O Banco Central divulga nesta segunda-feira os resultados dos estudos iniciais para a emissão do real digital, iniciativa que criará a versão com tecnologia cripto da moeda brasileira. Mas o que exatamente é o real digital? Para entender é preciso começar pelo conceito de CBDC.
Uma Moeda Digital de Banco Central (CBDC, na sigla em inglês) é uma criptomoeda, que como qualquer moeda digital, apoia-se em uma tecnologia blockchain para existir, mas que é emitida e controlada pela autoridade monetária do país, com valor exatamente igual ao da contraparte física. Ou seja, um real digital deve sempre valer R$ 1,00.
A ideia de emitir versões tokenizadas das divisas soberanas veio do setor privado, que criou as chamadas stablecoins, que são criptomoedas atreladas ao valor de uma moeda tradicional soberana como dólar, euro e real. A maior de todas as stablecoins, o tether (USDT), cresceu mantendo a paridade de um para um (1:1) com o dólar americano.
Essas moedas foram criadas para atender à necessidades dos usuários de entrar no mundo dos criptoativos sem as limitações do sistema financeiro tradicional. Isso significa que, para estes investidores, era importante ter uma representação do dólar (ou do real) que pudesse ser operada 24 horas por dia, sete dias por semana, e sem a cobrança de taxas de conversão de câmbio na hora de trocar esta moeda por algum criptoativo.
O sucesso das stablecoins privadas chamou a atenção dos bancos centrais, que passaram a estudar a possibilidade de criar suas próprias criptomoedas deste tipo. O benefício para a autoridade monetária é poder ter o controle da blockchain, tornando mais difícil o uso desses ativos para lavagem de dinheiro, por exemplo.
Principais conceitos e dúvidas sobre o real digital:
Criptomoedas, dinheiro eletrônico e CBDC
As criptomoedas são normalmente unidades de pagamento por operação e serviços dentro de comunidades de ativos digitais. A emissão é privada, o risco é o de viabilidade e de solvência dos projetos, os preços têm alta oscilação e são formados de acordo com as negociações e a disponibilidade. Não necessariamente, as criptomoedas têm características de moedas fiduciárias como meio de pagamento, reserva de valor e unidade de conta.
Já a CBDC é a versão tokenizada, emitida a partir da tecnologia dos criptoativos, das moedas fiduciárias - ou seja, expressa sob a forma de token e complementa a oferta de cédulas e moedas metálicas em circulação na economia.
O dinheiro eletrônico, movimentado por meio de cartões de crédito e débito além do Pix, são na verdade contratos de depósitos bancários em nome de determinada empresa ou pessoa. Quando alguém envia um Pix ou paga algo com cartão, manda uma ordem de transferência de parte do seu dinheiro depositado (ou que será depositado, se for crédito) em um banco para depósito em nome de outra pessoa ou empresa.
Com a CBDC, em tese, a cédula tokenizada que está na carteira digital de uma pessoa poderá ser transferida para a de outra pessoa ou empresa, sem passar por um banco. Em tese, porque o desenho brasileiro de real digital prevê a transferência dos chamados depósitos tokenizados, ou seja dentro de instituições financeiras ou de pagamento. Na China, a CBDC de fato sai da carteira digital de um usuário para outro.
Segurança cibernética
Pode parecer irrelevante, se no final a transação provavelmente vai ocorrer da mesma forma seja ela um depósito tokenizado ou uma moeda digital, mas as implicações contratuais, jurídicas, de ciberssegurança e custo são grandes. Primeiramente, o depósito tokenizado passa necessariamente por uma ou várias instituições financeiras ou de pagamentos que cobra por isso.
Já o dinheiro depositado no banco é regido por um contrato em que o banco deve determinado valor ao correntista ou cliente - por esse motivo, o banco é responsável pelo valor depositado, o que no mundo dos ativos digitais envolve toda a custódia e gestão de chaves que podem ser alvo de hackers.
Vantagens em relação às transações eletrônicas
Mas se o real digital servirá como pagamento exatamente como o Pix e os cartões, qual a vantagem dessa tecnologia?
A novidade é o que o real digital não será apenas mais um meio de pagamento. A mudança maior é que será possível programar pagamentos e transações, que poderão ser iniciadas até por objetos como veículos e geladeiras, de forma autônoma, dispensando bancos e demais intermediários.
Essa desintermediação e autonomia dos contratos inteligentes dos criptoativos tem o potencial de permitir o financiamento de projetos e negócios que hoje não interessam aos bancos nem são viáveis no mercado de capitais tradicional. Por exemplo, os empréstimos pessoa a pessoa, a negociação de frações de imóveis e de valores mobiliários que hoje não estão disponíveis no varejo, entre outras opções. Em alguns casos, a tokenização poderia ajudar o tomador de empréstimo a conseguir provar suas garantias. O consumidor poderia, por exemplo, tokenizar seu celular e o valor seria incluído na sua capacidade de pagamento.
Além disso, com o crescimento da economia da chamada web3, que envolve temas como o metaverso e foca na propriedade digital dos usuários da internet, a tokenização do real torna-se um importante facilitador, pois a própria moeda soberana do país pode ser usada como rampa de acesso para esse ecossistema.
CBDC de atacado x varejo
Uma CBDC de atacado é voltada para transações de valores elevados dos participantes do sistema financeiro (bancos, cooperativas de crédito, instituições de pagamento etc) e eventualmente grandes empresas. O risco é o soberano, garantido pelo Banco Central, como as moedas físicas.
Já o token do real digital de varejo atende necessidades do dia a dia de pagamentos e liquidação de pessoas físicas de todos os portes. No desenho brasileiro, a versão tokenizada do real, na verdade, será um depósito bancário, com risco da instituição em que é originada a transação. Em caso de quebra, o usuário tem que recorrer ao Fundo Garantidor de Créditos, como nos demais depósitos.