Com a recente aprovação da Coronavac para crianças entre 3 e 5 anos, dois desafios principais se colocam no cenário. O primeiro é a disponibilidade das vacinas. O Ministério da Saúde não antecipou o pedido de compra ao Instituto Butantan e o estoque de 1,2 milhão de doses dos Estados é muito menor do que o novo público, estimado em 5,6 milhões que precisarão de duas doses. O segundo problema à vista é o receio de muitos pais e mães que não se sentem seguros para vacinarem seus filhos contra a covid, uma questão que preocupa pediatras e infectologistas. Quem entende do assunto garante que a vacina é segura e orienta que a ameaça à saúde das crianças é a doença, e não o imunizante.
“A Coronavac cumpriu todos os rituais antes de ser liberada e os eventos adversos na população pediátrica são menos frequentes do que em adultos e adolescentes. Menos dor, menos febre”, comenta o pediatra e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri. “Não há razão para temer. Nunca se teve uma experiência tão grande com uma vacina como está acontecendo com os imunizantes contra a covid. São quase 12 bilhões de aplicações em todo o mundo e essa experiência de dois anos e meio só confirmou a segurança que os estudos mostraram anteriormente”.
André Scarpitta, que trabalha em uma corretora do mercado financeiro e é pai de uma menina de três anos, disse que tem receio porque sua filha apresentou reações mais fortes do que o comum após tomar outras vacinas. “A Lorena sempre teve reações bem fortes com todas. Considerando as reações que nós [ele e a esposa] tivemos com a da covid, essa é a nossa preocupação em não levá-la no primeiro momento”. Outro fator que o leva a não considerar a vacinação da filha com urgência é a crença de que o contágio e os sintomas na idade dela são menos preocupantes.
Contudo, Kfouri esclarece que a covid é de longe a doença que mais tem matado crianças até cinco anos na comparação com outras doenças que são prevenidas com vacina, como meningite, sarampo, rubéola, entre outras do calendário pediátrico. Além disso, a possibilidade de contágio de covid entre crianças e adultos é a mesma.
Segundo uma lista de especialistas em saúde infantil coordenada pelo Ministério da Saúde, 1.508 crianças de até cinco anos morreram por covid em 2021 e 2022, enquanto as doenças que compõem a Lista Brasileira de Mortes Evitáveis somaram 44 no mesmo período. Entre 2012 e 2021, o total foi 498 mortes. Ou seja, em dois anos, a covid matou o triplo de crianças de até cinco anos do que todas as outras doenças vacináveis.
“Tenha medo da doença. Ela tem mostrado impacto muito grande nas crianças. Embora os casos de hospitalizações e mortes sejam menos frequentes do que em adultos, ela não é negligenciável”, orienta o pediatra. Para ele, as campanhas de negacionistas que espalham mentiras sobre as vacinas têm feito com que muita gente não preste atenção às informações que realmente importam e fazem pais serem incoerentes ao ponto de não vacinarem os filhos enquanto eles próprios já estão protegidos.
Nesse sentido, critica o Ministério da Saúde citando o caso do ministro Marcelo Queiroga, que chegou a visitar uma menina que apresentou reações à vacina exagerando algo considerado normal, e lembra que o presidente Jair Bolsonaro reitera frequentemente que não se vacinou. “Tentaram boicotar a vacina em todas as idades, mas quando chegou nas crianças, os tesouros dos pais, fica até mais difícil de competir”, declara Kfouri.
Outro pai que conversou com o Valor disse que não pretende vacinar a filha porque a esposa possui uma doença rara autoimune e chegou a ficar internada após se vacinar contra a covid por reação ao imunizante, segundo ele. O receio é o de que a criança tenha o mesmo gene e apresente reação adversa grave.
A professora da Universidade federal do Espirito Santo Ethel Maciel, que é PhD em epidemiologia, diz que casos de reações graves à vacina são raros e, embora um acompanhamento mais próximo seja bem-vindo nessas situações, a chance da criança ser contaminada por covid e ter sequelas de longo prazo são maiores.
“Quando falamos em bilhões de doses, é normal alguém apresente evento adverso. Isso acontece com qualquer medicamento, mas é um percentual muito pequeno, e esperado”, diz a epidemiologista. “Porém, quando se trata de estratégia de saúde coletiva, os benefícios são imensamente superiores. A chance da criança se infectar com covid numa pandemia e ter uma infecção, com possibilidade de sequelas da chamada covid longa são maiores do que ter a mesma reação da mãe. A vacinação é a melhor forma de proteção”, conclui Ethel Maciel.