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Por , Prática ESG — São Paulo


Assim como a música, a gastronomia e o cinema, a perfumaria também bebe da mesma estratégia de engajamento com o público: o despertar das emoções humanas. Dependendo da fragância, uma pessoa pode se sentir encorajada, fortalecida, curada, animada e até mais calma. Foi este o tom que ditou as falas de cinco perfumistas internacionais, reconhecidos pela sua experiência de décadas na profissão e por ocuparem posições relevantes nas principais casas de perfumes do mundo, em especial na França. Eles vieram ao Brasil a convite de O Boticário e participaram de um evento na exclusiva Soho House, em São Paulo, na última quarta-feira (30).

Alienor Massenet (da casa de fragrância Symrise), Cécile Matton (Mane), Frank Voelkl (Firmenich), Louise Turner (Givaudan) e Pascal Gaurin (IFF) contaram curiosidades sobre suas carreiras, os processos criativos e como veem o futuro da perfumaria. Cada um dos profissionais criou uma fragrância exclusiva para o evento.

A tecnologia e práticas que respeitam o meio ambiente estão entre as tendências. O Prática ESG conversou com Cécile Matton, da Mane, e Frank Voelkl, da Firmenich, para entender como a sustentabilidade tem permeado seu trabalho.

Boticário promoveu evento com cinco renomados perfumistas em São Paulo — Foto: Boticário/ Divulgação
Boticário promoveu evento com cinco renomados perfumistas em São Paulo — Foto: Boticário/ Divulgação

“Realmente temos que repensar a maneira como construímos nossa fórmula para empregar uma certa quantidade de ingredientes renováveis ​​de carbono, como a quantidade de componentes naturais, por exemplo. Eu gosto de chamar isso de ginástica cerebral; é um desafio, mas, ao mesmo tempo, estimula você a chegar ao mesmo resultado de uma maneira muito diferente”, destaca Voelkl.

Ele reforça que, ao repensar o que sempre é feito, priorizar o uso de ingredientes novos, mais sustentáveis, os profissionais da perfumaria poderão chegar a novos lugares. “Você também pode inovar de certa forma.”

Voelkl pondera que a consciência das pessoas - perfumistas e consumidores - pode variar de lugar para lugar, mas afirma que, em geral, as pessoas pesquisam mais, são mais curiosas e se sentem também mais responsáveis pelo meio ambiente. “Eles não querem prejudicar o planeta. E então eu acho que a consciência, em geral, a tendência é de crescimento”, diz.

Para Cecile Matton, uma das questões mais importantes hoje é o upcycling, que, na indústria de cosméticos e perfumaria, consiste no uso de toda a matéria-prima, para a produção de novos itens, e o consumo mais consciente, proporcionado pelas próprias características do perfume. “Sustentabilidade é sobre a durabilidade do perfume”, defende. Para ela, se, com poucas borrifadas, um perfume continua emanando a fragrância por um período prolongado, o uso será muito mais consciente e a necessidade de reposição mais espaçada, bom para o meio ambiente.

Ela diz que sua empresa tem o slogan ‘We Do It Greener’, ou seja, nós fazemos isso de maneira mais verde, sustentável. Conta que foi criado um programa que contabiliza o nível de sustentabilidade de cada ingrediente, uma espécie de calculadora do carbono renovável (CR), que compreende a biomassa, dióxido de carbono e materiais recicláveis. “A Mane continua ainda trabalhando para melhorar o processo de fabricação, sintetização, das moléculas para que os ingredientes que já usam e os novos sejam cada vez mais verdes. Quando sintetiza as moléculas.”

Frank Voelkl, perfumista sênior na Firmenich: biotecnologia é uma das fronteiras a ser explorada pela indústria e está ligada também à sustentabilidade — Foto: Boticário/ Divulgação
Frank Voelkl, perfumista sênior na Firmenich: biotecnologia é uma das fronteiras a ser explorada pela indústria e está ligada também à sustentabilidade — Foto: Boticário/ Divulgação

Upcycling

A circularidade também é uma preocupação cada vez maior das perfumarias internacionais. A busca pelo aproveitamento de 100% das matérias-primas, menor desperdício e também a eficiência dos processos de extração e produção para reduzir o volume de matérias-primas necessárias são as principais tendências no campo.

“Temos trabalhado com o máximo aproveitamento dos ingredientes. Então, se eu tira uma raíz, como o gengibre, ou a casca da laranja, que tem um determinado olfativo, eu aproveito todo o resto do gengibre e da laranja para outras finalidades, outros olfativos. Isso é upcycling, lixo zero; uso o máximo que consigo aproveitar”, explica Frank Voelkl, perfumista sênior na Firmenich, com mais de 20 anos de experiência na indústria de fragrâncias e criador do The Blend do Boticário.

Ainda com o exemplo da laranja, ele explica que cada parte de uma fruta, raíz, produto natural, tem diferentes características, que encaixam em combinações também diferentes de fragrâncias.

“Da laranja se usa a florzinha antes da laranja nascer [flor de laranjeira] para conseguir um tipo de nota que é completamente diferente da que eu tenho quando a laranja nasce. Da casca basicamente tiramos os óleos essenciais, os voláteis da casca. Do bagaço, hoje a indústria, principalmente a de fitoterápicos, usa o extrato Citrus Aurantium, que tem poder de inibir a vontade de comer doce, como suplemento, por exemplo, Ou seja, o aproveitamento total das matérias-primas tem evoluído bastante”, conta.

Os processos de extração também evoluíram para diminuir o volume de matérias-primas naturais extraídas para a fabricação das essências. Voelkl cita que a produção do perfume Lily, do Boticário, é feita a partir de uma técnica artesanal de extração de óleos de flores chamada de enfleurage. Neste caso, aplicada para obtenção da essência de lírios.

“O que geralmente acontece é que as flores eram usadas, mas sobrava todo o restante da planta: caule, raiz, folhas… Então, a gente desenvolveu um projeto internamente e hoje a gente usa todas as partes do lírio para obter um ativo antioxidante usado nas linhas de cuidados”, conta.

Outro projeto em andamento na Firmenich é o uso do pigmento do lírio, que é cor-de-rosa, para ser usado como um bio-pigmento de maquiagem. “Estamos no processo de estabilização do pigmento para uso em maquiagem. A intenção é aproveitar ao máximo a matéria-prima”, diz Voelkl.

O método de extração enfleurage consiste em colocar as pétalas de flores em uma camada de gordura inodora para que esta absorva os compostos aromáticos. A gordura é embebida e batida no álcool, onde os ingredientes são dissolvidos. Quando o álcool evapora, o produto que permanece é chamado de pomada de absoluto, que contém uma concentração altíssima do óleo essencial. Apesar de ser uma técnica desenvolvida no século 18, o processo caiu em desuso por séculos por ser moroso, ter baixos rendimentos e utilizar gordura animal. No entanto, nos últimos anos tem sido retomado e aprimorado, utilizando hoje gordura vegetal e sendo um processo orgânico.

Na Maine, por exemplo, a técnica também tem sido usada e o óleo aplicado sobre as flores é um vegetal e natural, de jojoba. “A enfleurage é uma técnica bem antiga, mas voltou agora com força e é muito interessante do ponto de vista da sustentabilidade”, afirma Cécile Matton.

Assim como a indústria de cosméticos evoluiu para produtos mais naturais, orgânicos, com menos químicos e sem ingredientes de origem animal, a perfumaria tem se transformado para atender às exigências do público.

Alguns ingredientes, por exemplo, deixaram de ser usados, como é o caso do musk, era obtido através das glândulas do veado-almiscareiro, um cheiro intenso que mesclava suor, urina e fezes. Usado em uma determinada quantidade mínima ideal, ele tem o poder de realçar outros ingredientes. Hoje, ele é reproduzido quimicamente e inserido nos perfumes de forma sintética.

Outros ingredientes passaram pelo mesmo processo de substituição por reconstruções em laboratórios, tais como âmbar e algumas flores leves da perfumaria, como muguet, magnólia, frésia e peônia.

Cecile Matton, perfumista da Mane: técnicas de extração de óleos de flores, como a enfleurage, voltaram a ser usadas pelas casas de fragâncias — Foto: Boticário/ Divulgação
Cecile Matton, perfumista da Mane: técnicas de extração de óleos de flores, como a enfleurage, voltaram a ser usadas pelas casas de fragâncias — Foto: Boticário/ Divulgação

O uso de tecnologia

Voelkl, da Firmenich, lembra que a tecnologia desempenha hoje um grande papel do dia a dia das pessoas e na perfurmaria não poderia ser diferente. “Também usamos IA, não necessariamente para substituir o processo criativo, mas para nos ajudar com todas as outras coisas, como regulamentação, segurança, estabilidade e outras”, comenta.

A aplicação de biotecnologia também é vista como uma tendência da perfumaria que se interconecta com sustentabilidade. “O que é realmente importante para nós é ter novas maneiras de extrair ingredientes”. Ele reitera que é comum as pessoas pensarem que usar apenas produtos naturais é a melhor solução, mas, destaca o profissional, do ponto de vista do meio ambiente, “se todos estivessem usando apenas produtos naturais, nós esgotaríamos nosso planeta”. “A biotecnologia é importante porque é uma maneira sustentável, natural de ter novos ingredientes disponíveis para o processo criativo”, afirma.

Conta que a Firmenich está desenvolvendo um novo método de extração que lembra o processo do do microondas e que possibilitará extrair ingredientes que nunca conseguiram antes. “Você obtém notas completamente novas que nunca tivemos antes, como, por exemplo, extrato de pimentão”, diz.

Cecile Matton conta que a Mane utiliza uma tecnologia ‘ecofriendly’ chamada Jungle Essence, que extrai os pequenas amostras de extratos das matérias-primas com alto nível de qualidade e pureza, o que permite que as moléculas odoríferas sejam identificadas e, posteriormente, recriadas em níveis de produção industrial. A extração usa fluidos supercríticos e não precisa de energia externa. “É diferente da técnica Headspace. É mais sustentável”, diz.

A técnica headspace, desenvolvida na década de 1970 e amplamente usada, consiste em usar um polímero de alta adsorção, geralmente um tipo de resina orgânica, para capturar as substâncias aromáticas de determinada matéria-prima. Isso é feito isolando-a por vidrarias. É considerada uma técnica sustentável porque permite a análise em laboratório para identificar as moléculas aromáticas do ambiente sem danificá-lo. Depois, elas também são reproduzidas em laboratório. Diferente do método clássico que captura moléculas em ambiente confinado ao permitir capturar as moléculas ao ar livre.

Preocupação com as pessoas

A pressão dos stakeholders leva a indústria de perfumes a revisar suas práticas para minimizar seu impacto negativo no mundo e ser uma agente de impacto positivo.

“A pressão [de stakeholders para a indústria ter práticas sustentáveis] está sempre presente. Ela vem do cliente, mas também de nós mesmos. Não se trata apenas dos ingredientes, toda a cadeia de produção passa a ser observada, desde o transporte, o abastecimento das matérias-primas e as pessoas”, pontua Cécile Matton, da Mane.

Para ajudar as populações que fabricam as matérias-primas, conta, sua empresa busca ajustar a remuneração para que elas tenham uma boa qualidade de vida para garantir também a perenidade do seu trabalho. “A Mane tem uma preocupação com relação às matérias-primas que vêm de lugares onde a população é mais desfavorecida. Ela se preocupa em garantir que os salários sejam bons e para que, dessa forma, o sustento dessas famílias seja perene.”

Não importa o gênero

A discussão de igualdade de gênero também permeia a perfumaria. Voelkl, perfumista da Firmenich, comenta que a associação de uma determinada fragrância a um determinado gênero é algo que está evoluindo. “Não importa se você é homem ou mulher ou qualquer gênero ao qual você se sinta associado. É mais sobre quem você é, a pessoa que você é. É claro que há fragrâncias associadas à masculinidade e outras à feminilidade e sensualidade, mas as pessoas querem algo que caiba nelas e que não precise ser perfeito”, comenta.

Louise Turner, perfumista da casa Givaudan, durante sua fala, também contou que tenta driblar esses estereótipos em suas criações, especialmente em fragrâncias femininas, as que mais gosta de desenvolver. “Eu gosto de combinar notas mais amadeiradas, consideradas mais masculinas, com as notas mais doces em perfumes femininos. Essa combinação, antagônica a princípio, traz às mulheres uma sensação de empoderamento. Gosto muito de fazer fragrâncias femininas”, comenta a perfumista, conhecida por ter criado fragrâncias para marcas como Roberto Cavalli, Thierry Mugler, Maison Martin Margiela, Carolina Herrera, La Perla, Lancôme, Hugo Boss e outros. Também é a criadora de Her Code do Boticário.

Louise Turner, perfumista da casa Givaudan: Preferência é pela criação de fragâncias femininas — Foto: Boticário/ Divulgação
Louise Turner, perfumista da casa Givaudan: Preferência é pela criação de fragâncias femininas — Foto: Boticário/ Divulgação

Perfume também é arte

Os cinco perfumistas no evento reforçaram que a criação de um perfume se aproxima à arte.

“Cada fragrância que crio funciona como uma trilha sonora — um convite a revisitar sensações e memórias, como se você estivesse ouvindo um álbum do qual nunca se cansa ou usando um perfume que, quando o frasco esvazia, você compra outro”, conta Pascal Gaurin, renomado perfumista francês e vice-presidente sênior de Perfumes na IFF.

Inspirado pelo efeito da música desde cedo, ele usa o mesmo processo criativo de descoberta de novos tons e combinação de sensações. Já desenvolveu fragrâncias para marcas prestigiadas como Michael Kors, Vera Wang e Tom Ford. É também o nome por trás da fragrância Malbec do Boticário.

Pascal Gaurin, perfumista francês e vice-presidente sênior de Perfumes na IFF — Foto: Boticário/ Divulgação
Pascal Gaurin, perfumista francês e vice-presidente sênior de Perfumes na IFF — Foto: Boticário/ Divulgação

Alienor Massenet, da casa Symrise e criadora do Floratta Red do Boticário, destacou a conexão que vê entre o perfume e uma obra de arte, que pode trazer “o cheiro das macieiras da Normandia ou a grandiosidade do Taj Mahal”. Ela acredita que o futuro da perfumaria consiste em fórmulas mais enxutas e com o uso de inteligência artificial para surpreender e encantar os apaixonados por perfumes.

O Brasil voltou este ano ao Top 3 de venda de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos em 2023, ultrapassando o Japão e atrás somente dos Estados Unidos e China, segundo a Euromonitor International. Mas a pauta da sustentabilidade ainda é algo pouco observado pelos consumidores. As vendas do setor somaram R$ 156,5 bilhões ano passado, crescimento de quase 13%.

Alienor Massenet, da casa de fragâncias Symrise — Foto: Boticário/ Divulgação
Alienor Massenet, da casa de fragâncias Symrise — Foto: Boticário/ Divulgação

Falsificação

Um tópico importante para a indústria de perfumes é a falsificação. Cecile Matton, perfumista da Mane, lembra que não é possível, hoje, patentear um perfume, o que abre margem para cópias que tentam replicar as notas olfativas contidas em renomados perfumes.

Em alguns casos, conta a profissional, até o nome dado ao perfume e sua embalagem lembram o produto original, justamente para confundir o consumidor. “Essa é a verdadeira falsificação”, aponta. Mas lembra que as pessoas são quem, na prática, alimentam essa indústria da cópia.

Sem proteção formal à criação também fica mais fácil para concorrentes acompanharem o que cada um está fazendo, quais produtos são mais vendidos e apreciados pelo consumidor.

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