Determinante para aumentar índices de produtividade, inovação e competitividade, a educação precisa ocupar um lugar estratégico no planejamento das empresas. De acordo com especialistas e líderes de grandes companhias, a escassez de mão de obra é um dos principais entraves para deslanchar projetos críticos e está na lista das maiores preocupações das chefias nos próximos anos.
Dados de uma pesquisa da consultoria PwC com 4,4 mil CEOs em cem países, inclusive o Brasil, mostram que a falta de competências adequadas nos times é o terceiro fator que mais pode afetar a lucratividade das empresas no país nos próximos dez anos, possibilidade apontada por 57% dos gestores, depois da chegada de inovações tecnológicas (67%) e de mudanças no comportamento do consumidor (63%).
“As novas tecnologias estão transformando o mundo dos negócios e trazem a necessidade de promover uma rápida evolução [no conhecimento] das equipes”, diz Camila Cinquetti, sócia da PwC Brasil. Para a especialista, a fim de driblar esse desafio, as companhias podem recorrer a programas de upskilling (especialização e aprofundamento em temas atuais), estratégia adotada pela maioria (74%) das empresas no país, conforme o estudo da consultoria.
“A organização também deve ‘olhar’ para as habilidades que os colaboradores têm, pois podem não estar aproveitando, ao máximo, as competências que os times já têm”, recomenda. Um levantamento da PwC com 54 mil profissionais em 46 países, sendo mil no Brasil, sinaliza que 34% dos brasileiros dizem ter habilidades “não evidentes” nos históricos de trabalho.
“As tendências em educação corporativa apontam para diferentes abordagens, como o incentivo ao aprendizado constante da força de trabalho, treinamentos híbridos [presencial e on-line] e disponibilidade de conteúdo para o colaborador acessar quando quiser”, detalha.
Ana Inoue, superintendente do Itaú Educação e Trabalho, parte da Fundação Itaú que incentiva a implantação de políticas de educação profissional e tecnológica, diz que é fundamental analisar o futuro das profissões para desenvolver “hoje” as competências mais críticas.
“Precisamos promover situações de aprendizagem que desafiem os profissionais a encontrar soluções para diferentes tipos de problema e que desenvolvam a criatividade, o raciocínio lógico e a proatividade, bem como as competências digitais e a capacidade de estabelecer relações”, destaca.
Para a professora Paula Chimenti, coordenadora do MBA Executivo do Coppead, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das principais queixas das chefias é ter que dispensar talentos por conta da falta de “soft skills” ou competências socioemocionais. “É muito comum ouvir executivos falarem que contratam as pessoas por conta das ‘hard skills’ [competências técnicas] e demitem por causa das ‘soft skills’”, afirma.
Nessa linha, as maiores lacunas nos currículos, segundo Chimenti, são a incapacidade de enxergar a realidade de forma mais ampla, de trabalhar com a incerteza de cenários e lidar com as próprias emoções. “A escola e o mercado não nos ensinam a entender isso”, avalia. “A maior dificuldade é se permitir a aprender e rever conceitos. Entrar na zona de ‘desconforto’ pode ser difícil, mas é essencial para o aprendizado.”
No dia a dia das empresas, a professora recomenda que a melhor atitude das lideranças para conseguirem incrementar as “soft skills” nos times é não apontar apenas o certo e o errado nas tarefas ou comandar projetos baseados em “certezas absolutas”. “Devemos criar um ambiente de segurança e de uma troca franca para que todos possam aprender uns com os outros”, ensina.
Na Aegea, concessionária privada de saneamento, o trabalho para dotar a mão de obra com as competências mais demandadas nos expedientes tem como guia o modelo de negócios da companhia. “O desafio de universalizar o setor [de saneamento] passa pelo desenvolvimento de profissionais que compreendam as peculiaridades do país, com diferentes características socioeconômicas e geográficas”, explica Márcia Costa, vice-presidente de gestão de pessoas.
Desde 2014, a companhia de 18 mil empregados conta com a Academia Aegea, área de educação corporativa que oferece cursos para integrantes de todos os níveis hierárquicos, com opções que vão de palestras temáticas a programas de graduação e MBAs “in company”. Somente em 2023, foram mais de 510 mil horas de treinamento, um avanço de 56% em relação a 2022, com uma média de 36 horas investidas por funcionário, número 16% maior do que o registrado no ano anterior. “Os gerentes e diretores somaram quase 30 mil horas de aulas, volume 325% superior ao total de 2022”, diz Costa.
No fim do ano passado, a empresa testemunhou também a graduação da primeira turma de um MBA em saneamento. A iniciativa da Academia Aegea, desenvolvida com a Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), formou 32 profissionais.
Na Direcional Engenharia, com mais de oito mil funcionários, as frentes de capacitação são usadas também para brecar o turnover, segundo Valéria Plata, diretora de desenvolvimento humano. “A Diri Academy tem treinamentos on-line e presenciais, ações de coaching e mentorias”, explica. De janeiro até a primeira quinzena de abril de 2024, foram concluídas mais de 1,5 mil horas de aulas que impactaram 7,5 mil pessoas.
“Somente no primeiro trimestre de 2024, atingimos 35% do número de horas do ano anterior, com o dobro de profissionais envolvidos”, afirma. Plata conta que um dos principais entraves que a empresa enfrenta para treinar pessoal é impulsionar os cursos para diferentes públicos na organização. “É essencial manter as equipes motivadas e garantir que os conteúdos estejam adequados aos objetivos da companhia”, ensina.
Para empresas que estão montando unidades de qualificação, a dica da executiva é focar na maior adesão do quadro. “É necessário proporcionar treinamentos curtos e objetivos, além de ter conteúdos com uma linguagem simples e direta”, afirma ela, que revela que novas atividades estão sendo estruturadas para a formação de jovens profissionais. “Vamos garantir pessoas preparadas para o crescimento da empresa.”