Foi em meados deste ano que o consultor empresarial Jose Medeiros Filho, 55 anos, morador de São Luís (MA), abriu mão da sua viagem internacional com a família a Vancouver, no Canadá, programada para este mês de dezembro. O motivo: as perspectivas de um dólar mais caro. Ele antecipou uma tendência que se acelerou nas últimas semanas com a rápida desvalorização do real. O ritmo de alta do dólar é um fator que tem feito o brasileiro replanejar suas viagens internacionais, levando muitos a trocar por destinos domésticos.
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O cenário tem ligado uma luz amarela, com a moeda americana superando os R$ 6, e o setor de turismo já prevendo queda nas vendas futuras.
Em abril, Medeiros começou a se programar para viajar no Natal com sua esposa e três filhos. Mas desde então, o dólar entrou em uma tendência de alta, levando o consultor a recalcular a rota. “Gosto muito de viajar, mas eu desisti por causa do câmbio e também das tarifas aéreas. Seria uma viagem para cinco pessoas”, disse. Como plano B, ele decidiu passar o Natal com sua família em casa e fazer uma viagem curta pelo Brasil no ano novo. “Minha ideia agora é fazer poupança com antecedência, comprar e ir no ano que vem. Vamos ter de ter planejamento e nos adequar ao preço”, disse, destacando não ter esperanças de uma tarifa tão mais favorável no ano que vem.
O cenário de migração na demanda tem sido percebido pela CVC, maior agência de viagens do Brasil. “Nas últimas semanas [de dezembro após o dólar passar os R$ 6], vimos as vendas para viagens nacionais saltarem 34% contra o ano passado, já nos cruzeiros nacionais as vendas se aceleraram em 30%. Enquanto isso, o volume internacional tem crescido 6%”, contou Fabio Godinho, CEO da CVC. Antes da derrocada do câmbio, o crescimento nessas três categorias rondava os 20%.
Godinho explicou que a parcela de clientes de alta renda continua viajando independentemente do preço. “No caso dos que mantêm a viagem internacional, vimos um crescimento de 28% nas vendas para o Caribe nas últimas semanas. Isso porque nesse roteiro a gente consegue fazer em 12 vezes sem juros toda a viagem em resort ‘all inclusive’, além do aéreo”, disse, sinalizando que a facilidade de pagamento tem sido uma alternativa para que o consumidor continue viajando.
Por enquanto, Godinho disse que a indústria não tem visto uma queda na demanda por viagens, pelo contrário. Na Black Friday deste ano a CVC vendeu 40% mais do que na edição do ano passado. Para o ano que vem, ele destacou que a previsão das aéreas é de aumentar a oferta de assentos internacionais no mercado brasileiro na casa de 10%.
“Por enquanto não vemos uma queda no lazer, mas vamos ver como o mercado vai se comportar”, disse. Um lado sensível, ponderou, é a viagem corporativa, uma vez que diante da subida de juros e dólar mais caro, as empresas começam a buscar formas de economizar. “Com isso, a viagem a trabalho pode virar, sim, uma teleconferência”, disse.
Ana Carolina Medeiros, presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav Nacional), destacou que o mercado internacional do Brasil tem crescido de forma significativa. “Vimos cada vez mais o olhar de fora para o Brasil”, disse.
Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o Brasil registrou uma movimentação internacional de 2,1 milhões de passageiros em novembro, recorde da base histórica da Anac, que começou há cerca de 25 anos. Em relação a novembro de 2023, o aumento na movimentação foi de 14%.
Mas a ida do brasileiro para fora, ponderou, tem sido cada vez mais complexa. “Nós últimos 15 dias, começamos a ver uma mudança no perfil de compra. Todo mundo está muito assustado com o câmbio. Com isso, o cliente resolve esperar, ou reduz a estadia”, contou. Medeiros reforçou ainda a migração de clientes que antes sempre viajavam ao exterior optando por pacotes domésticos.
Em nota, a Latam disse que a elevação da taxa de câmbio aumentará muito os seus custos - mais de 60% dolarizados, a exemplo do combustível. “Isto tem impacto negativo nas perspectivas de 2025, aumentando preços e desestimulando viagens de forma geral. Custos e preços mais altos e menor demanda”, disse.
Por enquanto, na Air France-KLM, a alta do dólar não tem sido um motor de queda na demanda por viagens, sinalizou Manuel Flahault, diretor-geral da Air France KLM para a América do Sul, em conversa recente com jornalistas em São Paulo.
“Certamente monitoramos de perto isso [o cenário econômico]. Quando olhamos para a curva de reservas, por enquanto ela não tem sido afetada. Não vemos uma inversão na tendência da demanda para 2025. Vamos ver se ela vai continuar assim. Estamos confiantes. Hoje, aumentar a capacidade é um desafio e precisa de confiança no mercado”, disse, destacando que os aviões são disputados por outros mercados do grupo - vence a região que voar mais.
Segundo o executivo, o Brasil vai continuar a ser um mercado forte para se investir. Na média, os voos do grupo para o Brasil têm registrado uma ocupação de 91,6% entre janeiro e novembro deste ano.
A Azul foi procurada para comentar o tema, mas não se manifestou. Durante Azul Day, no início de dezembro, em Nova York, os executivos da empresa sinalizaram que as altas do dólar já estavam levando a uma subida no valor da tarifa aérea.
“A indústria está reagindo a esse aumento. Tivemos a Black Friday, mas antes registramos recordes de tarifa. E isso é bom. A indústria deve reagir. Há uma curva de reservas e demora para recompor preço, mas a história mostra que conseguimos”, afirmou Abhi Manoj Shah, presidente da Azul, em conferência no início de dezembro.
A Gol também foi procurada, mas não se manifestou.