na cena internacional”. Ainda assim, pondera, as alíquotas no Brasil serão mais elevadas do que em países como França (5,5%), Reino Unido (5%), EUA (7%) e Hong Kong (zero).

Outra notícia bem recebida pelo mercado partiu de uma pesquisa do UBS feita em parceria com a Art Basel: o Brasil liderou em compra de obras de arte no primeiro semestre. Colecionadores do país compraram, em média, 15 obras no período, enquanto a média no mundo foi de 11.

O ano termina com a expectativa de duas inaugurações em 2025: no interior do Paraná, do Parque Geminiano Momesso, museu ao ar livre nos moldes do Instituto Inhotim, de Minas Gerais; em São Paulo, do anexo do Masp. Projeto do escritório de arquitetura Metro, o Edifício Pietro Maria Bardi vai abrigar, a partir de março, cinco galerias expositivas, espaços multiuso, salas de aula e laboratório de conservação. O prédio irá aumentar em até 66% os espaços expositivos da instituição.

Mais recente Próxima Melhores livros de 2024 refletem um ano conturbado

Agora o Valor Econômico está no WhatsApp!

Siga nosso canal e receba as notícias mais importantes do dia!