O Brasil só será um país próspero se despoluir suas águas costeiras e interiores. Águas poluídas são fontes de doenças e, além de sofrimento humano, geram custos adicionais para os sistemas de saúde pública e privada. A poluição afeta negativamente a qualidade de vida da população, prejudicando o lazer e o bem-estar. Águas poluídas afetam a economia, prejudicando o abastecimento de água potável, a pesca, o turismo, a indústria e o comércio, dentre outros. Além disso, geram impactos ambientais sobre os ecossistemas aquáticos, com impactos sobre a biodiversidade e os serviços ambientais. O acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito humano essencial, fundamental e universal, indispensável à vida com dignidade e reconhecido pelas Nações Unidas como condição para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos.
O novo marco do saneamento, instituído pela Lei 14.026/2020, trouxe importantes avanços e estabeleceu metas ambiciosas de despoluição: garantir, até 2033, que 99% da população brasileira receba água potável e que 90% tenha esgoto tratado.
Entre 2011 e 2021, o setor recebeu investimentos públicos e privados médios para despoluição da ordem de R$19,4 bilhões por ano. Infelizmente, os aportes ainda estão muito aquém do necessário. Levantamento do Instituto Trata Brasil aponta que será preciso aportar R$44,8 bilhões todos os anos para que as metas do novo marco legal sejam atingidas até 2033. Neste cenário, surge uma lacuna de investimento da ordem de R$598 bilhões até a data da meta estabelecida pela Lei.
A iniciativa Imagine Brasil, coordenada pela Fundação Dom Cabral e com a colaboração de diversas instituições e lideranças, definiu a despoluição das águas costeiras e interiores como um de seus focos prioritários. Foi elaborada uma revisão de literatura sobre o estado da arte do conhecimento técnico e científico. Foram também realizadas rodadas de debates entre os principais atores, incluindo empresas públicas e privadas de saneamento. Existem caminhos claros. O Brasil possui tecnologia e capacidade técnica e institucional. Existem recursos disponíveis nos bancos de desenvolvimento nacionais e internacionais. O Congresso Nacional possui uma massa crítica sobre o tema e o Governo Federal já manifestou interesse em aprimorar o marco legal vigente.
Dentre as propostas formuladas pelo Imagine Brasil, cumpre destacar três. Primeiro, é necessário trazer esse tema para um patamar mais elevado de importância para a sociedade brasileira. É necessário ampliar o conhecimento da população sobre os malefícios da poluição por meio de campanhas de conscientização e programas de educação nas escolas. Como recomendação de tema prioritário para as propostas dos candidatos às eleições municipais do próximo ano, a sociedade precisa cobrar planos, metas e compromissos claros dos governantes.
A segunda proposta é um aprofundamento do debate sobre as melhores alternativas para aprimorar as políticas públicas voltadas para a despoluição e o desenvolvimento sustentável do país. O embate entre o executivo e o legislativo deve ir além das linhas ideológicas que dividem os que são a favor ou contra a privatização. Em alguns casos, instituições governamentais de saneamento são as mais apropriadas e, em outros, é mais apropriada a gestão por empresas privadas. O país já possui experiência em ambos modelos de gestão, que precisam ser analisados com o devido rigor técnico, evitando os riscos da ideologização do debate. Precisamos construir uma grande convergência nacional para despoluir as águas do Brasil.
A terceira proposta é fazer um consórcio de bancos, liderados pelo BNDES e Caixa Econômica Federal, e incluindo o Banco Brics, Banco Mundial, BID, CAF, KfW, dentre outros bancos internacionais para mobilizar os recursos necessários. Os bancos privados também podem ser convidados também para esse grande esforço de investimento na prosperidade nacional. Trata-se de um investimento de cerca de 600 bilhões de reais, que pode e deve mobilizar os grandes atores do financiamento em obras de infraestrutura.
Apenas em Manaus, o trabalho de despoluição já gera 5 mil empregos e deve chegar a 10 mil empregos diretos para alcançar a meta de despoluição de 90% até 2033. No Brasil, caso tenhamos os recursos financeiros para alcançar a meta, devemos gerar cerca de 12 milhões de empregos diretos.
Vale lembrar que a poluição das águas é um fator de injustiça ambiental. O segmento mais pobre da nossa sociedade sofre de maneira desproporcionalmente maior os efeitos da poluição. A falta de saneamento, com esgoto a céu aberto em favelas e bairros de baixa renda é um indicador claro disso. As ambiciosas políticas sociais do atual governo devem considerar o investimento em despoluição como uma ação necessária para diminuir as desigualdades.
Uma das diferenças entre o Brasil de hoje e os países desenvolvidos é a poluição das nossas águas interiores e costeiras. Em países como o Japão, Alemanha e Noruega os rios, lagos e praias têm baixíssimos níveis de poluição e isso é um fator que contribui para o bem estar humano e a economia desses países. Um outro exemplo para ilustrar a viabilidade e benefício da despoluição das águas, é a Coreia do Sul, modelo de gestão hídrica, que em 50 anos conseguiu revolucionar o saneamento do país, garantindo água e coleta de esgoto a toda população. Para esta transformação, a Coreia do Sul fez do desenvolvimento do setor de água parte integrante da transformação da economia, adotou metas, desenvolveu e aplicou leis, fortaleceu as instituições e recursos financeiros para viabilizar a execução das metas. O governo também atuou em um monitoramento rigoroso e na responsabilização das instituições sobre os avanços no setor. A mudança da relação das pessoas com a água ao longo de processo também é reflexo do processo educativo da população. Finalmente, Chegou a hora, ou já passou da hora, do Brasil priorizar a despoluição das nossas águas como etapa necessária para se tornar um país próspero.